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    TELETANDEM: CRENAS E RESPOSTAS DOS ALUNOS

    Joo A. TELLES1 Fbio Augusto MAROTI2

    Resumo: O presente artigo se insere dentro de um conjunto de trabalhos de pesquisa referentes ao Projeto TELETANDEM Brasil: Lnguas estrangeiras para todos, desenvolvido na Universidade Estadual Paulista. Um dos objetivos do projeto a investigao dos processos comunicativos de ensino/aprendizagem in-tandem. Neste artigo enfocamos alguns casos de sucesso e insucesso de teletandem. As anlises so feitas da perspectiva scio-construtivista de pesquisa qualitativa, buscando compreender quais aspectos contribuem e obstruem a interao longa distncia pelo Teletandem. Os casos enfocam problemas encontrados pelos alunos e nossas tentativas de propor explicaes e solues. Alguns desses problemas esto ligados s crenas dos praticantes acerca de autonomia e de motivao. Conclumos o artigo com algumas reflexes acerca do ensino/aprendizagem in-tandem no contexto virtual no qual se insere o projeto.

    Palavras-chave: crenas; motivao; autonomia; conscincia; tandem.

    INTRODUO

    Considerando os aspectos prticos e tericos do conceito do teletandem, o presente estudo pretende analisar alguns processos de comunicao de ensino/aprendizagem de lnguas em meio virtual, no contexto do projeto Teletandem Brasil: Lnguas estrangeiras para todos. Este projeto utiliza o teletandem como uma das modalidades do ensino/aprendizagem in-tandem. O teletandem faz uso dos aspectos oral (ouvir e falar), escrito (ler e escrever), e de imagem (de webcam) por meio dos recursos de teleconferncias em udio/vdeo do Windows Live Messenger. Teoricamente fundamentado em uma agenda pedaggica, poltica e social de ensino/aprendizagem de lnguas estrangeiras, o Teletandem Brasil proporciona o contato direto de alunos universitrios brasileiros com falantes nativos de outros pases. O projeto implementa o teletandem no contexto universitrio como um espao de aproximao e comunicao entre universitrios brasileiros e universitrios de lnguas e culturas de outros pases.

    Do ponto de vista pedaggico, o presente estudo enfoca alguns processos de teletandem e algumas das crenas trazidas pelos alunos acerca do ensino/aprendizagem no ensino de lnguas estrangeiras. Nele, inclumos fatos e consideraes acerca (a) das estratgias individuais de ensino/aprendizagem de lnguas estratgias metacognitivas (Barcelos, 2001), (b) do uso de material didtico adequado, e (c) da prpria conscientizao dos praticantes quanto autonomia (Paiva, 2006) do processo de auto-aprendizagem.

    Do ponto de vista do uso ferramenta, analisamos a utilizao dos recursos tecnolgicos de voz (fala e escuta), de texto (escrita e leitura) e de imagem (webcam), pelos

    1 UNESP Universidade Estadual Paulista. FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa.

    2 Bolsista do Ncleo de Ensino de Assis

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    alunos, praticantes de teletandem. Os alunos utilizaram aplicativos como o SKYPE e o Windows Live Messenger, os quais abrem possibilidades para que as duas lnguas e suas respectivas culturas entrem em contato. Investigamos, tambm, as possibilidades de utilizao dos recursos de registro de udio, vdeo e texto, a partir dos contedos produzidos nas interaes. O corpus da pesquisa constitudo de dados coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas com alunos de graduao, praticantes de teletandem, em uma faculdade de Letras. Esses alunos estavam em processo de interao com seus parceiros estrangeiros de teletandem, nativos em suas respectivas lnguas. Foram feitas anlises individuais dos dados, tendo como referncia a anlise qualitativa, interpretativista (Altheide & Johnson, 1998; Denzin, 1998) e a fenomenologia hermenutica de Max van Manen (van Manen, 1990).

    As perguntas de pesquisa que orientaram nossa investigao foram:

    Que crenas trazem os alunos de Letras, praticantes do teletandem, sobre o ensino/aprendizagem de lnguas estrangeiras no contexto virtual?

    Que relaes podemos traar entre as crenas evidenciadas e algumas das dificuldades observadas?

    Qual a natureza das dificuldades encontradas pelos parceiros nos processos de teletandem?

    Esperamos que este estudo tambm possa contribuir para a utilizao do computador como ferramenta de articulao de contextos interativos, por meio do teletandem, com vistas formao de professores de lnguas. O presente artigo prope reflexes que enfocam alguns dos problemas encontrados nas prticas de teletandem de alunos universitrios, participantes do Projeto TELETANDEM Brasil: Lnguas estrangeiras para todos (Telles, 2005).

    FUNDAMENTAO TERICA TELETANDEM: UMA PROPOSTA ALTERNATIVA NA APRENDIZAGEM DE LNGUAS ESTRANGEIRAS ASSISTIDA POR COMPUTADORES

    Para Telles & Vassallo (2006), Teletandem um novo modo de aprender lnguas estrangeiras mediado pelo computador e que faz uso simultneo da produo oral, escrita, leitura, compreenso oral e imagens de webcam dos participantes (p.96). Segundo esses autores, os processos de ensino/aprendizagem se do por meio de sesses regulares de conversao distncia, utilizando os recursos de udio, chat, quadro de comunicaes e imagens de webcam do aplicativo Windows Live Messenger. Essas sesses devem ter objetivos didticos, os quais so determinados autonomamente pelos prprios pares que trocam as lnguas a cada hora. A sesso de teletandem deve ter uma parte de insumo lingstico no qual aquele que ensina a sua prpria lngua nativa deve fornecer informaes

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    sobre a estrutura, o lxico, expresses idiomticas e aspectos de sua cultura (Telles & Vassallo, 2006).

    O incio da prtica se d logo nos primeiros contatos entre os pares interagentes via e-mail. Por meio desses contatos iniciais, de acordo com Brammerts (2003), ambos os interagentes estabelecem metas especficas, segundo suas necessidades. Essas metas funcionam como alicerces que ajudam os pares interagentes a estruturarem o ensino/aprendizagem in-tandem e fazem com que esses pares percorram grande parte das instncias que permeiam uma interao, sem que estes se desviem do ponto central ou dos objetivos previamente por eles definidos. Exemplos dessas metas so: O que desejam alcanar com a prtica de TANDEM? O que esperam? Qual; ou quais finalidades? Quais competncias desejam desenvolver? Deste modo, os pares interagentes definem os objetivos que iro nortear seus esforos. Junto aos objetivos propostos, os participantes devero definir, tambm, o melhor horrio para ambos, se adequando ao fuso-horrio e disponibilidade de tempo de cada um. Isso para que no haja desencontros, sempre respeitando o tempo mnimo de duas horas semanais estipulados pelas Instrues para Teletandem do Projeto Teletandem Brasil (ver www.teletandembrasil.org).

    O teletandem surge em um contexto no qual as barreiras geogrficas so minimizadas e novas fronteiras so abertas pelas oportunidades de comunicao distncia e a eficincia com a qual o indivduo utiliza os aplicativos para tal fim, ampliando seu espao num mundo globalizado. Warschauer (2000) 1 , citado em Buzato (2001), explica:

    1 Trecho traduzido por BUZATO (2001).

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    (...) As sociedades industriais do passado esto dando lugar a uma nova ordem econmica ps-industrial baseada na manufatura e distribuio globais, na produo flexvel e personalizada, na aplicao da cincia, da tecnologia e do gerenciamento de informaes como elementos chave da produtividade e do crescimento econmico; e no aumento da desigualdade entre aqueles que controlam recursos tecnolgicos e de mdia e aqueles que carecem de acesso tecnologia e ao know-how. (p. 511).

    Deste modo, o presente trabalho de utilizao do computador como ferramenta pedaggica para o ensino de lnguas estrangeiras se faz relevante, na medida em que se enquadra nas perspectivas do mundo globalizado e tecnolgico, mesmo que tal enquadramento traga em seu bojo complexas conseqncias sociais e polticas a ele atreladas1.

    O crescente avano tecnolgico, refletor da era da informao, tem contribudo, cada vez mais, para a democratizao do acesso comunicao internacional e tambm promovido iniciativas no campo da educao distncia. Nesse contexto, se inserem os processos de ensino/aprendizagem de lnguas estrangeiras por teletandem, os quais, por meio de uma ao pedaggica inovadora, possibilitam o intercmbio de informaes e comunicao sncrona de pares falantes nativos de diferentes lnguas utilizando a fala, a escuta, a leitura e imagens a custo quase zero.

    TELETANDEM, COLABORAO ENTRE OS PARES E OS PRINCPIOS SCIOINTERACIONISTAS

    Trabalhando, de forma colaborativa, os pares de teletandem tornam-se professores de suas prprias lnguas (Cziko & Park, 2003) e aprendizes de uma lngua alvo. No que tende formao dos professores de lnguas estrangeiras, o contexto instrucional e de aprendizagem do teletandem pode contribuir para a formao inicial e continuada de professores de lnguas em formao e para o desenvolvimento de suas competncias comunicativas, alm da capacitao dos mesmos para o uso de ferramentas tecnolgicas.

    Neste estudo, tomamos como base os princpios scio-interacionistas (Vygotsky, 1989a; 1989b). Partimos do pressuposto de que, nas interaes entre os pares de teletandem, o conhecimento socialmente co-construdo na interao entre os parceiros por meio da linguagem. O aprendiz leva as novas informaes aos seus esquemas de conhecimento e constri novos significados que lhe so relevantes. Uma das caractersticas da aprendizagem colaborativa pode ser a interao de pessoas com nveis de conhecimentos e habilidades (da lngua alvo) diferentes, sendo que o papel daquele com maior conhecimento2 encontrar caminhos para ajudar o outro a aprender, oferecendo-lhe uma ponte para progredir para um nvel acima daquele possudo pelo outro parceiro. justamente nesta zona de

    1 Ver Vassalo (2007) sobre o poder na interao via Teletandem.

    2 No caso do teletandem, aquele que j adquiriu as habilidades que o outro deseja aprender (Brammerts & Calvert,

    2005:50).

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    desenvolvimento proximal (Vygostky, 1976) que se insere o processo de aprendizagem por meio do teletandem, pois, em sintonia com este autor, consideramos a aprendizagem dos pares interagentes como construo compartilhada de conhecimentos e o prprio conhecimento como resultante da co-construo de significados. No caso do teletandem, tal co-construo no ocorre somente em nvel da lngua estrangeira, mas tambm em mltiplos nveis cognitivos e scio-culturais.

    TELETANDEM, AUTONOMIA DO APRENDIZ E CURRCULO

    Segundo Telles & Vassallo (2006), a autonomia outra marca do teletandem, pois nele os interagentes so responsveis por estabelecer, de modo colaborativo, o cronograma das sesses, seu contedo e mtodo de ensino que a elas seja mais adequado e eficiente. Deste modo, o aluno-aprendiz tende a se tornar sujeito do prprio processo de aprendizagem. Assim, no se trata apenas da disciplina pessoal1, mas tambm da responsabilidade para com o outro e para consigo prprio durante a prtica do ensino/aprendizagem. Tal responsabilidade pressuposta em nvel de decises relativas elaborao, conduo e gerenciamento das aulas e do material lingstico que emerge das interaes durante as sesses de teletandem. Segundo Brammerts (2003), a aprendizagem in-tandem requer, tambm, a mediao de um professor de lngua estrangeira que seja qualificado para exercer a funo de orientador. No contexto tecnolgico-pedaggico do teletandem, tal mediao tambm se faz necessria.

    O currculo do teletandem se estabelece com base nas necessidades individuais de cada um (Telles & Vassallo, 2006). Por esse motivo, a necessidade de reflexo acerca da aprendizagem se faz muito importante, j que dela depende a formulao e reformulao dos objetivos do aprendiz. Tratamos, aqui, do ato de ensinar que se afasta de certas prticas vigentes da pedagogia tradicional de ensino de lnguas estrangeiras, tal como a lio frontal do professor frente sua classe. O teletandem abre espao para a autonomia e requer a reflexo do professor em formao, tanto acerca do seu prprio desenvolvimento, quanto acerca da relao com o seu par de teletandem.

    O ESPAO VIRTUAL DO TELETANDEM: SOCIALIZAO, NEGOCIAO E CHOQUES DE CRENAS

    O processo inicial de negociao entre os pares do teletandem desempenha um papel importante para ganho da confiana, motivao e desenvolvimento da atividade conjunta inerente a tal tipo de abordagem de ensino/aprendizagem de lnguas distncia. uma etapa importante e das mais complexas, na qual podem surgir vrias tenses e impasses devido multiplicidade de crenas trazidas pelos praticantes de teletandem de seus respectivos

    1 Disciplina vista como envolvimento, de acordo com Spolin (1976) e Telles & Vasallo (2006).

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    contextos culturais. Cada aluno que pratica teletandem, alm de trazer consigo as crenas referentes ao modo de aprender lnguas estrangeiras sua cultura de aprender1, traz, tambm, os esteritipos do pas e o valor que d lngua-alvo e cultura na qual ela falada. Tais crenas entram em interao a partir do momento dos primeiros contatos entre os parceiros que iniciam um processo de teletandem. Esses parceiros habitam, portanto, espaos fsicos, culturas e lnguas diferentes. Tais espaos no necessariamente se delimitam por meras dimenses geogrficas. Cada um constitudo por crenas de suas respectivas culturas. Assim, as crenas de ambos os praticantes de teletandem se modificam, na medida em que o espao virtual de contato do teletandem por eles modificado. De acordo com Viana (1993, citado em Barcelos, 2001), os indivduos constroem suas identidades com base na realidade cultural que os cercam. Essas realidades culturais esto impregnadas de pressupostos, conceitos e pr-conceitos que norteiam o indivduo para uma realidade de valores ticos e estticos gerando crenas. O confronto de um indivduo com uma realidade cultural diferente da sua pode ser muito interessante e proveitoso para o seu desenvolvimento humano. No entanto, s vezes, tal confronto pode ser conflituoso e pleno de tenses. Por causa de conceitos coercivos, pessoais ou da sua cultura, alguns indivduos so levados reavaliao dos prprios conceitos e adaptao de valores frente a uma realidade divergente da sua. Algumas pessoas no conseguem lidar com tal adaptao de valores, gerando um conflito interno muito grande. No contexto do teletandem, este conflito pode ser bastante nocivo, a partir do momento em que dele surjam crenas negativas a respeito do parceiro e da prtica de teletandem. Para Barcelos (1995) 2,

    (...) as crenas no so somente um conceito cognitivo, mas tambm social, porque nascem de nossas experincias e problemas, de nossa interao com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca. (p. 132)

    Tentando abordar as crenas dos indivduos de pontos de vista social e psicologicamente antagnicos, Viana (1993) afirma que:

    As crenas so pessoais, contextuais, episdicas e tm origem nas nossas experincias, na cultura e no folclore. As crenas tambm podem ser internamente inconscientes e contraditrias. (Viana, 1993, citado em Barcelos, 2001).

    Acreditamos, com Barcelos (2004), que essas crenas podem vir a se tornar esteretipos. Estes, por sua vez, podem vir a ser direcionados no mais a um nico indivduo, mas tambm, em outras dimenses, ideologicamente agregados ao ambiente coletivo - ao grupo, etnia - no qual se insere o seu par. Tal constatao nos parece relevante, principalmente, para o contexto de comunicao inter-cultural no qual realizamos o nosso

    1Almeida Filho (1993) refere-se a esta expresso como maneiras de estudar e se preparar para o uso da lngua-alvo, consideradas como normais pelo aluno e tpicas de sua regio, etnia, classe social e grupo familiar, restrito, em alguns casos, transmitidas como tradio, atravs do tempo, de uma forma naturalizada, subconsciente e implcita (p.13). Ver, tambm, Barcelos (1995) para um estudo das crenas de aprendizes que revelam sua cultura de aprender. 2 (ver definies de Barcelos, 1995, Miller & Ginsberg, 1995; Riley, 1997).

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    estudo - o projeto Teletandem Brasil, do qual participam jovens alunos de graduao em contato virtual com jovens integrantes de outras culturas e lnguas.

    Segundo Barcelos (2004), as mudanas no pensamento dos professores em relao aos alunos tambm trouxeram um outro olhar sobre os fenmenos que sempre existiram dentro da sala de aula, mas nunca receberam devida considerao. Observaram que os alunos possuam estratgias individuais de aprendizagem. Alguns destes alunos tinham uma progresso considervel, enquanto outros progrediam lentamente. Foram feitos estudos sobre estas tcnicas individuais de aprendizagem que mostravam que elas estavam diretamente ligadas aos anseios, necessidades, expectativas dos alunos acerca dos modos que seriam mais eficazes para aprender uma lngua estrangeira. Estas estratgias individuais podem ser explicitadas por meio de um processo de reflexo no qual o aluno promove o desenvolvimento da sua autonomia. No contexto do presente estudo, essas constataes trazidas pela pesquisa na rea de crenas puderam nos auxiliar na compreenso de certos comportamentos autnomos dos alunos no contexto da prtica do teletandem, como demonstraremos mais abaixo. Portanto, essas consideraes tericas acerca das crenas do aprendiz tambm nos auxiliaram a obter uma viso da prtica social de contato lingstico e cultural por meio do teletandem.

    METODOLOGIA

    Com uma abordagem qualitativa e scio construtivista de pesquisa, na qual pesquisador e objeto pesquisado esto interativamente ligados e os achados da pesquisa, do ponto de vista epistemolgico, so literalmente criados conforme a pesquisa feita (Denzin & Lincoln, 1998), nossa inteno foi produzir significados (ou interpretaes) a partir das descries dos participantes acerca de seus processos de teletandem, enfocando, principalmente, os primeiros contatos entre os praticantes. Isto porque, do ponto de vista ontolgico e em sintonia com Denzin & Lincoln (1998), as realidades so apreendidas pelos participantes do teletandem na forma de construes mentais mltiplas que so social e empiricamente fundamentadas e situadas e de natureza especfica (as culturas, o pas e o contexto interacional do teletandem, respectivamente). A metodologia adotada neste estudo est, portanto, em consonncia viso que tivemos das crenas dos participantes, as quais dependem, em suas formas e contedos, de pessoas e grupos especficos dos participantes de teletandem que detm essas construes.

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    MTODO

    Conversa reflexiva: o instrumento de coleta

    Os dados utilizados neste estudo so provenientes de conversas reflexivas (Yonemura, 1982) com os alunos praticantes de teletandem e participantes do Projeto TELETANDEM Brasil. Essas conversas foram gravadas em udio e, subseqentemente, transcritas. Nessas conversas, mediadas por um de ns, pesquisadores, os praticantes fizeram uma reflexo sobre suas prticas de ensino/aprendizagem no contexto virtual do teletandem. Por meio do modelo de abordagem metacognitiva (Barcelos, 2001), buscamos uma integridade maior dos dados e informaes coletadas, j que as entrevistas se deram de forma mais malevel, se aproximando de uma conversa informal.

    Mtodo de anlise dos dados

    Desta forma, uma vez obtidos os significados assinalados pelos participantes s suas experincias, demos incio a um processo de re-interpretao de tais significados; processo este que foi terica e metodologicamente orientado. Assim, acreditamos que as crenas dos indivduos tm natureza social e varivel e que construes individuais podem ser eliciadas e refinadas entre os participantes e o pesquisador como, por exemplo, por meio de uma entrevista reflexiva na qual o participantes do significados s suas experincias e o pesquisador resignifica tais significado, tanto durante a prpria entrevista, por meio de comentrios, quanto quando escreve a anlise dos dados ou o texto/artigo de pesquisa.

    O mtodo de anlise adotado foi hermenutico-fenomenolgico (van Manen, 1991); isto , a partir das transcries das entrevistas, o primeiro passo para o pesquisador foi dispor de um texto que contivesse as descries (significados) das experincias dos participantes. Em um segundo passo, este texto foi segmentado segundo os temas que emergiam das entrevistas processo de tematizao (van Manen, 1991). O terceiro passo foi aprofundar os detalhes de cada tema abordado durante as entrevistas e levantar aqueles que eram relevantes e recorrentes leitura linha por linha (van Manen, 1991). Finalmente, o quarto passo se constituiu em produzir textos de pesquisa (Clandinin & Connelly, 2000), nos quais buscamos terica, metodolgica e empiricamente orientandos, produzir interpretaes acerca daquilo que diziam os participantes acerca de suas experincias com teletandem.

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    RESULTADOS DA ANLISE Primeira pergunta de pesquisa: Que crenas trazem os alunos de Letras, praticantes do teletandem, sobre o ensino/aprendizagem de lnguas estrangeiras no contexto virtual? Crenas sobre colaborao e prazer de aprender

    O relacionamento colaborativo, por meio do qual os interagentes compartilham objetivos (no necessariamente comuns), um fator importante no processo de teletandem. Isso porque, desta colaborao, dependem outras caractersticas que podem garantir o xito desta prtica. Vejamos, abaixo, alguns exemplos de crenas acerca de compartilhamento de interesses e de prazer trazidas pelos alunos entrevistados:

    Fabiana/Entrevistada: (...) ela d aula numa universidade l. E agora ela t fazendo um curso de portugus tambm. Ela est muito interessada. muito gostoso fazer Tandem com a Amy, porque ela uma pessoa interessadssima na cultura e na lngua portuguesa.

    FAB:37-41 [nossa nfase]

    Podemos observar no excerto, acima, a relao existente entre prazer e interesse no processo colaborativo de teletandem. O interesse de Amy pela cultura e pela lngua portuguesa d relao de teletandem certo prazer. Fabiana considera que a prtica de tandem com Amy seja muito prazerosa, pelo fato de sua parceira demonstrar interesse por sua cultura e lngua.

    A prtica de teletandem exige no somente interesse, mas envolvimento entre os pares em forma de colaborao. Fabiana acredita que sua parceira traga uma obrigao intrnseca (para ns, comprometimento) ao fazer teletandem. De fato, acreditamos, com Fabiana, que as razes portuguesas de Amy despertem, de algum modo, o seu interesse pela lngua portuguesa. Tal interesse e comprometimento estariam mediando1 a interao e favorecendo o seu envolvimento na atividade de teletandem.

    Fabiana/Entrevistada: , se bem que ela tem intrnseca um pouco de obrigao sim. Vou te explicar por qu. Ela ta escrevendo um livro meio fico meio realidade, sobre a famlia dela, que tem razes portuguesas. Ento, tem sim a um fundo de obrigao. Mas ela tem muita afinidade com a lngua. Ela gosta de aprender a lngua.

    FAB:41-47 [nossa nfase]

    O nvel de proximidade na relao entre os parceiros outra crena que se apresenta no discurso de Fabiana, quando ela discute sua prtica do teletandem com Amy. Acima, Fabiana nos relata sua relao de amizade com sua parceira e sua dvida (Eu tenho medo...) quanto possibilidade de um excesso de proximidade entre as duas vir a atrapalhar a prtica de teletandem. No excerto, abaixo, Fabiana delineia uma distino entre relao de amizade e relao acadmica. Para ela, a afinidade entre os pares importante para o

    1 Intervindo, no sentido de auxiliar, coordenar, buscar uma certa ordem na organizao.

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    estabelecimento de uma boa parceria colaborativa de teletandem. No entanto, Fabiana acredita que uma relao de excessiva proximidade com sua parceira possa comprometer a prtica acadmica com mtodos especficos, com fins especficos. Para ns, a crena de aprender colaborativamente de Fabiana parece requerer certo distanciamento entre os interlocutores.

    Fabiana/Entrevistada: (...) ns nos tornamos amigas. legal at certo ponto, mas eu tenho uma preocupao quanto a isso. Eu tenho medo de extrapolar o nvel da amizade, a gente t se comunicando super bem, mas eu tenho medo de que isso possa afetar as sesses. Se voc tiver a fim de aprender s a lngua, no. Mas se voc tiver pensando numa forma mais organizada, com mtodos especficos, com fins especficos, da pode atrapalhar.

    FAB:58-62 [nossa nfase]

    Fabiana tambm acredita que a afinidade1 existente entre ela e seu par a ajude a se aproximar do ingls, diminuindo a distncia que antes existia entre ela e a lngua. O excerto, abaixo, ilustra o papel importante da relao entre os pares envolvidos para se obter tal sensao de afinidade e um menor estranhamento no contato entre lnguas e culturas. Acreditamos que, alm de proporcionar uma maior espontaneidade aos pares, devido confiana estabelecida entre ambos, um relacionamento de afinidade entre eles promova o desenvolvimento da atividade de teletandem, por meio da diminuio da timidez e maior aceitao de diferenas.

    Fabiana/Entrevistada: (...) Eu percebi que a lngua ali, a gente praticando, a lngua est mais prxima por causa dela. No aquela coisa abstrata mesmo, artificial. Ela gosta muito do que eu fao. A gente tem afinidade. Isso aproxima a gente, isso aproxima a gente mais da lngua. Acabando essa distncia que h entre eu e a lngua, eu acho que vai melhorar.

    FAB:185-191 [nossa nfase]

    Nos relatos de pessoas que no obtiveram xito em suas prticas de teletandem fica claro o fato de que a falta de compromisso com o processo de teletandem pode ser percebida pelo outro interagente, desmotivando-o a continuar e afetando o seu prprio comprometimento com a aprendizagem. Vejamos os exemplos que ilustram tal fato:

    Camila/Entrevistada: (...) eu tenho medo de fazer que nem a Roberta. De entrar... e no ter o compromisso... eu no quero, porque eu acho que isso desestimula, porque eu fiquei desestimulada mesmo depois desses dois encontros... ento eu no quero entrar e depois dar uma desculpeira (...) pra pessoa... e... porque eu sei que isso desestimula a outra pessoa.

    CA: 778-788 [nossa nfase]

    Roberta, a parceira de teletandem de Camila, entrou em frias sem avis-la. Tal descontinuidade do acordo mtuo (quebra do princpio de reciprocidade do teletandem) a desestimulou. Por este motivo, Camila acredita que deva haver compromissos e regras entre ambas, para que a atividade colaborativa flua. A sensao de medo e o modo como lida com sua crena de compromisso podem ser depreendidos no excerto, acima. Camila parece

    1 Afinidade como tendncia combinatria, coincidncia de gostos ou de sentimentos.

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    trazer a crena de que a prtica do teletandem exige envolvimento pessoal, por isso, teme no ter o compromisso necessrio para realiz-la e, em conseqncia, desestimular sua parceira.

    Ticiana, outra brasileira que pratica teletandem em ingls, relata a sua frustrada experincia de teletandem, no que diz respeito reciprocidade de compromisso. No caso especfico, o desinteresse e a falta de compromisso so recprocos. Ticiana diz:

    Ticiana/Entrevistada: Ele mandou um e-mail uma vez falando que ele tava muito ocupado. Pedindo desculpa, mas eu acho que tambm faltou um pouco de interesse da minha parte porque eu no corri atrs. Eu tambm desisti. Acho que, de certa forma, ele sentiu isso em mim. E eu senti isso nele.

    TIC: 406-409 [nossa nfase]

    Neste excerto, acima, temos outra evidncia da importncia do se fixar compromissos e de se estabelecer, claramente, os objetivos do teletandem entre os pares. Por exemplo, Ticiana iniciou a prtica de teletandem mais por uma simples curiosidade do que por determinao em aprender a lngua inglesa. Poderamos supor que seu parceiro tenha percebido o seu grau de envolvimento e, por isso, teria perdido a motivao. Trata-se, no entanto, de mera especulao, porque no dispomos de dados que comprovem tal fato e que avaliem todas as instncias que permearam esta atividade. Ticiana reconhece que tanto o seu desinteresse quanto o de seu parceiro contriburam para o malogro de sua prtica de teletandem. Lembramos, aqui, a metfora daquela bicicleta tandem, que tem dois lugares e os dois ciclistas devem se empenhar em fazer um trabalho colaborativo de pedalar, para que a bicicleta se mantenha em movimento. exatamente esta a metfora que melhor ilustra os princpios de reciprocidade e colaborao implcitos na atividade de teletandem.

    Crenas sobre comunicao mediada: Novas dimenses.

    Um dos motivos que faz a prtica de TANDEM via Windows Live Messenger ser interessante a possibilidade de comunicao visual pela webcam. Sabemos que a comunicao no est pautada exclusivamente pela fala. Ela se apresenta de vrias maneiras, por meio de todos os nossos sentidos sejam eles tteis, visuais, etc. Ana, outra participante entrevistada, mostra sua reflexo acerca da comunicao oferecida por esses novos recursos na atividade do teletandem:

    Ana /Entrevistada: (...) a gente j fez tambm o Tandem com web [webcam] e sem web [sem webcam] (...) E eu gostei mais quando a gente podia se ver, justamente por poder captar um pouco dessas coisas que esto por fora do que a gente escreve no MSN, n, e do que a gente ouve um do outro somente. (...)

    ANA:77-82 [nossa nfase]

    O excerto, acima, sugere que Ana acredita que exista algo alm da escrita e da parte oral da lngua (coisas que esto por fora). Acesso s coisas que esto por fora

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    (provavelmente, por fora da conversa pelo chat e por udio) se d por meio da cmera. Podemos inferir essas constataes por meio da fala da entrevistada: E eu gostei mais quando a gente podia se ver (...) coisas que esto por fora. Ana traz a crena de que existem dimenses paralingsticas da comunicao - expresses da face, a percepo do plano que est por detrs daquilo que falado e se expressa naquilo que pode ser visualmente percebido pelas imagens de webcam da parceira as coisas que esto por fora. O aplicativo Windows Live Messenger lhe proporciona o meio de acesso a tais dimenses paralingsticas e tal recurso proporciona prazer (Eu gostei mais quando a gente podia se ver.) atividade de teletandem. Este prazer ao qual se refere Ana de poder ver o seu interlocutor parece estar ligado ao conceito de telepresena (Steuer, 1993), cujas bases esto nos conceitos de vivacidade e interatividade1 proporcionados pelos recursos da mdia (o computador e o aplicativo Windows Live Messenger) que produzem a virtualidade do teletandem. Tal plano abordado por outra entrevistada Camila:

    Camila/Entrevistada: E outra coisa voc conversar com algum que voc sabe como... ela me mandava as fotos... mas... voc v a pessoa, se ela t gostando ou no, se ela t entendendo, porque pelo rosto d pra ver se ela t entendendo o que eu t falando, por que eu falo muito rpido... e... ento ela fazia... hh... uma cara de que no tava entendendo, da eu diminua... h sabe... o modo que eu falava, eu acho bem legal a webcam.

    CA:196-201 [nossa nfase]

    O relato de Camila no excerto acima corrobora com o relato que nos apresentado por Ana. Camila acredita na existncia de manifestaes de aceitao/ no aceitao de seu par por meio da compreenso oral/visual oferecida pelos recursos interativos de udio e vdeo do Windows Live Messenger. Por meio da cmera, Camila capta impresses que a orientam na adequao de sua comunicao com a sua parceira de teletandem. Tal fato congruente com o sentido de interatividade de Steuer, 1993; isto , a participao do usurio na modificao da forma e do contedo de um ambiente mediado em tempo real. Do ponto de vista semitico, o meio proporciona ao interagentes do teletandem as imagens, as quais funcionam como signos que fornecem indcios aos interlocutores acerca do estado do processo de interao.

    Respondendo a primeira pergunta de pesquisa, podemos observar que uma variedade de crenas sobre o ensino de lnguas in-tandem foram apresentadas pelos alunos. Dentre algumas delas temos crenas acerca de: (a) compartilhamento de interesses, (b) nvel de proximidade na relao entre os parceiros, (c) afinidade, (d) aprender colaborativamente, (e)

    1 Vivacidade significa a riqueza representacional do ambiente mediado enquanto definido pelas suas caractersticas

    formais; isto , o modo pelo qual o ambiente apresenta informao aos sentidos (Steuer, 1993:11). Interatividade definida pela extenso pela qual o usurio tem a participao na modificao da forma e do contedo de um ambiente mediado em tempo real. (p.14)

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    compromissos e acordos, (f) envolvimento pessoal e (g) dimenses paralingsticas da comunicao.

    Alguns alunos acreditam que deva haver compromissos e regras na atividade de teletandem, os quais exigem um envolvimento pessoal para que a atividade colaborativa flua. O nvel de proximidade na relao entre os parceiros outra crena apresentada por alunos. Este nvel existiria em dois aspectos distintos relacionados maneira de ensinar/aprender. No primeiro aspecto, a afinidade com o parceiro parece fazer com que o aluno se sinta mais prximo lngua-alvo a sensao de desestrangeiramento, como colocado por Almeida Filho (2002). Existem indicaes de que tal sensao possa colaborar para com o aprendizado, visto que, em outros estudos (Barcelos, 1995; 2004), o desejo de aprender outra lngua muitas vezes est relacionado a alguma razo particular e afetiva do aprendiz. Quanto ao segundo aspecto, de acordo com relato apresentado por uma das alunas entrevistadas, a crena de aprender colaborativamente, por meio de mtodos especficos e fins especficos, exige distanciamento entre os interagentes envolvidos.

    Por fim, a afinidade de gostos e coincidncias, assim como a relao de interesses comuns entre os parceiros, parecem estar ligadas satisfao na atividade de teletandem. Tal satisfao proporcionada ao usurio pelo ambiente virtual e pelo aplicativo Windows Live Messenger, em virtude de ambos darem oportunidades para que o usurio possa perscrutar outras dimenses paralingsticas da comunicao, o que vai ao encontro dos conceitos de vivacidade e interatividade que compem o conceito de telepresena, como apresentado por (Steuer, 1993).

    Segunda pergunta de pesquisa: Que relaes podemos traar entre as crenas dos interagentes e as dificuldades observadas?

    Crena: Compromissos e regras

    Relao com a dificuldade observada: Se os acordos e os compromissos no foram seguidos, o teletandem no ter xito

    No tem como voc fazer o Tandem sem ler as instrues FAB:3-8 [nossa nfase]

    Quando os acordos no so seguidos: As sugestes Dicas e Truques sobre as Sesses de Teletandem1 (Telles & Vassallo,

    2005), encontrado no site do Projeto TELETANDEM Brasil no deve ser compreendido como um conjunto de regras que devem ser seguidas a rigor. No entanto, este documento de

    1 Ver em http://www.assis.unesp.br/departamentos/docs/instrucao_portugues.pdf

  • 1111

    orientao pode auxiliar os alunos a tirarem o melhor proveito do potencial da prtica do

    teletandem. Alm disso, vrios alunos parecem no possuir o suficiente envolvimento pessoal

    e inter-pessoal necessrio para fazer o melhor uso do potencial inerente a esta prtica. Tal fato

    inferido a partir do relato acerca das dificuldades encontradas pelas duas alunas, abaixo:

    Fabiana/Entrevistada: Li e acho importante, porque no tem como voc fazer o Tandem sem ler as instrues. A Amy, minha parceira, por exemplo, nas primeiras sesses, no sabia que precisava de webcam.

    FAB:3-8 [nossa nfase]

    Camila/Entrevistada: (...) como eu j falei pro professor, (...) ela no sabia de vrias regras assim... tanto que ela no respeitou por isso que no deu certo. Eu acho que (...) no deu certo porque ela no soube respeitar as regras do TANDEM. Porque tinha... tudo pra dar certo, a gente se deu muito bem, mas eu acho que ela no leu.

    CA:50-54 [nossa nfase]

    Quando essas duas alunas foram questionadas sobre a leitura das sugestes para teletandem, ambas responderam que estavam de acordo acerca da importncia de se conhecer as instrues nele contidas. Fabiana acredita que a leitura dessas sugestes seja importante e que a prtica de teletandem no possvel sem proced-la (no tem como voc fazer o Tandem sem ler as instrues), argumentando que sua parceira desconhecia a necessidade do uso da webcam para a realizao das sesses.

    Camila mostra ter conhecimento sobre a existncia de regras (para ns, acordos mtuos) dentro do teletandem. Ela acredita que a prtica de teletandem no d certo quando estas regras no so respeitadas. Ela no sabia de vrias regras assim... tanto que ela no respeitou por isso que no deu certo. CA:50-54

    Embora Camila julgue necessria a leitura das instrues e atribua o insucesso de seu processo de teletandem ao fato de sua parceira no haver lido as Dicas e Truques sobre as Sesses de Teletandem, ela mesma no parece ter realizado a plena leitura deste documento - Li [enftica]. Mais ou menos [modera] [CA:46]. Temos aqui uma quebra do princpio de reciprocidade (Brammerts, 2003) inerente aprendizagem in-tandem. Alis, os dados mostram vrios alunos brasileiros afirmando que seus pares estrangeiros estavam pouco informados acerca dos acordos mtuos entre os parceiros e os procedimentos do teletandem. Isso porque no haviam lido as instrues a eles enviadas pela coordenao do projeto na primeira mensagem de contato entre os pares.

    Em virtude de tais dificuldades, achamos necessria a existncia de um professor de lngua portuguesa no exterior (e, tambm, no Brasil) que participe das aes do projeto e oriente os alunos estrangeiros quando prtica e s regras do teletandem. Tal

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    envolvimento, freqentemente no tem acontecido e, no momento, o projeto insiste no envolvimento e orientao dos professores responsveis pelos alunos brasileiros e estrangeiros. Relembramos, aqui, a importncia apontada por Brammerts (2003) das sesses de orientao de aprendizagem in-tandem aos pares, para que esses possam tirar o maior proveito do seu potencial.

    Crenas: Compromisso e regras, envolvimento pessoal

    Relao com a dificuldade observada: Quando os compromissos entre os parceiros no so seguidos, o envolvimento pessoal de ambos tende a diminuir

    Camila/Entrevistada: (...) Inclusive, vai de encontro com o que o professor falou. O professor ainda no comeo ele me falou Tem que ser pontual. Porque os italianos so pontuais. E eu sempre tava ali, eu chegava 10 minutos antes n, pra num ter problemas... porque eles so meio bravos, inclusive, um dia que eu atrasei ela [a parceira] ficou muito brava. Ela ficou muito brava, tanto que ela me mandou um e-mail falando Onde eu tava? Onde eu... e... depois ela comeou a ser assim... Ento, eu no entendi mesmo n... porque ela... perdeu... ela num ela num tinha... (...) nenhum compromisso comigo parecia.

    CA:643-649

    No excerto, acima, Camila relata a ocasio na qual ela se atrasou para sua prtica de teletandem. Conta que, aps esse dia, sua parceira perdeu a motivao, passando a agir com ela de um modo como se no tivessem mais um compromisso. Muitos podem achar extremista a atitude de sua parceira italiana quanto falta cometida por Camila.

    O que importante depreender do excerto, acima, a importncia do compromisso mtuo (envolvimento pessoal) para com a atividade de teletandem. Neste excerto, se encontra implcito o modo pelo qual diferentes culturas lidam com cumprimento ou descumprimento dos compromissos. Para certas pessoas de algumas culturas regionais do Brasil, chegar atrasado no algo que merea grande preocupao. No entanto, para a cultura de sua parceira italiana atrasos, sem avisos, tendem a significar falta de respeito e de envolvimento com a atividade. O atraso de Camila, de certa forma, afeta a credibilidade da parceira italiana quanto capacidade de Camila de honrar os seus compromissos e de se envolver, pessoalmente, com a atividade. Conforme explica Camila, esta falta de credibilidade, da parte de sua parceira, colocou em risco o xito da prtica de teletandem de ambas (depois ela comeou a ser assim... (...) ela... perdeu... ela num ela num tinha... (...) nenhum compromisso comigo parecia.). Temos, aqui, um claro exemplo do dois pilares centrais do teletandem - a autonomia (responsabilidade pelo aprendizado) e reciprocidade (Brammerts, 2003). Camila, apesar de conhecer e de ter sido instruda verbalmente pelo seu professor-mediador acerca de alguns aspectos culturais, falhou por no respeitar o compromisso da pontualidade. O problema relatado por Camila, acima, est relacionado interao inter-

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    cultural entre os pares interagentes. Diferentes culturas trazem diferentes crenas, algumas at antagnicas.

    As crenas se constituem em um fator que est intimamente ligado forma por meio da qual olhamos o mundo. Segundo Barcelos (2004) e Viana (1993), elas possuem um peso significativo em nosso processo de formao social, vindo a contribuir ou atrapalhar o contato com outros indivduos da mesma ou de outras culturas sendo, desse modo, determinantes nos contatos interculturais promovidos pela prtica do teletandem. Segundo esses autores, as crenas fazem parte de um movimento introspectivo que est sempre em transformao. Paralelamente, junto a elas, nossas idias so redefinidas. As crenas, indubitavelmente, medeiam nossa relao com o meio. Algumas delas envolvem pr-conceitos e pressupostos sobre as prticas de ensino e aprendizagem de lnguas. Deste modo, direcionam as atividades que envolvem nossa aprendizagem. Diante de tais constataes fica clara a importncia dos papeis das crenas em atividades de teletandem que medeiam o contato entre culturas e indivduos que trazem diferentes valores culturais e comportamentos da aprendizagem (como os de Camila e sua parceira, acima); da a importncia das sesses de orientao que devem ser dadas pelo professor no seu novo papel de mediador de um processo de aprendizagem autnoma de lnguas estrangeiras, como o do teletandem.

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    Crena: Restries econmicas e dificuldades com a mquina afetam a eficincia da aprendizagem da lngua estrangeira por meio do computador

    Relao com a dificuldade observada: Restries econmicas restringem o acesso dos alunos tecnologia apropriada ao teletandem; dificuldade com o computador um complicador da prtica e afeta a concentrao durante o teletandem

    Alguns alunos se defrontaram com limitaes tcnicas e econmicas e se esforaram para super-las. Este o caso da aluna Ana que, por no dispor de computadores compatveis na universidade e de recursos financeiros para compra de uma mquina, iniciou e permanece1 com sua prtica de teletandem em uma Lan House.

    Ana: (...) no comeo eu tive muitos problemas e tive que interromper, no mesmo, dia a conversa, para ir de um lugar para outro. [pausa] De um lugar para outro, para fazer as sesses de TANDEM. Ento, sempre havia uma quebra... nessas conversas. Ento, isso acabou at me desconcentrando. Isso foi uma coisa que me tirava a concentrao, sinceramente. Se quando eu estava j comeando a lidar com essa coisa do computador, que era nova para mim, n, que ta no meio assim, a aconteciam os problemas tcnicos (...).

    ANA:775-780 [nossa nfase]

    O excerto de Ana ilustra algumas dificuldades tcnicas que atrapalhavam sua sesso, fazendo com que esta fosse interrompida e reiniciada em outro dia. Ana traz a crena de que, para estudar, a concentrao necessria. Assim, j que a utilizao do computador era novidade para ela, as dificuldades encontradas atrapalharam sua concentrao. Isso foi uma coisa que me tirava a concentrao. ANA:778

    Considerando o lado pessoal e o seu empenho em aprender a lngua alem, uma das razes para o xito de Ana em sua prtica de teletandem parece estar vinculada ao envolvimento pessoal e determinao sua e de seu parceiro alemo. Por exemplo, as sadas de Ana de uma lan house a outra para levar a cabo a interao on-line como seu parceiro.

    Em segmentos da entrevista de Marcos, um outro participante de nosso estudo, temos outros exemplos relevantes das dificuldades tcnicas encontradas pelos alunos ao praticarem o teletandem. Marcos traz a crena de que o registro das interaes entre os pares um passo muito importante para organizar o material lingstico e as informaes que emergem da relao teletandem. No primeiro excerto, abaixo, vemos as tentativas e as dificuldades tcnicas deste aluno ao tentar gravar as interaes com o seu parceiro2, com o

    1Ana permaneceu com a prtica de teletandem durante a elaborao e desenvolvimento desta pesquisa. Atualmente no dispomos de informaes para informar se ela continua com as atividades in-tandem. 2 O Projeto Teletandem Brasil disponibiliza o aplicativo My Screen Recorder aos alunos praticantes do teletandem

    para que estes gravem (em udio e vdeo) o que ocorre nas telas durante as sesses. Veja o aplicativo em http://www.deskshare.com/lang/po/msr.html .

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    objetivo de manter registros das novas informaes geradas durante sua sesso de teletandem em espanhol x portugus:

    Marcos/Entrevistado: (...) eu sempre dependi pra fazer os contatos da Lan House webcam no funcionava. No dia que funcionava os dois, o programa pra gravar a interao no dava certo. A eu instalava um programa que gravava pelo menos o som. Eu gravava e a quando ia ver s tinha gravado a sada do som que era minha voz, a entrada que era a voz dele no tinha gravado. Da o dia que eu aprendi a gravar os dois a no dava certo. E a eu chegava na Lan House o programa tava desinstalado, eu tinha que instalar de novo. Ento, quanto a registro, s tive registros de interaes em texto (...).

    FM:101-108 [nossa nfase]

    As dificuldades tcnicas descritas pelos alunos Ana e Marcos, acima, esto relacionadas ao to chamado Letramento Digital1 (Buzato, 2001). Trata-se de um tipo especfico de dificuldade encontrada pelos praticantes que est relacionada falta de conhecimento acerca da utilizao do computador. A tal dificuldade esto, tambm, vinculados fatores econmicos, os quais impossibilitam muitas pessoas de possuir computadores adequadamente equipados para a prtica de teletandem. O prprio computador pode se tornar um obstculo para o aprendizado, caso o aprendiz encontre ausncia de informaes acerca de como utiliz-lo. Pelos dados colhidos, notamos que esses obstculos co-existem em diversas dimenses da aprendizagem que faz uso do computador: (a) a dimenso scio-econmica (a dificuldade de recursos para obteno de computadores); (b) a dimenso pedaggica (a aprendizagem por meio de cursos); (c) a dimenso relacional (relao dos indivduos com as formas de tecnologia); (d) a dimenso do conhecimento para operar a mquina e com ela se relacionar (o nvel de Letramento Digital do aprendiz) e, finalmente, (f) a dimenso operacional aquela relacionada aos conceitos que emergem no usurio quanto utilizao e interao com o computador. Todas essas dimenses esto ligadas eficincia da aprendizagem da lngua estrangeira por meio do computador, via teletandem.

    Os elevados custos e investimentos por parte dos usurios ou instituies parecem estar relacionados s dificuldades de integrao de tecnologias ao ensino. No Projeto Teletandem Brasil, at que fossem instalados os laboratrios especificamente voltados prtica do teletandem2, fatores scio-econmicos muitas vezes impediram alguns alunos de terem acesso ao computador (como no caso dos participantes Ana e Marcos, acima). Quando

    1 Aqui utilizamos o termo letramento digital. Achamos tal utilizao mais apropriada, embora o termo utilizado pelo

    autor seja letramento eletrnico. Para Buzato (2001), letramento eletrnico diz respeito ao conhecimento acerca das vrias formas de tecnologia (como, por exemplo, o computador) e familiaridade que o indivduo dispe de utilizar seus diversos recursos. Para este autor, a falta de letramento eletrnico muitas vezes leva o indivduo a se manter distante de algumas formas de tecnologia, devido a complicadores relativos interao homem x mquina, configurando-se, deste modo, a falta de Letramento Eletrnico (pp. 81-112). 2 Financiados pela FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Processo: 2006/03204-2)

    e pela reitoria da UNESP Universidade Estadual Paulista, foram instalados, no incio de setembro de 2007, dois laboratrios especificamente equipados para a prtica de teletandem, um na UNESP-S.J. do Rio Preto e outro na UNESP-Assis.

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    os alunos j o possuem devidamente equipado, ainda permanecem excludos deste tipo de atividade in-tandem. Isto porque encontram dificuldades de acesso a uma conexo de qualidade, ainda com custo elevado no Brasil. A qualidade de conexo tambm imprescindvel, para que no haja interferncias e limitaes durante as comunicaes, principalmente aquelas que fazem uso de imagens de webcam, como o caso do teletandem.

    Assim como Ana, Marcos tambm encontrou muitas dificuldades utilizando-se de computadores na lan house. Segundo ele, como sempre dependia da lan para fazer os contatos, encontrava algumas dificuldades, pois os computadores nem sempre estavam configurados adequadamente, com os devidos programas necessrios instalados e com os equipamentos funcionando. O dia que o microfone funcionava a webcam no funcionava. FM:102 Seu empenho e crena de que o teletandem poder lhe ajudar no desenvolvimento do espanhol ficam claros quanto ele fala de futuros investimentos na compra de um equipamento para si prprio e para a prtica do teletandem:

    Marcos/Entrevistado: Talvez agora, no prximo ano, no tenha mais a faculdade, no tenha mais as aulas, a fique mais fcil pra agendar horrio, pra investir, talvez, em equipamento, trabalhando, talvez, fique melhor pra investir em equipamento, em conexo banda larga tal, e a sim fazer o que seria o teletandem.

    FM:101-114 [nossa nfase]

    Marcos alega que a falta do equipamento necessrio para prtica um dos principais fatores que determinaram o fim da sua atividade de teletandem. O outro fator seria o do tempo para se dedicar prtica. De fato, os excertos precedentes acerca da relao entre os alunos e a tecnologia necessria para o desenvolvimento do teletandem mostram que aspectos tcnicos do uso do computador, tais como: (a) funcionamento do equipamento; (b) programas necessrios instalados, (c) e configuraes afetam o processo de teletandem e, conseqentemente, o processo e envolvimento com a aprendizagem. Possivelmente, os resultados seriam diferentes se a atividade in-tandem fosse realizada em um laboratrio de lnguas especfico para este fim1.

    1Em maio de 2007, o Projeto Teletandem Brasil: Lnguas estrangeiras para todos se tornou um projeto temtico, recebendo auxlio financeiro para a sua agenda de pesquisa da FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo. Um dos auxlios foi a instalao de dois laboratrios com vinte computadores cada um nas unidades da UNESP-Assis e UNESP- S.J. do Rio Preto (IBILCE). Ambos os laboratrios so equipados com computadores e recursos de gravao de teletandem em DVD, webcams e conexes ADSL. O incio das atividades dos laboratrios est previsto para setembro de 2007.

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    O tandem uma furada. A gente perde o clima...: Aspectos tcnicos afetando a aprendizagem e o envolvimento entre os pares de teletandem.

    Apesar de alguns praticantes terem possibilidades de acesso ao computador, muitos deles ainda encontram dificuldades em us-lo. Mesmo sendo o Windows Live Messenger um aplicativo fcil de ser manuseado, essas dificuldades interferem no envolvimento, trazendo tenses ao aprendiz durante sua aprendizagem. Vejamos alguns dos exemplos de problemas tcnicos relatados pelos alunos, abaixo. Os dois primeiros excertos tratam das condies de udio e da conexo do computador com a rede, os quais, segundo podemos inferir das palavras da participante, so centrais para o sucesso da comunicao e do envolvimento entre os praticantes de teletandem.

    Fabiana/Entrevistada: Ento, a gente nunca sabe se o problema t comigo ou t com ela. Sabe, a gente no consegue se comunicar, uma no ouve a outra. Esse o problema grave que tem que ser solucionado, porque seno no tem como, em minha opinio, continuar com o Tandem... O Tandem uma furada. Pode... falar isso. E tem o problema da conexo que no foi resolvido. Demora muito pra conectar. Voc perde tempo, desgasta, voc desanima. Voc vem toda animada pra aula. Prepara a aula. (...) Ento s vezes a gente nem termina o que tinha pra falar.

    FAB:79-87 [nossa nfase] (...) o udio, (...) s vezes tem problema de conexo, a gente t naquele papo to gostoso, s vezes ela d aquela gargalhada to gostosa, e a a imagem pra. Ento, aquele assunto que e a gente tava to entusiasmada, sei l, perde o clima, sabe. Esse um problema de conexo sabe a parte mais tcnica, eletrnica. (...)

    FAB:122-126 [nossa nfase]

    Os trs excertos, abaixo, mostram a recorrncia dos problemas de udio encontrados pelos alunos, com o Windows Live Messenger. No primeiro excerto o problema de conexo de um perifrico o microfone. O segundo excerto trata do reconhecimento da aluna que sua parceira tinha dificuldades tcnicas, principalmente relativas ao udio do aplicativo. No terceiro, diante dos problemas de comunicao encontrados por ambas em nvel de udio, a parceira brasileira sugere sua colega recorrerem ao uso do aplicativo de comunicao sncrona Skype. A entrevistada parece trazer a crena de que o Skype apresenta melhores solues de udio.

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    Camila/Entrevistada: (...) a gente s conversou uma vez pelo microfone por que o microfone dela no funciona.

    CA:66-67 [nossa nfase] (...) comeou a dar muito problema e ela no escutava... (intervalo) e a gente s conseguiu falar pouqussimo pelo microfone que pra mim assim eu acho que o... Mais legal assim o mais importante, (...) do que (pelo) Windows Live Messenger (Chat). (...) ela tinha muita dificuldade (...).

    CA:71-78 [nossa nfase] Camila/Entrevistada: Eu tenho o Skype. E eu propus pra ela pra gente usar o Skype porque eu acho que mais fcil (...) no d tanto problema, mas ela no sabe mexer... e ela no quis o Skype.

    CA:81-86 [nossa nfase]

    O fato importante a ser inferido de ambos os excertos, acima, que tais complicaes tcnicas acabam desencadeando outros problemas que afetam o bom desenvolvimento das sesses, tais como: (a) problemas de ordem tcnica afetam o uso apropriado do tempo, o qual poderia estar voltado exclusivamente ao aprendizado da lngua e no s questes tcnicas; (b) tais problemas tambm afetam o envolvimento das parceiras com a atividade do teletandem; (c) nas tentativas de detectar e solucionar problemas de ordem tcnica, desgastes surgem na relao entre os parceiros; (d) tal desgaste provoca desnimo (Voc perde tempo, desgasta, voc desanima.); (e) os problemas de ordem tcnica tambm acabam por afetar a programao da agenda de estudos dos parceiros, pois a adequao de tempo e horrio acaba sendo comprometida; e (f) h, tambm, a dificuldade em recuperar uma interao prazerosa que tenha sido afetada por tais problemas e desgastes entre os parceiros. Ento, aquele assunto que e a gente tava to entusiasmada, sei l, perde o clima. FAB:124-125

    Por fim, nos excertos de Camila podemos inferir uma repercusso, possivelmente, advinda das dificuldades tcnicas encontradas por sua parceira. Tais dificuldades podem ter afetado o interesse da mesma, j que ela demonstrou uma certa indisponibilidade para experimentar outras alternativas (mas ela no sabe mexer... e ela no quis o Skype. CA:86)

    CONSIDERAES FINAIS

    As dificuldades relatadas neste artigo foram, em sua maioria, enfrentadas por alunos que utilizaram lan house para realizem seus processos de teletandem. Portanto, os computadores por eles utilizados nunca permaneceram configurados de forma estvel. Embora, na maioria das vezes, fossem problemas simples de serem solucionados, segundo os

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    relatos analisados, eles chegaram a afetar (a) o envolvimento do aluno na atividade, (b) a qualidade da interao entre os pares e (c) o processo de teletandem em si.

    De certa forma, o Projeto Teletandem Brasil nunca previu a realizao de processos de teletandem em lan houses, mas sim, em laboratrios especializados para este fim e com as devidas orientaes tcnicas e pedaggicas. Orientaes tcnicas, para serem dadas por pessoal com uma formao bsica em informtica; as pedaggicas, a serem dadas por professores de lnguas estrangeiras com formao em Letras e a devida formao em ensino a distncia e conhecimento da abordagem do teletandem. No entanto, os alunos, que no dispunham de computadores em suas casas, insistiram em usar uma lan house para este fim, visto que estavam altamente interessados em praticarem, via teletandem, as lnguas estrangeiras que estavam aprendendo e a superarem suas limitaes financeiras e infra-estruturais da universidade que no dispunha do equipamento apropriado, no momento em que foram coletados os dados para esta pesquisa. No entanto, se nas lan houses os alunos encontraram as mnimas condies tcnicas necessrias para realizao do teletandem, l tambm no tiveram orientao tcnica e pedaggica para este fim, ambas importantes para o estabelecimento do contexto de aprendizagem do teletandem.

    Entretando, no queremos defender a idia de que processos de teletandem realizados em lan-houses deixam de ser eficientes, tendo em vista as restries, acima apontadas. Exemplo de um processo realizado nesse contexto o de Ana, que aponta para excelentes nveis de aprendizagem e de interao com o seu parceiro alemo:

    Para mim tem sido timo, tem sido momentos muito legais e tm me ajudado tanto na minha parte profissional, porque eu preciso dar aulas de alemo, quanto na minha possibilidade de falar, mesmo. Porque aqui difcil voc praticar alemo com uma pessoa, n? No tem com quem. [ RI]. [Ana: 730-733]

    Alm disso, a proposta apresentada pelo Projeto Teletandem Brasil sustenta a importncia da interao por meio da utilizao dos recursos tecnolgicos de voz (fala e escuta), de texto (escrita e leitura) e de imagem (webcam). Sem o funcionamento simultneo desses trs recursos, a atividade no deve ser chamada de teletandem, de acordo com o conceito apresentado por Telles & Vassallo (2006). Sendo assim, conforme fomos pensando acerca das dificuldades tcnicas aqui relatadas pelos alunos, cada vez mais achamos necessria a existncia de pessoal qualificado nas reas de Informtica e Letras para um apropriado apoio atividade de teletandem. Os primeiros (um tcnico de laboratrio, por exemplo) devem auxiliar os alunos-usurios, supervisionando as atividades e orientando-os em nveis de operaes tcnicas; os segundos devem dar as devidas orientaes pedaggicas relativas ao gerenciamento autnomo da aprendizagem de lnguas estrangeiras. esse pessoal devidamente qualificado que determinar, em parte, a constituio de um contexto apropriado para uma sustentao efetiva e pedaggica da prtica do teletandem.

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    Relao entre as crenas e os resultados obtidos pelos pares interagentes

    Conforme os aspectos da aprendizagem pelo teletandem emergiam dos dados deste nosso estudo, tambm pudemos levantar um conjunto de crenas dos alunos praticantes de teletandem que dele participaram. Todos os participantes foram unnimes em concordar com o potencial de aperfeioamento da lngua alvo e com a troca de informaes culturais oferecidos pelo Projeto Teletandem Brasil. Entretanto, mesmo existindo crenas positivas por parte destes alunos, alguns pareceram no ter superado as dificuldades tcnicas para que suas expectativas com relao atividade de teletandem tivessem xito.

    Os dados sugerem que nem todos os alunos tiveram a orientao apropriada, o compromisso ou disciplina pessoal para desenvolverem uma atividade prtica na qual a responsabilidade pelo seu prprio aprendizado (autonomia) os levasse a uma conscientizao do ensino/aprendizagem. Da a importncia do Projeto Teletandem Brasil pensar em equipes de professores e estagirios de Letras para manterem sesses freqentes de orientao e superviso das atividades de teletandem (o que poder ser feito on-line1 ou de forma presencial). Por outro lado, a disciplina pessoal para com a atividade de teletandem no deve ser entendida aqui como qualquer forma de imposio. Antes, tal disciplina deve ser compreendida pelo praticante como envolvimento com a atividade de aprendizagem e com a lngua alvo. Esse envolvimento, que muito tem a ver com um dos trs princpios da aprendizagem in-tandem a reciprocidade, segundo Brammerts (2003), parece ser o foco central do qual dependero muitos outros aspectos da aprendizagem in-tandem. Em suas atividades de teletandem, o praticante encontrar obstculos relacionados tanto s formas culturais e individuais de pensamento de seus pares como ao desenvolvimento da sua prpria autonomia. O resultado da prtica de teletandem perder a sua fora se no adequadamente apoiado, de um lado, pela responsabilidade consciente e pela reciprocidade com o parceiro no que diz respeito atividade e, de outro lado, por uma sustentao eficiente feita por equipes de apoio pedaggico e tcnico2.

    Uma vez considerados tais aspectos relativos autonomia, reciprocidade e superviso pedaggica do teletandem, j podemos afirmar que os alunos que almejem participar de um programa deste tipo devero ser muito bem orientados e informados. Desse modo, eles criaro subsdios que iro estimular em seus pares o envolvimento necessrio ao sucesso do teletandem. Acreditamos que uma vez suficientemente envolvidos na atividade, o aluno colaborar com o seu parceiro, mostrando-se disposto, estimulando a troca de informaes e, consequentemente, promovendo a prtica do teletandem.

    1 O Projeto Teletandem Brasil mantm uma sala virtual para orientao de teletandem, por meio da qual os alunos

    podero discutir suas experincias, expressarem suas dvidas e dificuldades. No entanto, esta sala no tem se mostrado to ativa quando se pensou ao cri-la. As razes ainda esto para serem avaliadas. 2 No que diz respeito a este segundo requisito, ver Brammerts (2003).

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    Neste artigo, tambm exploramos as razes para o estudo de crenas dentro de projetos pedaggicos como o Teletandem Brasil. Conforme mostraram os dados, algumas dessas crenas dizem respeito relao do praticante de teletandem com valores subjetivos inerentes a outros indivduos e aos seus respectivos meios. A breve recapitulao dos estudos realizados por pesquisadores acerca de crenas presentes dentro e fora da sala de aula sugere que algumas delas paream pouco importantes para uma determinada cultura. Isso se deve ao baixo valor representativo a elas conferido e s circunstncias nas quais se inserem. Entretanto, a importncia dada a tais crenas varia entre as culturas de alguns povos (Barcelos, 2004).

    No presente artigo, tambm vimos os modos pelos quais as crenas podem interferir na socializao dos pares de teletandem e no envolvimento do aprendiz com esta atividade. De um lado, podem favorecer a prtica de ensino/aprendizagem no meio digital, por meio da produo de um ambiente agradvel para o intercmbio de conhecimento entre os parceiros. Por outro lado, as crenas trazidas e aquelas construdas na experincia do processo de teletandem podem obstruir e interferir a atividade, levando os praticantes ausncia de envolvimento com a atividade e a sentimentos de insatisfao e descrena em futuras prticas.

    Embora este nosso estudo tenha apresentado um panorama facetado dos conceitos envolvidos na prtica do teletandem, no podemos excluir a interdependncia e a complexidade existente entre eles.

    No que diz respeito autonomia, achamos que ela tende a progredir conforme se desenvolve a prtica do teletandem e segundo os papis que adquirem as supervises pedaggicas e tcnicas dadas ao aluno. Este deve ter acesso tutela de um professor 1. Tal tutela poder ser realizada tanto de forma individual quanto coletiva, possibilitando, dessa forma, uma conversa reflexiva compartilhada (Yonemura, 1983) com outros companheiros que realizam atividades de teletandem. Nesses debates, os praticantes de teletandem podero expor e compartilhar suas dvidas e experincias. Acreditamos que seja necessria a existncia de relatrios das atividades realizadas durante as sesses de teletandem. Isto para que o professor tenha subsdios para a realizao de seu trabalho de tutela durante as sesses de aconselhamento. O professor-tutor no dever, porm, interferir na atividade prtica (lembramos, aqui, um dos pilares da aprendizagem in-tandem a autonomia), mas, sim, a estimular o aluno a refletir acerca dos procedimentos e, em alguns casos, at fazer sugestes

    1 Brammerts, Calvert & Kleppin (2003) ressaltam a importncia dos praticantes da aprendizagem in-tandem serem

    adequadamente assistidos por um professor-conselheiro ou mediador, em particular nas fases iniciais do processo desta modalidade de aprendizagem.

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    com base nas informaes obtidas por meio dos relatrios, dirios (Walker, 2005) e das prprias sesses de aconselhamento1.

    desta forma que acreditamos que a atividade in-tandem tambm depender da disposio de alunos responsveis e conscientes de seus objetivos e de equipamentos adequados. A prtica de tandem no to simples como se pensa. Fazer teletandem no simplesmente entrar numa sala de bate-papo para dialogar com pessoas de lnguas e culturas diferentes (ver Vassalo & Telles, 2006; Telles & Vassalo, 2006). Embora, na prtica, tenhamos este tipo de interao, ela se d de modo mais consciente, pois se trata de uma negociao com objetivos claros e implica uma reflexo dos participantes sobre os seus prprios conhecimentos para obterem o mximo proveito do potencial do teletandem.

    Absctract : This article is one of a series of others that are currently being carried out within the context of the project Teletandem Brasil: Foreign languages for all. Developed at Sao Paulo State University, Brazil. The project focuses on the communicative processes of distance in-tandem language learning. The article focuses on a few successful and unsuccessful cases of teletandem. Data analyses are grounded on the socio-constructivist paradigm of qualitative research. Our aim is to understand which aspects contribute and obstruct the online distance interaction of teletandem. The cases focus on the problems that the students face and our attempt to provide explanations and to propose solutions. Some of these problems were linked to the students beliefs of autonomy and motivation. We conclude the article by providing a reflection on virtual in-tandem teaching/learning.

    Keywords: Beliefs, motivation, autonomy, consciousness, tandem.

    1Ver Stickler (2003) acerca dos procedimentos a serem tomados durante sesses de orientao e/ou de aconselhamento.

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