teoria da industrialização do ensino

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MESTRADO EM PEDAGOGIA DO E-LEARNING UNIVERSIDADE ABERTA Unidade curricular: MODELOS DE EDUCAヌテO A DISTツNCIA Professora: Profェ Drェ Lina Morgado Trabalho de: Telma Jesus Fernando Jorge Faria Dezembro 2010

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Page 1: Teoria da Industrialização do Ensino

MESTRADO EM PEDAGOGIA DO E-LEARNING

UNIVERSIDADE ABERTA

Unidade curricular: MODELOS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Professora: Profª Drª Lina Morgado

Trabalho de:

Telma Jesus

Fernando Jorge Faria

Dezembro 2010

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OTTO PETERS - A TEORIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO

A fim de apresentar as ideias fortes da teoria de Otto Peters e promover o seu autor, apresentamos de

seguida alguns dados biográficos deste pioneiro do Ensino a Distância, bem como o resumo de dois dos seus

artigos relevantes para a temática em causa. No final, tecemos alguns comentários sobre a sua obra, em

particular sobre a sua Teoria da Industrialização do Ensino.

Otto Peters

Otto Peters nasceu a 6 de Maio de 1926, em Berlim, Alemanha.

Estudou Educação, Psicologia e Filosofia na Universidade de Humboldt e licenciou-se em 1960 na

Universidade Livre de Berlim. Fez o seu doutoramento pela Universidade de Tuebingen.

Em 1963, foi nomeado Secretário do Centro Educativo de Berlim. Mais tarde, tornou-se vice-director do

Departamento para Metodologia de Ensino.

Dedica-se à metodologia da Educação a Distância desde 1965.

É professor, desde 1991, da FernUniversität (Universidade de Ensino à Distância), em Hagen, Alemanha.

É o autor da Teoria da Industrialização e de várias obras sobre Educação a Distância, nomeadamente,

Distance education and industrial production: a comparative interpretation in outline, 1967, Distance

Education in postindustrial society, 1993, e A Educação a Distância em Transição, 2002.

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Peters, Otto. (1993). "Distance Education in postindustrial society", in: Keegan, D.(1993) (Ed). Theoretical Principles of Distance Education, pp. 39-60, London: Routledge

INTRODUÇÃO

Na introdução do seu artigo “Distance Education in postindustrial society” (1993), Otto Peters analisa o Ensino

a Distância (EaD) como um produto da era da industrialização, com a sua estrutura determinada pelos

princípios que regem a industrialização do processo de trabalho na produção de bens. Assim, também o EaD

é fortemente influenciado por esses princípios, como a racionalização, a divisão do trabalho, a atribuição de

tarefas a especialistas, a mecanização e a automatização.

O EaD, comparado com outras formas de instrução, é a mais industrializada forma de ensino. Isto distingue-o

do ensino tradicional face a face em sala de aula ou em grupos, que poderá ser chamado pré-industrial, ou

seja, estruturalmente similar ao trabalho artesanal.

O EaD é mais progressivo por se ter adaptado às poderosas tendências da era da industrialização, o que não

se pode dizer das escolas, colégios e universidades.

NATUREZA DA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL

O que significa pós-industrial? Segundo Wood e Zurcher (1988: 22), as sociedades passarão pelas seguintes

três alterações económicas:

1) A proporção do trabalho afecto ao sector terciário ou de serviços aumentará drasticamente.

2) A "nova" tecnologia emergirá.

3) A estrutura de tomada de decisões da economia e da sociedade em geral alterar-se-á

significativamente.

Isto significa que a quota de profissões altamente qualificadas tornar-se-á maior, à medida que as

necessidades pós-industriais forem necessitando de ser satisfeitas. Por causa da explosão do conhecimento, a

formação ao longo da vida e a educação contínua serão um imperativo.

O que conta já não é a força muscular ou energia, mas sim a informação.

A mudança da tecnologia industrial para a "nova" tecnologia será tão fundamental como a mudança da

tecnologia do artesanato para a tecnologia industrial.

A estrutura de tomada de decisão mudará consideravelmente. Numa empresa industrial, o poder é detido por

aqueles que tomam as decisões. Numa empresa madura, esse poder passou, inevitável e irrevogavelmente,

do indivíduo para o grupo. A hierarquia será substituída por grupos, cujos membros tomam as decisões como

um grupo. A democratização é a tendência dominante.

Se uma sociedade industrial é definida pela qualidade de bens como marca do padrão de vida, a

sociedade pós-industrial é definida pela qualidade de vida medida pelos serviços - saúde, educação, laser

e artes - que são agora desejáveis e possíveis para todos.

Uma vez que os empregados prestarão um serviço altamente pessoal, poderão desenvolver e exercitar as

suas capacidades pessoais. A sua experiência de trabalho será mais humana e satisfatória e criativa. A

alienação do trabalho, típica da produção industrializada, diminuirá.

A era pós-industrial trará mudanças na cultura e nos valores. A nossa cultura moderna pode tornar-se pós-

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moderna.

ESTRUTURAS DA EDUCAÇÃO INDUSTRIALIZADA

O EaD ainda é basicamente uma forma industrializada de ensino. Os princípios e as tendências da

industrialização ainda estão presentes na nossa sociedade e na produção de bens. No entanto, uma análise

mais cuidada do EaD revela quatro elementos que correspondem a tendências pós-industriais, não apenas

contemporaneamente, mas também desde o seu início:

1) O aluno pode deslocar-se da sala de aula para a sua residência ou local de trabalho.

2) Mais do que outras formas de ensino, o EaD requer um aluno auto-confiante e auto-orientado.

3) O EaD sempre promoveu a interacção social entre os alunos.

4) O EaD tem forte afinidade com os meios electrónicos.

Na estrutura da mais industrializada forma de ensino/aprendizagem podem ser encontrados as sementes dos

desenvolvimentos pós-industriais.

EFEITOS NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Como será o EaD pós-industrial?

Os alunos já não correspondem à imagem tradicional do ambicioso que pretende a ascensão social, com o

desejo de ganhar mais dinheiro e mais status na empresa. Pelo contrário. Quando perguntaram aos alunos

que critérios mais valorizavam na descrição do seu emprego, a "satisfação no trabalho" foi a mais votada,

seguida imediatamente pela "independência no trabalho" e pelo "interesse pessoal no trabalho", enquanto

que "elevado salário" aparecia em sétimo lugar e "alto status e prestígio" apenas aparecia em décimo quinto

lugar, no fundo da lista.

Os objectivos gerais e académicos poderão ajudar na auto-realização e são mais importantes do que

objectivos estritamente vocacionais ou profissionais.

A imagem do típico aluno do EaD industrializado tem que ser reformulada e adaptada a estas influências pós-

industriais.

É, então, necessário descrever um modelo de EaD pós-industrial:

Procura

O aumento de procura no sector dos serviços conduzirá à criação de muitos novos empregos, assim como o

processo de industrialização nos séculos XIX e XX também criou muitos novos empregos fora da esfera do

artesanato.

O papel do conhecimento científico e tecnológico será preponderante e assumirá uma cada vez maior

importância no desenvolvimento das sociedades. Muito mais do que agora, as escolas, as universidades e as

entidades que promovem a educação contínua serão um factor decisivo da sociedade e poderá haver um

ainda maior aumento da procura do EaD do que na era industrial.

Alunos

Existe, no entanto, a possibilidade de a procura diminuir substancialmente, apesar do EaD continuar a

agarrado aos seus padrões industriais tradicionais.

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Aparentemente, no EaD, a imagem do aluno típico que pretende sobretudo melhorar o seu status vocacional

e o seu rendimento, subindo na hierarquia da sua empresa, já não se revela correcta.

Isto significa que as universidades abertas perderão a maioria dos seus clientes e a sua razão de existir

tradicional. Possivelmente, um tipo de aluno inteiramente novo emergirá com novos sistemas de valores,

novas necessidades e novas prioridades.

Objectivos

O objectivo dominante será a auto-realização, que fará emergir o eu pós-moderno, que escolherá a

estimulação, a abertura a experiências, a expressividade e exprimirá dúvidas pessoais, alegria e divertimento.

Além disso, haverá também o objectivo de melhorar a qualificação para o mercado de trabalho,

preferencialmente no sector dos serviços. Este objectivo parece ser a continuação do propósito mais

importante do EaD na sociedade industrial.

Este objectivo terá que ser inter-relacionado com o objectivo da auto-realização. Também aqui, terão que ter

lugar alterações consideráveis.

Estrutura

Do ponto de vista pós-moderno, o duplo esforço de um emprego a tempo inteiro e de um longo e intenso

período de EaD será considerado desumano por dois motivos. Primeiro, o esforço dos alunos ocorre por um

período demasiadamente longo. Segundo, estas exigências provocam-lhes um maior ou menor afastamento

das suas famílias, vizinhos e amigos e reduz os seus contactos cívicos, sociais e políticos. Por causa deste

negligenciar das necessidades pessoais, este sistema já não é viável na sua forma industrial original. O único

caminho é a combinação do trabalho em part-time e estudo em part-time.

Talvez seja possível desenvolver mais daqueles modelos que já são praticados nas grandes empresas

internacionais de electrónica que integram o EaD no processo de trabalho diário.

Aprender é, assim, um elemento importante do emprego e não requer tempo e honorários adicionais e liberta

o aprendente do duplo esforço referido.

Aspectos curriculares

Se o EaD não cumprir com as novas exigências da sociedade pós-industrial, é previsível que cresça o

descontentamento com os currículos de vários cursos, uma vez que os alunos podem pensar que os

conteúdos ensinados e aprendidos estão longe dos problemas do dia-a-dia, como por exemplo, sociais,

políticos e ecológicos, de vital importância para eles.

Métodos

Até agora, a espinha dorsal do EaD tem sido o cuidadosamente estudado e preparado material didáctico

padronizado. Grupos de trabalho, onde os alunos se encontram face a face com o professor e outros alunos,

são apenas complementares. Na sociedade pós-industrial, pode ser exactamente ao contrário, com alunos

relutantes relativamente ao estudo solitário. O paradigmático "lobo solitário", que confia na sua própria

estratégia de aprendizagem e na sua extraordinária capacidade de resistência para "sobreviver", e que

considera que a cooperação com outros alunos uma mera perda de tempo, deixará de ser típico de muitos

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alunos a distância. Os alunos pós-modernos, manifestarão um desejo de desenvolver relações sociais e

enfatizar as novas formas de aprendizagem.

Como foi previsto para o processo de trabalho, a emergência de grupos autónomos tornar-se-á o constituinte

principal do processo de aprendizagem, incentivando a espontaneidade e auto-expressão. Estes grupos não

devem ter mais membros do que aqueles que podem ser geridos sem uma hierarquia. O auto-estudo

funcionará como complemento ao trabalho de grupo. Idealmente, o auto-estudo não será normalizado nem

standardizado pelo material de aprendizagem, mas sim aberto no sentido em que os alunos adquirem a

informação de que precisam, dadas as situações. Será, claramente, um objectivo importante deste método de

estudo possibilitar aos alunos, com a ajuda de computadores, armazenar e aceder a informação que seja

relevante para o seu processo de aprendizagem, e desenvolver e refinar esta competência em particular.

Os alunos pós-modernos procurarão experiências de aprendizagem atractivas e agradáveis. Vão rejeitar o

trabalho de rotina e maçudo, preferindo o trabalho criativo e comportando-se de igual modo no processo de

ensino-aprendizagem. Comportamentos como, a abertura, originalidade e flexibilidade serão altamente

valorizados e os modelos de ensino-aprendizagem forçará a aquisição deste tipo de conhecimentos e

competências.

Meios técnicos

O impacto da "nova" tecnologia tornar-se-á, sem dúvida, mais forte. O EaD continuará, cada vez mais, a

depender de sistemas de comunicação electrónicos diferenciados. As ferramentas de aprendizagem deixaram

de consistir em materiais impressos e livros, mas envolverão o uso de cassetes áudio, cassetes vídeo,

disquetes e CD's. Além disso, os alunos usarão o telefone, o fax, o telex, a vídeo-conferência, bem como o

rádio e a televisão, a fim de adquirir a informação adicional de que precisam para o seu estudo. Assim, a

ubiquidade da informação relevante permite-lhes executar as suas actividades de aprendizagem sem sair de

casa. Isto será considerado normal, tal como cada vez mais trabalhadores são deslocados do processo de

produção graças a sofisticados meios técnicos.

Organização

Analisando as tendências pós-industriais, podemos assumir que a esperada desintegração das hierarquias no

contexto de trabalho tem impacto na relação entre o aluno e a sua instituição de EaD.

Estas alterações podem, também, ter consequências ao nível da gestão da aprendizagem. Se os princípios e

as tendências da sociedade pós-industrial se tornarem tão fortes que modifiquem a gestão do processo de

trabalho, poderão, igualmente, alterar a gestão do processo de aprendizagem. Os alunos determinarão como

e o que aprendem, tornando-se cada vez mais autónomos. As instituições modificarão os seus serviços, cujo

principal papel é motivar, informar, e aconselhar os alunos. Estas alterações poderão ter lugar ao nível do

planeamento, da organização, da autoridade e responsabilidade, da hierarquia, da direcção e do controlo.

Aspectos institucionais

Um grande número de instituições de EaD provavelmente já não tentará impressionar alunos com a sua

importância e grandeza institucionais, mas sim, enfatizando os alunos e as suas necessidades, focando as

actividades de aprendizagem dos alunos a fim de evitar que estes se sintam dependentes, sem importância,

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fracos e expostos a uma poderosa burocracia. Isto significa uma rotura com a organização altamente

centralizada do processo de ensino/aprendizagem e uma aproximação a pequenas unidades descentralizadas

que podem ser tornadas transparentes através da nova tecnologia.

TRÊS PERSPECTIVAS

Quando, nos próximos anos, se discutirem e se desenvolverem os modelos pós-industriais de EaD, será útil

dispor de orientações teóricas e conhecer os fundamentos teóricos das esperadas mudanças do ensino e da

aprendizagem.

É possível referir algumas abordagens teóricas preliminares, que gostaria de ilustrar com três exemplos: a

perspectiva Lebenswelt, a perspectiva ecológica e o conceito de design instrucional.

A perspectiva Lebenswelt

A fim de apreciar as alterações sugeridas por esta perspectiva teórica, devemos ter presente que existiu a

chamada perspectiva pragmática ou realista da educação de adultos.

De acordo com a perspectiva teórica, o objectivo principal da educação de adultos foi aumentar as

qualificações profissionais e vocacionais, em todos os níveis, visando aumentar a produção industrial e manter

o sucesso na competição económica internacional. Críticos deste conceito chamaram-lhe "tecnocrático", por

instrumentalizar o aluno e o processo de aprendizagem, que, assim, se tornavam meros meios para um fim.

Nos anos 70, porém, uma mudança radical teve lugar com o Lebenswelt (do alemão, lebens = vida, welt =

mundo) do aluno individual e a sua subjectividade a assumirem uma elevada prioridade. O objectivo geral da

educação de adultos já não era a qualificação para melhorar a empregabilidade, mas a construção da

personalidade. O objectivo principal passou a ser o desenvolvimento da identidade do aluno, através de

interacção social directa.

Este deixou de ser um mero elemento do sistema de ensino/aprendizagem habitualmente dominado pela

instituição de ensino e, em vez disso, foi colocado directamente no centro do interesse. Devemos ter em

mente esta mudança da ênfase quando concebemos, planeamos e preparamos situações de aprendizagem

pós-modernas para o EaD. A nova perspectiva sugere que um sistema de ensino/aprendizagem em que

milhares de alunos estudam os mesmos materiais de aprendizagem cuidadosamente preparados,

standardizados e pré-testados, e são testados de acordo com a mesma categoria pré-determinada, é

claramente uma abordagem industrializada.

A perspectiva ecologista

Esta perspectiva teórica da educação de adultos foi sugerida por Siebert (1985: 589). De acordo com ele, os

objectivos não se resumem a criar alunos conscientes do ambiente, mas sim uma mudança radical e de longo

alcance da forma como a natureza é percebida e compreendida. Rejeita maneiras de pensar causais e

analíticas, na tradição de Galileu e Descartes. A rejeição desta forma de pensar e as abordagens empíricas

nela baseadas podem também ser relacionadas com o ensino e a aprendizagem. Os proponentes da

perspectiva ecológica não estarão, certamente, a favor de sistemas de ensino/aprendizagem que são

cuidadosamente planeados, controlados e avaliados até ao menor detalhe. Ou seja, opõem-se à tecnologia da

educação. Em vez disso, recomendam auto-aprendizagem global.

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Emergirão novas formas de aprendizagem que conduzem ao pensamento global, sistémico, complementar e

inter-relacionado. O EaD numa sociedade pós-industrial terá que incluir a perspectiva ecológica a fim de

ajudar a mudar as maneiras de pensar empíricas e científicas tradicionais. O EaD terá que redefinir os seus

objectivos, ampliar os seus âmbitos curriculares consideravelmente e empregar novos métodos de auto-

iniciativa e aprendizagem auto-dirigida.

O conceito de "design instrucional"

Flechsig (1987) afirma que o conceito de tecnologia educacional, típico produto da sociedade industrial, já

não será suficiente na era pós-industrial. Pressupõe que a instrução pode ser planeada, avaliada e melhorada

consideravelmente da mesma maneira que a produção de bens pode ser planeada, avaliada e melhorada.

Assim, Flechsig procura outra explicação teórica e busca um modelo de ensino/aprendizagem que seja aberto

a novos fenómenos da sociedade pós-industrial. Chamou-lhe "design instrucional". Este modelo gira em torno

do conceito que ensinar é mais do que artesanato e técnica e mais do que um sistema que pode

completamente ser determinado por decisões com base cientifica. Também indica que nem todos os

elementos do ensino/aprendizagem podem estar à disposição daqueles que planeiam e desenvolvem a

instrução. O termo design é parcialmente usado por causa das suas origens nas belas artes. Os designers de

instrução estão conscientes dos factores imprevísiveis que não podem ser padronizados e reproduzidos. Isto

refere-se às dimensões pragmáticas, estéticas, éticas, e morais do ensino.

Características do novo conceito:

1) Os alunos e a sua aprendizagem têm precedência sobre professores e a sua instrução.

2) Ensinar não significa principalmente a intervenção directa de um professor mas, em vez disso, o

desenvolvimento de ambientes favoráveis à aprendizagem.

3) A qualidade educacional do ambiente de aprendizagem não é apenas medido em relação às normas

profissionais ou objectivos de ensino pré-determinados, mas também em relação à sua funcionalidade,

ao seu significado e à qualidade de vida que traz.

4) Os ambientes de aprendizagem podem ter que ser separados e isolados da vida, mas ao mesmo

tempo terão que representar parte do Lebenswelt.

Segundo Flechsig, o conceito de design instrucional é um produto típico do nosso tempo, indicando a

transição da sociedade moderna para a pós-moderna.

O papel dos alunos tornar-se-á mais proeminente. Terão que se encontrar formas do aluno tomar a iniciativa

na maior parte das fases do processo de ensino/aprendizagem, e isto inclui uma voz mais activa nas decisões

curriculares e nos métodos de controlo e avaliação.

Os planeadores do EaD terão que se concentrar na tarefa de indirectamente lidar com os alunos, isto é,

desenvolvendo ambientes de aprendizagem que conduzem a situações de ensino aberto, nos quais, os alunos

são encorajados a organizar e gerir o seu processo de aprendizagem. Terão ainda de lidar com o problema de

como transformar a experiência de ensino de forma a que deixe de ser apenas uma preparação para alguns

objectivos futuros específicos, mas também, uma representação da própria vida, com uma resultante

melhoria na qualidade de vida.

Page 9: Teoria da Industrialização do Ensino

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CONCLUSÃO

Como conclusão do exposto, podemos afirmar o seguinte:

1) O EaD é, de facto, um produto típico da sociedade industrial.

2) Na sociedade pós-industrial, o modelo industrial tradicional de EaD já não satisfará as novas

necessidades dos novos tipos de alunos, com as suas novas expectativas e valores.

3) Esta situação exige o design de novos modelos de EaD.

Isto significa que a mudança do EaD industrial para pós-industrial será Copernicana. Alterações ligeiras e

superficiais certamente não servirão.

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Peters, Otto. (1967)."Distance education and industrial production: a comparativeinterpretation in outline"

A primeira análise teórica de Otto Peters da EaD foi publicada num trabalho de 45 páginas, em 1967,

intitulado Das Fernstudium um Hochschulen Universitaten und: didaktische Struktur lnterpretation und

Vergleichende: ein Beitrag zur Theorie der Fernlehre (Educação a distância em universidades e instituições de

ensino superior: a estrutura didáctica e análise comparativa - uma contribuição para a teoria do ensino a

distância).

Para entender e explicar o fenómeno de ensino a distância, identificar as oportunidades educacionais

específicos e distinguir esta forma de ensino de outras formas de transmitir conhecimentos académicos é

necessário clarificar que o leque de terminologia educacional não é suficientemente compreensível. O ensino

a distância representa factos novos para a educação em vários aspectos e propaga-se por todo o mundo,

contribuindo para a descoberta das oportunidades educacionais oferecidas pelos meios de comunicação

modernos, como rádio e televisão, recorrendo a equipamentos electrónicos de processamento de dados e

técnicas de transmissão de banda larga por cabo.

A Teoria da Industrialização do Ensino tem como ponto de partida o facto de a educação tradicional e

convencional assimilar formas pré-industriais. De acordo com esta teoria, a educação a distância caracteriza-

se por condições industriais de ensino. As características estruturais da educação tradicional não são

adequadas para descrever e analisar a EaD, e empregar conceitos convencionais seria distinguir uma nova

forma de educação à luz de uma perspectiva antiga, distorcida e superficial. O EaD, no entanto, é possível

com base em actos racionais - objectivos, instrumentais e estratégicos, que têm que ser transmitidos através

da tecnologia. O ensino industrializado baseia-se numa aprendizagem pré-concebida.

Características do ensino industrializado:

Racionalização: primeira característica do ensino industrializado, compreende a adopção racional ou

metódica de medidas para alcançar uma maior produtividade, com um baixo consumo de energia, tempo e

capital. As descobertas científicas devem privilegiar a utilidade prática, para melhorar os resultados dos

processos económicos e técnicos de produção. Cada fase de produção deve ser cuidadosamente analisada e

planeada por forma a atingir uma contribuição efectiva. O progresso contínuo, exacto e preciso dos materiais

de estudo (recursos) recorre a processos dinâmicos e permite melhorar a qualidade contínua dos materiais.

As atitudes e os procedimentos passam a ser estabelecidos após a racionalização acentuada da

industrialização da produção (Peters, 1967). A racionalização estabelece-se no EaD quando o conhecimento e

as habilidades de um professor são transmitidos a um número ilimitado de estudantes, mediante a

objectividade de um curso de qualidade (Keegan, 1991: 76).

Divisão do trabalho: baseia-se na consideração do processo de produção como um todo, anteriormente

restrito a uma única pessoa. É reunido em vários procedimentos elementares (Peters, 1967). Na produção

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industrial, o artesão planeia, organiza, utiliza ferramentas e vende o seu produto. Se essa unidade for dividida

em várias funções ou tarefas, aumenta a especialização da mão de obra e faz surgir os departamentos de

pesquisa e desenvolvimento, produção, marketing, vendas e outros do género.

No EaD, a divisão de trabalho permitiu a adopção do estudo a distância em larga escala, mais vantajoso

comparativamente com o ensino presencial. Ao professor é-lhe atribuído um papel de especialista em

conteúdo, deixando de exercer as tarefas de planeamento e desenvolvimento instrutivo, tarefas essas

atribuídas a outros profissionais, como designers de programa, especialistas em media e peritos em avaliação.

Uma organização burocrática coordena, então, as várias funções atribuídas na educação convencional ao

professor e grande parte do processo de ensino e aprendizagem realiza-se sem a intervenção do professor.

Este processo é centrado no aluno. Os tutores e conselheiros ocupam funções nos sistemas de EaD bem

definidas e submetidas a uma planificação prévia, controlo por parte de uma supervisão central e orientação

de programas ou materiais preparados por outros profissionais. De acordo com o referido, o trabalho do

professor também é industrializado.

Mecanização: engloba a utilização de máquinas num processo de trabalho, com o objectivo de substituir a

força física de animais e homens, retirando-os da dura rotina do esforço manual, e tornar a produção mais

eficiente (Peters, 1994). Existem vários graus de mecanização, sendo o mais avançado caracterizado pela

automação.

O EaD não poderia acontecer sem recorrer à utilização de máquinas. O início do ensino por correspondência

coincidiu com a instalação dos caminhos de ferro e os sistemas postais. Nas formas mais simples do EaD,

observam-se tendências para os elementos estruturais da industrialização, salientando-se algumas funções do

professor serem substituídas por dispositivos técnicos, como na oferta de informação e avaliação do

desempenho. Torna-se, então, imprescindível o apoio logístico dos sistemas de transporte e meios de

comunicação usados como media para difundir a instrução (Peters, 1994). Duplicando tais sistemas, essas

condições constituem o elemento prévio para o desenvolvimento e expansão da EaD, tomando a forma

posteriormente de modernos meios de comunicação e processamento electrónico de dados (Peters, 1967).

Deparamo-nos então com um modelo tecnológico de educação a distância, com ênfase em dispositivos

técnicos, fragmentação e compartimentalização do processo de aprendizagem, enfim, no predomínio de uma

racionalidade técnica em detrimento da racionalidade crítica (Peters, 1994).

Linha de montagem: é caracteriza-se pela permanência do trabalhador no seu local de trabalho, com o

transporte de peças de um lugar para outro até à finalização da produção. No EaD e no desenvolvimento dos

seus programas, os materiais de estudo transitam de um sector para outro, sendo sujeitos a ajustes e

modificações específicas em cada fase. As unidades de estudo são enviadas ao estudante a distância, que as

completa e envia para verificação do trabalho que posteriormente é submetido à administração para registo

do seu desempenho. Os alunos e professores não necessitam estar no mesmo local para participar em

eventos de ensino.

Produção em massa: característica de uma sociedade industrial avançada, marca a formação de uma

sociedade de consumo, com padrões de vida elevados, e está relacionada com a produção e acesso de bens

Page 12: Teoria da Industrialização do Ensino

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de consumo produzidos em larga escala pelas grandes indústrias. A produção em massa só existe em grandes

aglomerados de consumidores. O processo de produção deve estar dotado de um sistema de transporte

eficiente para estabelecer a ligação entre produtor e consumidor, que se encontram geralmente distantes, e

adequar os produtos aos padrões e exigências de consumo e torná-los proveitosos.

O professor e o estudante são produtores e consumidores de bens e serviços educacionais. A produção em

EaD também representa produção em massa, uma vez que o efeito da multiplicação dos cursos provocado

pelo avanço da tecnologia e dos meios de comunicação faz com que professor e aluno se encontrem distantes

geograficamente. Este tipo de ensino abarca um número ilimitado de estudantes e torna possível o transporte

de conhecimentos e habilidades pedagógicas. As universidades sentem a necessidade de melhorar a

qualidade dos seus cursos e programas, para dar resposta às exigências dos estudantes e ao aumento deste

tipo de cursos. Graças às semelhanças com o processo de produção industrial, o EaD passa a ser considerado

como um meio mais adequado e eficaz de prover o ensino a grandes aglomerados de estudantes. A educação

a distância gera oportunidades de estudo e o consequente aumento do nível de educação.

Page 13: Teoria da Industrialização do Ensino

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COMENTÁRIOS

Contextualização

Otto Peters tem-se dedicado à análise e ao estudo do ensino a distância desde 1965, meros 20 anos após o

final da 2ª Guerra Mundial, que deixou a Europa, e em particular a Alemanha, destruídas. Este motivo, aliado

à pouca atenção que o Estado alemão nacional socialista de Hitler dedicava à educação e à formação dos

seus cidadãos em áreas não relevantes para fins bélicos ou militares, fez com uma geração de alemães

ficasse com graves lacunas ao nível da sua formação académica ou profissional. Após o período do chamado

"milagre económico alemão", em que em apenas duas décadas, a economia alemã foi reconstruída e

começava já a revelar uma pujança considerável, foi posto em prática um ambicioso plano na área da

educação que visava educar, ensinar e formar a nova geração de crianças resultante do baby boom que a

nova realidade económica alemã possibilitava.

No entanto, era, ainda, necessário fazer face às necessidades educacionais da geração anterior, gravemente

afectada pelas décadas da instabilidade social e política, do nazismo e da 2ª guerra. As infra-estruturas

recém-construídas, nomeadamente as redes de telecomunicações, as auto-estradas e os caminhos-de-ferro)

passaram a permitir que o ensino a distância, nomeadamente o ensino por correspondência, fosse utilizado

para esse fim, permitindo o acesso a formação profissional a todos os que dela tinham sido privados,

formando, assim, uma geração de trabalhadores qualificados, tão necessários nesse período de intensa

actividade económica responsável pela construção da forte e competitiva economia alemã dos anos 60/70 do

século anterior.

A utilização da revolução industrial e da respectiva era por este gerada, como referência histórica para

contextualização de factos ou tendências, é cara não apenas a Otto Peters, mas a vários outros autores.

Como exemplo, veja-se a referência que Manuel Castells faz, no seu artigo A dimensão cultural da Internet:

"A Internet (...) é o equivalente ao que foi o primeiro motor a vapor e, de seguida, o motor eléctrico em toda

a revolução industrial."

Peters assiste à transição entre o período industrial, baseado em matérias-primas, energia e força laboral, e o

período pós-industrial, baseado no conhecimento. Está, portanto, numa altura privilegiada para reflectir sobre

as profundas mudanças provocadas por esta revolução.

Tenho, no entanto, alguma dificuldade em compreender e aceitar a colagem que Peters faz entre o período

moderno e a era industrial, e o período pós-moderno e a era pós-industrial.

Historicamente, o período Moderno decorre, grosso modo, de 1453, ano em que os turcos conquistam

Constantinopla, pondo fim ao Império Romano do Oriente, e 1789, altura em que se dá a revolução francesa,

abrindo as portas ao tempo histórico seguinte, o período Contemporâneo.

Ora, o inicio da revolução industrial dá-se em Inglaterra a partir do ano de 1765, com a invenção da máquina

a vapor por James Watt. Assim, a era da industrialização coincide com o denominado Período

Contemporâneo.

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A explicação que encontro para esta discrepância será o facto de Otto Peters utilizar a expressão "Período

Moderno" não com um significado histórico, mas sim com a intenção de se referir ao um tempo mais recente,

mais actual, baseado no conhecimento científico, em detrimento das explicações baseadas na esfera do

divino, transcendente, e caracterizado por padrões mais elevados de conforto e qualidade de vida e

significativos avanços tecnológicos. Nesta linha de raciocínio, o "Período Pós-moderno" seria o período

seguinte ao descrito.

Se aceitarmos esta explicação como válida, a seguinte tabela, onde Otto Peters apresenta uma comparação

entre os currículos nas abordagens modernas e pós-modernas, baseando-se na obra de William Doll, A

Postmodern Perspective on Curriculum, ajuda-nos a compreender essas diferenças, no contexto educacional:

ABORDAGEM MODERNA ABORDAGEM PÓS-MODERNA

Segue o modelo do “gestão científica” Segue o modelo do “diálogo” que transforma osparticipantes e os assuntos em discussão

Racionalidade técnica (tecnocrática) Racionalidade humanísticaEficiência Desenvolvimento pessoalFactos precisos Abordagens globaisEspecificação GeneralizaçãoProcedimentos detalhados InteractivoFormalismo rígido EcléticoLinear ComplexoPré-ajustado ImprovisadoSequencial PluralistaFacilmente quantificável Não quantificávelInícios definidos Em andamentoFins definidos Em andamentoEstável Não estável, dinâmicoPensamento baseado em causa-efeito Pensamento não dedutivoPrevisível ImprevisívelO professor detém o conhecimento, o aluno, não Grupo aberto e transformador de indivíduos que interagemCurrículo: definição apriorística de curso a serealizar

Currículo: transmissão de informações pessoais através dodiálogo, da investigação e do desenvolvimento

A organização vem antes da atividade A organização surge a partir da atividadePositivismo Pluralismo epistemológicoCiência impregnada de descoberta edeterminação

Ciência impregnada de criatividade e indeterminação

CONCLUSÃO

Como conclusão, a teoria apresentada é fruto da época em que o seu autor viveu e reflectiu sobre estas

questões, tendo tido uma grande relevância neste período específico dos cerca de 150 anos do ensino a

distância. O seu trabalho reflecte uma enorme preocupação em relação à compreensão dos fenómenos do

seu tempo mas, sobretudo, uma grande abertura à inovação imposta pelas alterações sociais e tecnológicas,

tentando tirar o máximo partido que estas oportunidades rasgam no campo do ensino a distância.