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Universidade Estadualde Santa Cruz
ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Diretora do Departamento de Ciências da EducaçãoProfª. Raimunda Alves Moreira Assis
Ministério daEducação
T314 Teoria do conhecimento: Pedagogia : módulo 2, volume 2 - EAD / Elaboração de conteúdo: Josué Cândido da Silva. - [Ilhéus, BA] : EDITUS, [2010]. 131 p. : il.
ISBN: 978-85-7455-197-5
1.Educação-Filosofia.2.Teoriadoconhecimento. 3. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. I. Silva, Josué Cândido da. II. Pedagogia: módulo 2, volume 2.
CDD 370.1
FichaCatalográfica
1ª edição | Fevereiro de 2012 | 462 exemplares - 2ª reimpressãoCopyright by EAD-UAB/UESC
Projeto Gráfico e DiagramaçãoJamile Azevedo de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro
CapaSheylla Tomás Silva
Impressão e acabamentoJM Gráfica e Editora
Todos os direitos reservados à EAD-UAB/UESCObra desenvolvida para os cursos de Educação à Distância da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC (Ilhéus-BA)
Campus Soane Nazaré de Andrade - Rodovia Ilhéus-Itabuna, Km 16 - CEPE 45662-000 - Ilhéus-Bahia.www.nead.uesc.br | [email protected] | (73) 3680.5458
Pedagogia | Módulo 2 | Volume 2 - Teoria do Conhecimento
Coordenação UAB – UESCProfª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)Prof. Drª. Maria Elizabete Sauza Couto
Elaboração de ConteúdoProf. Dr. Josué Cândido da Silva
Instrucional DesignProfª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera
Profª. Drª. Gessilene Silveira Kanthack
RevisãoProfª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira
Coordenação de DesignProfª. Msc. Julianna NascimentoTorezani
EAD . UAB|UESC
SumárioUNIDADE I
Conhecimento e sociedade ........................................................................................... 151 INTRODUÇÃO ............................................................................................................172 O QUE É CONHECIMENTO? ..........................................................................................183 CONHECIMENTO E SOCIEDADE ....................................................................................224 IDEOLOGIA E CONHECIMENTO .....................................................................................265 TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA” .......................................................................29 ATIVIDADES .............................................................................................................33 RESUMINDO .............................................................................................................34 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................34
UNIDADE II
Teorias do conhecimento .............................................................................................. 371 INTRODUÇÃO ............................................................................................................392 A VISÃO MÍTICA DO MUNDO ........................................................................................41 ATIVIDADES .............................................................................................................423 ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS MITOS ..............................................................................434 CONHECIMENTO E VALIDADE.......................................................................................445 A VALIDADE DO CONHECIMENTO COMO PROBLEMA FILOSÓFICO .....................................48
5.1 Em busca do fundamento .................................................................................485.2 Ser e não-ser ..................................................................................................525.3 O real e o ideal ................................................................................................535.4 Aristóteles: conhecer através das coisas .............................................................565.5 A questão dos universais ..................................................................................585.6 Nominalismo e realismo ....................................................................................61
ATIVIDADES .............................................................................................................63 RESUMINDO .............................................................................................................64 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................64
UNIDADE III
O conhecimento na era moderna .................................................................................. 691 INTRODUÇÃO ............................................................................................................692 A CIÊNCIA MODERNA E O RACIONALISMO .....................................................................703 INATISMO E EMPIRISMO .............................................................................................734 KANT E AS CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONHECIMENTO .............................................76 ATIVIDADES .............................................................................................................80 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................80
UNIDADE IV
Conhecimento científico ................................................................................................... 831 INTRODUÇÃO ................................................................................................................852 A LÓGICA DA CIÊNCIA ....................................................................................................873 A LÓGICA DA PESQUISA CIENTÍFICA ................................................................................894 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS .........................................................................................915 UM MAPA DAS CIÊNCIAS .................................................................................................956 AS CIÊNCIAS HUMANAS E SEUS CRITÉRIOS DE CIENTIFICIDADE .........................................97 ATIVIDADES ...............................................................................................................104 RESUMINDO ...............................................................................................................104 REFERÊNCIAS .............................................................................................................105
UNIDADE V
A sociedade do conhecimento ........................................................................................ 1091 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................1092 A SOCIEDADE INFORMACIONAL .....................................................................................110
2.1 A exclusão informacional ....................................................................................1132.2 A era informacional não precisa de meros repetidores .............................................114
3 AS NOVAS FORMAS DO APRENDER .................................................................................1163.1 A gestão escolar ................................................................................................1173.2. Salas com menos alunos e escolas menores .........................................................1173.3 Professores capacitados e com tempo para se dedicar a projetos de ensino ...............118
4 ENSINAR COMO SE APRENDE ........................................................................................1184.1 O pensamento de ordem superior ........................................................................1224.2 Habilidades Cognitivas ........................................................................................1264.3 Diálogo e Comunidade de Investigação .................................................................127
ATIVIDADES ...............................................................................................................130 RESUMINDO ...............................................................................................................130 REFERÊNCIAS .............................................................................................................131
APRESENTAÇÃO
Prof. Dr. Josué Cândido da Silva
Graduado em Filosofia pela USP, Mestre em
Sociologia Política pela PUC/São Paulo e Doutor
emFilosofiapelaPUCdeSãoPaulo.Professordo
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas
– DFCH/UESC desde 1999 e, atualmente, é
colaborador da página de Educação do UOL na
disciplinadeFilosofia.
O AUTOR
Nossos pais nos contaram que um rei muito poderoso atribuiu aos sábios do reino a missão de compilarem todo conhecimento do mundo em um único livro. Os sábios trabalharam arduamente durante vários anos na realização dessa monumental empreitada. Quando finalmente apresentaram o volumoso resultado dedécadasdepesquisa,oreificouumtantodesapontado,poisesperavauma obra menor de fácil leitura e não um imenso livro com milhares de páginas,gráficosemapas.Pediuentão,oambiciosorei,queossábiosresumissem tudo, o máximo que pudessem. Mais algumas décadas de trabalho se passaram e, orgulhosos, apresentaram os sábios, ao já maduro rei, a obra de algumas centenas de páginas. O rei, já sem o entusiasmo e a energia da juventude, pediu aos sábios que sintetizassem tudo em uma única página, pois o peso dos anos não lhe favorecia mais o estudo. Com mais algumas décadas e muitasdiscussões,enfimchegaramossábiosaumconsensodefinitivoagrupado em uma única página de texto. Porém, o rei já estava velho e moribundo e mal podia ler. Chamou então um dos sábios ao seu leito de morte e indagou, com a voz cansada: – Sábio, poderia resumir todo conhecimento do mundo em uma única palavra? O sábio coçou um pouco a cabeça e disse: – Talvez. Como toda lenda milenar, essa também guarda muitos ensinamentos. No momento, gostaria de destacar apenas um deles: se é certo que a dúvida e a inquietação são motivadoras da pesquisa e do conhecimento, também é verdade que nenhum conhecimento pode eliminar a dúvida e a curiosidade humana por completo. Por isso, poderíamos dizer que a chave do conhecimento não está oculta em nenhum livro, mas nos corações e mentes das pessoas que não se satisfazem com respostas prontas e se dispõem a pensar por si mesmas. Tendo isso em mente, procuramos proporcionar a vocêsalgumas chaves de leitura que permitissem abrir muitas portas para serem visitadas mais tarde. Buscar estas chaves, mais do que reter as informações, poderá tornar a leitura mais produtiva. Os exercícios que se seguem a cada unidade tentam deixar claro quais os aspectos principais dos conteúdos, mas essa é apenas uma maneira de ver as coisas. Procure fazer suas próprias anotações e descobertas com as ferramentas que já aprendeu em outras unidades.
APRESENTAÇÃO
Porfim,buscamostornaradisciplinapróximadasquestõesdaeducação e das novas tecnologias, nem sempre com sucesso. Por vezes, o conhecimento exige de nós um pouco de teoria, de distanciamento daexperiênciaimediata.Issopodenoslevaraoestranhamentoeanossentirmos um pouco perdidos. Caso se sinta assim, lembre-se de que mesmo quando estamos aprendendo coisas práticas como dirigir ou digitar um texto no computador, também temos a mesma sensação. É a maneira da nossa mente dizer que estamos aprendendo; e o aprender é cheio de insegurança: quando esperamos um “sim” ou “não”, ele apenas insinua um “talvez”.
Bons estudos,
Prof. Dr. Josué Cândido da Silva
As teorias do conhecimento e sua relação com
a aprendizagem e a formação de professores
na sociedade tecnológica. O conhecimento e
arevoluçãocientífica.
DISCIPLINA
TEORIA DOCONHECIMENTO
EMENTA
Prof. Dr. Josué Cândido da Silva
AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:
• operar com os conceitos de conhecimento, sociedade, cultura e ideologia;
• estabelecer relações entre tais conceitos, identificando-osemseucotidiano.
OBJETIVOS
CONHECIMENTOE SOCIEDADE
1ªunidade
1 INTRODUÇÃO
Por muito tempo, nutriu-se a imagem do conhecimento como
algo produzido por pessoas excepcionalmente talentosas. Ainda hoje,
pensamosemcientistas,intelectuaiseartistas,comogêniossolitários
afastados do mundo. A televisão e o cinema ajudam a alimentar essa
imagem. Isso tudo tem um propósito muito claro: criar uma barreira
entre as pessoas comuns e o acesso e a partilha do conhecimento. Há
muito tempo, sabe-se que conhecer é poder. Assim, tentam manter
o conhecimento sob o domínio de poucos, como forma de ampliar o
poder. Em sentido inverso, quanto mais pessoas tiverem acesso ao
conhecimento, mais partilhado será o poder e mais democrática será
a sociedade como um todo.
A educação é o instrumento que permite a democratização
da sociedade através da formação de cidadãos críticos e autônomos.
Mas para que isso ocorra de fato, é preciso que você educadora,
vocêeducador,sejaoprimeiroaacreditarnopodertransformadorda
educação. Nós só conseguiremos fazer nossos alunos valorizarem o
saber e cultivá-lo, se em nossas vidas formos modelos de dedicação e
paixão pelo saber. Assim, quebraremos o mito de que o saber é para
poucosouqueéumfeitoesporádicodegêniosbrilhantes.
Nodecorrerdessaunidade,vocêperceberáa íntimarelação
entre conhecimento e sociedade, e como o capitalismo transformou o
conhecimento em um meio de dominação. Que aquilo que um dia foi
partilhado por todos, virou privilégio de alguns.
UNIDADE 1CONHECIMENTO E SOCIEDADE
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Graças à luta e à organização popular, hoje o acesso ao conhecimento tem se
democratizado.Cabeavocêatarefadedarcontinuidadeaesseprocesso,ampliandoseus
conhecimentos. Conhecer não é fácil, pois todos os dias se abrem novas fronteiras do
saber. Por isso, é importante ter um método de aprendizagem e deixar uma parte do dia
exclusivamente dedicada ao estudo. Transformar as dúvidas em perguntas e partilhá-las com
os colegas, tutores e professores. Leia o texto mais de uma vez, quando necessário. Não salte
as partes difíceis esperando que elas se resolvam por si mesmas: não existe mágica! Vença
asdificuldadesaprofundandosobreotema,buscandooutrasfontes,fazendoanotaçõesetc.
Diz o ditado popular que o conhecimento não ocupa lugar, mas, infelizmente, com as
pessoas não é assim. Alguns ocupam lugares privilegiados, enquanto a maioria ocupa lugares
inferiores na sociedade. Se o conhecimento for uma ferramenta capaz de tornar a nossa
sociedademaisjustaeigualitária,entãoestánahoradevocêassumiroseulugarnaHistória
como ser que, enquanto ensina, aprende.
2 O QUE É CONHECIMENTO?
Figura 1 - Rã Venenosa-Panamá. Autor: Luis Louro “Olhares.com” <http://br.olhares.com/ra_venenosa_panama_foto138906.html>
Antesdetentardarumadefiniçãodoquesejaconhecimento,
vamosfazerumpequenoexercício.Observeafiguraacima.Oque
vocêvê?Enumeretudooquevocêsabesobreafigura.Agoraescreva
no espaço a seguir qual a informação mais importante contida na
figura.
18 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
Muitobem,sevocêcolocouquesetratadeumarãousapo
cuja característica principal é ser anfíbio. Parabéns! Mas se você
estiverumdiapasseandopelaflorestaeencontrarumdesseslindos
animaizinhos, a informação mais importante que deve saber é que eles
são terrivelmente venenosos. Na natureza, as cores vivas de alguns
animais servem para indicar que são venenosos. Uma informação
importantesevocêforumpredadortentandoincluí-lonoseucardápio.
Masvocêpodeestarseperguntando:comovousaberquevermelho
vivosignifica“perigo,substânciavenenosa”?Emalgunsanimais,essa
informação valiosa é passada de uma geração para outra através do
instinto. Em outras espécies, através do aprendizado. Por exemplo,
um macaquinho pode se lembrar dos gritos de pavor de sua mãe
ao sentir a aproximação de uma cobra, e sentirá medo de cobras
sempre que vir uma. Do mesmo modo, pessoas podem ter medo de
eletricidade sem nunca ter levado um choque na vida, ou medo de
baratas mesmo que nenhuma delas lhe tenha feito mal algum.
Emumaprimeiradefiniçãobastantegeral,podemosdizerque
conhecimento é toda informação organizada que ajuda a garantir
asobrevivênciadaespécie.Sabercomoconseguircomidaeágua;
como curar-se de doenças; resistir às mudanças do ambiente. Tudo
isso é conhecimento.
Voltandoaoexercíciodarã,sevocênãoselecionou“venenosa”
como uma característica importante, isso tem uma razão: a chance
devocêmorrerenvenenadaouenvenenado,porquecomeuumarã
dessas, é muito pequena.
Nós conhecemos aquilo que é importante para nossa vida. Por
exemplo, fazer um cesto de palha pode ser algo vital para alguém
que trabalha na roça, mas ninguém vai perguntar para uma diretora
de uma empresa multinacional se ela sabe fazer cestos de palha.
Na natureza também é assim, estamos cercados por milhares de
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informações, visuais, táteis, olfativas etc., mas só conseguimos
interpretar um pequeno número delas. As formigas constroem uma
trilha olfativa de centenas de metros até o formigueiro, mas nós não
sentimos odor algum quando nos aproximamos da trilha. Isso quer
dizer que não existe informação sozinha, informação é um processo
queenvolvetrêscoisas:
OBJETO – SIGNO – INTERPRETANTE
Objeto – aquilo que é representado pelo signo sob este ou aquele aspecto.Signo – é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.Interpretante–possívelourealqueatribuiumsignificadopara o signo que passa a ser signo para outro interpretante, permanecendo sempre aberto a novas interpretações.
Ampliamos nossos conhecimentos na medida em que somos
capazesdeinterpretarmaisinformações,dedecodificarsignos.Por
exemplo, uma pessoa que não sabe ler não tem acesso a uma série
de informações que se escondem por trás daqueles signos (letras)
que, quando organizados de uma determinada forma, simbolizam
as palavras que, por sua vez, são símbolos de coisas, emoções ou
pensamentos. É como estar vivendo em um país estrangeiro sem
falar a língua dos nativos. Quando ela aprende a ler, um novo mundo
se abre para ela. Mas não aprendemos só lendo informações em livros
ou em revistas. Muito do trabalho dos cientistas é aprender a decifrar
os signos em que está guardado o conhecimento da Natureza.
Abrimos a janela e vemos densas nuvens escuras se formando
no céu, imediatamente corremos para o quintal para tirar a roupa do
varal. Nuvens escuras é sinal de chuva. Mas como a gente sabe disso?
Sabemos porque várias vezes antes de começar a chover, vimos o
céuficardaquelejeito.Seacadavezquefossecomeçarachovero
céu fosse diferente, nunca associaríamos uma coisa com a outra.
Só o que se repete, o que tem regularidade, pode ser previsto.
Quando acontece algo extraordinário, como a passagem de um
cometa,ficamosassombrados,imaginamosqueéumsinaldosdeuses
etc. Se cometas riscassem o céu todo dia, ninguém prestaria atenção
neles, fariam parte do que é “natural”, ou seja, não necessariamente
o que tem explicação, mas o que é previsível, e, portanto, conhecido.
20 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
Conhecemos algo quando sabemos quais as regras segundo
as quais se comporta e somos capazes de prever seu comportamento
futuro, ou, pelo menos, estimar qual o seu comportamento provável.
Por milhares de anos o homem pescou peixes com anzol e, durante
milhares de anos, o peixe sempre caiu no anzol. É porque nós
aprendemos algo sobre o peixe (mas ele não aprendeu sobre nós).
Mas conhecer não é só perceber regularidades, é preciso ser
capaz de compreendê-las ou explicá-las. Por outro lado, o fato de
estarmos acostumados com algum fenômeno não quer dizer que o
conhecemos.Porexemplo,vocêsabeoqueéofogo?
Ora, que pergunta boba, fogo é aquilo que queima, emite luz
ecalorenãotemumaformadefinida.Certo,masofogoématéria?
É gasoso? É líquido? E aí começamos a perceber que, apesar de
tão acostumados com a presença do fogo e de sua fundamental
importância em nossas vidas, sequer sabemos se ele é matéria ou
não e a qual estado da matéria ele pertence. Percebemos então que
sabemos muito sobre o fogo, mas igualmente há muita coisa que
ainda ignoramos, apesar da humanidade ter dominado o fogo há
milhares de anos.
Isso ocorre em todos os campos do conhecimento, na medida
em que se amplia o que é conhecido, expande na mesma proporção
o universo do que desconhecemos.Ocorre que não podemos ficar
esperandopelosavançoscientíficosparanosorientarmosfrenteàs
coisas. Não é por falta de um conhecimento completo e detalhado
que deixamos de dar explicações para os fenômenos. Muitas
pessoas sequer dão crédito para ciência, preferem apelar para os
conhecimentos tradicionais como forma de compreender o mundo.
Sabemos que nuvens escuras são sinal de chuva, mas por
que chove? Por mais que as
pessoas pareçam não pensar
no assunto, elas sempre têm
alguma forma de explicação
para os fenômenos que as
cercam. Chove porque os
deuses querem fecundar a terra
para garantir a sobrevivência
do homem, então pedimos
aos deuses ou santos que
nos mandem chuva quando
há seca, dirá o crente. Chove
quando ocorrem determinadas
condições meteorológicas, dirá Figura 2 - Autor: Marcelo Prates <http://www.portalhd.com.br/cmlink/2.494/espetaculo-no-ceu-7.7690#0>
SAIBA MAIS
O fogo não é nem sólido, nem líquido, nem gas-oso, ele pertence a um quarto estado da maté-ria chamado de plasma. Visite o site do Instituto de Física da UnB e apre-nda mais sobre plasmas: <http://www.fis.unb.br/plasmas/>.
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o cientista. Qual dessas explicações é a verdadeira?
Cada uma delas tem a sua verdade, uma explica um sentido ou
propósito para vida e para o mundo, digamos que é uma resposta que
remeteaumsentidoespiritualdaexistência.Aoutraexplicaacausa do
fenômeno. O que não podemos esperar é que os cientistas nos digam
sobreosentidoúltimodaexistência(algoque,possivelmente,muitos
delestambémprocuram),ouqueummestreespiritualouumfilósofo
compreenda os mistérios do átomo ou da evolução das espécies. Ou
seja, não existem apenas graus de conhecimento (saber menos ou
sabermais),mashátambémdiferentesgênerosdeconhecimento,
quepodemsercausadeconflitoseincompreensõessemprequetais
diferenças não forem respeitadas. Por exemplo, quando a religião
pretendeinvadirosdomíniosdafilosofiaoudaciênciaevice-versa.
Se as diferentes maneiras de conhecer aprenderem a dialogar entre
si,verãoquemuitotêmaaprenderumascomasoutras.
3 CONHECIMENTO E SOCIEDADE
Na história da humanidade muito do conhecimento de vários
povos e culturas se perdeu. Muitas vezes, nossa capacidade de
conhecereaprendercedelugaranossabestialidadeeviolênciaea
sede de destruição torna-se maior que a sede de saber. Mesmo assim,
vários tesouros da humanidade se preservaram para as gerações
futuras. O que seria de nós sem a agricultura, a capacidade de forjar
o metal ou de produzir arte? Apesar de muitas idas e vindas, é nítido o
progresso do nosso conhecimento em relação às gerações passadas.
Isso se deve a dois fatores intimamente ligados: nossa capacidade de
produzir cultura e linguagem. Com elas, as gerações passadas podem
transmitir para as gerações futuras o saber acumulado até então.
A cultura é o que nos torna verdadeiramente humanos na
medida em que humanizamos a natureza, ou seja, tornamos objetos
naturais em objetos culturais, a madeira em arco, do barro um
vaso ou panela etc. Juntamente com a transformação da natureza
pelotrabalho,atribuímosumsignificadoeumsentidoatudooque
produzimos e às formas como nos relacionamos com as coisas e
comasoutraspessoas.ComodiziaofilósofoKarlMarx,todomundo
sente fome, mas existe uma grande diferença entre saciar a fome
rasgando a carne crua com os dentes e comer um bife bem passado
com talheres em uma mesa bem posta. A diferença é justamente o
que marca a nossa cultura, e nossos modos de sentir, agir e pensar.
Como já nascemos dentro de uma cultura, parece que ela nem
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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
existe. É como o sotaque, nós só o
percebemos nos outros. A cultura
se apresenta para nós como uma
“segunda natureza”, ou seja, nos
sentimos tão à vontade dentro dela
que mal conseguimos diferenciar o
que é individual do que é coletivo
ou social. Será que gostaríamos de
determinado estilo musical se ele
não tocasse na rádio? Teria coragem
de sair na rua com uma roupa que
foi moda nos anos 70? Ofereceria
um churrasco de cachorro para seus
amigos? Pois é. Até que ponto podemos dizer que nossos gostos,
ideias e valores são realmente “nossos” e não produto do convívio
familiar, dos amigos etc.? É claro que cada ser humano é único em
suaexperiênciavital,massomostambémseressociaise,portanto,
imersos em uma cultura e época determinadas.
O espaço para a manifestação da individualidade também
varia de uma cultura para outra. Em culturas em que não há uma
grande complexidade na divisão do trabalho entre as pessoas da
comunidade, o conhecimento tem um caráter muito mais coletivo,
tanto em sua produção quanto em sua apropriação. Em várias tribos
indígenas do Brasil, podemos perceber essa característica. Um índio
sabe quase tanto quanto sua comunidade inteira. Sabe como fazer
uma casa, como caçar, pescar, plantar, preparar os alimentos, tecer,
fazer cestos, produzir remédios etc. Praticamente não existem
conhecimentos “secretos” guardados por um seleto grupo de “sábios”.
Na medida em que a sociedade vai dividindo o trabalho entre
homens emulheres, cada gênero passa a dominar conhecimentos
específicos.Enquantooshomenspassamadominarosconhecimentos
sobre a caça, as mulheres dominam a agricultura, a educação dos
filhos e com isso um desenvolvimentomuitomaior da linguagem.
Alguns cientistas chegam a afirmar que isso teria determinado o
fato de as meninas aprenderem a falar mais rápido e melhor que os
meninos.
A divisão do trabalho, entretanto, não parou por aí, ela foi se
tornando cada vez mais complexa, evidenciando que saber é poder.
Separar o conhecimento do comum das pessoas traz mais poder
e riqueza para o grupo que o detém. Nesse caso, podemos dizer
que quanto mais complexa é a sociedade, mais especializado é o
conhecimento. É só reparar em nosso modo de vida para nos darmos
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conta disso. Sequer sabemos como consertar boa parte dos objetos
que utilizamos todos os dias, de uma simples torneira a um aparelho
de TV. Quanto mais nos especializamos, sabemos mais sobre menos
coisas. Como diz o ditado popular: “especialista é aquele que sabe
quase tudo sobre quase nada”.
Por outro lado, seria preciso centenas ou talvez milhares
de anos, para que um único ser humano aprendesse tudo aquilo
que a humanidade sabe. Como não temos tanto tempo disponível,
procuramos nos especializar em um pequeno número de coisas e
sermos bons no que fazemos. Em sociedades complexas, portanto,
existe mais espaço para a individualidade, já que a diferenciação
emváriasprofissõeseramosdeatividadeexigemaiorliberdadede
escolha; indivíduos mais capazes de se adaptar às rápidas mudanças
da sociedade. O problema, portanto, não está na especialização do
conhecimento em si mesma, mas em determinados rumos que ela
tem tomado ao longo da história.
Primeiro, a tendência ao monopólio em detrimento da
democratização do conhecimento. Com o conhecimento aplicado à
produção e a crescente divisão do trabalho, ampliou-se a riqueza
social. Ou seja, começamos a produzir mais do que o estritamente
necessário para nos mantermos vivos. Logo, determinados grupos
começaram a imaginar maneiras de apropriarem-se do excedente
social. Em geral, aqueles cujas funções dentro da divisão social do
trabalhosãomaisdifíceisdequantificar.Porexemplo,quandovocê
contrata um pedreiro para levantar a sua casa, mais ou menos tem
uma ideia de quanto tempo de trabalho o pedreiro (e talvez o seu
ajudante) precisará para levantar a casa e o quanto seria justo
pagar pelo tempo de trabalho do pedreiro em jornadas de oito horas
diárias.Agora,imaginequevocêcontrateumpublicitárioparafazera
campanha de um produto qualquer. Como medir o valor do trabalho
do publicitário? De repente, as horas que ele passou no escritório
pensando em sua propaganda foram inúteis. No fim de semana,
enquanto pescava com os amigos – Eureca! – ele teve a grande ideia
que tornará a sua campanha um sucesso.
Oquevocêfaz?Pagaaeleapenasashorasemqueeleestava
pescando no domingo à tarde?
Esse é o problema: quando se trata de trabalhos ditos
“manuais”, em que o conhecimento já está sedimentado e um grande
número de pessoas é capaz de dominá-lo com pouco treino, temos
uma medida: o tempo, medido em horas de trabalho. Quando se trata
de funções mais “intelectuais”, praticamente não existem medidas.
Nesse caso, se usam medidas abstratas: o religioso dirá que
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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
não existe nada mais elevado do que a salvação das almas; o general
dirá que tem em suas mãos a segurança da pátria; o cantor dirá...
Enfim, a falta demedidas tornoumais fácil para os trabalhadores
intelectuais a apropriação de uma parte maior no bolo da riqueza
produzida por todos. Ao mesmo tempo, os intelectuais cuidaram para
que o saber que possuem não fosse difundido para não ameaçar seu
poder e status.
Se hoje o domínio da escrita não é mais um mistério, não
significa que o conhecimento está completamente democratizado.
Isso porque o conhecimento está tão enraizado no processo produtivo
que se tornou um diferencial para vencer os concorrentes. Uma
grande empresa de medicamentos investe bilhões em pesquisa
para desenvolver novas drogas. Mesmo que tais remédios sejam
essenciais para salvar a vida de muitas pessoas, a empresa guardará
a sete chaves o segredo de sua fórmula. Em parte, para recuperar os
investimentos que realizou, em parte para ampliar seus lucros, já que
ninguém mais produz aquele medicamento e todos são obrigados a
comprar dela. Ou seja, no capitalismo, o conhecimento se torna uma
forma de ampliar o lucro daqueles que monopolizam o saber.
Mas não é só isso, o conhecimento é também uma ferramenta
importante para o controle social. Em sociedades complexas como
a nossa, não basta saber o que as pessoas fazem. É preciso prever
oqueelasfarãoantesmesmodeagirem.Imaginequevocêédona
ou dono de uma fábrica de bermudas, mas não está só no mercado,
outras empresas estão oferecendo produtos similares ao seu. Está
chegandooverãoevocênãopodesimplesmenteesperaraestação
começar, observar o que todo mundo está usando e aí começar sua
produção. Pois, nesse caso, vai acabar produzindo bermudas para o
inverno,oqueseriaumfiasco!Oquevocêprecisaéantecipar-seaos
concorrentes, lançando a moda e deixar que os outros corram atrás.
Mas como eu sei o que vai ser moda no próximo verão?
Eu não sei, mas posso inventar...
O grande segredo é, portanto, antecipar-se às ações das
pessoas, atuando sobre suas motivações para garantir que ajam
justamente como o planejado. E aqui entramos no segundo aspecto
das sociedades complexas. Nelas não há como ter uma visão geral
sobre tudo o que se passa na sociedade. Os meios de comunicação
social (rádio, TV, jornais, revistas) tornaram-se nossos olhos e ouvidos
para termos acesso à realidade. Tal situação apresenta um risco: que
vejamos e ouçamos apenas o que eles querem. Entre as milhares
de informações e eventos que ocorrem todos os dias, os meios de
comunicação precisam selecionar uma pequena parcela deles para
SAIBA MAIS
O monopólio do saber
No antigo Egito, por exem-plo, os sacerdotes criaram uma escrita que só eles en-tendiam, justamente para afastar a maior parte do povo do poder. Ao contrário do nosso alfabeto com suas atuais 26 letras, o hieróglifo egípcio tinha 6.900 sinais. Se alfabetizar uma criança com apenas 26 letras não é uma tarefa das mais fáceis, imagine quanto tempo al-guém levaria para conhecer todo “alfabeto” egípcio?
Figura 4 - Fonte: http://wikipedia.org ”Egyptian funerary”
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noticiar. Noticiar tudo é simplesmente impossível. Portanto, o meio
de comunicação escolhe o que noticiar baseado no interesse do grupo
social ao qual apoia ou defende.
Não existe meio de comunicação “neutro”, todos são parciais.
Todos eles pretendem atingir suas bases motivacionais, modelar o
seugosto,paraquevocêconsumadeterminadosprodutosatravésda
publicidade, mas também moldando o seu estilo de vida, suas opiniões
políticas etc. Como a maior parte dos meios de comunicação pertence
a empresas privadas, eles retiram seu lucro da venda de espaços para
publicidade em sua programação ou em suas páginas. Nesse caso, a
tendêncianaturaléquetaismeiosdefendamosinteressesdequem
ospaga.Porexemplo,sevocêfosseumprodutordeautomóveiseum
canal de TV dissesse que deveríamos parar de comprar carros para
não contribuirmos com o aquecimento global através da emissão de
carbono,vocêanunciariaosseuscarrosnessecanal?
Como já dissemos, a função principal dos aparatos de
comunicação não é só fazer propaganda de determinados produtos,
mas a que você adote um “estilo de vida” condizente com o que
se espera de bons consumidores: que pensem, ajam e sintam
exatamente aquilo que o sistema espera deles. Que os meios de
comunicação defendam determinados interesses, não tem nada de
errado. O problema é que para ganhar a simpatia do público, ou
por não defenderem interesses muito nobres, boa parte dos meios
de comunicação tende a ocultar seus reais propósitos, ou diz que é
isento e imparcial.
Quando o conhecimento se volta para satisfação de
determinados interesses, ocultos sob a roupagem de estarem a serviço
de todos indistintamente, passa a cumprir a função de ideologia.
4 IDEOLOGIA E CONHECIMENTO
Emseuusocorrente, ideologiaassumeváriassignificações,
por vezes, contraditórias. Algumas pessoas usam o termo ideologia
para se referir à forma de pensar ou ao conjunto de ideias de um
determinado grupo de pessoas ou instituição, por exemplo, quando
diz que concorda ou discorda da “ideologia” de determinado partido
ou movimento. Outros ainda se referem à ideologia como opinião ou
crença sustentada por uma pessoa, algo semelhante à convicção.
Aqui, porém, empregamos o termo ideologia em um sentido
que se tornou clássico a partir da definição do filósofo Karl Marx
(1818-1883). Marx concebe a ideologia como representação falsa da
26 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
realidade, ou seja, algo que aparenta ser verdade, mas que é apenas
uma ilusão para ocultar interesses da classe dominante.
Em sociedades capitalistas como a nossa, a estrutura social
está organizada de modo a favorecer sempre os interesses da classe
dominante. Para impedir que os pobres se revoltem ou que a situação
saia do controle, os ricos difundem determinados valores e ideias que
fazem com que o oprimido pense como o opressor, sendo solidário aos
interesses da classe dominante contra os interesses de sua própria
classe.
Para entender melhor como isso funciona vamos ver algumas
características da ideologia:
1. A ideologia universalizatomandoalgoparticular,apreferência
ou interesse de algum grupo como sendo interesse ou
preferênciadetodos.Porexemplo,quandoosEstadosUnidos
queremjustificarainvasãodealgumpaís,semprefalamnão
em nome dos interesses particulares de seu país, mas dizem
estar lutando em favor do “mundo livre”, da “democracia” ou
combatendo o “terror” ou as “drogas”. Democracia ou liberdade
são valores que precisam de contornos mais concretos para
que possamos saber precisamente do que se está falando.
Precisar tais conceitos acabaria justamente por revelar aquilo
que se pretende ocultar, ou seja, que aquilo que se postula
como universal, na verdade é um interesse particular. Da
mesma forma, ocorre na publicidade, ou no discurso político
em que se pretende criar falsos universalismos, como o de que
todo brasileiro é louco por carro, futebol, cerveja etc. Junto
com tais estereótipos, os heróis como o maior piloto, o craque,
o conquistador... Agora reflita umpouco: a quem interessa
tais visões sobre o brasileiro? O teatrólogo Nelson Rodrigues
dizia que toda unanimidade é burra. Poderíamos acrescentar
quealémdeburraéperigosa,porsuatendênciatotalitáriade
sufocar as vozes destoantes em nome de um falso consenso.
2. A ideologia oculta ao apresentar a sociedade como um todo
harmônico,semconflitodeinteresses.Paraissonosfazcrer
que todos temos direitos iguais e igual acesso às oportunidades,
que as pessoas se tornam ricas ou pobres, graças apenas ao
seu esforço pessoal ou “talento”. Os meios de comunicação
não cansam de falar de pessoas pobres que se tornaram
ricas e famosas, alimentando a ilusão de que basta querer
para trilhar o mesmo caminho, ou que os ricos assim o são
porque lutaram muito para chegar onde estão. Na verdade,
aimensamaioriadosquehojesãoricosvêmsebeneficiando
PARA CONHECER
SAIBA MAIS
Desigualdade no BrasilNo Brasil, apenas 1% da parcela mais rica da po-pulação (1,7 milhão de pessoas) detém uma ren-da equivalente a da par-cela formada pelos 50% mais pobres (86,5 mi-lhões de pessoas).
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u69318.shtml
Figura 4 - Karl Marx (1875) “Wikemedia Commons”
Karl Marx (1818-1883) foi um dosmais influentesfilósofosdo século XIX cujo legado permanece vivo até hoje em diversas áreas do conheci-mento humano, tais como: economia, filosofia, política,sociologia, educação, histó-ria etc. Sua principal obra, O Capital, foi concluída pos-tumamente por seu amigo Friedrich Engels e traduzida para centenas de idiomas. Nela, Marx realiza uma ri-gorosa análise da sociedade capitalista e demonstra que a riqueza da classe dominan-te (burguesia) é resultado da exploração do trabalho do proletariado. Segundo Marx, o capitalismo é um sistema inviável economicamente por destruir as duas fontes de riqueza: o trabalhador e a natureza. A solução seria substituir o sistema capita-lista, cujo objetivo é garan-tir a riqueza da burguesia através da exploração dos trabalhadores e da natureza, por um sistema centrado na satisfação das necessidades das pessoas (alimentação, habitação, educação, saúde e cultura para todos). Por seu caráter social, esse sis-tema ficou conhecido comosocialismo. Até hoje, os ideais socialistas de Marx ainda inspiram movimentos sociais, partidos e organiza-ções dos trabalhadores pelo mundo todo.
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de uma estrutura social de exploração e dominação que tem
se perpetuado durante séculos. Quando grupos empobrecidos
se organizam para reivindicar seus direitos, ou questionar a
injustiça secular a que estão submetidos, aparecem como
“desordeiros” que querem perturbar a “paz social”. Quando
uma categoria social faz greve como último recurso para
conseguir melhores condições de trabalho, são apresentados
como intransigentes que não compreendem a crise pela qual
“todos” estão passando. Se são professores, por exemplo,
é dito que eles não pensamnas pobres crianças que ficam
sem aula e que deveriam buscar formas mais construtivas de
protesto. Quando o governo manda bater nos manifestantes,
a TV diz que houve “confronto com a polícia” que foi “obrigada
a usar a força”. Se um rico comete um crime, se diz que
era um sujeito de “classe média alta”, a palavra “rico” está
definitivamentebanidadovocabuláriotelevisivo.Eporquê?
Porque o contrário de rico é pobre, o que chama a atenção
do espectador para as injustiças sociais, enquanto o contrário
de classe média alta é classe média baixa. Ou seja, no Brasil
todos somos de classe média!
Figura 5 - Fonte: http://caipirinhaseattlense.files.wordpress.com/2009/07/alienado.jpg
3. A ideologia legitima a dominação existente na sociedade,
fazendo-nos pensar que o modelo de sociedade que temos é
o melhor dos possíveis, e tentar construir alternativas a ele
noslevariainevitavelmenteaocaoseàviolência.Nãobasta
que a classe dominante pense e aja segundo seus interesses,
é preciso que os dominados pensem como os dominadores e
ajam sempre de modo a favorecer os interesses dos poderosos.
Quando é denunciado um escândalo de corrupção envolvendo
políticos,existempessoasqueafirmamqueseestivessemno
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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
lugar deles fariam o mesmo. De certa forma, quem pensa assim
não revelaapenasa sua faltade consciênciapolítica, como
também está legitimando a corrupção que sempre favorece
osmais ricos, pois são eles que têm condições de infringir
maior dano à sociedade ao desviarem o dinheiro público
que poderia criar milhares de oportunidades de emprego,
saúde e educação. Da mesma forma, o sonho de consumir
benssofisticadosoude“subirnavida”,alimentaelegitimaa
exclusão social, e cria os mecanismos de diferenciação social
até mesmo entre os próprios ricos, nunca satisfeitos em já
ter muito mais do que podem usar. Assim, entramos em uma
corrida louca por sempre ter mais, sem parar para pensar que
esta é uma ilusão impossível de ser realizada e cujo efeito
prático é a destruição do planeta. Ou seja, imitar o modo de
pensar dos dominadores, além de não nos propiciar uma vida
melhor, pode nos levar à completa destruição.
A ideologia é, portanto, uma ferramenta poderosa para manter
a dominação de uns poucos sobre a grande maioria oprimida e
marginalizada. Justamente por não exercer uma coerção violenta para
impor os interesses da classe dominante, mas uma dominação sutil,
invisível, que se espalha por todos os poros da sociedade tornando-se
muito difícil de ser percebida e combatida. Muitos sequer a percebem,
ou percebem a si mesmos como propagadores da ideologia dominante.
Masnãoexiste “neutralidade” ideológica: ouvocê faz ideologia ou
contra-ideologia.Assimcomonãoexistearte,ciênciaouinformação
que seja neutra, também não existe professor, artista, jornalista,
padreoupastorquesejaneutro.Oumelhor,afirmarumasuposta
“neutralidade” já é uma tentativa de ocultar que está a serviço da
ideologia dominante. Todo intelectual, mesmo um professor do ensino
fundamental, tem que decidir de que lado está: se está a favor da
transformação social e do ensino crítico ou a favor da conservação
da dominação através de um ensino alienado e alienante. É claro
que se a ideologia está espalhadapor toda sociedade, combatê-la
não é tarefa fácil. Principalmente depois que ela penetrou na própria
estrutura econômica e política da sociedade, como veremos a seguir.
5 TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA”
Com o desenvolvimento do capitalismo, a ideologia alastrou-
se também pela esfera política e econômica. As sucessivas crises
Figura 6 - O que é Educação?Fonte: “Planeta Educação”
http://www.planetaeducacao.com.br
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capitalistasdofinaldoséculoXIXedoiníciodoséculoXXensinaram
uma dura lição ao capitalismo: o mercado abandonado a si mesmo
pode destruir o próprio sistema. Ocorre que todos os produtores,
concorrendo entre si para conseguirem uma fatia maior do mercado,
aumentam a produtividade do trabalho agregando mais tecnologia ao
processoprodutivo.Maisprodutividadesignificaproduzirmercadorias
mais baratas, em maior quantidade e melhor qualidade. Como isso
é possível? Veja um exemplo: imagine que você fabrica bolsas
e que elas são costuradas a mão. Com isso, cada bolsa demanda
muitotempodetrabalhoparaficarprontaevocêprecisademuitos
funcionáriosparafazê-las.Entãovocêresolvecomprarmáquinasde
costura industriais.Comelas, asbolsasficamprontasmais rápido
e o acabamento é muito melhor. Cada
funcionário produz muito mais bolsas agora
do que fazia antes e você poderámandar
uma parte deles embora. Com menos
funcionários e mais bolsas, você pode
baixar o preço e mesmo assim aumentar o
seu lucro, porque agora pode vender mais
que antes. Então aumentar a produtividade
graças à tecnologia é ótimo, não é? Temos
cada vez mais produtos melhores e mais
baratos!
Sim. Mas os dois lados da equação não batem: maior
produtividadesignificamenosmão-de-obra.Umagrandecervejaria,
por exemplo, não necessita de mais que uma dúzia de funcionários
para controlar todo processo produtivo. Se todas as empresas vão se
modernizando e as que não se modernizam acabam falindo, temos
menos ocupação da mão-de-obra, isto é, aumento do desemprego.
Então acontece a crise: produtos baratos em grande quantidade, mas
poucos consumidores para comprá-los por causa do desemprego.
Sem vender, as empresas quebram, aumentando o desemprego em
um efeito dominó.
Diante desse problema existem basicamente duas alternativas,
manter os níveis de emprego, reduzindo a jornada de trabalho sem
redução dos salários. Mas isso diminui o lucro dos capitalistas e
capitalismo sem exploração do trabalho, não é capitalismo. A outra
alternativa, que preserva os interesses dos capitalistas, é a de aceitar
a intervenção do Estado para regular as crises econômicas. E foi o
que foi feito na maioria dos países capitalistas a partir da década
de 1930. O Estado passa então a controlar o ritmo da economia
para que não acelere demais ultrapassando a capacidade de compra
Figura 7 - Fonte: http://static.hsw.com.br/gif/capitalism-2.jpg
30 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
dos consumidores. Como ele faz isso? Basicamente, como vemos
diariamente nos jornais, controlando a taxa de juros e investindo
em setores que absorvem muita mão-de-obra. Juros altos, menos
crédito, menos investimentos, economia cresce menos. Quando
a economia está em recessão, faz-se o inverso: diminui-se a taxa
de juros e aumenta-se o crédito. Dessa forma, o Estado cria “crises
programadas” para evitar crises maiores.
Com suas novas funções, o controle do Estado passou a
ser um assunto “sério demais” para depender da deliberação dos
cidadãos. Pois, os cidadãos nem sempre pensam nos interesses das
empresas e dos bancos, mas no deles próprios: que o Estado invista
mais em educação, saúde, segurança etc. Se o Estado gastar segundo
os interesses dos cidadãos sobrará menos “caixa” para suportar os
tempos de crise e para investir nos setores considerados estratégicos.
Os temas políticos tornam-se temas técnicos reservados
a um pequeno grupo de pessoas: os tecnocratas. Como nem
todos compreendem os complexos meandros da administração
macroeconômica, esse assunto é reservado a uns poucos que
controlam os órgãos centrais do governo: o Banco Central, o Ministério
da Economia e do Planejamento, que são muito mais sensíveis às
oscilações da bolsa de valores do que ao voto dos eleitores. As grandes
questões políticas, como o tipo de desenvolvimento econômico que
queremos ou como devem ser distribuídos os gastos públicos e
quem deve pagar por eles, são retiradas de nossa agenda política,
e tornam-se questões meramente técnicas a serem tomadas pelos
tecnocratasdaburocracia estatal.Comoobservaofilósofoalemão
Jurgen Habermas,
[...] a solução de tarefas técnicas não está referida à discussão pública. As discussões públicas poderiam antes problematizar as condições marginais do sistema, dentro das quais as tarefas da atividade estatal se apresentam como técnicas. A nova política de intervencionismo estatal exige, por isso, uma despolitização da massa da população. E, na medida em que há exclusão das questões práticas, ficatambémsemfunçõesaopiniãopúblicapolítica(HABERMAS, 1994, p. 71).
Além disso, as pessoas acabam por se convencer que o progresso
técnico é a melhor forma de garantir um futuro melhor para todos,
semjamaisdiscutirquetipodeprogressoqueremos.Asênfasesnos
discursospolíticosficamemtornodeumououtropormenordentro
de uma estrutura aceita por todos. É claro que crises capitalistas
Tecnocrata: tecnocracia significa, literalmente, governo
dos técnicos; logo, os tecnocratas são os especialistas cuja autoridade se baseia nos conhecimentos teóricos dos mecanismos econômicos. O surgimento dos tecnocratas
está ligado ao crescimento das empresas, o que multiplicou
os cargos de gerência, exigindo maior capacitação
técnica de seus diretores. Isso levou à formação de cursos universitários de economia e administração de empresas, encarregados de atender a demanda das empresas por tecnocratas. Mais tarde, os
métodos de administração de empresas foram levados para
dentro da administração pública.
Para saber mais sobre Jürgen Habermas, visite: http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCrgen_
Habermas
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não são boas para ninguém; a questão é que os projetos alternativos
ao capitalismo sequer são levados em consideração, como se o sistema
capitalista de mercado fosse parte da natureza e, portanto, algo que
não podemos mudar, apenas nos adaptar a ele. Segundo Habermas,
isso torna o poder de legitimação dessa nova forma de ideologia mais
poderosa que suas formas anteriores, pois,
[...]aconsciênciatecnocráticaé,porumlado,‘menosideológica’ do que todas as ideologias precedentes; pois, não tem o poder opaco de uma ofuscação que apenas sugere falsamente a realização de interesses. Por outro lado, a ideologia de fundo um tanto vítrea, hojedominante,quefazdaciênciaumfeitiço,émaisirresistível e de maior alcance do que as ideologias de tipo antigo, já que com a dissimulação das questões não só justifica o interesse parcial de dominação de umadeterminada classe e reprime a necessidade parcial de emancipação por parte de outra classe, mas também afeta o interesse emancipador como tal do gênerohumano (HABERMAS, 1994, p. 80).
Isso a que Habermas se refere, podemos acompanhar, de um
lado, pelo crescente desinteresse do povo em participar da vida política
e na falta de credibilidade dos políticos em geral. De outra parte, através
da homogeneização do discurso político, com a crescente indiferenciação
dospartidospolíticos,quesetornamcadavezmaisagênciasparatratar
dos interesses privados desse ou daquele grupo, ao invés de tratarem
dosgrandestemasqueafetamtodoogênerohumano,comoasquestões
ecológicas, da paz mundial ou da fome.
A ideologia, hoje, ocupa-semuitomais emdesqualificar como
“utópica” ou “romântica” toda proposta que questione os fundamentos
daestruturasocial,doqueemproporalgoparacombatê-la.Ouseja,
basta simplesmente afirmar que não há alternativas, para que nos
curvemos frente ao destino que nos reserva a tecnocracia de um eterno
retorno do mesmo.
Comopodemosver,aciênciaeatécnica,aplicadasaoincremento
da produtividade de nossa civilização tecnológica, acabam por assumir
a função de ideologia de uma maneira tão eficaz quanto as outras
formas de ideologia veiculadas pelos grandes meios de comunicação
demassa.Issonosfazverqueciênciaeconhecimentonãopodemser
vistos ingenuamente como bons em si mesmos. Tampouco devemos ir
aopoloopostoeafirmarquetodaciênciaetecnologiasãoruinsequea
melhor solução seria voltar à vida primitiva em completa comunhão com
a natureza. A questão não é a aceitação ou recusa da tecnologia, mas a
serviço de quem ela deve estar e quais as tecnologias mais apropriadas
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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
para enfrentarmos cada um dos problemas. Ou seja, a ciência não
pode ser considerada como sendo a totalidade da razão, que se impõe
aos seres humanos como um dogma. O futuro de todo planeta Terra
não pode ser fruto da decisão de um punhado de tecnocratas. É nesse
sentido que a educação pode jogar um papel decisivo na construção de
alternativas à ideologia tecnocrática: uma democracia forte se constrói
com sujeitos críticos e criativos, capazes de pensarem por si mesmos.
Voltaremos a esse tema mais adiante ao tratarmos da relação
entre conhecimento e emancipação. Por enquanto, analisaremos
em maior detalhe as várias formas de se compreender o que é o
conhecimento e algumas de suas variantes históricas, como forma de
superaroreducionismocientificistadasociedadetecnocrática.
Costuma-se dizer que para aprendermos uma coisa nova é
preciso desaprender o modo antigo de pensar. Para desaprender a
ideologiaéprecisopoder identificá-laereconhecersuasformas,para
então abrirmos terreno para construção de novos conhecimentos. Tendo
isso em mente, em nossa próxima unidade, pretendemos apresentar
algumasteoriasdoconhecimentoparaquevocêpossaformarummapa
conceitual para se orientar na construção do seu próprio ponto de vista
sobre o tema. Lembre-se, nenhum texto ou saber é neutro, está sempre
afavordeumaideologiaoucontra-ideologia,cabeavocêidentificarqual
é a minha, para poder posicionar-se criticamente frente a ela. Enquanto
faz isso, estará entendendo melhor a sua.
6 ATIVIDADES
Asquestõesaseguir têmcomoobjetivoajudarafixar tudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.
1. Apartirdotextovocêpoderiadizercomoconhecemosomundo?2. Qual a diferença entre conhecimento e informação?3. Como o conhecimento é produzido e distribuído socialmente?4. VocêpoderiaexplicaroqueentendepelafrasedofilósofoFrancisBaconde
que “saber é poder”?5. Emnossasociedade,vocêachaqueoconhecimentoestáaserviçodequem?
Justifique.6. Qual a função social da ideologia?7. Qual a relação entre informação, realidade e ideologia?8. Comoaciênciaeatécnicapodemfuncionarcomoideologia?9. Existeciêncianeutra?Justifique.
ATIVIDADES
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7 RESUMINDOO conhecimento é a forma de organizar e operar as informações
de modo a garantir a sobrevivência dos seres vivos no planeta.
Todo conhecimento se opera através de signos, ou seja, não existe
conhecimento sem informação, objeto e interpretante. Para que algo
seja cognoscível é preciso que seja algo que se repita de modo a
tornar-se previsível. Em nossas sociedades, o conhecimento tem sido
uma ferramenta importante para o desenvolvimento social e a razão
principal do sucesso de nossa espécie no planeta. A depender do
modelo de organização social, o conhecimento pode ser socializado
coletivamente ou especializado. A especialização do conhecimento
não é um mal em si, mas pode tornar-se fonte de legitimação do
domínio de determinados grupos sociais sobre outros. Nesse caso, o
conhecimento assume funções de ideologia, ocultando sua base social
e histórica.
Nas sociedades capitalistas contemporâneas em que o Estado
assume funções de regulação econômica, a ciência e a técnica
acabam também por assumir funções de ideologia, ao legitimar o
domínio dos tecnocratas na tomada de decisões, em nome da alegada
incompetênciadocidadãocomumdemanifestar-seemtaisassuntos.
Dessa forma, o conhecimento torna-se também uma forma de excluir
a participação do cidadão nos rumos da sociedade.
8 REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1991.
HABERMAS, Jurgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa:
Edições 70, 1994.
HINKELAMMERT. Franz. As armas ideológicas da morte. São Paulo:
Paulinas, 1980.
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense.
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
34 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento
Suas anotações
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:
• compreender as diferenças entre as formas deconhecimentomítico-religioso,filosóficoecientífico;
• entender quais os principais problemas envolvidos na teoria do conhecimento e como, ao longo da história, diferentes soluções foram exploradas para tais problemas.
OBJETIVOS
TEORIAS DO CONHECIMENTO
2ªunidade
UNIDADE 2TEORIAS DO CONHECIMENTO
1 INTRODUÇÃO
Esta unidade apresenta as diferentes teorias sobre o
conhecimento e os diferentes tipos de conhecimento e seus respectivos
critérios de validade.
Na unidade anterior vimos que o conhecimento é algo vital para
nossasobrevivência.Podemosatémesmodizerque“conheceréviver”,
mas, como toda realidade humana, está permeado por interesses
econflitosgerando fenômenoscomoa ideologiaeadivulgaçãode
visões fantasiosas de mundo para garantir os interesses da classe
dominante. Diante dessa realidade, surgem vários questionamentos:
se muito do que é divulgado é falso, como separar o que é falso do
que é verdadeiro? Existe realmente algum conhecimento que possa
estar acima de qualquer suspeita? Será que cada um defende as
opiniões que lhes convém e que, no fundo, cada um tem parte da
verdade, mas ninguém a tem completamente?
Tais questões não são nada novas, elas acompanham a
humanidadehámilharesdeanos.OfilósofoAristótelesdiziaquetemos
um desejo natural de saber. Desde crianças, somos maravilhados
pelo mundo e tudo desperta nossa curiosidade. Com o tempo, vamos
nos acostumando com as coisas e nossa curiosidade diminui, em
alguns casos drasticamente. É que a curiosidade vai se sedimentando
em hábitos e crenças. As coisas vão se tornando “normais”, ou seja,
se não são explicadas pelo menos nos são familiares e, portanto,
previsíveis. Por outro lado, por mais que estejamos acostumados com
o mundo nunca nos satisfazemos apenas em compreender como as
coisas acontecem, nós buscamos um sentido para elas. Como diz
Jung Mo Sung,
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O sentido é o que se sente, o que se segue ou se persegue e o que se compreende. Quando falamos do sentido da vida estamos tratando das duas acepções:direçãoesignificado;istoé,seavidatemumadireção(finalidade)quedevemosseguireseelatemumasignificação(SUNG,2006,p.39).
Não nos satisfazemos em ficar na pele das coisas queremos
entender suas causas, fundamentos, propósitos... E isso não só em
relação aos fatos extraordinários. Na verdade, os fatos extraordinários
despertamumacuriosidademomentânea incapazdefixar-secomo
crença ou hábito de ação. O que nos intriga é saber por que a gente
ficadoente,envelhece,morre...Seexisteumavidaapósamorte,
se o universo existiu sempre ou foi criado e, se foi criado, quem
ou o que o criou? Além dessas questões mais filosóficas, coisas
cotidianas também nos intrigam, por exemplo, para muitos povos
determinadoalimento era tão importante para sobrevivência deles
que não conseguiam parar de pensar em como tinha surgido o milho,
a mandioca, o trigo e podemos encontrar vários mitos que explicam
a origem de cada um desses alimentos. Sem dúvida, mais do que
qualquer alimento, sempre nos intrigou a nossa própria origem.
Desde tempos imemoriais, o homem percebeu-se como um ser
singular na natureza: temos linguagem, fabricamos ferramentas,
nos organizamos em sociedade, sonhamos... Tudo isso afeta a nossa
autocompreensão, a forma como pensamos a nós mesmos: por que
os outros animais não se comportam como nós? Como nos tornamos
seres tão especiais? Seríamos descendentes dos deuses?
Mito: A origem da Via Láctea Zeus, o deus maior da mitologia grega, era muito namorador. Em uma de suas andanças pelaTerra,seapaixonoupelajovemprincesaAlcmena.Umanoite,aproveitandoaausênciadomarido, o aventureiro deus foi visitá-la e se uniu com ela. AdeusaHera,esposadeZeus,quandosedeucontadainfidelidade,seencheudecólera.E foiaindamaiorsua indignaçãoquandosoubequeaprincesaAlcmenatinhaficadográvida. Para castigar Alcmena, Hera prolongou a gestação da jovem princesa. Mas aos 10 meses, sem poder retê-lomais, a princesa Alcmena deu àluz ummenino belo e forte, umsemideus, ao qual chamou de Hércules. Desde que Hércules nasceu, seu pai Zeus o considerou como favorito entre seus muitos filhos.AdeusaHera,dominadapelociúme,enviouduasserpentesparaenvenenarorecém-nascido.Hércules,umbebêmuitorobusto,asestrangulounoberço,antesqueomordessem.Então,omensageirodosdeusesveioparaajudaraprincesaAlcmena,amãedobebêHércules.Eleaalertoudoperigoqueseufilhocorriaequeaúnicamaneiradesalvá-loeratornando-oimortal,colocando-oparamamarnosesplêndidosseiosdagrandedeusaHera. Então, o mensageiro tomou o menino nos braços, levou-o aonde a deusa Hera dormia, o pôs em seu seio para que mamasse o leite da imortalidade. Mas Hércules chupou os bicos dos seios da deusa com tanta força que esta acordou, o retirou bruscamente e o leite de seu seio derramoupelocéuemumjatoimenso,ummagníficoriodeleitebrancoebrilhante.Assimseformou, segundo a lenda grega, a Via Láctea.
Fonte: adaptado de Radialistas apaixonadas e apaixonados: http://www.radialistas.net/portuclip.php?id=1100008. Vocêsabeaorigemdoarco-íris?Esseéummitobembrasileiro,visiteositeedesvendeestemistério:http://www.radialistas.net/portuclip.php?id=1100041
SAIB
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AIS
40 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
2 A VISÃO MÍTICA DO MUNDO
Obviamente, apenas fazer perguntas não produz sentido, não
forma hábitos nem crenças para orientar nossas vidas. Também não
é qualquer tipo de explicação que nos satisfaz, ela deve traduzir a
nossaexperiênciapessoalecoletiva,poderservividacotidianamente
naformacomonosvestimos,comemos,trabalhamos,enfim,deveser
capaz de direcionar nossas formas de pensar e agir. Às representações
simbólicas capazes de realizar tudo isso, damos o nome de cosmovisões,
são elas que nos põem no mundo, que nos dizem onde estamos,
de onde viemos e qual é nosso destino. Na história da humanidade,
as primeiras formas de cosmovisões são chamadas de mitos. Mas é
importante destacar que mitos não são coisas de povos “antigos e
ignorantes” como alguns positivistas costumam pensar. Civilizações
altamente tecnológicas também fabricam seus mitos e orientam suas
vidas em torno deles. Não acredita? Veja só este exemplo:
Diverte e instrui considerar o que aconteceria se transmitíssemos toda a estrutura do corpo, do cérebro humano com suas recordações e conexões entrelaçadas, de tal modo que o aparato receptor hipotético pudesse reencarnar tudo em matéria apropriada, capaz de continuar os processos do corpo e da alma e de manter a integridade necessária para esse prolongamento mediante a homeostase (WIENER apud HINKELAMMERT, 1983, p. 64).
Quem diz isso não é nenhum religioso reencarnacionista,
mas Norbert Wiener o fundador da cibernética. Hoje todos nós
falamos em realidade virtual ou ciberespaço, criamos avatares que
conversam e agem em um mundo de fantasia. Mas isso é o máximo
que conseguimos fazer, pois não é possível que nos desprendamos de
nossos corpos sem ocasionalmente morrermos no percurso. Todavia,
muitas pessoas, inclusive cientistas, acreditam ser esta uma ideia
bastante razoável e que, no futuro, o sonho da imortalidade será
finalmenterealizado.
O que nos faz pensar que tais sonhos são razoáveis, enquanto
a crença em anjos, demônios ou espíritos nos parece algo “primitivo”
ou coisas de pessoas de pouca instrução, é que nós só somos capazes
de ver o mito “dos outros”. O nosso mito não é mito, é ciência.
Oumelhor,éaciência transformadaemmito.Hojeemdiase fala
nos “milagres da ciência”, em sua capacidade para resolver todos
os nossos problemas através das novas descobertas. É claro que
as conquistas da ciência, quando bem aplicadas, trazem grandes
Avatar: Em informática, avatar é a representação
gráfica de um utilizador em realidade virtual. De acordo
com a tecnologia, pode variar desde um sofisticado modelo 3D até uma simples imagem. São normalmente pequenos, aproximadamente 100 píxeis
de altura por 100px de largura, para que não ocupem
demasiado espaço na interface, deixando espaço livre para a função principal do site,
programa ou jogo que se está a usar.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Avatar_(realidade_virtual) Acesso em 09
jul. 2009.
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benefícios para humanidade, mas daí a dizer que ela resolverá todos
os nossos problemas ou que nos trará a imortalidade, é transformar a
ciênciaemmito.
Portanto, os mitos, apesar de serem antigos, não são coisas
do passado, já que mesmo os mitos antigos são constantemente
reelaborados acompanhando as mudanças próprias de nossa cultura.
1. Leia o texto abaixo. Após a leitura, responda as questões propostas e discuta as respostas com os colegas.
10 euros semanais para ser congelado com nitrogênio líquidoPublicado em 29/03/2009 por Juan Diego Polo
Dez euros por semana. Este é o preço que estão pagando os britânicos que queiram, e possam, congelar seus corpos no momento da sua morte. Segundo o Daily Mail, o número de cidadãos britânicos que optaram por deixar seus restos com esperança na futura ressurreição, tem aumentado nos últimos anos, principalmente devido aos preços mais baixos. O Cryonics Institute, uma organização privada que armazena órgãos, criou uma modesta taxa de 10 euros por semana, “mais barato do que uma pizza”, diz um futuro congelado. O pacote completo inclui congelamento e manutenção (o corpo está imerso em nitrogênio líquido), até que os avanços científicos permitamregressar à vida algum dia.
Fonte: http://www.fayerwayer.com.br/2009/03/10-euros-semanais-para-ser-congelado-com-nitrogenio-liquido/
2. Agora responda:
a)Sevocêtivessedinheiro,mandariacongelaroseucorpoapósamorte?b)Acreditaquenofuturoaciênciapoderáressuscitaraspessoaséumfatoou
mito?Qualocritérioquevocêusouparasepararoqueéfatodoqueémito?c)Épossívelestabelecerumaseparaçãoclaraentrereligiãoeciência?Explique
o seu ponto de vista?d)Vocêjulgariaqueumapessoaqueesperapelavidaeternarezandonaigrejaé
mais razoável do que uma que economiza dinheiro para congelar o corpo após amorte,ouvice-versa?Seriamambasasatitudesirracionais?Justifique.
3. Após responder as questões confronte-as com as dos colegas no Seminário Integrado.
ATIVIDADES
42 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
3 ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS MITOS
Como vimos acima, os mitos não são coisas do passado ou interpretações “falsas” da realidade. Mesmo povos ditos primitivos sabem distinguir seus mitos verdadeiros dos mitos falsos (contos e lendas que fazem parte de sua cultura, mas que não são fundantes), da mesma forma como para um crente a sua religião é sempre verdadeira em oposição às outras religiões ou seitas. Mitos e religiões não estão destinados a competir com as explicações científicas,ouseremsuperadosporelas.Comodizia o sociólogo Émile Durkheim (1989, p. 493), “a verdadeira função da religião não é nos fazer pensar, enriquecer nosso conhecimento, acrescentar às representações que devemos à ciência, representações de outra origem e deoutro caráter, mas nos fazer agir, nos ajuda a viver”. O que o crente busca na religião ou nos mitos são regras para o agir. É a ação, portanto, o que domina a vida religiosa. É inútil, portanto, tentar desmoralizar a conduta mítica ou religiosa comonãocientífica,dissoamaioriadoscrentestemconsciência.Pois,comopodemosobservarem nossa experiência cotidiana, não são asgrandesverdadescientíficasquemoldamnossaconduta moral e nossa relação com as outras pessoas em sociedade.A influência da ciênciaatinge aspectos pontuais de nossas vidas, por exemplo, podemos evitar alimentos gordurosos, praticar o sexo seguro etc. Mas as questões decisivasnavidadaspessoascomoterfilhos,casar-se, sermos honestos, amorosos ou cruéis eviolentos, isso tudo tempoucodecientífico,mas muito a ver com o que acreditamos, com nossos valores e história pessoal. Mito,religiãoeciêncianãosão,portanto,partes em conflito lutando pelo monopólioda verdade, apenas formas diferentes de compreender e dar sentido às coisas. Somente em casos extremos, quando o dogmatismo obscurece completamente a razão é que surgem
osconflitos.
Para completar nossa exposição, veja o que diz o grandehistoriadorefilósofodas religiõesMirceaEliade (1907–1986) sobre a estrutura dos mitos e a importância do “mito vivo”:
Estas observações preliminares bastam para precisar certas notas características do mito. De uma maneira geral se pode dizer que o mito, tal como é vivido pelas sociedades arcaicas, 1°, constitui a história dos atos dos Seres Sobrenaturais; 2°, que esta História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada (porque é obra dos Seres Sobrenaturais); 3°, que o mito se refere sempreauma‘criação’,contacomoalgochegouà existência ou como um comportamento, umainstituição, uma maneira de trabalhar, foi fundada; é esta a razão de que os mitos constituam os paradigmasdetodoatohumanosignificativo;4°,que ao conhecer o mito, se conhece a ‘origem’das coisas e, por conseguinte, se chega a dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento ‘exterior’, ‘abstrato’, mas de umconhecimento que se ‘vive’ ritualmente, seja aonarrar cerimonialmente o mito, seja ao efetuar o ritualparaoqualservede justificação;5°,que,deumamaneiraoudeoutra,se‘vive’omito,nosentido de que se está dominado pela potênciasagrada, que exalta os acontecimentos que se rememoram e se reatualizam.
‘Viver’ os mitos implica, pois, umaexperiência verdadeiramente ‘religiosa’, postoquesedistinguedaexperiênciaordinária,davidacotidiana. A ‘religiosidade’ desta experiência sedeve ao fato de que se reatualizam acontecimentos fabulosos,exaltantes,significativos;seassistedenovo às obras criadoras dos Seres Sobrenaturais; se deixa de existir no mundo de todos os dias e sepenetraemummundotransfigurado,auroral,impregnado da presença dos Seres Sobrenaturais. Não se trata de uma comemoração dos acontecimentos míticos, mas de sua reiteração. As pessoas do mito se fazem presentes, se tornam nossos contemporâneos. Isto implica também que não se vive já em um tempo cronológico, mas no Tempo primordial, o Tempo no qual o acontecimento teve lugar pela primeira vez. Por estarazãosepodefalarde‘tempoforte’domito:éoTempoprodigioso,‘sagrado’,noqualalgonovo, forte e significativo se manifestou plenamente. Reviver aquele tempo, reintegrá-lo o mais amiúde possível, assistir de novo o espetáculo das obras divinas, reencontrar os seres sobrenaturais e voltar a aprender sua lição criadora é o desejo que pode ler-se como em filigrana em todas asreiterações rituais dos mitos. Em suma, os mitos revelamqueomundo,ohomemeavidatêmumaorigem e uma história sobrenatural, e que esta históriaésignificativa,preciosaeexemplar.
(ELIADE, Mircea. A estrutura dos mitos – a importância do “Mito Vivo”. In: Mito, rito, símbolo – lecturas atropológicas. Coletânea organizada pelo Instituto de Antropología Aplicada, Quito, 1994, p. 113-114)
SAIBA MAIS
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4 CONHECIMENTO E VALIDADE
Como dissemos anteriormente, não nos contentamos com
apenas saber como as coisas são, mas também porque são como são.
Obviamentequeamaiorpartedasexplicaçõesdificilmenteconcorda
entre si, gerando o inevitável problema: qual das explicações é a
verdadeira?
Diante dessa questão podemos ter quatro atitudes gerais: o
ceticismo, o dogmatismo, o relativismo e o criticismo. Vejamos cada
uma delas.
1) A atitude céticaafirmaráquenãoépossíveltercertezaabsoluta
sobre coisa alguma e mesmo se existisse uma explicação
verdadeira sobre a realidade, jamais a conheceríamos. E
por que não? Bom, aqui as respostas dos céticos variam um
pouco. Uma delas atribui a razão aos limites de nosso próprio
aparato cognitivo: nossos sentidos são falhos (quantas vezes
pensamos ter ouvido ou visto algo e depois percebemos estar
completamente enganados?); nossa memória nos escapa ao
controle e não temos certeza se podemos lembrar sequer
do que comemos no jantar de ontem; nosso raciocínio, por
vezes, se confunde mesmo em operações simples. Com
uma percepção tão precária da realidade, como podemos
pretender um conhecimento certo e indubitável sobre o que
quer que seja?
Outro argumento empregado pelos céticos é que
mesmo asmentesmais brilhantes, os grandes filósofos da
humanidade, divergem em suas doutrinas sobre as questões
mais elementares. Ora, se os grandes sábios divergem entre
si, não é porque são tolos, mas porque existem questões cujas
respostasestãoalémdacapacidadehumanaderespondê-las.
Portanto, a atitude mais saudável para um cético é afastar-se
dos debates que não levam a parte alguma e tomar uma atitude
de distanciamento em relação a eles. Devemos, igualmente,
nos contentarmos com as verdades provisórias com as quais
lidamos todos os dias: de que o padeiro fará pão amanhã cedo;
que o cajueiro dará frutos a seu tempo etc. Mesmo sabendo
que tais fatos não passam de crenças justificadas e não
certezas absolutas; que algo que frequentemente acontece
poderá não acontecer ou que eu posso estar errado sobre algo
ou alguém. Uma atitude de suspeita frente a tudo e a todos
pode nos ajudar a evitar desapontamentos provenientes de
Figura1-Fonte:http://files.nireblog.com/blo-gs1/comportamentosdiferentes/files/ceticismo.jpg
44 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
umacrençaingênuaesemfundamentosfirmes.Moralmente
falando, um cético não considera que um determinado modo
de agir seja superior a outro e que existem tantas morais
quanto culturas humanas. Nenhuma delas pode reivindicar o
monopólio da verdade, portanto, viva e aja segundo a sua
cultura sem se preocupar em viver ou copiar a cultura dos
outros, pois todas elas valem o mesmo e estão igualmente
distanciadas da verdade que, talvez, sequer existe.
2) A atitude dogmáticaafirmaqueexistemverdadesuniversaise
imutáveis que servem de fundamento para outras verdades. Em
suaorigemnogrego,apalavradogmasignifica“decisão”,com
o passar do tempo tomou a acepção de princípio incontestável,
principalmente por seu uso religioso. As religiões não podem
ficardiscutindoseusfundamentosotempotodo,oqueacaba
dando margem a novas discussões e divisões internas. Por
isso,procuramfixaralgunsprincípios,chamadosdedogmas.
O problema é que, uma vez estabelecido, o dogma tende a
ser imposto aos discordantes, amiúde, de modo violento. O
dogmatismo torna-se, assim, um fundamentalismo intelectual
que confunde a defesa do seu ponto de vista com o combate
e exclusão das opiniões divergentes. Por outro lado, é difícil
estabelecer uma ciência ou teoria sem partir de princípios
indemonstráveis. Pois, se os princípios que fundamentam uma
teoria fossem eles mesmos deduzidos de outros princípios,
então seriam esses últimos os fundamentais e não os primeiros.
Na matemática, tais princípios indemonstráveis são chamados
de axiomas, que são sentenças hipotéticas iniciais das quais
se derivam outras sentenças, permitindo a construção de
sistemas, tais como a geometria euclidiana, por
exemplo. O problema é quando se supõe que
tais hipóteses são verdades inquestionáveis,
o que pode comprometer o processo de
investigação e descoberta nas ciências. Em
vários momentos de nossa história, muitas
ideias inovadoras, na ciência e nas artes,
encontraramumaforteresistênciadosque
se aferravam a velhos dogmas, como se
estes fossem verdades eternas e não meras
hipóteses de trabalho.
3) A atitude relativista aproxima-se da postura cética em sua
Figura 2Fonte: http://4.bp.blogspot.com
“beware-dogma-cross”
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desconfiançaquantoàpossibilidadedeencontrarmosverdades
universais. A diferença é que não se baseia em uma suspeita
generalizada sobre os órgãos dos sentidos, mas em colocar
o ser humano no centro de todo conhecimento. “O homem
é a medida de todas as coisas”, dizia Protágoras. Ou seja,
tudooqueexisteédependentedenossaformadepercebê-
los e de valorá-los. Quando as pessoas falam de maus-tratos
dos animais, obviamente não estão pensando em baratas ou
moscas. Seriam tais insetos menos animais que coelhos ou
gatos? Ocorre que julgamos o mundo segundo o nosso ponto
de vista ou o de nossa cultura. Então, inevitavelmente o que
pensamos está informado pela interpretação que temos sobre
determinado objeto. Por exemplo, você acha que o medo
de cobras é emnós algo natural? Pois não é! Se umbebê
encontrasse uma cobra sua reação provável seria a de brincar
com o animal. Só adquirimos o medo de cobra pela reação das
pessoas a nossa volta quando as veem ou falam sobre elas.
Poroutrolado,osentimentodepudoraoficarmosnusdiante
de outras pessoas, simplesmente não existe em determinadas
culturas, em que andar nu é visto como algo completamente
natural. Portanto, o que é verdade, ou certo para uma
determinada pessoa ou grupo pode não ser para outra. Tudo
é relativo. Tentar impor uma opinião como verdadeira é não
respeitar o pluralismo democrático de diferentes pontos de
vista. O máximo que podemos almejar é estabelecermos
alguns consensos provisórios válidos aqui e agora, mas que
poderão não valer mais amanhã, ou daqui a uma hora. Todo
ponto de vista deve ser respeitado, pois nenhuma opinião é
melhor que outra, apenas diferente.
Diante da impossibilidade de estabelecermos verdades
duradouras, os relativistas preconizam a tolerância e o
pluralismo tanto de opiniões quanto de conduta moral. No
limite, o relativismo coloca em xeque todos os princípios
universais, por exemplo, a ideia de direitos humanos.
Estariam as práticas de culturas ancestrais acima da moderna
Declaração Universal dos Direitos Humanos? Teriam culturas
ancestrais o direito de praticar a mutilação genital feminina
levando,muitasvezes,àmortedasvítimasdetalviolência?
Se reconhecermos que existem determinados direitos que são
universais e estão acima do que pensamos sobre eles, então
temos que admitir forçosamente que nem tudo é relativo.
46 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
4) A atitude críticaprocuraresponderaosdesafioscolocadospelas
posturas anteriores, ou seja, a um só tempo, escapar tanto do
ceticismo quanto do relativismo sem cair em um dogmatismo.
Muitos são os que tentaram realizá-lo, nem sempre com muito
êxito. Basicamente uma atitude crítica admite que embora
não possamos ter certeza absoluta sobre uma série de coisas,
comoafirmamoscéticos,podemosterconhecimentosseguros
sobre os quais é possível construirmos alguns consensos.
Mesmo um cético quando diz que não podemos ter certeza de
coisa alguma, pelo menos está admitindo uma certeza: a de
que não podemos ter certeza. Ou seja, de que há uma certeza
possível.Omesmoseaplicaaorelativismo,seafirmamosque
“tudo é relativo”, pelo menos essa frase não pode ser relativa,
pois, do contrário, haveria algo que não é relativo (a frase
“tudo é relativo”). Além disso, diante da ameaça de um ladrão
armado, nem o cético nem o relativista hesitariam em obedecer
às ameaças do ladrão, colocando em dúvida o ponto de vista
do ladrão ou a existência domesmo. Apesar dos sentidos,
às vezes, nos pregarem algumas peças, a realidade é algo
que independe da nossa vontade. Ignorá-la não é algo que
possa ser posto em questão como um exercício intelectual,
pois se um leão feroz vem em nossa direção, duvidar dele não
vai fazer com que desapareça e isso tampouco é uma mera
questão de ponto de vista.
Por outro lado, existem verdades como as da matemática ou
da lógica cuja validade independe do que possamos pensar sobre
elas, dois mais dois será sempre quatro, pois o número dois não varia
em seu valor, pois é, ele mesmo, uma idealidade.
Issosignificaqueosdogmáticosestãocertosaoafirmaremque
existem verdades eternas e universais? Não exatamente. O erro dos
dogmáticos é o de confundir aquilo que é idealidade com o que é real.
A realidade muda constantemente e, mesmo sem nos darmos conta,
estamos atuando para que tais mudanças continuem ocorrendo.
Afirmar que determinados dogmas valem para sempre é negar a
realidade e suas mudanças. Por exemplo, quando a humanidade
não passava de uns poucos milhões de indivíduos, o mandamento
“crescei-vos e multiplicai-vos” fazia sentido. Atualmente com a
humanidade na casa dos seis bilhões de indivíduos e aproximando-
se rapidamente dos dez bilhões, é preciso repensar tal mandamento
à luz de uma série de questões: haverá comida e água para todos?
Em caso contrário, deveríamos levar o mandamento a sério? O que
47PedagogiaUESC
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deveriam fazer os governos e a sociedade como um todo?
Em uma perspectiva crítica, o mais importante não é preservar
odogma,masgarantirquenossascrençassejamjustificadas.Isto
é, que tenhamos critérios para distinguir o que é válido e o que não
é, o que é eticamente aceitável ou não. Devemos nos ocupar mais
com as regras e critérios de verdade do que com os resultados de
tais processos. Pois, os resultados serão sempre provisórios, já que a
natureza está em processo de constante mudança e evolução, assim
como a sociedade e nós mesmos. Uma atitude crítica será sempre
falibilista, ou seja, sempre admitirá a possibilidade de estarmos
errados e, portanto, de que devemos estar abertos a rever nossos
conceitos e nos autocorrigir.
5 A VALIDADE DO CONHECIMENTO COMO PROBLEMA FILOSÓFICO
Desdeseusprimórdios,afilosofiatemfeitodoconhecimentoum
dos seus problemas centrais. Isso torna possível que acompanhemos
esse longo debate, em suas linhas gerais, no decorrer da história. Assim,
começando pela Antiguidade Clássica, faremos um percurso didático
como se existisse uma continuidade histórica que nos permitisse ir
de um filósofo a outro, como se estivessem eles respondendo ou
dialogando com os que lhe antecederam. É claro que, na realidade,
tanto em termos históricos quanto das problemáticas abordadas não
foi assim que aconteceu, mas quando estamos começando, preferimos
algumas ideias gerais sem contornos muito precisos a explicações
muito complexas e cheias de detalhes. Nesse sentido, achamos que
esta primeira aproximação será um bom começo, mas não esqueça
queésóumcomeçoequevocênãodevecontentar-secomele.
5.1 Em busca do fundamento
Os mitos gregos nunca forneceram explicações muito
convincentes sobre a realidade. Embora os mitos fossem muito ricos e
diversos, as preocupações cosmológicas e metafísicas não ocupavam
um lugar central na religião grega. Como aponta Moses Finley,
[...] a religião grega carecia de dogma e de teologia sistemática; os seus rituais podem ter sido emocionalmente estimulantes, mas as suas explicações resumiam-se ao mito e eram
48 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
insatisfatórias do ponto de vista intelectual. Este vazio da religião (e a correspondente ausência deuma igreja institucionalizada) conferiu à especulação uma invulgar liberdade de manobra: possivelmente, porque havia um vácuo a ser preenchido; negativamente, porque nem as classes dos homens nem os seus guardas terrenos se sentiam ameaçados pelas idéias, por mais ultrajantes que fossem (FINLEY, 1984, p.110).
Com explicações tão pouco consistentes era natural que
surgisse na Antiguidade Clássica, na Grécia, uma nova maneira de
propor respostas para as grandes perguntas da humanidade. Essa
nova formaficou conhecida comofilosofia. Conta-se que Pitágoras
foi o primeiro a usá-la; ao ser chamado de sábio, teria dito que era
apenasum“amantedasabedoria”,emgrego,filosofia(filo=amante,
amigo; sofia = sabedoria). Os primeiros filósofos, assim como
Pitágoras, eram antes de tudo sábios: matemáticos, astrônomos,
físicos, biólogos... Esses seriam os termos modernos que poderíamos
usarparatentardefini-los.Masnaquelaépocanãohaviaumaclara
distinção entre os vários campos de conhecimento. O conhecer, o
investigar, era isso que definia os filósofos, muito mais do que a
direção que a investigação tomava.
Preocupavam-se principalmente com o princípio ou fundamento
de tudo. Se vemos o mundo em constante mudança e agitação, seria
possível encontrar um fundamento ou princípio (arqué em grego)
de onde tudo teria surgido?Umdos primeiros filósofos a oferecer
uma resposta a essa pergunta foi Tales de Mileto (cerca de 625-558
a.C.); hoje muito mais conhecido por seus trabalhos em geometria
e matemática e o famoso “teorema de Tales”, com o qual conseguiu
medir a altura de uma pirâmide pela projeção de sua sombra.
Ele inaugurouafilosofiaaoafirmarque“tudoéágua”.Essa
frase pode nos parecer estranha e absurda hoje, mas ela revela duas
característicasimportantesquedistinguemopensarfilosóficotanto
da ciência quanto da religião. Difere da ciência, porque a ciência
estudaebuscarespostasparafenômenosparticulares.Aciênciase
ocupa de questões como se o colesterol faz mal a saúde ou se existem
planetas foradosistemasolar.Masaciêncianãodiznadasobrea
razão das coisas serem do modo como são e não de outra maneira, se
a evolução tem algum propósito ou se existe um sentido para a vida.
Aocontrárioda ciência, afilosofianão lida com fatosparticulares,
mascomogeral,comaquiloqueécomumàexperiênciadetodos
nós;oparticularnãodespertaointeressedosfilósofos,poisnãoestão
atrás do que é fundamento para isso ou aquilo, mas do fundamento
Pitágoras de Samos viveu entre 570 a.C. e 497 a.C., ficou famosopor terdesen-volvido o teorema que leva o seu nome (o teorema de Pitágoras), segundo o qual, em um triângulo retângulo, a soma do quadrado dos ca-tetos é igual ao quadrado da hipotenusa: C2 = A2 + B2
Além de ser o primeiro a usarapalavra“filosofia”, Pi-tágoras é também o primeiro adefiniramatemáticacomoum sistema de pensamento baseado em provas deduti-vas.
Figura 3 e 4 - Pitágoras e Teore-ma de Pitágoras
Fonte: http://pt.wikipedia.org
SAIBA MAIS
Figura 5 - Tales de Mileto.Fonte: http://upload.
wikimedia.org/wikipedia/commons/4/45/Thales.jpg
49PedagogiaUESC
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comumdetodaexperiênciahumana.Enquantoaciênciacaminhaa
passos seguros, indo de um experimento a outro e avançando muito
lentamente,afilosofiabuscadeumsaltoabarcarasíntesedetudoo
queexiste,indicandoparaciênciaquaisseriamashipótesesaseguir.
Afasta-se igualmente da religião por não usar de mitos e
fabulações para fundamentar seus pontos de vista. Assim, Tales falou
da água (de onde surgiu a vida em nosso planeta), um elemento
bastante conhecido de nós todos em sua busca de uma explicação
que fosse racional e não mágica. Afirma-se que Tales também
teria dito que “as coisas estão cheias de deuses”. O que pode ser
interpretado tanto como de uma forma mística, como quando se fala
hoje em dia de uma “energia”, quanto de forma dessacralizada como
se não houvesse uma fronteira que dividisse os limites do profano e
do sagrado. Em ambos os casos, percebemos a mesma intuição de
quetudoéum,dequeháumfundamentosecretoqueunificatodas
as coisas.
Outro componente que afasta definitivamente a filosofia
de qualquer religião é a ausência de dogmas. Dificilmente uma
religião pode sobreviver sem dogmas, legitimados por alguma força
sobrenatural.Afilosofia,porseuturno,temcomobaseunicamente
origorracionalqueasustenta.Porisso,muitoscriticamafilosofia
por nunca chegar a definições certas e indubitáveis, sempre
retomandodiscussõesantigassemencontrarumasoluçãodefinitiva.
Poroutro lado,éesta justamentea riquezadafilosofiaquenunca
impõe dogmaticamente um conhecimento, mas o submete à crítica
democrática como forma de aprimorá-lo e ampliá-lo. Se, por vezes,
nãoconseguimosencontrarumarespostadefinitivanafilosofia,pelo
menos alargamos nossa compreensão sobre os problemas, o que
significasabermelhorondeestamospisando.
Isso pode ser percebido mesmo entre os discípulos de Tales.
Anaximandro considerava que o elemento primordial não poderia ser
ele mesmo algo sujeito à mutação. Ora, a água é mutável, ela pode
congelar ou evaporar, então era necessário encontrar outro elemento
que não estivesse sujeito à mutação. Tal elemento seria o apeíron, que
podesertraduzidopor infinitoouilimitado.SegundoAnaximandro,
esse elemento seria indestrutível e teria gerado todas os outros sem
ter sido, ele mesmo, gerado por nenhum outro.
Anexímenes,tambémdeMileto,consideravaqueoarinfinito
teria sido a origem de tudo por um processo de condensação e
rarefação. Mas como um elemento pode gerar outros? É claro que
vemos as coisas mudando o tempo todo no mundo, o que é um bom
indicativo para pensarmos que isso tem uma causa, uma origem, mas
50 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
não explica o que põe o elemento primordial em movimento para gerar
os outros. Empédocles de Agrigento elaborou uma boa solução para
o problema. Ele achava que tudo era composto por quatro elementos
(fogo, terra, água e ar) em diferentes combinações. Duas forças
seriam as responsáveis pelas combinações dos elementos, a força
de repulsão (ódio) e a de atração (amor). Demócrito de Abdera, por
seu turno, achava que tudo era composto de átomos (do grego, não-
divisível). Se partirmos uma maçã ao meio, veremos que, por mais
afiadaquesejaafaca,nãoconseguimoscortá-lademodoquefique
uma superfície completamente lisa. Isso indica que existem partículas
infinitamentepequenasquenãopodemmaisserdivididasempartes
menores. Estas seriam as menores unidades possíveis de que tudo
o que vemos a nossa volta é formado. Mas como explicar que esse
único elemento, o átomo, possa formar coisas com cores, formas,
sabores e cheiros diferentes? Demócrito acreditava que os átomos
tinham diferentes formas, uns eram redondos, outros triangulares,
outros quadrados etc. Cada forma seria capaz de provocar uma
sensação diferente em nós, por exemplo, átomos redondos poderiam
provocar uma sensação de doce, enquanto pontiagudos teriam um
gosto amargo. O mesmo ocorreria em relação aos outros sentidos,
diferentes átomos provocariam sons mais graves ou agudos, cheiros
perfumados ou desagradáveis, de acordo com a sensação que a
figuradoátomoprovocaaoentraremcontatocomnossosórgãos
dos sentidos.
Ao olharmos as teorias dos primeiros filósofos sobre o
fundamento do universo à luz das descobertas científicas de hoje,
parece que todas elas se aproximaram em algum grau da verdade, ao
pensarem em combinação de elementos, forças de atração e repulsão
etc. O problema é que não havia na época os meios para testar qualquer
das hipóteses, permanecendo no nível puramente especulativo.
Por outro lado, as discussões sobre as
diferentes concepções acerca da origem
e modo de ser do universo permitiram
um grande desenvolvimento intelectual
por se travar em um ambiente livre da
coerção religiosa, sempre preocupada em
preservar os dogmas contra os dissidentes.
Com ela desenvolveu-se a lógica, como
forma de pensamento rigoroso baseado
em asserções garantidas. A filosofia
começava a dar seus primeiros passos
como um pensar que interroga a si mesmo Figura 6 - Moderna concepção do átomoFonte:http://www.algosobre.com.br/fisica/atomo.html
51PedagogiaUESC
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em busca da verdade.
5.2 Ser e não-ser
Em outra linha de investigação, Heráclito e Parmênides
buscaram entender os processos de geração e corrupção na natureza
como um todo.
Para Heráclito (540-470 a.C.), a verdade estava diante de
nossosolhos.Sevemosascoisasmudandoemumfluirconstante
éporqueestaéarealnaturezadascoisas:fluir.Heráclitodizia,por
exemplo, que não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio,
pois as águas já não são as mesmas e tampouco nós permanecemos
idênticosaqueméramosháumdiaouháumahora.Massetudo
muda como podemos conhecer a realidade? Conhecemos algo quando
podemos entender como algo se comporta, se podemos prever como
estará no futuro. Heráclito pensava ter encontrado a lógica secreta
queregeomovimentodetudooqueexiste:adialética.Paraofilósofo
de Éfeso, “o combate é de todas as coisas pai, de todas rei”. As coisas
mudam porque existe uma tensão constante em seu interior entre
forças contrárias que as põe em movimento. Por exemplo, quando
colocamosumavasilhacomáguanofogo,ofundoficamaisquente
que a parte de cima. O quente e o frio se opõem, então a água quente,
mais leve tende a subir, e a fria a fazer o movimento contrário. Depois
de um tempo vemos a água fervendo em um movimento que equilibra
novamente a água, distribuindo o calor. Ou seja, a luta dos contrários
não produz destruição, mas uma nova organização que dará lugar a
outra tensão da qual emergirá outra organização e uma nova tensão
em um processo contínuo. Assim, a tensão é uma força promotora
de harmonia: “o contrário é convergente e dos divergentes nasce a
mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia”. No curso do tempo
as tensões encontram seu ponto de equilíbrio gerando regularidade,
como se houvesse uma lógica disciplinando o caos.
ParmênidesdeEléia(cercade530a460a.C.),porsuavez,
acreditava que seguir pela via sensível era inevitavelmente trilhar
o caminho do erro, por considerar o ser e o não-ser como sendo o
mesmo.Ora,argumentaParmênides,sóoserpodeserpensado,já
que o não-ser não é. Tudo o que pode ser pensado é ser, o não-ser
sequerpodeserpensado,daíParmênidesconcluirquesóoserée
que o não-ser não é. Na mesma linha de raciocínio, conclui que o ser
é eterno, pois o ser não poderia vir do não-ser, tampouco ir do ser
para o não-ser, pois isso seria contraditório, logo o ser só pode ser
imutável. Igualmente, o ser não pode ter partes, pois, nesse caso,
Figura 7 - Heráclito, em detalhe do afresco pintado por Rafael, A Escola
de AtenasFonte: http://pt.wikipedia.org
52 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
haveria algo dele separado, ou seja, o ser teria algo em si que não
seriaidênticoasimesmo,oquenãoéserénão-ser.Ora,osernão
pode ser e não-ser ao mesmo tempo. Novamente somos forçados a
concluir que o ser é uno, indivisível e imutável.
Mas poderíamos alegar que na natureza não existe nada de
eternoeimutável,aoqueParmênidesresponderiaqueaverdadenão
precisa estar em conformidade com os sentidos, pois algo pode ser
verdade independente do que as pessoas pensem a respeito. Por mais
que as pessoas possam discutir sobre algo que viram ou ouviram,
dois mais dois será sempre quatro e isso nunca vai mudar. O que
mudasãoasaparências,oerroestáemtomaraquiloqueéaparente
como sendo a realidade última das coisas. Para nos afastarmos da via
doerro,devemosnosguiarunicamentepelarazãoenãoconfiarem
tudo o que nos informam os sentidos.
5.3 O real e o ideal
Platão (428-347 a.C.) foi discípulo de Sócrates, e após a morte
de seu
mestre fundou sua própria escola chamada Academia em
homenagemaodeusAcademus.Emsuaépocafloresciaademocracia
em Atenas. Muitos jovens que pretendiam se destacar na vida política
procuravam professores que pudessem lhes educar na arte de
argumentar e convencer os outros para ganhar as disputas no debate
político.Essesprofessoreseramchamadosdesofistasquesignifica
originalmente “sábio”.
Ossofistas,comoProtágoras(480-411a.C.)eGórgias(485-
380a.C.),eramrelativistaseafirmavamquenãoexistemverdades
eternas e imutáveis como pensava Parmênides, mas que tudo
depende daquilo que nós pensamos ser verdade em cada momento.
Por isso, defendiam a democracia como a melhor forma de se chegar
aumaverdade consensualmente emodificá-la para se adaptar às
exigênciasdecadaconjuntura.
Para Platão, esse relativismo era algo perigoso, pois
transformava a verdade em joguete dependente da opinião do
momento. Platão concordava com Heráclito de que a realidade é
algo que está sempre mudando, mas também estava de acordo com
Parmênidesnosentidoemquehácertascoisasquenuncamudam.
Do contrário, teríamos apenas opiniões (doxa), mas nunca um
conhecimento (episteme) sobre elas.
O que não muda são as ideias das quais as coisas são meras
Figura 8 - Platão: Busto Museu Louvre - UAB/UESC
53PedagogiaUESC
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cópias. As coisas podem mudar de forma e tamanho, mas a soma
dos ângulos internos de um triângulo será sempre 180 graus. O
que conhecemos da realidade não é o que percebemos através dos
sentidos, mas os modelos ideais imutáveis das quais elas são cópias.
Para entender melhor o que Platão quer dizer, imagine uma casa.
A pessoa comprou o terreno e nela vai erguer uma casa, o que faz
primeiro? Antes de tudo ele deve definir quantos cômodos a casa
vai ter, os materiais etc., de acordo com os recursos de que dispõe.
Então ele faz, ou pede a ajuda de um arquiteto, uma planta da casa,
um modelo ideal de como ela vai ser. Depois de construída, a casa
vai ser uma cópia da planta. Poderíamos construir centenas de casas
com a mesma planta e todas seriam iguais. Se alguém andasse por
umbairroemquetodasascasassãopraticamenteidênticas,oque
pensaria? Talvez que elas foram pré-fabricadas, ou que foi usada a
mesma planta para fazer todas elas. Com o tempo, as casas vão
ficando velhas e precisando de reformas, mas a planta continua
sempre a mesma. Se eu for para outra cidade e lá quiser fazer uma
casa igual a que tinha, é só seguir a planta.
Agora aplique esta ideia às coisas que vemos a nossa volta.
O que são? Todos os cães seriam variações de uma única ideia de
cachorro, nossas leis, tentativas imperfeitas de aplicar a ideia de
justiça, e assim por diante. Como as cópias são feitas de matéria
estão sujeitas à criação e à corrupção, nascem e morrem. É, por isso,
que vemos as coisas em constante mudança, mas mudam de acordo
com modelos que não variam. É, por isso, que mesmo que tenha
apenastrêsrodas,quesejamovidoaenergiaelétricaetenhaapenas
uma porta, podemos reconhecer imediatamente que se trata de um
carro, por corresponder à ideia que temos dele em nossa alma.
É inútil, portanto, buscar a verdade sobre o mundo nas coisas,
que são meras cópias das ideias eternas. Para Platão, existe a realidade
com a qual todos nós estamos acostumados que é o mundo sensível,
mas há também um mundo suprasensível, o mundo das ideias do qual
o nosso mundo é uma cópia imperfeita. Mas poderíamos perguntar a
Platão: se o mundo das ideias é separado do mundo sensível, como
possosaberqueeleexiste?Segundoofilósofo,podemossaberqueo
mundo das ideias existe porque já estivemos lá.
Temos em nós duas partes: um corpo corruptível e uma alma
imortal. Nossa alma imortal tem sua origem no mundo das ideias. Lá
contemplou as ideias de tudo o que existe antes de encarnar em um
corpo mortal. Assim, quando olhamos para algo, nossa alma lembra-
se das formas que contemplou antes vir ao mundo. Até mesmo uma
criança sabe quando foi injustiçada na partilha dos doces com seu
54 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
irmão, isso porque temos uma ideia inata do que seja justo. Da mesma
forma que somos capazes de perceber quando alguém fez uma conta
errada, ou quando o círculo não está perfeitamente redondo. Isso
porque temos em nossa mente os modelos ideais para podermos
avaliar a realidade. Nosso conhecimento consiste não em aprender,
mas em lembrar. Lembrar das formas ideais que contemplamos no
mundo das ideias.
Muitas almas permanecem no mundo das sombras e simulacros
da realidade, presas às cópias imperfeitas, no nível da mera opinião
sem nunca contemplar a verdade. Outras, porém, conseguem ver
as ideiaspor trásdasaparênciase sentemsaudadedo tempoem
que viviam no mundo das ideias e para lá querem voltar. Por isso,
elas buscam se afastar de tudo o que atrapalha a vida da alma, ou
seja, as necessidades e desejos do corpo, buscando ter uma vida
completamentededicadaàreflexãofilosófica.
Infelizmente, são poucos os que escolhem o caminho da
verdade e da filosofia. Estes são, atémesmo, vistos como loucos
pela maioria que vaga entre opiniões incertas. Por tentar retirá-los do
mundodesombraseilusõesemqueseencontram,algunsfilósofos
são perseguidos e até condenados à morte, como aconteceu com
Sócrates.Masofilósofonãopodeabandonarsuamissãodeemancipar
oshomensdesuasilusõesatravésdodiálogofilosófico,emqueas
almasfinalmentepodemencontraraverdadequeestánointeriorde
cada um de nós.
Resumindo a teoria do conhecimento de Platão: não podemos
ter mais do que opiniões incertas sobre o que sentimos ou percebemos
através dos sentidos. Por outro lado, podemos ter um conhecimento
certo e imutável sobre aquilo que reconhecemos através da razão,
como as verdades geométricas e matemáticas, por exemplo. Buscar
o conhecimento é, portanto, realizar um movimento de ascese
separando-se das imagens sensíveis em direção ao Sumo Bem, que
é a fonte de tudo o que é Bom, Belo e Verdadeiro. O método para
atingir a Verdade é a dialética:
O método da dialética é o único que procede, por meio da destruição das hipóteses, a caminho do autênticoprincípio,afimdetornarsegurososseusresultados, e que realmente arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e eleva-os às alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que analisamos (PLATÃO, 1987, p. 533c-d).
A função do educador, nessa perspectiva, é de questionar e
55PedagogiaUESC
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problematizar as opiniões dos alunos através do diálogo, para que
eles próprios possam perceber as incoerências em suas opiniões
e reformular seus pontos de vista. Ou seja, o professor não deve
“transmitir” uma doutrina aos alunos como se eles fossem depósitos
vazios nos quais depositamos nosso saber. Como seres dotados
de uma alma racional, todos já têm dentro de si a verdade, falta
apenas ajudá-los a parir essa verdade através do diálogo. Colocando
as questões certas, qualquer um é capaz de se dar conta de que
muito do que julgava saber, na realidade, eram meras suposições e
hipóteses. Nós não damos a visão aos outros, nem emprestamos os
nossos olhos para que os alunos vejam através deles. O que fazemos
como educadores é corrigir o olhar na direção da verdade; o resto o
educando é capaz de fazer por si mesmo.
5.4 Aristóteles: conhecer através das coisas
Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos,
Aristóteles (384-322 a.C.) apresenta uma teoria do conhecimento
muito distinta da do seu mestre. Isso pode ser atribuído, em parte,
ao profundo interesse que Aristóteles tinha por investigar o mundo
natural realizando trabalhos em biologia e física, sem descuidar de
assuntos sociais como a ética e a política. Aristóteles achava que
nosso conhecimento surge, principalmente, da observação do mundo
sensível, para ele “nada está no intelecto sem antes ter passado pelos
sentidos”. Portanto, o dualismo platônico entre mundo das ideias
e mundo sensível, não faria o menor sentido, sendo apenas uma
projeção ideal do real.
Nós só podemos ter ideias daquilo que conhecemos através
daexperiência.Porexemplo,épossívelencontrarpessoasemterras
isoladasquenãotêmamínimaideiadoquesejaumcelular.Existem,
igualmente, pessoas cultas que vivem em grandes cidades que não
sabem dizer se jupará é uma ave, um mamífero ou uma fruta. Ou seja,
nós não temos ideias inatas de coisa alguma, nosso conhecimento
dependedenossograudeexperiência.
Por outro lado, nosso conhecimento não se limita em receber
osdadosdaexperiência.Seeuguardassecadaimagemdascoisas
comonumafotografiaemminhamentenãosaberiacomosepará-las
nem me referir a elas. Para conhecer é preciso reter apenas aquilo
queéimportanteesignificativoedesprezarosdetalhesirrelevantes.
Mas como saber o que é relevante e o que não é para poder separá-
los? Esse é o papel do nosso intelecto que realiza uma atividade
Figura 9 - AristótelesFonte: http://commons.wikimedia.org
56 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
extremamente importante que é a abstração.
Abstrair é um processo de separar o que é regular e acontece
sempre em todos os que pertencem a mesma espécie do que é
acidental, ou seja, que ocorre de vez em quando ou só em alguns
membros da espécie. Vamos usar um exemplo da biologia, em que
Aristótelesdeucontribuiçõesimportantes.Pergunta:Sevocêtivesse
que fazerumadefiniçãodo tipo“todosos insetos...”, comovocêa
construiria?
Coloque a sua resposta no espaço abaixo:
Todos os insetos ..............................................................
Bom, poderia colocar que todos os insetos põem ovos, mas
há outros animais que põem ovos e não são insetos. Que são seres
repulsivos, mas as borboletas são adoráveis e também são insetos.
Entendeuadificuldade?Paradefinirosinsetostemosqueencontrar
algo que está em todos eles e que os diferenciam dos demais, ou
seja, que diga porque uma aranha, uma centopeia, uma minhoca não
são insetos e uma barata, uma formiga e uma abelha são. É preciso
saber separar o que é essencial daquilo que são meros acidentes. No
caso dos insetos, ter asas não é essencial, mas no das aves sim. Pois
todasasavestêmasas,emboraalgumasdelasnãopossamvoar.
Oerrodossofistas(comoodemuitagenteaindahoje)éode
tomaralgoacidentalcomosendoaessência.Atravésdesseartifício,
diziam que não se pode determinar quem é Sócrates, porque se
Sócratesémúsico,entãoelenãoéfilósofo,seéfilósofo,entãonão
é músico. Ora, todos nós fazemos várias coisas sem que isso mude
nossaessênciaenquantoanimaisracionais.Animalracionaldefiniria
a nossa essência, se somos altos ou baixos, gordos ou magros,
asiáticos ou africanos, tudo isso são meros acidentes. Eliminados
todososacidentesoqueficariadecomumatodososinsetos?Todos
osinsetostêmseispernas.Aranhasnãotêmseispernas,entãonão
são insetos. Se abstrairmos mais, podemos buscar o que os insetos
têmemcomumcomospeixeseaves,entãodiremosquetodossão
animais.Eoqueosanimaistêmemcomumcomasplantas?Sãoseres
vivos, e assim por diante. E poderíamos ir mais longe, separando o
que é ser do que não é. E aqui chegamos à outra grande contribuição
deAristóteles:seoseréonão-sernãoé,comodiziaParmênides,
então como é possível o movimento?
ParaAristóteles,omovimentoéapassagemdapotênciaao
ato, os dois estados em que uma coisa pode estar. Uma semente
é uma árvore em potência, mas não em ato, pois uma semente
pode dormir por milhares de anos sem germinar. Quando germina, a
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sementetorna-seárvoreemato.Apassagemdapotênciaaoatoéa
causa do movimento.
Por outro lado, se as coisas mudassem aleatoriamente, não
poderíamosconhecê-las.Conhecerésaberacausadealgo.Setenho
dor de estômago, mas não sei a causa, também não posso me tratar.
Conhecendo a causa é possível saber não só o que a coisa é, mas o que
se tornará no futuro. Pois, se determinado efeito se segue sempre de
uma determinada causa, então podemos estabelecer leis e regras, tal
comoseoperanosváriosramosdaciência.Háváriostiposdecausas
entreasquaissedestacaacausafinalqueérazãopelaqualalgo
existe.Aciênciaqueestudaascausasúltimasdetudoéchamada
de filosofia. Por isso, a tradição costuma situar a filosofia como a
ciênciamaiselevadaoumãedetodasasciências,porseroramodo
conhecimento que estuda as questões mais gerais e abstratas.
5.5 A questão dos universais
DuranteaIdadeMédia,opensamentofilosóficosofreoimpacto
doencontroentreaculturahelenista,cujocentroéafilosofiagrega,e
a cultura judaico-cristã com a ascensão do cristianismo como religião
hegemônica no Ocidente.
O cristianismo, em seus primórdios, tinha uma fraca
institucionalização e ainda guardava algumas inconsistências
internas. O cristianismo rapidamente espalhou-se não só entre pobres
e escravos, mas conquistou adeptos também entre a elite letrada.
Poucoapoucofoisurgindoafilosofiaeteologiacristã,quebuscava
conciliar os ensinamentos das Sagradas Escrituras
comolegadofilosóficodaAntiguidade,notadamente,
com as filosofias de Platão e Aristóteles. Ou seja,
umgrandedesafioparaosfilósofoscristãoseraode
demonstrar que o caminho da fé e o caminho da razão
são duas formas de se chegar à verdade e que não são
contraditórios entre si. Sendo Deus a única verdade,
é possível por meios puramente racionais provar as
verdades que já conhecemos através da Bíblia. Por
exemplo, que Deus existe e é o Criador do universo.
Mas é enganoso pensar que toda filosofia
na Idade Média ocupou-se de questões relativas à
existênciadeDeus.Umdosdebatesmaisinteressantes
no que diz respeito à teoria do conhecimento, ficou
conhecido como a querela dos universais e estendeu-se Figura 10 - Jesus e seu amigo, ícone de Taizé - Ícone da Amizade.
http://www.diocese-algarve.pt/site/Sidx.php?name=News&file=article&Sid=1407
58 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
por séculos. Antes de entrar propriamente no debate, cabe esclarecer
o que são os universais.
Como vimos, Platão e Aristóteles foram dois marcos
fundamentaisnahistóriadafilosofia.Emboradefendessempontosde
vistaopostossobreaorigemdoconhecimento,elesdefiniramocampo
danossaexperiênciacognitivaaoestabelecerquetodoconhecimento
tem uma parte sensível e outra intelectiva. Para conhecer algo é
preciso que ele seja percebido pelos sentidos, mas isso ainda não é
suficienteparadizermosqueconhecemosoqueacoisaé.Épreciso
que reconheçamos tal objeto como pertencente a certa classe de
objetos e não de outra.
Para isso, eu preciso de um conceito. Conceito é uma
representação geral e abstrata de algo. Ele é um meio entre o sujeito
queconheceeoobjetoconhecido.Pormeiodelemerefiroàscoisas
no mundo e posso comunicar meus conhecimentos para outras
pessoas. O conceito pode ser considerado subjetivamente como ato de
conceituarouclassificarosobjetose,objetivamente,comoconteúdo
doato,ouseja,oqueoconceitosignifica.Porseucarátergerale
abstrato, os conceitos são considerados universais, ou seja, um termo
que é comum a muitos singulares, sem designar a nenhum deles em
particular, de modo que podemos dizer que os indivíduos singulares
Maria, João, José pertencem à humanidade (universal), mas nenhum
deles é a “humanidade”. Tampouco a humanidade é a mera soma dos
indivíduos que a compõem, pois, mesmo que sobrasse apenas um
ser humano na face da Terra, não seria ele menos humano por causa
disso. Como já deu para perceber, a questão dos universais revela a
complexa relação entre sujeito, conceito e objeto. Por exemplo, se
todos os gatos que existem desaparecessem, a palavra “gato” ainda
faria sentido?
O primeiro filósofo a expor o problema dos universais foi
Porfírio (232 – 304) no prefácio de sua Introdução às categorias
de Aristóteles (Isagoge). Recusando-se a tomar partido em favor
de Aristóteles ou Platão, Porfírio limita-se a enunciar a natureza do
problema:antesdequalquercoisa,noqueserefereaosgênerose
às espécies, a questão é saber se eles são realidades em si mesmas,
ou apenas simples concepções do intelecto, e, admitindo que sejam
realidadessubstanciais,sesãocorpóreasouincorpóreas,se,enfim,
são separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes.
Detalhando um pouco a questão de Porfírio, ideias gerais são
categorias que abrangem vários indivíduos. Dependendo do seu grau
deabstração,elaspodemsergêneroouespécie.Indodomaisgeral
para o particular, poderíamos ilustrar a relação da seguinte maneira:
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Gênero Espécie IndivíduoAnimal Homem Sócrates
A espécie é o que está mais próximo do indivíduo, por isso,
oqualificamelhor.SedigoquePingoéumcão,vocêpodeteruma
ideia melhor do que ele é do que se dissesse simplesmente que
Pingoéumanimal.Poroutrolado,seogêneroémaisindefinido,é
também mais amplo e designa uma quantidade maior de indivíduos.
Muitobem,jáentendemosoquesãogêneroseespéciesagorafalta
definiroquesãoeles,ouseja,sesãorealidadessubsistentesemsi
ousimplesconcepçõesdonossoespírito.Comovocêlembra,Platão
achava que as ideias eram independentes das coisas, existindo por si
mesmasemummundoàparte.JáAristótelesachavaquegênerose
espécies eram abstrações realizadas por nosso intelecto, só existindo
enquantocoisasenuncaforadelas.SeficamoscomPlatãooucom
Aristóteles, dependerá também da resposta à segunda questão: se o
universal tem algum suporte na realidade, ou seja, se ele é corpóreo
ou incorpóreo. Supondo que sejam incorpóreos, cabe ainda perguntar
se existem independentemente das coisas ou somente unidos a elas.
Boécio (470-525) logo percebeu omagnífico programa que
as questões de Porfírio anunciavam. Além disso, viu nelas uma
oportunidade de apresentar uma solução capaz de conciliar Platão e
Aristótelesemumaúnicateoria.Inicialmente,ofilósofolatinoconcorda
com Aristóteles sobre a impossibilidade de ideias gerais serem
substâncias,jáqueosgêneroseasespéciessãocomunspordefinição,
e o que é comum a vários indivíduos não pode ser um indivíduo. Por
outro lado, imaginemos que
as ideias gerais são simples
representações de nosso
espírito, isto é, que nenhum
objeto corresponda na
realidade às ideias que temos
deles. Mas um pensamento
sem objeto não é sequer um
pensamento. Logo, é preciso
que os universais sejam
pensamentos de alguma coisa.
A solução proposta por Boécio
é que nossos sentidos nos
comunicam as coisas no estado
de confusão. Nosso espírito,
Figura11-FilosofiadeconsolaçãoInicial. Iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae, feita em Itália no ano de 1385, mostrando Boécio a ensinar os seus pupilos.
Fonte: “Boécio” http://pt.wikipedia.org
60 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
porém, tem a capacidade de distinguir nos corpos as propriedades
que se encontram misturadas e separá-las. O espírito extrai dos
serescorpóreosoqueelestêmdeincorpóreo,comoosgêneroseas
espécies. Os universais são, portanto, incorpóreos, mas abstraídos dos
seres corpóreos. Ocorre que, uma vez abstraídos, podemos pensá-los
independentemente dos corpos, por exemplo, quando pensamos em
um leão alado.
A solução, apresentada por Boécio, não foi suficiente para
dirimir todas as questões, por exemplo, como o intelecto consegue
separar exatamente aquilo que é o universal na coisa? Seria o
universal algo que existe na realidade ou apenas uma abstração de
nosso intelecto?
5.6 Nominalismo e realismo
No decorrer da Idade Média, duas posições extremadas
se desenvolveram, o Nominalismo e o Realismo. Guilherme de
Champeaux (1070-1120) foi um dos representantes do realismo,
diziaelequeanaturezaouessênciadealgo–porexemplo,deum
homem–éúnicaeidênticaemtodososindivíduosdosquaispodemos
predicar “homem”. Os indivíduos seriam meras variações acidentais
danaturezaoudaessência.
Um dos discípulos de Guilherme de Champeaux, Pedro Abelardo
(1079-1142), logo percebeu o problema que a ideia de universais nas
coisas (universale in re) poderia criar e colocou o seu mestre em
dificuldadesaoproporquesePlatãoéumhomemeSócrateséum
homem, e se só existe uma única natureza humana, então Platão é
Sócrates.
No extremo oposto, Roscelino (1050-1120), negava que os
conceitos fossem algo distinto de sua expressão linguística, os nomes
não eram mais do que sons arbitrários (flatus vocis) que associamos
a determinados objetos. Fora de nosso intelecto só existem os seres
singulares. Para os nominalistas, os conceitos universais são criações
do nosso intelecto e não têm existência fora da mente. Usamos
conceitos para nos referirmos às coisas, mas tais conceitos não são
uma propriedade das coisas, existindo exclusivamente em nossas
mentes. Se a mente forma os conceitos a partir das coisas, por perceber
semelhanças entre elas, ou se já possui em si mesma os conceitos
que associa às coisas, em ambos os casos, os conceitos permanecem
comosendoumaproduçãointelectualsemcorrespondênciaanada
de real fora da mente.
Nominalismo admite que nenhuma substância
metafísica se esconde por trás das palavras: as pretensas
essências não são além de palavras ou signos que
representam coisas sempre singulares.
Realismo afirma a existência de coisas exteriores a nós e independentes do que pensamos sobre elas.
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A partir do século XII começa a se desenvolver uma versão
moderada de realismo com Pedro Abelardo, com importantes
desdobramentos em Tomás
de Aquino (século XIII). Tomás de Aquino teve a vantagem, em
relação a Abelardo, de contar com a tradução das obras de Aristóteles
para o latim. Assim pode incorporar elementos aristotélicos em seu
realismo moderado. Os realistas moderados aceitavam os seguintes
testes como forma de resolver o problema:
1. as únicas coisas que existem são os indivíduos particulares;
universais enquanto universal, isto é, enquanto predicável
de muitos, existem somente na mente;
2. o que os universais significam (sua compreensão) está
fundada imediatamente nas coisas, mas encontram seu
fundamento último nas ideias divinas; nesse sentido,
existem universais nas coisas e universais anteriores às
coisas;
3. todososnossosconceitosvêmdaexperiência,poisnãohá
ideias inatas.
Portanto, os realistas moderados concordam com os
nominalistas nos pontos 1 e 2. Concordam, em parte, com os realistas
extremados no ponto 3, mas precisam encontrar uma maneira de
evitaroproblemadaidentificaçãodePlatãoeSócratescomosendo
o mesmo ser humano. Finalmente, no ponto 4, eles rejeitam tanto o
inatismo como o sensorialismo (que os conceitos não são mais do que
imagens captadas pelos sentidos).
Para Tomás de Aquino, os indivíduos são compostos de matéria
e forma, sendo a matéria o princípio de individuação. A forma (em
nosso caso a alma) ao se unir à matéria (corpo) forma os indivíduos
(Sócrates, Platão, Maria...) como unidades indissociáveis. Nosso
intelecto, porém, é capaz de percebê-las como separadas através
do processo de abstração. Nossos sentidos imprimem uma imagem
de um objeto físico em nossa mente. Essa impressão ou imagem
é chamada por Aquino de fantasma. Nosso intelecto agente abstrai
das imagens a forma (o padrão inteligível) que está impressa em
nosso intelecto passivo (que somente a recebe dos sentidos). Esta
forma, recebida pelos sentidos, impressa em nosso intelecto passivo
e abstraída pelo intelecto agente, é o conceito.
A posição de Aquino ainda encontrou objeções entre seus
sucessores. João Duns Escoto objeta em favor do realismo de que se
nosso intelecto é capaz de abstrair a forma das coisas é porque algo
Figura 12 - Tomás de AquinoFonte: “Saint Thomas Aquinas” http://commons.wikimedia.org/
62 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
de geral, algo de regular existe na natureza: se o universo fosse um
puro caos, não poderíamos abstrair coisa alguma, pois cada evento
seria único. Ora, se podemos ver traços comuns nos particulares é
porque tais traços existem não em nossa mente, mas na realidade.
Contrariamente, Guilherme de Ockham advoga uma posição
conceitualista-nominalista. Para ele, só os objetos singulares são
reais, as abstrações que fazemos deles existem apenas em nossas
mentes. O conceito de “mamífero” não mama, nem tem sangue
quente, é apenas uma característica geral que usamos para designar
um grupo de indivíduos, mas o mamífero, em si, não é algo real.
De certa forma, a querela dos universais não terminou junto
comofimdaIdadeMédia.ElaatravessouaEraModernachegando
até os nossos dias, ganhando contornos cada vez mais elaborados.
6 ATIVIDADES
Asquestõesaseguirtêmcomoobjetivoajudarafixartudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.
1. Qual a relação entre mito e conhecimento?2. Qual a função social do mito?3. Comoaexplicaçãofilosóficasedistinguedareligiãoedaciência?4. Como podemos atingir a verdade segundo Platão?5. Qual a crítica que faz Aristóteles à teoria do conhecimento de
Platão e a solução que este apresenta para o problema?6. O que são os universais?7. Qual a diferença entre nominalistas e realistas sobre a questão
dos universais?
ATIVIDADES
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7 RESUMINDO
As questões sobre quais os conhecimentos que são realmente
confiáveis ocuparam corações e mentes desde os primórdios da
nossa história. A princípio, as perguntas direcionavam-se para o
sentido da vida e do universo, o que gerou os grandes horizontes
desentidoecompreensãocomoasreligiões,osmitoseafilosofia.
Diferentementedareligião,entretanto,afilosofiabuscoucriaruma
explicação puramente racional do universo sem recorrer às imagens
míticas e religiosas para fundamentar seus argumentos. Entre as
teoriasfilosóficasdoconhecimento,destacam-seasdePlatão,que
acreditava que o mundo em que vivemos é uma mera cópia das formas
ideais, e a de Aristóteles que achava que o conhecimento é resultado
de umprocesso de abstração do intelecto a partir da experiência.
As posições de Platão e Aristóteles também alimentaram o debate
medieval sobre os universais gerando duas posições antagônicas: o
nominalismo e o realismo.
8 REFERÊNCIAS
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São
Paulo: Edições Paulinas, 1989.
FINLEY, M. I. Os gregos antigos. Lisboa: Edições 70, 1984.
HINKELLAMMERT, Franz. As armas ideológicas da morte. São
Paulo: Edições Paulinas, 1983.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Petrópolis: Vozes,
2006.
WIENER, Norbert. Cibernética y sociedad. Buenos Aires, 1969.
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
64 Módulo 2 I Volume 2 EAD
As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento
Suas anotações
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:
• compreender como as ciências mudaramdefinitivamentenossacivilizaçãoearelaçãoentreciênciaeomodoracionalistadepensar.
OBJETIVOS
O CONHECIMENTO NA ERA MODERNA
3ªunidade
1 INTRODUÇÃO
Uma série de eventos marca o início da Era Moderna: a
Reforma Protestante, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, a
RevoluçãoCientíficaetc.Taiseventossão,porsuavez,resultadode
um longo processo histórico de vários séculos. Não cabe aqui explicá-
losemdetalhe,apenasgostaríamosquevocêtivesseemmenteque
a modernidade não surgiu do nada, como que por milagre. Por outro
lado, a Era Moderna marca uma nova maneira de pensar e agir no
mundo em que o sujeito se coloca no centro do universo e passa a
se orientar por regras que ele mesmo criou de modo autônomo. As
diferentesesferasdavida(economia,política,arte,ciência,direito)
se tornam autônomas umas em relação às outras, e não mais todas
unificadas em torno deumaúnica instituição: a IgrejaCatólica. A
Reforma Protestante abriu caminho para esse processo, mas não foi
só ela, havia uma insatisfação crescente de uma nova classe social – a
burguesia – com o conjunto de regras e costumes do mundo medieval,
que impediam o pleno desenvolvimento da sociedade burguesa,
juntamente com as inovações tecnológicas empregadas na indústria
nascente. Aos poucos, a burguesia foi dando forma à nova sociedade
nascente com o fortalecimento do Estado e sua separação do poder
eclesiástico. A burguesia patrocinou também o desenvolvimento das
artesedasciências,produzindoumaverdadeiraRevoluçãoCientífica
noséculoXVII.ComaRevoluçãoCientíficafirmou-seumnovomodo
de pensar e entender o mundo, centrado no sujeito pensante como
fontedetodoconhecimentopossível,essemovimentofilosóficoficou
conhecido como Racionalismo.
UNIDADE 3O CONHECIMENTO NA ERA MODERNA
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2 A CIÊNCIA MODERNA E O RACIONALISMO
As grandes conquistas da ciência
moderna estão tão incorporadas ao nosso
cotidiano, que nos é difícil pensar como era o
mundo antes delas. Desde crianças sabemos
que a Terra é redonda e gira em torno do Sol,
porque vemos isso o tempo todo em filmes
e desenhos animados. A lei da inércia nos
parece algo observável e achamos absurdo
que alguém possa colocá-la sob suspeita.
Mas nem sempre foi assim. O cosmos
medieval era bem diferente, as pessoas
acreditavam que a Terra era plana, pois é
isso que vemos quando olhamos em direção
ao horizonte, e que ocupava o centro do
Universo. Acreditavam também, como o
filósofoAristóteles,queasleisquegovernam
o movimento dos astros não são as mesmas
que governam o movimento no mundo sublunar, ou seja, que existe
uma física terrestre e uma física celeste. O que possibilitou a união
entre as duas físicas foram as descobertas astronômicas de Galileu
Galilei, Kepler e Isaac Newton: mostraram que as leis que governam
o movimento dos astros são as mesmas que governam o movimento
dos corpos aqui na Terra. Por isso, podemos considerar que a física
moderna nasceu com sua lei mais fundamental: a lei da inércia que
estabelece que um corpo permaneça em repouso ou em movimento
retilíneouniformesenenhumaforçaexteriorofizermudardeestado.
Isso parece muito lógico e produto da observação dos fenômenos,
mas ninguém nunca viu “um movimento de inércia, pela simples razão
de que tal movimento é inteiramente impossível” (KOYRÉ, 1991, p.
184). Como assim?
Veja o exemplo: um carro sai de Ilhéus em direção a Itabuna,
supondo que a distância entre as duas cidades é de 30 km e o carro
corre a 60km por hora, em quanto tempo chegará a Itabuna?
Resposta: em meia hora.
Naprática,porémnãofuncionaassim,háaresistênciadoar,
o vento, os buracos na estrada, o trânsito, subidas, descidas... Mas
nada disso é levado em conta porque são fatores imponderáveis. Ou
seja, não dá para prever exatamente todos os possíveis problemas
que podem ocorrer, apenas aproximativamente. Então, o que os
físicos fazem é usar um modelo abstrato que nos garante um bom
SAIBA MAIS
Lei da inércia, também conhecida como primeira lei de Newton,afirmaquetodocorpocontinuaemseuestadoderepouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele. Essa lei se aplica a todos os corpos dotados de massa, e pode ser demonstrada através de eventos simples, como quando o ônibus dá uma freada brusca e todos os passageiros tendem a continuar o movimento em que se encontravam, ou seja, seus corpos são impulsionados para frente.
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O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento
grau de precisão.
Naciênciamoderna,comosabemos,oespaçorealseidentifica
com o da geometria, e o movimento é considerado como uma
translação, puramente geométrica, de um ponto a outro. Daí porque o
movimento não afeta, de modo algum, o corpo que dele está dotado.
O fato de estar em movimento ou em repouso não produz qualquer
modificaçãonocorpo.Estejaemmovimentoouemrepouso,eleé
sempreidênticoasimesmo.
Se o corpo é indiferente ao movimento ou ao repouso,
como saber se ele está parado ou em movimento? Por exemplo, a
velocidade de rotação da Terra é de 1674 km por segundo, mas nós
não sentimos o seu movimento, se ela parasse repentinamente, aí
sentiríamos os seus efeitos, e como! A única maneira de sabermos
se algo está em movimento ou se está parado é em relação a outro
corpo.Sevocêestiveremumtremeoutroestiveremparelhadoao
seueumdosdoiscomeçarasemover,vocêsósaberáseéomeu
ou o do vizinho quando já não estiverem mais alinhados. Isso porque
quando o meu trem está se movendo, quem se move é a paisagem,
pois tudo dentro do trem continua no mesmo lugar. Daí, podemos
concluir que todo movimento é relativo. Ora, isso era muito difícil
de ser compreendido na Idade Média, e mesmo hoje, ainda existem
pessoas que acham que a Terra está parada. Para criar uma nova
teoria do conhecimento era precisomodificar nossa visão habitual
dascoisasenossaconfiançaceganossentidos.
Os sentidos percebem primordialmente qualidades, a
epistemologia aristotélica parte da abstração das qualidades para
separaroqueéessencialdoqueécontingente.Aciênciamoderna,
porém, realiza o processo inverso: ela parte de modelos abstratos
para descrever como são os fenômenos. Nesses modelos não há lugar
para qualidades, apenas para extensão e medida. Parte-se de modelos
geométricos e matemáticos simples para derivar as leis mecânicas que
regem o universo. O problema é: em que se fundamenta esse novo
conhecimento? O que me garante que os corpos tendem a continuar
o movimento em que se encontram por força da inércia e não porque
sofrem a ação do ar, ou outro meio qualquer, que os impelem? As
novas ideias da mecânica clássica já não cabiam dentro de uma visão
de mundo aristotélica, era preciso uma nova epistemologia que fosse
compatível com a nova ciência, basicamente, a ideia de evidência
como conformação entre ideia e o objeto intuído pelos sentidos.
As bases dessa nova teoria do conhecimento foram elaboradas
por René Descartes (1596-1650) que, além de filósofo, realizou
estudos em mecânica, óptica e medicina. Sem falar no famoso
SAIBA MAIS
A óptica é um ramo da Física que estuda a luz ou, mais amplamente, a radiação eletromagné-tica, visível ou não.
Figura 2 - René Descartes por Frans HalsFonte: “Descartes”
http://commons.wikimedia.org/
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plano cartesiano, que tem esse nome em sua homenagem, e que é
uma síntese entre álgebra e geometria. Em seu Discurso do método,
publicado originalmente em 1637, Descartes relata sua admiração
pela precisão da matemática e da geometria, enquanto em outros
campos de conhecimento não havia consenso sobre coisa alguma,
principalmente na filosofia. Por isso, Descartes coloca a simesmo
odesafiodeencontrarum fundamento suficientementefirmepara
alicerçartodasasciências.OmétodoempregadoporDescartesfoide
[...] jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida (DESCARTES, 1987, p. 37).
Descartes começa por suspeitar do conhecimento sensível,
pois os sentidos enganam: quando colocamos um lápis em um copo
d’água vejo o lápis como se estivesse quebrado, mas na realidade
não está. Da mesma forma vejo o sol bem maior no poente do que
quando está a pino, mas é o mesmo sol. Ora, se os sentidos enganam
como posso ter certeza de quando estão me informando algo
verdadeiro ou falso? Na dúvida, é melhor rejeitar todo conhecimento
querecebemosatravésdossentidos.Bom,possoaindaconfiarnas
ideias que tenho e que não recebi dos sentidos, por exemplo, as
demonstrações matemáticas e da geometria, certo? Ora, mas quando
dormimos, imaginamos coisas que não existem. Então como garantir
que minhas ideias não eram também ilusórias?
Vocêconheceahistóriadosábiochinêsquesonhouqueera
uma borboleta e depois não sabia se era um sábio que havia sonhado
que era uma borboleta, ou uma borboleta que sonhava que era um
sábiochinês?Comodistinguirnossaslembrançaseideiasverdadeiras
das falsas?
Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo,eratãofirmeetãocertaquetodasasmaisextravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo,comooprimeiroprincípiodaFilosofiaqueprocurava (DESCARTES, 1987, p. 46).
Se eu duvido, penso, se penso, sou uma coisa que pensa, se
72 Módulo 2 I Volume 2 EAD
O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento
agora estou pensando, então eu existo, eis aí algo que é verdade e
que resiste a cada tentativa minha de duvidar dela. Isso porque é
algo evidente, ou seja, algo que se apresenta clara e distintamente
ao meu espírito, de modo que não preciso perguntar qual seria o
fundamento desse fundamento, por se tratar de uma verdade que se
impõe por si mesma. Mas o que difere a fundamentação de Descartes
detodafilosofiaanterior?
Primeiro, porque Descartes procura fundamentar o
conhecimento sem ter que recorrer a Deus como primeiro princípio e o
fazrequalificandooconceitodeevidência.EvidênciaéparaDescartes
uma certeza intuitiva tal como o era para os medievais, mas uma
evidência que não é umapercepção imediata de umobjeto e sim
aquilo que é claro e distinto. As percepções sensórias não passam
por esse crivo, visto que os sentidos enganam. A única coisa que
não pode ser posta em dúvida é o sujeito pensante em que se funda
todo conhecimento. Dessa forma, se quero saber se uma das minhas
ideiaséverdadeiranãobastaverificarseelacorrespondeaumobjeto
(comonafilosofiaaristotélica),masseelaseapresentademaneira
clara e distintamente ao meu espírito como uma certeza intuitiva da
qual não posso duvidar.
O critério de validade do conhecimento passa da relação do
sujeito com os objetos, para a relação entre o sujeito e suas próprias
representações mentais. As sensações são ilusórias e a única forma
de conhecimento certo é o que pode ser representado como res
extensa, ou seja, o que pode ser mensurável, como os objetos da
física e das matemáticas.
Filosofia aristotélica Filosofia cartesiana
Verdade é a adequação entre o intelecto e a coisa pensada > relação do sujeito com os objetos.
Verdade é o que é claro e distinto > relação entre sujeito e suas representações mentais.
3 INATISMO E EMPIRISMO
Apesar do sólido fundamento que nos fornece Descartes, ainda
ficasemrespostaaquestãodosuniversais.Lembradaquerelados
universais na Idade Média? Se as ideias gerais existiam apenas em
nosso intelecto ou se eram reais? Pois bem, Descartes resolve essa
discussãoafirmandoquenóstemos ideias inatas.“As idéiasgerais
já estão no espírito, são os instrumentos que o Criador nos dotou
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para fundamentar a aquisição de verdades. Por isso as idéias são o
verdadeiro ponto de partida” (LEOPOLDO; SILVA, 1987, p.179).
Tal solução não pareceu muito convincente para o filósofo
inglês JohnLocke(1632-1704),quepropôsumasoluçãoempirista
para o problema do conhecimento. A palavra empiria vem do grego e
se refere ao conhecimento que adquirimos não a partir do raciocínio
lógico,masdaexperiênciasensível.Paraosempiristas,todonosso
conhecimentotemsuaorigemnaexperiência,emboranãosereduza
a ela.
Para Locke, nossa mente é como uma folha de papel em branco
na qual as impressões sensíveis vão se depositando. Através de
processos mentais, essas impressões sensíveis vão se transformando
em ideias. “Precisamente o que distingue uma ideia de uma impressão
é que a ideia é menos vivaz, tem menos força do que uma impressão”
(LEOPOLDO E SILVA, 1987, p. 179). É como pensar em uma pessoa
conhecida, nossa mãe, por exemplo, imediatamente nos vem a
imagem da pessoa, seu jeito, a expressão do seu rosto, e talvez
até possamos sentir um odor agradável que nos leva diretamente a
nossa infância. Mas quando penso na ideia geral de homem, ou de ser
humano, não penso em ninguém em particular, talvez sobre apenas
uma silhueta sem rosto, sem cor da pele, ou seja, toda a vivacidade vai
embora. Assim, nossas ideias são compostas a partir de impressões,
sem elas, nossa mente permaneceria vazia. Por exemplo, poderíamos
achar que 5 + 5 = 10 é uma verdade universal da qual nenhum ser
racional poderia discordar, certo? Pois bem existem tribos de índios,
como os pirarrãs que não sabem contar até 10. O que mostra que os
conceitos universais, não são tão universais assim.
Além disso, mesmo nossa imaginação, por mais livre que
possaparecer,estápresaàexperiência.Vejaoquedizoutrofilósofo
empirista, David Hume (1711-1776):
Mas, embora nosso pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, examinando o assunto mais de perto vemos que em realidade ele se acha encerrado dentro de limites muito estreitos e que todo o poder criador da mente se reduz à simples faculdade de combinar, transpor, aumentar ou diminuir os materiais fornecidospelossentidosepelaexperiência.Quandopensamos numa montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias compatíveis entre si, ouro e montanha, que já conhecemos anteriormente. Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois os nossos sentimentos nos levam à concepção de virtude,eestapodeunir-seàfiguraeformadeumcavalo, animal que nos é familiar. Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam da sensação
Figura 3 - John LockeFonte: http://commons.wikimedia.org/
74 Módulo 2 I Volume 2 EAD
O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento
interna ou externa; só a mistura e composição destas dependem da mente da vontade. Ou para expressar em linguagem filosófica, todas as nossas ideiasou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas (HUME, 1987, p. 134).
Hume vai ainda mais longe em suas conclusões, ao propor
que, assim como não existem ideias inatas, tampouco existe um
fundamento para nossa crença na causalidade.
Hume se questiona sobre o que nos permitiria estabelecer
relações entre fatos isolados, tais como “A causa B” generalizado para
“sempre que ocorrer A teremos B”. Relações como essas não podem
ser derivadas dos próprios fatos, pois esses não trazem inscritos
em si mesmos nenhuma normatividade que diga como eles devem
se comportar necessariamente. Ou seja, que o sol tenha nascido
hoje não implica, por necessidade, que virá a fazê-lo novamente
amanhã. A normatividade que admitimos em determinados eventos,
tais como “o sol nascerá amanhã”, é derivada, segundo Hume, de
nossatendênciapsicológicaemformarhábitos.Ohábitodeveralgo
ocorrer sempre do mesmo modo nos induz a acreditar que no futuro
as coisas seguirão como antes. Mas essa é uma disposição puramente
psicológica que, em última análise, não legitima qualquer fundamento
lógico do entendimento ou razão.
Este princípio é o costume ou o hábito. Visto que todas as vezes que a repetição de um ato ou de uma determinada operação produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou a mesma operação, sem ser impelida por nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos sempre que esta propensão é o efeito do costume (HUME, 1987, p.86).
Comotodososfatossãoparticulares,nãopodeaexperiência
ser a fonte de nossos conhecimentos, pois não se pode derivar regras
universais de casos particulares. Daí que todo o nosso conhecimento
se assenta em uma disposição psicológica de nosso espírito não
tendo, portanto, uma base racional. O que não quer dizer que tal
conhecimentonãosejaindispensávelparaaconstruçãodaciênciae
paraassegurarasobrevivênciahumana.Apenassuasbasesnãotêm
a necessidade e a validade de que dispõe a forma dedutiva pura da
racionalidade lógico-formal das matemáticas, que não se referem a
coisas realmente existentes.
O costume é, pois, o grande guia da vida humana. Éoúnicoprincípioquetornaútilnossaexperiênciae nos faz esperar, no futuro, uma série de eventos
Figura 4 - David HumeFonte: http://commons.wikimedia.org/
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semelhantes àqueles que apareceram no passado. Sem a influência do costume, ignoraríamoscompletamente toda questão de fato que está fora do alcance dos dados imediatos da memória e dos sentidos. Nunca poderíamos saber como ajustar osmeiosemfunçãodosfins,nemcomoempregarnossas faculdades naturais para a produção de um efeito.Seria,aomesmotempo,ofimdetodaaçãocomo também de quase toda especulação (HUME, 1987, p.87).
4 KANT E AS CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONHECIMENTO
ImmanuelKant(1724-1804) fazdaafirmaçãodeHume,de
quenãoexisteumfundamentoempíriconecessárioàciênciaemuito
menos para a metafísica, o seu ponto de partida. Ele radicaliza o
problema da validade de nosso conhecimento, para além do conceito
de causalidade que Hume tinha examinado, buscando fundamentar
toda forma de conhecimento. Para tanto, Kant diferencia as formas
de conhecimento entre a priori e a posteriori.
Os conhecimentos a posteriori são aqueles adquiridos através
daexperiência.Essetipodeconhecimentonãoapresentadificuldades,
poisaexperiêncianãoénadamaisqueumacontínuajunçãoousíntese
de percepções. A validade dessa forma de conhecimento, porém,
não pode se assentar unicamente na experiência, como já havia
demonstrado Hume. A questão que se coloca, portanto, é se existem
conhecimentos a priori, ou seja, conhecimentos absolutamente
independentesdaexperiênciaeque,pornãoestaremmescladosa
nada de empírico, são também chamados por Kant de puros. Tais
conhecimentos seriam não só independentes da experiência, mas
constituiriam as próprias condições de possibilidade de toda e qualquer
experiência.Dessaforma,seriapossíveldemonstrarque,aocontrário
doquepensavaHume,oconhecimentoadvindodaexperiêncianãoé
fruto de uma mera atividade psicológica do sujeito, mas possui uma
base de validade objetiva.
Semelhante condição poderia ser o fundamento de todas as
formas de conhecimento por seu caráter universal e necessário, ambos
critériosqueestãoausentesnaexperiênciaempírica.“Necessidadee
universalidade rigorosa, são, portanto, seguras características de um
conhecimento a priori e também pertencem inseparavelmente uma à
outra” (KANT, 1987, p. 26). A tarefa da Crítica da razão pura, como
o próprio nome já indica, é a de examinar as condições a priori da
Figura 5 - Immanuel KantFonte: http://commons.wikimedia.org/
76 Módulo 2 I Volume 2 EAD
O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento
validade do conhecimento.
Além da distinção entre conhecimentos a priori e a posteriori
é também fundamental a distinção que Kant opera entre juízos
analíticos e sintéticos. Os juízos analíticos são aqueles que não trazem
um novo conhecimento, mas apenas esclarecimentos para aquilo que
já se conhece, por exemplo, quando se diz: “os corpos são extensos”
não se acrescenta nenhum conhecimento, pois no conceito de corpo
já está contido o conceito de extensão. Portanto, se abstrairmos
de um corpo qualquer de suas características contingentes como
cor, cheiro, textura etc., sobrará uma característica que se aplica a
todos os corpos em quaisquer circunstâncias: a de ser extenso. No
caso dos juízos sintéticos é que Kant introduz algo completamente
original,poisalémdosjuízosdeexperiênciaquesãotodossintéticos,
Kant se pergunta pela possibilidade de existirem juízos sintéticos a
priori. Esses juízos estariam presentes como princípios em todas as
ciênciasteóricasdarazão:namatemática,nafísicaenametafísica.
Nesse sentido, o problema geral da razão pura poderia se resumir na
questão: como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Ao invés de
investigarosobjetosquesãoinfinitos,Kantsevoltaparaoexameda
própria faculdade que fornece os princípios do conhecimento a priori,
a razão. “Pois a razão é a faculdade que fornece os princípios do
conhecimento a priori. Por isso a razão pura é aquela que contém os
princípios para conhecer algo absolutamente a priori” (KANT, 1987, p.
34).
A crítica teria principalmente uma utilidade negativa de
“purificaçãodanossarazão”impondolimitesàlivreespeculaçãoda
metafísica. Ao exame da razão pura, Kant denominou de filosofia
transcendental. “Denomino transcendental todo conhecimento que
em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com nosso modo de
conhecimento de objetos na medida em que esse deve ser possível
a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia
transcendental” (KANT, 1987, p. 35).
Segundo Kant, há dois troncos do conhecimento, “sensibilidade
e entendimento: pela primeira os objetos são-nos dados, mas pelo
segundo são pensados” (KANT, 1987, p. 36). As formas a priori pelas
quais os objetos são dados são o tempo e o espaço e pelas quais
eles são pensados são as categorias do entendimento. O múltiplo das
representações é a receptividade, mas a ligação do múltiplo não pode
advir dos sentidos. Ela é um ato da espontaneidade, da capacidade
de representação. Toda ligação é um ato de síntese do entendimento,
não pode ser dada pelos objetos, tampouco surgir de si mesma. “Esta
unidade, que precede a priori todos os conceitos de ligação, não é
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aquela categoria da unidade, pois todas as categorias se fundam
sobre funções lógicas em juízos, mas nestes já é pensada a ligação e,
por conseguinte, a unidade de conceitos dados” (KANT, 1987, p. 80).
Resta saber, portanto, como se origina essa unidade.
Kantdefineaatividadedesíntesecomo“aaçãodeacrescentar
diversas representações umas às outras e de conceber a sua
multiplicidade num conhecimento” (KANT, 1987, p. 68). A síntese
de um múltiplo, seja ele puro (como as formas do espaço e do
tempo) ou empírico, não deriva desse múltiplo, mas algo que lhe é
adicionado. Ou seja, a síntese é transcendental “não só porque se
processa a priori, mas também porque condiciona a possibilidade de
outros conhecimentos a priori” (KANT, 1987, p. 88). A atividade de
síntese revela o papel autônomo das faculdades do sujeito que não
se restringem a um papel de mera recepção dos dados dos sentidos,
como afirmavam os empiristas,mas um papel ativo de legislação
sobre esses dados relacionando-os a conceitos, princípios e regras,
garantindo-lhes uma objetividade que a mera experiência jamais
poderia oferecer. Por outro lado, Kant se afasta do idealismo por não
seremasfaculdadesdosujeitoasprodutorasdosdadosdaexperiência,
já que a sensibilidade tem uma função meramente passiva de recepção
da diversidade sob as formas do espaço e do tempo. A imaginação é a
faculdade responsável por sintetizar as aparições da sensibilidade em
representações. Mas para que tais representações possam se tornar
um conhecimento são necessárias duas coisas. Primeiro, a unidade
deumaconsciêncianaqualasrepresentaçõesdevemestarligadas. Aunidadesintéticadaconsciênciaé,portanto,umacondição objetiva de todo o conhecimento, de que precisonãoapenasparamimafimdeconhecerumobjeto, mas sob qual toda intuição tem que estar a fim de tornar-se objeto para mim, pois de outra maneira e sem essa síntese o múltiplo não se reuniria numaconsciência(KANT,1987,p.83).
Em segundo lugar, o conhecimento implica uma relação
necessária com o objeto, ou seja, o diverso representado deve ser
reconhecido em um objeto (isto é uma cadeira, aquilo um livro etc.).
Essas duas determinações do conhecimento têmuma profunda relação. As minhas representações são minhas, na medida em que estão ligadas na unidadedeumaconsciência,detalmodoqueo‘Eupenso’ as acompanhe. Ora, as representações não se unemassimemumaconsciência,semqueodiversoque elas sintetizam se relacione, por isso mesmo, a um objeto qualquer. Não há dúvida de que só
78 Módulo 2 I Volume 2 EAD
O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento
conhecemosobjetosqualificados(qualificadoscomotal ou tal por uma diversidade). Mas nunca o diverso se relacionaria a um objeto se não dispuséssemos da objetividadecomodeumaformaemgeral(‘objetoqualquer’, ‘objeto= x’). De onde vem essa forma?O objeto qualquer é o correlato do Eu penso ou da unidadedaconsciência,éaexpressãodoCogito, sua objetivação formal. Do mesmo modo, a verdadeira fórmula (sintética) do Cogito é: eu me penso e, ao me pensar, penso o objeto qualquer ao qual relaciono uma diversidade representada (DELEUZE, 1976, p. 29-30).
É, portanto, a atividade de síntese do entendimento que garante
a validade objetiva do conhecimento. “A unidade transcendental da
apercepção é aquela pela qual todo o múltiplo dado numa intuição
é reunido num conhecimento do objeto” (KANT, 1987, p. 84). Ela
permitequeosujeitosedêcontadesuasrepresentaçõeseasconecte
umas às outras no fluxo da consciência, permitindo que o sujeito
tenhaumconhecimentoreflexivosobreelas.
Kant considera a unidade da apercepção “o princípio supremo
de todo conhecimento humano” (KANT, 1987, p. 82). É ela que
garante a validade objetiva do conhecimento, ou seja, que lhe dá
universalidade e necessidade.
Dessa forma, Kant pretendeu ter demonstrado que a validade
objetiva de nossos conhecimentos deriva da atividade legisladora
do entendimento que constitui as leis a que todos os fenômenos
estão submetidos do ponto de vista de sua forma. Na atividade do
conhecimento, a faculdade do entendimento é dominante, já que a
“razão pura deixa tudo ao encargo do entendimento que se refere
imediatamente aos objetos da intuição ou, antes, à sua síntese na
capacidade de imaginação” (KANT, 1988, p. 22).
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6 REFERÊNCIAS
Veja a série de textos elaborada por Josué Cândido da Silva sobre
a teoria do conhecimento na página do UOL - Educação: http://
educacao.uol.com.br/filosofia/teoria-conhecimento-1.jhtm
DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural,
1987. (Coleção Os Pensadores).
DELEUZE, Gilles. Para ler Kant. Rio de Janeiro: Francisco Alves
Editora, 1976.
HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano.
São Paulo: Nova Cultural, 1989. (Coleção Os Pensadores).
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Volume I. São Paulo: Nova
Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores).
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Volume II. São Paulo:
Nova Cultural, 1988. (Coleção Os Pensadores).
KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico.
São Paulo: Forense Universitária, 1991.
LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Teoria do Conhecimento. In: VVAA.
Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1987.
5 ATIVIDADES
Asquestõesaseguirtêmcomoobjetivoajudarafixartudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.
1. Qual o fundamento de todo conhecimento possível segundo Descartes?2. Explique as diferenças entre o inatismo e o empirismo sobre os fundamentos do conhecimento?3. Explique, segundo Kant, como são possíveis os raciocínios sintéticos a priori.
REFERÊNCIAS
ATIVIDADES
80 Módulo 2 I Volume 2 EAD
O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento
Suas anotações
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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:
• dominar os conceitos de paradigma, método científico,falseabilidadeehermenêutica.
OBJETIVOS
CONHECIMENTO CIENTÍFICO
4ªunidade
UNIDADE 4CONHECIMENTO CIENTÍFICO
1 INTRODUÇÃO
Antesdefalarsobrearelaçãoentreciênciaeconhecimento,
alguns conceitos prévios são necessários. Como já foi visto, só se
pode conhecer o que se repete, o que tem regularidade. Um disco
voador que aparece para dois viajantes ou um fantasma que assusta
ummoradorsolitárionãosãoassuntodaciência.Porisso,ufologia
ouparapsicologianãosãociência,nãoporqueosseusobjetossejam
estranhos, pois existem ciências bastante estranhas, mas porque
tratamdefenômenosquenãoserepetem,quenãotêmregularidade.
Se fosse possível marcar uma entrevista com um ET, então estaríamos
nocampodaciência.Algoécientíficoquandotemcertaregularidade
e é previsível. Um exemplo disso são os cometas.
Cometas antigamente eram vistos como sinal de maus
presságios; que um novo rei iria surgir; ou que grandes catástrofes
iriam acontecer. Foi assim no nascimento de Jesus antecedido por
uma estrela, e que o rei Herodes interpretou como um novo rei que
nasceria, então mandou matar todos os meninos. Em 1696, Edmond
Halley descobriu que muitos dos cometas dos quais havia registro,
eram na verdade um único cometa que percorria uma órbita em torno
do Sol a cada 76 anos. Assim, os cometas deixavam de ser mensageiros
de maus presságios e passavam a ser objetos, não muito familiares,
mas previsíveis e explicáveis. Tão explicáveis quanto as chuvas de
marçoouovírusdagripe.Masnãosefazciênciadoextraordinário,
embora este possa despertar muito interesse do grande público, pois
popularidadenãoéomotorprincipaldaciência.
Halley previu ainda que em 1758, 16 anos depois de sua morte,
o cometa passaria novamente próximo da Terra, em sua homenagem,
o cometa recebeu o seu nome. Halley não era um bruxo ou um profeta
quefaziaprevisõesinexplicáveis,suadescobertaestavafirmemente
apoiada em uma teoria desenvolvida por outro grande cientista, Isaac
Newton. Seu trabalho foi o de relacionar a teoria de Newton a corpos
que, embora não fossem planetas, estavam sujeitos às mesmas leis
que regem todos os fenômenos do universo. E isso nos dá uma noção
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do que faz o cientista: ele procura dar uma explicação racional para
os fenômenos, como faz o filósofo, mas testa a verdade de suas
teorias confrontando-as com os experimentos, ou efeitos que elas
predizem. Por exemplo, Aristóteles dizia que quanto mais pesado é
um corpo, mais rápido ele cai, porque a aceleração é proporcional ao
peso do objeto. Isso parece muito razoável de se pensar e durante
muitos séculos ninguém duvidou da verdade de Aristóteles. Somente
noséculoXVII,GalileuGalileifoicapazdedesafiaraautoridadede
Aristóteles propondo um experimento que poderia colaborar ou negar
a teoria de Aristóteles.
Anovidadeaquiéqueumateoriacientíficanãoésomenteuma
construção lógica,elaprecisasercomprovadapelaexperiência.Eu
posso até ser muito religioso e achar que a Terra é plana como a Bíblia
diz e não redonda como demonstrou Galileu. Mas, independentemente
do que eu possa pensar, se viajar ao Japão, terei que ajustar o
meu relógio ao novo fuso horário, adiantando-o em doze horas. Ou
seja, a realidade é algo que se impõe a nós, indiferente as nossas
idiossincrasias.Asteoriascientíficasnãosãoparaseremacreditadas
ou não, pois sua verdade não depende de nós acreditarmos nela, mas
de sua comprovação através do confronto com a realidade. Se resistir
aos fatos, então a teoria é válida.
Existem pessoas que dizem não acreditar na teoria da evolução
de Darwin. Mas Darwin não era nenhum Nostradamus para se
acreditar ou não. Suas teorias são fruto de pesquisas e observações
ATE
NÇ
ÃO
TESTANDO UMA TEORIA
Esseexperimentovocêtambémpoderepetiremsuacasa:
pegue dois objetos sendo um o dobro do peso do outro (duas
pedras, por exemplo). Segure-os até a altura dos seus ombros,
então, os solte ao mesmo tempo e observe o que aconteceu.
Marque a teoria que melhor corresponde aos fatos:
a) quando o objeto mais pesado já tinha atingido o chão, o outro
ainda estava na metade do caminho (teoria de Aristóteles);
b) os dois caíram quase que ao mesmo tempo no chão (teoria de
Galileu);
c)oquevocêobservou?Qualateoriaquecorrespondeaosfatos?
86 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
empreendidas durante décadas em várias partes do mundo. Se não
concorda com Darwin, é simples: monte um experimento que mostre
queDarwinestavaerrado.Emciência,nenhuma teoriaésagrada;
assim que se prova que ela estava errada, prontamente é substituída
e a velha teoria vira assunto dos historiadores da ciência. Agora,
vejamosalgomaissobreométodocientífico.
2 A LÓGICA DA CIÊNCIA
Antes de falar sobre a lógica da ciência é preciso recordar
umpoucosobreostrêstiposdeinferência.Inferênciaéoprocesso
deconcluirumaafirmaçãodeoutrasafirmações.Porexemplo,“hoje
está sol”, logo podemos inferir que “está um ótimo dia para ir à praia”.
Existemtrêsprocessosdeinferência:dedução,induçãoehipótese.
A dedução é o processo em que, partindo de premissas verdadeiras
e gerais, chegamos a uma conclusão igualmente verdadeira. Um
exemplo clássico é:
1. Todo homem é mortal.
2. Sócrates é homem.
3. Logo, Sócrates é mortal.
Nessecaso,asafirmações1e2sãopremissase3,aconclusão.
Se a verdade das premissas está garantida, a da conclusão também
estará, bastando que, para isso, sigamos as regras de validade dos
silogismos dedutivos. Uma delas é que o termo médio, que é o que
permite ligar uma premissa com a outra (no caso, o termo homem), não
deve aparecer na conclusão. Outra regra é que, na dedução, sempre
vamos do geral para o particular e de premissas particulares nada se
conclui. Portanto, em uma dedução, nós aplicamos conhecimentos
já garantidos a casos particulares que são uma aplicação dos casos
gerais. Logo, a verdade de uma conclusão é sempre universal e
necessária, ou seja, válida em todo tempo e lugar e independente
de circunstâncias particulares, pois ela extrai sua verdade de seu
aspecto formal.
Ao contrário da dedução, a indução vai do particular para
o geral. Por exemplo, ao observar que sol nasce todos os dias por
volta das seis damanhã, posso afirmar que ele nascerá amanhã.
O problema da indução é que sua verdade não é garantida como
na dedução, pois parte de casos particulares e contingentes, cujo
contrário é sempre possível. Um caso histórico que ilustra isso é o
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do cisne negro. Até 1697, na Europa, se pensava que todos os cisnes
eram brancos, então quando a Austrália foi descoberta, lá estavam os
cisnes negros e séculos de certeza desabaram. Isso acontece porque,
muitasvezes,nossaamostranãoésuficiente.Porexemplo,alguém
está fazendo café na cozinha, bem na hora em que está colocando
açúcar, toca o telefone e ela precisa ir atender. Outra pessoa chega e
experimenta o café. Como o açúcar está todo no fundo ainda, ela pensa
queestásemaçúcarecolocamais.Oresultadovocêpodeimaginar...
Oproblema,nessecaso,équeaamostranãoerahomogênea.Em
pesquisas de opinião que trabalham com probabilidades, tenta-
se cobrir a heterogeneidade da população, selecionando-se grupos
representativos do conjunto, por exemplo, se metade da população
é composta de homens e a outra de mulheres, a pesquisa deve
refletirestedadonouniversodosseusentrevistados.Quantomais
se aproximar da realidade do total do universo da população, mais
precisa será a pesquisa, contudo, a margem de erro sempre existirá,
pois uma pesquisa só teria 100% de credibilidade se entrevistasse a
população inteira, mas aí não seria uma pesquisa, além dos custos
serem imensos.
Oúltimocasode inferênciaéahipótese. A hipótese é uma
inferênciacompoderexplicativocomoadedução,masqueprecisa
de confirmações para que possa ser demonstrada. Se confirmada,
a hipótese transforma-se em lei ou teoria, se negada pela não
ocorrência de suas previsões, a hipótese é abandonada em favor
de outra. Por exemplo, um fazendeiro encontra ossos enormes em
sua propriedade e chama um professor da universidade local. Esse
conclui que aquele osso parece ser do braço de um animal, mas é
grande demais para ser de um elefante, ou de uma girafa. Então
conclui que deve ter pertencido a um animal que era muito grande,
mas que não existe mais atualmente. Se puder encontrar mais ossos,
e, até mesmo, reconstruir parte do esqueleto, poderá corroborar
suahipótese.Emboramuitospensemqueasdescobertascientíficas
ocorram por fatores puramente acidentais e de ordem psicológica,
há epistemólogos, como Hans Reichenbach, que postulam que a
hipótese é um processo lógico, cujos passos podem ser reconstruídos
posteriormente. Dessa forma, Reichenbach distingue a “lógica da
descoberta” em que a hipótese surge e é testada, e a “lógica da
justificação”emqueateoriaéexplicada.
Vamos ver se você entendeu a diferença entre dedução,
indução e hipótese? Faça corresponder a coluna da esquerda com os
exemplos na coluna da direita:
88 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
a) hipótese ( ) Esses feijões são daquela saca. Esses feijões são brancos. Logo, todos os feijões daquela saca são brancos.
b) indução ( ) Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são daquela saca. Logo, esses feijões são brancos.
c) dedução ( ) Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são brancos. Logo, esses feijões são daquela saca.
3 A LÓGICA DA PESQUISA CIENTÍFICA
Oprocessocientíficopodeserdescrito,demodoideal,assim:
1. Observa-se um fenômeno ainda sem explicação, mas que é
possível de se determinar e estudar, pois acontece regularmente.
Por exemplo: observamos que o vinho azeda mesmo estando
em barris bem fechados. Por que será que isso acontece?
2. Formulamos hipóteses explicativas ou teorias: seria o
azedamento do vinho resultado de sua instabilidade química?
Vemos certos produtos mudarem suas características quando
expostos ao calor ou à luz. Ou seria isso resultado da ação de
organismos tão pequenos que seriam invisíveis a olho nu, mas
que estariam no vinho mesmo antes de ser embalado?
3. Formular uma dedução que possa ter a forma de um enunciado
experimental:
Para hipótese 1: O vinho azeda quando muda as condições de
temperatura ou de luminosidade. Logo, se expuser o vinho à
luz ou ao calor ele azedará.
Para hipótese 2: O vinho tem microorganismos dentro, mesmo
antes de ser colocado nos barris. Os microorganismos provocam
o azedamento do vinho. Logo, se eles forem eliminados o vinho
não azedará
4. Testar a hipótese através de um experimento:
Testando a hipótese 1: expor o vinho a luz está descartado
logo de início, pois as adegas são escuras e o vinho azeda
mesmo assim. Seria o calor? As adegas também são frias, mas
elevo a temperatura do vinho só para ver o que acontece. O
vinho não azeda.
Testando a hipótese 2: se existem microorganismos no vinho,
deve ser possível observá-los com o microscópio. Examino
89PedagogiaUESC
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4
o vinho no microscópio e vejo os tais microorganismos. Mas
seriam eles os causadores do azedamento do vinho? Se
eliminá-los e o vinho não azedar isso provará que temos um
culpado. Aqueço o vinho por certo período a temperatura de
55°C, para que ele não perca suas propriedades como sabor e
aroma,apenasosuficienteparamatarasbactérias.
5. Se a hipótese é falseada, ou seja, o enunciado experimental
não produziu o efeito previsto, então ela é descartada e
passamos para outra hipótese. Se ela funciona, então ela é
corroborada. Isto é, passouno teste.Mas issonão significa
que ela é verdadeira, apenas que é a melhor que temos. Pois
podem existir situações em que ela não funcione e terá que
ser revista.
6. Se a hipótese é corroborada, ela pode tornar-se uma teoria.
No caso da hipótese 1, ela é falsa. O vinho não azeda por
um problema químico, já que reações químicas não ocorrem
espontaneamente. A hipótese 2 mostrou-se correta, já que
o vinho sem bactérias não virou vinagre. Como funcionou
tãobemparaovinho,ficamostentadosatestarcomoutros
alimentos que também estragam como leite, cerveja, sucos etc.
Funciona também para eles, então se torna uma tecnologia, ou
seja,umadescobertacientíficaaplicadaàprodução.
Quem realizou a descoberta da causa da fermentação foi Louis
Pasteur em 1864. O método de aquecer os alimentos, durante certo
tempo para matar os microorganismos responsáveis pela fermentação,
recebeu o nome de pasteurização em sua homenagem. Mas além
de sermos muito agradecidos a Pasteur por ter nos permitido a
degustação de vinhos e cervejas, o que nos interessa aqui é a lógica
dapesquisacientífica.
SegundoofilósofoKarlPopper(1902-1994),aciência
empírica não se caracteriza pela unidade em torno de seus
objetos de pesquisa, mas sim pela sua metodologia. Tal
metodologia, porém, não se limita à estrutura lógica das
teorias (ausência de contradição interna). Do contrário,
quando estivéssemos diante de duas teorias muito
coerentes internamente não poderíamos dizer qual delas é
a melhor (no nosso exemplo, tanto a hipótese 1 como a 2
são bastante razoáveis). Portanto, faz-se necessário outro
critério metodológico, além da forma lógica das teorias para
determinar o que é uma teoria empírica. Como vimos, no
Figura 1 - Louis PasteurFonte: http://commons.wikimedia.org/
90 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
exemplo acima, o critério é a falseabilidade, isto é, a possibilidade de
submeter a teoria a testes.
No entanto, não se pode testar a teoria como um todo, visto
que as teorias são formadas de enunciados universais. Para poder
testá-las, deve-se poder extrair conclusões, isto é, efeitos previstos
pela teoria que sejam observáveis. Tais efeitos são denominados por
Popper de enunciados básicos. Para que uma teoria seja falseável é
necessário que possua falseadores potenciais, isto é, os enunciados
que a contradizem, ou que ela exclui ou proíbe.
A teoria será falseada se houver algum enunciado básico que
a contradiga e que seja aceito. No entanto, o que permite que esse
enunciado seja aceito pelos cientistas, de modo que, tão logo este
se apresente, todos possam acatá-lo e dar por refutada a teoria?
Popper acredita que este acordo seja possível dada a objetividade
científica que estabelece o consenso na comunidade científica.
Objetivo quer dizer algo que independe do capricho de qualquer
pessoa,poisqualquerumpodetestá-laeentendê-la.Ouseja,oque
fazcomqueumenunciadocientíficosejaaceitoporvárioscientistas
éapossibilidadedesubmetê-losempreatestes.Paraqueostestes
sejam realizáveis, os cientistas têm de estar de acordo sobre as
normas e padrões aceitos pela comunidade científica. Portanto, o
que caracteriza a objetividade científica é o consenso acerca das
regrasquegovernamosprocedimentoscientíficos.Esseacordoentre
os cientistas é renovado a cada instante, cada vez que a teoria é
submetidaatestesafimdecorroborá-laedessaformaampliarsua
aproximação da verdade ou de falseá-la. O que torna o consenso dos
cientistas possível é o fato de estarem empenhados em submeter as
teorias a testes.
4 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS
Descrita da forma como faz Popper, a ciência parece um
ambiente racional em completa ordem, moldado por procedimentos
universalmente aceitos. Mas na prática as coisas não são bem assim.
Thomas Kuhn (1922-1996), em seu livro A estrutura das revoluções
científicas, questiona algumas das ideias centrais de Popper. A começar
pela ideia de que experiência e observação podem determinar o
consensodacomunidadecientíficanaescolhadasteorias.Issonão
querdizerquea experiêncianãoseja relevante,apenasqueeste
fatornãoé“porsisó”odeterminante,comoafirmaPopper,naescolha
dasteorias.Issoporque,segundoKuhn,oqueunificaacomunidade
Figura 2 - Karl PopperFonte: http://www.nndb.com/
Figura 3 - Thomas KuhnFonte: http://www.enc.hu/
91PedagogiaUESC
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científicanãoéauniformidadedesuametodologiaesimofatode
partilharem de um mesmo paradigma. Mas o que é um paradigma?
Paradigmatornou-seumconceitoqueficounamodadurantemuito
tempo, graças ao livro de Kuhn. É comum se encontrar títulos como:
“novos paradigmas em educação”, na administração de empresas etc.
Mas nas palavras do próprio Kuhn, paradigmas são “as
realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante
algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidadedepraticantesdeumaciência”(KUHN,1991,p.13).É
baseada nos problemas e soluções modelares que se praticam na
pesquisa científica, que Kuhn caracteriza o que chama de “ciência
normal”. Durante os períodos de ciência normal, a comunidade
científica está pouco preocupada com as regras da metodologia
científica,podendoavançaratémesmonaausênciadelas.
A falta de uma interpretação padronizada ou de uma redução a regras que goze de unanimidade não impede que um paradigma oriente a pesquisa. A ciência normal pode ser parcialmente determinadaatravés da inspeção direta dos paradigmas (KUHN, 1991, p. 69).
Nesse sentido, fica descartada a possibilidade de uma
“objetividadecientífica”assentadaemregrasaceitaspelacomunidade
científica,comodefinePopper.Pois,emperíodosemqueoparadigma
responde satisfatoriamente aos resultados esperados pelos cientistas,
estes não estão preocupados em falseá-lo. Por exemplo, até para
Einstein prevalecia a visão newtoniana de tempo e espaço como
coisas absolutamente distintas. Como poucos fenômenos não se
encaixavam nessa visão, os cientistas não se preocupavam em refutá-
lo.“Aciêncianormal[dizKuhn]nãosepropõeadescobrirnovidades
no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem sucedida, não as
encontra” (KUHN, 1991, p. 77).
Imagine as milhares de pesquisas que estão sendo
desenvolvidas em universidades e grandes laboratórios privados sobre
genética. Algumas delas estão ocupadas em mostrar que não são os
genes que determinam determinadas características ou anomalias?
Claro que não! É justamente o contrário, todas estão ocupadas em
saber quais os genes que determinam quais características nos seres
vivos.Ouseja,sedependerdaciêncianormal,nenhumconhecimento
revolucionário na genética ocorrerá intencionalmente, mas por acaso.
Como já vimos, para Popper o procedimento para corroborar
uma teoria ou refutá-la é o de tentar falseá-la através de confrontação
comaexperiênciaempírica.Kuhnconsideraqueaescolhadasteorias
92 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
não passa por tal critério metodológico.
Nenhum processo descoberto até agora pelo estudo histórico do desenvolvimento científico assemelha-se ao estereótipo metodológico da falsificação pormeio da comparação direta com a natureza (...) o juízo que leva os cientistas a rejeitarem uma teoria previamente aceita, baseia-se sempre em algo mais do que essa comparação da teoria com o mundo (KUHN, 1991, p. 108).
Além disso, não é possível decidir entre dois paradigmas
concorrentes dada a sua incomensurabilidade. Ambos utilizam-se de
argumentos circulares que satisfazem os critérios que o paradigma
atribui a si mesmo, mas que é incapaz de satisfazer alguns dos critérios
ditados pelo paradigma concorrente. Isso se deve ao fato de estarem
tratando o mesmo problema sob aspectos diversos, ou melhor, por
seremparadigmasdenaturezadiferente.“Atradiçãocientíficanormal
queemergedeumarevoluçãocientíficaénãosomenteincompatível,
mas muitas vezes verdadeiramente incomensurável com aquela que
a precedeu” (KUHN, 1991, p. 138).
Incomensurabilidade quer dizer que uma nova descoberta
científica não aproveita nada da teoria antiga, pois parte de um
paradigma diferente que, muitas vezes, significa pensar de uma
maneira completamente nova. Quando mudamos de paradigma, a
nossavisãodomundoedeciênciatambémmuda.
Por exemplo, até o século XVII não havia uma teoria geral que
explicasse o fenômeno da combustão. Quando queimamos uma folha
de papel se a pesarmos antes e depois de ser queimada, observaremos
que ela perdeu peso. E isso acontece com a maioria dos materiais
quando queimados. Mas com os metais acontece o inverso. Eles se
tornam mais pesados depois de queimados. Por que isso acontece?
Em 1697, o médico e químico alemão Georg Ernst Stahl, publicou um
livroemquedivulgavasuateoriadoflogístico(dogregophlogiston,
quesignificaconsumidopelofogo).
Segundo a teoria de Stahl, quando um material era queimado,
ele perdia flogístico e o resto que não podia mais ser queimado
(chamadodecal)seriaumasubstânciapobreemflogístico.Assimo
carvãoeraconsideradoricoemflogístico,poisdepoisdesuaqueima
sobrava pouca cal. Quando o metal era queimado, ele aumentava de
peso,porquepossuíaapropriedadedeabsorverflogísticodocarvão.
Essa teoria foi aceita durantemuito tempo tanto que o nitrogênio
descoberto em 1772, por Daniel Rutherford, foi denominado de
arflogisticado;eohojeoxigênioem1774era conhecido comoar
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deflogisticado.
Somente a partir de 1772, a teoria do flogístico começou
a ser questionada pelo químico francês Antoine Lavoisier (1743-
1794), em experiências realizadas sobre a combustão. Em 1777,
em experiências em ambiente controlado e com balanças de alta
precisão, ele comprovou que as substâncias não perdem peso quando
queimadas, e que a combustão na realidade era uma reação com
o oxigênio (descoberto poucos anos antes). A explicação para o
ganhodepesodosmetaiséqueestesabsorvemooxigêniodoar,
ou seja, eles oxidam. A vantagem da teoria de Lavoisier é que ela
transformava a explicação sobre a combustão em algo demonstrável,
poisnaausênciadooxigênio,nemcarvãoentravaemcombustão,o
queprovavaqueelenãotinhaflogísticoalgum.
Uma vez comprovada a inexistência do flogístico, todos os
livros que tratavam do assunto viraram objeto de estudo apenas
dos historiadores da ciência, e praticamente não ouvimos falar no
assunto quando estudamos química. O que prova que os paradigmas
são incomensuráveis, pois quando abandonamos uma teoria,
abandonamos também certo modo de ver o mundo e explicar as
coisas.
Mas então se, para Kuhn, o consenso não é estabelecido pela
metodologiacientífica,qualéocritérioqueoscientistasutilizampara
mudar de paradigma?
Amudançadeparadigmasedáquandoacomunidadecientífica
reconhece deficiências no paradigma até então utilizado, o que
caracteriza um período de crise. A crise é uma condição necessária
paramudança de paradigmas e das revoluções científicas. Caso o
paradigma estivesse respondendo bem aos problemas, explicações
diferentes das dele seriam simplesmente ignoradas. Do mesmo
modo, não é qualquer problema que leva à crise, este deve ser uma
anomalia.“Adescobertacomeçacomaconsciênciadaanomalia,isto
é, o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as
expectativasparadigmáticasquegovernamaciêncianormal”(KUHN,
1991, p. 78)
O surgimento de uma crise abala a confiança do cientista
noparadigma,oquepodeterminarcomaemergênciadeumnovo
candidato a paradigma. A mudança de um paradigma a outro é
semelhante a uma mudança de Gestalt, o que reforça a tese da
incomensurabilidade dos paradigmas. Os problemas que eram
relevantes para o antigo paradigma podem tornar-se sem importância
frente ao novo campo de pesquisa que o novo paradigma abre (como
noexemplodoflogísticoacima).
Figura 4 - LavoisierFonte: http://commons.wikimedia.org/
94 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
Não existe uma resposta única sobre o que leva um cientista a
mudar de paradigma. Ao contrário de Popper que imagina um cientista
que age de um modo plenamente racional, baseado na lógica e nos
experimentoscientíficos(cientistaestequeageemacordocomsua
comunidade inteira), para Kuhn, o consenso é uma noção sociológica
que envolve diversos fatores, mas nenhum de per si determinante. A
mudança de paradigma do cientista é como uma conversão, em que
ocorre uma mudança abrupta semelhante a uma alteração da forma
visual (Gestalt).
Nenhum dos sentidos habituais do termo ‘interpretação’ ajusta-se a essas iluminações daintuição através das quais nasce um paradigma. Embora tais intuições dependam das experiências,tanto autônomas quanto congruentes, obtidas através do antigo paradigma, não estão ligadas, nem lógica, nem fragmentariamente a itens específicos dessas experiências, como seria o casode uma interpretação. Em lugar disso, as intuições reúnem grandes porções dessas experiências e astransformam em um bloco de experiências que,a partir daí, será gradativamente ligado ao novo paradigma e não ao velho (KUHN, 1991, p.158).
Portanto,asrevoluçõescientíficasassemelham-seagrandes
rupturas em que ocorrem mudanças não só na forma como vemos as
teorias, mas na própria maneira como entendemos e interpretamos o
mundo. Galileu não só provou que a Terra não era o centro do universo,
ele nos expulsou de um cosmo criado por Deus exclusivamente
para o homem e, hoje, nos sentimos pequenos diante da imensidão
do universo com trilhões de estrelas e alguns bilhões de planetas
semelhantes ao nosso. Mas mudanças de paradigma não ocorrem
todos os dias, tampouco a ciência é aquela atividade engajada
em busca de novas descobertas. A ciência é produção humana e,
como tal, sujeita aos jogos de interesses e vaidades, cujos avanços
dependem, em grande parte, mais de acasos fortuitos do que de um
processo sistemático de investigação.
5 UM MAPA DAS CIÊNCIAS
Como vimos anteriormente, a ciência se caracteriza por
um processo metodologicamente acordado de investigação, cujos
resultados podem ser testados por outros membros da comunidade.
Masessadescriçãodeciênciapodefazerparecerquesóasciências
SAIBA MAIS
O que é Gestalt?“A Teoria daGestalt afir-ma que não se pode ter conhecimento do todo através das partes, e sim das partes através do todo. Que os conjuntos possuem leis próprias e estas regem seus ele-mentos (e não o contrá-rio, como se pensava an-tes). E que só através da percepção da totalidade é que o cérebro pode de fato perceber, decodificare assimilar uma imagem ou um conceito”.
(http://www.mitologica.com.br/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=2 )
Ou seja, você não con-segue ver o saxofonista e a moça ao mesmo tempo, consegue?
Figura 5
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naturais, como a física ou a biologia, são ciências e que história
e psicologia não são ciências. Na verdade, existem cientistas que
pensamassim,masissoéporquetêmumavisãorestritadoqueseja
aciência.Porexemplo,seadmitirmosquesópodemserconsideradas
científicas as proposições que podem ser testadas empiricamente,
o que poderíamos dizer sobre a matemática? Pois uma verdade
matemática não tem que obrigatoriamente ser uma descrição do
mundo, pois a matemática é uma ciência hipotética que trata de
mundos possíveis logicamente, e não de mundos reais. Dessa forma,
temosdeadmitirqueasciênciasnaturaissãoumapartedoconjunto
dasciências,masnãoasúnicas.Segundo,queexistemdiversostipos
deciênciacomcritériosdiferentesdecientificidade.Pensandonisso,
o filósofo Charles Sanders Peirce elaborou a seguinte divisão das
ciências:
MATEMÁTICA – estuda como se pode supor que as coisas são.
CIÊNCIAS POSITIVAS – estudam como as coisas são.
FILOSOFIA – estuda os fatos mais gerais da vida cotidiana.
CIÊNCIAS ESPECIAIS – estudam fatos que são deliberadamente
procurados e frequentemente removidos da vida cotidiana.
Mas esta não é a única nem a mais completa forma de dividir
as ciências Nas universidades, por exemplo, costuma-se dividir as
ciênciasentreCiênciasHumanas(História,Filosofia,CiênciasSociais
etc.), Ciências da Vida (Biologia, Medicina etc.) e Ciências Exatas
(Matemática, Física etc.). Essa divisão também não é boa, pois
colocaamatemáticaao ladodeciênciasempíricasedáa ideiade
quealgumasciênciassão“exatas”,enquantooutrassãociênciasdo
“mais oumenos”. Alémdisso, ficamde fora as chamadas ciências
aplicadas que constituem campos tecnológicos direcionados para
a resolução de problemas concretos, como administrar empresas,
melhorar a produção agrícola ou a criação de animais, projetar e
realizaredificaçõesetc.
Como as tecnologias estão em constante inovação, a todo
temposurgemnovasciênciasaplicadas.Contraditoriamente,antigos
campos do saber, como as artes ou a educação, ainda continuam com
seu statuscientíficonãodefinido.Deoutraparte,aideiadequetodo
conhecimentosereduzemciência,podeconterumidealtotalitário
e tecnicista de que toda forma de saber deve ser expressa na forma
dasciênciasnaturais.Oquereforçapolíticasuniversitáriasdequesó
os cursos voltados para as tecnologias e para acumulação de capital
deveriam existir. Assim, um curso de línguas poderia ser fechado,
96 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
para dar espaço a um curso de turismo, por exemplo, sendo que sem
conhecer outras línguas é impossível desenvolver o turismo.
Em grande parte, tais equívocos são provocados pelo modelo
deciênciaedecientificidadequetemosemmente,quefazequivaler
conhecimento e ciência como sendo sinônimos. Para alargar um
pouconossacompreensãodoquesejaumaciência,vamosexplorar
brevementeaespecificidadedasciênciashumanasecomooscritérios
defalseabilidadedasciênciasnaturaisnãocabemnessecaso.
6 AS CIÊNCIAS HUMANAS E SEUS CRITÉRIOS DE CIENTIFICIDADE
“CiênciasdoEspírito”ou“Humanidades”éumtermocomuma
longa tradição na Filosofia, para designar um determinado campo
do conhecimento humano ligado mais diretamente aos processos
mentais,ouquetemporobjetodereflexãoopróprioserhumano.
Essa definição, porém, não garante um consenso sobre o que
exatamente estamos falando. Pois ainda resta muita discussão se a
psicologiaouaeconomiaseriamciênciashumanas,naturaisouum
pouco das duas. Para Wilhelm Dilthey (1833-1911), a resposta sobre
oquecaracterizaasciênciasdoespíritonãopodeserencontradano
objetoaoqualsededicam,poistambémafisiologia,porexemplo,
trata do homem.O que difere as ciências do espírito das ciências
naturais é a atitude frente aos objetos, ou seja, trata-se de uma
diferençaepistemológica.Enquantoaatitudedasciênciasdanatureza
é objetivante, instrumental, nas ciências do espírito é “por assim
dizerdointeriorquearealidadeseabreparaavivênciadosujeito”
(HABERMAS, s/d, p.158).
Arealidadeconstruídapelasciênciasdanaturezapercorreum
caminho totalmente distinto, ela busca anular, o máximo possível,
a interferênciaqueasvivênciasdopesquisadorpossamcausarno
estudo do objeto. Para tanto,
[...] nós nos apossamos deste mundo físico pelo estudo de suas leis. Estas leis não podem ser descobertas a não ser que o caráter vivencial de nossas impressões da natureza, o conjunto no qual estamos postos, enquanto a natureza que somos, o agudo sentimento pelo qual a gozamos recue sempre mais, dando lugar a concepções abstratas da mesma segundo as relações do espaço, tempo, massa, movimento. Todos esses momentos concorrem para que o homem se elimine a si mesmo com o objetivo de construir, em base destas impressões, este
Figura 6 - Wilhelm DiltheyFonte: http://commons.wikimedia.org/
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grande objeto que é a natureza como se ela fosse uma ordem que obedece a leis. Ela torna-se então o centro da realidade para o homem (DILTHEY, apud HABERMAS, s/d, p. 157).
Apossibilidadedeanularaexperiênciavitaléumdoscritérios
maisimportantesdeobjetividadedasciênciasdanatureza,demodo
que seus modelos teóricos ou leis possam ser independentes da
historicidade e do contexto cultural em que se produzem. É comum
na transmissão de tais conhecimentos que sejam ignorados por
completo os contextos em que se desenvolveram, provocando muitas
vezesemseusreceptoresa impressãodequeasciênciasnaturais
sãodesprovidasdehistóriaoudeingerênciaspolíticaseeconômicas.
Quando estudamos matemática, química ou física, as fórmulas
aparecem como se tivessem emergido do nada, sem história e como
se fosse verdades eternas reveladas desde sempre por Deus.
Nas ciências do espírito essa possibilidade de anulação da
vivência individual não existe, já que não se podem separar fatos
de teorias, pois estes se encontram amalgamados. As ciências do
espírito se movem dentro de outra lógica. Esta lógica, para Dilthey,
está centrada nas inter-relações entre vivência, objetivação e
compreensão. Desses três, o conceito de vivência é a chave para
compreenderateoriadeDiltheysobreasciênciasdoespírito.
ParaDilthey,aunidadedavivênciaéoquepermiteatribuir
uma significação aos acontecimentos assim como a experiência
históricaindividual.Vivênciassãoasocorrênciasemnossasvidasque
aparecem enlaçadas em um sentido comum para o curso de nossa
existência,demodoquepossamosidentificarcadaumadelascomo
constituidoras de nossa história pessoal. A biografia individual é o
quepermiteatribuirumsentidoàsvivênciasindividuaisasseguradas
pelo eu-identidade. Ela permite estabelecer uma conexão entre
avivência individualeaexistênciacoletiva,namedidaemqueas
experiências vitais se desenvolvem em um processo histórico, em
que as significações atribuídas individualmente se constituem a
partir de um sistema de referências compartilhadas. “O ponto de
vistaindividual,corrige-seesedistendenaexperiênciagenéricada
vida. Com isso entendo proposições que se formam em um grupo
qualquer de pessoas que estão em relações uma com as outras e
cujos enunciados lhes são comuns” (DILTHEY, apud HABERMAS, s/d,
p. 168).
Asvivênciasseexteriorizamemobjetivaçõescujosignificado
se pode compreender a partir da reflexão sobre asmanifestações
vitais.Talreflexividadeconstituiopanodefundodacompreensãoque
98 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
está presente nas interações humanas mediadas linguisticamente.
Ou seja, só compreendemos aquilo que podemos relacionar às
nossasprópriasvivências,ouavivênciasaprendidascoletivamente.
Como a compreensão se dá “a partir de dentro”, ela é sempre uma
interpretaçãodosujeito.Daíqueasciênciashumanassejamciências
hermenêuticas.
O termo “hermenêutica” remete ao deus grego Hermes, o
mensageiro dos deuses, aquele que traz notícias. O hermeneuta
seria aquele que tanto transmite quanto interpreta uma mensagem,
já que não é possível separar uma coisa da outra. Por conseguinte,
hermenêutica seria a arte de interpretar o sentido da palavra do
autor, principalmente de textos clássicos. Aqui entra tanto a condição
depossibilidadequantoainevitabilidadedasituaçãohermenêutica:
sempre que interpreto algo, o faço a partir do meu ponto de vista.
Nãoépossívelquesejadiferente,poisaminhavivênciaéachave
parainterpretaroutrasvivências.
Aqui se situaumproblemacomoqual ahermenêuticadas
ciências do espírito de Dilthey tem que enfrentar: a compreensão
hermenêutica deve apreender em categorias inevitavelmente
universais, um sentido individual irredutível. Ou seja, ao formar um
corpo de conhecimentos é necessário que este se apresente sob a
forma de categorias universais, do contrário, não seria senão uma
mera repetição infinita de experiências individuais sem poder se
extrair nenhum conhecimento a partir delas. Ao mesmo tempo, a
universalidade tende a reduzir a particularidade e a deformá-la. O que
se deve e o que não se deve preservar do sentido vital individualizado
éumaquestãometodológicacentralparahermenêutica.
SegundoHabermas,acompreensãohermenêuticasedistingue
das proposições teóricas, isto é, daquelas capazes de serem reduzidas a
umalinguagem“pura”emqueosenunciadosformaisforampurificados
de todos os elementos que não se articulam no plano das relações
simbólicas.Jáacompreensãohermenêutica“nãopodejamaisanalisar
aestruturadeseuobjetodetalmaneiraquetodasascontingências
deste objeto fiquem eliminadas” (HABERMAS, s/d, p. 173). Isso
porqueahermenêutica tememvistaumcontextodesignificações
que são transmitidas por tradição; como não dispomos de regras para
reconstrução dos conjuntos-de-sentido legados pela tradição, temos
quetratá-loscomosefossemfatos.Enquanto,nasciênciasteóricas,
se busca anular a experiência biográfica individual para que estas
possamserpostasemcategoriasuniversaisdalinguagem;asciências
hermenêuticasrepousamjustamentenaespecificidadedalinguagem
ordinária que permite comunicar indiretamente categorias universais
99PedagogiaUESC
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dentro das conexões concretas da vida. Ou seja, a linguagem
ordinária elabora sua própria metalinguagem sem que para isso seja
necessáriocriarumalinguagemartificial,operandocomolinguagem
e metalinguagem ao mesmo tempo.
A compreensão hermenêutica visa a três classes de
manifestações vitais: as expressões verbais, as ações e as expressões
vivenciais. As expressões verbais quando dissociadas de uma conexão
vital concreta, como no caso das linguagens formalizadas, dispensam
uma interpretação hermenêutica. Mas quando à expressão verbal
mistura-se algo que é próprio “ao pano de fundo obscuro e à plenitude
davidadaalma”,têminícioosdireitosdahermenêutica.Eladecifra
o que de início parece estranho na compreensão mútua entre os
falantes, algo que só pode ser comunicado de maneira indireta.
A interpretação seria impossível se as manifestações vitais fossem totalmente estranhas. Ela seria desnecessária, caso nada lhes fosse estranho. [A hermenêutica] se situa, portanto, entre estes doispólos extremos. Ela é necessária sempre onde há algo de estranho, algo que a arte da compreensão deve assimilar (DILTHEY, apud HABERMAS, s/d, p. 176).
Na linguagem cotidiana há sempre um hiato a ser superado
pela interpretação entre os falantes, para evitar situações de
pseudocomunicação em que os participantes realmente não se
entendem acerca de algo, compreendendo-o de maneira equívoca.
Para facilitar o trabalho de interpretação, dispomos também de
termos extraverbais, além daqueles expressos através da linguagem.
A ação é uma dessas manifestações extraverbais. Embora a ação não
surja de uma intenção de comunicação, mas de uma relação para
comumfim,épossívelobservarcertaregularidadenasaçõesedaí
depreenderseusignificadolatente.
Uma terceira classe de manifestações são as expressões
vitais, que Dilthey considera serem as mais próximas da unidade
vital espontânea do que as expressões simbólicas da linguagem e da
ação. Por outro lado, são as de decifração mais difícil por remeterem
a intenções não expressas e a relação inexprimível do Eu com suas
objetivações e não terem um conteúdo cognitivo, o qual pudesse ser
integralmente explanado por meio de frases e ações. Assim, o seu
papel é muito mais de corroborar na interpretação das comunicações
manifestas através dos sintomas latentes que podem legitimar e
corroborar ou desmentir e rejeitar ou indicar a tentativa de enganar
um interlocutor colocando a comunicação sob suspeita. “Pois a
100 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
simulação, a mentira, o engano rompem a relação entre a expressão
e o espiritual expressado” (DILTHEY, 1944, p. 230).
A compreensão hermenêutica, portanto, deve levar em
consideração essas três classes de manifestações vitais, pois
na comunicação ordinária uma expressão raramente aparece
desacompanhada das outras. Dessa forma, a linguagem ordinária perfaz
sua própria metalinguagem na medida em que ela pode descrever a
comunicação extraverbal, ou seja, ela é capaz de se auto-interpretar.
Essa auto-interpretação consiste em explicitar os elementos ausentes
da linguagem não-verbal tornando-os comunicáveis. A linguagem
sempre se apresenta de modo fragmentário; sem o acesso aos
elementos não-verbais, essas lacunas seriam insuperáveis. A auto-
interpretação se opera, como já dissemos, através da metalinguagem
no interior da própria linguagem. Decifrar esta auto-interpretação, tal
éatarefadahermenêutica.
Aquitemosumaclarademarcaçãoentreasciênciasdoespírito
e as ciências naturais. Por perfazer sua própriametalinguagem, a
interpretação hermenêutica jamais pode ser demonstrável. “Pois,
uma‘prova’paraaschamadasinterpolaçõessóseriapossível,caso
pudéssemosretraduzirumtexto,legadoportradição,para‘dentro’da
práxis vital de sua época, uma práxis que um dia completou texto e
discurso” (HABERMAS, s/d, p. 180). Na tentativa de se aproximar da
interpretação,asciênciasdoespíritoincorremnodenominadocírculo
hermenêutico, como pode ser ilustrado com o seguinte exemplo:
percebo que a literatura produzida em determinada época reúne
certas similaridades que refletem outras manifestações culturais
que também ocorrem na mesma época. Então conceituo a produção
desses autores de Romantismo e descrevo as características de uma
literatura romântica em termos ideais. Depois volto sobre os autores
ditos românticos e descubro outras características não percebidas da
primeiravez.Entãovoltoao conceitoeomodificoparaapreender
melhoroobjeto.Taisidasevindasformamocírculohermenêutico.
Círculo Hermenêutico
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Masessacircularidadedahermenêuticanãonecessariamente
éviciosa,podendoserbastantefrutíferaseahermenêuticanãose
reduzir exclusivamente à linguística ou a uma análise puramente
empírica. Pois, nesse caso, tratar-se-ia sim de um círculo vicioso. Mas
essa circularidade é evitada graças ao fato de os conteúdos legados
pela tradição e objetivados em palavras e em fatos, não serem,
ao mesmo tempo, tanto símbolos quanto fatos. “É por isso que a
compreensãodevecombinaraanáliselinguísticaeaexperiência.Sem
esta coação para tal combinação peculiar, o desenvolvimento circular
do processo interpretativo permaneceria preso em um círculo vicioso”
(HABERMAS, s/d, p.182). Assim se parte de um esquema exegético
provisório, antecipando de saída o resultado do processo exegético.
Ao se aplicar a chave interpretativa ao material, esse a modifica
levandoàmodificaçãodashipótesesantecipadasprovisoriamente.
O fato de as ciências do espírito estarem mais presas ao
contexto vital, torna mais clara a sua perseguição de interesses
cognitivos.Tantoasciênciasdoespíritoquantoasciênciasnaturais
persegueminteressescognitivos.Ointeressedasciênciasempírico-
analíticas é um interesse técnico e instrumental de aplicação desses
conhecimentos à realização de novas tecnologias. O interesse cognitivo
das ciências do espírito está emevitar a rupturana comunicação,
ou seja, em conservar o entendimento intersubjetivo. O interesse
práticodoconhecimentoquedominaagênesedasciênciasdoespírito
determina,também,ocontextodeaplicaçãodosaberhermenêutico.
Por estarem presas à interpretação que faz o historiador ou o
cientista social do fato ou fenômeno social que estuda, pode parecer
queasciênciashumanasnãosão tãoobjetivasquantoàs ciências
naturais, já que não existe experimento capaz de provar de uma
vez por todas que uma interpretação está certa e outra errada. Isso
acontece por duas razões.
1) A primeira e mais importante, é que ao contrário das
ciênciasnaturaisqueestudamrelaçõesentreobjetosouentresujeitos
eobjetos;nasciênciashumanasestuda-searelaçãoentresujeitos.
Que diferença isso faz? Toda diferença, pois os objetos naturais
comportam-se de modo regular, o que nos permite elaborar teorias
que se aplicam à totalidade dos objetos do mesmo tipo. Percebemos
que alguns patos de uma determinada espécie migram para o sul
noinverno,entãopossoafirmarquetodosospatosdaquelaespécie
migram no inverno e que migrarão nos anos seguintes também.
Quando me relaciono com um sujeito, ele também é um intérprete
tanto quanto eu. Ele observa o que eu estou tentando descobrir e
tenta adivinhar qual é a minha intenção. Dependendo do caso, ele
102 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
pode alterar sua resposta em função do que imagina que estou
pensando ou que vou pensar a seu respeito. Por exemplo, se estou
pesquisando o comportamento sexual dos coelhos, os coelhos não
vãofingirporqueexisteumacâmaraosobservando.Massepergunto
parahomenscasadoscomquefrequênciatêmrelaçõessexuaiscom
suas esposas e para esposas quantas vezes têm relações sexuais
com seus maridos, é possível que obtenhamos resultados diferentes
para homens emulheres. Por quê?Obviamente, algumas pessoas
devem estar mentindo em suas respostas. Por que fazem isso?
Como cientista social, posso formular a hipótese de que os homens
pretendem projetar uma auto-imagem de que são viris, o que os
fariainflacionarumpoucoosnúmeros.Notequeaquijáentrouum
elemento de interpretação do comportamento do objeto, algo muito
diferente de explicar o comportamento do objeto, como se faz com
uma bactéria, ou uma partícula atômica. A diferença é que posso
provar que a bactéria se comporta de determinada forma, mas não
posso fazer o mesmo com pessoas, pois, ao tentar aplicar minha
hipótese explicativa, elas podem mudar de comportamento e derrubar
minha hipótese, justamente por estarem informadas sobre ela.
Como em pesquisas eleitorais, podemos explicar porque as pessoas
migraram sua intenção de voto do candidato x para o candidato y,
mas só depois que o fato tenha ocorrido. Mas nada garante como
o eleitor irá se comportar no dia da eleição, pois a própria pesquisa
eleitoralinfluencianadeliberaçãodoeleitor.
2) A segunda razão é que o intérprete é também um ser social
e, portanto, não é neutro. Ele sabe que determinadas interpretações
favorecem ou legitimam este ou aquele grupo social, de acordo com
sua ideologia, o cientista social ou historiador privilegia determinadas
interpretações dos fatos em detrimento de outras. Onde um historiador
marxistavêconflitodeclasseseracismo,umhistoriadorconservador
pode enxergar cordialidade e democracia racial.
Masissoquerdizerquenãoexisteobjetividadenasciências
humanas? A mesma pergunta poderia ser dirigida às ciências
naturais que, apesar da aparência de neutralidade, também são
ciências que dependem do consenso entre os cientistas acerca de
qualainterpretaçãodescrevemelhorosfatos.Nocasodasciências
humanas, esse debate é público e ajuda a entender quais as diferenças
metodológicas, assim como os pressupostos ideológicos das posições
defendidas pelos diversos autores. Isso enriquece nossa compreensão
do problema, ampliando nosso conhecimento do mesmo. Evitar tal
debate só favoreceria ao ocultamento das ideologias em jogo.
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7 ATIVIDADES
Asquestõesaseguirtêmcomoobjetivoajudarafixartudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.
1.Oquecaracterizaaciênciaempírica?2.Qualarelaçãoentreparadigmaecomunidadecientífica?3. Indique quais as diferenças entre Popper e Kuhn sobre como ocorrem as revoluçõescientíficas.
4. A partir do texto “um mapa das ciências” como você classificaria apedagogia?Éapedagogiaumaciência?Justifique.
5.Oquediferenciaasciênciashumanasdasciênciasnaturais?6.Qualopapeldocírculohermenêuticonoavançodoconhecimento?7.Épossívelconstruirumconhecimentovalorativamenteneutronasciências
humanas? Explique.
8 RESUMINDO
Aciênciamodernaébaseadanocritérioempíricodetestabilidade.Paraqueumateoriacientíficasejaaceita,nãobastaqueelasejarigorosamenteconstruída em bases lógicas. É preciso que ela seja capaz de prever consequênciasequetaisefeitospossamsertestadosporoutroscientistas.Assim, Karl Popper elaborou o critério de falseabilidade como fundamento da investigação científica. Thomas Kuhn, porém, mostrou que, em seudesenvolvimento histórico, a ciência nem sempre se orienta dessa forma.Muitas vezes, os cientistas resistem a um novo paradigma e só em situações decrise,quandoaciêncianormalnãoécapazderesponderasanomaliasque a realidade apresenta, é que se veem forçados a mudar de paradigma. A mudança de paradigma, entretanto, não ocorre como um processo de acúmulo gradual, ela é sempre uma ruptura em que o paradigma anterior é completamente abandonado. Pois não é só o velho paradigma que deixa de tervigência,mastambémavisãodemundoqueelecontinha.
Osprocessosdemudançadeparadigma,quevalemparaasciênciasnaturais, não se aplicam ao campo das ciências humanas, já que váriosparadigmas podem conviver durante muito tempo sem que um suplante definitivamenteooutro.Éocaso,porexemplo,dasteoriasdeMarxeWeberno campodasCiênciasSociais. Isso porque as ciências humanasnão sãofalseáveis, já que não existem experimentos sociais capazes de demonstrar a validade de uma teoria de uma vez por todas, já que as próprias teorias são também produtos históricos e sociais e acabam por afetar a percepção dos sujeitos sociais sobre si mesmos e sobre os outros; o que os pode levar amudar o curso de suas ações,modificando os resultados previstos pelateoria. Assim, enquanto as ciências naturais têm como interesse principalo incremento tecnológico, as ciências humanas visam ao aumento dacompreensão dos seres humanos sobre si mesmos.
9 REFERÊNCIAS
ATIVIDADES
RESUMINDO
104 Módulo 2 I Volume 2 EAD
Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento
A Evolução do conceito de Calor: Fogo, Flogístico, Calórico e Formas
de Movimento. In: http://www.searadaciencia.ufc.br/folclore/
folclore143.htm
DILTHEY, W. El Mundo Histórico. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1944.
HABERMAS, Jurgen. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, s/d.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São
Paulo: Perspectiva, 1991.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix,
s/d.
REFERÊNCIAS
105PedagogiaUESC
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Suas anotações
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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:
• compreender como a revolução informacional exige uma nova educação centrada em uma educação para pensar, valorizando muito os processos de aprendizagem do que os resultados.
OBJETIVOS
A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
5ªunidade
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, vamos refletir sobre os impactos das novas
tecnologiasnaeducaçãoeosdesafiosqueseapresentamaoeducador
do século XXI.
Até aqui discutimos as relações entre conhecimento e
sociedade; diferentes formas de conhecimento, e acompanhamos
adiscussão,ao longodahistóriadafilosofia,sobreoscritériosde
validadeecientificidadedoconhecimento.Agoravamosrefletirum
pouco sobre como ensinar-aprender na sociedade do conhecimento.
Ou seja, na sociedade em que vivemos, em que não há mais lugar
para mão-de-obra barata e desqualificada que atraíram muitas
indústrias multinacionais para se instalarem aqui a partir da segunda
metade do século passado. Hoje, as empresas continuam buscando
mão-de-obrabaratanoTerceiroMundo,masnãodesqualificada.
SeoBrasilvaifigurarentreasgrandeseconomiasnaspróximas
décadas ou se continuará sendo campeão de desigualdade social e
violência, não dependerá de seus recursos naturais, mas de seus
preciosos recursos humanos. As decisões que estão sendo tomadas
agora sobre os rumos da educação, determinarão se teremos um país
maisjustoedemocráticonofuturo.Portanto,cabeanósrefletirmos
cuidadosamente sobre o papel da educação na era informacional,
para melhor nos posicionarmos diante das propostas educacionais
presentes no cenário nacional.
Há um consenso sobre a importância da educação para o nosso
desenvolvimento, mas não há consenso sobre o tipo de educação que
queremos. Os baixos salários pagos aos professores e o desinteresse
generalizado dos alunos são claros indícios de como nossa sociedade
ainda está presa a cultura do século passado, e ainda não se deu
contadodesafioquetemosqueenfrentar.Seamudançatemque
começardealgumlugar,émelhorquesejamosnósapromovê-la,do
queficaresperandosemquenadaaconteça.
UNIDADE 5A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
109PedagogiaUESC
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5
2 A SOCIEDADE INFORMACIONAL
NofinaldoséculoXX,iniciou-seumarevoluçãotecnológica,cuja
dimensão precisa ainda não sabemos avaliar. Para uns trata-se da
terceira revolução industrial, para outros, trata-se de algo muito
maior comparável apenas às duas outras grandes revoluções que a
antecederam: a da agricultura e a da indústria. Na revolução agrícola,
nós nos libertamos dos ditames cegos da natureza. Não mais era
preciso vagar acompanhando as estações em busca de alimento.
Tornamo-nos capazes de produzir nossa própria comida, e planejar
minimamente os suprimentos do que iríamos viver nos próximos
mesesouanos.Comissonosfixamosnasterrasmaisférteis,próximos
delas, erguemos cidades e, com elas, as instituições religiosas,
políticas e militares. Com a possibilidade de estocar os alimentos,
surgiu o excedente e, com ele, as classes ociosas, mas também um
semnúmerodenovasprofissõesquelevaramaoflorescimentodas
ciênciasedasartes.
A revolução industrial foi a segunda grande
virada no curso da história da humanidade.
Com ela, foi possível ampliar a produção em
níveis assombrosos. Isso porque agora a
produção não era mais dependente da força ou
habilidade puramente humana: construímos
prensas capazes de dobrar uma folha de aço
como se fosse papel; teares que fazem o
trabalho de centenas de tecelãs em um único
dia. Os motores permitiram que as fábricas
fossem instaladas nos lugares que dispunham
de melhor acesso às matérias-primas e
transporte. A própria agricultura foi mecanizada, liberando grandes
massas de trabalhadores que migraram do campo para cidade e se
tornaram de agricultores em operários.
A atual revolução tecnológica difere das duas anteriores tanto em
relação a sua base material quanto ao seu emprego. Na agricultura,
era rico e poderoso quem possuía terras, na era industrial, era rico
quem possuía fábricas e bancos; na era informacional, é rico quem
possui informação e capacidade para controlá-la, processá-la e usá-la
na aquisição de novos conhecimentos. Como indica Manuel Castells,
O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimento e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração
Figura 1 - Fonte: http://smeira.blog.terra.com.br/files/2009/11/image4.png
110 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso (CASTELLS, 2000, p. 69).
Exemplos disso não faltam. A partir do surgimento da
Internet, várias inovações tecnológicas surgiram a partir de inovações
trazidas por seus usuários que depois foram assimiladas por grandes
corporações como a Microsoft. Por exemplo, programas como o ICQ
(acrônimoformadopelapronúnciadasletraseminglês“ISeekYou”,
emportuguês“Euprocurovocê”),criadoporquatrojovensisraelenses
em 1996, são os antepassados do MSN, que copiou a tecnologia e,
pela força do monopólio do Windows, passou a dominar a comunicação
através de conversação ou mensagens instantâneas via Internet.
Outro exemplo é o Firefox, que se trata de um navegador livre e
inteiramente grátis com centenas de colaboradores pelo mundo todo.
O Firefox é muito superior ao seu concorrente, a Internet Explorer
da Microsoft, justamente por estar sempre sendo aperfeiçoado pelos
seus usuários através de sugestões ou de inovações no programa.
Antes de completar um ano de lançamento, o Firefox já contabilizava
100milhõesdetransferências.Em2006,oFirefox introduziu várias
inovações como o uso de abas, recurso que só muitos anos mais
tarde foi incorporado na versão 8 do Internet Explorer.
Esses exemplos mostram a rapidez dos processos de mudança
das novas tecnologias, a aceleração e compressão do tempo. Muitas
pessoas hoje confessam que não saberiam viver sem aparelhos
celulares, mas muitas delas nem imaginam que os celulares foram
introduzidos no Brasil há menos de duas décadas!
Todos esses novos aparatos baseados em tecnologia
informacional, como computadores e sistemas de comunicação, são
amplificações e extensões da mente humana; que provocam até
mesmo mudanças na forma da nossa sensibilidade: somos capazes de
fazer várias coisas ao mesmo tempo, como fazer compras, enquanto
falamos ao celular.
A revolução tecnológica, que estamos assistindo, é por sua
natureza global. Não há parte alguma do planeta que não se veja
afetadaporela.Coma Internetépossívelverfilmeantesmesmo
de ser lançado. As antigas barreiras, que existiam para o acesso aos
bens tecnológicos e culturais, vão aos poucos caindo. Se um aparelho
é muito caro, sempre é possível encontrar um similar mais barato,
assim o acesso é popularizado e a dominação tecnológica dos países
ricos sobre os países pobres, embora continue existindo, tem cada
vez menos formas de controle.
111PedagogiaUESC
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Todas essas mudanças em curso criam um novo cenário para
o conhecimento e sua produção e difusão através da educação.
Nossas escolas foram pensadas para gerar os operários da era
industrial e a elite que deveria dirigir os operários. De um lado,
estavam aqueles que deveriam executar tarefas “manuais” para os
quais eram ensinados os saberes elementares como escrever e fazer
contas, pouca importância era dada às artes e à cultura geral. O aluno
deveria aprender a se “comportar”, para que a disciplina aprendida
na escola facilitasse a adaptação às oito horas de trabalho na fábrica,
calado e completamente absorvido na operação da máquina. Não
havia muito lugar para crítica e para criatividade, tampouco tais
atitudes eram esperadas ou estimuladas. De outro, estava a escola
voltada para formar a elite, mas nem por isso menos rígida, apenas
mais competitiva e centrada no esforço individual como indicador dos
talentos de liderança e comando.
A sociedade do conhecimento, porém, não cabe mais dentro
desse modelo de educação. Contudo, as formações culturais
não mudam tão rápido como as mudanças tecnológicas e são
inevitavelmente atropeladas por elas. É sempre mais fácil continuar
persistindo em modelos tradicionais do que inovar. Assim, quando
um governador ou um prefeito pensa em construir uma escola, ele
pensa em uma escola igual àquela de sua infância: uma escola da
era industrial. Assim também o arquiteto fará a planta da escola e o
engenheiroquesupervisionarásuaconstrução.Todostêmemmente
salasparaquarentaalunosenfileiradosemcarteiraseoprofessorna
frente das crianças com seu giz e lousa, falando, falando, falando...
Praticamente nos últimos cem anos, a única coisa que mudou nas
salas de aula foi o encolhimento das carteiras para otimizar o espaço,
isto é, reduzir o custo colocando mais alunos em salas menores.
Sala de aula na década de 30 Sala de aula hoje.
Figura 2 Figura 3
112 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
Isso demonstra que ainda não se percebeu o impacto da
sociedade informacional na educação, permanecendo como a
presença de pequenas mudanças tímidas, como a introdução de
aulas de informática que nem de longe tocam no problema. Para
termos uma dimensão mais exata dos desafios que a revolução
informacional propõe para educação vamos citar alguns problemas a
serem enfrentados.
2.1 A exclusão informacional
A revolução informacional trouxe uma série de facilidades em
termos de comunicação e circulação de informações. Ao mesmo tempo,
abriu caminho para uma série de novos serviços através da Internet,
como operações bancárias, compras, agendamento de consultas etc.
Poroutrolado,nemtodaspessoastêmacessoaoscomputadoresou
à Internet. Outras barreiras são de ordem educacional e cultural, nem
todos se sentem a vontade para substituir as relações interpessoais,
pelo frio contato com máquinas. Ainda hoje, existem pessoas que
se recusam a escrever no computador ou a realizar operações
bancárias em um caixa eletrônico. Essas pessoas são, muitas vezes,
discriminadas e marginalizadas como “dinossauros” destinados à
extinção. Mas é possível ver as coisas de outro modo: quando eu
opero um caixa eletrônico em um banco, estou fazendo um serviço
para o banco, por exemplo, sacando dinheiro, tarefa que antes era
feita por um funcionário do banco. Antes o banco pagava uma pessoa
para fazer o saque para mim, agora eu faço essa tarefa e ainda pago
o banco por isso! Não é à toa que eles estão ricos!
Ainda mais grave, porém é a situação de bilhões de pessoas
que estão desconectadas da “rede”. E como diz Castells: “quando a
Rede se desliga do Ser, o Ser se desliga da Rede” (CASTELLS, 2000,
p. 41). Ou seja, quando as pessoas sentem-se ameaçadas em seu
modo de vida e identidade cultural pelo bombardeio da sociedade
informacional, tendem a opor resistência a tais mudanças. Mais
ainda, quando perdem seus empregos devido às novas tecnologias
juntamente com as condições de empregabilidade (domínio de
informática, inglêsetc.).Entãoessaspessoassesentem inseguras
em um mundo em vertiginosa mutação.
Uma das reações dos excluídos é buscar a segurança de formas
de pensar que reduzem a complexidade da sociedade contemporânea
em termos de bom e mau. O pensamento fundamentalista, em suas
várias versões, oferece justamente isso. O pentecostalismo cristão
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(seja ele católico ou evangélico), o fundamentalismo mulçumano
e judeu são expressões da tentativa de reconstrução dos laços
comunitários e dos valores tradicionais, como forma de criar uma
identidade capaz de transmitir segurança e sentido a seus adeptos:
uma redoma de conservadorismo contra um mundo em que os valores
tradicionais estão se diluindo. O fundamentalismo, entretanto, não é
um fenômeno apenas religioso, existe o fundamentalismo político que
alimentaaintolerânciareligiosacomoformadepromoverconflitos,
guerras e alavancar a venda de armas.
Além do fundamentalismo, existe a anomia social, isto é, o
abandono das regras construídas socialmente em nome de regras
grupais ou individuais, o que demonstra a quebra da solidariedade
social na construção de projetos coletivos. As pessoas mergulham
na frustração e perda de sentido, buscando viver apenas o aqui e
o agora. Basta considerar como muitas pessoas se comportam no
trânsito,ocrescenteconsumodedrogasedos índicesdeviolência
para constatar tal fenômeno. Tais tendências podem nos levar
à contraditória situação de termos alta
tecnologia e barbárie ao mesmo
tempo. Nos tempos da Guerra Fria se
especulava se nós seríamos capazes
de não destruirmos a nós mesmos em
um conflito nuclear. Hoje vivemos as
mudanças climáticas que estão levando
à destruição do planeta e não parecemos
tercompetênciasuficienteparamudaro
rumo das coisas.
A sociedade do conhecimento tem
que ser uma sociedade onde caibam
todos sem exclusão. Isso significa que
precisamos de um mundo plural e democrático, mas cujos
interesses comuns, inclusive os das gerações futuras, estejam acima
dos interesses privados ou de grupo.
2.2 A era informacional não precisa de meros repetidores
A era industrial criou a sociedade de massa, voltada para o
consumoeaproduçãoemsérie.Odesafioparaospaísescapitalistas
era ampliar os mercados consumidores para suas mercadorias até
chegar ao limite máximo que só poderia ser rompido através das
guerras.
Figura 4 - Fonte: http://vidasustentavel.wordpress.
com/2007/01/15/consumo-consciente/
114 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
Na sociedade informacional, não se busca apenas atingir novos
mercados, mas criá-los para seus produtos. Isto é possível através de
inovações tecnológicas que aceleram a substituição de produtos que
ainda estariam em condições de uso. Por exemplo, muitas pessoas
trocam seus aparelhos de celular por aparelhos mais modernos com
mais recursos, ou seus aparelhos de TV por novas TVs de plasma ou
LCD. O impulso de consumo não é mais dado pela satisfação de uma
necessidade, ou seja, eu não tenho uma geladeira, por isso quero
ter uma, mas pelo impulso de trocar os produtos de que já disponho
e que estão em perfeito estado. Nessa nova lógica, leva vantagem
quem produz novidades e personaliza os produtos.
Nesse sentido,osnovosprofissionaisnãodevemsermeros
repetidores de fórmulas antigas, devem ser criativos e capazes de
se antecipar aos desejos dos consumidores. Também devem estar
abertos a mudar de opinião e a trabalhar cooperativamente na solução
de problemas. Ser competitivo e individualista não corresponde mais
ao modelo de empresário ou trabalhador bem sucedido.
Na era industrial, a escola estimulava a competição entre os
alunos e excluía aqueles que não conseguiam atingir o desempenho
esperado. Na sociedade informacional, a escola deve ensinar os alunos
a respeitarem as ideias dos outros e a trabalharem em grupo, pois
a novidade pode surgir em qualquer lugar e idéias, aparentemente
ridículas, podem render bons resultados quando amadurecidas
coletivamente. Além disso, na sociedade informacional em que o
conhecimento e a informação são, ao mesmo tempo, produto e meio
de produção, não podemos nos dar ao luxo de termos milhares de
analfabetos e semi-analfabetos, pois estes representam um obstáculo
tanto à expansão do consumo quanto um limite para ampliarmos a
produção. Até mesmo tarefas aparentemente simples, como manejar
o gado, exigem controle e administração para evitar desperdícios e
prejuízos. Isso não se aplica apenas ao fazendeiro, o vaqueiro também
precisaserqualificadopararealizarosregistrosdiáriosdaevolução
do rebanho. Não há ramo da produção, em que o modelo industrial
demão-de-obradesqualificadaeabundante,comoformadereduzir
os custos, se aplique.
No Brasil, por exemplo, cresce a procura por profissionais
qualificados, só a demanda do pré-sal, por exemplo, gerou a
necessidade de qualificarmos 285 mil trabalhadores nos próximos
cinco anos. A universalização do sistema de ensino é o fator decisivo
para garantir o desenvolvimento do país. Tão necessário quanto os
melhoramentos em infraestrutura e produção de energia.
115PedagogiaUESC
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3 AS NOVAS FORMAS DO APRENDER
Para sermos capazes de vencer os desafios da era do
conhecimento e, ao mesmo tempo, superarmos a exclusão social,
aintolerânciaeaperdadesentido,fontesdaviolência,depressãoe
outros impulsos autodestrutivos da sociedade; é preciso construir um
novo modelo de educação. Até agora temos insistido no modelo de
ensino da era industrial e nos apegando desesperadamente a cada
nova moda pedagógica, como se fosse capaz de salvar-nos de todos
os problemas. Não existem milagres e tampouco remendos possíveis
na velha estrutura.
É preciso uma verdadeira mutação na educação. Muitas das
soluções para a crise atual da educação não precisam ser inventadas
por nenhum iluminado, são apenas a aplicação de princípios que
nunca foram levados suficientementea sérionomodelo industrial,
preocupadocoma reduçãodecustosemaximizaçãodaeficiência.
Mas a busca de eficiência, ainda perseguida pelas políticas
educacionais, apenas transfere a ineficiência da escola para a
sociedade sem eliminá-la. Ou seja, ao pensar em como reduzir os
custos da educação, os governos e as instituições privadas pensam
em aumentar o número de alunos por sala; reduzir o salário dos
professores; cortar os recursos do transporte escolar e da merenda e,
principalmente, aprovação automática! Tudo isso parece resultar em
umensinodebaixocustoeeficienteematenderademanda.Mas,na
prática, apenas gera milhares de analfabetos funcionais. Pessoas que
ingenuamente, muitas vezes, pagam até a faculdade com grandes
sacrifícios, mas que mal sabem discutir um tema da atualidade ou
escrever uma redação de modo argumentativo.
Nossas crianças permanecem mais tempo na escola,
conseguimos reduzir a evasão escolar, mas isso não significa que
todos que estão lá estão realmente aprendendo. Os professores estão
desmotivados e deprimidos, pois seus alunos já descobriram que
estudando ou não serão aprovados do mesmo jeito. Então escolhem
o caminho mais fácil de divertir na escola, enquanto os professores
sofrem no seu novo papel de guardas sem armas de uma turba cada
vez mais agressiva.
A retomada da alegria de ensinar e de aprender não passa
por transformar a escola em um show de TV, mas em investimentos
sérios em educação e não mera maquiagem dos números.
Nesse sentido, algumas condições básicas devem ser
cumpridas. Destacamos aqui algumas delas antes de tratarmos das
questões metodológicas, pois sem atender a tais condições mínimas,
116 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
corremos o risco de ficar espalhando ilusões que redundam no
aumento da sensação de fracasso e de culpa dos professores, por
não conseguir cumpri-las.
3.1 A gestão escolar
Na escola da era industrial a criança estava submetida a uma
disciplina rígida, desvios de conduta eram coibidos com castigos
físicos e, mais recentemente, com suspensões e expulsões. Nos
últimos anos, os direitos das crianças e jovens avançaram bastante.
Mas não podemos cair no extremo oposto, ou seja, que as crianças
e jovens ampliem suas liberdades na escola à custa dos direitos dos
professores e demais funcionários da escola. Cresce a cada dia os
casosdeviolênciacontraprofessoresnasescolas,masissoéapenas
a face mais visível de um processo cotidiano de perda de autoridade
dos professores e das instituições de ensino. Não se pode educar sem
regras. Contraditoriamente, a escola hoje parece ser o único lugar a
querer realizar esta impossibilidade.
Para que as regras na escola funcionem é preciso que as
sanções tenham efetividade e que a direção da escola possa fazer uso
delassemacoaçãodaprefeitura,dogovernodoestado,dotraficante
do bairro ou de quem quer que seja. O aluno não pode achar que vai
xingar ou bater no professor e permanecer impune. E o professor tem
queteracertezadeque,sesuaautoridadefordesafiada,adireção
tomaráasprovidênciascabíveis.Essediscursopareceóbvioe,até
mesmo, desnecessário, mas as políticas governamentais roubaram
a pouca autoridade de que dispunham professores e diretores. Se
quisermos que a escola funcione é preciso que a autoridade seja
devolvida,oqueimplicaaindesejávelconsequênciadequeaqueles,
quevãoàescolaparapraticarviolênciacontraoscolegasecontraos
professores, devem contar com o apoio de psicólogos e assistentes
sociais, mas não podem ter tal comportamento tolerado de forma
alguma. Além disso, a escola deve reforçar os vínculos com a
comunidade para que possa ver os pais como aliados do processo
educativo, e não como inimigos.
3.2. Salas com menos alunos e escolas menores
O ambiente escolar não é um mero acessório no processo
educativo. Na era industrial, o professor era visto como um
transmissor de conhecimentos e, nesse caso, a participação exigida
dosalunoseraapenasosilêncio.Sequeremoslevarosprincípiosde
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uma educação dialógica e construtivista a sério, temos que pensar
nas dimensões da sala de aula. Para que uma sala de aula funcione,
não pode se transformar em um clubinho de amigos, portanto, menos
que sete alunos por sala, inviabiliza o distanciamento necessário entre
professor e alunos. Uma sala com mais que vinte alunos, por sua
vez, não permite que todos possam ser conhecidos e acompanhados
pelo professor em seus processos de aprendizagem. Hoje temos
professoresqueperdemavozdetantopedirporsilêncioparauma
sala superlotada. É claro que ninguém aprende em um ambiente
assim.
Se os governos estão realmente preocupados com a educação,
issodeveserexpressonoquantogastamcomela.Issosignificaque
ao invés de colocar quarenta ou até cinquenta alunos em uma sala,
é mais sensato contratar mais um professor e formar duas salas de
vinte.
O tamanho das escolas também influencia no aprendizado,
escolas grandes criam impessoalidade e anonimato, as crianças
sentem-se inseguras e dispersas em ambientes assim. Além disso,
torna o ambiente escolar mais barulhento e difícil de controlar. Escolas
menores são mais aconchegantes, permitem que todos se conheçam
e que os alunos possam ser acompanhados em sua vida escolar desde
o início.
3.3 Professores capacitados e com tempo para se
dedicar a projetos de ensino
Se a educação deve ser investigativa e problematizadora,
o professor deve ser também um pesquisador, fascinado pelo
desenvolvimento de novas metodologias de ensinar. Para tanto, a
carreira do professor deve estimular a capacitação docente através de
incentivosfinanceirosparaosprofessoresqueparticipamdecursos
de aperfeiçoamento em sua área, da mesma forma que os professores
das universidades públicas recebem incentivos para desenvolverem
suas pesquisas. Além disso, os professores que desenvolverem
projetos de ensino devem ter os projetos contados em sua carga
horária,paraquepossamtertempoparadesenvolvê-los.
4 ENSINAR COMO SE APRENDE
Na era industrial, a preocupação central era a transmissão
118 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
dos conhecimentos elementares para preparar para o mercado
de trabalho. Na sociedade informacional, jamais nos podemos
considerar já formados e que não temos nada mais a aprender em
um determinado campo do conhecimento. É preciso que estejamos
aprendendo o tempo todo e atentos às descobertas em outras áreas
que não a nossa.
Não faz sentido pensar a educação como transmissão de
conhecimentos, pois os conhecimentos a serem transmitidos estão
emconstanteexpansãoenão temosumaclaradefiniçãodequais
serão mais necessários em um futuro próximo. Portanto, mais do que
ensinar conteúdos é importante ensinar a investigar. Ou seja, ensinar
os alunos a se tornarem pesquisadores capazes de aprenderem por si
mesmos e continuarem seu processo formativo, mesmo depois de já
terem abandonado o ensino formal na escola.
Para que possam desenvolver tal habilidade é preciso que
o ensino se aproxime da forma como se aprende. Aqui voltamos
a nossa primeira unidade, quando falávamos que conhecimento é
aquilo capaz de garantir a nossa vida. Conhecer envolve aprendizado,
istoé,acapacidadederecolhersignificadodasexperiênciasvividas.
Possotermuitasexperiências,masnemporissoaprendercomelas.
Oaprendizadoocorre,emgeral,quandoalgosemodificaetenhoque
desenvolver uma solução para me adaptar à mudança. Vejamos mais
de perto como isso ocorre.
Através da experiência, chegamos a determinados
conhecimentos; esses moldam nossa conduta, de modo que nossas
ações são uma demonstração de que fomos capazes de interpretar
racionalmentealgoepreverconsequênciasfuturasdenossasações.
Logo, a ação é o que revela se há conformidade real com a previsão.
Porexemplo,deverobjetoscaindoinfiroquetodososobjetossão
atraídos para baixo, então eu sei que se jogar meu querido gato pela
janela do apartamento do 10° andar, ele cairá. É para isso que serve
o conhecimento, para ditar minha conduta futura de modo que eu não
precise jogar o gato pela janela para saber que ele vai cair.
Acomprovaçãodeumacrençaatravésdaexperiênciareforça
essa crença, sua não comprovação gera a dúvida. Portanto, como
afirmaofilósofoCharlesS.Peirce,ascrenças
[...] guiam nossos objetivos e moldam nossas ações [...]. O sentimento de crença é uma indicação mais ou menos certa de que se estabeleceu em nossa natureza algum hábito que irá determinar nossas ações. A dúvida nunca produz tal efeito (CP 5.370-371).
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Ou seja, as crenças geram hábitos que determinam ações.
Issonãose refereapenasaossereshumanos,gatos tambémtêm
determinados hábitos que os conduzem a determinadas ações, por
exemplo,adenãosejogarpelajanela.Porém,quandoaexperiência
contradiz a crença e um efeito previsível não ocorre, gera a dúvida.
A dúvida não gera nem hábito nem ação, e sim uma espécie de
paralisia,poiselasuspendeohábitoe forçaà reflexãoatéquese
forme uma nova crença. A diferença entre um ser humano e um gato,
ou uma pedra, está na vivacidade da mente. Muitos animais, por
exemplo,dificilmentemudarãoseushábitosmesmoqueaexperiência
demonstre o contrário, mesmo que isso possa levar à extinção de
alguns deles.
A vivacidade da mente é a capacidade de mutação de um
hábitoparaoutro,semprequeaexperiênciaevidenciarqueháuma
flagrantedesarmoniaentreasconsequênciaspráticasconcebidase
asconsequênciaspráticasreais.Éclaroquemesmonacomunidade
científica não acontece assim, muitos custaram a acreditar que a
Terra gira em torno do Sol; que lavar as mãos evita a disseminação
de germes etc.Mas a tendência é que novos paradigmas venham
por fim se estabelecer, como demonstrou ThomasKuhn. Portanto,
a vivacidade da mente está em sua capacidade de romper com
hábitos, reconhecendo, na novidade da experiência, seu elemento
de mutabilidade que se faz sujeito de uma nova crença. Não existem
verdades eternas e imutáveis, a verdade é sempre provisória, sempre
sujeita ao aperfeiçoamento e à evolução na compreensão do mundo.
Nesse sentido, aprendizagem é a capacidade viva de alterar a
própria conduta – a dúvida é o seu motor. Citando novamente Peirce:
Eu não creio que o hábito por si só possa produzir desenvolvimento. É a catástrofe, o acidente, a reação que conduz o hábito a uma condição ativa e cria um hábito de alterar hábitos. Aprender é adquirir um hábito. O que faz os homens aprenderem? Não meramente a visão daquilo que estão acostumados, mas perpétuas experiênciasnovas, que os lança a um hábito de abandonar velhas ideias e formar novas (PEIRCE, 1976, p.142).
Ora, então qual é o papel da educação, segundo a visão
pragmatista de Peirce? Se aprender é adquirir um hábito, a função
da educação é gerar aprendizagem. Ou seja, confrontar através
da experiência as crenças já fixadas demodo progressivo; o que
poderíamos chamar de uma educação problematizadora, ou como dizia
Paulo Freire, uma pedagogia da pergunta. Não um mero perguntar
ou duvidar diletante, mas praticamente, ou seja, mostrando que
120 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
determinadacrençanãosesustentanocursofuturodaexperiência.
Isso não quer dizer que devemos levar todas as nossas crenças a teste
em laboratório, mas confrontá-las na comunidade de investigação e a
crítica racional dos demais membros da comunidade.
Voltando a nossa questão inicial, o educar deve se aproximar
ao máximo da vida, isto é, da forma como os seres aprendem
realmente em suas interações entre si e com o mundo. A diferença,
porém,entreavidaeaescola,segundoofilósofoJohnDewey,éque
naescolaasexperiênciassãocontroladas, istoé, intencionalmente
planejadas para provocar dúvida e novos conhecimentos. Uma vida
pobreemexperiênciaspodefazercomqueumindivíduovivamuito,
mas aprenda pouco.
A escola deve ser o espaço em que as experiências
problematizadoras ocorram o tempo todo, levando as crianças e jovens
ao sentimento de dúvida e à necessidade de encontrar respostas para
os problemas apresentados. Para tanto, os problemas não podem ser
falsos problemas. Um falso problema é aquele que as pessoas, ou o
professor, já tem a resposta pronta e só está esperando para ver se
alguém repete a resposta, por exemplo: “quem descobriu o Brasil?”.
Um problema genuíno é aquele que nos intriga e nos leva a investigar.
Certa vez perguntei, para as crianças da terceira série, como
os esquimós tomavam água se viviam no meio da neve. Um deles
prontamente respondeu que era derretendo o gelo. Então perguntei:
“mas esse gelo como se forma?”. Novamente alguns responderam
depois de pensar um pouco: “lá é muito frio, então a água do mar
congela, é isso.” Aqui então chegamos ao problema: “mas se água
do mar é salgada – perguntei eu – o gelo não deveria ser salgado
também?” Aqui começou um sério processo de investigação, eles
começaram a pesquisar sobre a vida dos esquimós, sobre seus
hábitos para viver no Ártico, e teve um deles, inclusive, que colocou
água com sal na forminha do congelador para ver se ela congelava.
Imagine o que aconteceu quando a mãe foi usar o “resultado da
experiência”paragelarosuco.Esseexemplo,nãotemnadademuito
extraordinário, apenas ilustra como ensinar pode se tornar uma
investigação apaixonante.
Agrandedificuldadeéqueapresentamososconhecimentosjá
prontos, como se a realidade fosse um livro aberto sem segredos. Na
verdade, a nossa curiosidade é despertada por mistérios, problemas
e coisas proibidas, justamente o que é extraído dos conteúdos
ensinados na escola. Mas o que intriga os filósofos, artistas e
cientistas, não é o já sabido e digerido e sim o misterioso, trágico
e aparentemente irracional. Até disciplinas aparentemente exatas
121PedagogiaUESC
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podem ser problematizadas. Por exemplo, na geometria se diz que o
pontonãotemextensãoequearetaéformadadeinfinitospontos.
Ora, se o ponto não tem extensão, a reta não deveria não ter extensão
também? Como a soma de nada pode ser alguma coisa?
Aparentemente, a educação problematizadora pode parecer
menos produtiva que a simples aplicação de fórmulas, mas os
resultados podem ser muito mais duradouros e o aprendizado
realmente significativo. Além disso, o objetivo de uma educação
problematizadora não é a acumulação de conhecimentos, embora
estes sejam importantes; o essencial é que as crianças e jovens
aprendam a pensar por si mesmos. Ou seja, que desenvolvam os
métodos de investigação racional dos problemas. Assim, quando o
computador apresentar uma mensagem de erro ao iniciar; quando
a lâmpada não acender no banheiro ou quando o molho desandar,
antes de chamar um técnico, um eletricista ou um chefe de cozinha,
ele poderá investigar o problema, levantar hipóteses e aprender algo
com aquela anomalia,mesmo que não consiga resolvê-la. Omais
importante aqui é que a investigação torna-se um hábito aplicado
cotidianamente, nas diversas esferas da vida. Assim, alguém que
aprendeu a questionar e investigar na escola, facilmente passará
a aplicar tais métodos em outros âmbitos da vida: no trabalho, na
família, na política etc.
Contudo, despertar a atitude problematizadora nas crianças
e jovens não é suficiente para que eles venham a desenvolver a
investigação de modo competente. Aqui entra outro elemento de uma
educação problematizadora: não acreditar que o pensamento de ordem
superior e as habilidades cognitivas nas crianças e jovens já estejam
plenamentedesenvolvidas;istovaidependerdotipodeexperiência
de vida dos alunos e sua herança genética, alguns são mais lógicos,
outros mais criativos e outros mais cuidadosos. Mas todas as crianças
e jovens são capazes de desenvolver igualmente o pensamento de
ordem superior e as habilidades cognitivas em determinado grau de
excelência.Antesdetratarmosdecomodesenvolveropensamento
de ordem superior nos alunos, vamos explorar um pouco mais esses
conceitos.
4.1 O pensamento de ordem superior
O filósofo Matthew Lipman define o pensamento de
ordem superior como sendo aquele que é “conceitualmente rico,
coerentemente organizado e persistentemente investigativo”
(LIPMAN, 1995, p.37). Ou seja, se pensar é estabelecer relações, o Figura 5 - Matthew Lipman
Fonte: http://orfeu.org/weblearning20/sites/default/files/media/matthew_
ipman.jpg
122 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
pensamento de ordem superior é aquele que é capaz de estabelecer
relações mais complexas, de perceber implicações subjacentes aos
fatos, mesmo que o objeto desse pensamento seja pobre de conteúdo.
Um dos graves problemas da educação é a crença de muitos educadores
de que o pensamento de ordem superior é uma característica inata do
ser humano, enquanto “ser racional” e que, portanto, não é necessário
que esse seja desenvolvido, apenas exercitado.
Outro equívoco é o de pensar que, através do exercício das
habilidades cognitivas, se está desenvolvendo o pensamento de ordem
superior. Ou seja, que se exercitando com os alunos a capacidade de
classificar, ordenar, dar exemplos, levantarhipótesesetc., teremos
o pensamento de ordem superior como resultado. Como afirma
Lipman,“nãoépormeiodorefinamentodashabilidadescognitivas
que o pensamento de ordem superior é aperfeiçoado, mas sim que o
pensamento de ordem superior é o contexto no qual as habilidades
cognitivas são aperfeiçoadas” (LIPMAN, 1995, p. 40). Por exemplo,
não é aprendendo como se usa um alicate, uma chave de fenda ou um
martelo, que alguém se torna mecânico. O que diferencia o mecânico
não é o uso dessas ferramentas, mas saber onde empregá-las, de
maneira adequada, paraproduzir determinadosfinsdesejados.Da
mesma forma, não é o exercício de cada habilidade em particular
que vai gerar o pensamento de ordem superior. O que caracteriza
o pensamento de ordem superior é apenas saber como usar cada
ferramenta, mas de saber onde, quando e quanto empregar cada uma
das ferramentas do pensamento. Na medida em que o pensamento
de ordem superior se desenvolve, as habilidades também vão se
refinando.
A questão que se coloca é a de como ensinar o pensamento
de ordem superior, já que esse não é o mero exercício de habilidades.
Antes de tratar dessa questão é importante ressaltar que o
pensamentodeordemsuperiornãodeveseridentificadoapenascom
o pensar crítico. Ele é uma mistura do pensamento crítico, criativo e eticamente responsável.
O pensamento crítico é aquele que se orienta basicamente por
critérios. Muitas vezes ouvimos falar que tal grupo de alunos é bastante
“crítico”, pois reclamam de tudo; ou que tal pessoa é muito “crítica”,
por sempre ser “do contra”. Essa visão corrente do que é ser crítico,
não corresponde ao que é ser crítico de fato. Muitas vezes, podemos
não estar de acordo com algo e nossa posição estar fundamentada
em impressões superficiais, em preconceitos, em informações
incompletas e insuficientes etc. O pensamento crítico se distancia
dasformasdopensarmaissuperficiaisporserummododepensar
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basicamente regido por regras e que visa, igualmente, encontrar
problemas e resolver problemas. Ele é também extremamente
deliberativo, examinando continuamente e ponderando alternativas
à luz de padrões e critérios explícitos, como seria de se esperar de
um modo de pensar mais intimamente associado à prática crítica.
É um pensamento necessariamente autocorretivo e susceptível ao
contexto, na medida em que é capaz de perceber contradições e
incoerênciasemsuaformadeorganizaçãoedebuscarverificaros
casos em que uma regra se aplica e quando não. Sendo assim, o
pensar crítico é capaz de colocar o seu ponto de vista em perspectiva
para analisar o ponto de vista dos outros.
A crítica não se restringe, portanto, a apontar onde estão
os erros, mas também em apontar possíveis saídas e alternativas
às situações problemáticas. Desenvolver nos alunos o pensamento
crítico, significa desenvolver a capacidade de fazer distinções, de
estabelecer conexões e de ordenar e organizar as ideias. Tudo isso
favorece a avaliação crítica sobre conceitos, algo fundamental ao
pensarfilosófico.
Enquanto o pensamento crítico é guiado sempre por regras, o
pensamento criativo pode ou não guiar-se por regras; pode inclusive
ser contestador de regras. Há outras diferenças:
[...] o pensamento crítico, tomando um aspecto individual doproblemade cadavez, é capazde reduzir o conflitoque surge quando apelamos simultaneamente a critérios diferentes. O pensamento criativo, por outro lado, tende a empregar vários critérios contrastantes ao mesmo tempo, intensificandoassimoimpactodramáticoqueopensadorcriativo aspira produzir (LIPMAN, s/d, p. 4).
Por seu caráter mais abrangente, o pensamento criativo está
voltado para totalidade, à busca de inovações, é mais imaginativo.
O pensamento eticamente responsável é aquele que rompe a
dicotomia entre razão/emoção. Como disse Lipman,
[...] ao invés de supor que as emoções são tempestades psicológicas que perturbam a luz clara da razão, podemos conceber as emoções como sendo elas próprias formas de juízo – ou, de um modo mais amplo, formas de pensamento. Se o pensamento cognitivo, analítico, crítico,éum‘pensarralo’,entãoopensamentoafetivoéum‘pensarespesso’[...]asemoçõesnãosãoapenasasconsequênciasdosjuízoshumanos:elassãoosprópriosjuízos. A própria indignação que sentimos quando lemos sobre alguma inominável indignidade perpetrada contra um estranho é o nosso juízo da infâmia do gesto (LIPMAN, s/d, p. 7).
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A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
Durante muito tempo se pensou que ao entrar na sala de aula
as emoções deveriam ser deixadas do lado de fora. Criamos uma
escola extremamente racionalista, um ambiente frio cheio de regras
e normas impessoais que caem – não se sabe bem de onde – na
cabeça de alunos e professores para serem aplicadas. Esse tipo de
ambiente cria a imagem de que o saber é algo árido e morto e que
só se pode encontrar alegria e o prazer em outros ambientes fora da
escola, ou nos espaços informais, como nos intervalos entre as aulas
e no recreio.
Atualmente, a ética emerge como uma questão fundamental
de nossa sociedade, e a escola é chamada a dar respostas às
questões éticas. As emoções e afetos voltam a serem considerados
por educadores, dada a sua importância na formação dos juízos
morais. Ou seja, é o pensamento ético que impede que o raciocínio
degenere em um mero cálculo sobre as vantagens que eu posso ter
cada situação, ao destacar também os interesses dos outros e a dar
o mesmo valor a esses que aos nossos próprios interesses. Segundo
Lipman,
[...] nenhum esquema para aperfeiçoar o pensamento poderá florescer enquanto o único tipo de pensamentodigno desse nome for o pensamento dedutivo ou alguma outra forma austera de racionalidade. A abordagem pedagógica de ensinar a pensar tem que incluir o pensamentoafetivo–nãoapenaspordeferênciaaalgumavaga fidelidade ao pluralismo democrático, mas porquenãoenfatizarsuficientementeasoutrasvariedadesresultaapenasno tratamentosuperficialdaquelavariedadequefor considerada (LIPMAN, s/d, p. 7).
Se os alunos não forem incentivados a perceber que cada
um precisa dos demais, que é necessário respeitar e ser atencioso
para com o outro, provavelmente eles terão dificuldades até para
reconhecer que existem obrigações morais.
Ao separarmos o pensamento crítico do criativo e do ético,
essa separação não deve ser entendida como uma fragmentação
do pensamento. Não existe pensamento realmente crítico que não
seja, ao mesmo tempo, crítico e ético. O mesmo se refere também
ao pensar crítico e ético. O pensamento realmente ético não pode
ser fruto do desejo frívolo, mas permeado pela ponderação e pela
imaginação sobre todas as implicações possíveis de nossa ação, o
que propriamente é o que caracteriza o juízo moral. A separação que
realizamos cumpre apenas a função didática de examinar cada forma
de pensamento em particular, no uso prático do pensamento, essa
separação não é possível.
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4.2 Habilidades Cognitivas
Otemadashabilidadesdepensamentoedascompetências
tem sido frequente nos documentos oficiais sobre educação. No
entanto,aindaficamemcertograudegeneralidadeenemsempre
indicam como efetivamente desenvolver tais competências e
habilidades. Matthew Lipman agrupa as habilidades de pensamento
ou habilidades cognitivas em quatro grupos. Um primeiro grupo seria
o das habilidades de investigação que tem por objetivo descobrir ou
inventar maneiras de lidar com aquilo que é problemático. Envolve
atividades como observar, elaborar hipóteses, testar hipótese, buscar
regularidadesetc.Sãohabilidadesprópriasdainvestigaçãofilosófica,
assimcomodeoutrasciências,emqueosalunossãoconvidadosa
refazer o caminho da descoberta e da construção do conhecimento.
Outro grupo de habilidades são as habilidades de raciocínio,
que é o processo de ordenar e coordenar aquilo que foi descoberto
através da investigação. Implica em descobrir regras de validade
para que possamos conservar a verdade de algo enquanto passamos
de um raciocínio para outro dentro de uma sequência lógica. São
habilidadesderaciocínioasdefazerinferências,detectarpremissas
ou pressuposições subjacentes, exemplificar, comparar, identificar
similaridades e diferenças etc.
As habilidades de formação de conceitos implicam na
organização de informações e na construção de grupos relacionais
que facilitam sua utilização na compreensão e no julgamento. A
partir da construção de vários conceitos, podemos relacioná-los
entre si e produzir princípios, critérios, argumentos, explicações
etc.Osconceitossãonoçõesdensasdesignificadoeé importante
que sejam apreendidos pela sua real extensão para evitar equívocos
e ambiguidades, principalmente na Filosofia que opera através da
construção e redefinição de conceitos. Habilidades como fazer
distinções, fazer conexões, agrupar, classificar, definir, identificar
significados,explicaretc.,contribuemnaelaboraçãoedistinçãode
conceitos.
Um último grupo de habilidade, mas não menos importante,
é o de traduçãoqueimplicanatransmissãodesignificadosdeuma
língua ou esquema simbólico, ou modalidade de sentido, para outra,
mantendo-os intactos. Muitas vezes, quando pensamos em tradução
imaginamos apenas a tradução de uma língua para outra. Mas também
trata-se de tradução quando pedimos aos alunos que representem um
texto sob a forma de teatro, pintura ou música. Estamos passando,
nesse caso, de uma modalidade de sentido para outra. Isso exige
126 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
um esforço para interpretar o real significado do texto, pois é da
preservação do significado de que se trata e não de uma simples
transição de uma modalidade a outra, com o objetivo apenas de
exercitar a criatividade ou de tornar “a aula mais dinâmica”. Não é,
portanto, algo que se possa realizar sem critérios e cuidadoso estudo.
ComoafirmaLipman,“ainterpretaçãosefaznecessáriaquandoos
significadostraduzidosnãosãocapazesdefazerumsentidoadequado
no novo contexto no qual foram colocados. Consequentemente, o
raciocínio preserva a verdade e a tradução preserva o significado”
(LIPMAN, 1995, p. 72). Uma série de habilidades pode contribuir para
que os alunos se tornem cada vez mais atentos à preservação do
significadoaotraduziremumaideiaoutexto,mesmoquando,como
eles costumam dizer, “escrevem com suas próprias palavras”. São elas
a de prestar atenção, interpretar criticamente, perceber implicações e
suposições, parafrasear, inferir etc.
Como já foi dito anteriormente, as habilidades não são
trabalhadas de forma fragmentada, mas todas em conjunto. Embora
tenhamos de ter claro que determinadas atividades reforçam o
desenvolvimento de um grupo de habilidades do que outras. O professor
deve estar sempre atento para reconhecer quais as habilidades de
pensamento que está pretendendo desenvolver em cada atividade que
propõe em sala de aula. Pois, o não desenvolvimento das habilidades
cognitivaspodecomprometerseriamentetodootrabalhodereflexão
crítica com os alunos.
Tendo detalhado um pouco mais o que chamamos de habilidades
cognitivas, resta agora indicar como elas podem ser desenvolvidas na
sala de aula. É aqui que entra o papel do diálogo na Comunidade de
Investigação.
4.3 Diálogo e Comunidade de Investigação
O pensamento de ordem superior se opera através da
linguagem. Quando nos pronunciamos a respeito de uma questão
ou conteúdo problemático, somos convidados a organizar o nosso
pensamento e tornar nossas ideias claras para que possam ser
compreendidas por nossos ouvintes. Nas formas mais tradicionais de
ensino pouco espaço é dedicado à prática dialógica em sala de aula.
Emboranãoseadmitaisso,namaioriadasvezes,bastaverificarmos
quanto tempo cada um dos alunos usa a palavra durante uma aula e
quanto tempo o professor dela faz uso. Por outro lado, não basta abrir
espaço para que os alunos falem para se ter um diálogo. Da mesma
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forma que, na maioria de nossas atividades cotidianas, não fazemos
uso do pensamento de ordem superior, não é qualquer exercício da
linguagem que desenvolve as habilidades cognitivas. Essa seria uma
das distinções entre um bate-papo na sala de aula e o diálogo em
uma Comunidade de Investigação. Numa conversa, os participantes
não estão diretamente interessados em construir algo, ou aprimorar
seus conhecimentos sobre determinado assunto. Estão apenas
interessados em trocar informações e apreciações pessoais sobre as
coisas e não se espera que se tenha muito rigor nessa atividade. Por
isso, quando um professor quer instigar a conversa com os alunos
ele faz perguntas como: “o que você acha?”, “qual sua opinião?”,
sem estar muito preocupado em levar o aluno a confrontar o seu
pontodevistacomosdemaisoulevá-loaautocorrigir-se.Aofinal
de um diálogo, entretanto, espera-se que as pessoas saiam com um
conhecimento maior do que o que já tinham sobre aquilo que estavam
discutindo.
Para que isso seja possível, o diálogo deve ser um processo
em que a fala de cada um é ouvida respeitosamente; cada um dos
falantes sente-se seguro para exprimir seu ponto de vista e sabe
que seus colegas o tomarão a sério nas reflexões que farão após
a sua. É um espaço em que sou convidado a rever os meus pontos
de vista e mudar de opinião caso esteja errado. Ninguém
pode participar honestamente de um diálogo se já estiver
com sua verdade “guardada no bolso”.
Ou seja, se tiver uma posição dogmática e não estiver
dispostoasubmetê-laàcrítica.Paraparticipardodiálogo,
devo estar sinceramente convencido de que não sei tudo
e posso estar enganado sobre coisas que pensava ter um
conhecimentomaisdoquesuficiente.
Não se consegue criar essa situação de diálogo na
sala de aula de um dia para o outro, vale lembrar que os
jovensvêmdeumaexperiênciadeanosdesilêncioouderecepção
passiva de informações, seja na escola ou em casa com a TV. Portanto,
é necessário um trabalho paciente para educá-los a participação em
uma comunidade dialógica de investigação. A princípio, todos vão
quererfalaraomesmotempoedificilmenteestarãoatentosaoque
o outro está dizendo, preferindo exprimir suas opiniões com o colega
dolado.Nessemomentooprofessordeveserfirmepedagogicamente
para que as regras (levantar a mão quando quiser falar; esperar a
vez; ouvir o que os outros estão dizendo etc.) sejam respeitadas por
todos.
Essa prática se torna bem mais fácil se todos estiverem
Figura 6 - Fonte: http://www.expressnews.ualberta.ca/
images/9524.001.jpg
128 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
sentados em círculo juntamente com o professor. Numa comunidade
de investigação, o professor é um participante como qualquer outro.
As diferenças estariam no fato de ele coordenar o diálogo (função
que, com o tempo, pode também ser assumida por outro membro
da comunidade de investigação ou por ela mesma como um todo) e
deterummaiorconhecimentoeexperiênciasobreotemaqueestá
sendo discutido. Frente a essa situação, é preferível que o professor
nãomanifesteoseupontodevistacommuitafrequência,paranão
correr o risco de acabar conduzindo ou manipulando o diálogo. É
preferível que alimente o diálogo em comunidade sempre com novas
perguntas, buscando aprofundar cada vez mais a investigação do
tema ou atingir uma compreensão mais abrangente sobre ele. Assim,
comoSócratesemsuamaiêutica,devemosserasparteirasdeideias,
sempre questionando e dissolvendo preconceitos e argumentos pouco
consistentes.
Mas é sempre importante lembrar que não é o fato de os alunos
estarem sentados em círculo que garante o diálogo em comunidade
de investigação. Além do envolvimento de todos os membros no
processo investigativo, é necessário que tanto professor quanto
alunos saibam claramente o que estão investigando e busquem
fundamentar seus argumentos com boas razões. Frequentemente,
vemos aulas em que professor e alunos ficam vagando por um
labirinto de ideias e “achismos” sem encontrar saída. Nunca podemos
perder o foco de que a metodologia de diálogo investigativo tem como
objetivo desenvolver a autonomia intelectual dos alunos através do
exercício do pensamento de ordem superior. Essa autonomia não será
realmente desenvolvida, se o professor não estiver seguro de seus
objetivos pedagógicos e que a problematização da discussão não
visa de modo algum “criar confusão”, mas justamente o contrário,
ampliar a compreensão sobre determinado tema, percebendo-o em
seus vários aspectos.
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As questões a seguir têm como objetivo ajudar a fixar tudo queaprendemos até agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto,portanto,seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-las seria bom confrontar suas respostas comas dos colegas noSeminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.
1. O que caracteriza a sociedade informacional?2.Queexigênciasanovasociedadecolocaparaeducação?3.Hojeemdiafala-seem“inclusãodigital”,seriaelasuficienteparasuperara exclusão provocada pelas novas tecnologias? Explique.4.Oquesignifica“ensinarcomoseaprende”?5. Qual o objetivo da educação na era informacional?6. Qual a relação entre pensamento de ordem superior e educação problematizadora?7. Como a metodologia da comunidade de investigação pode desenvolver o pensamento de ordem superior?
Como vimos nesta unidade, vivemos hoje uma revolução tecnológica sem precedentes na história da humanidade. Tal revolução implica uma mutação na educação e o abandono da velha escola voltada para formação de mão-de-obra para indústria e de uma pequena elite de administradores para dirigir a sociedade. Na sociedade atual, o conhecimento está em toda parte e não precisamos mais de indivíduos que apenas saibam obedecer a ordens e repetir fórmulas. É preciso que as pessoas sejam capazes de aprenderem por si mesmas. O tempo em que o sujeito terminava seus estudos e achava que já estava capacitado para trabalhar, não existe mais. Hoje precisamos estudar o tempo todo e estarmos nos atualizando através das novas tecnologias, que são verdadeiras extensões de nossas mentes. A sociedade informacional exige uma educação que prepare as pessoas para aprenderem a selecionar e organizar as informações por si mesmas. Nesse sentido, mais do que familiarizar as crianças com determinados conteúdos e informações é preciso ensiná-las a pensar. Isso ocorre através de uma educação problematizadora baseada no método de investigação dialógica em uma comunidade de investigação. Na comunidade de investigação, o foco é o desenvolvimento do pensamento de ordem superior e das habilidades cognitivas. Tudo isso exige um novo modelo de escola e de professor que deve, ele próprio, tornar-se investigador e metodologicamente competente para desenvolver nos alunos a atitude questionadora e cooperativa. Do contrário, de nada adiantará os investimentos em infraestrutura, se não tivermos pessoas capacitadas para impulsionar o desenvolvimento sustentável e ecologicamente responsável de nossa sociedade.
ATIVIDADES
RESUMINDO
130 Módulo 2 I Volume 2 EAD
A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
BÜTTNER, Peter. Mutação no educar. Cuiabá: EdUFMT, 1999.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
HARTSHOME, C.; WEISS, P.; BURKS, A. Collected Papers of Charles Sanders Peirce. MA: Harvard University Press, 1931-1958, 8 volumes.
LIPMAN, Matthew. O pensar na educação. Petrópolis: Vozes, 1995.
_____. Educação moral, reflexão de ordem superior e filosofia para crianças. Montclair State College: New Jersey, (mimeo).
PEIRCE, Ch. S. The new elements of Mathematics. Mouton Publishers, 1976.
SOUZA, Maria C. C. Christiano de. A psicanálise e a depressão dos professores. In: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000032001000300012&script=sci_arttext#back1. Acesso em 30 nov. 2009.
REFERÊNCIAS
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Suas anotações
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