tese de doutorado moema loures
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MOEMA FALCI LOURES
espaço ginal IMARastros de uma escritura em projeto
TESE DE DOUTORADO_PROURB_UFRJ
I
MOEMA FALCI LOURES
Espaço IMAginal: rastros de uma escritura em projeto
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Urbanismo como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Urbanismo. Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Letras e Artes Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (Prourb) Orientadora:
Professora Doutora Rosângela Lunardelli Cavallazzi
Rio de Janeiro, 2011
Moema Falci Loures
II
Espaço IMAginal: rastros de uma escritura em projeto
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (Prourb),
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em
Urbanismo.
Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2011
III
IV
Agradecimentos
Aos meus pais, Flávia e Renato, pelo apoio incondicional.
Aos meus irmãos, Gisela e Renato
Ao Fábio, pelo carinho e amor.
À amiga Claudinha, pelas trocas e sincera amizade.
Aos companheiros de tese em Paris, Wanda, Mônica, Alberto e Adriana.
Ao professor Jean Attali, que me recebeu na École Nationale Supérieure d'Architecture – Paris Malaquais, no âmbito do Doutorado Sanduíche, abrindo novos horizontes e descobertas.
Ao Pascal Rousse, que muito me ensinou sobre Eisenstein, montagem, arte e cinema.
Aos professores do Prourb, em especial às professoras Lúcia Costa e Denise Pinheiro Machado.
Ao querido professor Carlos Murad e seus ensinamentos rumo a um universo sensível.
Ao corpo técnico do Prourb, em especial à Keila, sempre disposta a ajudar.
Ao apoio do CNPq, que financiou os anos de estudo no Brasil. À Capes, que financiou meus estudos em Paris.
À querida professora Rosângela Cavallazzi, orientadora e amiga, pelo incentivo, confiança e afeto.
V
Resumo
Espaço IMAginal: rastros de uma escritura em projeto
Vislumbramos um raciocínio que privilegia a intensidade – o acontecimento. O projeto no
espaço urbano não como ruptura ou como continuidade, mas como transbordamento;
não como construção de formas, mas como construção de forças. O projeto que suscita
tensão, não inclusão direta. A tese considera o processo repetição-montagem como
base de processos criativos, como meio de explorar e de avançar no plano experimental
do projeto e potencializar a sensação. Nossa busca constante está na abertura do
projeto de arquitetura e urbanismo ao gesto criador por meio de um “estouro de
realidade”. Estamos interessados nas potencialidades do processo de criação, que
tendem a gerar novas realidades, expansões imaginais. Suscitamos que o grande
desafio que temos como arquitetos urbanistas é a capacidade de deixar o projeto aberto
à experimentação. O que importa não é o projeto em si, mas para onde ele nos leva.
Buscamos, assim, rastros de uma escritura em projeto, nuances de um pensar
urbano no espaço IMAginal.
Palavras-chave: projeto – urbanismo – arquitetura – imaginal – montagem – repetição.
VI
Abstract
IMAginal space: traces of writing in design
We envision an argument that favors intensity - the event itself. Design in the urban
space not as a rupture or continuity but as an overflow; not as building forms but as
building strength. The design that raises tension, not direct inclusion. The thesis
considers the repetition-assembly process as the basis of creative processes, as a
means to explore and improve experimental design and to enhance feeling. Our constant
search lies in the possibility of opening urban design to a creative gesture through a
"burst of reality". We are interested in the potential of a creative process that tends to
generate new realities, imaginal expansions. We point out that the greatest challenge we
have as Architects and Urbanists is the ability to leave design open to experimentation.
What matters is not design itself, but where it leads us. Thus we seek traces of writing in
design, nuances of an urban thinking in the IMAginal space.
Keywords: design – urbanism – architecture – imaginal – assembly – repetition.
VII
Résumé
Espace Imaginal: une écriture en projet
Nous envisageons un argument qui favorise l'intensité - l'événement. Le projet est perçu,
dans l’espace urbain, non comme rupture ou une continuité, mais bien comme une sorte
de “débordement”. L’objet du projet n’est pas la construction de formes, mais la
construction de forces. Le projet soulève des tensions, mais pas de participation directe.
La thèse considère le processus répétition-montage comme base du processus de
création ; comme un moyen d'explorer et d’avancer dans le plan expérimental du projet
et de potentialiser la sensation. Notre constant moteur de recherche réside dans
l’ouverture à la création, du projet urbain et d’architecture, par un “éclatement de la
réalité”. Nous sommes intéressés par les potentialités du processus de création, qui
tendent à la genèse de nouvelles réalités, d’expansions "imaginales" . Le grand défi des
architectes urbanistes résiderait alors dans leur capacité à laisser le projet ouvert à
l’expérimentation. Ce qui importe n'est pas le projet lui-même, mais bien où il nous
mène. La thèse propose alors les traces d’une écriture en projet, véritables nuances
d’une pensée urbaine dans l’espace imaginal.
Mots-clés: projet – urbanisme – architecture – imaginal – montage – répétition.
VIII
Fichas
PARTE I : : Manchas ------------------------------------------------------------------------------------------ 01 - 13
: : Experimentação múltipla e intensidade-acontecimento ------------------------------- 01 - 09
: : Entre o conceitual e experimental, previsível e imprevisível ------------------------ 01 - 09
: : Teorias modernas ------------------------------------------------------------------------------ 01 - 08
PARTE II
: : Projeto, repetição e devir ---------------------------------------------------------------------- 01 - 11
: : Força do movimento: sensação do tempo ------------------------------------------------ 01 - 08
: : A montagem como potencial criador ------------------------------------------------------ 01 - 16
: : Prazer e intrusão: possibilidades projetuais em Tschumi ----------------------------- 01 -12
PARTE III : : Rastros IMAginais: o que fica e o que vai ------------------------------------------------ 01 - 06
: : Bastidores do diálogo com os autores ---------------------------------------------------- 01 - 12
PARTE I
: : Manchas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 01 - 13
: : Experimentação múltipla e intensidade-acontecimento ------------------------------------------------------------------------------- 01 - 09
: : Entre o conceitual e experimental, previsível e imprevisível ------------------------------------------------------------------------ 01 - 09
: : Teorias modernas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 01 - 08
1
: : Manchas
Quando começamos a ler um texto, queremos logo de início saber o tema. Afinal, do
que se trata? E quando a intenção não é o conteúdo em si, e sim o processo de
construção? Como falar em projeto como gesto criador sem pensar na própria tese
como um processo-projeto, um vir-a-ser? Como ter Gilles Deleuze como marco-teórico e
não continuar reproduzindo aquilo que ele critica através do método? Por que ao lermos
Clarice Lispector não encontramos o tema de sua narrativa? Por que Francis Bacon joga
a tinta na tela antes de começar a pintar? Como interromper a narração e impedir a
ilustração? Por que insistimos todos os dias em querer nomear as coisas, como se o ato
de nomear fosse reflexo do entendimento de certo tema ou objeto? Por que criamos
palavras que fingem entender as coisas?
O que é construir uma tese de doutorado no fim da primeira década do século XXI? Por
que continuamos reproduzindo a modernidade através do método? O que fazer com
tudo que nos dizem sobre o que é uma tese? Que história estamos construindo através
de nossas teses? O que é ser consistente em um mundo editado, quando a única
certeza é a própria incerteza? E então, onde repousa as dimensões criativas do projeto
dentro do campo do urbanismo?
O que existe além da tese? O que podemos desvendar no espaço “entre” a tese, o
projeto e a cidade? Como representar a imagem-tese? Por que poucos falam dentro dos
campos da arquitetura e do urbanismo sobre o processo criativo do projeto no urbano?
É nas bordas de uma brecha da
escuta que um outro provável
se descobre11.
2
Será que realmente se trata de uma ciência social aplicada? A partir de quando
começamos a pensar no conhecimento como algo aplicado? Da matemática à física?
De acordo com Aristóteles, a ânsia pelo conhecimento é o instinto humano, por isto não
é aplicado ou tem alguma finalidade?
Vivo em um espiral de intensas perguntas, e atrás delas há brechas de desconfortos.
Como evitar nosso encadeamento em processos metodológicos que daqui a alguns
anos podem não fazer o menor sentido ou que já não o fazem? Temos a autonomia das
folhas em branco, escolhemos os nossos temas, nossos marcos teóricos, nossas
referências bibliografias, mas por que pouco criamos metodologicamente e acabamos
nos amarrando em âncoras que nós mesmos pouco acreditamos (ou que fazemos um
grande esforço em acreditar)?
Manchas em torno do método
Ao escutar a palavra metodologia, via de regra a associamos a uma proposta fechada,
rígida. Traçamos objetivos, metas e justificativas. Escrevemos o trabalho, uma
introdução, desenvolvimento e, então, uma conclusão. Também buscamos conceitos,
utilizado-os segundo um ou outro autor, fazemos comparações.
Temos medo de errar e de não sermos fiéis aos autores ou/e aos nossos critérios
preestabelecidos. Escrevemos na 1ª pessoa do plural. Eu escrevo na 1a pessoa do
Eu procuro jamais arquiteturar
meu discurso a partir de uma ideia
central, mas ao contrário procuro
criar ramos através de
ramificações sucessivas (...)12.
3
plural.
Nesse limiar epistemológico uma questão perpassa o método, paradigmas do mundo
moderno: hierarquias, categorias, limites, dicotomias, aplicações. Paradigmas que não
reconhecem os princípios da incompletude e da incerteza, sendo ao mesmo tempo
princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos
consciência disso1.
Diríamos que ainda caminhamos junto às crenças que predominaram até a década de
1950, a própria ideia de conhecimento se alinha à reprodução/automatização. Como se
pensar a arquitetura e o urbanismo como ciência social aplicada fosse natural. Ou como
escrever uma tese com início, meio e fim também fosse natural.
É fato que a noção de criatividade, liberdade e complexidade são bastante recentes, o
que não quer dizer que antes elas não existiam2. Já há algumas décadas observamos
que estas palavras vão sendo reproduzidas através do conteúdo de teses e
dissertações, mas dificilmente as incorporamos no processo metodológico, no processo
de criação.
Tomemos o conceito de rizoma criado por Deleuze e Guattari como exemplo. Em uma
busca rápida, observamos a quantidade de trabalhos acadêmicos, vinculados aos mais
diversos campos do conhecimento, que utilizam esse conceito. Então me pergunto: o
quanto criamos através desse conceito?
O pintor não pinta sobre uma tela
virgem, nem o escritor escreve
sobre uma página branca, mas a
página ou a tela estão já de tal
maneira cobertas de clichês
preexistentes, preestabelecidos,
que é preciso de início apagar,
limpar, laminar, mesmo
estraçalhar para fazer passar uma
corrente de ar, saída do caos, que
nos traga a visão13.
(...) amarrações
4
Ler e reler a obra de Deleuze e Guattari, de acordo com a metodologia dos próprios
pensadores, é um ato de produzir novos sentidos. Os conceitos para serem conceitos
devem nos arrastar rumo a regiões múltiplas, desarticuladas e imprevisíveis; planos
que não são os dos autores, mas efetivamente os nossos. Não interessa se somos
platônicos; cartesianos, kantianos ou deleuzianos, e sim como determinados conceitos
podem ser reativados em nossos problemas e inspirar novos acontecimentos.
É fato que a força dos conceitos criados por Deleuze e Guattari ao passar dos anos foi
sendo vulgarizada e, muitas vezes, transformada em metáforas, analogias ou em uma
espécie de sedução verbal, reduzindo-se o próprio conceito de conceito. Assim como
afirma Zourabichvili: “Talvez a filosofia atual se veja frequentemente diante de uma
falsa alternativa: expor ou utilizar”.3
Segundo Deleuze e Guattari4, não há conceito simples de um só componente. Todo
conceito é multiplicidade, tem um contorno irregular, definido pela cifra de seus
componentes; é um todo, mas um todo fragmentário. O conceito tem uma história, mas
esta se desdobra em zigue-zague. O conceito possui um devir.
Deleuze é método; assim, utilizar o conceito de rizoma é criar ideações a partir dele.
Ficamos, no entanto, na incoerência de utilizar esse conceito (ou outro) em uma
estrutura de trabalho hierarquizada, moderna, na qual predomina a lógica binária e as
relações biunívocas.
A própria palavra metodologia nos parece neste instante um pouco pesada, impregnada
A criação de conceitos faz apelo
por si mesma a uma forma futura,
invoca uma nova terra e um povo
que não existe ainda14.
5
de PREconceitos ou PÓS-conceitos. Uma palavra que esconde, muitas vezes, modelos
cartesianos de pensamento, regras sem variações, ordem sem desvio.
Ainda somos cartesianos? O quê, afinal, é pensar na primeira década do século XXI?
Que diferença faz se utilizamos conceitos que quebram os paradigmas modernos, se
ainda reproduzimos a modernidade através do método?
É provável que o papel fundamental de Deleuze tenha sido a construção de armas de
guerra. Ele nos deixou munidos. No entanto, ele não podia garantir como as armas
poderiam vir a ser utilizadas. Temos as armas e, assim, precisamos lutar.
Não é sem razão que Deleuze ganhou grande destaque nas mãos de artistas. Talvez
ele seja uns dos filósofos que mais tenha conseguido aproximar a filosofia da arte.
Deleuze libera o tempo plural, paradoxal, vertiginoso, intempestivo 5.
Cito como exemplo a minha experiência ao ver o filme dirigido por Fernando Meirelles a
partir do livro do escritor José Saramago Ensaio sobre a cegueira. Lembro que, quando
o vi, ficava tentando me lembrar do final do livro que eu já havia lido há algum tempo (...)
não conseguia me lembrar. Naquele momento a estrutura narrativa amarrada a um
início, meio e fim se sobressaía; eu queria saber o final. Claro que não me lembraria do
final, pois no processo de experimentação-leitura mergulhava no artifício de um vir a ser
cegueira. Eu caía nas minhas próprias armadilhas metodológicas.
Durante o livro não existia necessariamente uma causa e efeito, não existia um enigma
O poder do texto faz descobrir a
possibilidade de o desenvolver
de outra maneira15.
(...) armadilhas
6
que ao fim seria descoberto. O problema não importava, mas o estado do problema,
pois o problema não tem resposta. A obra pronta não é o conforto, mas o limiar do
desconforto. A arte não tem finalidade!
Não se procura aqui uma resposta, uma ideia de completude, e sim várias respostas e
perguntas. Os pedaços não são um quebra-cabeça, pois os contornos irregulares não
se correspondem. Um trabalho acabado é um trabalho inexistente.
(...) devir tese, devir projeto
Adianto que não temos a intenção de apresentar uma temática e depois desenvolvê-la.
A intenção é que o tema se revele através da tese. Sugiro talvez abrir a tese em um
ponto qualquer. Que o início ou o fim das páginas – literalmente – não signifique nada,
talvez apenas uma escolha casual. As ideias repetem-se e fixam-se através da própria
linguagem, se sobrepõem, no entanto, não se hierarquizam.
Frisamos que na tese a teoria – e/ou fundamentação teórica – e a metodologia estão
sempre correlacionadas. Não há diferença entre a maneira que a tese fala e a maneira
que a tese é feita. Se a tese fala sobre o projeto e também é um projeto de tese, deve
existir como devir.
Nossa busca está na possibilidade de desvendar potenciais criadores. Vamos, assim, no
decorrer do trabalho, pinçando espaços de criações, nuances de um pensar urbano.
O problema da filosofia (meu
problema) é de adquirir uma
consistência, sem perder o infinito
no qual o pensamento mergulha16.
Devir é nunca imitar, nem fazer
como, nem se conformar a um
modelo, seja de justiça ou de
verdade. Não há um termo do
qual se parta, nem um ao qual se
chegue ou ao qual se deva
chegar.
Devires são fenômenos de
captura, conteúdo próprio do
desejo, são a própria
consistência do real17.
7
A tese é nossa tentativa de tocar o que atravessa processos criativos. O que nos
importa não é projeto como um caso exemplar ou como obra completa, e sim suas
possibilidades de expansão. Não existe uma meta, mas um caminho.
Projetar não é prever, projetar é agir sobre um tempo desconhecido. Como a tese pode
vir a ser mais que uma teoria que tenta explicar a prática, como pode ser a experiência-
teoria?
Nessa perspectiva de tolerar ambiguidades em vez de tentar cristalizá-las, está meu
maior conforto e desconforto.
O projeto além do projeto... o objeto além do objeto... A tese é ensaística, não existe
uma solução. O risco de tratar a linguagem como um fluxo, e não como um código, é
nossa grande motivação, a démarche do desejo, errância de sentidos. Respiração!
(...) pensamento em projeto
Buscamos aqui recuperar a importância do pensamento em projeto. Onde guardamos a
inteligência do processo projetual de arquitetura e urbanismo? Como utilizar este
pensamento em um processo-tese?
Questionamo-nos sobre o fato da arquitetura ter saído do campo da arte, ido para
engenharia e hoje ser considerada, junto ao urbanismo, uma ciência social aplicada,
algo que foi sendo construído pelo próprio campo e por uma visão compartimentada do
(...) é na estrutura artificial que a
realidade do tema será
aprisionada, e a armadilha, ao
fechar-se sobre o tema, deixará à
mostra somente a realidade. 18
8
senso comum teórico.
Destacamos na obra de Secchi6 que o urbanismo coincide com um saber mais do que
com uma ciência. O urbanismo que não se ocupa apenas em responder ou caracterizar
a cidade, mas também em imaginar um futuro. O urbanismo que penetra e acompanha
diferentes formas de projetos da cidade, que descreve, ilustra, demonstra, argumenta,
sugere e solicita imaginários coletivos e individuais.
Como decisão projetual, decidimos trabalhar a tese em dois extratos:
1. Fichas: transbordamento de citações e textos escritos, às vezes explicativos, às
vezes propositivos ou provocativos. As fichas são um corte no caos, dá algum tipo de
direção e sentido. O texto que agora você está lendo é uma das fichas.
2. Diagrama sanfona: Possibilidades imaginais. Projeto sanfona: deslocamento das
citações e referências. Reserva invisível, o caminho trilhado, o processo da tese.
Escolhemos trabalhar com a dobragem em sanfona, pois assim a penúltima página
pode ser vista junto com a décima segunda. Os desdobramentos são múltiplos. Os
usuários determinam a ordem da sua leitura. As combinações formam variações
infinitas.
O ideal de um livro seria expor toda coisa sobre um tal plano de exterioridade, sobre uma única página (...)19
(...) imagem diagrama: corrente de ar
9
Os temas abordados nas fichas estão implícitos na forma sanfona e sobrevivem na
tentativa de manifestar o conteúdo. Propomos trabalhar a tese como um grande
diagrama em formato sanfona. Os textos são as fichas que sustentam o diagrama.
Funcionam como apoio à experimentação tese-leitura.
O diagrama sanfona é, portanto, a possibilidade do tema, não o tema em si mesmo.
Sendo ele mesmo uma catástrofe, não deve produzir catástrofe; sendo uma zona de
borragem, não deve borrar a obra.
Na sanfona tentamos deslocar as imagens de suas referências, como possibilidade de
ativar um processo de criação. As imagens são pinceladas, a partir das quais se criam
idealizações. A ideia é introduzir a possibilidade da tese em um conjunto de manchas
asignificantes e não representativas, cuja função seria sugerir, ativar, movimentar.
O diagrama, assim como suscita Deleuze7, não tem nada a ver com abstração, que
reduz ao mínimo o abismo ou o caos e nos propõe um ascetismo, uma salvação
espiritual; em outras palavras, um estado inerte. O diagrama é um caos, uma catástrofe,
mas também um germe de ordem ou de ritmo, abre domínios sensíveis. O diagrama é
método!
O diagrama talvez ocupe todo o espaço, mas devemos impedir que o diagrama prolifere
e se transforme em pura abstração. Nem todos os dados devem desaparecer.
O diagrama pretende evitar a organização óptica, dando ao olhar outra potência, afirma
A tela já está de tal maneira cheia
que o pintor deve entrar nela. Ele
entra assim no clichê, na
probabilidade. E entra porque
sabe o que quer fazer. Mas o que
salva é que ele não sabe como
conseguir, não sabe como fazer o
que quer. Isso ele só conseguirá
saindo da tela20.
Que a catástrofe não inunde
tudo! A tese existe!
10
Deleuze8. Ao contrário do que acontece com um texto, que, por mais que possamos
evitar a hierarquização das palavras, elas, por si só, já se apresentam de uma forma
hierarquizada, uma após a outra.
No diagrama, as marcas e os traços não se bastam, pois traçam possibilidades e ainda
não constituem o fato. O diagrama coloca elementos heterogêneos em conexão
imediata propriamente ilimitada, em um campo de presença ou sobre um plano finito em
que todos os momentos são atuais e sensíveis. É o diagrama da figura, força do
movimento que faz nascer a sensação de tempo, o acontecimento9.
A ideia é que o leitor experimente a obra, sua experimentação faz parte da obra – o
leitor deve ir além da obra – devir-tese – devir-leitura – devir-experimentação. O devir
como potência. O devir como vontade de potência.
Experimentar no sentido de “mostração”, não de demonstração. Presentation: dando
presença.
Assim, o diagrama sanfona não é a tese, é processo tese, é possibilidade metodológica
que permite o acontecimento tese... corrente de ar.
A tese poderia gerar uma expectativa de se fazer um projeto a partir de um terreno
existente; no entanto, a intenção não é propositiva, e sim de alimentar potenciais
criativos.
Não estamos em busca de objetivos únicos, e, então, se eu pudesse falar em algum tipo
(...) Tem-se de começar de um
ponto, e se começa a partir do
tema que gradualmente, se o
trabalho estive andando bem, irá
evaporar-se e deixar aquele
resíduo que chamamos de
realidade, e que talvez vagamente
tenha a ver com a coisa que nos
serviu de ponto de partida, mas na
maioria das vezes tem muito
pouco a ver.21
Tudo ou talvez nada se
relacione!
11
de objetivo quanto a este projeto-tese seria tratá-lo como um processo IMAginal, ou
seja, como possibilidade de dar visibilidade à imaginação.
(...)
Ficção científica também no sentido em que os pontos fracos se revelam. Ao
escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que
sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só
escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa
nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro. É só deste modo que
somos determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois
ou, antes, torná-la impossível. Talvez tenhamos aí, entre a escrita e a ignorância, uma
relação ainda mais ameaçadora que a relação geralmente apontada entre a escrita e a
morte, entre a escrita e o silêncio. Falamos, pois, de ciência, mas de uma maneira que,
infelizmente, sentimos não ser científica10.
Eu não quero que isto seja tão
fácil de se compreender. Eu quero
que isto seja usado como um
espelho de suas perguntas22.
A obra será sempre insuficiente.
12
1 MORIN, 2005, p. 10. 2 Essas noções passaram a fazer parte de um senso comum teórico a partir da segunda metade do século XX, diante da crítica ao movimento moderno. 3 ZOURABICHVILI, 2004, p. 3. Na obra O que é a filosofia?, Deleuze e Guattari mostram-se bastante atentos a esses equívocos, que acabam vinculando a filosofia à formação de opiniões e deslocando o campo disciplinar para uma disciplina reflexiva. O grande intento da obra é mostrar que a filosofia é, antes de tudo, criação de conceitos. 4 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 5 PELBART, 2004. 6 SECCHI, 2006. 7 DELEUZE, 2007. 8 DELEUZE, ibid.. 9 Essa síntese sobre o que entendemos por diagrama faz parte dos escritos de Deleuze sobre a obra de Bacon, sobre uma metodologia de criação. DELEUZE, 2007. 10 DELEUZE, 2000, p. 10. 11 Tradução livre da autora. Original: “C’est dans les bords d’une brèche de l’écoute qu’un autre probable se découvre”. DUSAPIN, 2009, p. 10. 12 Tradução livre da autora. Original: “Je ne cherche jamais à architecturer mon discours sur une idée centrale, mais au contraire à créer des embranchements par ramifications successives (...)”. DUSAPIN, ibid., p. 22. 13 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 262. 14 DELEUZE e GUATTARI, ibid., p. 140. 15 Tradução livre da autora. Original: “Le pouvoir du texte lui fait découvrir la possibilité de développer autrement”. Pierre Boulez, citado por DUSAPIN, 2009, p. 16. 16 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 59. 17 Recortes da autora de trechos de O vocabulário de Deleuze, ZOURABICHVILI, 2004. 18 Entrevista com Bacon. SYLVESTER, 2007, p. 180 e 181.
19 DELEUZE E GUATTARI, 1995, p. 18. 20 DELEUZE, 2004, p. 68. 21 Ibidem. 22 Tradução livre da autora. Original: “I don´t want it to be so easy to understand. I want it to be used as a mirror of their questions”. Entrevista com Tschumi, WALKER, 2003, p. 51.
13
Referências bibliográficas DELEUZE, Gilles. Cinema 1. L’image-mouvement. Collection Critique. Paris: Les éditions de minuit, 2006.
______. Cinema 1. L’image-temps. Collection Critique. Paris: Les éditions de minuit, 2006.
______. Diferença e repetição. Lisboa: Relógio D'Água, 2000.
______. Logique du sens. Collection Critique. Paris: Les Éditions de Minuit, 2006.
______. Francis Bacon. Lógica da sensação. Jorge Zahar, 2007.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs. Devir-Intenso, Devir-Animal, Devir-Imperceptível. Vol. IV. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
______. Mil platôs. Introdução: rizoma. Vol. São Paulo: Ed. 34, 1995.
______. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.
DELEUZE, Gilles et PARNET, Claire. Dialogues. Champs essais, 1996.
DOMINO, Christophe. Bacon: monstre de peinture. Paris : Gallimard, 2008.
DUSAPIN, Pascal. Une musique en train de se faire. Paris: Seuil, 2009.
ECO, Umberto. A estrutura ausente. São Paulo: Perspectiva, 1971.
______. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 2005.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
LISPECTOR, Clarice. Água viva. São Paulo: Artenova, 1973.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.
PELBART, Peter Pál. O tempo não reconciliado. São Paulo: Perspectiva, 2004.
SECCHI, Bernardo. Première leçon d’urbanisme. Marseille: Parenthèses, 2006.
SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
WALKER, Enrique. Tschumi on architecture: conversations with Enrique Walker. New York: The Monacelli Press, 2003.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: IFCH, 2004 (versão eletrônica).
1
: : Experimentação-múltipla e intensidade-acontecimento
A palavra pescando o que não é palavra. O projeto pescando o que não é projeto. Na
tentativa de pescar a não palavra, o não projeto – entre instantes – pescamos o
acontecimento, o entretempo que é devir.
Tocamos o conceito de acontecimento criado por Deleuze e Guattari1.
Conceito como multiplicidade que remete a problemas que ainda estão em processo de
compreensão. O conceito como um ato de pensamento que opera em velocidade
infinita2.
O acontecimento sustenta o projeto na dinâmica do tempo porque libera o projeto à
experimentação. Ele está a todo tempo em trânsito, construindo novas relações e novas
forças. Suscitamos que no instante-acontecimento podemos reencontrar a arte no
senso do ato de projetar. A arte que se confronta com o caos para vir a ser um instante-
sensação.
O conceito de acontecimento como eixo que perpassa a imagem-tese; uma brisa que
atravessa o tocar-ver no intervalo, o desvendar experimental, o presente limite de quase
tocar. Vamos ao acontecimento.
O acontecimento se atualiza no estado de coisas, mas tem uma parte sombria que não
Não mais é o tempo que está entre
dois instantes, é o acontecimento
que é um entretempo: o
entretempo não é o eterno, mas
também não é tempo, é devir20.
O paradoxo deste puro devir, com
sua capacidade de furtar-se ao
presente, é a identidade infinita:
indentidade dos dois sentidos ao
mesmo tempo, do futuro e do
passado, da véspera e do
amanhã, do mais e do menos, do
demasiado e do insuficiente, do
ativo e do passivo, da causa e do
efeito21.
2
para de se atualizar. Não começa nem acaba, mas ganha (ou guarda) o movimento
infinito que lhe dá consistência. Sobrevoa os universos possíveis (possível como
característica estética). É imaterial, incorporal, invisível: pura reserva3.
O acontecimento independente de um estado visível em que ele se manifesta,
desdobra-se em um estranho local de um “ainda-aqui-e-já-passado, ainda-por-vir-e-já-
presente”4.
O projetar para permitir acontecimento, uma experiência que atua sem aviso. Rossi5 fala
em arquiteturas que preparam o acontecimento, que permitem o imprevisível,
permanentes movimentos detalhes. O autor afirma: “A arquitetura, como sempre,
permanece em poucos detalhes, esperando o pontapé da ‘gaivota’, a luz da escada, o
barco que atravessa o lago como em uma cúpula de cristal”6.
O acontecimento não se confunde com o estado das coisas no qual se encarna, não é a
essência ou a coisa. E se não há maneira de pensar que não seja igualmente maneira
de realizar uma experiência, não existe dado senão em devir.7
O acontecimento é o risco do movimento, da possibilidade de se colocar em
movimento. O acontecimento é ruptura com a causalidade, é bifurcação e desvio, é um
estado de instabilidade e intensidade que abre campos de possibilidades projetuais.
(…) não há outro presente além
daquele do instante móvel que o
representa, sempre desdobrado
em passado-futuro22.
Então não se perguntará qual o
sentido de um acontecimento: o
acontecimento é o próprio sentido.
O acontecimento pertence
essencialmente à linguagem,
mantém uma relação essencial
com a linguagem; mas a
linguagem é o que se diz das
coisas23.
3
Faíscas ativantes
A partir do conceito de acontecimento buscamos faíscas ativantes – simulações
imaginais – que decupem o conceito. Recortamos duas lapidações imaginais (imagens
conceituais)8: o instante-já, na obra de Clarice Lispector (1973), e a Fênix, de Bachelard
(1990)9.
O acontecimento como possibilidade de potencializar o instante-experimentação, como
exaltação do presente, do devir-imperceptível, da sensação: o instante-já10.
A imaginação que tem palavra, a palavra portadora de imagem, a palavra como texto
imaginado, falar por imagens, potencializar o conceito através da imaginação. O
conceito como feixe de possibilidades que abandona suas referências, para reter
conexões e conjunções que constituem a sua consistência11.
O instante-já como potencialidade do instante e a Fênix como potencialidade do
movimento são imagens que atravessam a tese e nos permitem viver a expansão do
instante, engendrando imaginações que potencializam o conceito de acontecimento.
Presente limite de quase tocar: devir cidade e devir projeto
Podemos, assim, dizer que o projeto é feito de vários acontecimentos que se atualizam
nos entre-instantes-experimentação. O que faz o projeto no espaço urbano se localizar
Se pudermos revelar que na
imagem poética arde um excesso
de vida, um excesso de palavras,
teremos, detalhe por detalhe,
provado que há sentido em falar
de uma linguagem quente, grande
lareira de palavras indisciplinadas
onde se consome o ser numa
ambição quase louca de promover
um mais-ser, uma mais que ser24.
4
em um entre-ser cidade, projeto e homem.
A abertura do projeto à experimentação possibilita o surgimento de acontecimentos,
lembrando que a concepção projetual e a experimentação do projeto não apresentam
uma relação dicotômica de causa e efeito. Assim, nos questionamos sobre a
possibilidade de projetar condições em vez de condicionar o projeto12; em outras
palavras: como projetar para revelar acontecimentos?
Nos entre-instantes podemos reencontrar o sentido da arte no sentido do ato de
projetar. A arte que luta com o caos para fazer erigir nela um instante, uma sensação –
um acontecimento. A arte que não é caos, mas composição do caos, não previsível ou
preconcebida que desafia qualquer opinião. O artista cria puras sensações de
conceitos, cria o finito que restitui o infinito, afirmam Deleuze e Guattari13.
Podemos dizer que o que se conserva do projeto é a sensação, o acontecimento.
Consideramos que é no instante-acontecimento que encontramos a perenidade do
projeto no urbano. O durável como o que é sempre em estado de ser transformável. A
durabilidade que é feita de instantes sem duração, podemos dizer de acontecimentos.
Deleuze e Guattari14, exemplificam dizendo que admiramos os desenhos das crianças,
mas é raro que fiquem de pé se olhamos por muito tempo. Arte só é arte se guarda
vazios suficientes para permitir saltos. Nesse sentido, aproximamos mais uma vez as
palavras arte, cidade, projeto e devir.
O brilho, o esplendor do
acontecimento é o sentido. O
acontecimento não é o que
acontece (acidente), ele é no que
acontece o puro expresso que
nos dá sinal e nos espera25.
O durável é feito de instantes sem
duração26.
(…) Tudo que é simples, tudo que
é forte em nós, tudo o que é
mesmo durável, é o dom de um
instante (…)27
5
Potencialidade do instante no Projeto: virtuais expressivos
Virtus – força + actualis – o que a torna efetiva: dynamis-energia
Explosão da ideia
Virtuais expressivos que eles criam em nós e entre nós15.
A potencialidade do projeto está no lugar de ação do sujeito, uma extensão imaginativa,
espaço inventado. O possível depende do núcleo de realidade presente e da extensão
interpretativa, sendo essas fronteiras móveis. O possível que emerge é condicionado
pelo usuário/intérprete (sua cultura, seu interesse, seus limites de percepção), mas
também pelos dispositivos de procura inclusos nele.
O acontecimento se atualiza no instante. O instante é solidão16. É a consciência da
solidão. O instante-experimental é solitário. Isolamento, solidão homem-cidade: devir
homem e devir cidade. A novidade do instante revela a descontinuidade do tempo.
Deleuze17 suscita que:
Insistimos no que é dado, no atual, inclusive sob a forma de possível, alternativa como lei de divisão do real que atribui de imediato minha experiência a um certo campo de possíveis. Que haja virtual significa que nem tudo é dado, nem passível de ser dado. Significa, em seguida, que tudo o que acontece só pode provir do mundo em suas potencialidades criadoras ou na criação de possíveis.
O tempo tem somente uma realidade, aquela do instante28.
6
Não existe real – isto é, encontro e não apenas objeto previamente reconhecido como possível – senão em vias de atualização.
Os acontecimentos pluralizam o campo dos possíveis em processos de atualização e
de cristalização constante, o que acarreta a afirmação de uma temporalidade múltipla,
de um tempo multidimensional18. Na sucessão de potenciais tempo – instante-já –
existe um lugar de continuidades que permite a redefinição do projeto junto à
atualização de vetores.
Como guardar o movimento junto às suas cristalizações dando consistência ao virtual?
Não seria essa a missão do projeto?
Instante, devir, acontecimento, projeto e cidade são palavras que remetem ao mesmo
sentido. O projeto que é devir, o devir projeto que é cidade, o projeto que é um
acontecimento, a cidade que é construída de vários instantes-acontecimentos, o
instante que é devir (...). O projeto é um instante sem permanência.
Em todo acontecimento, há de fato
o momento presente da efetuação,
aquele em que o acontecimento se
encarna em um estado de coisas,
um indivíduo, uma pessoa, aquele
que é designado quando se diz:
pronto, chegou a hora; e o futuro e
o passado do acontecimento só
são julgados em função desse
presente definitivo, do ponto de
vista daquele que o encarna29.
7
(...)
Escrever como modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não
é palavra. Quando essa palavra morde a isca alguma coisa se escreveu. Uma vez que
se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a
analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler
"distraidamente"19.
... podia-se com alívio jogar o projeto fora.
8
1 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 2 DELEUZE e GUATTARI, ibid. 3 DELEUZE e GUATTARI, ibid. 4 DELEUZE e GUATTARI, ibid. 5 ROSSI,1984, p. 14. 6 Tradução livre da autora. Original: “La arquitectura, como siempre, permanece en pocos detalles, esperando el pistoletazo de la ‘gaviota’, la luz de la escalera, el bote que atraviesa el lago como en una cúpula de cristal”, ROSSI, Ibid., p. 46. 7 Os três últimos parágrafos referem-se à obra: DELEUZE e GUATTARI, 2004. 8 O sentido que utilizamos a palavra imagem remete à imaginação. 9 Ver sanfona. Fênix: ideações poéticas minhas das repercussões poéticas de Bachelard, que atravessam o sujeito-tese. Obra de referência: Fragmentos de uma poética do fogo, 1990. Mais especificamente, capítulo I: “A Fênix, fenômeno de linguagem”. Instante-já: ideações poéticas minhas das repercussões poéticas de Lispector que atravessam o sujeito-tese. Obra de referência: Água viva, 1973. 10 LISPECTOR, 1973. 11 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 12 A dimensão real do espaço e a experiência são definidas por Tschumi (1996) pela categoria de “Labirinto”, definindo-a como “espaço sensório”. 13 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 14 Ibidem. 15 RAJCHMAN, John. “Existe uma inteligência do virtual?” In: ALLIEZ, 2000. 16 M.Roupnel, apud BACHELARD, 1992, p. 13. 17 Reflexões de Deleuze na obra: ZOURABICHVILI, 2004. 18 PELBART, 2004. 19 LISPECTOR, 1999, p. 31. 20 DELEUZE e GUATTARI, 2004 , p. 204.
21 Tradução livre da autora. Original: “Le paradoxe de ce pour devenir, avec sa capacité d’esquiver le présent, c’est l’identité infinie: identité infinie des deux sens à la fois, du futur et du passé, de la veille et du lendemain, du plus et du moins, du trop et du pas-assez, de l’actif et du passif, de la cause et de l’effet”. DELEUZE, 2005, p. 10. 22 Tradução livre da autora. Original: “(…) n’a pas d’autre présent que celui de l’instant mobile qui le représente, toujours dédoublé en passé-futur”. DELEUZE e GUATTARI, 2005, p. 177. 23 DELEUZE, 2002, p. 34. 24 BACHELARD, 1990, s/p. 25 Tradução livre da autora. Original: “L’éclat, la splendeur de l’événement, c’est le sens. L’événement n’est pas ce qui arrive (accident), il est dans ce qui arrive le pur exprimé qui nous fait signe et nous attend”. DELEUZE, 2006, p. 175. 26 Tradução livre da autora. Original: “La durée est faite d’instants sans durée”. BACHELARD, 1992, p. 20. 27 Tradução livre da autora. Original: “(...) Tout ce qui est simple, tout ce qui est fort en nous, tout ce qui est durable même, est le don d’un instant (...)”. BACHELARD, ibid., p. 20. 28 M. Roupnel, apud BACHELARD, 1992, p. 13. 29 Tradução livre da autora. Original: “(…) Dans tout l’événement, il y a bien le moment présent de l’effectuation, celui où l’événement s’incarne dans un état des choses, un individu, une personne, celui qu’on désigne en disant: voilà, le moment est venu; et le futur et le passé de l’événement ne se jugent qu’en fonction de ce présent définitif, du point de vue de celui qui l’incarne”. DELEUZE, 2005, p. 177.
9
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DELEUZE, Gilles e PARNET, Claire. Dialogues. Champs essais, 1996.
DUSAPIN, Pascal. Une musique en train de se faire. Paris: Seuil, 2009.
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ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: IFCH, 2004 (versão eletrônica).
1
: : Entre o conceitual e experimental, previsível e imprevisível
Defendemos aqui a ideia de que a arquitetura e o projeto no espaço urbano estão entre
o conceitual e o experimental. Entre o previsível e o imprevisível.1
Argan2 nos suscita dizendo que: “nunca se projeta para, mas contra alguém ou alguma
coisa (...) contra a resignação ao imprevisível, ao acaso, à desordem, aos golpes cegos
dos acontecimentos, ao destino”, na tentativa de se fixar um presente no qual se quer
agir e que continuamente nos escapa3.
O projeto está contaminado pela condição da imprevisibilidade, mas também pelo
desejo do autor de certeza (segurança). Certeza como mecanismo de dispersão do
invisível e do imprevisível.
O projeto lida com problema e possibilidade, intenção e transformação, faz parte daquilo
que ainda não é, mas poderá ser ou já é. A natureza do projeto é incerta, na medida em
que não existe um objetivo puro, “(...) quando não muda o objeto mudam os métodos
para interpretá-lo”4. Ao mesmo tempo, o mundo em que se projeta é instantâneo e
imprevisível.
As razões de incerteza que residem sobre as coisas – o momento de mutação, o
período de perda de simultaneidade dos tempos – vem penetrando e suscitando nossas
indagações. Dinâmicas que não têm a mesma duração, nem os mesmos ritmos, situam-
Quando chegamos a um horizonte
já existe outro19.
(…) porque geralmente as
pessoas querem que a arquitetura
seja a representação da certeza,
elas querem que a arquitetura seja
uma marca de identidade. E elas
não gostam quando dizemos a
elas “sim”, isto vai funcionar por
um tempo, mas não acredite que
para sempre!20
2
se em regimes diversos5.
Qual é a visão de tempo que temos? Assim como a matriz moderna, o futuro está mais
próximo, ou o futuro já é presente e um ainda-aqui e já-passado?
Ressaltamos a noção de projeto como desígnio, um lançar-se à frente – hipótese
presente, devir. Devir como vontade de potência.
Projeto, sugere Murad6, como: “(...) um pretexto de Imaginação que teima em originar
objetos no Mundo” e que, ao mesmo tempo, é pura imprevisibilidade. O projeto que (...)
não se desenvolve em uma horizontalidade, não segue uma continuidade linear,
sucessiva, crescente e, portanto, previsível. Ele (o projeto) é primordialmente uma
dinâmica de rupturas, de descontinuidades, de oscilações entre ascensão e
aprofundamento.
Projeto como interferência: bloco de sensações
O projeto urbano, como resposta ao urbanismo racionalista, muitas vezes busca
contextualizar o projeto por meio de uma resposta à expectativa local. Consideramos
que, nesse processo de mimetismo da realidade percebida, a dimensão criativa do
projeto se perde, o projeto se transforma em uma reprodução, representação ou algum
tipo de adaptação à realidade visível.
O projeto no espaço urbano não se reduz ao que poderíamos denominar de adaptação
Como preservar a verdade se
contra ela conspira a “força do
tempo”, no sentido que torna
compossíveis presentes
incompossíveis, faz coexistirem
passados não necessariamente
verdadeiros, e toda uma potência
do falso se afirma como
criadora?21
3
à realidade, ou seja, ao que nos é percebido, ou àquilo que Rosalind Krauss7 denomina
Percepção de Similitude – estratégia para reduzir tudo que nos é estranho, tanto no
tempo como no espaço, àquilo que já conhecemos e somos –, e sim à possibilidade de
interferência, de experimentação.
A tese compreende o projeto no espaço urbano8 não como ruptura – modernos – ou
como algum tipo de continuidade, e sim como possibilidade de transbordamento que
envolve o espaço “entre” a ruptura e a continuidade que é o acontecimento. Estamos
falando de realidades outras em que tudo pode ser um suporte do urbanismo.
Riscos na paisagem
O projeto como transbordamento é a possibilidade de potencializar forças da paisagem.
Paisagem que excita e estimula desejos junto a novas possibilidades expansivas. A
paisagem não vista, mas que doa a visão9.
No processo de experimentação, o projeto deixa de ser projeto, passa a fazer parte de
um grande tecido que denominamos realidade. Nesse processo o projeto já é
paisagem10, jamais permanece no seu estado doado, mas que ao ser tocado já é
transformado, envolve-se em um movimento do que nos é dado, assumindo novos
sentidos.
A cada vez que pensamos ingenuamente constatamos a presença da paisagem, e é aí
Se o meu próprio edifício tem um
papel irritante em relação ao
contexto em que está localizado,
isto pode ser benéfico, e permitir
ativar um pouco o que está
acontecendo ao redor. O arquiteto
pode, de tempos em tempos,
trabalhar com o irritante, o
provocador22.
Como se a forma procurasse seu
ponto de esquecimento23.
4
posta a questão de uma mudança possível dos nossos dispositivos perceptivos. Vasto
tecido de referências implícitas, produção de imagens, atividade intensa de ficção que
nos habita e que nós não sabemos entender a sua importância, nem a sua magia11.
Mas por que será que a paisagem nos livra do sentimento de perfeição das coisas e
pessoas, mais frequentemente, daquele sentimento associado à obra de arte ou ao
projeto? Como que a paisagem provoca um entusiasmo de outro gênero, além da
simples satisfação?
O prazer da paisagem, suscita Cauquelin12, não está no sentimento de satisfação
quanto a um objeto que funciona bem; não está implícito o sentimento de uma
legitimidade possível que se confronta com o prazer dado pelas coisas.
A paisagem tem necessidade nula de se legitimar. Assim, não possui categorias de
julgamento habituais que dão valor ao objeto e classificam-no como obra de arte ou
projeto, ou seja, categorias de julgamento estético. A paisagem nos relega um
sentimento fundador, forças elementares, é o começo e o fim do mundo.
A paisagem nos liga àquilo que nos é mais profundo, por isso vinculá-la com o que
existe antes da nossa existência, ligação da paisagem ao natural, à origem. Sentimento
da perfeição imediata, no instante, intuição instantânea13.
A paisagem traduz para nós uma relação íntima com o mundo. Intermédio de uma
conversação infinita, vínculo de emoções cotidianas. Experimentamos instantes de
Paisagem não é meramente o
mundo que vemos, é a construção,
a composição do mundo.
Paisagem é uma maneira de ver o
mundo24.
5
enquadramento e a paisagem continua.
A paisagem nos revela lacunas no campo do urbanismo, suscita novos olhares que
reconheçam o movimento e a participação ativa do sujeito na sua construção. Falamos
em contemporaneidade (ou pós-modernidade como alguns preferem), mas ainda
reproduzimos a matriz moderna por meio do método de relações binárias: casa/rua;
público/privado; formal/informal; periférico/central; natural/urbano; paisagem
urbana/paisagem natural. A paisagem pode revelar o intermezzo14, devir captura,
conteúdo próprio do desejo, consistência fugaz do real.
Na paisagem encontramos as forças do projeto, pois a paisagem aproxima o projeto das
suas dimensões mais naturais; aproxima o homem da sua natureza sensível.
Depararmo-nos com a paisagem no sentir ver de cada instante, como possibilidade de
expansão e criação, como o que fica do projeto, mas também o que vai. É perene e
instantânea, guarda o instante e o movimento infinito.
Gavetas, cofres e armários
Frisamos que a importância do projeto no urbano é deixar o espaço aberto ao
imprevisível, lacunas suficientes que permitam o acontecimento. É no desejo de tudo
expor e de tudo revelar que pouco se revela. Na tentativa de esgotar o mundo ele perde
seu encanto. Teríamos como desafio a tarefa de projetar algo que quando vire projeto já
Aqui não é a inteligência que é um
móvel com gavetas. É o móvel
com gavetas que é uma
inteligência25.
Mas o verdadeiro armário não é
um móvel quotidiano. Ele não se
abre todos os dias. Assim, como
uma alma que não se confia, a
chave não está sobre a porta26.
6
não é mais projeto, é devir paisagem, devir cidade.
De acordo com Tschumi15, a arquitetura, em vez de ser socialmente ou contextualmente
inclusiva, deveria se manifestar em oposição, suscitar conflito e tensão, não inclusão
direta.
Ao mesmo tempo, projetos vitrines surgem com força. Edifícios que se autoafirmam
como objeto, se disputam, são modelos deslumbrantes, vestem a mais nova coleção,
são sustentáveis, vestem as novidades de ponta.
O paradoxo que justifica a arquitetura atualmente é justamente a aparência e a
pretensão. A arquitetura se revela, mas é de uma só vez. Está ali tão exposta que não
se tem o que experimentar. Como se a arquitetura já tivesse sido experimentada. Inibe
a curiosidade de descobrir o mundo. Tudo já está ali!
O projeto necessita de segredos, partes a serem reveladas. A força do projeto está em
revelar o que está escondido. Devir-revelação, devir-sensação.
Tschumi suscita que o arquiteto e o usuário são formadores da arquitetura: o primeiro,
pela concepção do projeto – concebendo a arquitetura (espaço urbano) de forma a
possibilitar a experiência estética –; e o segundo, por meio de sua experiência – tendo
consciência do ato de experimentação. De acordo com ele, a dimensão real do espaço
– a materialidade do espaço – solicita a experiência.
Assim, podemos dizer que o projeto do espaço urbano depende da interação do
(...) é a dificuldade de “descobrir” a
arquitetura que a torna
intensamente desejável. Esse
desvelamento é parte do prazer da
arquitetura27.
(…) uma intuição não se prova, ela
se experimenta. E ela é
experimentada multiplicando, ou
mesmo modificando, as condições
de seu uso28.
7
usuário/intérprete com o projeto, que é a experiência16; poderíamos dizer: o movimento-
experimentação, o que denominamos acontecimento.
A experiência permite tornar sensíveis as forças insensíveis que povoam o mundo e que
nos afetam, nos fazem devir. Com o passar do tempo, o que se conserva no projeto,
independentemente do criador, é um bloco de sensações composto por afectos e
perceptos. De acordo com Deleuze17, só se atinge o percepto ou o afecto como seres
autônomos e suficientes, independentemente do criador.
Consideramos que o grande desafio que temos como arquitetos-urbanistas é a
capacidade de deixar o projeto aberto à experimentação, permitir o acontecimento. Em
outras palavras, reconhecer a realidade como devir: combinar e permutar para
manifestar os segredos do mundo e liberar as intensidades criativas. Permitir que o
projeto se revele como acontecimento.
A arquitetura é um fato de arte, um fenômeno de emoção, fora das questões de construção,
além delas. A construção É PARA SUSTENTAR; a arquitetura É PARA EMOCIONAR. A
emoção arquitetural existe quando a obra soa em você ao diapasão de um universo cujas leis
sofremos, reconhecemos e admiramos. Quando são atingidas certas relações, somos
apreendidos pela obra. Arquitetura consiste em “relações”, é “pura criação do espírito”18.
O objetivo da arte, com os meios
do material, é arrancar o percepto
das percepções do objeto e dos
estados de um sujeito percipiente,
arrancar o afecto das afecções,
como passagem de um estado a
um outro. Extrair um bloco de
sensações, um puro ser de
sensações29.
8
1Recuperamos aqui uma das nossas grandes questões trabalhada na dissertação de mestrado: Previsibilidade e imprevisibilidade: fronteiras móveis do Projeto-Urbano (LOURES, 2006). 2 ARGAN, 2000. 3 BAUMAN, 1999. 4 ECO, 2005. 5 LEPETIT e PUMAIN, 1993. 6 MURAD, 1999, p. 22-17. 7 KRAUSS, 1984. 8 Neste trabalho evitaremos a utilização da expressão projeto urbano, pois acreditamos que nela está impregnada uma forte carga de sentidos. Assim preferimos falar do projeto no urbano ou projeto no espaço urbano. 9 CAUQUELIN, 2002, p.27. 10 Entendemos a paisagem como movimento e ação – “an idea formation (...) on going movement” (CORNER, 1999) – opondo-se à noção tradicional que compreende a paisagem como algo estático e contemplativo. Paisagem como verbo (atuante), temporalidades, corpo de memórias, caminho de uma alternativa, lugar de ação, espaço inventado. 11 CAUQUELIN, 2000, p. 23. 12 CAUQUELIN, ibid. p. 108. 13 CAUQUELIN, ibid. p. 112. 14 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 15 Nesta passagem utilizamos trechos da entrevista de Bernard Tschumi a Liliana Gómez. Junho de 2005 em Nova York. Acesso em janeiro de 2009. http://www.puntocero.de/content/tschumi.html. 16 TSCHUMI, ibid.. 17 DELEUZE, 2004, p. 218. 18 LE CORBUSIER, 2000a, p. 10.
19 Tradução livre da autora. Original: “Quand on arrive à un horizon il y a autre”. Palestra 1o dez 2008 – Au Détour du Monde – Raymond Depardon et Paul Virilio – Fondation Cartier, Paris, França. 20 Tradução livre da autora. Original: “(…) because generally people want architecture to be the representation of certainty, they want architecture to be identity branding. And they do not like when you tell them ‘yes’, it is going to work for a while, but do not believe in it forever!”. Entrevista com TSCHUMI, Bernard Tshumni por Liliana Gómez. 1º de junho, 2005, Nova York. http://www.puntocero.de/content/tschumi.html. Acesso: janeiro de 2009. 21 PELBART, 2004, p. 20. 22 Tradução livre da autora. Original: “Si mon bâtiment lui-même joue un rôle d'irritant a rapport au contexte dans lequel il se trouve, cela peut être bénéfique, et permettre d'activer un peu ce qui se passe autour. L'architecte peut, de temps en temps, faire œuvre d'irritant, de provocateur”. Entrevista com TSCHUMI, E2-CONTEST, 2002, p. 107. 23 Tradução livre da autora: Original: “(...) comme si la forme cherchait son point d’oubli”. DUSAPIN, 2009, p. 53. 24 Tradução livre da autora. Original: “Landscape is not merely the world we see, it is a construction, a composition of that world. Landscape is a way of seeing the world”. COSGROVE, 1998. 25 Tradução livre da autora. Original: “C’est pas ici l’intelligence qui est un meuble à tiroir. C’est le meuble à tiroir qui est une intelligence”. BACHELARD, 2008, p. 81 e 82. 26 Tradução livre da autora. Original: “Mais la véritable armoire n’est pas un meuble quotidien. Elle ne s’ouvre pas tous les jours. Ainsi d’une âme qui ne se confie pas, la clef n’est pas sur la porte”. BACHELARD, 2008, p. 84. 27 TSCHUMI, 1996, p. 94. 28 Tradução livre da autora. Original: “(…) une intuition ne se prouve pas, elle s’expérimente. Et elle s’expérimente en multipliant ou même en modifiant les conditions de son usage”. BACHELARD, 1992, p. 8. 29 DELEUZE, 2004, p. 217.
9
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LOURES, Moema Falci. Previsibilidade e imprevisibilidade: fronteiras móveis do Projeto-Urbano. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado (UFRJ/ Prourb), 2006.
MURAD, Carlos A. “A criação no pensamento das imagens”. In: PINHEIRO MACHADO, Denise B. (org.). Sobre Urbanismo. Coleção Arquitetura e Cidade. Rio de Janeiro. Viana & Mosley/Editora Prourb, 2006, p. 223-239.
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PELBART, Peter Pál. O tempo não reconciliado. São Paulo: Perspectiva, 2004.
KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Tradução Elizabeth Carbone Baez. Rio de Janeiro: Revista Gávea, nº 1, 1984.
TSCHUMI, Bernard. Architecture and disjunction. Cambridge: MIT Press, 1996.
VIRILIO, Paul. Un paysage d’événements. Paris: Editions Galilée, 1996.
1
: : Teorias modernas
Vivemos em um período de instituição da dúvida1. As incertezas foram aceitas! A
situação ambivalente está mais visível. Mas será que deixamos de ser modernos?
Liquidez é a palavra de ordem: cidade líquida, modernidade líquida. Virou moda, capa
de revista, título de trabalhos acadêmicos, notícia de jornal.
Compartilhamos com alguns autores que vivemos em um período de radicalização da
modernidade, argumenta Giddens2. Ou como prefere Bauman, Modernidade líquida3 ou
Terceira modernidade, afirma Ascher4, ambas modernidades.
Não existem acordos sobre as datas nem consenso sobre o que deve ser datado
quando nos referimos ao verbete modernidade, “(...) e uma vez que se inicie a sério o
esforço de datação, o próprio objeto começa a desaparecer” suscita Bauman5.
Utilizaremos a noção que define a modernidade como um projeto que ganha força a
partir do Renascimento6 e atinge sua maturidade com o desenvolvimento da sociedade
industrial e, que nos dias de hoje, apresenta-se como um projeto inacabado.
Ressaltamos que definir a modernidade como um estilo, costume de vida ou
organização social acaba por associá-la a um período de tempo e uma localização
geográfica inicial, sendo que suas “(...) características principais ficam guardadas em
As teorias modernas rendem-se às críticas, mas não há suicídio.
2
segurança numa caixa preta”7. Não seria esse o nosso intuito.
A modernidade é marcada inicialmente pela exacerbação dos princípios de ordem,
unidade e simplicidade que vão ao longo dos anos delimitando a realidade escondida
atrás das aparências de confusão, pluralidades e complexidades. Le Corbusier8 afirma
que a grande cidade é fenômeno de força em movimento, fala das cidades em
desespero, no desespero das cidades; reconhece a imprevisibilidade, enquanto acredita
que a ação do arquiteto/urbanista está ligada ao gesto previsível na cidade imprevisível.
Diante disso proclama9: “Prever, é tudo quanto é preciso, mas também o que é
indispensável e urgente”.
Frisamos que não devemos subestimar os modernos10 e pensar que eles não tinham
consciência da imprevisibilidade. A tentativa de camuflar as incertezas já apontava para
a sua existência e para “obsessão delirante de encontrar a pedra fundamental"11.
A obsessão pelo previsível é um dos principais paradigmas que acompanha a
modernidade, sendo a própria noção de paradigma moderno. O conceito de
paradigma12, em Morin13 (2002), surge como algo que exclui os problemas que não
reconhece, na necessidade constante de confirmar o determinismo e descobrir novas
evidências auto-ocultando-se. O paradigma é cogerador do sentimento de realidade,
estando todo tempo ligado aos discursos e visões de mundo14.
Dessa forma, podemos afirmar que existe algum tipo de transição na própria leitura do
conceito de paradigma. Diante de uma breve revisão da literatura do final do século XX,
Ser moderno é encontrar-se em
um ambiente que promete
aventura, poder, alegria,
crescimento, transformação de si e
do mundo – e, ao mesmo tempo,
ameaça destruir tudo o que temos,
tudo o que sabemos, tudo o que
somos31.
3
é evidente o reconhecimento da imprevisibilidade junto à previsibilidade. Tentamos,
hoje, avançar diante das críticas da década de 1960 à dogmática moderna que, diante
de um pessimismo contagiante, teve grande dificuldade de ação: uma “penumbra
total”15.
No urbanismo, observa-se nos anos 1960, perante a fé nas ciências e disciplinas sociais
junto ao “terrorismo” funcionalista, uma tentativa de distanciamento das dimensões
espaciais do projeto. O urbanismo torna-se ciência e o arquiteto, o técnico que passa a
ser destinado ao fim do processo. Nesse momento, começa-se a se falar em pós-
modernidade, um conceito autêntico na sua inadequação, assim como afirma
Boaventura16.
O autor17 alerta que, de um lado, é bastante claro o caminhar em direção à mudança de
paradigmas epistemológicos; por outro, ainda existe um longo caminho em direção à
mudança de um paradigma societal18. Assim, não poderíamos falar em uma mudança
paradigmática. O paradigma contém categorias mestras de inteligibilidade, encontrando-
se no núcleo não apenas de qualquer sistema de ideias e de qualquer discurso, mas de
qualquer cogitação, afirma Morin19. Os paradigmas como “princípios ocultos que
governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consciência disso”20.
Sem dúvida, a única coisa que é segura na modernidade é a insegurança – a certeza
como refúgio da incerteza ou a incerteza como refúgio de si própria?
O urbanismo reconhece a cidade complexa, a cidade mutável, o seu cenário de
4
intervenção. No início do século XX, esse reconhecimento é dado por oposição: o
projeto como ato de previsibilidade no meio imprevisível que poderia supostamente
torna-se previsível. Posteriormente, a crítica, a falta de projeto, tudo se torna
demasiadamente imprevisível. Já no século XXI, é reconhecida a importância do projeto
que não deixa de ser um ato de previsibilidade, contudo, implicando no reconhecimento
da incompletude e da incerteza.
A própria noção de projeto e cidade está entrelaçada ao projeto de modernidade.
Reconhecemos que a modernidade tem um compromisso inacabado com a descoberta,
com a oposição entre o efêmero e o eterno. Paralelamente, o que se vê é a busca por
mecanismos de segurança e previsibilidade. A imprevisibilidade e previsibilidade
mutuamente se revelam diante de um pensamento obcecado pela reflexividade.
A representação do eterno pode existir por meio de um efeito instantâneo. A captura do
projeto no instante que, assim como a modernidade, deriva a sua estética21 de alguma
forma do fato da fragmentação, da efemeridade e do fluxo caótico22.
O projeto na modernidade, a modernidade como projeto. Projeto como exploração e
experimentação caótica, como experiência paradoxal na intensidade limite que leva à
criação e à formação de sentido.
Compartilhamos com Giddens23, Bauman24, Harvey25, Boaventura26, Maffesoli27,
Morin28, Featherstone29, entre outros autores, a ideia de que ainda somos todos
modernos, apesar de existirem brechas que sensibilizam para um pensamento
5
multidimensional. É nessas brechas que pretendemos avançar na tese, mais
especificamente através de possibilidades projetuais, como a possibilidade de liberar
intensidades (acontecimentos) criativas. Instantes em que estão a dinâmica e o
movimento, o movimento como representação do perene.
O projeto que se reencadeia por sobre uma lacuna (não por prolongamento). As
plataformas como aquilo que não mais interessa.
O projeto que dá acesso ao imprevisível, ao acontecimento. No entanto, se não existe
projeto, também não existe acontecimento.
(...) a única maneira de
representar verdades eternas é um
processo de destruição possível
de, no final, destruir ele mesmo
essas verdades. E, no entanto,
somos forçados, se buscamos o
eterno e o imutável, a tentar e
deixar a nossa marca no caótico,
no efêmero e no fragmentário32.
6
Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doloroso, mais
angustiante do que um pensamento que escapa a si mesmo, ideias que fogem, que
desaparecem apenas esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras,
que também não dominamos. São variabilidades infinitas cuja desaparição e aparição
coincidem. São velocidades infinitas, que se confundem com o nada incolor e silencioso que
percorrem, sem natureza nem pensamento. É o instante que não sabemos se é longo ou curto
demais para o tempo. Recebemos chicotadas que latem como artérias. Perdemos sem cessar
nossas ideias. É por isso que queremos tanto agarrarmo-nos a opiniões prontas. Pedimos
somente que nossas ideias se encadeiem segundo um mínimo de regras constantes, e a
associação de ideias jamais teve outro sentido: fornecer-nos regras protetoras, semelhança,
contiguidade, causalidade que nos permitem colocar um pouco de ordem nas ideias, passar de
uma outra a outra segundo uma ordem do espaço e do tempo, impedindo nossa “fantasia” (o
delírio, a loucura) de percorrer o universo no instante, para engendrar nele cavalos alados e
dragões de fogo. Mas não haveria nem um pouco de ordem nas ideias, se não houvesse
também nas coisas ou estados de coisas, como um anticaos objetivo (...)30.
7
1 GIDDENS, 1991, p. 175. 2 Ibidem. 3 BAUMAN, 2001. 4 ASCHER, 2001. 5 BAUMAN, 1999, p. 11. 6 É nos tempos modernos que a consciência de complexidade começa a aparecer com maior clareza, por isso situar a modernidade no Renascimento. Diante de visões de mundo diversificadas e surgimentos de novos conflitos e representações, vamos engendrando a necessidade (falsa ou real) de regulamentação. O urbanismo como campo disciplinar, por exemplo, aparece a partir da premissa de diminuição de riscos. 7 GIDDENS, 1991, p. 11. 8 LE CORBUSIER, 2000: passim 24-51. 9 LE CORBUSIER, Ibid., p. 64. 10 Os modernos propõem uma ideia fictícia de previsibilidade visando ao controle dos conflitos a partir de um mesmo quadrante. 11 MORIN, 2002, p. 277. 12 Kunh (2003) é quem introduz o conceito de paradigma como exemplos compartilhados que têm papel central na orientação metodológica de esquemas fundamentais de pensamento, de pressupostos ou de crenças. Morin (2002) afirma que esse é o ponto forte do sentido de paradigma desenvolvido pelo autor, contudo, diz que o ponto fraco é que esse conceito oscila entre sentidos diversos, cobrindo in extremis, de modo difuso, a adesão coletiva dos cientistas a uma visão de mundo. 13 MORIN, 2002. 14 MORIN, 2005. 15 HART, 1994. 16 SANTOS, 2001. 17 SANTOS, ibid..
18 Formas de conhecimento com vinculação específica a diferentes práticas sociais. 19 MORIN, 2005. 20 MORIN, Ibid., p. 10. 21 Estética como movimento e motivação a partir de uma sensação. 22 Ver HARVEY, 2006, p. 113, sobre a modernidade. 23 GIDDENS,1999. 24 BAUMAN, 2001. 25 HARVEY, 2006. 26 SANTOS, 2001. 27 MAFFESOLI, 2005. 28 MORIN, 2002, 2005. 29 FEATHERSTONE, 1995. 30 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 259. 31 HARVEY, 2006, p. 21. 32 HARVEY, ibid., p. 26.
8
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DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
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SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2006.
PARTE II
: : Projeto, repetição e devir ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 11
: : Força do movimento: sensação do tempo ------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 08
: : A montagem como potencial criador -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 16
: : Prazer e intrusão: possibilidades projetuais em Tschumi ------------------------------------------------------------------------------ 01 -12
1
: : Projeto, repetição e devir
Deleuze1 defende sua tese de doutorado, Diferença e repetição, em oposição ao
pensamento clássico e moderno unidade/identidade. As coisas se repetem
diferenciando-se. Diferentes quando (ou porque) produzem devir.
O que instaura a repetição – um objeto que se repete incontáveis vezes – se remete a
uma potência singular. Forças se asseguram na repetição, na passagem de uma coisa
para a outra. A repetição assegura a distribuição e o deslocamento, o transporte do
elemento para outras dimensões. Um movimento constante de um vir-a-ser.
Nunca se retorna ao mesmo, afirma Nietzsche2. A repetição é a forma do devir.
Segundo Deleuze3, é o eterno retorno que expulsa o mesmo e a repetição-igual. O
eterno retorno é a criação, é a condição para que algo advenha.
O eterno retorno é o retorno de um fragmento que está sempre em processo de
atualização. O eterno retorno não é um devir igual, não é um ciclo, não supõe o um, o
mesmo, o igual, o idêntico. Não é um retorno do todo, um retorno do mesmo, nem um
retorno ao mesmo, afirma Machado4.
Um dos momentos mais importantes de interpretação deleuziana do eterno retorno,
segundo o autor5, seria não pensar o ser como oposto ao devir, o um como oposto ao
múltiplo, a necessidade oposta ao acaso, ou, de modo geral, a identidade oposta à
diferença.
Há quinhentos anos, o chefe de
um hexágono superior deparou
com um livro tão confuso como os
outros, porém que possuía quase
duas folhas de linhas
homogêneas. Mostrou seu achado
a um decifrador ambulante, que
lhe disse que estavam redigidas
em português; outros lhe
afirmaram que em iídiche. Antes
de um século pôde ser
estabelecido o idioma: um dialeto
samoiedo-lituano do guarani, com
inflexões de árabe clássico.
Também decifrou-se o conteúdo:
noções de análise combinatória,
ilustradas por exemplos de
variantes com repetição ilimitada.
Esses exemplos permitiram que
um bibliotecário de gênio
descobrisse a lei fundamental da
Biblioteca.
2
No eterno retorno, a repetição não é a repetição do mesmo, mas do diferente, a
diferença tem como objeto a repetição. No eterno retorno, a repetição é a potência da
diferença6.
Podemos nos perguntar em que circunstâncias a repetição revela acontecimentos.
Poderíamos dizer justamente nas derivações, nas relações entre a repetição, na relação
entre relações, na repetição que incide sobre repetições.
A hipótese que levantamos aqui é a da repetição como base de processos criativos ou
como condição que torna possível a criatividade. No entanto, para que isso ocorra, é
necessário pensar a repetição como processo. O processo repetição como forma de
proporcionar relações, abrindo-se a inesperados sentidos, dimensões, rotações.
Nesse processo o que importa é a experiência da coisa, não a coisa em si. O processo
assim se reinicia suscitando uma nova experiência de ruptura, o acontecimento. Os
elementos se repetem, mas a experiência é singular. Nesses instantes-repetições, a
experiência não se deixa representar, não existe em uma estaticidade.
Estamos interessados no mesmo no que se difere. Buscamos um raciocínio que
privilegia a intensidade, um dos mais importantes conceitos da teoria de Deleuze. O
acontecimento é intensidade, vontade de potência, querer interno. Estamos no domínio
do universo das intensidades – princípio intensivo das forças.
A vontade de potência não é a força, mas o elemento diferencial que determina tanto a
Esse pensador observou que
todos os livros, por diversos que
sejam, constam de elementos
iguais: o espaço, o ponto, a
vírgula, as vinte e duas letras do
alfabeto.
Também alegou um fato que todos
os viajantes confirmaram: "Não há,
na vasta Biblioteca, dois livros
idênticos". Dessas premissas
incontrovertíveis deduziu que a
Biblioteca é total e que suas
prateleiras registram todas as
possíveis combinações dos vinte e
tantos símbolos ortográficos
(número, ainda que vastíssimo,
não infinito), ou seja, tudo o que é
dado expressar: em todos os
idiomas23.
3
relação entre as forças (quantidade) quanto a qualidade respectiva das forças em
relação. A vontade de potência é o sensível, a sensibilidade das forças, o devir sensível
das forças, a sensibilidade diferencial.
O eterno retorno, compreendido como ser do devir, está intrinsecamente ligado à
vontade de potência considerada como devir das forças ou princípio da diferença7.
Estudando a repetição, podemos observar que ela ativa a imaginação, sustenta uma
ideia ou pensamento por um determinado tempo. Em linguística, destacamos duas
formas de repetição que bastante nos interessa. A repetição anáfora – a repetição da
mesma palavra ou grupo de palavras no princípio de frases ou versos consecutivos; e a
repetição pleonasmo – repetição que envolve redundância. Duas figuras de linguagem
que têm como objetivo reforçar a experiência-repetição.
Nesta tese, por exemplo, em diversos momentos, criamos palavras compostas como
instante-acontecimento. Mas se compreendemos que o acontecimento só existe entre
instantes, isso não faria sentido. Nossas palavras compostas também são pleonasmos,
nascem na tentativa de ressaltar e exagerar conceitos.
A repetição é um notável recurso poético na linguagem. Diversos escritores como
Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Rui Barbosa buscam intensidade
poética por meio da repetição. A repetição como força dinamizadora do discurso.
Já a repetição negativa seria aquela em que conceitos dogmáticos são repetidos sem
(...)
Acabo de escrever infinita. Não
interpelei esse adjetivo por
costume retórico; digo que não é
ilógico pensar que o mundo é
infinito. Aqueles que o julgam
limitado postulam que em lugares
remotos os corredores e escadas
e hexágonos podem
inconcebivelmente cessar – o que
é absurdo. Aqueles que o
imaginam sem limites esquecem
que os abrange o número possível
de livros24.
4
aberturas às derivações. Nesse sentido, repetir poderia ser sinônimo de esvaziamento
imaginativo ou de monotonia. Aqui, no entanto, estamos seduzidos pelo processo
repetição como eco de uma vibração secreta, como potência singular.
A Pop-Art, por exemplo, explorou a cópia, a cópia da cópia, até o ponto que a cópia
deixa de ser cópia e se torna simulacro, suscita Deleuze8:
(...) as repetições brutas e mecânicas do hábito deixam-se extrair pequenas modificações, que, por sua vez, animam repetições da memória para uma repetição mais fundamental em que a vida e a morte estão em jogo, mesmo que venham a reagir sobre o conjunto, nele introduzindo uma nova seleção, sendo que todas estas repetições coexistem e, todavia, estão deslocadas umas em relação às outras.
Como conduta externa, essa repetição talvez seja o eco de uma vibração mais secreta,
de uma repetição interior e mais profunda no singular que a anima, afirma Deleuze9:
Se a repetição é possível, é por ser mais da ordem do milagre que da lei. Ela é contra a lei: contra a forma semelhante e o conteúdo equivalente da lei. Se a repetição pode ser encontrada, mesmo na natureza, é em nome de uma potência que se afirma contra a lei, que trabalha sob as leis, talvez superior às leis. Se a repetição existe, ela exprime, ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um relevante contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a
5
permanência. Sob todos os aspectos, a repetição é a transgressão. Ela põe a lei em questão, denuncia seu caráter nominal ou geral em proveito de uma realidade mais profunda e mais artística.
Duas coisas só são diferentes se forem expressas por conceitos diferentes. A repetição
só pode ser definida como uma diferença sem conceito. Só há repetição se dois entes
ou dois acontecimentos idênticos naquilo que neles é representado forem distintos
numericamente no tempo, argumenta Deleuze10.
O conceito de repetição, de acordo com Deleuze11, tal qual as repetições físicas,
mecânicas ou nuas (repetição do mesmo), encontraria sua razão nas estruturas mais
profundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um "diferencial".
A partir de uma tese paradoxal – o grau máximo da diferença é o que existe na
repetição de algo idêntico – Deleuze, unindo-se aos pensamentos de Nietzsche12, nos
instiga para uma potência própria da repetição no projeto, no sentido da criação de
forças derivadas da repetição, em vez de criação de fórmulas repetidas. A repetição
aqui como um meio de explorar e de avançar no plano experimental do projeto.
Essas questões nos conduzem ao trabalho do arquiteto Peter Eisenman, aqui, mais
especificamente, o projeto do Memorial do Holocausto, em Berlim. O arquiteto propõe
um sistema de grid aberto com 2.700 pilares de concretos.
Esses blocos são organizados em um terreno irregular, abaixo do nível da rua, com
6
largura de 95 cm e altura que varia de 0 a 4 m. A distância entre os pilares permite a
passagem de apenas uma pessoa por vez.
Esse sistema de repetições permite variações infinitas a partir da experiência de cada
usuário/intérprete. O projeto potencializa a experiência individual e a sensação de
desconforto e solidão, incentivando a reflexão sobre o drama dos milhares de judeus
mortos na 2a Guerra. Eisenman provoca a instabilidade no que aparentemente é um
sistema ordenado e estável.
O arquiteto sustenta a ideia de que o resultado final do projeto não é uma síntese de um
processo, o resultado de uma acumulação, mas uma pausa arbitrária de uma série que
poderia continuar infinitamente através de deslocamentos sucessivos. Nesse senso,
contaminações e recombinações imprevisíveis são desencadeadas. A norma é
invertida, sem, no entanto, desaparecer.
Sugerimos, então, refletir sobre três formas de repetição que bastante nos instiga como
ferramentas de projeto na concepção do espaço urbano. Esses tipos, obviamente,
podem se sobrepor e nem sempre são facilmente identificados:
1- Repetição-pleonasmo. Repete-se para exagerar e ressaltar alguma coisa.
Repetição que envolve redundância/repetição desnecessária.
2- Repetição-anáfora. Repete-se somente quando se introduz um novo elemento.
Esse novo elemento pode ser de choque.
7
3- Repetição-esquecimento. Repete-se diversas vezes um objeto até que ele
passa a ser outra coisa.
Laugier, citado em diversos textos por Le Corbusier13 e por Tschumi14, já dizia:
“Uniformidade no detalhe, tumulto (movimento) no conjunto”. Ao contrário do que
fazemos, afirma Le Corbusier15, uma louca variedade dos detalhes e uma uniformidade
morna dos traçados das ruas e das cidades.
Tschumi16 suscita que qualquer um que sabe como projetar um parque não terá
dificuldades em traçar o programa de um edifício da cidade, de acordo com sua área e
situação. Deve haver regularidade e fantasia, relações e oposições, e elementos
casuais e inesperados que variem a cena; grande ordem nos detalhes, confusão,
excitação e tumulto, em geral.
Ao ler e reler essa colocação de Laugier e a citação de Le Corbusier e Tschumi em
diversas obras dos autores, questionamo-nos se não seria esta a tese de Deleuze e a
proposta de Eisenstein: o máximo de repetição para garantir o máximo de diferença.
Alimentando a nossa tese estão as premissas do grupo de estudos do “Studio V:
Singular Repetition”17, dirigido por Tschumi na Universidade de Columbia, Nova York:
O NÚMERO QUATRO
O número quatro feito coisa
ou a coisa pelo quatro quadrada,
seja espaço, quadrúpede, mesa,
está racional em suas patas;
está plantada, à margem e acima
de tudo o que tentar abalá-la,
imóvel ao vento, terremotos,
no mar maré ou no mar ressaca.
Só o tempo que ama o ímpar
instável
pode contra essa coisa ao passá-
la:
mas a roda, criatura do tempo,
é uma coisa em quatro,
desgastada25.
8
1. Mais repetição melhor a arquitetura.
Gostaríamos de argumentar que ao contrário da crença popular, quanto mais
houver repetição, melhor a arquitetura se torna18.
2. Não existe arquitetura sem repetição.
Começamos com a hipótese de que não há arquitetura sem repetição: com
suas linhas das janelas, colunas, tijolos, escadas, etc., a arquitetura
inevitavelmente é a arte organizadora da repetição19.
3. A repetição pode ser excitante e pode trazer novas descobertas.
Mais do que qualquer outra arte, a arquitetura depende da acumulação sem fim
de elementos semelhantes.
Longe de ser entediante, a repetição é excitante, desafiadora e pode levar a
novas descobertas, desde que você ultrapasse um determinado limite. Em
outras palavras: nós sugerimos que o excesso quantitativo é efetivamente
qualitativo20.
4. A repetição de elementos não quer dizer que a arquitetura será similar.
No entanto, toda a boa arquitetura é frequentemente singular. Isso significa que
9
ela não pode ser infinitamente reproduzida ou repetida. Por exemplo, imitar o
padrão repetitivo da cortina de vidro projetada por Mies van der Rohe não quer
dizer que a arquitetura será necessariamente boa, enquanto o seu original
foi21.
5. A arquitetura é singular.
Daí a nossa reivindicação: a melhor arquitetura é muitas vezes a manifestação de
ambas singularidade e repetição, ou repetição singular. Vamos, portanto,
argumentar em favor de "um-de-um tipo" de repetições22.
10
1 DELEUZE, 1988. 2 NIETZCHE, 1998. 3 DELEUZE, 1988, p. 112-171. 4 MACHADO, 2010, p. 89. O autor refere-se às conclusões de Deleuze (1988) sobre a vontade de potência e o eterno retorno. 5 MACHADO, ibid., p. 91. 6 MACHADO, ibid., p. 101. 7 MACHADO, ibid., p. 92. 8 DELEUZE, 1988, p. 275. 9 DELEUZE, ibid, p. 12. 10 DELEUZE, 1988. 11 DELEUZE, ibid. 12 NIETZSCHE, 1998. 13 LE CORBUSIER, 2000, p. 168. 14 TSCHUMI, 1996, p. 85. 15 Ibid. 16 Ibid. 17 http://www.arch.columbia.edu/workpage/work/courses/studio/advanced-studio-v-singular-repition. Acesso em junho de 2009. 18 Tradução livre da autora. Original: “We would like to argue that contrary to popular belief, the more repetition there is, the better the architecture becomes”. 19 Tradução livre da autora. Original: “We started with the hypothesis that there is no architecture without repetition: with its rows of windows, columns, bricks, steps, etc, architecture inevitably is the art of organizing repetition”. 20 Tradução livre da autora. Original: “More than any other art, architecture depends on the nearly endless accumulation of similar elements. Far from being boring, repetition is exciting, challenging and can lead to new discoveries, provided that you exceed a certain threshold. In other words, we suggest that quantitative excess is actually qualitative”.
21 Tradução livre da autora. Original: “Yet all good architecture is often singular. This means that it cannot be endlessly reproduced or repeated. For example, imitating the repetitive curtain wall pattern designed by Mies van der Rohe will not necessarily be good architecture, while its original was”. 22 Tradução livre da autora. Original: “Hence our claim: the best architecture is often the demonstration of both singularity and repetition, or singular repetition. We will therefore argue in favor of "one-of-a-kind" repetitions”. 23 BORGES, 1988, p. 72 e 73. 24 BORGES, ibid., p. 78 e 79. 25 João Cabral de Melo Neto, 2003, p. 396.
11
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1
: : Força do movimento: sensação de tempo
Dois instantes, duas posições, o movimento se fará no intervalo entre “dois”. Nada
aparece no início, mas no meio, no processo, quando as forças estão se fortalecendo.
Movimento supõe diferença de potencial.
Cada vez que nos encontramos diante de uma duração ou em uma duração, podemos
concluir a existência de um todo que se modifica, um registro em que o tempo se
inscreve1.
O movimento leva a uma mudança, a uma migração, vibração, radiação. O todo está
sempre aberto, está sempre mudando e fazendo surgir novos acontecimentos.
Bergson2 defende a tese de que o movimento não se confunde com o espaço
percorrido. O espaço percorrido é passado, enquanto o movimento é presente, é o ato
de percorrer. O espaço percorrido é divisível, mesmo que infinitamente divisível,
enquanto o movimento é indivisível. Segundo Deleuze3, os espaços percorridos
pertencem a um só e mesmo espaço homogêneo e tempo mecânico, enquanto os
movimentos são heterogêneos, irredutíveis entre eles.
De acordo com Bergson4, seria um erro reconstituir o movimento por meio de posições,
o movimento é atualização em matéria-fluxo. O movimento real é mais o transporte de
um estado que de uma coisa – movimento é sensação.
Quando vejo o móvel passar num
ponto, concebo certamente que
ele possa se deter nele; e, ainda
que não se detenha, tendo a
considerar sua passagem como
um repouso infinitamente curto,
porque necessito pelo menos do
tempo para pensar nele; mas é
apenas minha imaginação que
repousa aqui, e o papel do móvel,
ao contrário, é se mover14.
Em todo lugar onde alguma coisa
vive, existe, aberto em alguma
parte, um registro onde o tempo se
inscreve15.
2
A tese de Bergson é uma crítica às tentativas de reconstituir o movimento a partir do
espaço percorrido, ou seja, adicionando cortes imóveis instantâneos e tempos
abstratos. Movimento não é sucessão, e sim passagem de um repouso a outro repouso,
é absolutamente indivisível5.
Segundo Deleuze, o que Bergson instiga, além da tradução, é a vibração, a radiação6.
Se fosse necessário definir o todo, nós o definiríamos pela relação. A relação que não é
propriedade de um objeto, e sim exterior a ele. Sendo assim, inseparável do aberto, ela
não se confunde com um conjunto de objetos fechados7.
Deleuze8 alerta que não devemos confundir o todo com um conjunto ou como uma
junção de partes. O todo não é um conjunto absolutamente fechado, jamais
completamente protegido.
O movimento exprime a mudança da duração ou do todo. Deleuze afirma que : “o
movimento é um corte móvel da duração, isto é, do todo ou de um todo”9. Assim, toda
duração é eterna e o todo, infinito.
O movimento é para nossa imaginação um acidente, uma série de posições, uma
mudança de relações. Ressalta a abertura de tudo o que existe. O real deixa de se
confundir com o “visível” e passa a ser pensado como contendo uma grande parcela de
virtualidade.
(...) nossa imaginação,
preocupada antes de tudo com a
comodidade de expressão e as
exigências da vida material,
prefere inverter a ordem natural
dos termos. Habituada a buscar
seu ponto de apoio num mundo de
imagens inteiramente construídas,
imóveis, cuja fixidez aparente
reflete, sobretudo a invariabilidade
de nossas necessidades inferiores,
ela não consegue deixar de ver o
repouso como anterior à
mobilidade, de tomá-lo por ponto
de referência, de instalar-se nele,
e de não perceber no movimento,
enfim, senão uma variação de
distância, o espaço precedendo o
movimento16.
3
Acrópole
Evidenciamos aqui a acrópole como força do movimento-repetição que define as
proporções dos componentes dos templos, de acordo com proporções matemáticas e
utilização de princípios do que hoje denominamos perspectiva. Observamos um sistema
de repetição como força da perspectiva.
Os gregos brincavam com noções de perspectiva, regras que na época ainda não
existiam, como aumento de profundidade e altura. Podemos fazer uma analogia do
acesso monumental da Acrópole, o Propileu, com um desenho em perpectiva. A
repetição dos pilares dá uma sensação de que tudo parece muito maior do que
realmente é.
O equilíbrio entre os volumes posicionados à esquerda e à direita de um corpo central
(Propileu) aumentam a sensação de simetria e enfatiza o eixo da perspectiva que
direciona o olhar a um ponto: a Minerve Promachos. A estátua de bronze localiza-se em
uma tal posição e altura que o olhar é diretamente direcionado para ela. Nesse
enquadramento é como se só ela existisse. Os outros edifícios desaparecem.
Ao ultrapassar a estátua, temos o Erecteion, de um lado, em contrabalanço com o
Parthenon, do outro. Caminhando em direção ao Erecteion, deparamo-nos com o
Balcão das Cariátides. As estátuas se destacam por meio de um plano de elevação, e o
Então, num espaço homogêneo e
indefinidamente divisível nossa
imaginação desenhará uma
trajetória e fixará posições:
aplicando a seguir o movimento
contra a trajetória, o fará divisível
como essa linha e, como ela,
desprovido de qualidade. É de
admirar que nosso entendimento,
exercendo-se desde então sobre
essa ideia que representa
justamente a inversão do real, só
descubra nela contradições?17
4
olhar é direcionado à figura, mas agora esta figura é frente do edifício.
O Erecteion apresenta três pórticos desiguais e duas celas individuais, o edifício é
experimentado a partir de diversos enquadramentos, a promenade junto ao equilíbrio e
harmonia clássica.
No Parthenon10, mais uma vez o sistema de perspectiva é muito explorado. O efeito da
sutil correspondência entre a curvatura da estilobata11, o estreitamento da nave e os
entalhes das colunas faz com que o templo pareça maior e mais simétrico do que ele
realmente é.
As colunas são inclinadas para dentro do templo e são mais espessas e ligeiramente
salientes no meio, como se estivessem comprimidos pelo peso de sua carga. As
colunas do canto também são um pouco maiores no diâmetro. Se prolongamos a
direção das colunas, veremos que elas se encontrariam em um ponto congruente, não
sendo aprumadas como parecem12. O Parthenon também está elevado e pode ser
praticamente visto de qualquer ângulo da cidade.
A Acrópole demonstra a preocupação dos gregos com os enquadramentos e já
representa uma visão fílmica da arquitetura. O modo de distribuição do elementos
arquitetônicos no espaço é um princípio de montagem em que o personagem principal é
o homem que experimenta o lugar.
E porque estão fora deste eixo
violento, o Parthenon à direita e o
Erecteion à esquerda, você tem a
oportunidade de vê-los em três
quartos, na sua fisionomia total.
Não se deve pôr as coisas da
arquitetura todas sobre eixos,
porque seriam como pessoas que
falam ao mesmo tempo18.
5
Um dos primeiros cineastas a abordar a importância do enquadramento foi Eisenstein.
Utilizando como exemplo a Acrópole, ele ressalta a composição de seus
enquadramentos, a implantação de cada volume que requer pensar os pontos de vista
do usuário e o tempo desses deslocamentos.
Cada perspectiva traz seus planos, a montagem é marcada pelo ritmo. Sendo a
distância de um ponto de vista a outro considerável, e o tempo de deslocamento entre
eles relativamente longo.
Destacamos, assim, a ideia de montagem presente na Acrópole, que, de acordo com
Eisenstein, é o perfeito exemplo de um dos mais antigos filmes. A arquitetura como um
todo fragmentado sutilmente composto, shot by shot.
A montagem se revela como a sucessão de diversos enquadramentos; no entanto, os
enquadramentos são móveis, o que interessa é a confrontação entre os
enquadramentos.
Promenade: Le Corbusier
Essas noções apresentam grande aproximação com as ideias de promenade
architecturale, de Le Corbusier. Promenade como possibilidade de experimentação
Enquadramento do espaço e a
sucessão de lugares organizados
como shots de diferentes pontos
de vista (...). Como o filme, a
arquitetura – aparentemente
estática – é formada pela
montagem dos movimentos do
espectador19.
6
múltipla.
A promenade architecturale é geradora de acontecimentos. O espaço não é
estabelecido a partir de um ponto fixo, ideal e de uma visão circular, e sim a partir da
justaposição de elementos periféricos e policêntricos.
Le Corbusier afirma que a verdadeira arquitetura muda de vistas inesperadamente, em
tempos de surpresas. A arquitetura é apreciada enquanto movimento, andando e
movimentando de um lugar a outro13.
Observamos o declínio da herança renascentista. Em vez de englobar o olhar em um
único ponto de vista, existem sucessíveis vistas; não existe um ponto de vista capaz de
varrer o horizonte, nem um objeto único.
Resgatamos a noção de promenade como “princípio cinematográfico”. Não sobre um
ponto de vista único, mas sobre fragmentos que formam a noção de uma totalidade
aberta. Destacamos a experiência a cada passo, a cada enquadramento que aparece e
reaparece.
Assim, mais uma vez afirmamos que não devemos confundir espaço percorrido com
movimento. A ideia é que no percurso ocorra movimento, movimentação no sentido da
criação de relações. O movimento está sempre em via de atualização.
O que primeiro chama a atenção é o movimento, e só depois aquilo que se move20.
7
1 DELEUZE, 2006a, p. 20. 2 Primeiro capítulo de Matière et mémoire (BERGSON, 1939). Matière et mémoire: “les coupes mobiles”, “les plans temporels”. 3 DELEUZE, 2006a, p. 9. 4 BERGSON, 1939. 5 Tradução livre da autora. Original: “Tout mouvement, en tant que passage d'un repos à un repos, est absolument indivisible". BERGSON, 1999, p. 129. 6 DELEUZE, 2006a, p. 18. 7 DELEUZE, ibid., p. 20. 8 DELEUZE, ibid., p. 21. 9 Tradução livre da autora. Original: “(…) le mouvement est une couple mobile de la durée, c’est-à-dire du Tout ou d’un tout". DELEUZE, ibid., p. 18. 10 O formato básico de um templo dórico era uma estrutura retangular de mármore, cercada por uma fileira dupla de colunas, com um pórtico na frente e outro atrás. As colunas circundavam cada lado, sendo que na frente e no fundo do templo elas eram de 4 à 6 vezes mais altas do que o diâmetro do fuste.. Cada coluna tinha vários tambores. A forma do templo é chamada de “carpintaria petrificada”, pois ao utilizarem a pedra, os gregos adaptaram técnicas usadas em construções de madeira. 11 Estilóbata é a plataforma onde a coluna se apoia, sendo curvada para cima. 12 Especula-se que as dimensões do edifício expressem a proposta por Pitágoras. 13 LE CORBUSIER in BOESIGER (Ed.), 1999, p. 24. Desenvolvimento de Le Corbusier da ideia de promenade através do itinerário da Villa Savoye (1929-31) em relação ao movimento da arquitetura árabe. 14 BERGSON, 1999, p. 220. 15 Tradução livre da autora. Original: “Partout où quelque chose vit, il y a, ouvert quelque part, un registre où le temps s’inscrit". BERGSON, 1939, p. 508. 16 BERGSON, 1999, p. 256. 17 BERGSON, 1999, p. 256. 18 LE CORBUSIER, 2000a, p. 133.
19 Tradução livre da autora. Original: “Framing of space and the succession of sites organized as shots from different viewpoints (…) Like film, architecture- apparently static- is shaped by the montage of spectatorial movements". BRUNO, 2007, p. 56. 20 EISENSTEIN. “Como aprendi a desenhar” e “Como me tornei um diretor de cinema”, reunidos no primeiro volume das Memórias editadas em francês pela Union Générale d‘Éditions em associação com o Cahiers du Cinéma na coleção 10/18, Paris, 1978..
8
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1
: : A montagem como potencial criador
Não se pode parar, ser ou ficar, e sim se dirigir. A montagem é devir, um estar em
movimento. Trabalho de invenção, uma marca, um sinal. Traço, pista, rastro. Uma trilha,
um vislumbre: PROJETO.
Nossa busca constante está na possibilidade de abertura do projeto de arquitetura e
urbanismo ao gesto criador a partir de um “estouro de realidade”. Estamos interessados
na arte que existe na possibilidade do projeto criar novas realidades, expansões
imaginativas.
Nesse fluxo de ideias resgatamos a obra do cineasta Sergueï Mikhaïlovitch Eisenstein1
– seus estudos sobre montagem, enquadramento e sobre a composição de fragmentos
de representação. A montagem como um tipo de potência-repetição.
A montagem é originária da colisão entre diferentes enquadramentos. Cada elemento
sequencial não é percebido um ao lado da outro, mas em descontinuidades que surgem
na direção de rupturas entre os enquadramentos, caracterizando uma totalidade
fragmentária. As colisões são baseadas em conflitos de escala, ritmo, volume,
movimento, velocidade, direção de movimento dentro do enquadramento, entre outros.
A montagem suscita nos espectadores o movimento de constituição progressiva de uma
imagem. O espectador sai de si mesmo para vivenciar uma experiência que excede seu
Do projeto de filme ao filme
como projeto19.
2
confinamento sobre um único ponto de vista. O espectador-intérprete passa, assim, por
um processo de produção de sentidos.
Em um breve mergulho em algumas técnicas de montagem de Eisenstein, buscaremos
possibilidades de potencialização do projeto no espaço urbano. Para uma melhor
compreensão, trabalharemos com o filme Encouraçado Potemkin2, mais
especificamente com as cenas da escada de Odessa e a lógica de montagem envolvida
como forma de potencializar a sensação. O que importa são as reverberações
produzidas entre o usuário/projeto, espectador/filme, intérprete/obra.
Escada de Odessa: a repetição criadora
Observamos as sequências da escada de Odessa. Ações que se dividem em unidades
de montagem e estas em planos. A noção de montagem nasce na superposição de
imobilidades diversas.
Os planos mostram-se inacabados, não é possível saber de início de onde veio o
golpe. Um plano não se soma ao anterior, mas a fragmentos inacabados, aumentando a
sensação de desorientação. Observa-se as tentativas de sair do espaço cênico fixo.
Na sucessão das escadas, um carrinho de criança termina a imagem de uma avalanche
de pessoas na escadaria. O carrinho de criança cristaliza e condensa a ação do
conjunto e a repete. Mas não é uma repetição mecânica, é uma intensidade diferente:
Unidades de montagem:
(1) repetição que não é linear;
(2) corte espaço-temporal (choque
espacial);
(3) ligação, encadeamento e teia.
Elementos focais: guarda-chuva;
carrinho de bebê; óculos
perfurados.
3
primeiramente, a ação corre na extensão da grande escala – a multidão e algumas
pessoas que emergem. Posteriormente, a cena é fragmentada por ações condensadas,
cenas individuais – a mãe com seu filho, a mãe com o carrinho de bebê, os idosos,
todos seguindo o mesmo caminho da multidão.
Apesar do enquadramento ser individual, o que observamos é a construção de
personagens coletivos. Não existe espaço para conflitos individuais (ou
individualidades) ou para o desenvolvimento de um personagem principal. Em outras
palavras: o que vemos é a experiência individual através do coletivo. Os principais
personagens da sequência, como a mãe e o bebê, não reaparecem antes nem depois
no filme3. As cenas individuais intensificam a ação do conjunto.
A experiência do projeto será sempre individual, mas a ação coletiva. Está aí uma das
grandes lições de Eisenstein. O filme Encouraçado Potemkin é um projeto político.
Através da arte (montagem como meio na construção de sensações), Eisenstein queria
provocar dor e movimento individual. Uma dor que atingisse cada um e se
transformasse em revolução.
A repetição de uma ação individual (pequena escala) condensa o conjunto de uma ação
(grande escala) e intensifica o fluxo do todo.
Observamos na escada de Odessa a repetição de um tema de forma anafórica na
quase totalidade dos planos. Em outras palavras: a referência de um elemento x é
construída a partir do retorno total ou parcial de um elemento y. A repetição é uma
Sequência A: grito da mulher que
anuncia a presença dos soldados;
plano do guarda-chuva aberto,
preenchendo todo o campo visual
da câmara (ainda não sabemos o
que está acontecendo); a mãe
percebe que seu filho foi ferido por
uma bala.
Sequência B: contraposição entre
os soldados que descem a
escadaria atirando nas pessoas
que correm e a mãe subindo com
seu filho nos braços a escada.
Dois planos: mãe frente a frente
com os soldados, e fileira de
soldados que apontam para a mãe
– ordem para atirarem.
Sequência C: cena do carrinho de
bebê que desce as escadas, a
mãe que cai morta.
4
intensidade que está a todo momento a ponto de se desenvolver em um nível diferente
com objetivo de construção de uma ideia de conjunto.
As cenas da escada são marcadas pela alternância de movimentos de tensão e de
pausa. Os níveis de discordâncias entre diferentes imagens determinam a maior e a
menor intensidade de impressão e de tensão.
O efeito combinado da descontinuidade da montagem e da repetição do “motivo da
escada” reconstroem-nos mentalmente em relação às outras linhas, ângulos, pontos de
vistas, faces, número de personagens, seus movimentos e atitudes, e suas
recorrências.
Eisenstein propõe o choque da tese e da antítese, sua superação, gerando uma
síntese. O impacto ocorre em função do ritmo, jamais a partir da narrativa. Notamos, por
exemplo, o choque de movimentos: corrida das pessoas em primeiro plano para baixo;
corrida das pessoas em médio plano para baixo; movimento ritmado dos soldados para
baixo; mãe em sentido inverso com o filho nos braços; descida do carrinho de bebê.
Observamos a disposição dos personagens, que determina a montagem pela
movimentação das figuras no plano. Na escadaria de Odessa, a multidão vai descendo,
mas com uma velocidade e segundo forças e idades diferentes.
E, então, começa a confusão, as pessoas tropeçam, são jogadas escada abaixo, tudo
em grande velocidade. O importante é o envolvimento do espectador com a dor, com a
Sobreposições: rostos
aterrorizados dos que assistem;
menino sem pernas que reaparece
nas cenas. Cenas que reforçam
ainda mais o drama.
5
desordem, com o massacre. A intenção não é explicativa, a ideia é que o espectador,
por meio da sobreposição de frames fragmentados, sofra o golpe das pessoas na
escadaria.
A imagem que cada espectador cria é única; no entanto, tematicamente semelhante. O
tema da escadaria é a dor.
Repetição – sequência – acontecimento: uma lógica de proximidade
sequencial
A cena da escadaria começa com um rosto de mulher sendo atingido, o quadro fecha-se
no rosto encoberto pelos cabelos. Depois, um guarda-chuva aberto que cobre todo o
plano. De maneira mais geral, o presente é constituído pelo corte quase instantâneo da
nossa percepção sobre a multidão da escadaria. Assim como afirma Bergson:
(...) este corte é precisamente o que chamamos de mundo material, aquilo que sentimos diretamente decorrer; em seu estado atual consiste a atualidade do nosso presente. Se a matéria, enquanto extensão no espaço, deve ser definida, em nossa opinião, como um presente que não cessa de recomeçar, nosso presente, inversamente, é a própria materialidade de nossa existência, ou seja, um conjunto de sensações e de movimentos, nada mais4.
Roteiro A:
1. filho com a mãe correm junto
com a multidão;
2. criança pisoteada;
3. multidão;
4. mãe com o filho no colo em
direção aos soldados;
5. outros observam a cena
aterrorizados;
6. a mãe é baleada.
Roteiro B:
1. mãe com carrinho de bebê para
na multidão;
2. mãe baleada;
3. carrinho de bebê rola escada
abaixo;
4. mulher chocada observa;
5. mulher baleada nos olhos;
6. carrinho continua a descer as
escadas;
7. carrinho quase vira; a cena
termina.
6
O espaço cinematográfico é receptor de um uso sequencial. A sequência é acumulativa,
seus enquadramentos sucessivos se tornam significativos através de sua justaposição.
Eles estabelecem uma memória – aquela do enquadramento anterior5.
No entanto, a sequência é mais que uma configuração que se segue (en suite). Não é
simplesmente o espaço que se repete, mas ele se desenvolve em um nível diferente a
partir de cada experimentação.
Observamos uma sucessão de unidades discretas, parece algo representado dentro de
um raciocínio, simultaneamente o não apresentável: o rompimento, um ser em devir.
Rousse6 sustenta a ideia de que a montagem no cinema é uma estética da
separação/fragmentação, mais que do choque. Segundo o autor, a montagem parte de
uma lógica acumulativa, serial e que só podemos avançar por saltos entre o que já foi e
ainda não é.
Assim, a coexistência das heterogeneidades faz sentido no espaço-tempo criado entre
os enquadramentos. A sensação se constrói no espaçamento rítmico, nos jogos de
intervalo como espaços temporais, spatia tempora7.
A montagem suporta a ambivalência da separação e constrói temporalmente uma
dialética do afeto (affect). O sentimento manifesta a indissociabilidade entre o prazer e o
desprazer.
1º fragmento – plano fechado –
rosto de mulher sendo empurrada
– o rosto não se movimenta –
rosto encoberto pelos cabelos.
2º fragmento – plano mais aberto
– não é possível ver o rosto
encoberto.
3º fragmento – revela o rosto –
composição idêntica a do segundo
fragmento – o que torna o
movimento mais brusco.
4º fragmento – fechado sobre o
rosto – boca aberta e grito.
7
(...) o golpe que bate DE REPENTE e desorienta a cabeça da mulher bate também nos olhos, na razão e no sentimento do espectador, que assim atingido pelo golpe vindo também lá do alto, lá de trás (da cabine de projeção), vê não apenas as pessoas que se jogam escadaria abaixo em completa desordem: vê em desordem; vê fragmentos sem sentido; se vê como os personagens que vê: despencando-se escada abaixo8.
Poderíamos dizer que, se existe algum tipo de verdade na ciência, é a de uma ação
recíproca de todas as partes da matéria umas sobre as outras: forças atrativas e
repulsivas. Entre as moléculas se exercem forças atrativas e repulsivas, turbilhões e
linhas de força.9
Junto ao choque têm-se o fragmento. A fragmentação que desperta e possibilita um
todo, um projeto.
(...) entre duas ideias quaisquer, escolhidas ao acaso, há sempre semelhança e sempre, se quiserem, contiguidade, de sorte que, ao descobrir uma relação de contiguidade ou de semelhança entre duas representações que se sucedem, não se explica em absoluto por que uma evoca a outra10.
A ação desenfreada da cena da escadaria de Odessa funciona como um suporte de
repetição que assegura à montagem uma coerência a partir da sua própria repetição.
Que existem, num certo sentido,
objetos múltiplos, que um homem
se distingue de outro homem, uma
árvore de outra árvore, uma pedra
de outra pedra, é incontestável,
uma vez que cada um desses
seres, cada uma dessas coisas
tem propriedades características e
obedece a uma lei determinada de
evolução. Mas a separação entre a
coisa e seu ambiente não pode ser
absolutamente definida; passa-se,
por gradações insensíveis, de uma
ao outro: a estrita solidariedade
que liga todos os objetos do
universo material, a perpetuidade
de suas ações e reações
recíprocas, demonstra
suficientemente que eles não têm
os limites precisos que lhes
atribuímos20.
8
Diferentes aspectos vêm e voltam, o que permite ao espectador de se impregnar do que
se passa, superando a sensação de choque. Isso ocorre de tal maneira que a
impressão que temos é que a cena da escada dura muito mais tempo que a duração
cronométrica.
O ritmo da montagem é fundado na experiência da durabilidade do plano na percepção
do espectador. Assim, se Eisenstein privilegia em certos momentos a montagem curta,
é para interrogar a ilusão de continuidade no sentimento de duração.
Através do movimento descontínuo, elíptico, entre os planos, junto ao reaproximamento
dos tempos e dos lugares (tempos múltiplos), a escadaria nos parece imensa, infinita e
fugaz.
O tempo de coexistência, a imagem do tempo, a “força do tempo”, que torna
compossíveis presentes incompossíveis, faz coexistirem passados não
necessariamente verdadeiros, e toda uma potência se afirma como criadora, afirma
Pelbart11. O que permanece após o corte é um pensamento de constituição de uma
forma simbólica, uma ideia como forma imaginal.
Oposição como força motriz
Eisenstein compreende a oposição na montagem como força motriz, não como
elemento acidental, reprovando, nesse sentido, David Griffith, que é considerado o
9
criador da montagem paralela.
Segundo Griffith, a montagem reflete a visão dualista do mundo, visando sempre à
existência de duas linhas paralelas em direção a uma reconciliação impossível na qual
elas se cruzariam.
A montagem típica do cinema clássico e narrativo de Griffith é rejeitada por Eisenstein,
que propõe uma montagem que colabora para a falta de uma evolução dramática dos
personagens e evita o encadeamento, o fluxo natural dos acontecimentos, privilegiando
a inserção de planos que destroem a continuidade do espaço12.
O cinema é um sistema que reproduz o movimento em função de instantes
equidistantes escolhidos de maneira a dar a impressão de uma certa continuidade.13
Eisenstein propõe uma montagem rítmica que, como o seu nome sugere, ocorre sobre o
ritmo de sucessão dos planos; esse tipo de montagem é bastante visível na sequência
da escadaria de Odessa.
Assim, ao contrário do modelo de linguagem proposto por Griffith de um cinema
estruturado em uma narrativa, Eisenstein propõe a determinação de instantes
privilegiados que não representam apenas a evolução, o crescimento, mas vetores em
desenvolvimento. O resultado do choque entre planos é o ponto focal e não as imagens
isoladas. E é justamente na passagem de uma oposição à outra que a imagem muda de
potência.
10
Montagem de atrações14
Contrariando a técnica da época, Eisenstein força os planos, transformando-os ao
colocá-los ao lado de outros aparentemente incompatíveis. Ele denomina esta técnica
de “montagem de atrações", o que faz com que o choque de duas imagens crie uma
nova síntese que não são mais as imagens apresentadas.
Eisenstein defende a desproporção e a irregularidade, atrações que causem no
espectador reações de estranhamento, ao contrário de uma montagem que “amorteça”
seus sentidos e o deixe estático. Propõe um cinema que “pensa por imagens” em vez
de “narrar por imagens”; propõe uma “montagem de atrações”.
A ideia de Eisenstein era que o sentido do filme surgisse do choque produzido pela
sobreposição das cenas. Eisenstein busca, por exemplo, experiências de montagem na
pintura chinesa de papel, em que o olhar não alcança de uma só vez, mas, como no
cinema, pela montagem de sucessivas visões.
Eisenstein afirma15 que: “Uma atração é qualquer aspecto agressivo do teatro; ou seja,
qualquer elemento que submete o espectador a um impacto sensual e psicológico,
regulado experimentalmente para produzir nele certos choques emocionais (…)”.
A montagem para Eisenstein, afirma Machado16:
Pegue as ações mais banais e
mude o ponto de vista. Pegue os
tipos e conflitos psíquicos mais
tradicionais e mude o ponto de
vista 21.
11
(…) era um mecanismo ativador de conflitos, que ele jogava um plano contra o outro, que ele quebrava a continuidade dos eventos, impondo portanto uma visão multifacetada do fenômeno. Conflito de direções, conflito de cores ou tonalidades, conflito de jogos de iluminação, de volumes, de velocidades, de formas em geral: o que importava para Eisenstein não era a reprodução naturalista do mundo sensível, mas a articulação de imagens entre si, de modo que a sua contraposição ultrapassasse a mera evidência dos fatos, gerando sentido. A montagem, para ele, tinha por função destruir as aparências do mundo sensível, para em seguida poder reconstituí-lo sob uma óptica nova e penetrante.
A montagem de atrações acabou sendo fundamental na criação de toda a sua técnica
de montagem, que opunha cenas diferentes (atrações) para criar impacto significante
(estímulo).
Projeto montagem / espaço urbano
A técnica de montagem17 nos revela possibilidades projetuais no processo de
concepção do espaço urbano. A lógica da superposição de enquadramentos a partir de
pequenos detalhes é um meio de aguçar uma situação e dinamizar o espaço.
As repetições das cenas de Odessa têm certa unidade e ordem no detalhe, no entanto,
é exatamente a sobreposição dessas sequências que garante um todo aberto,
12
experimental – ACONTECIMENTO.
Através da passagem pela experiência de montagem de Eisenstein vamos nos
deparando com questões de projeto: a experiência individual e a ação coletiva; a escala
como elemento dinamizador do espaço; o espaço com elementos de tensão e pausa; a
oposição como força motriz de um projeto; a montagem de atração como técnica para
suscitar o conflito e gerar reação; e, então, a repetição que sustenta todo este processo.
O guarda-chuva, por exemplo, que poderia ser um elemento urbano, o fechamento da
cena. Muitas árvores, depois nenhuma árvore. Árvores dispersas. Troncos largos,
troncos finos. Sobreposições. Os elementos cinematográficos podem ser usados como
plano de suspense no projeto. De repente um vasto horizonte, de repente o espaço se
comprime. Muita informação, de repente nenhuma informação. Elementos se repetindo,
ritmo. A pequena escala, a grande escala.
Vale ressaltar que o tema da montagem e repetição esteve bastante presente no
cenário da arte durante o século XX, como, por exemplo, através do cubismo – tentativa
da síntese de múltiplas perspectivas em uma pintura. No entanto, a ideia de criação de
uma nova imagem através da associação de imagens concretas estava mais ligada à
combinação, construção e desconstrução de uma forma, não à construção de
experiências entre elementos sequenciais. O que nos importa agora é a montagem
como forma imaginal, como acontecimento.
Sob essa perspectiva, este estudo privilegia o processo-montagem que por si só já
13
possui um caráter experimental. A montagem como gesto criativo, como uma técnica
que legitima o processo de concepção do projeto através da experimentação. O terreno
é preparado para ali brotarem imagens-sensações, acontecimentos.
Não estamos mais no domínio da simples vibração, mas no da ressonância, afirma
Bacon18. É necessário que haja uma relação entre as partes separadas, mas essa
relação não deve ser lógica nem narrativa: força do movimento que faz nascer a
sensação de tempo.
(…) onde o tempo se abre
onde as lógicas espaciais se
invertem (…)22
14
1 Ressaltamos que depois de Eisenstein muito já foi discutido sobre o processo de montagem no cinema. O cinema hoje se divide em duas correntes: os que defendem a montagem como processo de criação cinematográfica (filmes experimentais) e os que afirmam que, devido à tecnologia, a montagem não se faz mais necessária. Não queremos entrar nessa discussão, reconhecemos que seria bastante inocente tentar nos posicionar. 2 EISENSTEIN S. M. Le cuirassé Potemkine (filme), 1925, 72 mn. 3 Inexistem tipos complexos, todos são arquétipos. Dois protagonistas coletivos, o encouraçado e a cidade de Odessa e o vilão, igualmente coletivo, o Estado czarista. 4 BERGSON, 1999, p. 162. 5 DELEUZE, 2006, p. 13. 6 ROUSSE, 2010. 7 ROUSSE, Ibid., p. 34. 8 Efetivo afetivo. Texto escrito para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro como introdução à leitura de A forma do filme e O sentido do filme e à visão do material não montado de ¡Que viva México!, de Sergei Eisenstein. Acesso em abril de 2010: http://www.escrevercinema.com/efetivo_afetivo.htm. 9 Ver BERGSON, 1999, p. 234. 10 BERGSON, Ibid., p. 162. 11 PELBART, 2004. 12 XAVIER, 1984, p. 108. 13 DELEUZE, 2006, p. 14. 14 Ensaio “Montagem de Atrações”, texto de Eisenstein publicado na revista LEF nº 3, 1923. 15 Apud XAVIER,1984, p. 107. 16 MACHADO, 1983, p. 55. 17 Observa-se frequentes citações de Eisenstein a Choisi, Le Corbusier, Tatlin e aos construtivistas russos. Arquitetura como montagem, como um processo de montagem. 18 DELEUZE, 2007. (Entrevista com Francis Bacon).
19 Título da obra: Glass House: Du projet de film au film comme projet. 2009. 20 BERGSON, 1999, p. 246. 21 Tradução livre da autora: “Prendre les actions les plus banales. Et changer le point de vue. Prendre les types et les conflits psychiques les plus traditionnels. Et changer le point de vue”. EISENSTEIN, in LAUMONIER, 2009b, p.26. 22 Tradução livre da autora. Original: “ (…) où le temps s’enraye, où les logiques spatiales s’inversent (…)”. La Mise En Scene Theatrale D'eisenstein, 2009, s/p.
15
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16
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1
: : Prazer e intrusão: possibilidades projetuais em Tschumi
As noções de projeto trabalhadas nesta tese nos une à obra do arquiteto Bernard
Tschumi: o projeto como experiência e descoberta; o projeto como transbordamento; o
projeto como devir; o projeto entre a previsibilidade e imprevisibilidade, entre o
conceitual e experimental.
Entre os projetos de Tschumi, evidenciamos o projeto Manhattan Transcripts e suas
reverberações no projeto do Parc La Villette1. Projetos que se manifestam através de
diferentes linguagens e se sobrepõem em possibilidades projetuais.
Destacamos, assim, alguns pontos fundamentais na obra de Tschumi: a teoria não é um
meio de chegar ou justificar uma forma ou prática em arquitetura; os conceitos podem
vir antes ou depois do projeto; o conceito é a possibilidade de ativar questões.
De acordo com Tschumi, não é possível haver uma relação de causa e efeito entre a
concepção do projeto e a experiência do projeto; a instabilidade entre concepção e
experiência é inerente à arquitetura, gerando “um arranjo sem fim de incertezas”2.
Adotamos a premissa segundo a qual teoria e prática caminham juntas. A possibilidade
de abertura do projeto do Parc La Vilette foi o que possibilitou o projeto sobrevir nos 15
anos de sua implantação, incluindo diferentes mandatos e diversos atores envolvidos no
processo de negociação. Tschumi afirma “(...) se o conceito não tivesse sido
A arquitetura é interessante
apenas quando se domina a arte
de ilusões perturbadoras, criando
pontos de ruptura que podem
iniciar e parar a qualquer
momento24.
2
descontínuo, não teríamos construído o projeto. O conceito de descontinuidade nos
permitiu resolver uma situação política (…)”3.
A produção de Tschumi está contextualizada na mesma época que Deleuze e Guattari
publicavam a obra Mil platôs4, livro sem introdução, meio ou fim. Clarice Lispector
também já havia publicado diversos livros que rompiam com as formas narrativas na
literatura.
O conteúdo só se renova se também se renova a forma. Vemos isso em Deleuze e
Guattari, Clarice Lispector e Tschumi. Algumas questões são recorrentes nessas obras:
fim da narrativa; multiplicidade; experiência; sensação; provocação; autonomia do
usuário intérprete. O que importa são as manifestações da obra no sujeito, não a obra
em si.
Sem dúvida o projeto do Parc La Villette junto ao projeto de Manhattan Transcripts são
um marco na história da arquitetura e do urbanismo, pois rompem barreiras. Barreiras
rígidas que ainda sustentam a arquitetura e o urbanismo.
(...) Os conceitos que eu retiro da
escrita não são exatamente os
mesmos dos que eu retiro dos
desenhos. E quando eles se
reforçam mutuamente, pode ser
muito emocionante. Mas isso não
ocorre necessariamente de
maneira sequencial; conceitos
podem preceder ou acompanhar
os projetos25.
3
Manhattan Transcripts e Parc La Villette
Manhattan Transcripts foi um projeto desenvolvido por Bernard Tschumi com seus
alunos entre os anos de 1977 e 1981, período em que era professor na Architectural
Association School of Architecture (AA), em Londres.
O autor não tinha a intenção de construí-lo. Esse projeto manifesta-se como um
questionamento da arquitetura através de sua representação. De acordo com Tschumi,
se alguém pretende renovar a disciplina arquitetônica, o primeiro passo deverá ser,
então, questionar sua linguagem.
O arquiteto afirma que: “Manhattan Transcripts difere da maioria dos desenhos
arquitetônicos na medida em que não são projetos reais ou reprodução formal de um
objeto, nem meras fantasias. Eles propõem transcrever uma interpretação arquitetônica
da realidade”5.
Em Manhattan Transcripts, o arquiteto explora por meio dos diagramas as relações
entre os espaços, os movimentos e os eventos6 no processo da “experiência
arquitetural”.
Tschumi trabalha com quatro episódios arquiteturais: O Parque (o assassinato), A Rua
(o encontro), A Torre (a queda), O Bloco (os rituais). A construção dos episódios é
desenvolvida a partir da incorporação de técnicas de montagem, deslocando a ideia de
Notação de Arquitetura –
Architecture Notation
script – novela – romance x
justaposição – superposição
vetores de movimento –
representação de movimentos e
eventos
sequência – frame-by-frame –
montagem – dispositivos (devices)
4
espaço fixo e representações estáticas. O que importa é a possibilidade do fato, não o
fato em si mesmo.
O modo de notação7 é composto por três níveis de representação – espaço, movimento
e evento – junto à introdução do tempo – movimento, intervalo, sequência.
Dois são os elementos estruturais de seu sistema de notação: o quadro e a sequência.
Os enquadramentos existem como um jogo sequencial, o que importa é o que está
entre a sucessão dos quadros, o elo, o interlúdio.
A técnica de montagem é utilizada por Tschumi frame-by-frame: isolamento de
fragmentos; o espaço que se desenvolve em cada enquadramento; relações entre
enquadramentos. O elemento arquitetônico funciona quando colide com um elemento
programático, com o movimento dos corpos no espaço.
Nesse processo, o arquiteto muitas vezes sobrepõe vários enquadramentos em uma
única imagem/diagrama. É como colocar vários quadros sobrepostos em uma
imagem/representação. Tschumi afirma:
O que me fascinou na época do Transcripts (e ainda me fascina) é que eu podia pegar um programa e desmantelá-lo, cortá-lo e reconfigurá-lo do mesmo modo que eu podia com qualquer material visual. De fato, a localização das peças do programa é arquitetura. Em outras palavras, isso não era diferente de escrever um roteiro para um filme: pode-se ter um assassinato no início e um assassinato no final, ou dois assassinatos no meio8.
5
O arquiteto trabalha com princípios de desvio9. Utiliza um elemento ou uma instituição
para algo diferente de sua finalidade, ou seja, diferentes partes de um programa que
podem colidir umas com as outras. Como, por exemplo, utilizar peças de uma loja de
departamento para dar uma palestra sobre o consumismo. Ou como no projeto do
concurso para a Biblioteca Nacional da França (Très Grande Bibliothèque –
Bibliothèque F. Mitterrand – Paris, 1989), em que o arquiteto propõe uma pista de
correr junto aos ambientes de leitura. Atividades aparentemente conflitantes. A ideia é
explorar as imbricações espaciais de um programa. O programa como forma de ativar o
espaço. O espaço por si mesmo não existe.
Essas experimentações são exploradas no concurso do Parc La Villette, em Paris10, que
representa um novo paradigma do urbanismo, o qual pretendia repensar o tradicional
parque parisiense a partir de novas relações entre forma e função.
O concurso redesenha o cenário urbano, estando contido nele novas posturas de
intervenção na cidade, presentes em projetos urbanos posteriores. Destacamos, por
exemplo, o fato de se pensar o parque não como um lugar de contemplação que imita a
cidade ou lugar de fuga da cidade, mas o parque como a própria cidade.
O parque não se refere mais ao ideal, ao fixo e ao absoluto, nem restaura as
tradicionais regras de composição, hierarquia e ordem da arquitetura. O parque é a
cidade com suas multiplicidades e conflitos.
Segundo Tschumi, o projeto de La Villette parte da necessidade insistente de fazer a
(...) a questão da arquitetura não é
a função – o uso – ou a forma – o
estilo – ou mesmo qualquer
adequação entre forma e função,
mas sim a união de todas as
combinações e permutações
possíveis entre as diferentes
categorias de análise – espaço,
movimento, acontecimento,
técnica, simbólica, etc. – Fazer a
arquitetura não é compor, ou fazer
a síntese de restrições, mas
combinar, permutar; colocar em
relação, de maneira ostensiva ou
secreta (...)26.
6
arquitetura dizer mais do que ela é capaz de dizer, e continua:
(...) o projeto de La Villette é concebido dentro do objetivo explicíto de incentivar novas relações. Mais do que o culminar de um processo de pensamento, o projeto se torna o ponto de partida de uma longa série de transformações que conduzirão gradualmente à realidade construída11.
O projeto do parque une noções de evento e movimento à sobreposição de um sistema
autônomo de pontos, linhas e superfícies. Em outras palavras: dinâmicas do movimento
do corpo no espaço e dinâmicas dos eventos e atividades.
Tschumi afirma que: “(…) a sobreposição de três estruturas coerentes nunca pode
resultar em uma megaestrutura supercoerente, mas em algo imprevisível, algo que é
oposto a uma totalidade”12.
O sistema é estruturado por um grid que faz alusão a uma repetição infinita, a um
projeto sem barreiras, sem hierarquia, sem início e sem fim, que poderia continuar
infinitamente. O projeto não tem um centro. O parque é cidade e não um refúgio da
cidade.
Esse grid é demarcado por Pontos, construções que foram denominadas Folies13. É
dada a estrutura para diferentes programas. As construções estão prontas para receber
novas significações. A ideia das folies é desenvolver uma sensibilidade para o que
(...) a arquitetura é definida por
ambos espaço e evento, mas o
arquiteto só tem poder sobre um
dos dois. No entanto, há um pouco
mais do que isso. Primeiramente,
o espaço não é totalmente neutro;
ele pode ser ativado pelo
movimento, que na verdade é o
terceiro termo da equação. E é
quando o arquiteto reorganiza as
diferentes partes do programa em
diferentes maneiras que o
movimento dos corpos começa a
ter um efeito sobre a relação entre
essas variadas atividades neste
espaço particular. Assim, o
arquiteto não tem controle sobre o
evento, mas um certo controle
sobre as condições: pode-se
realmente projetar condições27.
7
Tschumi chama de “condições” ou “situações”14.
Outra estrutura são as Superfícies, planos livres que garantem grande liberdade e
instabilidade programática. Essas, por exemplo, podem ser utilizadas como lugar de
descanso, como também espaço de grandes eventos.
Já as Linhas são os percursos. Destacamos o percurso conhecido como Promenade
Cinématique. Observamos ali a utilização das técnicas de montagem na sobreposição
de enquadramentos.
Tschumi trabalha com a ideia de montagem que pressupõe autonomia das partes e
fragmentos. Cada fragmento mantém sua independência, permitindo, no entanto, uma
multiplicidade de combinações.
A independência das três estruturas superpostas (pontos-linhas-superfícies) evita a
homogeneização do parque em uma totalidade. Elimina-se a presunção de causalidade
entre programa, arquitetura e significação, afirma Tschumi15.
Utiliza-se as técnicas de montagem, não segundo uma lógica formal, mas de acordo
com uma lógica sequencial. No lugar da existência única temos a existência serial: o
objeto se atualiza em cada encontro com o espectador/usuário. O objeto é o mesmo, a
experiência sempre será única.
Através de articulações espaciais simples é possível que os usuários se voltem para
eles mesmos16, sendo essa a experiência estética que envolve sensações e
(...) uma vez que a prática social
rejeita o paradoxo entre o espaço
ideal e o real, a imaginação
(experiência interior) talvez seja o
único meio de transcender isso.
(...) Então a solução para o
paradoxo é a mistura imaginária
da regra arquitetônica com a
experiência do prazer28.
8
sentimentos intensificados, o que denominamos acontecimento. No sentido de
possibilitar aberturas para o usuário experimentar suas próprias experiências.
Arquitetura do prazer
A hierárquica relação causa-efeito entre função e forma é uma das grandes certezas do
pensamento arquitetônico. No entanto, afirma Tschumi17, essa noção caminha contra o
real prazer da arquitetura, com as suas combinações inesperadas e também contra a
vida urbana contemporânea, com suas mais estimulantes e indeterminadas direções.
A arquitetura do prazer é perversa porque sua aparente significância está fora da
utilidade ou propósito e em seu extremo não está necessariamente direcionada a dar
prazer, instiga Tschumi18. A materialidade do corpo tanto coincide como confronta com
a materialidade do espaço. O espaço que afeta os sentidos muito antes da razão19.
Tschumi fala de uma arquitetura da intrusão e da violência. A violência pode causar
incômodo e desconforto, mas também prazer e satisfação. As relações entre o espaço e
o movimento como indiferença, reciprocidade, conflito seriam modos de violência.
O prazer da arquitetura é concedido quando ela cumpre as expectativas espaciais de
alguém, assim como incorpora as ideias e os conceitos arquitetônicos com inteligência e
invenção. Ainda existe um prazer especial que resulta de conflitos: quando o prazer
sensual do espaço conflita com o prazer da ordem20.
A arquitetura pode apenas agir
como um recipiente no qual os
seus desejos, os meus desejos,
possam ser refletidos. Então, uma
obra de arquitetura é arquitetural
não porque seduz, ou porque
cumpre alguma função utilitária,
mas porque coloca em movimento
as operações da sedução e do
inconsciente29. (…) eu sempre
tento criar uma tensão, não
resolvê-la30.
9
Paralelamente, Tschumi21 associa as palavras evento e invenção, sendo a noção de
evento uma dimensão de ação no tempo. Evento não como uma sequência de ações,
mas um turning point.
O choque, a desfamiliarização, afirma o autor, como a capacidade da arquitetura
rejuvenescer. O evento como uma emergência de uma multiplicidade que permite a
abertura àquilo que é fixado. O arquiteto afirma:
Eu amo a beleza visual. Mas eu não quero olhar para ela de forma congelada, permanente e absoluta. Eu gosto de sua natureza transitória, suas constantes transformações ao longo do tempo, do lugar, ou do uso, incluindo suas feias mutações ocasionais. A série de transformações das folies foram uma forma consciente para se certificar de que todas as imagens permanecem relativas22.
O espaço público é o local de acontecimentos, porque, em contraste com as áreas
especialmente programadas, existem locais onde os acidentes podem acontecer. Essa
é a noção de local de invenção, o lugar onde certas reuniões do acaso ocorrem, suscita
Tschumi23.
O sistema de formas físicas está ali para permitir o acaso – permitir o acontecimento.
Projetamos as condições para o acontecimento. Não projetamos nem temos controle
sobre o acontecimento. Em outras palavras: quando se projeta uma construção não se
pode desenhar o acontecimento, mas as condições para que ele ocorra.
Para realmente apreciar a
arquitetura, você pode até mesmo
precisar cometer um
assassinato31.
10
1 Existem diversas controvérsias sobre o projeto do Parc La Villette. A intenção aqui não é descrever o parque, contextualizá-lo dentro de um período histórico tampouco fazer uma análise lógico-formal sobre o projeto. Para isso, já existem muitas bibliografias. 2 TSCHUMI, 1996, p. 21. 3 Tradução livre da autora. Original: “(...) if the concept hadn’t been discontinuous, we couldn’t have built the project. The discontinuous concept allowed us to solve a political situation (…). Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 68. 4 Mille Plateaux. Les Édition de Minuit, Paris. 5 Tradução livre da autora. Original: “The Manhattan Transcripts differ from most architectural drawings insofar as they are neither real projects nor mere fantasies. They propose to transcribe an architectural interpretation of reality”. TSCHUMI, 1981, p. 7. 6 A ideia de evento junto à noção de espaço e movimento já havia sido documentada em diversas outras disciplinas, como: dança, literatura, certos esportes, teoria fílmica, e ainda no trabalho de diversos artistas, com destaque para as performances artísticas. 7 Tschumi utiliza a palavra notação no sentido da criação de um sistema gráfico de representação. Representação de amplitude de probabilidade. 8 Tradução livre da autora: “What fascinated me at the time of the Transcripts (and it still does) is that I could take a program and dismantle it, cut it up, and reconfigure it in as I same way could with any visual material. In fact, the location of the pieces of the program is architecture. In other words, this was not unlike writing a script for a film: one could have a murder at the beginning and a murder at the end, or two murders in the middle”. TSCHUMI, 1981, p. 34. 9 Noções dos situacionistas. 10 GOULET, 1982. 11 TSCHUMI, 1987, p. 26. 12 Tradução livre da autora: “(...) the superimposition of three coherent structures can never result in a supercoherent megastructure, but in something undecidable, something that is opposite of a totality”. TSCHUMI, 1996, p. 199.
13 A ideia era que as folies continuassem o grid além do espaço destinado para se fazer o parque. No entanto, isso não aconteceu. 14 “Circumstances” or “Situations”. TSCHUMI, 1996. 15 Tradução livre da autora. Original: “The independence of the three superposed structures thus avoided all attempts to homogenize the Park into a totality. It eliminated the presumption of a preestablish causality between program, architecture, and signification. Moreover, the Park rejected context, encouraging intertextuality and the dispersion of meaning”. TSCHUMI, ibid., p. 200. 16 Tradução livre da autora. Original: “ (...) besoin insistant de faire dire à l’architecture plus qu’elle n’est capable de dire (...) le projet de la Villette est conçu dans le but explicite d’encourager de nouvelles relations. Plutôt que l’aboutissement d’un processus de pensée, le projet devient le point de départ d’une longue série de transformation qui conduiront peu à peu à la réalité construite”. TSCHUMI, ibid., p. 42. 17 TSCHUMI, ibid., p. 255. 18 TSCHUMI, ibid. 19 TSCHUMI, ibid., p. 39. 20 TSCHUMI, ibid., p. 91. 21 TSCHUMI, ibid., p. 257. 22 Tradução livre da autora. Original: “I love visual beauty. But I don’t want to look at it in a frozen, permanent, and absolute way. I like its transient nature, its constant transformations through time, place, or use, including its occasional ugly mutations. The serial transformations of the folies were a conscious way to make sure that all images would remain relative”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 95. 23 Entrevista com Tschumi, 1965-1975 – AA – ARCHITECTURAL ASSOCIATION SCHOOL OF ARCHITECTURE, p. 114-115. 24 Tradução livre da autora. Original: “Architecture is interesting only when it masters the art of disturbing illusions, creating breaking points that can start and stop any time”. TSCHUMI, 1996, p. 91. 25 Tradução livre da autora. Original: “ (…) the concepts I derive from writing are not quite the same as the ones I derive from drawing. And when they reinforce one another, it can be very exciting. But it doesn’t necessarily happen in a
11
sequential way; concepts can either precede or follow projects”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 37. 26 Tradução livre da autora. Original: “(...) le jeu de l’architecture n’est ni la fonction – l’usage -, ni la forme – le style –, ni même toute adequation entre fonction et forme, mais plutôt l’ensemble des combinations et permutaions possible entre différentes catégories d’analyse – espace, mouvement, événement, technique, symbole etc – Faire de la architecture n’est pas composer, ou faire la synthèse des contraintes, mais c’est combiner, permuter ; c’est mettre en relation, de façon manifeste ou secrète (…)”. TSCHUMI, 1987, p. 24. 27 Tradução livre da autora. Original: “(...) architecture is defined by both the space and the event, yet the architect only has power over one of the two. However, there is a little more to it than that. Fist of all, space is not completely neutral; it can be activated by movement, which is actually the third term of the equation. And it’s when the architect reorganizes the different parts of the program in certain ways that the movement of bodies starts to have an effect on the relationship between those varied activities in that particular space. Hence, the architect has no control over the event but some control over conditions; one can actually design conditions”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 77. 28 TSCHUMI, 1996, p. 50-51 (tradução). 29 TSCHUMI, ibid., p. 96 (tradução). 30 Tradução livre da autora. Original: “I always try to create tension, not resolve it”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 62. 31 TSCHUMI, Manifesto 1 – Fireworks, 1974.
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1965-1975 – AA – ARCHITECTURAL ASSOCIATION SCHOOL OF ARCHITECTURE.
PARTE III
: : Rastros IMAginais: o que fica e o que vai ------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 06
: : Bastidores do diálogo com os autores ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 12
1
: : Rastros IMAginais – o que fica e o que vai
Estamos investigando a arte que existe na possibilidade do projeto criar novas
realidades, expansões imaginais. Assim, vamos pinçando espaços de criações, nuances
de um pensar urbano.
IMAginal no sentido de criar, como possibilidade de dar visibilidade à imaginação. Não
estamos no mundo empírico dos sentidos, nem no mundo abstrato do intelecto, mas
entre os dois: entre o mundo inteligível e o mundo sensível.
O que importa não é o projeto em si, mas para onde ele nos leva. Vislumbramos a
autonomia conquistada não para a arquitetura e o urbanismo, mas para o sujeito que
experiencia o projeto; abrimos espaço para acontecimentos outros.
Buscamos a construção de forças, não a construção de formas. Assim, como afirma
Attali1: “o objeto da arquitetura não é a forma, mas a ação de dar forma a alguma coisa:
um uso, uma situação ou um lugar, uma ‘forma de vida’”.
A arquitetura e o urbanismo não se constitui como campo autônomo, depende das
ações. Uma pequena ação pode ser amplificada diversas vezes. O importante é o senso
de ativação. O projeto possui uma função de instauração junto a forças de derivação.
Derivar no sentido de sair da rota estabelecida, desviar de seu curso, fazer provir,
deslocar.
IMA – atrai
Imaginação
Ação
Criação
IMAginal – mundus imaginalis
2
O acontecimento é um conceito que deixa emergir as multiplicidades. O acontecimento
inesgotável de multiplicidades de devires. O devir como a passagem de uma potência a
outra.
O acontecimento está fundado no inesperado, no imprevisível, fora do controle do
arquiteto. É preciso deixar a imaginação sonhar, deixar o acontecimento.
Projetar é agir sobre um tempo desconhecido. O arquiteto-urbanista deve encorajar a
imprevisibilidade. Os incidentes têm poder.
O projeto como a possibilidade de elevar a potência da sensação. A experiência, o
acontecimento, como revelação de um universo sensível, bloco de sensações, um puro
ser de sensações2.
E para que projetamos? Não seria para construir blocos de sensações?
Intensidades síntese
Um projeto, “falta sempre um pouco de explicação”3.
O projeto como processo, como um sistema aberto que se inicia quando parece ter
terminado e que vive em um estado de devir. O projeto que reconhece a cidade aberta,
sobretudo a cidade que permite a expressão dos conflitos.
O projeto que ao ser tocado já se mistura, já não é mais projeto, é devir homem,
Os eventos contêm sua própria
imprevisibilidade. A arquitetura
deve em vez de gerar forma, deve
incentivar ou provocar
imprevisibilidade5.
3
paisagem e cidade. O projeto que se renova a cada nova captura, por isso
simultaneamente eterno, dinâmico, finito.
Podemos dizer que o que se conserva do projeto é a sensação, o acontecimento.
Consideramos que é no instante-acontecimento que encontramos a perenidade do
projeto no urbano.
Este trabalho coloca em evidência o processo-montagem que por si só já possui um
caráter experimental. A montagem como gesto criativo, como um movimento que
legitima o processo de repetição na concepção do projeto através da experimentação.
A montagem inclui dispositivos como repetição, inversão, substituição e inserção. “Estes
dispositivos sugerem uma arte de ruptura, em que a invenção reside no contraste –
mesmo em contradição”4, afirma Tschumi.
Privilegiamos na tese o dispositivo repetição como elemento ativador do espaço. A
repetição como geradora de um processo de diferenciação. Temos, assim, a potência
do processo. A repetição assegura a distribuição e o deslocamento, o transporte do
elemento para outras dimensões.
As ideias de Tschumi são provocadoras de tensão e intrusão. Para avançar é
necessário provocar situações de conflito, reações. Como deixar o projeto se
expressar? Como projetar para revelar acontecimentos?
Esta tese é uma manifestação contrária aos projetos que buscam a continuidade do que
4
existe ou do que percebemos existir e denominamos realidade. Consideramos que o
desafio do projeto no espaço urbano está no transbordamento da realidade, o projeto
precisa ir além do que somos ou do que pretendemos ser.
A qualidade do projeto está na habilidade de revelar os desejos secretos nos desejos
objetivos. O espaço como lugar privilegiado de passagens, reversões, acrobacias e
jogos de pique-esconde. O projeto é uma totalidade fragmentária e, assim, tem a
capacidade de desenvolver a próxima hipótese – a hipótese a vir.
Estamos em busca de intensidades-outras. Intensidades IMAginais.
5
6
1 Tradução livre da autora. Original: “L’objet d’architecture n’est pas la forme, mais l’action de donner forme à quelque chose: un usage, une situation ou un lieu, une forme de vie”. ATTALI, 2001, p. 8. 2 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 217. 3 Referência à frase de Dusapin, 2009, p. 9: “Une musique ‘ça manque toujours un peu d’explications”. 4 Tradução livre da autora. Original: “These devises suggest an art of rupture, whereby invention resides in contrast – even in contradiction”. TSCHUMI, 1996, p. 197. 5 Tradução livre da autora. Original: “Events contain their own unpredictability. Architecture ought to generate form rather, encourage or trigger unpredictability”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 83.
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TSCHUMI, Bernard. Architecture and disjunction. Cambridge: MIT Press, 1996.
WALKER, Enrique. Tschumi on architecture: conversations with Enrique Walker. New York: The Monacelli Press, 2003.
1
: : Bastidores do diálogo com os autores
Dentro do processo da tese, os autores foram se encontrando. Ao estudar a trajetória de
vida de Eisenstein, deparamo-nos com o seu encontro em Paris com Le Corbusier.
Bacon, autor bastante estudado no início da tese, pintando a cena de uma mulher
sendo atingida no rosto na escadaria de Odessa (Encouraçado Potemkin). Tschumi e
seus estudos a partir de Eisenstein. De repente, vamos descobrindo que a história dos
autores estão de certa forma ligadas. Encontros que, à primeira vista, parecem
coincidências, mas que formam uma família de pensadores.
Pensamentos não lineares, questionamentos de linguagens. Clarice Lispector1
questiona a literatura e o próprio ato de escrever. O texto fala de tudo e de nada.
Tschumi2 nos pergunta o que é arquitetura e afirma que, se não questionamos a forma
de representação, o conteúdo também não muda. Borges3, através de seus contos,
cristaliza a filosofia de Deleuze. Nos diálogos de Deleuze e Bacon4, Bacon defende uma
pintura não descritiva e narrativa.
Na obra La musique en train de se faire5, o compositor Dusapin une os pensamentos de
Deleuze ao processo de criação da música e, de alguma forma, com os pensamentos
de Tschumi. A música e seus processos não lineares. Dusapin nos questiona sobre
como construir uma forma. Ele aborda questões como: derivar; dobrar; amarrar; desviar
e sempre enxertar, incitações, segundo ele, relativas ao ato de construir, ao ato de criar.
(…) desviar uma força que se
move e transformar a matéria
desviando-a da direção que ela
tomaria naturalmente8.
2
Nesse processo destaca a repetição como forma de criação. A repetição que gera
criação. “Repetir uma nota é o grau zero de um gesto musical”, afirma Dusapin6. E
continua: “Nós começamos a compor uma música, ou mais nós a continuamos,
retornando ao fluxo precedente”7.
Destaco o título da obra de Dusapin: La musique en train de se faire; ou seja, em
processo, em trânsito, a criação aberta. Destacamos a proximidade com o que
gostaríamos de fixar com a tese, se existe algo fixo: o projeto “en train de se faire”, “in
the process of being”, no curso de…
Observações:
Segue diagrama das influências de Tschumi que foi feito a partir de diversas leituras dos
livros do autor, das entrevistas com o autor e dos livros sobre o autor. É uma grande
síntese de uma forte corrente de pensadores nas mais diversas áreas do conhecimento.
Ao realizar este diagrama, descobrimos grandes afinidades teóricas. Autores que
influenciaram todo este trabalho.
Segue também diagrama com nossas principais afinidades teóricas (“Bastidores do
diálogo com os autores”), trazendo os autores que mais nos influenciaram na
construção deste trabalho. Alguns não aparecem nas referências bibliográficas, estão
apenas nas entrelinhas, são brechas para novos estudos.
Quando um som se prolonga, eu
tenho algumas vezes o sentimento
de me perder, sua origem se
apaga9.
Em suma, a borda de uma coisa é
a sua forma10.
Construir a forma é sem cessar
desviar, depois reunir, acrescentar
e dispor estes fragmentos, estas
dicas, estas parcelas de pequenas
músicas que nascem dela
mesma11
3
4
5
6
1 LISPECTOR, 1973. 2 TSCHUMI, 1996. 3 BORGES, 2007. 4 DELEUZE 2007. 5 DUSAPIN, 2009. 6 Tradução livre da autora. Original: “Répéter une note est le degré zero du geste musical”. DUSAPIN, 2009, p. 37. 7 Tradução livre da autora. Original: “On commence à composer une musique, ou plutôt on la continue en reprenant le flux précédent”. DUSAPIN, 2009, p. 35. 8 Tradução livre da autora. Original: “(…) détourner une force qui meut et transforme la matière en la déviant de la direction qu'elle aurait naturellement prise”. DUSAPIN, 2009, p. 22. 9 Tradução livre da autora. Original: “Lorsqu’un son se prolongue, j’ai quelquefois le sentiment de m’y perdre, que son origine s’efface”. DUSAPIN, 2009, p. 53. 10 Tradução livre da autora. Original: “En somme, le bord d’une chose, c’est sa forme”. René Thom, citado por DUSAPIN, 2009, p.3 5. 11 Tradução livre da autora. Original: “Construire la forme, c’est sans cesser détourer, puis assembler, accoler et disposer ces fragments, ces bouts, ces parcelles de petites musiques qui naissent d’elles-mêmes”. DUSAPIN, 2009, p. 62.
7
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