tese de doutorado moema loures

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MOEMA FALCI LOURES espaço ginal IMA Rastros de uma escritura em projeto TESE DE DOUTORADO_PROURB_UFRJ

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Page 1: Tese de Doutorado Moema Loures

MOEMA FALCI LOURES

espaço ginal IMARastros de uma escritura em projeto

TESE DE DOUTORADO_PROURB_UFRJ

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  I  

MOEMA FALCI LOURES  

 

Espaço  IMAginal:  rastros  de  uma  escritura  em  projeto  

 

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Urbanismo como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Urbanismo. Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Letras e Artes Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (Prourb) Orientadora:

Professora Doutora Rosângela Lunardelli Cavallazzi

Rio de Janeiro, 2011

Moema  Falci  Loures  

Page 8: Tese de Doutorado Moema Loures

  II  

 

 

 

Espaço  IMAginal:  rastros  de  uma  escritura  em  projeto  

 

 

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (Prourb),

da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em

Urbanismo.

Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2011

Page 9: Tese de Doutorado Moema Loures

  III  

Page 10: Tese de Doutorado Moema Loures

  IV  

Agradecimentos

Aos meus pais, Flávia e Renato, pelo apoio incondicional.

Aos meus irmãos, Gisela e Renato

Ao Fábio, pelo carinho e amor.

À amiga Claudinha, pelas trocas e sincera amizade.

Aos companheiros de tese em Paris, Wanda, Mônica, Alberto e Adriana.

Ao professor Jean Attali, que me recebeu na École Nationale Supérieure d'Architecture – Paris Malaquais, no âmbito do Doutorado Sanduíche, abrindo novos horizontes e descobertas.

Ao Pascal Rousse, que muito me ensinou sobre Eisenstein, montagem, arte e cinema.

Aos professores do Prourb, em especial às professoras Lúcia Costa e Denise Pinheiro Machado.

Ao querido professor Carlos Murad e seus ensinamentos rumo a um universo sensível.

Ao corpo técnico do Prourb, em especial à Keila, sempre disposta a ajudar.

Ao apoio do CNPq, que financiou os anos de estudo no Brasil. À Capes, que financiou meus estudos em Paris.

À querida professora Rosângela Cavallazzi, orientadora e amiga, pelo incentivo, confiança e afeto.

Page 11: Tese de Doutorado Moema Loures

  V  

Resumo

Espaço IMAginal: rastros de uma escritura em projeto

Vislumbramos um raciocínio que privilegia a intensidade – o acontecimento. O projeto no

espaço urbano não como ruptura ou como continuidade, mas como transbordamento;

não como construção de formas, mas como construção de forças. O projeto que suscita

tensão, não inclusão direta. A tese considera o processo repetição-montagem como

base de processos criativos, como meio de explorar e de avançar no plano experimental

do projeto e potencializar a sensação. Nossa busca constante está na abertura do

projeto de arquitetura e urbanismo ao gesto criador por meio de um “estouro de

realidade”. Estamos interessados nas potencialidades do processo de criação, que

tendem a gerar novas realidades, expansões imaginais. Suscitamos que o grande

desafio que temos como arquitetos urbanistas é a capacidade de deixar o projeto aberto

à experimentação. O que importa não é o projeto em si, mas para onde ele nos leva.

Buscamos, assim, rastros de uma escritura em projeto, nuances de um pensar

urbano no espaço IMAginal.

Palavras-chave: projeto – urbanismo – arquitetura – imaginal – montagem – repetição.

Page 12: Tese de Doutorado Moema Loures

  VI  

Abstract

IMAginal space: traces of writing in design

We envision an argument that favors intensity - the event itself. Design in the urban

space not as a rupture or continuity but as an overflow; not as building forms but as

building strength. The design that raises tension, not direct inclusion. The thesis

considers the repetition-assembly process as the basis of creative processes, as a

means to explore and improve experimental design and to enhance feeling. Our constant

search lies in the possibility of opening urban design to a creative gesture through a

"burst of reality". We are interested in the potential of a creative process that tends to

generate new realities, imaginal expansions. We point out that the greatest challenge we

have as Architects and Urbanists is the ability to leave design open to experimentation.

What matters is not design itself, but where it leads us. Thus we seek traces of writing in

design, nuances of an urban thinking in the IMAginal space.

Keywords: design – urbanism – architecture – imaginal – assembly – repetition.

 

Page 13: Tese de Doutorado Moema Loures

  VII  

Résumé

Espace Imaginal: une écriture en projet

Nous envisageons un argument qui favorise l'intensité - l'événement. Le projet est perçu,

dans l’espace urbain, non comme rupture ou une continuité, mais bien comme une sorte

de “débordement”. L’objet du projet n’est pas la construction de formes, mais la

construction de forces. Le projet soulève des tensions, mais pas de participation directe.

La thèse considère le processus répétition-montage comme base du processus de

création ; comme un moyen d'explorer et d’avancer dans le plan expérimental du projet

et de potentialiser la sensation. Notre constant moteur de recherche réside dans

l’ouverture à la création, du projet urbain et d’architecture, par un “éclatement de la

réalité”. Nous sommes intéressés par les potentialités du processus de création, qui

tendent à la genèse de nouvelles réalités, d’expansions "imaginales" . Le grand défi des

architectes urbanistes résiderait alors dans leur capacité à laisser le projet ouvert à

l’expérimentation. Ce qui importe n'est pas le projet lui-même, mais bien où il nous

mène. La thèse propose alors les traces d’une écriture en projet, véritables nuances

d’une pensée urbaine dans l’espace imaginal.

Mots-clés: projet – urbanisme – architecture – imaginal – montage – répétition.

Page 14: Tese de Doutorado Moema Loures

  VIII  

Fichas

PARTE I : : Manchas ------------------------------------------------------------------------------------------ 01 - 13

: : Experimentação múltipla e intensidade-acontecimento ------------------------------- 01 - 09

: : Entre o conceitual e experimental, previsível e imprevisível ------------------------ 01 - 09

: : Teorias modernas ------------------------------------------------------------------------------ 01 - 08

PARTE II

: : Projeto, repetição e devir ---------------------------------------------------------------------- 01 - 11

: : Força do movimento: sensação do tempo ------------------------------------------------ 01 - 08

: : A montagem como potencial criador ------------------------------------------------------ 01 - 16

: : Prazer e intrusão: possibilidades projetuais em Tschumi ----------------------------- 01 -12

PARTE III : : Rastros IMAginais: o que fica e o que vai ------------------------------------------------ 01 - 06

: : Bastidores do diálogo com os autores ---------------------------------------------------- 01 - 12

Page 15: Tese de Doutorado Moema Loures

PARTE I

: : Manchas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 01 - 13

: : Experimentação múltipla e intensidade-acontecimento ------------------------------------------------------------------------------- 01 - 09

: : Entre o conceitual e experimental, previsível e imprevisível ------------------------------------------------------------------------ 01 - 09

: : Teorias modernas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 01 - 08

Page 16: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Manchas

Quando começamos a ler um texto, queremos logo de início saber o tema. Afinal, do

que se trata? E quando a intenção não é o conteúdo em si, e sim o processo de

construção? Como falar em projeto como gesto criador sem pensar na própria tese

como um processo-projeto, um vir-a-ser? Como ter Gilles Deleuze como marco-teórico e

não continuar reproduzindo aquilo que ele critica através do método? Por que ao lermos

Clarice Lispector não encontramos o tema de sua narrativa? Por que Francis Bacon joga

a tinta na tela antes de começar a pintar? Como interromper a narração e impedir a

ilustração? Por que insistimos todos os dias em querer nomear as coisas, como se o ato

de nomear fosse reflexo do entendimento de certo tema ou objeto? Por que criamos

palavras que fingem entender as coisas?

O que é construir uma tese de doutorado no fim da primeira década do século XXI? Por

que continuamos reproduzindo a modernidade através do método? O que fazer com

tudo que nos dizem sobre o que é uma tese? Que história estamos construindo através

de nossas teses? O que é ser consistente em um mundo editado, quando a única

certeza é a própria incerteza? E então, onde repousa as dimensões criativas do projeto

dentro do campo do urbanismo?

O que existe além da tese? O que podemos desvendar no espaço “entre” a tese, o

projeto e a cidade? Como representar a imagem-tese? Por que poucos falam dentro dos

campos da arquitetura e do urbanismo sobre o processo criativo do projeto no urbano?

É nas bordas de uma brecha da

escuta que um outro provável

se descobre11.

Page 17: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

Será que realmente se trata de uma ciência social aplicada? A partir de quando

começamos a pensar no conhecimento como algo aplicado? Da matemática à física?

De acordo com Aristóteles, a ânsia pelo conhecimento é o instinto humano, por isto não

é aplicado ou tem alguma finalidade?

Vivo em um espiral de intensas perguntas, e atrás delas há brechas de desconfortos.

Como evitar nosso encadeamento em processos metodológicos que daqui a alguns

anos podem não fazer o menor sentido ou que já não o fazem? Temos a autonomia das

folhas em branco, escolhemos os nossos temas, nossos marcos teóricos, nossas

referências bibliografias, mas por que pouco criamos metodologicamente e acabamos

nos amarrando em âncoras que nós mesmos pouco acreditamos (ou que fazemos um

grande esforço em acreditar)?

Manchas em torno do método

Ao escutar a palavra metodologia, via de regra a associamos a uma proposta fechada,

rígida. Traçamos objetivos, metas e justificativas. Escrevemos o trabalho, uma

introdução, desenvolvimento e, então, uma conclusão. Também buscamos conceitos,

utilizado-os segundo um ou outro autor, fazemos comparações.

Temos medo de errar e de não sermos fiéis aos autores ou/e aos nossos critérios

preestabelecidos. Escrevemos na 1ª pessoa do plural. Eu escrevo na 1a pessoa do

Eu procuro jamais arquiteturar

meu discurso a partir de uma ideia

central, mas ao contrário procuro

criar ramos através de

ramificações sucessivas (...)12.

Page 18: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

plural.

Nesse limiar epistemológico uma questão perpassa o método, paradigmas do mundo

moderno: hierarquias, categorias, limites, dicotomias, aplicações. Paradigmas que não

reconhecem os princípios da incompletude e da incerteza, sendo ao mesmo tempo

princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos

consciência disso1.

Diríamos que ainda caminhamos junto às crenças que predominaram até a década de

1950, a própria ideia de conhecimento se alinha à reprodução/automatização. Como se

pensar a arquitetura e o urbanismo como ciência social aplicada fosse natural. Ou como

escrever uma tese com início, meio e fim também fosse natural.

É fato que a noção de criatividade, liberdade e complexidade são bastante recentes, o

que não quer dizer que antes elas não existiam2. Já há algumas décadas observamos

que estas palavras vão sendo reproduzidas através do conteúdo de teses e

dissertações, mas dificilmente as incorporamos no processo metodológico, no processo

de criação.

Tomemos o conceito de rizoma criado por Deleuze e Guattari como exemplo. Em uma

busca rápida, observamos a quantidade de trabalhos acadêmicos, vinculados aos mais

diversos campos do conhecimento, que utilizam esse conceito. Então me pergunto: o

quanto criamos através desse conceito?

O pintor não pinta sobre uma tela

virgem, nem o escritor escreve

sobre uma página branca, mas a

página ou a tela estão já de tal

maneira cobertas de clichês

preexistentes, preestabelecidos,

que é preciso de início apagar,

limpar, laminar, mesmo

estraçalhar para fazer passar uma

corrente de ar, saída do caos, que

nos traga a visão13.

(...) amarrações

Page 19: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

Ler e reler a obra de Deleuze e Guattari, de acordo com a metodologia dos próprios

pensadores, é um ato de produzir novos sentidos. Os conceitos para serem conceitos

devem nos arrastar rumo a regiões múltiplas, desarticuladas e imprevisíveis; planos

que não são os dos autores, mas efetivamente os nossos. Não interessa se somos

platônicos; cartesianos, kantianos ou deleuzianos, e sim como determinados conceitos

podem ser reativados em nossos problemas e inspirar novos acontecimentos.

É fato que a força dos conceitos criados por Deleuze e Guattari ao passar dos anos foi

sendo vulgarizada e, muitas vezes, transformada em metáforas, analogias ou em uma

espécie de sedução verbal, reduzindo-se o próprio conceito de conceito. Assim como

afirma Zourabichvili: “Talvez a filosofia atual se veja frequentemente diante de uma

falsa alternativa: expor ou utilizar”.3

Segundo Deleuze e Guattari4, não há conceito simples de um só componente. Todo

conceito é multiplicidade, tem um contorno irregular, definido pela cifra de seus

componentes; é um todo, mas um todo fragmentário. O conceito tem uma história, mas

esta se desdobra em zigue-zague. O conceito possui um devir.

Deleuze é método; assim, utilizar o conceito de rizoma é criar ideações a partir dele.

Ficamos, no entanto, na incoerência de utilizar esse conceito (ou outro) em uma

estrutura de trabalho hierarquizada, moderna, na qual predomina a lógica binária e as

relações biunívocas.  

A própria palavra metodologia nos parece neste instante um pouco pesada, impregnada

A criação de conceitos faz apelo

por si mesma a uma forma futura,

invoca uma nova terra e um povo

que não existe ainda14.

Page 20: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

de PREconceitos ou PÓS-conceitos. Uma palavra que esconde, muitas vezes, modelos

cartesianos de pensamento, regras sem variações, ordem sem desvio.

Ainda somos cartesianos? O quê, afinal, é pensar na primeira década do século XXI?

Que diferença faz se utilizamos conceitos que quebram os paradigmas modernos, se

ainda reproduzimos a modernidade através do método?

É provável que o papel fundamental de Deleuze tenha sido a construção de armas de

guerra. Ele nos deixou munidos. No entanto, ele não podia garantir como as armas

poderiam vir a ser utilizadas. Temos as armas e, assim, precisamos lutar.

Não é sem razão que Deleuze ganhou grande destaque nas mãos de artistas. Talvez

ele seja uns dos filósofos que mais tenha conseguido aproximar a filosofia da arte.

Deleuze libera o tempo plural, paradoxal, vertiginoso, intempestivo 5.

Cito como exemplo a minha experiência ao ver o filme dirigido por Fernando Meirelles a

partir do livro do escritor José Saramago Ensaio sobre a cegueira. Lembro que, quando

o vi, ficava tentando me lembrar do final do livro que eu já havia lido há algum tempo (...)

não conseguia me lembrar. Naquele momento a estrutura narrativa amarrada a um

início, meio e fim se sobressaía; eu queria saber o final. Claro que não me lembraria do

final, pois no processo de experimentação-leitura mergulhava no artifício de um vir a ser

cegueira. Eu caía nas minhas próprias armadilhas metodológicas.

Durante o livro não existia necessariamente uma causa e efeito, não existia um enigma

O poder do texto faz descobrir a

possibilidade de o desenvolver

de outra maneira15.

(...) armadilhas

Page 21: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

que ao fim seria descoberto. O problema não importava, mas o estado do problema,

pois o problema não tem resposta. A obra pronta não é o conforto, mas o limiar do

desconforto. A arte não tem finalidade!

Não se procura aqui uma resposta, uma ideia de completude, e sim várias respostas e

perguntas. Os pedaços não são um quebra-cabeça, pois os contornos irregulares não

se correspondem. Um trabalho acabado é um trabalho inexistente.

(...) devir tese, devir projeto

Adianto que não temos a intenção de apresentar uma temática e depois desenvolvê-la.

A intenção é que o tema se revele através da tese. Sugiro talvez abrir a tese em um

ponto qualquer. Que o início ou o fim das páginas – literalmente – não signifique nada,

talvez apenas uma escolha casual. As ideias repetem-se e fixam-se através da própria

linguagem, se sobrepõem, no entanto, não se hierarquizam.

Frisamos que na tese a teoria – e/ou fundamentação teórica – e a metodologia estão

sempre correlacionadas. Não há diferença entre a maneira que a tese fala e a maneira

que a tese é feita. Se a tese fala sobre o projeto e também é um projeto de tese, deve

existir como devir.

Nossa busca está na possibilidade de desvendar potenciais criadores. Vamos, assim, no

decorrer do trabalho, pinçando espaços de criações, nuances de um pensar urbano.

O problema da filosofia (meu

problema) é de adquirir uma

consistência, sem perder o infinito

no qual o pensamento mergulha16.

Devir é nunca imitar, nem fazer

como, nem se conformar a um

modelo, seja de justiça ou de

verdade. Não há um termo do

qual se parta, nem um ao qual se

chegue ou ao qual se deva

chegar.

Devires são fenômenos de

captura, conteúdo próprio do

desejo, são a própria

consistência do real17.

Page 22: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

A tese é nossa tentativa de tocar o que atravessa processos criativos. O que nos

importa não é projeto como um caso exemplar ou como obra completa, e sim suas

possibilidades de expansão. Não existe uma meta, mas um caminho.

Projetar não é prever, projetar é agir sobre um tempo desconhecido. Como a tese pode

vir a ser mais que uma teoria que tenta explicar a prática, como pode ser a experiência-

teoria?

Nessa perspectiva de tolerar ambiguidades em vez de tentar cristalizá-las, está meu

maior conforto e desconforto.

O projeto além do projeto... o objeto além do objeto... A tese é ensaística, não existe

uma solução. O risco de tratar a linguagem como um fluxo, e não como um código, é

nossa grande motivação, a démarche do desejo, errância de sentidos. Respiração!

(...) pensamento em projeto

Buscamos aqui recuperar a importância do pensamento em projeto. Onde guardamos a

inteligência do processo projetual de arquitetura e urbanismo? Como utilizar este

pensamento em um processo-tese?

Questionamo-nos sobre o fato da arquitetura ter saído do campo da arte, ido para

engenharia e hoje ser considerada, junto ao urbanismo, uma ciência social aplicada,

algo que foi sendo construído pelo próprio campo e por uma visão compartimentada do

(...) é na estrutura artificial que a

realidade do tema será

aprisionada, e a armadilha, ao

fechar-se sobre o tema, deixará à

mostra somente a realidade. 18

Page 23: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

senso comum teórico.

Destacamos na obra de Secchi6 que o urbanismo coincide com um saber mais do que

com uma ciência. O urbanismo que não se ocupa apenas em responder ou caracterizar

a cidade, mas também em imaginar um futuro. O urbanismo que penetra e acompanha

diferentes formas de projetos da cidade, que descreve, ilustra, demonstra, argumenta,

sugere e solicita imaginários coletivos e individuais.

Como decisão projetual, decidimos trabalhar a tese em dois extratos:

1. Fichas: transbordamento de citações e textos escritos, às vezes explicativos, às

vezes propositivos ou provocativos. As fichas são um corte no caos, dá algum tipo de

direção e sentido. O texto que agora você está lendo é uma das fichas.

2. Diagrama sanfona: Possibilidades imaginais. Projeto sanfona: deslocamento das

citações e referências. Reserva invisível, o caminho trilhado, o processo da tese.

Escolhemos trabalhar com a dobragem em sanfona, pois assim a penúltima página

pode ser vista junto com a décima segunda. Os desdobramentos são múltiplos. Os

usuários determinam a ordem da sua leitura. As combinações formam variações

infinitas.

O ideal de um livro seria expor toda coisa sobre um tal plano de exterioridade, sobre uma única página (...)19

(...) imagem diagrama: corrente de ar

Page 24: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

9  

Os temas abordados nas fichas estão implícitos na forma sanfona e sobrevivem na

tentativa de manifestar o conteúdo. Propomos trabalhar a tese como um grande

diagrama em formato sanfona. Os textos são as fichas que sustentam o diagrama.

Funcionam como apoio à experimentação tese-leitura.

O diagrama sanfona é, portanto, a possibilidade do tema, não o tema em si mesmo.

Sendo ele mesmo uma catástrofe, não deve produzir catástrofe; sendo uma zona de

borragem, não deve borrar a obra.

Na sanfona tentamos deslocar as imagens de suas referências, como possibilidade de

ativar um processo de criação. As imagens são pinceladas, a partir das quais se criam

idealizações. A ideia é introduzir a possibilidade da tese em um conjunto de manchas

asignificantes e não representativas, cuja função seria sugerir, ativar, movimentar.

O diagrama, assim como suscita Deleuze7, não tem nada a ver com abstração, que

reduz ao mínimo o abismo ou o caos e nos propõe um ascetismo, uma salvação

espiritual; em outras palavras, um estado inerte. O diagrama é um caos, uma catástrofe,

mas também um germe de ordem ou de ritmo, abre domínios sensíveis. O diagrama é

método!

O diagrama talvez ocupe todo o espaço, mas devemos impedir que o diagrama prolifere

e se transforme em pura abstração. Nem todos os dados devem desaparecer.

O diagrama pretende evitar a organização óptica, dando ao olhar outra potência, afirma

A tela já está de tal maneira cheia

que o pintor deve entrar nela. Ele

entra assim no clichê, na

probabilidade. E entra porque

sabe o que quer fazer. Mas o que

salva é que ele não sabe como

conseguir, não sabe como fazer o

que quer. Isso ele só conseguirá

saindo da tela20.

Que a catástrofe não inunde

tudo! A tese existe!

Page 25: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

10  

Deleuze8. Ao contrário do que acontece com um texto, que, por mais que possamos

evitar a hierarquização das palavras, elas, por si só, já se apresentam de uma forma

hierarquizada, uma após a outra.

No diagrama, as marcas e os traços não se bastam, pois traçam possibilidades e ainda

não constituem o fato. O diagrama coloca elementos heterogêneos em conexão

imediata propriamente ilimitada, em um campo de presença ou sobre um plano finito em

que todos os momentos são atuais e sensíveis. É o diagrama da figura, força do

movimento que faz nascer a sensação de tempo, o acontecimento9.

A ideia é que o leitor experimente a obra, sua experimentação faz parte da obra – o

leitor deve ir além da obra – devir-tese – devir-leitura – devir-experimentação. O devir

como potência. O devir como vontade de potência.

Experimentar no sentido de “mostração”, não de demonstração. Presentation: dando

presença.

Assim, o diagrama sanfona não é a tese, é processo tese, é possibilidade metodológica

que permite o acontecimento tese... corrente de ar.

A tese poderia gerar uma expectativa de se fazer um projeto a partir de um terreno

existente; no entanto, a intenção não é propositiva, e sim de alimentar potenciais

criativos.

Não estamos em busca de objetivos únicos, e, então, se eu pudesse falar em algum tipo

(...) Tem-se de começar de um

ponto, e se começa a partir do

tema que gradualmente, se o

trabalho estive andando bem, irá

evaporar-se e deixar aquele

resíduo que chamamos de

realidade, e que talvez vagamente

tenha a ver com a coisa que nos

serviu de ponto de partida, mas na

maioria das vezes tem muito

pouco a ver.21

Tudo ou talvez nada se

relacione!

Page 26: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

11  

de objetivo quanto a este projeto-tese seria tratá-lo como um processo IMAginal, ou

seja, como possibilidade de dar visibilidade à imaginação.

(...)

Ficção científica também no sentido em que os pontos fracos se revelam. Ao

escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que

sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só

escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa

nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro. É só deste modo que

somos determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois

ou, antes, torná-la impossível. Talvez tenhamos aí, entre a escrita e a ignorância, uma

relação ainda mais ameaçadora que a relação geralmente apontada entre a escrita e a

morte, entre a escrita e o silêncio. Falamos, pois, de ciência, mas de uma maneira que,

infelizmente, sentimos não ser científica10.

Eu não quero que isto seja tão

fácil de se compreender. Eu quero

que isto seja usado como um

espelho de suas perguntas22.

A obra será sempre insuficiente.

Page 27: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

12  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 MORIN, 2005, p. 10. 2 Essas noções passaram a fazer parte de um senso comum teórico a partir da segunda metade do século XX, diante da crítica ao movimento moderno. 3 ZOURABICHVILI, 2004, p. 3. Na obra O que é a filosofia?, Deleuze e Guattari mostram-se bastante atentos a esses equívocos, que acabam vinculando a filosofia à formação de opiniões e deslocando o campo disciplinar para uma disciplina reflexiva. O grande intento da obra é mostrar que a filosofia é, antes de tudo, criação de conceitos. 4 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 5 PELBART, 2004. 6 SECCHI, 2006. 7 DELEUZE, 2007. 8 DELEUZE, ibid.. 9 Essa síntese sobre o que entendemos por diagrama faz parte dos escritos de Deleuze sobre a obra de Bacon, sobre uma metodologia de criação. DELEUZE, 2007. 10 DELEUZE, 2000, p. 10. 11 Tradução livre da autora. Original: “C’est dans les bords d’une brèche de l’écoute qu’un autre probable se découvre”. DUSAPIN, 2009, p. 10. 12 Tradução livre da autora. Original: “Je ne cherche jamais à architecturer mon discours sur une idée centrale, mais au contraire à créer des embranchements par ramifications successives (...)”. DUSAPIN, ibid., p. 22. 13 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 262. 14 DELEUZE e GUATTARI, ibid., p. 140. 15 Tradução livre da autora. Original: “Le pouvoir du texte lui fait découvrir la possibilité de développer autrement”. Pierre Boulez, citado por DUSAPIN, 2009, p. 16. 16 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 59. 17 Recortes da autora de trechos de O vocabulário de Deleuze, ZOURABICHVILI, 2004. 18 Entrevista com Bacon. SYLVESTER, 2007, p. 180 e 181.

                                                                                                                                                                                                                                                                               19 DELEUZE E GUATTARI, 1995, p. 18. 20 DELEUZE, 2004, p. 68. 21 Ibidem. 22 Tradução livre da autora. Original: “I don´t want it to be so easy to understand. I want it to be used as a mirror of their questions”. Entrevista com Tschumi, WALKER, 2003, p. 51.

Page 28: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

13  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas DELEUZE, Gilles. Cinema 1. L’image-mouvement. Collection Critique. Paris: Les éditions de minuit, 2006.

______. Cinema 1. L’image-temps. Collection Critique. Paris: Les éditions de minuit, 2006.

______. Diferença e repetição. Lisboa: Relógio D'Água, 2000.

______. Logique du sens. Collection Critique. Paris: Les Éditions de Minuit, 2006.

______. Francis Bacon. Lógica da sensação. Jorge Zahar, 2007.

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ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: IFCH, 2004 (versão eletrônica).

Page 29: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Experimentação-múltipla e intensidade-acontecimento

A palavra pescando o que não é palavra. O projeto pescando o que não é projeto. Na

tentativa de pescar a não palavra, o não projeto – entre instantes – pescamos o

acontecimento, o entretempo que é devir.

Tocamos o conceito de acontecimento criado por Deleuze e Guattari1.

Conceito como multiplicidade que remete a problemas que ainda estão em processo de

compreensão. O conceito como um ato de pensamento que opera em velocidade

infinita2.

O acontecimento sustenta o projeto na dinâmica do tempo porque libera o projeto à

experimentação. Ele está a todo tempo em trânsito, construindo novas relações e novas

forças. Suscitamos que no instante-acontecimento podemos reencontrar a arte no

senso do ato de projetar. A arte que se confronta com o caos para vir a ser um instante-

sensação.

O conceito de acontecimento como eixo que perpassa a imagem-tese; uma brisa que

atravessa o tocar-ver no intervalo, o desvendar experimental, o presente limite de quase

tocar. Vamos ao acontecimento.

O acontecimento se atualiza no estado de coisas, mas tem uma parte sombria que não

Não mais é o tempo que está entre

dois instantes, é o acontecimento

que é um entretempo: o

entretempo não é o eterno, mas

também não é tempo, é devir20.

O paradoxo deste puro devir, com

sua capacidade de furtar-se ao

presente, é a identidade infinita:

indentidade dos dois sentidos ao

mesmo tempo, do futuro e do

passado, da véspera e do

amanhã, do mais e do menos, do

demasiado e do insuficiente, do

ativo e do passivo, da causa e do

efeito21.

Page 30: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

para de se atualizar. Não começa nem acaba, mas ganha (ou guarda) o movimento

infinito que lhe dá consistência. Sobrevoa os universos possíveis (possível como

característica estética). É imaterial, incorporal, invisível: pura reserva3.  

O acontecimento independente de um estado visível em que ele se manifesta,

desdobra-se em um estranho local de um “ainda-aqui-e-já-passado, ainda-por-vir-e-já-

presente”4.

O projetar para permitir acontecimento, uma experiência que atua sem aviso. Rossi5 fala

em arquiteturas que preparam o acontecimento, que permitem o imprevisível,

permanentes movimentos detalhes. O autor afirma: “A arquitetura, como sempre,

permanece em poucos detalhes, esperando o pontapé da ‘gaivota’, a luz da escada, o

barco que atravessa o lago como em uma cúpula de cristal”6.

O acontecimento não se confunde com o estado das coisas no qual se encarna, não é a

essência ou a coisa. E se não há maneira de pensar que não seja igualmente maneira

de realizar uma experiência, não existe dado senão em devir.7

O acontecimento é o risco do movimento, da possibilidade de se colocar em

movimento. O acontecimento é ruptura com a causalidade, é bifurcação e desvio, é um

estado de instabilidade e intensidade que abre campos de possibilidades projetuais.

(…) não há outro presente além

daquele do instante móvel que o

representa, sempre desdobrado

em passado-futuro22.

Então não se perguntará qual o

sentido de um acontecimento: o

acontecimento é o próprio sentido.

O acontecimento pertence

essencialmente à linguagem,

mantém uma relação essencial

com a linguagem; mas a

linguagem é o que se diz das

coisas23.

Page 31: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

Faíscas ativantes

A partir do conceito de acontecimento buscamos faíscas ativantes – simulações

imaginais – que decupem o conceito. Recortamos duas lapidações imaginais (imagens

conceituais)8: o instante-já, na obra de Clarice Lispector (1973), e a Fênix, de Bachelard

(1990)9.

O acontecimento como possibilidade de potencializar o instante-experimentação, como

exaltação do presente, do devir-imperceptível, da sensação: o instante-já10.

A imaginação que tem palavra, a palavra portadora de imagem, a palavra como texto

imaginado, falar por imagens, potencializar o conceito através da imaginação. O

conceito como feixe de possibilidades que abandona suas referências, para reter

conexões e conjunções que constituem a sua consistência11.

O instante-já como potencialidade do instante e a Fênix como potencialidade do

movimento são imagens que atravessam a tese e nos permitem viver a expansão do

instante, engendrando imaginações que potencializam o conceito de acontecimento.

Presente limite de quase tocar: devir cidade e devir projeto

Podemos, assim, dizer que o projeto é feito de vários acontecimentos que se atualizam

nos entre-instantes-experimentação. O que faz o projeto no espaço urbano se localizar

Se pudermos revelar que na

imagem poética arde um excesso

de vida, um excesso de palavras,

teremos, detalhe por detalhe,

provado que há sentido em falar

de uma linguagem quente, grande

lareira de palavras indisciplinadas

onde se consome o ser numa

ambição quase louca de promover

um mais-ser, uma mais que ser24.

Page 32: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

em um entre-ser cidade, projeto e homem.

A abertura do projeto à experimentação possibilita o surgimento de acontecimentos,

lembrando que a concepção projetual e a experimentação do projeto não apresentam

uma relação dicotômica de causa e efeito. Assim, nos questionamos sobre a

possibilidade de projetar condições em vez de condicionar o projeto12; em outras

palavras: como projetar para revelar acontecimentos?

Nos entre-instantes podemos reencontrar o sentido da arte no sentido do ato de

projetar. A arte que luta com o caos para fazer erigir nela um instante, uma sensação –

um acontecimento. A arte que não é caos, mas composição do caos, não previsível ou

preconcebida que desafia qualquer opinião. O artista cria puras sensações de

conceitos, cria o finito que restitui o infinito, afirmam Deleuze e Guattari13.

Podemos dizer que o que se conserva do projeto é a sensação, o acontecimento.

Consideramos que é no instante-acontecimento que encontramos a perenidade do

projeto no urbano. O durável como o que é sempre em estado de ser transformável. A

durabilidade que é feita de instantes sem duração, podemos dizer de acontecimentos.

Deleuze e Guattari14, exemplificam dizendo que admiramos os desenhos das crianças,

mas é raro que fiquem de pé se olhamos por muito tempo. Arte só é arte se guarda

vazios suficientes para permitir saltos. Nesse sentido, aproximamos mais uma vez as

palavras arte, cidade, projeto e devir.

O brilho, o esplendor do

acontecimento é o sentido. O

acontecimento não é o que

acontece (acidente), ele é no que

acontece o puro expresso que

nos dá sinal e nos espera25.

O durável é feito de instantes sem

duração26.

(…) Tudo que é simples, tudo que

é forte em nós, tudo o que é

mesmo durável, é o dom de um

instante (…)27

Page 33: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

Potencialidade do instante no Projeto: virtuais expressivos

Virtus – força + actualis – o que a torna efetiva: dynamis-energia

Explosão da ideia

Virtuais expressivos que eles criam em nós e entre nós15.

A potencialidade do projeto está no lugar de ação do sujeito, uma extensão imaginativa,

espaço inventado. O possível depende do núcleo de realidade presente e da extensão

interpretativa, sendo essas fronteiras móveis. O possível que emerge é condicionado

pelo usuário/intérprete (sua cultura, seu interesse, seus limites de percepção), mas

também pelos dispositivos de procura inclusos nele.

O acontecimento se atualiza no instante. O instante é solidão16. É a consciência da

solidão. O instante-experimental é solitário. Isolamento, solidão homem-cidade: devir

homem e devir cidade. A novidade do instante revela a descontinuidade do tempo.

Deleuze17 suscita que:

Insistimos no que é dado, no atual, inclusive sob a forma de possível, alternativa como lei de divisão do real que atribui de imediato minha experiência a um certo campo de possíveis. Que haja virtual significa que nem tudo é dado, nem passível de ser dado. Significa, em seguida, que tudo o que acontece só pode provir do mundo em suas potencialidades criadoras ou na criação de possíveis.

O tempo tem somente uma realidade, aquela do instante28.

Page 34: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

Não existe real – isto é, encontro e não apenas objeto previamente reconhecido como possível – senão em vias de atualização.

Os acontecimentos pluralizam o campo dos possíveis em processos de atualização e

de cristalização constante, o que acarreta a afirmação de uma temporalidade múltipla,

de um tempo multidimensional18. Na sucessão de potenciais tempo – instante-já –

existe um lugar de continuidades que permite a redefinição do projeto junto à

atualização de vetores.

Como guardar o movimento junto às suas cristalizações dando consistência ao virtual?

Não seria essa a missão do projeto?

Instante, devir, acontecimento, projeto e cidade são palavras que remetem ao mesmo

sentido. O projeto que é devir, o devir projeto que é cidade, o projeto que é um

acontecimento, a cidade que é construída de vários instantes-acontecimentos, o

instante que é devir (...). O projeto é um instante sem permanência.

Em todo acontecimento, há de fato

o momento presente da efetuação,

aquele em que o acontecimento se

encarna em um estado de coisas,

um indivíduo, uma pessoa, aquele

que é designado quando se diz:

pronto, chegou a hora; e o futuro e

o passado do acontecimento só

são julgados em função desse

presente definitivo, do ponto de

vista daquele que o encarna29.

Page 35: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

(...)

Escrever como modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não

é palavra. Quando essa palavra morde a isca alguma coisa se escreveu. Uma vez que

se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a

analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler

"distraidamente"19.

... podia-se com alívio jogar o projeto fora.

Page 36: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 2 DELEUZE e GUATTARI, ibid. 3 DELEUZE e GUATTARI, ibid. 4 DELEUZE e GUATTARI, ibid. 5 ROSSI,1984, p. 14. 6 Tradução livre da autora. Original: “La arquitectura, como siempre, permanece en pocos detalles, esperando el pistoletazo de la ‘gaviota’, la luz de la escalera, el bote que atraviesa el lago como en una cúpula de cristal”, ROSSI, Ibid., p. 46. 7 Os três últimos parágrafos referem-se à obra: DELEUZE e GUATTARI, 2004. 8 O sentido que utilizamos a palavra imagem remete à imaginação. 9 Ver sanfona. Fênix: ideações poéticas minhas das repercussões poéticas de Bachelard, que atravessam o sujeito-tese. Obra de referência: Fragmentos de uma poética do fogo, 1990. Mais especificamente, capítulo I: “A Fênix, fenômeno de linguagem”. Instante-já: ideações poéticas minhas das repercussões poéticas de Lispector que atravessam o sujeito-tese. Obra de referência: Água viva, 1973. 10 LISPECTOR, 1973. 11 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 12 A dimensão real do espaço e a experiência são definidas por Tschumi (1996) pela categoria de “Labirinto”, definindo-a como “espaço sensório”. 13 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 14 Ibidem. 15 RAJCHMAN, John. “Existe uma inteligência do virtual?” In: ALLIEZ, 2000. 16 M.Roupnel, apud BACHELARD, 1992, p. 13. 17 Reflexões de Deleuze na obra: ZOURABICHVILI, 2004. 18 PELBART, 2004. 19 LISPECTOR, 1999, p. 31. 20 DELEUZE e GUATTARI, 2004 , p. 204.

                                                                                                                                                                                                                                                                               21 Tradução livre da autora. Original: “Le paradoxe de ce pour devenir, avec sa capacité d’esquiver le présent, c’est l’identité infinie: identité infinie des deux sens à la fois, du futur et du passé, de la veille et du lendemain, du plus et du moins, du trop et du pas-assez, de l’actif et du passif, de la cause et de l’effet”. DELEUZE, 2005, p. 10. 22 Tradução livre da autora. Original: “(…) n’a pas d’autre présent que celui de l’instant mobile qui le représente, toujours dédoublé en passé-futur”. DELEUZE e GUATTARI, 2005, p. 177. 23 DELEUZE, 2002, p. 34. 24 BACHELARD, 1990, s/p. 25 Tradução livre da autora. Original: “L’éclat, la splendeur de l’événement, c’est le sens. L’événement n’est pas ce qui arrive (accident), il est dans ce qui arrive le pur exprimé qui nous fait signe et nous attend”. DELEUZE, 2006, p. 175. 26 Tradução livre da autora. Original: “La durée est faite d’instants sans durée”. BACHELARD, 1992, p. 20. 27 Tradução livre da autora. Original: “(...) Tout ce qui est simple, tout ce qui est fort en nous, tout ce qui est durable même, est le don d’un instant (...)”. BACHELARD, ibid., p. 20. 28 M. Roupnel, apud BACHELARD, 1992, p. 13. 29 Tradução livre da autora. Original: “(…) Dans tout l’événement, il y a bien le moment présent de l’effectuation, celui où l’événement s’incarne dans un état des choses, un individu, une personne, celui qu’on désigne en disant: voilà, le moment est venu; et le futur et le passé de l’événement ne se jugent qu’en fonction de ce présent définitif, du point de vue de celui qui l’incarne”. DELEUZE, 2005, p. 177.

Page 37: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

9  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências Bibliográficas ALLIEZ, Éric. Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed.34., 2000.

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Page 38: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Entre o conceitual e experimental, previsível e imprevisível

Defendemos aqui a ideia de que a arquitetura e o projeto no espaço urbano estão entre

o conceitual e o experimental. Entre o previsível e o imprevisível.1

Argan2 nos suscita dizendo que: “nunca se projeta para, mas contra alguém ou alguma

coisa (...) contra a resignação ao imprevisível, ao acaso, à desordem, aos golpes cegos

dos acontecimentos, ao destino”, na tentativa de se fixar um presente no qual se quer

agir e que continuamente nos escapa3.

O projeto está contaminado pela condição da imprevisibilidade, mas também pelo

desejo do autor de certeza (segurança). Certeza como mecanismo de dispersão do

invisível e do imprevisível.

O projeto lida com problema e possibilidade, intenção e transformação, faz parte daquilo

que ainda não é, mas poderá ser ou já é. A natureza do projeto é incerta, na medida em

que não existe um objetivo puro, “(...) quando não muda o objeto mudam os métodos

para interpretá-lo”4. Ao mesmo tempo, o mundo em que se projeta é instantâneo e

imprevisível.

As razões de incerteza que residem sobre as coisas – o momento de mutação, o

período de perda de simultaneidade dos tempos – vem penetrando e suscitando nossas

indagações. Dinâmicas que não têm a mesma duração, nem os mesmos ritmos, situam-

Quando chegamos a um horizonte

já existe outro19.

(…) porque geralmente as

pessoas querem que a arquitetura

seja a representação da certeza,

elas querem que a arquitetura seja

uma marca de identidade. E elas

não gostam quando dizemos a

elas “sim”, isto vai funcionar por

um tempo, mas não acredite que

para sempre!20

Page 39: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

se em regimes diversos5.

Qual é a visão de tempo que temos? Assim como a matriz moderna, o futuro está mais

próximo, ou o futuro já é presente e um ainda-aqui e já-passado?

Ressaltamos a noção de projeto como desígnio, um lançar-se à frente – hipótese

presente, devir. Devir como vontade de potência.

Projeto, sugere Murad6, como: “(...) um pretexto de Imaginação que teima em originar

objetos no Mundo” e que, ao mesmo tempo, é pura imprevisibilidade. O projeto que (...)

não se desenvolve em uma horizontalidade, não segue uma continuidade linear,

sucessiva, crescente e, portanto, previsível. Ele (o projeto) é primordialmente uma

dinâmica de rupturas, de descontinuidades, de oscilações entre ascensão e

aprofundamento.

Projeto como interferência: bloco de sensações

O projeto urbano, como resposta ao urbanismo racionalista, muitas vezes busca

contextualizar o projeto por meio de uma resposta à expectativa local. Consideramos

que, nesse processo de mimetismo da realidade percebida, a dimensão criativa do

projeto se perde, o projeto se transforma em uma reprodução, representação ou algum

tipo de adaptação à realidade visível.

O projeto no espaço urbano não se reduz ao que poderíamos denominar de adaptação

Como preservar a verdade se

contra ela conspira a “força do

tempo”, no sentido que torna

compossíveis presentes

incompossíveis, faz coexistirem

passados não necessariamente

verdadeiros, e toda uma potência

do falso se afirma como

criadora?21

Page 40: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

à realidade, ou seja, ao que nos é percebido, ou àquilo que Rosalind Krauss7 denomina

Percepção de Similitude – estratégia para reduzir tudo que nos é estranho, tanto no

tempo como no espaço, àquilo que já conhecemos e somos –, e sim à possibilidade de

interferência, de experimentação.

A tese compreende o projeto no espaço urbano8 não como ruptura – modernos – ou

como algum tipo de continuidade, e sim como possibilidade de transbordamento que

envolve o espaço “entre” a ruptura e a continuidade que é o acontecimento. Estamos

falando de realidades outras em que tudo pode ser um suporte do urbanismo.

Riscos na paisagem

O projeto como transbordamento é a possibilidade de potencializar forças da paisagem.

Paisagem que excita e estimula desejos junto a novas possibilidades expansivas. A

paisagem não vista, mas que doa a visão9.

No processo de experimentação, o projeto deixa de ser projeto, passa a fazer parte de

um grande tecido que denominamos realidade. Nesse processo o projeto já é

paisagem10, jamais permanece no seu estado doado, mas que ao ser tocado já é

transformado, envolve-se em um movimento do que nos é dado, assumindo novos

sentidos.

A cada vez que pensamos ingenuamente constatamos a presença da paisagem, e é aí

Se o meu próprio edifício tem um

papel irritante em relação ao

contexto em que está localizado,

isto pode ser benéfico, e permitir

ativar um pouco o que está

acontecendo ao redor. O arquiteto

pode, de tempos em tempos,

trabalhar com o irritante, o

provocador22.

Como se a forma procurasse seu

ponto de esquecimento23.

Page 41: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

posta a questão de uma mudança possível dos nossos dispositivos perceptivos. Vasto

tecido de referências implícitas, produção de imagens, atividade intensa de ficção que

nos habita e que nós não sabemos entender a sua importância, nem a sua magia11.

Mas por que será que a paisagem nos livra do sentimento de perfeição das coisas e

pessoas, mais frequentemente, daquele sentimento associado à obra de arte ou ao

projeto? Como que a paisagem provoca um entusiasmo de outro gênero, além da

simples satisfação?

O prazer da paisagem, suscita Cauquelin12, não está no sentimento de satisfação

quanto a um objeto que funciona bem; não está implícito o sentimento de uma

legitimidade possível que se confronta com o prazer dado pelas coisas.

A paisagem tem necessidade nula de se legitimar. Assim, não possui categorias de

julgamento habituais que dão valor ao objeto e classificam-no como obra de arte ou

projeto, ou seja, categorias de julgamento estético. A paisagem nos relega um

sentimento fundador, forças elementares, é o começo e o fim do mundo.

A paisagem nos liga àquilo que nos é mais profundo, por isso vinculá-la com o que

existe antes da nossa existência, ligação da paisagem ao natural, à origem. Sentimento

da perfeição imediata, no instante, intuição instantânea13.

A paisagem traduz para nós uma relação íntima com o mundo. Intermédio de uma

conversação infinita, vínculo de emoções cotidianas. Experimentamos instantes de

Paisagem não é meramente o

mundo que vemos, é a construção,

a composição do mundo.

Paisagem é uma maneira de ver o

mundo24.

Page 42: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

enquadramento e a paisagem continua.

A paisagem nos revela lacunas no campo do urbanismo, suscita novos olhares que

reconheçam o movimento e a participação ativa do sujeito na sua construção. Falamos

em contemporaneidade (ou pós-modernidade como alguns preferem), mas ainda

reproduzimos a matriz moderna por meio do método de relações binárias: casa/rua;

público/privado; formal/informal; periférico/central; natural/urbano; paisagem

urbana/paisagem natural. A paisagem pode revelar o intermezzo14, devir captura,

conteúdo próprio do desejo, consistência fugaz do real.

Na paisagem encontramos as forças do projeto, pois a paisagem aproxima o projeto das

suas dimensões mais naturais; aproxima o homem da sua natureza sensível.

Depararmo-nos com a paisagem no sentir ver de cada instante, como possibilidade de

expansão e criação, como o que fica do projeto, mas também o que vai. É perene e

instantânea, guarda o instante e o movimento infinito.

Gavetas, cofres e armários

Frisamos que a importância do projeto no urbano é deixar o espaço aberto ao

imprevisível, lacunas suficientes que permitam o acontecimento. É no desejo de tudo

expor e de tudo revelar que pouco se revela. Na tentativa de esgotar o mundo ele perde

seu encanto. Teríamos como desafio a tarefa de projetar algo que quando vire projeto já

Aqui não é a inteligência que é um

móvel com gavetas. É o móvel

com gavetas que é uma

inteligência25.

Mas o verdadeiro armário não é

um móvel quotidiano. Ele não se

abre todos os dias. Assim, como

uma alma que não se confia, a

chave não está sobre a porta26.

Page 43: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

não é mais projeto, é devir paisagem, devir cidade.

De acordo com Tschumi15, a arquitetura, em vez de ser socialmente ou contextualmente

inclusiva, deveria se manifestar em oposição, suscitar conflito e tensão, não inclusão

direta.

Ao mesmo tempo, projetos vitrines surgem com força. Edifícios que se autoafirmam

como objeto, se disputam, são modelos deslumbrantes, vestem a mais nova coleção,

são sustentáveis, vestem as novidades de ponta.

O paradoxo que justifica a arquitetura atualmente é justamente a aparência e a

pretensão. A arquitetura se revela, mas é de uma só vez. Está ali tão exposta que não

se tem o que experimentar. Como se a arquitetura já tivesse sido experimentada. Inibe

a curiosidade de descobrir o mundo. Tudo já está ali!

O projeto necessita de segredos, partes a serem reveladas. A força do projeto está em

revelar o que está escondido. Devir-revelação, devir-sensação.

Tschumi suscita que o arquiteto e o usuário são formadores da arquitetura: o primeiro,

pela concepção do projeto – concebendo a arquitetura (espaço urbano) de forma a

possibilitar a experiência estética –; e o segundo, por meio de sua experiência – tendo

consciência do ato de experimentação. De acordo com ele, a dimensão real do espaço

– a materialidade do espaço – solicita a experiência.

Assim, podemos dizer que o projeto do espaço urbano depende da interação do

(...) é a dificuldade de “descobrir” a

arquitetura que a torna

intensamente desejável. Esse

desvelamento é parte do prazer da

arquitetura27.

(…) uma intuição não se prova, ela

se experimenta. E ela é

experimentada multiplicando, ou

mesmo modificando, as condições

de seu uso28.

Page 44: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

usuário/intérprete com o projeto, que é a experiência16; poderíamos dizer: o movimento-

experimentação, o que denominamos acontecimento.

A experiência permite tornar sensíveis as forças insensíveis que povoam o mundo e que

nos afetam, nos fazem devir. Com o passar do tempo, o que se conserva no projeto,

independentemente do criador, é um bloco de sensações composto por afectos e

perceptos. De acordo com Deleuze17, só se atinge o percepto ou o afecto como seres

autônomos e suficientes, independentemente do criador.

Consideramos que o grande desafio que temos como arquitetos-urbanistas é a

capacidade de deixar o projeto aberto à experimentação, permitir o acontecimento. Em

outras palavras, reconhecer a realidade como devir: combinar e permutar para

manifestar os segredos do mundo e liberar as intensidades criativas. Permitir que o

projeto se revele como acontecimento.

A arquitetura é um fato de arte, um fenômeno de emoção, fora das questões de construção,

além delas. A construção É PARA SUSTENTAR; a arquitetura É PARA EMOCIONAR. A

emoção arquitetural existe quando a obra soa em você ao diapasão de um universo cujas leis

sofremos, reconhecemos e admiramos. Quando são atingidas certas relações, somos

apreendidos pela obra. Arquitetura consiste em “relações”, é “pura criação do espírito”18.

O objetivo da arte, com os meios

do material, é arrancar o percepto

das percepções do objeto e dos

estados de um sujeito percipiente,

arrancar o afecto das afecções,

como passagem de um estado a

um outro. Extrair um bloco de

sensações, um puro ser de

sensações29.

Page 45: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1Recuperamos aqui uma das nossas grandes questões trabalhada na dissertação de mestrado: Previsibilidade e imprevisibilidade: fronteiras móveis do Projeto-Urbano (LOURES, 2006). 2 ARGAN, 2000. 3 BAUMAN, 1999. 4 ECO, 2005. 5 LEPETIT e PUMAIN, 1993. 6 MURAD, 1999, p. 22-17. 7 KRAUSS, 1984. 8 Neste trabalho evitaremos a utilização da expressão projeto urbano, pois acreditamos que nela está impregnada uma forte carga de sentidos. Assim preferimos falar do projeto no urbano ou projeto no espaço urbano. 9 CAUQUELIN, 2002, p.27. 10 Entendemos a paisagem como movimento e ação – “an idea formation (...) on going movement” (CORNER, 1999) – opondo-se à noção tradicional que compreende a paisagem como algo estático e contemplativo. Paisagem como verbo (atuante), temporalidades, corpo de memórias, caminho de uma alternativa, lugar de ação, espaço inventado. 11 CAUQUELIN, 2000, p. 23. 12 CAUQUELIN, ibid. p. 108. 13 CAUQUELIN, ibid. p. 112. 14 DELEUZE e GUATTARI, 2004. 15 Nesta passagem utilizamos trechos da entrevista de Bernard Tschumi a Liliana Gómez. Junho de 2005 em Nova York. Acesso em janeiro de 2009. http://www.puntocero.de/content/tschumi.html. 16 TSCHUMI, ibid.. 17 DELEUZE, 2004, p. 218. 18 LE CORBUSIER, 2000a, p. 10.

                                                                                                                                                                                                                                                                               19 Tradução livre da autora. Original: “Quand on arrive à un horizon il y a autre”. Palestra 1o dez 2008 – Au Détour du Monde – Raymond Depardon et Paul Virilio – Fondation Cartier, Paris, França. 20 Tradução livre da autora. Original: “(…) because generally people want architecture to be the representation of certainty, they want architecture to be identity branding. And they do not like when you tell them ‘yes’, it is going to work for a while, but do not believe in it forever!”. Entrevista com TSCHUMI, Bernard Tshumni por Liliana Gómez. 1º de junho, 2005, Nova York. http://www.puntocero.de/content/tschumi.html. Acesso: janeiro de 2009. 21 PELBART, 2004, p. 20. 22 Tradução livre da autora. Original: “Si mon bâtiment lui-même joue un rôle d'irritant a rapport au contexte dans lequel il se trouve, cela peut être bénéfique, et permettre d'activer un peu ce qui se passe autour. L'architecte peut, de temps en temps, faire œuvre d'irritant, de provocateur”. Entrevista com TSCHUMI, E2-CONTEST, 2002, p. 107. 23 Tradução livre da autora: Original: “(...) comme si la forme cherchait son point d’oubli”. DUSAPIN, 2009, p. 53. 24  Tradução livre da autora. Original: “Landscape is not merely the world we see, it is a construction, a composition of that world. Landscape is a way of seeing the world”. COSGROVE, 1998.  25 Tradução livre da autora. Original: “C’est pas ici l’intelligence qui est un meuble à tiroir. C’est le meuble à tiroir qui est une intelligence”. BACHELARD, 2008, p. 81 e 82. 26 Tradução livre da autora. Original: “Mais la véritable armoire n’est pas un meuble quotidien. Elle ne s’ouvre pas tous les jours. Ainsi d’une âme qui ne se confie pas, la clef n’est pas sur la porte”. BACHELARD, 2008, p. 84. 27 TSCHUMI, 1996, p. 94. 28 Tradução livre da autora. Original: “(…) une intuition ne se prouve pas, elle s’expérimente. Et elle s’expérimente en multipliant ou même en modifiant les conditions de son usage”. BACHELARD, 1992, p. 8. 29 DELEUZE, 2004, p. 217.

Page 46: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

9  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas ARGAN, Giulio Carlos. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

______. Projeto e destino. São Paulo: Ática, 2000.

BACHELARD, Gaston. Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Brasiliense, 1990.

______. La poétique de l’espace. Paris: Quadrige, 2008.

______. L’Intuition de l’instant. Livre de Poche, 1992.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

______. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

ECO, Umberto. A estrutura ausente. São Paulo: Perspectiva, 1971.

______. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 2005.

CAUQUELIN, Anne. L’invention du paysage. Paris: Quadrige/PUF, 2000.

______. Le site et le paysage. Paris: Quadrige/PUF, 2002.

CORNER, James (editor). Recovering Landscape. Essays in Contemporary Landscape Architecture. New York: Princeton Architectural Press, 1999.

COSGROVE, Denis E. Social formation and symbolic landscape. Wisconsin: Wisconsin Press, 1998.

DELEUZE, Gilles. Logique du sens. Collection Critique. Paris: Les Éditions de Minuit, 2006.

______. Francis Bacon. Lógica da sensação. Jorge Zahar, 2007.

                                                                                                                                                                                                                                                                               DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs. Devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível. Vol. IV. Rio de Janeiro: Ed.34, 1995.

______. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.

DUSAPIN, Pascal. Une musique en train de se faire. Paris: Seuil, 2009.

LOURES, Moema Falci. Previsibilidade e imprevisibilidade: fronteiras móveis do Projeto-Urbano. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado (UFRJ/ Prourb), 2006.

MURAD, Carlos A. “A criação no pensamento das imagens”. In: PINHEIRO MACHADO, Denise B. (org.). Sobre Urbanismo. Coleção Arquitetura e Cidade. Rio de Janeiro. Viana & Mosley/Editora Prourb, 2006, p. 223-239.

______. “A imaginação criadora e o gesto projetual”. In: Estudos em Design. Rio de Janeiro: [s.n.], n°3, vol. 7, dez. 1999, p. 11-23.

PELBART, Peter Pál. O tempo não reconciliado. São Paulo: Perspectiva, 2004.

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Tradução Elizabeth Carbone Baez. Rio de Janeiro: Revista Gávea, nº 1, 1984.

TSCHUMI, Bernard. Architecture and disjunction. Cambridge: MIT Press, 1996.

VIRILIO, Paul. Un paysage d’événements. Paris: Editions Galilée, 1996.

Page 47: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Teorias modernas

Vivemos em um período de instituição da dúvida1. As incertezas foram aceitas! A

situação ambivalente está mais visível. Mas será que deixamos de ser modernos?

Liquidez é a palavra de ordem: cidade líquida, modernidade líquida. Virou moda, capa

de revista, título de trabalhos acadêmicos, notícia de jornal.

Compartilhamos com alguns autores que vivemos em um período de radicalização da

modernidade, argumenta Giddens2. Ou como prefere Bauman, Modernidade líquida3 ou

Terceira modernidade, afirma Ascher4, ambas modernidades.

Não existem acordos sobre as datas nem consenso sobre o que deve ser datado

quando nos referimos ao verbete modernidade, “(...) e uma vez que se inicie a sério o

esforço de datação, o próprio objeto começa a desaparecer” suscita Bauman5.

Utilizaremos a noção que define a modernidade como um projeto que ganha força a

partir do Renascimento6 e atinge sua maturidade com o desenvolvimento da sociedade

industrial e, que nos dias de hoje, apresenta-se como um projeto inacabado.

Ressaltamos que definir a modernidade como um estilo, costume de vida ou

organização social acaba por associá-la a um período de tempo e uma localização

geográfica inicial, sendo que suas “(...) características principais ficam guardadas em

As teorias modernas rendem-se às críticas, mas não há suicídio.

Page 48: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

segurança numa caixa preta”7. Não seria esse o nosso intuito.

A modernidade é marcada inicialmente pela exacerbação dos princípios de ordem,

unidade e simplicidade que vão ao longo dos anos delimitando a realidade escondida

atrás das aparências de confusão, pluralidades e complexidades. Le Corbusier8 afirma

que a grande cidade é fenômeno de força em movimento, fala das cidades em

desespero, no desespero das cidades; reconhece a imprevisibilidade, enquanto acredita

que a ação do arquiteto/urbanista está ligada ao gesto previsível na cidade imprevisível.

Diante disso proclama9: “Prever, é tudo quanto é preciso, mas também o que é

indispensável e urgente”.

Frisamos que não devemos subestimar os modernos10 e pensar que eles não tinham

consciência da imprevisibilidade. A tentativa de camuflar as incertezas já apontava para

a sua existência e para “obsessão delirante de encontrar a pedra fundamental"11.

A obsessão pelo previsível é um dos principais paradigmas que acompanha a

modernidade, sendo a própria noção de paradigma moderno. O conceito de

paradigma12, em Morin13 (2002), surge como algo que exclui os problemas que não

reconhece, na necessidade constante de confirmar o determinismo e descobrir novas

evidências auto-ocultando-se. O paradigma é cogerador do sentimento de realidade,

estando todo tempo ligado aos discursos e visões de mundo14.

Dessa forma, podemos afirmar que existe algum tipo de transição na própria leitura do

conceito de paradigma. Diante de uma breve revisão da literatura do final do século XX,

Ser moderno é encontrar-se em

um ambiente que promete

aventura, poder, alegria,

crescimento, transformação de si e

do mundo – e, ao mesmo tempo,

ameaça destruir tudo o que temos,

tudo o que sabemos, tudo o que

somos31.

Page 49: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

é evidente o reconhecimento da imprevisibilidade junto à previsibilidade. Tentamos,

hoje, avançar diante das críticas da década de 1960 à dogmática moderna que, diante

de um pessimismo contagiante, teve grande dificuldade de ação: uma “penumbra

total”15.

No urbanismo, observa-se nos anos 1960, perante a fé nas ciências e disciplinas sociais

junto ao “terrorismo” funcionalista, uma tentativa de distanciamento das dimensões

espaciais do projeto. O urbanismo torna-se ciência e o arquiteto, o técnico que passa a

ser destinado ao fim do processo. Nesse momento, começa-se a se falar em pós-

modernidade, um conceito autêntico na sua inadequação, assim como afirma

Boaventura16.

O autor17 alerta que, de um lado, é bastante claro o caminhar em direção à mudança de

paradigmas epistemológicos; por outro, ainda existe um longo caminho em direção à

mudança de um paradigma societal18. Assim, não poderíamos falar em uma mudança

paradigmática. O paradigma contém categorias mestras de inteligibilidade, encontrando-

se no núcleo não apenas de qualquer sistema de ideias e de qualquer discurso, mas de

qualquer cogitação, afirma Morin19. Os paradigmas como “princípios ocultos que

governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consciência disso”20.

Sem dúvida, a única coisa que é segura na modernidade é a insegurança – a certeza

como refúgio da incerteza ou a incerteza como refúgio de si própria?

O urbanismo reconhece a cidade complexa, a cidade mutável, o seu cenário de

Page 50: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

intervenção. No início do século XX, esse reconhecimento é dado por oposição: o

projeto como ato de previsibilidade no meio imprevisível que poderia supostamente

torna-se previsível. Posteriormente, a crítica, a falta de projeto, tudo se torna

demasiadamente imprevisível. Já no século XXI, é reconhecida a importância do projeto

que não deixa de ser um ato de previsibilidade, contudo, implicando no reconhecimento

da incompletude e da incerteza.

A própria noção de projeto e cidade está entrelaçada ao projeto de modernidade.

Reconhecemos que a modernidade tem um compromisso inacabado com a descoberta,

com a oposição entre o efêmero e o eterno. Paralelamente, o que se vê é a busca por

mecanismos de segurança e previsibilidade. A imprevisibilidade e previsibilidade

mutuamente se revelam diante de um pensamento obcecado pela reflexividade.

A representação do eterno pode existir por meio de um efeito instantâneo. A captura do

projeto no instante que, assim como a modernidade, deriva a sua estética21 de alguma

forma do fato da fragmentação, da efemeridade e do fluxo caótico22.

O projeto na modernidade, a modernidade como projeto. Projeto como exploração e

experimentação caótica, como experiência paradoxal na intensidade limite que leva à

criação e à formação de sentido.

Compartilhamos com Giddens23, Bauman24, Harvey25, Boaventura26, Maffesoli27,

Morin28, Featherstone29, entre outros autores, a ideia de que ainda somos todos

modernos, apesar de existirem brechas que sensibilizam para um pensamento

Page 51: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

multidimensional. É nessas brechas que pretendemos avançar na tese, mais

especificamente através de possibilidades projetuais, como a possibilidade de liberar

intensidades (acontecimentos) criativas. Instantes em que estão a dinâmica e o

movimento, o movimento como representação do perene.

O projeto que se reencadeia por sobre uma lacuna (não por prolongamento). As

plataformas como aquilo que não mais interessa.

O projeto que dá acesso ao imprevisível, ao acontecimento. No entanto, se não existe

projeto, também não existe acontecimento.

(...) a única maneira de

representar verdades eternas é um

processo de destruição possível

de, no final, destruir ele mesmo

essas verdades. E, no entanto,

somos forçados, se buscamos o

eterno e o imutável, a tentar e

deixar a nossa marca no caótico,

no efêmero e no fragmentário32.

Page 52: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doloroso, mais

angustiante do que um pensamento que escapa a si mesmo, ideias que fogem, que

desaparecem apenas esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras,

que também não dominamos. São variabilidades infinitas cuja desaparição e aparição

coincidem. São velocidades infinitas, que se confundem com o nada incolor e silencioso que

percorrem, sem natureza nem pensamento. É o instante que não sabemos se é longo ou curto

demais para o tempo. Recebemos chicotadas que latem como artérias. Perdemos sem cessar

nossas ideias. É por isso que queremos tanto agarrarmo-nos a opiniões prontas. Pedimos

somente que nossas ideias se encadeiem segundo um mínimo de regras constantes, e a

associação de ideias jamais teve outro sentido: fornecer-nos regras protetoras, semelhança,

contiguidade, causalidade que nos permitem colocar um pouco de ordem nas ideias, passar de

uma outra a outra segundo uma ordem do espaço e do tempo, impedindo nossa “fantasia” (o

delírio, a loucura) de percorrer o universo no instante, para engendrar nele cavalos alados e

dragões de fogo. Mas não haveria nem um pouco de ordem nas ideias, se não houvesse

também nas coisas ou estados de coisas, como um anticaos objetivo (...)30.

Page 53: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

                                                                                                                         1 GIDDENS, 1991, p. 175. 2 Ibidem. 3 BAUMAN, 2001. 4 ASCHER, 2001. 5 BAUMAN, 1999, p. 11. 6 É nos tempos modernos que a consciência de complexidade começa a aparecer com maior clareza, por isso situar a modernidade no Renascimento. Diante de visões de mundo diversificadas e surgimentos de novos conflitos e representações, vamos engendrando a necessidade (falsa ou real) de regulamentação. O urbanismo como campo disciplinar, por exemplo, aparece a partir da premissa de diminuição de riscos. 7 GIDDENS, 1991, p. 11. 8 LE CORBUSIER, 2000: passim 24-51. 9 LE CORBUSIER, Ibid., p. 64. 10 Os modernos propõem uma ideia fictícia de previsibilidade visando ao controle dos conflitos a partir de um mesmo quadrante. 11 MORIN, 2002, p. 277. 12 Kunh (2003) é quem introduz o conceito de paradigma como exemplos compartilhados que têm papel central na orientação metodológica de esquemas fundamentais de pensamento, de pressupostos ou de crenças. Morin (2002) afirma que esse é o ponto forte do sentido de paradigma desenvolvido pelo autor, contudo, diz que o ponto fraco é que esse conceito oscila entre sentidos diversos, cobrindo in extremis, de modo difuso, a adesão coletiva dos cientistas a uma visão de mundo. 13 MORIN, 2002. 14 MORIN, 2005. 15 HART, 1994. 16 SANTOS, 2001. 17 SANTOS, ibid..

                                                                                                                                                                                                                                                                               18 Formas de conhecimento com vinculação específica a diferentes práticas sociais. 19 MORIN, 2005. 20 MORIN, Ibid., p. 10. 21 Estética como movimento e motivação a partir de uma sensação. 22 Ver HARVEY, 2006, p. 113, sobre a modernidade. 23 GIDDENS,1999. 24 BAUMAN, 2001. 25 HARVEY, 2006. 26 SANTOS, 2001. 27 MAFFESOLI, 2005. 28 MORIN, 2002, 2005. 29 FEATHERSTONE, 1995. 30  DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 259. 31 HARVEY, 2006, p. 21. 32 HARVEY, ibid., p. 26.

Page 54: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas ASCHER, François. Les nouveaux principes de l’ urbanisme. Paris: Éditions de L’ Aube, 2001.

______. Metapolis: acerca do futuro da cidade. Oeiras: Celta Editora, 1998.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

______. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.

______. A transformação da intimidade. São Paulo: Editora Unesp, 1994 (Biblioteca básica).

HART. Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2006.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.

LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LEPETIT, Bernard e PUMAIN, Denise. Temporalités urbaines. Paris: Anthropos, 1993.

MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 2005.

MORIN, Edgar. O método 4: as ideias. Porto Alegre: Sulina, 2002.

                                                                                                                                                                                                                                                                               ______. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.

______, MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. São Paulo: Sulina, 2000.

ROSSI, Aldo. Bibliografia científica. Barcelona: Gustavo Gilli, 1984.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2006.

Page 55: Tese de Doutorado Moema Loures

PARTE II

: : Projeto, repetição e devir ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 11

: : Força do movimento: sensação do tempo ------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 08

: : A montagem como potencial criador -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 16

: : Prazer e intrusão: possibilidades projetuais em Tschumi ------------------------------------------------------------------------------ 01 -12

Page 56: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Projeto, repetição e devir

Deleuze1 defende sua tese de doutorado, Diferença e repetição, em oposição ao

pensamento clássico e moderno unidade/identidade. As coisas se repetem

diferenciando-se. Diferentes quando (ou porque) produzem devir.

O que instaura a repetição – um objeto que se repete incontáveis vezes – se remete a

uma potência singular. Forças se asseguram na repetição, na passagem de uma coisa

para a outra. A repetição assegura a distribuição e o deslocamento, o transporte do

elemento para outras dimensões. Um movimento constante de um vir-a-ser.

Nunca se retorna ao mesmo, afirma Nietzsche2. A repetição é a forma do devir.

Segundo Deleuze3, é o eterno retorno que expulsa o mesmo e a repetição-igual. O

eterno retorno é a criação, é a condição para que algo advenha.

O eterno retorno é o retorno de um fragmento que está sempre em processo de

atualização. O eterno retorno não é um devir igual, não é um ciclo, não supõe o um, o

mesmo, o igual, o idêntico. Não é um retorno do todo, um retorno do mesmo, nem um

retorno ao mesmo, afirma Machado4.

Um dos momentos mais importantes de interpretação deleuziana do eterno retorno,

segundo o autor5, seria não pensar o ser como oposto ao devir, o um como oposto ao

múltiplo, a necessidade oposta ao acaso, ou, de modo geral, a identidade oposta à

diferença.

Há quinhentos anos, o chefe de

um hexágono superior deparou

com um livro tão confuso como os

outros, porém que possuía quase

duas folhas de linhas

homogêneas. Mostrou seu achado

a um decifrador ambulante, que

lhe disse que estavam redigidas

em português; outros lhe

afirmaram que em iídiche. Antes

de um século pôde ser

estabelecido o idioma: um dialeto

samoiedo-lituano do guarani, com

inflexões de árabe clássico.

Também decifrou-se o conteúdo:

noções de análise combinatória,

ilustradas por exemplos de

variantes com repetição ilimitada.

Esses exemplos permitiram que

um bibliotecário de gênio

descobrisse a lei fundamental da

Biblioteca.

Page 57: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

No eterno retorno, a repetição não é a repetição do mesmo, mas do diferente, a

diferença tem como objeto a repetição. No eterno retorno, a repetição é a potência da

diferença6.

Podemos nos perguntar em que circunstâncias a repetição revela acontecimentos.

Poderíamos dizer justamente nas derivações, nas relações entre a repetição, na relação

entre relações, na repetição que incide sobre repetições.

A hipótese que levantamos aqui é a da repetição como base de processos criativos ou

como condição que torna possível a criatividade. No entanto, para que isso ocorra, é

necessário pensar a repetição como processo. O processo repetição como forma de

proporcionar relações, abrindo-se a inesperados sentidos, dimensões, rotações.

Nesse processo o que importa é a experiência da coisa, não a coisa em si. O processo

assim se reinicia suscitando uma nova experiência de ruptura, o acontecimento. Os

elementos se repetem, mas a experiência é singular. Nesses instantes-repetições, a

experiência não se deixa representar, não existe em uma estaticidade.

Estamos interessados no mesmo no que se difere. Buscamos um raciocínio que

privilegia a intensidade, um dos mais importantes conceitos da teoria de Deleuze. O

acontecimento é intensidade, vontade de potência, querer interno. Estamos no domínio

do universo das intensidades – princípio intensivo das forças.

A vontade de potência não é a força, mas o elemento diferencial que determina tanto a

Esse pensador observou que

todos os livros, por diversos que

sejam, constam de elementos

iguais: o espaço, o ponto, a

vírgula, as vinte e duas letras do

alfabeto.

Também alegou um fato que todos

os viajantes confirmaram: "Não há,

na vasta Biblioteca, dois livros

idênticos". Dessas premissas

incontrovertíveis deduziu que a

Biblioteca é total e que suas

prateleiras registram todas as

possíveis combinações dos vinte e

tantos símbolos ortográficos

(número, ainda que vastíssimo,

não infinito), ou seja, tudo o que é

dado expressar: em todos os

idiomas23.

Page 58: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

relação entre as forças (quantidade) quanto a qualidade respectiva das forças em

relação. A vontade de potência é o sensível, a sensibilidade das forças, o devir sensível

das forças, a sensibilidade diferencial.

O eterno retorno, compreendido como ser do devir, está intrinsecamente ligado à

vontade de potência considerada como devir das forças ou princípio da diferença7.

Estudando a repetição, podemos observar que ela ativa a imaginação, sustenta uma

ideia ou pensamento por um determinado tempo. Em linguística, destacamos duas

formas de repetição que bastante nos interessa. A repetição anáfora – a repetição da

mesma palavra ou grupo de palavras no princípio de frases ou versos consecutivos; e a

repetição pleonasmo – repetição que envolve redundância. Duas figuras de linguagem

que têm como objetivo reforçar a experiência-repetição.

Nesta tese, por exemplo, em diversos momentos, criamos palavras compostas como

instante-acontecimento. Mas se compreendemos que o acontecimento só existe entre

instantes, isso não faria sentido. Nossas palavras compostas também são pleonasmos,

nascem na tentativa de ressaltar e exagerar conceitos.

A repetição é um notável recurso poético na linguagem. Diversos escritores como

Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Rui Barbosa buscam intensidade

poética por meio da repetição. A repetição como força dinamizadora do discurso.

Já a repetição negativa seria aquela em que conceitos dogmáticos são repetidos sem

(...)

Acabo de escrever infinita. Não

interpelei esse adjetivo por

costume retórico; digo que não é

ilógico pensar que o mundo é

infinito. Aqueles que o julgam

limitado postulam que em lugares

remotos os corredores e escadas

e hexágonos podem

inconcebivelmente cessar – o que

é absurdo. Aqueles que o

imaginam sem limites esquecem

que os abrange o número possível

de livros24.

Page 59: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

aberturas às derivações. Nesse sentido, repetir poderia ser sinônimo de esvaziamento

imaginativo ou de monotonia. Aqui, no entanto, estamos seduzidos pelo processo

repetição como eco de uma vibração secreta, como potência singular.

A Pop-Art, por exemplo, explorou a cópia, a cópia da cópia, até o ponto que a cópia

deixa de ser cópia e se torna simulacro, suscita Deleuze8:

(...) as repetições brutas e mecânicas do hábito deixam-se extrair pequenas modificações, que, por sua vez, animam repetições da memória para uma repetição mais fundamental em que a vida e a morte estão em jogo, mesmo que venham a reagir sobre o conjunto, nele introduzindo uma nova seleção, sendo que todas estas repetições coexistem e, todavia, estão deslocadas umas em relação às outras.

Como conduta externa, essa repetição talvez seja o eco de uma vibração mais secreta,

de uma repetição interior e mais profunda no singular que a anima, afirma Deleuze9:

Se a repetição é possível, é por ser mais da ordem do milagre que da lei. Ela é contra a lei: contra a forma semelhante e o conteúdo equivalente da lei. Se a repetição pode ser encontrada, mesmo na natureza, é em nome de uma potência que se afirma contra a lei, que trabalha sob as leis, talvez superior às leis. Se a repetição existe, ela exprime, ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um relevante contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a

Page 60: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

permanência. Sob todos os aspectos, a repetição é a transgressão. Ela põe a lei em questão, denuncia seu caráter nominal ou geral em proveito de uma realidade mais profunda e mais artística.

Duas coisas só são diferentes se forem expressas por conceitos diferentes. A repetição

só pode ser definida como uma diferença sem conceito. Só há repetição se dois entes

ou dois acontecimentos idênticos naquilo que neles é representado forem distintos

numericamente no tempo, argumenta Deleuze10.

O conceito de repetição, de acordo com Deleuze11, tal qual as repetições físicas,

mecânicas ou nuas (repetição do mesmo), encontraria sua razão nas estruturas mais

profundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um "diferencial".

A partir de uma tese paradoxal – o grau máximo da diferença é o que existe na

repetição de algo idêntico – Deleuze, unindo-se aos pensamentos de Nietzsche12, nos

instiga para uma potência própria da repetição no projeto, no sentido da criação de

forças derivadas da repetição, em vez de criação de fórmulas repetidas. A repetição

aqui como um meio de explorar e de avançar no plano experimental do projeto.

Essas questões nos conduzem ao trabalho do arquiteto Peter Eisenman, aqui, mais

especificamente, o projeto do Memorial do Holocausto, em Berlim. O arquiteto propõe

um sistema de grid aberto com 2.700 pilares de concretos.

Esses blocos são organizados em um terreno irregular, abaixo do nível da rua, com

Page 61: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

largura de 95 cm e altura que varia de 0 a 4 m. A distância entre os pilares permite a

passagem de apenas uma pessoa por vez.

Esse sistema de repetições permite variações infinitas a partir da experiência de cada

usuário/intérprete. O projeto potencializa a experiência individual e a sensação de

desconforto e solidão, incentivando a reflexão sobre o drama dos milhares de judeus

mortos na 2a Guerra. Eisenman provoca a instabilidade no que aparentemente é um

sistema ordenado e estável.

O arquiteto sustenta a ideia de que o resultado final do projeto não é uma síntese de um

processo, o resultado de uma acumulação, mas uma pausa arbitrária de uma série que

poderia continuar infinitamente através de deslocamentos sucessivos. Nesse senso,

contaminações e recombinações imprevisíveis são desencadeadas. A norma é

invertida, sem, no entanto, desaparecer.  

Sugerimos, então, refletir sobre três formas de repetição que bastante nos instiga como

ferramentas de projeto na concepção do espaço urbano. Esses tipos, obviamente,

podem se sobrepor e nem sempre são facilmente identificados:

1- Repetição-pleonasmo. Repete-se para exagerar e ressaltar alguma coisa.

Repetição que envolve redundância/repetição desnecessária.

2- Repetição-anáfora. Repete-se somente quando se introduz um novo elemento.

Esse novo elemento pode ser de choque.

Page 62: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

3- Repetição-esquecimento. Repete-se diversas vezes um objeto até que ele

passa a ser outra coisa.

Laugier, citado em diversos textos por Le Corbusier13 e por Tschumi14, já dizia:

“Uniformidade no detalhe, tumulto (movimento) no conjunto”. Ao contrário do que

fazemos, afirma Le Corbusier15, uma louca variedade dos detalhes e uma uniformidade

morna dos traçados das ruas e das cidades.

Tschumi16 suscita que qualquer um que sabe como projetar um parque não terá

dificuldades em traçar o programa de um edifício da cidade, de acordo com sua área e

situação. Deve haver regularidade e fantasia, relações e oposições, e elementos

casuais e inesperados que variem a cena; grande ordem nos detalhes, confusão,

excitação e tumulto, em geral.

Ao ler e reler essa colocação de Laugier e a citação de Le Corbusier e Tschumi em

diversas obras dos autores, questionamo-nos se não seria esta a tese de Deleuze e a

proposta de Eisenstein: o máximo de repetição para garantir o máximo de diferença.

Alimentando a nossa tese estão as premissas do grupo de estudos do “Studio V:

Singular Repetition”17, dirigido por Tschumi na Universidade de Columbia, Nova York:

O NÚMERO QUATRO

O número quatro feito coisa

ou a coisa pelo quatro quadrada,

seja espaço, quadrúpede, mesa,

está racional em suas patas;

está plantada, à margem e acima

de tudo o que tentar abalá-la,

imóvel ao vento, terremotos,

no mar maré ou no mar ressaca.

Só o tempo que ama o ímpar

instável

pode contra essa coisa ao passá-

la:

mas a roda, criatura do tempo,

é uma coisa em quatro,

desgastada25.

Page 63: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

1. Mais repetição melhor a arquitetura.

Gostaríamos de argumentar que ao contrário da crença popular, quanto mais

houver repetição, melhor a arquitetura se torna18.

2. Não existe arquitetura sem repetição.

Começamos com a hipótese de que não há arquitetura sem repetição: com

suas linhas das janelas, colunas, tijolos, escadas, etc., a arquitetura

inevitavelmente é a arte organizadora da repetição19.

3. A repetição pode ser excitante e pode trazer novas descobertas.

Mais do que qualquer outra arte, a arquitetura depende da acumulação sem fim

de elementos semelhantes.

Longe de ser entediante, a repetição é excitante, desafiadora e pode levar a

novas descobertas, desde que você ultrapasse um determinado limite. Em

outras palavras: nós sugerimos que o excesso quantitativo é efetivamente

qualitativo20.

4. A repetição de elementos não quer dizer que a arquitetura será similar.

No entanto, toda a boa arquitetura é frequentemente singular. Isso significa que

Page 64: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

9  

ela não pode ser infinitamente reproduzida ou repetida. Por exemplo, imitar o

padrão repetitivo da cortina de vidro projetada por Mies van der Rohe não quer

dizer que a arquitetura será necessariamente boa, enquanto o seu original

foi21.

5. A arquitetura é singular.

Daí a nossa reivindicação: a melhor arquitetura é muitas vezes a manifestação de

ambas singularidade e repetição, ou repetição singular. Vamos, portanto,

argumentar em favor de "um-de-um tipo" de repetições22.

Page 65: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

10  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 DELEUZE, 1988. 2 NIETZCHE, 1998. 3 DELEUZE, 1988, p. 112-171. 4 MACHADO, 2010, p. 89. O autor refere-se às conclusões de Deleuze (1988) sobre a vontade de potência e o eterno retorno. 5 MACHADO, ibid., p. 91. 6 MACHADO, ibid., p. 101. 7 MACHADO, ibid., p. 92. 8 DELEUZE, 1988, p. 275. 9 DELEUZE, ibid, p. 12. 10 DELEUZE, 1988. 11 DELEUZE, ibid. 12 NIETZSCHE, 1998. 13 LE CORBUSIER, 2000, p. 168. 14 TSCHUMI, 1996, p. 85. 15 Ibid. 16 Ibid. 17 http://www.arch.columbia.edu/workpage/work/courses/studio/advanced-studio-v-singular-repition. Acesso em junho de 2009. 18 Tradução livre da autora. Original: “We would like to argue that contrary to popular belief, the more repetition there is, the better the architecture becomes”. 19 Tradução livre da autora. Original: “We started with the hypothesis that there is no architecture without repetition: with its rows of windows, columns, bricks, steps, etc, architecture inevitably is the art of organizing repetition”. 20 Tradução livre da autora. Original: “More than any other art, architecture depends on the nearly endless accumulation of similar elements. Far from being boring, repetition is exciting, challenging and can lead to new discoveries, provided that you exceed a certain threshold. In other words, we suggest that quantitative excess is actually qualitative”.

                                                                                                                                                                                                                                                                               21 Tradução livre da autora. Original: “Yet all good architecture is often singular. This means that it cannot be endlessly reproduced or repeated. For example, imitating the repetitive curtain wall pattern designed by Mies van der Rohe will not necessarily be good architecture, while its original was”. 22 Tradução livre da autora. Original: “Hence our claim: the best architecture is often the demonstration of both singularity and repetition, or singular repetition. We will therefore argue in favor of "one-of-a-kind" repetitions”. 23 BORGES, 1988, p. 72 e 73. 24 BORGES, ibid., p. 78 e 79. 25 João Cabral de Melo Neto, 2003, p. 396.

Page 66: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

11  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

DELEUZE, Gilles. Cinema 1. L’image-mouvement. Collection Critique. Paris: Les Éditions de Minuit, 2006.

______. Cinema 1. L’image-temps. Collection Critique. Paris: Les éditions de minuit, 2006.

______. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

______. Francis Bacon. Lógica da Sensação. Jorge Zahar, 2007.

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs. Devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível. Vol. IV. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

______. Mil platôs. Introdução: rizoma. Vol. São Paulo: Ed. 34, 1995.

______. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.

DELEUZE, Gilles et PARNET, Claire. Dialogues. Champs essais, 1996.

DUSAPIN, Pascal. Une musique en train de se faire. Paris: Seuil, 2009.

EISENMAN, Peter. Blurred Zones: investigations of the interstitial – Eisenman Architects 1988-1998. New York: Monacelli Press, 2003.

LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MACHADO, Roberto. Deleuze: a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

MELO NETO, João Cabral. Obras completas. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2003.

NIETZCHE, F. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Civilização Brasileira, 1998.

TSCHUMI, Bernard. Architecture and disjunction. Cambridge: MIT Press, 1996.

Page 67: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Força do movimento: sensação de tempo

Dois instantes, duas posições, o movimento se fará no intervalo entre “dois”. Nada

aparece no início, mas no meio, no processo, quando as forças estão se fortalecendo.

Movimento supõe diferença de potencial.

Cada vez que nos encontramos diante de uma duração ou em uma duração, podemos

concluir a existência de um todo que se modifica, um registro em que o tempo se

inscreve1.

O movimento leva a uma mudança, a uma migração, vibração, radiação. O todo está

sempre aberto, está sempre mudando e fazendo surgir novos acontecimentos.

Bergson2 defende a tese de que o movimento não se confunde com o espaço

percorrido. O espaço percorrido é passado, enquanto o movimento é presente, é o ato

de percorrer. O espaço percorrido é divisível, mesmo que infinitamente divisível,

enquanto o movimento é indivisível. Segundo Deleuze3, os espaços percorridos

pertencem a um só e mesmo espaço homogêneo e tempo mecânico, enquanto os

movimentos são heterogêneos, irredutíveis entre eles.

De acordo com Bergson4, seria um erro reconstituir o movimento por meio de posições,

o movimento é atualização em matéria-fluxo. O movimento real é mais o transporte de

um estado que de uma coisa – movimento é sensação.

Quando vejo o móvel passar num

ponto, concebo certamente que

ele possa se deter nele; e, ainda

que não se detenha, tendo a

considerar sua passagem como

um repouso infinitamente curto,

porque necessito pelo menos do

tempo para pensar nele; mas é

apenas minha imaginação que

repousa aqui, e o papel do móvel,

ao contrário, é se mover14.

Em todo lugar onde alguma coisa

vive, existe, aberto em alguma

parte, um registro onde o tempo se

inscreve15.

Page 68: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

A tese de Bergson é uma crítica às tentativas de reconstituir o movimento a partir do

espaço percorrido, ou seja, adicionando cortes imóveis instantâneos e tempos

abstratos. Movimento não é sucessão, e sim passagem de um repouso a outro repouso,

é absolutamente indivisível5.

Segundo Deleuze, o que Bergson instiga, além da tradução, é a vibração, a radiação6.

Se fosse necessário definir o todo, nós o definiríamos pela relação. A relação que não é

propriedade de um objeto, e sim exterior a ele. Sendo assim, inseparável do aberto, ela

não se confunde com um conjunto de objetos fechados7.

Deleuze8 alerta que não devemos confundir o todo com um conjunto ou como uma

junção de partes. O todo não é um conjunto absolutamente fechado, jamais

completamente protegido.

O movimento exprime a mudança da duração ou do todo. Deleuze afirma que : “o

movimento é um corte móvel da duração, isto é, do todo ou de um todo”9. Assim, toda

duração é eterna e o todo, infinito.

O movimento é para nossa imaginação um acidente, uma série de posições, uma

mudança de relações. Ressalta a abertura de tudo o que existe. O real deixa de se

confundir com o “visível” e passa a ser pensado como contendo uma grande parcela de

virtualidade.

(...) nossa imaginação,

preocupada antes de tudo com a

comodidade de expressão e as

exigências da vida material,

prefere inverter a ordem natural

dos termos. Habituada a buscar

seu ponto de apoio num mundo de

imagens inteiramente construídas,

imóveis, cuja fixidez aparente

reflete, sobretudo a invariabilidade

de nossas necessidades inferiores,

ela não consegue deixar de ver o

repouso como anterior à

mobilidade, de tomá-lo por ponto

de referência, de instalar-se nele,

e de não perceber no movimento,

enfim, senão uma variação de

distância, o espaço precedendo o

movimento16.

Page 69: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

Acrópole

Evidenciamos aqui a acrópole como força do movimento-repetição que define as

proporções dos componentes dos templos, de acordo com proporções matemáticas e

utilização de princípios do que hoje denominamos perspectiva. Observamos um sistema

de repetição como força da perspectiva.

Os gregos brincavam com noções de perspectiva, regras que na época ainda não

existiam, como aumento de profundidade e altura. Podemos fazer uma analogia do

acesso monumental da Acrópole, o Propileu, com um desenho em perpectiva. A

repetição dos pilares dá uma sensação de que tudo parece muito maior do que

realmente é.

O equilíbrio entre os volumes posicionados à esquerda e à direita de um corpo central

(Propileu) aumentam a sensação de simetria e enfatiza o eixo da perspectiva que

direciona o olhar a um ponto: a Minerve Promachos. A estátua de bronze localiza-se em

uma tal posição e altura que o olhar é diretamente direcionado para ela. Nesse

enquadramento é como se só ela existisse. Os outros edifícios desaparecem.

Ao ultrapassar a estátua, temos o Erecteion, de um lado, em contrabalanço com o

Parthenon, do outro. Caminhando em direção ao Erecteion, deparamo-nos com o

Balcão das Cariátides.  As estátuas se destacam por meio de um plano de elevação, e o

Então, num espaço homogêneo e

indefinidamente divisível nossa

imaginação desenhará uma

trajetória e fixará posições:

aplicando a seguir o movimento

contra a trajetória, o fará divisível

como essa linha e, como ela,

desprovido de qualidade. É de

admirar que nosso entendimento,

exercendo-se desde então sobre

essa ideia que representa

justamente a inversão do real, só

descubra nela contradições?17

Page 70: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

olhar é direcionado à figura, mas agora esta figura é frente do edifício.

O Erecteion apresenta três pórticos desiguais e duas celas individuais, o edifício é

experimentado a partir de diversos enquadramentos, a promenade junto ao equilíbrio e

harmonia clássica.

No Parthenon10, mais uma vez o sistema de perspectiva é muito explorado. O efeito da

sutil correspondência entre a curvatura da estilobata11, o estreitamento da nave e os

entalhes das colunas faz com que o templo pareça maior e mais simétrico do que ele

realmente é.

As colunas são inclinadas para dentro do templo e são mais espessas e ligeiramente

salientes no meio, como se estivessem comprimidos pelo peso de sua carga. As

colunas do canto também são um pouco maiores no diâmetro. Se prolongamos a

direção das colunas, veremos que elas se encontrariam em um ponto congruente, não

sendo aprumadas como parecem12. O Parthenon também está elevado e pode ser

praticamente visto de qualquer ângulo da cidade.

A Acrópole demonstra a preocupação dos gregos com os enquadramentos e já

representa uma visão fílmica da arquitetura. O modo de distribuição do elementos

arquitetônicos no espaço é um princípio de montagem em que o personagem principal é

o homem que experimenta o lugar.

E porque estão fora deste eixo

violento, o Parthenon à direita e o

Erecteion à esquerda, você tem a

oportunidade de vê-los em três

quartos, na sua fisionomia total.

Não se deve pôr as coisas da

arquitetura todas sobre eixos,

porque seriam como pessoas que

falam ao mesmo tempo18.

Page 71: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

Um dos primeiros cineastas a abordar a importância do enquadramento foi Eisenstein.

Utilizando como exemplo a Acrópole, ele ressalta a composição de seus

enquadramentos, a implantação de cada volume que requer pensar os pontos de vista

do usuário e o tempo desses deslocamentos.

Cada perspectiva traz seus planos, a montagem é marcada pelo ritmo. Sendo a

distância de um ponto de vista a outro considerável, e o tempo de deslocamento entre

eles relativamente longo.

Destacamos, assim, a ideia de montagem presente na Acrópole, que, de acordo com

Eisenstein, é o perfeito exemplo de um dos mais antigos filmes. A arquitetura como um

todo fragmentado sutilmente composto, shot by shot.

A montagem se revela como a sucessão de diversos enquadramentos; no entanto, os

enquadramentos são móveis, o que interessa é a confrontação entre os

enquadramentos.

Promenade: Le Corbusier

Essas noções apresentam grande aproximação com as ideias de promenade

architecturale, de Le Corbusier. Promenade como possibilidade de experimentação

Enquadramento do espaço e a

sucessão de lugares organizados

como shots de diferentes pontos

de vista (...). Como o filme, a

arquitetura – aparentemente

estática – é formada pela

montagem dos movimentos do

espectador19.

Page 72: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

múltipla.

A promenade architecturale é geradora de acontecimentos. O espaço não é

estabelecido a partir de um ponto fixo, ideal e de uma visão circular, e sim a partir da

justaposição de elementos periféricos e policêntricos.

Le Corbusier afirma que a verdadeira arquitetura muda de vistas inesperadamente, em

tempos de surpresas. A arquitetura é apreciada enquanto movimento, andando e

movimentando de um lugar a outro13.

Observamos o declínio da herança renascentista. Em vez de englobar o olhar em um

único ponto de vista, existem sucessíveis vistas; não existe um ponto de vista capaz de

varrer o horizonte, nem um objeto único.

Resgatamos a noção de promenade como “princípio cinematográfico”. Não sobre um

ponto de vista único, mas sobre fragmentos que formam a noção de uma totalidade

aberta. Destacamos a experiência a cada passo, a cada enquadramento que aparece e

reaparece.

Assim, mais uma vez afirmamos que não devemos confundir espaço percorrido com

movimento. A ideia é que no percurso ocorra movimento, movimentação no sentido da

criação de relações. O movimento está sempre em via de atualização.

O que primeiro chama a atenção é o movimento, e só depois aquilo que se move20.

Page 73: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 DELEUZE, 2006a, p. 20. 2 Primeiro capítulo de Matière et mémoire (BERGSON, 1939). Matière et mémoire: “les coupes mobiles”, “les plans temporels”. 3 DELEUZE, 2006a, p. 9. 4 BERGSON, 1939. 5 Tradução livre da autora. Original: “Tout mouvement, en tant que passage d'un repos à un repos, est absolument indivisible". BERGSON, 1999, p. 129. 6 DELEUZE, 2006a, p. 18. 7 DELEUZE, ibid., p. 20. 8 DELEUZE, ibid., p. 21. 9 Tradução livre da autora. Original: “(…) le mouvement est une couple mobile de la durée, c’est-à-dire du Tout ou d’un tout". DELEUZE, ibid., p. 18. 10 O formato básico de um templo dórico era uma estrutura retangular de mármore, cercada por uma fileira dupla de colunas, com um pórtico na frente e outro atrás. As colunas circundavam cada lado, sendo que na frente e no fundo do templo elas eram de 4 à 6 vezes mais altas do que o diâmetro do fuste.. Cada coluna tinha vários tambores. A forma do templo é chamada de “carpintaria petrificada”, pois ao utilizarem a pedra, os gregos adaptaram técnicas usadas em construções de madeira. 11 Estilóbata é a plataforma onde a coluna se apoia, sendo curvada para cima. 12 Especula-se que as dimensões do edifício expressem a proposta por Pitágoras. 13 LE CORBUSIER in BOESIGER (Ed.), 1999, p. 24. Desenvolvimento de Le Corbusier da ideia de promenade através do itinerário da Villa Savoye (1929-31) em relação ao movimento da arquitetura árabe. 14 BERGSON, 1999, p. 220. 15 Tradução livre da autora. Original: “Partout où quelque chose vit, il y a, ouvert quelque part, un registre où le temps s’inscrit". BERGSON, 1939, p. 508. 16 BERGSON, 1999, p. 256. 17 BERGSON, 1999, p. 256. 18 LE CORBUSIER, 2000a, p. 133.

                                                                                                                                                                                                                                                                               19 Tradução livre da autora. Original: “Framing of space and the succession of sites organized as shots from different viewpoints (…) Like film, architecture- apparently static- is shaped by the montage of spectatorial movements". BRUNO, 2007, p. 56. 20 EISENSTEIN. “Como aprendi a desenhar” e “Como me tornei um diretor de cinema”, reunidos no primeiro volume das Memórias editadas em francês pela Union Générale d‘Éditions em associação com o Cahiers du Cinéma na coleção 10/18, Paris, 1978..

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8  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999. (BERGSON, Henri. Matière et mémoire: essai sur la relation du corps à l’esprit. Paris: Les Presses universitaires de France,1939).

BESSET, Maurice. Le Corbusier. Geneve: Skira, 1992.

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Page 75: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : A montagem como potencial criador

Não se pode parar, ser ou ficar, e sim se dirigir. A montagem é devir, um estar em

movimento. Trabalho de invenção, uma marca, um sinal. Traço, pista, rastro. Uma trilha,

um vislumbre: PROJETO.

Nossa busca constante está na possibilidade de abertura do projeto de arquitetura e

urbanismo ao gesto criador a partir de um “estouro de realidade”. Estamos interessados

na arte que existe na possibilidade do projeto criar novas realidades, expansões

imaginativas.

Nesse fluxo de ideias resgatamos a obra do cineasta Sergueï Mikhaïlovitch Eisenstein1

– seus estudos sobre montagem, enquadramento e sobre a composição de fragmentos

de representação. A montagem como um tipo de potência-repetição.

A montagem é originária da colisão entre diferentes enquadramentos. Cada elemento

sequencial não é percebido um ao lado da outro, mas em descontinuidades que surgem

na direção de rupturas entre os enquadramentos, caracterizando uma totalidade

fragmentária. As colisões são baseadas em conflitos de escala, ritmo, volume,

movimento, velocidade, direção de movimento dentro do enquadramento, entre outros.

A montagem suscita nos espectadores o movimento de constituição progressiva de uma

imagem. O espectador sai de si mesmo para vivenciar uma experiência que excede seu

Do projeto de filme ao filme

como projeto19.

Page 76: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

confinamento sobre um único ponto de vista. O espectador-intérprete passa, assim, por

um processo de produção de sentidos.

Em um breve mergulho em algumas técnicas de montagem de Eisenstein, buscaremos

possibilidades de potencialização do projeto no espaço urbano. Para uma melhor

compreensão, trabalharemos com o filme Encouraçado Potemkin2, mais

especificamente com as cenas da escada de Odessa e a lógica de montagem envolvida

como forma de potencializar a sensação. O que importa são as reverberações

produzidas entre o usuário/projeto, espectador/filme, intérprete/obra.

Escada de Odessa: a repetição criadora

Observamos as sequências da escada de Odessa. Ações que se dividem em unidades

de montagem e estas em planos. A noção de montagem nasce na superposição de

imobilidades diversas.

Os planos mostram-se inacabados, não é possível saber de início de onde veio o

golpe. Um plano não se soma ao anterior, mas a fragmentos inacabados, aumentando a

sensação de desorientação. Observa-se as tentativas de sair do espaço cênico fixo.

Na sucessão das escadas, um carrinho de criança termina a imagem de uma avalanche

de pessoas na escadaria. O carrinho de criança cristaliza e condensa a ação do

conjunto e a repete. Mas não é uma repetição mecânica, é uma intensidade diferente:

Unidades de montagem:

(1) repetição que não é linear;

(2) corte espaço-temporal (choque

espacial);

(3) ligação, encadeamento e teia.

Elementos focais: guarda-chuva;

carrinho de bebê; óculos

perfurados.

Page 77: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

primeiramente, a ação corre na extensão da grande escala – a multidão e algumas

pessoas que emergem. Posteriormente, a cena é fragmentada por ações condensadas,

cenas individuais – a mãe com seu filho, a mãe com o carrinho de bebê, os idosos,

todos seguindo o mesmo caminho da multidão.

Apesar do enquadramento ser individual, o que observamos é a construção de

personagens coletivos. Não existe espaço para conflitos individuais (ou

individualidades) ou para o desenvolvimento de um personagem principal. Em outras

palavras: o que vemos é a experiência individual através do coletivo. Os principais

personagens da sequência, como a mãe e o bebê, não reaparecem antes nem depois

no filme3. As cenas individuais intensificam a ação do conjunto.

A experiência do projeto será sempre individual, mas a ação coletiva. Está aí uma das

grandes lições de Eisenstein. O filme Encouraçado Potemkin é um projeto político.

Através da arte (montagem como meio na construção de sensações), Eisenstein queria

provocar dor e movimento individual. Uma dor que atingisse cada um e se

transformasse em revolução.

A repetição de uma ação individual (pequena escala) condensa o conjunto de uma ação

(grande escala) e intensifica o fluxo do todo.

Observamos na escada de Odessa a repetição de um tema de forma anafórica na

quase totalidade dos planos. Em outras palavras: a referência de um elemento x é

construída a partir do retorno total ou parcial de um elemento y. A repetição é uma

Sequência A: grito da mulher que

anuncia a presença dos soldados;

plano do guarda-chuva aberto,

preenchendo todo o campo visual

da câmara (ainda não sabemos o

que está acontecendo); a mãe

percebe que seu filho foi ferido por

uma bala.

Sequência B: contraposição entre

os soldados que descem a

escadaria atirando nas pessoas

que correm e a mãe subindo com

seu filho nos braços a escada.

Dois planos: mãe frente a frente

com os soldados, e fileira de

soldados que apontam para a mãe

– ordem para atirarem.

Sequência C: cena do carrinho de

bebê que desce as escadas, a

mãe que cai morta.

Page 78: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

intensidade que está a todo momento a ponto de se desenvolver em um nível diferente

com objetivo de construção de uma ideia de conjunto.

As cenas da escada são marcadas pela alternância de movimentos de tensão e de

pausa. Os níveis de discordâncias entre diferentes imagens determinam a maior e a

menor intensidade de impressão e de tensão.

O efeito combinado da descontinuidade da montagem e da repetição do “motivo da

escada” reconstroem-nos mentalmente em relação às outras linhas, ângulos, pontos de

vistas, faces, número de personagens, seus movimentos e atitudes, e suas

recorrências.

Eisenstein propõe o choque da tese e da antítese, sua superação, gerando uma

síntese. O impacto ocorre em função do ritmo, jamais a partir da narrativa. Notamos, por

exemplo, o choque de movimentos: corrida das pessoas em primeiro plano para baixo;

corrida das pessoas em médio plano para baixo; movimento ritmado dos soldados para

baixo; mãe em sentido inverso com o filho nos braços; descida do carrinho de bebê.

Observamos a disposição dos personagens, que determina a montagem pela

movimentação das figuras no plano. Na escadaria de Odessa, a multidão vai descendo,

mas com uma velocidade e segundo forças e idades diferentes.

E, então, começa a confusão, as pessoas tropeçam, são jogadas escada abaixo, tudo

em grande velocidade. O importante é o envolvimento do espectador com a dor, com a

Sobreposições: rostos

aterrorizados dos que assistem;

menino sem pernas que reaparece

nas cenas. Cenas que reforçam

ainda mais o drama.

Page 79: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

desordem, com o massacre. A intenção não é explicativa, a ideia é que o espectador,

por meio da sobreposição de frames fragmentados, sofra o golpe das pessoas na

escadaria.

A imagem que cada espectador cria é única; no entanto, tematicamente semelhante. O

tema da escadaria é a dor.

Repetição – sequência – acontecimento: uma lógica de proximidade

sequencial

A cena da escadaria começa com um rosto de mulher sendo atingido, o quadro fecha-se

no rosto encoberto pelos cabelos. Depois, um guarda-chuva aberto que cobre todo o

plano. De maneira mais geral, o presente é constituído pelo corte quase instantâneo da

nossa percepção sobre a multidão da escadaria. Assim como afirma Bergson:

(...) este corte é precisamente o que chamamos de mundo material, aquilo que sentimos diretamente decorrer; em seu estado atual consiste a atualidade do nosso presente. Se a matéria, enquanto extensão no espaço, deve ser definida, em nossa opinião, como um presente que não cessa de recomeçar, nosso presente, inversamente, é a própria materialidade de nossa existência, ou seja, um conjunto de sensações e de movimentos, nada mais4.

Roteiro A:

1. filho com a mãe correm junto

com a multidão;

2. criança pisoteada;

3. multidão;

4. mãe com o filho no colo em

direção aos soldados;

5. outros observam a cena

aterrorizados;

6. a mãe é baleada.

Roteiro B:

1. mãe com carrinho de bebê para

na multidão;

2. mãe baleada;

3. carrinho de bebê rola escada

abaixo;

4. mulher chocada observa;

5. mulher baleada nos olhos;

6. carrinho continua a descer as

escadas;

7. carrinho quase vira; a cena

termina.

Page 80: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

O espaço cinematográfico é receptor de um uso sequencial. A sequência é acumulativa,

seus enquadramentos sucessivos se tornam significativos através de sua justaposição.

Eles estabelecem uma memória – aquela do enquadramento anterior5.

No entanto, a sequência é mais que uma configuração que se segue (en suite). Não é

simplesmente o espaço que se repete, mas ele se desenvolve em um nível diferente a

partir de cada experimentação.

Observamos uma sucessão de unidades discretas, parece algo representado dentro de

um raciocínio, simultaneamente o não apresentável: o rompimento, um ser em devir.

Rousse6 sustenta a ideia de que a montagem no cinema é uma estética da

separação/fragmentação, mais que do choque. Segundo o autor, a montagem parte de

uma lógica acumulativa, serial e que só podemos avançar por saltos entre o que já foi e

ainda não é.

Assim, a coexistência das heterogeneidades faz sentido no espaço-tempo criado entre

os enquadramentos. A sensação se constrói no espaçamento rítmico, nos jogos de

intervalo como espaços temporais, spatia tempora7.

A montagem suporta a ambivalência da separação e constrói temporalmente uma

dialética do afeto (affect). O sentimento manifesta a indissociabilidade entre o prazer e o

desprazer.

1º fragmento – plano fechado –

rosto de mulher sendo empurrada

– o rosto não se movimenta –

rosto encoberto pelos cabelos.

2º fragmento – plano mais aberto

– não é possível ver o rosto

encoberto.

3º fragmento – revela o rosto –

composição idêntica a do segundo

fragmento – o que torna o

movimento mais brusco.

4º fragmento – fechado sobre o

rosto – boca aberta e grito.

Page 81: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

(...) o golpe que bate DE REPENTE e desorienta a cabeça da mulher bate também nos olhos, na razão e no sentimento do espectador, que assim atingido pelo golpe vindo também lá do alto, lá de trás (da cabine de projeção), vê não apenas as pessoas que se jogam escadaria abaixo em completa desordem: vê em desordem; vê fragmentos sem sentido; se vê como os personagens que vê: despencando-se escada abaixo8.

Poderíamos dizer que, se existe algum tipo de verdade na ciência, é a de uma ação

recíproca de todas as partes da matéria umas sobre as outras: forças atrativas e

repulsivas. Entre as moléculas se exercem forças atrativas e repulsivas, turbilhões e

linhas de força.9

Junto ao choque têm-se o fragmento. A fragmentação que desperta e possibilita um

todo, um projeto.

(...) entre duas ideias quaisquer, escolhidas ao acaso, há sempre semelhança e sempre, se quiserem, contiguidade, de sorte que, ao descobrir uma relação de contiguidade ou de semelhança entre duas representações que se sucedem, não se explica em absoluto por que uma evoca a outra10.

A ação desenfreada da cena da escadaria de Odessa funciona como um suporte de

repetição que assegura à montagem uma coerência a partir da sua própria repetição.

Que existem, num certo sentido,

objetos múltiplos, que um homem

se distingue de outro homem, uma

árvore de outra árvore, uma pedra

de outra pedra, é incontestável,

uma vez que cada um desses

seres, cada uma dessas coisas

tem propriedades características e

obedece a uma lei determinada de

evolução. Mas a separação entre a

coisa e seu ambiente não pode ser

absolutamente definida; passa-se,

por gradações insensíveis, de uma

ao outro: a estrita solidariedade

que liga todos os objetos do

universo material, a perpetuidade

de suas ações e reações

recíprocas, demonstra

suficientemente que eles não têm

os limites precisos que lhes

atribuímos20.

Page 82: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

Diferentes aspectos vêm e voltam, o que permite ao espectador de se impregnar do que

se passa, superando a sensação de choque. Isso ocorre de tal maneira que a

impressão que temos é que a cena da escada dura muito mais tempo que a duração

cronométrica.

O ritmo da montagem é fundado na experiência da durabilidade do plano na percepção

do espectador. Assim, se Eisenstein privilegia em certos momentos a montagem curta,

é para interrogar a ilusão de continuidade no sentimento de duração.

Através do movimento descontínuo, elíptico, entre os planos, junto ao reaproximamento

dos tempos e dos lugares (tempos múltiplos), a escadaria nos parece imensa, infinita e

fugaz.

O tempo de coexistência, a imagem do tempo, a “força do tempo”, que torna

compossíveis presentes incompossíveis, faz coexistirem passados não

necessariamente verdadeiros, e toda uma potência se afirma como criadora, afirma

Pelbart11. O que permanece após o corte é um pensamento de constituição de uma

forma simbólica, uma ideia como forma imaginal.

Oposição como força motriz

Eisenstein compreende a oposição na montagem como força motriz, não como

elemento acidental, reprovando, nesse sentido, David Griffith, que é considerado o

Page 83: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

9  

criador da montagem paralela.

Segundo Griffith, a montagem reflete a visão dualista do mundo, visando sempre à

existência de duas linhas paralelas em direção a uma reconciliação impossível na qual

elas se cruzariam.

A montagem típica do cinema clássico e narrativo de Griffith é rejeitada por Eisenstein,

que propõe uma montagem que colabora para a falta de uma evolução dramática dos

personagens e evita o encadeamento, o fluxo natural dos acontecimentos, privilegiando

a inserção de planos que destroem a continuidade do espaço12.

O cinema é um sistema que reproduz o movimento em função de instantes

equidistantes escolhidos de maneira a dar a impressão de uma certa continuidade.13

Eisenstein propõe uma montagem rítmica que, como o seu nome sugere, ocorre sobre o

ritmo de sucessão dos planos; esse tipo de montagem é bastante visível na sequência

da escadaria de Odessa.

Assim, ao contrário do modelo de linguagem proposto por Griffith de um cinema

estruturado em uma narrativa, Eisenstein propõe a determinação de instantes

privilegiados que não representam apenas a evolução, o crescimento, mas vetores em

desenvolvimento. O resultado do choque entre planos é o ponto focal e não as imagens

isoladas. E é justamente na passagem de uma oposição à outra que a imagem muda de

potência.

Page 84: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

10  

Montagem de atrações14

Contrariando a técnica da época, Eisenstein força os planos, transformando-os ao

colocá-los ao lado de outros aparentemente incompatíveis. Ele denomina esta técnica

de “montagem de atrações", o que faz com que o choque de duas imagens crie uma

nova síntese que não são mais as imagens apresentadas.

Eisenstein defende a desproporção e a irregularidade, atrações que causem no

espectador reações de estranhamento, ao contrário de uma montagem que “amorteça”

seus sentidos e o deixe estático. Propõe um cinema que “pensa por imagens” em vez

de “narrar por imagens”; propõe uma “montagem de atrações”.

A ideia de Eisenstein era que o sentido do filme surgisse do choque produzido pela

sobreposição das cenas. Eisenstein busca, por exemplo, experiências de montagem na

pintura chinesa de papel, em que o olhar não alcança de uma só vez, mas, como no

cinema, pela montagem de sucessivas visões.

Eisenstein afirma15 que: “Uma atração é qualquer aspecto agressivo do teatro; ou seja,

qualquer elemento que submete o espectador a um impacto sensual e psicológico,

regulado experimentalmente para produzir nele certos choques emocionais (…)”.

A montagem para Eisenstein, afirma Machado16:

Pegue as ações mais banais e

mude o ponto de vista. Pegue os

tipos e conflitos psíquicos mais

tradicionais e mude o ponto de

vista 21.

Page 85: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

11  

(…) era um mecanismo ativador de conflitos, que ele jogava um plano contra o outro, que ele quebrava a continuidade dos eventos, impondo portanto uma visão multifacetada do fenômeno. Conflito de direções, conflito de cores ou tonalidades, conflito de jogos de iluminação, de volumes, de velocidades, de formas em geral: o que importava para Eisenstein não era a reprodução naturalista do mundo sensível, mas a articulação de imagens entre si, de modo que a sua contraposição ultrapassasse a mera evidência dos fatos, gerando sentido. A montagem, para ele, tinha por função destruir as aparências do mundo sensível, para em seguida poder reconstituí-lo sob uma óptica nova e penetrante.

A montagem de atrações acabou sendo fundamental na criação de toda a sua técnica

de montagem, que opunha cenas diferentes (atrações) para criar impacto significante

(estímulo).

Projeto montagem / espaço urbano

A técnica de montagem17 nos revela possibilidades projetuais no processo de

concepção do espaço urbano. A lógica da superposição de enquadramentos a partir de

pequenos detalhes é um meio de aguçar uma situação e dinamizar o espaço.

As repetições das cenas de Odessa têm certa unidade e ordem no detalhe, no entanto,

é exatamente a sobreposição dessas sequências que garante um todo aberto,

Page 86: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

12  

experimental – ACONTECIMENTO.

Através da passagem pela experiência de montagem de Eisenstein vamos nos

deparando com questões de projeto: a experiência individual e a ação coletiva; a escala

como elemento dinamizador do espaço; o espaço com elementos de tensão e pausa; a

oposição como força motriz de um projeto; a montagem de atração como técnica para

suscitar o conflito e gerar reação; e, então, a repetição que sustenta todo este processo.

O guarda-chuva, por exemplo, que poderia ser um elemento urbano, o fechamento da

cena. Muitas árvores, depois nenhuma árvore. Árvores dispersas. Troncos largos,

troncos finos. Sobreposições. Os elementos cinematográficos podem ser usados como

plano de suspense no projeto. De repente um vasto horizonte, de repente o espaço se

comprime. Muita informação, de repente nenhuma informação. Elementos se repetindo,

ritmo. A pequena escala, a grande escala.

Vale ressaltar que o tema da montagem e repetição esteve bastante presente no

cenário da arte durante o século XX, como, por exemplo, através do cubismo – tentativa

da síntese de múltiplas perspectivas em uma pintura. No entanto, a ideia de criação de

uma nova imagem através da associação de imagens concretas estava mais ligada à

combinação, construção e desconstrução de uma forma, não à construção de

experiências entre elementos sequenciais. O que nos importa agora é a montagem

como forma imaginal, como acontecimento.

Sob essa perspectiva, este estudo privilegia o processo-montagem que por si só já

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13  

possui um caráter experimental. A montagem como gesto criativo, como uma técnica

que legitima o processo de concepção do projeto através da experimentação. O terreno

é preparado para ali brotarem imagens-sensações, acontecimentos.

Não estamos mais no domínio da simples vibração, mas no da ressonância, afirma

Bacon18. É necessário que haja uma relação entre as partes separadas, mas essa

relação não deve ser lógica nem narrativa: força do movimento que faz nascer a

sensação de tempo.

(…) onde o tempo se abre

onde as lógicas espaciais se

invertem (…)22

 

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14  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 Ressaltamos que depois de Eisenstein muito já foi discutido sobre o processo de montagem no cinema. O cinema hoje se divide em duas correntes: os que defendem a montagem como processo de criação cinematográfica (filmes experimentais) e os que afirmam que, devido à tecnologia, a montagem não se faz mais necessária. Não queremos entrar nessa discussão, reconhecemos que seria bastante inocente tentar nos posicionar. 2  EISENSTEIN S. M.  Le cuirassé Potemkine (filme), 1925, 72 mn.  3 Inexistem tipos complexos, todos são arquétipos. Dois protagonistas coletivos, o encouraçado e a cidade de Odessa e o vilão, igualmente coletivo, o Estado czarista. 4 BERGSON, 1999, p. 162. 5 DELEUZE, 2006, p. 13. 6 ROUSSE, 2010. 7 ROUSSE, Ibid., p. 34. 8 Efetivo afetivo. Texto escrito para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro como introdução à leitura de A forma do filme e O sentido do filme e à visão do material não montado de ¡Que viva México!, de Sergei Eisenstein. Acesso em abril de 2010: http://www.escrevercinema.com/efetivo_afetivo.htm. 9 Ver BERGSON, 1999, p. 234. 10 BERGSON, Ibid., p. 162. 11 PELBART, 2004. 12 XAVIER, 1984, p. 108. 13 DELEUZE, 2006, p. 14. 14 Ensaio “Montagem de Atrações”, texto de Eisenstein publicado na revista LEF nº 3, 1923. 15 Apud XAVIER,1984, p. 107. 16 MACHADO, 1983, p. 55. 17 Observa-se frequentes citações de Eisenstein a Choisi, Le Corbusier, Tatlin e aos construtivistas russos. Arquitetura como montagem, como um processo de montagem. 18 DELEUZE, 2007. (Entrevista com Francis Bacon).

                                                                                                                                                                                                                                                                               19 Título da obra: Glass House: Du projet de film au film comme projet. 2009. 20 BERGSON, 1999, p. 246. 21 Tradução livre da autora: “Prendre les actions les plus banales. Et changer le point de vue. Prendre les types et les conflits psychiques les plus traditionnels. Et changer le point de vue”. EISENSTEIN, in LAUMONIER, 2009b, p.26. 22 Tradução livre da autora. Original: “ (…) où le temps s’enraye, où les logiques spatiales s’inversent (…)”. La Mise En Scene Theatrale D'eisenstein, 2009, s/p.

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15  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas

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KIYAK, Açalya. Describing the ineffable: Le Corbusier, le poème electronique and montage. Thesis, Wissenschaftliche Zeitschrift der Bauhaus-Universität Weimar, (2003) Heft 4. Acesso em março de 2010. http://e-pub.uni-weimar.de/volltexte/2008/1336/pdf/kiyak.pdf.

Page 90: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

16  

                                                                                                                                                                                                                                                                               ROUSSE, Pascal. L'Architectonique du montage selon Eisenstein et Benjamin: architecture temporelle et transformation du lieu. Acesso em junho de 2009. http://cadrage.net/dossier/architectonique.htm.

______. Perception urbaine, distraction et stratification chez Benjamin, Eisenstein et Vertov. Acesso em junho de 2009. http://revues.mshparisnord.org/appareil/index.php?id=467#ftn17

La Mise En Scene Theatrale D'eisenstein. Acesso em outubro de 2009. http://cinema.chez-alice.fr/eisenstein.html.

As listras do sarape, as linhas do engenheiro e a rã rechonchuda. (Texto escrito para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro) Acesso em maio de 2010. http://www.escrevercinema.com/que_viva_mexico.htm.

Page 91: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Prazer e intrusão: possibilidades projetuais em Tschumi

As noções de projeto trabalhadas nesta tese nos une à obra do arquiteto Bernard

Tschumi: o projeto como experiência e descoberta; o projeto como transbordamento; o

projeto como devir; o projeto entre a previsibilidade e imprevisibilidade, entre o

conceitual e experimental.

Entre os projetos de Tschumi, evidenciamos o projeto Manhattan Transcripts e suas

reverberações no projeto do Parc La Villette1. Projetos que se manifestam através de

diferentes linguagens e se sobrepõem em possibilidades projetuais.

Destacamos, assim, alguns pontos fundamentais na obra de Tschumi: a teoria não é um

meio de chegar ou justificar uma forma ou prática em arquitetura; os conceitos podem

vir antes ou depois do projeto; o conceito é a possibilidade de ativar questões.

De acordo com Tschumi, não é possível haver uma relação de causa e efeito entre a

concepção do projeto e a experiência do projeto; a instabilidade entre concepção e

experiência é inerente à arquitetura, gerando “um arranjo sem fim de incertezas”2.

Adotamos a premissa segundo a qual teoria e prática caminham juntas. A possibilidade

de abertura do projeto do Parc La Vilette foi o que possibilitou o projeto sobrevir nos 15

anos de sua implantação, incluindo diferentes mandatos e diversos atores envolvidos no

processo de negociação. Tschumi afirma “(...) se o conceito não tivesse sido

A arquitetura é interessante

apenas quando se domina a arte

de ilusões perturbadoras, criando

pontos de ruptura que podem

iniciar e parar a qualquer

momento24.

Page 92: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

descontínuo, não teríamos construído o projeto. O conceito de descontinuidade nos

permitiu resolver uma situação política (…)”3.

A produção de Tschumi está contextualizada na mesma época que Deleuze e Guattari

publicavam a obra Mil platôs4, livro sem introdução, meio ou fim. Clarice Lispector

também já havia publicado diversos livros que rompiam com as formas narrativas na

literatura.

O conteúdo só se renova se também se renova a forma. Vemos isso em Deleuze e

Guattari, Clarice Lispector e Tschumi. Algumas questões são recorrentes nessas obras:

fim da narrativa; multiplicidade; experiência; sensação; provocação; autonomia do

usuário intérprete. O que importa são as manifestações da obra no sujeito, não a obra

em si.

Sem dúvida o projeto do Parc La Villette junto ao projeto de Manhattan Transcripts são

um marco na história da arquitetura e do urbanismo, pois rompem barreiras. Barreiras

rígidas que ainda sustentam a arquitetura e o urbanismo.

(...) Os conceitos que eu retiro da

escrita não são exatamente os

mesmos dos que eu retiro dos

desenhos. E quando eles se

reforçam mutuamente, pode ser

muito emocionante. Mas isso não

ocorre necessariamente de

maneira sequencial; conceitos

podem preceder ou acompanhar

os projetos25.

Page 93: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

3  

Manhattan Transcripts e Parc La Villette

Manhattan Transcripts foi um projeto desenvolvido por Bernard Tschumi com seus

alunos entre os anos de 1977 e 1981, período em que era professor na Architectural

Association School of Architecture (AA), em Londres.

O autor não tinha a intenção de construí-lo. Esse projeto manifesta-se como um

questionamento da arquitetura através de sua representação. De acordo com Tschumi,

se alguém pretende renovar a disciplina arquitetônica, o primeiro passo deverá ser,

então, questionar sua linguagem.

O arquiteto afirma que: “Manhattan Transcripts difere da maioria dos desenhos

arquitetônicos na medida em que não são projetos reais ou reprodução formal de um

objeto, nem meras fantasias. Eles propõem transcrever uma interpretação arquitetônica

da realidade”5.

Em Manhattan Transcripts, o arquiteto explora por meio dos diagramas as relações

entre os espaços, os movimentos e os eventos6 no processo da “experiência

arquitetural”.

Tschumi trabalha com quatro episódios arquiteturais: O Parque (o assassinato), A Rua

(o encontro), A Torre (a queda), O Bloco (os rituais). A construção dos episódios é

desenvolvida a partir da incorporação de técnicas de montagem, deslocando a ideia de

Notação de Arquitetura –

Architecture Notation

script – novela – romance x

justaposição – superposição

vetores de movimento –

representação de movimentos e

eventos

sequência – frame-by-frame –

montagem – dispositivos (devices)

Page 94: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

4  

espaço fixo e representações estáticas. O que importa é a possibilidade do fato, não o

fato em si mesmo.

O modo de notação7 é composto por três níveis de representação – espaço, movimento

e evento – junto à introdução do tempo – movimento, intervalo, sequência.

Dois são os elementos estruturais de seu sistema de notação: o quadro e a sequência.

Os enquadramentos existem como um jogo sequencial, o que importa é o que está

entre a sucessão dos quadros, o elo, o interlúdio.

A técnica de montagem é utilizada por Tschumi frame-by-frame: isolamento de

fragmentos; o espaço que se desenvolve em cada enquadramento; relações entre

enquadramentos. O elemento arquitetônico funciona quando colide com um elemento

programático, com o movimento dos corpos no espaço.

Nesse processo, o arquiteto muitas vezes sobrepõe vários enquadramentos em uma

única imagem/diagrama. É como colocar vários quadros sobrepostos em uma

imagem/representação. Tschumi afirma:

O que me fascinou na época do Transcripts (e ainda me fascina) é que eu podia pegar um programa e desmantelá-lo, cortá-lo e reconfigurá-lo do mesmo modo que eu podia com qualquer material visual. De fato, a localização das peças do programa é arquitetura. Em outras palavras, isso não era diferente de escrever um roteiro para um filme: pode-se ter um assassinato no início e um assassinato no final, ou dois assassinatos no meio8.

Page 95: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

5  

O arquiteto trabalha com princípios de desvio9. Utiliza um elemento ou uma instituição

para algo diferente de sua finalidade, ou seja, diferentes partes de um programa que

podem colidir umas com as outras. Como, por exemplo, utilizar peças de uma loja de

departamento para dar uma palestra sobre o consumismo. Ou como no projeto do

concurso para a Biblioteca Nacional da França (Très Grande Bibliothèque –

Bibliothèque F. Mitterrand – Paris, 1989), em que o arquiteto propõe uma pista de

correr junto aos ambientes de leitura. Atividades aparentemente conflitantes. A ideia é

explorar as imbricações espaciais de um programa. O programa como forma de ativar o

espaço. O espaço por si mesmo não existe.

Essas experimentações são exploradas no concurso do Parc La Villette, em Paris10, que

representa um novo paradigma do urbanismo, o qual pretendia repensar o tradicional

parque parisiense a partir de novas relações entre forma e função.

O concurso redesenha o cenário urbano, estando contido nele novas posturas de

intervenção na cidade, presentes em projetos urbanos posteriores. Destacamos, por

exemplo, o fato de se pensar o parque não como um lugar de contemplação que imita a

cidade ou lugar de fuga da cidade, mas o parque como a própria cidade.

O parque não se refere mais ao ideal, ao fixo e ao absoluto, nem restaura as

tradicionais regras de composição, hierarquia e ordem da arquitetura. O parque é a

cidade com suas multiplicidades e conflitos.

Segundo Tschumi, o projeto de La Villette parte da necessidade insistente de fazer a

(...) a questão da arquitetura não é

a função – o uso – ou a forma – o

estilo – ou mesmo qualquer

adequação entre forma e função,

mas sim a união de todas as

combinações e permutações

possíveis entre as diferentes

categorias de análise – espaço,

movimento, acontecimento,

técnica, simbólica, etc. – Fazer a

arquitetura não é compor, ou fazer

a síntese de restrições, mas

combinar, permutar; colocar em

relação, de maneira ostensiva ou

secreta (...)26.

 

Page 96: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

6  

arquitetura dizer mais do que ela é capaz de dizer, e continua:

(...) o projeto de La Villette é concebido dentro do objetivo explicíto de incentivar novas relações. Mais do que o culminar de um processo de pensamento, o projeto se torna o ponto de partida de uma longa série de transformações que conduzirão gradualmente à realidade construída11.

O projeto do parque une noções de evento e movimento à sobreposição de um sistema

autônomo de pontos, linhas e superfícies. Em outras palavras: dinâmicas do movimento

do corpo no espaço e dinâmicas dos eventos e atividades.

Tschumi afirma que: “(…) a sobreposição de três estruturas coerentes nunca pode

resultar em uma megaestrutura supercoerente, mas em algo imprevisível, algo que é

oposto a uma totalidade”12.

O sistema é estruturado por um grid que faz alusão a uma repetição infinita, a um

projeto sem barreiras, sem hierarquia, sem início e sem fim, que poderia continuar

infinitamente. O projeto não tem um centro. O parque é cidade e não um refúgio da

cidade.

Esse grid é demarcado por Pontos, construções que foram denominadas Folies13. É

dada a estrutura para diferentes programas. As construções estão prontas para receber

novas significações. A ideia das folies é desenvolver uma sensibilidade para o que

(...) a arquitetura é definida por

ambos espaço e evento, mas o

arquiteto só tem poder sobre um

dos dois. No entanto, há um pouco

mais do que isso. Primeiramente,

o espaço não é totalmente neutro;

ele pode ser ativado pelo

movimento, que na verdade é o

terceiro termo da equação. E é

quando o arquiteto reorganiza as

diferentes partes do programa em

diferentes maneiras que o

movimento dos corpos começa a

ter um efeito sobre a relação entre

essas variadas atividades neste

espaço particular. Assim, o

arquiteto não tem controle sobre o

evento, mas um certo controle

sobre as condições: pode-se

realmente projetar condições27.

Page 97: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

7  

Tschumi chama de “condições” ou “situações”14.

Outra estrutura são as Superfícies, planos livres que garantem grande liberdade e

instabilidade programática. Essas, por exemplo, podem ser utilizadas como lugar de

descanso, como também espaço de grandes eventos.

Já as Linhas são os percursos. Destacamos o percurso conhecido como Promenade

Cinématique. Observamos ali a utilização das técnicas de montagem na sobreposição

de enquadramentos.

Tschumi trabalha com a ideia de montagem que pressupõe autonomia das partes e

fragmentos. Cada fragmento mantém sua independência, permitindo, no entanto, uma

multiplicidade de combinações.

A independência das três estruturas superpostas (pontos-linhas-superfícies) evita a

homogeneização do parque em uma totalidade. Elimina-se a presunção de causalidade

entre programa, arquitetura e significação, afirma Tschumi15.

Utiliza-se as técnicas de montagem, não segundo uma lógica formal, mas de acordo

com uma lógica sequencial. No lugar da existência única temos a existência serial: o

objeto se atualiza em cada encontro com o espectador/usuário. O objeto é o mesmo, a

experiência sempre será única.

Através de articulações espaciais simples é possível que os usuários se voltem para

eles mesmos16, sendo essa a experiência estética que envolve sensações e

(...) uma vez que a prática social

rejeita o paradoxo entre o espaço

ideal e o real, a imaginação

(experiência interior) talvez seja o

único meio de transcender isso.

(...) Então a solução para o

paradoxo é a mistura imaginária

da regra arquitetônica com a

experiência do prazer28.

Page 98: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

8  

sentimentos intensificados, o que denominamos acontecimento. No sentido de

possibilitar aberturas para o usuário experimentar suas próprias experiências.

Arquitetura do prazer

A hierárquica relação causa-efeito entre função e forma é uma das grandes certezas do

pensamento arquitetônico. No entanto, afirma Tschumi17, essa noção caminha contra o

real prazer da arquitetura, com as suas combinações inesperadas e também contra a

vida urbana contemporânea, com suas mais estimulantes e indeterminadas direções.

A arquitetura do prazer é perversa porque sua aparente significância está fora da

utilidade ou propósito e em seu extremo não está necessariamente direcionada a dar

prazer, instiga Tschumi18. A materialidade do corpo tanto coincide como confronta com

a materialidade do espaço. O espaço que afeta os sentidos muito antes da razão19.

Tschumi fala de uma arquitetura da intrusão e da violência. A violência pode causar

incômodo e desconforto, mas também prazer e satisfação. As relações entre o espaço e

o movimento como indiferença, reciprocidade, conflito seriam modos de violência.

O prazer da arquitetura é concedido quando ela cumpre as expectativas espaciais de

alguém, assim como incorpora as ideias e os conceitos arquitetônicos com inteligência e

invenção. Ainda existe um prazer especial que resulta de conflitos: quando o prazer

sensual do espaço conflita com o prazer da ordem20.

A arquitetura pode apenas agir

como um recipiente no qual os

seus desejos, os meus desejos,

possam ser refletidos. Então, uma

obra de arquitetura é arquitetural

não porque seduz, ou porque

cumpre alguma função utilitária,

mas porque coloca em movimento

as operações da sedução e do

inconsciente29. (…) eu sempre

tento criar uma tensão, não

resolvê-la30.

Page 99: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

9  

Paralelamente, Tschumi21 associa as palavras evento e invenção, sendo a noção de

evento uma dimensão de ação no tempo. Evento não como uma sequência de ações,

mas um turning point.

O choque, a desfamiliarização, afirma o autor, como a capacidade da arquitetura

rejuvenescer. O evento como uma emergência de uma multiplicidade que permite a

abertura àquilo que é fixado. O arquiteto afirma:

Eu amo a beleza visual. Mas eu não quero olhar para ela de forma congelada, permanente e absoluta. Eu gosto de sua natureza transitória, suas constantes transformações ao longo do tempo, do lugar, ou do uso, incluindo suas feias mutações ocasionais. A série de transformações das folies foram uma forma consciente para se certificar de que todas as imagens permanecem relativas22.

O espaço público é o local de acontecimentos, porque, em contraste com as áreas

especialmente programadas, existem locais onde os acidentes podem acontecer. Essa

é a noção de local de invenção, o lugar onde certas reuniões do acaso ocorrem, suscita

Tschumi23.

O sistema de formas físicas está ali para permitir o acaso – permitir o acontecimento.

Projetamos as condições para o acontecimento. Não projetamos nem temos controle

sobre o acontecimento. Em outras palavras: quando se projeta uma construção não se

pode desenhar o acontecimento, mas as condições para que ele ocorra.

Para realmente apreciar a

arquitetura, você pode até mesmo

precisar cometer um

assassinato31.

Page 100: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

10  

                                                                                                                         1 Existem diversas controvérsias sobre o projeto do Parc La Villette. A intenção aqui não é descrever o parque, contextualizá-lo dentro de um período histórico tampouco fazer uma análise lógico-formal sobre o projeto. Para isso, já existem muitas bibliografias. 2 TSCHUMI, 1996, p. 21. 3 Tradução livre da autora. Original: “(...) if the concept hadn’t been discontinuous, we couldn’t have built the project. The discontinuous concept allowed us to solve a political situation (…). Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 68. 4 Mille Plateaux. Les Édition de Minuit, Paris. 5 Tradução livre da autora. Original: “The Manhattan Transcripts differ from most architectural drawings insofar as they are neither real projects nor mere fantasies. They propose to transcribe an architectural interpretation of reality”. TSCHUMI, 1981, p. 7. 6 A ideia de evento junto à noção de espaço e movimento já havia sido documentada em diversas outras disciplinas, como: dança, literatura, certos esportes, teoria fílmica, e ainda no trabalho de diversos artistas, com destaque para as performances artísticas. 7 Tschumi utiliza a palavra notação no sentido da criação de um sistema gráfico de representação. Representação de amplitude de probabilidade. 8 Tradução livre da autora: “What fascinated me at the time of the Transcripts (and it still does) is that I could take a program and dismantle it, cut it up, and reconfigure it in as I same way could with any visual material. In fact, the location of the pieces of the program is architecture. In other words, this was not unlike writing a script for a film: one could have a murder at the beginning and a murder at the end, or two murders in the middle”. TSCHUMI, 1981, p. 34. 9 Noções dos situacionistas. 10 GOULET, 1982. 11 TSCHUMI, 1987, p. 26. 12 Tradução livre da autora: “(...) the superimposition of three coherent structures can never result in a supercoherent megastructure, but in something undecidable, something that is opposite of a totality”. TSCHUMI, 1996, p. 199.

                                                                                                                                                                                                                                                                               13 A ideia era que as folies continuassem o grid além do espaço destinado para se fazer o parque. No entanto, isso não aconteceu. 14 “Circumstances” or “Situations”. TSCHUMI, 1996. 15 Tradução livre da autora. Original: “The independence of the three superposed structures thus avoided all attempts to homogenize the Park into a totality. It eliminated the presumption of a preestablish causality between program, architecture, and signification. Moreover, the Park rejected context, encouraging intertextuality and the dispersion of meaning”. TSCHUMI, ibid., p. 200. 16 Tradução livre da autora. Original: “ (...) besoin insistant de faire dire à l’architecture plus qu’elle n’est capable de dire (...) le projet de la Villette est conçu dans le but explicite d’encourager de nouvelles relations. Plutôt que l’aboutissement d’un processus de pensée, le projet devient le point de départ d’une longue série de transformation qui conduiront peu à peu à la réalité construite”. TSCHUMI, ibid., p. 42. 17 TSCHUMI, ibid., p. 255. 18 TSCHUMI, ibid. 19 TSCHUMI, ibid., p. 39. 20 TSCHUMI, ibid., p. 91. 21 TSCHUMI, ibid., p. 257. 22 Tradução livre da autora. Original: “I love visual beauty. But I don’t want to look at it in a frozen, permanent, and absolute way. I like its transient nature, its constant transformations through time, place, or use, including its occasional ugly mutations. The serial transformations of the folies were a conscious way to make sure that all images would remain relative”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 95. 23 Entrevista com Tschumi, 1965-1975 – AA – ARCHITECTURAL ASSOCIATION SCHOOL OF ARCHITECTURE, p. 114-115. 24 Tradução livre da autora. Original: “Architecture is interesting only when it masters the art of disturbing illusions, creating breaking points that can start and stop any time”. TSCHUMI, 1996, p. 91. 25 Tradução livre da autora. Original: “ (…) the concepts I derive from writing are not quite the same as the ones I derive from drawing. And when they reinforce one another, it can be very exciting. But it doesn’t necessarily happen in a

Page 101: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

11  

                                                                                                                                                                                                                                                                               sequential way; concepts can either precede or follow projects”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 37. 26 Tradução livre da autora. Original: “(...) le jeu de l’architecture n’est ni la fonction – l’usage -, ni la forme – le style –, ni même toute adequation entre fonction et forme, mais plutôt l’ensemble des combinations et permutaions possible entre différentes catégories d’analyse – espace, mouvement, événement, technique, symbole etc – Faire de la architecture n’est pas composer, ou faire la synthèse des contraintes, mais c’est combiner, permuter ; c’est mettre en relation, de façon manifeste ou secrète (…)”. TSCHUMI, 1987, p. 24. 27 Tradução livre da autora. Original: “(...) architecture is defined by both the space and the event, yet the architect only has power over one of the two. However, there is a little more to it than that. Fist of all, space is not completely neutral; it can be activated by movement, which is actually the third term of the equation. And it’s when the architect reorganizes the different parts of the program in certain ways that the movement of bodies starts to have an effect on the relationship between those varied activities in that particular space. Hence, the architect has no control over the event but some control over conditions; one can actually design conditions”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 77. 28 TSCHUMI, 1996, p. 50-51 (tradução). 29 TSCHUMI, ibid., p. 96 (tradução). 30 Tradução livre da autora. Original: “I always try to create tension, not resolve it”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 62. 31 TSCHUMI, Manifesto 1 – Fireworks, 1974.

                                                                                                                                                                                                                                                                               

Page 102: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

12  

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas ABRAM, Joseph [et al.]. Tschumi Le Fresnoy: architecture in between. 1999.

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DAMIANI, Giovanni and HAYS, Michel. Bernard Tschumi. London: Thames & Hudson, 2003.

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ORLANDINI, Alain. Le Parc la Villette de Bernard Tschumi. Paris: Somogy, 2001.

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TSCHUMI, Bernard. Architecture and disjunction. Cambridge: MIT Press, 1996.

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______. “The Pleasure of Architecture”. In: BALLANTYNE, Andrew. What is Architecture? London: Routledge, 2002.

______. The state of architecture at the beginning of the 21st century. New York: Monacelli Press, 2003.

                                                                                                                                                                                                                                                                               ______. Questions of space: lectures on architecture. (Text 5) London: AA Publications, c1990.

______ e BERMAN, Matthew. Index architecture: a Columbia architecture book. Cambridge: MIT Press, 2003.

WALKER, Enrique. Tschumi on architecture: conversations with Enrique Walker. New York: The Monacelli Press, 2003.

1965-1975 – AA – ARCHITECTURAL ASSOCIATION SCHOOL OF ARCHITECTURE.  

 

Page 103: Tese de Doutorado Moema Loures

PARTE III

: : Rastros IMAginais: o que fica e o que vai ------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 06

: : Bastidores do diálogo com os autores ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 01 - 12

Page 104: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

1  

: : Rastros IMAginais – o que fica e o que vai

Estamos investigando a arte que existe na possibilidade do projeto criar novas

realidades, expansões imaginais.  Assim, vamos pinçando espaços de criações, nuances

de um pensar urbano.

IMAginal no sentido de criar, como possibilidade de dar visibilidade à imaginação. Não

estamos no mundo empírico dos sentidos, nem no mundo abstrato do intelecto, mas

entre os dois: entre o mundo inteligível e o mundo sensível.

O que importa não é o projeto em si, mas para onde ele nos leva. Vislumbramos a

autonomia conquistada não para a arquitetura e o urbanismo, mas para o sujeito que

experiencia o projeto; abrimos espaço para acontecimentos outros.

Buscamos a construção de forças, não a construção de formas. Assim, como afirma

Attali1: “o objeto da arquitetura não é a forma, mas a ação de dar forma a alguma coisa:

um uso, uma situação ou um lugar, uma ‘forma de vida’”.

A arquitetura e o urbanismo não se constitui como campo autônomo, depende das

ações. Uma pequena ação pode ser amplificada diversas vezes. O importante é o senso

de ativação. O projeto possui uma função de instauração junto a forças de derivação.

Derivar no sentido de sair da rota estabelecida, desviar de seu curso, fazer provir,

deslocar.

IMA – atrai

Imaginação

Ação

Criação

IMAginal – mundus imaginalis

Page 105: Tese de Doutorado Moema Loures

 

 

2  

O acontecimento é um conceito que deixa emergir as multiplicidades. O acontecimento

inesgotável de multiplicidades de devires. O devir como a passagem de uma potência a

outra.

O acontecimento está fundado no inesperado, no imprevisível, fora do controle do

arquiteto. É preciso deixar a imaginação sonhar, deixar o acontecimento.

Projetar é agir sobre um tempo desconhecido. O arquiteto-urbanista deve encorajar a

imprevisibilidade. Os incidentes têm poder.

O projeto como a possibilidade de elevar a potência da sensação. A experiência, o

acontecimento, como revelação de um universo sensível, bloco de sensações, um puro

ser de sensações2.

E para que projetamos? Não seria para construir blocos de sensações?

Intensidades síntese

Um projeto, “falta sempre um pouco de explicação”3.

O projeto como processo, como um sistema aberto que se inicia quando parece ter

terminado e que vive em um estado de devir. O projeto que reconhece a cidade aberta,

sobretudo a cidade que permite a expressão dos conflitos.

O projeto que ao ser tocado já se mistura, já não é mais projeto, é devir homem,

Os eventos contêm sua própria

imprevisibilidade. A arquitetura

deve em vez de gerar forma, deve

incentivar ou provocar

imprevisibilidade5.

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3  

paisagem e cidade. O projeto que se renova a cada nova captura, por isso

simultaneamente eterno, dinâmico, finito.

Podemos dizer que o que se conserva do projeto é a sensação, o acontecimento.

Consideramos que é no instante-acontecimento que encontramos a perenidade do

projeto no urbano.

Este trabalho coloca em evidência o processo-montagem que por si só já possui um

caráter experimental. A montagem como gesto criativo, como um movimento que

legitima o processo de repetição na concepção do projeto através da experimentação.

A montagem inclui dispositivos como repetição, inversão, substituição e inserção. “Estes

dispositivos sugerem uma arte de ruptura, em que a invenção reside no contraste –

mesmo em contradição”4, afirma Tschumi.

Privilegiamos na tese o dispositivo repetição como elemento ativador do espaço. A

repetição como geradora de um processo de diferenciação. Temos, assim, a potência

do processo. A repetição assegura a distribuição e o deslocamento, o transporte do

elemento para outras dimensões.

As ideias de Tschumi são provocadoras de tensão e intrusão. Para avançar é

necessário provocar situações de conflito, reações. Como deixar o projeto se

expressar? Como projetar para revelar acontecimentos?

Esta tese é uma manifestação contrária aos projetos que buscam a continuidade do que

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4  

existe ou do que percebemos existir e denominamos realidade. Consideramos que o

desafio do projeto no espaço urbano está no transbordamento da realidade, o projeto

precisa ir além do que somos ou do que pretendemos ser.

A qualidade do projeto está na habilidade de revelar os desejos secretos nos desejos

objetivos. O espaço como lugar privilegiado de passagens, reversões, acrobacias e

jogos de pique-esconde. O projeto é uma totalidade fragmentária e, assim, tem a

capacidade de desenvolver a próxima hipótese – a hipótese a vir.

Estamos em busca de intensidades-outras. Intensidades IMAginais.

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5  

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6  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 Tradução livre da autora. Original: “L’objet d’architecture n’est pas la forme, mais l’action de donner forme à quelque chose: un usage, une situation ou un lieu, une forme de vie”. ATTALI, 2001, p. 8. 2 DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 217. 3 Referência à frase de Dusapin, 2009, p. 9: “Une musique ‘ça manque toujours un peu d’explications”. 4 Tradução livre da autora. Original: “These devises suggest an art of rupture, whereby invention resides in contrast – even in contradiction”. TSCHUMI, 1996, p. 197. 5 Tradução livre da autora. Original: “Events contain their own unpredictability. Architecture ought to generate form rather, encourage or trigger unpredictability”. Entrevista com Tschumi. WALKER, 2003, p. 83.

                                                                                                                                                                                                                                                                               Referências bibliográficas

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WALKER, Enrique. Tschumi on architecture: conversations with Enrique Walker. New York: The Monacelli Press, 2003.

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1  

: : Bastidores do diálogo com os autores

Dentro do processo da tese, os autores foram se encontrando. Ao estudar a trajetória de

vida de Eisenstein, deparamo-nos com o seu encontro em Paris com Le Corbusier.

Bacon, autor bastante estudado no início da tese, pintando a cena de uma mulher

sendo atingida no rosto na escadaria de Odessa (Encouraçado Potemkin). Tschumi e

seus estudos a partir de Eisenstein. De repente, vamos descobrindo que a história dos

autores estão de certa forma ligadas. Encontros que, à primeira vista, parecem

coincidências, mas que formam uma família de pensadores.

Pensamentos não lineares, questionamentos de linguagens. Clarice Lispector1

questiona a literatura e o próprio ato de escrever. O texto fala de tudo e de nada.

Tschumi2 nos pergunta o que é arquitetura e afirma que, se não questionamos a forma

de representação, o conteúdo também não muda. Borges3, através de seus contos,

cristaliza a filosofia de Deleuze. Nos diálogos de Deleuze e Bacon4, Bacon defende uma

pintura não descritiva e narrativa.

Na obra La musique en train de se faire5, o compositor Dusapin une os pensamentos de

Deleuze ao processo de criação da música e, de alguma forma, com os pensamentos

de Tschumi. A música e seus processos não lineares. Dusapin nos questiona sobre

como construir uma forma. Ele aborda questões como: derivar; dobrar; amarrar; desviar

e sempre enxertar, incitações, segundo ele, relativas ao ato de construir, ao ato de criar.

(…) desviar uma força que se

move e transformar a matéria

desviando-a da direção que ela

tomaria naturalmente8.

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2  

Nesse processo destaca a repetição como forma de criação. A repetição que gera

criação. “Repetir uma nota é o grau zero de um gesto musical”, afirma Dusapin6. E

continua: “Nós começamos a compor uma música, ou mais nós a continuamos,

retornando ao fluxo precedente”7.

Destaco o título da obra de Dusapin: La musique en train de se faire; ou seja, em

processo, em trânsito, a criação aberta. Destacamos a proximidade com o que

gostaríamos de fixar com a tese, se existe algo fixo: o projeto “en train de se faire”, “in

the process of being”, no curso de…

Observações:

Segue diagrama das influências de Tschumi que foi feito a partir de diversas leituras dos

livros do autor, das entrevistas com o autor e dos livros sobre o autor. É uma grande

síntese de uma forte corrente de pensadores nas mais diversas áreas do conhecimento.

Ao realizar este diagrama, descobrimos grandes afinidades teóricas. Autores que

influenciaram todo este trabalho.

Segue também diagrama com nossas principais afinidades teóricas (“Bastidores do

diálogo com os autores”), trazendo os autores que mais nos influenciaram na

construção deste trabalho. Alguns não aparecem nas referências bibliográficas, estão

apenas nas entrelinhas, são brechas para novos estudos.

Quando um som se prolonga, eu

tenho algumas vezes o sentimento

de me perder, sua origem se

apaga9.

Em suma, a borda de uma coisa é

a sua forma10.

Construir a forma é sem cessar

desviar, depois reunir, acrescentar

e dispor estes fragmentos, estas

dicas, estas parcelas de pequenas

músicas que nascem dela

mesma11

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3  

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4  

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5  

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6  

                                                                                                                                                                                                                                                                               1 LISPECTOR, 1973. 2 TSCHUMI, 1996. 3 BORGES, 2007. 4 DELEUZE 2007. 5 DUSAPIN, 2009. 6 Tradução livre da autora. Original: “Répéter une note est le degré zero du geste musical”. DUSAPIN, 2009, p. 37. 7 Tradução livre da autora. Original: “On commence à composer une musique, ou plutôt on la continue en reprenant le flux précédent”. DUSAPIN, 2009, p. 35. 8 Tradução livre da autora. Original: “(…) détourner une force qui meut et transforme la matière en la déviant de la direction qu'elle aurait naturellement prise”. DUSAPIN, 2009, p. 22. 9 Tradução livre da autora. Original: “Lorsqu’un son se prolongue, j’ai quelquefois le sentiment de m’y perdre, que son origine s’efface”. DUSAPIN, 2009, p. 53. 10 Tradução livre da autora. Original: “En somme, le bord d’une chose, c’est sa forme”. René Thom, citado por DUSAPIN, 2009, p.3 5. 11 Tradução livre da autora. Original: “Construire la forme, c’est sans cesser détourer, puis assembler, accoler et disposer ces fragments, ces bouts, ces parcelles de petites musiques qui naissent d’elles-mêmes”. DUSAPIN, 2009, p. 62.

                                                                                                                                                                                                                                                                               

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7  

                                                                                                                                                                                                                                                                               

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