tese dorival
TRANSCRIPT
-
Universidade de So Paulo Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia
PIPGE EP/FEA/IEE/IF
Reformas na Indstria Eltrica Brasileira:
A Disputa pelas Fontes e o Controle dos Excedentes
Dorival Gonalves Junior
So Paulo Setembro/2007
-
ii
Universidade de So Paulo Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia
PIPGE EP/FEA/IEE/IF
Reformas na Indstria Eltrica Brasileira:
A Disputa pelas Fontes e o Controle dos Excedentes
Autor: Dorival Gonalves Junior Tese apresentada ao Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia Instituto de Eletrotcnica e Energia/Faculdade de Economia, Administrao e Cincias Contbeis/Instituto de Fsica/Escola Politcnica da Universidade de So Paulo, para obteno do Ttulo de Doutor em Energia. Orientador: Professor Dr. Ildo Luis Sauer
So Paulo Setembro/2007
ii
-
iii
Gonalves, Dorival Junior Reformas na Indstria Eltrica Brasileira: A Disputa pelas Fontes e o Controle dos Excedentes (So Paulo) 2007 416 p xv p 29,7cm (EPUSP- FEA- IEE-IF/USP, Dr., PIPGE,2007) Tese (Doutorado) Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia da Universidade de So Paulo 1. Reformas Indstria Eltrica 2. Anlise Histrico-Social 3. Organizao da indstria eltrica Mercado Mercado Regulado 4. Valor Trabalho Social 5. Indstria eltrica - Estado do Bem Estar Hegemonia Neoliberal 6. Mercadoria Eletricidade 7. Sistema Financeiro 8. Preo de Produo
iii
-
iv
-
v
RESUMO
A indstria de infra-estrutura brasileira que produz, transporta e distribui a
eletricidade, como parte integrante da cadeia da indstria eltrica, tem sido submetida,
historicamente, a um movimento de permanente mudana em sua estrutura organizacional
de produo. Estas, comumente, tm acontecido no interior de discusses realizadas nos
meios empresariais, polticos inclusive com a participao das burocracias de estado e
acadmicos. De um modo geral, a classe trabalhadora sempre esteve ausente e nunca foi
convidada a participar dos debates de como organizar a indstria de eletricidade.
Aparentemente, as idias vencedoras em cada poca, acabam determinando a estrutura
organizacional para aquele perodo histrico. Sinteticamente comum caracterizar a
evoluo desta indstria em trs grandes movimentos histricos. Primeiro, no princpio,
quando organizada a partir de investidores privados. Segundo, o perodo de grande
expanso, quando a indstria de eletricidade desenvolvida pelo Estado. Terceiro, o atual
movimento de mudana, vem sendo reorganizada no sentido de retorn-la na totalidade ao
controle privado.
Em geral, estes movimentos de mudanas da indstria de eletricidade tm sido
explicados, como resultado de tendncias externas ideais, manifestadas por novas
concepes organizacionais que visam o aperfeioamento da indstria de eletricidade,
enquanto um bem para toda a sociedade.
Dentro deste cenrio, este estudo REFORMAS NA INDSTRIA ELTRICA
BRASILEIRA: A DISPUTA PELAS FONTES E O CONTROLE DO TRABALHO
EXCEDENTE tem a pretenso de compreender o passado e o presente das mudanas
na indstria de eletricidade brasileira segundo a perspectiva da Economia Poltica em Marx.
Os aspectos ligados natureza, as tcnicas e as tecnologias relacionadas indstria de
eletricidade so abordados enquanto manifestaes da forma social da produo capitalista.
A anlise das relaes e das contradies surgidas na produo/circulao em geral,
manifestas em crises que se propagam para a quase totalidade da produo e no
movimento de mudanas da indstria eltrica permite identificar, quais as principais foras
econmicas atuantes e suas respectivas estratgias nos cenrios de luta/controle pelo
trabalho excedente.
v
-
vi
ABSTRACT
The industry of infrastructure that Brazil produces, transports and distributes
electricity, as integrant part of the chain of the electric industry, has been submitted,
historically, to a movement of permanent change in its organizational structure of production.
These usually have happened in the interior of quarrels carried through in the enterprise
ways, politicians - also with the participation of bureaucracies of states - and academics. In a
general way, the working class always was absent and nor was invited to participate of the
quarrels of as to organize the electricity industry. Apparently, the winning ideas at each time,
finish determining the organizational structure for that historical period. Synthetically is
common to characterize the evolution of this industry in three great historical movements.
First, in the principle of industry, when it is organized from private investors. Second, the
period of great expansion, when the electricity industry is developed by the State. Third, the
current movement of change, comes being reorganized in the direction to return it in the
totality to the private control.
In general, these movements of changes of the electricity industry have been
explained, as resulted of ideal external trends, revealed for new organizational
conceptions that aim the improvement of the electricity industry, while a good for all
the society. Inside of this scene, this study - REFORMS IN THE BRAZILIAN ELECTRIC
INDUSTRY: THE DISPUTE FOR `SOURCES' AND THE CONTROL OF THE EXCEEDING
LABOUR - the pretension has to understand the past and the present of the changes in the
industry of according to perspective Brazilian electricity of the Economy Politics in Marx. On
aspects to the nature, the techniques and the technologies related to the electricity industry
are boarded while manifestations of the social form of the capitalist production. The analysis
of the relations and the contradictions appeared in the production/circulation - in general,
manifest in crises that if propagate almost for the totality of the production - and in the
movement of changes of the electric industry allows to identify to which the main operating
economic forces and its respective strategies in the fight scenes of control for the exceeding
labour.
vi
-
vii
FIGURAS
Figura 2.1 Investimentos Privados em Infra-estrutura (132 Pases - 1990/2001).........................24
Figura 2.2 Privatizao no Brasil 1990-2002 / Participao Setorial.............................................25
Figura 3.1 Estgios de desenvolvimento e consumo de energia..................................................43
Figura 3.2 Modelo de organizao vertical...................................................................................51
Figura 3.3 Modelo de organizao comprador nico.................................................................52
Figura 3.4 Modelo de organizao distribuidores regionais......................................................53
Figura 3.5 Modelo de organizao a escolha do consumidor...................................................54
Figura 4.1 Sistema Eltrico Brasileiro: Interligado e isolado........................................................63
Figura 4.2 Hidreltricas localizadas nas bacias dos rios Paranaba e Grande............................64
Figura 4.3 Hidreltricas nos rios: Tiet, Paranapanema e Paran................................................65
Figura 4.4 Integrao Eletro-energtica Interregional....................................................................68
Figura 4.5 Curvas de Oferta e Demanda para Despacho e Formao da eletricidade................93
Figura 4.6 Organizao da indstria eltrica brasileira no Governo FHC................................94
Figura 4.7 Organizao da indstria eltrica brasileira no Governo Lula................................97
Figura 7.1 Foto da hidreltrica de Itaipu com os vertedouros abertos....................................241
Figura 7.2 Esquema de sada das linhas de transmisso que transportam a eletricidade
produzida em Itaipu........................................................................................................244
Figura 7.3 Sistema Eltrico Brasileiro: Suas dimenses em relao ao territrio
Europeu.........................................................................................................................260
Figura 8.1 Energia total consumida 1995-2006 e tipos de contratos de compra venda
(Resoluo no 450, de 29 de dezembro de 1998)........................................................293
Figura 9.1 Nmero de trabalhadores na indstria de eletricidade brasileira 1994-2004...........313
Figura 9.2 Energia produzida no Brasil por ano de 1994 a 2004 (GWh/ano)..............................314
Figura 9.3 Produtividade: Energia gerada/trabalhador (GWh/tra)...............................................315
Figura 9.4 % da folha de pagamento bruta em relao a receita bruta......................................321
Figura 9.5 Investimentos anuais na indstria de eletricidade brasileira em US$ bilhes.........327
vii
-
viii
Figura 9.6 Relao entre a Potncia Mdia Gerada Anual (MWmdios) e a Potncia Eltrica
Total Instalada................................................................................................................330
Figura 9.7 Evoluo do grau de endividamento de algumas empresas distribuidoras logo aps
a privatizao..................................................................................................................344
Figura 9.8 O circuito comercial na cadeia produtiva....................................................................345
Figura 9.9 Quantidade em Km da rede Bsica do SIN e acrscimos anuais..............................347
Figura 9.10 Preo da Eletricidade em US$/MWh.............................................................................355
Figura 9.11 Preo da Eletricidade Residencial e Industrial (US$/MWh)........................................362
Figura 9.12 Estrutura societria da CPFL Energia e suas empresas subsidirias......................364
Figura 9.13 Estrutura Empresarial da NEOENERGIA.....................................................................366
Figura 9.14 Receita/Lucros Liquido AES Tiet................................................................................368
Figura 9.15 Fluxograma do Novo Modelo leis: 10.847/10.848-2004...........................................370
Figura 9.16 Preos (geradoras e distribuidoras) e relao percentual.........................................373
Figura 9.17 Volume de Negcios da indstria de eletricidade brasileira em milhes de Reais na
CVM entre 1996-2006......................................................................................................376
Figura 9.18 Preos mdios de eletricidade do EUA, perodo 1973 a 2005...................................380
Figura 9.19 Preo de Mdio de Eletricidade do Setor Residencial em US$/MWh........................382
viii
-
ix
TABELAS
Tabela 4.1 Gerao Anual de Itaipu 1996 at 2005........................................................................66
Tabela 4.2 Capacidade de produo e intercmbio por regio.....................................................68
Tabela 5.1 Principais Membros da International Electrical Association (IEA), em 1936............148
Tabela 5.2 Potncia Eltrica no Brasil de 1883 a 1895..................................................................152
Tabela 5.3 Populao Brasileira em Atividade em 1920...............................................................153
Tabela 5.4 Produo e Consumo Anuais de Energia por Habitante no Brasil 1990-1930.........154
Tabela 6.1 Nmero de Empresas e Potncia Instalada por Regio.............................................188
Tabela 6.2 Potncia Eltrica Instalada no Brasil (1900-1930) (MW..............................................189
Tabela 6.3 Evoluo da Capacidade Instalada e a Variao Percentual/Ano Energia Vendida
Light de So Paulo e Variao Percentual/Ano Perodo 1929 a 1945....................196
Tabela 6.4 Comisso Mista Brasil EUA, Programa de Energia Eltrica (1952-1957)...............204
Tabela 6.5 Evoluo da Capacidade Instalada (1952-1962) (MW e %).........................................215
Tabela 7.1 Custo de Importao de Petrleo.................................................................................236
Tabela 7.2 Indicadores de Desempenho Econmico....................................................................237
Tabela 7.3 Evoluo do PIB Brasileiro no Perodo do Plano-90..................................................239
Tabela 7.4 Produo de Energia Eltrica da UHE Itaipu 1984 2005...........................................240
Tabela 7.5 Preos petrleo e alumnio entre 2002 -2006..............................................................248
Tabela 7.6 Evoluo da demanda mdia do setor eletrointensivo (MWmdios) e Evoluo da
potncia necessria instalada para atender a demanda do setor (MW)...................250
Tabela 7.7 Evoluo da Capacidade Instalada do setor eltrico (Perodo Estatal)....................259
Tabela 7.8 Empreendimentos do Setor Eltrico - Contratos Bilaterais.......................................264
Tabela 7.9 Setor Eltrico: Distribuio da Receita do IUEE (Parcela Estadual) 1985 Em US$
milhes............................................................................................................................266
Tabela 7.10 Investimentos no Setor Eltrico 1981 1990..............................................................267
Tabela 7.11 Taxas de Juros 1976-1982.............................................................................................268
Tabela 7.12 Importaes Brasileiras por Categoria (US$ bilhes)................................................268
ix
-
x
Tabela 7.13 Balano de Pagamentos: BRASIL 1971-1983 (US$ bilhes)......................................269
Tabela 8.1 Energia total consumida (TWh) e tipos de contratos de compra venda................293
Tabela 8.2 Empresas Eltricas Distribuidoras Privatizadas.........................................................301
Tabela 8.3 Empresas Eltricas Geradoras Privatizadas...............................................................302
Tabela 9.1 CEMAT empresa privatizada 27/11/1997...................................................................316
Tabela 9.2 Variaes no valor da Indstria eltrica brasileira - dcadas: 1980, 1990 e no Incio
de 2000............................................................................................................................326
Tabela 9.3 Preo da eletricidade Residencial e Industrial no Brasil (R$/MWh)..........................356
Tabela 9.4 Preo da tarifa nacional, em 14 de dezembro de 1994, e de algumas empresas de
distribuio, em 25 de abril de 1994.............................................................................358
Tabela 9.5 Leiles das hidreltricas existentes (mais de 93% das estatais)..............................371
Tabela 9.6 Preo de gerao (Furnas e CESP) e preo mdio das tarifas de distribuio.......372
Tabela 9.7 Leilo de novos empreendimentos de gerao (hidreltricos e trmicos)..............374
Tabela 9.8 Volume de Negcios na indstria de eletricidade brasileira em milhes de Reais na
CVM entre 1996-2006......................................................................................................376
x
-
xi
SUMRIO BANCA EXAMINADORA RESUMO ABSTRACT FIGURAS TABELAS Captulo 1. Apresentao.................................................................................................01 Captulo 2. Uma Viso Impressionista das Reformas na Indstria Eltrica............08
2.1 O cenrio das reformas...........................................................................08 2.2 Princpios da reforma na Europa...........................................................12
2.3 Princpios da reforma no EUA................................................................15
2.4 Princpios da reforma na Amrica Latina..............................................20
2.5 Princpios da reforma no Brasil.............................................................25
2.6 Notas.........................................................................................................29
Captulo 3. Os Pressupostos do Pensamento Hegemnico Abordagem da
Indstria Eltrica............................................................................................38 3.1 Alguns aspectos relacionados concepo de cincia da
representao dominante.............................................................................38 3.2 A racionalidade hegemnica sobre a produo da energia................40
xi
-
xii
3.3 Situao paradigmtica do uso da racionalidade hegemnica na atualidade da indstria eltrica brasileira...................................................46
3.4 O representado: tem que parecer real...................................................49 3.5 Notas.........................................................................................................57 Captulo 4. Caractersticas e Anlises da Reforma da Indstria de Eletricidade
Brasileira: Mercado versus Mercado Regulado..........................................61
4.1 Caractersticas da indstria de eletricidade brasileira........................62
4.2 Quem organizou esta indstria de eletricidade?..................................69 4.3 As anlises do pensamento hegemnico em defesa da reforma da indstria de eletricidade...............................................................................70 4.4 A prtica da reforma sob os princpios do pensamento hegemnico....................................................................................................81 4.5 As anlises dos crticos da reforma e o cenrio de reestruturao conforme o pensamento hegemnico.........................................................86 4.6 A continuidade da reforma agora sob o domnio dos crticos da reforma....................................................................................................94 4.7 Notas.......................................................................................................101
Captulo 5. Bases Fundamentais de uma Representao Enraizada na Realidade
Social para Compreender a Indstria Eltrica..........................................109 5.1 A unidade contedo-mtodo nas representaes da realidade
social.............................................................................................................109 5.2 A compreenso da produo/distribuio eletricidade exige a
abordagem das relaes sociais de produo.........................................114
xii
-
xiii
5.3 As bases materiais da representao valor-trabalho-social.............119 5.4 O valor trabalho social, o movimento na produo e a noo
fora..............................................................................................................127 5.5 O imprio das transformaes na produo capitalista e a noo
energia..........................................................................................................134 5.6 O nascimento de um novo elemento de produo e os primeiros
passos da indstria eltrica mundial.........................................................139 5.7 Indstria eltrica: uma cadeia produtiva intensiva em
capital...........................................................................................................143 5.8 Os primrdios da indstria eltrica no Brasil.....................................150 5.9 A mercadoria eletricidade no Brasil....................................................158 5.10 Preo de produo da mercadoria eletricidade................................163 5.11 Notas.....................................................................................................172 Captulo 6. Anlise Histrico-Social do Desenvolvimento da Indstria de
Eletricidade Brasileira.................................................................................178 6.1 A organizao da indstria eltrica.....................................................178 6.2 Os primrdios da disputa: os grandes centros de consumo e as
bases naturais fontes de alta produtividade.............................................181
6.3 A hegemonia poltica do capital nacional procura colocar limites explorao das empresas estrangeiras....................................................189 6.4 As tticas das empresas estrangeiras para manterem a lucratividade.................................................................................................201
xiii
-
xiv
6.5 Novos territrios de explorao econmica conjugam interesses para uma mudana radical na organizao da indstria de eletricidade...................................................................................................204 6.6 O caminho da estatizao e o confronto de projetos: capital nacional versus capital estrangeiro..........................................................................213 6.7 Notas.......................................................................................................224
Captulo 7. A Indstria Eltrica Brasileira no Estado do Bem Estar do Capital....228
7.1 O fim das divergncias e a consolidao de um sistema estatal de produo e distribuio de eletricidade....................................................228
7.2 A crise energtica dos anos 1970....................................................235 7.3 O planejamento da indstria de eletricidade feito pelo Estado........237 7.4 A execuo dos projetos planejados..................................................239 7.5 Os beneficirios da implantao/expanso da indstria estatal......245 7.6 A organizao e o sistema de produo que se consolidou............255
7.7 A disputa entre os beneficirios da produo engendram os limites reproduo da explorao..........................................................................259 7.8 Notas.......................................................................................................270
Captulo 8. A Arquitetura de uma Nova Forma de Organizar a Produo
Mundial.........................................................................................................274 8.1 O fim de um longo perodo de expanso............................................274 8.2 O cenrio hegemonia neoliberal na indstria de eletricidade....277
xiv
-
xv
8.3 As novas bases para acumulao reivindicam novas regras legitimadoras a serem aplicadas pelo Estado..........................................283
8.4 A eletricidade como mercadoria: exige a reforma patrimonial do
Estado...........................................................................................................295 8.5 Notas.......................................................................................................306 Captulo 9. Os Atuais Territrios de Disputas pelas Fontes e o Controle dos
Excedentes da Indstria de Eletricidade Brasileira.................................311 9.1 As novas bases de explorao da fora de trabalho na indstria de
eletricidade...................................................................................................311 9.2 A indstria de eletricidade intensiva em capital fixo - reivindica
solues para diminuir o tempo de rotao do capital...........................322 9.3 Os vnculos da reforma da indstria de eletricidade com o sistema
financeiro......................................................................................................334 9.4 O Preo de Produo Social da eletricidade: o objetivo da
reforma.........................................................................................................355 9.5 Notas.......................................................................................................387 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................403
xv
-
1
Captulo 1. Apresentao
A indstria de infra-estrutura brasileira que produz, transporta e distribui a
eletricidade, como parte integrante da cadeia da indstria eltrica, tem sido submetida,
historicamente, a um movimento de permanente mudana em sua estrutura organizacional
de produo. Estas, comumente, tm acontecido no interior de debates realizados nos
meios empresariais, polticos inclusive com a participao das burocracias de estado e
acadmicos. De um modo geral, a classe trabalhadora sempre esteve ausente como
tambm nunca foi convidada a participar das discusses de como organizar a indstria de
eletricidade. Aparentemente, as idias vencedoras em cada poca, acabam determinando a
estrutura organizacional para aquele perodo histrico. Sinteticamente comum caracterizar
a evoluo desta indstria em trs grandes movimentos histricos. Primeiro, no princpio,
quando organizada a partir de investidores privados. Segundo, o perodo de grande
expanso, quando a indstria de eletricidade desenvolvida pelo Estado. Terceiro, o atual
movimento de mudana, vem sendo reorganizada no sentido de retorn-la na totalidade ao
controle privado.
Em geral, estes movimentos de mudanas da indstria de eletricidade tm sido
explicados, como resultado de tendncias externas ideais, manifestadas por novas
concepes organizacionais que visam o aperfeioamento da indstria de eletricidade,
enquanto um bem para toda a sociedade.
Dentro deste cenrio, este estudo REFORMAS NA INDSTRIA ELTRICA
BRASILEIRA: A DISPUTA PELAS FONTES E O CONTROLE DO TRABALHO
EXCEDENTE tem a pretenso de compreender o passado e o presente das mudanas
na indstria de eletricidade brasileira segundo a perspectiva da Economia Poltica em Marx.
Os aspectos ligados natureza, as tcnicas e as tecnologias relacionadas indstria de
eletricidade so abordados enquanto manifestaes da forma social da produo capitalista.
A anlise das relaes e das contradies surgidas na produo/circulao em geral,
manifestas em crises que se propagam para a quase totalidade da produo e no
movimento de mudanas da indstria eltrica permite identificar, quais as principais foras
econmicas atuantes e suas respectivas estratgias nos cenrios de luta/controle pelo
trabalho excedente.
Neste sentido, o Captulo 2 procura caracterizar que as atuais mudanas na indstria
de eletricidade brasileira esto integradas e fazem parte do processo econmico de
tendncia diminuio nas taxas de lucros, iniciado nos anos 1970, nos pases centrais do
capitalismo mundial. A reduo da taxa de crescimento econmico mundial implicou a
diminuio das taxas de expanso das indstrias de produo de bens e servios de infra-
estruturas, e simultaneamente, inicia-se uma revoluo no sistema financeiro. Este
1
-
2
amplifica sua capacidade de influenciar a produo e a circulao de bens e servios.
Principia-se assim, uma radical reestruturao institucional da produo capitalista em geral.
Um novo papel poltico passa a ser articulado para os Estados. A redefinio das
finalidades sociais, econmicas e polticas retiram os Estados da gesto de inmeros
segmentos produtores de bens e servios. dentro deste cenrio que a indstria
eletricidade, que at o fim de 1980 e incio da dcada 1990 caracterizava-se como um ramo
da produo estatal, na maioria dos pases, comea um longo processo de reforma. As
palavras de ordem para a nova organizao industrial da eletricidade so muito semelhantes
em muitos pases. Um novo marco regulatrio em relao s propriedades das empresas
deve ser estabelecido. A razo da reforma se destina proteo dos consumidores.
Compete aos estados promover um modelo competitivo, atraindo os investimentos privados
para indstria de eletricidade atravs da privatizao, da reorganizao dos segmentos de
gerao, transmisso e distribuio, visando concretizao de um mercado de
eletricidade. Este paradigma tem seus princpios polticos de gesto defendidos pela
totalidade das foras capitalistas. Os argumentos empregados para as reformas, como leis
universais, guardam poucas diferenas entre os mais distintos pases:
- o direito dos consumidores de poder escolher diretamente o seu provedor entre as
diferentes empresas;
- a liberdade s empresas de fornecimento de eletricidade de atuar em qualquer
territrio no atendimento dos mais distintos consumidores;
- o preo da energia eltrica determinada pelo mercado;
- nenhum mecanismo regulador para os produtores de energia, isto , a gerao no
deve ser regulada;
- separao empresarial das atividades de gerao das atividades de transmisso e
de distribuio;
- estabelecer entidades independentes para operar os sistemas de transporte de
energia eltrica;
- os agentes reguladores devem estabelecer procedimentos que impeam o controle
de mercados pelas empresas, bem como, evitar medidas que possam restringir a entrada de
novos agentes de venda de energia eltrica.
Colocados os princpios que esto norteando as reformas e com a constatao de
que se trata de um movimento em nvel mundial, nos captulos subseqentes (3 e 4), busca-
se compreender as bases ideolgicas de sustentao e defesa das atuais mudanas na
indstria de eletricidade.
O Captulo 3 caracteriza o modo de representar do denominado neste estudo
pensamento hegemnico. Este se refere, a representao da organizao da indstria de
eletricidade que tem dominado as instituies ideolgicas dos pases centrais do
2
-
3
capitalismo, inclusive, em muitos da periferia. Este modo de pensar, transformado em
estudos cientficos tem legitimado e respaldado o encaminhamento de reestruturao da
indstria de eletricidade, na quase totalidade, dos pases. O enfoque central deste
pensamento defende o estabelecimento de uma organizao industrial para eletricidade
estruturado na economia de mercado. Onde, os vrios componentes e agentes de
produo, consumo e regulao privados e/ou estatais, que compreendem este sistema de
produo atuando em condies de livre concorrncia e/ou submetidos a mecanismos de
regulao estatal que incentivam a concorrncia, so orientados em seus investimentos de
produo/consumo pelos preos, da commodity eletricidade, institudos neste ambiente. As
reformas, por essa concepo, procuram organizar a indstria atravs de instrumentos de
competio e de restrio/impedimento de interveno dos governos nos mercados de
eletricidade. Para isso, os investidores privados devem preferencialmente substituir os
estatais na gesto da indstria. As empresas devem ser desverticalizadas gerao,
transmisso, distribuio e comercializao para viabilizar o ambiente de competio. Ao
Estado cabe articular um rgo regulador neutro, com autonomia em relao ao governo e
aos agentes participantes, e ainda, com capacidade de estabelecer regras claras, para o
funcionamento do mercado de eletricidade, e elaborar/institucionalizar modelos contratuais
que repassem para o mercado os riscos assumidos pelos agentes econmicos.
O captulo 4, inicialmente aponta as principais caractersticas da produo de
eletricidade brasileira, destacando o seu processo de implantao. Em seguida, mostra que
o processo de mudana na organizao da indstria de eletricidade brasileira tem
acompanhando a tendncia mundial, isto , vem sendo concretizado em consonncia com
os princpios de mercado. No restante do captulo a discusso transcorre sobre o debate
travado entre as duas correntes principais de anlise para organizao da indstria de
eletricidade brasileira colocada em epgrafe: Caractersticas e Anlises da Reforma da
Indstria de Eletricidade Brasileira: Mercado versus Mercado Regulado. A primeira corrente
de anlise a elaborada pelo pensamento hegemnico defende a reforma sob a gide
dos instrumentos de mercado como forma de orientar a organizao da
produo/distribuio da eletricidade. A segunda corrente os pertencentes a esta corrente
so denominados crticos da reforma , enquanto rfos do Welfare State, parece,
reivindicar uma nova sntese ao combinar iniciativas de governo com as de mercado. Estas
duas correntes, apesar de aparentarem posies antagnicas sobre as reformas, em geral,
esto enraizadas em pressupostos semelhantes, seja em termos dos elementos de lgica
que empregam e/ou em relao aos ideais de reforma. Assim, ao perscrutar estas duas
correntes de anlises, a inteno identificar e expor a semelhana presente nos seus
principais elementos constituintes.
3
-
4
Apresentado o contexto das reformas da indstria de eletricidade mundialmente, e
especialmente, no Brasil com sua caracterstica fsica destacada concomitante o seu
processo de implantao e com exposio do debate travado entre as duas concepes que
esto justificando as reformas, nas quais esto patentes as abordagens desvinculadas dos
aspectos polticos, histricos e sociais. Tem-se o incio, no captulo 5, da apresentao dos
fundamentos para compreenso e desenvolvimento dos aspectos ligados natureza, as
tcnicas e as tecnologias relacionadas indstria de eletricidade como manifestaes da
forma social da produo capitalista.
Aps mostrar a unidade contedo-mtodo e simultaneamente a refutao das bases
que sustentam as representaes do pensamento hegemnico e crticos da reforma, busca-
se demonstrar a importncia da noo modo de produo para a compreenso da indstria
de eletricidade e concomitantemente, demonstra-se, a fragilidade das representaes que
ignoram esta noo. Em seguida feita a apresentao das bases materiais da
representao valor-trabalho-social. A partir da esto formulados os alicerces para a
demonstrao dos contedos sociais intrnsecos s denominadas cincias naturais. Estas
noes so desenvolvidas nos subttulos: O valor trabalho social, o movimento na produo e a noo fora e O imprio das transformaes na produo capitalista e a noo energia.
Ato contnuo, apresentada a estria da eletricidade como mercadoria
simultaneamente aos primeiros passos da indstria eltrica mundial. Ainda neste captulo,
expe-se, porque a Indstria eltrica foi a precursora dos primeiros cartis. O aparecimento
da indstria eltrica no Brasil enquanto bem de consumo. Os grandes centros urbanos
casam interesses da indstria de mquinas e equipamentos e as primeiras iniciativas como
indstria de rede: A mercadoria eletricidade no Brasil. Para complementar os
fundamentos, em face da indstria de eletricidade apresentar bases produtivas naturais de
elevada produtividade do trabalho feita a introduo da noo Preo de Produo da
mercadoria eletricidade, com o destaque a contemporaneidade desta noo.
No Captulo 6, analisado aquele que pode ser considerado o primeiro ciclo
(implantao, expanso, incio de descenso) da indstria de eletricidade brasileira.
Inicialmente, neste captulo, feita uma abordagem geral sobre a cadeia produtiva da
indstria eltrica, feito o destaque sobre a cadeia produtiva da eletricidade indstria de
eletricidade , procurando indicar os principais movimentos de mudanas na organizao
industrial da eletricidade, desde o princpio at o presente.
Com estas consideraes, inicia-se a anlise dos primeiros grandes embates
travados pela grande indstria eltrica mundial no territrio brasileiro, aqui, expresso pelo
confronto AMFORP versus LIGHT. A concorrncia pelo mercado de equipamentos acontece
concomitante expanso da indstria de eletricidade. A primeira grande crise do mundo
4
-
5
capitalista (1929-1933) e seus desdobramentos na indstria de eletricidade brasileira. O
fortalecimento das foras capitalistas nacionais manifesta como poder poltico que procura
pr limites a indstria de eletricidade estrangeira. A reao das empresas implica a
degradao da qualidade dos servios, os racionamentos passam a fazer parte da rotina
dos servios de eletricidade. Contudo, muitos so os interesses atingidos, atenuam as
divergncias entre capital nacional e internacional quanto aos servios de eletricidade. O
caminho a estatizao no Brasil integra a tendncia que se vislumbra como o novo modo de
organizao da indstria eltrica mundialmente. A discusso passa a ser: qual o modelo
organizao para indstria eltrica sob a gide do estado? Novamente capital nacional e
internacional tem projetos distintos.
O captulo 7 anuncia em ttulo os anos dourados da indstria de eletricidade no
Brasil. Quando as classes trabalhadoras se uniram terminaram as divergncias entre as
foras capitalistas, e por meio do golpe militar, estas desencadeiam a modernizao
conservadora. Neste perodo o estado constitui a unidade poltica das classes dominantes.
Inmeros instrumentos so criados para expanso da indstria de eletricidade nacional. A
crise energtica mundial dos anos 1970 e o desenvolvimento industrial brasileiro atuam
como vlvula de escape. O planejamento da indstria de eletricidade brasileira parece
ignorar a crise. A execuo dos projetos planejados, as cadeias produtivas mobilizadas e
seus beneficirios so aspectos que so abordados com a profundidade necessria para
entender as principais contradies que vo sendo forjadas. Estas passam a esboar no
horizonte o esgotamento deste modelo de explorao.
O Captulo 8 tem a finalidade de abordar as bases materiais do denominado
pensamento neoliberal. A crise de reproduo do capital apresenta contradies que
reivindicam novos arranjos para explorao do trabalho. A dificuldade abertura de novos
espaos de explorao no cessam, a crise de lucratividade reinante diminui o bolo de
mais valor em disputa. Novos arranjos para a produo requerem foras poltica e
ideolgica, so estas as principais questes abordadas em parte deste captulo. Reunidas
as foras para as mudanas inmeras contradies afloram e exigem complexas solues:
como organizar uma indstria to intensa em capital fixo aos pressupostos da produo de
valor? Depois de um longo perodo de desvalorizao, quais as medidas deveriam ser
articuladas para a revalorizao do parque industrial de eletricidade brasileira? Como
reorganizar a indstria de modo a oper-la sob gesto privada? Como realizar a transio
produo estatal para privada? Quais os papis a serem desempenhados pelo Estado em
termos da regulamentao da cadeia produtiva; dos servios realizados na cadeia; e no
ordenamento dos preos? Todas estas questes so abordadas nos subttulos: As novas
bases para acumulao reivindicam novas regras legitimadoras a serem aplicadas pelo
Estado e a A eletricidade como mercadoria: exige a reforma patrimonial do Estado.
5
-
6
Com esta viso de totalidade do atual contexto da reforma da indstria de
eletricidade brasileira, procura-se ao final demonstrar a fora capitalista que detm a
hegemonia, bem como, delimitar os principais cenrios das disputas pelo controle do
trabalho excedente, na atualidade.
O primeiro tema abordado diz respeito aos encaminhamentos da reforma voltados ao
resgate da subordinao direta da fora de trabalho empregados nesta indstria ao
controle das foras capitalistas. Os resultados da realidade mostram os nveis de explorao
impostos classe trabalhadora deste segmento da produo, quer pela intensificao do
trabalho proporcionado pela maior quantidade de trabalho por jornada, quer pelo aumento
do trabalho excedente imposto pela diminuio do trabalho necessrio na mesma jornada.
Demonstra-se, ainda, que o fortalecimento das foras de explorao tem determinado um
novo tempo de trabalho socialmente necessrio.
Outra questo levantada a relacionada ao capital fixo mobilizado pela indstria de
eletricidade. Da anlise desta questo, demonstra-se que a recente crise de racionamento
(Junho de 2001-Fevereiro de 2002) teve suas razes nas solues forjadas pelos agentes
de produo para resolver o problema relacionado intensidade de utilizao das
instalaes da indstria de eletricidade (diminuio do tempo de rotao do capital)
existente no perodo imediato a privatizao. Mostra-se, tambm, que esta uma questo
que no deve sair de cena. As medidas elaboradas para sua soluo carregam sempre
muitas contradies, pelo menos o que se procura evidenciar com as medidas que esto
sendo tomadas atravs dos instrumentos financeiros.
Outro aspecto destacado, neste estudo, diz respeito ao papel do sistema financeiro
na reforma da indstria de eletricidade. Esta fora, no atual estgio de desenvolvimento
capitalista, alm de exercer o poder de comandar a distribuio dos resultados da produo
nesta indstria, tem conquistado, cada vez mais, o poder de organizar diretamente a
produo da eletricidade, subordinando, e praticamente, controlando todas as outras foras
econmicas, segundo os seus interesses de acumulao. Com a finalidade de evidenciar
esta afirmao realizada a anlise da atual configurao da indstria de eletricidade,
cotejado-a, aos modelos de negcios arquitetados pelo sistema financeiro, e atravs de
dados empricos da realidade demonstra-se este novo patamar de poder alcanado pelo
sistema financeiro, neste caso, na indstria de eletricidade brasileira.
Por ltimo, fundamentando-se na representao do Preo de Produo - de Marx -,
enquanto expresso quantitativa do processo social verificado nas relaes de produo
contraditrias entre capital/trabalho e o movimento de concorrncia entre capital/capital,
realiza-se extensa investigao sobre o preo da eletricidade. Esta retoma o incio das
reformas a atualidade dos leiles na gerao e das tarifas reguladas das distribuidoras,
acompanhando-as, em suas relaes com a arquitetura da reforma, em nvel local, e com o
6
-
7
que vem sucedendo em outros pases, demonstrando que se encontra em curso a
construo do Preo de Produo da eletricidade, considerado o estgio das reformas no
Brasil e em outros pases.
7
-
8
Captulo 2. Uma Viso Impressionista das Reformas na Indstria Eltrica1
2.1. O cenrio das reformas Os setores de produo de bens e servios de infra-estrutura, especialmente os
denominados servios pblicos do Brasil, desde meados dos anos 1990, vem sendo
submetido a profundas transformaes em suas estruturas organizacionais. Os principais
eixos das mudanas so institucionais e patrimoniais. O novo papel atribudo ao Estado
tem implicado uma completa redefinio das finalidades sociais, econmicas e polticas
destes ramos da produo. Este processo tem produzido, sobretudo, no campo da
simbolizao, uma completa ruptura com os instrumentos tericos e de anlise que
justificavam e validavam a chamada organizao da produo regulada e/ou estatal.
Neste sentido, o cenrio, a seguir descrito, sobre as mudanas nas estruturas de
produo e distribuio das indstrias de bens e servios, adverte que estas guardam
similaridades, mundialmente. Este fato permite demonstrar que elas no so resultados de
imperativos externos como a maioria das representaes procura designar, ao atribu-las: as
limitaes nos recursos naturais energticos; s inovaes tcnicas e tecnolgicas
autnomas - como em Schumpeter: produto do indivduo empreendedor -; as novas
concepes das foras econmicas para organizao da produo, por exemplo, a ideologia
neoliberal; entre outras. Para este estudo, o atual movimento de reforma empreendido, aqui
especificamente, na indstria de eletricidade, compreende um conjunto de medidas
polticas; econmicas e ideolgicas , que so forjadas como respostas, necessrias s
contradies geradas internamente nas relaes sociais estabelecidas na produo
capitalista2 de energia eltrica, na atualidade.
Todas estas mutaes - sem pretender formular uma hipstase3 no sentido dado por
Plotino - esto ocorrendo nos espaos4 econmico-poltico-ideolgico, os quais, se
apresentam em relaes interdependentes, simultneas e, em muitas situaes, de modo
contraditrio. certo que o permanente estado de transformao nas estruturas de
produo intrnseco ao modo de produo capitalista. Contudo, na atualidade, o que existe
de novo est na escala de poder alcanado pelos agentes financeiros e pelos grandes
grupos industriais e de servios mundiais. Os objetivos de acumulao de capital destes
grupos econmicos tm criado uma extensa rede de organizaes multilaterais capazes de
influenciar diretamente no interior das instituies dos Estados para o estabelecimento de
formas regulamentares que esto determinando a nova ordem econmica mundial.
Os fundamentos econmicos do denominado Estado do Bem-Estar, que na esfera
do Estado buscava, atravs de polticas pblicas realizar e/ou indicar os encaminhamentos
da vida nacional, esto sendo substitudos por um processo de conduo poltica que, cada
vez mais, retira das administraes das naes o poder de planejar e conduzir suas
8
-
9
economias territoriais, como tambm, direciona e submete a quase totalidade das
instituies estatais a uma orientao poltica para o mercado.
Os governos, temerosos de contrariar os interesses das foras econmicas do
mercado mundial, parecem abdicar do direito de administrar as suas economias nacionais.
Restam-lhes acompanhar as orientaes das instituies multilaterais. Estas encaminham
as regulamentaes tendo como perspectiva as atividades econmicas em escala global. O
argumento central, em todos os lugares, afirma que: as polticas voltadas ampliao da
liberdade dos agentes de mercado aumentam a eficcia de organizao da produo em
geral.
Assim, resultado das dimenses e a mobilidade alcanada pelos agentes financeiros
e industriais internacionais, os princpios keynesianos aplicados aos territrios nacionais
revelam-se insuficientes para a garantia da expanso econmica concomitante garantia
das taxas de acumulao. Oliveira demonstra os elementos estruturais destas mudanas:
O rompimento do circulo perfeito do Estado-providncia em termos Keynesianos, devido, em primeira
instncia, internacionalizao produtiva e financeira da economia capitalista. A regulao keynesiana
funcionou enquanto a reproduo do capital, se circunscreveram aos limites relativos, por certo , da
territorialidade nacional dos processos de interao da renda e do produto. Deve-se assinalar, desde
logo, que aquela circularidade foi possvel graas ao padro de financiamento pblico do Welfare State,
um dos fatores, entre outros alis, que levaram crescente internacionalizao. Ultrapassados certos
limites, a internacionalizao produtiva e financeira dissolveu relativamente a circularidade nacional dos
processos de retro-alimentao. Pois des-territorializaram-se o investimento, e a renda, mas o padro de
financiamento pblico do Welfare State no pde nem pode, at agora des-territorializar-se.5
Este novo arranjo patrimonial e institucional articula a retirada do Estado da produo
e da comercializao dos servios de infra-estrutura, colocando-os, sob domnio privado ou
regime de propriedade privada, respectivamente pelas Parcerias Pblico-Privado e atravs da privatizao6. Suas conseqncias imediatas so na direo da diminuio do controle
interno de setores estruturais das economias nacionais, esvaziando, ainda mais, o poder
poltico dos governos dos pases da periferia do capitalismo, mas principalmente, encaminha
uma maior subordinao das foras de trabalho, ao recolocar a organizao do trabalho nas
empresas privatizadas e nas Parcerias Pblico-Privado sob comando direto da classe
capitalista, resgatando assim, um dos principais elementos de controle da acumulao de
capital.
Assim, contrariando o que apregoam, ideologicamente, o fim da interveno
poltica de grupos de interesse no mbito do Estado as foras econmicas atuam direta e
indiretamente para mudar leis e retirar as barreiras regulatrias, estabelecendo uma nova
regulamentao com a finalidade de converter em mercadorias os servios e produtos que,
ainda, se encontram submetida gesto estatal. A estratgia para aumentar os espaos de
9
-
10
mercado converter os direitos, historicamente conquistados pela luta da classe
trabalhadora, em bens e servios comercializveis. Recente relatrio do Banco Mundial7
evidencia este cenrio. Pois, mesmo diante do agravamento dos ndices de qualidade de
vida para as maiorias da Amrica Latina resultado de duas dcadas de transformaes
polticas; administrativas e sociais segundo os interesses das foras econmicas mundiais -,
defende os mecanismos de mercado para a organizao e a proviso de todos os
servios, inclusive os direitos a - sade e educao destinadas s populaes mais
pobres do continente. Este iderio defendido pelas elites: econmica; poltica e ideolgica
dos pases centrais, e fortemente apoiadas pelas elites da periferia, tm atuado como
paradigma, em escala mundial, nos domnios da produo, comercializao e finanas.
A Organizao Mundial de Comrcio (WTO) em seu Relatrio de 2004, ao fazer a
apologia de que os Estados devem continuar adotando medidas de garantia de poder as
livres foras de mercado, estabelece um novo conceito, o qual, denomina coerncia
ttulo da segunda parte de todo o relatrio, apresentado como a principal informao do ano:
WTO-20048 . O conceito Coerncia enuncia que os governos devem selecionar polticas
de Estado que desenvolvam relaes de interdependncia e que na execuo se
apresentem em harmonia. Combinando-as, estrategicamente, em sinergia que apontem
para uma direo mais eficiente. Isto : a coerncia uma questo de grau e os benefcios
de uma poltica comercial bem fundada sero maiores se houver mais coerncia, ou seja, se
forem adotadas polticas complementares em outras esferas.9. Assim, dissimulado como
um resultado cientfico, os Estados so convocados a planejar e executar polticas
coerentes para a sua gesto macro-econmica; para os servios de infra-estrutura e para
a administrao de seus mercados internos. O receiturio extenso. Contempla a totalidade
dos temas relacionados gesto de Estado voltado ao exerccio da poltica para o mercado.
Versa desde a Poltica Fiscal at a Pesquisa e Desenvolvimento nacional. Classifica as
boas instituies e um bom governo quando agem - diminuindo as assimetrias de
informao, quando desempenham o papel de difusores sobre as condies dos mercados,
dos produtos e dos participantes; - reduzindo os riscos ao definir e fazer respeitar o direito
de propriedade e os contratos; e - restringindo as intervenes dos polticos e grupos de
interesse10.
Assim, depois do arcabouo terico do Consenso de Washinghton11 renova-
se a ideologia, que captura a poltica dos Estados em favor das foras de mercado
mundiais, com a Teoria da Coerncia. certo que o vocbulo no foi escolhido por
acaso, seu sentido em alemo, francs, italiano, espanhol e portugus corresponde
ordem, conexo e harmonia de um sistema de conhecimento. Kant atribua aos
conhecimentos a priori a funo de dar ordem e coerncia e os idealistas ingleses
10
-
11
consideravam a coerncia como critrio de verdade12. A categoria, como empregada no
relatrio, est impregnada de ideologia. Aqui, ideologia, tem o significado dado por Eagleton:
... o conceito clssico de ideologia, no se limita, de maneira nenhuma, ao discurso interessado ou
produo de efeitos persuasivos. Refere-se mais precisamente ao processo pelo qual os interesses de
certo tipo so mascarados, racionalizados, naturalizados, universalizados, legitimados em nome de
certas formas de poder poltico, e h muito a perder politicamente quando essas estratgias discursivas
vitais so dissolvidas em alguma categoria indiferenciada e amorfa de interesses.13
Este processo, que submete os estados nacionais a um sistema e/ou modelo nico
de gesto econmica segundo os interesses das foras de mercado mundiais, no tem
significado o fim das naes, nem a diminuio das relaes de dominao e
dependncia14. Mas, implicam o aprofundamento na hierarquizao entre os denominados
pases centrais e os da periferia. Amplia as relaes de subordinao e dependncia dos
ltimos diante dos primeiros, uma vez que a reestruturao da produo acompanhada de
intensa reforma patrimonial, principalmente, no interior dos Estados da periferia, com a
transferncia iniciativa privada de praticamente a totalidade das atividades de produo; e,
a formao de uma elite econmica nacional, estreitamente ligada e em muitas situaes
diretamente controlada ou associada aos processos de produo das grandes empresas
de bens e servios dos pases centrais. O caso brasileiro ilustrativo. Entre as 500 maiores
empresas mundiais cerca de 400 tm filiais no territrio brasileiro. Os dados da CEPAL so
inequvocos quanto ao ndice de internacionalizao da economia brasileira.
Suas atividades esto concentradas em seis setores principais:
- energia eltrica (AES Corporation, Endesa, Electricidade de Portugal (EDP), Electricit de France
(EDF) e Tractebel)
- telecomunicaes (Telefnica, Telmex, Portugal Telecom, Telecom Italia e Amrica Mvil),
- petrleo (Royal Dutch/Shell, ChevronTexaco e Repsol- YPF),
- automotivo (Fiat, Volkswagen, Ford, General Motors, Pirelli, Bosch, Renault, Mahle e Dana),
- alimentos e bebidas (AmBev, Bunge, Nestl, Cargill, Unilever, Louis Dreyfus, Kraft Foods e Doux), e
- comrcio varejista (Carrefour, Sonae e Wal Mart).
- exceo de dois grupos mexicanos (Telmex e Amrica Mvil) e de dois grupos asiticos (Toyota
e LG Electronics), as sedes desses grupos esto na Europa ou nos Estados Unidos.15
Este novo modo de organizar a produo de bens e servios se sobressai pela
liberdade concedida s grandes empresas, de todo e qualquer ramo de produo de bens e
servios: agricultura, indstria, comrcio e finanas, dos pases centrais do capitalismo de
poderem comprar, vender, emprestar e produzir onde quiserem, como quiserem; quando
quiserem, pelo tempo que quiserem e, de preferncia, sem qualquer compromisso ou
11
-
12
restrio social, econmica e ambiental do Estado territrio onde realizam a produo16. Por
isso, este processo de mudanas se apresenta como uma tendncia mundial.
A indstria eletricidade na maioria dos pases do mundo, at o fim da dcada de 1980
e incio da de 1990, caracterizava-se como um ramo da produo cuja estrutura de
organizao, comumente, era constituda de empresas verticalizadas uma nica empresa
produz, transporta e distribui a eletricidade e ou semi-verticalizadas. Esta concepo
industrial, nos pases onde a demanda exigiu a implantao de complexos sistemas de
gerao, transmisso e distribuio de energia eltrica, expandiu-se atravs de empresas
com dimenso nacional, regional e local de propriedade estatal, com poucas da iniciativa
privada, e sob o regime de monoplio para o atendimento aos usurios finais, isto , um
nico prestador do servio. No entanto, a reduo da taxa de crescimento econmico
mundial trouxe a diminuio das taxas de expanso da demanda de energia eltrica, porm
os gestores estatais deram continuidade expanso dos sistemas de produo.
Simultaneamente - neste perodo aconteceu uma revoluo no sistema financeiro que
amplificou sua capacidade de influenciar a produo e a circulao de bens e servios,
muito mais pelos novos instrumentos criados do que pelo poder que passou a centralizar em
suas instituies17. Inicia-se assim, uma radical reestruturao institucional da produo
capitalista em geral.
2.2. Princpios da reforma na Europa Na Europa, a partir de 1988, resultado da concorrncia intercapitalista entre as
grandes empresas do capitalismo mundial encaminhada implantao do Mercado
Europeu nico. Neste, procura-se estabelecer procedimentos regulamentares de
intercmbio de bens e servios com vistas a aumentar o poder de competio das indstrias
da regio. Entre os servios colocados na pauta para reviso, destaca-se com especial
ateno na Comisso Europia, a discusso e criao de instrumentos institucionais entre
os pases para viabilizar a integrao e liberalizao do mercado de eletricidade. Esta
deciso associada reforma implementada na indstria de energia eltrica da Inglaterra
paradigma de reforma da indstria eltrica mundial sob os princpios de mercado,
implantada no final dos anos 1980 e incio dos anos 1990, no governo Tatcher criou a
condio para desencadear a articulao de um regime de regulao para a indstria de
energia eltrica objetivando a integrao fsica e comercial do sistema eltrico europeu.
Ressalta-se que, neste perodo, a maioria dos sistemas de eletricidade, no continente
europeu, estava restrita aos territrios nacionais e a integrao proposta implicava ganhos
em eficincia tcnica e econmica.
Desta maneira, a proposio combinava os interesses de pelo menos dois grupos
econmicos. Em primeiro lugar, os grandes consumidores ligados produo de bens e
12
-
13
servios vislumbrando aumentar a competitividade tinham na poltica de integrao fsica
dos sistemas de energia eltrica a possibilidade de ampliar a confiabilidade do fornecimento
com menores investimentos, fato que poderia, seno diminuir, pelo menos conter a
tendncia de elevao de preos verificada desde a denominada crise do petrleo de
meados dos anos 1970; e, em segundo lugar, assentava-se nos interesses das foras
econmicas do capitalismo mundial que agregava a discusso da integrao fsica
necessidade de incorporar a reestruturao da organizao da produo segundo os
princpios de mercado. Suscitando assim, mais uma alternativa para atenuar a grave crise
de lucratividade que se arrastava desde os anos 1970. Tal como atesta Brenner:
Em fins da dcada de 1970, o setor manufatureiro em escala internacional estava em impasse, assim
como o programa Keynesiano de gesto da demanda que fora implementado para revitalizar a
economia mundial. Os sempre crescentes estmulos governamentais haviam sido incapazes de impedir
uma queda adicional da lucratividade no setor de manufaturados em todo o sistema. 18
Nestes mais de vintes anos de reforma da indstria eltrica, apesar da resistncia da
classe trabalhadora europia manifestada nas controvrsias entre governos, empresas de
eletricidade, organizaes patronais e sindicatos de trabalhadores. os resultados tm
mostrado que as foras econmicas esto paulatinamente alcanando os seus objetivos. A
produo da energia eltrica est sendo estruturada segundo os princpios estabelecidos na
Diretiva de Eletricidade da Comunidade Europia19. Nesta, alm da integrao fsica, est
prevista a abertura dos mercados nacionais em regime de competio definindo os
seguintes critrios para a organizao da indstria eletricidade nos pases europeus:
- livre concorrncia na gerao de energia eltrica, isto , a nova capacidade de
gerao deve ser alcanada a partir de licitao ou autorizao. Este princpio supe que o
preo da eletricidade resultante da lei da oferta e procura;
- abertura gradual de mercado de fornecimento aos consumidores finais, isto ,
admite que o consumidor final capaz de maximizar o seu benefcio no ato de compra, pois
ele o comprador livre para escolher o seu provedor o vendedor ;
- transparncia nas tarifas de acesso a rede de transmisso e distribuio, critrio
que atende aos interesses dos consumidores livres so agentes econmicos que podem
realizar contratos de compra de energia eltrica diretamente dos agentes geradores , que
deste modo podem tirar vantagens da sazonalidade da demanda de energia, realizando
contratos que combinam os seus interesses com o de distintos fornecedores, como tambm
podem acessar fontes prprias privilegiadas de produo de energia eltrica;
- separao da contabilidade das empresas verticalmente integradas, tendo como
pressuposto a transparncia nos custos de cada etapa da produo. A real inteno
13
-
14
facilitar a criao de novos produtos, oriundos da indstria eltrica, a serem
transacionados pelo sistema financeiro;
- critrios para a aplicao da noo de servio pblico, isto , regulao dos
servios para os consumidores residenciais. Medida considerada transitria, pois a
concepo de mercado tem-se mostrado hegemnica enquanto processo de organizao
das indstrias de bens e servios de infra-estrutura. Impera a premissa de que as empresas
ofertantes de eletricidade so capazes de estabelecer relaes comerciais de mercado com
todos os segmentos de usurios. A liberdade de poder escolher em qualquer momento
o seu provedor ser estendida a todos os usurios, inclusive o residencial.
Assim, apesar das idas e contra-vindas vide os resultados em 2005 dos plebiscitos
(Frana e Holanda) negando a implantao da Constituio Europia , os monoplios
pblicos horizontalmente e verticalmente integrados dos servios de energia eltrica da
Europa, sob forte presso das associaes e redes empresariais europias, esto sendo
reestruturados no sentido de reorganiz-los segundo os princpios de mercado. Na Frana,
onde a luta dos trabalhadores ao longo de sua histria terminou forjando um ideal de Estado
centrado na capacidade de catalisar e representar todos os interesses coletivos, fato que
permitiu neste pas alm da construo da noo de bens e servios pblicos como
direito para todos a expanso do Estado como provedor direto de bens e servios
considerados pblicos, a exemplo da energia eltrica, que desde 1946 foi nacionalizada e
colocada sob gesto do Estado Francs atravs da Eletricit de France. Mesmo assim, at
esta empresa, que um cone do setor estatal de produo de eletricidade, mundialmente,
fornecedora de um quarto de toda a energia eltrica da Europa, vem sendo reorganizada na
direo da ordem de mercado como mostram as matrias a seguir relacionadas.
Privatizao da EDF - O ministro da Economia da Frana, Herve Gaymard, anunciou no fim de
semana que planeja privatizar parcialmente a companhia de eletricidade EDF at o final deste ano,
segundo a Reuters.(...)O governo francs est vendendo partes de vrias empresas para obter recursos
para seu caixa.20 EDF espera cortar 6 mil empregos at o fim de 2007 - A EDF eliminar de 6 mil a 6,5 mil empregos
nos prximos dois anos com o no preenchimento de algumas das vagas deixadas pelos trabalhadores
que se aposentaro. A notcia foi conhecida trs semanas depois de a empresa de energia da Frana
estrear em bolsa.21
A realidade atual substancialmente diferente do perodo em que predominava a
concepo Estado do Bem Estar. Na maioria das empresas verifica-se a separao
jurdica entre atividades, em particular, no que se refere s atividades de redes. De igual
modo, em algumas atividades, nomeadamente as de fornecimento e aquisio de energia
eltrica est sendo introduzida concorrncia. O argumento : como existem vrias
14
-
15
empresas a exercer esta atividade, podem os consumidores escolher livremente o seu
fornecedor de energia eltrica. A ideologia de mercado procura relacionar a produtividade
competio na circulao, e desse modo, dissimula a realidade, pois, por um lado, no
associa a produtividade ao trabalho social, e por outro, ignora os obstculos competio
interpostos pelas grandes empresas que atuam predominantemente em arranjos
monopolistas e/ou oligopolistas.
A ao poltica prossegue. A Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, j estabeleceu regras comuns para o mercado da eletricidade, impondo que a
abertura do mercado a todos os consumidores deve estar concretizada at Julho de 2007.
Atualmente, na ustria, Dinamarca, Finlndia, Alemanha, Espanha, Sucia e Reino Unido
as aes institucionais requeridas organizao de mercado esto implementadas: todos
os consumidores podem mudar livremente de fornecedor. E ainda, nos restantes pases da
Unio Europia comemora o relatrio da Comisin de las Comunidades Europeas22
cerca de um tero dos consumidores podem escolher o seu fornecedor e conclui ao final
sobre o atual estgio de reforma da indstria eltrica:
A Europa est em processo de criao de uma grande comunidade de energia que ultrapassa as
fronteiras da unio, baseada em normas e prticas comuns. Os Estados membros necessitam manter
os compromissos para alcanar este objetivo respeitando as decises para a reestruturao do setor
previstas, com a aplicao das Diretivas. Somente desta forma poder ser atingido o objetivo de
mercado competitivo e seguro. Cumprindo isto, a questo dos investimentos em infra-estruturas e o
funcionamento correto dos sistemas, em favor do mercado competitivo, segue sendo um ponto crucial.
Ainda que, algumas questes tenham sido abordadas, as inquietudes expostas, em comunicaes
anteriores na proposta de Diretiva sobre infra-estrutura energtica seguem sendo pertinentes e
necessrio avanar, de uma maneira ou de outra, nesta questo.
A funo das autoridades reguladoras independentes continua sendo um componente essencial da
introduo da competio e de suas decises relativas as tarifas das redes e outras importantes regras
de mercado, para dar prosseguimento ao desenvolvimento do modelo de mercado.
Neste contexto segue sendo importante garantir que as autoridades disponham de suficientes recursos
e competncias. Resta ver se as melhoras realizadas em virtude das Diretivas so adequadas para
alcanar os objetivos de mercado, especialmente se os Estados membros adotam um enfoque
minimalista na incorporao de legislao para o ordenamento jurdico do setor. Uma coisa segura: no
novo contexto mundial de preos mais altos para a energia primria, mais importante que nunca que a
Comunidade esteja a altura de seu compromisso em favor de um mercado competitivo.23
2.3 Princpios da reforma no EUA A forma como est institucionalizada a indstria eltrica no EUA compreende um
vasto e complexo sistema, cujas bases combinam leis e instituies federais, estaduais e
municipais, acrescenta-se ainda, a interao destas instituies, com os Agentes de Estado
ligados a energia nuclear e a questo ambiental. Composta por mais de 3.100 prestadores
15
-
16
de servios pblicos e privados, sendo que na atualidade, a organizao industrial
dominante continua a ser o de uma nica empresa com estrutura verticalizada. Uma nica
empresa autorizada a gerar; transportar, e distribuir a energia eltrica para todos os
usurios de um determinado territrio. Os preos so regulados atravs dos agentes
reguladores dos Estados, segundo a tradicional metodologia custo de servio24.
Contudo, desde The Energy Policy Act of 199225, a meta do Federal Energy
Regulatory Comission (FERC), em acordo com os princpios de mercado, tem sido de
implementar a desregulamentao para a venda no atacado e no varejo de eletricidade. As
bases fundamentais para promover a mudana analogamente a da Diretiva de
Eletricidade da Comunidade Europia so:
- o direito dos consumidores de poder escolher diretamente o seu provedor entre as
diferentes empresas;
- a liberdade s empresas de fornecimento de eletricidade de atuar em qualquer
territrio no atendimento dos mais distintos consumidores;
- o preo da energia eltrica determinada pelo mercado;
- nenhum mecanismo regulador para os produtores de energia, isto , a gerao no
deve ser regulada;
- separao empresarial das atividades de gerao das atividades de transmisso e
de distribuio;
- estabelecer entidades independentes para operar os sistemas de transporte de
energia eltrica;
- os agentes reguladores devem estabelecer procedimentos que impeam o controle
de mercados pelas empresas, bem como, evitar medidas que possam restringir a entrada de
novos agentes de venda de energia eltrica26.
Em 1996 a Federal Energy Regulatory Comission (FERC) editou as normas
regulamentando a transmisso de energia eltrica27. Nesta ficou estabelecido que as
empresas de servio pblico no podem impedir o acesso de outras empresas as suas
instalaes para o transporte de energia. A partir dessa data, alguns estados tomaram a
iniciativa de iniciar um processo de desregulamentao dos servios de energia eltrica. Um
exemplo marcante foi o estado da Califrnia que articulou uma reforma radical em sua
indstria eltrica segundo os princpios enunciados pela The Energy Policy Act of 1992.
Este Estado, at 1996, tinha sua indstria de servios de energia eltrica,
praticamente, concentradas em trs grandes empresas privadas com organizao da
produo verticalizada (geravam, transmitiam e distribuam). Elas concentravam cerca de
75% da demanda sendo os 25% restantes supridos por empresas municipais. Ao final de
1996, a California Public Utility Comission (CPUC) o agente regulador do estado da
Califrnia prope, e os legisladores californianos aprovam, a implantao de um programa
16
-
17
de reforma para a indstria eltrica. As diretrizes das reformas tinham as seguintes aes
organizativas: viabilizar a desverticalizao das empresas de energia eltrica;
desregulamentar a produo objetivando estabelecer um mercado competitivo de oferta de
eletricidade no segmento de gerao; garantir a todos os usurios de energia eltrica,
inclusive os residenciais, a liberdade de poder escolher o seu fornecedor, e ainda, promover
o livre acesso s linhas de transmisso e distribuio. Isto , - semelhana da reforma
inglesa dos anos 1990 o direito a todos os consumidores ao mercado de gerao de
eletricidade.
A lei aprovada Assembly Bill n 1890 trouxe as seguintes normas institucionais
para a organizao da produo e distribuio de eletricidade na Califrnia:
- liberdade de escolha ao comprador. Todos os usurios, independente do segmento
de consumo residencial; industrial e comercial ficaram livres para escolher o seu
fornecedor electricity service provider (ESP) para o provimento de suas necessidades
de eletricidade;
- as trs grandes empresas de eletricidade que tinham uma estrutura de produo
verticalizada foram transformadas em empresas de distribuio de energia, e podiam
continuar comprando das geradoras, resultantes da desverticalizao, por um perodo de,
no mximo, quatro anos;
- as empresas de transporte de eletricidade tinham que providenciar o livre acesso as
suas linhas de transmisso e distribuio para o estabelecimento do mercado competitivo na
gerao, sendo o preo do transporte determinado pela CPUC ou FERC, segundo suas
jurisdies;
- criao de dois agentes operadores independentes: um responsvel pela de rede
de transmisso e outro pelo mercado de gerao, respectivamente a: Califrnia Independent
System Operator (CAISO) e Califrnia Power Exchange (CALPX);
- a operadora fsica do sistema (CAISO) aos moldes do Operador Nacional do
Sistema Eltrico Brasileiro (ONS) uma instituio responsvel pela coordenao e
operao de grande parte do sistema de transmisso da Califrnia. Sua tarefa combinar a
gerao e o transporte de eletricidade segundo as necessidades dos usurios e a
regulamentao de suas atividades so expedidas pela CPUC e a FERC. Para a operao
do mercado a CALPX a instituio responsvel pelo mercado de eletricidade da day-
ahead e hour-ahead.28
Assim, estava institucionalizada a lei da oferta e procura para a determinao do
preo da energia eltrica. O encontro dos vendedores e dos compradores de eletricidade
estabeleceria os preos em tempo real. O resultado desta poltica para a California foi um
desastre como caracterizou o The Economist, em 20 de janeiro de 2000:
17
-
18
As vendas negociadas no mercado atacadista de energia eltrica para o dia seguinte alcanou mais de
500% entre o segundo semestre de 1999 e o segundo semestre de 2000. E nos quatro primeiros meses
de 2001, os preos no mercado atacadista continuaram aumentando at alcanar um preo mdio de
US$ 300,00/MWh, atingindo aproximadamente 10 vezes o preo de 1998 e 1999. Em conseqncia, o
custo anual se elevou de US$ 8 bilhes em 1999 e em 2000 a elevao atingiu a cifra de US$ 28
bilhes. Segundo Gray Davis, governador da Califrnia, os principais beneficirios do aumento das
receitas eram as geradoras, as quais ele qualificou de piratas e saqueadoras.29
O saldo das reformas na Califrnia colocou em xeque a credibilidade da Teoria da
Desregulamentao pelos menos para a organizao da indstria eltrica do EUA que
afirma a melhor soluo para obter o ajuste entre a oferta e a demanda de um dado produto
deixar que as foras de mercado atuem livremente, pois deste modo, o equilbrio no preo
ser alcanado naturalmente. Mas apesar dos resultados da reforma californiana a ideologia
do livre mercado no arrefeceu. Muitos so os estudos cientficos que fazem a anlise do
que aconteceu na Califrnia. Alguns so risveis pelos argumentos que utilizam para explicar
as causas da elevao assimetria de informaes entre os indivduos vendedores e os
indivduos consumidores dos preos de energia eltrica vendida pelas geradoras, e
tambm, pelas propostas implantar tecnologias que dissemine a informao que
apresentam para defender a reforma instituda:
Ambos os lados devem ver o preo de mercado.
A Califrnia criou um mercado unilateral. Pois, os pequenos e grandes no percebiam as flutuaes
dos preos no mercado de entrega imediata. Obviamente, os consumidores no respondem aos
aumentos de preos se nunca os vem. Por outro lado, se os consumidores finais no enxergam os
preos pagos em seu nome, mais fcil para as companhias geradoras abusar do poder latente de que
gozam no mercado.
Num estudo realizado pelo U. S. Electric Power Research Institute se calculou que, se tivesse sido
oferecido um mecanismo de fixao de preos em tempo real e do tipo voluntrio a clientes comerciais
e industriais, poderia reduzir os nveis de demanda em cerca de 2,5% e os preos em quase 25%.
Isto indica que em qualquer programa de reforma no qual se cria um mercado de entrega imediata
dever ser assegurada a instalao de medidores em tempo real nos edifcios dos principais clientes
para que possam ver e responder ante as flutuaes dos preos da eletricidade em tempo real 30
A denominada crise de energia na Califrnia, alm das conseqncias provocadas
pela elevao exorbitante dos preos de gerao, havia tambm levado a uma crise de
oferta, produzindo uma srie de cortes de energia eltrica pelos nmeros da California
Public Utility Comission (CUPC): 17 blackouts e 32 emergncias, em 2001. , mais as
irregularidades na atuao das geradoras, como verificado nas atividades da ENRON31
(proprietria da Distribuidora ELEKTRO de So Paulo, da Termeltrica de Cuiab, e de
parte do Gasoduto Brasil-Bolvia, entre os seus principais empreendimentos no Brasil) que
18
-
19
foi desligada do mercado por ter agido de modo fraudulento. Assim, a reunio destes fatos,
independente dos esforos do conjunto das foras que defendem as reformas do setor
eltrico no EUA ramo de produo dominantemente privado, 72% das receitas so
captadas pelas empresas privadas32 , acabou congregando muitos segmentos sociais e
econmicos a terem uma posio de relutncia aos encaminhamentos que vinham sendo
feitos no sentido de regulamentar a indstria eltrica, exclusivamente, segundo os princpios
de mercado.
Outro evento marcante que tambm influenciou a velocidade da reforma da indstria
eltrica no EUA, refreando-a, foi o blackout de 14 de agosto de 200333. Este acontecimento,
em face de suas dimenses, fez levar a discusso da estrutura de produo de energia
eltrica para amplos setores organizados da sociedade. Pois, o fornecimento de eletricidade
foi suprimido para uma grande rea do Nordeste e Leste do EUA e a regio de Ontrio no
Canad em conseqncia de um desligamento que afetou diretamente mais de 50 milhes
de pessoas, interrompendo o atendimento de uma carga de 61.800 MW, distribuda nos
estados de Ohio, Michigan, Pennsylvania, New York, Vermont, Massachusetts, Connecticut,
New Jersey observa-se que, a exceo de Vermont, os outros (sete) estados estavam
com o seu setor eltrico sendo reformado na direo do modelo implantado na Califrnia.
e a Provncia de Ontrio do Canad. Este desligamento foi to grave, pois algumas reas
nos EUA levaram cerca de quatro dias para o retorno da energia, e no Canad, esta
situao chegou a alcanar mais de uma semana - em algumas localidades - para que a
eletricidade fosse completamente restabelecida a sua normalidade de atendimento. Estima-
se que o desligamento produziu um prejuzo econmico ao EUA entre 4 a 10 bilhes de
dlares e de cerca de 2,3 bilhes de dlares (canadenses) ao Cand.
A comisso instituda pelo governo do EUA e do Canad, para levantar as causas do
desligamento, identificou uma srie de fatores, nos quais se destacam: sobrecarga nas
linhas de transmisso; ausncia de investimentos adequados em sistemas de proteo;
necessidade de implantao de um sistema de comunicao verstil e eficiente;
necessidade de capacitao dos trabalhadores para operao e deciso em situaes de
emergncia; manuteno preventiva das linhas; entre outros fatores relacionados. Todos os
destaques, potenciais causadores do desligamento, de um modo geral, podem ser
atribudos a gesto econmico-financeira que as empresas executam. Pois estas, voltadas
s suas finalidades exclusivamente lucrativas, adiam ao mximo os investimentos que
providenciariam uma maior segurana na qualidade do fornecimento de energia eltrica34.
Este cenrio determinado pela crise da Califrnia, pelas fraudes e pelo blackout de
2003, tem influenciado o andamento das reformas no EUA. Segundo relatrio oficial do
governo do EUA, ao final de 2003, entre os 50 estados, apenas 20 tinham iniciado o
processo de mudana35. Sendo que os que se encontravam em meio s reformas
19
-
20
pressionados por expressivos segmentos sociais estavam revisando suas legislaes
como forma de escapar dos fatos ocorridos na Califrnia. Alguns como o Texas, por
exemplo. , que tinham data marcada para iniciar a operao da indstria eltrica sob
critrios exclusivos de mercado, decidiram adiar a implementao sob o argumento de
estabelecer melhores solues para o setor. Um dado que mostra o atual estgio das
reformas no setor eltrico o relativo a quantidade de energia vendida, sob o princpio da
liberdade de escolha ao comprador electricity service provider (ESP), anlogo ao
consumidor livre36 no Brasil que alcanou apenas 6,5% de toda a energia eltrica
vendida do EUA37.
Deste modo, os defensores da reforma no EUA foram obrigados a ter uma postura
crtica, pelo menos nos termos do discurso, em relao reforma. Esta tem se
manifestado como: necessidade de maior cautela para a implementao das mudanas;
elaborao de instrumentos prvios reestruturao para o dimensionamento dos
recursos existentes de gerao e transmisso, a fim de evitar a condio de escassez
energtica imediata; formulao de metas e objetivos no marco regulatrio; permitir, nas
regras de mercado, contratos de compra de longo prazo como meio de estabelecer menor
volatilidade nos preos; estabelecer regras claras que impeam manipulaes de mercado e
aes ilegais e mercado spot associado compra de hedge38
Os argumentos so sempre no sentido de que os problemas surgidos com a reforma
foram resultados de erros na implantao. Ento, promovendo as correes, os resultados
prometidos sero alcanados. Ou seja, tal como na teoria de mercado quando os
prognsticos da teoria no se verificam, estes so atribudos as falhas de mercado, isto
, a realidade que est equivocada por no acontecer segundo a teoria. Por isso, ao
associar estes argumentos s dimenses da receita da indstria de energia eltrica do EUA
em 2003, foi prxima a 314 bilhes de dlares39 pode-se admitir que a reestruturao da
indstria eltrica, neste pas, est apenas comeando e a tendncia mantida a atual
correlao de foras entre agentes econmico-financeiros e os agentes do trabalho
seguir na direo preconizada pelas foras econmicas hegemnicas encaminhando a
indstria eltrica para uma regulao sob a gide do mercado.
2.4 Princpios da reforma na Amrica Latina Por isso, este movimento de reforma na indstria eltrica, que h mais de duas
dcadas vem se desenvolvendo mundialmente, contempla uma srie de encaminhamentos
que guardam muitas semelhanas, na maioria dos pases. Comumente, costuma-se indicar
que esta estrutura organizacional teve sua origem na reforma inglesa contida no manifesto -
do Partido Conservador - de 1987, em defesa de mudanas institucionais para este ramo. O
Partido Conservador, frente ao quadro recessivo da economia inglesa, preconizava a venda
20
-
21
dos ativos pblicos como estratgia central para resolver o problema das finanas pblicas e
como meio de resgatar a eficincia produtiva nos setores de produo sob a posse estatal.
Assim, para o Governo Conservador ingls, o processo de transferncia do
patrimnio pblico iniciativa privada, concomitante ao estabelecimento de uma nova
estrutura organizacional de produo, tinha sua justificativa centrada na incapacidade de
financiamento e na ineficincia de gesto do Estado. Desta posio resultou na Inglaterra,
em 1989, o Electricity Act que estabeleceu, em primeiro lugar, a reestruturao do setor
eltrico em empresas desverticalizadas: gerao, transmisso e distribuio; concorrncia
na gerao; livre acesso s linhas de transmisso; diviso das empresas de distribuio e
instaurao de liberdade aos consumidores de escolher o seu provedor. E, em segundo
lugar, aps a definio institucional das regras adequadas reorganizao industrial,
encaminhou o processo de privatizao das empresas.
Este modelo de organizao da indstria de energia eltrica segundo os princpios
de mercado no comeou na Inglaterra. A gnese deste modelo, enquanto encaminhamento
poltico, teve seu primeiro exemplar desenvolvido no Chile durante o governo Pinochet.
Aquele que foi uma das mais violentas ditaduras da Amrica Latina contempornea. Esta
observao necessria, pois na atualidade costuma-se associar princpios de mercado
como condio democracia. Cabe recuperar que a indstria eltrica do Chile - fundada nos
princpios: de economia de escala; do longo tempo de recuperao do capital investido; da
importncia estratgica para o desenvolvimento nacional; e de indstria prestadora de
servio pblico. tinha este ramo da produo concentrada em uma empresa estatal, a
ENDESA40, que por essa poca no tinha problemas financeiros e nem problemas tcnicos
que influenciasse a qualidade dos seus servios, como tambm, no apresentava qualquer
questo relacionada a sua eficincia de gesto.
Contudo, aps a deposio e assassinato do governo democrtico do presidente
Allende Salvador Allende Gossens, o primeiro marxista eleito democraticamente
presidente da repblica na Amrica Latina , a ditadura militar Pinochet, alm de
empreender violenta represso contra os democratas e partidrios das foras de esquerda
do Chile, instituiu, tambm, um processo de reorganizao da produo, pautada nas
recomendaes do Banco Mundial de incentivo a implementao de reformas estruturais
visando estimular o estabelecimento de uma economia social de mercado. neste cenrio
no Chile que a reestruturao financeira e administrativa das empresas estatais,
particularmente as do setor eltrico, so apontadas como medidas necessrias para
alcanar a racionalizao dos preos da eletricidade e dos energticos de um modo geral.
Surgem ento os argumentos justificadores para retirada do estado dos servios de energia
eltrica. Os utilizados no Chile foram: o intenso e substantivo comprometimento do estado
para o financiamento do setor eltrico reduzindo-lhe a capacidade do exerccio de outras
21
-
22
funes; o monoplio desempenhado pelo estado inviabilizando a entrada de outros agentes
necessrios ao estabelecimento da prtica de mercado; a necessidade de restabelecer ao
estado o papel de regulador deixando o papel empresarial aos agentes privados e a
ausncia de critrios economicamente eficientes para a definio dos preos da eletricidade,
uma vez que, estes refletiam os custos passados, sendo por isso, independente da
eficincia nos gastos.41
Assim, pautada nestes elementos ideolgicos, a ditadura militar do Chile
assessorada pela escola monetarista de Chicago sob a regncia de Milton Friedman
consultor do Banco Mundial no denominado milagre chileno, num contexto poltico e
econmico completamente distinto dos pases que impulsionaram, posteriormente, as
reformas, deu incio reestruturao de sua indstria eltrica. E, em 1982, atravs do
Decreto con Fuerza de Ley no1, implementou os pressupostos organizadores para o
desenvolvimento de uma nova indstria eltrica, os quais, estavam associados liberao
do sistema financeiro, atravs da abertura do mercado de capitais e o estmulo ao
surgimento de novos agentes, como os fundos de penso. Deste modo, a ditadura chilena,
sob a liderana do Banco Mundial, definiu novas estruturas de funcioname