tese sobre internacionalização ufsc (1)

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Gestão Pública. Universidade.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAO

    NCLEO DE PS- GRADUAO EM ADMINISTRAO

    SONIA PEREIRA LAUS

    A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

    CATARINA

    Salvador 2012

  • SONIA PEREIRA LAUS

    A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

    CATARINA

    Trabalho apresentado ao Ncleo de Ps-Graduao em Administrao da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obteno do grau de Doutora em Administrao. Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani

    Salvador 2012

  • Escola de Administrao - UFBA

    L388 Laus, Sonia Pereira

    A internacionalizao da educao superior: um estudo de caso da Universidade Federal de Santa Catarina / Sonia Pereira Laus. 2012.

    331 f. : il.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Administrao, 2012.

    1. Universidade Federal de Santa Catarina Estudo de casos.

    2. Ensino superior Cooperao internacional.. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administrao. II. Milani, Carlos Roberto Sanchez. III. Ttulo.

    CDD 378.81

  • SONIA PEREIRA LAUS

    A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

    CATARINA

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutora em Administrao, Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia.

    Aprovada em: 24 de fervereiro de 2012.

    Banca Examinadora

    Carlos Roberto Sanchez Milani Orientador ______________________________ Doutor em Socioeconomia do Desenvolvimento pela cole de Hautes tudes en Sciences Sociales, Frana. Instituto de Estudos Sociais e Polticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro Elza Sousa Kraychete_________________________________________________ Doutora em Administrao pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia Irene Kazumi Miura___________________________________________________ Doutora em Administrao pela Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de So Paulo Universidade de So Paulo

    Lucdio Bianchetti____________________________________________________ Doutor em Educao: Histria, Poltica, Sociedade pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo Universidade Federal de Santa Catarina Ruthy Nadia Laniado__________________________________________________ Doutora em Estudos Governamentais pela Essex University, Inglaterra. Universidade Federal da Bahia

  • A minha famlia, pelo legado da alma ibrica livre, curiosa, destemida.

    Com ela aprendi que a vastido do mundo deve ser respeitosamente admirada, mas

    tambm descoberta, entendida pela busca constante do conhecimento, da cultura e

    do saber cientfico. Descobri as primeiras letras nos livros, mas tambm nos jornais e

    vem da a paixo pelo mundo e seu movimento dialtico.

  • AGRADECIMENTOS Ao DINTER UDESC/UFBA, pela oportunidade.

    Ao Gu, pela presena, crticas e estmulo constantes. Sem seu amor, a concluso

    desta tese teria sido muito mais difcil.

    E vida, que meu deu mais do que merecia.

    Gracias a La Vida

    Gracias a la vida que me ha dado tanto Me dio dos luceros que cuando los abro

    Perfecto distingo lo negro del blanco Y en el alto cielo su fondo estrellado

    Y en las multitudes el hombre que yo amo

    Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado el odo que en todo su ancho

    Graba noche y da grillos y canarios Martirios, turbinas, ladridos, chubascos Y la voz tan tierna de mi bien amado

    Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado el sonido y el abecedario

    Con l, las palabras que pienso y declaro Madre, amigo, hermano

    Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando

    Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado la marcha de mis pies cansados

    Con ellos anduve ciudades y charcos Playas y desiertos, montaas y llanos

    Y la casa tuya, tu calle y tu patio

    Gracias a la vida que me ha dado tanto Me dio el corazn que agita su marco

    Cuando miro el fruto del cerebro humano Cuando miro el bueno tan lejos del malo Cuando miro el fondo de tus ojos claros

    Gracias a la vida que me ha dado tanto

    Me ha dado la risa y me ha dado el llanto As yo distingo dicha de quebranto

    Los dos materiales que forman mi canto Y el canto de ustedes que es el mismo canto

    Gracias a la vida, gracias a la vida

    Violeta Parra

  • The future of higher education is a global one and it is our job to help prepare

    the higher education world for this.

    Uwe Brandenbur e Hans de Wit, 2011.

  • LAUS, S. P. A internacionalizao da educao superior: um estudo de caso da Universidade Federal de Santa Catarina. 2012. 319 f. Tese (Doutorado em Administrao) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

    RESUMO

    Essa tese visa a realizao de um estudo de caso sobre os contextos e os processos de definio e implementao das estratgias institucionais de internacionalizao da Universidade Federal de Santa Catarina. Para sua estruturao, elaboraram-se trs objetivos especficos, sendo o primeiro a construo de um quadro conceitual dos processos de internacionalizao da educao e sua capilarizao nas instituies de ensino superior, principalmente do Brasil; o segundo a anlise das polticas e planos estratgicos institucionais visando ao processo de internacionalizao da UFSC, e o terceiro o estudo do processo interno de construo e conduo dessas polticas na gesto 2008/2011, verificando a influncia nele exercida pelos professores, pesquisadores e grupo de pesquisa, bem como a existncia de estruturas de gesto da cooperao acadmica internacional e sua posio no organograma institucional. Em resposta aos objetivos, disponibilizou-se uma reviso da literatura nacional e internacional sobre globalizao, internacionalizao da educao superior e internacionalizao de universidades, com a anlise sobre de que forma e sob quais contextos esses processos se constituram e de que maneira afetaram o desenvolvimento e a estruturao das polticas acadmicas nacionais e institucionais no Brasil. Apresentou-se ainda uma sntese das concepes de alguns dos principais autores sobre as questes tericas atinentes ao processo de internacionalizao da educao superior e como ela se d nos nveis nacional e institucional, apontando suas razes e motivaes fundamentais, que podem ser econmicas, polticas, acadmicas, culturais e sociais e os valores nelas implcitos. Assim, o estudo procura enfatizar o tema internacionalizao da educao superior, buscando contextualiz-lo nos amplos processos de globalizao que envolvem o mundo contemporneo e compreender algumas das suas principais variveis. Dentre essas, o papel exercido pelas organizaes internacionais na formulao das agendas e das polticas nacionais para o campo, a mobilidade acadmica internacional, o advento dos rankings acadmicos internacionais, que pautados pela realidade dos pases do Norte e por uma produo acadmica basicamente publicada em lngua inglesa, tentam homogeneizar aquilo que no homogneo, ou seja, os distintos sistemas nacionais de educao superior e ainda a fuga de crebros, fenmeno controverso, tradicionalmente apontado como sua externalidade perversa, pela discusso que provoca frente s reais possibilidades de perda de capital humano qualificado com a circulao acadmica internacional, um dos frutos do processo estudado. Ao referir-se cooperao internacional, utilizou-se o conceito de cooperao acadmica internacional, ou seja, aquela realizada no mbito e para finalidades acadmicas, diferentemente da tradicional Cooperao Internacional para o Desenvolvimento, cuja ao no se restringe ao mbito acadmico. Concluiu-se o estudo com uma sntese das razes e motivaes da UFSC para sua internacionalizao acadmica e das suas principais polticas, estratgias e programas desenvolvidos com este fim. Palavras chave: Internacionalizao da educao superior. Cooperao internacional. Universidades brasileiras. Universidade Federal de Santa Catarina.

  • LAUS, S. P. A internacionalizao da educao superior: um estudo de caso da Universidade Federal de Santa Catarina. 2012. 319 f. Tese (Doutorado em Administrao) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

    ABSTRACT

    This thesis proposes to do a case study of the contexts and processes of defining and implementing institutional strategies for internationalization of the Federal University of Santa Catarina. For its structure we prepared three specific objectives, the first being the construction of a conceptual framework of the processes of internationalization of higher education and its capillarization in higher education institutions, mainly in Brazil, the second, the analysis of institutional policies and strategic plans aimed at the internationalization process of UFSC, and the third, to study the internal process of building and driving these policies in the management of 2008/2011, checking the influence exerted on it by teachers, researchers and research groups, as well as the existence of international academic cooperation management structures and its position in the institutional hierarchy. The response to the objectives was provided by a review of national and international literature on globalization, internationalization of higher education and internationalization of universities, with the analysis of how and under what contexts these processes are formed and how they affected the development and structuring of national academic and institutional policies in Brazil. It also presented an overview of the conceptions of some major authors on theoretical questions concerning the process of internationalization of higher education and on how it is achieved at the national and institutional levels, pointing to its basic reasons and motivations, which can be economic, political, academic, cultural and also the social values implicit in them. The study seeks to emphasize the theme of internationalization of higher education, seeking to contextualize it within the broader processes of globalization involving the contemporary world and understand some of their key variables. Among these, the role played by international organizations in the formulation of international policies and agendas for the field, the international academic mobility, the rise of international rankings, which are guided by the reality of the North and for an academic production basically published in English, trying to standardize what is not homogeneous, ie, the different national systems of higher education and lastly the brain drain, traditionally appointed as his perverse externality, which causes the discussion forward the real possibility of loss of skilled human capital with international academic circulation, one of the results of the process studied. Referring to international cooperation, research utilizes the concept of international academic cooperation, ie, that held within and for academic purposes, different from the traditional International Cooperation for Development, whose action is not restricted to academia. The study concluded with a summary of the reasons and motivations of UFSC for its academic internationalization and of its main policies, strategies and programs developed for this purpose. At its end, the study suggests a Capes proposition to the countries of similar status, a joint development of internationalization indicators most appropriate to the countries of South. Key Words: Internationalization of higher education. International cooperation. Brazilian universities. Federal University of Santa Catarina

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Grfico 1 Distribuio percentual dos programas de doutorado por regies, Brasil,

    1996 e 2008 .............................................................................................................. 65 Figura 1 Organograma da Reitoria da UFSC ......................................................... 199

    Figura 2 Organograma da Sinter ............................................................................ 200

  • LISTA DE QUADROS Quadro 1 Os Princpios de Berlin ............................................................................ 91

    Quadro 2 Situaes relevantes para diferentes estratgias de pesquisa ............ 168

    Quadro 3 Matriz de anlise ................................................................................... 171

    Quadro 4 Relao da aplicao dos instrumentos de coleta de dados com os

    entrevistados ........................................................................................................... 176

    Quadro 5 Razes e motivaes do pas para a internacionalizao acadmica .. 186

    Quadro 6 Mtodos de internacionalizao no nvel institucional ........................... 189

    Quadro 7 Avaliao Trienal da Capes 2007-2010 ................................................. 214

    Quadro 8 Razes e motivaes da UFSC para a Internacionalizao acadmica 250

    Quadro 9 Principais polticas, estratgias e programas visando

    internacionalizao, desenvolvidas na UFSC ......................................................... 252

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Crescimento do nmero de estudantes de ensino superior no mundo..... 53

    Tabela 2 Nmero de estudantes internacionais no mundo de 1980 a 2010 ........... 53

    Tabela 3 Principais pases emissores de estudantes para o exterior em 2007 ....... 54

    Tabela 4 Principais pases receptores de estudantes internacionais em 2007 ....... 55 Tabela 5 Estudantes brasileiros em cursos de graduao e ps-graduao no

    exterior no ano de 2007 ............................................................................................ 56

    Tabela 6 Volume do Comrcio Internacional de ensino superior de 2005 a 2007 .. 57 Tabela 7 Distribuio dos estudantes de 18 a 24 anos de idade segundo o nvel de

    ensino frequentado. Brasil- 1999/2009 ...................................................................... 65

    Tabela 8 Taxas de escolaridade de jovens entre 18 e 24 anos nos pases do

    Mercosul .................................................................................................................... 66

    Tabela 9 Taxa de escolarizao de nvel superior nos pases do Mercosul- 2007 . 67

    Tabela 10 Ps-graduao: total de alunos matriculados e titulados no Brasil entre 1990 e 2009 .............................................................................................................. 99

    Tabela 11 Programa Estudante Convnio de Graduao. Alunos selecionados entre

    2000 e 2010 ............................................................................................................ 113

    Tabela 12 Programa Promisaes. Alunos inscritos e selecionados entre 2006 e 2010

    ................................................................................................................................ 115

    Tabela 13 Projetos Conjuntos dentro dos Programas de Cooperao Internacional

    da Capes (2000- 2009) ........................................................................................... 117

    Tabela 14 Bolsas no exterior concedidas pela Capes no perodo 2001 2008 ..... 119

    Tabela 15 Capes- Bolsas no Exterior de Acordo com os Pases de Destino mais

    demandados: 1996-2009 ........................................................................................ 120

    Tabela 16 CNPq - Bolsas no Exterior de Acordo com os Pases de Destino: 1996-

    2009 ........................................................................................................................ 122

    Tabela 17 CNPq- Nmero de Bolsas no Exterior por Modalidades - 1996-2009 ... 123

    Tabela 18 Convnios Internacionais da UFSC ....................................................... 200

    Tabela 19 Mobilidade de professores observada na UFSC no perodo 2008/2010

    ................................................................................................................................ 204

    Tabela 20 Mobilidade acadmica total observada na UFSC no perodo 2008/2010

    ................................................................................................................................ 204

  • Tabela 21 As 10 primeiras classificadas no Ranking mundial de universidades julho

    2011 (Top 12.000) ............................................................................................... 234

    Tabela 22 As 10 primeiras classificadas no Ranking das universidades da Amrica

    Latina, julho 2011 (Top 12.000) ........................................................................... 235

    Tabela 23 As 10 primeiras IES brasileiras classificadas no Ranking das

    universidades da Amrica Latina, julho 2011 ( Top 12.000) ................................... 236

    Tabela 24 Resumo da posio da UFSC nas ltimas edies do Webometrics- 2009

    a 2011 ................................................................................................................... 237

    Tabela 25 Ranking Ibero-Americano de Produo Cientfica e Internacional 2010 .....

    .................................................................................................................................. 239

    Tabela 26 Total de artigos publicados por docentes da UFSC com indexao no ISI

    Web of Knowledge 2010 ....................................................................................... 240

    Tabela 27 Capacidade de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovao nas IES

    Brasileiras em 2010 . .............................................................................................. 242

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC Agncia Brasileira de Cooperao ABRUC Associao Brasileira das Universidades Comunitrias ABRUEM Associao Brasileira de Universidades Estaduais e

    Municipais AECID Agncia Espanhola de Cooperao Internacional ao

    Desenvolvimento AID America International Development AIDS Acquired Immuno deficiency Syndrome

    IAU International Association of Universities ALBAN Programa de Bolsas de Estudo de Alto nvel para a

    Amrica Latina ALCA rea de Livre Comrcio Americana ALCSA rea de Livre Comrcio Sul-Americana ALCUE ou UEALC Unio Europia, Amrica Latina e Caribe ALFA Amrica Latina Formao Acadmica AMPEI Associacin Mexicana para La Educacin Internacional

    ANDIFES Associao Nacional de Dirigentes das Instituies Federais de Educao Superior

    ANUP Associao Nacional das Universidades Privadas APEC Asia-Pacific Economic Cooperation ARCU-SUR Sistema de Credenciamento Regional de cursos

    universitrios para o reconhecimento regional da qualidade acadmica das respectivas titulaes no MERCOSUL e pases associados

    ARWU Academic Ranking of World Universities

    ASPA Cpula Amrica do Sul - Pases rabes AUSTRADE Setor de Promoo e Marketing Internacional da

    Educao Internacional Australiana BASIC Brasil, frica do Sul, ndia e China BFP Programa de bolsas de fixao de pesquisador BibliASPA Biblioteca e Centro de Pesquisas Amrica do Sul -

    Pases rabes BIRD Banco Internacional para Reconstruo e

    Desenvolvimento BNDES Banco de Desenvolvimento Econmico e Social BRIC Brasil, Rssia, ndia e China C&T Cincia e Tecnologia

  • CAPES Comisso de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CARE Centro para o Socorro Americano em todo lugar, do ingls Center for American Relief Everywhere

    CBAB/CABBIO Centro para o Socorro Americano em todo lugar, do ingls Center for American Relief Everywhere

    CBAN Centro Binacional de Nanotecnologia CBERS Centro Brasileiro de Satlites de Recursos Terrestres CEFET Centros Federais de Educao Tecnolgica

    CELPE-Bras Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros

    CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe CEWES Center of Excellence for Women in Science CGCI Coordenao Geral da Cooperao Internacional CGRE Coordenao Geral de Relaes Estudantis CID Cooperao Internacional para o Desenvolvimento CLAPCS Centro Latino Americano de Pesquisas Sociais CMS Conselho do Mercado Comum do Sul CNE Conselho Nacional da Educao CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e

    Tecnolgico COFECUB

    Comit Francs de Avaliao da Cooperao Universitria e Cientfica com o Brasil

    COLAM Colgio das Amricas

    CONEAU Comisin Nacional de Evaluacin y Acreditacin Universitria

    CONICYT Comisin Nacional de Investigacin Cientfica y Tecnolgica

    CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa CREPUQ Confrence des Recteurs et des Principaux des

    Universits du Qubec CRUB Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras CSIC Laboratrio de Cibermetria do Conselho Superior de

    Investigaes Cientficas CSS Cooperao Sul-Sul CUIB Conselho Universitrio Ibero-americano DAAD Deutscher Akademischer Austausch Dienst

    DCR Desenvolvimento Cientfico Regional EAIE European Association of International Education

  • EEES Espao Europeu de Educao Superior EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria ENLACES Espacio de Encuentro Latinoamericano y Caribeo de

    Educacin Superior ERA European Research Area EUA Estados Unidos da Amrica FACEPE Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia de

    Pernambuco FAPEAL Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Alagoas FAPEAM Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do

    Amazonas FAPESPA Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Par FAPs Fundaes de Amparo Pesquisa FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz FLACSO Faculdade Latino-Americana de Cincias Sociais FMI Fundo Monetrio Internacional FUNDECT Fundao de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino,

    Cincia e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul GATS Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios, do ingls

    General Agreement on Trade and Services GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio, do ingls

    General Agreement on Trade and Tarifs HIV Human Immunodeficiency Virus IBAS Iniciativa Trilateral entre a ndia, Brasil e frica do Sul IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IED Investimento Estrangeiro Direto IES Instituio de Ensino Superior IFES Instituies Federais de Educao Superior IFET Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia IGLU Instituto de Gesto e Liderana Universitrio ILPES Instituto Latino-Americano y del Caribe de Planificacin

    Econmica IME Instituto Militar do Exrcito IMHE Institute of Management of Higher Education

    INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IREG International Ranking Expert Group

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

  • LEA Liga dos Estados rabes MAEC Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperacin

    MBA Master of Business Administration MCCP Mecanismos de Consulta e Concertao Poltica MCT Ministrio da Cincia e da Tecnologia MEC Ministrio da Educao MERCOSUL Mercado Comum do Sul MEXA Mecanismo Experimental para o Credenciamento de

    Cursos de Graduao MRE Ministrio das Relaes Exteriores MUTIS Programa de bolsas da Cpula Ibero-Americana de

    Chefes de Estado NAFSA Associao Norte-Americana de Educadores

    Internacionais NOVIB Netherlands Organization for International Assistance NPGA Ncleo de Ps-Graduao em Administrao OCDE Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento

    Econmico OEA Organizao dos Estados Americanos OEI Organizao dos Estados Ibero-americanos para a

    Educao, a Cincia e a Cultura OMC Organizao Mundial do Comrcio ONU Organizao das Naes Unidas OUI Organizao Universitria Interamericana OXFAM Comit de Oxford de Combate Fome, do ingls Oxford

    Committee for Famine Relief PBDCT Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e

    Tecnolgico PCI Programa de Cooperao Inter-universitria PEC-G Programa Estudante Convnio de Graduao PEC-PG Programa Estudante Convnio de Ps-Graduao PG Ps-Graduao PIMA Programa de Intercmbio e Mobilidade Acadmica PNPD Programa Nacional de Ps-Doutorado PPDOC Programa de Apoio Instalao de Doutores no Estado

    da Bahia PREG Pro - reitoria de Ensino de Graduao PRODOC Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a

    Participao de Recm Doutores

  • PROFIX Programa Especial de Estmulo Fixao de Doutores PROINFRA Programa da Finep para a implantao, modernizao e

    recuperao de estrutura fsica de pesquisa nas instituies pblicas de ensino superior e /ou de pesquisa

    PROMISAES Projeto Milton Santos de Acesso a Educao Superior PROSET Programa de Estmulo Fixao de Recursos Humanos

    do Interesse dos Fundos Setoriais PRPE Pro - reitoria de Pesquisa PRPG Pro - reitoria de Ps-Graduao PSED Plano Setorial de Educao e Cultura PUC Pontifcia Universidade Catlica RD Recm Doutor RENORBIO Rede Nordeste de Biotecnologia REPENSUL Rede de Ps-graduao em Enfermagem da regio Sul RIF Redes Inter-Amrica de Formao RNP/MCT Rede Nacional de Pesquisa do Ministrio de Cincia e

    Tecnologia SESu Secretaria do Ensino Superior SIA Seminrios Inter-Amrica SINTER Secretaria de Relaes Institucionais e Internacionais SIR Scimago Institutions Ranking THES Times Higher Education Supplement

    TIC Tecnologia de Informao e Comunicao UDELAR Universidad de la Repblica

    UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina UDUAL Unio das Universidades da Amrica Latina UFBA Universidade Federal da Bahia UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UNASUL Unio das Naes Sul-Americanas UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a

    Cincia e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

  • UNIDA Universidad de Integracin de las Amricas USAID United States Agency for International Development

    USP Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 22 1.1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA .......................................................................... 22

    1.2. PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS DO ESTUDO................................ 26

    1.3. PREMISSAS E PRESSUPOSTOS .................................................................... 27

    1.4. METODOLOGIA ADOTADA ............................................................................. 27

    1.5 ESTRUTURA DA TESE ..................................................................................... 28

    2 PROCESSOS DE GLOBALIZAO E TRANSFORMAES NO CAMPO DA EDUCAO SUPERIOR .......................................................................................... 302.1 A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR E OS PROCESSOS

    DE GLOBALIZAO ................................................................................................. 30

    2.1.1 A Universidade nasce internacional? ........................................................... 30 2.1.2 O conceito de desenvolvimento no perodo ps-segunda guerra e sua ao sobre o Sistema de Educao Superior, Cincia e Tecnologia ................. 33 2.1.3 O contexto mundial e os processos de globalizao ................................. 43 2.1.4 O Estado - nao no novo contexto mundial ............................................... 45 2.1.5 O papel das organizaes internacionais na formulao das polticas de educao superior .................................................................................................. 47 2.1.6 A dinmica acadmica no mundo global ..................................................... 52 2.1.7 A educao superior como um ativo econmico ........................................ 58 2.2. A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL:

    RETROSPECTIVA HISTRICA E SEUS CONCEITOS ESTRUTURANTES ........... 62

    2.3. A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR COMO OBJETO DE

    ESTUDO: PROPOSTA DE ENQUADRAMENTO TERICO .................................... 75

    2.3.1 A gnese do conceito de internacionalizao da educao superior e seus reflexos no Brasil .................................................................................................... 81 2.4 OS RANKINGS ACADMICOS INTERNACIONAIS: GENESE E RELEVNCIA

    ................................................................................................................................. .85

    3 A EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL ............................................................... 96 3.1 BREVE HISTRICO E CARACTERSTICAS DA EDUCAO SUPERIOR NO

    BRASIL ..................................................................................................................... 96

    3.1.1 A estrutura e a composio da educao superior no Brasil .................... 97

  • 3.2. A DIMENSO INTERNACIONAL DA EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL .. 107

    3.2.1 A mobilidade acadmica internacional no pas ......................................... 118 3.2.2 As estruturas institucionais para a gesto das atividades de internacionalizao ............................................................................................... 124 3.3 NOVOS ENFOQUES REGIONAIS NA POLTICA NACIONAL E SEUS

    REFLEXOS NA EDUCAO SUPERIOR .............................................................. 127

    3.3.1 O processo de Integrao Educacional no Mercosul. .............................. 135 3.3.2 As relaes acadmicas com a Amrica Latina ........................................ 141 3.3.3 Acordos multilaterais e formao de redes no mbito do Mercosul ....... 143 3.4 O FENMENO DO BRAIN DRAIN ................................................................... 150

    3.5 NOVAS TENDNCIAS: NOVOS PROVEDORES DA EDUCAO SUPERIOR

    ................................................................................................................................ 158

    3.6 AS INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR: AO E REAO .................... 162

    3.7 QUESTES EM ABERTO ................................................................................ 164

    4. A INTERNACIONALIZAO DA UFSC: ESTUDO DE CASO .......................... 166 4.1 METODOLOGIA E ESTRATGIA DE PESQUISA ........................................... 166

    4.2. ESTRUTURAO DA PESQUISA E MATRIZ DE ANLISE ........................... 169

    4.2.1 Objeto de Estudo .......................................................................................... 169 4.2.2 Problema de pesquisa ................................................................................. 169 4.2.3 Pressupostos ................................................................................................ 169 4.2.4 Etapas do estudo ......................................................................................... 174 4.2.5 Protocolo de estudo de caso e modelos de coleta de dados ................... 174 4.2.6 Entrevistas realizadas .................................................................................. 175 4.2.7 Modelo de anlise de dados ........................................................................ 178 4.3 O CONTEXTO DA EDUCAO SUPERIOR EM SANTA CATARINA: A UFSC

    EM PERSPECTIVA ................................................................................................. 180

    4.4 A RELEVNCIA DAS DECISES INSTITUCIONAIS: O DILOGO ENTRE A PRTICA E A TEORIA ............................................................................................ 184

    4.5. POLTICAS E ESTRATGIAS PARA A INTERNACIONALIZAO DA UFSC

    ............................................................................................................................... .190

    4.6 BREVE HISTRICO DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAO DA UFSC

    ................................................................................................................................ 206

    4.7 ANLISE DOS PRINCIPAIS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO .......... 215

  • 4.8 O IMPCTO DA PRODUO ACADMICA DA UFSC EM SEU PROCESSO DE

    INTERNACIONALIZAO .................................................................................. 230

    4.9 RETOMANDO A MATRIZ DE ANLISE: SNTESE DOS RESULTADOS

    OBTIDOS ..................................................................................................... ....... 243

    5 CONCLUSO .................................................................................................. 24 6 REFERNCIAS ................................................................................................... 262APNDICE A Protocolo de Estudo de Caso ..................................................... 284APNDICE B Roteiro de entrevistas ................................................................ 289 APNDICE C Mobilidade acadmica observada na UFSC no perodo 2008/2010 . .......................................................................................................................... . 301

    APENDICE D Alunos PEC-PG recebidos na UFSC no perodo 2008-2010..........303 APNCIDE E Alunos PEC-PG por pas de origem recebidos no perodo 2008-2010..........................................................................................................................304

    APNDICE F Universidades estrangeiras com as quais o programa de ps-graduao em Direito da UFSC possui acordos internacionais bilaterais ............... 305

    APNDICE G Universidades estrangeiras com as quais o programa de ps-graduao em Direito da UFSC possui mobilidade acadmica docente e discente.

    ................................................................................................................................ 306

    APNDICE H Sntese dos indicadores mais utilizados para avaliar a internacionalizao acadmica ............................................................................... 307

    ANEXO A Algumas redes/organismos multilaterais que promovem a cooperao intra-regional na Amrica Latina .............................................................................. 310

    ANEXO B Algumas das mais exitosas redes de cooperao intra-regional e programas de cooperao regional nos quais o Brasil est inserido. ..................... 312

    ANEXO C Redes acadmicas no mbito do Mercosul ........................................ 315 ANEXO D Dados sobre a participao do Brasil em alguns programas de Cooperao Regional financiados pela Unio Europia ......................................... 317

    ANEXO E Exemplos de Programas institucionais e estratgias organizacionais para a internacionalizao....................................................................................... 324

    ANEXO F Tabelas referentes s classificaes efetuadas pelo Webometrics nos anos de 2010 e 2009 ............................................................................................... 327

  • 22

    1 INTRODUO

    1.1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA

    Nossa motivao para essa pesquisa partiu de uma prxis, ou seja, de

    nossa experincia profissional na gesto da cooperao acadmica

    internacional, que desde os anos 1990 nos levou a estudar profundamente a

    temtica, na busca de um melhor entendimento sobre a internacionalizao da

    educao superior e seus mecanismos, agentes e principalmente sobre quais

    as principais correntes que a estudavam. Nesse processo, nos aproximamos

    das associaes internacionais de gestores da cooperao acadmica

    internacional como a European Association of International Education (EAIE), a

    Associao Norte-Americana de Educadores Internacionais (NAFSA), a

    Asociacin Mexicana para la Educacin Internaional (Ampei), entre outras, do

    Frum das Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos

    Internacionais ( Faubai), o qual presidimos por dois perodos, bem como das

    principais associaes internacionais de universidades, como a International

    Association of Universities (AIU) e a Organizao Universitria Inter-Americana,

    (OUI), todas engajadas na discusso da temtica e na produo de

    conhecimento que a fundamentasse, subsidiando os tomadores de deciso

    institucionais. Como consequncia dessa interao, fomos instigados a

    produzir algum conhecimento com base na experincia brasileira no campo,

    atuamos como consultor ad hoc para o MEC, para a Comisso Europeia e para

    a Organizao dos Estados Ibero-americanos (OEI) e como observadores

    internacionais para a elaborao e avaliao de programas de mobilidade

    acadmica. Engajamo-nos em redes internacionais que estudavam o tema

    internacionalizao da educao superior e conhecemos alguns dos autores

    que se destacam no cenrio acadmico internacional por sua produo na

    rea, com os quais participamos de redes apoiadas por organismos

    internacionais como a Comisso Europeia, a Aecid e o Banco Mundial sobre a

    temtica internacionalizao da educao superior e participamos de projetos

  • 23

    que resultaram em publicaes, entre os quais destacamos aquele sobre a

    Internacionalizao da Educao Superior na Amrica Latina (DE WIT et. al.,

    2005), financiado pelo Banco Mundial e publicado em 2004, do qual somos

    coautora do captulo referente ao Brasil.

    Com base nessa trajetria, optamos por um tema cuja relevncia para a

    ao local das instituies justificaria, em nosso entendimento, sua pesquisa

    em profundidade, j que o emprego de seus resultados poderia ser utilizado

    para propiciar discusses que ajudem a melhor fundamentar os formuladores

    das polticas institucionais.

    Sistematicamente estudada desde finais dos anos 1980 e cada vez mais

    entendida como parte integrante do cenrio acadmico com uma crescente

    presena nos planejamentos estratgicos institucionais, nas polticas nacionais

    para a rea, em declaraes de entidades internacionais e nos inmeros

    artigos e eventos cientficos publicados e realizados nas mais diversas regies

    do planeta, a centralidade da internacionalizao da educao superior como

    tema nesse incio de milnio uma realidade inequvoca. Tal posio, por outro

    lado, tem levado o termo a sofrer inmeras interpretaes, sendo utilizado com

    os mais diferentes propsitos, significando qualquer coisa que esteja

    remotamente ligada dimenso global, intercultural ou internacional da

    educao superior.

    Em um mundo aonde cada vez mais a educao superior vem sendo

    entendida como uma commodity, mesmo por pases com tradicionais sistemas

    de ensino, mas assolados pelos crescentes cortes em seus oramentos, fruto

    da crise vivida pelo sistema capitalista e que vem na expanso de seus campi

    para o exterior ou na agressiva poltica de recrutamento de estudantes

    estrangeiros uma forma de obteno de recursos para a manuteno de suas

    estruturas organizacionais, reveste-se de fundamental importncia uma

    compreenso mais acurada do que seja a internacionalizao da educao

    superior, suas razes e motivaes, seus processos e mecanismos seja no

    sentido lato, da educao superior como um sistema, seja nos nveis nacional e

    institucional, onde ela se apresenta firmemente inserida nas polticas nacionais

    e nas misses, vises, valores e estratgias institucionais.

    Historicamente a internacionalizao da educao superior vem sendo

    guiada por princpios que a ligam umbilicalmente ao contexto e os propsitos

  • 24

    nacionais, regionais e locais, o que significa que no existe uma maneira certa

    ou nica para internacionalizar, j que ela se apresenta como um meio para a

    melhoria ampla do ensino superior entendido como gerador de conhecimento

    novo, cincia, tecnologia e inovao, mas principalmente de valores e de

    cidadania e no como um fim em si mesmo. Compreender esse conceito, em

    um momento onde a mobilidade de estudantes internacionais passou, em

    muitos pases, a ser vista como um negcio de Estado e gerida como um ativo

    econmico poderia fundamentar-nos para a construo de modelos de

    internacionalizao que realmente sejam do interesse do pas, na busca de um

    dilogo profcuo entre culturas e sistemas de produo de saber acadmico

    que se complementem, numa interao que produza o avano da cincia para

    a humanidade, mas tambm para os legtimos interesses de desenvolvimento

    de cada pas. Tal compreenso contemplaria ainda uma percepo critica

    sobre os rankings acadmicos que, pautados pela realidade dos pases do

    Norte, por uma produo acadmica basicamente publicada em lngua inglesa,

    tentam homogeneizar aquilo que no homogneo, ou seja, os distintos

    sistemas nacionais de educao superior.

    Dados da Unesco (2009) apontam que o crescimento do nmero de

    estudantes de nvel superior d-se numa proporo onde, para cada 100

    desses estudantes no ano de 2000, havia 150 em 2007, sendo que, desse

    contingente, 2,8 milhes optaram por estudar no exterior, representando um

    aumento de 53% desde 1999, com uma estimativa de que se chegue a uma

    cifra de oito milhes em 2050. Dados de 2010 apontam que mais de trs

    milhes de estudantes estudam fora de seus pases natais (REDDEN, 2010;

    IEE, 2010).

    Com base nessa mobilidade, dados de 2008 da OCDE j apontavam o

    crescimento de um mercado internacional para os servios de educao

    superior e pesquisa acadmica, facilitados pelos baixos custos dos transportes

    e comunicao, pela crescente migrao de pessoas e pelo aumento do

    financiamento e oferta privada de educao superior. Nesse contexto a

    educao trans-fronteiria passou a ser uma aposta econmica, na qual

    apenas a mobilidade de estudantes gira algo em torno de 40 bilhes de dlares

    (OECD, 2008), o que tambm corrobora o interesse em sua regulao

    internacional ou abertura para a explorao mercantil.

  • 25

    Frente a esses dados, a apropriao de conhecimentos que subsidiem a

    construo de polticas nacionais e institucionais claras para a

    internacionalizao da educao superior e das suas instituies de ensino

    poder nos livrar da esquizofrenia que se abate sobre as IES do planeta, entre

    as quais se incluem lagumas das brasileiras, pela busca do to almejado

    padro de uma universidade de classe internacional, difundido como panacia

    seja para instituies em busca de alunos estrangeiros pagantes seja para

    aquelas, como as brasileiras, em busca de prestgio acadmico internacional

    que se reverta em aumento de parcerias e recursos para suas pesquisas.

    Nesse sentido, propusemo-nos a fazer um estudo de caso sobre os

    contextos e os processos de definio e implementao das estratgias

    institucionais de internacionalizao de uma IES pblica, a Universidade

    Federal de Santa Catarina, enfatizando o tema internacionalizao da

    educao superior e buscando contextualiz-lo nos amplos processos de

    globalizao que envolvem o mundo contemporneo, procurando compreender

    algumas das suas principais variveis, com nfase no papel exercido pelas

    organizaes internacionais na formulao das agendas e das polticas

    nacionais para o campo, na mobilidade acadmica internacional, no advento

    dos rankings acadmicos, pelas questes j citadas e da fuga de crebros,

    fenmeno controverso, tradicionalmente apontado como sua externalidade

    perversa, pela discusso que provoca frente as reais possibilidades de perda

    de capital humano qualificado com a circulao acadmica internacional, um

    dos frutos do processo em estudo.

    Enfatizamos que, ao nos referirmos cooperao internacional, nos

    utilizamos do conceito de cooperao acadmica internacional, ou seja, aquela

    realizada no mbito e para finalidades acadmicas, diferente da tradicional

    Cooperao Internacional para o Desenvolvimento, analisada no prximo

    capitulo e que se desenvolve sob a forma da chamada Diplomacia Solidria, cuja ao se d pela oferta de conhecimentos e solues tcnicas acumulados,

    definida por Milani (2008, p.1) como: um regime integrado por atores governamentais e no estatais, fundamentado em normas e instituies, mas que tambm incentiva aes coletivas em prol do desenvolvimento internacional [...] atravs de atividades que incluem a educao e a formao tcnica, sade, crescimento econmico, cooperao cientfica, comunicao e

  • 26

    proteo do patrimnio cultural e, mais recentemente, a reforma do Estado e os programas de governana pblica (1980/1990).

    No que se refere s normas tcnicas utilizadas para a elaborao dessa

    tese, elas obedecem sistematizao dos requisitos da Associao Brasileira

    de Normas Tcnicas (ABNT), elaboradas por Lubisco, Vieira e Santana (2008)

    e recomendadas pelo NPGA da UFBA.

    1.2. PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS DO ESTUDO

    Nossa questo de partida para essa pesquisa foi:

    Como vem se dando, desde o ano 2008, o processo de definio e implementao de estratgias institucionais de internacionalizao da UFSC?

    Tal pergunta, aliada ao objetivo geral do estudo, que foi o de analisar os

    contextos e os processos de definio e implementao das estratgias

    polticas e institucionais de internacionalizao da UFSC, pautou o

    direcionamento de nossa pesquisa. Para sua estruturao, apoiamo-nos em

    trs objetivos especficos, que foram sequencialmente alcanados nas distintas

    etapas do estudo. Tais objetivos especficos foram: (i) construir um quadro

    conceitual dos processos de internacionalizao da educao e sua

    capilarizao nas instituies de ensino superior, principalmente do Brasil, (ii)

    analisar as polticas e planos estratgicos institucionais visando ao processo de

    internacionalizao da UFSC, (iii) estudar o processo interno de construo e

    conduo dessas polticas na gesto 2008/2011, verificando a influncia nele

    exercida pelos professores, pesquisadores e grupo de pesquisa, bem como a

    existncia de estruturas de gesto da cooperao acadmica internacional e

    sua posio no organograma institucional.

  • 27

    1.3. PREMISSAS E PRESSUPOSTOS

    Para responder ao problema de pesquisa e ao objeto de estudo,

    estabelecemos trs pressupostos ou hipteses, dos quais comprovamos os

    dois primeiros tendo sido o ltimo parcialmente comprovado por nossas

    pesquisas: (i) Organizaes internacionais, dentre estas a OCDE, o Banco

    Mundial, a OMC, o FMI, a ONU e a Unesco, influenciam (por meio, por

    exemplo, de suas polticas institucionais, indicadores e relatrios especficos)

    as agendas e as polticas nacionais no campo da educao superior; (ii) As

    polticas e planos estratgicos de internacionalizao da IES estudada ocorrem

    influenciados e em atendimento s polticas nacionais de ps-graduao e

    diversidade de seus programas institucionais que estimulam maiores ou

    menores graus de internacionalizao neles mensurveis; (iii) Na IES analisada, a definio de polticas de internacionalizao obedece a uma lgica

    mais instrumental do que substantiva, haja vista que centros, cursos e programas se internacionalizam em decorrncia de aes definidas ad hoc e de

    modo individualizado e no com base em um planejamento estratgico por

    diretores, professores, pesquisadores e responsveis instrumentais.

    1.4. METODOLOGIA ADOTADA

    Esta tese fruto da consulta e leitura meticulosa de inmeros livros,

    artigos, relatrios de agncias nacionais e internacionais, bem como

    documentos institucionais de diferentes organizaes, acadmicas ou no.

    Alm disso, para a realizao dos estudos de campo necessrios elaborao

    de nossa tese, utilizamos o mtodo do estudo de caso, conforme descrito por

    Yin (2005), obedecendo a todas as suas etapas. A escolha do mtodo esteve

    ainda ancorada na afirmao de Knight (2005), de que no nvel institucional

    que efetivamente o processo de internacionalizao se materializa, o que nos

    motivou a buscar em um estudo de caso a aplicao da teoria sobre

    internacionalizao da educao superior. Para efetivar o estudo, elaboramos,

  • 28

    com base no referencial terico utilizado, uma definio de trabalho que

    norteasse nossa anlise, qual seja: a internacionalizao de uma universidade

    corresponde ao processo de dilogo (trabalhos conjuntos, cooperao,

    intercmbio, adequao das estruturas institucionais, conflitos e problemas

    surgidos) com outras universidades ou organizaes variadas (empresas,

    governos, agncias internacionais, ONGs) do mundo exterior fronteira

    nacional na concepo, desenvolvimento ou implementao de suas funes

    de ensino, pesquisa e extenso. Adotamos ainda o termo processo (grifo nosso) em nossa definio de trabalho com base na afirmao de Knight

    (2005) de que este inclui a noo de um esforo em marcha e sempre

    contnuo, dando ao conceito uma natureza dinmica ou de mudana perene, o

    que em muito se assemelha ao que constatamos na IES estudada.

    A apresentao e descrio detalhadas da metodologia adotada para

    essa pesquisa de campo e os critrios para a seleo da Universidade

    escolhida aparecem no quarto captulo.

    1.5 ESTRUTURA DA TESE

    A elaborao da tese deu-se obedecendo a cinco etapas: (i) a

    construo do quadro conceitual, com base em uma reviso da literatura

    nacional e internacional sobre globalizao, internacionalizao da educao

    superior e internacionalizao de universidades, (ii) a reconstituio histrica do

    processo de internacionalizao ocorrido nas universidades brasileiras e seus

    reflexos na UFSC, (iii) levantamento dos indicadores nacionais e internacionais

    sobre a internacionalizao de uma universidade; (iv) aplicao e identificao

    dos indicadores citados ao caso da UFSC; (v) identificao das estratgias

    polticas construdas desde os anos 1960 e sistematizadas em finais dos anos

    2000 na perspectiva de internacionalizao da IES estudada, bem como a

    elaborao de sugestes de possveis cenrios futuros.

    Iniciamos as primeiras duas etapas previstas para a construo dos

    captulos dois e trs, onde buscamos, no balizar e entender o contexto

    internacional pautado pelos processos de globalizao e seus reflexos na

    educao superior, descrevendo-os e analisando-os, bem como as

  • 29

    transformaes que induzem no campo da educao superior. A seguir

    tratamos especificamente de apresentar uma retrospectiva histrica da

    internacionalizao da educao superior no Brasil e de abordar seus conceitos

    estruturantes, estudando a o papel dos organismos internacionais como

    influenciadores das agendas e das polticas nacionais no campo da educao

    superior. Finalizamos o captulo com uma apresentao da internacionalizao

    da educao superior como objeto de estudo, abordando algumas de suas

    principais correntes e propondo um enquadramento terico para o estudo. No

    captulo trs, descrevemos e analisamos a educao superior no Brasil,

    apontando sua dimenso internacional, os novos enfoques regionais na poltica

    nacional e seus reflexos na educao superior, as novas tendncias,

    representadas pelos novos provedores da educao superior, a ao e a

    reao das IES internacionalizao e deixamos algumas questes em aberto

    sobre o tema.

    A implementao da terceira, quarta e parte da quinta e ltima etapa

    previstas, pautou a construo do capitulo quatro, aquele que trata do estudo

    emprico e que seguiu o proposto nos dois ltimos objetivos especficos do

    projeto. Seguindo o ordenamento das etapas previstas, apresentamos e

    descrevemos em profundidade a metodologia utilizada para a elaborao do

    estudo emprico, apontando a estratgia de pesquisa, os critrios para a

    seleo do estudo de caso como mtodo para essa pesquisa de campo e sua

    estruturao ordenada. Ali relatamos nosso objeto de estudo e o problema de

    pesquisa, seguido dos seus pressupostos, da sua matriz de anlise, onde

    explicitamos o conceito de internacionalizao de uma universidade, construdo

    com base no referencial terico utilizado para balizar-nos na busca de

    indicadores, fontes, instrumentos e tcnicas de tratamento de dados para a

    pesquisa. Na sequncia, apontamos as cinco etapas programadas para seu

    desenvolvimento, seguido do protocolo de estudo de caso, calcado nos

    referenciais tericos sobre globalizao, seus reflexos na educao superior e

    especificamente sobre o processo de internacionalizao da IES estudada,

    seguido da caracterizao do modelo de anlise de dados com a especificao

    das dimenses institucionais a serem analisadas e dos indicadores utilizados

    para tal. A partir do item 4.4 apresentamos uma fundamentao terica sobre

    como se constri um processo de internacionalizao, buscando estabelecer

  • 30

    um dilogo entre a teoria e a realidade emprica estudada, apoiando nossos

    argumentos nas entrevistas e na base de dados compilados e organizados. A

    partir da o captulo passa a apresentar a UFSC em perspectiva, traando um

    histrico desde sua fundao e sua posio no sistema de ensino superior de

    Santa Catarina. Foram apresentadas suas polticas, estratgias e estrutura

    institucional para a internacionalizao e um breve histrico desse, com nfase

    nos acordos MEC/Usaid, nos programas de ps-graduao e nos impactos da

    produo acadmica em seu processo de internacionalizao medido pelos

    rankings acadmicos e pela avaliao trienal da Capes. Na concluso, cuja

    elaborao deu-se com o desmembramento da ltima etapa prevista para o

    estudo, j que essa foi dividida, para levarmos a sugesto de cenrios futuros

    para o captulo conclusivo, tratamos de sintetizar as contribuies da tese e

    suas lacunas bem como apontar os cenrios e perspectivas para o futuro, onde

    propomos a elaborao de indicadores de internacionalizao com base na

    realidade latino-americana ou dos pases do Sul que possam nortear as

    decises institucionais em seus processos de internacionalizao.

    2 PROCESSOS DE GLOBALIZAO E TRANSFORMAES NO CAMPO DA EDUCAO SUPERIOR

    2.1 A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR E OS PROCESSOS DE GLOBALIZAO

    2.1.1 A Universidade nasce internacional?

    Entendendo-se a produo de conhecimento como um produto histrico

    da humanidade, ocorrido em seus primrdios, sem as limitaes de fronteiras

    impostas pelo mundo moderno (administrativas1, de nacionalidades, de

    recursos financeiros, entre outros) e sempre em meio a relaes de poder,

    1 A institucionalizao do passaporte deu-se no final do sculo XIX.

  • 31

    sabe-se que as universidades, desde seus primrdios na Idade Mdia - as

    primeiras universidades foram criadas nos sculos XI, XII e XIII -, tm

    estimulado a mobilidade de seus professores e estudantes. Nesse momento,

    quando os Estados-nao, como os conhecemos, no existiam e a lngua culta

    e franca era o latim, utilizado como meio de comunicao entre as elites

    letradas pertencentes igreja catlica e parte da nobreza e s substituda pelos

    idiomas nacionais europeus no final do sculo XVIII, essa mobilidade e

    construo internacional j se dava no meio acadmico. Entre os sculos XII e XIII esboa-se o que ficou conhecido como a

    Universitas na alta Idade Mdia. Naquele momento histrico, o termo

    designava corporaes tanto de professores como de estudantes, embora

    tambm fosse aplicado a outras corporaes. O termo studium generale era o

    que se aplicava ao local onde estudantes de todas as partes eram recebidos (JANOTTI, 1992, p. 23).

    A partir do sculo XV desaparece a distino entre os dois termos,

    cristalizando-se a designao universitas, como lcus de congregao de

    mestres e estudantes de todo o mundo cristo. Seu iderio, coerente com o

    momento histrico do Renascimento, era o saber universal e necessrio. Nelas

    os nobres nunca foram muito numerosos em comparao com a nascente

    burguesia. Os nobres chegavam a representar no mximo 10 a 15% do total de estudantes, em casos excepcionais, j que, segundo Charle e Verger (1996, p. 28), os estudos ali realizados no conduziam nem ao tipo de cultura nem ao tipo de carreira a que esse grupo social se dedicava

    preferencialmente. A durao e os custos dos estudos faziam com que o maior nmero de estudantes e dos graduados viesse das classes mdias, sobretudo urbanas (notrios, comerciantes, artesos abastados, etc.).

    O que queremos salientar que o que entendemos como trocas

    cientficas e culturais no um fenmeno da contemporaneidade, encontrando

    suas razes nas origens do projeto da Universitas medieval, no momento em

    que a burguesia emergente luta pela conquista do direito de governar tambm

    por meio da sua qualificao educacional.

    Avanando um pouco mais no tempo, Garcia (2009) cita as pesquisas de

    Karady (2002) que, ao analisar a formao das elites quando da construo

    dos Estados - nacionais da Europa Central, sob os escombros dos antigos

  • 32

    imprios, em fins do sculo XIX e incio o XX, assinala o peso diferencial e a

    atrao exercida pelas instituies de ensino alems, francesas, inglesas e

    italianas sobre os jovens da regio, interessados em conhecimentos e diplomas

    que lhes abrissem as portas de acesso aos crculos dirigentes. Ressalve-se

    ainda que os estudos a seguidos se realizavam na lngua do pas receptor, os

    quais trataram de criar e fortalecer suas prprias instituies educativas e

    cientficas pesquisando e publicando em seus idiomas nacionais ( BEN-DAVID,

    1977, apud SCHWARTZMAN, 2009)

    evidente que o desenvolvimento dos Estados nacionais, a definio de

    suas fronteiras e a demarcao de seus territrios fixos so fatores que

    contriburam para, pelo menos em parte, cercar o campo da educao superior, que se tornou parte integrante dos projetos polticos de construo da

    identidade nacional. Porm, o que nos interessa ressaltar que os

    mencionados intercmbios transfronteirios e transnacionais esto na origem

    da prpria universidade e avanam com ela em seu processo de consolidao.

    Lembremos que, j no sculo XVI, foram fundadas as universidades na

    Amrica espanhola e inglesa, com forte presena de professores europeus.

    Nelas circularam as elites da regio, uma vez que seu objetivo era proporcionar

    s classes dominantes uma educao tanto religiosa como humanstica. Na

    Amrica espanhola, as mais antigas universidades surgem em Santo Domingo,

    Peru, Colmbia e Mxico, entre 1538 e 1551. Em 1613 foi criada a

    Universidade Nacional de Crdoba, na Argentina, em 1624, foram criadas a

    Universidad Mayor Real e a Pontifcia de San Francisco Xavier de

    Chuquisaca, na Bolvia. Essa ltima firmou-se como um dos centros mais

    ativos de cultura e ensino hispano-americano no Vice-Reinado do Prata, onde,

    em 1776, estabeleceu-se a Academia Carolina, que teve forte influncia na

    difuso do pensamento revolucionrio da independncia americana em pases

    como a Argentina, o Peru e a prpria Bolvia (BUSTAMANTE, 1997).

    Esse modelo colonial de universidade, criado e organizado com base na

    tradio escolstica, segue aquele das duas universidades espanholas da

    poca, as de Salamanca e de Alcal de Henares, representantes das ideias

    renascentistas no mundo medieval.

    Nessa poca, as elites da antiga colnia portuguesa e tambm do Brasil

    independente estudavam principalmente na Europa (na Universidade de

  • 33

    Coimbra, nos seminrios e colgios jesutas, na Inglaterra ou tambm em

    Montpellier, na Frana, para onde iam os estudantes de medicina). Esses laos

    com a metrpole ou com a Europa, entendidos como um valor na sociedade do

    Brasil motiva no pas, com a chegada da famlia real no incio do sculo XIX,

    uma concepo de ensino superior apoiada nos estrangeirados portugueses que tinham vivido no exterior, sobretudo na Frana e Inglaterra, onde haviam

    incorporado as novas idias iluministas (CUNHA, 1980).

    No Brasil, como trataremos no prximo captulo, o ensino superior

    estava limitado s Faculdades de Medicina de Salvador, na Bahia e do Rio de

    Janeiro e s faculdades de Direito de Olinda e So Paulo. As primeiras

    universidades datam do sculo XX, surgidas no bojo das transformaes

    culturais que tiveram seu pice na Semana de Arte Moderna de 1922, que na busca de novos temas e novas linguagens artsticas traduziam a necessidade

    de engajar o pas nas mudanas necessrias para chegar aos avanos j

    experimentados pela Europa e Estados Unidos.

    J na Amrica inglesa, a vida acadmica inicia-se formalmente em 1636,

    com a fundao do Harvard College, embrio da Harvard University, instituio

    privada, dirigida formao das elites da nova Inglaterra (RUDOLF, 1991 apud

    MARMOLEJO, 1997, p. 99).

    2.1.2 O conceito de desenvolvimento no perodo ps-segunda guerra e sua ao sobre o Sistema de Educao Superior, Cincia e Tecnologia

    Para que se entenda de que forma se encaminhou o processo de

    internacionalizao da produo de cincia e tecnologia no Brasil e a

    conseqente internacionalizao da educao superior, h que se ter clareza

    sobre as opes por modelos de desenvolvimento adotadas pelo pas ao longo

    desse processo e de que formas elas refletem as polticas para a rea. Assim,

    antes de tudo h que se definir o que seja desenvolvimento.

    Para Furtado (2003), esse caracteriza-se por ser um fenmeno de

    aumento de produtividade do fator trabalho e tambm um processo de

    adaptao das estruturas sociais a um horizonte em expanso de

  • 34

    possibilidades abertas ao homem, cujas duas dimenses - a econmica e a

    cultural - no podem ser captadas seno em conjunto. A pergunta base para

    seu entendimento seria aquela sobre em benefcio de quem ele se d, j que

    deve constitui-se em um conjunto de respostas a um projeto de

    autotransformao de uma coletividade humana. Para o citado autor, a primeira

    questo seria definir o campo de opes que se abrem para esse projeto e em

    seguida identificar, entre aquelas, as que se apresentem como possibilidades

    polticas, ou seja, que correspondam s suas aspiraes e possam ser postas

    em prtica pelas foras polticas capazes de exercer um papel hegemnico no

    sistema de poder.

    Nesse sentido, um pas caracterizado por uma economia agrria

    exportadora at meados do sculo XX, ao deparar-se com as mudanas no

    cenrio internacional do ps-guerra e com todas as transformaes por ele

    impostas, teve, no quadro internacional que se configurava e na posio que

    estava inserido naquele momento histrico, que fazer sua opo pelo modelo

    de desenvolvimento que o integraria s mudanas em curso.

    J na segunda metade do sculo XX, com o final da segunda-guerra

    mundial e a nova composio das foras polticas no mundo global, passou a

    delinear-se nos Estados Unidos da Amrica, que haviam desempenhado papel

    preponderante na construo da paz, a estruturao de novos conceitos que

    passassem a traduzir seu modelo de desenvolvimento de forma a que pudesse

    ser aplicado s novas naes emergentes do processo de descolonizao da

    frica, quelas renascidas com o processo de independncia dos pases latino-

    americanos bem como quelas de uma Europa e sia enfraquecidas como

    consequncia, a primeira, da perda de suas reas coloniais e ambas da guerra.

    So os primrdios das chamadas teorias do desenvolvimento ou da

    modernizao, amplamente debatidas pelo stablishement norte-americano e

    pelas think tanks por ele financiadas para estudos comparados de pases e que

    povoaram o que j se chamou de complexo militar-industrial-acadmico norte-

    americano. Com uma postura terica de aproximao da economia poltica e

    sociologia para compor o quadro explicativo do atraso ou

    subdesenvolvimento termos equivalentemente utilizados pelos autores

    poca-, seu objetivo era o de levar seu destino manifesto, do ingls manifest

    destiny, qual seja o de difundir um conceito exemplar de nao, intervindo

  • 35

    decididamente para garantir que esse exemplo fosse de fato seguido, pelo

    assim recentemente nomeado por seus pensadores, Terceiro Mundo2.

    Construdas com base numa nova concepo de poder descrito por Nye (2002,

    2004, 2008) como poder brando, do ingls soft power, ou a habilidade de

    seduzir os outros para obter os resultados que se quer atravs da atrao mais

    do que da coero ou pagamento3, o que estava na pauta eram a poltica

    externa norte-americana e a conjuntura internacional do ps-guerra, num

    cenrio propcio criao de um novo dispositivo ideolgico - o

    desenvolvimentismo- uma espcie equivalente funcional do keynesianismo e da economia mista que se haviam tornado, nos pases centrais do sistema,

    'achados' do capitalismo do ps-guerra (MORAES, 2006, p.39). Sua ao internacional dava-se por meio das polticas de ajuda ao desenvolvimento, que

    mais tarde se cristalizaram nos pases do Norte sob o rtulo de Ajuda Oficial ao

    Desenvolvimento, com a exportao de tcnica e capital aos pases

    subdesenvolvidos, embebida de toda uma teoria de mudana social implicada

    na modernizao, que ia desde mudanas nos modos de vida, de estruturao

    poltica a escolhas civilizacionais impostas aos pases ajudados. Tal ajuda a

    manifestao da tentativa norte-americana de manter os novos Estados, nesse

    seu perodo de transio e de construo nacional, do ingls nation building, de

    modo seguro e estvel, em sua rea de influncia - e de impedi-los de cair na

    rbita sovitica, o que resultou em um carter visivelmente militar s medidas

    de assistncia tcnica - j que a ajuda econmica era tradicionalmente

    considerada como complemento ajuda militar, pelos crculos governamentais

    de Washington - nessa competio pela influncia entre os pases comunistas

    e o Ocidente.

    Sob esse aspecto, podemos considerar que o paradoxo

    dessas polticas, balizadas a partir do Programas Ponto IV, de Truman4, do

    2 Os pases do Terceiro Mundo seriam aqueles no suficientemente providos de riquezas e poder poltico para figurar no Primeiro Mundo capitalista [...] mas tambm no pertencentes ao Segundo Mundo, o das economias planificadas que naquele momento [...] seguiam o roteiro de reequipagem poltica da Unio Sovitica. (MORAES, 2006, p 36-40). 3 O conceito de soft power refere-se ao poder de atrao e seduo exercido por ativos intangveis tais como uma personalidade atrativa, cultura, valores polticos e instituies e polticas vistos como legtimas e com autoridade moral, utilizados no mundo poltico para a obteno dos resultados pretendidos. (NYE, 2008, p. 94-95). 4 A mensagem do presidente norte-americano ao Congresso, em 1949, sublinhava como motivao explcita do plano de ajuda aos pases pobres a meta de evitar que o estado de

  • 36

    final dos anos 1940 e que vo at a Aliana para o Progresso, do governo Kennedy, na dcada de 1960, era o de as naes chamadas desenvolvidas

    perceberem como sua misso aquela de reconstruir o mundo que havia sido

    destrudo por guerras por elas encetadas, no levando em conta a formao de

    outro modelo de civilizao mais solidrio. Sua ao passou a ser a de

    transformar os conhecimentos cientficos e tecnolgicos em armas comerciais

    ao mesmo tempo em que passaram a impor aos pases subdesenvolvidos, por

    seu poder econmico, um modelo de desenvolvimento ocidental com nfase na

    economia. Essa passa a ser determinante e a moldar uma cultura do

    liberalismo econmico, onde seres humanos e o meio ambiente latu sensu so

    vistos como fatores de produo.

    Toda uma ao liderada pelos EUA, de ajuda reconstruo das

    economias no ps-guerra, diante das tenses polticas que se criaram com a

    Guerra Fria, passa a ser englobada no Plano Marshall, institudo em 1947. Foi

    no bojo desse Plano que se desvalorizaram significativamente frente ao dlar

    as moedas europias e a japonesa e que os EUA abriram seu mercado s

    exportaes daqueles pases, estimulando a retomada do crescimento e o

    ajuste de suas balanas comerciais, da mesma forma que o fazem aos pases

    subdesenvolvidos. Para tal reconstruo passou a ser necessria a existncia

    de instituies, unidades produtivas, recursos produtivos, capacidade

    empresarial, trabalho, tecnologia (mquinas e equipamentos) e capital, sendo

    esses dois ltimos, naquele momento de desorganizao das economias

    europias, existentes principalmente nos EUA.

    O processo de expanso do capitalismo ento liderado pelas empresas

    norte-americanas, principais agentes da ajuda oferecida Amrica Latina, beneficia o Brasil, produtor de commodities e insumos ao processo produtivo

    daquele pas, mas, essa posio subordinada pautar seu processo de desenvolvimento (FURTADO, 2003, p. 40). Tal posio submete ainda o Estado-nacional s decises bsicas quanto orientao dos investimentos,

    localizao das atividades econmicas, orientao da tecnologia, financiamento da pesquisa, (grifo nosso) e grau de integrao economia

    desespero deles derivasse para a adoo de comportamentos polticos inconvenientes, perigosos, isto , para a adoo de regimes comunistas e criptocomunistas. (MORAES, 2006, p. 38)

  • 37

    regional, todos em mos daquelas empresas. A poltica adotada pelo pas no

    perodo entre 1950 e 1965, caracterizada pela substituio de importaes, ou

    seja, pelo esforo em superar a insuficincia estrutural da capacidade de

    importao e pela suposio de que qualquer indstria instalada no territrio nacional coopera igualmente para a prosperidade do pas, (FURTADO, 2003, p.77) abre as portas para a implantao de filiais de empresas, principalmente

    norte-americanas, independente das dimenses do mercado, do grau de desenvolvimento j alcanado, ou da intensidade do crescimento econmico na

    fase em que ocorria a penetrao (FURTADO, 2003, p.77). Nesse perodo, os pases da Amrica Latina com maior aumento de

    investimentos fixos norte-americanos foram o Mxico (752 milhes de dlares),

    o Brasil (722 milhes) e a Argentina (617 milhes) embora se constate que,

    permanecendo como provedores de insumos para as matrizes de suas

    indstrias, esses no alteraram a composio de suas exportaes, ancoradas

    na tradicional estrutura exportadora de matrias-primas e, portanto, o patamar

    de seu desenvolvimento. Tal processo retarda a criao de um empresariado

    nacional bem como permite a presena de grupos tradicionais no controle do

    poder, esvaziando os Estados-nacionais como centros de deciso e instrumentos de mobilizao das coletividades para as tarefas do

    desenvolvimento (FURTADO, 2003, p. 82). No que se refere ao mundo acadmico ou aquele da produo das

    bases para o desenvolvimento nacional observa-se que j no incio do sculo

    XX as universidades estavam envolvidas em programas internacionais de

    desenvolvimento que posteriormente evoluram para projetos de pesquisa

    conjunta e de fortalecimento institucional. Estes representavam uma

    conjugao de interesses, sempre implcita nas relaes internacionais: do lado

    nacional, a necessidade de criar as bases e fortalecer uma instituio

    formadora das elites que vo impulsionar o desenvolvimento do pas e do lado

    dos parceiros internacionais, uma poltica sistemtica [] visando cooperao em um formato que lhes permitisse estabelecer e consolidar sua

    influncia poltica e cultural sobre as elites dos pases receptores (LESSA, 2002, p.105).

    Num movimento moldado pelas ofertas externas, pelos impulsos das

    organizaes internacionais, atuando como agentes do soft power dos pases

  • 38

    do Norte (NYE, 2002, 2004, 2008), mas tambm por fatores internos, como a

    demanda por desenvolvimento tecnolgico, intercmbios e pela circulao do

    saber acadmico, por natureza transnacional, esse modelo tradicional de

    cooperao est nos primrdios daquilo que veio a constituir-se no processo de

    internacionalizao das universidades brasileiras e da produo de cincia e

    tecnologia no pas. Muitas vezes no simtrico, sem margens para qualquer

    possibilidade de colaborao institucional madura, apresentou-se como um dos

    primeiros instrumentos formais de internacionalizao da educao superior no

    Brasil, permanecendo entre os anos 1930 e grande parte da dcada dos anos

    1960, quando os experts resultantes deste processo iro desempenhar um

    papel fundamental na formao do pensamento e no desenvolvimento cientfico

    no Brasil, principalmente nas reas das cincias humanas e sociais, como

    analisaremos posteriormente.

    Ainda nesta fase, especificamente no perodo posterior ao final da 2

    guerra mundial, comea no Brasil o processo de oficializao dos acordos com

    os pases estrangeiros, os quais, somente nos anos 1960 evoluram em direo

    aos acordos de Cooperao Cientfica e Tecnolgica de carter bilateral, como

    os assinados com a Repblica Federal da Alemanha em 30/11/1963, entrando

    em vigor a partir de 25/05/1964, com a Dinamarca, em 1966, com a Frana, em

    16/01/1967 e vigorando a partir de 10/10/1968, com a Sua em 1969, com o

    Japo em 1971, e com Pases Baixos e Portugal em 1976 (LESSA, 2002, p.

    107).

    Ressalte-se que a dcada de 1960 foi caracterizada pela tomada do

    poder pelos militares no ano de 1964, apoiados no plano internacional

    principalmente pelos EUA. Propiciada por esse contexto, a dcada foi marcada

    pelo acordo MEC/Usaid, um conjunto de documentos assinados pelo governo

    do Brasil com a Agncia dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, do

    ingls United States Agency for International Development (USAID), entre os

    anos de 1964 e 1968, sendo alguns com vigncia at o ano de 1971, pelos

    quais o pas recebeu, com base na filosofia do Programa Ponto IV, apoio

    tcnico e financeiro para a elaborao das reformas em setores considerados

    pouco estruturados para apoiar seu processo de desenvolvimento. No perodo

    foi assinado um total de 12 acordos entre o governo brasileiro e aquela

    agncia, sem contar aqueles assinados com os governos estaduais. Entre os

  • 39

    assinados com o Ministrio da Educao e Cultura, o de 30 de junho de 1966

    referia-se educao superior: o Acordo MEC/Usaid de Assessoria para a

    Modernizao da Administrao Universitria. Frente reao geral do meio

    acadmico diante da ingerncia norte-americana em assuntos de interesse

    nacional o documento foi revisado 10 meses depois e substitudo por outro

    objetivando a Assessoria do Planejamento do Ensino Superior, vigente at 30

    de junho de 1969 (ROMANELLI, 1998). No mbito desse documento, o Brasil

    receberia apoio tcnico e financeiro para a implantao das reformas

    entendidas como necessrias para um pas que desde os ciclos econmicos do

    perodo colonial vinha se integrando ao capitalismo internacional, mesmo que

    de forma subordinada, mas que paulatinamente se desvinculava das

    oligarquias tradicionais inserindo-se no universo desenvolvimentista, no qual os

    Estados Unidos da Amrica apresentava-se como modelo acabado a ser

    difundido principalmente para o mundo chamado subdesenvolvido. Nesse sentido, a conseqente nfase na profissionalizao presente na legislao que

    norteou a educao nacional a partir dessa poca refletiria a necessidade de

    preparao de quadros considerados aptos para atuarem junto ao crescente

    empresariado que vinha assumindo o controle econmico do pas e dando

    suporte ao governo militar instalado em 1964. Nesse contexto, foi ento

    sugerida ao pas, pelos documentos elaborados pelos especialistas

    contratados, uma reforma universitria. Entre os citados especialistas

    destacava-se Rudolph Atcon, membro da Usaid, com estudos anteriores sobre

    universidades da Amrica Latina e que durante a assinatura dos primeiros

    acordos com o MEC orientou os programas e apresentou sua proposta, na

    publicao intitulada Rumos Reformulao Estrutural da Universidade

    Brasileira, tambm conhecido como Relatrio Atcon. Promovida pelo MEC

    com as concluses do estudo contratado que obviamente tinha em mente o

    modelo universitrio norte-americano, as concluses aliceravam-se em

    princpios de economia e produtividade bem prprios da mentalidade

    empresarial (ROMANELLI, 1998, p. 127), propondo a reduo de custos, a otimizao de recursos humanos e materiais bem como de espaos fsicos.

    Suas diretrizes foram regulamentadas pelos Decretos Lei n. 53, de novembro

    de 1966 e n 252 de fevereiro de 1967, que, entre outras mudanas

    determinam a extino das ctedras e das faculdades e a criao do Sistema

  • 40

    de Crditos, do ciclo bsico e dos centros, por reas de conhecimento,

    divididos em departamentos nas universidades brasileiras. Ressalte-se que as

    reformas, que culminaram na Reforma Universitria de 1968, que analisaremos

    no prximo captulo, quando trataremos especificamente da educao superior

    no Brasil, refletiam a fina sintonia entre a educao e a ideologia de

    desenvolvimento com segurana defendida pela coligao dos vrios grupos

    que davam sustentao poltica ao poder naquele momento: de um lado, os

    conservadores, representados pelas classes dominantes (banqueiros,

    comerciantes, industriais e tambm os latifundirios), segmentos da igreja

    catlica e representantes da nova classe media que aspirava conquistas

    sociais. Do outro, respaldando-lhes, os grupos internacionais que atuavam na

    poltica e na economia do pas.

    nesse contexto que se insere uma discusso sobre que modelo de

    desenvolvimento se estava implementando com tais polticas e sobre toda uma

    evoluo que iria ocorrer na negociao dos acordos de cooperao

    acadmica e tcnico-cientfica estabelecida pelo pas.

    Para analis-lo, deve-se levar em conta no apenas a diversidade do

    Sistema de Ensino Superior e sua hierarquizao em termos de ateno das

    demandas sociais, mas tambm partir do fato que sua construo vem tendo

    por base as polticas, programas e estratgias utilizadas nos nveis nacional,

    setorial e institucional, que por sua vez vm sendo pautadas por aquelas

    estabelecidas paulatinamente pelas organizaes internacionais, dentre as

    quais, a USAID, o Fundo Monetrio Internacional (FMI), a Organizao Mundial

    do Comrcio (OMC), a Organizao das Naes Unidas (ONU), a Organizao

    para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE), o Banco Mundial

    e a Unesco. Essas influenciam - atravs, por exemplo, de suas polticas

    institucionais, indicadores e relatrios especficos - as agendas e as polticas

    nacionais no campo da educao superior.

    J na era ps-Guerra Fria, o fenmeno da globalizao, com a

    internacionalizao de amplos setores que iam das finanas, mercados,

    migraes humanas cultura, com a criao e sobreposio de identidades

    tnicas, culturais e religiosas, passa a ser o motor determinante dos processos

    de desenvolvimento e nesse quadro que aos poucos foram se inserindo as

    aes governamentais do Brasil na elaborao de um novo formato de

  • 41

    cooperao acadmica que refletisse sua busca por um modelo de

    desenvolvimento que lhe pudesse abrir caminho de acesso aos frutos da

    revoluo tecnolgica em curso no mundo contemporneo.

    Voltando construo de um quadro conceitual que balize nossa

    anlise, nos ateremos ao conceito de globalizao para entendermos como ela

    atua no processo em tela. Entendendo que as mudanas ocorridas no

    chamado mundo global, requerem novos conceitos para a interpretao da

    realidade social, nos baseamos nas teorias de Thernborn (2001), Bartelson

    (2000), Weiss (1997) e de Hirst e Thompson (1999) para analisar a nossa

    realidade pesquisada.

    O primeiro, ao se ater ao dilema conceitual do fenmeno, pondera que

    um conceito uma ferramenta e no uma essncia e que o uso de novos

    conceitos deveria ser motivado por sua contribuio a novos conhecimentos,

    situando-os em discursos reais atuais e, a partir da, talvez continuar a

    especificar as definies individuais.

    J Bartelson (2000), ao analisar o termo globalizao, reitera que

    compreender a ambiguidade do conceito (grifo nosso), crucial para entender a emergncia daquele processo como um fato, embora, para tanto tenhamos

    de afastar-nos das prticas tradicionais de definio adotadas pelas cincias

    sociais, que se propem a purgar a ambiguidade do discurso cientfico,

    estipulando conotaes por meio de definies que, em ltima instncia, daro

    a base para futuras pesquisas empricas do fenmeno concebido pelo conceito.

    O autor apoia-se na histria conceitual, que tem por objetivo abrir o conceito s

    pesquisas e se ocupa tanto com o que ele significa dentro de um dado contexto

    como com o que faz com um dado contexto, perguntando como e por que um

    dado conceito conseguiu acumular significados diferentes e muitas vezes

    incomensurveis atravs dos tempos e como aquelas distintas conotaes

    condicionaram a possibilidade de pensamento e ao. Entendendo que

    conceitos scio - polticos so como esponjas, j que capazes de serem

    embebidos e conter uma variedade de significados pelo fato de serem usados

    em diferentes contextos para diferentes propsitos, conclui que essa condio

    os faz crescentemente ambguos e que tal ambiguidade aparece em alguns

    discursos que deles se apropriam.

  • 42

    Por outro lado, atendo-se ao fato que o processo de globalizao no se

    limita ao aspecto puramente econmico, mas sim que se apresenta sob a

    forma multidimensional, abrangendo aspectos relacionados economia,

    finanas, cincia, tecnologia, comunicaes, educao, cultura e poltica,

    Therborn (2001, p. 126), nos fala de globalizaes. Para o autor, como varivel, ela pode cobrir um nmero infinito de

    aspectos da vida social, isto , pode variar em amplitude, de apenas

    multicontinental at rigorosamente planetria, e pode ser movida por dinmicas

    diferentes. Para ele, por referir-se a uma pluralidade de processos sociais, aquele seria o termo mais adequado para caracteriz-la.

    Acreditando que a prtica de definies e seu uso no so inocentes, j

    que refletem invariavelmente pressuposies sobre o mundo sociopoltico e as

    condies para seu entendimento, o autor se props a trabalhar o conceito

    dentro de um quadro ontolgico que definisse a identidade daquele mundo e

    suas partes constitutivas como forma de traduzi-las tanto retrica como

    analiticamente. A sua proposta a de uma anlise dialtica entre o conceito e o

    mundo, ambos influenciando e sendo influenciado um pelo outro. Tambm

    Milani (2006, p. 380), citando Villa, refere-se aos processos de globalizao do capitalismo e o intenso movimento de atores no estatais nas ltimas dcadas como motivadores dos conceitos de sociedade internacional ou sociedade mundial, concebidos respectivamente por Raymond Aron e Bertrand Badie para designar o conjunto representado pelo sistema interestatal, o econmico e

    as instituies internacionais.

    Por tratar-se de um conceito polmico, Bartelson (2000, p. 180) nos diz

    que, enquanto no existe um acordo a respeito do que globalizao, todo o

    discurso sobre ela est fundamentado, num slido acordo sobre sua existncia.

    Para o autor, ao lado dos debates que analisam suas causas e consequncias,

    pode-se ver sua ampla e tcita aceitao como um fato, como um processo de

    mudana que est ocorrendo, o que em si se constitui em um fato social que

    deve ser investigado como parte integrante do que a globalizao j que,

    nada muda mais o mundo do que a percepo coletiva de que ele est mudando, mesmo que raramente na direo esperada (BARTELSON, 2000, p.181). Entende que o conceito de globalizao, semelhante ao que se deu

    com aqueles defendidos e disseminados pela Revoluo Francesa, no tem

  • 43

    referncias estveis, mas essas funcionam como veculos da mudana social,

    em sua mais pura, necessria e irredutvel forma: como condio de objetos e identidades possveis em um futuro possvel (BARTELSON, 2000, p. 193). Sua conduo e direcionamento contra-hegemnico so papel de alguns dos atores

    sociais nele atuantes, sobretudo os relacionados aos iderios da contestao

    poltica (redes antiglobalizao e movimentos sociais de protesto, por

    exemplo).

    2.1.3 O contexto mundial e os processos de globalizao

    Conceito polmico e aplicado s mais diversas reas, a globalizao

    caracteriza-se, como j vimos, pela interdependncia crescente entre as vrias

    regies do mundo resultante do rpido aumento do fluxo de bens, servios,

    capital, pessoas e informao. Na busca de sua origem histrica, alguns

    autores balizam-se na expanso martima e comercial liderada por Portugal no

    sculo XVI, na expanso colonialista europeia do final do sculo XIX, no

    advento da Guerra Fria e todo o controle bipolar planetrio dela decorrente,

    dentre outros fatores, todos ocorridos no bojo da expanso do capitalismo. Este

    permeia todo o processo, como um poderoso sistema, como um processo civilizatrio, impondo-se a todas as outras formas sociais de vida e trabalho (IANNI, 1992, p. 20), chegando mesmo aos espaos at ento protegidos pela economia centralmente planificada, aps a queda do mundo socialista em 1989, quando a intensidade e a extenso desses fluxos de mudana se

    tornaram mais visveis. Fazendo uma retrospectiva, o autor citado coloca que, o alcance mundial do capitalismo [...] desenvolve-se de maneira particularmente aberta no sculo XX [...] adquirindo novas caractersticas [...] com o trmino da segunda Guerra Mundial, quando a emergncia de estruturas mundiais de poder, deciso e influncia anunciam a redefinio e o declnio do Estado-nao. (IANNI, 1992, p.23)

    O autor cita Cox (1990 apud IANNI, 1992, p. 24), o qual lista algumas

    das caractersticas da marcha da globalizao: a internacionalizao da

    produo, a globalizao das finanas e seguros comerciais, a mudana da

  • 44

    diviso internacional do trabalho, o vasto movimento migratrio do Sul para o

    Norte e a competio ambiental que acelera esses processos, alm de

    mudanas na natureza dos Estados, que esto sendo internacionalizados em

    suas estruturas internas e funes, priorizando a adaptao das economias

    nacionais s exigncias da economia mundial em detrimento do bem-estar

    nacional. Nesse sentido, se aplicaria a viso segundo a qual desde a constituio do capitalismo como um sistema econmico global e nacional, a um s tempo, e durante toda a sua expanso, nos ltimos cinco sculos, a partir do norte da Europa, os Estados territoriais e os capitais demonstraram a mesma vocao compulsiva e competitiva ao