tese sobre internacionalização ufsc (1)
DESCRIPTION
Gestão Pública. Universidade.TRANSCRIPT
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAO
NCLEO DE PS- GRADUAO EM ADMINISTRAO
SONIA PEREIRA LAUS
A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA
Salvador 2012
-
SONIA PEREIRA LAUS
A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA
Trabalho apresentado ao Ncleo de Ps-Graduao em Administrao da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obteno do grau de Doutora em Administrao. Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani
Salvador 2012
-
Escola de Administrao - UFBA
L388 Laus, Sonia Pereira
A internacionalizao da educao superior: um estudo de caso da Universidade Federal de Santa Catarina / Sonia Pereira Laus. 2012.
331 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Administrao, 2012.
1. Universidade Federal de Santa Catarina Estudo de casos.
2. Ensino superior Cooperao internacional.. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administrao. II. Milani, Carlos Roberto Sanchez. III. Ttulo.
CDD 378.81
-
SONIA PEREIRA LAUS
A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA
Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutora em Administrao, Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia.
Aprovada em: 24 de fervereiro de 2012.
Banca Examinadora
Carlos Roberto Sanchez Milani Orientador ______________________________ Doutor em Socioeconomia do Desenvolvimento pela cole de Hautes tudes en Sciences Sociales, Frana. Instituto de Estudos Sociais e Polticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro Elza Sousa Kraychete_________________________________________________ Doutora em Administrao pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia Irene Kazumi Miura___________________________________________________ Doutora em Administrao pela Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de So Paulo Universidade de So Paulo
Lucdio Bianchetti____________________________________________________ Doutor em Educao: Histria, Poltica, Sociedade pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo Universidade Federal de Santa Catarina Ruthy Nadia Laniado__________________________________________________ Doutora em Estudos Governamentais pela Essex University, Inglaterra. Universidade Federal da Bahia
-
A minha famlia, pelo legado da alma ibrica livre, curiosa, destemida.
Com ela aprendi que a vastido do mundo deve ser respeitosamente admirada, mas
tambm descoberta, entendida pela busca constante do conhecimento, da cultura e
do saber cientfico. Descobri as primeiras letras nos livros, mas tambm nos jornais e
vem da a paixo pelo mundo e seu movimento dialtico.
-
AGRADECIMENTOS Ao DINTER UDESC/UFBA, pela oportunidade.
Ao Gu, pela presena, crticas e estmulo constantes. Sem seu amor, a concluso
desta tese teria sido muito mais difcil.
E vida, que meu deu mais do que merecia.
Gracias a La Vida
Gracias a la vida que me ha dado tanto Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado el odo que en todo su ancho
Graba noche y da grillos y canarios Martirios, turbinas, ladridos, chubascos Y la voz tan tierna de mi bien amado
Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado el sonido y el abecedario
Con l, las palabras que pienso y declaro Madre, amigo, hermano
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos Playas y desiertos, montaas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida que me ha dado tanto Me dio el corazn que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano Cuando miro el bueno tan lejos del malo Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto As yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Gracias a la vida, gracias a la vida
Violeta Parra
-
The future of higher education is a global one and it is our job to help prepare
the higher education world for this.
Uwe Brandenbur e Hans de Wit, 2011.
-
LAUS, S. P. A internacionalizao da educao superior: um estudo de caso da Universidade Federal de Santa Catarina. 2012. 319 f. Tese (Doutorado em Administrao) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
RESUMO
Essa tese visa a realizao de um estudo de caso sobre os contextos e os processos de definio e implementao das estratgias institucionais de internacionalizao da Universidade Federal de Santa Catarina. Para sua estruturao, elaboraram-se trs objetivos especficos, sendo o primeiro a construo de um quadro conceitual dos processos de internacionalizao da educao e sua capilarizao nas instituies de ensino superior, principalmente do Brasil; o segundo a anlise das polticas e planos estratgicos institucionais visando ao processo de internacionalizao da UFSC, e o terceiro o estudo do processo interno de construo e conduo dessas polticas na gesto 2008/2011, verificando a influncia nele exercida pelos professores, pesquisadores e grupo de pesquisa, bem como a existncia de estruturas de gesto da cooperao acadmica internacional e sua posio no organograma institucional. Em resposta aos objetivos, disponibilizou-se uma reviso da literatura nacional e internacional sobre globalizao, internacionalizao da educao superior e internacionalizao de universidades, com a anlise sobre de que forma e sob quais contextos esses processos se constituram e de que maneira afetaram o desenvolvimento e a estruturao das polticas acadmicas nacionais e institucionais no Brasil. Apresentou-se ainda uma sntese das concepes de alguns dos principais autores sobre as questes tericas atinentes ao processo de internacionalizao da educao superior e como ela se d nos nveis nacional e institucional, apontando suas razes e motivaes fundamentais, que podem ser econmicas, polticas, acadmicas, culturais e sociais e os valores nelas implcitos. Assim, o estudo procura enfatizar o tema internacionalizao da educao superior, buscando contextualiz-lo nos amplos processos de globalizao que envolvem o mundo contemporneo e compreender algumas das suas principais variveis. Dentre essas, o papel exercido pelas organizaes internacionais na formulao das agendas e das polticas nacionais para o campo, a mobilidade acadmica internacional, o advento dos rankings acadmicos internacionais, que pautados pela realidade dos pases do Norte e por uma produo acadmica basicamente publicada em lngua inglesa, tentam homogeneizar aquilo que no homogneo, ou seja, os distintos sistemas nacionais de educao superior e ainda a fuga de crebros, fenmeno controverso, tradicionalmente apontado como sua externalidade perversa, pela discusso que provoca frente s reais possibilidades de perda de capital humano qualificado com a circulao acadmica internacional, um dos frutos do processo estudado. Ao referir-se cooperao internacional, utilizou-se o conceito de cooperao acadmica internacional, ou seja, aquela realizada no mbito e para finalidades acadmicas, diferentemente da tradicional Cooperao Internacional para o Desenvolvimento, cuja ao no se restringe ao mbito acadmico. Concluiu-se o estudo com uma sntese das razes e motivaes da UFSC para sua internacionalizao acadmica e das suas principais polticas, estratgias e programas desenvolvidos com este fim. Palavras chave: Internacionalizao da educao superior. Cooperao internacional. Universidades brasileiras. Universidade Federal de Santa Catarina.
-
LAUS, S. P. A internacionalizao da educao superior: um estudo de caso da Universidade Federal de Santa Catarina. 2012. 319 f. Tese (Doutorado em Administrao) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
ABSTRACT
This thesis proposes to do a case study of the contexts and processes of defining and implementing institutional strategies for internationalization of the Federal University of Santa Catarina. For its structure we prepared three specific objectives, the first being the construction of a conceptual framework of the processes of internationalization of higher education and its capillarization in higher education institutions, mainly in Brazil, the second, the analysis of institutional policies and strategic plans aimed at the internationalization process of UFSC, and the third, to study the internal process of building and driving these policies in the management of 2008/2011, checking the influence exerted on it by teachers, researchers and research groups, as well as the existence of international academic cooperation management structures and its position in the institutional hierarchy. The response to the objectives was provided by a review of national and international literature on globalization, internationalization of higher education and internationalization of universities, with the analysis of how and under what contexts these processes are formed and how they affected the development and structuring of national academic and institutional policies in Brazil. It also presented an overview of the conceptions of some major authors on theoretical questions concerning the process of internationalization of higher education and on how it is achieved at the national and institutional levels, pointing to its basic reasons and motivations, which can be economic, political, academic, cultural and also the social values implicit in them. The study seeks to emphasize the theme of internationalization of higher education, seeking to contextualize it within the broader processes of globalization involving the contemporary world and understand some of their key variables. Among these, the role played by international organizations in the formulation of international policies and agendas for the field, the international academic mobility, the rise of international rankings, which are guided by the reality of the North and for an academic production basically published in English, trying to standardize what is not homogeneous, ie, the different national systems of higher education and lastly the brain drain, traditionally appointed as his perverse externality, which causes the discussion forward the real possibility of loss of skilled human capital with international academic circulation, one of the results of the process studied. Referring to international cooperation, research utilizes the concept of international academic cooperation, ie, that held within and for academic purposes, different from the traditional International Cooperation for Development, whose action is not restricted to academia. The study concluded with a summary of the reasons and motivations of UFSC for its academic internationalization and of its main policies, strategies and programs developed for this purpose. At its end, the study suggests a Capes proposition to the countries of similar status, a joint development of internationalization indicators most appropriate to the countries of South. Key Words: Internationalization of higher education. International cooperation. Brazilian universities. Federal University of Santa Catarina
-
LISTA DE ILUSTRAES
Grfico 1 Distribuio percentual dos programas de doutorado por regies, Brasil,
1996 e 2008 .............................................................................................................. 65 Figura 1 Organograma da Reitoria da UFSC ......................................................... 199
Figura 2 Organograma da Sinter ............................................................................ 200
-
LISTA DE QUADROS Quadro 1 Os Princpios de Berlin ............................................................................ 91
Quadro 2 Situaes relevantes para diferentes estratgias de pesquisa ............ 168
Quadro 3 Matriz de anlise ................................................................................... 171
Quadro 4 Relao da aplicao dos instrumentos de coleta de dados com os
entrevistados ........................................................................................................... 176
Quadro 5 Razes e motivaes do pas para a internacionalizao acadmica .. 186
Quadro 6 Mtodos de internacionalizao no nvel institucional ........................... 189
Quadro 7 Avaliao Trienal da Capes 2007-2010 ................................................. 214
Quadro 8 Razes e motivaes da UFSC para a Internacionalizao acadmica 250
Quadro 9 Principais polticas, estratgias e programas visando
internacionalizao, desenvolvidas na UFSC ......................................................... 252
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Crescimento do nmero de estudantes de ensino superior no mundo..... 53
Tabela 2 Nmero de estudantes internacionais no mundo de 1980 a 2010 ........... 53
Tabela 3 Principais pases emissores de estudantes para o exterior em 2007 ....... 54
Tabela 4 Principais pases receptores de estudantes internacionais em 2007 ....... 55 Tabela 5 Estudantes brasileiros em cursos de graduao e ps-graduao no
exterior no ano de 2007 ............................................................................................ 56
Tabela 6 Volume do Comrcio Internacional de ensino superior de 2005 a 2007 .. 57 Tabela 7 Distribuio dos estudantes de 18 a 24 anos de idade segundo o nvel de
ensino frequentado. Brasil- 1999/2009 ...................................................................... 65
Tabela 8 Taxas de escolaridade de jovens entre 18 e 24 anos nos pases do
Mercosul .................................................................................................................... 66
Tabela 9 Taxa de escolarizao de nvel superior nos pases do Mercosul- 2007 . 67
Tabela 10 Ps-graduao: total de alunos matriculados e titulados no Brasil entre 1990 e 2009 .............................................................................................................. 99
Tabela 11 Programa Estudante Convnio de Graduao. Alunos selecionados entre
2000 e 2010 ............................................................................................................ 113
Tabela 12 Programa Promisaes. Alunos inscritos e selecionados entre 2006 e 2010
................................................................................................................................ 115
Tabela 13 Projetos Conjuntos dentro dos Programas de Cooperao Internacional
da Capes (2000- 2009) ........................................................................................... 117
Tabela 14 Bolsas no exterior concedidas pela Capes no perodo 2001 2008 ..... 119
Tabela 15 Capes- Bolsas no Exterior de Acordo com os Pases de Destino mais
demandados: 1996-2009 ........................................................................................ 120
Tabela 16 CNPq - Bolsas no Exterior de Acordo com os Pases de Destino: 1996-
2009 ........................................................................................................................ 122
Tabela 17 CNPq- Nmero de Bolsas no Exterior por Modalidades - 1996-2009 ... 123
Tabela 18 Convnios Internacionais da UFSC ....................................................... 200
Tabela 19 Mobilidade de professores observada na UFSC no perodo 2008/2010
................................................................................................................................ 204
Tabela 20 Mobilidade acadmica total observada na UFSC no perodo 2008/2010
................................................................................................................................ 204
-
Tabela 21 As 10 primeiras classificadas no Ranking mundial de universidades julho
2011 (Top 12.000) ............................................................................................... 234
Tabela 22 As 10 primeiras classificadas no Ranking das universidades da Amrica
Latina, julho 2011 (Top 12.000) ........................................................................... 235
Tabela 23 As 10 primeiras IES brasileiras classificadas no Ranking das
universidades da Amrica Latina, julho 2011 ( Top 12.000) ................................... 236
Tabela 24 Resumo da posio da UFSC nas ltimas edies do Webometrics- 2009
a 2011 ................................................................................................................... 237
Tabela 25 Ranking Ibero-Americano de Produo Cientfica e Internacional 2010 .....
.................................................................................................................................. 239
Tabela 26 Total de artigos publicados por docentes da UFSC com indexao no ISI
Web of Knowledge 2010 ....................................................................................... 240
Tabela 27 Capacidade de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovao nas IES
Brasileiras em 2010 . .............................................................................................. 242
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC Agncia Brasileira de Cooperao ABRUC Associao Brasileira das Universidades Comunitrias ABRUEM Associao Brasileira de Universidades Estaduais e
Municipais AECID Agncia Espanhola de Cooperao Internacional ao
Desenvolvimento AID America International Development AIDS Acquired Immuno deficiency Syndrome
IAU International Association of Universities ALBAN Programa de Bolsas de Estudo de Alto nvel para a
Amrica Latina ALCA rea de Livre Comrcio Americana ALCSA rea de Livre Comrcio Sul-Americana ALCUE ou UEALC Unio Europia, Amrica Latina e Caribe ALFA Amrica Latina Formao Acadmica AMPEI Associacin Mexicana para La Educacin Internacional
ANDIFES Associao Nacional de Dirigentes das Instituies Federais de Educao Superior
ANUP Associao Nacional das Universidades Privadas APEC Asia-Pacific Economic Cooperation ARCU-SUR Sistema de Credenciamento Regional de cursos
universitrios para o reconhecimento regional da qualidade acadmica das respectivas titulaes no MERCOSUL e pases associados
ARWU Academic Ranking of World Universities
ASPA Cpula Amrica do Sul - Pases rabes AUSTRADE Setor de Promoo e Marketing Internacional da
Educao Internacional Australiana BASIC Brasil, frica do Sul, ndia e China BFP Programa de bolsas de fixao de pesquisador BibliASPA Biblioteca e Centro de Pesquisas Amrica do Sul -
Pases rabes BIRD Banco Internacional para Reconstruo e
Desenvolvimento BNDES Banco de Desenvolvimento Econmico e Social BRIC Brasil, Rssia, ndia e China C&T Cincia e Tecnologia
-
CAPES Comisso de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CARE Centro para o Socorro Americano em todo lugar, do ingls Center for American Relief Everywhere
CBAB/CABBIO Centro para o Socorro Americano em todo lugar, do ingls Center for American Relief Everywhere
CBAN Centro Binacional de Nanotecnologia CBERS Centro Brasileiro de Satlites de Recursos Terrestres CEFET Centros Federais de Educao Tecnolgica
CELPE-Bras Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros
CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe CEWES Center of Excellence for Women in Science CGCI Coordenao Geral da Cooperao Internacional CGRE Coordenao Geral de Relaes Estudantis CID Cooperao Internacional para o Desenvolvimento CLAPCS Centro Latino Americano de Pesquisas Sociais CMS Conselho do Mercado Comum do Sul CNE Conselho Nacional da Educao CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico COFECUB
Comit Francs de Avaliao da Cooperao Universitria e Cientfica com o Brasil
COLAM Colgio das Amricas
CONEAU Comisin Nacional de Evaluacin y Acreditacin Universitria
CONICYT Comisin Nacional de Investigacin Cientfica y Tecnolgica
CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa CREPUQ Confrence des Recteurs et des Principaux des
Universits du Qubec CRUB Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras CSIC Laboratrio de Cibermetria do Conselho Superior de
Investigaes Cientficas CSS Cooperao Sul-Sul CUIB Conselho Universitrio Ibero-americano DAAD Deutscher Akademischer Austausch Dienst
DCR Desenvolvimento Cientfico Regional EAIE European Association of International Education
-
EEES Espao Europeu de Educao Superior EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria ENLACES Espacio de Encuentro Latinoamericano y Caribeo de
Educacin Superior ERA European Research Area EUA Estados Unidos da Amrica FACEPE Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia de
Pernambuco FAPEAL Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Alagoas FAPEAM Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do
Amazonas FAPESPA Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Par FAPs Fundaes de Amparo Pesquisa FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz FLACSO Faculdade Latino-Americana de Cincias Sociais FMI Fundo Monetrio Internacional FUNDECT Fundao de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino,
Cincia e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul GATS Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios, do ingls
General Agreement on Trade and Services GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio, do ingls
General Agreement on Trade and Tarifs HIV Human Immunodeficiency Virus IBAS Iniciativa Trilateral entre a ndia, Brasil e frica do Sul IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IED Investimento Estrangeiro Direto IES Instituio de Ensino Superior IFES Instituies Federais de Educao Superior IFET Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia IGLU Instituto de Gesto e Liderana Universitrio ILPES Instituto Latino-Americano y del Caribe de Planificacin
Econmica IME Instituto Militar do Exrcito IMHE Institute of Management of Higher Education
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IREG International Ranking Expert Group
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao
-
LEA Liga dos Estados rabes MAEC Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperacin
MBA Master of Business Administration MCCP Mecanismos de Consulta e Concertao Poltica MCT Ministrio da Cincia e da Tecnologia MEC Ministrio da Educao MERCOSUL Mercado Comum do Sul MEXA Mecanismo Experimental para o Credenciamento de
Cursos de Graduao MRE Ministrio das Relaes Exteriores MUTIS Programa de bolsas da Cpula Ibero-Americana de
Chefes de Estado NAFSA Associao Norte-Americana de Educadores
Internacionais NOVIB Netherlands Organization for International Assistance NPGA Ncleo de Ps-Graduao em Administrao OCDE Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento
Econmico OEA Organizao dos Estados Americanos OEI Organizao dos Estados Ibero-americanos para a
Educao, a Cincia e a Cultura OMC Organizao Mundial do Comrcio ONU Organizao das Naes Unidas OUI Organizao Universitria Interamericana OXFAM Comit de Oxford de Combate Fome, do ingls Oxford
Committee for Famine Relief PBDCT Plano Bsico de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico PCI Programa de Cooperao Inter-universitria PEC-G Programa Estudante Convnio de Graduao PEC-PG Programa Estudante Convnio de Ps-Graduao PG Ps-Graduao PIMA Programa de Intercmbio e Mobilidade Acadmica PNPD Programa Nacional de Ps-Doutorado PPDOC Programa de Apoio Instalao de Doutores no Estado
da Bahia PREG Pro - reitoria de Ensino de Graduao PRODOC Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a
Participao de Recm Doutores
-
PROFIX Programa Especial de Estmulo Fixao de Doutores PROINFRA Programa da Finep para a implantao, modernizao e
recuperao de estrutura fsica de pesquisa nas instituies pblicas de ensino superior e /ou de pesquisa
PROMISAES Projeto Milton Santos de Acesso a Educao Superior PROSET Programa de Estmulo Fixao de Recursos Humanos
do Interesse dos Fundos Setoriais PRPE Pro - reitoria de Pesquisa PRPG Pro - reitoria de Ps-Graduao PSED Plano Setorial de Educao e Cultura PUC Pontifcia Universidade Catlica RD Recm Doutor RENORBIO Rede Nordeste de Biotecnologia REPENSUL Rede de Ps-graduao em Enfermagem da regio Sul RIF Redes Inter-Amrica de Formao RNP/MCT Rede Nacional de Pesquisa do Ministrio de Cincia e
Tecnologia SESu Secretaria do Ensino Superior SIA Seminrios Inter-Amrica SINTER Secretaria de Relaes Institucionais e Internacionais SIR Scimago Institutions Ranking THES Times Higher Education Supplement
TIC Tecnologia de Informao e Comunicao UDELAR Universidad de la Repblica
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina UDUAL Unio das Universidades da Amrica Latina UFBA Universidade Federal da Bahia UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UNASUL Unio das Naes Sul-Americanas UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a
Cincia e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
-
UNIDA Universidad de Integracin de las Amricas USAID United States Agency for International Development
USP Universidade de So Paulo
-
SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................... 22 1.1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA .......................................................................... 22
1.2. PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS DO ESTUDO................................ 26
1.3. PREMISSAS E PRESSUPOSTOS .................................................................... 27
1.4. METODOLOGIA ADOTADA ............................................................................. 27
1.5 ESTRUTURA DA TESE ..................................................................................... 28
2 PROCESSOS DE GLOBALIZAO E TRANSFORMAES NO CAMPO DA EDUCAO SUPERIOR .......................................................................................... 302.1 A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR E OS PROCESSOS
DE GLOBALIZAO ................................................................................................. 30
2.1.1 A Universidade nasce internacional? ........................................................... 30 2.1.2 O conceito de desenvolvimento no perodo ps-segunda guerra e sua ao sobre o Sistema de Educao Superior, Cincia e Tecnologia ................. 33 2.1.3 O contexto mundial e os processos de globalizao ................................. 43 2.1.4 O Estado - nao no novo contexto mundial ............................................... 45 2.1.5 O papel das organizaes internacionais na formulao das polticas de educao superior .................................................................................................. 47 2.1.6 A dinmica acadmica no mundo global ..................................................... 52 2.1.7 A educao superior como um ativo econmico ........................................ 58 2.2. A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL:
RETROSPECTIVA HISTRICA E SEUS CONCEITOS ESTRUTURANTES ........... 62
2.3. A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR COMO OBJETO DE
ESTUDO: PROPOSTA DE ENQUADRAMENTO TERICO .................................... 75
2.3.1 A gnese do conceito de internacionalizao da educao superior e seus reflexos no Brasil .................................................................................................... 81 2.4 OS RANKINGS ACADMICOS INTERNACIONAIS: GENESE E RELEVNCIA
................................................................................................................................. .85
3 A EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL ............................................................... 96 3.1 BREVE HISTRICO E CARACTERSTICAS DA EDUCAO SUPERIOR NO
BRASIL ..................................................................................................................... 96
3.1.1 A estrutura e a composio da educao superior no Brasil .................... 97
-
3.2. A DIMENSO INTERNACIONAL DA EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL .. 107
3.2.1 A mobilidade acadmica internacional no pas ......................................... 118 3.2.2 As estruturas institucionais para a gesto das atividades de internacionalizao ............................................................................................... 124 3.3 NOVOS ENFOQUES REGIONAIS NA POLTICA NACIONAL E SEUS
REFLEXOS NA EDUCAO SUPERIOR .............................................................. 127
3.3.1 O processo de Integrao Educacional no Mercosul. .............................. 135 3.3.2 As relaes acadmicas com a Amrica Latina ........................................ 141 3.3.3 Acordos multilaterais e formao de redes no mbito do Mercosul ....... 143 3.4 O FENMENO DO BRAIN DRAIN ................................................................... 150
3.5 NOVAS TENDNCIAS: NOVOS PROVEDORES DA EDUCAO SUPERIOR
................................................................................................................................ 158
3.6 AS INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR: AO E REAO .................... 162
3.7 QUESTES EM ABERTO ................................................................................ 164
4. A INTERNACIONALIZAO DA UFSC: ESTUDO DE CASO .......................... 166 4.1 METODOLOGIA E ESTRATGIA DE PESQUISA ........................................... 166
4.2. ESTRUTURAO DA PESQUISA E MATRIZ DE ANLISE ........................... 169
4.2.1 Objeto de Estudo .......................................................................................... 169 4.2.2 Problema de pesquisa ................................................................................. 169 4.2.3 Pressupostos ................................................................................................ 169 4.2.4 Etapas do estudo ......................................................................................... 174 4.2.5 Protocolo de estudo de caso e modelos de coleta de dados ................... 174 4.2.6 Entrevistas realizadas .................................................................................. 175 4.2.7 Modelo de anlise de dados ........................................................................ 178 4.3 O CONTEXTO DA EDUCAO SUPERIOR EM SANTA CATARINA: A UFSC
EM PERSPECTIVA ................................................................................................. 180
4.4 A RELEVNCIA DAS DECISES INSTITUCIONAIS: O DILOGO ENTRE A PRTICA E A TEORIA ............................................................................................ 184
4.5. POLTICAS E ESTRATGIAS PARA A INTERNACIONALIZAO DA UFSC
............................................................................................................................... .190
4.6 BREVE HISTRICO DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAO DA UFSC
................................................................................................................................ 206
4.7 ANLISE DOS PRINCIPAIS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO .......... 215
-
4.8 O IMPCTO DA PRODUO ACADMICA DA UFSC EM SEU PROCESSO DE
INTERNACIONALIZAO .................................................................................. 230
4.9 RETOMANDO A MATRIZ DE ANLISE: SNTESE DOS RESULTADOS
OBTIDOS ..................................................................................................... ....... 243
5 CONCLUSO .................................................................................................. 24 6 REFERNCIAS ................................................................................................... 262APNDICE A Protocolo de Estudo de Caso ..................................................... 284APNDICE B Roteiro de entrevistas ................................................................ 289 APNDICE C Mobilidade acadmica observada na UFSC no perodo 2008/2010 . .......................................................................................................................... . 301
APENDICE D Alunos PEC-PG recebidos na UFSC no perodo 2008-2010..........303 APNCIDE E Alunos PEC-PG por pas de origem recebidos no perodo 2008-2010..........................................................................................................................304
APNDICE F Universidades estrangeiras com as quais o programa de ps-graduao em Direito da UFSC possui acordos internacionais bilaterais ............... 305
APNDICE G Universidades estrangeiras com as quais o programa de ps-graduao em Direito da UFSC possui mobilidade acadmica docente e discente.
................................................................................................................................ 306
APNDICE H Sntese dos indicadores mais utilizados para avaliar a internacionalizao acadmica ............................................................................... 307
ANEXO A Algumas redes/organismos multilaterais que promovem a cooperao intra-regional na Amrica Latina .............................................................................. 310
ANEXO B Algumas das mais exitosas redes de cooperao intra-regional e programas de cooperao regional nos quais o Brasil est inserido. ..................... 312
ANEXO C Redes acadmicas no mbito do Mercosul ........................................ 315 ANEXO D Dados sobre a participao do Brasil em alguns programas de Cooperao Regional financiados pela Unio Europia ......................................... 317
ANEXO E Exemplos de Programas institucionais e estratgias organizacionais para a internacionalizao....................................................................................... 324
ANEXO F Tabelas referentes s classificaes efetuadas pelo Webometrics nos anos de 2010 e 2009 ............................................................................................... 327
-
22
1 INTRODUO
1.1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA
Nossa motivao para essa pesquisa partiu de uma prxis, ou seja, de
nossa experincia profissional na gesto da cooperao acadmica
internacional, que desde os anos 1990 nos levou a estudar profundamente a
temtica, na busca de um melhor entendimento sobre a internacionalizao da
educao superior e seus mecanismos, agentes e principalmente sobre quais
as principais correntes que a estudavam. Nesse processo, nos aproximamos
das associaes internacionais de gestores da cooperao acadmica
internacional como a European Association of International Education (EAIE), a
Associao Norte-Americana de Educadores Internacionais (NAFSA), a
Asociacin Mexicana para la Educacin Internaional (Ampei), entre outras, do
Frum das Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos
Internacionais ( Faubai), o qual presidimos por dois perodos, bem como das
principais associaes internacionais de universidades, como a International
Association of Universities (AIU) e a Organizao Universitria Inter-Americana,
(OUI), todas engajadas na discusso da temtica e na produo de
conhecimento que a fundamentasse, subsidiando os tomadores de deciso
institucionais. Como consequncia dessa interao, fomos instigados a
produzir algum conhecimento com base na experincia brasileira no campo,
atuamos como consultor ad hoc para o MEC, para a Comisso Europeia e para
a Organizao dos Estados Ibero-americanos (OEI) e como observadores
internacionais para a elaborao e avaliao de programas de mobilidade
acadmica. Engajamo-nos em redes internacionais que estudavam o tema
internacionalizao da educao superior e conhecemos alguns dos autores
que se destacam no cenrio acadmico internacional por sua produo na
rea, com os quais participamos de redes apoiadas por organismos
internacionais como a Comisso Europeia, a Aecid e o Banco Mundial sobre a
temtica internacionalizao da educao superior e participamos de projetos
-
23
que resultaram em publicaes, entre os quais destacamos aquele sobre a
Internacionalizao da Educao Superior na Amrica Latina (DE WIT et. al.,
2005), financiado pelo Banco Mundial e publicado em 2004, do qual somos
coautora do captulo referente ao Brasil.
Com base nessa trajetria, optamos por um tema cuja relevncia para a
ao local das instituies justificaria, em nosso entendimento, sua pesquisa
em profundidade, j que o emprego de seus resultados poderia ser utilizado
para propiciar discusses que ajudem a melhor fundamentar os formuladores
das polticas institucionais.
Sistematicamente estudada desde finais dos anos 1980 e cada vez mais
entendida como parte integrante do cenrio acadmico com uma crescente
presena nos planejamentos estratgicos institucionais, nas polticas nacionais
para a rea, em declaraes de entidades internacionais e nos inmeros
artigos e eventos cientficos publicados e realizados nas mais diversas regies
do planeta, a centralidade da internacionalizao da educao superior como
tema nesse incio de milnio uma realidade inequvoca. Tal posio, por outro
lado, tem levado o termo a sofrer inmeras interpretaes, sendo utilizado com
os mais diferentes propsitos, significando qualquer coisa que esteja
remotamente ligada dimenso global, intercultural ou internacional da
educao superior.
Em um mundo aonde cada vez mais a educao superior vem sendo
entendida como uma commodity, mesmo por pases com tradicionais sistemas
de ensino, mas assolados pelos crescentes cortes em seus oramentos, fruto
da crise vivida pelo sistema capitalista e que vem na expanso de seus campi
para o exterior ou na agressiva poltica de recrutamento de estudantes
estrangeiros uma forma de obteno de recursos para a manuteno de suas
estruturas organizacionais, reveste-se de fundamental importncia uma
compreenso mais acurada do que seja a internacionalizao da educao
superior, suas razes e motivaes, seus processos e mecanismos seja no
sentido lato, da educao superior como um sistema, seja nos nveis nacional e
institucional, onde ela se apresenta firmemente inserida nas polticas nacionais
e nas misses, vises, valores e estratgias institucionais.
Historicamente a internacionalizao da educao superior vem sendo
guiada por princpios que a ligam umbilicalmente ao contexto e os propsitos
-
24
nacionais, regionais e locais, o que significa que no existe uma maneira certa
ou nica para internacionalizar, j que ela se apresenta como um meio para a
melhoria ampla do ensino superior entendido como gerador de conhecimento
novo, cincia, tecnologia e inovao, mas principalmente de valores e de
cidadania e no como um fim em si mesmo. Compreender esse conceito, em
um momento onde a mobilidade de estudantes internacionais passou, em
muitos pases, a ser vista como um negcio de Estado e gerida como um ativo
econmico poderia fundamentar-nos para a construo de modelos de
internacionalizao que realmente sejam do interesse do pas, na busca de um
dilogo profcuo entre culturas e sistemas de produo de saber acadmico
que se complementem, numa interao que produza o avano da cincia para
a humanidade, mas tambm para os legtimos interesses de desenvolvimento
de cada pas. Tal compreenso contemplaria ainda uma percepo critica
sobre os rankings acadmicos que, pautados pela realidade dos pases do
Norte, por uma produo acadmica basicamente publicada em lngua inglesa,
tentam homogeneizar aquilo que no homogneo, ou seja, os distintos
sistemas nacionais de educao superior.
Dados da Unesco (2009) apontam que o crescimento do nmero de
estudantes de nvel superior d-se numa proporo onde, para cada 100
desses estudantes no ano de 2000, havia 150 em 2007, sendo que, desse
contingente, 2,8 milhes optaram por estudar no exterior, representando um
aumento de 53% desde 1999, com uma estimativa de que se chegue a uma
cifra de oito milhes em 2050. Dados de 2010 apontam que mais de trs
milhes de estudantes estudam fora de seus pases natais (REDDEN, 2010;
IEE, 2010).
Com base nessa mobilidade, dados de 2008 da OCDE j apontavam o
crescimento de um mercado internacional para os servios de educao
superior e pesquisa acadmica, facilitados pelos baixos custos dos transportes
e comunicao, pela crescente migrao de pessoas e pelo aumento do
financiamento e oferta privada de educao superior. Nesse contexto a
educao trans-fronteiria passou a ser uma aposta econmica, na qual
apenas a mobilidade de estudantes gira algo em torno de 40 bilhes de dlares
(OECD, 2008), o que tambm corrobora o interesse em sua regulao
internacional ou abertura para a explorao mercantil.
-
25
Frente a esses dados, a apropriao de conhecimentos que subsidiem a
construo de polticas nacionais e institucionais claras para a
internacionalizao da educao superior e das suas instituies de ensino
poder nos livrar da esquizofrenia que se abate sobre as IES do planeta, entre
as quais se incluem lagumas das brasileiras, pela busca do to almejado
padro de uma universidade de classe internacional, difundido como panacia
seja para instituies em busca de alunos estrangeiros pagantes seja para
aquelas, como as brasileiras, em busca de prestgio acadmico internacional
que se reverta em aumento de parcerias e recursos para suas pesquisas.
Nesse sentido, propusemo-nos a fazer um estudo de caso sobre os
contextos e os processos de definio e implementao das estratgias
institucionais de internacionalizao de uma IES pblica, a Universidade
Federal de Santa Catarina, enfatizando o tema internacionalizao da
educao superior e buscando contextualiz-lo nos amplos processos de
globalizao que envolvem o mundo contemporneo, procurando compreender
algumas das suas principais variveis, com nfase no papel exercido pelas
organizaes internacionais na formulao das agendas e das polticas
nacionais para o campo, na mobilidade acadmica internacional, no advento
dos rankings acadmicos, pelas questes j citadas e da fuga de crebros,
fenmeno controverso, tradicionalmente apontado como sua externalidade
perversa, pela discusso que provoca frente as reais possibilidades de perda
de capital humano qualificado com a circulao acadmica internacional, um
dos frutos do processo em estudo.
Enfatizamos que, ao nos referirmos cooperao internacional, nos
utilizamos do conceito de cooperao acadmica internacional, ou seja, aquela
realizada no mbito e para finalidades acadmicas, diferente da tradicional
Cooperao Internacional para o Desenvolvimento, analisada no prximo
capitulo e que se desenvolve sob a forma da chamada Diplomacia Solidria, cuja ao se d pela oferta de conhecimentos e solues tcnicas acumulados,
definida por Milani (2008, p.1) como: um regime integrado por atores governamentais e no estatais, fundamentado em normas e instituies, mas que tambm incentiva aes coletivas em prol do desenvolvimento internacional [...] atravs de atividades que incluem a educao e a formao tcnica, sade, crescimento econmico, cooperao cientfica, comunicao e
-
26
proteo do patrimnio cultural e, mais recentemente, a reforma do Estado e os programas de governana pblica (1980/1990).
No que se refere s normas tcnicas utilizadas para a elaborao dessa
tese, elas obedecem sistematizao dos requisitos da Associao Brasileira
de Normas Tcnicas (ABNT), elaboradas por Lubisco, Vieira e Santana (2008)
e recomendadas pelo NPGA da UFBA.
1.2. PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVOS DO ESTUDO
Nossa questo de partida para essa pesquisa foi:
Como vem se dando, desde o ano 2008, o processo de definio e implementao de estratgias institucionais de internacionalizao da UFSC?
Tal pergunta, aliada ao objetivo geral do estudo, que foi o de analisar os
contextos e os processos de definio e implementao das estratgias
polticas e institucionais de internacionalizao da UFSC, pautou o
direcionamento de nossa pesquisa. Para sua estruturao, apoiamo-nos em
trs objetivos especficos, que foram sequencialmente alcanados nas distintas
etapas do estudo. Tais objetivos especficos foram: (i) construir um quadro
conceitual dos processos de internacionalizao da educao e sua
capilarizao nas instituies de ensino superior, principalmente do Brasil, (ii)
analisar as polticas e planos estratgicos institucionais visando ao processo de
internacionalizao da UFSC, (iii) estudar o processo interno de construo e
conduo dessas polticas na gesto 2008/2011, verificando a influncia nele
exercida pelos professores, pesquisadores e grupo de pesquisa, bem como a
existncia de estruturas de gesto da cooperao acadmica internacional e
sua posio no organograma institucional.
-
27
1.3. PREMISSAS E PRESSUPOSTOS
Para responder ao problema de pesquisa e ao objeto de estudo,
estabelecemos trs pressupostos ou hipteses, dos quais comprovamos os
dois primeiros tendo sido o ltimo parcialmente comprovado por nossas
pesquisas: (i) Organizaes internacionais, dentre estas a OCDE, o Banco
Mundial, a OMC, o FMI, a ONU e a Unesco, influenciam (por meio, por
exemplo, de suas polticas institucionais, indicadores e relatrios especficos)
as agendas e as polticas nacionais no campo da educao superior; (ii) As
polticas e planos estratgicos de internacionalizao da IES estudada ocorrem
influenciados e em atendimento s polticas nacionais de ps-graduao e
diversidade de seus programas institucionais que estimulam maiores ou
menores graus de internacionalizao neles mensurveis; (iii) Na IES analisada, a definio de polticas de internacionalizao obedece a uma lgica
mais instrumental do que substantiva, haja vista que centros, cursos e programas se internacionalizam em decorrncia de aes definidas ad hoc e de
modo individualizado e no com base em um planejamento estratgico por
diretores, professores, pesquisadores e responsveis instrumentais.
1.4. METODOLOGIA ADOTADA
Esta tese fruto da consulta e leitura meticulosa de inmeros livros,
artigos, relatrios de agncias nacionais e internacionais, bem como
documentos institucionais de diferentes organizaes, acadmicas ou no.
Alm disso, para a realizao dos estudos de campo necessrios elaborao
de nossa tese, utilizamos o mtodo do estudo de caso, conforme descrito por
Yin (2005), obedecendo a todas as suas etapas. A escolha do mtodo esteve
ainda ancorada na afirmao de Knight (2005), de que no nvel institucional
que efetivamente o processo de internacionalizao se materializa, o que nos
motivou a buscar em um estudo de caso a aplicao da teoria sobre
internacionalizao da educao superior. Para efetivar o estudo, elaboramos,
-
28
com base no referencial terico utilizado, uma definio de trabalho que
norteasse nossa anlise, qual seja: a internacionalizao de uma universidade
corresponde ao processo de dilogo (trabalhos conjuntos, cooperao,
intercmbio, adequao das estruturas institucionais, conflitos e problemas
surgidos) com outras universidades ou organizaes variadas (empresas,
governos, agncias internacionais, ONGs) do mundo exterior fronteira
nacional na concepo, desenvolvimento ou implementao de suas funes
de ensino, pesquisa e extenso. Adotamos ainda o termo processo (grifo nosso) em nossa definio de trabalho com base na afirmao de Knight
(2005) de que este inclui a noo de um esforo em marcha e sempre
contnuo, dando ao conceito uma natureza dinmica ou de mudana perene, o
que em muito se assemelha ao que constatamos na IES estudada.
A apresentao e descrio detalhadas da metodologia adotada para
essa pesquisa de campo e os critrios para a seleo da Universidade
escolhida aparecem no quarto captulo.
1.5 ESTRUTURA DA TESE
A elaborao da tese deu-se obedecendo a cinco etapas: (i) a
construo do quadro conceitual, com base em uma reviso da literatura
nacional e internacional sobre globalizao, internacionalizao da educao
superior e internacionalizao de universidades, (ii) a reconstituio histrica do
processo de internacionalizao ocorrido nas universidades brasileiras e seus
reflexos na UFSC, (iii) levantamento dos indicadores nacionais e internacionais
sobre a internacionalizao de uma universidade; (iv) aplicao e identificao
dos indicadores citados ao caso da UFSC; (v) identificao das estratgias
polticas construdas desde os anos 1960 e sistematizadas em finais dos anos
2000 na perspectiva de internacionalizao da IES estudada, bem como a
elaborao de sugestes de possveis cenrios futuros.
Iniciamos as primeiras duas etapas previstas para a construo dos
captulos dois e trs, onde buscamos, no balizar e entender o contexto
internacional pautado pelos processos de globalizao e seus reflexos na
educao superior, descrevendo-os e analisando-os, bem como as
-
29
transformaes que induzem no campo da educao superior. A seguir
tratamos especificamente de apresentar uma retrospectiva histrica da
internacionalizao da educao superior no Brasil e de abordar seus conceitos
estruturantes, estudando a o papel dos organismos internacionais como
influenciadores das agendas e das polticas nacionais no campo da educao
superior. Finalizamos o captulo com uma apresentao da internacionalizao
da educao superior como objeto de estudo, abordando algumas de suas
principais correntes e propondo um enquadramento terico para o estudo. No
captulo trs, descrevemos e analisamos a educao superior no Brasil,
apontando sua dimenso internacional, os novos enfoques regionais na poltica
nacional e seus reflexos na educao superior, as novas tendncias,
representadas pelos novos provedores da educao superior, a ao e a
reao das IES internacionalizao e deixamos algumas questes em aberto
sobre o tema.
A implementao da terceira, quarta e parte da quinta e ltima etapa
previstas, pautou a construo do capitulo quatro, aquele que trata do estudo
emprico e que seguiu o proposto nos dois ltimos objetivos especficos do
projeto. Seguindo o ordenamento das etapas previstas, apresentamos e
descrevemos em profundidade a metodologia utilizada para a elaborao do
estudo emprico, apontando a estratgia de pesquisa, os critrios para a
seleo do estudo de caso como mtodo para essa pesquisa de campo e sua
estruturao ordenada. Ali relatamos nosso objeto de estudo e o problema de
pesquisa, seguido dos seus pressupostos, da sua matriz de anlise, onde
explicitamos o conceito de internacionalizao de uma universidade, construdo
com base no referencial terico utilizado para balizar-nos na busca de
indicadores, fontes, instrumentos e tcnicas de tratamento de dados para a
pesquisa. Na sequncia, apontamos as cinco etapas programadas para seu
desenvolvimento, seguido do protocolo de estudo de caso, calcado nos
referenciais tericos sobre globalizao, seus reflexos na educao superior e
especificamente sobre o processo de internacionalizao da IES estudada,
seguido da caracterizao do modelo de anlise de dados com a especificao
das dimenses institucionais a serem analisadas e dos indicadores utilizados
para tal. A partir do item 4.4 apresentamos uma fundamentao terica sobre
como se constri um processo de internacionalizao, buscando estabelecer
-
30
um dilogo entre a teoria e a realidade emprica estudada, apoiando nossos
argumentos nas entrevistas e na base de dados compilados e organizados. A
partir da o captulo passa a apresentar a UFSC em perspectiva, traando um
histrico desde sua fundao e sua posio no sistema de ensino superior de
Santa Catarina. Foram apresentadas suas polticas, estratgias e estrutura
institucional para a internacionalizao e um breve histrico desse, com nfase
nos acordos MEC/Usaid, nos programas de ps-graduao e nos impactos da
produo acadmica em seu processo de internacionalizao medido pelos
rankings acadmicos e pela avaliao trienal da Capes. Na concluso, cuja
elaborao deu-se com o desmembramento da ltima etapa prevista para o
estudo, j que essa foi dividida, para levarmos a sugesto de cenrios futuros
para o captulo conclusivo, tratamos de sintetizar as contribuies da tese e
suas lacunas bem como apontar os cenrios e perspectivas para o futuro, onde
propomos a elaborao de indicadores de internacionalizao com base na
realidade latino-americana ou dos pases do Sul que possam nortear as
decises institucionais em seus processos de internacionalizao.
2 PROCESSOS DE GLOBALIZAO E TRANSFORMAES NO CAMPO DA EDUCAO SUPERIOR
2.1 A INTERNACIONALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR E OS PROCESSOS DE GLOBALIZAO
2.1.1 A Universidade nasce internacional?
Entendendo-se a produo de conhecimento como um produto histrico
da humanidade, ocorrido em seus primrdios, sem as limitaes de fronteiras
impostas pelo mundo moderno (administrativas1, de nacionalidades, de
recursos financeiros, entre outros) e sempre em meio a relaes de poder,
1 A institucionalizao do passaporte deu-se no final do sculo XIX.
-
31
sabe-se que as universidades, desde seus primrdios na Idade Mdia - as
primeiras universidades foram criadas nos sculos XI, XII e XIII -, tm
estimulado a mobilidade de seus professores e estudantes. Nesse momento,
quando os Estados-nao, como os conhecemos, no existiam e a lngua culta
e franca era o latim, utilizado como meio de comunicao entre as elites
letradas pertencentes igreja catlica e parte da nobreza e s substituda pelos
idiomas nacionais europeus no final do sculo XVIII, essa mobilidade e
construo internacional j se dava no meio acadmico. Entre os sculos XII e XIII esboa-se o que ficou conhecido como a
Universitas na alta Idade Mdia. Naquele momento histrico, o termo
designava corporaes tanto de professores como de estudantes, embora
tambm fosse aplicado a outras corporaes. O termo studium generale era o
que se aplicava ao local onde estudantes de todas as partes eram recebidos (JANOTTI, 1992, p. 23).
A partir do sculo XV desaparece a distino entre os dois termos,
cristalizando-se a designao universitas, como lcus de congregao de
mestres e estudantes de todo o mundo cristo. Seu iderio, coerente com o
momento histrico do Renascimento, era o saber universal e necessrio. Nelas
os nobres nunca foram muito numerosos em comparao com a nascente
burguesia. Os nobres chegavam a representar no mximo 10 a 15% do total de estudantes, em casos excepcionais, j que, segundo Charle e Verger (1996, p. 28), os estudos ali realizados no conduziam nem ao tipo de cultura nem ao tipo de carreira a que esse grupo social se dedicava
preferencialmente. A durao e os custos dos estudos faziam com que o maior nmero de estudantes e dos graduados viesse das classes mdias, sobretudo urbanas (notrios, comerciantes, artesos abastados, etc.).
O que queremos salientar que o que entendemos como trocas
cientficas e culturais no um fenmeno da contemporaneidade, encontrando
suas razes nas origens do projeto da Universitas medieval, no momento em
que a burguesia emergente luta pela conquista do direito de governar tambm
por meio da sua qualificao educacional.
Avanando um pouco mais no tempo, Garcia (2009) cita as pesquisas de
Karady (2002) que, ao analisar a formao das elites quando da construo
dos Estados - nacionais da Europa Central, sob os escombros dos antigos
-
32
imprios, em fins do sculo XIX e incio o XX, assinala o peso diferencial e a
atrao exercida pelas instituies de ensino alems, francesas, inglesas e
italianas sobre os jovens da regio, interessados em conhecimentos e diplomas
que lhes abrissem as portas de acesso aos crculos dirigentes. Ressalve-se
ainda que os estudos a seguidos se realizavam na lngua do pas receptor, os
quais trataram de criar e fortalecer suas prprias instituies educativas e
cientficas pesquisando e publicando em seus idiomas nacionais ( BEN-DAVID,
1977, apud SCHWARTZMAN, 2009)
evidente que o desenvolvimento dos Estados nacionais, a definio de
suas fronteiras e a demarcao de seus territrios fixos so fatores que
contriburam para, pelo menos em parte, cercar o campo da educao superior, que se tornou parte integrante dos projetos polticos de construo da
identidade nacional. Porm, o que nos interessa ressaltar que os
mencionados intercmbios transfronteirios e transnacionais esto na origem
da prpria universidade e avanam com ela em seu processo de consolidao.
Lembremos que, j no sculo XVI, foram fundadas as universidades na
Amrica espanhola e inglesa, com forte presena de professores europeus.
Nelas circularam as elites da regio, uma vez que seu objetivo era proporcionar
s classes dominantes uma educao tanto religiosa como humanstica. Na
Amrica espanhola, as mais antigas universidades surgem em Santo Domingo,
Peru, Colmbia e Mxico, entre 1538 e 1551. Em 1613 foi criada a
Universidade Nacional de Crdoba, na Argentina, em 1624, foram criadas a
Universidad Mayor Real e a Pontifcia de San Francisco Xavier de
Chuquisaca, na Bolvia. Essa ltima firmou-se como um dos centros mais
ativos de cultura e ensino hispano-americano no Vice-Reinado do Prata, onde,
em 1776, estabeleceu-se a Academia Carolina, que teve forte influncia na
difuso do pensamento revolucionrio da independncia americana em pases
como a Argentina, o Peru e a prpria Bolvia (BUSTAMANTE, 1997).
Esse modelo colonial de universidade, criado e organizado com base na
tradio escolstica, segue aquele das duas universidades espanholas da
poca, as de Salamanca e de Alcal de Henares, representantes das ideias
renascentistas no mundo medieval.
Nessa poca, as elites da antiga colnia portuguesa e tambm do Brasil
independente estudavam principalmente na Europa (na Universidade de
-
33
Coimbra, nos seminrios e colgios jesutas, na Inglaterra ou tambm em
Montpellier, na Frana, para onde iam os estudantes de medicina). Esses laos
com a metrpole ou com a Europa, entendidos como um valor na sociedade do
Brasil motiva no pas, com a chegada da famlia real no incio do sculo XIX,
uma concepo de ensino superior apoiada nos estrangeirados portugueses que tinham vivido no exterior, sobretudo na Frana e Inglaterra, onde haviam
incorporado as novas idias iluministas (CUNHA, 1980).
No Brasil, como trataremos no prximo captulo, o ensino superior
estava limitado s Faculdades de Medicina de Salvador, na Bahia e do Rio de
Janeiro e s faculdades de Direito de Olinda e So Paulo. As primeiras
universidades datam do sculo XX, surgidas no bojo das transformaes
culturais que tiveram seu pice na Semana de Arte Moderna de 1922, que na busca de novos temas e novas linguagens artsticas traduziam a necessidade
de engajar o pas nas mudanas necessrias para chegar aos avanos j
experimentados pela Europa e Estados Unidos.
J na Amrica inglesa, a vida acadmica inicia-se formalmente em 1636,
com a fundao do Harvard College, embrio da Harvard University, instituio
privada, dirigida formao das elites da nova Inglaterra (RUDOLF, 1991 apud
MARMOLEJO, 1997, p. 99).
2.1.2 O conceito de desenvolvimento no perodo ps-segunda guerra e sua ao sobre o Sistema de Educao Superior, Cincia e Tecnologia
Para que se entenda de que forma se encaminhou o processo de
internacionalizao da produo de cincia e tecnologia no Brasil e a
conseqente internacionalizao da educao superior, h que se ter clareza
sobre as opes por modelos de desenvolvimento adotadas pelo pas ao longo
desse processo e de que formas elas refletem as polticas para a rea. Assim,
antes de tudo h que se definir o que seja desenvolvimento.
Para Furtado (2003), esse caracteriza-se por ser um fenmeno de
aumento de produtividade do fator trabalho e tambm um processo de
adaptao das estruturas sociais a um horizonte em expanso de
-
34
possibilidades abertas ao homem, cujas duas dimenses - a econmica e a
cultural - no podem ser captadas seno em conjunto. A pergunta base para
seu entendimento seria aquela sobre em benefcio de quem ele se d, j que
deve constitui-se em um conjunto de respostas a um projeto de
autotransformao de uma coletividade humana. Para o citado autor, a primeira
questo seria definir o campo de opes que se abrem para esse projeto e em
seguida identificar, entre aquelas, as que se apresentem como possibilidades
polticas, ou seja, que correspondam s suas aspiraes e possam ser postas
em prtica pelas foras polticas capazes de exercer um papel hegemnico no
sistema de poder.
Nesse sentido, um pas caracterizado por uma economia agrria
exportadora at meados do sculo XX, ao deparar-se com as mudanas no
cenrio internacional do ps-guerra e com todas as transformaes por ele
impostas, teve, no quadro internacional que se configurava e na posio que
estava inserido naquele momento histrico, que fazer sua opo pelo modelo
de desenvolvimento que o integraria s mudanas em curso.
J na segunda metade do sculo XX, com o final da segunda-guerra
mundial e a nova composio das foras polticas no mundo global, passou a
delinear-se nos Estados Unidos da Amrica, que haviam desempenhado papel
preponderante na construo da paz, a estruturao de novos conceitos que
passassem a traduzir seu modelo de desenvolvimento de forma a que pudesse
ser aplicado s novas naes emergentes do processo de descolonizao da
frica, quelas renascidas com o processo de independncia dos pases latino-
americanos bem como quelas de uma Europa e sia enfraquecidas como
consequncia, a primeira, da perda de suas reas coloniais e ambas da guerra.
So os primrdios das chamadas teorias do desenvolvimento ou da
modernizao, amplamente debatidas pelo stablishement norte-americano e
pelas think tanks por ele financiadas para estudos comparados de pases e que
povoaram o que j se chamou de complexo militar-industrial-acadmico norte-
americano. Com uma postura terica de aproximao da economia poltica e
sociologia para compor o quadro explicativo do atraso ou
subdesenvolvimento termos equivalentemente utilizados pelos autores
poca-, seu objetivo era o de levar seu destino manifesto, do ingls manifest
destiny, qual seja o de difundir um conceito exemplar de nao, intervindo
-
35
decididamente para garantir que esse exemplo fosse de fato seguido, pelo
assim recentemente nomeado por seus pensadores, Terceiro Mundo2.
Construdas com base numa nova concepo de poder descrito por Nye (2002,
2004, 2008) como poder brando, do ingls soft power, ou a habilidade de
seduzir os outros para obter os resultados que se quer atravs da atrao mais
do que da coero ou pagamento3, o que estava na pauta eram a poltica
externa norte-americana e a conjuntura internacional do ps-guerra, num
cenrio propcio criao de um novo dispositivo ideolgico - o
desenvolvimentismo- uma espcie equivalente funcional do keynesianismo e da economia mista que se haviam tornado, nos pases centrais do sistema,
'achados' do capitalismo do ps-guerra (MORAES, 2006, p.39). Sua ao internacional dava-se por meio das polticas de ajuda ao desenvolvimento, que
mais tarde se cristalizaram nos pases do Norte sob o rtulo de Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento, com a exportao de tcnica e capital aos pases
subdesenvolvidos, embebida de toda uma teoria de mudana social implicada
na modernizao, que ia desde mudanas nos modos de vida, de estruturao
poltica a escolhas civilizacionais impostas aos pases ajudados. Tal ajuda a
manifestao da tentativa norte-americana de manter os novos Estados, nesse
seu perodo de transio e de construo nacional, do ingls nation building, de
modo seguro e estvel, em sua rea de influncia - e de impedi-los de cair na
rbita sovitica, o que resultou em um carter visivelmente militar s medidas
de assistncia tcnica - j que a ajuda econmica era tradicionalmente
considerada como complemento ajuda militar, pelos crculos governamentais
de Washington - nessa competio pela influncia entre os pases comunistas
e o Ocidente.
Sob esse aspecto, podemos considerar que o paradoxo
dessas polticas, balizadas a partir do Programas Ponto IV, de Truman4, do
2 Os pases do Terceiro Mundo seriam aqueles no suficientemente providos de riquezas e poder poltico para figurar no Primeiro Mundo capitalista [...] mas tambm no pertencentes ao Segundo Mundo, o das economias planificadas que naquele momento [...] seguiam o roteiro de reequipagem poltica da Unio Sovitica. (MORAES, 2006, p 36-40). 3 O conceito de soft power refere-se ao poder de atrao e seduo exercido por ativos intangveis tais como uma personalidade atrativa, cultura, valores polticos e instituies e polticas vistos como legtimas e com autoridade moral, utilizados no mundo poltico para a obteno dos resultados pretendidos. (NYE, 2008, p. 94-95). 4 A mensagem do presidente norte-americano ao Congresso, em 1949, sublinhava como motivao explcita do plano de ajuda aos pases pobres a meta de evitar que o estado de
-
36
final dos anos 1940 e que vo at a Aliana para o Progresso, do governo Kennedy, na dcada de 1960, era o de as naes chamadas desenvolvidas
perceberem como sua misso aquela de reconstruir o mundo que havia sido
destrudo por guerras por elas encetadas, no levando em conta a formao de
outro modelo de civilizao mais solidrio. Sua ao passou a ser a de
transformar os conhecimentos cientficos e tecnolgicos em armas comerciais
ao mesmo tempo em que passaram a impor aos pases subdesenvolvidos, por
seu poder econmico, um modelo de desenvolvimento ocidental com nfase na
economia. Essa passa a ser determinante e a moldar uma cultura do
liberalismo econmico, onde seres humanos e o meio ambiente latu sensu so
vistos como fatores de produo.
Toda uma ao liderada pelos EUA, de ajuda reconstruo das
economias no ps-guerra, diante das tenses polticas que se criaram com a
Guerra Fria, passa a ser englobada no Plano Marshall, institudo em 1947. Foi
no bojo desse Plano que se desvalorizaram significativamente frente ao dlar
as moedas europias e a japonesa e que os EUA abriram seu mercado s
exportaes daqueles pases, estimulando a retomada do crescimento e o
ajuste de suas balanas comerciais, da mesma forma que o fazem aos pases
subdesenvolvidos. Para tal reconstruo passou a ser necessria a existncia
de instituies, unidades produtivas, recursos produtivos, capacidade
empresarial, trabalho, tecnologia (mquinas e equipamentos) e capital, sendo
esses dois ltimos, naquele momento de desorganizao das economias
europias, existentes principalmente nos EUA.
O processo de expanso do capitalismo ento liderado pelas empresas
norte-americanas, principais agentes da ajuda oferecida Amrica Latina, beneficia o Brasil, produtor de commodities e insumos ao processo produtivo
daquele pas, mas, essa posio subordinada pautar seu processo de desenvolvimento (FURTADO, 2003, p. 40). Tal posio submete ainda o Estado-nacional s decises bsicas quanto orientao dos investimentos,
localizao das atividades econmicas, orientao da tecnologia, financiamento da pesquisa, (grifo nosso) e grau de integrao economia
desespero deles derivasse para a adoo de comportamentos polticos inconvenientes, perigosos, isto , para a adoo de regimes comunistas e criptocomunistas. (MORAES, 2006, p. 38)
-
37
regional, todos em mos daquelas empresas. A poltica adotada pelo pas no
perodo entre 1950 e 1965, caracterizada pela substituio de importaes, ou
seja, pelo esforo em superar a insuficincia estrutural da capacidade de
importao e pela suposio de que qualquer indstria instalada no territrio nacional coopera igualmente para a prosperidade do pas, (FURTADO, 2003, p.77) abre as portas para a implantao de filiais de empresas, principalmente
norte-americanas, independente das dimenses do mercado, do grau de desenvolvimento j alcanado, ou da intensidade do crescimento econmico na
fase em que ocorria a penetrao (FURTADO, 2003, p.77). Nesse perodo, os pases da Amrica Latina com maior aumento de
investimentos fixos norte-americanos foram o Mxico (752 milhes de dlares),
o Brasil (722 milhes) e a Argentina (617 milhes) embora se constate que,
permanecendo como provedores de insumos para as matrizes de suas
indstrias, esses no alteraram a composio de suas exportaes, ancoradas
na tradicional estrutura exportadora de matrias-primas e, portanto, o patamar
de seu desenvolvimento. Tal processo retarda a criao de um empresariado
nacional bem como permite a presena de grupos tradicionais no controle do
poder, esvaziando os Estados-nacionais como centros de deciso e instrumentos de mobilizao das coletividades para as tarefas do
desenvolvimento (FURTADO, 2003, p. 82). No que se refere ao mundo acadmico ou aquele da produo das
bases para o desenvolvimento nacional observa-se que j no incio do sculo
XX as universidades estavam envolvidas em programas internacionais de
desenvolvimento que posteriormente evoluram para projetos de pesquisa
conjunta e de fortalecimento institucional. Estes representavam uma
conjugao de interesses, sempre implcita nas relaes internacionais: do lado
nacional, a necessidade de criar as bases e fortalecer uma instituio
formadora das elites que vo impulsionar o desenvolvimento do pas e do lado
dos parceiros internacionais, uma poltica sistemtica [] visando cooperao em um formato que lhes permitisse estabelecer e consolidar sua
influncia poltica e cultural sobre as elites dos pases receptores (LESSA, 2002, p.105).
Num movimento moldado pelas ofertas externas, pelos impulsos das
organizaes internacionais, atuando como agentes do soft power dos pases
-
38
do Norte (NYE, 2002, 2004, 2008), mas tambm por fatores internos, como a
demanda por desenvolvimento tecnolgico, intercmbios e pela circulao do
saber acadmico, por natureza transnacional, esse modelo tradicional de
cooperao est nos primrdios daquilo que veio a constituir-se no processo de
internacionalizao das universidades brasileiras e da produo de cincia e
tecnologia no pas. Muitas vezes no simtrico, sem margens para qualquer
possibilidade de colaborao institucional madura, apresentou-se como um dos
primeiros instrumentos formais de internacionalizao da educao superior no
Brasil, permanecendo entre os anos 1930 e grande parte da dcada dos anos
1960, quando os experts resultantes deste processo iro desempenhar um
papel fundamental na formao do pensamento e no desenvolvimento cientfico
no Brasil, principalmente nas reas das cincias humanas e sociais, como
analisaremos posteriormente.
Ainda nesta fase, especificamente no perodo posterior ao final da 2
guerra mundial, comea no Brasil o processo de oficializao dos acordos com
os pases estrangeiros, os quais, somente nos anos 1960 evoluram em direo
aos acordos de Cooperao Cientfica e Tecnolgica de carter bilateral, como
os assinados com a Repblica Federal da Alemanha em 30/11/1963, entrando
em vigor a partir de 25/05/1964, com a Dinamarca, em 1966, com a Frana, em
16/01/1967 e vigorando a partir de 10/10/1968, com a Sua em 1969, com o
Japo em 1971, e com Pases Baixos e Portugal em 1976 (LESSA, 2002, p.
107).
Ressalte-se que a dcada de 1960 foi caracterizada pela tomada do
poder pelos militares no ano de 1964, apoiados no plano internacional
principalmente pelos EUA. Propiciada por esse contexto, a dcada foi marcada
pelo acordo MEC/Usaid, um conjunto de documentos assinados pelo governo
do Brasil com a Agncia dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, do
ingls United States Agency for International Development (USAID), entre os
anos de 1964 e 1968, sendo alguns com vigncia at o ano de 1971, pelos
quais o pas recebeu, com base na filosofia do Programa Ponto IV, apoio
tcnico e financeiro para a elaborao das reformas em setores considerados
pouco estruturados para apoiar seu processo de desenvolvimento. No perodo
foi assinado um total de 12 acordos entre o governo brasileiro e aquela
agncia, sem contar aqueles assinados com os governos estaduais. Entre os
-
39
assinados com o Ministrio da Educao e Cultura, o de 30 de junho de 1966
referia-se educao superior: o Acordo MEC/Usaid de Assessoria para a
Modernizao da Administrao Universitria. Frente reao geral do meio
acadmico diante da ingerncia norte-americana em assuntos de interesse
nacional o documento foi revisado 10 meses depois e substitudo por outro
objetivando a Assessoria do Planejamento do Ensino Superior, vigente at 30
de junho de 1969 (ROMANELLI, 1998). No mbito desse documento, o Brasil
receberia apoio tcnico e financeiro para a implantao das reformas
entendidas como necessrias para um pas que desde os ciclos econmicos do
perodo colonial vinha se integrando ao capitalismo internacional, mesmo que
de forma subordinada, mas que paulatinamente se desvinculava das
oligarquias tradicionais inserindo-se no universo desenvolvimentista, no qual os
Estados Unidos da Amrica apresentava-se como modelo acabado a ser
difundido principalmente para o mundo chamado subdesenvolvido. Nesse sentido, a conseqente nfase na profissionalizao presente na legislao que
norteou a educao nacional a partir dessa poca refletiria a necessidade de
preparao de quadros considerados aptos para atuarem junto ao crescente
empresariado que vinha assumindo o controle econmico do pas e dando
suporte ao governo militar instalado em 1964. Nesse contexto, foi ento
sugerida ao pas, pelos documentos elaborados pelos especialistas
contratados, uma reforma universitria. Entre os citados especialistas
destacava-se Rudolph Atcon, membro da Usaid, com estudos anteriores sobre
universidades da Amrica Latina e que durante a assinatura dos primeiros
acordos com o MEC orientou os programas e apresentou sua proposta, na
publicao intitulada Rumos Reformulao Estrutural da Universidade
Brasileira, tambm conhecido como Relatrio Atcon. Promovida pelo MEC
com as concluses do estudo contratado que obviamente tinha em mente o
modelo universitrio norte-americano, as concluses aliceravam-se em
princpios de economia e produtividade bem prprios da mentalidade
empresarial (ROMANELLI, 1998, p. 127), propondo a reduo de custos, a otimizao de recursos humanos e materiais bem como de espaos fsicos.
Suas diretrizes foram regulamentadas pelos Decretos Lei n. 53, de novembro
de 1966 e n 252 de fevereiro de 1967, que, entre outras mudanas
determinam a extino das ctedras e das faculdades e a criao do Sistema
-
40
de Crditos, do ciclo bsico e dos centros, por reas de conhecimento,
divididos em departamentos nas universidades brasileiras. Ressalte-se que as
reformas, que culminaram na Reforma Universitria de 1968, que analisaremos
no prximo captulo, quando trataremos especificamente da educao superior
no Brasil, refletiam a fina sintonia entre a educao e a ideologia de
desenvolvimento com segurana defendida pela coligao dos vrios grupos
que davam sustentao poltica ao poder naquele momento: de um lado, os
conservadores, representados pelas classes dominantes (banqueiros,
comerciantes, industriais e tambm os latifundirios), segmentos da igreja
catlica e representantes da nova classe media que aspirava conquistas
sociais. Do outro, respaldando-lhes, os grupos internacionais que atuavam na
poltica e na economia do pas.
nesse contexto que se insere uma discusso sobre que modelo de
desenvolvimento se estava implementando com tais polticas e sobre toda uma
evoluo que iria ocorrer na negociao dos acordos de cooperao
acadmica e tcnico-cientfica estabelecida pelo pas.
Para analis-lo, deve-se levar em conta no apenas a diversidade do
Sistema de Ensino Superior e sua hierarquizao em termos de ateno das
demandas sociais, mas tambm partir do fato que sua construo vem tendo
por base as polticas, programas e estratgias utilizadas nos nveis nacional,
setorial e institucional, que por sua vez vm sendo pautadas por aquelas
estabelecidas paulatinamente pelas organizaes internacionais, dentre as
quais, a USAID, o Fundo Monetrio Internacional (FMI), a Organizao Mundial
do Comrcio (OMC), a Organizao das Naes Unidas (ONU), a Organizao
para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE), o Banco Mundial
e a Unesco. Essas influenciam - atravs, por exemplo, de suas polticas
institucionais, indicadores e relatrios especficos - as agendas e as polticas
nacionais no campo da educao superior.
J na era ps-Guerra Fria, o fenmeno da globalizao, com a
internacionalizao de amplos setores que iam das finanas, mercados,
migraes humanas cultura, com a criao e sobreposio de identidades
tnicas, culturais e religiosas, passa a ser o motor determinante dos processos
de desenvolvimento e nesse quadro que aos poucos foram se inserindo as
aes governamentais do Brasil na elaborao de um novo formato de
-
41
cooperao acadmica que refletisse sua busca por um modelo de
desenvolvimento que lhe pudesse abrir caminho de acesso aos frutos da
revoluo tecnolgica em curso no mundo contemporneo.
Voltando construo de um quadro conceitual que balize nossa
anlise, nos ateremos ao conceito de globalizao para entendermos como ela
atua no processo em tela. Entendendo que as mudanas ocorridas no
chamado mundo global, requerem novos conceitos para a interpretao da
realidade social, nos baseamos nas teorias de Thernborn (2001), Bartelson
(2000), Weiss (1997) e de Hirst e Thompson (1999) para analisar a nossa
realidade pesquisada.
O primeiro, ao se ater ao dilema conceitual do fenmeno, pondera que
um conceito uma ferramenta e no uma essncia e que o uso de novos
conceitos deveria ser motivado por sua contribuio a novos conhecimentos,
situando-os em discursos reais atuais e, a partir da, talvez continuar a
especificar as definies individuais.
J Bartelson (2000), ao analisar o termo globalizao, reitera que
compreender a ambiguidade do conceito (grifo nosso), crucial para entender a emergncia daquele processo como um fato, embora, para tanto tenhamos
de afastar-nos das prticas tradicionais de definio adotadas pelas cincias
sociais, que se propem a purgar a ambiguidade do discurso cientfico,
estipulando conotaes por meio de definies que, em ltima instncia, daro
a base para futuras pesquisas empricas do fenmeno concebido pelo conceito.
O autor apoia-se na histria conceitual, que tem por objetivo abrir o conceito s
pesquisas e se ocupa tanto com o que ele significa dentro de um dado contexto
como com o que faz com um dado contexto, perguntando como e por que um
dado conceito conseguiu acumular significados diferentes e muitas vezes
incomensurveis atravs dos tempos e como aquelas distintas conotaes
condicionaram a possibilidade de pensamento e ao. Entendendo que
conceitos scio - polticos so como esponjas, j que capazes de serem
embebidos e conter uma variedade de significados pelo fato de serem usados
em diferentes contextos para diferentes propsitos, conclui que essa condio
os faz crescentemente ambguos e que tal ambiguidade aparece em alguns
discursos que deles se apropriam.
-
42
Por outro lado, atendo-se ao fato que o processo de globalizao no se
limita ao aspecto puramente econmico, mas sim que se apresenta sob a
forma multidimensional, abrangendo aspectos relacionados economia,
finanas, cincia, tecnologia, comunicaes, educao, cultura e poltica,
Therborn (2001, p. 126), nos fala de globalizaes. Para o autor, como varivel, ela pode cobrir um nmero infinito de
aspectos da vida social, isto , pode variar em amplitude, de apenas
multicontinental at rigorosamente planetria, e pode ser movida por dinmicas
diferentes. Para ele, por referir-se a uma pluralidade de processos sociais, aquele seria o termo mais adequado para caracteriz-la.
Acreditando que a prtica de definies e seu uso no so inocentes, j
que refletem invariavelmente pressuposies sobre o mundo sociopoltico e as
condies para seu entendimento, o autor se props a trabalhar o conceito
dentro de um quadro ontolgico que definisse a identidade daquele mundo e
suas partes constitutivas como forma de traduzi-las tanto retrica como
analiticamente. A sua proposta a de uma anlise dialtica entre o conceito e o
mundo, ambos influenciando e sendo influenciado um pelo outro. Tambm
Milani (2006, p. 380), citando Villa, refere-se aos processos de globalizao do capitalismo e o intenso movimento de atores no estatais nas ltimas dcadas como motivadores dos conceitos de sociedade internacional ou sociedade mundial, concebidos respectivamente por Raymond Aron e Bertrand Badie para designar o conjunto representado pelo sistema interestatal, o econmico e
as instituies internacionais.
Por tratar-se de um conceito polmico, Bartelson (2000, p. 180) nos diz
que, enquanto no existe um acordo a respeito do que globalizao, todo o
discurso sobre ela est fundamentado, num slido acordo sobre sua existncia.
Para o autor, ao lado dos debates que analisam suas causas e consequncias,
pode-se ver sua ampla e tcita aceitao como um fato, como um processo de
mudana que est ocorrendo, o que em si se constitui em um fato social que
deve ser investigado como parte integrante do que a globalizao j que,
nada muda mais o mundo do que a percepo coletiva de que ele est mudando, mesmo que raramente na direo esperada (BARTELSON, 2000, p.181). Entende que o conceito de globalizao, semelhante ao que se deu
com aqueles defendidos e disseminados pela Revoluo Francesa, no tem
-
43
referncias estveis, mas essas funcionam como veculos da mudana social,
em sua mais pura, necessria e irredutvel forma: como condio de objetos e identidades possveis em um futuro possvel (BARTELSON, 2000, p. 193). Sua conduo e direcionamento contra-hegemnico so papel de alguns dos atores
sociais nele atuantes, sobretudo os relacionados aos iderios da contestao
poltica (redes antiglobalizao e movimentos sociais de protesto, por
exemplo).
2.1.3 O contexto mundial e os processos de globalizao
Conceito polmico e aplicado s mais diversas reas, a globalizao
caracteriza-se, como j vimos, pela interdependncia crescente entre as vrias
regies do mundo resultante do rpido aumento do fluxo de bens, servios,
capital, pessoas e informao. Na busca de sua origem histrica, alguns
autores balizam-se na expanso martima e comercial liderada por Portugal no
sculo XVI, na expanso colonialista europeia do final do sculo XIX, no
advento da Guerra Fria e todo o controle bipolar planetrio dela decorrente,
dentre outros fatores, todos ocorridos no bojo da expanso do capitalismo. Este
permeia todo o processo, como um poderoso sistema, como um processo civilizatrio, impondo-se a todas as outras formas sociais de vida e trabalho (IANNI, 1992, p. 20), chegando mesmo aos espaos at ento protegidos pela economia centralmente planificada, aps a queda do mundo socialista em 1989, quando a intensidade e a extenso desses fluxos de mudana se
tornaram mais visveis. Fazendo uma retrospectiva, o autor citado coloca que, o alcance mundial do capitalismo [...] desenvolve-se de maneira particularmente aberta no sculo XX [...] adquirindo novas caractersticas [...] com o trmino da segunda Guerra Mundial, quando a emergncia de estruturas mundiais de poder, deciso e influncia anunciam a redefinio e o declnio do Estado-nao. (IANNI, 1992, p.23)
O autor cita Cox (1990 apud IANNI, 1992, p. 24), o qual lista algumas
das caractersticas da marcha da globalizao: a internacionalizao da
produo, a globalizao das finanas e seguros comerciais, a mudana da
-
44
diviso internacional do trabalho, o vasto movimento migratrio do Sul para o
Norte e a competio ambiental que acelera esses processos, alm de
mudanas na natureza dos Estados, que esto sendo internacionalizados em
suas estruturas internas e funes, priorizando a adaptao das economias
nacionais s exigncias da economia mundial em detrimento do bem-estar
nacional. Nesse sentido, se aplicaria a viso segundo a qual desde a constituio do capitalismo como um sistema econmico global e nacional, a um s tempo, e durante toda a sua expanso, nos ltimos cinco sculos, a partir do norte da Europa, os Estados territoriais e os capitais demonstraram a mesma vocao compulsiva e competitiva ao