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ANA PAULA PEREIRA DE CASTRO
RELAES DE GNERO NA EDUCAO INFANTIL:UMA ANLISE A PARTIR DA ATIVIDADE LDICA
Dissertao apresentada Universidade Federal de Viosa, como
parte das exigncias do Programa de Ps-Graduao em Economia Domstica,
para obteno do ttulo de MagisterScientiae.
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ANA PAULA PEREIRA DE CASTRO
RELAES DE GNERO NA EDUCAO INFANTIL:UMA ANLISE A PARTIR DA ATIVIDADE LDICA
Dissertao apresentada Universidade Federal de Viosa, como
parte das exigncias do Programa de Ps-
Graduao em Economia Domstica, paraobteno do ttulo deMagister Scientiae.
APROVADA:11 de maio de 2006.
______________________________Prof.Ana Louise de Carvalho Fiza(Co-orientadora)
_______________________________Profa. Karla Maria Damiano Teixeira
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Dedico ao Roberto,
minha me e meu pai,
ao Luiz Eduardo e Fernanda
e ao Lucas.
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AGRADECIMENTOS
A Deus e aos meus amigos espirituais, por terem me ajudado a enfrentar os
problemas que foram surgindo ao longo do trabalho.
Ao Roberto, por ter me apoiado durante todo este tempo e por ter me mostrado
que os desafios existem para serem superados.
Aos meus pais, pelo amor incondicional e pelos telefonemas que me deram fora
e vontade para continuar a lutar pelos meus objetivos; aos meus irmos, pelo amor e
pela solidariedade; e ao meu sobrinho Lucas pelo seu carinho e amor e toda a minha
famlia, meus primos e, principalmente, Tia Cida, ao Tio Larcio, ao Tio Carlinhos e
Tia Dulce pela contribuio que deram minha formao.
Diva e ao Ceclio, pelo carinho, e por suas palavras amigas e encorajadoras,
ao Guilherme, por ter conseguido os livros necessrios para finalizar este trabalho.
minha orientadora e amiga, Lurdinha, por ter desempenhado seu papel de
orientadora no sentido real de orientao, despertando-me sempre o desejo pela
pesquisa e pela busca de novos conhecimentos.
Universidade Federal de Viosa e Capes por terem possibilitado e apoiado
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A todas as crianas que participaram deste estudo, pelo entusiasmo e
criatividade ao realizarem as atividades, o que tornou a pesquisa mais prazerosa e
atraente. Tambm aos pais dessas crianas por no terem colocado nenhum obstculo
para a realizao deste trabalho.
s minhas amigas da Graduao, em especial Andressa, que me apoiou nessa
caminhada.
Aos meus colegas da turma do Mestrado, Adriana, Aline, Andresa, Cida, Deni,
Regina, Sirle, Poliana, Fernando, Eraldo, e Vnia pela colaborao.
Cida e ao Ricardo, por terem disponibilizado a filmadora, sem a qual esta
pesquisa teria grandes dificuldades para ser concluda.
Sheyla e Shirlene por terem me recebido com carinho e por terem me apoiado
na etapa final deste trabalho.
E a todos que contriburam para a realizao desse trabalho.
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BIOGRAFIA
ANA PAULA PEREIRA DE CASTRO, filha de Jos Ren de Castro e Dilma
Junqueira Pereira de Castro, nasceu em Carmo de Mina, MG, em 11 de julho de 1979.
Em 1998, ingressou no Curso de Economia Domstica da Universidade Federal
(UFV), em Viosa, MG, onde durante a graduao, teve a oportunidade de exercer
atividades de pesquisa.
Em 2000, foi bolsista de iniciao cientifica da FAPEMIG, em um projeto de
pesquisa que tinha como objetivo analisar a trajetria do Programa de Renda Mnima
em Viosa, MG.
Em 2001, iniciou a Licenciatura Plena em Economia Domstica, com
habilitao em Educao Infantil. Em setembro de 2002, graduou-se em Bacharelado e
Licenciatura em Economia Domstica.
Em maro de 2004, iniciou o mestrado no Programa de Ps-Graduao em
Economia Domstica, vindo a conclu-lo em 11 de maio de 2006.
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CONTEDO
Pgina
RESUMO...................................................................................................................................viii
ABSTRACT.................................................................................................................................. x
1. INTRODUO........................................................................................................................ 1
2. HIPTESES.............................................................................................................................. 6
3. OBJETIVOS ............................................................................................................................. 74. REFERENCIAL TERICO ..................................................................................................... 8
4.1. A construo do conhecimento na teoria piagetiana........................................................ 124.1.1. Interao social e afetividade na perspectiva piagetiana ............................................ 21
4.2. O jogo simblico.............................................................................................................. 26
5. REVISO DE LITERATURA............................................................................................... 30
5.1. A instituio famlia e os papis sociais ao longo da histria.......................................... 305.1.1. A contribuio dos estudos de gnero para a compreenso dos papis sociais .......... 41
6. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS............................................................................ 46
6 1 L l d t d j it d i 46
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7.2. Jogos desenvolvidos na rea do brinquedo dramtico com acessrios............................ 75
7.2.1. rea do brinquedo dramtico com acessrios caracterizando salo de cabeleireiro 76
7.2.2. rea do brinquedo dramtico com acessrios caracterizando escola......................... 81
7.2.3. rea do brinquedo dramtico com acessrios caracterizando consultrio mdico.. 86
7.2.4. rea do brinquedo dramtico com acessrios caracterizando oficina mecnica ..... 89
7.2.5. rea do brinquedo dramtico com acessrios caracterizando supermercado ............ 93
7.3. Brinquedo dramtico livre x brinquedo dramtico com acessrios................................. 98
8. CONSIDERAES FINAIS................................................................................................ 104
REFERNCIAS........................................................................................................................ 110
APNDICES............................................................................................................................. 117
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RESUMO
CASTRO, Ana Paula Pereira de, M.S., Universidade Federal de Viosa, maio de 2006.Relaes de gnero na Educao Infantil: uma anlise a partir da atividadeldica. Orientadora: Maria de Lourdes Mattos Barreto. Co-orientadoras: Ana Louisede Carvalho Fiza e Maria Thereza Costa Coelho de Souza.
O objetivo deste trabalho consistiu em analisar, atravs do jogo simblico, o
processo de constituio das identidades de gnero. As questes que nortearam a pesquisa
foram: Que tipos de modelos meninos e meninas do Laboratrio de Desenvolvimento
Infantil e do Laboratrio de Desenvolvimento Humano esto produzindo e reproduzindo
nos jogos? Os papis representados nos jogos apontam as mudanas que esto sendoconstrudas nas relaes familiares e nas relaes de gnero na sociedade atual? Existe
uma hierarquia sexual de poder nas relaes sociais estabelecidas entre meninos e
meninas nos seus jogos? Adotamos a teoria piagetiana e a teoria do psicodrama como
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representados na rea do brinquedo dramtico. Os resultados apontaram para as
mudanas que esto ocorrendo nos padres de diviso sexual do trabalho, nas relaes
de gnero, no casamento e na famlia. Observamos que o papel de me foi o mais
representado pelas meninas, embora elas tenham representado outros papis, retratando
a multiplicidade de papis vivenciada pelas mulheres, o que alguns pesquisadores tm
definido como a fragmentao da identidade. Os papis de filho e a imitao de animais
foram mais representados pelos meninos e a presena dos meninos na rea do brinquedo
dramtico foi menor em relao presena das meninas. A pesquisa contribuiu para
mostrar como o jogo constitui fonte importante para anlise das relaes de gnero na
infncia, principalmente na faixa etria estudada, pois nesta idade a criana j passou de
um funcionamento embasado na ao para um funcionamento representacional. Alm
disso, ao longo do desenvolvimento as crianas vo construindo as identidades de
gnero, assim como constroem o conhecimento fsico, lgico-matemtico e social.
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ABSTRACT
CASTRO, Ana Paula Pereira de. M.S., Universidade Federal de Viosa, May, 2006.Gender relations in the Child Education: an analysis from the playful activity Adviser: Maria de Lourdes Mattos Barreto. Co-Advisers: Ana Louise de CarvalhoFiza and Maria Thereza Costa Coelho de Souza.
The general methodology consisted of analysing the process of gender identities
through the use of symbolic (role playing) games. The questions which guided thisresearch were: What kind of patterns are girls and boys of Laboratrio de
Desenvolvimento Infantil (LDI) and Laboratrio de Desenvolvimento Humano (LDH)
producing and reproducing in their games? Do roles played in the games indicate
changes that have occurred into family relationships or gender relationships of current
society? Is there a sexual power hierarchy in the social relationships settled betweenboys and girls in their games? As a working strategy, we have adopted the Theory of
Piaget and the use of Psychodrama. We have focused on the role of social interactions
in the games and knowledge acquisition in the childrens development. We have also
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the one that girls played the most, although they have played other roles that highlight
situations experienced by women, which has been defined by some researchers as the
identity fragmentation. The principal roles of boys were those of sons and animals, and
their presence in the dramatic area was smaller compared to the girls. The research
contributed to show how the game is an important source of data for use in the analysis
of gender relationships in childhood, in the age group studied, considering that at that
age children have already passed from an operation based on action to a representative
operation. In addition, it was found that throughout the development period, the children
continue to build their gender identities, as well as the physical, the logical-
mathematical and the social knowledge.
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1. INTRODUO
O interesse que motivou a realizao deste trabalho surgiu a partir de algumas
situaes vivenciadas durante o estgio de graduao no Laboratrio de
Desenvolvimento Humano (LDH), da Universidade Federal de Viosa (UFV), em
Viosa, MG. No LDH, no perodo de aproximadamente uma hora e 10 minutos, as
crianas desenvolviam atividades na rea interna, que era dividida em reas ou centros
de interesse, a saber: rea de blocos1, rea de brinquedo dramtico2, rea de brinquedo
manipulativo3, rea de artes4, rea de cincias5e rea silenciosa6. Dessa forma, durante
o perodo de atividades livres as crianas podiam realizar atividades nas diferentes
reas.
Inserida nesse contexto, durante a realizao do estgio observei que um
menino, na maior parte do tempo das atividades livres na rea interna, ficava no
brinquedo dramtico, brincando com boneca, vestindo roupas e sapatos femininos,
1Na rea de blocos,encontram-se blocos de tamanhos e modelos variados para as crianas realizaremsuas construes.
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assumindo o papel de me e se autodenominando Diana. Essa situao tambm foi
observada por outros estudantes que realizavam o mesmo estgio, o que gerou uma srie
de comentrios preconceituosos a respeito dessa criana.
Vrias questes foram levantadas por esse grupo de estagirios e, durante as
conversas informais, procurvamos entender por que aquele menino brincava com
boneca, usava roupas femininas e gostava de representar o papel de me. As discusses
se centravam sempre no mesmo assunto, ou seja, de que existia um problema que
deveria ser tratado, e questionava-se a orientao sexual desse menino. Alguns
acreditavam que j haviam nascido assim, outros no arriscavam uma explicao, mas
defendiam a importncia de um tratamento. Essas questes me instigaram a buscar
explicaes que fossem alm do senso comum e que permitissem melhor compreenso
desse comportamento que estava sendo considerado como desvio.
A partir dessas inquietaes, passei a buscar pesquisas que abordassem as
questes de sexualidade na infncia. Deparei-me com perspectivas pautadas no
determinismo biolgico. Contudo, as leituras de algumas autoras como Louro (2002),
Finco (2003) e Felipe (2001), entre outras, que utilizam o referencial terico de gnero,
auxiliaram-me a direcionar essa discusso.
Diversos agentes de socializao esto constantemente nos ensinando formas de
ser homem e de ser mulher. Em razo dessas classificaes feitas pelos discursos
hegemnicos, muitas vezes passamos a acreditar que existe uma nica forma de ser
menino e uma nica forma de ser menina, e tudo o que foge desses parmetros
enquadrado como anormal, problemtico ou patolgico. Diferentes agentes de
socializao como a famlia, a escola, os meios de comunicao e os grupos de pares7
acabam reproduzindo e, conseqentemente, reforando os atributos ideolgicos do
papel feminino e do papel masculino. A instituio de educao infantil, por ser um
espao educacional em que a criana desde muito pequena passa grande parte de seu
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saberes (SANTOS, 2004). Como aponta Sabat (2001), nas imagens publicitrias
podemos encontrar um campo de constituio de sujeitos, em que as relaes de gnero
representadas pela mdia so campos de constituio de identidades e, muitas vezes,
reproduzem os modelos sociais hegemnicos.
Reforando essas consideraes, estudo realizado por Felipe (1999) apontou que
as propagandas de revistas e televiso e outros anncios imagticos no apenas tentam
vender seu produto ao associ-lo a certas qualidades socialmente desejveis, mas
tambm vende uma viso de mundo, um estilo de vida. Inserida nesse contexto, a
criana no tendo, ainda, uma viso crtica, tende, muitas vezes, a incorporar esses
padres considerando-os como caractersticas naturais do ser humano e, assim,
aprendem desde cedo uma maneira idealizada de ser homem e de ser mulher.
Como destaca Freitas (2001), no podemos, contudo, esquecer que os indivduos
so ativos no seu processo de construo do conhecimento. Assim, esses valores
transmitidos pela televiso no so assimilados de forma mecnica, embora sejam
utilizados para constituio de suas identidades. Considerando que a criana no
passiva na construo de seu conhecimento, Piaget (1965/1973) destacou que toda
conduta formada por normas, valores e smbolos. Dessa forma, a interao e
transmisso social so um dos fatores para a construo do conhecimento. A criana,
por meio da interao com os sujeitos e os objetos, assimila e acomoda os valores, as
regras, as leis e o sistema de linguagem de sua sociedade, dentre outros. Nessa
interao, as crianas vo conhecendo os comportamentos que so aceitos e os que so
rejeitados e vo construindo suas identidades e as diferentes formas de ser meninoe de
ser menina.
Nesse contexto, como afirma Fischer e Marques (2005), a educao formal e
informal pode contribuir para manter as desigualdades entre os sexos. Essas autoras
destacam que ao oferecermos brinquedos diferentes para meninos e meninas estamos
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Segundo Felipe (2001), muitos professores consideram como problema o fato de
o menino brincar com boneca ou se fantasiar de personagens femininos. Muitas vezes,
chegam a encaminhar o menino para tratamento psicolgico, pois acreditam que seu
comportamento no condizente com sua masculinidade. Agem da mesma forma
quando se deparam com uma menina que tem comportamento extremamente ativo ou
uma grande capacidade de questionar. A autora referida afirma que muitas vezes, nessas
situaes, os comportamentos so vistos como parte integrante de uma essncia
feminina e masculina. Destaca que o conceito de gnero surgiu para problematizar essas
colocaes e refutar a idia de essncia, mostrando que tanto o jeito de ser homem
quanto o jeito de ser mulher so construdos histrica e socialmente. Ressalta que,
quando aceitamos que existem comportamentos apropriados para meninas e para
meninos, estamos impondo limites ao desenvolvimento total das crianas.
Nesse sentido, Louro (2003a) destaca que estamos vivendo um tempo em que a
diversidade no pode ser explicada pela oposio binria. Precisamos estar atentos para
a existncia de mltiplas identidades. O ideal de homem branco ocidental heterossexual
e de classe mdia passa a ser contestado. Portanto, discutir as diferentes formas de ser
menino e de ser menina fundamental para rompermos essas categorizaes feitas pela
escola, pela mdia, pela Igreja, enfim, pela sociedade e at por ns no dia-a-dia.
Pesquisas tm mostrado que as questes da construo das identidades sexuais e
de gnero no tm sido discutidas com o rigor necessrio. Segundo Vianna e Unbehaum
(2004), o prprio texto do Plano Nacional de Educao no abrange as questes de
gnero no mbito da educao infantil. Alm da carncia de pesquisas que
problematizem a pluralidade que estamos vivendo, grande parte das pesquisas
desenvolvidas est sendo construda a partir de binarismos: homem/mulher, forte/fraco
e pblico/privado, dentre outros. Nesse sentido, as mulheres so vistas como o oposto
do homem onde devem se ajustar para atender ao padro masculino (SANTOS 2004)
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de Desenvolvimento Humano da UFV despertou algumas questes que constituem a
problemtica deste trabalho: Que tipos de modelos meninos e meninas do LDI e
LDH esto produzindo e reproduzindo nos jogos? Os papis representados nos
jogos apontam as mudanas que esto sendo construdas nas relaes familiares e
nas relaes de gnero na sociedade atual? Existe uma hierarquia sexual de poder
nas relaes sociais estabelecidas entre meninos e meninas nos seus jogos?
Essa carncia de estudos que problematizem a pluralidade e a diversidade da
sexualidade e dos papis de gnero dos sujeitos na sociedade e no mbito da educao
infantil, somadas s dificuldades apresentadas pelos profissionais, professores e pelas
famlias nas creches e pr-escolas, indica a importncia do desenvolvimento desta
pesquisa.
Acreditamos que esta pesquisa pode contribuir para que repensemos nossa
prtica enquanto educadores, pais e membros da sociedade e para que as crianas
possam viver sua infncia em plenitude, sem ter que se sujeitar s classificaes
arbitrrias impostas pelos adultos. Ao observarmos a sociedade, verificamos que ela
constituda por diferentes homens e diferentes mulheres que, na maioria das vezes,
contradizem o ideal de homem e de mulher que so passados pelos diversos agentes de
socializao. Pontuar essa diversidade imprescindvel para que alguns
comportamentos deixem de ser enquadrados como anormais e preocupantes. Afinal,
vivemos numa sociedade plural que est em constante transformao, em que as
diferenas no devem ser transformadas em desigualdades. Como destaca Felipe (2001),
existem diferentes maneiras de ser menino e de ser menina, portanto no podemos
estabelecer padres em relao ao que seja apropriado criana em funo de seu sexo.
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2. HIPTESES
Acredita-se que as crianas na faixa etria estudada, ou seja, entre 4 e 6 anos, j
tenham incorporado alguns esteretipos de gnero presentes na sociedade.
As representaes das crianas no iro reproduzir apenas a dicotomia entre papis
pblicos e privados, presentes na famlia burguesa moderna, mas iro tambm refletir
essas mudanas que esto ocorrendo nos padres de casamento, famlia, na diviso
sexual do trabalho e nas relaes de gnero.
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3. OBJETIVOS
Analisar, atravs dos jogos simblicos, o processo de constituio das
identidades de gnero. Especificamente, buscamos:
Verificar os brinquedos utilizados por meninos e meninas nos jogos desenvolvidos
na rea de brinquedo dramtico.
Analisar os jogos desenvolvidos por meninos e meninas na rea de brinquedo
dramtico.
Analisar os papis sociais e contrapapis representados nos jogos desenvolvidos no
brinquedo dramtico.
Identificar os modelos de famlias representados pelas crianas nos jogos
desenvolvidos na rea do brinquedo dramtico.
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4. REFERENCIAL TERICO
Ao iniciarmos esta pesquisa, partimos do pressuposto de que o sujeito tem
estrutura de pensamento coerente e que constri representaes da realidade sua volta.
Dessa forma, consideramos que o pensamento da criana difere do pensamento do
adulto, e, portanto, as pesquisas realizadas com as crianas possuem suas
particularidades e no podem seguir os mesmos caminhos metodolgicos dos estudos
realizados com adultos. Ao buscar as pesquisas conduzidas com crianas, deparamos
com uma grande quantidade de pesquisas embasadas na teoria piagetiana, mas no
abordando as questes de gnero. No entanto, as pesquisas que discutiam as questes de
gnero no abordavam a problemtica do desenvolvimento da criana. A partir desse
momento, vrias dvidas foram surgindo, por exemplo: Como relacionar as discusses
de gnero com a questo do desenvolvimento da criana?
Ao longo da realizao da reviso bibliogrfica, deparamos com vrias
dissertaes e artigos embasados na socionomia8, especificamente, abordando as teorias
do vnculo e dos papis Por meio dessas leituras verificamos que a socionomia e a
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relaes necessrias para respondermos aos questionamentos levantados nesta
dissertao. Outro trabalho que teve grande contribuio foi a tese Educao e Gnero:
uma leitura psicodramtica, apresentada por Maria Luiza Neto Siqueira, em 1999, na
Unicamp. Assim, comeamos a trilhar um caminho articulando a teoria piagetiana com
o psicodrama, relacionando essas teorias com as pesquisas realizadas sobre a temtica:
gnero/infncia. Ao fazer essa opo, estvamos cientes de que esse seria apenas um
dos caminhos entre tantos outros que poderiam ter sido traados.
Considerando a relao entre a teoria piagetiana e o psicodrama, Blake apud
Wechsler (2002) apresenta uma afirmao que tambm valiosa para essa articulao
entre as duas teorias:
O mtodo de Piaget, por um lado, e as tcnicas psicodramticas, por
outro, podem ser considerados complementares e resta pesquisafutura determinar as condies timas para o uso de cada uma delas ea maneira pela qual podem ser empregadas em conjunto, nainvestigao da vida subjetiva das crianas (BLAKE apudWECHSLER, 2002, p. 36).
As crianas estudadas estavam, teoricamente, no perodo pr-operatrio, o qual,
segundo Piaget, caracteriza-se pelo jogo simblico. Wechsler (1999) ressalta que, nessafase, a criana exercita, atravs dos jogos simblicos, os papis psicodramticos, pois
papis sociais, propriamente ditos, ela somente conseguir exercitar a partir do perodo
operatrio-concreto, quando adquire a estrutura de reversibilidade. Segundo essa autora,
os jogos simblicos podem ser considerados os jogos dramticos, visto que, de acordo
com a teoria piagetiana, a criana no perodo pr-operatrio ainda no construiu asestruturas de regras. O jogo dramtico, por meio da representao de papis, possibilita
a explorao e expanso do eu, permitindo s crianas conhec-los mais intimamente.
Na viso psicodramtica, o papel visto como a parte tangvel do eu; ele expressa os
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original da palavra grega drao eu fao, eu luto , descobre a vida ea si prpria, pelas tentativas emocionais, cognitivas e fsicas que serepetem no prprio jogo, por intermdio dos papis assumidos(SLADE apud WECHSLER, 1999, p. 119).
Para Moreno apud Nery (2005), todo ser humano possui um fator ativo que ele
denomina fator espontaneidade (fator e), o qual responsvel pela singularidade de
cada indivduo, pela peculiaridade do desempenho dos papis sociais aprendidos na
sociedade: assim, por exemplo, cada pessoa ser uma amiga ou uma vizinha com seujeito nico de ser (NERY, 2005, p. 9). Ao explorar o universo da criana em seu livro
Psicodrama, Moreno (1975) destaca que:
O fator e um agente ativo em favor da criana, muito antes que ainteligncia e a memria desenvolvam novos mtodos de orientaopara a criana. Mas chega um ponto, no desenvolvimento infantil, emque a inteligncia e a memria assumem a liderana, e ofator ev-secada vez mais forado a uma relao de subservincia em relao aambas. ... Por algum tempo, como se fosse capaz de fazer ainteligncia, a memria e as foras sociais subordinadas suas. Mas,finalmente, submete-se aos poderosos esteretipos sociais e culturaisque dominam o meio humano. Da, em diante, medida que a crianaganha em anos, o fator e converte-se em funo esquecida(MORENO, 1975, p. 131).
Moreno (1975) acrescenta que a educao formal sempre se preocupou com o
desenvolvimento da memria e da inteligncia, esquecendo-se da importncia de se
exercitar o fator espontaneidade. Alm disso, muitas pessoas associam o fator
espontaneidade emoo e ao e no ao pensamento e ao repouso. Entretanto, a
espontaneidade pode estar presente numa pessoa tanto quando pensa como quandosente, ao descansar tanto quanto ao dedicar-se a determinada ao (MORENO, 1975, p.
163).
Nery (2005) acrescenta que, ao desempenhar os diversos papis, estamos
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A um sujeito simultaneamente afetivo e cognitivo que se dirige para oobjeto, buscando assimil-lo, de acordo com um interesse afetivo ecom possibilidades cognitivas para realizar a assimilao (DESOUZA, 2002a, p. 58).
No que diz respeito questo da afetividade, Moreno apud Wechsler (2002)
ressalta que ela o que explica os movimentos dos indivduos em direo aos objetos e
pessoas, sejam eles de atrao, sejam de repulsa.
Na fase primitiva da matriz de identidade, a criana no distingueentre prximo e distante. Mas, gradualmente, o sentido deproximidade e distncia vai-se desenvolvendo e a criana comea aser atrada para pessoas e objetos ou a afastar-se deles. Este oprimeiro reflexo social indicando o aparecimento dofator tele, e oncleo dos subjacentes padres de atrao-repulsa e das emoesespecializadas (MORENO, 1975, p. 119).
Sob essa mesma perspectiva, Nery (2005) afirma que as relaes estabelecidas
entre as pessoas, ao desempenharem os papis, no so simtricas ou assimtricas por
natureza, mas so construdas. Ao discutir a questo dos vnculos que as crianas
estabelecem, essa pesquisadora enfatiza que:
Penso que em todos os vnculos, no apenas com os pais, ou at nummesmo vnculo do seu grupo social, a criana pode aprender esseesquema de atividade, passividade e interatividade, alm de outrasmodalidades vinculares. Isso porque vnculo implica movimento,dinmica, contradies, dentre tantos outros fatores (NERY, 2005, p.31).
Entendendo o desenvolvimento sob essa tica, podemos dizer que a vivncia dospapis, sejam os psicossomticos9, os imaginrios ou os sociais, cumpre sua funo
especfica na construo da identidade psicossocial do indivduo. Wechsler (2002)
afirma que o processo de construo da identidade deve ser entendido como um
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Os papis psicossomticos, psicodramticos e sociais se articulam, assim
desenhando a identidade do sujeito. Entretanto, quando nos referimos construo da
identidade, no estamos falando de uma identidade imutvel, predeterminada, mas
estamos falando de uma identidade que est em constante processo de transformao,
portanto considerada transitria, provisria e plural. Como afirma Wechsler (2002), o
indivduo continuar, pela vida toda, construindo novos conhecimentos e, portanto, re-
significando o velho (WECHSLER, 2002, p. 23).
Dessa forma, procuramos desenvolver esta pesquisa considerando que o sujeito
constitudo por mltiplas identidades. Como ressalta Finco (2004), qualquer
transgresso ao ideal de homem e mulher foi considerada como possibilidades de ser
menino e de ser menina e no, simplesmente, como algo anormal e preocupante.
4.1. A construo do conhecimento na teoria piagetiana
A questo da origem do conhecimento preocupao de vrios pesquisadores
que buscam explicaes sobre como as crianas pensam, como se desenvolvem e como
adquirem o conhecimento sobre o mundo. Os pressupostos dos principais tericos
variam, em parte, pelo fato de que cada um considera o ser humano a partir de uma
perspectiva. Cada teoria baseia-se em um modelo de ser humano, isto , cada uma
considera a criana de modo diferente, buscando, assim, explicar o seu desenvolvimento
de acordo com sua formao, viso do mundo e contextualizao histrica. Dessa
forma, as teorias de desenvolvimento no so complementares, pois cada uma constitui
seu objeto de forma diferente. Becker (2003) situa a perspectiva da epistemologia
gentica da seguinte forma:
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minorias de indivduos que atraem para si quase todas aspossibilidades sociais (BECKER, 2003, p. 13).
Considerando que o sujeito constri seu conhecimento, a teoria piagetiana foi
definida para ancorar a pesquisa em funo de sua complexidade e de seu poder
explicativo, no que se refere construo do conhecimento. Dessa forma, consideramos
necessrio recorrer epistemologia gentica de Piaget, pois, assim como os tericos
ps-estruturalistas, que discutem as questes de gnero, ele pontua que as condutas e as
atitudes so formadas por valores, regras e smbolos, que variam de sociedade para
sociedade e de gerao para gerao. Ressalta, ainda, que devemos ter clareza de que
todas as atitudes so inspiradas pelo meio ambiente. Assim, podemos dizer que a atitude
resulta do processo de interao social, no qual a famlia, os amigos, a escola, a mdia, a
Igreja e outros grupos sociais tm papel relevante. Dessa forma, os componentes das
atitudes que inspiram nossas aes no so inatos ou predeterminados, mas so
construdos na interao com o meio fsico e social. E por meio da ao que vamos
construir o conhecimento, seja ele fsico, lgico-matemtico ou social.
A problemtica inicial de Piaget fundamentalmente filosfica. Asquestes levantadas so: o que conhecimento? O que conhecemos?A partir dessas questes iniciais, outra pergunta toma forma e setransforma na questo bsica de reflexo e estudo: Como se passa deum estado de conhecimento menos complexo a outro maiscomplexo? J que nem o apriorismonem o empirismo deram contade responder, segundo Piaget, a questo do conhecimento, quaisseriam as bases do acmulo de conhecimento? Desta forma, oconstrutivismo se prope responder essa questo e toda obra de Piagetgirou em torno dela, sendo que sua originalidade est na busca de
respostas no comportamento das crianas, do nascimento at adolescncia (BARRETO, 2005, p. 1).
Em oposio ao empirismo e ao inatismo, o interacionismo considera que para
h h i i di l i i l
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pesquisas comprometidas com a idia de construo simultnea dainteligncia e do mundo (DE SOUZA, 2004, p. 37).
Ao longo de seus estudos, Piaget constatou que essa passagem resulta de um
processo dinmico e que no h um fator determinante do desenvolvimento e, sim, que
existem fatores do desenvolvimento que so: maturao e hereditariedade, exerccio e
experincia, interao e transmisso social e equilibrao. Esses quatro fatores do
desenvolvimento esto relacionados ao desenvolvimento cognitivo e explicam a
evoluo mental.
Baseada na teoria piagetiana, Barreto (1996) afirma que a maturao e
hereditariedade so fatores biolgicos ligados ao sistema gentico e maturao,
principalmente, dos sistemas nervoso e endcrino. Seguindo essa mesma perspectiva
terica, Wadsworth (1999) enfatiza que a maturao impe limites ao desenvolvimento
cognitivo, e esse limite diminui medida que a maturao progride; nesse processo, a
ao da criana no meio fundamental.
O exerccio e a experincia so necessrios ao desenvolvimento, existindo dois
tipos de experincia: a experincia fsica e a experincia lgico-matemtica. H uma
categoria de conhecimentos construdos a partir da experincia dos objetos e de suas
relaes, mas com abstrao a partir dos objetos. O conhecimento estruturado a partir
da abstrao emprica, que consiste em agir sobre o objeto para tirar dele suas
propriedades observveis. Essas propriedades so abstradas quando a criana age sobre
os objetos e observa como eles reagem s suas aes por intermdio de seus sentidos. A
experincia lgico-matemtica consiste em agir sobre os objetos para conhecer o
resultado da coordenao das aes. O conhecimento lgico-matemtico estruturado a
partir da abstrao reflexiva, que um processo cognitivo ligado ao exerccio do
pensamento e tem origem na coordenao das aes que a criana exerce sobre os
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criana, que supe que haja instrumentos operatrios adequados a essa assimilao
(PIAGET apud BARRETO, 1996).
Esses trs fatores, ou seja, maturao e hereditariedade, exerccio e experincia,
interao e transmisso social no podem operar sozinhos. necessria uma
coordenao entre eles, ou seja, uma auto-regulao que Piaget denominou
equilibrao. A equilibrao um fator necessrio para conciliar as contribuies dos
outros trs fatores, e um fator interno observvel em cada construo parcial e na
passagem de um estgio de desenvolvimento ao outro (BARRETO, 1996). Conforme
afirma De Souza (2004):
Uma teoria construtivista, pelo fato de demonstrar que odesenvolvimento cognitivo no pode ser explicado exclusivamentepela hereditariedade, nem apenas pela influncia do meio, deve
postular a existncia de um processo interno ao sujeito que incita atransformar suas formas de conhecimento no sentido de umaotimizao. Esse processo a equilibrao. A idia central de Piaget a de que o desenvolvimento uma evoluo dirigida por necessidadesinternas de equilbrio (MONTANGERO; MAURICE-NAVILLE,1998, p. 155).
Apesar de no ser considerado um fator do desenvolvimento, a afetividade deve
ser ressaltada, pois o desenvolvimento intelectual composto por dois componentes:
um cognitivo e outro afetivo. A motivao e a seleo so dois aspectos do afeto,
necessrios ao desenvolvimento intelectual. Para Piaget, no h ao puramente
cognitiva e nem puramente afetiva, pois os aspectos afetivos so construdos da mesma
forma que os aspectos cognitivos (WADSWORTH, 1999). Assim, o menino no nasce
gostando de futebol e de carrinho e a menina de boneca e de casinha; essas preferncias
so construdas por meio das experincias, das interaes e transmisses sociais. Com
base nos pressupostos da teria piagetiana, Wechsler (1997) enfatiza que
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vivos se adaptam constantemente s mudanas das condies ambientais e que os atos
biolgicos so de adaptao ao meio fsico e organizaes do meio ambiente. A mente e
o corpo no funcionam separadamente, e a atividade mental submete-se s mesmas leis
que governam a atividade biolgica. Isso o levou a conceber o desenvolvimento
cognitivo do mesmo modo que o desenvolvimento biolgico. Porm, no significa que
o desenvolvimento mental deva ser atribudo ao funcionamento biolgico, mas que os
conceitos referentes ao desenvolvimento biolgico so teis e vlidos para pesquisar o
desenvolvimento intelectual (PIAGET apud BARRETO, 2005).
Com base na teoria de Piaget, Wadsworth (1999) afirma que existem elementos
invariantes que esto presentes em todos os organismos vivos. Nesse sentido, a
adaptao10e a organizao11so invariantes funcionais bsicas presentes em todos os
seres vivos. A adaptao ocorre por meio da assimilao12 e da acomodao13. A
assimilao e a acomodao so fundamentais ao funcionamento intelectual e esto
presentes em todas as aes intelectuais de qualquer tipo e em qualquer nvel de
desenvolvimento. A acomodao explica o desenvolvimento (mudana qualitativa) e a
assimilao, o crescimento (mudana quantitativa). Juntos, assimilao e acomodao
explicam a adaptao intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas.
Nessa perspectiva, Coll e Gillirion (1995) reforam que a criana, ao longo de
seu desenvolvimento, constri e reconstri seus esquemas, diferenciando-os. Barreto
(1996), seguindo Piaget, acrescenta que, medida que a criana se desenvolve, os
esquemas se modificam, tornando-se mais refinados. O sistema cognitivo , portanto,
um sistema aberto e fechado ao mesmo tempo. considerado aberto em funo das
trocas que estabelece com o meio e fechado devido sua ordem cclica, que o mantm e
mostra a existncia da organizao. Quanto mais aberto o sistema cognitivo, menor sua
determinao biolgica e maior sua possibilidade de se desenvolver.
O desenvolvimento cognitivo fruto das mudanas que ocorrem nas estruturas
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maneira de atuar e compreender a realidade. Coll e Gillirion (1995), ancorados na
teoria de Piaget, enfatizam que as estruturas de desenvolvimento traduzem as diferentes
formas de organizao mental. Ressaltam que essas mudanas no desenvolvimento
intelectual devem ser vistas como um processo contnuo, em que os esquemas so
construdos e reconstrudos de forma gradual.
Do nascimento at a adolescncia, Piaget distingue quatro estruturas diferentes
de desenvolvimento. A primeira estrutura a sensrio motora (do nascimento at os 2
anos), passando para o perodo pr-operatrio (2 a 6 anos), depois para o perodo das
operaes concretas (6 a 12 anos) at atingir o perodo das operaes formais (12 anos
em diante). importante ressaltar, como afirma Piaget, que as idades cronolgicas
sugeridas so apenas norteadoras e, portanto, podem variar em funo da experincia de
cada indivduo (BARRETO, 1996).
Na estrutura sensrio-motora, a criana passa de um perodo neonatal, de
completa indiferenciao entre o eue o mundo para uma organizao de aes sensrio-
motoras. Os esquemas sensrio-motores permitem a organizao dos estmulos
ambientais, possibilitando que a criana interaja com o mundo. A inteligncia sensrio-
motora se restringe ao nvel prtico, a um funcionamento embasado nas aes
(PIAGET, 1947/1983).
A estrutura pr-operatria caracteriza-se pela aquisio da funo simblica.
Nesse perodo, tudo que a criana construiu no plano da ao deve ser reconstrudo no
plano da representao. Em funo dessas mudanas, novas relaes sociais surgem,
modificando o pensamento da criana. As relaes sociais de cooperao ainda no
esto presentes, caracterizando uma fase constituda pelo egocentrismo e aceitao
passiva das regras (PIAGET, 1947/1983). Nesse perodo, Wechsler (2002) enfatiza que:
A criana (...) exercita os papis imaginrios, os quais expressam sua
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expressar essa capacidade de representar, por meio de uma imitao diferida, o jogo
simblico, do desenho, da imagem mental e da linguagem falada. A imitao diferida ,
basicamente, uma acomodao; a imitao de objetos e eventos que no esto
presentes no momento em que ocorre a imitao. Significa dizer que a criana capaz
de representar mentalmente, ou seja, consegue recordar o comportamento imitado. O
jogo simblico caracteriza-se por ser uma forma de auto-expresso, pois ele permite a
criana satisfazer o eu pela transformao do que real naquilo que desejado
(WADSWORTH, 1999).
Nesse perodo, surge a capacidade de representar coisas atravs do desenho,
entretanto, no incio, no ocorre uma comunicao efetiva; aparecerem apenas alguns
rabiscos devido ao egocentrismo. No entanto, as imagens mentais so representaes
internas de objetos e eventos. As imagens so consideradas como smbolos, embora
sejam estticos e rgidos. A aquisio da linguagem falada importante, pois ela
expressa o pensamento da criana. Mesmo que ocorra a pronuncia de algumas palavras
no perodo sensrio-motor, a linguagem usada para representar objetos e eventos
aparece apenas com a estrutura pr-operatria (WADSWORTH, 1999). Entretanto, a
linguagem, como ressalta Barreto (2005):
(...) no sinnimo de pensamento. As crianas sabem muitas coisascujos nomes desconhecem, e sabem muitas palavras que realmenteno compreendem (...) A linguagem na fase pr-operacional tipicamente egocntrica, embora a criana a use tambm paracomunicao e nesse caso leva em considerao o ponto de vista dosoutros (BARRETO, 2005, p. 2).
No perodo pr-operatrio, o pensamento ainda est preso percepo. Algumas
caractersticas do pensamento pr-operatrio atuam como obstculo ao pensamento
lgico. Essas caractersticas so: egocentrismo, centrao, pensamento por estados, pr-
conceitos e raciocnio transdutivo representao ligada ao e irrreversibilidade
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concluses a partir dessas relaes. Devido ao pensamento por estados, a criana no
consegue juntar uma totalidade de condies sucessivas em um todo corrente e
integrado, ou seja, ela no focaliza o processo de transformao do incio ao fim, mas se
detm a cada intervalo entre os estados, caracterizando um pensamento rgido e esttico
(BARRETO, 2001b).
A centrao explicada pelo fato de a criana centrar sobre aspectos perceptivos
dos objetos. Ela tende a focalizar os aspectos que mais lhe chamam ateno, ignorando
outros aspectos importantes, e, conseqentemente, ocorre o predomnio da avaliao
perceptiva em detrimento da avaliao cognitiva (BARRETO, 1996).
Uma caracterstica importante para a construo do conhecimento a
reversibilidade, ou seja, a capacidade de seguir a linha de raciocnio de volta ao ponto
de partida. Porm, no perodo pr-operatrio a criana no capaz de entender que
certos fenmenos so reversveis, caracterizando um pensamento marcado pela
irreversibilidade (WADSWORTH, 1999).
Apesar de a criana poder representar a realidade alm de agir sobre ela, suas
representaes esto muito prximas das aes. No lugar de esquematizar, reordenar e
refazer os acontecimentos, a criana imprime as seqncias de fatos em sua mente da
mesma forma como as aes, caracterizando, assim, um pensamento extremamente
concreto (WADSWORTH, 1999).
Segundo Piaget, o perodo pr-operatrio no considerado como apenas um
nvel de transio para as operaes, mas possui caractersticas prprias em que a
criana necessita superar uma srie de obstculos para passar de um perodo
estritamente ligado ao para um de operao. Nesse sentido, Piaget afirma que:
Um primeiro obstculo est relacionado necessidade de reconstruir,no plano representacional, o que j foi adquirido no plano da ao. A
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um entre outros, e a linguagem usada para comunicar (PIAGET apud BARRETO,
1996).
Nessa fase, a criana no se limita aos aspectos perceptivos, sua deciso passa a
ser lgica e os argumentos de suas respostas se tornam coerentes. Os processos mentais
se tornam lgicos, ou seja, desenvolve-se um sistema internalizado de aes totalmente
reversveis. Durante o desenvolvimento operacional concreto, a criana desenvolve
processos de pensamento lgico (operaes) que podem ser aplicados a problemas reais
(concretos) (WADSWORTH, 1999, p. 103). O pensamento operatrio-concreto se
limita a resolver problemas concretos, ou seja, est preso s experincias acessveis.
Nesse perodo, a criana tem dificuldades de raciocinar sobre problemas verbais
complexos que envolvam problemas hipotticos ou questes futuras (WADSWORTH,
1999).
A entrada da criana no novo perodo operatrio concreto garante anova possibilidade de seu pensamento. Ela adquire a capacidade deoperar mentalmente, traduzida pela possibilidade de compreenso dalgica que permeia o universo fsico e social. (...). nesse momentoque a criana consegue jogar os papis sociais, de fato.Anteriormente ela os exercitava, mas com a particularidade que seupensamento imprimia ao prprio papel, portanto exercitava os papis
de fantasia. Desse modo, somente depois de adquirir a estrutura dereversibilidade que ela conseguir exercit-los com o devido respeitos generalizaes que eles necessitam para serem assimilados comotais pelo pensamento (WECHSLER, 2002, p. 96).
Piaget destaca que a estrutura operatria formal caracterizada pelo raciocnio
lgico independente do concreto. H coordenao das duas formas de reversibilidade,
ou seja, por inverso e reciprocidade, e h distino entre o real e o possvel. O
adolescente capaz de formar esquemas conceituais abstratos e realizar com eles
operaes mentais que possuem uma lgica formal que lhe possibilita uma flexibilidade
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interdisciplinar, possibilita o desenvolvimento de novos estudos, ampliando, inclusive, o
entendimento sobre as relaes de gnero na infncia.
4.1.1. Interao social e afetividade na perspectiva piagetiana
Piaget, em seu livro Estudos Sociolgicos (1973), descreve que a sociedade
constituda no pela soma dos indivduos, mas por um sistema de atividades, cujas
interaes so aes que modificam umas as outras. Essas interaes modificam a
conscincia dos indivduos, e sua anlise pode explicar as representaes coletivas, pois
toda conduta formada por dois tipos de interao, ou seja, pela interao sujeito-
sujeito e pela interao sujeito-objeto. Essas interaes modificam o sujeito e o objeto
ao mesmo tempo. Piaget ressalta que toda conduta executada em comum se traduz,
necessariamente, pela constituio de normas, de valores ou de significantes
convencionais. Dessa forma, podemos afirmar que as regras, os valores de troca e os
sinais constituem os trs aspectos constitutivos dos fatos sociais.
Atravs dos valores de troca, um novo fato se consolida socialmente,
transformando os valores e os tornando dependentes da relao entre os vrios sujeitos e
os objetos. E, por fim, o ltimo aspecto citado por Piaget, do fato social, o sinal ou o
meio de expresso que serve transmisso das regras e dos valores, como os sinais
verbais, a escrita, os gestos, a maneira de vestir, os ritos e outros. Assim, toda interao
social aparece se manifestando sob a forma de regras, valores e smbolos (PIAGET,
1965/1973). Dessa forma, o pensamento originalmente individual, passando,
progressivamente, a um pensamento socializado. As trocas que o indivduo mantm
com o meio social variam de acordo com o seu nvel de desenvolvimento, modificando
de forma variada a estrutura mental (PERRET CLERMONT 1985) Assim:
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exclusivamente social, e, portanto, a atividade operatria interna e a cooperao externa
so aspectos complementares de um nico conjunto. A cooperao fundamental para o
desenvolvimento de condutas importantes, pois atravs do intercmbio interindividual,
ou seja, da reciprocidade total, que a criana chega ao pensamento lgico (BARRETO,
1996). Reforando essas colocaes, De Souza (2004) afirma que:
A teoria de desenvolvimento de Piaget focaliza as interaes do
sujeito com os objetos como os responsveis pela construo doconhecimento de si mesmo e do mundo e, conseqentemente, pelodesenvolvimento psicolgico (...). Esse modelo interacionista dedesenvolvimento (...) foi fruto do posicionamento epistemolgico quedefende que o conhecimento no est nem nos objetos nem no sujeito,mas dever ser construdo a partir dos encontros interativos entresujeito e objeto (DE SOUZA, 2004, p. 40).
De acordo com Piaget (1947/1983), a sociedade, muitas vezes, atua mais que omeio fsico, modificando o indivduo em sua prpria estrutura, uma vez que o fora a
reconhecer fatos, como tambm lhe fornece um sistema de signos inteiramente acabado,
que modifica seu pensamento, impondo-lhe valores novos e uma srie de obrigaes.
Portanto, a vida social transforma a inteligncia pela tripla mediao da linguagem
(signo); do contedo dos intercmbios (valores intelectuais); e das regras impostas aopensamento (normas coletivas lgicas ou pr-lgicas). Tomando como base esses
conceitos e refutando as explicaes essencialistas que justificam as desigualdades entre
os sexos, consideramos que as condutas so formadas por regras, valores e smbolos que
variam de sociedade para sociedade.
Ao falar do papel da interao na construo do conhecimento, no podemos
deixar de mencionar a linguagem, pois a maior parte da aprendizagem da criana
depende da linguagem, que constitui a base de toda a comunicao social (BARRETO,
2005, p.11). Na construo do conhecimento social, a linguagem essencial, pois
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prescrita ao indivduo pela sociedade no homognea, pois a prpria sociedade
heterognea. Dessa forma, ele relata que a sociedade um conjunto de relaes sociais,
em que encontramos os dois extremos: as relaes de coao e as relaes de
cooperao.
Segundo Piaget (1932/1977), a moral da coao considerada, pela criana,
como sagrada e est ligada ao respeito unilateral e heteronomia. Caracteriza-se pela
aceitao passiva de determinado nmero de ordens. Entretanto, a moral da cooperao
tem como princpio a solidariedade, a autonomia e o respeito mtuo. Dessa forma, para
a socializao da criana a cooperao necessria, porque somente a cooperao
conseguir libert-la da mstica da palavra adulta.
A moral infantil divide-se, desse modo, em noes impostas pelo adulto e em
noes nascidas da colaborao entre as prprias crianas. A presso do adulto sobre a
criana suficiente para fazer surgir na conscincia dela o sentimento do dever.
Entretanto, essa obedincia ligada ao respeito unilateral contribui para produzir na
criana um sentimento de revolta ou de passividade. No entanto, a regra incorporada
atravs da cooperao e do respeito mtuo d origem a uma prtica efetiva, onde impera
a autonomia. Portanto, as regras seguidas pelas crianas nos mais diversos assuntos so
frutos das relaes sociais (PIAGET, 1932/1977).
Analisando os fatos mentais, atravs de estudo realizado com crianas, Piaget
constatou que a conscincia da obrigao supe dois tipos de relao: uma relao
baseada no respeito unilateral, em que um obriga e o outro obedece; e uma relao de
respeito mtuo, quando ambos se obrigam reciprocamente. Piaget ressalta, ainda, que
no podemos esquecer que o sujeito pode ser obrigado por regras providas de geraesanteriores, das quais herdeiro social (PIAGET, 1965/1973). Assim, a elite moral de
uma sociedade sempre encontra resistncias s suas inovaes, devido ao respeito pelas
tradies estabelecidas (PIAGET 1965/1973 p 42)
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Sentir e pensar so analogamente duas faces de uma mesma moeda,formam uma unidade na qual somente uma das faces no poderia dar
significado s condutas cotidianas, assim como afetividade e cogniotambm esto sempre presentes em qualquer construo e apropriaode conhecimentos (PIAGET apud GODOY, 2001, p. 76).
Alm disso, por meio da interao social, a criana incorpora os valores, as
regras e os smbolos de sua sociedade, e, conseqentemente, sua ao passa a ser
influenciada por esse conhecimento social que adquiriu. Nesse sentido, Godoy (2001),em sua tese de doutorado intitulada As relaes tnico-raciais e o juzo moral no
contexto escolar,destaca que o afeto tem influncia na forma como vemos o mundo,
como apropriamos de juzos de valor e como nos relacionamos. Por meio de constantes
adaptaes, as estruturas cognitivas e afetivas vo sendo organizadas e dependentes
sempre da dimenso interpessoal e intrapessoal. Para Piaget, segundo De Souza(2002b), a afetividade a fora direcionadora, ou seja, responsvel pelo
direcionamento das aes, e se manifesta nas aes e condutas dos indivduos, estando
associada s escolhas que o indivduo faz. Dessa forma, podemos dizer que tanto a
funo intelectual quanto a afetiva so dependentes da socializao. Apesar de Piaget
no ter se referido aos possveis efeitos sociais e afetivos, ele reconhece sua importnciapara as construes e elaboraes infantis. Esses efeitos so vistos por ele como
necessrios, mas no suficientes, para explicar a evoluo psicolgica da criana (DE
SOUZA, 2004).
Piaget (1974) considera que a afetividade est relacionada funo da
inteligncia ao como uma fora energizante porque a afetividade influencia aescolha do indivduo em mostrar esforo intelectual, servindo, ento, como um
regulador da ao. Essa ao reguladora influencia a escolha de metas, representando
um papel que determina valores. Afeto, enquanto energtica, pode combinar com
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das experincias dirias. Ao analisar o desenvolvimento da inteligncia, Piaget destaca
que a construo de todo e qualquer conhecimento permeado pela equilibrao, ou
seja:
Neste sentido, possvel dizer que podem ocorrer passagens do menorconhecimento para um maior, via equilibraes, as quais do aosujeito no s a possibilidade de desenvolver-se no mbito cognitivo,mas tambm no afetivo, social e moral, sempre em ascendncia. Esseprocesso de equilibrao faz mudar a forma como o sujeito interpreta
as situaes sociais e, portanto, passar pelo processo de mudanastambm quanto aos sentimentos (GODOY, 2001, p. 81).
A afetividade no modifica diretamente os esquemas, proporcionando sua
transformao, mas indica os esquemas que sero modificados. A afetividade, portanto,
pode acelerar a construo de determinado conhecimento ou promover inibies e
bloqueios (PIAGET apud DE SOUZA, 2002b).
De acordo com De La Taille (1992a), a afetividade comumente interpretada
como uma energia, ou seja, como algo que impulsiona as aes, e ao longo do
desenvolvimento da inteligncia o princpio bsico permanece o mesmo: a afetividade
a mola propulsora das aes, e a razo est a seu servio. Esse dualismo entre
afetividade e razo pode ser compreendido a partir dos dois termos que socomplementares: a afetividade seria a energia, o que move a ao, enquanto a razo
seria o que possibilitaria ao sujeito identificar desejos, sentimentos variados e obter
xito nas aes.
H dois aspectos do afeto: um seria a motivao ou energizao da atividade
intelectual, e o outro seria a seleo, sendo que esta no provocada pelas atividadescognitivas, mas pela afetividade, ou seja, pelo interesse. O afeto se desenvolve no
mesmo sentido que a cognio. medida que os aspectos cognitivos se desenvolvem,
h um desenvolvimento paralelo da afetividade As crianas assimilam as experincias
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no algo que nasce e se mantm no mbito individual, mas reflete ainterao entre esse individual e o coletivo. Nas bases dessaconcepo est a de um sujeito que se faz atravs dos processos de
interao, mediao social e internalizao. Ou seja, a histriaindividual est sempre contextualizada num coletivo maior do qual oindivduo faz parte como sujeito atuante (SIQUEIRA, 1999, p. 33).
Na faixa etria entre 4 e 6 anos ocorre o incio do simbolismo coletivo, quando
os papis representados se diferenciam cada vez mais, tornando-se complementares.
Nesse perodo, devido capacidade de representar, a criana utiliza o jogo simblico
para se auto-expressar, transformando o real no desejado. Por meio do jogo simblico,
ela representa os papis com os quais mais se identifica. Como afirma Louro apud
Felipe (2001), as representaes no so apenas meras representaes que refletem as
prticas dos sujeitos, mas elas so, de fato, descries que os constituem, que os
produzem. Portanto, por meio da anlise dos jogos possvel conhecer o mundo das
crianas, identificando como vivenciam as diferentes formas de ser menino e de ser
menina.
4.2. O jogo simblico
Mesmo passando por vrias transformaes ao logo da Histria, o jogo
fundamental para o desenvolvimento da criana, pois atravs dele ela expressa seu
pensamento e exercita sua capacidade de observar e concentrar. Brincando em grupo, a
criana aprende a respeitar a opinio dos outros e a enfrentar as frustraes, alm de
amadurecer emocionalmente, tornando-se uma pessoa mais cooperativa e socivel
(SOUZA, 2004).
Para Brougre apud Porto (2004), analisar o brinquedo confrontar com a
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vez que jogar agir. Ora, quando se joga no se joga sozinho, sempreh um outro, mesmo que este outro seja imaginrio ou um outro queno passa de um si mesmo e que se tenta superar (WECHSLER, 1999,
p. 74).
Huizinga apud Wechsler (1999) define o jogo como uma atividade livre, ldica,
sem interesses materiais, delimitada por espaos e tempos prprios. Wechsler completa
dizendo que o jogo de papis representa realidades existentes na cultura e enfatiza que
o contexto dramtico constitudo pelo como se, ou seja, pelo faz-de-conta ou
realidade dramtica, em que o tempo e o espao fazem parte dessa dimenso subjetiva,
embora vividos sobre um espao concreto e demarcado (WECHSLER, 1999, p.90).
Consideramos que para alm das definies gerais sobre os jogos preciso
discutir uma classificao dos jogos, pois eles respondem a necessidades diferentes dos
sujeitos, portanto no podemos generaliz-los. Piaget estudou o jogo para entender
como a criana constri o desenvolvimento moral e o considera como dependente da
estrutura cognitiva, ou seja, o jogo est relacionado ao pensamento disponvel em cada
estrutura de desenvolvimento. Nessa perspectiva, o estgio de desenvolvimento da
criana influencia a complexidade do jogo e a criana usa-o como veculo para o
desenvolvimento cognitivo (BARRETO, 1996).
Piaget, ao discutir a classificao dos jogos, utilizou trs categorias: jogos de
exerccio, simblico e de regras. O jogo de exerccio aparece na fase pr-verbal, o
simblico o que vamos discutir com mais nfase, para embasarmos as discusses deste
trabalho, enquanto o jogo de regras ocorre atravs das interaes das crianas, em que as
regras so transmitidas socialmente de criana para criana. Piaget cita ainda uma quarta
modalidade, que o jogo de construo, que faz a transio entre essas estruturas e as
condutas adaptadas. De acordo com a teoria piagetiana, para entendermos os jogos
desenvolvidos pelas crianas, precisamos compreender que a estrutura de jogo acompanha
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deixa de realizar os outros jogos, ou seja, mantm em seu repertrio os quatro tipos de
jogos.
Teoricamente, as crianas do estudo se encontram no perodo pr-operatrio e,
dessa forma, a estrutura de jogo caracterstica a simblica. Piaget enfatiza que a
imitao passa por vrias etapas at que, com o passar do tempo, a criana capaz de
representar um objeto mesmo na ausncia deste. Quando isso acontece, significa que h
uma evocao simblica de realidades ausentes. Ocorre uma ligao entre a imagem
(significante) e o conceito (significado), capaz de originar o jogo simblico, tambm
chamado de faz-de-conta (BERTOLDO; RUSCHEL, 2004).
Na teoria piagetiana, o perodo da atividade representativa egocntrica (2-7
anos) caracterizado pelos estgios do pensamento pr-conceitual (2-4 anos) e do
pensamento intuitivo (4-7 anos). Os jogos simblicos, dos 4 aos 7 anos, tendem a
aproximar mais do real, perdendo seu carter de deformao ldica, associando-se
realidade na qual a criana est inserida. Nesse aspecto, podemos traar um paralelo
entre a teoria de Piaget e Moreno, quando este diz que, medida que a criana se
desenvolve, ofator efica cada vez mais subordinado aos esteretipos sociais e culturais.
Nesse contexto, Piaget destaca que o jogo simblico, presente no estgio intuitivo (dos
4 aos 7 anos), apresenta trs caractersticas que o diferencia do jogo simblicodesenvolvido no perodo anterior (dos 2 aos 4 anos de idade). A primeira caracterstica
a ordem relativa das construes ldicas, opostas incoerncia das combinaes
simblicas anteriores; a segunda est relacionada com a preocupao, por parte da
criana, da imitao da realidade; a terceira caracterstica o incio do simbolismo
coletivo, ou seja, os papis representados se diferenciam cada vez mais, tornando-secomplementares (PIAGET, 1946/1978).
Nos jogos de faz-de-conta, a criana vai, aos poucos, reconstruindo em
esquemas verbais ou simblicos o que havia construdo no plano da ao Nessa nova
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cometermos esse equvoco ele afirma que: Os pormenores das prprias atitudes so
inspirados, evidentemente, pelo meio ambiente (...). Assim, podemos estar certos de que
todos os eventos, alegres ou aborrecidos, que ocorrem na vida da criana repercutir-se-
o nas suas bonecas (PIAGET, 1946/ 1978, p. 140).
Nesse sentido, Benjamin apud Volpato (2002) afirma que os jogos e
brincadeiras tm papel importante na formao do sujeito. Destaca que na educao
infantil as crianas se apropriam dos elementos culturais dos adultos, internalizando,
reproduzindo e reinventando gestos, modos de andar, de falar, de sentir, de ser
(VOLPATO, 2002, p. 222).
De acordo com Moreno (1975), antes de a criana adquirir a capacidade de
representar, todos os componentes reais estavam fundidos no desempenho dos papis
psicossomticos. Quando comea a ocorrer a diviso do universo real e fictcio, surgem
os papis psicodramticos. Ao representarem os papis psicodramticos, as crianas
interagem com outras pessoas, com objetos nos ambientes real e imaginrio.
Atravs do jogo, a criana extravasa suas emoes, interpreta a realidade e
expressa seu pensamento. Portanto, a observao e anlise dos jogos so fundamentais
para conhecer melhor as crianas. Buscamos fazer a anlise dos jogos desenvolvidos
pelas crianas, considerando que o sujeito constitudo por mltiplas identidades,portanto qualquer transgresso ao ideal de homem e de mulher foi considerada como
possibilidades de ser menino e de ser menina e no, simplesmente, como algo anormal e
preocupante.
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5. REVISO DE LITERATURA
5.1. A instituio famlia e os papis sociais ao longo da histria
Para discutir os papis representados pelas crianas, consideramos pertinente
abordar algumas transformaes pelas quais as famlias vm passando, tendo em vista
que as mudanas estruturais da sociedade interferem na dinmica de funcionamento da
famlia, afetando as relaes entre os seus membros e o desempenho dos diversos
papis sociais.Morgan apud Canevacci (1981) relata que a origem da famlia monogmica est
ligada ao desenvolvimento da idia de propriedade na mente humana. Ele ressalta que,
com esse tipo de configurao familiar, buscou-se legitimar a transmisso hereditria da
propriedade privada, e, nesse contexto, a certeza da paternidade biolgica assumiu um
significado que era desconhecido anteriormente. Seguindo uma escala evolutiva, asfamlias foram classificadas por Morgan de acordo com o nmero de proibies
consangneas, passando da famlia punaluana14, sindismica15 at chegar famlia
monogmica Dando nfase ao darwinismo e ao empirismo positivista Morgan foi
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Com a finalidade de garantir a herana aos filhos considerados legtimos,
passou-se a valorizar a virgindade e a fidelidade da mulher, instituindo-se um rgido
controle sobre a sexualidade feminina. Assim, essa nova configurao a famlia
monogmica contribuiu para consolidar a diviso do trabalho e dos papis sociais
(NARVAZ, 2005).
Segundo Engels apud Canevacci (1981), a monogamia surgiu como uma forma
de opresso do sexo feminino por parte do sexo masculino, onde o casamento passou a
ser considerado um dever para com os deuses, o Estado e os parentes. Engels ressalta
ainda que:
A existncia da escravido junto monogamia, presena de jovensbelas cativas que pertencem, de corpo e alma, ao homem, queimprime desde a origem um carter especfico monogamia que monogamia s para a mulher, e no para o homem (ENGELS, 1981,p. 67).
Vrias transformaes ocorreram, a partir do sculo XV, nas realidades das
famlias e nos sentimentos relacionados com a famlia e com a infncia. Uma das
transformaes que podemos destacar est relacionada com a educao, que deixou de
ser realizada pela permanncia dosaprendizes na casa dos mestres e passou a ser fornecidacada vez mais pelas escolas.
Na Idade Mdia, os meninos e as meninas eram considerados adultos em
miniaturas. Eles permaneciam em casa at os 7 ou 9 anos de idade e, aps esse perodo,
eram enviados para casa de outras pessoas para aprenderem um ofcio. Dessa forma, a
criana aprendia pela prtica e, muitas vezes, o servio domstico desempenhado pelas
crianas se confundia com aprendizagem. Aris (1978) enfatiza que nessa poca o
limite entre uma profisso e a vida particular no era muito definido, destacando:
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sentimentos relacionados com a famlia e a infncia estreitaram os laos afetivos entre
pais e filhos. Como aponta Aris (1978):
A substituio da aprendizagem pela escola exprime tambm umaaproximao da famlia e das crianas, do sentimento da famlia e dosentimento da infncia, outrora separados. A famlia concentrou-se emtorno da criana (...) O clima sentimental era agora completamentediferente, mais prximo do nosso, como se a famlia moderna tivessenascido ao mesmo tempo que a escola, ou, ao menos, que o hbitogeral de educar as crianas na escola (ARIS, 1978, p. 232).
Essas mudanas no processo de aprendizagem no ocorreram da mesma forma
para a educao dos meninos e das meninas. As meninas, ao contrrio dos meninos,
eram ensinadas pela prtica e pelos costumes em casa, enquanto os meninos eram
enviados para as escolas. Entretanto, no eram todos os meninos, pois a escolarizao
atendeu primeiro os filhos de classe mdia. Muraro (1993) enfatiza que essas
transformaes que ocorreram com as famlias, no incio da industrializao,
provocaram mais uma vez a excluso das mulheres do mundo pblico e explica:
Se a famlia medieval era a unidade de produo e reproduo, a
famlia capitalista passa a ser apenas a unidade de reproduo da forade trabalho. A produo econmica transferida para as fbricas,longe do lar. Como o mercado era incipiente e mal dava para oshomens, as mulheres so incentivadas a ficar em casa e a se dedicarinteiramente famlia e aos filhos. Surge ento a figura da dona decasa e da me dedicada e sofredora (MURARO, 1993, p. 123).
Segundo Reis apud Narvaz (2005), com o advento do capitalismo o modelo
patriarcal sofreu grandes transformaes, pois no estava atendendo aos interesses do
novo modo de organizao social capitalista. Estabeleceu-se a dissociao dos espaos
pblicos e privados, e a famlia deslocou-se para a esfera privada, demarcando locais
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eficientes, cujos operadores ganhavam os melhores salrios. Por conseguinte, a posio
de um pai branco como provedor principal foi instalada, e os maridos se orgulhavam
por manter as esposas em casa cuidando das crianas.
Reforando essas afirmaes, Vaitsman (1994) enfatiza que a modernizao16
ocasionou significativas mudanas na construo do gnero moderno. Segundo
Shienbinger (2001), a cincia, nesse perodo, contribui para reforar as ideologias de
gnero, afirmando que a mulher, devido sua natureza passiva, frgil e sensvel, deveria
se responsabilizar pelo mundo privado, enquanto o homem, por ser forte e inteligente,
deveria assumir as responsabilidades presentes no mundo pblico, protegendo e
sustentando sua esposa e seus filhos. Badinter (1995) ressalta que Rousseau com a
publicao do mile, em 1792, contribuiu para disseminar as ideologias de gnero,
incentivando os pais a novos sentimentos e, particularmente, as mulheres ao amor
materno. Rousseau apresentou uma imagem ideal da mulher atravs da personagemSophie, esposa do mile. Sophie foi representada como uma mulher fraca, tmida,
submissa e, acima de tudo, como complemento para formar junto com mile
inteligente, forte, imperioso e sob suas ordens o todo da humanidade.
A famlia moderna, assim caracterizou-se pela dependncia da mulher ao marido
e pela dependncia das crianas figura materna. A mulher era considerada responsvelpela educao dos filhos e pelo cuidado da casa, e o homem era visto como responsvel
pela esfera pblica e como provedor financeiro da famlia. Nesse tipo de configurao
familiar, o casamento deixou de ser um acordo com base em interesses polticos e
econmicos entre as famlias e passou a ser um contrato afetivo e sexual dos sujeitos
(NARVAZ, 2005). Em seu livro Flexveis e Plurais, Vaitsman (1994) afirma que:
Esse modelo de famlia, tpico da burguesia nas sociedades modernase de sua forma tpico-ideal de famlia, aquela formada pelo homem
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A ideologia que estava presente nesse momento, deu por tarefademonstrar que embora todos os homens sejam iguais perante a lei,as mulheres eram, por sua natureza, diferentes. (ALMEIDA, 1987, p.
57).
A desigualdade deixou de ser vista como algo determinado por Deus e passou a
ser vista como algo derivado da natureza e, portanto, incontornvel. A literatura teve
papel muito importante na disseminao dessa nova ideologia, e o prprio Rousseau,
como podemos ver, se debruou sobre a natureza feminina, relacionando a mulher
maternidade, destacando a questo do instinto materno. Alm de Rousseau, outros
pesquisadores contriburam para divulgar essa ideologia e, conseqentemente, para
limitar as oportunidades das mulheres.
Segundo Almeida (1987), no entanto, essa idia de famlia nuclear burguesa, ao
chegar ao Brasil, encontrou uma realidade muito diferente da realidade citadina,
industrial ou comercial em que foi gestada. Aqui, a economia era baseada no latifndio
exportador e, alm disso, o trabalho era escravo. Podemos dizer que:
A famlia rural transplantada para as cidades do sculo XIX haviasofrido modificaes superficiais. Mas a mentalidade estruturadasobre o patriarcalismo continuava a ser dominante (ALMEIDA, 1987,
p. 57).
Nesse perodo, o trabalho dos mdicos e higienistas foi um dos canais para
insero das idias sobre a famlia nuclear burguesa, tambm conhecida como famlia
burguesa moderna.
O aburguesamento das famlias constituiu, inicialmente, mais umverniz superficial atingindo parte dos hbitos das elites urbanas, massempre coexistindo com o substrato da nossa formao engendradoantes do sculo XIX. E desse casamento que nasceu a nossafamlia conjugal atual (ALMEIDA, 1987, p. 64).
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e a participao cultural da mulher diferiam das de seu marido. As atividades
desempenhadas pelas mulheres se limitavam ao mundo privado, onde elas dirigiam o
trabalho dos escravos na cozinha, na fiao, na tecelagem e na costura. A famlia
desempenhava uma funo principalmente econmica e poltica e, em razo disso, os
aspectos emocionais no eram vistos como suficientes para o rompimento da famlia
(MELLO; SOUZA, 1951). Como afirma Almeida (1987):
A matriz da famlia patriarcal, com sua tica implcita dominante,espraiou-se por todas as outras formas concretas de organizaofamiliar, seja a famlia dos escravos e dos homens livres no passado,seja a famlia conjugal mais recente (ALMEIDA, 1987, p. 56).
Quando falamos, entretanto, de matriz de referncia, no podemos confundir
com os modelos de estrutura familiar, pois, como afirma Samara (1987), a famlia
patriarcal foi apenas um dos modelos presentes no Brasil, no perodo colonial, apesar deter sido considerada como um modelo genrico de estrutura familiar por grande parte da
literatura. Nesse contexto, Samara (1987) enfatiza que o prprio conceito de famlia
precisa ser revisto, pois a utilizao de uma concepo nica e genrica no suficiente
para discutir a complexidade da sociedade brasileira. No entanto, Vaitsman (1994)
adverte que a famlia conjugal moderna foi assim denominada para diferenci-la dafamlia nuclear, pois as famlias nucleares no so necessariamente modernas. Para
Vaitsman (1994), utilizar o termo nuclear para se referir famlia moderna no seria
adequado, pois estaramos ignorando a questo da historicidade. Ressalta que:
A ttulo de exemplo, sabe-se que no Brasil colonial, ainda longe dos
ventos da modernizao, existiam, ao lado da famlia patriarcal,famlias nucleares (Correa, 1982), estas, no entanto, no apresentavamas relaes que considero como o elemento estruturante da famliamoderna: a dicotomia entre papis pblicos e privados atribudossegundo o gnero, em circunstncias histricas marcadas peladiferenciao institucional das esferas sociais caractersticas das
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Segundo Badinter (1995), esses discursos presentes no sculo XVIII divulgaram
um ideal de mulher, ressaltando a importncia do amor materno para a famlia. Essas
mudanas que ocorreram no sculo XVIII desenharam uma nova imagem do papel de
me, tornando a maternidade uma nobre funo, e, para ressaltar essa importncia da
maternidade, o papel de me foi associado a um aspecto mstico. Assim, ser me passou
a ser um papel gratificante, e toda mulher considerada como boa me passou a ser vista
como uma santa mulher. Nota-se que esses discursos tiveram influncia muito grande
na construo e disseminao de uma nova imagem do papel materno, e pouco a poucoo desejo pela maternidade passou a povoar o imaginrio de muitas mulheres. Nesse
cenrio, as meninas, desde muito cedo, passaram a ser preparadas, atravs de suas
bonecas e outros brinquedos, para serem doces mes, que desempenham seu papel com
pacincia e zelo.
Segundo Badinter (1995), foram as mulheres da classe mdia burguesa asprimeiras a aderirem ao modelo rousseauniano, pois no trabalhavam ao lado do marido
e tinham uma participao social limitada pela dependncia figura masculina. Dessa
forma, as mulheres das famlias modernas, limitadas ao espao privado, representado
pela casa, foram consagradas como a rainha do lar.
Ainda que a propaganda intensiva de Rousseau e de seus sucessoresno tenha conseguido convencer todas as mulheres a serem mesextremosas, seus discursos tiveram sobre ela um forte feito (...) Asmulheres se sentiam cada vez mais responsveis pelos filhos. Assim,quando no podiam assumir seu dever consideravam-se culpadas(BADINTER, 1995, p. 239).
Parsons e Bales apud Vaitsman (1994), ao analisarem a famlia moderna,
interpretaram a dicotomia pblico/privado a partir dos conceitos de papis instrumentais
e expressivos. Os papis instrumentais foram associados ao mundo da produo, do
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Esse modelo de famlia, tpico da burguesia nas sociedades ocidentais
contemporneas, passou a ser visto como o modelo normal no imaginrio social, e as
demais configuraes foram, na maioria das vezes, desqualificadas ou at mesmo no
reconhecidas como famlia (NARVAZ, 2005). Esse modelo constituiu-se em um
modelo hierrquico, em que as meninas eram educadas para serem esposas, mes e
donas de casa, em detrimento de outras habilidades. Esse padro de famlia se tornou
dominante entre as classes mdias dos grandes centros urbanos at meados de 1960
(VAITSMAN, 1994). Tendo como base as ideologias das esferas separadas, aspessoas consideravam o espao privado da famlia como o lugar natural da mulher e o
emprego remunerado, como o espao masculino por excelncia. Segundo Oliveira
(2005), a dicotomia entre os papis sexuais familiares era vista como
complementaridade, e buscava-se, por meio da especializao dos papis masculino e
feminino, a manuteno da famlia e o fornecimento das bases para a socializao dacriana.
Somente em 1962 o Cdigo Civil Brasileiro foi alterado, permitindo que as
mulheres casadas trabalhassem fora de casa, sem a autorizao de seus maridos. At
essa data, de acordo com o Cdigo Civil Brasileiro, a mulher casada s poderia
trabalhar fora de casa com a autorizao do esposo (NARVAZ, 2005).Bruschini e Lombardi (2002) ressaltam que vrios fatores devem ser analisados
quando se quer entender esse processo de insero da mulher no mercado de trabalho.
Elas destacam que fundamental verificar as mudanas nos padres culturais e nos
valores relativos ao papel social da mulher, assim como a presena dos movimentos
feministas, desde os anos de 1970. Enfatizam que, na dcada de 1990, alm do aumentoda participao no mercado de trabalho, ocorreram significativas mudanas no perfil das
trabalhadoras brasileiras, que at o final dos anos de 1970, em sua maioria, eram jovens,
solteiras e sem filhos e a partir dos anos de 1980 passaram a ser mais velhas casadas e
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Os papis domsticos no desapareceram, passando, ao invs disso, acoexistir, colidir e interpenetrar-se com outros. Isso significa que nos as prticas, mas tambm a identidade fragmenta-se (VAITSMAN,
1994, p. 133).
Segundo Bruschini e Lombardi (2002), no entanto, para se entender o
crescimento da participao das mulheres casadas no mercado de trabalho deve-se levar
em considerao a presso econmica derivada da diversificao do consumo e do
aumento dos gastos com sade e educao, devido precarizao dos sistemas pblicos.
Alm dessa presso econmica, deve-se entender que esse aumento fruto de um
intenso processo de mudana cultural ocorrida no Brasil a partir dos anos de 1970.
Essas transformaes sociais, para Amorin et al. (2000), tm gerado novos
papis e relacionamentos familiares, levando as famlias a uma crescente busca pelas
instituies de educao infantil para auxiliarem o cuidado e a educao dos filhos
pequenos. Ao procurarem essas instituies, muitas famlias comeam a se sentir
culpadas, angustiadas, porque, em nossa sociedade, prevalece a idia de que o cuidado
ideal para a criana aquele provido pela me, no ambiente domstico.
Vaitsman (1994) relata que, com o aprofundamento da industrializao e da
urbanizao, as mulheres passaram a assumir posies no espao pblico e, em razo
disso, a dicotomia entre pblico e privado foi abalada. Assim, a famlia moderna, que
era padro dominante entre as classes mdias brasileiras na dcada de 1960, foi
substituda por relaes que se instituram sob novas formas. Nessa nova realidade, a
famlia moderna deixou de ser o padro dominante e passou a conviver legitimamente
com uma pluralidade de outros padres de casamento e de famlia.
Com a ruptura da dicotomia entre pblico e privado atribuda segundo o gnero,
as fronteiras entre os papis masculinos e femininos foram redefinidas. Nesse cenrio de
grandes transformaes, a identidade deixou de ser entendida como estvel, passando a
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associadas com as transformaes estruturais das sociedades. Nesse sentido, ele destaca
que a ps-modernidade no levou ao desaparecimento dos antigos ideais, mas, como
enfatiza Vaitsman (1994), passamos a conviver com a pluralidade, o que Figueira(1987) denominou como o desmapeamento, ou seja, a coexistncia de mapas, ideais e
normas contraditrias nos sujeitos. Nessa mesma perspectiva, Biasoli-Alves (2006)
afirma que, por uma srie de razes, no podemos responder afirmativamente questo:
Aconteceram s rupturas? Obviamente no, h muitas continuidades aserem consideradas. Os valores que os mais velhos cultivaram ebuscaram imprimir nos seus filhos e netos esto ainda presentes, hoje,mesmo que sob outras roupagens (BIASOLI-ALVES, 2000, p. 11).
Nesse contexto de grandes transformaes, as pessoas passaram a buscar
solues para o conflito gerado pela modernizao acelerada do Pas, almejando
encontrar respostas para a questo Quem sou eu?. Segundo Figueira (1987), as duas
respostas tpicas encontradas pela classe mdia brasileira ao desmapeamento foram a
procura por mapas atravs da psicoterapia e da psicanlise e a modernizao reativa.
A modernizao reativa ou falsa modernizao, segundo Figueira (1987),
engendrada pela prpria lgica de funcionamento do sujeito. Para explicar esse processo
de falsa modernizao, ele distingue dois tipos de regra: a de primeiro grau e a de
segundo grau. A regra de primeiro grau est associada com a autoridade exterior ao
sujeito, ou seja, esse tipo de regra determina o comportamento do sujeito:
As regras de primeiro grau, que do nfase aos cdigos, so
fundamentais para o ideal da famlia hierrquica. Regras deste tipoengendram um imaginrio moral dicotmico e maniquesta, comnoes claras de certo e errado associadas a definies razoavelmententidas de desvio. (...) (por exemplo, homens com comportamentosefeminados so desviantes porque, ao subverterem os marcadoresi i d id tid d li b t i
d j it di it d i A i l i f j
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no do ao sujeito o direito de opinar. Assim, o que ele vai ser ou fazer j est
determinado de fora(FIGUEIRA, 1987, p. 27). O que diferencia esse tipo de regra da
regra de primeiro grau que o contedo deixa de ser arcaico e passa a ser moderno.Assim, as frases imperativas como Mulher tem que ser virgem antes do casamento
foram substitudas por frases como Virgindade j era. Essa substituio se limita ao
contedo das regras, impedindo que o sujeito faa suas escolhas.
Nesta perspectiva, a modernizao verdadeira seria a queconseguisse transformar, dentro do sujeito, regras de primeiro grau emregras de segundo grau, num processo que, por estar fundamentado naopo, pode ser chamado de individuao (FIGUEIRA, 1987, p. 27).
Singly (2000) destaca que a famlia moderna se caracterizou, sobretudo, por uma
lgica baseada nos interesses do grupo familiar, especificamente do chefe da famlia.
Dessa forma, prevalecia a regra de primeiro grau. De acordo com a ideologia presentena famlia moderna, o homem deveria desempenhar o papel de provedor financeiro da
famlia e a mulher, dedicar-se aos filhos, casa e ao marido. Assim, os interesses
individuais eram anulados pelos interesses do grupo e, ento, os interesses da famlia
englobavam os interesses do indivduo.
A famlia, entretanto, denominada ps-moderna caracteriza-se pelo processo deindividualizao, ou seja, o elemento central no mais o grupo reunido e, sim, os
membros que a compem. A famlia transforma-se em um espao privado a servio dos
indivduos (SINGLY, 2000, p. 15). Devido ao processo de individuao, o indivduo
deixou de se submeter aos interesses da famlia, e o casamento passou de uma aliana
hierrquica para uma relao mais igualitria. Essas transformaes tornaram asfamlias mais instveis, pois passaram a prevalecer os interesses individuais, os quais,
muitas vezes, so contraditrios e causadores de grandes conflitos (SINGLY, 2000).
N tid V it d t
forma lenta e pont al em alg ns aspectos Arajo e Scalon (2005) concl em q e as
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forma lenta e pontual em alguns aspectos. Arajo e Scalon (2005) concluem que as
mudanas geradas pelo processo de modernizao vm apontando para maior igualdade
de gnero.
5.1.1. A contribuio dos estudos de gnero para a compreenso dos papis sociais
Consideramos pertinente expor a forma como o conceito de gnero aquientendido. Sorj (1992, p. 15) destaca que gnero um produto social, aprendido,
representado, institucionalizado e transmitido ao longo das geraes. Nesse mesmo
sentido, Scott (1995) enfatiza que o termo gnero:
utilizado para designar as relaes sociais entre os sexos. Seu usorejeita explicitamente explicaes biolgicas, como aquelas queencontram um denominador comum, para diversas formas desubordinao feminina, nos fatos de que as mulheres tm a capacidadepara dar a luz e de que os homens tm uma fora muscular superior.Em vez disso, o termo gnero torna-se uma forma de indicarconstrues culturais- a criao inteiramente social de idias sobreos papis adequados aos homens e as mulheres. Trata-se de umaforma de se referir s origens exclusivamente sociais das identidades
subjetivas de homens e mulheres (SCOTT, 1995, p. 75).
Louro (2003b) ressalta que o conceito de gnero est diretamente relacionado
com a histria do movimento feminista contemporneo, realando que, no final da
dcada de 1960, o feminismo passou a se preocupar tambm com as construes
tericas. Nesse perodo, conhecido como segunda onda, o conceito de gnero foi
problematizado, e as militantes feministas comearam a trazer para as universidades as
questes que as mobilizavam. Scott (1995), ao expor sua interpretao sobre o termo
gnero, afirma que:
categoria gnero defendida pelas teorias modernas apontava para uma caracterstica
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categoria gnero, defendida pelas teorias modernas, apontava para uma caracterstica
comum a todas as mulheres, embasadas sempre na posio binria homem-mulher. Essa
viso moderna deixava de lado a questo de que a sociedade constituda por mulherese que coexistem no universo da subjetividade mltiplas identidades. Sorj (1992)
enfatiza que:
Ao desacreditar as metanarrativas, cuja funo foi legitimar a ilusode uma histria humana universal(...) o pensamento ps-moderno(...) privilegia a indeterminao, a fragmentao, a diferena e aheterogeneidade (SORJ, 1992, p. 19).
Reforando essas afirmaes, Louro (2003a) prope a disseminao de um
pensamento plural, que rejeite os argumentos biolgicos e culturais da desigualdade.
Enfatiza a necessidade de rompermos com essa viso baseada na dicotomi