texto isto É comportamento mulher

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Texto ISTO É Comportamento Mulher Falta união http://www.istoe.com.br/reportagens/22400_FALTA+UNIAO + N° Edição: 1745 | 12.Mar.03 - 10:00 | Atualizado em 20.Mar.15 - 22:40 "Falta uniao" Para Julio Lobos, elas estão longe de ter o mesmo espaço que eles no trabalho Greice Rodrigues e Rita Moraes Pai de três mulheres, o economista e consultor de empresas chileno Julio Lobos, 57 anos, tem razões profundas para se preocupar com o universo feminino. PhD em relações industriais pela Cornell University, nos EUA, ex-professor visitante da London Business School, ele veio para o Brasil para dar aulas na Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, em 1974, e foi conquistado pela informalidade do povo brasileiro. Desde então, mantém seu olhar no mercado empresarial. E agora resolveu juntar a formação acadêmica e profissional à preocupação doméstica para se tornar um pesquisador de mulheres de sucesso. Passou os últimos dois anos e meio colhendo informações sobre 550 delas, em todos os Estados. Ele quis saber se estavam felizes com sua trajetória. Descobriu que sim. Elas vão muito bem, obrigada. Mas não estão preocupadas com seu papel social. Ao mesmo tempo que homenageia essas mulheres poderosas em seus dois últimos livros – Mulheres que abrem passagem, lançado em 2002, e Amélia, adeus, que acaba de chegar às livrarias –, o pesquisador critica o comportamento individualista e a falta de consciência sobre o poder que têm. De sua casa em Jundiaí (SP), Julio Lobos falou a ISTOÉ: ISTOÉ – Como surgiu a pesquisa e o que exatamente o sr. quis estudar? Lobos – No primeiro livro, avaliei a situação da mulher que após cinco mil anos está numa situação absolutamente inédita, nunca antes imaginada, inclusive por ela. Ao longo da história a mulher foi subjugada por motivos religiosos, e até científicos. Fiquei espantado ao perceber o quanto tinha sido roubado da mulher durante os séculos. Decidi entrevistar executivas e empresárias e Amélia, adeus é o resultado dessa pesquisa. Fala sobre como conciliam trabalho e família, sobre discriminação, poder e ética. Fala como chegaram a ser o que são e como não são o que a mídia, principalmente, diz que são. A empresária e a executiva simbolizam a mulher de sucesso, mas a presença delas no mercado dá a entender que muitas outras chegaram lá. ISTOÉ – O sr. quer dizer que isso não é verdade? Lobos – Não se discute se a mulher pode se igualar ao homem. Mas isso não é realidade. Se houvesse igualdade, ela ganharia os mesmos salários e estaria em todos os setores industriais. Do total dos 1.500 executivos no comando das 500 maiores empresas, as mulheres são apenas 60, o que dá 4%. As pesquisas que dizem que as mulheres ocupam 30% dos cargos executivos são irreais. Na verdade, elas se concentram em setores como recursos humanos, marketing, promoção e vendas, mas não há tantas em tecnologia, em finanças. Os números sobre diferença salarial são dúbios, uns dizem que é de 15%, outros que é de 30%. A mulher não tem hoje a projeção que se diz, o que é muito ruim para ela. Porque se imaginamos que ela já chegou lá, não vamos nos preocupar com ela nem com seus conflitos. ISTOÉ – As empresas não estão preocupadas com a questão feminina? Lobos – Por que uma empresa iria se preocupar com a questão das mulheres que chegam aos 35 anos, tida como idade limite para ter filhos? Em igualdade de condições, a empresa prefere apostar no homem. As mulheres poderosas já têm uma identidade e sobretudo se mostram diferentes das de países mais avançados, mas falta muito ainda.

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Texto ISTO Comportamento Mulher

Falta unio

http://www.istoe.com.br/reportagens/22400_FALTA+UNIAO+

N Edio: 1745 | 12.Mar.03 - 10:00 | Atualizado em 20.Mar.15 - 22:40"Falta uniao"Para Julio Lobos, elas esto longe de ter o mesmo espao que eles no trabalhoGreice Rodrigues e Rita Moraes

Pai de trs mulheres, o economista e consultor de empresas chileno Julio Lobos, 57 anos, tem razes profundas para se preocupar com o universo feminino. PhD em relaes industriais pela Cornell University, nos EUA, ex-professor visitante da London Business School, ele veio para o Brasil para dar aulas na Fundao Getlio Vargas, de So Paulo, em 1974, e foi conquistado pela informalidade do povo brasileiro. Desde ento, mantm seu olhar no mercado empresarial. E agora resolveu juntar a formao acadmica e profissional preocupao domstica para se tornar um pesquisador de mulheres de sucesso. Passou os ltimos dois anos e meio colhendo informaes sobre 550 delas, em todos os Estados. Ele quis saber se estavam felizes com sua trajetria. Descobriu que sim. Elas vo muito bem, obrigada. Mas no esto preocupadas com seu papel social. Ao mesmo tempo que homenageia essas mulheres poderosas em seus dois ltimos livros Mulheres que abrem passagem, lanado em 2002, e Amlia, adeus, que acaba de chegar s livrarias , o pesquisador critica o comportamento individualista e a falta de conscincia sobre o poder que tm. De sua casa em Jundia (SP), Julio Lobos falou a ISTO:

ISTO Como surgiu a pesquisa e o que exatamenteo sr. quis estudar?Lobos No primeiro livro, avaliei a situao da mulher que aps cinco mil anos est numa situao absolutamente indita, nunca antes imaginada, inclusive por ela. Ao longo da histria a mulher foi subjugada por motivos religiosos, e at cientficos. Fiquei espantado ao perceber o quanto tinha sido roubado da mulher durante os sculos. Decidi entrevistar executivas e empresrias e Amlia, adeus o resultado dessa pesquisa. Fala sobre como conciliam trabalho e famlia, sobre discriminao, poder e tica. Fala como chegaram a ser o que so e como no so o que a mdia, principalmente, diz que so. A empresria e a executiva simbolizam a mulher de sucesso, mas a presena delas no mercado d a entender que muitas outras chegaram l.

ISTO O sr. quer dizer que isso no verdade?Lobos No se discute se a mulher pode se igualar ao homem. Mas isso no realidade. Se houvesse igualdade, ela ganharia os mesmos salrios e estaria em todos os setores industriais. Do total dos 1.500 executivos no comando das 500 maiores empresas, as mulheres so apenas 60, o que d 4%. As pesquisas que dizem que as mulheres ocupam 30% dos cargos executivos so irreais. Na verdade, elas se concentram em setores como recursos humanos, marketing, promoo e vendas, mas no h tantas em tecnologia, em finanas. Os nmeros sobre diferena salarial so dbios, uns dizem que de 15%, outros que de 30%. A mulher no tem hoje a projeo que se diz, o que muito ruim para ela. Porque se imaginamos que ela j chegou l, no vamos nos preocupar com ela nem com seus conflitos.

ISTO As empresas no esto preocupadas com a questo feminina?Lobos Por que uma empresa iria se preocupar com a questo das mulheres que chegam aos 35 anos, tida como idade limite para ter filhos? Em igualdade de condies, a empresa prefere apostar no homem. As mulheres poderosas j tm uma identidade e sobretudo se mostram diferentes das de pases mais avanados, mas falta muito ainda.

ISTO Qual a diferena?Lobos Algumas pesquisas dizem que as que se dedicaram carreira so tristes e solitrias. A minha no diz isso. Talvez gostssemos que isso fosse verdade porque soa potico. Mas a brasileira est bem em casa. Muitas so casadas e se dizem apoiadas pelos parceiros. No no sentido de que o marido lava roupa, cuida das crianas, at porque elas tm mes ou serviais para isso, coisa que a americana no tem. A poderosa brasileira tem espao para outros em sua vida, o que no acontece nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nos pases mais avanados, a relao com o trabalho atropela o lar. O livro chama-se Amlia, adeus porque fica claro na pesquisa que a brasileira executiva pioneira que apareceu nos anos 70 veio para ficar.

ISTO Mas o sr. acha que ainda havia dvidas quanto a isso?Lobos Eu cheguei no Brasil nesta poca para lecionar na Getlio Vargas e at ns, professores, vamos essa mulher como uma esportista, algum que passava o tempo antes de casar. Ela no era uma concorrncia real. Isso passou. Trinta anos depois, essas mulheres esto a para fazer carreira, casadas ou solteiras, com ou sem filhos. E procuram no trabalho no apenas prestgio e dinheiro, mas uma alternativa existencial. Elas querem algo que valha a pena.

ISTO As mulheres esto confortveis na administrao da vida profissional e da familiar? Lobos Elas esto conseguindo administrar as duas coisas. H diferenas entre conseguir administrar e estar confortvel. O que ocorre nos EUA, que onde nos espelhamos, que a americana est muito desconfortvel. Ela no tem onde deixar os filhos, ela casa com algum e faz um contrato. A brasileira deixa os filhos com babs ou parentes e no tem essa noo de contrato comercial com o marido. A relao de companheirismo. A maioria das executivas brasileiras no se sente culpada por deixar o lar abandonado. Elas acham que esta a vida. E por esta razo, infelizmente, as empresas no so objeto de crtica por no dar ateno s particularidades femininas.

ISTO No h um certo pudor da mulher em relatar dificuldades por no estar se dedicando mais famlia, j que isso no faz parte do discurso masculino?Lobos O ponto de realizao pelo qual essa mulher est curiosa a carreira. Ela est fascinada pelos mistrios da profisso, que ainda masculina. Mandar, comandar, demitir, fazer investimentos, assumir riscos masculino. H pudor no sentido de no dar a entender o queest acontecendo com ela. Ela segura essas expresses porque noquer mostrar fraqueza. Ela est num crculo no qual no pode externar isso. Mas a funcionria que ganha pouco, tem que pegar um treme no tem com quem deixar os filhos tem um problemo. Vive uma situao igual da americana.

ISTO A flexibilizao de horrios, que no uma prtica no Brasil, no seria uma soluo?Lobos Isso lrico. Fala-se nisso h 20 anos. No convm sempresas. Nada acontece sem presso poltica. E a presso vai vir de onde se as mulheres no so unidas? No h platia masculina para problemas femininos. Por isso a mulher poderosa que estudei to importante. Ela formadora de opinio. S que solitria politicamente. Ela no se interessa em formar uma classe em defesa das questes femininas. Para o homem tambm existe a preocupao com a famlia. Mas ele no fala. Quando a mulher cai no mundo do poder, do domnio, suas reaes no so muito diferentes das masculinas. A mulher presaa este esquema hierarquizado, corporativo, vai ser subjugada do mesmo modo que o homem foi.

ISTO Mas em pases europeus, por exemplo, h umagrande preocupao com qualidade de vida, que incluio tempo com a famlia.Lobos Na Europa diferente. At os homens tm licena maternidade prolongada. H uma tradio socializante. O Estado cuida do cidado, com sade, educao, previdncia. A questo ideolgica condiciona a economia. Nos EUA, o contrrio. O Estado no financia nem as empresas tm subsdios por isso. Para mudar alguma coisa, preciso ser politicamente forte. Nos EUA, o ministro responsvel pela rea de comunicaes recebeu uma carta com cerca de um milho de assinaturas de mulheres que no querem apenas ser contratadas, mas tambm galgar postos de comando e salrios.

ISTO necessrio, ento, fazer mais barulho?Lobos Se no mercado h centenas de cargos de diretoria e eu tenho apenas duas ou trs mulheres na disputa, por que se preocupar com elas? Agora, se houvesse 250 contra 250 seria outra histria. As mulheres no ocuparam nem os 30% a que tinham direito nos partidos polticos. E isso ocorre tanto aqui quanto na Inglaterra. A mulher, em geral, no tem apetite para o poder como o homem tem.

ISTO Mas tem a preocupao com o bem comum. Por que isso no se traduz em representao poltica?Lobos A mulher poderosa ralou muito para chegar onde est. Ela sabe disso e, em geral, est preocupada em se sustentar onde est. Quanto mais se sobe mais o ar fica rarefeito. No h unio nem interesse em asfaltar o caminho para as que vm atrs.

ISTO A mulher proletria tem mais capacidade de organizao que a executiva?Lobos Historicamente sim. As primeiras expresses feministas foram de artistas no sculo XIV. Depois, as feministas vindas do movimento sindical europeu. Elas encontraram guarida para as suas idias nas assemblias sindicais entre as duas grandes guerras. Muitos criticam o movimento feminista, mas foi ele que conseguiu mudar alguma coisa. Uma mulher executiva tratada na empresa como executiva, enquanto uma mulher no seio do sindicato tem que ser tratada como fora poltica. Dentro das empresas, a mulher se diz feliz e no discriminada. Ela desfruta uma posio de equilbrio perante seus colegas homens nas reunies, no relacionamento no trabalho. Nesse sentido, no discriminada. Mas ela no ocupa 50% dos cargos executivos e ganha menos.

ISTO Ela considera a discriminao subjetiva e no a objetiva?Lobos Exatamente. Ela no v ou no quer ver a discriminao. Ela se preocupa com discriminao cosmtica. Mas isso no a leva a melhores salrios e cargos. H dez anos sai da Getlio Vargas e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de So Paulo, o mesmo nmero de homens e mulheres formados. Como se explica um desnvel to grande dentro das empresas? Esse um indicador de que h uma discriminao institucional.

Luta feminina A igualdade entre mulheres e homens fundamental para um efetivo combate pobreza extrema e fome no Brasil e no mundo. Esta tese foi apresentada na sexta-feira 7 pela ministra da Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres, Emlia Fernandes, 53 anos, na sesso da ONU em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Esta foi a primeira vez, em 47 anos, que o Brasil foi representado na sesso especial por uma mulher do primeiro escalo. Segundo a ministra, o Programa Fome Zero, criado pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva, um bom exemplo. Nas reas carentes do Brasil, a maioria das casas tem mulheres como responsveis, pois os homens migraram para outras regies em busca de emprego, comenta. Emlia destacou a experincia de Lula, filho de migrantes e membro de uma famlia que teve como chefe da casa a me, como fator positivo para defender a causa das mulheres.

A ex-senadora do PT do Rio Grande do Sul defendeu a paz e relatou as mudanas que o governo Lula est realizando. Pela primeira vez, o Brasil tem quatro ministras mulheres, destacou. Emlia falou em portugus, com trechos em espanhol em homenagem ao Mercosul. Criada em Livramento, na fronteira com o Uruguai, ela tem o espanhol como segunda lngua. Foi uma opo poltica falar em portugus, afirmou. Quando voltar de Nova York, Emlia Fernandes, que me de dois filhos, vai se engajar na luta pela preservao das conquistas das mulheres, como a licena maternidade de 120 dias e a aposentadoria aos 55 anos. J avisei ao Ricardo Berzoini (ministro da Previdncia) que isto intocvel. E vou integrar as mulheres nessa luta, afirma. Como aliadas, ela inclui as outras trs ministras, as 44 deputadas federais e as dez senadoras. As mulheres realmente esto vivendo mais. Mas tm uma sobrecarga de vida, pois trabalham, cuidam das tarefas domsticas, dos doentes, dos idosos e, claro, dos filhos. , no mnimo, uma tripla jornada de trabalho, afirma.

Eduardo Hollanda