tipo penal e a teoria do fato punível
DESCRIPTION
tipo penal. tipicidade. teoria do crime. direito penal.TRANSCRIPT
![Page 1: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/1.jpg)
O TIPO PENAL E A TEORIA DO FATO PUNÍVEL
PEDRO LUCIANO EVANGELISTA FERREIRA
Advogado e professor de Criminologia e Direito Penal
Mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Candido Mendes
http://lattes.cnpq.br/0622287330666595
1. Introdução
Na vida cotidiana, as pessoas praticam uma variada gama de
condutas. Algumas destas condutas são indesejáveis e conflitivas socialmente
e precisam de certos freios e inibições para que sua realização seja
desestimulada.
Dependendo do grau de indesejabilidade que esta conduta
possua dada a lesão ocasionada ao perfeito funcionamento do sistema social,
as respostas correspondentes darão ensejo ao surgimento de normas
sancionatórias, como ocorre com as leis penais que proíbem determinadas
ações ou omissões sob ameaça de pena.
Por força do Princípio da Legalidade (nullum crimen, nulla poena,
sine lege) - que adquire especial importância no Direito Penal,
consubstanciando-se na reserva absoluta de lei formal - nenhuma conduta
pode ser considerada crime se não for integralmente prevista em lei como tal,
ou seja, buscando tutelar determinados bens jurídicos (valores ou interesses
socialmente relevantes, reconhecidos e tutelados pelo Direito) o Estado deve
especificar em lei de modo prévio, expresso e taxativo não só as condutas que
![Page 2: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/2.jpg)
2
são passíveis de punição mas de igual forma as penalidades previstas para a
injustificada realização da conduta típica por agentes imputáveis.
Esta marcante limitação ao poder punitivo foi conquistada pela
Escola Clássica que buscou tornar racional a definição de crimes e aplicação
de penas, reagindo ao arbítrio e abuso antes presentes, não obstante
MONTESQUIEU e BECCARIA tenham esquadrinhado a idéia de que só a lei
poderia definir crime e penas.
Como o legislador não pode descrever casuisticamente todas as
condutas humanas ele faz uso de fórmulas conceituais gerais e abstratas que
explicitam quais as condutas são penalmente relevantes, estas fórmulas legais
recebem a denominação de “tipo” e possuem fundamental importância dentro
da teoria do fato punível, já que a tipicidade é considerada como a mais
importante categoria cuja presença converte uma conduta em comportamento
criminoso1.
Este é o tema tratado pelo presente trabalho, o tipo penal, sua
conceituação, suas funções e a evolução do conceito de tipo dentro da teoria
geral do delito, cumprindo esclarecer que as considerações ora realizadas
serão breves e propedêuticas, sem a pretensão de esgotar o assunto, tendo
em vista a limitação de espaço gentilmente concedido.
Vale lembrar que a teoria geral do delito, teoria jurídica do crime
ou teoria do fato punível constitui o cerne do Direito Penal, “o segmento
principal da dogmática penal”2 porque destina-se explicar as características
gerais e essenciais da conduta punível e de seu autor, assinalando os
caracteres constitutivos gerais e comuns a todos os fatos puníveis3, descobrir a
“essência do conceito geral do delito”4, tratando da chamada parte geral5.
1 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e
Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 1988, p. 41. 2 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2000. p. 01. 3 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Trad. Juan Busto Ramirez e Sérgio Yáñez Pérez.
Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970. 4 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria Geral do Delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e
Luis Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 01 5 Nota do Autor: Parte Geral do CP brasileiro - arts. 1 usque 120.
![Page 3: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/3.jpg)
3
2. Conceito de tipo
Como visto o legislador escolhe determinadas condutas e as
descreve como comportamento proibido ou obrigatório, esta descrição
realizada da matéria da norma penal é o “tipo”, elemento logicamente
necessário já que antes é preciso identificar o objeto (conduta) para que só
então recaiam sobre ele os juízos de desvalor (antijuridicidade) e
reprovabilidade (culpabilidade).
A expressão “tipo” é tradução livre da palavra Tatbestand
provinda do vernáculo tedesco cuja significação é “hipótese de fato” (facti
species ou fattispecie no vernáculo italiano) e representa somente a descrição
realizada pela lei porquanto deve existir distinção entre o desenho abstrato de
um evento e sua concretude factual. O tipo representa o “modelo legal do
comportamento proibido, compreendendo o conjunto de características
objetivas e subjetivas do fato punível”6 que realiza a valoração jurídica do
comportamento.
Outra necessária distinção a ser realizada é entre tipo e tipicidade
visto que estes conceitos são distintos apesar de estarem intimamente
relacionados. Enquanto que o tipo é o arquétipo conceitual previsto em lei, a
tipicidade é a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma jurídica e
toda vez que isso acontece, com a conseqüente efusão de efeitos jurídicos,
estar-se-á diante da fenomenologia do direito.
Podemos assim verificar que o tipo é a descrição abstrata da
ação contida no texto legal ao passo que a tipicidade é um atributo ou
predicado que pertence a conduta. O fato ou também chamado evento é o
acontecimento concreto que não está preso ao mundo das normas jurídicas e
se verifica na realidade fenomênica, na concretude factual.
6 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 4ª ed. rev. por Fernando
Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 153.
![Page 4: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/4.jpg)
4
Como bem esclarece WESSELS7, deve se diferenciar três
conceitos especialmente importantes ao preciso trato da questão: tipo,
conseqüência jurídica e fato. A conseqüência jurídica é a reação penal que
pode ser uma pena ou uma medida de segurança dependendo da presença ou
não de capacidade jurídico-penal do agente (maioridade penal - 18 anos - e
normal constituição, desenvolvimento e funcionamento do aparelho psíquico -
saúde mental) e da existência da punibilidade. Aos pressupostos legais
normativos denomina-se tipo, enquanto que a matéria real do acontecimento a
ser julgado constitui o fato. O exame que verifica se o tipo penal foi preenchido
pelos elementos singulares do fato denomina-se subsunção.
3. Evolução conceitual do tipo
Em períodos remotos a aplicação de penalidades era arbitrária e
incerta, não seguia a ordenamentos jurídicos, mas sim o alvitre do julgador
que, via de regra enfeixava em suas mãos os papéis de legislador e executor.
Quatro períodos distintos marcam o direito penal primitivos: a perda da paz,
vingança indeterminada, vingança talional e a composição.
A partir do primitivo conceito de corpus delicti que era encontrado
no bojo das antigas leis latinas é que originou a expressão Tatbestand, da qual
surge a versão tipo. Trabalhando o conceito de corpus delicti a doutrina chegou
a enquadrá-lo como o somatório dos caracteres externos e internos do delito
visando maior objetividade e abstração na busca pela certeza e segurança
necessárias à uma sentença correta, resultado de uma atividade punitiva
racional.
Todavia, foi somente em 1906, com o advento da obra de BELING
(Lehre von Verbrechen) é que se verifica a elaboração do conceito de tipo,
então entendido como a descrição neutra e avalorativa da conduta prevista na
7 WESSELS, Johannes. Direito Penal (aspectos fundamentais). Tradução do original alemão e
notas de Juarez Tavares. Porto Alegre, Fabris, 1976. p. 07
![Page 5: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/5.jpg)
5
lei penal (tipicidade objetivo-descritiva), porquanto a expressão Tatbestand era
anteriormente utilizada para indicar o fato (corpo de delito).
Observa JUAREZ TAVARES que o conceito de tipo proposto por
BELING revolucionou o Direito Penal, podendo ser considerada tal elaboração
- revista em 1930 pelo próprio BELING - como a maior contribuição da teoria
causal que, fornecendo subsídios dogmáticos, possibilitou o surgimento do
conceito analítico de delito8. Contudo, o tipo penal surge inicialmente livre de
juízos de valor, possuindo natureza descritivo-objetiva, conforme se vislumbra
na primeira etapa evolutiva do conceito analítico de crime, o chamado “conceito
clássico” que seguia o esquema “objetivo-subjetivo” proposto por FRANZ VON
LISZT e ERNST VON BELING.
Posteriormente, por influência da filosofia neokantiana que
visualiza quatro estágios para a formação do conhecimento (observar,
descrever, compreender e valorar) todas as categorias conceituais da teoria do
fato punível (conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade) sofrem a incursão de
juízos de valor, consoante a chamada “teoria teleológica do delito”. Assim, a
partir da inclusão dos elementos normativos no tipo, especialmente
desenvolvidos por MEZGER a partir das enunciações deste, de MAYER e de
HEGLER, desfalece a idéia de que este era apenas descritivo e neutro como
queria BELING, à vista disso o tipo passou também a ser o resultado dos juízos
de valor que ora se faziam necessários para determinar em cada caso o que
poderia se entender por expressões como “vantagem indevida”, “coisa alheia”,
“mulher honesta”, “sem justa causa”, ad exemplum.
Com advento da teoria finalista cunhada por HANS WELZEL, ocorre
a última grande mudança estrutural visto que a ação migrou para o tipo - agora
ação tipificada - ocasionando o surgimento de diferenciados tipos gerais de
delito: os tipos comissivos dolosos e culposos e os tipos omissivos pró.
O tipo nos crimes dolosos é formado pela ação delituosa e seus
caracteres identificadores como o objeto, o resultado (onde houver), o modo de
execução, as coordenadas espaço-temporais, a vítima e o bem-jurídico,
elementos estes que formam o tipo objetivo que é a face externa do delito.
![Page 6: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/6.jpg)
6
Integram também o tipo elementos de natureza subjetiva encontradiços na
esfera espiritual, anímica e/ou psicológica e que se dividem em elementos
intencionais do agente (dolo e suas variantes: dolo direto e dolo eventual) e os
elementos subjetivos especiais que seriam motivos e fins especiais de agir,
tendências subjetivas - ou atributos do autor segundo WELZEL - compondo o
tipo subjetivo.
Já nos delitos culposos, além do tipo objetivo, a principal
característica é o tipo subjetivo aberto, pois como não há vontade dirigida para
um resultado é o descumprimento da observância do cuidado objetivo exigível
segundo a previsibilidade objetiva do resultado pelo homo medius que torna a
ação típica. Trabalha-se com dois elementos importantes: a previsibilidade e a
permissibilidade. Quão maior a previsibilidade da ocorrência do fato tanto
menor é a permissibilidade social da conduta e vice e versa. Assim, o agente
em determinadas situações em que a ocorrência do resultado for iminente pode
até deixar de praticar determinadas condutas ou ser obrigado a paralisa-las.
Para tanto basta observar o comportamento esperado de um condutor de
veículo automotor que seja surpreendido com uma briga de dois menores em
vias públicas. Se este fato ocorrer na linha de seu trajeto, o mesmo deve não
só reduzir a velocidade como até fazer cessar o movimento buscando evitar o
previsível resultado (atropelamento), não obstante a sinalização lhe permita
seguir adiante (sinal verde).
Para os delitos omissivos a desobediência ao comando de agir
contido na norma (omissivos próprios – vide art. 135 do CP) independente de
dano ou perigo, ou ainda, a violação de um dever jurídico de agir legalmente
determinado (omissivos impróprios – vide parágrafo segundo do art. 13 do CP)
é que caracterizam o tipo.
4. Funções do tipo
8 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: variações e tendências. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p. 21.
![Page 7: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/7.jpg)
7
As considerações doutrinárias sobre as funções que o tipo
desempenha não são unívocas apesar de guardarem semelhanças entre si. Ad
ilustrandum, cite-se LUIZ REGIS PRADO9 que visualiza no tipo penal quatro
funções quais sejam a de seleção e garantia, fundamento de ilicitude, criação
do mandamento proibitivo e por fim a delimitação do iter criminis.
Já MUÑOZ CONDE10 preleciona que o tipo tem uma tríplice função,
a seletora, a de garantia e a de motivação geral - ou “instrução” na terminologia
de BUSTO RAMÍREZ11 - já que mostra aos cidadãos quais são as condutas
proibidas e suas respectivas penas visando a abstenção de sua prática. Doutra
banda, HELENO FRAGOSO12 e ÁLVARO MAYRINK DA COSTA
13 indicam duas funções
para o tipo penal: a função de garantia e a função de fundamento (indício) para
a antijuridicidade já que a tipicidade é considerada por muitos como elemento
cognoscitivo da antijuridicidade.
O que podemos asseverar é que o tipo - ao descrever as
condutas proibidas (jamais idéias ou estados pessoais) - clarifica aos cidadãos
quais as condutas a que devem se abster, delimitando simultaneamente a
reação punitiva do Estado haja vista que além de estabelecer categoricamente
o rol de condutas puníveis de igual forma fixa as respectivas penas.
No que tange a relação tipo-antijuridicidade, podemos destacar a
presença de quatro posicionamentos distintos. Forte corrente doutrinária
evidencia que a tipicidade é um pressuposto da antijuridicidade já que as
causas de justificação são consideradas exceções à regra, segundo a Teoria
Indiciária adotada pela doutrina finalista.
Outra concepção, defendida pela Teoria do Tipo Independente
parte de um tipo neutro e avalorativo que não possui elementos normativos e
subjetivos, mas é marcado somente por funções estritamente descritivas como
inicialmente formulado por BELING.
9 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. - 2ª ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 219. 10
Op.cit. p. 42 11
RAMÍREZ, Juan Busto. Manual de derecho penal, parte general, Barcelona: 1989, p. 159. apud TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.171.
12 Op.cit. p. 156
13 Teoria do Tipo. In Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso, Rio de Janeiro:
1992. p.72.
![Page 8: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/8.jpg)
8
Também pode ser encontrada na doutrina a concepção do tipo
como ratio essendi da ilicitude consoante entendimento esposado pela Teoria
da Identidade que identifica as causas de exclusão de ilicitude como elementos
negativos do tipo, e por fim não se olvide a Teoria dos Elementos Negativos do
Tipo que parte da concepção da Teoria da Identidade defendendo a idéia de
que a tipicidade só ocorre quando existe, também, a antijuridicidade, ou seja, o
“tipo de injusto completo” engloba a ilicitude de modo que as excludentes de
ilicitude afastam de igual forma a tipicidade.
Segundo o entendimento esposado por MUÑOZ CONDE, entre
outros, tipo e antijuridicidade não podem juntar-se. O tipo pode servir, no
máximo, de indício da antijuridicidade (ratio cognoscendi), mas jamais poderá
se confundir com esta (ratio essendi)14. Não obstante, sublinha JUAREZ TAVARES
em precisa elucubração que, questionando-se o tipo de injusto e os preceitos
autorizadores da conduta em face dos direitos fundamentais, o tipo não pode
mais servir de indício para a antijuridicidade tendo em vista a sujeição de
ambos ao mesmo crivo para verificar se a incriminação da conduta possui ou
não, no seu todo, independentemente de sua previsão legal, incompatibilidade
com a ordem democrática.15
5. Tipos abertos e tipos fechados
Quando do momento embriogênico da norma penal o legislador
faz uso de fórmulas gerais e abstratas para definir a matéria de proibição, neste
importante processo criativo, por força do Princípio da Reserva de Lei (Vorbehalt
des Gesetzes) ou estrita legalidade, não podem ser utilizados termos amplos e
vagos para as normas penais (e tributárias) já que a descrição legal deve
taxativamente conter e identificar todos os elementos da conduta proibida.
Quando ao aplicador da lei é necessário fazer uso de recursos ou
regras que não estejam contidos no tipo penal diz-se que o tipo é aberto, ao
14
Op.cit. p. 43 15
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 161.
![Page 9: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/9.jpg)
9
contrário dos tipos fechados em que a descrição e individualização da conduta
são perfeitamente traçadas no tipo penais, ou seja, não há necessidade de
recorrer-se a outros elementos que não os contidos no tipo. Não confundir com
a norma penal em branco que possui a completa descrição da conduta e só
precisa recorrer a outra norma jurídica para esclarecimento de ordem técnica,
por exemplo: lista de doenças cuja notificação é compulsória (art. 269 – CP),
tabelamento de preços, etc.
6. Tipos legais e tipos judiciais
O Princípio da Legalidade representa um dos princípios
essenciais do Estado Moderno e atualmente é perfilhado pela maioria das
constituições dos países pertencentes ao chamado mundo ocidental,
constituindo uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das
liberdades individuais. No Brasil foi adotado por todas as Constituições e
Códigos Penais.
Exprimindo um axioma de fundamental importância para o direito
público contemporâneo, referido princípio - fortalecido pelo Estado de Direito -
determina que somente por meio de lei é que poderão ser considerados delitos
certas condutas, neste intento, respeitado outro princípio basilar que é o da
separação dos poderes, a exemplo do que ocorre no sistema jurídico brasileiro,
compete somente ao legislador cunhar e alterar os tipos, em tal caso os tipos
vão receber a denominação de “tipos legais”.
No entanto alguns regimes jurídicos, v.g. o nacional-socialista
alemão e os soviéticos primitivos, admitiam a aplicação da analogia e
conseguintemente permitiam ao juiz a formulação os tipos que por suas
características passaram a receber a alcunha de “tipos judiciais”, contudo
impende esclarecer que estes sistemas de tipos judiciais praticamente
inexistem atualmente.
![Page 10: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/10.jpg)
10
Sobreleva notar-se que os sistemas jurídicos de tipo são dotados
de caráter ideal já que não existe tipo legal absoluto ou tipo judicial irrestrito,
consoante esclarecedora lição de ZAFFARONI.16
7. O esquema típico
O esquema típico, como se sabe, encerra uma conduta ilícita
abstratamente prevista. Assim, para que uma conduta humana possa ser
entendida como ilícita necessariamente deverá subsumir-se ao esquema típico
abstratamente posto na lei penal. O juízo de subsunção implica que não
somente os elementos objetivos descritos no tipo estejam presentes na ação
humana, como também os elementos subjetivo e normativo, se previsto.
O tipo funciona como um molde ao qual a conduta, para ser
considerada típica, deve ajustar-se perfeitamente. Caso contrário, o fato será
tido como atípico e, desse modo, não existirá a possibilidade de aplicação da
sanção para ele prevista.
Tanto o dolo como a culpa, ambos se encontram atualmente
inseridos no tipo, abraçado que foi o esquema finalista pela reforma da Parte
Geral do Código Penal Brasileiro, ocorrida em 1984. Assim, inexistentes o dolo
e a culpa, o fato se torna atípico, e não mais simplesmente inculpável. Segundo
MAURACH17, “o dolo é querer realizar o tipo objetivo, regido pelo conhecimento. O dolo, portanto,
‘é a finalidade tipificada’, pois ‘a conduta com finalidade típica (que é matéria da proibição) é
dolosa”.
8. Considerações finais
Nesta ordem de considerações, à guisa de lacônica conclusão,
evidencia-se com hialina clareza a importância que o tipo possui na Teoria
Geral do Delito uma vez que na consecução de seus objetivos o Direito Penal
16
ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro - 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 446.
17 Citado por José Henrique Pierangeli, pág. 31.
![Page 11: Tipo Penal e a teoria do fato punível](https://reader036.vdocuments.pub/reader036/viewer/2022081801/5486535ab47959f10c8b5153/html5/thumbnails/11.jpg)
11
comporta-se como um direito tipológico18 ao necessariamente prever em lei
todo o rol de condutas delitivas com suas respectivas conseqüências jurídicas.
Não obstante críticas de ordem terminológica destacarem que a
tradução da palavra Tatbestand para tipo ocorreu de maneira imprópria19 já que
muitas vezes o que recebe a denominação de tipo na realidade é o seu oposto
(conceito determinado, fechado e classificatório), na ciência penal esta
tradução latino-americana está consolidada e não pode ser ignorado ou
relegado a um segundo plano o papel axial desempenhado pelo tipo, pois
como a abalizada doutrina há muito tem destacado “o tipo é, em última análise,
o núcleo do ilícito penal”.20
9. BIBIOGRAFIA UTILIZADA
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 1988.
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. (Coleção textos de Direito Tributário, v. 14) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.111.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 4ª ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
MAYRINCK DA COSTA, Álvaro. Teoria do Tipo. In Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso, Rio de Janeiro: 1992. p.72.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. - 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: variações e tendências. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1980. ________. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Trad. Juan Busto Ramirez e Sérgio Yáñez Pérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970. WESSELS, Johannes. Direito Penal (aspectos fundamentais). Tradução do original alemão e notas de Juarez Tavares. Porto Alegre, Fabris, 1976. ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito
Penal Brasileiro - 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
18
PRADO, Luiz Regis. op.cit. p. 218. 19
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. (Coleção textos de Direito Tributário, v. 14) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.111.
20 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: variações e tendências. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p. 69.