tipo penal e a teoria do fato punível

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O TIPO PENAL E A TEORIA DO FATO PUNÍVEL PEDRO LUCIANO EVANGELISTA FERREIRA Advogado e professor de Criminologia e Direito Penal Mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Candido Mendes http://lattes.cnpq.br/0622287330666595 1. Introdução Na vida cotidiana, as pessoas praticam uma variada gama de condutas. Algumas destas condutas são indesejáveis e conflitivas socialmente e precisam de certos freios e inibições para que sua realização seja desestimulada. Dependendo do grau de indesejabilidade que esta conduta possua dada a lesão ocasionada ao perfeito funcionamento do sistema social, as respostas correspondentes darão ensejo ao surgimento de normas sancionatórias, como ocorre com as leis penais que proíbem determinadas ações ou omissões sob ameaça de pena. Por força do Princípio da Legalidade (nullum crimen, nulla poena, sine lege) - que adquire especial importância no Direito Penal, consubstanciando-se na reserva absoluta de lei formal - nenhuma conduta pode ser considerada crime se não for integralmente prevista em lei como tal, ou seja, buscando tutelar determinados bens jurídicos (valores ou interesses socialmente relevantes, reconhecidos e tutelados pelo Direito) o Estado deve especificar em lei de modo prévio, expresso e taxativo não só as condutas que

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Page 1: Tipo Penal e a teoria do fato punível

O TIPO PENAL E A TEORIA DO FATO PUNÍVEL

PEDRO LUCIANO EVANGELISTA FERREIRA

Advogado e professor de Criminologia e Direito Penal

Mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Candido Mendes

http://lattes.cnpq.br/0622287330666595

1. Introdução

Na vida cotidiana, as pessoas praticam uma variada gama de

condutas. Algumas destas condutas são indesejáveis e conflitivas socialmente

e precisam de certos freios e inibições para que sua realização seja

desestimulada.

Dependendo do grau de indesejabilidade que esta conduta

possua dada a lesão ocasionada ao perfeito funcionamento do sistema social,

as respostas correspondentes darão ensejo ao surgimento de normas

sancionatórias, como ocorre com as leis penais que proíbem determinadas

ações ou omissões sob ameaça de pena.

Por força do Princípio da Legalidade (nullum crimen, nulla poena,

sine lege) - que adquire especial importância no Direito Penal,

consubstanciando-se na reserva absoluta de lei formal - nenhuma conduta

pode ser considerada crime se não for integralmente prevista em lei como tal,

ou seja, buscando tutelar determinados bens jurídicos (valores ou interesses

socialmente relevantes, reconhecidos e tutelados pelo Direito) o Estado deve

especificar em lei de modo prévio, expresso e taxativo não só as condutas que

Page 2: Tipo Penal e a teoria do fato punível

2

são passíveis de punição mas de igual forma as penalidades previstas para a

injustificada realização da conduta típica por agentes imputáveis.

Esta marcante limitação ao poder punitivo foi conquistada pela

Escola Clássica que buscou tornar racional a definição de crimes e aplicação

de penas, reagindo ao arbítrio e abuso antes presentes, não obstante

MONTESQUIEU e BECCARIA tenham esquadrinhado a idéia de que só a lei

poderia definir crime e penas.

Como o legislador não pode descrever casuisticamente todas as

condutas humanas ele faz uso de fórmulas conceituais gerais e abstratas que

explicitam quais as condutas são penalmente relevantes, estas fórmulas legais

recebem a denominação de “tipo” e possuem fundamental importância dentro

da teoria do fato punível, já que a tipicidade é considerada como a mais

importante categoria cuja presença converte uma conduta em comportamento

criminoso1.

Este é o tema tratado pelo presente trabalho, o tipo penal, sua

conceituação, suas funções e a evolução do conceito de tipo dentro da teoria

geral do delito, cumprindo esclarecer que as considerações ora realizadas

serão breves e propedêuticas, sem a pretensão de esgotar o assunto, tendo

em vista a limitação de espaço gentilmente concedido.

Vale lembrar que a teoria geral do delito, teoria jurídica do crime

ou teoria do fato punível constitui o cerne do Direito Penal, “o segmento

principal da dogmática penal”2 porque destina-se explicar as características

gerais e essenciais da conduta punível e de seu autor, assinalando os

caracteres constitutivos gerais e comuns a todos os fatos puníveis3, descobrir a

“essência do conceito geral do delito”4, tratando da chamada parte geral5.

1 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e

Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 1988, p. 41. 2 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

2000. p. 01. 3 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Trad. Juan Busto Ramirez e Sérgio Yáñez Pérez.

Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970. 4 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria Geral do Delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e

Luis Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 01 5 Nota do Autor: Parte Geral do CP brasileiro - arts. 1 usque 120.

Page 3: Tipo Penal e a teoria do fato punível

3

2. Conceito de tipo

Como visto o legislador escolhe determinadas condutas e as

descreve como comportamento proibido ou obrigatório, esta descrição

realizada da matéria da norma penal é o “tipo”, elemento logicamente

necessário já que antes é preciso identificar o objeto (conduta) para que só

então recaiam sobre ele os juízos de desvalor (antijuridicidade) e

reprovabilidade (culpabilidade).

A expressão “tipo” é tradução livre da palavra Tatbestand

provinda do vernáculo tedesco cuja significação é “hipótese de fato” (facti

species ou fattispecie no vernáculo italiano) e representa somente a descrição

realizada pela lei porquanto deve existir distinção entre o desenho abstrato de

um evento e sua concretude factual. O tipo representa o “modelo legal do

comportamento proibido, compreendendo o conjunto de características

objetivas e subjetivas do fato punível”6 que realiza a valoração jurídica do

comportamento.

Outra necessária distinção a ser realizada é entre tipo e tipicidade

visto que estes conceitos são distintos apesar de estarem intimamente

relacionados. Enquanto que o tipo é o arquétipo conceitual previsto em lei, a

tipicidade é a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma jurídica e

toda vez que isso acontece, com a conseqüente efusão de efeitos jurídicos,

estar-se-á diante da fenomenologia do direito.

Podemos assim verificar que o tipo é a descrição abstrata da

ação contida no texto legal ao passo que a tipicidade é um atributo ou

predicado que pertence a conduta. O fato ou também chamado evento é o

acontecimento concreto que não está preso ao mundo das normas jurídicas e

se verifica na realidade fenomênica, na concretude factual.

6 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 4ª ed. rev. por Fernando

Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 153.

Page 4: Tipo Penal e a teoria do fato punível

4

Como bem esclarece WESSELS7, deve se diferenciar três

conceitos especialmente importantes ao preciso trato da questão: tipo,

conseqüência jurídica e fato. A conseqüência jurídica é a reação penal que

pode ser uma pena ou uma medida de segurança dependendo da presença ou

não de capacidade jurídico-penal do agente (maioridade penal - 18 anos - e

normal constituição, desenvolvimento e funcionamento do aparelho psíquico -

saúde mental) e da existência da punibilidade. Aos pressupostos legais

normativos denomina-se tipo, enquanto que a matéria real do acontecimento a

ser julgado constitui o fato. O exame que verifica se o tipo penal foi preenchido

pelos elementos singulares do fato denomina-se subsunção.

3. Evolução conceitual do tipo

Em períodos remotos a aplicação de penalidades era arbitrária e

incerta, não seguia a ordenamentos jurídicos, mas sim o alvitre do julgador

que, via de regra enfeixava em suas mãos os papéis de legislador e executor.

Quatro períodos distintos marcam o direito penal primitivos: a perda da paz,

vingança indeterminada, vingança talional e a composição.

A partir do primitivo conceito de corpus delicti que era encontrado

no bojo das antigas leis latinas é que originou a expressão Tatbestand, da qual

surge a versão tipo. Trabalhando o conceito de corpus delicti a doutrina chegou

a enquadrá-lo como o somatório dos caracteres externos e internos do delito

visando maior objetividade e abstração na busca pela certeza e segurança

necessárias à uma sentença correta, resultado de uma atividade punitiva

racional.

Todavia, foi somente em 1906, com o advento da obra de BELING

(Lehre von Verbrechen) é que se verifica a elaboração do conceito de tipo,

então entendido como a descrição neutra e avalorativa da conduta prevista na

7 WESSELS, Johannes. Direito Penal (aspectos fundamentais). Tradução do original alemão e

notas de Juarez Tavares. Porto Alegre, Fabris, 1976. p. 07

Page 5: Tipo Penal e a teoria do fato punível

5

lei penal (tipicidade objetivo-descritiva), porquanto a expressão Tatbestand era

anteriormente utilizada para indicar o fato (corpo de delito).

Observa JUAREZ TAVARES que o conceito de tipo proposto por

BELING revolucionou o Direito Penal, podendo ser considerada tal elaboração

- revista em 1930 pelo próprio BELING - como a maior contribuição da teoria

causal que, fornecendo subsídios dogmáticos, possibilitou o surgimento do

conceito analítico de delito8. Contudo, o tipo penal surge inicialmente livre de

juízos de valor, possuindo natureza descritivo-objetiva, conforme se vislumbra

na primeira etapa evolutiva do conceito analítico de crime, o chamado “conceito

clássico” que seguia o esquema “objetivo-subjetivo” proposto por FRANZ VON

LISZT e ERNST VON BELING.

Posteriormente, por influência da filosofia neokantiana que

visualiza quatro estágios para a formação do conhecimento (observar,

descrever, compreender e valorar) todas as categorias conceituais da teoria do

fato punível (conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade) sofrem a incursão de

juízos de valor, consoante a chamada “teoria teleológica do delito”. Assim, a

partir da inclusão dos elementos normativos no tipo, especialmente

desenvolvidos por MEZGER a partir das enunciações deste, de MAYER e de

HEGLER, desfalece a idéia de que este era apenas descritivo e neutro como

queria BELING, à vista disso o tipo passou também a ser o resultado dos juízos

de valor que ora se faziam necessários para determinar em cada caso o que

poderia se entender por expressões como “vantagem indevida”, “coisa alheia”,

“mulher honesta”, “sem justa causa”, ad exemplum.

Com advento da teoria finalista cunhada por HANS WELZEL, ocorre

a última grande mudança estrutural visto que a ação migrou para o tipo - agora

ação tipificada - ocasionando o surgimento de diferenciados tipos gerais de

delito: os tipos comissivos dolosos e culposos e os tipos omissivos pró.

O tipo nos crimes dolosos é formado pela ação delituosa e seus

caracteres identificadores como o objeto, o resultado (onde houver), o modo de

execução, as coordenadas espaço-temporais, a vítima e o bem-jurídico,

elementos estes que formam o tipo objetivo que é a face externa do delito.

Page 6: Tipo Penal e a teoria do fato punível

6

Integram também o tipo elementos de natureza subjetiva encontradiços na

esfera espiritual, anímica e/ou psicológica e que se dividem em elementos

intencionais do agente (dolo e suas variantes: dolo direto e dolo eventual) e os

elementos subjetivos especiais que seriam motivos e fins especiais de agir,

tendências subjetivas - ou atributos do autor segundo WELZEL - compondo o

tipo subjetivo.

Já nos delitos culposos, além do tipo objetivo, a principal

característica é o tipo subjetivo aberto, pois como não há vontade dirigida para

um resultado é o descumprimento da observância do cuidado objetivo exigível

segundo a previsibilidade objetiva do resultado pelo homo medius que torna a

ação típica. Trabalha-se com dois elementos importantes: a previsibilidade e a

permissibilidade. Quão maior a previsibilidade da ocorrência do fato tanto

menor é a permissibilidade social da conduta e vice e versa. Assim, o agente

em determinadas situações em que a ocorrência do resultado for iminente pode

até deixar de praticar determinadas condutas ou ser obrigado a paralisa-las.

Para tanto basta observar o comportamento esperado de um condutor de

veículo automotor que seja surpreendido com uma briga de dois menores em

vias públicas. Se este fato ocorrer na linha de seu trajeto, o mesmo deve não

só reduzir a velocidade como até fazer cessar o movimento buscando evitar o

previsível resultado (atropelamento), não obstante a sinalização lhe permita

seguir adiante (sinal verde).

Para os delitos omissivos a desobediência ao comando de agir

contido na norma (omissivos próprios – vide art. 135 do CP) independente de

dano ou perigo, ou ainda, a violação de um dever jurídico de agir legalmente

determinado (omissivos impróprios – vide parágrafo segundo do art. 13 do CP)

é que caracterizam o tipo.

4. Funções do tipo

8 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: variações e tendências. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1980, p. 21.

Page 7: Tipo Penal e a teoria do fato punível

7

As considerações doutrinárias sobre as funções que o tipo

desempenha não são unívocas apesar de guardarem semelhanças entre si. Ad

ilustrandum, cite-se LUIZ REGIS PRADO9 que visualiza no tipo penal quatro

funções quais sejam a de seleção e garantia, fundamento de ilicitude, criação

do mandamento proibitivo e por fim a delimitação do iter criminis.

Já MUÑOZ CONDE10 preleciona que o tipo tem uma tríplice função,

a seletora, a de garantia e a de motivação geral - ou “instrução” na terminologia

de BUSTO RAMÍREZ11 - já que mostra aos cidadãos quais são as condutas

proibidas e suas respectivas penas visando a abstenção de sua prática. Doutra

banda, HELENO FRAGOSO12 e ÁLVARO MAYRINK DA COSTA

13 indicam duas funções

para o tipo penal: a função de garantia e a função de fundamento (indício) para

a antijuridicidade já que a tipicidade é considerada por muitos como elemento

cognoscitivo da antijuridicidade.

O que podemos asseverar é que o tipo - ao descrever as

condutas proibidas (jamais idéias ou estados pessoais) - clarifica aos cidadãos

quais as condutas a que devem se abster, delimitando simultaneamente a

reação punitiva do Estado haja vista que além de estabelecer categoricamente

o rol de condutas puníveis de igual forma fixa as respectivas penas.

No que tange a relação tipo-antijuridicidade, podemos destacar a

presença de quatro posicionamentos distintos. Forte corrente doutrinária

evidencia que a tipicidade é um pressuposto da antijuridicidade já que as

causas de justificação são consideradas exceções à regra, segundo a Teoria

Indiciária adotada pela doutrina finalista.

Outra concepção, defendida pela Teoria do Tipo Independente

parte de um tipo neutro e avalorativo que não possui elementos normativos e

subjetivos, mas é marcado somente por funções estritamente descritivas como

inicialmente formulado por BELING.

9 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. - 2ª ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 219. 10

Op.cit. p. 42 11

RAMÍREZ, Juan Busto. Manual de derecho penal, parte general, Barcelona: 1989, p. 159. apud TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.171.

12 Op.cit. p. 156

13 Teoria do Tipo. In Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso, Rio de Janeiro:

1992. p.72.

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8

Também pode ser encontrada na doutrina a concepção do tipo

como ratio essendi da ilicitude consoante entendimento esposado pela Teoria

da Identidade que identifica as causas de exclusão de ilicitude como elementos

negativos do tipo, e por fim não se olvide a Teoria dos Elementos Negativos do

Tipo que parte da concepção da Teoria da Identidade defendendo a idéia de

que a tipicidade só ocorre quando existe, também, a antijuridicidade, ou seja, o

“tipo de injusto completo” engloba a ilicitude de modo que as excludentes de

ilicitude afastam de igual forma a tipicidade.

Segundo o entendimento esposado por MUÑOZ CONDE, entre

outros, tipo e antijuridicidade não podem juntar-se. O tipo pode servir, no

máximo, de indício da antijuridicidade (ratio cognoscendi), mas jamais poderá

se confundir com esta (ratio essendi)14. Não obstante, sublinha JUAREZ TAVARES

em precisa elucubração que, questionando-se o tipo de injusto e os preceitos

autorizadores da conduta em face dos direitos fundamentais, o tipo não pode

mais servir de indício para a antijuridicidade tendo em vista a sujeição de

ambos ao mesmo crivo para verificar se a incriminação da conduta possui ou

não, no seu todo, independentemente de sua previsão legal, incompatibilidade

com a ordem democrática.15

5. Tipos abertos e tipos fechados

Quando do momento embriogênico da norma penal o legislador

faz uso de fórmulas gerais e abstratas para definir a matéria de proibição, neste

importante processo criativo, por força do Princípio da Reserva de Lei (Vorbehalt

des Gesetzes) ou estrita legalidade, não podem ser utilizados termos amplos e

vagos para as normas penais (e tributárias) já que a descrição legal deve

taxativamente conter e identificar todos os elementos da conduta proibida.

Quando ao aplicador da lei é necessário fazer uso de recursos ou

regras que não estejam contidos no tipo penal diz-se que o tipo é aberto, ao

14

Op.cit. p. 43 15

TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 161.

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9

contrário dos tipos fechados em que a descrição e individualização da conduta

são perfeitamente traçadas no tipo penais, ou seja, não há necessidade de

recorrer-se a outros elementos que não os contidos no tipo. Não confundir com

a norma penal em branco que possui a completa descrição da conduta e só

precisa recorrer a outra norma jurídica para esclarecimento de ordem técnica,

por exemplo: lista de doenças cuja notificação é compulsória (art. 269 – CP),

tabelamento de preços, etc.

6. Tipos legais e tipos judiciais

O Princípio da Legalidade representa um dos princípios

essenciais do Estado Moderno e atualmente é perfilhado pela maioria das

constituições dos países pertencentes ao chamado mundo ocidental,

constituindo uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das

liberdades individuais. No Brasil foi adotado por todas as Constituições e

Códigos Penais.

Exprimindo um axioma de fundamental importância para o direito

público contemporâneo, referido princípio - fortalecido pelo Estado de Direito -

determina que somente por meio de lei é que poderão ser considerados delitos

certas condutas, neste intento, respeitado outro princípio basilar que é o da

separação dos poderes, a exemplo do que ocorre no sistema jurídico brasileiro,

compete somente ao legislador cunhar e alterar os tipos, em tal caso os tipos

vão receber a denominação de “tipos legais”.

No entanto alguns regimes jurídicos, v.g. o nacional-socialista

alemão e os soviéticos primitivos, admitiam a aplicação da analogia e

conseguintemente permitiam ao juiz a formulação os tipos que por suas

características passaram a receber a alcunha de “tipos judiciais”, contudo

impende esclarecer que estes sistemas de tipos judiciais praticamente

inexistem atualmente.

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10

Sobreleva notar-se que os sistemas jurídicos de tipo são dotados

de caráter ideal já que não existe tipo legal absoluto ou tipo judicial irrestrito,

consoante esclarecedora lição de ZAFFARONI.16

7. O esquema típico

O esquema típico, como se sabe, encerra uma conduta ilícita

abstratamente prevista. Assim, para que uma conduta humana possa ser

entendida como ilícita necessariamente deverá subsumir-se ao esquema típico

abstratamente posto na lei penal. O juízo de subsunção implica que não

somente os elementos objetivos descritos no tipo estejam presentes na ação

humana, como também os elementos subjetivo e normativo, se previsto.

O tipo funciona como um molde ao qual a conduta, para ser

considerada típica, deve ajustar-se perfeitamente. Caso contrário, o fato será

tido como atípico e, desse modo, não existirá a possibilidade de aplicação da

sanção para ele prevista.

Tanto o dolo como a culpa, ambos se encontram atualmente

inseridos no tipo, abraçado que foi o esquema finalista pela reforma da Parte

Geral do Código Penal Brasileiro, ocorrida em 1984. Assim, inexistentes o dolo

e a culpa, o fato se torna atípico, e não mais simplesmente inculpável. Segundo

MAURACH17, “o dolo é querer realizar o tipo objetivo, regido pelo conhecimento. O dolo, portanto,

‘é a finalidade tipificada’, pois ‘a conduta com finalidade típica (que é matéria da proibição) é

dolosa”.

8. Considerações finais

Nesta ordem de considerações, à guisa de lacônica conclusão,

evidencia-se com hialina clareza a importância que o tipo possui na Teoria

Geral do Delito uma vez que na consecução de seus objetivos o Direito Penal

16

ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro - 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 446.

17 Citado por José Henrique Pierangeli, pág. 31.

Page 11: Tipo Penal e a teoria do fato punível

11

comporta-se como um direito tipológico18 ao necessariamente prever em lei

todo o rol de condutas delitivas com suas respectivas conseqüências jurídicas.

Não obstante críticas de ordem terminológica destacarem que a

tradução da palavra Tatbestand para tipo ocorreu de maneira imprópria19 já que

muitas vezes o que recebe a denominação de tipo na realidade é o seu oposto

(conceito determinado, fechado e classificatório), na ciência penal esta

tradução latino-americana está consolidada e não pode ser ignorado ou

relegado a um segundo plano o papel axial desempenhado pelo tipo, pois

como a abalizada doutrina há muito tem destacado “o tipo é, em última análise,

o núcleo do ilícito penal”.20

9. BIBIOGRAFIA UTILIZADA

CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 1988.

DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. (Coleção textos de Direito Tributário, v. 14) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.111.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 4ª ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

MAYRINCK DA COSTA, Álvaro. Teoria do Tipo. In Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso, Rio de Janeiro: 1992. p.72.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. - 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: variações e tendências. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1980. ________. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Trad. Juan Busto Ramirez e Sérgio Yáñez Pérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970. WESSELS, Johannes. Direito Penal (aspectos fundamentais). Tradução do original alemão e notas de Juarez Tavares. Porto Alegre, Fabris, 1976. ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito

Penal Brasileiro - 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

18

PRADO, Luiz Regis. op.cit. p. 218. 19

DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. (Coleção textos de Direito Tributário, v. 14) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.111.

20 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: variações e tendências. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1980, p. 69.