título: contraponto: arquitetura contemporânea e patrimônio...
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Título: Contraponto: Arquitetura Contemporânea e Patrimônio Histórico ILUSTRAÇÃO: Obra do Arquiteto Geder Meotti AMBIÊNCIA: Cidade de Antônio Prado
Autores: Cíntia Neves Bohmgahren e Felipe Herrmann Fontoura
Curso: Arquitetura e Urbanismo
Resumo: O presente artigo trata da questão entre a relação da Arquitetura Contemporânea
frente ao Patrimônio Preservado. Para tanto toma como estudo de caso a Galeria Comercial,
uma das obras do Arquiteto Geder Meotti em Antônio Prado, interior do Rio Grande do
Sul. Esta foi executada em terreno lindeiro à Casa Grazziotin, um dos 48 imóveis tombados
pelo IPHAN, na cidade. Geder mostra que os fatores condicionantes para preservação do
monumento tombado não limitam a concepção do projeto. Ao contrário, podem servir
como diretrizes para a criação de um novo espaço que atente a um programa
contemporâneo.
Palavras-chave: Arquitetura, Patrimônio Histórico, Contextualismo, Geder Meotti,
Antônio Prado, Arquitetura da Imigração Italiana
INTRODUÇÃO
A relação entre a arquitetura contemporânea e a antiga se torna uma questão delicada
quando se trata de patrimônio histórico. Um edifício tombado torna-se fator condicionante
de projeto, além das imposições da legislação vigente e, claro, o entorno imediato em que o
projeto estará inserido. Isso, porque exige que seja mantida a percepção do espaço, livre do
impacto de interferências tanto visuais quanto funcionais.
Para aprofundar conhecimentos nesse assunto, foi feito um estudo sobre dois dos
projetos do arquiteto Geder Meotti 1, um arquiteto contemporâneo que atua em Antônio
Prado, fundada por imigrantes italianos e que abriga um casario autêntico da época e por 1 Natural de Porto Alegre, o Arquiteto Geder Meotti é formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1989, e atua na cidade de Antônio Prado deste 1990. Sua obra abrange diversos programas e tipologias. Com criatividade, preza por fazer uma arquitetura simples. Por isso, emprega materiais tradicionais de forma não convencional, não deixando de lado as questões do contextualismo. Utiliza planos de vidro e perfis metálicos em contraste com a madeira e a pedra. O arquiteto afirma que "a obra arquitetônica deve marcar sua época de construção. Isto é fundamental.”
isso declarada “cidade patrimônio nacional", em 1988, pelo então SPHAN-Pró-Memória 2.
“Devemos, (...), de qualquer maneira, garantir a compreensão de nossa memória social
preservando o que for significativo, dentro de nosso vasto repertório de elementos
componentes do patrimônio histórico cultural. É Essa justificativa do 'porque preservar’”.3
Com este estudo tem-se a intenção de conhecer os critérios de avaliação do
monumento segundo os aspectos históricos, arquitetônico, artístico e cultural e
considerando as exigências do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN). Em outras palavras o objetivo é examinar, analisar e depreender como é
executado este tipo de trabalho: o projeto de algo completamente novo e atual vizinho a um
prédio tombado.
Agradecemos ao Arquiteto Geder Meotti, pela paciência e atenção, e aos Professores
Helena Karpouzas , Luiz Antônio Custódio, Maturino Luz e Paulo Reyes, pela colaboração.
HISTÓRICO DA CIDADE DE ANTÔNIO PRADO
No século XIX, as autoridades lusas e, posteriormente as brasileiras, introduziram no
país, cidadãos europeus de origem não ibérica, predominantemente de povos prussianos e
latinos. Resolvia-se, assim, tanto problemas europeus, de excessivo crescimento
populacional e de impossibilidade de emprego para todos, quanto brasileiros que era a falta
de mão-de-obra decorrente da proibição do tráfico de escravos vindos da África, imposta
pela Inglaterra, em 1850 4. Por trás disso, o governo brasileiro tinha também intenções de
ampliar os domínios territoriais, preenchendo terras devolutas e branqueando a população
brasileira que era de maioria negra 5 .
2 SPHAN-Pró-memória (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) criado em 1937, atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), vinculado ao Ministério da Cultura para proteger bens e monumentos históricos. 3 LEMOS, Carlos A. C.. O Que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 2000. p.29. Coleção Primeiros Passos. 4 DE BONI, Luis Alberto. Um pouco de história. In: POSENATO, Júlio (org.) Antônio Prado: Cidade Histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. pgs.6-10. 5 BOHMGAHREN, Cíntia; FONTOURA, Felipe Herrmann. Anotações pessoais durante a aula sobre a ‘Arquitetura das Imigrações Européias Tardias: Alemães & Italianos’ ministrado pelo Prof. Maturino Luz. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UniRitter. 17 de set. 2002
Em 1870, a Prússia em sua política restritiva tornava cada vez mais difícil a saída da
Alemanha (unificada em 1824) em direção ao Brasil (independente em 1822). É nesse
mesmo ano que se conclui a unificação da Itália que "significou a imposição de um sistema
capitalista de produção a um mundo de estruturas semi-feudais" 6. Impostos, indústrias,
economia monetária, queda de alfândega, entre outras novas medidas, acabaram arrasando
com a velha economia agrária. Nos campos existia a fome, mas a cidade mão conseguia
oferecer trabalho para tanta gente. A válvula que impediu maiores revoltas e dispensou
grandes reformas sociais foi a emigração, principalmente para os Estados Unidos, a
Argentina e o Brasil 7 . Era então justamente o povo italiano o mais propenso a deixar sua
terra natal.
A partir de 1875, em poucos anos, grande parte dos lotes das colônias do Nordeste da
Província de São Pedro, hoje Estado do Rio Grande do Sul, foi ocupado pelos italianos,
passando também a atravessar o Rio das Antas e o São Marcos. Dez anos a de ser
demarcada, a qual deu-se o nome de Antônio Prado em homenagem a um fazendeiro
paulista conselheiro, senador e ministro Antônio da Silva Prado 8. Oficialmente fundada
como Sexta e última das chamadas "colônias antigas de imigração italiana" em 14 de Maio
de 1886. Em 1894, passa a ser o 5º distrito de Vacaria. Em 11 de fevereiro de 1899, o então
governador do Estado, Dr. Júlio de Castilhos, cria o município de Antônio Prado,
nomeando o Coronel Inocêncio de Matos Miller seu administrador, que em agosto deste
mesmo ano passa a intendente.
Em seguida, a colônia já apresentava uma boa produção (grande número de pequenas
indústrias, de estabelecimentos artesanais e casas de comércio) e o governo do Estado,
pretendendo livrar-se dos encargos com estas, emancipa Antônio Prado, que passa a fazer
parte do Município de Vacaria em 1890. Durante este período a cidade de Antônio Prado
conhece a prosperidade, pois era ponto de passagem obrigatória na rota Caxias do Sul para
os campos de Cima da Serra, além de ter-se consolidado como centro comercial da região
nordeste do Rio Grande do Sul.
6 DE BONI, Luis Alberto. Um pouco de história. In: POSENATO, Júlio (org.) Antônio Prado: Cidade Histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. pgs.7. 7 Idem 8 Idem.
Porém, em 1913, a crise nacional e o aumento do custo de vida não deixaram de
abalar inclusive a região colonial italiana, desestruturando o sistema de cooperativas e,
conseqüentemente paralisando as atividades na cidade. A isso atribui-se o fato de a
indústria não Ter vingado por lá. Outro agravante da situação foi a Revolução de 1930.
"(...) A queda dos grandes estabelecimentos de Antônio Prado (...), somado às duas
estradas troncais, a estadual que vinha de Passo Fundo, passou entre Veranópolis e Bento
Gonçalves e sobretudo a antiga BR2, hoje br116, que passou entre Caxias do Sul e Vacaria,
isolando Antônio Prado, são sem sombra de dúvida, as duas causas mais importantes da
decadência e estagnação deste município (...)". 9
Foi justamente este relativo isolamento rodoviário um dos fatores que contribuiu para
a preservação deste patrimônio histórico-cultural 10. E, sendo esta a localidade que melhor
conservou o seu passado em 1988 o SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA declarou Antônio Prado
como "Patrimônio Nacional".
A cidade com suas 48 casas, muitas delas em madeira em estilo típico das construções
da imigração italiana, foi explorada nas filmagens do filme "O Quatrilho", do cineasta
Fábio Barreto, em 1994, inspirado no romance homônimo de José Clemente Pozenato.
Hoje causadora de grande fascínio, a pequena Antônio Prado com seus 12 mil
habitantes, recebe cerca de 80 mil turistas por ano. Sobrevive graças à agricultura, às
indústrias moveleira e moageira e, claro, ao turismo.
9 DE BONI, Luis Alberto. Um pouco de história. In: POSENATO, Júlio (org.) Antônio Prado: Cidade Histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p.9. 10 Idem.
1 - Vista do conjunto de casas tombadas. 2 - Vista da Avenida Waldomiro Bocheese na qual se estrutura a cidade de Antônio Prado. Fotos cedidas pelo arquiteto Geder Meotti.
3 - Vista aérea do centro da cidade Fonte: POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p. 37.
ARQUITETURA DE IMIGRAÇÃO ITALIANA EM ANTÔNIO PRADO
Antônio Prado, assim como os outros núcleos urbanos, sedes das colônias fundadas
pelo governo, foi traçado por engenheiros e agrimensores a serviço deste mesmo governo.
Os imigrantes italianos não exerceram qualquer tipo de influência no traçado urbano da
cidade. A base do desenho ortogonal está nas Leyes de las Indias, estabelecidas pela
Monarquia Espanhola para as cidades de suas colônias.
Sendo assim, Antônio Prado desenvolve-se a partir de uma praça central, fronteira a
uma Igreja Matriz que, diferente do visual italiano, é tida como centro do comércio e da
administração urbana. É desta praça que partem as ruas paralelas e perpendiculares,
configurando os quarteirões regulares sem considerar a topografia e, por isso, sendo por
vezes interrompido por aclives acentuados ou até precipícios.
Estes imigrantes provenientes de regiões como o Vêneto, principalmente, trouxeram
consigo preferências da arquitetura de sua terra natal, a qual não foi reproduzida aqui
devido à falta de alguns materiais, de tecnologia e também às influências dos povos já
estabelecidos aqui.
"(...) no início, havia unicamente construções de madeira, aí incluídos os barracões dos
imigrantes e as capelas. Onde as condições favoreceram , logo surgiram prédios de alvenaria
mais numerosos que os de madeira junto ao centro(...)contudo houve também edificações
requintadas em madeira, especialmente residenciais e comerciais, mas também pública, cujo
paradigma, o chalé, aparece transposto quase literalmente, ou com seus lambrequins (...)
amenizados pela influência da singeleza dos mesmos elementos na arquitetura peculiar da
imigração italiana."11
A arquitetura da imigração italiana no Rio Grande do Sul desenvolveu-se
distintamente da arquitetura iltaliana autêntica, quanto à organização dos espaços, porém é
mantido o vínculo às estruturas, técnicas e elementos construtivos. A arquitetura italiana
propriamente dita só se manifesta no período das construções provisórias na forma de
edificações blocausse, característica da arquitetura em madeira na montanha alpina, que
não foi transposta para o nosso meio. Na verdade, essa experiência com a madeira é que
serviu para que então fosse recriada a arquitetura em alvenaria própria da colônia italiana.12
No Rio Grande do Sul, a madeira tornou-se o material básico da arquitetura da
imigração italiana" diz Júlio Posenato em seu artigo no livro Antônio Prado: a cidade
histórica. Nas colõnias antigas a grande maioria de casas e edificações complementares
foram de madeira e o esquema se estendeu para as áreas de expansão, as novas colônias.
Júlio Posenato afirma que "a estrutura em madeira na imigração italiana consiste
numa solução peculiar (...). Os imigrantes italianos e seus descendentes criaram no Estado
uma estrutura de madeira única no mundo." 13
Verificaram que graças aos pregos, as tábuas dos pisos e paredes funcionavam
concomitantemente como fechamento e contraventamento. Assim, temos uma estrutura em
esqueleto, com vigas e pilares, sem elementos diagonais, contraventada pelo tabuado dos
pisos e paredes.
11 POSENATO, Júlio. Uma Cidade Histórica. In: POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p.15. 12 POSENATO, Júlio. Patrimônio da Humanidade. In: POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. p.23. 13 Ibidem. P. 24.
O autor atribui o desenvolvimento desta técnica em território rio-grandense e não
italiano a duas circunstâncias: "a generalização dos pregos industrializados, na segunda
metade de século XIX, aproximadamente à época em que se iniciou a imigração italiana
para o Rio Grande do Sul, ocasião em que escasseavam na Itália as construções de
madeira, tanto por esgotamento das florestas como pelo desestimulo ante á prevenção de
incêndios”.14
CONTEXTUALISMO ARQUITETÔNICO
Antes de refletirmos sobre contextualismo arquitetônico, seria interessante fazer uma
constatação esquemática dos acontecimentos e princípios arquitetônicos afim de facilitar
sua compreensão. Nossa linha de raciocínio começa em uma época de forte
desenvolvimento industrial que promovia a idéia de uma padronização da arquitetura. O
projeto era concebido de dentro para fora, desconsiderando o contexto, em que os prédios
são independentes, a construção é única. A prioridade eram as questões de funcionalidade.
Posterior a este discurso, depois da primeira metade do século XX, começava a se
manifestar uma nova corrente que consistiria em uma espécie de maturação daquelas idéias
e que "reúne uma série de experiências diferentes entre sí, mas que têm em comum a idéia
de revitalizar a arquitetura como arte, assumindo a posição de reabilitar a história,
restabelecendo uma continuidade com as experiências do passado antigo e moderno" 15. A
arquitetura passa a ter um posicionamento mais contextualista com cunho historicista.
Chegando aos dias atuais, a arquitetura se mostra em uma incansável mutação e busca.
Existe uma diversidade de aproximação e tratamento dos problemas. Então existe a
condição de contextualista para que uma obra seja considerada boa arquitetura.
Conforme Montaner, em 1993, 'o projeto arquitetônico deve encaixar, responder e
mediar seus arredores, completando um modelo já implícito, ou ainda introduzindo um
novo'(1). O projeto é concebido de fora para dentro. Primeiro deve haver uma observação
do entorno. Esta compreensão é necessária, pois o contexto conduz à um caminho. O
14 Idem. 15 MONTANER, Josep Maria. Depois do Movimento Moderno: Arquitetura da Segunda Metade do Século XX. Barcelona, Espanha: Gili, 2001. 271p. il.
contextualismo pode ser historicista ou não historicista. No primeiro ocorre uma espécie de
repetição, uma releitura de elementos de obras do loco que são inseridos no prédio novo.
Existe uma reverência religiosa/fundamentalista ao entorno. Por outro lado, o não-
historicista, se traduz no diálogo entre o novo e o pré-existente. É criado um contraponto
através da inserção de novos elementos, novos materiais. As diferenças são explicitadas.
Mas de maneira harmônica.
Podemos citar como um exemplo de contextualismo a obra de Aldo Rossi. Em
especial a de um espaço criado para servir de apoio para Bienal de Teatro e Arquitetura em
1979, em Veneza. A idéia era recriar um teatro flutuante como as construções que o
circundam. O entorno é repleto de edificações com torres e cúpulas. Como contraponto o
arquiteto cria um volume que na verdade é uma torre, que faz com que o novo prédio de
relacione de uma forma harmônica com o contexto.
4 - diálogo entre torres em Veneza – o contextualismo de Aldo Rossi na obra de teatro flutuante (em amarelo), datado de 1979 Fonte: FERLENGA, Alberto. Aldo Rossi: 1959-1987. 9ª. ed. Milão: Electa, 1996. v.1. p. 160.
ANÁLISE DE OBRA - CONJUNTO COMERCIAL COM APARTAMENTOS
A obra de Geder Meotti analisada a seguir, consiste em um centro comercial com
apartamento no último pavimento, localizado na Avenida Imigrantes. Para tanto, teve como
fator condicionante de projeto a divisa com a Casa Graziottin, uma das 48 casas tombadas
pelo SPHAN- Prómemória entre 1988 e 1989. A casa é um exemplar autêntico da
arquitetura urbana do período de imigração italiana no estado do Rio Grande do Sul e
representa o costume de manter um estabelecimento comercial no mesmo prédio com
função de moradia.
A casa Graziottin, de 1912, foi construída em alvenaria de tijolos e parcialmente em
barro e suas paredes internas são de madeira. Sofreu modificações em 1950, isolando o
pavimento inferior do superior, por meio do fechamento da escada interna e da colocação
de uma escada externa na parte dos fundos do prédio. Isto gerou duas residências
independentes no mesmo edifício. Posteriormente foi reformado, ampliando ambos os
pavimentos, acomodando na parte frontal do térreo um espaço para uso comercial, onde
funcionou a telefônica de Antônio Prado.
O SPHAN, órgão que trata da conservação do patrimônio, estabelece três zonas de
controle para a cidade de Antônio Prado. O primeiro localiza-se exatamente no centro
histórico da cidade, o segundo diz respeito a uma área ao redor deste centro e a terceira, se
refere à uma área mais periférica, que seria nas encostas dos morros da cidade. Para a zona
central, onde se encontra o prédio Graziottin, o órgão estabelece as seguintes regras para
novas construções 16:
- afastamentos laterais de no mínimo 1,50 metros;
- alinhamento da testata do terreno;
- recúo do limite dos fundos do terreno de no mínimo 1,50 metros;
- altura máxima de 9 metros;
- ocupação de no máximo 60% do lote;
- cobertura com inclinação entre 25% e 45%.
Geder, então, optou pela elaboração de um estudo que levou em consideração não só
o prédio tombado, também o contexto imediato e que “quando a linguagem arquitetônica
buscou dialogar com o monumento através do contraste antigo versus novo” 17. Com este
trabalho, Geder deseja mostrar não só à população pradense, mas a todos, que “o
contemporâneo pode perfeitamente conviver com o antigo e ainda tirar partido deste” 18.
16 MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990. 17 Idem. 18 FONTOURA, Felipe Herrmann. Entrevista com arquiteto Geder Meotti, sobre alguns de seus trabalhos. Porto Alegre, out. 2002.
O prédio é uma “costura” urbana devido ao problema representado pelas empenas dos
prédios vizinhos (construídos juntos às divisas do terreno) e pela altura exagerada de um
deles (o que tem acesso pela Travessa Irmão Irineu, fazendo lateral com os fundos da casa
tombada). Também foi importante observar que as paredes da casa que fazem limite com o
terreno vizinho possuem aberturas, e estas obviamente teriam que ser preservadas.
A costura se configurou “com a criação de um plano diagonal” que encobre as
empenas dos prédios vizinhos e ao longo do qual acontece uma passagem pública (galeria)
que supre a inexistência de passeio público junto à Travessa Irmão Irineu, criando uma
separação (negativo) entre os dois prédios” (o Graziottin e o de Geder).19
O volume é composto por dois prismas que se projetam do plano em diagonal, um
para a Avenida Imigrantes e um para a travessa Irmão Irineu. Estes prismas estão recuados
em relação aos planos das fachadas do prédio tombado e estão alinhados conforme o
traçado viário, buscando uma identificação com o mesmo.
A contemporaneidade da obra de Geder, é claro também se manifesta através da
técnica construtiva: a estrutura de o concreto. As paredes laterais são em alvenaria portante
de tijolos. Porém as lajes e seus pilares são de concreto armado e são vedados com planos
de vidro estruturado por uma malha metálica, linear e homogênea, formando os prismas.
No conjunto com a fachada antiga, o vidro com sua textura lisa e sua cor escura ressalta o
monumento, este com fachada de cor clara e de superfície vazada com aberturas em
madeira com vergas retas no térreo e arcos plenos no segundo pavimento. Na fachada
lateral aparecem janelas com arcos abatidos. A parte do plano diagonal, aparente na
fachada, gera um elemento vertical que faz um contraponto com os cunhais presentes na
fachada Graziottin.
A escala também foi ajustada, condicionando a altura do prédio à do monumento na
Avenida Imigrantes e utilizando uma proporção intermediária entre o prédio Graziottin e o
vizinho na travesso Irmão Irineu. O descolamento do prédio tombado dá passagem pública,
sendo esta semicoberta (apenas ao longo do espaço correspondente ao volume da Av. 19 MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990.
Imigrantes). Esta cobertura dá continuidade ao telhado do prédio tombado ligando ao
prédio novo, feita em estrutura metálica e vedado com vidro, conduta o descolamento
(diferencia o espaço aberto do construído).
Existe uma inflexão nas coberturas que beiram o limite do terreno com o passeio
público a fim de equiparar a inclinação do prédio de Geder com o prédio tombado. No
telhado, tanto a estrutura quanto a vedação são metálicos.
“(...) Com esta inflexão reproduzo, com proporções intencionalmente exageradas
uma característica marcante no conjunto de casas tombadas e juntamente com o artifício das
sacadas nas arestas do prédio ‘diminuindo’ a largura da fachada aproximando-a a uma
dimensão mais usual nas casas tombadas (de 8 a 9 metros) e simultaneamente consigo uma
proporção final na fachada que considero mais agradável e elegante.
Por outro lado, com esta solução de telhado, consigo mais altura (pé-direito), onde
mais necessito (junto as paredes laterais) e diminuo a altura onde ela não me é necessária
(mais no centro da fachada), tendo como resultado final um prédio mais adequado à paisagem
onde se insere (contextualizado) e melhor explorado funcionalmente.” 20
5 - Aberturas na face lateral, divisa do terreno vizinho. Foto cedida pelo arquiteto Geder Meotti.
20 MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990.
6 - Ausência do passeio público na lateral da Casa Graziottin na travessa Irmão Irineu e vizivel quebra de escala do prédio mais novo (ao fundo na foto) com o monumento. Foto cedida pelo arquiteto Geder Meotti.
7 - Aberturas para o terreno vizinho e grande diferença de altura em relação ao prédio vizinho. Foto cedida pelo arquiteto Geder Meotti.
08 – Perspectiva Axonométrica Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti
9 - Fachada da Travessa Irmão Irineu: um prisma de vidro se projetando da diagonal de pedra Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti
9 -Fachada da Avenida dos Imigrantes: abertura de uma passagem pública por meio de um descolamento entre o patrimônio tombado e o prédio do arquiteto Geder Meotti Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti
9 - Planta térreo: Galeria com lojas – passeio público Desenho cedido pelo Arq. Geder Meotti
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando a cidade de Antônio Prado e sua arquitetura, torna-se clara a posição
contextualista que o arquiteto Geder Meotti adota na hora de projetar. Ao mesmo tempo,
respeita e enfatiza o pré-existente com valor histórico, cria uma arquitetura que também se
pronuncia e marca presença. Na concepção do projeto é inevitável a compreensão do
entorno em que se está trabalhando. O contexto passa a ser um objeto de partida, passa a ser
um condicionante direto na hora de projetar. Por este motivo, por este contraponto criado,
expõe a possibilidade de diálogo entre os movimentos, entre diferentes épocas. Melhor,
como diz o próprio arquiteto, este fato "torna ainda mais legível a leitura das diferentes
épocas da cidade".
BIBLIOGRAFIA: BARBOSA, Fidelis Dalcin. Antônio Prado e sua História. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980. 288 p. (Coleção Imigração italiana, 34). BOHMGAHREN, Cíntia; FONTOURA, Felipe Herrmann. Anotações pessoais durante a aula sobre a ‘Arquitetura das Imigrações Européias Tardias: Alemães & Italianos’ ministrado pelo Prof. Maturino Luz. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UniRitter. 17 de set. 2002 ________________________________________________. Anotações pessoais durante a palestra sobre ‘A obra arquitetônica de Geder Meotti’ ministrado pelo próprio arquiteto. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UniRitter. out. 2002 CASTELNOU NETO, Antonio Manuel Nunes. Contextualismo na arquitetura latino americana. Revista Terra e Cultura, Londrina: Centro de Estudos Superiores de Londrina, nº. 31, p. 63-74, jul-dez 2000. FERLENGA, Alberto. Aldo Rossi: 1959-1987. 9ª. ed. Milão: Electa, 1996. v.1. 315 p. Papel. FONTOURA, Felipe Herrmann. Entrevista com arquiteto Geder Meotti, sobre alguns de seus trabalhos. Porto Alegre, out. 2002. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 470p. il.
LEMOS, Carlos A. C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1981. 115 p., il.(Coleção Primeiros Passos, 51). MEOTTI, Geder. Carta ao Arq. Luis Antônio Custódio (IPHAN) para Aprovação de Estudo de Viabilidade. Antônio Prado, RS, fev. 1990. _____________. A Obra do Arquiteto em Antônio Prado. Palestra proferida durante a Semana Acadêmica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Ritter dos Reis. Porto Alegre, 3 out. 2002. MONTANER, Josep Maria. Depois do Movimento Moderno: Arquitetura da Segunda Metade do Século XX. Barcelona, Espanha: Gili, 2001. 271p. il. POSENATO, Julio (Org.). Antônio Prado: cidade histórica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1989. 204 p., il. (Coleção Imigração italiana, 96). RAMOS, Paula. As rotas da cultura. Aplauso, Porto Alegre: Plural Comunicação, nº. 21, p. 18, 2000.