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Universidade Aberta
Um projeto para as novas reservas do
Museu Municipal de Tavira
Maria Leonor Esteban Pereira
Mestrado em Estudos do Patrimnio
Dissertao orientada pelo Professor Doutor Pedro Flor
2015
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Agradecimentos
Um agradecimento muito especial ao Doutor Pedro Flor que foi o meu orientador da tese.
Helenas Viegas, desenhadora da Cmara Municipal, que fez o esquema e idealizou o
projeto das novas reservas do Museu Municipal de Tavira.
Clia Teixeira, arquiteta da Cmara Municipal, no apoio documentao grfica deste
trabalho.
Ao senhor Ofir Chagas que tirou uma manh para conversar comigo sobre as suas
memrias do antigo museu enquanto era aluno da escola primria no Palcio da Galeria.
Aos meus colegas do Museu Municipal de Tavira que contribuem todos os dias para a
existncia do museu.
Aos meus colegas do Arquivo Histrico Municipal de Tavira no apoio na consulta dos
documentos e, em especial Isabel Salvado na cedncia de bibliografia e na troca de
informaes sobre este tema.
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Resumo
Esta dissertao uma abordagem, um levantamento e uma reflexo sobre o que
afinal uma reserva museolgica e a sua importncia no museu. As reservas continuam a
assumir um papel de retaguarda em muitas instituies museolgicas, muitas vezes at
desprezado, uma vez que so espaos escondidos. necessrio sensibilizar e promover
uma mudana de atitude no nosso panorama museolgico. As reservas devem assumir uma
funo museolgica de importncia primordial e relevante dentro de qualquer museu:
nestes espaos que os bens culturais permanecem por tempo indeterminado e por isso
devem ser alvo de ateno.
Sendo a preocupao central deste estudo a conservao preventiva das colees do
Museu Municipal de Tavira, tornou-se fundamental caracterizar os edifcios que guardam
este acervo museolgico e que funcionam, deste modo, como reservas/depsitos. Ao
abordarmos a conservao preventiva relacionada com as reservas do museu, o edifcio
tem um papel fundamental neste processo, uma vez que considerado a primeira barreira
de proteo dos bens culturais. A sua caracterizao fundamental para compreender se a
conservao preventiva bem-sucedida ou no.
De uma maneira geral, os edifcios que guardam as colees do museu apresentam
problemas estruturais, uma vez que so reutilizaes de espaos que no foram projetados
para reservas museolgicas. Como soluo propem-se a construo de um edifcio de raiz
devidamente planeado para albergar todo o acervo do museu, incluindo reas de atividades
dos tcnicos, facilitando tanto a gesto das colees como dos recursos humanos.
Respeitando as diretrizes internacionais na rea dos museus, este edifcio deve ser
construdo com uma Arquitetura Bioclimtica e Sustentvel porque a salvaguarda do
patrimnio e da natureza andam de mo dada face ao aquecimento global do planeta.
Palavras-chave: Reserva Tcnica, Conservao Preventiva, Coleo, Museologia,
Arquitetura
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Abstract
This dissertation is an approach, a survey and a reflection on what is after all a
museological storage and its importance in the Museum. Storages areas continue to assume a role
of lamps in many museums, often neglected, since they are hidden spaces. It is necessary to raise
awareness and promote a change of attitude in our museological panorama. Storages areas must
assume a museological function of paramount importance and relevant inside any museum: it is in
these spaces that cultural heritage remain indefinitely and must be the subject of attention.
Being the central concern of this study the preventive conservation of the collections of the
Museu Municipal de Tavira, became essential to characterize the buildings that keep this
museological collection and how they work as storages/deposits. When we approach the preventive
conservation related to the storages of the museum, the building has a key role in this process,
since it is considered the first barrier of protection of cultural heritage. Their characterization is
essential to understand whether the preventive conservation is successful or not.
In General, the buildings that keep the museum colletions present structural problems
since they are reuses spaces that are not designed for museum storages. As solution we propose the
construction of a building from scratch properly planned for all the museum colletions, including
areas of technical activities, facilitating both the management of collections such as human
resources. Respecting international guidelines in the area of museums, this building should be
constructed with a "Bioclimatic and Sustainable Architecture" because the safeguarding of
heritage and nature go hand in hand in the face of global warming of the planet.
Keywords: Museum Storage, Preventive Conservation, Collection, Museology, Architecture
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vi
ndice
Introduo...........1
Capitulo I O Museu Municipal de Tavira: dos antecedentes atualidade..........5
1. Liberalismo e Implantao da Repblica..............7
2. Estado Novo.....14
2.1. O antigo Museu Municipal de Tavira........16
3. A Nova Museologia......23
3.1. O atual Museu Municipal de Tavira......26
Capitulo II Caracterizao das colees e dos espaos de reservas do Museu Municipal
de Tavira...........45
1. Fatores principais de deteriorao do acervo museolgico......51
2. Localizao e adaptao dos espaos s colees, avaliao e controle de riscos...63
2.1. Reservas localizadas junto ao laboratrio de conservao e restauro.......63
2.2. Reserva etnogrfica do Palcio da Galeria............64
2.3. Depsitos Municipais .......66
2.4. Reserva localizada no edifcio da DPEOM.......67
2.5. Antigo Edifcio do Posto Agrrio e Anexos......68
3. Descrio, estado de conservao e acondicionamento das colees museolgicas
afetas a cada edifcio........69
3.1. Coleo arqueolgica....72
3.2. Coleo etnogrfica...74
3.3. Coleo Zezinho Beja........75
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3.4. Coleo Arraial Ferreira Neto...76
3.5. Coleo do Cofre Municipal.....76
3.6. Coleo de arte contempornea e elementos arquitetnicos.............77
Capitulo III Projeto do novo edifcio do Museu Municipal de Tavira......79
1. A conservao dos valores e do patrimnio.....83
2. Localizao do novo edifcio.......84
3. Funcionalidade dos espaos.....89
4. Tipo de construo e materiais a utilizar......91
5. Normas e procedimentos de conservao preventiva a aplicar........98
5.1. Equipamentos e organizao das colees.......99
5.2. Controlo e monitorizao ambiental, segurana e higiene..........104
Concluso.......109
Referncias.....111
Apndice I Documentao Grfica ........127
Apndice II Documentao Fotogrfica......141
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ndice Grfico
Fotografia rea de Tavira: 2.1- localizao das reservas/depsitos........129
Planta: 2.2 - Laboratrio de conservao e restauro, gabinete de arqueologia
e reservas........131
Planta: 2.3 Reserva etnogrfica no Palcio da Galeria................132
Planta: 2.4 Segundo piso dos escritrios da DEIM.........133
Planta: 2.5. Reserva arqueolgica na DPEOM........134
Planta: 2.6. Piso trreo do Antigo Edifcio do Posto Agrrio e anexo........135
Planta: 2.7 Primeiro piso do Antigo Edifcio do Posto Agrrio......136
Loteamento: 3.1. - Parque de Feiras e Exposies.....137
Loteamento: 3.2 - Parque Industrial.......138
Planta: 3.3 Piso trreo do novo edifcio para reservas........139
Planta: 3.4 Primeiro piso do novo edifcio para reservas........140
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ix
ndice das Figuras
Capitulo I - Palcio da Galeria, Museu Municipal de Tavira.....5
Capitulo II Antigo Edifcio do Posto Agrrio...................45
Capitulo III Vale do Caranguejo, Tavira...........79
Figura: 1.1 Fachada principal da Igreja da Misericrdia............143
Figura: 1.2 Porta de acesso ao antigo Museu Municipal........................................144
Figura: 1.3 Centro Interpretativo de Abastecimento de gua a Tavira...145
Figura: 1.4 Figura zoomrfica................146
Figura: 1.5 Potinho em vidro......146
Figura: 1.6 Coleo pesos e medidas de aferidor.......147
Figura: 1.7 Relgio de finais do sculo XIX......148
Figura: 1.8 Fotografia do edifcio e da torre demolido.......149
Figura: 1.9 Azulejo do painel da antiga escola do Arraial Ferreira Neto150
Figura: 1.10 Estandarte de antiga filarmnica....151
Figura: 1.11 Gravura de Bartolomeu Cid dos Santos ....................152
Figura: 1.12 Grgula manuelina proveniente do Convento das Bernardas.....153
Figura: 2.1 Reserva de material arqueolgico........154
Figura: 2.2. Reserva da coleo Zzinho Beja........155
Figura: 2.3 - Reserva da coleo Zzinho Beja, outra perspetiva..........156
Figura: 2.4 Estantes metlicas com caixas com metais arqueolgicos.......157
Figura: 2.5 Reserva etnogrfica localizada no Palcio da Galeria......158
Figura: 2.6 Depsito Municipal da Rua Sesinando da Purificao Azinheira....159
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Figura: 2.7. Interior do depsito..160
Figura: 2.8 Depsito Municipal da antiga garagem GNR..........161
Figura: 2.9 Interior do depsito.......162
Figura: 2.10 Depsito Municipal localizado no segundo piso da DEIM....163
Figura: 2.11 Exterior do edifcio da DPEOM.....164
Figura: 2.12 Reserva localizada na garagem da DPEOM...165
Figura: 2.13 Antigo edifcio do Posto Agrrio.....166
Figura: 2.14 Antigas casas do Posto Agrrio e anexos........167
Figura: 2.15 Caixa com metais arqueolgicos....168
Figura: 2.16 - Acondicionamento dos metais.....168
Figura: 3.1 Oficina de Conservao e restauro na exposio Memria e Futuro....169
Figura: 3.2 Maqueta de uma sala de exposies.........170
Figura: 3.3 - Estantes movveis..........171
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1
Introduo
Durante o sculo XX, em Portugal, e sobretudo no Algarve, ocorreram grandes
destruies, tanto do patrimnio cultural como ambiental, e modernizaes exageradas. O
sculo XXI deve apostar num progresso a favor da preservao da cultura, do ambiente,
dos valores, e no no progresso a favor da sua destruio. A salvaguarda do patrimnio
cultural e do ambiente depende de todos ns e pressupem fidelidade e usufruto dos bens
deixados pelas geraes passadas e a sua transmisso s geraes futuras: a ao individual
de cada ser humano determinante para o futuro coletivo. O patrimnio d acesso
memria coletiva e proporciona uma identidade ao Homem. A conservao do patrimnio
cultural e ambiental tornou-se assim um dos grandes desafios do sculo XXI: ambos esto
interligados, ou seja a salvaguarda de um apela a salvaguarda do outro. Patrimnio cultural
e sustentabilidade tornaram-se fatores determinantes para a sobrevivncia da Humanidade.
A nossa funo como tcnicos de conservao e restauro, alm de conservar os bens
culturais, ir ao encontro da sociedade, interagir com a comunidade, dar a conhecer o
nosso papel e a sua importncia decisiva na proteo do patrimnio, sensibilizar os meios
econmicos e financeiros para outros valores associados ao patrimnio, como esttico,
histrico, afetivo, entre outros, considerados mais importantes que os monetrios, fazer
compreender aos polticos que o progresso dever passar mais pela reabilitao dos
edifcios histricos do que construir de novo de forma insustentvel conduzindo
descaracterizao das cidades, como ocorreu de forma dramtica no nosso Pas.
Este trabalho aborda vrios aspetos relacionados com o patrimnio cultural desde
os seus significados, tipologias, valores associados, a sua relao com a sociedade,
economia e poltica e a importncia da sua proteo. O tema principal so as colees do
Museu Municipal de Tavira e os espaos que guardam este acervo: as reservas. Se
considerarmos que o acervo museolgico deve ser conservado para as geraes futuras,
estes espaos adquirem importncia dentro do museu. Um dos aspetos mais significativos
da conservao preventiva, ou seja controlo do meio ambiente, diz respeito ao papel do
edifcio. Partindo do edifcio em si, houve uma necessidade emergente de fazer uma
abordagem destes espaos existentes no atual museu, uma vez que a reserva no Museu
Municipal de Tavira, multiplica-se por vrios edifcios, e caracteriza-los como forma de
alertar a sua no adaptabilidade a reservas museolgicas, comprometendo a conservao
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2
preventiva das colees. Quem responsvel no museu pela gesto das colees convive
diariamente com este problema. Este trabalho tem como fim propor uma soluo que
poder ser de interesse futuro para o Museu Municipal de Tavira.
A metodologia aplicada neste estudo foi o levantamento e caracterizao dos
espaos existentes, a sua envolvncia e a descrio das colees. A partir do conhecimento
aprofundado das colees fez-se uma proposta para a construo de um novo edifcio,
suficientemente grande para albergar todas as colees. O maior desafio deste estudo foi a
defesa de uma arquitetura sustentvel como fator determinante na conservao preventiva
das colees. A grande dificuldade encontrada passou por no ser possvel o contato direto
com reservas de instituies de referncia ou museus construdos com arquitetura
bioclimtica.
Este trabalho est dividido em trs captulos. O captulo I consiste na apresentao
do Museu Municipal e das suas colees. Ao abordar as suas colees e a maneira como
elas foram integradas no museu necessrio recuar aos antecedentes. O primeiro museu
que existiu em Tavira, de que se tem conhecimento, surgiu no segundo quartel do sculo
XX em pleno Estado Novo. Este museu ter durado aproximadamente entre 1940 e 1980,
no entanto desconhece-se com preciso as datas de abertura e fecho. O atual museu surge
em finais de 1990 relacionado com a Nova Museologia. Caracterizado como um museu
polinucleado com a sede no Palcio da Galeria inclui como ncleos museolgicos as
Ermidas de Santa Ana e So Sebastio, a Igreja So Pedro Gonalves Telmo, o Ncleo
Museolgico de Cachopo, o Ncleo Islmico, o Centro Interpretativo de Abastecimento da
gua e o Ncleo Expositivo da Pousada de Tavira e detentor de colees muito
diversificadas com provenincias muitos dispares.
O captulo II centra-se essencialmente nas reservas/depsitos existentes. Espaos
no acessveis ao pblico e por isso infelizmente secundarizados. Uma descrio
pormenorizada das reservas/depsitos mostra os diversos problemas relacionados com
estes espaos dispersos por vrios edifcios na cidade dificultando tanto a gesto dos
esplios como dos recursos humanos. A preocupao num acondicionamento adequado das
colees tornou-se uma forma de proteo face ao ambiente muitas vezes difcil de
estabilizar. Neste captulo aborda-se ainda a importncia da conservao, a mais jovem
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3
disciplina a entrar na Museologia, a longa histria da conservao e restauro, a profisso
do tcnico de conservao e restauro e por fim a importncia da conservao preventiva.
O captulo III ir finalmente ser abordado o que uma reserva tcnica ideal. Um
projeto de um edifcio construdo de raiz dando ateno arquitetura, sua funo,
distribuio dos espaos (reservas tcnicas e servios indispensveis). Defende-se uma
construo sustentvel qual designamos por Arquitetura Bioclimtica em que a sua
funo de salvaguarda do patrimnio cultural e do ambiente fique cumprida.
O Mestrado em Estudos do Patrimnio contribuiu para a aquisio de novos
conhecimentos que complementaram a licenciatura em conservao e restauro. Sendo a
conservao e restauro uma disciplina onde as cincias exatas e as cincias sociais
interagem, a interdisciplinaridade fundamental para o avano do conhecimento nesta
rea. A tese foi um enriquecimento constante no s do ponto de vista acadmico, mas
tambm profissional: muitos novos conhecimentos foram postos em prtica.
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4
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5
Capitulo I O Museu Municipal de Tavira: dos antecedentes
atualidade
Palcio da Galeria, Museu Municipal de Tavira (Cmara Municipal de Tavira/Famlia Andrade/ Nerve,
Atelier de Design, Lda)
A conservao do patrimnio contribui para a memria, ela mesma fundamental para a
existncia da humanidade.
(Casanovas, 2008: 22)
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6
Patrimnio cultural o suporte material/imaterial de uma cultura que se transmite
sucessivamente no tempo ao longo das vrias geraes. Trata-se de um processo dinmico,
uma vez que em todas as culturas tem sido muitas vezes transformado, definido,
redefinido, valorizado e desvalorizado. Trata-se de um conceito que nunca esttico, mas
sempre em mudana.
Ao longo do sculo XX, o conceito de patrimnio cultural foi alargado a
praticamente todos os domnios. Na Conveno de 2003 da UNESCO a imaterialidade foi
reconhecida como patrimnio cultural. Na Lei de bases do Patrimnio Cultural foi
legislado a obrigatoriedade da preservao do patrimnio imaterial nacional que foi
definido como:() integram patrimnio cultural as realidades que, tendo ou no em
coisas mveis ou imveis, representam testemunhos etnogrficos ou antropolgicos com
valor de civilizao ou de cultura com significado para a identidade e memria coletiva.1
Existe uma reunio entre um suporte material, o objeto fsico, e um contexto
imaterial. Aos objetos esto associados determinados valores, smbolos, que no so
materializveis. A imaterialidade est assim relacionada com a memria e a identidade e
projeta-se na nossa contemporaneidade. O processo de globalizao pode pr este
patrimnio em risco, sendo o processo social a forma de assegurar a continuao dos
valores: deve-se promover a participao das comunidades na salvaguarda e transmisso
do patrimnio imaterial. No entanto pertinente questionar at que ponto se pode
salvaguardar o Patrimnio Cultural Imaterial, uma vez que este est em constante mudana
e as prprias sociedades evoluem e os contextos tambm?2 Na realidade, o surgimento do
novo d-se constantemente desconstruindo o patrimnio estabelecido.
O sculo XXI tem sido marcado pelo regresso ao passado e tem vindo a contrariar o
processo de globalizao. As memrias e as identidades locais e a diversidade cultural
ganhou importncia. Atualmente, as tradies locais, regionais, folclricas e gastronmicas
despertam interesse. A salvaguarda do patrimnio reca sobre tudo o que existe que
testemunha o Homem e a sua ao no meio ambiente. No diz s respeito cultura, arte,
1 DECRETO-LE n. 107/2001 de Setembro de 2001. Dirio da Repblica. I-A Srie. 209 (08-09-2001) 5808,
Artigo n. 9, Alnea n. 1
2 DUARTE, Alice - O desafio de no ficarmos pela preservao do Patrimnio cultural Imaterial. Seminrio
de Investigao em Museologia. Porto: Universidade do Porto, 2010, p. 47-50
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7
ao ambiente, mas tambm aos domnios da poltica, da sociedade e da economia,
defensora da democracia e da cidadania e dos princpios da justia social. Segundo Michel
Lacroix, pretende salvaguardar o que a nossa herana tem de melhor.3 Deste modo, a
salvaguarda do patrimnio cultural assenta na responsabilidade da sociedade proteger o
que nos foi legado pelas geraes passadas e a sua transmisso s geraes futuras. dever
de todos salvaguardar o patrimnio cultural e natural.
As colees do Museu Municipal de Tavira so um patrimnio que essencial
preservar, uma vez que transmite valores de identidade cultural e memria coletiva
enraizados numa comunidade local e que deve ser respeitado e usufrudo por todos.
Patrimnio cultural que no deve ser concebido apenas como referncia do passado, mas
como um elemento de futuro.
Este captulo ir abordar essencialmente o Museu Municipal de Tavira, a sua
importncia como equipamento cultural e sobre o qual nos interessam essencialmente as
suas colees. tambm partindo das colees que nos interessa abordar um pouco os
antecedentes recuando ao antigo Museu Municipal que foi erguido em pleno Estado Novo.
1. Liberalismo e Implantao da Repblica
Apesar de no existirem bens culturais incorporados no Museu Municipal de Tavira
provenientes da extino dos conventos, a presena de um conjunto diversificado de
fragmentos arquitetnicos presentes na atual coleo foram fruto indireto das contingncias
do sculo XIX.
Ainda no sculo XVIII, Dom Francisco Gomes de Avelar, Bispo do Algarve entre
1789 e 1816, desenvolveu uma notvel ao sobre o patrimnio arquitetnico e religioso
da sua diocese depois do terramoto de 1755. Marcado pela poca do iluminismo e do
lanamento do primeiro instrumento legal de proteo do patrimnio, em Agosto de 1721,
por D. Joo V, que progressivamente passou a entender os objetos como bens culturais a
3 LACROIX, Michel - O Princpio de No ou a tica da Salvaguarda. Coleo Epistemologia e Sociedade.
Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 61
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conservar pela ao do homem. Do seu contacto com Roma antiga ficou sensvel aos
mecanismos de interveno nos monumentos. Ao regressar a Portugal, em 1788, iria pr
em prtica os conhecimentos adquiridos no ambiente romano, como novo Bispo do
Algarve.4
Em Portugal, a primeira metade do sculo XIX foi marcada por uma profunda
relao dos portugueses com os vestgios do passado concedendo-lhes valor patrimonial
como reflexo dos acontecimentos recentes que ocorreram: o terramoto de 1755, as
invases francesas entre 1807 e 1811 e a guerra liberal entre os absolutistas e liberais entre
1832 e 1834. Com a instaurao do liberalismo, ocorreu a extino das ordens religiosas
em 1834 e a consequente desamortizao dos seus bens, que conduziu mudana de mos
de muitas propriedades atravs de vendas. A extino das ordens religiosas esteve
relacionada com a onda anti clerical que associava as casas religiosas ao Antigo Regime e
levou ocorrncia de grandes perdas patrimoniais, que se manifestaram no roubo e venda
abusiva e no processo de degradao progressiva dos imveis. Assim, aps a vitria liberal
em 1834, o Estado ps venda em hasta pblica, os bens nacionalizados e incorporados na
fazenda das extintas ordens religiosas e da coroa. O Estado Liberal tentou providenciar
condies para a proteo dos bens mveis e imveis dos extintos conventos e mosteiros.
No entanto, o regime falhou na institucionalizao da defesa e conservao do patrimnio.
Com a implantao da Repblica a 5 de Outubro de 1910 deu-se um novo ataque igreja e
surgem uma sequncia de decretos laicos, entre as quais surge a lei da separao do Estado
da Igreja. Com a promulgao desta lei, a igreja v-se privada de personalidade jurdica e
de todos os seus bens.
O processo oitocentista das desamortizaes conduziu criao de museus que
beneficiaram bastante da incorporao destes bens provenientes do encerramento
definitivo das casas religiosas. No sculo XIX no havia ainda noo da importncia de
patrimnio integrado e a preocupao de manter o patrimnio mvel no seu contexto
arquitetnico para o qual tinha sido criado. Vandalismo e abandono so duas ideias
associadas ao patrimnio cultural mvel e imvel nesta poca. Algumas personalidades
importantes ligadas vida cultural, como Almeida Garrett, Ramalho Ortigo ou Alexandre
4 NETO, Maria Joo Baptista - Uma cultura do restauro iluminista. A aco do Bispo do Algarve Dom
Marcelino Franco Gomes do Avelar. Esprito e Poder, Tavira nos tempos da modernidade. 1. ed. Tavira:
Cmara Municipal de Tavira, 2006, pp. 123-126
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Herculano, eram sensveis a este problema. Eram defensores dos museus, dos monumentos
e da arqueologia. O museu foi assim a soluo encontrada para dar destino a muitos bens
expropriados dos conventos em que A pequena elite que se ocupava destas coisas,
segundo a prespectiva e estratgica dominantes, concentrava-se em absoluto na noo de
museu como adereo indispensvel civilizao, ().5
Em Tavira, durante as lutas liberais as convulses eram constantes. Devido sua
tradio religiosa que se manifesta na grande quantidade de conventos e igrejas, a
populao com tendncia conservadora tendia para a poltica de D. Miguel defendendo os
princpios absolutistas. Os liberais desembarcaram em Tavira a 25 de Junho de 1833 e
puseram fim resistncia miguelista.6 Com o Decreto de 30 de Maio de 1834, sobre a
extino das ordens religiosas, no Algarve extinguiram-se vinte e duas casas regulares em
que cinco delas se localizavam em Tavira. Os bens mveis dos diversos conventos foram
agrupados por categorias: bens de uso comum, obras de arte, bibliotecas, utenslios de
culto divino, objetos de ouro e prata e joias. A cada categoria foi dado um destino diferente
e atualmente pouco se conhece sobre o que aconteceu a estes bens.7
Dos vrios conventos que existiram em Tavira, apenas nos interessa referir o
Convento das Bernardas, o Convento de So Francisco e o Convento da Graa. Nos
Conventos das Bernardas e da Graa foram realizadas escavaes arqueolgicas.
O antigo Convento das Bernardas, nica comunidade da Ordem de Cister que se
instalou no Algarve e fundando por D. Manuel I em 1509 em memria do levantamento do
cerco muulmano de Arzila, era um edifcio com uma arquitetura majestosa e at meados
do sculo XIX manteve-se afastado do ncleo urbano. Foi construdo entre 1520 e 1528
com o formulrio artstico do Manuelino. Em 1530 foi entregue s monjas de Cister.8
Sofreu estragos com o terramoto de 1755 e em 1808 foi pilhado pelos franceses. Ao
5 SEABRA, Jos Alberto - A recolta devia fazer-se estugadamente e por complete. Patrimnios em trnsito:
extinguir conventos e criar museus. 100 Anos de Patrimnio. Memria e Identidade. Portugal 1910-
2010. 2.ed. Lisboa: IGESPAR, 2011, p. 39
6 CHAGAS, Ofir - Tavira. Memrias de uma cidade. Tavira: Edio de autor, 2004, p. 100
7 MARADO, Catarina Almeida - A cidade, os conventos e as suas hortas. Cidade e Mundos Rurais. Tavira e
as sociedades Agrrias. Tavira: Cmara Municipal de Tavira, 2010, p. 112, 114
8 CHAGAS - Tavira. Memrias de uma cidade, p. 183
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contrrio do que sucedeu com os conventos masculinos, que foram definitivamente
extintos em 1834, nos conventos femininos o processo foi diferente: mantinham-se at
morte da ltima freira. O Convento das Bernardas recolheu as freiras de Lagos, Loul e
Faro. A 20 de Outubro de 1857 elaborado o inventrio do Convento das Bernardas. A 1
de Janeiro de 1861 d-se a sua completa extino e a 3 de Novembro de 1862 o Estado
toma posse do convento e os seus bens so nacionalizados. O convento extinto por
portaria de 13 de Janeiro de 1862 e a ltima religiosa, a madre abadessa D. Cndida Clara
de Assis foi obrigada a sair do convento por ordem da Secretaria do Estado, oficializado
em 26 de Maro de 1862. A 1 de Abril de 1862, a Fazenda Nacional toma posse do edifcio
e os bens foram incorporados. Este mosteiro era possuidor de muitos bens e obras de arte
religiosos. Os bens pertencentes comunidade incluam roupas (como paramentos,
casulos), mais de dez imagens, vrias pratas (como resplendores, clices, custdias), sinos,
diversos objetos (como jarras, cadeiras, candeeiros, bancos), livros, manuscritos e
documentos de importncia e vrios quadros.9 Os objetos foram mantidos no convento
enquanto as religiosas o ocupavam.10 Conhece-se o destino dos seus bens mveis que
foram distribudos pela Igreja de So Pedro de Faro, Hospital de Esprito de Santo de
Tavira, Arquivo Municipal, Igrejas de Santo Antnio e So Francisco de Tavira, Museu
Paroquial de Moncarapacho e a igreja Paroquial de Boliqueime.11 Em 1890, o Estado
vendeu o convento a um particular que o transformou numa fbrica de moagem de cerais e
operou at dcada de 1960. Durante a escavao arqueolgica do Convento das
Bernardas, pela equipa de arqueologia do municpio, foi descoberta uma fonte do sculo
XVII consistindo em trs painis com decorao floral na zona do antigo claustro.
O Convento de So Francisco de Tavira foi fundado em 1312. Este edifcio foi
afetado pelos terramotos de 1722 e 1755 o que lhe provocou bastantes estragos. Com a
extino das ordens religiosas, o convento foi encerrado e os seus bens passam para a
9 Torre do Tombo, Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Convento da Nossa Senhora da Piedade da
Ordem de So Bernardo, Tavira/Faro, Cota: Cx N. 1935, Inventrio dos Bens, 30 de Dezembro de 1858,
fls. 3-12
10 Torre do Tombo, Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Convento da Nossa Senhora da Piedade da
Ordem de So Bernardo, Tavira/Faro, Cota: Cx N. 1935, Repartio da Fazenda Pblica da Comarca de
Tavira, N. 33 de 17 de Fevereiro de 1862
11 MARADO, Catarina Almeida - Antigos Conventos do Algarve. Um Percurso pelo Patrimnio da Regio.
Lisboa: Edies Colibri, 2006, p. 171
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posse do Estado, com exceo da Capela da Ordem Terceira que existia na igreja
conventual desde 1670. Em 1843 sofreu um grande incndio que levou derrocada da
igreja e de grande parte das dependncias conventuais. O que restou da cerca conventual
foi vendido a particulares em 1849 e, mais tarde, em 1918 a Cmara adquiriu este espao e
converteu em cemitrio pblico.12 Para o jardim do convento, posteriormente, foram
transportadas vrias cantarias de provenincia desconhecida.
Em honra do Santo Agostinho, foi erguido o convento da Graa, situado no interior
do permetro das muralhas e no lugar da antiga judiaria. A fundao do Convento da Nossa
Senhora da Graa ocorreu em 1542. A obra iniciou-se em 1569. As obras do convento
arrastaram-se at ao sculo XVIII. No perodo do Barroco, entre 1758 e 1778, ocorreram
alteraes imagem inicial trazendo novidades decorativas como a fachada do edifcio
com o arquiteto Diogo Tavares de Atade. Com a extino das ordens religiosas, o
convento foi entregue pela Fazenda Nacional ao Ministrio do Exrcito e foi instalado o
Batalho dos Caadores n.5 em 1839. Em 1904 passou a servir de arrecadao militar e a
igreja foi convertida a estbulo e depois a garagem das viaturas do exrcito. Este processo
foi responsvel pela descaraterizao do antigo convento, bem como ao desaparecimento
dos bens artsticos mveis em que no existem referncias exatas em relao ao seu
destino. No incio de 2000 passou para a posse da Cmara Municipal de Tavira e
transformou-se em Pousada de Tavira. Atualmente o convento uma estrutura
arquitetnica que integra testemunhos de pocas distintas, em que os vestgios da
arquitetura do sculo XVI, provavelmente no estilo cho, so muito poucas.13 Durante as
campanhas de escavaes arqueolgicas no Convento da Graa foram descobertos vrios
elementos arquitetnicos em pedra que fizeram parte do formulrio decorativo do
convento.
A Ermida de So Roque um pequeno templo de origem quinhentista que sofreu as
suas injrias com a Implantao da Repblica. O inventrio dos bens eclesisticos foi
efetuado em 1911. Em 1923, a Cmara Municipal de Tavira arrendou a Ermida e adquiriu-
12
MARADO - Antigos Conventos do Algarve. Um percurso pelo patrimnio da regio, p. 166
13 SANTANA, Daniel - O Convento da Nossa Senhora da Graa de Tavira. Monumentos. Lisboa: Direo
Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais, N. 14 (2001), p. 127, 129, 132, 133
-
12
a em 1935. A partir da a antiga ermida funcionou como canil14 e atualmente um armazm
do municpio em estado de degradao avanado. A imagem de So Roque encontra-se
exposta num pequeno ncleo de arte sacra numa instalao anexa e pertencente Igreja de
Santa Maria do Castelo e existem suspeitas que o retbulo da ermida encontra-se na capela
colateral da mesma igreja. Nesta pequena ermida foram efetuadas sondagens
arqueolgicas.
Os edifcios que foram adaptados a novas funes sofreram os resultados de uma
arquitetura deficiente: o Convento das Bernardas foi completamente descaracterizado com
a instalao de uma estrutura industrial e o Convento da Graa ficou empobrecido com o
desaparecimento do seu patrimnio integrado.
Tavira era uma pequena cidade provinciana, que no assumia a mesma importncia
de Faro, para ser criado um museu com intuito de receber este patrimnio vandalizado.
Mas as escavaes arqueolgicas e a recolha de elementos arquitetnicos nos antigos
conventos mencionados foram o resultado indireto da extino das ordens religiosas, do
abandono, da descaracterizao, da negligncia, do vandalismo e de demolies.
Em Tavira, o sculo XIX foi um marco importante no que diz respeito
arqueologia. J no sculo XVI, Andr de Resende tinha identificado a cidade romana de
Balsa com a cidade de Tavira. No sculo XVIII j eram conhecidos vestgios romanos na
regio da Luz de Tavira, mas no foram identificadas como sendo as runas da antiga
Balsa. Apenas na segunda metade do sculo XIX que as runas foram identificadas como
sendo a cidade de Balsa por Estcio da Veiga. Os seus trabalhos arqueolgicos em Balsa
estiveram integrados na Carta Arqueolgica do Algarve e ficaram terminados em 1878.
Posteriormente publicou nas Antiguidades Monumentais do Algarve os resultados das
suas investigaes. Defendeu a criao de um museu arqueolgico no Algarve e indicou a
cidade de Faro, no Convento de Santo Antnio dos Capuchos, para erguer o dito museu.
Sonho que nunca concretizou. Este esplio de Balsa dispersou-se por vrias instituies
como o Museu Municipal de Faro, o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Regional
14
ANICA, Arnaldo Casimiro - Tavira e o seu termo. Memorando Histrico. 1, ed. Tavira: Cmara Municipal
de Tavira, 1993, p. 296-297
-
13
de vora.15 Foi com a publicao da primeira Carta Arqueolgica do Algarve em 1878 que
nasceu a ideia de criar um museu arqueolgico no Algarve, provincial, com os materiais
descobertos. Estcio da Veiga defendia a importncia da criao de museus regionais para
a instalao de museus de arqueologia coordenadas pelos respetivos institutos
arqueolgicos de cada provncia, com o fim de educar as populaes.16
No que diz respeito formao de museus no sculo XIX, o Algarve segue mais
lentamente que as outras provncias e sofreu a indiferena das instituies governativas e
culturais. S em 1889 surgiu o primeiro museu algarvio, o Museu Martimo e Industrial de
Faro, designado posteriormente por Museu Martimo do Almirante Remalho Ortigo. Em
1889, a Direo do Instituto Arqueolgico do Algarve requereu ao Governo para criar um
museu arqueolgico em Faro e transferir os bens que se encontravam em Lisboa para esse
museu. O pedido foi aceite. O museu foi instalado no Convento de Santo Antnio dos
Capuchos, edifcio do sculo XVII. A sua inaugurao oficial foi em Maro de 1894 sob a
designao de Museu Arqueolgico e Lapidar Infante D. Henrique, atualmente Museu
Municipal de Faro.17 Este museu formou-se com algumas peas arqueolgicas depositadas
no Instituto Arqueolgico do Algarve por Estcio da Veiga, por uma pequena coleo
pertencente ao cnego Boto e foi enriquecido com donativos particulares.18
Nos dias 21 e 22 de Dezembro de 1920 decorreu o Congresso Arqueolgico
Nacional em Tavira. A finalidade deste congresso foi intensificar e orientar a defesa dos
monumentos nacionais. Aderiram ao congresso oito coletividades cientficas, literrias e
artsticas de Lisboa e das provncias.19
15
VIEGAS, Catarina - A ocupao romana no Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve
central e oriental no perodo romano. Srie Estudos e Memrias 3. Lisboa: Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2004, p. 259, 266-267, 271, 274
16 PEREIRA, Lusa Estcio da Veiga - O Museu Arqueolgico do Algarve (1880-1881). Subsdios para o
Estudo da Museologia em Portugal no sculo XIX. Faro: Separata dos Anais do Municpio de Faro, 1981,
p. 58-59
17 CARRILHO, Antnio Carrilho - O Museu Arqueolgico Lapidar Infante D. Henrique. Subsdios para a
sua Histria. vora: Universidade de vora, 2002. Tese de Mestrado, p 14-19
18 PEREIRA - O Museu Arqueolgico do Algarve (1880-1881). Subsdios para o Estudo da Museologia em
Portugal no sculo XIX, p. 41, 47
19 O Algarve, 23 de Dezembro de 1920, Ano 13., N. 666, p.1
-
14
Toms Cabreira no seu livro Algarve Econmico, de 1918, manifesta a sua
preocupao em relao ao patrimnio algarvio e defende que se devia conservar todas as
ruinas, achados arqueolgicos e monumentos que se liguem recordaes histricas.20
2. Estado Novo
Durante o perodo do Estado Novo ir surgir em Tavira o primeiro Museu
Municipal. Este perodo foi o primeiro marco da histria da museologia em Tavira e por
isso reveste-se de alguma importncia. Alguns bens culturais que figuraram neste museu
fazem parte da atual coleo municipal.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926 no deu origem a um movimento
ideolgico definido. Em Outubro de 1932 surge um regime recm-institudo em bases
ideolgicas definidas que iro moldar a poltica do Estado Novo: Constituio de 1933,
Estatuto do trabalho Nacional em 1933 e a Unio Nacional em 1930. Os valores
fundamentais eram Deus, Ptria e Famlia. Este sistema poltico-ideolgica, que encontrou
no catolicismo os seus principais fundamentos, defendeu o regionalismo valorizando os
ncleos polticos das freguesias e dos muncipes e as associaes locais. Os momentos de
triunfo da nossa histria servem para revindicar a grandeza do passado e justificar o
presente. A atividade do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), mais tarde
Secretariado Nacional de Informao (SNI), dirigido por Antnio Ferro, promove a
divulgao da nova perspetiva histrico-ideolgica. Este perodo foi marcado pela criao
de museus regionais e pela explorao do potencial econmico do turismo.21
Os museus fizeram parte da ao poltica e ideolgica do Estado Novo. A sua
funo era transmitir a mensagem de que Portugal respeitava o patrimnio, protegia os
esplios museolgicos e respeitava os antepassados gloriosos. Os museus serviram de
instrumento de propaganda poltica e de explorao ideolgica do novo regime. A Poltica
de Esprito de Antnio Ferro assentava na Nao, no Territrio (Portugal e colnias) e na
20
CABREIRA, Toms - O Algarve Econmico. Lisboa: Imprensa Libanio da Silva, 1918, p. 262
21 NETO, Maria Joo Baptista Neto - Memria, Propaganda e Poder. O Restauro dos Monumentos Nacionais
(1929-1960). 1. ed. Porto: Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2001, p. 139-146, 168-
170
-
15
Histria, dando especial ateno aos heris e s personagens ilustres. Os objetos
museolgicos eram escolhidos de acordo com a mensagem que se pretendia transmitir. O
objeto etnogrfico foi muito valorizado neste perodo, uma vez que estava relacionado com
a arte popular e centrado na representao do povo e das tradies populares.22 A etnografia
estava relacionada com a verdadeira identidade nacional e com a salvaguarda dos valores
identitrios genunos. Deste modo, a tradio a referncia central, sendo destacada a
cultura popular.23
O semanrio regionalista Povo Algarvio, entre os anos 1937 e 1940, aborda
insistentemente as comemoraes do duplo centenrio, referncias exposio do Mundo
Portugus com descries pormenorizadas dando grande relevncia ao evento.
Para comemorar os dois centenrios o Portugal dos nossos dias vai apresentar-se realizando por todo o Pas e por todo o Imprio melhoramentos das maiores e dos mais significativos que ficaro a atestar pelo tempo fora a maneira como os portugueses do Estado Novo souberam recordar a fundao da sua Ptria e a Restaurao da sua independncia.24
O concurso A aldeia mais portuguesa de Portugal foi referenciado no mesmo
semanrio:
() H que interessar, nessa obra de renascimento folclrico e etnogrfico nacional, o povo das aldeias, os artistas annimos que, afeioando o barro, entoando cantigas ou, simplesmente, repudiando influncias alheias e nocivas, logram manter intactos, na sua pureza e graa, os costumes tradicionais da sua terra. () As condies essenciais a que devero subordinar-se as aldeias portuguesas do continente, admitidas a concurso, so, em referncia s tradies etnogrficas e folclricas das respectivas provncias, a maior resistncia oferecida a decomposies e influncias estranhas e o estado de conservao no mais elevado grau de pureza ()25
Em Tavira, a preocupao dos feriados municipais coincidirem com datas
marcantes como a passagem do feriado concelhio de 1 de Maio para o dia 11 de Junho,
data em que a cidade foi conquistada aos mouros por D. Paio Peres Correia.26
22
LIRA, Srgio - Museus no Estado Novo: continuidade ou mudana. 100 Anos de Patrimnio Memria e
Identidade. Portugal 1910-2010. 2.ed., Lisboa: IGESPAR,2011, pp. 187-192
23 MELO, Daniel - Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1997.
Tese de Mestrado, p. 81
24 Povo Algarvio, 1 de Maio de 1938, Ano IV, N. 205, p.1-2
25 Povo Algarvio, 27 de Fevereiro de 1938, Ano IV, N. 196, p.2
26 Povo Algarvio, 20 de Junho de 1937, Ano IV, N. 160, p.1
-
16
2.1. O antigo Museu Municipal de Tavira
A documentao existente em relao ao antigo Museu Municipal de Tavira muito
escassa, uma vez que na poca no houver qualquer tipo de preocupao em documentar
este espao. Estava localizado num edifcio anexo, antiga Casa do Despacho, Igreja da
Misericrdia, atualmente um Ncleo de Arte Sacra da Santa Casa da Misericrdia (Figuras:
1.1 e 1.2 nas pginas 143 e 144). Alguns objetos que fizeram parte deste museu foram
guardados no Cofre Municipal e atualmente fazem parte das colees do museu, outros
voltaram para os respetivos proprietrios e os elementos arquitetnicos retornaram ao
jardim da Igreja de So Francisco, em que alguns destes elementos, mais tarde
recuperados, tambm fazem parte do museu. Alm da criao do espao museolgico,
inaugurou-se tambm uma biblioteca, o castelo foi restaurado pela Direo Geral dos
Edifcios e Monumentos Nacionais e classificaram-se alguns monumentos. O castelo de
Tavira foi classificado como monumento nacional em Junho de 193927 e as suas obras de
restauro pela DGEMN iniciaram em Maio de 194028 e prolongaram-se at 1945.29 Do
primitivo castelo nada restava, exceto vestgios das fortificaes construdas no reinado de
D. Dinis.30
Tavira sofre influncia do Estado Novo na fase de maior fora do seu programa
cultural e poltico. Um dos objetivos de propaganda salazarista era a procura da
autenticidade e originalidade de cada regio que a diferenciasse das outras. Assim, as
atividades ligadas etnografia e aos costumes e tradies da terra tornavam a regio num
alvo de interesse e de oferta turstica: regionalismo igual a patriotismo e que
necessariamente tem que ser nacionalista. A ideologia salazarista demarcada por Ptria,
Histria, Tradio, Famlia e Deus.
Em 1937, toma posse a comisso administrativa municipal presidida pelo Sr.
Isidoro Manuel Pires.31 Este corpo dirigente municipal era constitudo por homens de
27
Povo Algarvio, 18 de Junho de 1939, Ano V, N. 264, p. 2
28 Povo Algarvio, 5 de Maio de 1940, Ano V, N. 306, p. 1
29 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A65, n. 6268, Plano de Atividades da Cmara Municipal do
Concelho de Tavira para o ano econmico de 1945, fl. 3
30 BAOM, Sebastiam - O Algarve, 18 de Janeiro de 1914, Ano 6., N. 304, p.2
31 Povo Algarvio, 7 de Fevereiro de 1937, Ano III, N. 141, p. 1
-
17
confiana do governo e que sob a influncia da delegao regional da Unio Nacional veio
a fortalecer os valores salazaristas no territrio algarvio.
O Museu Municipal de Tavira foi criado por deliberao camarria em Abril de
1937 e ps empregados da secretaria da cmara a percorrer a cidade a fim de obter objetos
de arte e objetos antigos para o futuro museu.32 33 A iniciativa da criao de um Museu
Municipal foi muito bem recebida pelos tavirenses, que imediatamente se prestaram a doar
objetos de interesse histrico e artstico.
Propem-se a Cmara Municipal, em abenoada deliberao, organizar um Museu Municipal. Louvores merece, porque se interessa em valorizar o seu torro natal (). Organizando um Museu, a Camara arranca a um prolongado e lamentvel esquecimento, e torna devidamente conhecidos e apreciados todos os valores, quaisquer que sejam, a forma porque se aproveitem ou manifestem ()34
A Cmara decidiu proceder instalao do museu nas instalaes anexas Igreja
da Misericrdia e foi efetuado pequenas reparaes no edifcio.35 No incio de Agosto de
1937 foi instalado a Biblioteca e o Museu Municipal continuava em organizao. O Museu
ocupava o rs-do-cho e a sala do lado direito do primeiro piso.36 A Cmara mandou
construir uma vitrina para a coleo numismtica.37 Em 1938 foi adquirido mobilirio para
o Museu e a Biblioteca.38 Segundo as memrias do senhor Ofir Chagas, que na dcada de
1940 estudava na escola primrio, no Palcio da Galeria, na escadaria que dava acesso ao
primeiro piso, as paredes exponham lanas e escudos, as cantarias encontravam-se na
entrada do edifcio, a vitrina com a coleo de numismtica estava disposta no centro da
32
Povo Algarvio, 4 de Abril de 1937, Ano III, N. 149, p. 2
33 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Livro n. 38, Actas da Cmara Municipal de 28 de Julho de 1933 a
10 de Novembro de 1938, Sesso de 1 de Abril de 1937, fl. 146
34 VASCONCELOS, Damio - Museu Municipal. Povo Algarvio, 23 de Maio de 1937, Ano III, N. 156, p. 1
35 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Livro n. 38, Actas da Cmara Municipal de 28 de Julho de 1933 a
10 de Novembro de 1938, Sesso de 13 de Maio de 1937, fl. 150 v.
36 Povo Algarvio, 8 de Agosto de 1937, Ano IV, N. 167, p. 3
37 Povo Algarvio, 19 de Setembro de 1937, Ano IV, N. 173, p. 2
38 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A64, Oramento do Suplemento de Receita e Despesa da
Cmara Municipal da Concelho de Tavira para o ano econmico de 1938, n. 1765, fl. 1
-
18
sala do primeiro piso do lado direito e a sala do lado esquerdo era a biblioteca onde por
vezes se fazia palestras.39
Em relao organizao do museu:
A Camara Municipal tem estado a proceder escolha de antiguidades para a organizao do Museu Municipal que deve ser inaugurado ainda este ano. J l se encontram algumas pedras tumulares, brazes em pedra, etc, cedidas por alguns particulares e pela ordem terceira de So Francisco.
Fomos porm informados que a Ordem do Carmo, no quis ceder para o Museu umas pedras tumulares que se encontram ao abandono no meio do cemitrio daquela ordem. ()40
Em 1939, o autarca Isidoro Pires vai apostar na cidade, na sua valorizao e
projeo turstica e regional, no crescimento e qualidade de vida local, no melhoramento
da imagem urbana, que se centrava no Centro Histrico, e na divulgao dos valores
ideolgicos e polticos. Atravs do projeto de valorizao do patrimnio artstico e
histrico pretendia-se enaltecer a identidade. No centro histrico da cidade criou-se assim
uma imagem autntica do passado, desde os restauros da Direo Geral dos Edifcios e
Monumentos Nacionais at s pequenas obras de beneficiao local.41 Numa entrevista
dada ao autarca pelo semanrio regionalista Povo Algarvio em Abril de 1939 refere-se ao
Museu Municipal e Biblioteca:
Neste edifcio anexo Igreja da Misericrdia, est a camara a organizar um museu e a instalar a Biblioteca, que inaugurar no prximo ano, em comemorao dos centenrios. O museu consta de panapolias, brazes de pedra e moedas antigas, e a biblioteca contm algumas raridades de aprecivel valor.42
O museu foi provavelmente inaugurado em 1940 (no existem referncias quanto a
data certa da sua abertura), coincidindo com as festas dos centenrios.43
39
Ofir Chagas nasceu em 1935, fez o 5. ano na antiga Escola Tcnica de Tavira e foi Chefe de Servios no
Instituto do Emprego.
40 Povo Algarvio, 14 de Novembro de 1937, Ano IV, N. 181, p. 2
41 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A64, n. 1772, Oramento do Suplemento Especial para as
festas comemorativas dos Centenrios e da Restaurao a realizar de Junho a Dezembro de 1940, Receita
e Despesa da Cmara Municipal do Concelho de Tavira para o ano econmico de 1940
42 Povo Algarvio, 9 de Abril de 1939, Ano V, N. 254, p. 1
43 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Livro n. 39, Actas da Cmara Municipal de 27 de Novembro de
1937 a 20 de Setembro de 1941, Sesso de 9 de Maio de 1940, fl. 89 V.-90, elaborao do oramento
especial para as festas dos centenrios
-
19
A instalao do museu nas traseiras do altar-mor da Igreja da Misericrdia tornou
possvel o seu acesso pelo interior da igreja atravs de uma porta situada no lado do
evangelho. A igreja, edificada nos meados do sculo XVI com magnficos azulejos e uma
obra valiosa em talha dourada, seria provavelmente o primeiro ncleo expositivo, fazendo
assim parte do itinerrio museolgico, que seguia depois para o museu.
O programa museolgico foi baseado no esprito dos centenrios. Era
assumidamente um museu local, orientado para explorar as referncias histricas da
cidade. O objeto museolgico era utilizado como meio de divulgao da propaganda
poltica e ideolgica. Os objetos provinham das igrejas e de alguns particulares que
nutriam o gosto pelo colecionismo. O acervo consistia essencialmente em escultura em
pedra, pintura, numismtica, armas, mveis e poucos objetos de arqueologia. A par do
museu deu-se interesse s exposies temporrias, aos estudos e ao inventrio dos bens
artsticos.44
Alguns particulares que se conhecem que deram objetos ao museu foram:
Engenheiro Joaquim Rosado Padinha que ofereceu a sua coleo de moedas e medalhas,
quadros, armas, mveis e objetos de valor, livros documentos, panos, etc; Senhor Filipe
Monteiro Santos que ofereceu uma coleo de moedas; e a Senhora Ana Peres ofereceu
uma coleo de armas e objetos gentlicos.45
O espao museolgico e as intervenes de restauro nos edifcios classificados
constituram pontos de atrao turstica. O museu localizado no Centro Histrico da cidade
faria parte de um circuito turstico. Este percurso, dentro das muralhas, inclui a Igreja da
Misericrdia, a Igreja Santa Maria do Castelo e o Castelo.46
Para a instalao do museu e da biblioteca tornou-se urgente oficiar a Direo Geral
dos Edifcios e Monumentos Nacionais a necessidade de reparar o telhado da igreja da
44
LOPES, Marco - O ambiente museolgico em Tavira no Estado Novo Memria, Propaganda e Turismo.
vora: Universidade de vora., 2005. Tese de Mestrado, p. 56-57
45 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 39, Actas da Cmara Municipal de 27 de Novembro de 1937 a 20
de Setembro de 1941, Sesso de 2 de Maio de 1940, fl. 89
46 Povo Algarvio, 6 de Outubro de 1946, Ano XII, N. 639, p. 2
-
20
Misericrdia e a conservao das dependncias do edifcio.47 Em 1943, na Igreja da
Misericrdia caiu o teto da sacristia.48 Esta igreja sofreu vrias reparaes nas dcadas de
1940, 1950 e 1960. O Povo Algarvio anunciou duas reaberturas da Biblioteca, uma em
194649 e outra em 1957.50 Daqui pressupomos que o edifcio que albergava tanto o Museu
como a Biblioteca esteve algumas vezes fechado devido a problemas estruturais e sujeito a
reparaes.
O Senhor Antnio Cabreira51, em 1942, doou o seu prdio (atualmente o Arquivo
Histrico Municipal de Tavira) Cmara Municipal de Tavira para a instalao do Museu e
Biblioteca ou Arquivo Municipal.52 53 O edifcio anexo Igreja da Misericrdia onde estava
instalado o museu e a biblioteca era arrendado Santa Casa da Misericrdia.54
No final da dcada de 1950, o Povo Algarvio volta a abordar o pequeno museu e
pede a entrega ao Municpio de insgnias, estandartes, bandeiras e outros smbolos
representativos de organizaes citadinas j desaparecidas para enriquecer o museu da terra
e contribuir para a elevao do seu nvel.55
47
Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 39, Actas da Cmara Municipal de 27 de Novembro de 1937 a 20
de Setembro de 1941, Sesso de 28 de Maro de 1940, fl. 80 v.
48 Povo Algarvio, 26 de Setembro de 1943,Ano X, N. 481, p. 2
49 Povo Algarvio, 7 de Abril de 1946, Ano XII, N. 613, p. 2
50 Povo Algarvio, 9 de Junho de 1957, Ano XXIV, N. 1195, p.1
51 Antnio Cabreira nasceu a 30 de Outubro de 1867. Era um homem multifacetado que escreveu sobre
diversos temas e era monrquico. Alm de colecionador de cargos acadmicos e honorficos era
empreendedor em criar instituies. Usou o ttulo de Conde de Lagos. Consultar: PINTO, Pinto -
Monarquia versus Repblica os irmos Antnio e Toms Cabreira. A 1. Repblica em Tavira.
Transformaes e Continuidades. Tavira: Cmara Municipal de Tavira, 2010, p. 36-47
52 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A65, n. 8307, Relatrio da Gerncia do ano de 1944, folhas
8-9, Paos do Concelho, 5 de Janeiro de 1945
53 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 40, Actas da Cmara Municipal de 6 de Outubro de 1941 a 26 de
Outubro de 144, Sesso de 20 de Agosto de 1942, fl. 49
54 Arquivo Histrico da Santa Casa da Misericrdia, Correspondncia Expedida, Ofcio n. 127 de 9 de
Novembro de 1938
55 Povo Algarvio, 15 de Novembro de 1959, N. 1.323, Ano XXVI, pp. 1-2
-
21
Em 1961 surge pela primeira vez a vontade de criar um Museu Arqueolgico e
Lapidar no cemitrio de So Francisco.56 Em 1963, a Comisso Municipal de Turismo
manifesta o interesse na criao de um Museu de Arte Sacra na Cidade.57 Esta nova
proposta estava relacionada com a oferta turstica. A Indstria do Turismo no Algarve foi
incrementada na dcada de 1960, marcada pelo incio da construo de grandes hotis e
estncias balnerias, sendo rendosa, de interesse nacional e apoiada pelo Secretariado
Nacional de Informao (SNI).
Nos finais da dcada de 1960, a autarquia props reformular o museu com o apoio
das comisses municipais de arte, arqueologia e turismo. Este projeto previa uma rede de
museus, um de arte sacra no edifcio anexo Igreja da Misericrdia, outro de etnografia e
numismtica na casa que Antnio Cabreira doou ao Municpio de Tavira e ainda outro de
pedras tumulares e brasonadas no jardim da Igreja de So Francisco.58 Em Novembro de
1967 a Cmara Municipal nomeou uma comisso a fim de trabalhar para instalar num
curto lapso de tempo o Museu de Arte Sacra e o Museu Arqueolgico e Regional.59 Em
1968, foi feita uma diligncia com urgncia para a cmara tomar posse do imvel doado
para instalar a Biblioteca e o Museu.60 Em 1970, cedeu-se Cmara Municipal de Tavira,
para a instalao da seco de Arte Sacra do Museu de Tavira, o edifcio da Igreja da
Misericrdia e dependncias incluindo emprstimo de painis, quadros, parametros, alfaias
e imagens de santos.61
O terceiro quartel do sculo XX, em Portugal corresponde a uma fase marcada pela
prpria alterao da conceo do museu tendo conhecimento do que se fazia alm-
fronteiras. Os museus passam a desempenhar uma misso artstica, cientfica e uma misso
56
Povo Algarvio, 9 de Julho de 1961, N. 1.410, Ano XXVIII, p. 4
57 Povo Algarvio, 28 de Abril de 1963, N. 1.507, Ano XXIX, p. 1 e 3
58 LOPES, Marco - O (re)nascer do Museu Municipal: programa e prespectiva de futuro. A Realidade
Museolgica no Algarve. Prespectivas para o sculo XXI. Museal. Faro: Museu Municipal de Faro, N. 1 (2006), p. 52-53
59 Povo Algarvio, 18 de Novembro de 1967, N. 1.744, Ano XXXIV, p. 1 e 2
60 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 56, Actas da Cmara Municipal de 6 de Dezembro de 1966 a 20 de
Maro de 1968, Sesso de 17 de Janeiro de 1968, fls. 171-171 v.
61 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 59, Actas da Cmara Municipal de 5 de Agosto de 1970 a 22 de
Dezembro de 1971, Sesso de 3 de Fevereiro de 1971, fls. 84-84 v.
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22
educativa e social e no serem apenas instituies com a finalidade de conservao de
objetos. O museu deve ser um organismo cultural ao servio da comunidade. As
exposies devem exercer uma ao pedaggica de forma a suscitar interesse ao pblico.
Este perodo manifesta-se ainda pela preocupao da formao do pessoal afeto aos
museus, sobretudo no que diz respeito ao diretor do museu, ao conservador de museu e ao
muselogo.62 Deste modo, o museu democratiza-se com igualdade de acesso para todos
deixando de pertencer s elites, no entanto isto estava longe da realidade da maioria dos
museus portugueses.63
Face a estas mutuaes que se deram na museologia nesta fase, ter havido
conscincia pelo Municpio de Tavira de que o Museu Municipal de Tavira seria j um
museu ultrapassado? Pressupem-se que a exposio pouco teria mudado desde a sua
inaugurao. Numa notcia de opinio no Povo Algarvio assinado por A.G. em Agosto de
1964 comenta:
Do Museu de Arte Sacra (), Deus nos livre igualmente, pois ostentaria uma burla para a arte e para a sacralidade.
Mas todas as cidades tm a obrigao cultural e social de organizar o seu museu arqueolgico, como documento de arte, subsdio histrico e informativo para elucidao do pblico, visto que existe uma instruo pblica ampliada em Educao Nacional.64
Nenhum destes ncleos foi concretizado devido falta de financiamentos e assim
este projeto acabou por morrer.
Aps o 25 de Abril de 1974, com o regime democrtico, o antigo Museu Municipal
aproximou-se do seu fim e acabou por fechar. A Biblioteca foi transferida para o edifcio
doado por Antnio Cabreira em incios de 1981.65 Pressupem-se que o museu ter
encerrado entre 1980 e 1981. O edifcio onde estava instalado o Museu e a Biblioteca foi
devolvido Misericrdia e parte dos bens expostos foram transferidos para o Cofre
Municipal.
62
DECRETO-LEI n. 46 758 de Dezembro de 1965. Dirio do Governo, I-Srie. 286 (18-12-1965) 1696
63 LIRA - Museus no Estado Novo: continuidade ou mudana? p. 195-196
64 Povo Algarvio, 16 de Agosto de 1964, Ano XXXI, N. 1574, p. 4
65 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 77, Actas da Cmara Municipal de 6 de Janeiro de 1981 a 28 de
Abril de 1981, Sesso de 14 de Abril de 1981, fls. 319-319 v.
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23
Os moldes em que este museu foi criado perderam sentido e a Museologia ganha
outro novo rumo. O Museu Municipal de Tavira regressa em finais da dcada de 1990, mas
em moldes diferentes. Os museus so manifestaes de uma dada poca e sociedade a que
pertencem e a sua debilidade por vezes atravessada por transformaes sociais,
econmicas e polticas que podem levar ao seu encerramento ficando os seus bens apenas
valorizados por anteriores geraes e completamente esquecidos.
3. A Nova Museologia
Aps o 25 de Abril de 1974, com a democracia, surgiram novas orientaes na
poltica do patrimnio. Os museus democratizaram-se e comearam a promover os novos
valores polticos e sociais como a democracia, a liberdade de expresso, a igualdade de
direitos, etc.
O universo de Patrimnio cultural foi ampliado, ou seja do tradicional objeto
artstico caminhou-se para a diversidade patrimonial, que em Portugal ocorreu a partir dos
anos cinquenta. Entre 1972 e 2003 caracterizou-se pela integrao continuada de novos
patrimnios. A dcada de 1970 marcada pela integrao de uma grande variedade de
tipologias. Com este alargamento do conceito de patrimnio levou renovao de antigos
museus e criao de novos museus. Esta mudana deveu-se prpria dinmica da
sociedade que comeou a exigir um patrimnio mais diversificado e prximo das
manifestaes culturais locais. Os patrimnios tornaram-se fatores fundamentais e
estruturantes da sociedade. Em 2003 torna-se importante a salvaguarda do Patrimnio
Cultural Imaterial, centrado nas tradies e memrias coletivas.66 Em Portugal, no final do
sculo XX aumentaram as iniciativas locais ligadas s polticas culturais e tursticas dos
municpios, que corresponderam a novas abordagens de patrimnio e musealizao.67
Atualmente, a nova Museologia aposta no desenvolvimento das populaes a partir dos
seus recursos internos.
66
FOLGADO, Deolinda - Patrimnio inclusivo. Das expectativas aos desafios. 100 anos de patrimnio.
Memria e Identidade. Portugal 1910-2010., 2. ed. Lisboa: IGESPAR, 2011, p. 323-325
67 MOUTINHO, Mrio - Os museus portugueses perante a sociomuseologia.100 anos de patrimnio.
Memria e Identidade. Portugal 1910-2010., 2. ed. Lisboa: IGESPAR, 2011, p. 313
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24
Os museus constituem atualmente uma parte da atividade cultural onde se
desenvolvem as preocupaes cada vez mais centradas na identidade, no lazer, na educao
e na socio-economia. So bens essenciais sociedade criados historicamente e
circunstancialmente e procuram continuamente os compromissos necessrios para a sua
existncia face a uma sociedade em constante mudana. O museu o reflexo das
conjunturas sociais, culturais e econmicas de cada momento da sua histria.
O museu uma instituio com personalidade jurdica, com ou sem fins lucrativos,
aberta ao pblico, ao servio da sociedade, e que tem como caractersticas essenciais o
trabalho permanente com o patrimnio cultural (natural, paisagstico, tangvel, intangvel,
etc) e a sua apresentao em exposies. Os museus colocam-se ao servio da sociedade
contribuindo para a construo identitria, produo de conhecimentos e de lazer,
desenvolvimento de programas, projetos e aes utilizando o patrimnio cultural com fins
educacionais, tursticos, de incluso social, comunicao, exposio, investigao,
inventrio, conservao e democratizao do acesso. Os poderes pblicos, enquanto
suporte essencial sobrevivncia dos museus, devem prestar um servio pblico na
salvaguarda do patrimnio, na afirmao pblica dos museus e na atrao de novos
pblicos.
O museu local ou regional tem essencialmente como fim promover o
desenvolvimento local, aberto a toda a participao popular e com funes diversificadas
centradas sobretudo na identidade, na atrao turstica, na animao cultural e na
valorizao dos produtos locais. Este museu participa no desenvolvimento da sociedade
atravs do conhecimento, da salvaguarda e da divulgao da cultura/identidade da
comunidade e das relaes Homem/meio ambiente natural. Os bens culturais so
valorizados atravs da aproximao entre o patrimnio cultural e as gentes locais. No
patrimnio cultural est o reconhecimento da pertena: Os Museus nascem do desejo
humano de preservar aquilo que reflete a sua imagem no espelho real. esta vontade do
humano de ser refletido, uma caracterstica prpria do ser humano que funda e legitima o
que chamamos de patrimnio.68
68
SOARES, Bruno C. Brulon; SCHEINER, Tereza C. M. - A chama interna: Museu e patrimnio na
diversidade e identificao. Museologia e Patrimnio. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do
Porto. Vol. 3. N. 1 (2010), p. 18
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25
O patrimnio o resultado de definies de critrios de seleo ao longo do tempo
do que numa dada coleo de um museu, ser adquirido, preservado e guardado para a
posterioridade e o que ser descartado.69
Cada gerao responsvel por uma seleo que
se faz em relao a um patrimnio cultural em constante mudana.
Os museus lidam com colees constitudas por objetos fsicos, tangveis, que so
contextualizadas no mbito da cultura imaterial, intangvel, sendo estes dois aspetos
indissociveis: O entendimento do objeto museolgico expande-se para alm do carter
da tangibilidade, buscando incorporar o universo das manifestaes culturais em suas
representaes e suas prticas e no s os produtos da cultura material centrados nos
objetos.70
O patrimnio deve ser dado a conhecer juntamente com a documentao a ele
associada, de uma forma alargada que ultrapasse as paredes das instituies. A utilizao
das tecnologias de informao, a informatizao dos inventrios ou a criao de Websites
so instrumentos que alargam o pblico e permitem projetar a imagem do museu, do seu
patrimnio e das suas atividades. A era da informao e das novas tecnologias provocou
profundas transformaes na sociedade e, deste modo, no meio museolgico, em que se
passou do local para o global.
Em 2006, os museus existentes na regio do Algarve eram em termos absolutos o
mais baixo do continente portugus, no esquecendo que se trata de uma regio de baixa
densidade populacional. A proliferao de museus e ncleos museolgicos d-se sobretudo
no final da dcada de 1990. Predominam os museus de tutela autrquica, poucos ligados
administrao central e nenhuns dependentes da Direo Geral do Patrimnio Cultural.71
69
BRITO, Joaquim Pas de - O museu entre o guarda e o que mostra. Museus, Discursos e Representaes.
Porto: Edies Afrontamento, 2006, p.150
70 LIMA, Diana Farjalla Correia. - Museu, poder simblico e diversidade cultural. Museologia e Patrimnio,
Vol. 3, N. 2 (Jul./Dez. 2010), p.25
71 CAMACHO, Clara Frayo - O Panorama Museolgico do Algarve e a Rede Portuguesa de Museus. A
Realidade Museolgica no Algarve: prespectivas para o sculo XXI. Museal. Faro: Museu Municipal de Faro, N. 1 (Mai 2006), p. 16
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26
3.1. O atual Museu Municipal de Tavira
Hoje em dia, o Museu Municipal de Tavira j no o depsito de obras que
caraterizou os primrdios da iniciativa museolgica. O atual museu criado em fins da
dcada de 1990, dependente da Cmara Municipal de Tavira, de carcter territorial, est
inserido nesta nova tendncia museolgica relacionada com o alargamento do conceito de
patrimnio museolgico, a descentralizao de unidades museolgicas e a introduo de
novas prticas de Museologia. Tem um papel social e cientfico e participa no
desenvolvimento local atravs do estudo, da interpretao, da salvaguarda, da divulgao e
da valorizao do patrimnio cultural e natural entendido como uma herana coletiva, na
sensibilizao dos poderes poltico e econmico para os particularismos regionais e na
contribuio para a reabilitao de saberes tradicionais. Os objetos so explorados no seu
contexto geogrfico, social, cultural e econmico sendo importante a aproximao e
participao da comunidade no estudo e na valorizao do patrimnio cultural.72
As suas funes essenciais como instituio museolgica so: recolha, inventrio e
registo, conservao e restauro, investigao, divulgao, ao cultural e educativa. A sua
constituio teve, como qualquer museu, a existncia de uma coleo de objetos
independentemente da sua existncia. Esses objetos, para alm do seu valor intrnseco,
transmitem informaes ligadas histria, ao ambiente social, economia, ao progresso
tecnolgico, etc, em relao sua poca e que so informaes importantes para o
conhecimento da cultura material. O museu tem assim como fim, alm de conservar esses
objetos, estud-los e apresenta-los no contexto espao temporal.
O Museu Municipal de Tavira incide o seu interesse tanto em exposies
contemporneas como em exposies que mostram a sua histria e cultura local e dai a
importncia da arqueologia e etnografia. Sendo um museu polinucleado, ou antes uma
entidade museolgica descentralizada constituda por vrios ncleos temticos dependentes
de uma sede, procura cumprir a quase totalidade das funes museolgicas e o garante da
sustentabilidade de todo o sistema. Formado nos finais de 1990 e baseado no modelo
ecomuseu ou museu de territrio, a criao de ncleos museolgicos deveu-se iniciativa
autrquica com o fim da valorizao e descentralizao cultural. Sendo um museu
72
CARTAXO, Joana; LOPES, Marco - O Museu Municipal de Tavira: retrato de um territrio. Tavira: Vila
Adentro, Cidade Renovada. Tavira: Cmara Municipal de Tavira, 2005, p. 101-102
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27
polinucleado, os ncleos museolgicos esto estabelecidos em locais fisicamente
autnomos da sede com colees prprias e atividades diversas, mas com uma ligao
institucional e orgnica dependente daquele. Cada ncleo museolgico comporta os
principais servios tcnicos que permitem o cumprimento adequado das funes
museolgicas indispensveis. Este museu polinucleado tem como fim a valorizao dos
patrimnios locais, prximo das populaes. Os distintos ncleos desenvolvem distintas
temticas promovendo a valorizao do acervo museolgico arqueolgico, etnogrfico,
religioso, industrial e contemporneo. Alguns ncleos museolgicos, relacionados com o
patrimnio arqueolgico, esto ligados a evidncias preservadas in situ e interpretadas
museograficamente. Tambm o patrimnio religioso, pertencente ao Municpio, forma
ncleos de arte sacra destinados a valorizar espaos abandonados pelo culto.73
O edifcio sede o Palcio da Galeria, que est implantado na encosta nascente do
castelo em stio proeminente da cidade de Tavira. um elemento importantssimo na
paisagem urbana. Este imvel de arquitetura civil oferece testemunhos medievais que
traduzem sobretudo nas cantarias de arcos quebrados dos sculos XIV-XV e que sofreu
alteraes sucessivas ao longo dos temos com vestgios arquitetnicos dos diferentes
perodos. Recebeu uma grande campanha de obras a partir de 1753, a qual denuncia a sua
fachada principal.74 As suas primeiras referncias histricas remontam ao sculo XVI
sendo um edifcio habitacional. Em 1863 foi adquirido pela Cmara Municipal de Tavira e
foi instalado o Tribunal Judicial. Este edifcio sofreu obras de reparao indispensveis nos
finais da dcada de 1930.75 No incio da dcada de 1950 sofreu obras de adaptao para
instalar a Repartio das Finanas e a Tesouraria da Fazenda Pblica.76 Tambm funcionou
a Escola Primria Masculina que permaneceu at 1948. O Tribunal e as Finanas
funcionaram at 1960. Em 1960 o edifcio sofre obras de adaptao pra instalar a Escola
73
Ver o Site do Museu Municipal de Tavira. Disponvel na Internet
-
28
Tcnica de Tavira77 que permaneceu at 1980.78 Aps a transferncia do ensino secundrio
para novas instalaes, foi proposto dar uma nova utilidade ao imvel e colocou-se a
hiptese de instalar salas de conferncia e o Museu Municipal (o antigo museu j teria sido
extinto nesta altura), alertando para as necessrias obras de conservao do edifcio.79 O
Palcio da Galeria ficou sem nenhuma utilidade e ao abandono at s obras de reabilitao
em 1999.
Antes da reabilitao o edifcio encontrava-se em estado de degradao avanada.
As obras da primeira fase decorreram entre 2000 e 2001. A sua inaugurao foi a 5 de
Outubro de 2001. A par das obras de reabilitao decorriam as escavaes arqueolgicas na
entrada principal de uns poos votivos fencios com cerca de 3,50 metros de profundidade.
Devido a estes achados arqueolgicos houve alteraes ao projeto inicial.80 A reabilitao
deste imvel conferiu a salvaguarda do patrimnio como valorizao histrica. Criou-se
assim uma rea museolgica que fomenta a animao de atividades culturais. A
interveno evidenciou tambm a valorizao dos testemunhos arqueolgicos postos a
descoberto durante as obras e que foram reintegrados e contextualizados no edifcio.81 O
Palcio da Galeria foi classificado como monumento de interesse pblico devido ao seu
valor esttico, tcnico e material intrnseco, sua conceo arquitetnica, urbanstica e
paisagstica e memria coletiva.82
O Palcio da Galeria est dividido em duas reas expositivas, Edifcio Central e
Pavilho Medieval, que tm vindo a apresentar importantes exposies temporrias com
integrao de acervo municipal como Esprito e Poder. Tavira nos tempos da
modernidade, em 2006, Tavira, Patrimnios do Mar, em 2008, Cidade, Mundos
77
Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A71, N. 6301b, Relatrio de Gerncia da Cmara Municipal
do Concelho de Tavira, fl. 1
78 ANICA, Arnaldo Casimiro - Tavira e o seu Termo Memorando Histrico. Vol. II. Tavira: Cmara
Municipal de Tavira, 2001, p.212-213
79 Arquivo Municipal de Tavira, Livro N. 76, Actas de 2 de Setembro de 1980 a 30 de Dezembro de 1980,
Sesso de 9 de Dezembro de 1980, fls. 287-287v.
80 Concurso Pblico para a Empreitada de Restauro e Adaptao do Palcio da Galeria. DOME. Cmara
Municipal de Tavira, 1999
81 Concurso Pblico para a Empreitada de Restauro e Adaptao do Palcio da Galeria, cit 31ira, 1999
82 PORTARIA n. 888/2013 de Dezembro de 2013. Dirio da Repblica. II-Srie. 240 (11-12-2013) 35477
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29
Rurais. Tavira e as Sociedades Agrrias, A 1. Repblica em Tavira. Transformaes e
Continuidades em 2010, e Fotografar. A famlia Andrade, olhares sobre Tavira em
2011, alm de importantes exposies de arte contempornea com artistas de referncia
como Bartolomeu Cid dos Santos, Gnter Grass, Pedro Cabrita Reis, Jlio Pomar, Vieira
da Silva, Luis Gordillo, Paula Rgo, entre outros, exposies coletivas com a Fundao da
Caixa Geral de Depsitos e exposies temticas como a Fundao Calouste Gulbenkian
ou a Portugal Telecom. Atualmente, no Pavilho Medieval encontra-se a exposio
temporria Dieta Mediterrnea e o Edifcio Central a exposio Memria e Futuro
dedicada ao trabalho realizado pelo Museu Municipal de Tavira desde a sua criao.
Os outros ncleos expositivos so a Ermida de Santa Ana, a Ermida de So
Sebastio, Igreja de So Gonalves Telmo, o Ncleo Expositivo da Pousada de Tavira, o
Ncleo Museolgico de Cachopo, o Ncleo Islmico e o Centro Interpretativo de
Abastecimento de gua a Tavira. Todos estes ncleos sofreram obras de reabilitao,
exceto o Ncleo Expositivo da Pousada de Tavira que se encontra num edifcio construdo
de raiz.
Fruto da cooperao entre a Cmara Municipal de Tavira e o Centro Paroquial de
Cachopo foi inaugurado o Ncleo Museolgico de Cachopo, na antiga Casa dos
Cantoneiros, em 30 de Julho de 2000, com a exposio intitulada A Vida da Serra. Trata-
se de um percurso expositivo que divide-se em trs vertentes de interpretao da vida
serrana: O Cachopo no Tempo, que aborda a problemtica do povoamento da serra, suas
continuidades e flutuaes; A Serra e a Vida, que refere a problemtica da serra como
lugar de coexistncia entre o homem e a natureza; e Os Trabalhos e os Dias, que
apresenta uma prestativa geral do quotidiano das gentes da serra, dando enfase aos
trabalhos domsticos e aos fabricos artesanais. Este ncleo remete para o seu exterior
atravs de uma caraterizao do territrio desta freguesia nos seus mltiplos aspetos
geogrficos, econmicos, sociais, histricos, artsticos e tecnolgicos convidando o
visitante a explorar o territrio e a interagir com a populao local.
Tanto a Ermida de Santa Ana como a Ermida de So Sebastio so espaos
bivalentes, funcionando como ncleos museolgicos de arte sacra e locais de realizao de
eventos de natureza cultural. Ambas so construes de pequenas dimenses.
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30
A Ermida de Santa Ana situa-se numa elevao que a coloca diante da antiga
cintura amuralhada da cidade, dentro do permetro do Centro Histrico, virada para oeste
tendo por perto o rio Gilo. Fruto das obras de requalificao urbana que tiveram lugar no
alto de Santa Ana, a Ermida no s veio a observar a restrio da circulao automvel na
zona, como tambm passou a dispor na sua envolvente de uma ampla rea de circulao
pedonal. Este templo de origem medieval serviu de capela primitiva do Governador do
Algarve a partir do sculo XVIII. O edifcio, entre 2003 e 2006, sofreu obras de
recuperao e adaptao a equipamento cultural, sendo que as intervenes se
desenvolveram ao nvel da estrutura do edifcio.
A Ermida de So Sebastio situa-se fora das muralhas da cidade precisamente na
Atalaia, afastado do rio Gilo. Sofreu obras de requalificao com uma ampla rea de
circulao pedonal sua volta. Este templo foi construdo em honra ao santo mrtir So
Sebastio a que se atribui o poder de conter epidemias e contgios. A origem desta
construo ser provavelmente medieval. A sua reconstruo ocorreu em 1745 a partir das
runas pr-existentes e a obra foi atribuda ao arquiteto Diogo Tavares de Atade. A
exuberante obra de pintura do interior da ermida foi realizada por Diogo de Mangino.
A Igreja de So Pedro Gonalves Telmo um templo de origem quinhentista
inicialmente com formulrio do Renascimento. A nave est separada da capela-mor por um
arco triunfal renascentista. Foi restaurado em 1756, aps ter sido afetada pelo terramoto de
1 de Novembro de 1755, por Diogo de Tavares Atade, com atualizao da decorao nos
moldes barrocos. O teto da nave, da capela-mor e sanca est revestido com uma pintura
ilusionista sobre madeira produzida em 1765 por Lus Antnio Pereira, sendo um dos
melhores exemplares do Algarve. Esta igreja foi construda em honra So pedro Gonalves
Telmo, padroeiro dos marinheiros e pescadores. Desde 1992 que esta igreja pertence ao
Centro Regional de Segurana Social do Algarve. Foi efetuado um contrato entre a
Segurana Social e o Municpio de Tavira em que o ltimo ficou com o direito de usufruir
do imvel por um prazo de 20 anos. A Igreja foi classificada como Imvel de Interesse
Pblico.83
De reabilitao recente, terminada em meados de 2014, ainda no foi dada
83
PORTARIA n. 740-EN/2012 de Dezembro de 2012. Dirios da Repblica. 2. Suplemento, II-Srie. 252
(31-12-2012) 41180-(49)
http://dre.pt/pdf2sdip/2012/12/252000002/0004900050.pdfhttp://dre.pt/pdf2sdip/2012/12/252000002/0004900050.pdf
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31
qualquer funo a este templo, no entanto pressupem-se ser mais um polo museolgico
de arte sacra com eventos culturais.
Na Pousada de Tavira (antigo Convento da Graa) foi criado um espao
museolgico, que abrange a musealizao do bairro Islmico Almada datado de fins do
Sculo XII e princpios do Sculo XIII com a incorporao de objetos arqueolgicos, em
cermica e osso trabalhado, encontrados nessas mesmas runas e relacionados com a vida
domstica. O Ncleo Expositivo situa-se num dos dois edifcios novos construdos em
beto volta do antigo Convento da Graa. Este edifcio est virado para Noroeste e a sua
localizao corresponde antiga Cerca Conventual, situada entre o Convento e a antiga
muralha medieval. O bairro islmico era constitudo por treze casas com habitaes
organizadas em torno de um ptio central, pavimentos em pedra, em ladrilhos de cermica,
em terra batida, em argamassa e cal, paredes revestidas com diversas qualidades de
argamassas, muros em alvenaria, telhas derrubadas, reas de circulao pblica e presena
de canalizaes. Apenas cerca de um quarto do bairro islmico descoberto foi musealizado.
A colocao de estrados com gradeamentos metlicos alternados com e corrimo em
madeira com suporte em metal pintado permite a circulao do pblico sem tocar nas
runas e ter acesso s vitrinas.
O edifcio onde funcionou o antigo Banco Nacional Ultramarino foi convertido no
Ncleo Islmico e em 2012 foi inaugurado este importante espao interpretativo e
expositivo com a musealizao de uma parte da muralha islmica e com esplios
recolhidas de intervenes no Centro Histrico das duas ltimas dcadas relacionado com
a ocupao Islmica em Tavira. A muralha em taipa ciclpica do sculo XII atravessa
interior do edifcio e foi construda em cal, areia e pedras revestida com paneis de pedras
aparelhadas. O Ncleo Islmico tem duas reas expositivas dispostas em dois pisos. O
acervo arqueolgico exposto no primeiro piso consiste numa exposio permanente de
bens provenientes das escavaes realizadas no Centro Histrico de Tavira e datam entre
os sculos X e XIII. O famoso Vaso de Tavira encontra-se destacado numa vitrina isolada.
No segundo piso tm sido realizadas exposies temporrias.
A Estao Elevatria da Fontinha situada na Rua dos Pelames, em Tavira, foi
convertida em Centro Interpretativo do Abastecimento de gua a Tavira. Este edifcio
trata-se de um projeto de Alves Costa e foi construdo entre 1929 e 1932. A estao
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32
Elevatrio funcionava conjuntamente com o depsito de gua. A recuperao foi feita com
materiais e tcnicas tradicionais idnticos aos originais do edifcio e caratersticos da
regio.84 No interior do edifcio encontra-se a bomba de gua que uma estrutura
constituda essencialmente por vrias partes em ferro fundido (Figura: 1.3 na pgina 145).
Esta estrutura de patrimnio industrial foi recuperada em junho de 2009. Este pequeno
ncleo criado a partir do aproveitamento de uma antiga estrutura constitui um testemunho
importante do papel desempenhado por esta atividade em Tavira. Alm de ter contribudo
para fomentar o desenvolvimento cultural, social e turstico da cidade, esta infraestrutura
representa uma atividade humana passada sendo um fator de identidade da comunidade
preservada na memria das populaes, que se sente reconhecida e recordada neste legado
que nos deixou os antecessores.85
Alm dos ncleos museolgicos, o Museu Municipal detm os seguintes servios:
centro de documentao, gabinetes de investigao em arqueologia, histria de arte e
antropologia, servio educativo e laboratrio de conservao e restauro. Os servios do
museu funcionam no Palcio da Galeria, exceto o laboratrio de conservao e restauro e o
gabinete de arqueologia, que esto localizados noutro edifcio, perto da sede. O pessoal
afeto ao Museu Municipal de Tavira tem formao em reas disciplinares distintas e est
enquadrado no organigrama municipal na Diviso de Cultura, Patrimnio e Turismo, e
compe-se da seguinte forma: uma arquiteta, uma antroploga, uma historiadora; um
historiador de arte, uma artista plstica ligada ao servio educativo, dois tcnicos
profissionais de arqueologia, trs arquelogos e uma tcnica superior de conservao e
restauro. A organizao funcional envolve todos os objetivos da atividade do museu
repartida pelo trabalho de investigao, incorporao, conservao, documentao,
interpretao e divulgao. O inventrio encontra-se informatizado no InPatrimonium. O
museu j tem a sua Website disponvel.
Vrias personalidades tavirenses deixaram-nos escritas as suas memrias sobre a
cidade assim como vrios investigadores que se debruam sobre o estudo do territrio,
84
E06/08/CP- Reabilitao da Rua dos Pelames e Rua Gonalo Velho, Cmara Municipal de Tavira
85 MENDES, Jos Amado - Uma Nova Prespectiva sobre o Patrimnio Cultural: Preservao e Qualificao
de Instalaes Industriais. Gesto e Desenvolvimento, N. 9 (2000) p. 205. Disponvel na Internet
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33
sendo um precioso contributo para a preservao da nossa identidade para as geraes
vindouras. So mencionados alguns nomes. Entre as vrias personalidades tavirenses
contriburam Maria do Rosrio Brs Cavaco Afonso, Arnaldo Casimiro Anica, Maria Jos
Campos, Damio de Vasconcelos, Adrito Fernandes Vaz, Ofir Chagas, Oliveira d' Atade,
Antnio Miguel Galvo e Rui Salv Rainha. Como arquelogos Jaquelina Covaneiro,
Sandra Cavaco, Manuel Maia, Maria Maia e Catarina Viegas. Como historiadores de arte
Daniel Santana, Rita Manteigas, Francisco Lameira, Vtor Serro, Catarina Marado e
Isabel Macieira. Como socilogo Jorge Queiroz. Como antroplogas Joana Cartaxo e Lusa
Ricardo. Como historiadores Carlos Campanio, scar Pinto e Marco Lopes. Como
gegrafo Alberto Corvo.
importante no futuro continuar o estudo do territrio nas vrias vertentes, a
continuao da recolha de objetos que sejam de interesse marcadamente museolgico, de
histria local e a sua valorizao de forma a reforar a identidade local. importante a
realizao de fotografias, entrevistas e filmagens de forma a criar registos de memrias que
podero ter interesse para usos futuros.
A valorizao do patrimnio de Tavira tem vindo a ganhar relevo social e admisso
nas polticas da autarquia. A candidatura Dieta Mediterrnea foi apresentada no dia 4 de
Dezembro de 2013, no Azerbaijo, na 8. sesso do Comit Intergovernamental para a
salvaguarda do Patrimnio Imaterial da UNESCO, onde est representada a Cmara
Municipal de