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A revista evangélica do Brasil
ENTREVISTA Pastor José Wellington:
TodoPodera Alá
•• Manifestações no mundo Manifestações no mundo árabe, eixo das religiões árabe, eixo das religiões
monoteístas, podem levar monoteístas, podem levar radicais islâmicos ao poderradicais islâmicos ao poder
•• Os motivos das revoltas Os motivos das revoltas e as consequências parae as consequências para
o cristianismo o cristianismo
BOLA DE NEVE Justiça confi rma liberdade aos
ENCHENTES A fé que reconstrói
Ano 1
5 •
Ediç
ão 1
47 •
R$ 9
,90
Port
ugal 4
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E P Í S T O L A D A R E D A Ç Ã O
Eixo das religiões monoteístas – o cristianismo, o judaísmo e o
islamismo –, historicamente o mundo árabe sempre foi considerado
um barril de pólvora, tanto que há anos a região tem sido foco de
constantes conflitos desencadeados entre judeus e muçulmanos, e fomentados
ainda mais por regimes ditatoriais que perduram por décadas e mais décadas.
Enquanto isso, os cristãos, em minoria, estão longe de desempenhar o
papel de meros coadjuvantes; pelo contrário, também são perseguidos e
discriminados, e muitas vezes pagam com a própria vida o preço por anunciar
a Palavra de Deus. Não que antes tenham deixado de ser notícia, mas desde
o início do ano que o Norte da África e o Oriente Médio se tornaram o centro
das atenções mundiais. Inspirado no levante que derrubou Zine El Abidine
Ben Ali, então presidente da Tunísia, os egípcios também saíram às ruas
para exigir a renúncia de Hosni Mubarak que, como um faraó dos tempos
modernos, mandava e desmandava no país há longas três décadas. Como
efeito cascata, do Egito a crise se estendeu pela Jordânia, Iêmen, Mauritânia,
Sudão, Omã, Líbia, enfim, por muitos países que compõem o bloco árabe,
tão próximos geograficamente mas tão distantes quando o assunto é religião
e interesses econômicos. Com a colaboração de fontes locais, a revista
ECLÉSIA garimpou uma grande quantidade de informação, apontando
– inclusive com opiniões de especialistas –, os motivos que fizeram com que
essa crise eclodisse de vez e os reflexos que pode acarretar no lado ocidental
do planeta. Reflexos que já podem ser sentidos, como o posicionamento dos
norte-americanos, que sempre tiveram no Egito o principal aliado entre as
nações árabes. Talvez, hoje, eles não pensem mais que “é melhor um ditador
com petróleo do que um islâmico com bomba”, como apontou Arnaldo Jabor
numa de suas crônicas. Para os cristãos, não somente os que vivem e fazem
missões no epicentro do conflito, um alerta dos mais tenebrosos: em vez de
ditadores, é possível que os radicais islâmicos assumam o poder? Acompanhe
tudo isso nas páginas que seguem...
No Brasil, o ano também não começou nada bem, especialmente para os
cariocas da região serrana, vítimas da maior tragédia natural da história do
país. Só que, em meio à lama e ao desespero, um sinal de fé e esperança,
transmitido por muitos evangélicos que, como voluntários, demonstraram
que tão importante quanto o alimento espiritual é o “próprio” espírito da
solidariedade.
E mais: entrevista, curiosidades, cinema, música, literatura, enfim, uma
grande gama de informação para deixar os leitores muito bem antenados com
o que acontece no meio evangélico.
Uma ótima leitura a todos!
JD Morbidelli
A REVISTA EVANGÉLICA DO BRASIL Filiada à Associação de Editores Cristãos (Asec)
Ano 15 – Número 147(11) 3346-2000
www.eclesia.com.br
DIREÇÃO
Diretor ExecutivoElias de Carvalho
Conselho Editorial
Elias de Carvalho Junior, Maria da Graça Rêgo Barros, Percival de Souza, Roseli de Carvalho, Samuel Medeiros
Jornalista ResponsávelMarcos Stefano Couto
REDAÇÃO
(11) 3346-2033
Editor José Donizetti Morbidelli
Repórteres Filipe Albuquerque, José Carlos Moura, Karen Rodrigues
José Donizetti Morbidelli, Marcos Stefano Couto
Colunistas Bráulia Ribeiro, Emerson Menegasse, Lourenço Stelio Rega,
Luiz Leite, Maria de Fátima M. de Carvalho, Patrícia Guimarães, Percival de Souza, Romney Cruz
Apoio Editorial Sandra Frazão
Editor de ArteEmerson de Lima
Assistente de ArteFernando Jorge Baptista
Site Diego Bittencourt
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Paulo Siqueira(11) 3346-2008
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ECLÉSIA é uma publicação da Editora Eclésia Ltda
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A crise no mundo árabe e os refl exos para o cristianismo
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18 ENTREVISTAJosé Wellington Bezerra da Costa, pastor-presidente da AD Ministério Belém, em São Paulo, esclarece divergências ocorridas na CGADB e fala dos preparativos para o centenário da denominação
30 IGREJA Niterói (RJ): discursos de despedida, desafios ambientais, testemunhos e união de bases missionárias marcam a 91ª Assembleia da CBB 34 TRAGÉDIA Moradores da região serrana do Rio buscam na fé cristã um novo alento para reconstruírem suas vidas depois da maior catástrofe natural das últimas décadas
38 INTERNACIONAL Manifestações populares e consequentes quedas de ditadores em países árabes podem colocar radicais islâmicos no poder e acirrar ainda mais as divergências com o judaísmo e o cristianismo
48 LIDERANÇA Evento realizado nos Estados Unidos reúne centenas de pastores e reacende a chama da motivação nas igrejas locais
54 EVENTO UniFMU E COPESP: parceria entre instituição de ensino e entidade cristã prevê educação de melhor qualidade para pastores
58 JUSTIÇA Em 2ª instância, Igreja Bola de Neve vence Conselho Paulista da OMB, que criou departamento para fiscalizar músicos durante os cultos
66 EVANGELISMO Ministério Dança Pelas Nações, de Minas Gerais, faz das manifestações artísticas instrumento de evangelização
S UMÁR I O
“O Senhor me respondeu, e disse: Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ver quem passa correndo”
(Habacuque 2.2)
ECLÉSIA • A revista evangélica do Brasil • Ano 15 – Número 147
SEÇÕES
4 Epístola da Redação8 Epístola dos Leitores12 Em Foco80 Agenda
COLUNAS
32 Opinião 52 Lugar de Mulher56 Observatório62 Pastoral64 Contexto 68 Missões76 Louvor e Adoração 82 Percival de Souza
MULTIMÍDIA
72 Cinema 74 Música78 Literatura
FO
TO
: KH
ALE
D D
ES
OU
KI/A
FP
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E P Í S T O L A S D O S L E I T O R E S
Por questão de espaço disponível ou clareza de texto, ECLÉSIA se reserva o direito de publicar os textos das cartas que seleciona na íntegra ou resumidos, eventualmente editados
HISTÓRIA
Citar uma investigação
de historiadores dos
próprios envolvidos
no episódio é querer
nos enfiar goela abaixo
uma visão totalmente
parcial do acontecido,
como uma das fontes
da matéria De Quem
é a Culpa: Mórmons
ou Paiutes? [edição
141]. Brigham Young
é tido como tirano na história
política americana, e tudo o
que acontecia passava pelo seu
crivo. É óbvio que ele estava
envolvido, pois, com a morte de
Joseph Smith, ele passou a ser
o líder supremo da seita; caso
contrário seria visto como “um
pastor que não sabia pastorear
seu rebanho”. O que dá para
perceber é que os mórmons
querem simplesmente “jogar a
sujeira para debaixo do tapete” e
fazer com que o acontecimento
caia no esquecimento. Reflitam
comigo: se a Igreja Mórmon
não tem responsabilidade pelo
acontecido, por que então tentou
comprar o Monte Meadows em
1999, isso após a descoberta de
ossadas numa escavação com
marcas de tiro na cabeça?
Jorge Raymond
VIA INTERNET
Acabei de ver o filme Setembro
Negro. Independente de quem
seja a responsabilidade pelo
incidente, foi uma das cenas mais
revoltantes que já assisti.
Hilton Gorresen
JOINVILLE SC
Muito esclarecedora a matéria O
Holocausto do Século 16 [edição
118]. Já li sobre as cruzadas orga-
nizadas pelos papas na época, ou
seja, uma cor-
rida imensa
em busca de
novas terras e
povos. Em mi-
nha opinião,
essa corrida
continua até
hoje, princi-
palmente nas
igrejas: quem
tem mais fiéis,
quem atrai
mais pessoas,
quem opera
mais milagres,
quem tem
mais poder. Uma corrida que não
leva a nada, pois não adianta depo-
sitar todo o amor numa determina-
da igreja sem deixar ao menos um
pouquinho na própria casa, ou na
casa do vizinho.
Inácio de Lima
VIA INTERNET
Com uma leitura
mais profunda,
percebe-se que o
que incomoda não
é a nova filosofia
cristã e sim a
perda de poder,
tanto por parte
do clero como
pela nobreza. Na
época, a Igreja
Católica usava a
Palavra de Deus
da maneira que
queria para obter riquezas e poder.
Vale salientar que esse episódio
foi uma maneira do inimigo de
Deus tentar impedir a propagação
da verdadeira mensagem do
Evangelho, tal como aconteceu
com os apóstolos. Infelizmente
milhares de pessoas perderam suas
vidas, mas tenho certeza de que
todas serão recompensadas com a
coroa da vida eterna.
Toni
VIA INTERNET
EXORCISMO
Tive a oportunidade de participar
como ator figurante do filme
Expulsos, objeto da matéria
Exorcizando Demônios no Sul
[seção Multimídia Cinema, edição
145], e a experiência foi ótima.
Tenho certeza de que o resultado
será muito bom, pois esse tema
sempre desperta interesse público.
Outra coisa que deve chamar a
atenção é o cenário que a cidade de
Aratiba, no Rio Grande, oferece.
Muito verde, um lago, enfim,
paisagens lindas. Não deixem de
assistir.
Mauro Lucas
VIA INTERNET
RÁDIOS VIRTUAIS
A matéria Nas Ondas das Rádios
Webs [edição
146] tem todo o
meu apoio. Sou
membro da Igreja
Presbiteriana do
Brasil, e aqui todos
somos gratos a Deus
pela maneira com
que ele tem agido
sobre nós e por nós.
Alberico Gaspar
POSTADO NO SITE
DA IPB
VIDA
ESPIRITUAL
Paz do Senhor a todos os leitores.
A reportagem 10 Caminhos para
Melhorar sua Vida Espiritual
[edição 122] é uma benção de
Deus para que possamos refletir
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e, com toda a nossa verdade,
tentarmos nos redimir de nossas
falhas como servos e irmãos em
Cristo. Particularmente, confesso
que já me empenhei muito mais
em prol do Reino de Deus e do
próximo no chamado que me
foi confiado como evangelista.
O tempo e a ansiedade têm nos
roubado o bem mais precioso, que
é a maravilhosa comunhão com o
nosso Senhor e Salvador.
Carla
BELO HORIZONTE (MG)
CARNAVAL
Sobre a matéria Samba no Pé,
Jesus no Coração [edição 133],
quero dizer que pertenço ao Projeto
Vida Nova e participo de uma ala
chamada Ilusão, do
Bloco Cara de Leão, normalmente
composta por membros vinculados
ao ministério de artes que encenam
fatos típicos e corriqueiros do
carnaval – drogas, prostituição,
violência – para,
depois, serem
salvas pelas
poderosas
mãos dos anjos
do Senhor. A
finalidade disso é
mostrar ao povo
que a alegria do
carnaval dura
apenas quatro
dias, mas a de
Jesus é para a vida
inteira. Não temos
qualquer pacto com
as trevas e nem
mesmo pulamos
carnaval; ao contrário, vamos ao
terreno inimigo para salvar vidas.
E muitas têm sido salvas graças
a esse evangelismo estratégico.
Portanto, os que nos criticam estão
redondamente enganados em seus
conceitos em relação ao nosso
trabalho.
Gisele
VIA INTERNET
FAMÍLIA
A matéria A Vida Começa aos 60
[edição 125] foi de extrema valia
para mim, pois
sou estudante de
Serviço Social
e fui convidada
pela Assembleia
de Deus para
ministrar uma
palestra voltada
para idosos. Gostei
muito do conteúdo
e vou aplicá-la, não
somente no evento
como também
na minha vida
acadêmica.
Abgail Oliveira
Nunes
SALVADOR (BA)
PROFISSÃO: PASTOR
Fui pastor de uma igreja evangélica
brasileira durante vinte anos, mas
terminei o ministério por não
aceitar os rumos
que alguns líderes
têm tomado nos
últimos anos. Deixei
a denominação sem
receber um centavo
como indenização ou
ajuda, e a situação
ficaria complicada
se não tivesse outro
trabalho; afinal, tenho
família e muitos
compromissos. A
respeito da matéria
Entre a Lei e a Fé
[edição 123], os
megalomaníacos
que vivem a explorar a mão de
obra pastoral ficam desesperados
quando se fala em reconhecimento
do trabalho profissional dos
pastores, e ao mesmo tempo vão se
enriquecendo de maneira cósmica
à custa dessa e de outras situações.
Afinal, que patrão não que pagar
pouco aos trabalhadores, com
horário integral e sem direito à
reclamação? E eles usam meios
políticos, fazem lobby, atacam,
esculacham, inventam, acusam
até levantam falsos
testemunhos contra
os pastores que
procuram seus
direitos. No fundo,
o que os patrões
não querem mesmo
é abrir precedentes
que possam
comprometer
seus impérios
financeiros.
Enquanto isso,
os outros que
se danem. Por
indignação, decidi
tomar novos rumos
profissionais, arcando com os
prejuízos de anos de trabalho
e dedicação. Não vale a pena
brigar com pessoas que, em vez
do coração, trazem um cofre no
peito.
Moacir Melo Morais
BELO HORIZONTE (MG)
O ministro do Evangelho ou líder
religioso que dedica integramente
seu tempo para cuidar de
um rebanho – ensinando,
aconselhando e administrando
a organizaçao – deveria ser
valorizado com os mesmos
direitos que qualquer outro
trabalhador, mesmo porque a
atividade não se restringe somente
a defender uma crença religiosa,
mas também a ações sociais, visita
às comunidades e ajuda a quem
até mesmo não processa a mesma
fé. Sem contar nas questões
administrativas, como finanças,
patrimônios, funcionários etc.
Clesio de Lima
SERRA (ES)
COMPORTAMENTO
Sobre a reportagem E Agora,
Papai? [edição 130], quero dizer
que o amor a Deus não exime a
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pessoa de sentir atração sexual, e
muito menos a afasta da prática
sexual. A própria Bíblia traz o
exemplo de Davi que teve um
caso amoroso e
sexual fora de
seu casamento;
contudo, ele
reconheceu o erro
e não deixou de
amar ao Senhor.
Então, se o
próprio Davi, que
é considerado o
“homem segundo o
coração de Deus”,
deixou-se levar
pela necessidade
sexual, como é que
um adolescente
pode evitar a
prática antes do casamento,
principalmente estando com
a cabeça constantemente
bombardeada pela mídia? Não
podemos estabelecer parâmetros
com uma época totalmente
diferente. Ou seria uma opção
melhor casar sem amor do que
fazer sexo antes do casamento?
Essas questões precisam ser vistas
e deliberadas pelos líderes das
igrejas, pais e demais setores da
sociedade.
Dig
VIA INTERNET
SAÚDE
Muito bons os ensinamentos
apresentados na matéria Com
Cristo à Mesa [edição 125],
questões que sabemos, mas
raramente aplicamos. Com mais
informações e questionamentos,
certamente iremos melhorar
muito as nossas condições de vida
e saúde. Que Deus os abençoe
enormemente. Saibam que, de
agora em diante, estarei colocando
em prática essas maravilhosas
dicas no meu dia a dia.
Regina Mendes
VIA INTERNET
LENDAS URBANAS
Depois de ler a matéria Estão Dizendo
por Aí [edição 132], resolvi relatar
algo extraordinário que aconteceu
comigo quanto eu tinha
6 anos de idade – hoje
eu tenho 38. Lembro-
me nitidamente de
cada detalhe, quando
fui dormir na casa
dos meus padrinhos,
sozinha. Ao apagar a
luz, subitamente algo
se sentou na cama e
começou a me empurrar
de encontro à parede,
ao mesmo tempo
em que garrafas de
um engradado eram
quebradas. Eu passava
a mão e não sentia
nada, mas aquilo se repetiu durante
a noite toda.
Chamei meus
padrinhos, que
acenderam a luz
e não encontram
absolutamente
nada fora de
ordem. Mesmo
assim resolvi
dormir na sala, e
no dia seguinte
encontramos os
móveis do quarto
complemente
revirados, garrafas
quebradas, roupas
rasgadas, como
se um furacão tivesse passado por ali.
Depois disso, minha madrinha se tornou
evangélica e eu fui batizada novamente,
tamanha a complexidade do ocorrido.
Simone
VIA INTERNET
LUIZ SAYÃO
Que artigo sensacional, divertido e
informativo o Quando a Tradução Vira
Complicação [coluna E a Bíblia Tinha
Razão, edição 130]. Sei que existem
textos difíceis de entendimento, e
eu sempre tive o desejo – e espero
concretizá-lo – de estudar a Bíblia
pelo original. Mas, para isso preciso
aprender os idiomas. Que esse
desejo cresça, não somente no meu,
mas em todos os corações para que
compreendamos a Palavra de Deus
da maneira como o Senhor nos quer
transmitir.
Daniela Lucas
RIO DE JANEIRO (RJ)
NEALE DONALD WALSCH
Muito boa a matéria Gato por Lebre
[seção Multimídia Vídeo, edição 128],
só que eu fico muito triste ao ver que
muitas livrarias evangélicas vendem
esse livro e o filme nele baseado. Um
livro que fala mal de Jesus, que é
contra a Bíblia em diversos momentos
e que sempre se contradiz. Até mesmo
a própria entidade que conversa com
o autor diz não ser Deus
em várias ocasiões.
Precisamos abrir mais os
olhos e não aceitar tudo
que vem com o nome
do Senhor estampado na
capa. Vejo muitos crentes
dizendo que há coisas
boas no livro, e o pior:
descobri recentemente
que uma das frases que
minha mulher me fala e
que me deixa irritado saiu
exatamente dele. Mas não
se deixem enganar, pois é
uma leitura em que nada
se aproveita. Onde já se
viu o mal se misturar com o bem?
Marcelo Caetano
BRASÍLIA (DF)
PARA COMENTAR AS
MATÉRIAS DE ECLÉSIA:
1 – Pelo site: www.eclesia.com.br
2 – Por carta: Revista Eclésia
(Rua Pedro Vicente, 90 –
01109-010 – São Paulo SP
3 – Por e-mail:
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ele teria realizado pactos malignos para
obter sucesso. Em entrevista ao portal
Guia-me, o cantor classifi cou o assunto
como “uma maldade” contra sua vida
ministerial. “Eu fi z um pacto com Jesus
Cristo quando entreguei minha vida
para ele, e selei esse pacto quando me
batizei. Uma música que está curando,
salvando e trazendo libertação não
pode servir de maldição. A Palavra de
Deus é bem clara, e uma fonte não pode
jorrar água doce e salgada”, defende-
se, ciente de que os comentários não
atrapalham o propósito da composição.
“Faça você mesmo uma pesquisa
na sua igreja para descobrir quantas
pessoas foram abençoadas por meio
dessa canção. A Palavra de Deus está
sendo pregada para quem realmente
precisa ouvir”, sacramenta. Com ou
sem pacto, o álbum Compromisso
vendeu mais de 1 milhão de cópias, um
número estratosférico para o mercado
gospel, e a polêmica canção, proibida
de ser executada em muitas igrejas, caiu
defi nitivamente no gosto do consumidor
secular. (José Donizetti Morbidelli)
E M F O C O
Pacto ou milagre? A exemplo de Abbey Road, dos
Beatles, que até hoje intriga fãs e estudiosos do assunto, sucesso gospel traz de volta à tona discussão sobre
mensagens subliminares
REGIS DANESE SE DEFENDE DE ACUSAÇÃO sobre mensagem subliminar na canção Faz um Milagre em Mim
DIVULGAÇÃO
Mensagens subliminares
podem ser defi nidas como
aquelas não captadas
diretamente pelos sentidos humanos.
Complicado? Melhor, então,
exemplifi car: a famosa capa do álbum
Abbey Road, dos Beatles, traz os
quatro rapazes em fi la, o que, para
os estudiosos das mensagens ocultas
simboliza a procissão de um enterro
– John, de branco, como o padre;
Ringo, de preto, o agente funerário;
Paul, sem sapatos, o morto; e George
Harrison, o coveiro. A certa distância
um carro se movimenta em direção a
Paul, mas como os ingleses dirigem
na mão esquerda a impressão é de
que o veículo já o atingiu. E mais:
uma viatura de polícia parada entre
John e Ringo parece atender a uma
ocorrência de trânsito, enquanto que
a placa LMW 28IF do fusca branco à
esquerda pode simbolizar a abreviação
de “Linda McCartney Widow”
– traduzindo, Linda McCartney viúva
–, e a idade do astro na época. Tal
tentativa de explicação subliminar só
ganha força diante da hipótese pouco
verossímil de que Paul McCartney
teria morrido em 1966 num acidente
de carro e, para ocultar o fato, a
gravadora Capitol convocou um sósia
para assumir seu lugar no quarteto – o
inglês Willian Campbell.
A exemplo dos Beatles, Regis
Danese, que não é nenhum astro de
Liverpool, também tem sido acusado
de divulgar mensagem subliminar por
meio de sua música Faz um Milagre
em Mim – se tocada de trás para frente
–; e o pior: de conteúdo satânico, um
prato cheio para crentes na eterna
discussão acerca do bem e o mal. De
acordo com uma série de blogs e sites,
DIVULGAÇÃO
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13
Sem censura e censurado Enquanto o SBT abre sua grande de programação
para quadro evangélico, a MTV boicota videoclipe por considerá-lo extremamente gospel
De acordo com pesquisas recentes,
quase 25% dos brasileiros se
declaram evangélicos. Se o crescimento
continuar no mesmo ritmo, a tendência
é que essa porcentagem dobre em
menos de uma década. Provavelmente
devido a esse aumento, os executivos
do SBT decidiram romper certos
tabus e abrir as portas da emissora
aos artistas cristãos. Prestes a estrear
no programa Eliana, levado ao ar nas
tardes de domingo, o quadro Deus é
com Ela terá convidados de destaque
da música gospel e que, além de
apresentarem seus trabalhos, também
poderão falar sobre suas experiências –
não faltarão testemunhos. Ao contrário
novo videoclipe da banda Catedral
– Tudo Pode Mudar – por considerar
a música com “muito teor gospel”.
“O que eu acho mais pesado nisso
tudo é alguém boicotar frases como
‘tenha fé em Deus, tenha fé no amor’.
Se eu fosse adepto de um baseado ou
uma fi gura totalmente estereotipada,
certamente teria fácil lugar nesse circo
musical de horrores”, desabafa Kim,
líder do grupo. O boicote, no entanto,
tem causado indignação em muitos
fãs e seguidores da banda. “Num país
liberal e democrático como o Brasil e,
principalmente vindo de uma emissora
que se diz voltada para a juventude,
está claro que é prova de preconceito
religioso”, declarou o estudante
paulista Valmir Santos para o site
Amigo de Cristo. Para quem tem fé e
acredita na letra da canção, fi ca aí uma
esperança: “tudo pode mudar”. (JDM)
“SE EU FOSSE UMA FIGURA estereotipada, certamente teria espaço nesse circo musical de horrores”, acusa o líder da banda Catedral
DIVULGAÇÃO
Decadência moral Game polêmico traz Jesus Cristo como personagem principal, usando roupa de
guerrilheiro e disparando tiros de metralhadora
MORAL DECAY, OU DECADÊNCIA MORAL: apesar das modifi cações, atração da Apple ainda causa polêmica no meio religioso
É possível imaginar Jesus Cristo
usando roupa de guerrilheiro e
fazendo uso de seus poderes divinos
e de uma metralhadora para aniquilar
os inimigos que ameaçam o mundo
– criminosos, corruptos, adoradores
do diabo e demais aberrações? Na
cabeça do engenheiro de software
Tim Omernick, sim. É esse o enredo
de Moral Decay – game em 2D com
gráfi cos que remetem aos consoles
dos anos 1980 para iPhone, iPod
touch e iPad –, enviado cinco vezes
para a aprovação da Apple, feito
que o produtor só conseguiu após
uma série de mudanças no projeto.
“Eu queria criar um game com uma
ideia que ninguém havia usado
antes, testando os limites do que é
apropriado ou não”, conta o presidente
da Infi nite Lives, insatisfeito com a
versão fi nal e claramente arrependido
por ter, preferencialmente, tentado
lançar o título numa plataforma mais
conservadora do que as concorrentes.
Pela política da empresa, a Apple
costuma barrar aplicativos com
conteúdos eróticos e que tendem a
ofender a grupos religiosos, como
uma medida preventiva contra
eventuais ações judiciais movidas
pelos usuários. Entre as mudanças do
projeto original para a versão que está
sendo comercializada por cerca de
US$ 2,00 pela iTunes Stores – maior
loja de entretenimento digital do
mundo –, está a alteração do nome e da
aparência do herói: em vez de Jesus,
entra o Chris T; e no lugar de sandálias
e um manto branco, o personagem
ganhou calça camufl ada, botas e
uma fi ta no cabelo – bem ao estilo
Sylvester “Rambo” Stallone. Além
disso, Chris T é louco por pizza e está
sempre ressuscitando. Talvez essa
“ressurreição” seja a única verdade
bíblica do brinquedinho. (JDM)
DIVULGAÇÃO
da rede paulista, a MTV, principal canal
de música do país, “ainda” prefere
manter distância do meio gospel,
tanto que recentemente censurou o
DIVULGAÇÃO
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14
País dividido Separação do Sudão causa preocupação nas igrejas do norte
do país, região predominantemente
muçulmana
Durante mais de duas décadas,
o Sudão – a maior nação do
continente africano – foi palco de
uma guerra civil que fez milhões de
vítimas e, aliada à seca, deixou quase
metade da população abaixo do nível
de pobreza. Até a formação de um
governo de união nacional, em 2005,
foram anos de batalhas protagonizadas
pelas tropas muçulmanas, cuja
maioria se concentra no norte, com os
esquerdistas do sul, onde se fi xam os
cristãos e adeptos de outras religiões.
Agora, a história do país deve ganhar
um novo capítulo – promissor para
muitos, preocupantes para outros
– com a realização do plebiscito
popular para aprovação da divisão
do território e a criação de um novo
Estado independente: o Sul do Sudão,
ou Sudão do Sul – mais de 99% dos
eleitores sulistas votaram a favor da
separação. O período de transição
política ocorre no dia 9 de julho, mas a
nova lei permite aos sudaneses do sul
que retornem às suas casas de origem,
já que eles foram forçados a abandonar
os lares antes da independência do país,
em 1956. Diante do referendo popular,
quem tem se mostrado um tanto quanto
preocupados são os cristãos do norte,
que temem perseguições por parte dos
muçulmanos – a região setentrional
vive sob a lei islâmica desde 1983.
“Se houver apenas uma esquerda
cristã no norte, estaremos aqui porque
o pastor não pode abandonar o seu
rebanho”, garantiu Quintino Okeny
Joseph, vigário geral da Arquidiocese
da capital Cartum. Mesmo antes
da divulgação do resultado ofi cial
da votação, Salva Kiir Mayardit,
presidente da “região autônoma”,
comemorou o resultado. Segundo
ele, os números representam uma
vitória para povo do sul. Pelo menos
lá os cristãos poderão evangelizar à
vontade. (JDM)
CRISTÃOS SUDANESES TEMEM PERSEGUIÇÃO após plebiscito popular para divisão do território
DIVULGAÇÃO
Fé na ponta dos pésSônia Hernandes vira passista de escola de samba em site de humor e entretenimento
cristão
Apesar de se tornar alvo
de chacota do Genizah
Virtual – site de informação,
sátira e entretenimento cristão
– que a transformou numa
passista de escola de samba, a
bispa Sônia Hernandes, da Igreja
Renascer, parece ter levado a
brincadeira – ou provocação – bem
na esportiva. “Já me falaram,
mas eu não vi. Fiquei bonitinha
pelo menos?”, indagou, com bom
humor, durante passagem por
uma cidade do interior de São
Paulo. Tudo começou quando
a agremiação carnavalesca
Pérola Negra definiu seu samba-
enredo para o Carnaval paulista:
Abraão, o Patriarca da Fé. Por
coincidência, o casal Hernandes
também homenageará o patriarca
durante os eventos e celebrações
ao longo de 2011, definido
pela denominação como o
Ano Apostólico de Abraão. “A
gente não pode se engasgar
com todas as coisas que vemos
por aí, senão perdemos o foco
e o propósito. Quando se é
uma pessoa pública, temos
que estar preparados para esse
e outros tipos de situação”,
justificou a bispa, afirmando
não se sentir incomodada
com a liberdade de expressão
garantida por lei que permite
aos meios de comunicação
publicações desse tipo. (JDM)
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16
“Os últimos serão os primeiros” Pesquisa realizada com membros das mais variadas
religiões aponta os evangélicos como os menos satisfeitos com a vida
Primeiro vêm os judeus como o
grupo religioso mais satisfeito
com a vida; em segundo, acredite, os
ateus; seguidos pelos que se intitulam
agnósticos; depois os católicos,
muçulmanos e, por fi m, os evangélicos.
É o que aponta uma análise baseada
numa amostra aleatória com quase 400
mil entrevistas realizadas nos Estados
Unidos entre membros de todas as
crenças e religiões. A pesquisa, fruto de
uma parceria entre o instituto Gallup
e a empresa Healthways, focada em
questões relacionadas à saúde, foi
realizada entre janeiro de 2009 e julho
de 2010, e os resultados divulgados
recentemente. Como metodologia,
os pesquisadores dividiram os
entrevistados em três grupos: muito
religiosos, religiosos moderados e não
religiosos. A importância da religião e a
frequência da participação em reuniões
foram alguns dos quesitos abordados.
O estudo aponta ainda que os norte-
americanos mais ligados em religião,
independente da doutrina, desfrutam
de maior bem-estar pessoal e social.
Um analista foi além e disse estar claro
o aumento no nível de satisfação dos
que frequentam com mais assiduidade
a sinagoga/igreja/mesquita e podem
capitalizar os aspectos sociais dessa
participação. Não dá para mensurar
a efi ciência do resultado divulgado e
se isso refl ete também o que acontece
na sociedade brasileira, mas o difícil
mesmo é acreditar que os protestantes
estejam em último lugar. Se vale um
consolo para os crentes, nada melhor
do que aquela máxima popular: “os
últimos serão os primeiros”. (JDM)
Mais polêmica à vista Projeto de lei
anti-homofobia, prestes a ser desarquivado,
deve novamente criar polêmica e discussão no meio evangélico
Com o fi m dos mandatos e a
“dança” das cadeiras na Câmara e
no Senado Federal, todas as propostas
que tramitavam há mais de duas
legislaturas foram arquivadas no fi m
do ano passado. Na lista aparece o PLC
122/06 da ex-deputada federal petista
Iara Bernardi – mais conhecido como
lei da homofobia – já aprovado na
Câmara e pela Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa
do Senado (CDH). Para indignação
dos evangélicos – entre eles o senador
Magno Malta (PT-ES) que teme
pela instauração de um “império da
homossexualidade” no país –, o motivo
do arquivamento se deu por uma
questão regimentar em vez de política,
e o projeto poderá tramitar novamente
por mais uma legislatura caso um terço
dos senadores apoiem o requerimento
de abertura, que deve ser apresentado
em até 60 dias após o início do ano
legislativo. E é exatamente isso o que
“costura” nos bastidores a senadora
Marta Suplicy (PT-SP), uma das mais
ferrenhas defensoras da instauração
da lei. Quem também não vê a hora
de rever o projeto é a relatora do texto
original, a senadora Fátima Cleide
(PT-RO). Em entrevista à Rádio
Senado, ela afi rmou estar confi ante
com a nova composição da casa e que
espera que o projeto seja desarquivado
e levado adiante nos próximos anos. As
discussões não param por aí. Também
no fi m do ano passado, Augustus
Nidodemus Gomes Lopes, chanceler da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
uma das mais tradicionais de São Paulo,
criou a maior polêmica ao publicar o
artigo Manifesto Presbiteriano sobre a
Lei da Homofobia no site da instituição.
Embasado por citações bíblicas e frases
do tipo “nossa cultura está mais e mais
permeada pelo relativismo moral e
cada vez mais distante de referenciais
que mostram o certo e o errado”, o
reverendo se posiciona totalmente
contrário à lei anti-homofobia. Para
limpar a barra, o Mackenzie tratou
logo de tirar o texto do ar, afi rmando,
por meio de sua assessoria de
imprensa, que o artigo refl ete somente
a opinião da Igreja Presbiteriana.
Pelo jeito, os embates recomeçaram
quentes, e o assunto tende a ganhar
muitos capítulos – prós e contras – no
decorrer de 2011. (JDM)
ALEGRIA PARA OS HOMOSSEXUAIS e indignação aos evangélicos: segundo eles, lei da homofobia distorce o que
regem os princípios cristãos
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18
MARCOS STEFANO COUTO
“Costume vira regraPresidente da AD Ministério Belém,
em São Paulo, o pastor José
Wellington Bezerra da Costa esclarece
divergências ocorridas na
CGADB e fala dos preparativos para o centenário da denominação
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Em outubro ele
completará 77 anos, mas
ainda apresenta uma
disposição de causar inveja a
muitos adolescentes, tamanha
é a correria e as atribuições
ministeriais de um dos mais
importantes e fundamentalistas
líderes evangélicos do país,
o pastor José Wellington
Bezerra da Costa. Nascido
no interior cearense, mais
precisamente na longínqua São
Luis do Curu, quando a vilinha
ainda nem era emancipada
– o que só aconteceu em
1951 –, José Wellington se
converteu ao Evangelho na AD
de Fortaleza, ainda menino,
sem imaginar a guinada que
aquele ato acarretaria à sua
vida profissional e religiosa.
Transferiu-se para a capital
paulista na juventude, onde
se tornou comerciante bem-
sucedido, até largar tudo para
se dedicar à vida ministerial:
primeiramente como presbítero;
depois, evangelista autorizado;
pastor – inclusive no Estado
do Mato Grosso –; vice e,
finalmente, presidente da
Assembleia de Deus Ministério
Belém, em São Paulo. E mais:
desde 1990 ele praticamente
não se afastou da presidência
da Convenção Geral das
Assembleias de Deus no
Brasil (CGADB), se bem que
a última eleição, realizada há
dois anos em Vitória (ES),
foi marcada por polêmica. Na
ocasião, membros da Convenção
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gra e regra vira lei”
“É uma responsabi-
lidade enorme [presidir a
Assembleia de Deus Ministério Belém, em São
Paulo], e eu me sinto muito limitado diante de uma igreja tão grande”
da Rua Azusa, em Los Angeles;
chama essa que perdura por
mais de um século e que mudou
vertiginosamente a maneira de
se praticar a fé cristã.
Casado com Wanda Freire da
Costa, presidente da União
Nacional das Esposas de
Ministros das Assembleias
de Deus (UNEMAD) e pai de
seis filhos – entre eles, três
pastores e uma vereadora – José
Wellington garante levar uma
vida bastante comum em família,
exercendo o papel de esposo e
pai dedicado, e sem deixar de
paparicar os netos e bisnetos.
“Tenho uma vida absolutamente
normal, pois venho de uma
família bastante humilde. Só que
eu trabalho muito em virtude da
grandiosidade da Assembleia
de Deus do Belém, e do cargo
que exerço na Convenção
Geral”, salienta, dando início a
uma entrevista em seu próprio
gabinete pastoral, ocasião em
que não deixou de falar sobre as
preocupações com o futuro da
denominação influenciadas pelos
usos e costumes de diferentes
ministérios; os entraves de
Interestadual das Assembleias
de Deus do Seta – Serviço de
Evangelização Tocantins e
Araguaia (CIADSETA) –
obtiveram, por meios judiciais,
direito à participação no pleito
até, posteriormente, terem seus
votos desconsiderados.
Sediada no Rio de Janeiro,
um dos desafios da CGADB,
principalmente nas últimas três
décadas, tem sido agregar os
diferentes ministérios – alguns
puramente conservadores,
outros com uma visão
mais contemporânea – que
compõem a denominação
assembleiana. Atualmente,
a entidade conta com mais
de 3,5 milhões de filiados, e
tem no trabalho missionário
um dos sustentáculos para a
implantação de novas igrejas
em várias partes do planeta.
“Temo que determinados
costumes possam contribuir
para o esfriamento espiritual
das pessoas”, alerta o pastor-
presidente, referindo-se às
práticas pós-modernas de
evangelismo adotadas pelas
igrejas neopentecostais. No
intuito de deixar antenados os
milhões de assembleianos com
uma visão bíblica puramente
genuína, a CGADB mantém
sua própria editora, a Casa
Publicadora das Assembleias
de Deus (CPAD), uma das
mais importantes do segmento
no país. Lá, as máquinas não
param e, mensalmente, dezenas
de publicações nacionais e
internacionais são despejadas
no mercado editorial, com o
propósito de evangelizar e
manter viva aquela chama de fé
e fogo iniciada no número 312
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ordem editorial envolvendo
a Bíblia de Estudo Dake, que
foi praticamente achincalhada
no livro Cristianismo em
Crise, de Hank Hanegraaff,
distribuído no Brasil pela
própria CPAD; as mudanças na
diretoria da CGADB ocorridas
no ano passado, que quase
desencadearam uma crise
administrativa fomentada,
principalmente, por divergências
internas e práticas disformes
de evangelismo adotadas por
alguns de seus líderes mais
proeminentes; e, sobretudo,
sobre as comemorações do
centenário da denominação, que
já tiveram início há mais de dois
anos e que devem continuar,
pelo menos, até o final de 2011,
quando as obras do novo templo
na capital paulista deverão estar
finalizadas; ou bem adiantadas.
ECLÉSIA – Primeiramente,
qual é o tamanho da
responsabilidade de presidir a
Assembleia de Deus Ministério
Belém, em São Paulo?
JOSÉ WELLINGTON – Faz
mais de 48 anos que eu estou
na diretoria desse ministério.
Fui secretário durante dez
anos, vice-presidente por sete e
sou presidente há mais de três
décadas. É uma responsabilidade
enorme, e eu me sinto muito
limitado diante de uma
igreja tão grande. Sozinho,
dificilmente daria cobertura a
tantas atribuições, mas o Senhor
tem sido muito misericordioso
comigo. Ele me deu uma boa
equipe e eu sou extremamente
dedicado a um trabalho realizado
em conjunto, pois sei que posso
contar com a colaboração de
todos os envolvidos.
Na época em que assumiu,
pela primeira vez, a
presidência da CGADB, em
decorrência do falecimento
do pastor Alcebíades Pereira
de Vasconcelos, o senhor
escreveu o livro Como ter
um Ministério Bem-Sucedido
(CPAD). Estar à frente de uma
das maiores denominações
evangélicas do país foi como
colocar em prática as ideias
expostas no livro?
Não restam dúvidas de que
a experiência ministerial me
ajudou muito a escrever o
livro. Entretanto ali não diz
tudo, mesmo porque a vida
de um pastor que administra
uma igreja do tamanho da
Assembleia de Deus, e que
preside a CGADB, exige muito
mais do que está exposto em
algumas páginas.
Em meados do ano passado,
quando o pastor Silas
Malafaia renunciou à vice-
presidência e comunicou seu
desligamento da CGADB,
ventilou na imprensa
evangélica que a entidade
passava por uma crise
administrativa. O que o
senhor pode falar a respeito?
O Silas Malafaia esteve comigo
na diretoria da Convenção Geral
durante três anos. Nós sempre
nos respeitamos muito, tivemos
um bom relacionamento e uma
boa amizade, mas ele disse que
tinha tido uma revelação de
Deus e que deveria fazer outra
coisa. Como já estava muito
envolvido com as comunidades,
o espaço dele na Assembleia
de Deus foi se restringindo um
pouco e ele sentiu que poderia
ter uma dificuldade maior;
então, tirou o time de campo.
Sinceramente, eu considerei
uma atitude bastante honesta.
Afinal, o Brasil tem quase 200
milhões de habitantes e como
nós atingimos somente uma
“Ele [Silas Malafaia] é um
evangelista nato. Deus tem
abençoado sua vida, e ele ganhou muito
espaço na mídia. Agora, uma coisa é
barulho, outra é igreja”
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pequena fração desse montante,
ainda há alma à vontade para
ganhar por aí.
Portanto, a saída dele não teve
nada a ver com suas práticas
evangelísticas, que encontram
restrições por parte de muitos
assembleianos?
Ele é um evangelista nato. Deus
tem abençoado sua vida, e ele
ganhou muito espaço na mídia.
Agora, uma coisa é barulho,
outra é igreja. Não há dúvidas
de que o Silas é um homem
direito, uma boa pessoa, mas
ministerialmente falando,
dentro do âmbito assembleiano
ele sofria muitas restrições por
causa do comportamento.
Na época, por meio de um
comunicado, Malafaia
afirmou que um dos
principais motivos a
influenciarem sua decisão foi
o que ele mesmo chamou de
“desmandos administrativos”.
Como o senhor recebeu essa
crítica? Isso também teve a
ver com o desligamento do 1º
tesoureiro, o pastor Antonio
Silva Santana?
Eu não creio que ele pense
assim, porque a área financeira
também era responsabilidade
dele. Acredito que o que
realmente o motivou foi o
fato do estatuto da CGADB
proibir aquilo que chamamos
de “invasão de campo”,
ou seja, alguém ser de São
Paulo e abrir igreja no Rio de
Janeiro. E como a visão dele
é ter igreja em todo o Brasil,
então não havia alternativa
senão deixar a associação.
Na última Convenção Geral
– que aconteceu em Vitória
(ES), em abril de 2009 –, o
tesoureiro eleito foi indicado
pela chapa opositora, um
homem muito simples e que
teve muitas dificuldades na
questão administrativa. Depois
de eleito, ao se aproximar de
“Não sou um aventureiro e tenho atrás de mim um
trabalho bem feito, e quem
quiser me conhecer é só seguir minhas pegadas que vai conseguir me encontrar”
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nós, ele acabou perdendo um
pouco a confiança do lado de
lá. Houve muitos pagamentos, e
eu não sei se propositadamente
ou não, os cheques não tiveram
cobertura. Posteriormente,
todos foram devidamente pagos.
Contudo, ele se mostrou muito
nervoso ao ser chamado para
prestar contas e apresentar o
relatório, e isso bastou para que
a oposição jogasse muita pedra
para cima do coitado. Depois
disso, veio o pastor Santana,
nosso companheiro aqui de São
Paulo, um homem de Deus,
mas que também encontrou
muitas dificuldades e ficou meio
desgostoso com as cobranças,
especialmente pela sede da
CGADB ser no Rio de Janeiro.
É por isso que a diretoria sempre
conta com dois tesoureiros,
justamente para que um possa
assumir tranquilamente no caso
do outro se afastar.
Como o senhor, na ocasião,
reagiu em relação ao texto
do pastor Geremias do
Couto que, numa espécie de
alerta, argumentava que se
a Mesa Diretora da CGADB
não assumisse o controle da
situação e promovesse uma
autoria independente, as
demandas judiciais poderiam,
no futuro, liquidar com a
associação?
O Geremias é um moço muito
inteligente, mas ele tem uma
veiazinha meio revolucionária.
Ele foi funcionário da casa
durante muitos anos e, até
então, sempre tinha sido uma
pessoa muito próxima da gente.
Sobre esse texto, eu fiz um
esclarecimento para uma das
edições do Mensageiro da Paz,
mas com muito cuidado para não
ferir a sensibilidade de ninguém,
mesmo porque sou avesso a
discussões. Tudo o que devo fazer
é mostrar resultados no trabalho,
e é isso o que tenho feito até aqui.
da atitude do pastor Oscar
Domingos de Moura, que
assumiu a vaga deixada por
Silas Malafia por meio de uma
liminar, numa situação até
então inédita na história da
entidade?
Interessante que o nosso
estatuto prevê tanta coisa, mas
o pessoal da área jurídica nunca
pensou na renúncia de um
vice-presidente. Passamos por
um pouco de dificuldade por
não haver suplência, e teríamos
que fazer uma nova eleição,
tanto para a vaga de vice-
presidente como também para
a de tesoureiro. E, embora não
houvesse nenhum acordo nesse
sentido, uma alternativa seria
copiar o que faz o Tribunal
Regional Eleitoral (TRE), ou
seja, convocar o próximo mais
votado (em posterior entrevista
a CPAD News, o pastor José
Wellington afirmou: “Nós
colocamos no seu verdadeiro
lugar o primeiro vice-
presidente, o pastor Moura,
“Deus também tem nos
abençoado nesse sentido,
e hoje a editora [CPAD]
é uma das maiores do segmento evangélico
no país”
Não sou um aventureiro e tenho
atrás de mim um trabalho bem
feito, e quem quiser me conhecer é
só seguir minhas pegadas que vai
conseguir me encontrar.
Como presidente da CGADB,
o que o senhor tem a dizer
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que estava aguardando por uma
decisão, e o recebemos em nossa
Mesa Diretora”).
Em 2011, a CPAD está
completando seu 71°
aniversário. O que isso
representa, em termos
evangelísticos e até comerciais,
para a Assembleia de Deus?
A CPAD é um órgão da
Convenção Geral que tem como
objetivo único editar materiais
de evangelização. Portanto não
há um foco comercial, embora as
vendas sejam necessárias para que
ela possa subsistir. Deus também
tem nos abençoado nesse sentido,
e hoje a editora é uma das maiores
do segmento evangélico no país.
E o mais importante é que não
perdemos, de maneira nenhuma, o
foco evangelístico, tanto que todo
o resultado é revertido para as
obras da igreja.
No livro Cristianismo em Crise,
que leva o selo da CPAD,
Hank Hanegraaff faz severas
críticas à Bíblia de Estudo
Dake. Segundo o autor, ao se
enveredar pelas ideias heréticas,
restrições. Diante desse
problema, eu reuni o
conselho de doutrina e
a comissão que analisa
os pontos heréticos, e
pedi para que fizessem
uma revisão de ponta
a ponta na Bíblia.
Procurei também o
primeiro contrato, e em
tudo que nos compete
nós vamos mexer
para que o material
fique exatamente de
acordo com aquilo que
pregamos.
Em 18 de junho de 2011
a Assembleia de Deus
estará completando seu
100° aniversário. Como
estão os preparativos
para a comemoração?
Como a nossa querida pátria é
muito grande, um verdadeiro
continente, eu entendi que
deveríamos comemorar o
centenário em cada uma das
regiões brasileiras. Portanto, já
iniciamos as festividades há cerca
de dois anos; primeiro em Cuiabá,
no Centro-Oeste; depois em
Curitiba, no Sul; a terceira foi em
Natal, no Rio Grande do Norte;
enfim... Se Deus permitir, em 18
de junho de 2011 estaremos lá
onde a nossa história teve início,
em Belém do Pará. Por fim,
encerraremos as comemorações
com uma bonita festa em São
Paulo, provavelmente no mês de
novembro quando a construção
do novo templo deverá estar
concluída.
O senhor tem a intenção de,
como no passado, organizar
um evento em algum estádio ou
local para grande aglomeração
pública?
À luz da verdade, não existe um
auditório ou local fechado para
comportar tantos assembleianos.
Então, nós já falamos com o
prefeito Gilberto Kassab, que nos
“A Bíblia de Estudo Dake é formidável,
tem muita coisa boa e,
comercialmen-te falando, é
um fi lé mignon”
Dake contraria muitos
conceitos defendidos pelos
próprios assembleianos. Como
o senhor recebeu e como tem
acompanhado essas críticas?
A Bíblia de Estudo Dake é
formidável, tem muita coisa boa
e, comercialmente falando, é
um filé mignon. Havia algumas
restrições quando o contrato
de lançamento foi assinado e,
como o diretor de publicações
da CPAD passou dois meses
afastado do trabalho por motivos
de saúde, seu substituto não
considerou ou não viu essas
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garantiu o estádio do Pacaembu
para as comemorações em São
Paulo. Só espero que dê certo, pois
temos que nos limitar a fazer tudo
dentro daquilo que nos seja possível
realizar. Não sei se teria coragem
de organizar um evento como o II
Congresso Mundial das Assembleias
de Deus, quando, em 1997, levamos
aproximadamente 1
milhão de pessoas ao
Campo de Marte. Foram
inúmeros os obstáculos
para conseguir aquele
espaço. Na semana do
evento o Aeroclube de
São Paulo embargou
a reunião com uma
liminar expedida em
Brasília, uma vez que
aquela área é federal.
Eu tive que me dirigir
até a capital federal para
falar com o ministro da
Aeronáutica, um homem
muito educado que me
recebeu muitíssimo bem.
Contudo, ele apontou
alguns empecilhos, mas
disse que iria fazer o
possível e me daria a
resposta o quanto antes.
Eu me prontifiquei a
orar para que Deus
falasse ao coração dele,
e ele acabou cedendo.
Com isso, derrubamos a
liminar e realizamos uma grandiosa
reunião. Contamos também com
o apoio do governador do Estado
– na época, Mário Covas –, que
contribuiu com toda a logística
necessária em relação ao trânsito,
policiamento e até água para matar
a sede do povo. Por fim, tudo
funcionou perfeitamente, mas o
trabalho foi muito árduo.
E deu para apurar alguns
resultados evangelísticos durante
o congresso?
Não deixou de ter resultados
positivos, pois houve uma
grande propagação de fé. Mas,
particularmente, eu faço parte
daquele grupo que acredita mais
no evangelismo pessoal, na
abordagem frente a frente. Creio
que esse seja o melhor caminho
para a salvação de almas. As
grandes concentrações populares
são, digamos, uma demonstração
de força – às vezes, até política.
Para se ter uma ideia, só aqui na
nossa igreja, mais de 1700 novos
membros são batizados a cada
dois meses.
Como o senhor analisa o
surgimento, dentro da própria
doutrina assembleiana, de igrejas
um pouco menos conservadoras?
Há algum tipo de restrição
por parte desse ministério?
Em sua opinião, no que o
neopentecostalismo pode agregar
à causa evangelística?
Evangelho é o poder de Deus para
a salvação de todo aquele que crê.
Com relação à igreja em si, ela tem
sua doutrina que é a Bíblia; para
isso não há emendas, nada se pode
mudar. Porém, existem costumes e
tradições. Os costumes são locais,
temporários, e a tradição vem do
passado. Alguns companheiros
dessa ala mais moderna optaram
por fazer uma verdadeira abertura,
especialmente em relação aos
costumes. Particularmente eu
não sou radical, mas pertenço
à área conservadora. Entendo
perfeitamente que vivemos num
mundo moderno, mas também
me recordo de que quando cursei
a faculdade de Direito, um dos
primeiros mandamentos que me
ensinaram foi que “costume vira
regra e regra vira lei”. Se a pessoa
se colocar acima do calor ela
sente mais quentura, mas quando
o crente gela na fé ele se afasta
de Deus e se aproxima do mundo.
Daí o surgimento de tantas igrejas
que caminham por essa vereda
do liberalismo. Eu não costumo
proibir ninguém, procuro apenas
ensiná-los a viver de acordo com
as práticas cristãs. A Assembleia de
Deus tem uma identidade formada,
e eu acho que depois de tanto
tempo de existência não se pode
ou se deve mudar coisa alguma.
Afi nal, Deus tem abençoado e as
coisas têm dado muito certo.
O senhor tem alguma
preocupação de que no
futuro o crescimento do
“Particular-mente, eu faço parte daquele
grupo que acredita mais
no evangelismo pessoal, na abordagem
frente a frente”
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na década de 1950, no tempo do
evangelista Manoel de Mello,
quando chegaram alguns irmãos
da América do Norte e abriram
aquelas tendas, deixando alguns
pastores meio perdidos no espaço.
Esses modismos que estão
surgindo por aí são temporários.
São como chuva, vêm e passam;
entretanto, quando não há alicerce
doutrinário também não há
bênçãos de Deus.
Mas o impacto não foi mais
ou menos parecido com
1911, quando chegaram os
assembleianos para disputar
espaço com os batistas?
É verdade. Só que naquele tempo
era uma doutrina bíblica, ao
passo que hoje estão distorcendo
o que diz a Bíblia. Essa é a
diferença. A Assembleia de Deus
está completando um século de
história, e se a novas gerações
que vêm por aí preservarem
essa mesma concepção e ensino
bíblico, a igreja vai continuar
forte até a volta de Jesus.
neopentecostalismo, sobretudo
pelos princípios da teologia da
prosperidade, possa afetar as
bases doutrinárias da Assembleia
de Deus?
A igreja é sólida e, como disse
o próprio Jesus Cristo, nem as
portas do inferno prevalecerão
contra ela (Mt 16.18). Nós tivemos
algumas experiências desse tipo
“Quando cursei a faculdade
de Direito, um dos primeiros mandamentos
que me ensinaram foi que ‘costume vira regra e
regra vira lei’”
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I G R E J A
Discursos de despedida, desafi os ambientais, testemunhos e união de bases missionárias marcam a 91ª Assembleia da
Convenção Batista Brasileira
A “calorosa” conv e
JOSÉ DONIZETTI MORBIDELLI
Raramente o Complexo Es-
portivo Caio Martins é usado
para atividades esportivas
– o estádio, então, praticamente não
recebe partidas oficiais de futebol
desde que o Botafogo começou a
mandar seus jogos no João Have-
lange, o popular Engenhão. Desde
então, o ginásio, apesar de pecar
pela falta de infraestrutura, tem
sido usado para realização de outros
eventos, inclusive religiosos, como a
91ª Assembleia da Convenção Batis-
ta Brasileira, que aconteceu entre os
dias 21 e 25 de janeiro. Pela quarta
vez, os batistas se reuniram em Nite-
rói (RJ) – as outras foram em 1965,
1969 e 1991, num encontro marcado
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por desafios, discursos de posse e
despedida, e pela união de organi-
zações missionárias mantidas pela
igreja. “Certas fraquezas da deno-
minação batista não são tão visíveis
ao grande público ou detectáveis
por meio de relatórios ou discursos
triunfalistas. Elas, contudo, estão aí
presentes minando o nosso testemu-
nho como filhos de Deus”, discur-
sou, em tom de pregação e “quase”
como um desabafo, o presidente
Josué Mello Salgado, pouco antes
das eleições que definiram a nova
diretoria da entidade. Com bom uso
do tema do encontro – Desafiados
a ser Padrão no Cuidado do Meio
Ambiente – o pastor fez menção à
tragédia acarretada pelas chuvas na
região serrana do Rio de Janeiro,
lembrando às autoridades compe-
tentes que as causas do episódio
estão relacionadas a diversas situa-
ções, como a construção de mora-
dias em áreas impróprias, aliadas a
ações insuficientes dos governantes
e o desgaste natural pela ocupação
irregular do solo. “A maior contri-
buição ecológica que podemos fazer
é corresponder e superar a ardente
expectação da criação. Que nós
pensemos, falemos e ajamos como
legítimos filhos de Deus; e que haja
coerência de vida com o nome que
levamos”, pregou. Por fim, o pastor,
homenageado com hinos de louvor
entoados pelo Coro da Igreja Batis-
ta Memorial de Niterói, agradeceu
a todos os membros da diretoria e
suas respectivas igrejas.
BATISTAS OCUPAM DEPENDÊNCIAS do ginásio Caio Martins, para a convenção anual da denominação PASCHOAL PIRAGINE JÚNIOR:
“Eu sonho que Deus vai derramar alguma coisa boa”
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v enção dos batistas
No lugar de Josué Mello Salga-
do, quem assume a presidência da
CBB é o pastor Paschoal Piragine
Júnior, doutor em Ministério pela
Faculdade Teológica Sul America-
na, de Londrina (PR), e titular da
Primeira Igreja Batista de Curitiba
há mais de duas décadas. “Primei-
ro devemos crescer para o alto,
buscar a face de Deus, crer na gra-
ça e no milagre. Depois devemos
crescer para fora, sair e falar do
amor de Deus. Em terceiro lugar é
necessário crescer para dentro, na
direção dos outros, e estar atento
para auxiliar o irmão. Em quarto
lugar devemos crescer para frente,
em direção ao futuro, às deman-
das do nosso tempo”, disse, com
aquele otimismo inerente a quem
sempre está diante de um novo
desafio. No caso dele não tão novo
assim, já que o pastor presidiu a
entidade em 2007. “Eu sonho que
Deus vai derramar alguma coisa
boa”, concluiu. Compõem ainda a
diretoria que, pelos próximos dois
anos, irá representar a comunidade
e as igrejas batistas brasileiras: a
professora Nancy Dusilek, e os
pastores Vanderlei Marins e Eli
Fernandes, como 1º, 2º e 3º vices-
presidentes, respectivamente; a
professora Daisy Santos Correia de
Oliveira, os pastores Lécio Dornas
e Edgard Barreto Antunes, além da
diaconisa Damares de Luna Rodri-
gues, como secretários.
Missões unidas – Além da preo-
cupação ambiental e do calor sufo-
cante de quase 40 graus, a 91ª CBB
teve, ainda, um capítulo à parte: a
participação conjunta das duas ver-
tentes missionárias batistas – a Jun-
ta de Missões Nacionais (JMN) e a
Junta de Missões Mundiais (JMM),
numa atitude que demonstra, ao
menos para quem não faz parte
do dia a dia das organizações, que
elas jogam no mesmo time e, em se
tratado de evangelismo, estão até
falando a mesma língua apesar de
atuarem em regiões distintas. Líde-
res e membros das duas entidades
participaram do culto, recheado
com muita música, descontração
e desafios propostos aos fiéis. “A
obra missionária no Brasil tem sido
um desafio permanente”, enalteceu
Fernando Brandão, diretor-executi-
vo da JMN. Na mesma linha, Luiz
Cláudio Marteletto, gerente de co-
municação da JMM, mandou o seu
recado: “Eles também precisam da
graça do Pai. Devemos olhar para
esses povos com o coração de Deus,
entendendo que Jesus também mor-
reu por eles”.
Quase como uma regra em
celebrações evangélicas, não fal-
taram testemunhos. Dessa vez,
no entanto, com uma diferença,
proposta pelo pastor Fernando
Brandão: não de missionários, mas
de pessoas que tiveram suas vidas
transformadas devido ao trabalho
de missões. Por isso também que
uma das quentes e abafadas noites
do evento foi chamada de “Noite
de Missões”.
NOVA DIRETORIA DA CBB: primeiro contato com os batistas brasileiros aconteceu em Niterói NA DESPEDIDA DA PRESIDÊNCIA DA CBB,
o pastor Josué Mello Salgado agradeceu aos membros da diretoria e suas respectivas igrejas
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Romney Cruz é consultor em Marketing e Administração, e pastor no Ministério Gilearde em Vila Velha (ES) (www.pregandoapalavra.com.br)
O P I N I Ã O
O povo não quer mais chorar
“Pecado é o recipiente
que contém todo processo autodestrutivo na qual está
contida a política brasileira.
Pecado signifi ca errar
o alvo, e a possibilidade do erro só é real quando há um alvo”
“A justiça exalta
os povos, mas
o pecado é a
vergonha das nações.” (Pv 14.34)
Um opróbrio, uma grande
desonra pública, degradação
social, ignomínia, vergonha,
vexame... é o que todos nós
brasileiros, principalmente
os cariocas, sentimos após os
desastres ocorridos na região
serrana do Rio de Janeiro.
Tantas vidas ceifadas, famílias
e sonhos destruídos em poucas
horas. Faltam palavras no
vocabulário para expressar
nosso sentimento ao ouvir
cada relatório, ao assistir a
cada reportagem apresentada
pelas emissoras de todo o
país. Entretando, o ocorrido
nesse princípio de 2011 não é
nenhuma novidade para nós;
pois, ano após ano estamos
vendo e ouvindo notícias
semelhantes.
A repetição de
circunstâncias adversas nos
processos da vida evidenciam
que algo está errado. Quando,
repetidas vezes, sentimos o
mesmo lugar do corpo doer,
é sintoma de doença. Somos,
então, submetidos a exames
que irão detectar o problema,
muitas situações erradas – e até
perversas – estão inseridas nas
bases de pilotagem das instâncias
do Poder Público. Falta justiça,
responsabilidade, equidade,
honestidade, dignidade,
generosidade, enfim, vai longe
a lista de deficiências reais na
gestão daqueles que com aval
público se assentam nas cadeiras
do poder.
Pecado é o recipiente
que contém todo processo
autodestrutivo na qual está
contida a política brasileira.
Pecado significa errar o alvo, e
a possibilidade do erro só é real
quando há um alvo. Resumindo:
existe um alvo para a política,
ou seja, trabalhar pelo bem
comum e para o desenvolvimento
da sociedade. Contudo, o
que sabemos e vemos todos
os dias em nossos meios de
comunicação, tão eficientes no
mundo globalizado, é uma busca
insana por prazeres pessoais.
Muitos têm se perdido no
tenebroso caminho da corrupção,
tornando-se reféns de um sistema
corrompido e pecaminoso, que
torna homens bons alvos fáceis
de perseguição. E por quê? Por
eles se recusarem a fazer parte do
sistema.
Regidos pelo bel-prazer e não
para que tenhamos um tratamento
proposto que possa sanar o mal
presente.
Em se tratando dos processos
de administração pública no
Brasil, há tempos sabemos que
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nao o é. Antes de tudo, é a única
forma de não vermos mais o que
temos visto todos os anos em
nossa Pátria amada mãe gentil, a
qual chamamos de Brasil.
no dia que se levantar uma nova
estirpe de homens e mulheres
apegados à justiça, nossa nação
será exaltada. Tal conceito pode
até parecer utópico; entretanto,
pelo senso de responsabilidade
social para o qual foram eleitos,
os representates do legislativo e
execultivo ignoram a seriedade
das ações que precisam compor
e realizar para que sociedade
viva e sobreviva. Eles pecam por
permitirem que bairros inteiros
sejam construídos em áreas de
extremo risco, culminando em
desgraças irreparáveis. Depois
discursam e se defendem,
dizendo que não é possível
administrar a crise. Tudo isso
é fruto de um círculo vicioso
de mandatos, que começam
e terminam executados por
homens e mulheres que não
sabem mais qual é o alvo de seu
trabalho publico-administrativo.
Simplesmente, tudo o que
querem é estar no poder.
Enquanto nossos líderes
depositarem na prática do
pecado sua realidade de vida,
o povo sofrerá o opróbrio. Mas
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T R A G É D I A
Depois da maior catástrofe natural das últimas décadas, moradores da região serrana do Rio buscam na fé um novo alento para reconstruírem suas vidas
JOSÉ DONIZETTI MORBIDELLI
“Eu orei muito, e cavava can-
tando um hino de louvor a
Deus”, conta o gerente de
hotel Wellington Guimarães, que como-
veu o país inteiro ao relatar a maneira
heroica de como conseguiu salvar o
pequeno Nicolas, de apenas sete meses,
que permaneceu soterrado por mais de
quinze horas – juntos, pai e fi lho sobre-
viveram a dois deslizamentos de terra
ocasionados pelas fortes e intermitentes
chuvas que devastaram a região serrana
do Rio, no mês de janeiro. Em poucos
chorava, mas eu não tinha como fi car
perto dele por estar com as pernas pre-
sas. Então, comecei a gritar por socorro
até que um rapaz ouviu e foi chamar o
bombeiro.” Logo em seguida, um se-
gundo monte de terra desabou sobre o
que restava da casa, soterrando-os ainda
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dias, a geografi a de uma das mais belas
áreas verdes do Estado se modifi cou
completamente, e a exuberância ecoló-
gica de antes cedeu lugar a um cenário
de dor e destruição. Justamente por
causa das chuvas, Wellington havia
decidido passar a noite na casa da sogra,
com a mulher e o fi lho. Todos dormiam
no mesmo quarto quando o morro veio
abaixo. “De repente tudo parou, foi
coisa de segundos e nem deu tempo de
gritar. A Renata e a Fátima – esposa e
sogra, respectivamente – faleceram na
hora; inclusive, uma perna minha estava
meio presa nela”, relembra. “Nicolas
IMAGENS DA TRAGÉDIA: catástrofe alterou a geografi a de uma das mais
belas regiões do Estado
Rio: um século marcado por enchentes e deslizamentos
Março de 1906 Em vinte e quatro horas choveu o equivalente a um mês inteiro, fazendo transbordar o Canal do Mangue – maior obra de saneamento construída na época do Império – e causando inundações em praticamente toda a capital. Houve também desmoronamentos com mortes nos morros de Santa Tereza, Santo Antônio e Gamboa.
Abril de 1924 Novamente o Canal do Mangue transborda, provocando inundação
em diversos bairros, incluindo a Praça da Bandeira. Barracos desabaram no Morro São Carlos, causando mortes e deixando muitos feridos.
Janeiro de 1940 Chuvas causam alagamentos em quase toda a cidade, além de mortes por desabamentos no bairro de Santo Cristo.
Janeiro de 1942 Inundações, mortes e desabamentos no Morro do Salgueiro, deixando várias pessoas soterradas.
Fé que Fé que reconstróireconstrói
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Janeiro de 1962 Temporal faz novamente o Canal do Mangue transbordar e alagar diversos pontos da cidade. No saldo, dezenas de mortes e centenas de desabrigados.
Janeiro de 1966Enchentes e deslizamentos em vários pontos do Estado, incluindo a região serrana, fazem 250 mortos e deixam mais de 50 mil desabrigados.
Janeiro de 1967Deslizamento no bairro das Laranjeiras faz mais de 200 vítimas fatais, e deixa centenas de feridos.
Uma casa e dois edifícios são soterrados entre as ruas Belizário Távora e General Glicério. Além da capital, outras cidades do Estado são atingidas, deixando, entre feridos e desabrigados, mais de 25 mil pessoas.
Dezembro de 1982 Transbordamento do Rio Faria-Timbó causa inundações em várias ruas, além de deslizamentos e mortes no Morro Pau da Bandeira.
Março de 1983 Forte temporal durante a madrugada provoca desabamento de casas e
mais e os homens que tentavam resgatá-
los. Cavando, ele conseguiu chegar até
Nicolas e, para manter sua boquinha
molhada, juntava saliva na própria boca
para, depois, passar ao fi lho. Ao perce-
ber o barulho produzido pela equipe de
resgate e um feixe de luz reluzir sobre
a madeira, fi nalmente ambos foram
salvos. “Ele saiu feliz. E, dentro da
ambulância, estava conversando”, sorri
o pai, um sorriso de celebração à vida.
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Mesmo tendo que carregar para sempre
as cicatrizes de uma tragédia familiar,
ele não deixa de agradecer a Deus. “O
Senhor é bom em todas as coisas, e a
gente sempre tira algo de positivo em
tudo o que acontece. Para quem confi a,
esse é o mistério da fé”, resume.
O episódio aconteceu em Nova Fri-
burgo, uma das principais cidades da
região fl uminense, mas também poderia
ter sido em Teresópolis, Petrópolis, Su-
midouro, São José do Vale do Rio Preto,
enfi m, em qualquer dos municípios
atingidos por uma das maiores, senão
a maior, catástrofe natural da história
do país. Somados, os dados impressio-
nam: de acordo com a Defesa Civil, até
o fechamento dessa edição, o número
de mortos na região ultrapassava 900
– quase metade em Nova Friburgo. Isso
sem contar o “ainda” grande número de
desaparecidos, mais de 400 conforme
balanço elaborado pelo Programa de
Identifi cação de Vítimas (PIV), divul-
gado pelo Ministério Público Estadual,
que espera, dentro de um mês, fechar
seu relatório e zerar a lista .
Diferente de fi lmes catástrofes pro-
duzidos aos montes pelo cinema norte-
americano que sempre coloca o homem
em confl ito com a natureza, ali nada
havia de fi cção; pelo contrário, tratava-
se de uma realidade brasileira, concreta,
sem maquiagens e efeitos especiais, e
com milhares de personagens também
reais. Diante disso, uma comoção gene-
ralizada tomou conta do povo brasileiro
que, durante semanas, acompanhou o di-
fícil trabalho de resgate aos sobreviven-
tes – algumas áreas fi caram totalmente
isoladas – e acomodação dos milhares
de desabrigados. “Foi algo totalmente
fora do normal, vários deslizamentos de
terra em lugares diferentes e numa mes-
ma madrugada. Alguns bairros foram
varridos do mapa, num cenário de hor-
SOLIDARIEDADE: DEZENAS DE VOLUNTÁRIOS trabalham na distribuiçãode mantimentos na região serrana
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ror, com as pessoas ‘perdidas’ nas ruas,
gente chorando por todos os cantos,
bombeiros, ambulância e helicópteros”,
conta José Barbosa Junior, estudante de
Teologia e membro da Primeira Igreja
Batista em Teresópolis.
Confl itos de interesse e ajuda hu-
manitária – Liberação do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
e criação de uma espécie de benefício
social no valor de R$ 500 a ser pago em
12 prestações a cerca de 7 mil famílias
que perderam suas casas, são algumas
das medidas tomadas pelos órgãos pú-
blicos em favor das vítimas das enchen-
tes na região serrana. Soma-se a isso a
ajuda internacional – o Banco Mundial,
por exemplo, propôs-se a conceder um
empréstimo de US$ 485 milhões ao go-
verno carioca, dinheiro que deverá ser
destinado às áreas de habitação e geren-
ciamento de desastres.
A dúvida, no entanto,
é se essa dinheirama
toda, oriunda dos co-
fres públicos e orga-
nismos internacionais,
será mesmo bem ad-
ministrada e repassada
a quem realmente
necessita. “Ainda há
uma suspeita de que
o Poder Público esteja
encobrindo o número
de mortos para que as
prefeituras continuem administrando
as verbas destinadas às vítimas. Pois,
quem visita os locais afetados como eu
visitei pessoalmente, sabe que aquilo
que o Brasil viu na televisão não chega
a 10% do que, de fato, aconteceu”, acu-
sa o jornalista Leandro Rufi no Marques,
membro da Igreja Missionária Evan-
gélica Maranata, do Rio de Janeiro. A
população de Teresópolis também fi cou
com um pé atrás com o prefeito, que
é evangélico, depois de divergências
desencadeadas entre a prefeitura e o
voluntariado, justamente num momen-
to em que sociedade mais precisava
da união de esforços. De acordo com
um grupo de voluntários, os entraves
aconteceram depois que o prefeito pas-
sou a exigir autorização para a saída de
carregamentos do galpão montado pela
Cruz Vermelha, enquanto que a entida-
de tentava driblar certas burocracias,
julgando-se preparada para realizar um
trabalho mais direcionado. A prefeitura
nega.
Brigas à parte, a maior ajuda veio
mesmo do povo brasileiro que, sempre
solidário com as causas dos menos
favorecidos, mais uma vez ensinou
ao mundo o verdadeiro signifi cado da
palavra “solidariedade”. Enquanto que
caminhões e mais caminhões carrega-
dos de alimentos, roupas e mantimen-
tos de higiene pessoal não paravam
de chegar aos postos de redistribuição
improvisados pelas prefeituras locais,
dezenas de voluntários se juntavam
às equipes ofi ciais de socorro; entre
eles, muitos evangélicos também ar-
mortes em Santa Tereza. Rios e canais em Jacarepaguá transbordam, deixando dezenas de desabrigados.
Fevereiro de 1987 Enchentes na região serrana – Petrópolis e Teresópolis –, e na capital resultam na morte de quase 300 pessoas e deixam 20 mil desabrigadas.
Fevereiro de 1988Dia 1ºEnchentes em Petrópolis e na baixada fl uminense. No saldo: 277 mortos e 2 mil desabrigados. Dia 12 Uma semana de chuvas causa deslizamento no Morro Dona Marta, destruindo barracos, causando mortes e deixando centenas de desabrigados.
Dia 19 Enchente e deslizamentos no Rio de Janeiro fazem 289 mortos, além de centenas de feridos e milhares de desabrigados.
Janeiro de 1999A capital e vários municípios da região serrana sofrem com as enchentes. Foram registradas 41 mortes, além de dezenas de feridos e centenas de famílias desabrigadas.
Janeiro de 2000Enchente atinge as cidades de Petrópolis, Teresópolis, Casimiro de Abreu e Barra Mansa. No total: 22 mortes, e mais de uma centena de feridos.D
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cer ao ter parte da casa arrancada pela
violência das pedras que rolavam num
dos distritos da cidade. “Ele disse que
o que mais lhe doía era não ter o corpo
da mãe para enterrar”, continua, des-
crevendo-o como um senhor de mãos
calejadas e pele marcada pelo sol, e
que chorava feito uma criança. “No
Natal, a mãe havia reunido os fi lhos e
falado que o dia de sua morte se apro-
ximava. Contudo, sabia que estava
nas mãos de Deus e de Jesus Cristo,
em quem acreditava desde a mocida-
de”, acrescenta. O que parecia uma
“mensagem” de despedida acabou se
confi rmando algumas semanas mais
tarde. Aquela foi a última vez que Seu
Joel viu a mãe com vida. “Para mim
o maior milagre são os vivos. Olhar
para os fi lhos e a mulher todos os dias
se tornou um verdadeiro milagre coti-
diano”, conclui Leandro Marques.
regaçavam as mangas, demonstrando
que tão importante quanto o alimento
espiritual defendido nas igrejas são as
questões de ordem mais práticas, como
o compromisso social e a ajuda huma-
nitária. “Desde o primeiro dia após
a tragédia, nós nos empenhamos em
socorrer o povo serrano, lançando mão
de toda estrutura de nossa igreja, como
transporte, funcionários, espaço para
armazenamento e recursos fi nanceiros”,
enumera Leandro Marques. Integrante
da Missões Urbanas, ministério focado
em evangelização e que engloba inú-
meras atividades socioculturais, ele só
lamenta pelas igrejas demonstrarem
maior empenho evangelístico somente
em situações mais trágicas. “Triste é
verifi car que é preciso uma catástrofe
de dimensões escatológicas para que
a igreja se volte de forma empenhada
para aqueles que deveriam ser sempre
seu maior alvo de interesse: os perdidos,
a comunidade à volta, o indivíduo; pre-
ponderantemente o indivíduo em toda a
sua complexidade e em todas as suas
difi culdades”, ressalta.
O milagre da vida – Enquanto uns,
indiretamente, defendem o proseli-
tismo, outros preferem não agregar a
causa evangelística à social. Especial-
mente em Teresópolis, onde mais se
concentrou seu trabalho voluntariado,
José Barbosa Junior não classifi cou
como proselitista o papel das entida-
Fevereiro de 2003 Novamente uma enchente atinge municípios da região serrana e da baixada fl uminense, causando mortes e deixando milhares de desabrigados.
Janeiro de 2010 Encosta de terra na Praia do Bananal, na Ilha Grande, cede e deixa mais de 40 mortos – a maioria, turistas que passavam o reveillon em Angra dos Reis. Deslizamento também no Morro da Carioca, localizando nas proximidades do centro histórico da cidade, onde 11 pessoas morreram e centenas fi caram desabrigadas.
Janeiro de 2011Diversos municípios da região serrana foram devastados pela pior de todas as catástrofes naturais registradas no Estado. Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis foram as cidades mais atingidas. Entre mortos e desaparecidos, o número deve passar de 1300, de acordo com a Defesa Civil; milhares de desabrigados começam a reconstruir suas casas e recomeçar suas vidas.
Fonte: Departamento do
Corpo de Bombeiros do
Rio de Janeiro
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des evangélicas na ajuda
aos necessitados. Segundo
ele foi um trabalho de amor
ao próximo, visando cuidar
das pessoas sem a intenção
clara de “ganhá-las” para
a igreja. “Não sei bem o
que foi abordado nos cul-
tos pelo meu pastor, pois
passei muitos domingos
auxiliando e guiando voluntários. Só
sei que muitas igrejas aqui serviram
como abrigo para os desalojados, além
de funcionarem como postos de arre-
cadação e distribuição de donativos.
Visitei alguns desses abrigos e tes-
temunhei o bom trabalho realizado”,
atesta. Apesar de seu bairro, Barra do
Imbuí, não ter sido atingido, a não ser
por dois deslizamentos sem vítimas e
o desabamento da casa de um diáco-
no batista, o evangélico ainda traz na
lembrança detalhes de histórias tristes
e de superação, como a do Seu Joaci:
“No terreno onde ele morava havia
cinco casas, todas da mesma família.
Somente uma fi cou de pé e, como úni-
co meio de se salvarem, todos – inclu-
sive um de seus irmãos, de pernas am-
putadas – tiveram que fi car no telhado,
debaixo de água. O esforço para subi-
rem o defi ciente ao telhado, no escuro
e sob fortes chuvas, foi enorme, mas
lhe valeu a vida”, relata. Junior conta
também que Seu Joel, fi lho de uma se-
nhora de 90 anos, viu a mãe desapare-
O GINÁSIO PEDRÃO, EM TERESÓPOLIS: abrigo seguro para
centenas de desabrigados
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À sombra do chadorÀ sombra d38
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À sombra do chadora do chadorMARCOS STEFANO COUTO
Movimentos populares se alastram Movimentos populares se alastram pelos países árabes e desafi am antigos pelos países árabes e desafi am antigos regimes ditatoriais, com consequências regimes ditatoriais, com consequências imprevisíveis e o medo de que, em vez imprevisíveis e o medo de que, em vez de democracia, produzam ditaduras de democracia, produzam ditaduras
comandadas por radicais islâmicos nos comandadas por radicais islâmicos nos mesmos moldes do Irãmesmos moldes do Irã
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LIBERDADE E VITÓRIA DA DEMOCRACIA, pelo menos na visão ocidental: nova conjuntura social e política no mundo árabe ainda está
longe de ser consolidada PE
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40
“Livre! Finalmente, livre! O
Egito está livre!” Os gri-
tos que tomaram conta da
multidão que ocupava a Praça Tahrir,
no Cairo, na noite daquela sexta-feira,
11 de fevereiro de 2011, denotavam um
misto de euforia e alívio. Não era para
menos. Há quase três semanas, cerca
de 1 milhão de pessoas se reuniam
diariamente ali, exigindo mudanças
no governo e no país. Nesse tempo,
enfrentaram grupos contrários, pe-
dras, bombas incendiárias, disparos
de armas de fogo. Mas mantiveram-
se fi rmes. Algumas vezes, apareciam
homens montados em cavalos ou ca-
melos. Com chicotes e pedaços de pau,
partiam para cima dos manifestantes,
que tentavam derrubá-los. Quando
conseguiam, davam o troco, espancan-
do-os. Temia-se a todo o momento que
se repetisse o desfecho dos protestos
da Praça da Paz Celestial, ocorridos na
China em 1989, quando manifestações
pacífi cas contra o regime comunista
terminaram em um banho de sangue.
Como no passado, agora também o
nome do local em que estavam soava
de modo apreensivamente paradoxal:
tahrir é “liberdade”, em árabe. Só que
dessa vez, a história seria diferente. E
mudou no momento em que se anun-
ciou a notícia de que Hosni Mubarak, o
ditador que controlava a nação há três
décadas, fora substituído provisoria-
mente pelos militares.
A empolgação popular justifi cava-
se plenamente. Pelo menos dois terços
dos 84 milhões de egípcios nunca havia
vivido sob outro regime. Sem falar nas
eleições já marcadas para setembro,
prenúncio de uma tremenda vitória
da democracia. Foi dessa maneira que
grande parte da imprensa do Ocidente
recebeu as novas. E logo tratou de
anunciar que se tratava de um episódio
histórico, capaz de mudar a conjuntura
social e a geopolítica de todo o Norte
da África e Oriente Médio, região nor-
malmente retratada como um verdadei-
ro barril de pólvora prestes a explodir,
berço do terrorismo religioso do século
21. Houve até quem falasse em um
processo lento mas inevitável, e citasse
outros casos na história para prever a
abertura. Será possível?
Caso aconteça, tal qual uma alvis-
sareira profecia que se cumpre, terá
um signifi cado de revolução sem pre-
cedentes. Desde que Moisés livrou os
israelitas da opressão do faraó, liberda-
de e Egito são palavras que raramente
combinam. E agora tal mudança pode
se tornar a melhor resposta para o cla-
mor de 11 milhões de cristãos egípcios,
trazendo maior liberdade de expressão
e de religião, mesmo a quem queira
mudar de crença, algo impensável
atualmente. O problema é que eleger
um governo pelo voto majoritário é
realmente possível no Egito – o que
não signifi ca democrático. Passadas
as comemorações, mesmo os mais oti-
mistas analistas passaram a admitir que
enquanto o fi m das ditaduras se dá num
ritmo parecido em diversos lugares, o
nascimento de novos governos varia
de acordo com cada país ou região.
MANIFESTAÇÃO SILENCIOSA: em meio a tanques de guerra e
repressão militar, egípcios oram pela saída de Mubarak do poder
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E hoje, no Egito, a mais evidente e
imediata alternativa de poder é o fun-
damentalismo islâmico.
Revolução de Jasmim – Essa conclu-
são choca mais quando se sabe que as
primeiras manifestações não tiveram
fanáticos brandindo o Alcorão nas ruas
e gritando palavras de ordem contra o
Grande Satã, modo como normalmente
alguns religiosos tratam os Estados Uni-
dos. O estopim das revoltas foi o gesto
trágico do jovem Mohamed Bouazizi,
de 26 anos, no último dia 17 de dezem-
bro, em Sidi Bouzid, região central da
Tunísia. Pequeno comerciante, o rapaz
sustentava a família vendendo frutas e
verduras na rua, até o dia em que teve
seus vegetais confi scados por policiais
que queriam ganhar propina. Ignorado
em suas reclamações pelas autoridades
e desesperado, ateou fogo ao próprio
corpo como forma de protesto.
Ao que tudo indica, não houve ne-
nhuma motivação ideológica por trás
do ato, mas um grito de dor contra as
difi culdades de se ter uma vida digna;
ou, a autoimolação de um entre milhões
de desempregados tunisianos. Gente
que se sentia sem perspectivas de fu-
turo diante do fracasso econômico e de
um regime despótico e extremamente
corrupto. Na região, países controlados
há anos por autocracias têm metade de
suas populações com menos de 30 anos.
Mas desses jovens, 56% acessam diaria-
mente a internet. Facilitados pelas novas
tecnologias, as primeiras manifestações
de indignação ganharam corpo. Boua-
zizi tornou-se um mártir e, com apoio
de sindicatos e intelectuais, milhões
ganharam as ruas da capital Túnis e de
outras cidades pedindo trabalho, justiça
e liberdade. “Se a revolta tivesse caráter
estruturado, provavelmente seria esma-
gada pelo regime. Mas os governantes
não previram que os insurgentes usassem
a internet como fator de comunicação e
mobilização, apesar do mesmo recurso
ter dado certo já no Movimento Verde,
um conjunto de manifestações contra a
teocracia no Irã, em 2009”, explicou El
Alaoui Hicham Ben Abdallah, do Insti-
tuto de Pesquisas e de Estudos sobre o
Mundo Árabe e Muçulmano, ao jornal
Le Monde Diplomatique. Em poucas
semanas, o movimento conhecido como
Revolução de Jasmim apeou do poder o
ditador Zine El Abidine Ben Ali. E suas
faíscas atearam fogo sobre a região já
superaquecida.
“A história se constrói a cada dia, mas
há momentos especiais e estamos diante
de um deles. Nas insurreições das nações
árabes, a juventude está contestando
de algum modo o sistema religioso e
político. Espero que essas bandeiras de
liberdade sejam fi ncadas sobre o sistema
centralizador e autoritário. E nós, oci-
dentais, não podemos fi car indiferentes.
Devemos exigir igrejas autônomas em
estados autônomos”, analisa o professor
Jorge Pinheiro, doutor em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de
São Paulo. De acordo com ele, os movi-
mentos que tomaram as ruas são autênti-
cos, mas só trarão resultados práticos se
realmente mudarem os governos e não
apenas trocarem seus governantes.
No Egito, esse processo teve início
quando o faraó Mubarak começou a
virar múmia com o apoio virtual dos
tunisianos. Ao divulgarem as manifes-
tações na nação vizinha, as redes sociais
impulsionaram a juventude e se trans-
formaram numa das principais formas
de mobilização para levar as massas às
ruas do Cairo. Publicando mensagens e
fotos pelo Twitter e pelo Facebook ou
postando vídeos no Youtube, a moçada
enviava notícias das manifestações para
os amigos e marcava seus próximos
compromissos. Logo após um dos pri-
meiros protestos na Praça Tahrir, gru-
pos pró-Mubarak investiram contra os
manifestantes e iniciaram uma batalha
de quase seis horas, com direito a pedra-
das, disparos de bombas incendiárias e
tiros. Não demorou muito, os internautas
passaram a trocar experiências sobre
como proceder em confl itos violentos
e incentivos para que ninguém faltasse
no próximo ato do movimento. Quando
percebeu o que estava acontecendo, o
governo tentou bloquear as conexões de
internet no país. Não adiantou. Com o
apoio de computadores estrangeiros, até
europeus, as informações espalhavam-se
como vírus.
Entre os milhares de manifestantes
que exigiam mudanças, havia muitos
cristãos. O Egito possui a maior Igreja
cristã entre as nações árabes, que conta
com mais de 11 milhões de fi éis, mas
pouca liberdade religiosa. Para eles, a
questão não era apenas depor um ditador,
mas lutar por uma democracia em todas
as suas expressões. Democracia que não
impeça as igrejas de construírem seus
templos com portas voltadas para a rua, e
O XEQUE YUSUF AL QARADAWI, à direita, ao lado do ex-primeiro ministro
malasiano Anwar bin Ibrahim: “O Islã vai conquistar a Europa e a América”
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permita que um muçulmano conheça em
praça pública a mensagem evangélica,
não pagando com prisão, com a expulsão
de casa ou com a própria vida, caso quei-
ra mudar de lado. “A princípio, fi quei
surpreso com o movimento. Estive lá em
novembro e não havia qualquer indício
de ebulição. Trata-se de uma revolução
tecnológica e acredito que não haverá
volta”, diz o pastor Carlos Alfredo de
Sousa, secretário-geral do escritório bra-
sileiro da Missão Portas Abertas.
Em outras palavras, a própria história
do Oriente Médio está sendo reescrita.
Sousa confi rma que o processo não é
simples. Muito menos pode ser com-
parado superfi cialmente com a queda
dos países comunistas da Cortina de
Ferro em fi ns dos anos 1980 e começo
de 90. Se existem coincidências com o
que houve às ex-repúblicas soviéticas,
como a insatisfação com as difi culdades
econômicas, as injustiças sociais e a
concentração de riquezas nas mãos de
poucos, fatores capazes de fazer com
que os cristãos formassem cordões de
isolamento na Praça Tahrir para proteger
seus colegas muçulmanos que oravam,
também há enormes diferenças. A pri-
meira, boa, é o grau de desenvolvimento
que os países árabes alcançaram após o
início maciço da exploração do petróleo
e que torna a juventude mais bem es-
clarecida. A segunda, péssima, é que ao
contrário da Europa Oriental, onde uma
ideologia caía, na África e no Oriente
Médio, uma ideologia surge com toda
a força na pregação dos grupos radicais
de que é tempo de implantar as leis islâ-
micas em toda a região. “Alguns desses
grupos aproveitaram o movimento para
fazer ataques pontuais aos cristãos.
Nossa base foi um dos alvos e também
algumas igrejas no interior. Acredito que
os egípcios precisam se mobilizar hoje
para defender um estado laico. Essa é a
oportunidade”, completa o líder da Por-
tas Abertas. Se dará certo ou não é uma
grande incógnita.
Lawrence da Arábia – Antes mesmo
que descobrissem o ouro negro escon-
dido sob a fi na areia dos desertos ára-
bes, as grandes potências ocidentais já
cometiam o pecado de cobiçar a região.
Na época da I Guerra Mundial (1914 a
1918), os europeus precisavam garantir
o domínio inglês sobre o Canal de Suez,
construído em 1869 e que permitiu a
navegação entre Europa e Ásia sem a
necessidade de contornar a África. A
estratégia utilizada foi unir as diversas
Atentados, sequestros, amea-ças de morte, assassinato de
missionários e nativos que abra-çam o cristianismo. Perigo para quem guarda a fé existe em todos os lugares, mas em nações onde há perseguição religiosa, é muito maior. Isso fi ca claro para quem acompanha o trabalho da agência missionária Portas Abertas. No último dia 5 de janeiro, a entidade publicou sua nova Classifi ca-
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PELO FUTURO DO EGITO: gritos eufóricos de liberdade ecoaram da multidão que tomou conta da Praça Tahrir, no Cairo
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ção de Países por Perseguição, um ranking de 50 países que mais perse-guem os cristãos. A surpresa fi cou por conta da presença das nações muçul-manas. Dos primeiros colocados no ranking, oito são de maioria islâmica. Se forem analisados os 30 que mais perseguem, em 23 deles a crença em Maomé é majoritária.
O maior perseguidor ainda é a comunista Coreia do Norte, no topo do ranking há nove anos. Depois
1. Coreia do Norte
2. Irã
3. Afeganistão
4. Arábia Saudita
5. Somália
6. Maldivas
7. Iêmen
8. Iraque
9. Uzbequistão
10. Laos
11. Paquistão
12. Eritreia
13. Mauritânia
14. Butão
15. Turcomenistão
16. China
17. Catar
18. Vietnã
19. Egito
20. Chechênia
21. Comores
22. Argélia
23. Nigéria (norte do país)
24. Azerbaijão
25. Líbia
26. Omã
27. Mianmar
28. Kuweit
29. Brunei
30. Turquia
31. Marrocos
32. Índia
33. Tadjiquistão
34. Emirados Árabes Unidos
35. Sudão (norte do país)
36. Zanzibar (ilha da Tanzânia)
37. Tunísia
38. Síria
39. Djibuti
40. Jordânia
41. Cuba
42. Belarus
43. Etiópia
44. Palestina
45. Barein
46. Quirguistão
47. Bangladesh
48. Indonésia
49. Sri Lanka
50. Malásia / Rússia
Perseguição severa Opressão Limitações severas Algumas limitações Alguns problemas
1
2
4
5
3
7
13 10
930
19
42
31 37
22
34
23
35
43
12
26
17
84438
24 15
25
36
49
11
46
33
32
16
4727 18
48
29
39
21
14
650
4028
Onde seguir as palavras do Senhor Jesus pode custar a própria vida
Países em que cristãos mais sofrem perseguição
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pe rseguição religiosa no mundo muçulmanovem o Irã, cujo governo infl uenciado pelos aiatolás tem como principal meta barrar o crescimento das igre-jas domésticas. No terceiro lugar, o Afeganistão, onde a prática da fé sobremodo difi cultada só acontece de forma clandestina. Já na quarta colocação, a Arábia Saudita. Assim como em outras nações árabes, quem nasce no país é proibido de mudar de religião. Não pode se converter ao cristianismo.
Outro caso alarmante é o do Ira-que, que saltou da 17ª posição para a oitava. Um dos piores massacres de cristãos em todo o mundo no ano de 2010 aconteceu por lá, quando radicais invadiram uma catedral em Bagdá e assassinaram 58 fi éis. Restam pouco mais de 300 mil cris-tãos no país, e suas famílias são duramente perseguidas por milícias que não aceitam o fato deles não praticarem a fé islâmica.
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tribos contra um inimigo comum, o Im-
pério Turco-Otomano, ao qual os árabes
estavam submissos desde o começo do
século 16. Com a ajuda do lendário di-
plomata, militar e arqueólogo Thomas
Edward Lawrence – o Lawrence da
Arábia –, admirador confesso do deser-
to e do estilo de vida beduíno, consegui-
ram o elo que faltava para aproximar os
rebeldes árabes das forças britânicas,
derrotar os turcos e, claro, dividir o que
sobrasse entre ingleses e franceses.
Desde então, ética não foi uma das
conquistas da política externa das gran-
des potências. Não dá para esquecer
que, apesar dos constantes pronuncia-
mentos públicos do presidente norte-
americano Barak Obama, prometendo
sanções econômicas em conjunto com
a União Européia e saudando a queda
de ditadores, as autocracias só sobrevi-
veram durante tantas décadas na região
graças à colaboração de seu país. Dés-
potas árabes com tons mais laicos, de
terno, gravata ou farda, foram cultiva-
dos a partir da segunda metade do sécu-
lo passado pelos ocidentais com repas-
ses bilionários e troca de tecnologias,
tanto na agricultura quanto em apoio
para desenvolvimento de armamentos.
Ofi cialmente, tudo é negado. Na teoria,
o objetivo é produzir governos simpáti-
cos ao Ocidente e conter o radicalismo
islâmico. Na prática, o alvo é impedir
que chegue fogo aos barris. Nesses
tempos de revoltas nas nações árabes, o
petróleo tem alcançado seu valor mais
alto em todos os tempos, ultrapassando
os 114 dólares por barril.
Os generais que tomaram o poder
no Egito, após a queda de Mubarak,
ainda são em boa medida infl uenciados
pelos Estados Unidos. Para as minorias
religiosas isso é um alento. A dúvida é
o que acontecerá ao país daqui a seis
meses, quando acontecerem as eleições.
Para desgosto de quem acha que Face-
book não combina com intolerância, as
palavras do líder supremo do Irã, Ali
Khamenei, em recente discurso, soam
preocupantes: “Os inimigos estão afi r-
mando que os movimentos populares
no Egito, na Tunísia e em outras nações
não são islâmicos. Claro que são e pre-
cisam se consolidar”.
Não se trata de uma bravata. Apesar
das ruidosas manifestações das últimas
semanas terem começado de forma
espontânea e sem bandeiras religiosas,
em geral, têm chegado ao seu término
com outros tipos de heróis. Um exem-
plo emblemático vem do próprio Egito.
Dias após a queda de Mubarak, na festa
de comemoração da vitória, na mesma
Praça Tahrir, um palco foi armado para
discursos. Esperava-se que o principal
nome do dia fosse o do executivo do
Google, Wael Ghonim, autor de twe-
ets e de páginas nas redes sociais que
mobilizaram muita gente durante os
protestos, mas ele foi barrado por segu-
ranças. O único a falar foi o xeque Yusuf
Al Qaradawi, líder islâmico e membro
da Irmandade Muçulmana, que voltava
ao país de um exílio de 50 anos. Sem
meios termos, ele infl amou ali cerca de
1 milhão de pessoas.
Pode parecer um abuso, mas está
longe de ser um episódio isolado. Cria-
da em 1928 com a meta de instalar um
estado regido pela lei islâmica, a sharia,
a Irmandade Muçulmana é atualmente a
principal alternativa de poder no
Egito. E não deverá desperdiçar
essa oportunidade, já que desco-
briu nos mecanismos democráti-
cos um ótimo instrumento para
implantar sua agenda liberticida.
Com milhões de seguidores,
sobretudo entre os pobres, que
representam metade dos egípcios, os
fundamentalistas islâmicos tentam
desestabilizar o regime há tempos. Proi-
bidos em 1954, nos últimos tempos, ha-
viam sido apenas tolerados e muito bem
controlados. Mas nas eleições de 2005,
seus seguidores foram autorizados a se
candidatar de forma independente para
cargos legislativos. Na época, elegeram
88 dos 453 parlamentares da Assem-
bleia Nacional.
À sociedade, a Irmandade garante ter
abandonado a violência armada desde
o fi nal dos anos 1970. Só que continua
usando do expediente em atentados,
confrontos de rua e sabotagens, como
a tentativa de destruir trechos de gaso-
dutos que levam combustíveis a Israel e
a Jordânia, ocorrida no começo de 2011.
Uma duplicidade que também pode ser
vista em seu discurso. Diante das lentes
e câmeras ocidentais, a entidade se ven-
de como democrata e reformista, conde-
nando ataques terroristas e falando em
diálogo entre as religiões. Em particular,
rejeita esse verniz moderno para estimu-
lar os 25 milhões de seguidores que diz
ter, para “tomar o poder” e “aterrorizar
os inimigos”. Caso vençam a próxima
batalha, a das urnas, pode-se esperar
tempos de difi culdades e perseguições
contra os cristãos. E que se cuide, Israel.
Profecias bíblicas – Até a queda de
Mubarak, Israel tinha no Egito um de
seus principais parceiros no Oriente
Médio e uma das poucas nações da
região a manter uma política amistosa e
de paz. Se controlado, a partir de agora,
pela Irmandade Muçulmana, grupo con-
trário ao Estado judeu e um forte apoia-
dor dos terroristas Hamas e Hezbollah,
é de se esperar uma volta a um passado
não distante. Desde a fundação de Is-
rael, ainda na década de 1940, o Egito
foi um de seus mais ferozes opositores.
Em 1948, foi um dos líderes da Guerra
Árabe-Israelense; em 67, da Guerra dos
Seis Dias; e, em 73, da Guerra do Yom
Kippur. A beligerância só foi abandona-
da em 78, com um acordo de paz costu-
rado com a ajuda dos Estados Unidos.
Diante da nova mudança, que pare-
ce ser quase inevitável, alguns evan-
gélicos recorrem às profecias bíblicas
A REVOLUÇÃO DE JASMIM que derrubou o ditador tunisiano (foto) fomentou as manifestações populares no Egito e em outras nações árabesD
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para explicar esse tempo de incertezas.
Segundo interpretações de passagens
como Zacarias 12.2-3, 14.2 e Ezequiel
38, no fi m dos tempos haverá um mo-
vimento anti-Israel, envolvendo inclu-
sive os povos islâmicos. Essa aliança
seria inevitável, um prenúncio da volta
de Jesus Cristo. É a tese de que Israel
seria uma espécie de relógio divino ou
uma fi gueira – para usar um exemplo
do próprio Filho de Deus – que permi-
tiria aos leitores da Bíblia identifi car
os sinais dos tempos. As Escrituras
não mencionam o Egito fazendo parte
dessa aliança, mas o mesmo não pode
ser dito do Iêmen. Controlado há 31
anos pelo ditador Ali Abdullah Saleh,
um dos mais fortes aliados norte-ame-
ricanos, o país tem uma das principais
bases de recrutamento de terroristas
da Al-Qaeda e seria o esconderijo de
Osama Bin Laden. Nem pode ser dito
também do pequenino mas riquíssimo
Bahrein, onde o controle da minoria
sunita é seriamente contestado pela
maioria xiita, mesmo grupo que detém
o poder no radical Irã.
Karl Marx já dizia que a história só
se repete como farsa. Para o bem de Is-
rael e do mundo, tomara que seja ver-
dade. Pois o que acontece hoje no Egi-
to e em outras nações islâmicas lembra
muito o que houve no Irã, em fevereiro
de 1979. Até aquele ano, o país era um
dos principais aliados de Israel e dos
norte-americanos. Mas, como agora,
uma forte onda de protestos populares
derrubou o xá Mohamed Reza Pahlevi.
Naquele tempo, o movimento ganhou
destaque por resistir à opressão ofi -
cial e ser formado por organizações
de esquerda e grupos trabalhistas.
“Foi um tempo em que todas as
esquerdas do mundo, da França
ao Brasil, saudaram a ditadura
corrupta e sangrenta do xá, aliado
do Ocidente”, conta a historiadora
e jornalista Márcia Camargos, uma
das autoras do livro O Irã Sob o
Chador – Duas Brasileiras no País
dos Aiatolás (Editora Globo).
Não demorou muito, no entanto, para
que logo se tornasse conhecida como a
revolução traíra. Enquanto o exército
assumia o poder e o xá e seus aliados
deixavam o país, o aiatolá Ruhollah
Khomeini voltava do exílio. Aos pou-
cos, ele foi ganhando força e formando
uma nova liderança com o apoio da
Guarda da Revolução Islâmica, milícia
religiosa ligada ao clero xiita. Em pouco
mais de dois meses, o Irã foi declarado
ofi cialmente uma república islâmica,
a primeira do tipo em todo o mundo.
As mudanças foram radicais: escolas e
universidades fecharam por dois anos
para adaptar seus currículos às leis islâ-
micas, os movimentos sociais passaram
a ser dominados e quem discordasse era
duramente perseguido. A ditadura pas-
sou a ser teocrática e, em pouquíssimo
tempo, o chador, tradicional véu negro
muçulmano, passou a ser obrigatório
para todas as mulheres que andassem
pelas ruas.
Basta ler jornais e revistas nas últi-
mas semanas para se pensar que essa
visão é muito pessimista. Afi nal, todos
não estão falando em democracia? O
grande erro aí é querer entender uma
sociedade islâmica pensando com a ca-
beça de um ocidental. “Não existe es-
tado laico para os muçulmanos. A ideia
de que algum grupo de pessoas, algum
tipo de atividade, alguma parte da vida
humana está em qualquer sentido fora
da esfera da lei e da jurisdição religio-
sa é estranha para um muçulmano”,
explica o professor Bernard Lewis,
especialista em Estudos Orientais na
Universidade de Princeton e autor do
livro O Que Deu Errado no Oriente
Médio? (Jorge Zahar Editor).
Essa explicação consegue deixar
muito claro porque as nações árabes,
mesmo com enormes manifestações
populares e sob uma aura de demo-
cracia, vêm rejeitando o secularismo
exportado pelo Ocidente. Diferente
dos países cristãos, que há tempos
separaram o direito canônico do direito
civil, a lei da Igreja da lei do Estado, o
islamismo não faz nenhuma distinção
entre um e outro. “Para qualquer jovem
muçulmano só existe uma única lei, a
sharia, aceita como de origem divina
MUAMAR KADAFI, O “CACHORRO LOUCO” LÍBIO: “Que crise? Meu país está tranquilo, em paz”
PRINCIPAL ALTERNATIVA DE PODER no Egito, a Irmandade Muçulmana representa uma grande ameaça a Israel, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
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1) MarrocosPopulação: 32,4 milhõesMuçulmanos: 98,9%Cristãos: 0,1%Situação: As manifestações foram reprimidas e proibidas pelo rei Mohammed VI, que tenta negociar uma abertura com a oposição. Mas as pessoas continuam saindo às ruas, com esparadrapos vermelhos à boca.
2) ArgéliaPopulação: 35,4 milhõesMuçulmanos: 97,9%Cristãos: 0,2%Situação: Na tentativa de suprimir as revoltas populares, o presidente Abdelaziz Butefl ika, no poder há 11 anos, suspendeu o estado de emergência em vigor desde 1992. Mas as manifestações continuam.
3) LíbiaPopulação: 6,5 milhõesMuçulmanos: 96,6%Cristãos: 3%Situação: O coronel Muamar Kadafi está por um fi o. A oposição se aproxima da capital Trípoli e domina boa parte do
país. O governo reage com violência e já há milhares de mortos.
4) SíriaPopulação: 22,5 milhõesMuçulmanos: 92,8%Cristãos: 5,2%Situação: O presidente Bashar Al Assad diminuiu impostos sobre alimentos básicos e produtos importados. Ao mesmo tempo, tenta cercear as redes sociais e reforçar suas tropas de segurança.
5) TunísiaPopulação: 10,4 milhõesMuçulmanos: 99,5%Cristãos: 0,2%Situação: O ditador Zine El Abidine Ben Ali foi o primeiro a cair, ainda em janeiro. O governo interino de Mohammed Ghannouchi, que servia a Ben Ali desde 1999, prometeu eleições para julho.
6) EgitoPopulação: 84,5 milhõesMuçulmanos: 87,1%Cristãos: 12,2%Situação: O presidente Hosni Mubarak foi deposto em fevereiro. Uma junta militar assumiu o governo,
está realizando reformas constitucionais e promete eleições para daqui a seis meses. O perigo é a articulação de radicais islâmicos.
7) Arábia SauditaPopulação: 26,2 milhõesMuçulmanos: 93%Cristãos: 4,3%Situação: Para impedir que os protestos alcancem o país, o rei Abdullah liberou um pacote de US$ 35 bilhões em investimentos sociais e aumentou o salário dos funcionários públicos em 15%.
8) BahreinPopulação: 791 milMuçulmanos: 83,6%Cristãos: 8,9%Situação: Os protestos são conduzidos pela maioria xiita, que representa 70% da população. Depois de reagir com força, o rei Hamad bin Isa recuou e negocia.
9) OmãPopulação: 2,9 milhõesMuçulmanos: 88,1%Cristãos: 4,4%Situação: Manifestações pacífi cas pedem reformas políticas e aumento salarial, mas não questionam a autoridade do sultão Qaboos, no poder desde 1970.
10) IêmenPopulação: 24,3 milhõesMuçulmanos: 99,1%Cristãos: 0,05%Situação: O ditador Ali Abdullah Sahel, há 32 anos à frente do país, reprimiu manifestações e provocou mortes. Deputados governistas têm renunciado como protesto por causa da violência.
Fontes:
Intercessão Mundial, de Patrick
Johnstone e Jason Mandryk (Missão
Horizontes)
Fundo de População das Nações
Unidas (Fnuap).
World Christian Encyclopedia /
World Christian Database
O mapa das revoltas
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e capaz de regular todos os aspectos
da vida, seja civil, comercial, criminal,
constitucional e as matérias religiosas
num sentido cristão, mais limitado des-
se termo”, completa Lewis.
Cachorro louco – O efeito dominó
que tomou conta do Oriente Médio e
do Norte da África nos últimos meses
não se resume aos levantes populares. A
prova de que os radicais islâmicos estão
dispostos a ocupar todo vácuo de poder
vem do Líbano, uma das poucas demo-
cracias da região. Lá, no fi m de janeiro,
o Hezzbolah, um dos grupos islâmicos e
terroristas mais conhecidos e que agora
é um partido político, reuniu as alianças
necessárias para assumir o poder. Para
isso, retirou-se da coalizão que sustenta-
va o governo do primeiro-ministro Saad
Hariri, sunita, em boicote a um relatório
da Organização das Naçoes Unidas
(ONU) que pode indiciar membros do
Hezzbolah pelo assassinato do pai de
Saad, Rafi k Hariri, em 2005.
Um dos últimos países a serem sa-
cudidos por ondas de protestos foi o
Marrocos. Mesmo com a proibição e
a tentativa de abertura política do rei
Mohammed VI, as pessoas voltaram às
ruas, dessa vez com fi ta vermelha sobre
a boca. As manifestações foram pacífi -
cas, mas a repressão, como em outros
locais, foi dura, deixando mais de uma
centena de mortos. Mesmo assim, não
conseguiu tirar os holofotes que estão
há algum tempo sobre a Líbia. Existe
um consenso de que o governo do ge-
neral Muamar Kadafi , que a si mesmo
deu o título de “cachorro louco” e que
ocupa o poder desde 1969, está muito
próximo do fi m.
Não que o excêntrico Kadafi e suas
túnicas coloridas e gostos duvidosos
faça falta. Apontado como um dos
mais terríveis tiranos da atualidade e
responsável por atentados e genocídios
em massa, sua saída seria um favor
à humanidade e ao povo líbio, que
realizou protestos e foi bombardeado
a mando do tirano como retribuição.
Mas sem Forças Armadas fortes, teme-
se que aconteça no país o que houve no
Afeganistão após a retirada soviética,
em 1989, quando o Talibã assumiu o
poder. Ou que tenha o mesmo destino
do Iraque, depois da queda de Saddam
Hussein, em 2003. Milícias transfor-
maram a nação em um campo de trei-
namento de terroristas.
Vocação para o terror não falta para
os líbios. O leste do país, onde começou
a atual revolução, é um berço de terro-
ristas. Gente que não apenas tem expe-
riência em combate e conhecimentos
em técnicas de fabricação de explosivos,
mas uma queda para encarar o martírio
como um ato heroico. Dali vem a maior
parte dos recrutas da Al Quaeda no país
– vários dos quais dispostos a morrer
como homens-bomba. Nesse território
também nasceu o Grupo Islâmico de
Combate Líbio, conhecido por lutar ao
lado do Talibã contra os soviéticos. A
presença dos jihadistas e, mais uma vez,
o petróleo e o gás líbios fi zeram com que
as potências ocidentais fossem bastante
comedidas ao comentar e condenar os
atos de Kadafi , mesmo sabendo que o
cachorro louco já matou mais de mil ma-
nifestantes pelas ruas de diversas cidades
e que comentou em entrevista: “Que cri-
se? Meu país está tranquilo, em paz”.
Na encruzilhada da história, o mundo
transita entre o pessimismo e o otimismo
enquanto aguarda o desfecho das novas
manifestações. Nas nações árabes, uma
autocracia não consegue sobreviver sem
a presença de seus pares. Isso é certo e
por isso as mudanças vão continuar.
Diante de tantos desmandos, corrup-
ção e abusos, são bem-vindas. Apenas
espera-se que sejam para melhor. E que
a sombra do chador não obscureça o
entendimento daqueles que hoje pedem
mudanças. Na Faixa de Gaza, infeliz-
mente, não foi esse o resultado. Em
2006, o grupo radical Hamas venceu as
eleições palestinas e assumiu o controle
da região. Hoje as mulheres não saem
mais de casa sem o obrigatório véu islâ-
mico. E esse, dos males, ainda pode ser
o menor. Pior se a mais nova fi gura do
movimento egípcio, o xeque Yusuf Al
Qaradawi, conseguir levar a Irmandade
Muçulmana ao poder. Como já declara-
va ele em 1995: “Depois da libertação
do Iraque, faltará conquistar Roma. Isso
signifi ca que o Islã vai retornar à Europa
pela terceira vez. Vamos conquistá-la.
Vamos conquistar a América”. A pri-
meira ameaça está se concretizando. A
segunda parece ser questão de tempo. E
a terceira, com o novo Oriente Médio,
pode não ser mais um delírio.
INSPIRADOS NO LEVANTE QUE DERRUBOU o presidente tunisiano, egípcios redescobrem o signifcado da palavra liberdade e saem às ruas para comemorar
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MUITO LOUVOR, ORAÇÕES E MINISTRAÇÕES de encorajamento marcam encontro de pastores e líderes evangélicos em Connecticut
L I D E R A N Ç A
Evento realizado nos Estados Unidos reúne centenas de pastores e reacende a chama da motivação nas igrejas locais
Um novo começo
JOSÉ CARLOS MOURA E
JOSÉ DONIZETTI MORBIDELLI
Um culto com o Ministério
de Louvor da Primeira
Igreja Batista de Nova
York marcou o início da Conferên-
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cia para Pastores e Líderes do Idio-
ma Português nos Estados Unidos
e Canadá, realizada entre os dias
8 e 10 de fevereiro em Stamford,
Connecticut, evento que venceu as
barreiras geográficas e denomina-
cionais e contou com a presença de
mais de 400 participantes – líderes
de igrejas tradicionais e neopen-
tecostais da Califórnia, Flórida,
Carolina do Norte, Massachusetts,
New Jersey, Connecticut e regiões
próximas. Entre os preletores bra-
sileiros, um grupo de pastores de
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impor respeito: Márcio Valadão, da
Igreja Batista da Lagoinha de Belo
Horizonte (MG); Jeremias Pereira,
da 8ª Igreja Presbiteriana, também
de Belo Horizonte; Carlito Paes,
da Primeira Igreja Batista de São
José dos Campos (SP) e Paschoal
Piragine Júnior, da Primeira Igreja
Batista de Curitiba (PR) e novo
presidente da Convenção Batista
Brasileira (CBB).
A conferência teve como pro-
pósito reunir, num mesmo espa-
ço, pastores e líderes de igrejas
evangélicas norte-americanas e
canadenses, brasileiros na grande
maioria, motivando-os em suas
atribuições ministeriais. De acor-
do com Elias Dantas, presidente
do Center for Studies in Global
Christiany, a iniciativa do evento
partiu da necessidade de encorajar
os pastores e líderes, já que muitos
deles se encontravam desmoti-
vados em função de dificuldades
financeiras e do trabalho exercido
pelos membros em suas congre-
gações. Nada mais apropriado,
portanto, do que o tema adotado:
“Encorajamento”.
“Muitas vezes como pastor
a gente dá muito e não recebe,
e temos a tendência de olhar
sempre para as dificuldades.
Para mim, foi como uma re-
ciclagem. A ideia do evento
foi muito boa e, com certeza,
será uma renovação”, opina
um dos participantes, o pas-
tor Sérgio Itamorai, da Igreja
Celebração Elizabeth, de
New Jersey. Faz coro à opi-
nião do colega o pastor José
Ribamar Monteiro, da Igreja
Brasileira de Bay Area,
Califórnia. “No passado
eu tive problemas de rela-
cionamento com um ami-
go, e durante as ministra-
ções partimos para a cura
espiritual. Pudemos ver
também pastores abrindo
seus corações, contando
suas experiências e di-
ficuldades”, acrescenta.
Já, para o pastor Francis-
co Izidoro, da Primeira
Igreja Batista Brasileira
de Nova York, o encontro
quebra uma série de pa-
radigmas, provando que,
independente da denomi-
nação que cada um faça
parte, todos podem se
relacionar perfeitamen-
te bem e em harmonia.
“Podemos conviver com
o diferente, mas focados sempre
no que é essencial e que nos une
– Jesus Cristo, e sua obra missio-
nária. Podemos aprender com esses
pastores mais experientes, sejam
presbiterianos, metodistas, batistas
e neopentecostais”, salienta, res-
saltando também as dificuldades
enfrentadas por muitos imigrantes
brasileiros ao chegarem aos Esta-
dos Unidos em busca de melhores
condições de vida. “Geralmente
são pessoas que vinham sendo
excluídas do contexto cultural de
sua terra e, quando chegaram aqui,
confrontaram com uma realidade
talvez ainda mais cruel”, compa-
PRELETORES BRASILEIROS USAM EXPERIÊNCIA MINISTERIAL para encorajar pastores de igrejas norte-americanas e canadenses
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FRANCISCO IZIDORO: “Podemos conviver com o diferente, mas focados
sempre em Jesus Cristo”ANA PAULA VALADÃO E ASAPH BORBA
também prestigiaram a conferência
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Unidos, trazendo, em meio a
tanta crise, mais comunhão
entre lideranças de todas
as denominações. Quando
a gente chega aqui ou até
mesmo em outros países em
situações piores, valorizamos
mais o ajuntamento do povo
de Deus, seja numa igreja ou
num congresso. Na verdade,
reunir quase 450 pastores,
entre homens e mulheres,
representa uma multidão de
milhares e milhares. No Brasil
a gente costuma ver muita gente
reunida, mas aqui houve um
verdadeiro milagre.”
Asaph Borba
Ministério Life
“Precisamos estar de olho nos
irmãos brasileiros que vivem nas
nações no mundo. Creio que os
ministérios devem ter uma visão
da igreja na própria localidade,
mas também precisamos
entender que temos um número
grande de irmãos brasileiros que
precisam ser atendidos tanto
aqui em Stamford como pelo
mundo afora. Se antes eram
milhares, hoje são milhões de
imigrantes. A Palavra diz ‘ide e
fazei discípulos’, e nada melhor
como ter a identidade da língua,
da cultura e atentarmos na fé.”
ra. Via de regra, tais sofrimentos
valem também para muitos missio-
nários. “Conheço muitos pastores
que vieram para cá iludidos, encan-
tados, mas que passaram por priva-
ções e voltaram endividados e sem
desenvolver nenhum ministério”,
finaliza. Talvez, para esses religio-
sos, o evento tenha acontecido um
pouco tarde demais.
Abaixo, o depoimento de alguns
preletores e participantes que via-
jaram aos Estados Unidos espe-
cialmente para a conferência:
Pr. Márcio Valadão
Igreja Batista da Lagoinha de
Belo Horizonte (MG)
“Não sei quais serão os
desdobramentos, mas o que
aconteceu aqui foi algo maravilhoso,
um encontro com mais de 400
pastores e líderes de várias
denominações. São igrejas de
características próprias, mas ao
mesmo tempo com a mesma paixão.
Creio que esse fogo que começa
a ser aceso não deve apagar,
principalmente porque agora os
irmãos daqui terão a oportunidade de
colocar lenha e continuar mantendo-
o aceso. Eu vejo pelo semblante de
cada um que eles não querem que
isso termine, e creio que daqui a um
ano teremos o dobro de pastores,
pois eles puderam perceber que o
nosso propósito é honrá-los e dizer
que não estão sozinhos. A bandeira
e o ideal são os mesmos, e fazemos
parte do mesmo exército. A única
diferença é que o nosso batalhão está
no Brasil e o deles aqui.”
Pr. Carlito Paes
Primeira Igreja Batista de São
José dos Campos (SP)
“O tema escolhido foi muito feliz,
pois a palavra que o pastor mais
precisa hoje é ‘encorajamento’.
Eu acredito que toda nuvem de
tempestade passa, e aqui nos
Estados Unidos ela também já está
passando. Enquanto isso, é muito
oportuno um congresso desse
tipo, que pode ser considerado
um marco, uma conferência sem
barreira denominacional realizada
fora de uma igreja, com pastores
tradicionais, pentecostais e um
público bem eclético. Essa é a
beleza do Reino de Deus.”
Ana Paula Valadão
Ministério Diante do Trono
“Posso perceber que Deus está
começando algo novo no âmbito
da igreja brasileira nos Estados
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52
Maria de Fátima M. de Carvalho é escritora, advogada, mestre em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba e membro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de João Pessoa
L U G A R D E M U L H E R
Quem escreveu o Quarto Evangelho?
(Parte 1)
“O fato de seu nome
não constar no Quarto Evangelho
signifi ca, tão somente, uma
humildade assumida
pelo desejo incontido
de mostrar a glória do
seu mestre à semelhança
do sentimento que o
envolveu”
O Quarto Evangelho
– ou Evangelho
Segundo João
– é também chamado de o
evangelho do amor, porque
evidencia o amor de Deus por
cada pessoa, manifesto no
sacrifício e ressurreição de
Jesus, conforme sintetizado
em João 3.16, e considerado
o texto áureo da Bíblia. Só
ele declara que Jesus amava
a Lázaro, a quem ressuscitou;
amava a Marta, sua irmã;
amava individualmente a
cada discípulo, e amará e
ressuscitará todo aquele que
guardar a sua Palavra.
Nele há menções de
um personagem anônimo
identificado como um
discípulo a quem Jesus
amava, o qual, no último
capítulo, declara-se autor
daquele livro e testemunha
verdadeira de tudo quanto
escreveu. Foi o discípulo
a quem Jesus confiou a
guarda de sua mãe, e que
acompanhou Pedro ao
sepulcro após a ressurreição,
autodenominando-se o outro
discípulo. Apesar do anonimato,
desde a Igreja Primitiva
esse personagem tem sido
identificado como o apóstolo
João. Irineu de Lião (c. 130-202
d.C.), cujo mestre Policarpo foi
discípulo do próprio apóstolo
João, afirmou que o Evangelho
de João foi escrito por
aquele apóstolo. Uma análise
sistemática do texto aponta para
evidências que confirmam a
autoria joanina:
O autor assistiu a
transfiguração de Jesus: o
fenômeno foi relatado apenas
nos evangelhos sinópticos.
Mas, no capítulo primeiro do
Quarto Evangelho, o autor
afirma literalmente: “E o
verbo se fez carne, e habitou
entre nós, e vimos a sua glória,
como a glória do unigênito
do Pai, cheio de graça e de
verdade” (Jo 1.14). E no
capítulo final ele revela que
foi testemunha de tudo quanto
escreveu. Assim, aquela
citação é o seu testemunho
pessoal da transfiguração
de Jesus, quando esse ficou
resplandecente como o
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lhes que eles não sabiam a que
espírito pertenciam. Entretanto,
o diálogo entre Jesus e
Nicodemos, e transcrito no
Quarto Evangelho, é um forte
indício de que João passou por
uma transformação interior.
Certamente se autoanalisou
e percebeu o quanto fora
insensato nas reivindicações.
Ao escrevê-lo, ele já não
queria mais ser o primeiro,
mas sim, o outro. E por isso
se coloca no anonimato,
como o outro discípulo que
acompanhou Pedro ao sepulcro
para constatar o fenômeno
da ressurreição. Mas era
também o outro discípulo a
quem Jesus amava. Não que
ele entendesse que Jesus não
amasse a Pedro ou o amasse
menos, mas porque, refletindo
sobre si mesmo, entendeu o
quanto era falho, e o quanto
Jesus o amava para lhe permitir
tantos privilégios, como o
de constatar o fenômeno da
ressurreição, cuidar da mãe
do mestre, e ter sido chamado
como testemunha ocular e
narrador de tantas maravilhas.
Então, ele se eclipsou na sua
narrativa, e a ninguém chamou
de apóstolo. O fato de seu
nome não constar no Quarto
Evangelho não significa sua
inexistência, ou que o autor
fosse outro, mas tão somente
uma humildade assumida pelo
desejo incontido de mostrar
a glória do seu mestre à
semelhança do sentimento que
o envolveu, conforme citado
no mesmo Evangelho: “É
necessário que ele cresça e que
eu diminua” (Jo 3.30).
Encontramos, na atualidade,
vertentes de pensamentos
que colocam em dúvida a
autoria joanina. Alguns a
atribuem a Maria Madalena,
enquanto outros a Lázaro. Bem,
abordaremos esse assunto no
próximo artigo.
família pela ausência do pai,
entregou ao seu primo, João,
a responsabilidade de cuidar
de Maria, sua mãe, após a sua
morte, uma vez que seus irmãos
ainda não criam nele.
Pelo parentesco, foi pedido a
Jesus que sentasse Tiago e João
ao seu lado, no reino: o estreito
vínculo familiar existente entre
Jesus, Tiago e João, encorajou
Salomé, a mãe dos dois, a pedir
a Jesus que sentasse seus filhos
na instauração do reino, um
à sua direita e o outro à sua
esquerda. E ambos também
fizeram a mesma reivindicação.
O pedido de nepotismo
provocou indignação entre
os discípulos e inspirou Da
Vinci: o favoritismo pedido a
Tiago e João deixou os demais
apóstolos indignados contra
os filhos de Zebedeu, e Jesus
respondeu-lhes, entre outras
coisas, que quem quisesse ser
o primeiro dentre eles, seria
servo de todos. Essa discussão
foi lembrada após a celebração
da última Páscoa, conforme
relato em Lucas 22.20-38, e
captada por Leonardo da Vinci
e muito bem reproduzida em
sua famosa tela a Última Ceia,
inclusive quanto à ausência de
cálices e presença de espadas.
Após a ressurreição de
Jesus, João foi alvo de uma
transformação interior: finda
a última ceia veio a prisão,
morte e ressurreição de Jesus.
Passados cinquenta dias, a
Igreja é fundada. Até aquele
dia, João fora um jovem
como tantos outros, intrépido,
vaidoso e intempestivo. Jesus
havia chamado a ele e a seu
irmão de Boanerges, que quer
dizer filhos do trovão. Houve
dia em que eles reivindicaram
poder para fazer descer fogo
do céu e matar os samaritanos,
porque esses não queriam
receber o seu mestre. Mas
Jesus os repreendeu, dizendo-
sol, e apareceu-lhes Elias e
Moisés, e eles ouviram “uma
voz que dizia: Este é o meu
amado Filho; a ele ouvi” (Mc
9.7). Segundo os evangelhos
sinópticos apenas Pedro, Tiago
e João assistiram ao fenômeno.
E como na época em que o
Quarto Evangelho foi escrito,
João era o único vivo, então,
o texto é realmente de sua
autoria.
Os nomes dos apóstolos
Tiago e João são totalmente
omitidos no Quarto Evangelho:
sobre eles há apenas uma
referência indireta na pesca
do último capítulo, onde
são citados Simão Pedro,
Tomé, Natanael e os filhos de
Zebedeu. Esses, segundo os
sinópticos, são Tiago e João.
Eles não são mencionados,
nem mesmo como discípulos
de Jesus, embora os sinópticos
afirmem que foram chamados
André e Simão Pedro, Tiago
e João, e depois Filipe de
Betsaida e outros. Por que as
omissões, se Tiago e João são
muito citados nos evangelhos
sinópticos e em Atos?
Há indícios de que a mãe de
Tiago e João era irmã de Maria,
a mãe de Jesus: “E junto à cruz
estavam a mãe de Jesus, e a
irmã dela, e Maria, mulher de
Cleofas, e Maria Madalena”
(Jo 19.25). Observa-se que os
nomes da mãe de Jesus e de sua
irmã também foram omitidos.
Um estudo sistemático do
texto, associado aos relatos
paralelos em Mateus e Marcos,
revela que a irmã da mãe de
Jesus era Salomé, a mulher de
Zebedeu e mãe de Tiago e de
João. Assim, Jesus e o apóstolo
João eram primos.
Foi o parentesco que levou
Jesus a confiar sua mãe aos
cuidados de João: por causa
do vínculo familiar que Jesus,
na qualidade de primogênito,
e como tal, cabeça da
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E V E N T O
Discursos ufanistas, declamação
de poema e apresentação de
coral marcaram a cerimônia
que selou a parceria entre o Centro
Universitário das Faculdades Metropo-
litanas Unidas (UniFMU) e o Conselho
de Pastores do Estado de São Paulo
(COPESP), realizada no dia 17 de ja-
neiro num dos campus da instituição,
localizado na região central de São Pau-
lo. “Talvez essa seja a mais importante
parceria fi rmada nos últimos anos e o
início de uma caminhada muito longa”,
discursou o vice-reitor Arthur Speran-
déo de Macedo. Um dos propósitos
essenciais do acordo é proporcionar
uma melhor qualifi cação educacional
aos pastores. “As projeções indicam
que metade da população brasileira
professará a fé evangélica até 2020.
Essa união com a univer-
sidade demonstra nossa
preocupação de orientar e
educar esses evangélicos
que crescem numa velo-
cidade impressionante”,
ressaltou o bispo Carlos
de Castro, presidente do
COPESP.
Presidente da Aca-
demia Paulista Evangélica de Letras
(APEL), o professor Irland Pereira de
Azevedo falou sobre a importância da
igreja no desenvolvimento da educação,
fazendo menção a instituições de ensi-
no mundialmente reconhecidas, como
Oxford e Harvard. “Desejo que daqui
também saiam pessoas bem preparadas,
com capacidade de refl exão e cientes
dos valores que transformam homens e
mulheres na construção de um mundo
novo”, acrescentou. Participaram tam-
bém da cerimônia o secretário munici-
pal do Trabalho, Marcos Cintra, repre-
sentando o prefeito Gilberto
Kassab; e o cônsul-geral de
Israel Illan Sztulman, que
enalteceu o fortalecimento
da comunidade evangélica no país.
“Como o Brasil é muito amigo de
Israel, eu fi co ainda mais contente à
medida que situações como essas vão
acontecendo.”
A noite também rendeu homenagens
a Gióia Jr, um dos mais ilustres
personagens da poesia cristã nacional
e que ganhou fama como apresentador
do SBT com o bordão E chega de
prosa! Na voz do jornalista e pastor
Fausto Rocha, todos ouviram atentos
um de seus mais proeminentes poemas:
Eu Sei Que o Meu Redentor Vive. Para
encerrar, 16 músicos evangélicos do
Coral Metropolitano de São Paulo
entoaram o hino Os Homens Sábios
o Reconhecem. Bastante apropriado;
afi nal, sabedoria também tem tudo a
ver com ensino e aprendizado.
JOSÉ DONIZETTI MORBIDELLI
AUTORIDADES RELIGIOSAS, políticas e acadêmicas discursaram durante a cerimônia
DIVULGAÇÃO
DIVULGAÇÃO
Parceria entre instituição de
ensino superior e entidade
cristã prima por educação de
melhor qualidade para futuros
pastores
Pastores mais sábios
MUITOS CONVIDADOS ACOMPANHARAM o evento, realizado num dos auditórios do complexo da UniFMU, em São Paulo
APRESENTAÇÃO DE EVANGÉLICOS do Coral Metropolitano de São Paulo marcou o fi m da cerimônia
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56
O B S E RVAT Ó R I O
O Evangelho esfarrapado
“O Evangelho esfarrapado
pelo salvacionismo
focaliza apenas o lado
jurídico e o escatológico. O Evangelho
integral focaliza o todo”
Ultimamente tenho
notado que a essência
do Evangelho tem sido
empobrecida, em pelo menos
quatro movimentos:
1 – Salvacionismo: centralizar o
signifi cado do Evangelho na
salvação;
2 – Ocupacionismo: redução do
Cristianismo em atividade
eclesiástica;
3 – Religião de mercado:
transformação do Evangelho
em mercadoria;
4 – Adoracionismo de
entretenimento: transformação
do culto em aeróbica gospel e
entretenimento.
Vamos falar hoje apenas do
primeiro movimento.
Não desprezo a salvação, nem
a obra missionária. Aliás, penso
que nossa ação missionária
necessita ser mais profunda e
envolvente. O salvacionismo
procura centralizar toda
signifi cação da vida na salvação
do pecado e da queda, de modo
a tornar toda estrutura teológica,
atividade cristã e eclesiástica
centralizada na soteriologia
– parte da Teologia que trata da
salvação. Nossa Teologia passa a
ser soteriocêntrica.
Após ser salva a pessoa deverá
investir seu tempo em pregar o
Evangelho para salvar os outros,
que depois de salvos deverão
fazer o mesmo. Tudo na igreja
– seus hinos, agenda de prioridades
etc – é centralizado na pregação da
salvação, como se a própria salvação
fosse um fi m em si mesma, como
se tivéssemos nascidos para sermos
simplesmente salvos, mesmo que
isso traga uma tremenda contradição
com a natureza de Deus, que não
nos criou para a queda só para que
pudéssemos ser salvos.
Recuperando o motivo pelo
qual fomos criados – para a
glória e alegria de Deus (Is 43.7)
– encontramos na queda o desvio
desse caminho (Rm 3.23). A
redenção por meio de Jesus Cristo
não é um fi m em si mesma, mas
a recuperação para o caminho do
qual nos desviamos em Adão (2Co
5.15). Portanto, somos salvos
não simplesmente para sermos
salvos, mas para vivermos para
a glória e alegria de Deus (1Co
10.31). A salvação, então, foi
como um conserto de pneu para
que pudéssemos continuar nossa
jornada de vida aos pés de Deus.
Em outras palavras, ao sermos
salvos fomos reposicionados
na ordem das coisas criadas
de modo que nos tornamos
posicionalmente “novas criaturas”
(2Co 5.17) para vivermos em
novidade de vida (Rm 6.4).
O Evangelho esfarrapado pelo
salvacionismo acaba paralisando
a grande obra redentora de
Cristo apenas na cruz. “Tomar
a cruz” e seguir a Jesus é fi car
dependurado no madeiro. Jesus
foi crucifi cado, morreu, foi
sepultado, mas ressuscitou nos
dando uma nova vida. Ele foi
reconhecido como Filho de Deus
pela sua ressurreição (Rm 1.4).
O salvacionismo focaliza apenas
o lado jurídico – perdão dos
pecados – e o lado escatológico
– temos uma “apólice” contra o
incêndio do inferno. O Evangelho
integral focaliza o todo – fomos
criados para a glória de Deus,
caímos, Jesus nos salvou e
recuperou para voltarmos à
condição de vivermos para o fi m
ao qual fomos criados, motivados
pela sua graça e pelo poder da
ressurreição.
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J U S T I Ç A
Livres para louvar
MARCOS STEFANO COUTO
Justiça determina que ministros de louvor da Igreja Bola da Neve não são obrigados a se fi liarem à OMB, e entidade
desativa a polêmica Delegacia Cristã de Música
O louvor é o modo pelo qual
adoramos e nos encontra-
mos com o Criador. Uma
resposta cheia de admiração diante
da santidade, majestade e poder
divinos e que nos permite com-
partilhar de sua presença e glória.
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Afinal, “Deus é entronizado nos
louvores de seu povo”. Poucas de-
finições são tão profundas e belas
quanto a do louvor e da adoração
na Bíblia. Por isso, o simples fato
de pensar que o ato litúrgico possa
ser impedido por interesses finan-
ceiros é de causar arrepios. Agora,
imagine essa cena: você está exal-
tando a Deus em sua igreja, micro-
fone em punho e mão levantada. O
templo está cheio e muitos seguem
seu exemplo. Alguns choram de
emoção. De repente, surge uma
figura, não se sabe bem de onde,
trazendo uma caderneta na mão
e dando ordens para tudo aquilo
parar. Com a autoridade de um
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delegado, brada ameaças como
multas e duras punições. Para
cantar, tem que pagar e se en-
quadrar numa obscura lei.
Não, isso não é ficção, muito
menos um culto invadido por
radicais islâmicos no Oriente
Médio. Trata-se, nos últimos
tempos, de algo corriqueiro
para muitas igrejas brasileiras,
como a Bola de Neve, da zona
oeste da cidade de São Paulo.
Fiscalizadas pela Ordem dos
Músicos do Brasil (OMB) e
sua Delegacia Musical Cristã,
várias igrejas tiveram seus mú-
sicos e líderes de louvor impe-
didos de cantar e tocar caso não
estivessem inscritos e com os
pagamentos em dia com a enti-
dade. Além da discussão sobre
liberdade de expressão, a dis-
puta rendeu confusões, brigas
judiciais e muita polêmica: os
que ministram o louvor nos cul-
tos, ainda que de forma volun-
tária, podem ser caracterizados
como músicos profissionais? E
como tal só podem tocar ou cantar
se estiverem filiados à organiza-
ção? Muitos ainda discutem essas
questões, mas o veredicto já foi
dado. Por um lado, com a decisão
do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, desobrigando aqueles que
tocam e cantam nas igrejas da ne-
cessidade de pertencerem à OMB.
Por outro, com a consequente deci-
são da própria entidade, de por um
fim à Delegacia Musical Cristã. “A
vitória é definitiva e representa à
igreja o direito de manter seu gru-
po de louvor com o propósito de
anunciar o Evangelho com liberda-
de. Seus levitas não serão tratados
como músicos que procuram ativi-
dade comercial, obrigados a pagar
as diversas taxas para exercer seu
chamado”, comemora a advogada
da Bola de Neve, Taís Amorim
Piccinini, especialista em Direito
Eclesiástico.
A decisão da Justiça, que rati-
ficou em 2ª Instância, beneficia
diretamente apenas a Bola de
Neve. Porém, como manda a tra-
dição no direito, servirá de base
para todos os outros casos. Igrejas
com problemas semelhantes que
recorram aos tribunais não deverão
ter dificuldade em ter seus direitos
reconhecidos. E provavelmente a
decisão inibirá novas tentativas de
fiscalização e aplicação indevida
de multas.
Lei sob suspeita – A origem de
toda essa contenda é bem mais
antiga e tem amparo na Lei 3.857,
de 22 de dezembro de 1960. Criada
até com a boa intenção de valorizar
o músico, ela garante o exercício
da profissão somente para quem
estiver registrado na Ordem dos
Músicos do Brasil, uma autarquia
federal com poder de fiscalização.
Assim, de acordo com a OMB só
pode trabalhar como músico quem
for aprovado em teste
vocacional, aplicado
pela própria instituição,
e que esteja com as anui-
dades pagas em dia. Des-
sa forma, o músico pode
ter sua carteira e o passe
livre para o mundo dos
shows e apresentações.
Acontece que o uni-
verso das notas musicais
é muito maior. Entende-
se como músico profis-
sional todo aquele que
participa da gravação de
um CD ou DVD, faz exi-
bições em público, dá au-
las de música ou mesmo
divulga sua arte por meio
de anúncios e panfletos.
Com isso, ignora-se que
muita gente seja apenas voluntária,
tocando e cantando sem interesses
comerciais ou de ganhar dinheiro.
É nessa segunda categoria, não
profissional, que se enquadram os
ministros de louvor das igrejas e
os que fazem da arte apenas um
edificante hobby.
Essa dificuldade de entendimen-
to reflete-se também na esfera das
leis. Para muitos juristas, a própria
atuação da OMB não respeita prin-
cípios legais. Segundo eles, a lei
de meio século atrás, que instituiu
a autarquia, não foi acolhida pela
Constituição brasileira, de forma
que não haveria legitimidade para
a sua atuação. Por conta disso, tra-
mita no Supremo Tribunal Federal
(STF) uma Arguição de Descum-
primento de Preceito Fundamental
(ADPF), proposta pela procura-
dora-geral da República Deborah
Duprat, em julho de 2009. Nela,
Duprat pede apenas que essa não
recepção de vários dispositivos da
Lei 3.857/60 seja oficialmente re-
conhecida pela lei máxima do país.
PRIMEIRA A GARANTIR NA JUSTIÇA liberdade para seus músicos, Bola de Neve pode abrir precedentes para ações de outras igrejas
TAÍS AMORIM PICCININI, advogada da Bola de Neve,
comemora a decisão da Justiça: “Eles [fi scais da OMB] foram impositivos”
MA
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O
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Na prática, fará com que a atuação
da OMB torne-se inconstitucional
e provocará o fim ou uma total re-
forma da entidade. “Numa demo-
cracia, não cabe ao Estado policiar
a arte, nem existe justificativa
legítima que ampare a imposição
de quaisquer requisitos para o
desempenho da profissão de mú-
sico”, destaca a procuradora-geral.
Dessa maneira, qualquer punição
imposta pela OMB seria uma vio-
lação da liberdade de expressão.
O mesmo entendimento teve o
desembargador federal Marcio
Moraes, ao votar a favor da Bola
de Neve e contra a Ordem dos Mú-
sicos. “A profissão de músico não
representa perigo ou prejuízo para
a sociedade. Diferente do médico,
advogado ou engenheiro que, sem
controle rigoroso, podem por em
risco bens jurídicos de extrema
importância, como a liberdade, a
saúde, a segurança, o patrimônio
e a vida. Nesses últimos tempos
estabeleceu-se um ciclo vicioso
sem razão. A OMB fiscaliza tão
somente se os músicos estão re-
gularmente inscritos e com paga-
mento em dia, o que só tem sentido
para manter sua própria estrutura”,
explica ele, em seu voto.
Quitutes e ameaças – A Delegacia
Musical Cristã foi oficializada
somente no dia 12 de março de
2009. Sob a batuta do presidente
do Conselho Regional Paulista da
OMB, maestro Roberto Bueno, e
do delegado Milton José de Souza,
responsável pelo departamento
evangélico, a ordem era buscar
em igrejas, shows e apresentações
gospel um número cada vez maior
de filiados. Quem não estivesse
em dia com a instituição seria
multado. A responsabilidade
pelas diligências ficaria a cargo
de fiscais com bom trânsito nas
igrejas, vários deles, pastores e
líderes de ministérios de música.
Esses fiscais teriam metas a
cumprir e seriam comissionados
com uma parte dos lucros vindos
da taxa de filiação e da emissão da
carteira, um valor que totalizaria
cerca de R$ 240. Disso, R$
100 seriam pagos em forma de
anuidade. Eles também receberiam
parte das multas aplicadas.
As confusões não tardaram.
Logo na premiação do Troféu
Talento, realizada no primeiro
semestre daquele ano, pelo menos
dez ficais da OMB furaram a fila,
passaram pelos camarins e, em
meio a discussões, aproveitaram
os quitutes oferecidos aos artistas
cristãos. Pouco depois, em julho,
mais truculência durante um show
em comemoração ao aniversário de
sete anos de uma rádio evangélica
da cidade de São Paulo. A confusão
entre cantores, fiscais e os direto-
res da rádio só foi aplacada com a
chegada de policiais para conter os
ânimos acirrados.
Na época, o delegado Milton
José de Souza disse que não havia
nenhuma determinação para que os
fiscais visitassem também igrejas
MO
ISÉ
S F
ILHO
MILTON JOSÉ DE SOUZA E ROBERTO BUENO, DA OMB: fi scais são acusados de tentar impedir cultos, brigar com diretores de rádio e comer quitutes nos camarotes
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atrás de músicos não habilitados
pela OMB. Apesar disso, a Bola
de Neve foi uma das surpreendidas
durantes seus cultos. “Eles foram
impositivos. Disseram que a igreja
deveria apresentar a carteira de to-
dos os músicos que tocam no lou-
vor e a nota contratual, sob pena de
ser multada. Como não tinha nada
disso, a penalidade foi aplicada e a
direção da igreja orientada a pagar
à OMB a tal nota contratual sem-
pre que houvesse novas apresenta-
ções, ou seja, em todos os cultos”,
recorda a advogada Taís Amorim,
chamada às pressas para resolver
a situação. A advogada foi à sede
da OMB na tentativa de cancelar
administrativamente a punição.
Apresentou suas razões ao dele-
gado, inclusive de que os músicos
eram todos voluntários, mas não
houve acordo. “Ele disse que se
não pagasse a multa, outra seria
aplicada e o valor dobraria, pois
éramos reincidentes”, conta ela.
A solução foi ingressar na Justiça
com um mandato de segurança.
A liminar foi deferida no mesmo
dia e, além de suspender a multa,
impedia a OMB de tomar qualquer
atitude coercitiva contra a igreja e
seus músicos. Julgado no fim de
2010, em 2ª Instância, dando um
parecer definitivo sobre o assunto,
esse mandato não foi a única der-
rota da OMB. Nesse curto espaço
de tempo, diversas igrejas pediram
e ganharam liminares que impe-
diam a ação dos fiscais.
Aprovada na Assembleia Legis-
lativa de São Paulo, a Lei 12.547/
2007, do então deputado estadual
Alberto Hiar – o Turco Loco –, já
dispensava a apresentação da car-
teira da OMB na participação de
músicos em shows e espetáculos.
No meio musical evangélico, a
recepção às ações da Ordem foi
a pior possível, provocando inú-
meras reclamações e protestos
contrários.
Diante de tamanha
confusão, não houve al-
ternativa para a autarquia
senão fechar sua Delega-
cia Musical Cristã. Em
meio à batalha com as
igrejas, ECLÉSIA pro-
curou o maestro Roberto
Bueno. Numa atitude dig-
na dos tempos da ditadura
militar e da censura, foi
informada que ele só daria
entrevista se a OMB fosse
a única a ser ouvida pela
reportagem, sem contra-
pontos ou opiniões “con-
trárias” ao seu trabalho.
Ainda acrescentou que só
autorizaria a publicação
se pudesse ver o texto
final, antes da revista ir à
gráfica, para aprovar ou
não seu conteúdo. Dessa
vez, no entando, a con-
versa com a instituição
foi bem diferente. Milton José de
Souza foi quem informou que a
Delegacia Cristã fora desativada,
desculpando-se por não poder dar
outras declarações. Diante disso,
a revista procurou novamente o
maestro Roberto Bueno na sede do
Conselho Regional de São Paulo,
até ser informada que ele estava
em viagem. Ligou para seu celular:
desligado. Finalmente, foi atendida
por Elder Silveira, advogado que
trabalha no departamento jurídico
da OMB, que prestou o seguinte
esclarecimento: “Temos a humil-
dade de reconhecer nossos erros.
Em muitas igrejas é difícil separar
o que é voluntário do trabalho pro-
fissional. E a realidade é que num
culto, em que se oferece o louvor
a Deus, há algo espontâneo e não
uma apresentação com fins comer-
ciais. Quando a Delegacia Cristã
foi criada, partiu-se para a fisca-
lização antes da conversa. Agora,
o maestro Bueno decidiu fechá-la
para tentar conversar melhor com
músicos e igrejas”.
CULTOS SEMPRE LOTADOS: a música, na Bola de Neve, atrai milhares de jovens
“NÃO CABE AO ESTADO POLICIAR A ARTE”, garante a procuradora-geral Deborah Duprat, autora de ação que tramita no STF e pede a revisão da Lei 3.857/60
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62
Luiz Leite é escritor,
conferencista, administrador de empresas e psicanalista. Preside a International Fellowship Network e pastoreia a Igreja Vida com Cristo, em Belo Horizonte (MG)
P A S T O R A L
Antes de irmosao púlpito
“A mensagem central do
Evangelho é o arrepen-dimento.
Arrepender-se é mudar de mentalidade, voltar atrás
na prática do erro qualquer
que seja”
Dia desses recebi
um daqueles
muitos emails
repassados que diariamente
enchem nossas caixas de
correio eletrônico, e que
nem sempre abrimos por
serem tantos e por não
termos tempo para dar
atenção a todos. Trazia
um título explosivo:
Troque um parlamentar
por 665 professores! As
razões apresentadas no
panfleto eram suficientes
para justificar o brado de
revolta. Lembrei-me da
antiga canção do Vandré,
convidando a juventude para
uma revolução...
Essa não é a primeira
“campanha” que vejo
circulando por aí nesse
imenso fórum virtual
que a internet propõe. É
decepcionante observar
que, apesar de denunciarem
práticas que suscitam
indignação e repúdio,
logo os revoltosos deixam
a causa pra lá e, como
desertores, abandonam a
luta e vão cuidar de sua
própria vida.
Lembro-me de que
em viagem do Rio a
funcionário; e ele, diretor da
multinacional alemã onde
trabalhava naqueles dias.
Resolvi romper a barreira e
iniciar uma conversação. O
“Fritz” entrou na conversa.
Quando deixei transparecer a
orgulhosa veia patriótica ao
afirmar que o Brasil seria
uma superpotência, o alemão
respeitosamente disse
que duvidava; e pior, ou
melhor, com a fria franqueza
germânica apresentou um
rosário de motivos que atingiu
minha jovem e afogueada
pretensão. “Vocês não têm
disciplina”, dizia ele em seu
português claudicante.“Nem
disposição para brigar!”
Calei-me diante daquela
terrível opinião. Pensei
comigo: “Então é assim
que nos veem?” Fiquei
remoendo, ressentido com
as palavras do branquelo,
e a partir daquele dia tomei
antipatia por ele (é mesmo
assim que costumamos fazer
quando alguém ousa nos dizer
verdades que incomodam).
A conversa logo tomou outro
rumo com a intervenção
do piloto que anunciava os
procedimentos de pouso;
dentro de alguns minutos
Salvador no início dos anos
80, quando mergulhados
em uma das muitas crises
econômicas pelas quais
passamos, mantive uma
discussão acalorada sobre
política e economia com
um alemão que viajava ao
meu lado; na verdade, eu
viajava do lado dele. Eu,
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63
erro qualquer que seja. Dois
textos em especial me vêm
à memória. Primeiro aquele
encontrado no livro do
profeta Jeremias: “Assim diz
o SENHOR: Ponde-vos nos
caminhos, e vede, e perguntai
pelas veredas antigas, qual é
o bom caminho, e andai por
ele; e achareis descanso para
as vossas almas; mas eles
dizem: Não andaremos nele”
(Jr 6.16). O estado do povo
de Israel era tão grave que
medidas cosméticas apenas
não resolveriam. Precisavam
de uma revolução! A solução
está em perguntar pelas
veredas antigas. Do mesmo
modo o Senhor adverte os
crentes de Éfeso, sugerindo
a revolução como escape:
“Lembra-te, pois, de onde
caíste, e arrepende-te, e volta
a pratica das primeiras obras;
quando não, brevemente a ti
virei, e tirarei do seu lugar
o teu castiçal, se não te
arrependeres” (Ap 2.5).
Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer... Se
sabemos que as coisas não
estão bem, precisamos fazer
alguma coisa a respeito disso.
A pergunta é se teremos
disposição suficiente para
arcar com o preço que as
mudanças demandam. Se
não estamos dispostos a
fazer algo, então é melhor
pararmos de ficar criticando
pessoas e instituições. Não
existe entidade problemática,
quer seja família, empresa
ou igreja; existem indivíduos
problemáticos. Precisamos
escolher o nosso papel.
Podemos fazer parte do
problema ou compor o time
da solução. Como o problema
passa sempre pelo nível
do indivíduo, bom seria se
iniciássemos essa revolução
lá em casa, antes de irmos ao
púlpito ou à tribuna!
preço que geralmente
não estamos dispostos a
pagar: sacrifício. De algum
modo sabemos que não existe
revolução sem desgaste,
desconforto, cansaço,
riscos...
Se pensarmos bem,
necessitamos de revoluções
em vários aspectos. Nossa
vida pessoal, ministerial,
familiar, nacional... Se
quisermos ver mudanças
reais em qualquer dessas
áreas teremos que articular
os elementos necessários,
mobilizar esses elementos
e permanecer firmes no
propósito de execução das
decisões tomadas. Tudo
isso dá muito trabalho.
Diante dos desafios, não
raras são a desistência e
deserção. Voltamos para o
enganoso conforto oferecido
pela mediocridade e nos
entregamos à resignação
comum aos vencidos.
Adotamos a filosofia da
indolência que se traduz por
algo do tipo “vamos deixar
como está para ver como é
que fica”. Protelamos.
O termo revolução
compreendido em seu sentido
original traz uma explicação
surpreendente. Revolução, do
latim revolvere, de onde temos
a palavra revolutio, é o ato de
re-volver, ou seja, voltar atrás,
retornar ao ponto de origem,
ao lugar a partir do qual as
coisas perderam o rumo.
Não constitui, portanto, um
movimento para frente. Isso
envolve o duro exercício de
nadar contra o fluxo. A Bíblia
nos apresenta em vários textos
um convite à revolução no seu
sentido mais original.
A mensagem central
do Evangelho é o
arrependimento. Arrepender-
se é mudar de mentalidade,
voltar atrás na prática do
estaríamos aterrissando
em Salvador. Quando o
comandante mencionou o
calor que fazia na capital
baiana, desejando aos
turistas uma excelente
estadia, comecei a sentir
uma “leseira” só de pensar
nos dias de trabalho duro
que teria pela frente. Apertei
o cinto e pensei comigo
mesmo: “O alemão tem
razão, nós não queremos
tomar a bastilha coisa
nenhuma...Vamos adiar a
revolução...”.
Às vezes ouço pessoas
inconformadas dizerem que
estão cansadas desse país,
como se houvesse alguma
coisa de errado com nossa
querida terra brasilis.
Garanto que não há! Se
alguém quiser sustentar
o argumento de que esse
país não é maravilhoso,
vai fracassar pateticamente
diante das provas arrasadoras
reunidas por qualquer um
que atue como advogado
de defesa. O problema
nunca foi o Brasil! Esse
país é abençoado demais!
Os convites ao levante não
surtem efeito porque os
brasileiros parecem seguir
uma lógica brasileira que
opta sempre pela lei do menor
esforço.
Somos explorados da
maneira mais vexatória,
submetidos a uma carga
tributária abusiva, pagamos
caríssimo por itens que, não
fora a rapinagem legal do
Estado, sairiam por muito
menos. Juros abusivos,
impostos abusivos, serviços
de péssima qualidade, direitos
descaradamente
desrespeitados e ultrajes
sem fim; e ainda assim nos
calamos. Reconhecemos que
precisamos de uma revolução,
mas revolução requer um
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64
Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante 30 anos e hoje se envolve em projetos internacionais de desenvolvimento nas ilhas do Pacifi co e da Ásia, morando em Kailua-Kona com sua família
C O N T E X T O
Por uma igreja horizontal
“Os amigos encontraram a benção de existir além
de si mesmos. Eu existo nos
amigos, na comunidade esdrúxula da
graça”
A sala de estar lilás – A
teologia de Friends e a
horizontalização da Jocum
Há algum tempo comecei
a escrever textos de teologia
baseados na série televisiva
Friends. Meu propósito era
duplo: ter uma desculpa
racional para continuar a
assistir insaciavelmente a
série, e comunicar na língua
entendida pelo grupo de
consumidores da cultura pop.
Não fui muito longe,
cansei-me da desculpa, assumi
o meu desavergonhado vício
pelo pop e parei de escrever.
Mas lamentei a preguiça ao
visitar uma livraria americana,
quando encontrei toda uma
série de livros de filosofia
baseada nas séries de TV e
nos filmes hollywoodianos
mais populares. Aqui tenho
comigo o 30 Rock and
Philosophy: We Want to go to
There, que trata as piadas de
Tina Fey com a seriedade de
um livro de Michael Foucault.
Tem a filosofia do House, do
Mad Man, do Harry Potter;
então, por que não a teologia
de Friends?
Permitam-me retomar
a teologia de Friends para
o grupo de amigos acaba sendo
uma espécie de epítome da
igreja.
Como na igreja de Paulo,
cada um tem um dom, uma
contribuição. Eles não são iguais
e nem acham que devem ser. O
valor não é definido pelo que
deveriam ser, mas pelo que são.
Os amigos encontraram a benção
de existir além de si mesmos.
Eu existo nos amigos, na
comunidade esdrúxula da graça.
O que impede a igreja de
ser assim? Sugiro que muitos
dos nossos problemas internos
na igreja derivam da noção de
cristianismo hierarquizado.
Interpretamos de maneira
vertical a diversidade de dons e
ministérios da igreja. A “escada”
da espiritualidade deve ser
galgada pelos escolhidos. Essa
escada torna pastores mais
importantes que administradores
e professores, profetas mais
excelentes que pastores,
e apóstolos praticamente
semideuses. Quando essa
hierarquia espiritual encontra
terreno fértil na cultura,
então o dano é irreparável. A
doença do clericalismo está
enraizada na América Latina.
A espontaneidade dos dons
espirituais é esmagada nessa
quase todos os dias, e dividem
os detalhes de suas vidas. Não
há hierarquia entre eles, que
formam uma comunidade, fruto
da desfuncionalidade da família
pós-moderna. Entre eles, nada
além da graça. As confissões
são esperadas e os erros
também, assim como os acertos.
Excluídas as escapadas sexuais,
explicar, em algumas linhas, um
milagre organizacional realizado
recentemente na Jocum. Seis
amigos vivem em Nova York,
moram próximos uns dos outros
e algumas vezes compartilham
apartamentos. Eles se encontram
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65
os cargos na maior organização
missionária do mundo. Não
existe mais presidente, mas
diretor internacional ou nacional,
coordenador acima da liderança
dos centros locais. Cada país vai
encontrar uma forma de diálogo
entre os centros missionários
e internacionalmente vamos
nos reunir num fórum. Amigos,
acadêmicos, administradores,
visionários, vamos nos servir
com nossos dons sem aspirações
hierárquicas e posturas clericais.
Se alguém for ouvido é porque
tem alguma coisa a dizer, e não
por carregar uma listra no ombro.
Se vamos continuar existindo
com sucesso só o tempo dirá.
No momento, acho que nos
basta saber que estamos perto
do modelo que Deus planejou
para sua igreja. Friends, unidos
pela graça. Como na sala lilás da
Mônica, estaremos no lugar onde
tinham estabelecido. Os títulos
e organogramas induziam
pessoas ao erro e mantinham
a noção de hierarquia vertical.
Tentaram mudar por alguns anos,
redefinindo títulos e atribuindo
menos responsabilidade aos
cargos, mas depois de muito se
discutir, orar e tentar encontrar
uma forma estrutural que
representasse o que a missão é
ao redor do mundo, a liderança
internacional concluiu o
óbvio: impossível organizar o
inorganizável ou hierarquizar a
grama. Grama é grama, corpo
é corpo, membros pertencem
um ao outro. Não existe um
organograma que nos convença
da importância de se amputar
a perna saudável, e mesmo se
um dia a doente for cortada,
ainda assim irá doer como se
continuasse lá.
Aos 50 anos, a Jocum se
horizontalizou. Acabaram-se
estrutura hierárquica, junto
com o conceito essencial
ao cristianismo de valor
inerente. Seu valor acaba se
condicionando à posição que
você ocupa na estrutura.
De uma forma, nem tão
Friends e não tão clerical como
na maioria das igrejas, na
Jocum se vive em comunidade,
pela graça e não pelas regras,
entende-se o corpo como
um organismo e não uma
instituição, e missões como
um movimento humano e não
como um empreendimento
capitalista. Conhecendo o braço
internacional da missão, entendi
porque o Loren é simplesmente
o Loren e não o pastor ou o
reverendo Loren. O Jimmy é
Jimmy – até Dime para uma
grande parte não muito letrada.
Em 2002, Deus levou
a equipe de liderança a se
arrepender pela estrutura que
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66
E VA N G E L I S M O
Do clássico ao contemporâneo,
todos podem dançar: basta que sejam cristãos e façam parte do
Ministério Dança Pelas Nações
Dança pela fé
KAREN RODRIGUES
Desde as civilizações antigas,
a dança é usada como for-
ma de expressão cultural.
Diferentes povos, etnias, costumes e
culturas buscavam – e ainda buscam
– por meio dela um significado para
manifestar seus sentimentos, seja de
alegria, tristeza, agradecimentos pela
colheita, pela caça, ou um ritual de
adoração aos seus deuses. Até mes-
mo no Antigo Testamento há relatos
de dança, como o fez o salmista Davi
para expressar sua fé em louvor a
Deus. Depois de tantos séculos, é
claro que o mundo se transformou,
mas a dança ainda faz parte do uni-
verso coletivo. E, nos últimos anos,
definitivamente essa prática se ade-
riu ao louvor evangélico, tornando-se
bastante comum nas cerimônias rea-
lizadas pelas igrejas neopentecostais.
Com o propósito de evangelizar por
meio da arte, além de treinar equipes
e ministérios, inclusive que atuam no
exterior, é que surgiu o Ministério
Dança Pelas Nações, idealizado pelo
pastor Oziel de Matos e sua esposa
Gisela Matos, no seio da Igreja Pres-
biteriana de Colatina (ES). Na época
do surgimento do grupo, em 1998,
COREOGRAFIAS NÃO FALTAM ao grupo, que tem se apresentado em todo o país e até no exterior
DIVULGAÇÃO
Gisela trabalhava com um grupo de
adolescentes, quando recebeu um
convite para se apresentarem num
congresso anual; surgia ali a ideia de
montar uma coreografia, e com ela a
semente de um ministério de dança.
“Foi bem inovador, rompemos bar-
reiras naquele ano”, relembra a líder.
Há sete anos, o casal se mudou para
Contagem (MG), dando prossegui-
mento ao projeto, agora pela Igreja
Batista.
Além de ministro de louvor, Oziel
também é responsável pelas questões
burocráticas do ministério: é ele
quem cuida das contas, da agenda,
da produção de eventos e materiais
de divulgação – DVDs, CDs e li-
vros lançados pelo grupo. A esposa
não fica atrás e também tem uma
vida bastante agitada: ela atua como
bailarina, coreógrafa e escritora, e
ainda dirige a Academia Profetas da
Dança, a primeira do gênero voltada
para cristãos em Belo Horizonte. No
espaço são oferecidas aulas de ballet
clássico, jazz contemporâneo, dança
moderna, condicionamento físico,
sapateado americano, dança de sa-
lão, teatro, música, além de cursos
extracurriculares como maquiagem
artística, composição coreográfica,
anatomia aplicada à dança, enfim...
Juntos com a equipe, composta por
oito integrantes na dança e cinco no
louvor, o casal ministra em todos os
estados brasileiros; não raros tam-
bém sãos os convites para apresenta-
ções no exterior. “Onde Deus abrir as
portas”, resume a coreógrafa.
Todo mês de julho, durante duas
semanas o ministério realiza uma
espécie de oficina num sítio nas
proximidades da capital mineira, reu-
nindo membros da equipe e ministros
de louvor de todas as partes. Na
ocasião, são ministradas dezenas de
atividades, sempre focadas na prática
evangelística. “Já recebemos mais de
3 mil alunos e temos tido resultados
excelentes de pessoas que participa-
ram e hoje vem rendendo frutos em
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suas cidades”, orgulha-se Gisela. Em
2011, o evento já tem data marcada:
de 15 a 29 de julho. As coreografias,
segundo ela, são definidas conforme
a orientação divina. “A inspiração
e tudo o que é mais perfeito vem
sempre de Deus. Muitas vezes as co-
reografias são resultados de situações
que vivemos ou alguma ministração
da Palavra, e as usamos para ilustrar
a mensagem”, conta. Geralmente,
também, os integrantes realizam
movimentos espontâneos durante o
louvor, com o intuito de expressar a
mensagem que é ministrada por meio
da música.
Apesar de vender produtos rela-
cionados à dança e ao ministério, o
que ajuda mesmo o grupo a manter
as contas em dia são as ofertas vo-
luntárias dos “irmãos”. Mas o que
mais importa para os idealizadores
são as mensagens transmitidas e os
resultados alcançados, tanto que a
líder não titubeia ao afi rmar que tem
testemunhado muitas pessoas sendo
desafi adas, curadas e, principalmente,
transformadas espiritualmente – con-
vertidas. “Esse é nosso maior retorno,
ver pessoas receberem o toque do
Espírito Santo e terem suas vidas res-
tauradas”, enfatiza.
Embora a proposta do ministério
tenha como foco principal a salvação
e libertação, ainda assim o grupo é
alvo de olhares desconfiados e pre-
conceituosos, inclusive de muitos
que se dizem cristãos mas que não
entendem, ou não aceitam, um cha-
mado profético por intermédio de
uma manifestação artística. “A dan-
ça, para nós, não é apenas uma arte e
sim um chamado de Deus. Levamos
muito a sério e cremos que ele tem
honrado esse chamado”, defende-se
Gisela.
Identifi cação – Não basta ape-
nas gostar de dança para fazer
parte do ministério; o essencial
é, primeiramente, ser cristão, e
depois estar disposto a traba-
lhar como voluntário, abrindo
mão do que for necessário e
até mesmo pagar o preço pelo
chamado. Complicado? Não, segundo
a diretora, mas é preciso ser indicado,
e por alguém muito especial. “As pes-
soas que entram aqui são direcionadas
por Deus”, ressalta.
Tais quesitos não foram nenhum
grande obstáculo para a paulista Carla
Char Melo Sampaio, que se aderiu ao
ministério há cerca de três anos. “Deus
é quem mostra as pessoas para nossa
liderança e normalmente as testifi cam
no coração dos demais integrantes”,
atesta. Lidar com diferentes tempera-
mentos é, segundo ela, uma das maio-
res difi culdades que a equipe enfrenta;
porém, todos acabam aprendendo e,
juntos, são moldados pelo Senhor.
Natural do interior de São Paulo, ela
afi rma, convicta, que seu único objeti-
vo em fazer parte do grupo é cumprir
um chamado divino, e aproveita para
deixar um conselho para os futuros
adeptos: “Orem! Se for da vontade
de Deus, ele irá encontrá-los também
assim como me encontrou”.
Mesmo em meio a muitas lutas,
Letícia Souza Barros não desistiu da
caminhada, e já se vão quase oito
anos desde que a mineira se juntou ao
grupo. “Nenhum obstáculo e nenhuma
das minhas fraquezas foram sufi ciente
para que Deus não me alcançasse”,
diz, como um louvor poético. Para ela,
a dança se defi ne como uma canção de
amor, uma oração de fé, um clamor
por salvação de almas e uma conversa
mais viva com o Criador. “Estudar
dança com um coração de servo”,
conclui ela, com a mesma desenvol-
tura nas palavras com que realiza os
movimentos no palco.
OZIEL MATOS: mais de uma década de dedicação ao ministério
DIVULGAÇÃO
GISELA MATOS: “Nosso maior retorno é ver pessoas terem suas
vidas restauradas”
DIVULGAÇÃO
“ESTUDAR DANÇA COM UM CORAÇÃO de servo”,
receita Letícia Souza Barros, em tom poético
DIVULGAÇÃO
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68
Emerson Menegasse
é teólogo, fi lósofo, psicoanalista e missionário no Nepal, onde coordena o Projeto Nepali
M I S S Õ E S
A metáfora do coelho, da raposa, do lobo e do leão
“Não adianta lutarmos
contra nossos adversários sozinhos, achando que com
inominável esforço vamos
conseguir alguma coisa, pois continua-
remos fracassando a cada intento, derrubados no primeiro
round da luta”
Há algum tempo eu
participei de um
congresso missionário,
e foram dias abençoados
que possibilitaram troca de
experiências e ampliação de
relacionamentos. Hospedamos
num hotel maravilhoso, daqueles
que fazem a diferença quando o
casal decide deixar as crianças
com os amigos para ter um
tempo somente para si – leva
apenas o “rapa de tacho” que,
devido à pouca idade, não tem
como fi car para trás. Engraçado,
mas aqueles dias foram como
férias, embora tal sensação se
restringisse somente ao quarto
do hotel, pois as intensas
atividades não permitiam muitas
regalias.
Voltando ao congresso,
sempre há algo que se destaca
para nós, missionários
transculturais, nessas ocasiões.
Mesmo acostumados com o
linguajar missioneiro, o evento
acabou se transformando num
discurso pouco ortodoxo e
metafórico, com destaque para
um conto com nuances de fábula
narrado por um dos palestrantes,
e com fortes signifi cantes.
Segundo ele, essa historinha é
comumente contada para os calouros
nas universidades canadenses como
uma espécie de estimulante para a
jornada acadêmica que se inicia.
Vou adaptá-la aqui, sem modifi car a
sua essência.
Um pequeno coelho passeava
pelo jardim hortífero das redondezas
de sua morada quando se deparou
com uma raposa. No momento em
que ela se preparava para degustar
seu almoço, de súbito o coelhinho a
interpelou:
–– Você não pode me comer,
dona raposa; afi nal, eu ainda não
terminei a minha tese!
Com ar de surpresa, ela
perguntou:
–– Sobre o que você está
escrevendo, ou melhor, qual a defesa
da sua tese?!
–– Estou dissertando sobre
a superioridade dos coelhos em
relação às raposas – respondeu o
bichinho.
–– Mas como?! Isso é
impossível!!!
O coelho, então, perguntou se ela
gostaria de conhecer melhor o seu
trabalho. E a raposa, cordialmente,
aceitou o convite e adentrou à sua
toca, de onde nunca mais saiu.
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69
Enquanto explicava, o doutor
coelho abriu uma cortina e
mostrou-lhe um leão forte e vistoso
descansando, muito bem alimentado.
Moral da história: muitas vezes
canalizamos esforços desmedidos, e
infrutíferos para alcançarmos certos
objetivos, ou seja, nadamos muito
e acabamos morrendo na praia!
Não adianta lutarmos contra nossos
adversários sozinhos, achando que
com inominável esforço vamos
conseguir alguma coisa, pois
continuaremos fracassando a cada
intento, derrubados no primeiro
round da luta. Entretanto, se
contarmos com um bom orientador
– tipo o Leão da Tribo de Judá
–, nosso doutorado da vida estará
garantido. O que conta, afi nal, é
o orientador e não as técnicas de
pesquisa e capacidades cognitivas.
Se o doutor coelho compreendeu
isso, vamos fazer valer também o
nosso patamar de “coroa da criação”
e tomar posse de nosso título!!!
–– Claro que sim; é só me
acompanhar – respondeu.
O ambiente na toca do doutor
coelho era típico de um estudante
de doutorado: livros espalhados
pelo chão e outros empilhadas
pela sala, computador, provas
de textos, inúmeros materiais de
pesquisas, enfi m... O convidado
fi cou deslumbrado, mas estranhou
ao perceber ossos de raposas e
lobos amontoados num canto. Não
se conteve e perguntou o que era
aquilo tudo.
Pacientemente, o doutor coelho
explicou:
–– Não importa o título da
tese que você pretende defender,
a disposição ou facilidade de
conteúdo, o material de pesquisa, a
tecnologia disponível etc. O mais
importante para que seja bem-
sucedido numa tese de doutorado é o
seu orientador, que faz valer todo o
esforço para que alcance o objetivo
fi nal da dissertação.
Ninguém também jamais ouviu
falar dela. A mesma cena se repetiu
em outra feita, na mesma linha
de abordagem e diálogo, apenas
com a contextualização do título
da tese e com o consequente
desaparecimento de outro animal:
o senhor lobo. Ninguém também
nunca mais ouviu falar dele. E
os boatos sobre o coelho corriam
soltos, bem como de sua tese e
do sumiço de raposas e lobos da
vizinhança.
Passados muitos meses lá estava
o pequeno coelho degustando sua
cenoura, até que apareceu outro
coelho, desinquieto e notadamente
curioso. Depois de alguns minutos,
ele puxou conversa com o
companheiro que, imponente, disse:
–– Dirija-se a mim como doutor
coelho, pois eu já concluí a minha
tese de doutorado!
–– Então, o doutor poderia me
mostrá-la! Pois não se fala de outra
coisa!
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72
C I N E M AM U LT I M Í D I A
Muito antes de Linda
Blair, no papel de
Regan MacNeil em O
Exorcista (1973), virar a cabeça
para trás devido a uma possessão
demoníaca, o cinema já se
relacionava com o maligno. Desde
os clássicos Nosferatu, de1922,
e Fausto, de 1926 (baseado
na peça homônima de Johann
Wolfgang Goethe), ambos do
diretor F.W. Murnau, passando
pelos dráculas dos atores Bella
Lugosi e Boris Karloff, até o
assustador O Bebê de Rosemary
(Roman Polansky, 1968), ou
Bruxas à solta
o ícone do cinema classe Z, A
Morte do Demônio (Evil Dead,
1981), referências à influência
maligna e ao sobrenatural de
algum modo fascinam diretores e
espectadores. Dois títulos recém-
chegados às salas de cinemas
do país reacendem o espectro da
curiosidade sobre o tema.
Estrelado por Nicolas Cage,
Caça às Bruxas (Season of the
Witch) liderou as bilheterias no
Brasil no primeiro mês do ano.
Foram mais de R$ 3 milhões
em ingressos vendidos, e quase
300 mil espectadores em telas
nacionais entre os dias
28 e 30 de janeiro.
Na trama, dirigida
por Dominic Sena – o
mesmo de Kalifornia,
A Senha: Swordfish e
Terror na Antártida –,
Cage encarna Behmen.
Acompanhado do amigo
Felson (Ron Perlman),
alista-se nas Cruzadas
e se torna um cavaleiro,
com objetivo de obter
perdão pelos pecados
cometidos. A onda de
saques e assassinatos
realizados pelo suposto
exército divino o
incomoda a ponto de
fazê-lo retroceder e
pular fora das fileiras
adotadas. A dupla decide, então,
retornar à terra natal, na Europa;
mas, capturados e presos, eles
se veem obrigados a aceitar uma
missão em nome de Deus: levar
uma garota acusada de bruxaria
a um monastério, para que seja
julgada por sua ligação com o mal.
Behmen quer sua espada de
volta e um julgamento justo para
a menina, enquanto que Felson
quer evitar ser visto como um
desertor. O aval do cardeal é o
ponto de partida para a formação
de um grupo cujo objetivo é
fazer o transporte da garota até o
monastério.
A travessia por florestas
e desfiladeiros sombrios de
algum canto europeu sinistro
da Idade Média é salpicada de
efeitos especiais, como forma de
NICOLAS CAGE, O ASTRO DE CAÇA ÀS BRUXAS: sucesso garantido de bilheteria
DIVULGAÇÃO
Filipe Albuquerque
Filmes que trazem novamente o diabo em suas tramas comprovam o fascínio exercido
pelas forças do mal sobre o ser humano
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73
possessão – evento sobrenatural ou
fruto da fragilidade humana? Ou as
duas coisas, e além?
A fórmula anti-herói cético/
jornalista beldade destemida pronta
a mergulhar no mais sinistro dos
mundos em busca da “verdade”
traz certa sensação de déjà vu. Mas
a exploração do exorcismo como
premissa e a relação voluntária ou
não do homem com o diabo e suas
intervenções no mundo dos vivos,
gera arrepios na espinha até dos
adeptos mais fervorosos dos filmes
de terror.
“Um ladrão acende as luzes
quando está roubando a sua casa?
Não. Ele prefere que você ache que
ele não está lá. Como o diabo”,
informa o padre Lucas ao avaliar
as investidas malignas e explicá-
las ao seminarista. As imagens
de uma possessa expondo uma
língua pontuda como a de uma
cobra lembram as mirabolices de O
Exorcista. Detalhes que sinalizam
a presença do inimigo – a mão
trêmula do padre Lucas indicando
que o diabo está ao seu
redor, e cruzes que aparecem
surpreendentemente de
ponta cabeça – e a não
rara impotência humana
diante de uma manifestação
demoníaca, são elementos
que compõem um dos
possíveis novos fi lmes sobre
o tema que podem fazer
história, como fi zeram seus
semelhantes anteriores. A
empatia – talvez, natural – do
ser humano pelo sinistro, ou
o desejo macabro do homem
de lidar com seus próprios
medos também devem
colaborar para fazer de O
Ritual o thriller de horror da
temporada. Pague para entrar
e ore muito para sair.
apresentar os poderes paranormais
da menina a ser julgada por sua
suposta proximidade com as
forças inimigas. A presença de
Christopher Lee, marinheiro velho
acostumado a tramas assustadoras
é mais um ingrediente no
longametragem, que volta no
fim da “Idade das Trevas” para
remexer no mito das bruxas e
suas ligações com a escuridão e o
lado mais sombrio possível de ser
compreendido pela mente humana.
Sustos e orações – O Ritual (The
Rite), estrelado por Anthony
Hopkins e a brasileira Alice
Braga, sobrinha de Sônia Braga,
retoma o tema exorcismo para
contar a história de Michael
Kovak (Colin O’Donoghue),
filho de um proprietário de uma
casa funerária que decide deixar
o emprego no estabelecimento
comercial do pai para estudar
em um seminário às custas da
Igreja Católica. Cético, a ideia
do seminarista é pular fora do
ministério antes mesmo de começá-
lo, mas o convite para ir a Roma
estudar exorcismo dá um nó em
suas ambições nada convencionais.
Uma demanda crescente por
rituais faz o Vaticano decidir
por reensinar o modus operandi
da atividade ao clero. Kovak é
enviado para o intensivo e, por seu
ceticismo, passa um período com
o padre Lucas (Hopkins), famoso
por contabilizar mais de mil
exorcismos no currículo.
A trama toma como base o
livro The Making of a Modern
Exorcism, de Matt Baglio, e se
inspira em um caso real. A direção
do sueco Mikael Håfström trouxe
certa sutileza a uma história cujo
tema não parece muito afeito a
suavidades. Ainda que a visão
de um diretor “estrangeiro” não
signifique a exclusão de lugares
comuns presentes a filmes dessa
linha – sustos provocados pela
soma de cena inesperada mais
música alta –, O Ritual retoma a
discussão que paira sobre o tema
O RITUAL, COM ANTHONY HOPKINS, reabre discussão sobre rituais de exorcismo: evento sobrenatural ou fruto da fragilidade humana?
DIVULGAÇÃO
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74
M Ú S I C AM U LT I M Í D I A
Boicotada por público cristão, Katy Perry critica o uso de referências bíblicas em apresentações musicais
Na adolescência Katy Perry
costumava cantar em igrejas,
muito mais por incentivo
dos pais do que, propriamente,
vocação ministerial. Filha de pastor
evangélico, muito natural que a cantora
e compositora norte-americana, que
completou 26 anos em outubro passado,
seguisse o mesmo caminho trilhado
pela família; entrentanto, nao foi nada
disso que aconteceu, e sua trajetória
cristã se restringe ao lançamento de um
único álbum – Katy Hudson –, e uma
discreta participação como backing
vocal na música Goodbye for Now,
da banda de rock P.O.D. “Meus pais
eram muito rígidos, e algumas pessoas
são fascinadas com a ideia de uma
grande história: ‘boa menina, com pais
cristãos, vai para o caminho errado’”,
revelou, durante entrevista à revista
britânica Q Magazine.
Com várias músicas nas paradas
de sucesso e um estilo que mescla
conservadorismo – a moda retrô – com
Sucesso nas paradas, fracasso na igreja
ousadia, a cantora se tornou um dos
ícones do pop rock adolescente e um
fenômeno de popularidade, a ponto
de chamar a atenção de celebridades
como Miley Cyrus e Madonna.
Só no Facebook ela soma cerca de
17 milhões de fãs, e recentemente
postou uma foto ao lado do badalado
Mark Zuckerberg – o criador da
famosa rede de relacionamentos – no
Twitter, onde conta com mais de 5
milhões de seguidores, números que
devem aumentar por aqui já que a
participação dela está confi rmada
para o Rock in Rio, que acontece em
setembro.
Hoje, casada com o ator e
comediante inglês Russell Brand, Katy
Perry colhe os frutos de seu trabalho
no meio secular. Só que, na contramão
de todo esse sucesso, ela tem sido
praticamente boicotada por grande
parte dos crentes, que não compactuam
com seu comportamento um tanto
quanto desregrado para quem provém
de uma família cristã e que, num
passado recente, esteve com os dois
pés na igreja evangélica. Músicas como
I Kissed a Girl – ou, eu beijei uma
garota, em bom português – tornaram-
se alvos de críticas, justamente por
transgredirem os princípios religiosos
apregoados pelos cristãos. No entanto,
apesar de toda essa distância que
parece afastá-la da igreja, a cantora
costuma separar muito bem a religião
da profi ssão e, em suas declarações à
imprensa, não tem poupado os artistas
que fazem uso de referências bíblicas
durante seus shows. Além do próprio
marido, alertado para que diminua
as piadas de teor religioso, a cantora
Madonna também não escapou de suas
alfi netadas por, segunda ela, recorrer
de “forma abusiva” à religião para
“dramatizar e gerar polêmica durante
suas digressões internacionais”. “Eu
não entendo quando artistas usam isso,
como quando a Madonna subiu em uma
cruz para cantar”, cutucou, referindo-
se à turnê Confessions, de 2006. Na
ocasião, a popstar se postou à frente de
uma cruz de espelhos usando uma coroa
de espinhos. “Para mim, espiritualidade
é uma coisa importante e eu não gosto
quando as pessoas não levam isso a
sério”, conclui.
KATY PERRY: “EU NÃO GOSTO QUANDO as pessoas não levam a espiritualidade a sério”
DIVULGAÇÃO
José Donizetti Morbidelli
EXPOSIÇÃO ABUSIVA DA RELIGIÃO: cantora contesta performance de Madonna
DIVULGAÇÃO
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76
Patrícia Guimarães
é mestre em Musicologia, bacharel em Canto Lírico, e regente e professora de Canto em Juiz de Fora (MG)
L O U V O R E A D O R A Ç Ã O
Entre fábulase parábolas
“Mas o outro levita, carente de
mãos amigas, abraços
calorosos e olhares misericor-
diosos, não conseguiu encontrar
afi nação ao caminhar sozinho”
Num palácio, dois
compositores retiraram-
se para compor – Mozart
e Salieri. Na época, reinava em
Viena o Imperador José II da
Áustria. Salieri já era compositor
ofi cial da Corte de José II,
quando Mozart surgia com uma
genialidade inesperada para sua
idade. Enquanto Mozart queria
lançar a ópera alemã, Salieri
defendia a ópera italiana, sucesso
na época. Embora rumores
em Viena afi rmassem que os
compositores eram rivais, Salieri
participava de apresentações das
obras de Mozart e o considerava
um gênio, chegando assim a se
referir ao compositor alemão:
“Você é Deus!”. Na Corte em que
fábulas sobre a rivalidade entre eles
eram constantes, um compositor
admirava o trabalho do outro.
O Imperador José II, que
tinha o hábito de fomentar
estranhas competições musicais,
encomendou a cada um deles uma
pequena ópera para ser apresentada
no palácio. O público se colocaria
entre as duas apresentações, sendo
preciso somente se virar de um
lado para outro para acompanhar
as óperas, à medida que fossem
apresentadas. Mozart apresentou
a ópera Der Schauspieldirektor
(O Empresário), falada em
Mesmo com o “fracasso” de Mozart,
esse acontecimento marcou a origem
da criação da ópera alemã, e isso
só foi possível graças ao decreto do
Imperador José II. Era o início de
um novo gênero musical operístico
que se tornaria admirável em todo
o mundo. Apesar de receberem
reconhecido mérito em honoráveis
pagamentos a suas composições,
Salieri e Mozart tiveram destinos
diferentes. O primeiro ocupou cargos
importantes na Corte em Viena e teve
uma vida tranquila, enquanto que
Mozart gastou todo o seu patrimônio;
ele não sabia administrar o talento e
viveu seus últimos anos na mais dura
pobreza.
Numa outra época e em “reinos”
diferentes, vi dois levitas que saíram
para compor. Tinham talento e muita
disposição para adorar e servir ao
seu rei. Sabiam que para desenvolver
um trabalho musical e técnico de
forma primorosa, era preciso traçar
objetivos e despreender muito
esforço para alcançá-los. Defi niram,
então, o repertório para seu grupo
musical, tempo para ensaios, períodos
de oração, preparação vocal e
instrumental, datas para seminários
e encontros de aperfeiçoamento... O
trabalho tanto era prazeroso quanto
árduo o caminho a seguir. Pensaram
nos detalhes e se dispuseram a
executá-los. Os músicos foram se
alemão e, portanto, completamente
fora dos padrões da época. Salieri
apresentou Prima la Musica, poi le
Parole (Primeiro a Música, depois as
Palavras), em italiano. O Imperador
esperava a vitória da genialidade de
Mozart. Contudo, Salieri comprovou
a preferência do público pela ópera
italiana a que estavam acostumados.
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estariam seus irmãos e parceiros
na música? Sentiriam alegria em
cantar deixando seu líder fora do
grupo? Consideraram caducas as
maneiras do antigo levita tocar seu
instrumento? Socorreriam o cansado
e abatido levita que se desgastou no
esforço do ensino? O apóstolo Paulo
bem nos recomenda: “Amai-vos
cordialmente uns aos outros com
amor fraternal, preferindo-vos em
honra uns aos outros. No zelo, não
sejais remissos (...). Compartilhai
as necessidades dos santos (...).
Alegrai-vos com os que se alegram
e chorai com os que choram. Tende
o mesmo sentimento uns para
com os outros; em lugar de serdes
orgulhosos, condescendei com o
que é humilde; não sejais sábios
aos vossos próprios olhos” (Rm 12:
10). Quem tem “antigos” mestres de
música, entenda essa pobre tentativa
de parodiar as parábolas do nosso
mestre. Quem tem ouvidos para
“fazer música”, ouça!
uns dos outros. Ignoraram que para
soarem num mesmo falar, num só
agir, num só sentir era preciso cuidar
dos relacionamentos. Estenderam
mãos de louvor ao dono do reino,
mas as encolheram na disposição de
servir o outro. Perderam a harmonia
da vida, o desafi o de, mesmo em
caminhos diferentes, manterem seus
corações próximos. Eles podiam
ler e compreender as tablaturas
musicais, mas não enxergavam a
necessidade de seus antigos mestres!
Um dos levitas prosseguiu com
sua canção, ainda que em outros
tempos e lugares. Mas o outro levita,
carente de mãos amigas, abraços
calorosos e olhares misericordiosos,
não conseguiu encontrar afi nação
ao caminhar sozinho. Necessitava
da polifonia que ressoa de corações
amigos. O primeiro conseguiu,
em meio aos acordes dissonantes
de sua trajetória, seguir louvando
o rei com novos sons. O outro
emudeceu seu instrumento... Onde
aperfeiçoando e o nível técnico
da equipe era visível. Todos que
chegavam de longe queriam
tocar com esses músicos. Eram
considerados os bambas do reino.
Talvez se Salieri e Mozart tivessem
vivido nesse reino, também pudessem
ser seus admiradores.
O tempo foi passando e uma
nova geração de levitas foi-se
levantando. Os dois “antigos”
levitas formaram suas famílias. E,
assim como Salieri e Mozart, suas
vidas tomaram caminhos diferentes.
Vieram os fi lhos, novas necessidades
a se priorizar e sua equipe musical
foi mudando de sonoridade. Os
“lendários” levitas transmitiram toda
sua técnica, cuidaram da performance
coletiva do grupo e atentaram para o
relacionamento individual com seu
rei. Contudo, esqueceram-se de que
para ter um cordão forte, que não
rebente com facilidade, era necessário
três dobras – eles e o próximo.
Esqueceram-se das necessidades
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Marcos Stefano Couto
L I T E R AT U R AM U LT I M Í D I A
O segredo de Benny Hinn
vezes, em conversões. Foi o que
houve há poucos anos, quando Hinn
visitou a Índia e teve que deixar o país
ameaçado por hindus inconformados
com milhares de fi éis perdidos para
o cristianismo após seus cultos. O
segredo desse sucesso sempre foi fonte
de acirrados debates. Seus adversários
falam em charlatanismo, enquanto
que os apoiadores têm certeza de que
se trata da unção divina. O ministério
carismático também abriu as portas
para o lado escritor do pregador. Quase
todos os seus livros são dedicados a
contar milagres ou explicar a origem de
tal poder. Bom Dia, Espírito Santo, o
primeiro e mais famoso deles, já vendeu
mais de um milhão de exemplares, em
diversas línguas. Ainda assim, sempre
parece faltar algo. A mais nova tentativa
de preencher essas lacunas e apontar
o caminho da benção aos leitores está
chegando ao Brasil. Mergulho Profundo
no Espírito Santo, lançado pelo selo
Holy Bible, promete ser uma verdadeira
aula sobre o mover de Deus.
A obra faz parte de um pacote
O pastor e evangelista Benny
Hinn ganhou fama mundial
graças ao sobrenatural. Até
hoje, mesmo com muita polêmica
e escândalos envolvendo sua vida e
ministério, multidões comparecem às
suas cruzadas de milagres. Em ginásios
e estádios lotados, o que não faltam são
testemunhos de cura de enfermidades
e cenas impressionantes de dezenas,
mesmo centenas, “caindo no poder do
Espírito”. Dá para perceber o efeito
disso nas expressões de espanto de
inúmeros rostos na plateia e, algumas
Mergulho Profundo no Espírito Santo é um estudo bíblico sobre o poder divino, sempre
pontuado por 30 anos de experiências
sobrenaturais do evangelista
de títulos do autor que acaba de ser
lançado pela editora. Além dele, fazem
parte do acervo O Maior Milagre,
Promessas de Deus para Provisão
e Cordeiro de Deus. Desses, os dois
primeiros são livros menores. Cordeiro
de Deus fala sobre a obra redentora
de Jesus, citando profecias bíblicas,
os principais acontecimentos de sua
vida, o simbolismo das festas de Israel
e debatendo a missão do Cristo. Mas,
tanto pela familiaridade de Hinn com
o tema quanto pelo provocativo título,
o mais instigante é mesmo Mergulho
Profundo no Espírito Santo. Apesar
da primeira parte ser dedicada a uma
análise do Espírito e de sua relação
com Deus Pai, com Jesus e com o ser
humano, e a segunda tratar da obra do
Consolador, na prática essa separação
não existe. O livro traz uma análise
sequencial do operar divino no Antigo e
no Novo Testamento, sempre permeada
pelas experiências de 30 anos de
ministério do autor.
Uma das histórias por ele contadas,
por exemplo, diz respeito ao começo de
seu ministério, ainda no Canadá. “Era
difícil, mas pedia silêncio ao auditório,
tal como tinha visto Kathryn Kuhlman
fazer. Fechava meus olhos, mas não
sentia nada. Às vezes, batia o medo: o
que estava fazendo? Mas depois ouvia
um barulho. Quando abria os olhos,
quem não tinha ido ao chão, estava
quebrantado, chorando”, escreve. Como
ele próprio insiste, o quebrantamento
e a rendição à vontade de Deus são as
chaves que abrem as portas do poder
sobrenatural. Nesse sentido, o livro
tem características parecidas com o de
outro título do evangelista: A Unção.
Com a diferença de que segue por
outro caminho, o do estudo bíblico.
E aí, mostra que o falar em línguas é
apenas o primeiro passo para uma nova
vida de transformação. Pena que se
concentre mais na autoridade do que na
santidade de vida.
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“FECHAVA MEUS OLHOS, MAS NÃO SENTIA NADA. Batia o medo: o que estava fazendo? Mas depois ouvia um barulho. Quem não tinha ido ao chão, estava quebrantado, chorando”, conta Benny Hinn em sua mais nova obra
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A G E N D A
para todos os estados do país. Diversos
missionários, pastores e ministros de
louvor estarão presentes no evento,
que acontece na Primeira Igreja Batista
(Praça Abrantes, S/N – Centro). As
vagas são limitadas, e informações
adicionais podem ser obtidas pelo site
www.vemcomoquiser.com.br.
Entre os dias 8, 9 e 10 de abril,
a cidade de Camaçari (BA) irá
sediar a segunda edição do Vem Como
Quiser, conferência de louvor, adoração
e missões idealizada pelo Ministério
Arca – a primeira aconteceu no ano
passado, em Jundiaí SP, e a intenção
dos organizadores é estender o encontro
2° Congresso Nacional de Casaisnaturais e históricas do litoral
baiano. Entre os preletores, estão
confi rmadas as presenças do pastor e
terapeuta familiar Josué Gonçalves;
Estevam Fernandes, líder da 1ª
Igreja Batista de João Pessoa (PB);
Claudio Duarte, pastor da 1ª Igreja
Batista de Campo Grande (RJ), entre
outros. Para mais informações, os
interessados podem acessar o site
www.amofamilia.com.br.
Entre os dias 14 e 17 de abril,
será realizado no Náutico Praia
Hotel em Porto Seguro (BA), o
2º Congresso Nacional de Casais,
ocasião em que os participantes
poderão refl etir sobre a importância
do relacionamento conjugal e da
família. Se a primeira edição do
evento aconteceu em Caldas Novas
(GO), dessa vez os casais terão a
oportunidade de conhecer as riquezas
Vem Como Quiser Assembleia Estadual da Convenção
Será realizada em Campinas (SP),
nos dias 29 e 30 de abril, a 42ª
Assembleia Estadual da Convenção
das Igrejas O Brasil para Cristo no
Estado de São Paulo, evento que tem
como propósito oferecer aos pastores
e obreiros as ferramentas adequadas
para a realização de seus trabalhos
missionários e evangelísticos. O en-
contro acontece no Hotel Nacional
INN, mas um culto para consagração
de pastores também será realizado no
dia 30 de abril às 15 horas, no Grande
Templo da Pompéia (Rua Carlos Vica-
ri, 124 – São Paulo). Para inscrições e
informações sobre hospedagens, o te-
lefone é (11) 2090-1288. Os interessa-
dos também poderão enviar um e-mail
para [email protected].
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P E R C I VA L D E S O U Z A
A terrível perda da fé
“Rubem é culto, erudito, mas equivocou-se e sofreu uma perda terrível
– a perda de fé”
No famoso Eu Acuso,
Émile Zola, escritor
francês, é peremptório:
Mon devoir est de parler, je ne
veux pas être complice. Sinto-me
compelido a repetir, aqui e agora:
Meu dever é falar. Não quero ser
cúmplice.
Não quero acusar, como Zola,
na defesa do militar Dreyfus.
Prefi ro pensar. Essa sensação, um
pouco angustiante, emerge ao ler
uma surpreendente entrevista no
jornal Valor Econômico, em que o
renomado Rubem Alves, teólogo,
fi lósofo e psicanalista, ex-pastor
protestante, afi rma que Deus
é apenas uma nostalgia. Autor
de mais de 100 livros, ideias
fascinantes para seminaristas
e pastores que se acham “de
vanguarda”, Alves estrutura seu
pensamento detonador na tragédia
fl uminense, nas inundações e
desabamentos que ceifaram
centenas de vidas na região
serrana do Rio de Janeiro. Diz o
ex-pastor: “Não estou com raiva
de Deus, porque Ele não existe. Se
existisse, ia fazer alguma coisa”.
E desafi a: “Se é onipotente,
onisciente e onipresente, por que
nada fez? Estava dormindo?” A
autora da entrevista, a espantada
Marília de Camargo César, tentou
em vão a defesa do Altíssimo:
Alves não estaria mirando o
alvo errado? Não são os seres
humanos os responsáveis pela
tragédia, por causa de decisões
erradas? Mas Rubem prosseguiu,
tão implacável que o galo nem
precisou cantar: “Se Deus amasse
realmente o mundo, tomaria uma
providência. Em primeiro lugar, ele
mataria as pessoas certas. Ele está
com a pontaria péssima – se fosse
meu empregado, já estaria demitido
há muito tempo – e incompetência
administrativa”.
O nosso nostálgico – porque
evoca apenas uma lembrança – leva
o nome de um dos irmãos de José,
que sugeriu colocá-lo numa cisterna
para livrá-lo da morte, antes da
decisão de vendê-lo por vinte siclos
de prata para uma caravana de
ismaelitas que vinha de Gileade em
direção ao Egito. Leio na entrevista
que Alves enfrentou um ano de 2010
difícil. Graves problemas de saúde.
A matéria assinala: “Nem todo
esse sofrimento fez com que ele se
voltasse para o Deus dos cristãos,
que um dia seguiu”. Tolstoi, autor
de Guerra e Paz, recomendou: “Vai
ao lugar que desconheces e traze-
me o que não sabes”. Não parece
Provérbios 25.2? Vale lembrar:
Leon Tolstoi, o escritor, considerado
“o maior de todos os tempos”
(The Guardian), rompeu com as
estruturas ofi ciais da Igreja Ortodoxa
e, deslumbrado com o Sermão da
Montanha, tornou-se semeador dos
ensinos de Cristo.
Talvez o antropólogo Roberto
DaMatta possa ajudar Rubem:
“Os fl agelos subtraem a nossa
onipotência tecnocientífi ca e nos
nivelam às humanidades ditas
primitivas, atrasadas ou arcaicas”.
Mais: “Deixamos de ordenar o
mundo humanamente, não quando
abrimos mão do que não podemos
controlar, mas quando deixamos
de lado o que é nossa obrigação:
prevenir”. Sabemos que é assim,
como já foi revelado em estudo da
ONU sobre desastres no mundo:
populações sujeitas a riscos similares
em gravidade sofrem danos
signifi cativamente mais graves e
extensos se morarem em países
pobres e com governos corruptos e
inefi cientes. Devo, por isso, chamar
Rubem de ex-irmão? Ou irmão
separado, como eram designados os
primeiros protestantes? Não. Rubem
é culto, erudito, mas equivocou-
se e sofreu uma perda terrível – a
perda de fé. Está precisando da
ajuda de quem sabe, vive e sente
que Deus não é mera lembrança ou
nostalgia – é a concretude que nos
faz meditar profundamente porque
sabemos em quem temos crido,
como diz a Palavra, que – e disso
Rubem aprendeu e já ensinou muito
bem – sempre aponta caminhos,
rumos e direções.
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