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DAYSE MARA DA PAZ FIGUEIRA
TOMÁS DE AQUINO
A MORTE DO CORPO E A IMORTALIDADE DA ALMA
ORIENTADOR: Prof. Dr. Paulo Faitanin
Niterói
2018
DAYSE MARA DA PAZ FIGUEIRA
TOMÁS DE AQUINO
A morte do corpo e a imortalidade da alma
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel e
Licenciado em Filosofia.
Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
Prof.Dr. Paulo Faitanin UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Prof.Dr. Antônio Serra UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Prof.Dr.Luís Antônio Cunha Ribeiro UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Niterói
2018
D111t Da Paz Figueira, Dayse Mara
Tomás de Aquino : A morte do corpo e a imortalidade da alma
/ Dayse Mara Da Paz Figueira ; Paulo Sérgio Faitanin,
orientador. Niterói, 2018.
32 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Filosofia
(Bacharelado/Licenciatura))-Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2018.
1. Morte. 2. Alma. 3. Produção intelectual. I. Faitanin,
Paulo Sérgio, orientador. II. Universidade Federal
Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III.
Título.
CDD -
Ficha catalográfica automática - SDC/BCG
Gerada com informações fornecidas pelo autor
Bibliotecária responsável: Thiago Santos de Assis - CRB7/6164
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente a minha mãe Marta da Paz Figueira, diarista e faxineira que
impedida de frequentar as salas de aulas pelas adversidades da vida sempre me incentivou a
estudar. Há alguns anos seu corpo físico já não está entre nós, mas suas orientações continuam
vivas em meu ser. Consegui mãe!
Aos meus filhos Nathália Figueira da Silva, Arthur Figueira da Silva e Jorge Petrucci
Junior pelo incentivo e a alegria com que recebiam minhas vitórias.
Às minhas netas Ana Paula Figueira Nascimento e Elena Figueira Nascimento, os
anjinhos da minha vida.
Aos meus genros, Paulo Nascimento e Marcelo Casanova Vargas pelo carinho.
Ao professor e orientador Dr. Paulo Faitanin, pelas belas aulas de Filosofia Medieval,
pela amizade, pela dedicação, pelo acompanhamento e esclarecimentos ao longo de toda
minha graduação. Minha eterna gratidão.
Ao professore Antônio Serra a qual tive o prazer de cursar uma disciplina que foi
memorável, pena que em seguida ele se aposentou.
Ao professor Luís Antônio Ribeiro pelas aulas de Spinoza, pela atenção e orientações
quando estava à frente da Coordenação do Curso de Filosofia.
A todos os alunos e amigos do Curso de Filosofia desta Universidade.
RESUMO
O objetivo deste Trabalho de Conclusão de Curso é apresentar o conceito de morte
em Tomás de Aquino (1225-1274), filósofo e teólogo da Escolástica, a partir de sua
obra Suma Teológica. Para o tema a Imortalidade da alma, será feito um resumo do
livro que tem por título o mesmo tema em questão - A imortalidade da alma. O trabalho
será composto de dois capítulos e subtítulos para melhor entendimento da vida, obra e
pensamento de Tomás de Aquino sobre o tema a ser abordado. O TCC pretende,
portanto, apenas apresentar os conceitos de morte do corpo e de imortalidade da alma. Não
se pretende fazer uma exposição histórica, das influências clássicas gregas e latinas na
construção do pensamento de Tomás, mas propor uma apresentação teórica e resumida do
tema em Tomás, para que se entenda a importância do pensamento do aquinate ao propor
a relação do corpo (forma) e da alma (substancia) como indivisível, acrescentando a este
pensamento que a morte natural (corrupção do corpo) é um processo natural, necessário. O
TCC será dividido em dois capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “A vida e a obra de
Tomás de Aquino” será feita uma breve exposição sobre a vida e a obra do Aquinate.
Dividido em 3 (três) subtítulo. Primeiro: “Tomás de Aquino - Vida e Obra” será uma
exposição da vida dedicada ao intenso trabalho de magistrado e a elaboração das suas
obras literárias; o segundo dedicado “A Suma Teológica”, um dos maiores clássicos de todos
os tempos; por descrever a relação de Deus com o mundo e os seres na face da terra. O
terceiro subtítulo será sobre o “Corpo e a Alma”, em que se fará uma breve introdução à
obra e ao tema, situando o leitor quanto às questões expostas anteriormente sobre o
pensamento vigente em relação ao corpo e a alma. O segundo capítulo, intitulado “A
morte do corpo e a imortalidade da alma” será composto de 2 (dois) subtítulos. O
primeiro subtítulo, “a morte do corpo”, tem por objetivo compreender porque a morte do
corpo é natural e essencial conforme o pensamento tomasiano. O segundo subtítulo,
“A imortalidade da alma”, tem por objetivo procurar entender quais são os
argumentos que viabilizam e dão sustentabilidade à tese, segundo a qual, o ocorre a morte
do corpo físico e a alma permanece.
Palavras chaves: São Tomás de Aquino, corpo, morte, alma, imortalidade
SUMMARY
The purpose of this Course Conclusion Paper is to present the concept of death in Thomas Aquinas
(1225-1274), a philosopher and theologian of Scholasticism, based on his Summa Theological study.
For the subject of Immortality of the soul, a summary will be made of the book that has as its title
the same theme in question - The immortality of the soul. The work will be composed of two
chapters and subtitles for a better understanding of the life, work and thought of Thomas Aquinas on
the subject to be approached. The Course Conclusion work therefore intends only to present the
concepts of death of the body and of immortality of the soul. It is not intended to make a historical
exposition of the classical Greek and Latin influences in the construction of Thomas's thought, but to
propose a theoretical and summarized presentation of the theme in Thomas, so that one understands
the importance of Aquinas's thought in proposing the relation of the body form) and the soul
(substance) as indivisible, adding to this thought that natural death (corruption of the body) is a
natural, necessary process. The CBT will be divided into two chapters. In the first chapter entitled
"The Life and Work of Thomas Aquinas" a brief exposition will be given on the life and work of
Aquinas. Divided into 3 (three) subtitle. First: "Thomas Aquinas - Life and Work" will be an
exposition of life dedicated to the intense work of magistrate and the elaboration of his literary
works; the second dedicated "The Theological Sum", one of the greatest classics of all time; for
describing God's relationship with the world and beings on the face of the earth. The third subtitle
will be "Body and Soul," in which a brief introduction to the work and theme will be made, situating
the reader on the issues discussed above regarding current thinking about body and soul. The second
chapter, entitled "The death of the body and the immortality of the soul" will be composed of two (2)
subheadings. The first subtitle, "the death of the body," is intended to understand why the death of
the body is natural and essential according to the tomasian thought. The second subtitle, "The
Immortality of the Soul," aims to understand what arguments are feasible and give sustainability to
the thesis, according to which, the death of the physical body occurs and the soul remains.
Key words: St. Thomas Aquinas, body, death, soul, immortality
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 07
1- TOMÁS DE AQUINO
1.1 Tomás Aquino Vida e obra ............................................................................................. 09
1.2 A Suma Teológica ........................................................................................................... 16
1.3 Corpo e Alma ................................................................................................................. 18
2- A MORTE DO CORPO E A IMORTALIDADE DA ALMA
2.1 A morte do corpo ............................................................................................................20
2.2 A imortalidade da Alma.................................................................................................26
CONCLUSÃO ................................................................................................................ .....29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 32
8
8
INTRODUÇÃO
Desde a Grécia Antiga o tema da relação entre corpo e alma apresentava uma certa
complexidade, tendo em vista que ao referir-se ao corpo tornava-se imprescindível referir-se à alma.
Alguns filósofos do período grego, como Platão e Aristóteles e, até do período latino, como Santo
Agostinho, compartilhavam a certeza de uma alma imortal; a grande questão era encontrar um
argumento racional que pudesse justificar essa relação como indivisível e não como dualidade, ou
seja, havia uma crença que a alma estava aprisionada no corpo e sua liberdade se dava com a morte
do corpo.
Com a morte do corpo a questão era: a alma permanece? Segundo Tomás, seguindo a tradição de
Platão, Aristóteles e Agostinho, afirma que a alma é imortal. Será partindo dessa afirmativa, que este
estudo buscará compreender, à luz da referida obra, saber como se orquestra essa relação de
morte do corpo e a imortalidade da alma.
Sob a influência daqueles autores, especialmente a de Santo Agostinho, Tomás de Aquino
analisa e refuta a tese de uma relação de oposição entre corpo e alma, ou seja como duas substâncias
opostas, mas unidas por razões distintas, em que a relação entre corpo e alma era vista como posição
dualista, ao dizer que aquele é uma substância material e a alma é uma substancia imaterial, com
ênfase na desvalorização do corpo. Tomás de Aquino, partindo da teoria de Aristóteles, com
elementos da filosofia platônica e agostiniana, constrói um pensamento em que concilia razão
e fé, propõe uma resposta igualmente conciliadora desta relação entre corpo e alma: corpo e alma
não são substâncias que se opõem nem se unem por violência e sua união substancial é indivisível
por causa da alma imortal que permanece. Tomás apresenta um pensamento inovador que ecoou
para além dos muros da Universidade de Paris e dos conventos medievais, tornando se atual e
presente na área cultural, intelectual e acadêmica.
A morte para muitas pessoas distantes dos círculos acadêmicos, longe das leituras e que não
manifestam interesse por esse tema, é justificada pela vontade de Deus. Durante muito tempo essa
resposta causava no meu ser certo incomodo. Falar sobre a morte é um tabu; não saber explicar a
morte é um sentimento compartilhado por muitas pessoas oriundas das classes humildes. A
falta de resposta cria um vazio. Mas não é qualquer resposta que se procura. A resposta apenas da
fé fica sem sentido; dá medo.
9
A resposta da ciência é terrível, tudo acaba. A relação morte e alma era, e ainda é, uma relação que
precisa ser compreendida por argumentos racionais aliados à luz da fé indo ao encontro de algumas
pessoas na atualidade.
Pessoas que carecem compreender que a morte tem uma função essencial. Que a corrupção
do corpo significa o fim do ser e da vida no corpo, mas não o fim do ser e da vida. Ou seja, se para as
ciências a última fase do ciclo humano de vida termina com a morte, para Tomás de Aquino, um dos
maiores pensadores, é uma nova etapa de vida, pois ele defende a existência de uma alma humana
imortal. Ele não utilizou palavras vazias para explicar temas complexos, mas os colocou
ancorados na filosofia aristotélica, que contribui amplamente para o avanço das ciências. por seu
caráter, observador, metódico e lógico.
Então, por que morremos? Temos uma alma imortal? Pode uma alma imortal estar em um
corpo mortal? Essas são algumas questões que esse trabalho pretende apresentar e compreender a
partir do pensamento de Tomás de Aquino, que conciliando Fé e Razão; e do modo como dispõe
os temas (questões disputadas) que facilita o entendimento por apresentar questões contra e a
favor do tema em questão; da sua grande importância para a atualidade, em diversas áreas do
conhecimento humano.
10
CAPÍTULO I: TOMÁS DE AQUINO
1.1 VIDA E OBRA
Tomás de Aquino nasceu no ano de 1225. Filho de Landolfo e Teodora, uma família
nobre da Lombardia, que morava no Castelo de Roccasecca, Condado de Aquino- Reino da
Sicilia.
Quando Tomás completou 5 anos de idade, os pais o enviaram para Montecassino,
onde estava localizado o conceituado Mosteiro Beneditino, para ser iniciado na vida
monástica, no aprendizado da leitura e escrita. Nove anos depois, o abade de Montecassino,
orienta os pais a enviá-lo à Nápoles, para dar continuidade aos estudos que havia sido
interrompido por questões políticas e religiosas. No ano 1239, o jovem Tomás, há época
com 14 anos, é enviado à Nápoles para dar continuidade aos estudos no Studium Generale de
Nápoles, onde será introduzido ao conhecimento de arte e filosofia. Quando a família envia
Tomás para estudar em Nápoles, a intenção, é que ao retornar para Montecassino, ele viesse a
ocupar o cargo de abade, posição de muito prestigio social. Durante o período que viveu em
Nápoles, Tomás conheceu os dominicanos, que pertenciam à Ordem dos Pregadores, fundada
por São Domingos Gusmão. Gradativamente, a vocação de Tomás de Aquino pela vida
dominicana foi se estreitando tanto, que em abril de 1244, quase 5 anos depois da sua chegada
a cidade, recebeu o hábito dominicano. Preocupados com a reação da família do novo
dominicano, os frades o levam para Roma e depois Bolonha. Teodora quando soube do
ocorrido, reuni os outros filhos e organizar um plano para trazer o filho mais novo ao Castelo
da família para demovê-lo da ideia de ser um mendicante. Os irmãos se lançam na estrada e
conseguem capturá-lo à beira do caminho. Um mês havia transcorrido desde que receberá o
hábito. O aquinate apesar do porte grande segue com os irmãos sem oferecer resistência.
Consternados com a situação imposta a Tomás, os frades dominicanos se queixam ante as
autoridades religiosas e civis, com insucesso. Tomás então é conduzido para Torre do Castelo
de Roccasecca onde é impedido1 a não sair por mais de um ano
2.
Durante esse período de confinamento forçado, a família tentou por inúmeras vezes
demovê-lo da ideia de ser um mendicante. Todas as tentativas resultaram em fracasso.
1- Para TORRELL, J.-P. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Trad. L.P. Rouanet. São Paulo: Loyola, 1999, pp13
“Tratava-se mais de uma residência forçada que um aprisionamento.” 2-Tomás ficou preso na Torre do Castelo de maio ou junho de 1244 a julho de 124
11
Tomás continuava firme em seus propósitos. Sua imensa sabedoria o levou a
aproveitar o momento de reclusão para dedicar-se a oração, à leitura da bíblia e a estudar as
obras de Aristóteles. Da oração aos estudos e dos estudos a oração, em busca da verdade,
Tomás desenvolveu um profundo estado de graça divinal “cultivando uma ordenada e natural
via de investigação da verdade”3 que irá germinar na síntese entre o pensamento aristotélico e
o cristianismo. É desse período “o estabelecimento do seu plano de vida espiritual e de
estudos, que lhe valeu por toda sua vida” (ibid)4.
O tempo passa e a família percebe que a vocação e a fé estão cada vez mais evidentes.
Cansados pela paciência e perseverança do aquinate, eles vão tentar o último estratagema;
introduzir uma moça no aposento de Tomás para o instiga e o afastar da graça. E assim foi
feito. A moça foi introduzida nos aposentos do jovem que, ao perceber a presença dela pega
um graveto com fogo e desenha o sinal da cruz na parede. A moça corre assustada, enquanto
ele se põe a orar. Diante da postura do jovem a família percebe que não há mais nada a fazer e
portanto, não podem mais mantê-lo enclausurado. Os frades dominicanos têm à permissão da
família para retirar Tomás do Castelo. Os frades retiram Tomás do castelo e seguem com ele
para Nápoles e depois para Roma. Deste lugar, Tomas é enviado à Paris5 para prosseguir com
os estudos. Na Faculdade, conhece seu Tutor Alberto Magno, que percebendo o gênio do seu
discípulo foi aos poucos o encarregando de trabalhos cada vez mais exigentes. Tomás
desempenhou suas atividades com dedicação e sempre compenetrado. Certa vez, estando ele
no exercício das suas funções um grupo de estudantes gritaram: “Frei Tomas! Frei Tomás,
veja um boi voando!’ Tomás levanta e caminha sereno e tranquilo até a janela; ergue os olhos
para os céus em busca do animal. Um dos frades que estava rindo, olha para ele e diz: Como
podes acreditar em um boi voando? Tomás olha para ele e responde com imensa sabedoria: E
mais fácil um boi voar do que um frade mentir. E sob o olhar dos jovens retorna a mesa para
dar continuidade ao que estava fazendo.
____________________
3- FAITANIN, Paulo. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011 p.11
4- FAITANIN, PAULO. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011 p.11
5- FAITANIN, Paulo. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011 p.11
12
Quando Alberto Magno teve que partir para Colônia6, levou Tomás para ensinar
7 a
Bíblia e as Sentenças de Pedro Lombardo. Em Colônia, Tomás ficava horas a ruminar as
palavras em estado de reflexão, trazendo no semblante um olhar vago. Essa postura lhe
valeu o apelido de ‘boi mudo da Sicília’. Alberto Magno, quando soube do apelido do
Aquinate disse aos frades que um dia eles ainda ouviriam o mugido do boi. A história8 sobre
a vida do aquinate demonstra que apesar de viver no período do medievo seu pensamento e
ações eram concernente à época atual. No período do medievo as mulheres eram proibidas de
frequentar a feira. Tomás um dia, presenciou um homem bater em uma mulher e, ao separar a
briga, sem querer machucou o sujeito que foi reclamar no convento, custando ao beneditino
uma retaliação. O aquinate não fazia distinção entre homens e mulheres. O que importava
para ele era a pessoa em si, o próprio sujeito que é substância individual de natureza racional.
O amor que nutria pelas pessoas se estendia a preocupação de professor, aumentando a
responsabilidade pela sua função de docente. Por tal motivo se dedicava arduamente aos
estudos e todos os dias, pela manhã, orava e chorava a ponto de intrigar quem o via. Ao ser
abordado ele disse que tinha medo de ensinar errado8. Quando foi ordenado sacerdote em
Colônia, ele celebrava as missas, envolto em uma áurea de profunda contemplação e
vivacidade.
Em 1252, Tomás retorna a Paris, pois Alberto Magno o havia indicado para lecionar
Teologia. Mas Tomás não podia exercer a função de docente pois não tinha idade necessária,
que era de 29 anos - estava com dois anos a menos. Américo, chanceler da Universidade de
Paris concede a Tomás de Aquino a autorização para ministrar as aulas de Teologia.
Enquanto leciona, Tomás se prepara para se tornar Mestre em Sagrada Escrituras e
dedica seu tempo a orar, ensinar, pensar e escrever. Entre tantas atribuições concebe dois
opúsculos: De ente et essentia e de Principiis Naturae. No primeiro semestre de 1256, o
6- FAITANIN, Paulo. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011 p.11 Em 29 de junho de 1248 Alberto Magno
levou Tomás para Colônia e este, permaneceu no local até o ano de 1252.
7- AQUINO, Tomás de. A imortalidade da alma e A razão superior e inferior/ Tomás de Aquino; pag. 17
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga – Campinas, SP:Eclesie 2017 - Durante a Escolástica,
sobremaneira nas universidades do século XII, os professores, para desempenho de suas atividades acadêmicas,
compunham, mediante exaustiva pesquisa , suas obras para serem lidas e analisadas em suas aulas, no exercício
da docência.
8- Anotações das aulas de Filofia Medieval IV do professor Paulo Faitanin, no dia 21 de setembro de 2016.
13
Papa Alexandre IV louva licença concedida pelo chanceler Aimerico a Tomás para lecionar.
No final de 1256, o aquinate apresenta sua aula inaugural, obtendo o titulo de Mestre em
Sagrada Escrituras. Entre os anos de 1257 a 1259, escreve as Quaestiones disputatae de
veritate e comentou o De Trinitate de Boécio e outros opúsculos. Retorna à Itália no final do
ano de 1259, por causa de uma polêmica relacionada à sua ordem.
No ano seguinte é nomeado pregador geral da província de Romana da sua ordem e
permanece na cidade de Nápoles até 1261. Durante esse período escreveu o opúsculo Contra
impugnantes Dei e a obra Suma Contra Gentiles, a qual defende a vida religiosa. Nesse ano,
Urbano IV é eleito Papa e reuni um “seleto grupo de homens da ciência”9 em Orvieto entre os
quais estava Tomás que foi nomeado leitor no convento da cidade. Nesse período em Orvieto,
houve uma intensa produção literária.
Tomás era requisitado para resolver conflitos, amigáveis ou não. Atuou na produção
de obras em respostas as medidas oficiais para a resolução do caso. Nesse campo, o aquinate
se destacou por sua competência estabelecendo as primeiras bases do humanismo.
Acrescenta-se também a esse período, segundo os comentários10
aos livros de Jó que
possui uma natureza escolástica e teológica, sem deixar de lado as questões mais
fundamentais da a existência humana, que está relacionado a antropologia filosófica. Soma-se
aos feitos o ensino de Teologia Moral e na Pastoral da confissão aos novos frades
dominicanos.
Durante esse período de ensino, Tomás percebe a lacuna que havia na formação dos
frades dominicanos e fará uso, dessa percepção para dar inicio a um dos seus maiores
projetos: a Suma Teológica.
“É possível que Tomás, tenha aproveitado essa época de ensino de moral pastoral para
lançar as primeiras bases do que mais tarde ele retornara,..que também se deu conta do
caráter parcial e lacunar dessa formação casuística dos pregadores dominicanos...Tomás
por certo se lembrará dessa experiência de Orvieto quando iniciar a Suma de Teologia,
alguns anos mais tarde”11
9- FAITANIN, Paulo. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011
10- TORRELL, J.-P. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra. Tradução de Luiz Paulo
Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p.140
11- TORRELL, J.-P. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra. Tradução de Luiz Paulo
Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p.140
14
A pedido do Papa Urbano IV, Tomás compõe o oficio litúrgico e institui o Corpo
Christis. Sua fama se expande, na mesma intensidade em que é solicitado a vários lugares da
Europa para resolver “As questões Disputadas”. As caminhadas do aquinate chegavam a
durar mais de uma semana.
Em 1264, com a morte do Papa Urbano IV, Tomás funda um studium dominicano.
Constantemente, Tomás estudava e orava sendo encontrado muitas vezes em lágrimas e, em
estado contemplativo. Sua fama de santidade começa a expandir.
Entre os anos de 1265 e 1268, permanece em Roma como Mestre Regente e fica no
convento de Santa Sabina, onde escreveu De Potentia Dei, Compendium Theologiae, De
regno, Sententia Libri De anima e, iniciou umas das maiores obras, a Suma Teológica. No
outono de 1268, retorna a Paris para lecionar e defender os opúsculos De aeternitate mundi e
o De unitate intellectus que estavam sendo causa da inquietude de alguns professores. Deu
consultas e produziu as obras, Lectura super Ioannem, De malo e Quodlibetales e outra
pequenas. As principais obras de Aristóteles que haviam sido traduzidas do grego para o
latim, por Guilherme de Moerbek, foram comentadas pelo aquinate nesse período.
No ano de 1272, viajou para Nápoles para promover cursos sobre os Salmos e dar
aulas sobre as epístolas paulinas dando “continuidade à III parte da Suma Teológica. A
dedicação de Tomás as orações noturnas e os trabalhos intermitentes durante o dia começam a
esmorecer seu corpo. “Vinte anos de intenso trabalho diário, com boa parte da noite
dedicada à oração, davam mostras de tê-lo cansado.”12
Em Roma, 1273, ao celebrar uma missa na capela de São Nicolau, Tomás passou por
grande transformação após uma experiência mística. Diante do ocorrido, o Aquinate
interromper suas atividades de escrita. “Perguntado por seu secretário e amigo Reginaldo de
Piperno por que abandonará a sua obra, o Aquinate simplesmente respondeu: “Não posso
mais, pois em comparação com o que me foi revelado, tudo o que escrevi parece-me palha”.13
_____________________
12- FAITANIN, Paulo. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011
13- FAITANIN Paulo. Introdução ao Tomismo: Tomás, o Tomismo & os Tomistas: uma breve apresentação.
Cadernos da Aquinate, n. 11, Niterói: Instituto Aquinate, 2011
15
Após o ocorrido, Tomás se guarda em profundo silêncio contemplativo até que o Papa
Gregório X o convoca para o II Concílio de Lião, que seria realizado na cidade de Nápoles.
No percurso para Nápoles Tomás sofre um acidente. Com o corpo debilitado e o acidente, sua
saúde se agrava impossibilitando o de seguir viagem. É levado para o Mosteiro de
Fossanova onde fica hospedado.
No dia sete de março de 1274, aos 49 anos de idade, nas primeiras horas da manhã,
Tomás de Aquino morre. O angelicó como era chamado, foi sepultado no Mosteiro de
Fossanova.
Três anos depois da sua morte, Egidio Romano e Alberto Magno defenderam Tomás
quando o Bispo Estevão, condenou 219 teses dentre as quais algumas eram atribuídas
erroneamente ao aquinate.
O processo de reconhecimento da sabedoria, santidade e canonização de Tomás
ocorreu quase cinquenta anos após sua morte. Na cidade de Avinhão, em 18 de julho de
1323 que o Papa João XXII o canonizou o angélico proclamando o santo com a bula
Redemptionem misit.
Em 1369, o corpo de Tomás foi transladado de Fossanova para Toulose no dia 28 de
janeiro. No ano seguinte, no dia 18 de julho, o Papa Urbano V, com a bula Laudabilis Deus,
agradece aos dominicanos pelo translado do corpo do aquinate e que as relíquias de Santo
Tomás fossem guardadas.
No dia 11 de abril de 1557, São Pio V com a bula Mirabilis Deus, proclama Tomás de
Aquino “Doutor da Igreja” O Papa Leão XIII, em 04 de agosto de 1879, estabelece o estudo
da Filosofia de Tomás de Aquino com a Encíclica Aeterni Patris. Um ano depois, no dia 04
de agosto com a Carta Apostólica breve Cum Hoc Sit, declarou Tomás patrono dos estudos,
das escolas e de todos os estudantes.
Na segunda metade do século XX, no centenário da morte de Tomás de Aquino, o
Papa Paulo VI o declara “Luz da Igreja” com a Carta Apostólica Lumem Eclesiae.
No ano de 1914, a sabedoria de Tomás de Aquino continua sendo reconhecida, desta
vez pelo Papa Pio XI.
O Código de Direito Canônico de 1983, considerou as obras de Tomás como fonte
segura para aqueles que aspiram a verdade.
Em 1998, com a chegada do novo Milênio, o papa João Paulo II, recordar Tomás de
Aquino como modelo conciliação entre fé e razão, com a encíclica Fides Et Ratio, e lhe
atribui o título de ‘Doctor Humanitatis’.
16
Um ano antes, o Catecismo da Igreja Católica cita o aquinate em mais de 62 em
questões morais, dogmáticas e em Cristologia. Em 2010, o Papa Bento XVI, durantes as
audiências gerais dedicam três Catequeses a Tomás para em seguida ratificar e perpetuar as
doutrinas do Aquinate. Tomás de Aquino é reverenciado por sua santidade e pelo legado dos
seus escritos sendo considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos.
1.2 A SUMA TEOLÓGICA
“Uma vez que o doutor da igreja católica deve não só ensinar aos mais adiantados, mas
instruir também os iniciantes...nossa intenção é, portanto expor o que concerne a religião
cristã segundo o modo que convém a formação dos iniciantes.”12
Entre os anos de 1265 e 1273, Tomás de Aquino escreveu uma das maiores obras da
escolástica medieval, definida pelo Papa Pio XI como “o céu visto da terra”13
por descrever
racionalmente a relação de Deus com o mundo e os seres.
Quando Tomás foi ensinar para os jovens dominicanos no convento de Orvieto14
,
percebeu que os manuais de estudos de Filosofia e Teologia escritos pelos primeiros
dominicanos nos anos anteriores, forneciam uma visão parcial e estreita dos temas abordados
dificultando o entendimento e/ou tornando o assunto exaustivo e desinteressante. Percebendo
essa lacuna, Tomás inicia seu maior projeto, um livro para estudo que inova por duas
características: a linguagem e a metodologia.
A Suma Teológica descortina assuntos complexos apresentando em sua escrita uma
linguagem simples, clara e objetiva que conduz a compreensão e assimilação dos temas em
questão. Em relação a metodologia utilizada é a das questões disputadas15
- muito em voga
nas universidades medievais, Escolástica - que consistia em submeter um tema à argumentos
contra (send contra) e ou contra do tema em questão, depois há uma solução e por fim Tomás
propõe uma resposta a cada uma das objeções chegando –se a solução do problema.
12- TORRELL, J.-P. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra. Tradução de Luiz Paulo
Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p.170.
13- In alocução de 12 de dezembro de 1924 no colégio Angelicum de Roma.
14- Página 12.
15- O livro A imortalidade da alma & a Razão Superior e inferior, autoria de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga da Editora Campinas-SP: Ecclesiae, 2017. P.17-19, traz uma explicação resumida sobre as Questões Disputadas
que facilita a compreensão dos iniciantes aos estudos em Tomás de Aquino.
17
Mas o que é a Suma Teológica? Suma é igual a resumo. Teologia é o estudo de Deus
e da sua relação com o homem é o universo, portanto a Suma Teológica é um corpo de
doutrinas teológicas que constitui as bases dogmáticas da igreja católica, escrita com intuito
de promover a assimilação do conhecimento de forma clara e objetiva, sem perder a essência
dos temas abordados.
O livro está dividido em três grandes partes: Prima Pars, Segunda Pars e Tertia Pars.
O primeiro capitulo - Prima Pars, Tomás escreve sobre Deus em sua essência divinal,
como principio e fim de todas as coisas que dele procedem dando um formato metafísico a
essa primeira parte.
O segundo capitulo - Segunda Pars, Tomás fala da moral, no sentido particular e
de um modo geral. Este capitulo é composto por duas partes. Na primeira parte, Tomás a
partir de um conceito geral fala dos atos humanos que são direcionados para a busca da
felicidade a qual, não pode ser alcançada sem as virtudes intelectuais. A felicidade é o fim
último do ser. A segunda parte, fala de uma moral no sentido particular que se detém na
virtude da temperança, da fortaleza e da fé.
No terceiro capitulo – Tertia Pars, o Aquinate vai descrever a relação entre Deus, os
homens, os sacramentos, o corpo de cristo e a igreja e a ligação que ocorre entre eles por
intermédio de Jesus.
A Suma Teológica, foi instituído pelo catolicismo leitura obrigatória para todos
aqueles que estão iniciando a vida nos dogmas da igreja ou para aqueles que almejam buscar
o conhecimento.
1.3 CORPO E ALMA
Um corpo é considerado vivo quando ele tem a capacidade de mover-se por si
mesmo. Se diz que está vivo, pois a vida o movimenta. Os seres que possuem movimento
próprio, tal como os vegetais, os animais e o homem são denominados por Aristóteles de
animados, pois eles são providos de uma substancia que é o princípio da vida, que se chama
alma. A palavra ‘alma’ originado do termo latino é “essência imaterial, capaz de entender,
querer e sentir, que unida ao corpo forma a individualidade, pessoa”16
o que ele especifica
16- FAITANIN, Paulo. Alma: Etimologia, Sentido, Significado e Referencia! Revista Aquinate, nº 03,(2006)
ISSN 336-337
18
como “princípio do movimento, de vida”17
. A alma é a substancia do corpo e, portanto “a
causa da vida”18
que impele o ser à ação (ato).
A alma é a substancia que dá ao corpo a forma que ele tem, ou seja, é ela mesma a
forma do corpo. Sendo assim, a planta tem uma alma vegetal que lhe permite a nutrição, o
crescimento e a reprodução. Os animais têm uma alma que lhes permite a nutrição, o
crescimento, a reprodução e algo a mais que a alma vegetal, que é os sentidos. O homem possui
todos os atributos dos outros seres e, além deles a capacidade de organizar os sentidos pela
razão. Como diz Aristóteles, “Ora, enquanto os outros animais vivem das imagens e recordações,
mas participam pouco da experiência, o gênero humano vive também das artes e dos
raciocínios.”19
Entre todos os seres, o homem é o único que pode conhecer o mundo e a si
mesmo. Aristóteles acrescenta que, “Este parece ser um gênero diferente de alma, e apenas
este pode ser separado, como eterno [...]”20
A alma para o filosofo é uma substância racional que
não tem função corpórea, ou seja, não é um corpo, mas algo que o transcende, por ser de
natureza divina.
Alguns filósofos compartilhavam com Platão, a ideia de uma alma eterna e de
natureza divina. Dentre os quais, Aristóteles do período grego e Santo Agostinho, do período
latino. Mas havia uma questão nessa época latina. O homem era visto com um ser dualista
composto de uma alma divina e um corpo terreno. Para Aristóteles, o corpo era considerado
um instrumento natural da alma. Mas para alguns seguidores de Platão, o corpo era cheio de
vícios, por onde se concebia os prazeres terrenos, sendo imperfeito por sua natureza.
Uma alma divina em um corpo transgressor. Essa crença acabou gerando a visão
do homem como um ser dualista, de uma alma aprisionada ao corpo. E com a morte do corpo,
acreditava-se que a alma conseguia a liberdade. Tomás de Aquino contribuiu para este debate
propondo uma adequada relação entre corpo e alma.
17- FAITANIN, Paulo. Alma: Etimologia, Sentido, Significado e Referencia! Revista Aquinate, nº 03, (2006)
ISSN 336-337. Disponível em www.aquinate.net/artigos
18- FAITANIN, Paulo. Alma: Etimologia, Sentido, Significado e Referencia! Revista Aquinate, nº 03, (2006)
ISSN 336-337. Disponível em www.aquinate.net/artigos
19 - ARISTOTELES – Metafísica. Aquinate, n. 15, (2011), p.160. Edição, tradução e notas Paulo Faitanin. Revista
Aquinate. Disponível em www.aquinate.net/traduções. Para Aristóteles a alma intelectiva do homem é a que o
diferencia dos outros animais.
20- ARISTOTELES – Metafísica. Aquinate, n. 15, (2011), p.160. Edição, tradução e notas Paulo Faitanin. Revista
Aquinate. Disponível em www.aquinate.net/traduções
19
O aquinate também compartilhava do pensamento de Aristóteles, a saber, que a
alma é o movimento da vida, o principio vital do ser vivo. Diferente dos outros filósofos,
Tomás traz um pensamento inovador que tem como base a razão, a lógica e a investigação da
natureza, oriundas da filosofia aristotélica. Contudo, Tomás tem algo a mais que Aristóteles.
Ele fornece explicações racionais para fundamentar os temas mais complexos da natureza
humana que estava em voga naquela época, dentre os quais, a visão do homem com um ser
dualista.
Na historia da criação, Deus formou o homem do barro da terra e inspirou-lhe nas
narinas o sopro da vida e o homem se tornou ser vivente.
Para Tomás de Aquino, não há oposição entre corpo (barro) e alma (oriunda do
sopro divino). O que existe é uma relação dual, em que ambas as parte são substanciais
essências que vai originar o homem, o mais perfeito das criaturas terrenas.
Assim sendo, esse ser possui um corpo que é matéria. Essa, é composta por vários
órgãos, dentre os quais os sensitivos que possibilitam o homem conhecer o mundo. É por
estes órgãos que o corpo vai captar do meio externo as sensações que serão organizadas e
ordenadas pela razão. Para que isso ocorra, diz Tomás de Aquino que “é necessário que
esteja a alma intelectiva unida a um corpo, que possa ser o órgão conveniente dos
sentidos.”21.
O corpo por sua origem e matéria “é necessário para a ação do intelecto [...]”22
; ou
seja, toda a capacidade que o homem tem para compreender a realidade a qual esta inserido,
somente é possível porque há no homem a razão que, “não é um corpo mas depende de um
órgão do corpo no qual ela exista para manifestar sua operação.”23
O corpo precisa da alma para que possa existir como um corpo, pois a alma
organiza toda a complexidade que há no corpo humano, de modo que ele possa desenvolver
as potências (crescer, mover, falar, etc) que há em si.
21- AQUINO, Tomás de. A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino; edição e
tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga . Campinas-SP: Ecclesiae, 2017 pag.
22- AQUINO, Tomás de. Suma Teológica I.q.75 art.2 pag. 615
23- FAITANIN, Paulo. Os sentidos como portas de acesso ao ser, segundo Tomás de Aquino - Revista
Aquinate, ISSN 1808-5733. Disponível em www.aquinate.net/estudos
20
A perfeição do corpo somente é possível por ser a alma uma substancia divina,
que é “primeiro principio de vida no corpo complexo e organizado enquanto nele causa a
vida.”24
A alma é a forma deste corpo que está em potência, sendo ela mesma o ato desta
potência e, sendo esta, uma expressão da própria forma que há no corpo. Não há corpo sem
alma, pois não há corpo sem movimento, a não ser que nele na exista vida.
Portanto, o pensamento da alma como prisioneira do corpo, é dissoluto por Tomás
de Aquino ao demonstrar que não há entre corpo e alma uma relação dualista e sim, dual, que
constituem assim o ser único - o homem.
CAPÍTULO 2: A MORTE DO CORPO E A IMORTALIDADE DA ALMA
2.1 A MORTE DO CORPO
A compreensão do conceito de morte em Tomás de Aquino, terá como referencia, o
capitulo I, questão 85 a.5 e a.6; e o capitulo II, questão 164 a.1, da Suma Teológica. Na
primeira questão Tomás discorre se a morte e as misérias do corpo são efeitos do pecado. No
segundo momento, se a morte foi a pena dos pecados dos nossos primeiros pais. Mas o que
é a morte? Paulo Faitanin escreve:
“Por morte entende-se aqui um tema relacionado à antropologia filosófica que a
estuda como privação da vida no corpo, em razão da expiração do sopro da vida no corpo,
concomitante ou não a um processo natural da sua degeneração ou corrupção, a partir de
uma analise metafísico-teológica- da morte no homem.”25
O corpo através dos órgãos dos sentidos tem por capacidade captar as coisas do
mundo, ou seja, é o medianeiro entre as “cousas tangíveis”. Por isso sua matéria por
necessidade é composta de contrários, e assim sendo, ele é naturalmente corruptível, pois ele
mesmo é a causa da sua corrupção. No corpo se percebe, se sente e sofre as misérias, a morte
não. Esta não pode ser sentida, pois a morte é a privação de todos os sentidos vida.
24- FAITANIN, Paulo. Os sentidos como portas de acesso ao Ser, segundo Tomás de Aquino - Revista
Aquinate, ISSN 1808-5733. Disponível em www.aquinate.net/estudos 25- FAITANIN, Paulo. A morte como fim para um começo sem fim, em Tomás de Aquino- Revista Aquinate,
ISSN 1808-5733, Disponível em www.aquinate.net/artigo
21
Mas porque morremos? Longe dos conceitos científicos, o que se aprende é que a
morte, é um castigo dado ao homem pelo desobediência ao seu criador. Seria a morte um
castigo? Seria a morte um efeito do pecado?
Na questão 85, a. 5 “Se a morte e as outras misérias do corpo são efeitos do pecado.”
Tomás lança três objeções que sustentam que a morte e as misérias não são efeitos do pecado.
Objeção 1 - “causas iguais produzem efeitos iguais”. Todos são herdeiros do pecado
cometido pelos primeiros pais, então as misérias e a morte devem ser iguais para todos. Mas
o que se percebe é que uns sofrem mais que outros, evidenciando uma diferença na
distribuição da pena. Portanto, a morte e as misérias do corpo não são efeitos do pecado.
Objeção 2 - “removida, à causa, removido fica o efeito.” O batismo e a penitência têm
como finalidade a remoção do pecado. Mas o que se percebe é que as misérias e a morte não
são removidas do corpo. Portanto não são efeitos do pecado.
Objeção 3 - “O pecado atual é mais essencialmente pecado que o original”. O pecado
atual é algo que viola a Lei de Deus no pensamento, no desejo, palavras e ações. Quando
homem pratica esses atos, ele não altera a natureza do seu corpo, como aconteceu com o
pecado original. Portanto não são efeitos do pecado.
Sed contra, Tomás introduz um argumento contrário, do Apostolo que diz “(Rm 5, 12):
por um homem entrou o pecado neste mundo e pelo pecado, a morte.” Como resolver essa
questão?
Tomás aponta uma Solução. Ele explica que uma causa pode produzir efeito de dois
modos: essencial e acidental. Essencial é quando a causa se produz em “virtude da sua
natureza ou forma” onde o efeito da causa é em si mesmo e conclui que, como “a morte e as
outras misérias do corpo estão fora da intenção do pecador, é manifesto que o pecado não é,
em si mesmo, causas dessas misérias.” Para explicar o efeito acidental, Tomás utiliza um
exemplo de Aristóteles. Uma coluna com uma pedra sobreposta é empurrada e, sendo
empurrada a coluna a pedra que lhe estava sobreposta é removida acidentalmente. Igualmente
o pecado do primeiro pai é causa da morte e de todas as misérias dos homens em sua natureza
humana. Pelo pecado cometido pelo primeiros pais, houve a perda da justiça original, que
“lesou a alma, pela desordem das potencias.” O corpo se tornou corruptível pela desordem do
próprio corpo. A pena dada ao homem foi a perda da justiça original e da graça. Com a
perda da justiça original vieram todas as consequências do pecado original, as misérias e a
morte do corpo.
22
Depois de apresentar a solução, Tomás responde às questões, que afirmam que às
misérias e a morte não são efeitos do pecado.
Resposta à primeira objeção: “causas iguais produzem efeitos iguais” Tomás responde
em relação a essência que: causas iguais essenciais produzem por si mesmo efeitos iguais. E
aumentada ou diminuída a causa também haverá aumento ou diminuição do efeito. Em
relação a igualdade das coisas, Tomás retoma o exemplo usado da coluna. Mas desta vez,
utiliza duas colunas. Ele explica que quando as duas colunas são derrubas, com a mesma força
de impulso, as pedras que estão sobre elas, caíram diferentes. A que for mais pesada vai cair
mais rápido, por causa do seu tamanho e forma, “ficando abandonada a si mesma”. Com a
perda da justiça original a “natureza do corpo humano” ficou abandonado por si mesmo. E
abandonado por si mesmo, cada corpo, segundo sua própria “compleição natural” ficou
sujeito a maiores ou menores misérias de acordo com sua constituição física, mesmo que o
pecado original afete a todos de forma igual.
Resposta à segunda objeção, Tomás utiliza o que diz o Apóstolo, em Romanos 8,11 que
diz: “dará vida aos vossos corpos mortais, pelo Espírito, que habita em vós.” E faz uma
observação, que essas coisas se “realizarão em tempo oportuno, segundo a ordem da divina
sabedoria” e complementa, que um dia haveremos de “chegar à imortalidade começada em
Cristo” Mas antes de alcançar a gloria, e necessário que o homem nesta vida, participe dos
sofrimentos, “conforme Cristo” para que seu corpo mereça a impassibilidade de gloria.
Resposta à terceira objeção: Tomás diz que no pecado atual, dois elementos devem ser
considerados, a substância do ato e a culpa. O ato pode causar misérias no corpo e cita como
exemplo as pessoas que por comer demais acabam morrendo. A culpa, segundo o aquinate
nos priva da graça que nos é dada para “retificar os atos da alma” e não impedir as misérias do
corpo como fazia a justiça original. O pecado atual não causa, como o pecado original essas
misérias.
No artigo 6, Tomás lança três objeções em relação a matéria e mais três objeções em
relação a forma para no final dar a solução se a morte e as demais misérias do corpo são
naturais ao homem.
O sexto discute-se assim. – Parece que a morte e as demais misérias do corpo são naturais ao
homem.
Objeção 1 - O “corruptível difere genericamente do incorruptível”. Se o homem e os
brutos são do mesmo gênero , então ambos são naturalmente corruptíveis. Logo, o homem
também é corruptível.
23
Objeção 2- “Tudo que é composto de princípios contrários é corruptível” e
complementa, “quase tendo em si mesmo a causa da corrupção”. O corpo humano é assim.
Logo, ele é naturalmente corruptível.
Objeção 3- “O quente naturalmente consome o úmido”. A vida é conservada pelo
calor e pela umidade. Como as operações vitais do corpo se exercem pelo ato do calor
natural, como diz Aristóteles , resulta que a morte e as demais misérias do corpo são naturais
ao homem.
Mas em contrário. Diz Tomás – Objeção 1. “Tudo que é natural ao homem foi Deus
quem fez”. Mas na escritura em (Sb 1.3) diz que Deus não fez a morte. Logo ela não é
natural ao homem.
Objeção 2- Tomás diz que “Conforme a natureza” a todo ser é conveniente o que lhe é
natural. A morte e as demais misérias do corpo são pena do pecado original, como ele já havia
dito anteriormente no artigo 5. Logo são naturais ao homem.
Objeção 3- “A matéria se proporciona a forma, e a todas as coisas ao seu fim”. O fim
do homem, como diz Tomás é a beatitude perpetua. A forma do corpo humano é a alma
racional que é incorruptível. Logo o corpo humano é naturalmente incorruptível.
Solução. Tomás diz que de dois modos se pode considerar um ser corruptível. Em
relação a natureza universal e a particular. Em relação a natureza particular “é a virtude
ativa e conservativa do próprio ser”. Sendo assim, diz Aristóteles, toda corrupção e
deficiência é contra a natureza; pois, a virtude referida busca a existência e a conservação do
ser a que pertence.
Em relação à natureza universal, Tomás diz que é a virtude ativa que existe num
principio universal da natureza. Tomás cita como exemplo, que “em alguns corpos celestes
ou em alguma substancia superior, leva a certos darem Deus a denominação de natureza
naturante”. Essa virtude, que é principio universal da natureza, busca o bem e a conservação
do universo. Sendo assim, “as corrupções e as deficiências dose seres são naturais”; mas não
pela inclinação da “forma que é principio de existência e da perfeição; mas pela matéria que é
atribuída proporcionalmente a uma determinada forma”. O aquinate complementa, dizendo
que isso se dá “conforme à distribuição do agente universal.”
Tomás diz que toda forma tende a perdurar no ser, o quanto possível perpetuamente,
contudo, diz ele, que nenhuma forma de ser corruptível pode conseguir a perpetuidade de
existência. Com exceção da alma racional, “por não estar como as outras formas, sujeita de
modo nenhum à matéria corpórea “pois é dotada da sua atividade imaterial própria, como já
24
demonstrou na primeira parte da questão 75 artigo.2. “Por onde quanto à sua forma, é
natural ao homem, mais que aos outros seres corruptíveis, a incorrupção”. Mas ele explica
que como essa forma esta ligada a matéria, que é composta de princípios contrários a
inclinação da matéria resulta na incorrupção. Mas, “como essa forma também está ligada à
matéria composta de princípios contrários, da inclinação da matéria resulta a corruptibilidade
do todo”. E a esta luz, diz Tomás, “o homem é naturalmente corruptível , segundo a natureza
da matéria abandonada a si mesma e não segundo a natureza da forma.”
Tomás explicita que as três primeiras objeções se fundam na matéria e as outras três
na forma. Para resolver essas questões, deve-se considerar que a “forma do homem, a alma
racional, é pela sua incorruptibilidade, proporcionada ao seu fim, que é a felicidade perpétua.
O corpo humano, porém, corruptível considerado na sua natureza é, de certo modo,
proporcionado a sua forma, e de certo, em outro, não. “Pois podemos levar em conta qualquer
matéria, uma dupla condição natural da matéria”. Ele cita como exemplo o ferreiro que para
fazer uma faca, “escolhe matéria dura e dúctil capaz de adelgar-se e torna-se apta à incisão”.
O ferro, nessa condição é matéria proporcionada à faca. “Mas pela sua natural disposição o
ferro é frágil e contrai ferrugem”, e esta disposição, diz Tomás que não foi escolhida pelo
artífice, antes a repudiaria se ele pudesse. Por onde, a disposição da matéria não é
proporcionada à intenção do artífice nem ao fim da arte. De modo semelhante, o corpo
humano é por sua compleição equilibrado, “a matéria escolhida pela natureza para o órgão”
conveniente “ao tato e às outras potencias sensitivas e motoras”. Mas, é corruptível, por
causa da condição da matéria. “E essa corruptibilidade a natureza não a escolheu”; antes, diz
Tomás, se a natureza pudesse escolheria matéria incorruptível. Mas Deus, quem tem toda
natureza sujeita a ele , “supriu na instituição do homem, essa deficiência da natureza, dando
ao corpo uma certa incorruptibilidade, pelo dom da justiça original. E por isso se diz que
Deus não fez a morte, e que a morte é pena do pecado.”
Por onde é clara às RESPOSTAS AS OBJEÇÕES.
Na questão 164, no artigo 1, Tomás aborda o tema da morte, descortinando se ela foi a
pena do pecado dos nossos primeiros pais. Tomás apresenta sete objeções a favor que
sustentam a ideia, “Se a morte foi pena do pecado dos nossos primeiros pais.” A frase
primeira que introduz o tema é: “Parece que a morte não foi a pena do pecado dos nossos
primeiros pais.” Tomás passar a expor as objeções.
Objeção 1- “o que é natural ao homem não pode ser considerado pena do pecado”, pois
este não aperfeiçoa a natureza, ao contrario a corrompe. “A morte é natural ao homem” por
25
que “seu corpo é composto de elementos contrários” e pela introdução do “termo mortal”
sendo usado para definir o conceito de homem. “Logo a morte não foi pena do pecado dos
nossos primeiros pais.”
Objeção 2 - “A morte e as demais deficiências corporais tanto se encontram nos homens
como nos animais” Tomás diz que segundo a Escritura, há a morte dos homens e a morte dos
brutos, e que ambas, estão em condições igual. Se para “os brutos a morte não é pena do
pecado, logo nem nos homens.”
Objeção 3 - Os “nosso primeiros pais eram pessoas especiais”, a morte resulta da
“natureza humana total, logo não parece pena do pecado dos nossos primeiros pais.”
Objeção 4 - Nós “nos originamos dos nossos primeiros pais” por isso todos os homens
haveriam de sofrer igualmente a morte, se ela fosse pena do pecado deles. Essa ideia é falsa,
por que alguns homens irão morrer mais de pressa que outros e com maiores sofrimentos ou
não. “Logo, a morte não é pena do primeiro pecado.”
Objeção 5 - “O mal da pena vem de Deus” como está estabelecido. Segundo a escritura,
“Deus não fez a morte”, logo, a morte não é pena do pecado.
Objeção 6 - “[...] as penas não são meritórias” por mérito se entende como algo bom, ou
seja, “supõe o bem” em contrário, a pena supõe o mal. A morte, as vezes é meritória, como as
dos mártires. Logo a morte não é pena do pecado.
Objeção 7 - “A pena implica sofrimento”. A morte não é sofrimento, pois parece, que
“quando ela chega nos não a sentimos”. Não podemos sentir a morte, e se ela ainda não
chegou “não podemos senti-la”. Logo, a morte não parece ser pena do pecado.
Objeção 8 - “Se a morte fosse pena do pecado, teria resultado imediatamente dele”. O
que parece não ser verdade, pois os primeiros pais viveram muito tempo. Logo, a morte não
parece ser pena do pecado.
Depois de apresentar os argumentos, que defendem a ideia que a morte não parece ser
pena do pecado original, Tomás de Aquino lança um
Sed contra, valendo-se da mesma frase do Apóstolo, citada anteriormente, “Por um
homem entrou o pecado neste mundo, e pelo pecado, a morte.”. Em seguida, o aquinate
expõe uma
Solução. Tomás diz que, se alguém for privado de receber algum benefício por culpa sua,
a privação desse benefício será a pena da culpa cometida. E explica que “o homem, desde o
primeiro instante da sua criação recebeu de Deus o benefício enquanto tivesse o seu espírito
sujeito a Deus. Enquanto o homem estivesse, sob a proteção divina, as potências inferiores do
26
corpo estariam sujeitas a alma.” Como o homem repeliu pelo pecado, a “sujeição divina”, as
potencias inferiores não ficaram mais sujeitas à alma, passando atuar e como consequência
da sua atuação, o homem passou a se submeter a seus apetites carnais, e não alma, “donde
resultou a morte e as outras deficiências corporais.” A vida e a saúde do corpo, diz Tomás,
consiste em sujeitar os apetites da carne à alma, tal como o perfectível, a sua perfeição. A
falta de sujeição do corpo a alma, resultam “a morte, a doença e todas as misérias do corpo”.
Fica claro que, “a rebelião do apetite carnal contra o espírito é a pena do pecado dos nossos
primeiros pais, assim também o é a morte e todas as misérias do corpo”.
Tomás depois de apresentar a solução, para o caso, apresenta a resposta para cada uma das
setes objeções, que compõe o artigo.
Resposta à primeira objeção: Tomás, diz que “chama-se natural o que é causado pelos
princípios da natureza”, que são a forma e a matéria. A forma do homem é a alma racional
que por sua essência é imortal. “Por onde a morte não é natural ao homem”. Em relação à
matéria, ela é um corpo que é composto de elementos opostos, onde resulta necessariamente a
corruptibilidade.” A corruptibilidade do corpo humano é uma consequência da matéria por ser
ela órgão do tato e por medianeiro entre as cousas tangíveis, mas essa condição somente é
possível pela composição da matéria. A condição de corruptível não está relacionada pelo
jeito como a matéria se adapta a forma, pois assim o fosse, a matéria seria imortal. Para
melhor compreensão tomas utiliza o exemplo da serra de ferro. Um artesão ao produzir uma
serra de ferro, faz a escolha da forma e do material da serra, baseado para função a qual ela
está destinada, o corte. Ela deve ter uma forma que facilite o manuseio e uma dureza que
possibilite o corte. Essa serra com o tempo pode apresentar ferrugens. O aparecimento de
ferrugem na serra, não foi uma escolha de quem a fez. Pois se o artesão pudesse “faria a serra
de um ferro, que não pudesse enferrujar-se.” Deus que é criador do homem é onipotente. E
desde o momento da criação, livrou o homem da necessidade de morrer, que é uma condição
da matéria em que foi criado. Com o pecado dos primeiros pais, perderam esse beneficio.
Assim, “a morte é natural pela condição da matéria; e é penal pela perda do beneficio divino,
que dela preservava.”
Resposta à segunda objeção – Tomás diz que a única semelhança entre os homens e os
brutos, é pela “condição da matéria”, pois ambos são compostos de elementos contrários. Em
relação a forma, o homem tem uma alma imortal enquanto a alma dos brutos é mortal.
Resposta à terceira objeção – Nossos primeiros pais foram criados por Deus, não somente
como pessoas singulares, mas como princípio de toda natureza humana. E deles haveria de
27
descender para os pósteros o benefício divino que preservaria o homem da morte. Por isso
pelo pecado deles, toda natureza humana, nos pósteros, incorreu na morte.
Resposta à quarta objeção – Uma privação pode resultar do pecado de dois modos: Como
pena determinada por um juiz, essa privação deve ser igualmente para todos que pecaram. A
outra é resultante por acidente da referida pena. Por exemplo, o caso de alguém que ficando
cego por culpa sua cai no caminho. Essa privação não se proporciona a culpa nem é pesada
pelo juiz que não pode ter a consciência dos acontecimentos fortuitos. Desta forma, a pena
aplicada ao primeiro pecado foi a subtração do beneficio divino da qual se conservava à
natureza humana a sua retidão e integridade. As misérias consequentes dessa subtração são as
mortes e outras penalidades da vida presente.
Resposta à quinta objeção – A morte pode ser considerada como a dupla luz. Primeiro
como um mal da natureza humana. Como tal, não vem de Deus, mas de uma privação
resultante da culpa humana. Segundo, implica de certo modo o bem enquanto uma certa justa
pena. Nesse sentido vem de Deus. Por isso Agostinho diz que Deus não é autor da morte
senão por pena.
Resposta à sexta objeção - Diz Agostinho que assim como os maus usam o mal não somente
dos males, mas também do bem; assim os bons usam o bem, não só dos bens, mais ainda dos
males. Donde vem usar os maus mal da lei, sendo a lei um bem, e morrerem bem os bons,
embora a morte seja um mal. Na medida que os santos usam bem da morte, elas são
meritórias.
Resposta à sétima objeção - A morte pode ser considerada em duplo sentido – Primeiro
como privação da vida. Então, não pode ser sentida por ser a privação dos sentidos da vida.
Portanto, esta luz não é pena do sentido, mas do dano. Segundo, enquanto corrupção mesma,
cujo termo e a privação. A corrupção, pode se compreender de dois modos. De um modo
como termo de alteração; nesse sentido dizemos chegar a morte no primeiro instante mesmo
em que há privação da vida. De outro modo pode ser entendida como o ser que se encaminha
a geração, então a morte pode ser sofrimento.
Resposta à oitava objeção – Diz Agostinho que à referida morte se consumou no dia em
que foi praticado o que Deus proibiu.
28
2.2 A IMORTALIDADE DA ALMA25
Sendo o homem um ser a partir da relação dual entre alma e corpo, e sendo o corpo
matéria corruptível, ou seja, que se decompõe por sua natureza, seria a alma imortal? Paulo
Faitanin e Bernardo Veiga escrevem “sobre esse tema Tomás defende que a alma humana é
imortal e incorruptível”26
O homem se diferencia dos outros seres por sua capacidade intelectiva, ocupando
um lugar intermediário entre os seres da natureza e Deus.
É com base nessa natureza intelectiva do homem, que Tomás formula cinco
argumentos sobre a imortalidade da alma humana.
O primeiro argumento que Tomás utiliza para demonstra a imortalidade da alma, é
com base “... na natureza própria da atividade intelectiva, que esta aberto ao conhecimento
de todas as coisas e no conhecimento que é necessário e universal”.27
A alma humana é capaz
de compreender os universais das formas, a realidade que se apresenta extraindo dela sua
essência particular. Para que a alma consiga compreender os universais as formas universais
e particulares é necessário que haja algo nela que seja incorruptível, ou seja, é necessário que
o entendimento que ela tenha das coisas, e o que ela entende da coisa, pertençam ao mesmo
gênero de coisas incorruptíveis, uma vez que “é necessário que a perfeição e o perfectível
estejam contidos sob um mesmo gênero.”28
O segundo argumento, fala sobre a virtude infinita da alma. Tomás descreve a
capacidade que a alma tem para inteligir os universais e as coisas infinitas e particulares. E
para que a alma esteja aberta ao infinito, diz Tomás de Aquino que apud “as potencias dessa
substância são proporcionais e se fundam sobre seus princípios”. 29
E para que isso aconteça é
necessário que a substância seja incorruptível.
No terceiro argumento Tomás fala que a todo tempo a alma está inclinada para o bem.
25- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017.
26- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017 pag.20
27- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017
28- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017
29- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017. Pag. 19 Apud
29
Diferente dos animais que estão restritos aos instintos a se inclinarem apenas em um
determinado momento, a alma inclina-se ao bem a todo tempo. E, este desejo da alma em
inclinar ao “ao ser e ao bem” não pode ser em vão.
No quarto argumento, Tomás “destaca a admiração que move o homem a querer
investigar o conhecimento das coisas.”30
É da natureza humana buscar o conhecimento das
coisas e as causas que antecederam a elas, ou seja, o homem busca pelo principio de todas as
coisas.
Mas o homem não busca qualquer principio, ele busca o princípio verdadeiro das
causas no mundo.
Com o argumento da revelação, Tomás faz a citação do evangelho de João para
indicar a finalidade última do homem. Tomás afirmar, “que é necessário que a alma humana
exista depois do corpo para atingir o fim último”.31
No quinto e último argumento, Tomás explica a posição de vários filósofos
“retomando parte os argumentos por eles apresentados”.32
. Para Tomás a alma humana tem
em si a potência para conhecer as coisas sensíveis. Se a alma humana conhece as coisas
sensíveis, significa que ela tem potência para as conhecer. Pois caso contrário, se ela, a alma
fosse limitada, reconheceria apenas uma coisa sensível, o que não ocorre. O homem consegue
reconhecer “infinitas naturezas sensíveis”. Assim, o conhecimento das coisas do mundo,
somente pode ocorrer em algo incorruptível, que é a alma, pois ao corpo é dado a potência de
sentir, mais o reconhecimento das coisas esta além das funções corpóreas.
Tomás de Aquino na resposta aos argumentos, escreve que extinção do corpo ocorre
por defeito dele mesmo, enquanto a alma não se extingue, permanece. Pois há na alma
uma composição de ser e essência que pode se distinguir do ser, da própria substância
que é a forma. Essa composição é encontrada em todas as coisas, ou seja, “aquilo que é, que é
o mesmo, pois o próprio ser, é isso pelo qual cada coisa é”, 33
pois somente em Deus, sua
substância é o seu ser, ou seja, a forma é a substância que subsiste no ser. A alma substancial
do corpo permanece, pois não há no ser e na essência da alma elementos contrários e que,
portanto, a alma humana é imortal por sua essência.
30- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017.
31- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017. Pag. 24
32- AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino; edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017. Pag. 20
33 - AQUINO, Tomás de (1225-1274) A imortalidade da alma e a Razão Superior e Inferior/ Tomás de Aquino;
edição e tradução de Paulo Faitanin e Bernardo Veiga. Campinas-SP: Ecclesiae, 2017. Pag.
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Cada coisa foi criada de acordo com o fim a que está destinada. A alma humana
intelectiva esta destinada a beatitude, sendo assim tem que haver algo em sua natureza, que a
faça atingir a beatitude, e conclui que alma humana é imortal em relação ao fim que lhe está
destinada.
Os argumentos da alma humana, portanto são baseados na natureza da atividade
intelectiva, na natureza do inteligido, na virtude infinita, na inclinação da alma e na finalidade
última do homem.
A finalidade última, é alcançar a verdadeira felicidade que somente pode ser
alcançado com o retorno a Deus.
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CONCLUSÃO
Quando escolhi o tema em questão tinha como finalidade procurar entender o motivo pelo
qual o homem morre e ao mesmo tempo é dito imortal. Eu não conseguia entender como algo que
a princípio se contrapõe poderia se harmonizar. E pode. A relação entre corpo e alma saiu da
contradição para ser dual, não dualista. No segundo momento, a finalidade foi desenvolver um
trabalho que pudesse fornecer, principalmente para pessoas de fora do círculo acadêmico um
material para a compreensão da morte do corpo, saindo do dito popular “é a vontade de Deus”.
Esse trabalho é apenas um grão de área, o início de um caminho rumo ao conhecimento.
A morte do corpo e a imortalidade da alma são temas complexos e inesgotáveis e neste
trabalho buscou-se a compreensão dessa relação com base nos escritos de Tomás de Aquino,
considerado um dos grandes filósofos e fundador das bases do dogmatismo cristão. Com uma
escrita densa pelo teor do assunto, mas transfigurada em palavras simples com uso de exemplos, a
cada página que se percorrer da Suma Teológica, confirma-se que Tomás a fez com intuito de
aclarar as dúvidas e fazer o leitor refletir sobre fatos e acontecimentos da existência humana
Criado a imagem e semelhança de Deus, o homem recebeu do criador o sopro da vida e
se tornou ser vivente. O homem não estava destinado à morte, mesmo tendo em si uma
natureza corpórea corruptível, que por si mesma é mortal.
No ato da criação, Tomás explica que Deus fez o homem um todo organizado, “sem
nenhuma deficiência” colocando a natureza corpórea subordinada à alma intelectiva e ambas sob a
Justiça original. Mas, o pecado cometido pelos primeiros pais retirou deles e das gerações
posteriores a Justiça original. O corpo antes organizado fica por sua própria conta e pela condição
da sua matéria passa a sofrer as misérias e a morte. Como cada homem difere do outro pela
compleição do corpo, uns sofrem mais e outros menos. As escolhas que o homem faz também
podem lhe causar misérias e morte.
Mas o homem não é apenas um corpo corruptível, ele também é alma. Há perfeita
sincronia entre matéria e forma, resultando em uma relação dual. A alma está entre as coisas
incorruptíveis. Alma é incorruptível por sua capacidade de abstrair as formas das coisas
universais e necessárias que são incorruptíveis. Tomás diz que a alma possui uma virtude infinita
e que ao todo instante esta inclinada ao Bem.
O homem precisa passar pelas dores e pela morte nesta vida para que em um tempo em
que ele ignora, consiga alcançar a impassibilidade, ou seja , um estado em que o corpo não mais
sofrerá.
Se a corrupção do corpo tem um função, então cabe ao homem, ao estar diante dela,
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não se assustar com as inúmeras metáforas sobre a morte, dentre a qual, de um ser vestido de
preto com uma foice na mão, e, sim, acalmar seu espírito, pois Deus como Ser oniponte,
talvez já tenha feito o homem de ser corruptível, para que após a corrupção do corpo, o
homem pudesse retorna àquele que lhe deu o sopro da vida, e nele encontrar seu fim último,
que é a eterna felicidade com Deus.
Parafraseando, o artigo “A morte como um fim para um começo sem fim” (Faitanin,
Paulo, nº 25, 2014) se pode dizer que a morte é apenas uma etapa, para um novo começo, para
o qual o homem esta destinado a ser feliz junto ao criador, por isso o homem é corpo e alma.
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11) Bibliografia
Primária:
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