touradas como espectÁculo ilÍcito?

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  • 7/31/2019 TOURADAS COMO ESPECTCULO ILCITO?

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    TOURADAS COMO ESPECTCULO ILCITO?

    Foi recentemente sujeito a discusso e votao na Assembleia da Repblica oProjecto de Lei n. 265/XII/1. do Partido Ecologista Os Verdes

    1, tendente a assumir

    as touradas como espectculo ilcito e a impor limites sua emisso televisiva.

    O projecto de diploma legal em causa contende, naturalmente, com uma moda

    muito presente nos nossos dias a dos direitos dos animais. Mas direitos dos

    animais, como? Manifestando-me, desde j, como aficionado da Festa Brava que,

    portanto, no se rev no contedo do aludido Projecto de Lei, venho expor algumas

    crticas que o mesmo me merece:

    1. referido no incio da exposio de fundamentos do Projecto de Lei que onosso ordenamento jurdico reconhece um conjunto de direitos especficos aos

    animais. Interrogo-me da veracidade de tal afirmao, se o nosso ordenamento

    jurdico-civilstico apenas reconhece a susceptibilidade de ser titular de direitos

    e obrigaes s pessoas fsicas com nascimento completo e com vida (artigo

    66. CC), isto para alm, obviamente, das pessoas jurdicas ou colectivas,

    dentro dos limites dos fins que se propem prosseguir. No querero os

    senhores deputados do PEV antes aludir a deveres do ser humano para com os

    animais?

    2. Diz-se neste Projecto de Lei que a Lei n. 92/95, de 12.09 (Lei de Proteco dosAnimais) incorre numa contradio. Tenho que discordar de tal concluso, na

    medida em que a Teoria Geral do Direito reconhece a consagrao de normas

    gerais, normas especiais e normas excepcionais.

    3. Faz algum sentido intitular este projecto e promover, por via do mesmo, ailicitude dos espectculos tauromquicos, mas, simultaneamente, admitir a

    autorizao destes, a ttulo excepcional, quando o PEV se revela ser

    manifestamente contrrio aos mesmos?

    Tomando como ponto de partida este Projecto de Lei rejeitado por uma expressiva

    maioria dos deputados Assembleia da Repblica, impe-se explanar a temtica da

    natureza jurdica dos animais, a partir de um texto publicado no blogue 2009: Verde

    Trabalhos da disciplina de Direito do Ambiente da Faculdade de Direito da

    Universidade de Lisboa (2. Semestre 2008/2009), que se passa a transcrever, com as

    devidas adaptaes:

    1 Disponvel para consulta em:http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c325276593342734c576c756156684a5358526c65433977616d77794e6a557457456c4a4c6d527659773d3d&fich=pjl265-XII.doc&Inline=true

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    Qual a natureza jurdica dos animais?COISIFICAO OU PERSONIFICAO?

    Antes do sc. XIX, os animais eram vistos como coisas, comparados a objectosinanimados. Ren Descartes teorizou que estes no tinham conscincia e eram merosobjectos feitos por Deus, desprovidos de qualquer tipo de linguagem, cujosmovimentos eram automticos e mecnicos.

    Hoje em dia so j reconhecidos direitos morais aos animais, mas na sua maioria sotratados pelos sistemas legais como coisas.

    Na sua obra tica Prtica, Peter Singer, procurou estender o princpio da igualdadeaos no humanos, dentro da lgica de igualdade racial e entre sexos. Para tal, Singercriou o PICIS (Princpio da Igual Considerao de Interesses Semelhantes), que assentana ideia de que se deve tomar em considerao os interesses dos outros seres para

    alm de um ponto de vista pessoal. A capacidade de sofrer como caracterstica vital (asencincia) fundamento suficiente para defender que um ser vivo tem interesses ecomo tal o direito a uma considerao igual.

    Contudo, a igualdade entre grupos no implica o tratamento exactamente igual doque diferente, uma vez que a natureza dos grupos distinto tal tem de se manterem considerao.

    O Especismo assenta na distino entre as espcies. Para Singer trata-se de um actode discriminao a par do racismo ou do sexismo, em que se d menos valor a "X"

    porque tem esta ou aquela caracterstica ou a falta dela. No caso especifico dosanimais deixa de se levar em conta os seus interesses por serem menos inteligentes.Com base no PICIS, assenta-se na sensibilidade e no nas capacidades especficas.

    A questo que se levanta agora , numa situao-limite, qual o sofrimento queprevalece? Qual o que tem menos importncia?

    Singer defende a aplicao do PICIS no sentido de prevalecer o alvio do sofrimentomaior, no atendendo espcie em si. Alis, Singer foi dos anti-especistas mais

    ferrenhos e radicais, precursor da teoria utilitarista da igual considerao de

    interesses semelhantes.

    Francione invoca a extenso do princpio da igualdade aos animais para que estes

    deixem de ser tratados como coisas e passem a ter personalidade . A extenso dapersonalidade aos animais no implica a extenso de todos os direitos humanos(direito ao nome, honra, privacidade, intimidade da vida animal) aos nohumanos, j que existem direitos incompatveis com a sua essncia. Trata-se de ummeio para os proteger do sofrimento a que so submetidos por serem vistos como

    propriedade ou recurso.

    Em geral, nos Cdigos ocidentais, os animais so ainda tratados como coisas mveis. disso exemplo o Cdigo Civil Portugus, em que os animais no so considerados

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    sujeitos de direito. De acordo com o Prof. Jos Tavares, o fundamento do direito anatureza social do homem no se concebendo normas jurdicas reguladoras de seresinferiores. Existem normas no interesse dos animais, mas estes no tm direitossubjectivos a serem tratados ou protegidos.Contudo, a aco das associaes de defesa dos animais e de proteco do ambiente,

    defendendo a atribuio de verdadeiros direitos queles, tem vindo a lucrarresultados positivos. Em 1978 foi proclamada, em Paris, a Declarao Universal dosDireitos do Animal, a qual consagra o direito igualdade, existncia, respeito. Noacarreta nenhuma vinculatividade legal, visa o despertar de tutela estadual dosanimais.

    Questes se levantaram acerca dessa atribuio de direitos. Como podem eles usufruirde direitos se inconcebvel atribuir-lhe deveres? Sendo sujeito de direito como podemser objecto de direitos e consequentemente de negcios jurdicos? Ambas as questes

    podem ter resposta, j que tambm os nascituros, crianas e incapazes no tm

    deveres mas usufruem de direitos e as sociedades comerciais tm personalidadejurdica, o que no impede que sejam objecto de negcios jurdicos.

    Atentando ao nosso Cdigo Civil, verificamos a classificao dos animais comocoisas em sentido jurdico, basta para tal verificarmos o art. 202 CC. Ainda quealguns animais constituam res nullius e que outros no possam ser apropriados por

    particulares, todos devem ser includos no conceito de coisa, segundo o Prof. Manuelde Andrade. So entendidos como coisas mveis, pois no se encontram naenumerao de coisas imveis (art. 204 e 205). Os animais so pois objecto de

    propriedade, de compra e venda, de posse e de utilizao e a responsabilidade que

    advm dos seus actos imputada no mbito dos art. 493/1, 502 do CC, nunca aoanimal.

    Muitas questes se suscitam:

    - Para atribuir personalidade jurdica ao animal bastava que a norma legal o fizesse,sendo os seus interesses representados em juzo (capacidade judiciria) por terceiros,a par dos incapazes.Contraposio: Talvez no fosse assim to fcil, pois a personalidade distinta decapacidade e a personalidade jurdica no conferida aos incapazes de forma

    limitada. S h limitao da sua capacidade. Como tal no parece fazer sentido umaconcesso limitada de personalidade aos no humanos.

    - Atribuio de personalidade jurdica aos animais com base na sua capacidade de

    sofrer pode assentar na ideia de igualdade entre animais e incapazes em termos de

    racionalidade, no sentido de alguns incapazes no possurem inteligncia ou

    conscincia superior a alguns no humanos. Prof. Menezes Cordeiro.

    Contraposio: A criana um dia crescer e tomar conscincia de si, coisa que no

    acontece com o animal, que segue instintos.

    - H quem defenda que a personificao do animal, em vez de garantir o melhortratamento jurdico ao animal, nega a personalidade jurdica a certos seres humanos.

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    - Os defensores dos animais baseiam-se algumas vezes em critrios de maiorproximidade com as pessoas para alegar pretensos direitos.Contraposio: Leva a discriminao dentro do prprio seio animal, pois s os animaisque exteriorizam sentimentos perceptveis ao homem levaria aquisio de

    personalidade.

    Ainda que a questo possa ser polmica, tem vindo a desenvolver-se a ideia de que osanimais no so coisas.

    A ustria aprovou, em 1988, a lei federal sobre o estatuto jurdico do animal,afirmando no 285 que os animais no so coisas, sendo protegidos por leis especiais.

    As normas relativas s coisas s lhes so aplicveis quando no exista norma emsentido contrrio.

    A Alemanha, em 1990, introduziu no 90 a afirmao de que os animais no so

    coisas e de que esto protegidos por leis especiais. Aplicam-se-lhes as disposiessobres as coisas de forma anloga quando no exista disposio em contrrio.

    Tambm a Sua dispe no art. 641 a) do CC suo que os animais no so coisas e aaplicao do regime das coisas, salvo preceito em contrrio.

    O animal vem a assumir um estatuto distinto de coisa, no lhe concedendo

    necessariamente personalidade jurdica.A doutrina diverge. H quem defenda umaalterao meramente simblica, desprovida de maior tutela. H quem defenda que aconsiderao do animal como criatura, ser vivo, transparece uma evoluo do direito.

    Na minha opinio, a consciencializao de que os animais so sensveis, seres vivoscapazes de sofrer, merecedores de uma maior tutela jurdica por parte doordenamentoparece fundamentar a sua desqualificao como coisa. No me parece,contudo, que a situao tenha de ser levada ao extremo oposto de personalizao dosmesmos. Faz sentido a tutela dos mesmos como um tertium genus, ainda que aanalogia com algumas das disposies inerentes ao regime das coisas se justifique.

    A vida animal deve ser observada como um valor em si mesmo e ser merecedora deuma proteco especial.

    Bibliografia:-Pereira da Costa, Antnio Dos animais o direito e os direitos Coimbra Editora-Pereira Teodoro, Pedro Tese O conflito entre espcies (os direitos dos animais)-Neves, Helena Telino Tese A natureza jurdica dos animais

    Marlene Rosmaninho

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    Em face desta exposio e do anterior projecto de diploma legal que, de alguma

    forma, retrata a posio dos defensores da abolio dos espectculos tauromquicos

    em Portugal, importa colocar algumas questes:

    1. Revem-se na posio segundo a qual os animais so seres susceptveis deencabearem direitos e estarem adstritos a obrigaes? Ou, diversamente, na

    senda de Oliveira Ascenso [et al.], apenas reconhecem a consagrao de

    deveres do ser humano para com os animais?

    2. Como que veriam uma iniciativa legislativa tendente a promover umaalterao do Cdigo Civil, no respeitante ao estatuto jurdico dos animais,

    semelhana da experincia ocorrida noutros Estados?

    3. Penso que todos concordamos quando considero que a Assembleia daRepblica, semelhana do Governo, enquanto rgo de soberania dotado de

    poder legislativo, deve zelar pela qualidade da legislao que produzem. Nesse

    sentido, como se pode considerar que a Lei de Proteco dos Animais incorre

    numa contradio quando, na verdade, o artigo 1., n.1 da Lei de Proteco

    dos Animais constitui norma geral e a excepo plasmada, atinente aos

    espectculos tauromquicos, configura norma excepcional?