trab civil taturce

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8.3 BEM DE FAMÍLIA LEGAL A Lei 8.009/1990 traça as regras específicas quanto à proteção do bem de família legal, prevendo o seu art. 1.º que “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei”. Trata-se de importante norma de ordem pública que protege tanto a família quanto a pessoa humana. Isso justifica a Súmula 205 do STJ, segundo a qual a Lei 8.009/1990 tem eficácia retroativa, atingindo as penhoras constituídas antes da sua entrada em vigor. A hipótese é do que denominamos retroatividade motivada ou justificada, em prol das normas de ordem pública, justificadas na justiça social e na dignidade humana. Sendo norma de ordem pública, cabe o reconhecimento de ofício dessa impossibilidade de penhora (entre os numerosos julgados: TJDF, Recurso 2012.00.2.001863-5, Acórdão 584.350, 3.ª Turma Cível, Rel. Des. Mario-Zam Belmiro, DJDFTE 11.05.2012, p. 157; TJRS, Agravo de Instrumento 185133-28.2011.8.21.7000, Porto Alegre, 1.ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Roberto Lofego Canibal, j. 20.07.2011, DJERS 23.08.2011; TJMG, Apelação Cível 5393636-72.2008.8.13.0702, Uberlândia, 6.ª Câmara Cível, Rel. Des. Edivaldo George dos Santos, j. 09.11.2010, DJEMG 19.11.2010; TJSP, Apelação sem Revisão 772.559.5/4, Acórdão 3237978, São Bernardo do Campo, 15.ª Câmara de Direito Público B, Rel. Des. Paulo Roberto Fadigas Cesar, j. 15.08.2008, DJESP 01.10.2008; TJSP, Apelação 1104728-2, Acórdão 2723519, Barretos, 15.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Edgard Jorge Lauand, j. 08.07.2008, DJESP 06.08.2008 e TRT 9.ª R., Proc. 17606-2001-651-09-00-6, Ac.

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8.3 BEM DE FAMLIA LEGAL

A Lei 8.009/1990 traa as regras especficas quanto proteo do bem de famlia legal, prevendo o seu art. 1. que O imvel residencial prprio do casal, ou da entidade familiar, impenhorvel e no responder por qualquer tipo de dvida civil, comercial, fiscal, previdenciria ou de outra natureza, contrada pelos cnjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietrios e nele residam, salvo nas hipteses previstas na lei. Trata-se de importante norma de ordem pblica que protege tanto a famlia quanto a pessoa humana.Isso justifica a Smula 205 do STJ, segundo a qual a Lei 8.009/1990 tem eficcia retroativa, atingindo as penhoras constitudas antes da sua entrada em vigor. A hiptese do que denominamos retroatividade motivada ou justificada, em prol das normas de ordem pblica, justificadas na justia social e na dignidade humana. Sendo norma de ordem pblica, cabe o reconhecimento de ofcio dessa impossibilidade de penhora (entre os numerosos julgados: TJDF, Recurso 2012.00.2.001863-5, Acrdo 584.350, 3. Turma Cvel, Rel. Des. Mario-Zam Belmiro, DJDFTE 11.05.2012, p. 157; TJRS, Agravo de Instrumento 185133-28.2011.8.21.7000, Porto Alegre, 1. Cmara Cvel, Rel. Des. Carlos Roberto Lofego Canibal, j. 20.07.2011, DJERS 23.08.2011; TJMG, Apelao Cvel 5393636-72.2008.8.13.0702, Uberlndia, 6. Cmara Cvel, Rel. Des. Edivaldo George dos Santos, j. 09.11.2010, DJEMG 19.11.2010; TJSP, Apelao sem Reviso 772.559.5/4, Acrdo 3237978, So Bernardo do Campo, 15. Cmara de Direito Pblico B, Rel. Des. Paulo Roberto Fadigas Cesar, j. 15.08.2008, DJESP 01.10.2008; TJSP, Apelao 1104728-2, Acrdo 2723519, Barretos, 15. Cmara de Direito Privado, Rel. Des. Edgard Jorge Lauand, j. 08.07.2008, DJESP 06.08.2008 e TRT 9. R., Proc. 17606-2001-651-09-00-6, Ac. 34972-2007, Seo Especializada, Rel. Des. Marlene Teresinha Fuverki Suguimatsu, DJPR 27.11.2007).Ato contnuo, antes de arrematao do bem, a alegao de impenhorabilidade cabe por simples petio, no sendo o caso de precluso processual (STJ, AgRg no REsp 292.907/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3. Turma, j. 18.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 314). Como se percebe, a jurisprudncia nacional vem entendendo que o bem de famlia legal acaba por quebrar alguns paradigmas processuais.Em regra, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imvel for utilizado para residncia ou moradia permanente da entidade familiar, no sendo admitida a tese do simples domiclio (art. 5., caput, da Lei 8.009/1990). O Superior Tribunal de Justia, contudo, vem entendendo que, no caso de locao do bem, utilizada a renda do imvel para a mantena da entidade familiar, a proteo permanece, conforme o teor da ementa a seguir transcrita:Processual civil. Execuo. Penhora de imvel. Bem de famlia. Locao a terceiros. Renda que serve a aluguel de outro que serve de residncia ao ncleo familiar. Constrio. Impossibilidade. Lei 8.009/1990, art. 1.. Exegese. Smula 7-STJ. I. A orientao predominante no STJ no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990 se estende ao nico imvel do devedor, ainda que este se ache locado a terceiros, por gerar frutos que possibilitam famlia constituir moradia em outro bem alugado. II. Caso, ademais, em que as demais consideraes sobre a situao ftica do imvel encontram obstculo ao seu reexame na Smula 7 do STJ. III. Agravo improvido (STJ, AGA 385692/RS, 4. Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 09.04.2002, DJ 19.08.2002, p. 177. Veja: STJ, REsp 114119-RS, 302781-SP, 159213-ES (RDR 15/385) e 183042-AL).Filia-se plenamente ao julgado transcrito, pois, na verdade, ele nada mais faz do que proteger a moradia de forma indireta, conforme ordena o art. 6. da CF/1988. A situao pode ser denominada como do bem de famlia indireto. A questo consolidou-se de tal forma que, em 2012, foi editada a Smula 486 do STJ, in verbis: impenhorvel o nico imvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locao seja revertida para a subsistncia ou a moradia da sua famlia. Ato contnuo, entendeu-se, ainda, que a premissa igualmente vale para o caso de nico imvel do devedor que esteja em usufruto, para destino de moradia de sua me, pessoa idosa (STJ, REsp 950.663/SC, 4. Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomo, j. 10.04.2012). Na ltima decisio, alm da proteo da moradia, julgou-se corretamente com base no sistema de tutela constante do Estatuto do Idoso.A residncia da entidade familiar pode ser comprovada pela juntada de comprovantes de pagamento de contas de gua, luz, gs e telefone, sendo certo que outros meios probatrios podem conduzir o magistrado ao reconhecimento da penhorabilidade ou no (TJRS, AC 70006884670, Torres, 18. Cmara Cvel, Rel. Des. Mario Rocha Lopes Filho, j. 11.12.2003).Consigne-se que o STJ tem entendimento reiterado, segundo o qual irrelevante o valor do bem para a devida proteo. Todavia, conclui-se pela possibilidade de penhora parcial do imvel em casos de bem de alto valor, desde que possvel o seu desmembramento. Por todas as decises, transcreve-se a seguinte, publicada no Informativo n. 455 daquele Tribunal Superior:Bem de famlia. Elevado valor. Impenhorabilidade. A Turma, entre outras questes, reiterou que possvel a penhora de parte ideal do imvel caracterizado como bem de famlia quando for possvel o desmembramento sem que, com isso, ele se descaracterize. Contudo, para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de famlia, de acordo com o art. 1. da Lei n. 8.009/1990, basta que o imvel sirva de residncia para a famlia do devedor, sendo irrelevante o valor do bem. O referido artigo no particulariza a classe, se luxuoso ou no, ou mesmo seu valor. As excees regra de impenhorabilidade dispostas no art. 3. da referida lei no trazem nenhuma indicao no que se refere ao valor do imvel. Logo, irrelevante, para efeito de impenhorabilidade, que o imvel seja considerado luxuoso ou de alto padro. Assim, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa extenso, deu-lhe provimento. Precedentes citados: REsp 326.171-GO, DJ 22/10/2001; REsp 139.010-SP, DJ 20/5/2002, e REsp 715.259-SP, DJe 9/9/2010 (STJ, REsp. 1.178.469/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.11.2010).No caso de a pessoa no ter imvel prprio, a impenhorabilidade recai sobre os bens mveis quitados que guarneam a residncia e que sejam da propriedade do locatrio (art. 1., pargrafo nico, da Lei 8.009/1990).Por outra via, os veculos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos esto excludos da impenhorabilidade (art. 2.). Em complemento previso dos veculos de transporte, o STJ editou no ano de 2010 a Smula 449, prevendo que A vaga de garagem que possui matrcula prpria no registro de imveis no constitui bem de famlia para efeito de penhora. A ementa merece crticas, pois, diante do princpio da gravitao jurdica (o acessrio segue o principal), se a impenhorabilidade atinge o imvel, do mesmo modo deve atingir a vaga de garagem. Em reforo, lembre-se que a falta de vaga de garagem pode tirar a funcionalidade do imvel, caso de um apartamento localizado em uma grande cidade.Nos casos de imvel locado, a impenhorabilidade atinge tambm os bens mveis do locatrio, quitados, que guarneam a sua residncia (art. 2., pargrafo nico, da lei especfica). Lembra Theotonio Negro que, de acordo com a Lei 8.009/1990, a jurisprudncia tem considerado impenhorveis, quando guarnecem a residncia do devedor, os seguintes bens: aparelhos de som e de televiso; armrios de cozinha; dormitrio; estofados; fogo; freezer e geladeira; gravador; guarda-roupas; jogo de jantar; mquina de lavar louas e roupas; passadora e secadora de roupas; toca-fitas; vaca leiteira (Cdigo de Processo Civil..., 2000, p. 1.108).Por outro lado, so considerados penhorveis: aparelho de ar condicionado, aparelho de videocassete, aparelhos eltricos e eletrnicos sofisticados, bicicletas, forno de microondas, linha telefnica, piscina de fibra de vidro, rdio-gravador. Alguns desses bens, portanto, so considerados bens suntuosos pela jurisprudncia (Cdigo de Processo Civil..., 2000, p. 1.108).Os posicionamentos jurisprudenciais variam de Tribunal a Tribunal. De qualquer forma, as referncias do saudoso processualista paulista servem como base segura, inclusive porque a sua obra usualmente utilizada pelos magistrados.O art. 3. da Lei 8.009/1990 consagra excees impenhorabilidade, a saber, de forma detalhada e comentada:

a)Crditos de trabalhadores da prpria residncia e das respectivas contribuies previdencirias. Aqui, devem ser includos os empregados domsticos e empregados da construo civil, no caso de aumento da rea construda do imvel, desde que haja vnculo de emprego. No havendo tal vnculo, o STJ j entendeu que a exceo no se aplica: Processual civil. Bem impenhorvel. Artigo 3., inciso I, da Lei 8.009/1990. Mo-de-obra empregada na construo de obra. Interpretao extensiva. Impossibilidade. A impenhorabilidade do bem de famlia, oponvel na forma da lei execuo fiscal previdenciria, consectrio do direito social moradia. Consignada a sua eminncia constitucional, h de ser restrita a exegese da exceo legal. Consectariamente, no se confundem os serviais da residncia, com empregados eventuais que trabalham na construo ou reforma do imvel, sem vnculo empregatcio, como o exercido pelo diarista, pedreiro, eletricista, pintor, vale dizer, trabalhadores em geral. A exceo prevista no artigo 3., inciso I, da Lei 8.009, de 1990, deve ser interpretada restritivamente. Em consequncia, na exceo legal da penhorabilidade do bem de famlia no se incluem os dbitos previdencirios que o proprietrio do imvel possa ter, estranhos s relaes trabalhistas domsticas (STJ, REsp 644.733/SC, Rel. Min. Francisco Falco, Rel. p/acrdo Min. Luiz Fux, 1. Turma, j. 20.10.2005, DJ 28.11.2005, p. 197).

b)Pelo titular do crdito decorrente de financiamento destinado construo ou aquisio do imvel, no limite dos crditos e acrscimos decorrentes do contrato.

c)Pelo credor de penso alimentcia, seja ela decorrente de alimentos convencionais, legais (de Direito de Famlia) ou indenizatrios (nos termos do art. 948, II, do CC). A respeito dos alimentos indenizatrios como exceo proteo do bem de famlia, do STJ: AgRg-Ag 772.614/MS, 3. Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 13.05.2008, DJE 06.06.2008 e REsp 1.186.228/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 04.09.2012, publicado no seu Informativo n. 503. Cumpre anotar, ainda, que o STJ no inclui entre tais dbitos alimentares os honorrios advocatcios, conforme se extrai de recente julgado publicado no seu Informativo n. 469, de abril de 2011 (STJ, REsp 1.1826.108/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. 12.04.2011).d)Para a cobrana de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuies devidas em relao ao imvel familiar. Quando h meno s contribuies relativas ao imvel, segundo a jurisprudncia, esto includas as dvidas decorrentes do condomnio, eis que esse inciso trata das obrigaes propter rem ou ambulatrias (RSTJ 107/309). Esse entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que o caso de interpretao declarativa e no extensiva: Bem de Famlia: Despesas Condominiais e Penhorabilidade. A Turma negou provimento a recurso extraordinrio em que se sustentava ofensa aos artigos 5., XXVI, e 6., ambos da CF, sob a alegao de que a penhorabilidade do bem de famlia prevista no art. 3., IV, da Lei 8.009/1990 no compreenderia as despesas condominiais (Art. 3.: A impenhorabilidade oponvel em qualquer processo de execuo civil, fiscal, previdenciria, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:... IV para cobrana de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuies devidas em funo do imvel familiar). Entendeu -se que, no caso, no haveria que se falar em impenhorabilidade do imvel, uma vez que o pagamento de contribuio condominial (obrigao propter rem) essencial conservao da propriedade, isto , garantia da subsistncia individual e familiar dignidade da pessoa humana. Asseverou-se que a relao condominial tem natureza tipicamente de uma relao de comunho de escopo, na qual os interesses dos contratantes so paralelos e existe identidade de objetivos, em contraposio de intercmbio, em que cada parte tem por fim seus prprios interesses, caracterizando-se pelo vnculo sinalagmtico (STF, RE 439.003/SP, Rel. Eros Grau, j. 06.02.2007, Informativo n. 455, 14 de fevereiro de 2007). Realmente, se o caso fosse de interpretao extensiva, a exceo no se aplicaria, pois no se pode sacrificar a moradia, valor constitucional, com tal tcnica de interpretao. Nessa trilha, entendeu o Superior Tribunal de Justia que a exceo no se aplica no caso de dvidas de associaes de moradores em condomnios fechados de casas, hiptese no abarcada na previso em comento, no cabendo a ampliao do texto legal em casos tais, at porque a norma de exceo (STJ, REsp 1.324.107/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13.11.2012, publicado no seu Informativo n. 510).

e)Para a execuo de hipoteca sobre o imvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. O STJ tem afastado a penhora do bem de famlia nos casos de hipoteca oferecida por membro da entidade familiar, visando a garantir dvida de sua empresa individual: Agravo regimental. Bem de famlia. Impenhorabilidade. Dvida contrada pela empresa familiar. A exceo do inciso V do art. 3. da Lei 8.009/1990 deve se restringir s hipteses em que a hipoteca instituda como garantia da prpria dvida, constituindo-se os devedores em beneficirios diretos, situao diferente do caso sob apreo, no qual a dvida foi contrada pela empresa familiar, ente que no se confunde com a pessoa dos scios. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no Ag 597.243/GO, Rel. Min. Fernando Gonalves, 4. Turma, j. 03.02.2005, DJ 07.03.2005, p. 265). A interpretao, assim, que a exceo somente se aplica se a hipoteca for constituda no interesse de ambos os cnjuges ou de toda a entidade familiar. Na mesma linha, a Corte Superior, dando interpretao restritiva exceo, concluiu que a norma no alcana os casos em que a pequena propriedade rural dada como garantia de dvida. Sustentou-se que tal propriedade encontra proteo contra a penhora no art. 5., inc. XXVI, da CF/1988, dispositivo que deve prevalecer na espcie, no sendo o caso de incidir a norma excepcional ora em estudo (STJ, REsp 1.115.265/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 24.04.2012, Informativo n. 496).

f)No caso de o imvel ter sido adquirido como produto de crime ou para a execuo de sentena penal condenatria de ressarcimento, indenizao (inclusive por ato ilcito ou abuso de direito) ou perdimento de bens.

g)Por obrigao decorrente de fiana concedida em contrato de locao de imvel urbano, exceo que foi introduzida pelo art. 82 da Lei 8.245/1991.

Em relao a essa ltima exceo (art. 3., VII, da Lei 8.009/1990), sempre divergiram doutrina e jurisprudncia a respeito de sua suposta inconstitucionalidade. Contudo, sempre prevaleceu no Superior Tribunal de Justia, salvo alguns poucos julgados, o entendimento pela penhorabilidade, tese tambm acolhida em So Paulo pelo extinto Segundo Tribunal de Alada Civil em sua maioria. Nesse sentido, vale transcrever:Locao. Fiana. Penhora. Bem de famlia. Sendo proposta a ao na vigncia da Lei 8.245/1991, vlida a penhora que obedece seus termos, excluindo o fiador em contrato locatcio da impenhorabilidade do bem de famlia. Recurso provido (STJ, REsp 299663/RJ, 5. Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 15.03.2001, DJ 02.04.2001, p. 334).Execuo. Penhora. Bem de famlia. Fiador. Inconstitucionalidade do art. 3., inciso VII, da Lei 8.009/1990. No reconhecimento. No inconstitucional a exceo prevista no inciso VII do art. 3., da Lei 8.009/1990, que autorizou a penhora do bem de famlia para a satisfao de dbitos decorrentes de fiana locatcia (2. TACSP, Ap. c/Rev. 656.658-00/9, 1. Cm., Rel. Juiz Vanderci lvares, j. 27.05.2003, Anotao no mesmo sentido: JTA (LEX) 149/297, AI 496.625-00/7, 3. Cm., Rel. Juiz Joo Saletti, j. 23.09.1997, Ap. c/Rev. 535.398-00/1, 3. Cm., Rel. Juiz Joo Saletti, j. 09.02.1999, Ap. c/Rev. 537.004-00/2, 4. Cm., Rel. Juiz Mariano Siqueira, j. 15.06.1999, Ap. c/Rev. 583.955-00/9, 12. Cm., Rel. Juiz Arantes Theodoro, j. 29.06.2000, Ap. c/Rev. 593.812-00/1, 10. Cm., Rel. Juiz Soares Levada, j. 07.02.2001, Ap. c/Rev. 605.973-00/3, 8. Cm., Rel. Juiz Renzo Leonardi, j. 26.04.2001, Ap. c/Rev. 621.136-00/1, 10. Cm., Rel. Juiz Irineu Pedrotti, j. 12.12.2001, Ap. c/Rev. 621.566-00/7, 10. Cm., Rel. Juiz Soares Levada, j. 12.12.2001, AI 755.476-00/1, 6. Cm., Rel. Juiz Lino Machado, j. 16.10.2002, Ap. c/Rev. 628.400-00/7, 3. Cm., Rel. Juiz Ferraz Felisardo, j. 26.11.2002, Ap. c/Rev. 760.642-00/0, 9. Cm., Rel. Juiz Claret de Almeida, j. 27.11.2002, AI 777.802-00/4, 3. Cm., Rel. Juiz Ribeiro Pinto, j. 11.02.2003, AI 780.849-00/0, 12. Cm., Rel. Juiz Arantes Theodoro, j. 27.02.2003).Contudo, parte da doutrina, principalmente formada por civilistas da nova gerao, sustenta ser essa previso inconstitucional, por violar a isonomia. Isso porque o devedor principal (locatrio) no pode ter o seu bem de famlia penhorado, enquanto o fiador (em regra, devedor subsidirio) pode suportar a constrio.Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assim concluem sustentando que: luz do Direito Civil Constitucional pois no h outra forma de pensar modernamente o Direito Civil , parece-nos foroso concluir que este dispositivo de lei viola o princpio da isonomia insculpido no art. 5. da CF, uma vez que trata de forma desigual locatrio e fiador, embora as obrigaes de ambos tenham a mesma causa jurdica: o contrato de locao (Novo..., 2003, v. I, p. 289). No mesmo sentido, esse o posicionamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Direito civil... Teoria geral..., 2006, p. 357). Mais uma vez filia-se a essa tese minoritria, que, infelizmente, no prevalece em nossos tribunais.Mas esse entendimento minoritrio foi reconhecido pelo Ministro Carlos Velloso, recentemente aposentado, em deciso monocrtica pronunciada em sede de recurso extraordinrio em curso perante o Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:Em trabalho doutrinrio que escrevi Dos Direitos Sociais na Constituio do Brasil, texto bsico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocnio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.03.2003, registrei que o direito moradia, estabelecido no art. 6., CF, um direito fundamental de 2. gerao direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.O bem de famlia a moradia do homem e sua famlia justifica a existncia de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/1990, art. 1.. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.Posto isso, veja-se a contradio: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de famlia do fiador, sujeitou o seu imvel residencial, imvel residencial prprio do casal, ou da entidade familiar, penhora. No h dvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3., feriu de morte o princpio isonmico, tratando desigualmente situaes iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernculo: onde existe a mesma razo fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princpio isonmico, o citado dispositivo do inciso VII do art. 3., acrescentado pela Lei 8.245/1991, no foi recebido pela EC 26, de 2000 (STF, RE 352940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 25.04.2005, pendente de publicao).Portanto, a tese defendida j na primeira edio do Volume 1 desta coleo, ganhou fora, tendo sido a questo amplamente discutida no meio jurdico nacional no ano de 2005. Vale citar que h julgado do TJSP adotando parcialmente a tese, entendendo que o imvel de residncia do fiador, no caso de fiana prestada em locao no residencial, no pode ser penhorado (Processo 789.652.0/6. Rel. Des. Lino Machado, deciso de 2005).Esclarea-se que o principal argumento para a inconstitucionalidade do dispositivo a leso isonomia e proporcionalidade. O fiador perde o bem de famlia e, em direito de regresso, no conseguir penhorar o imvel de residncia do locatrio, que o devedor principal.Mas, infelizmente, o plenrio do Supremo Tribunal Federal julgou a questo no ltimo dia 8 de fevereiro de 2006. Por maioria de votos, o STF entendeu ser constitucional a previso do art. 3., VII, da Lei 8.009/1990. Segundo o relator da deciso, Ministro Cezar Peluso, a lei do bem de famlia clara ao prever a possibilidade de penhora do imvel de residncia de fiador de locao de imvel urbano, sendo esta regra inafastvel. Entendeu, ainda, que a pessoa tem plena liberdade de querer ou no assumir a condio de fiadora, devendo subsumir a norma infraconstitucional se assim o faz, no havendo qualquer leso isonomia constitucional. Por fim, alegou que a norma protege o mercado imobilirio, devendo ainda ter aplicao, nos termos do art. 170 da CF/1988. Votaram com ele os Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurlio, Seplveda Pertence e Nelson Jobim.A votao no foi unnime, pois entenderam pela inconstitucionalidade os Ministros Eros Grau, Ayres Brito e Celso de Mello. Em seu voto, o Ministro Eros Grau ressaltou a grande preocupao dos civilistas em defender os preceitos constitucionais, o que o nosso caso, apontando que a previso do art. 3., VII, da Lei 8.009/1990 viola a isonomia constitucional. Isso, vale repetir, porque a fiana um contrato acessrio, que no pode trazer mais obrigaes que o contrato principal.Resumindo, o debate jurdico parece ter sido encerrado com a deciso do STF, cuja ementa a seguinte:Fiador. Locao. Ao de despejo. Sentena de procedncia. Execuo. Responsabilidade solidria pelos dbitos do afianado. Penhora de seu imvel residencial. Bem de famlia. Admissibilidade. Inexistncia de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6. da CF. Constitucionalidade do art. 3., VII, da Lei 8.009/1990, com a redao da Lei 8.245/1991. Recurso extraordinrio desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de famlia do fiador do contrato de locao, objeto do art. 3., VII, da Lei 8.009, de 23 de maro de 1990, com a redao da Lei 8.245, de 15 de outubro de 1991, no ofende o art. 6. da Constituio da Repblica (STF, RE 407688/SP, So Paulo, Recurso Extraordinrio, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 08.02.2006).Ledo engano. No se deve entender dessa forma, o que pode ser percebido pela divergncia gerada no prprio STF. Em reforo, cumpre destacar que existem projetos legislativos de revogao do inc. VII do art. 3. da Lei 8.009/1990, norma essa que totalmente incompatvel com a Constituio Federal. Cite -se, de incio, o Projeto de Lei 408/2008, em trmite no Senado Federal, proposto pelo Senador Papalo Paes. Na Cmara dos Deputados, com o mesmo intuito, esto em trmite pelo menos trs projees para a mesma revogao: PL 1.622/1996, PL 2.368/1996 e PL 1.458/2003.Ademais, no obstante a deciso do STF, alguns Tribunais Estaduais, caso do Tribunal de Justia de Minas Gerais, tm entendido pela inconstitucionalidade da previso, pela flagrante leso isonomia e proteo da moradia. Cumpre destacar essa corajosa deciso:Agravo de instrumento. Embargos execuo julgados improcedentes. Apelao. Efeito suspensivo. Penhora. Imvel do fiador. Bem de famlia. Direito moradia. Violao aos princpios da dignidade humana e igualdade. Irrenunciabilidade. A partir da Emenda Constitucional 26/2000, a moradia foi elevada condio de direito fundamental, razo pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de famlia foi estendida ao imvel do fiador, caso este seja destinado sua moradia e de sua famlia. No processo de execuo, o princpio da dignidade humana deve ser considerado, razo pela qual o devedor, principalmente o subsidirio, no pode ser levado condio de penria e desabrigo para que o crdito seja satisfeito. Em respeito ao princpio da igualdade, deve ser assegurado tanto ao devedor fiador quanto ao devedor principal do contrato de locao o direito impenhorabilidade do bem de famlia. Por tratar-se de norma de ordem pblica, com status de direito social, a impenhorabilidade no poder ser afastada por renncia do devedor, em detrimento da famlia (TJMG, Processo 1.0480.05.076516-7/002(1), Rel. D. Vioso Rodrigues, Rel. do acrdo Fabio Maia Viani, j. 19.02.2008, Publicao 13.03.2008).Merecem destaque os argumentos do Des. Elpdio Donizetti, terceiro juiz no julgamento acima transcrito:Por razes tico-sociais e at mesmo humanitrias, houve por bem o legislador brasileiro prever algumas hipteses em que, embora disponveis, certos bens pertencentes ao patrimnio do devedor no so passveis de penhora.Assim, a Lei 8.009/1990, ao dispor sobre bem de famlia, vedou a penhora no apenas do imvel residencial do casal ou da entidade familiar, mas tambm definiu como impenhorveis os mveis que guarneam a residncia. Desse modo, desde que no constituam adornos suntuosos, so impenhorveis os bens necessrios regular utilizao da moradia.Todavia, o mesmo diploma normativo, Lei 8.009/1990, retira, no seu art. 3., a garantia de impenhorabilidade dos citados bens em algumas situaes especficas. o caso dos objetos que garantem obrigao decorrente de fiana prestada em contrato de locao, conforme inciso acrescentado ao art. 3. pela Lei 8.245/1991, seno vejamos: (...).Com base em tal dispositivo legal, o entendimento que tem prevalecido nos tribunais de que, em se tratando de obrigao decorrente de fiana concedida em contrato de locao, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de famlia prevista pelo art. 1. da Lei 8.009/1990.Conforme decidiu recentemente o STF, no RE 407.688/SP, da relatoria do Ministro Czar Peluso, o bem de famlia pertencente ao fiador em contrato de locao passvel de ser penhorado, ao fundamento de que no existe violao ao direito social moradia, previsto no art. 6. da CF, porquanto este no se confunde com o direito propriedade imobiliria. Ademais, a possibilidade de penhora do bem de famlia do fiador estimula e facilita o acesso habitao arrendada, porquanto afasta a necessidade de garantias mais onerosas. Conquanto o prprio STF tenha decidido, conforme j ressaltado, pela aplicao do art. 3., VII, da Lei 8.009/1990, penso que a soluo deva se dar em sentido oposto.Em primeiro lugar, verifica-se que a Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6. da CF/1988, o qual constitui norma ordem pblica. Ora, ao proceder de tal maneira, o constituinte nada mais fez do que reconhecer o bvio: a moradia como direito fundamental da pessoa humana para uma vida digna em sociedade.Com espeque na alterao realizada pela Emenda Constitucional n. 26 e no prprio escopo da Lei 8.009/1990, resta claro que as excees previstas no art. 3. dessa lei no podem ser tidas como irrefutveis, sob pena de dar cabo, em alguns casos, funo social que exerce o bem de famlia, o que no pode ser admitido. Na esteira de tal entendimento, j se pronunciou o STJ:Recurso especial. Processual civil e constitucional. Locao. Fiador. Bem de famlia. Impenhorabilidade. Art. 3., VII, da Lei 8.009/1990. No recepo. Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretrio Excelso, impenhorvel bem de famlia pertencente a fiador em contrato de locao, porquanto o art. 3., VII, da Lei 8.009/1990 no foi recepcionado pelo art. 6. da Constituio Federal (redao dada pela Emenda Constitucional n. 26/2000). Recurso desprovido (STJ, 5. Turma, REsp 699837/RS, Rel. Min. Flix Fischer, j. 02.08.2005).Ademais, a prevalecer o entendimento segundo o qual o direito moradia no se confunde com o direito propriedade imobiliria, o que se ver o insensato desalojamento de inmeras famlias ao singelo argumento de que subsiste o direito moradia arrendada, como se a ordem econmica excludente sob a qual vivemos no trouxesse agruras bastantes classe mdia. Em outras palavras, com efeito, facilita-se a moradia do locatrio e subtrai-a do fiador.No se olvida que a penhorabilidade do bem de famlia do fiador, alm de afrontar o direito moradia, fere os princpios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Isso devido ao fato de que no h razo para estabelecer tratamento desigual entre o locatrio e o seu fiador, sobretudo porque a obrigao do fiador acessria do locatrio, e, assim, no h justificativa para prever a impenhorabilidade do bem de famlia em relao a este e ved-la em relao quele.Por derradeiro, insubsistente o argumento de que a possibilidade de penhora do bem de famlia do fiador estimula e facilita o acesso habitao arrendada. que, diante tal possibilidade, poucos se aventuraro a prestar fiana, o que dificultar sobremaneira o cumprimento de tal requisito por parte do locatrio, que ter a penosa tarefa de conseguir um fiador.Destarte, entende-se que a exceo impenhorabilidade do bem de famlia prevista no art. 3., VII, da Lei 8.009/1990 no deve ser aplicada ao caso sob julgamento.O voto sintetiza com preciso como deve ser encarada a proteo da moradia que consta do art. 6. da CF/1988 nas relaes privadas. Destaque-se que no mesmo sentido foram encontrados acrdos de outros Tribunais Estaduais concluindo do mesmo modo. Nessa linha, h decises do Tribunal de Justia do Mato Grosso do Sul (TJMS, Agravo Regimental n. 2011.019868-4/0001-00, Campo Grande, Quinta Turma Cvel, Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva, DJEMS 08/09/2011, pg. 34 e TJMS, Acrdo 2008.025448-7/0000-00, Campo Grande, 5. Turma Cvel, Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva, DJEMS 08.06.2009, p. 36), do Tribunal de Sergipe (TJSE, Agravo de instrumento n. 010208597, Acrdo n. 7899/2010, Rel. Juza Conv. Iolanda Santos Guimares, DJSE 24/08/2010, pg. 34 e TJSE, Agravo de instrumento 2008203947, Acrdo 3.245/2009, 1. Cmara Cvel, Rel. Des. Cludio Dinart Dda Chagas, DJSE 11.05.2009, p. 11), do Tribunal de Santa Catarina (TJSC, Embargos de Declarao 2006.027903-6, Blumenau, 2. Cmara de Direito Civil, Rel. Des. Salete Silva Sommariva, DJSC 19.03.2008, p. 139) e do Tribunal do Paran (TJPR, Agravo de instrumento 352151-1, Acrdo 4.269, Curitiba, 16. Cmara Cvel, Rel. Des. Maria Mercis Gomes Aniceto, j. 16,11,2006, DJPR 01.12.2006).Superada a anlise dessa intrigante discusso, preceitua o art. 4. da Lei 8.009/1990 que No se beneficiar do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de m-f imvel mais valioso para transferir a residncia familiar, desfazendo-se ou no da moradia antiga. Em casos tais, poder o juiz, na respectiva ao do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execuo ou concurso, conforme a hiptese (art. 4., 1.). J quando a residncia familiar for imvel rural, a impenhorabilidade restringir-se- sede de moradia, com os respectivos bens mveis e, nos casos do art. 5., inciso XXVI, da Constituio, rea limitada como pequena propriedade rural ( 2. do art. 4. da Lei 8.009/1990). Nota-se que a norma visa a punir aquele que age de m-f, preservando a proteo da pequena propriedade rural.Ainda no que concerne ao bem de famlia legal, se o casal ou entidade familiar for possuidor de vrios imveis, a impenhorabilidade recair sobre o de menor valor (art. 5., pargrafo nico, da Lei 8.009/1990), norma essa que protege o credor.Seguindo no estudo da matria, vejamos a polmica hiptese ftica do bem de famlia ofertado. Melhor explicando, imagine-se o caso em que um devedor, executado, ainda sem advogado constitudo ou que lhe oriente, oferea o prprio bem de famlia, imvel de sua residncia, penhora. Depois, devidamente orientado por seu procurador, o prprio devedor ope embargos penhora, alegando tratar-se de um imvel impenhorvel, por fora da Lei 8.009/1990.Surgem duas correntes bem definidas em relao ao tema.Para uma primeira corrente, os embargos opostos pelo devedor devem ser rejeitados de imediato.O primeiro argumento que surge est relacionado com aquela antiga regra pela qual ningum pode se beneficiar da prpria torpeza, corolrio da boa-f subjetiva, aquela que existe no plano psicolgico, intencional (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). Como reforo para esse primeiro argumento, surge a tese pela qual se deve dar interpretao restritiva Lei 8.009/1990. Entre os doutrinadores que propem essa interpretao restritiva, pode ser citado Daniel Amorim Assumpo Neves. at interessante a simbologia por ele utilizada:H aspecto ainda pior; penhorado o bem, abre-se discusso sobre sua impenhorabilidade em sede de embargos de execuo ou mesmo exceo de pr-executividade, o que pode significar anos de debates para que no fim se determine que o credor deve voltar a estaca zero, j que aquele bem que garantia o juzo era impenhorvel. A tristeza e melancolia com que o credor recebe tal informao de seu patrono s so comparveis s perplexas faces dos torcedores derrotados em final de campeonato com gol impedido e de mo nos descontos (Impenhorabilidade de bens..., Disponvel em: . Acesso em: 17 out. 2007).O segundo argumento utilizado por aqueles que sustentam que os embargos do devedor devem ser rejeitados se houver o oferecimento do bem de famlia e posterior insurgncia est fundado na alegao da vedao do comportamento contraditrio (venire contra factum proprium), que tambm mantm relao com a boa-f, mas aquela de natureza objetiva, que existe no plano da lealdade dos participantes da relao negocial. Esse entendimento chegou a ser adotado pelo Superior Tribunal de Justia para que os embargos do devedor fossem repelidos: Civil. Bem de famlia. Lei 8.009, de 1990. A impenhorabilidade resultante do art. 1. da Lei 8.009, de 1990, pode ser objeto de renncia vlida em situaes excepcionais; prevalncia do princpio da boa-f objetiva. Recurso especial no conhecido (STJ, REsp 554.622/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, 3. Turma, j. 17.11.2005, DJ 01.02.2006, p. 527).Da ementa transcrita, alis, decorre o terceiro argumento para se penhorar o bem de famlia ofertado, o de que a proteo constante da Lei 8.009/1990 passvel de renncia, pois est na parte disponvel dos direitos pessoais (no mesmo sentido: STJ, REsp 249.009/SP, Rel. Min. Antnio de Pdua Ribeiro, 3. Turma, j. 16.08.2001, DJ 17.03.2003, p. 225). Em suma e em outras palavras, trata-se de um justo e legal exerccio da autonomia privada a renncia impenhorabilidade do bem de famlia, o que ocorre quando o devedor o oferece excusso.Apesar dos notveis esforos para amparar esses trs argumentos, no h como com eles concordar, em hiptese alguma. E a premissa basilar para a tese contrria aquela pela qual o bem de famlia legal envolve um direito fundamental da pessoa humana: o direito moradia.Muito se tem dito a respeito da dignidade humana como propulsora da tendncia de constitucionalizao do Direito Civil e da possibilidade de aplicao das normas constitucionais protetivas da pessoa nas relaes privadas (eficcia horizontal). Em realidade, parece-nos que um dos modos de especializar essa mxima proteo se d justamente pela proteo da moradia como ocorre nos casos envolvendo o Bem de Famlia Ofertado. A amplitude de proteo, para esses casos, justa, razovel e proporcional, concretizando o Texto Constitucional (SARLET, Ingo Wolfgang. A Constituio..., 2000).Assim, nos dizeres de Ingo Sarlet, um dos atributos da dignidade o de dotar a pessoa de direitos mnimos. (As dimenses..., Dimenses da dignidade..., 2005, p. 37).Do ponto de vista constitucional, esse feixe de direitos mnimos ou mnimo existencial mantm relao com o direito moradia, previsto no art. 6. da Constituio, um direito social e fundamental. Sob o prisma civil, esse feixe de direitos representa o direito propriedade mnima: o direito ao imvel prprio como um direito mnimo para o livre desenvolvimento da pessoa. Como se sabe, nos meios populares, o sonho da casa prpria povoa a mente de milhes de brasileiros. na casa prpria que a pessoa humana se concretiza, se aperfeioa e se relaciona; nela que exerce plenamente a sua dignidade.A partir dessa ideia, que serve como tronco fundamental, decorrem os contra-argumentos ao que antes foi exposto, para gerar a concluso de que os embargos penhora devem ser acolhidos na hiptese do oferecimento do bem de famlia.Como primeiro contra-argumento, quanto alegao de que ningum pode se beneficiar da prpria torpeza, no se pode atribuir m-f presumida quele que oferece o bem de famlia penhora. O Direito, em certo sentido, acaba por ser uma cincia endmica, que surge para solucionar conflitos humanos. Sendo assim, no se pode presumir que as mentes das pessoas tambm esto doentes. Ademais, o argumento de torpeza, baseado na boa-f subjetiva e, por isso, essencialmente privado, no pode prevalecer sobre a proteo do bem de famlia legal, que envolve ordem pblica (STJ, AgRg no REsp 813.546/DF, Rel. Min. Francisco Falco, Rel. p/acrdo Min. Luiz Fux, 1. Turma, j. 10.04.2007, DJ 04.06.2007, p. 314).Segundo, a prevalncia do direito moradia sobre a boa-f tambm serve para afastar o argumento de aplicao da vedao do comportamento contraditrio (venire contra factum proprium). A partir da ideia de ponderao ou pesagem, deve-se entender que o primeiro direito tem prioridade e prevalncia sobre a boa-f objetiva.Terceiro contra-argumento e por fim, no restam dvidas de que a renncia ao bem de famlia legal invlida e ineficaz, pois constitui um exerccio inadmissvel da autonomia privada por parte do devedor. Eis aqui mais um exemplo possvel de dirigismo negocial nas relaes subjetivas. Desse modo, a suposta renncia no afasta a possibilidade de ser arguir posteriormente a impenhorabilidade do imvel de residncia. Nesse sentido vem entendendo, felizmente, o Superior Tribunal de Justia:Bem de famlia. Impenhorabilidade. Negativa de prestao jurisdicional. Inocorrncia. Violao coisa julgada. Inocorrncia. Renncia ao benefcio assegurado pela Lei n. 8.009/90. Impossibilidade. Destinao residencial dada ao imvel posteriormente penhora. Determinao de remessa dos autos origem para anlise da questo luz da jurisprudncia desta Corte. (...) Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que a proteo legal conferida ao bem de famlia pela Lei n. 8.009/90 no pode ser afastada por renncia ao privilgio pelo devedor, constituindo princpio de ordem pblica, prevalente sobre a vontade manifestada, que se tem por viciada ex vi legis (REsp 805.713/DF, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 15/03/2007, DJ 16/04/2007 p. 210). (...) (STJ, REsp 714.858/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3. Turma, j. 08.11.2011, DJe 25.11.2011).Agravo regimental. Ausncia de argumentos capazes de infirmar os fundamentos da deciso agravada. Execuo. Bem de famlia. Indicao penhora. No merece provimento recurso carente de argumentos capazes de desconstituir a deciso agravada. O fato de o executado oferecer penhora o imvel destinado residncia da famlia no o impede de arguir sua impenhorabilidade (Lei 8.009/1990) (STJ, AgRg no REsp 888.654/ES, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3. Turma, j. 03.04.2007, DJ 07.05.2007, p. 325).Recurso especial. Embargos de terceiro. Desconstituio da penhora do imvel no qual residem os embargantes. Legitimidade ativa ad causam. Membros integrantes da entidade familiar. Nomeao penhora do bem de famlia. Inexistncia de renncia ao benefcio previsto na Lei 8.009/1990. Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial. Julgamento deste. Perda de objeto. Prejudicialidade. Extino do processo sem exame do mrito. 1 Os filhos da executada e de seu cnjuge tm legitimidade para a apresentao de embargos de terceiro, a fim de desconstituir penhora incidente sobre o imvel no qual residem, pertencente a seus genitores, porquanto integrantes da entidade familiar a que visa proteger a Lei 8.009/1990, existindo interesse em assegurar a habitao da famlia diante da omisso dos titulares do bem de famlia. Precedentes (REsp 345.933/RJ e 151.238/SP). 2 Esta Corte de Uniformizao j decidiu no sentido de que a indicao do bem de famlia penhora no implica renncia ao benefcio garantido pela Lei 8.009/1990. Precedentes (REsp 526.460/RS, 684.587/TO, 208.963/PR e 759.745/SP). 3 Recurso conhecido e provido para julgar procedentes os embargos de terceiro, afastando a constrio incidente sobre o imvel, invertendo-se o nus da sucumbncia, mantido o valor fixado na r. sentena. 4 Tendo sido julgado, nesta oportunidade, o presente recurso especial, a Medida Cautelar 2.739/PA perdeu o seu objeto, porquanto foi ajuizada, exclusivamente, para conferir-lhe efeito suspensivo. 5 Prejudicada a Medida Cautelar 2.739/PA, por perda de objeto, restando extinta, sem exame do mrito, nos termos do art. 808, III, c/c o art. 267, IV, ambos do CPC. Este acrdo deve ser trasladado queles autos (STJ, REsp 511.023/PA, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4. Turma, j. 18.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 333).Servem como sustento as palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, para quem a dignidade humana da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; no de um ser ideal e abstracto. o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurdica considera irredutvel, insubsistente e irrepetvel e cujos direitos fundamentais a Constituio enuncia e protege (MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituio portuguesa..., 2005, t. I, p. 53). Essa dignidade humana que ampara a proteo da habitao como um direito fundamental e social no sistema portugus.A concluso deve ser a mesma no sistema brasileiro, pois interesses essenciais ao desenvolvimento social do nosso Pas devem prevalecer sobre interesses formais, antenados rigidez do processo. O dogma da justia segura cede espao justia justa. Com essa ideia de justia est se construindo o Direito Contemporneo, sempre a partir de um dilogo interdisciplinar (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre peixes..., Anais do V Congresso..., 2006, p. 426).Encerrando o estudo do instituto do bem de famlia, cumpre relevar que o Superior Tribunal de Justia julgou recentemente que a boa-f deve sim ser levada em conta na anlise da tutela do bem de famlia, o que representa mitigao parcial da ltima concluso exposta a respeito da penhora do bem de famlia ofertado.Em julgado do ano de 2012, entendeu a Corte que a impenhorabilidade no prevalece nas hipteses em que o devedor atua de m-f, alienando todos os seus bens e fazendo restar apenas o imvel de residncia. Conforme voto da Ministra Nancy Andrighi, No h, em nosso sistema jurdico, norma que possa ser interpretada de modo apartado aos cnones da boa-f. Todas as disposies jurdicas, notadamente as que confiram excepcionais protees, como ocorre com a Lei 8.009/1990, s tm sentido se efetivamente protegerem as pessoas que se encontram na condio prevista pelo legislador. Permitir que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma disposio legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover uma injustia na situao concreta e enfraquecer, de maneira global, todo o sistema de especial de proteo objetivado pelo legislador (STJ, REsp 1.299.580/RJ, 3. Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.03.2012).Como se pode observar, o acrdo abre mais uma exceo, alm do rol previsto no art. 3. da Lei 8.009/1990, tratado como meramente exemplificativo. A deciso sociolgica, apesar de encontrar obstculo da antiga mxima segundo a qual as normas de exceo no admitem interpretao extensiva. O tema fica em aberto para as devidas reflexes