trabalho prático em biologia e geologia no ensino secundário
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAO
TRABALHO PRTICO EM BIOLOGIA E GEOLOGIA NO ENSINO SECUNDRIO
Estudo dos documentos oficiais e suas
recontextualizaes nas prticas dos professores
Slvia Cristina dos Reis Ferreira
DOUTORAMENTO EM EDUCAO
Especialidade em Didtica das Cincias
2014
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAO
TRABALHO PRTICO EM BIOLOGIA E GEOLOGIA NO ENSINO SECUNDRIO
Estudo dos documentos oficiais e suas
recontextualizaes nas prticas dos professores
Slvia Cristina dos Reis Ferreira
Tese orientada pela Professora Doutora Ana Maria Morais,
especialmente elaborada para a obteno do grau de doutor em
Didtica das Cincias
2014
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Ao Rodrigo e Rafaela
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A porta da verdade estava aberta,
mas s deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim no era possvel atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
s trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis no coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua iluso, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade (Verdade)
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AGRADECIMENTOS
A realizao desta investigao no teria sido possvel sem o apoio e a colaborao
dados por vrias pessoas e instituies. A todos os que de alguma forma contriburam
para o presente trabalho o meu sincero agradecimento.
Professora Doutora Ana Maria Morais o meu especial agradecimento pela forma
como orientou este trabalho. Agradeo todo o seu apoio, a sua disponibilidade, as suas
preciosas sugestes e todos os momentos de reflexo e de discusso que partilhmos.
Agradeo tambm todo o seu incentivo profissional e acadmico, que tem estado
presente desde que tive o privilgio de a ter como Professora na disciplina de didtica
das cincias ainda na licenciatura.
Professora Doutora Isabel Neves pela sua participao nas discusses, com sugestes
e crticas a este estudo, e pela sua inestimvel colaborao na validao dos resultados
da anlise do currculo, das fichas de avaliao externa e das prticas pedaggicas.
s professoras Rute, Sara, Vera e Marta, nomes fictcios das professoras participantes
no estudo, pela colaborao e pela disponibilidade que sempre manifestaram e por
terem permitido a minha entrada nas suas salas de aula. Sem elas a investigao no
teria sido possvel.
comunidade educativa das quatro escolas onde decorreu a investigao pela
recetividade e disponibilidade que demonstraram.
s quatro professoras que colaboraram na pilotagem dos instrumentos de observao
das aulas e da entrevista.
Aos meus colegas Leonor Saraiva, Slvia Castro e Renato Duro pelos momentos de
reflexo e de discusso da teoria de Basil Bernstein. Leonor agradeo ainda pelo
apoio, pelo incentivo e pela amizade.
Fundao para a Cincia e Tecnologia que financiou parcialmente a realizao deste
doutoramento (SFRH/BD/68346/2010) e ao Ministrio da Educao e Cincia que
possibilitou a sua realizao atravs da atribuio de equiparao a bolseiro.
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Ao Instituto de Educao e sua unidade de investigao (Unidade de Investigao e
Desenvolvimento em Educao e Formao) pelo apoio concedido em diversos
momentos.
Aos meus amigos pela amizade e pelas palavras de encorajamento, ao longo destes
quatro anos, e por compreenderem que nem sempre era possvel estar presente.
Aos meus pais e minha irm pela fora e incentivos que sempre me deram.
Ao Pedro pela compreenso demonstrada durante a realizao deste trabalho e pelo
apoio incondicional que sempre me deu. Aos meus filhos, Rodrigo e Rafaela, por
perdoarem as minhas ausncias e pelos seus sorrisos que me ajudaram a levar este
projeto at ao fim.
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RESUMO
Este estudo centrou-se no trabalho prtico em Biologia e Geologia do ensino
secundrio. A principal finalidade foi compreender em que medida as orientaes do
Ministrio da Educao, expressas nos documentos oficiais, as concees dos
professores quanto ao trabalho prtico e o contexto social da escola podero influenciar
as prticas pedaggicas. A anlise do trabalho prtico focou-se no nvel de exigncia
conceptual e na natureza das relaes sociolgicas entre sujeitos, discursos e espaos,
nos contextos de transmisso/aquisio e de avaliao. O estudo est fundamentado
psicolgica e sociologicamente, destacando-se a teoria do discurso pedaggico de
Bernstein.
A investigao seguiu uma metodologia mista. Atravs de uma dialtica constante entre
o terico e o emprico, analisaram-se vrios textos: currculo de Biologia e Geologia dos
10 e 11 anos de escolaridade, fichas de avaliao externa, entrevistas a professores e
prticas pedaggicas. No estudo participaram quatro professoras de quatro escolas
diferentes e respetivas turmas do 10 ano de escolaridade.
Os resultados evidenciam a ocorrncia de descontinuidades entre as mensagens do
currculo e das fichas de avaliao externa quanto ao nvel de exigncia conceptual do
trabalho prtico, sendo esse nvel menor na avaliao externa. Nenhuma das prticas
evidenciou um elevado nvel de exigncia conceptual e tenderam a aproximar-se da
mensagem expressa nas fichas de avaliao externa. Os processos de recontextualizao
que se verificaram parecem ter sido influenciados pelas concees das professoras
relativas ao trabalho prtico no ensino das cincias e ainda pelo contexto social da
escola. As professoras das escolas classificadas nos nveis mais baixos dos rankings
nacionais e cujos alunos pertenciam a setores sociais menos providos de recursos
apresentaram prticas que se caracterizaram pelos nveis mais baixos de exigncia e que
mais se afastaram da modalidade de prtica pedaggica que se tem mostrado mais
favorvel aprendizagem de todos os alunos.
Palavras-chave: trabalho prtico no ensino das cincias; exigncia conceptual;
contextos sociais de aprendizagem; processos de recontextualizao; discurso
pedaggico oficial; prticas pedaggicas.
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ABSTRACT
The study was centred on practical work in the discipline of high school Biology and
Geology. Its main aim was to understand the extent to which the Ministry of Education
guidelines, present in official documents, the teachers conceptions about practical work
and the school social context may influence pedagogical practices. The analysis of
practical work was focused on the level of conceptual demand and on the nature of
sociological relations between subjects, discourses and spaces, in both the
transmission/acquisition and the evaluation contexts. The study is psychologically and
sociologically grounded, particularly on Bernsteins theory of pedagogic discourse.
The research followed a mixed methodology. A constant dialectics between the
theoretical and the empirical was present in the analysis of various texts: the Biology
and Geology curriculum for the 10th and 11th years of schooling, the assessment exams,
teachers interviews and pedagogical practices. Four teachers of four distinct schools
and respective 10th grade students participated in the study.
The results suggest the existence of discontinuities between the curriculum and the
external assessment exams messages related to the level of conceptual demand of
practical work, which showed to be lower in the external assessment. None of the
practices revealed a high level of conceptual demand, approaching the message
contained in the external assessment exams. The teachers conceptions about practical
work in science education and the social context of the school seemed to have
influenced the recontextualizing processes that were evidenced. The teachers from the
schools which had been placed in the lowest levels of national rankings and whose
students belong to social sectors with less resources implemented practices that were
characterized by lower levels of conceptual demand and that are farer away from the
modality of pedagogic practice that has been shown to be more favourable to all
students learning.
Key words: practical work in science education; conceptual demand; learning social
contexts; recontextualizing processes; official pedagogic discourse; pedagogical
practices.
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NOTA PRVIA
No decurso desta investigao, a autora publicou artigos em revistas com reviso
cientfica e em captulos de livros e participou em diversas conferncias nacionais e
internacionais onde partilhou alguns dos resultados obtidos no estudo e algumas das
pesquisas bibliogrficas realizadas.
Os artigos publicados foram os seguintes:
Ferreira, S. (2014). Aquaporinas. Revista de Cincia Elementar, 2(02),16-17.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2013). Exigncia conceptual do trabalho prtico nos
exames nacionais: Uma abordagem metodolgica. Olhar de Professor, 16(1), 149-
172.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2014a). Conceptual demand of practical work in science
curricula: A methodological approach. Research in Science Education, 44(1), 53-
80. DOI: 10.1007/s11165-013-9377-7.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2014b). A exigncia conceptual em currculos de
cincias: Estudo do trabalho prtico em Biologia e Geologia do ensino secundrio.
In A. M. Morais, I. P. Neves & S. Ferreira (Eds.), Currculos, manuais escolares e
prticas pedaggicas: Estudo de processos de estabilidade e de mudana no
sistema educativo (cap.5). Lisboa: Edies Slabo. (em publicao)
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2014c). Currculo e exames nacionais: Estudo da
exigncia conceptual do trabalho prtico em Biologia e Geologia do ensino
secundrio. In A. M. Morais, I. P. Neves & S. Ferreira (Eds.), Currculos, manuais
escolares e prticas pedaggicas: Estudo de processos de estabilidade e de
mudana no sistema educativo (cap.10). Lisboa: Edies Slabo. (em publicao)
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2014d). Conceptual demand of practical work: A
framework for studying teachers practices. School Science Review. (proposto para
publicao)
Morais, A. M., Neves, I. P., & Ferreira, S. (2014). Enquadramento terico e
metodolgico. In A. M. Morais, I. P. Neves & S. Ferreira (Eds.), Currculos,
manuais escolares e prticas pedaggicas: Estudo de processos de estabilidade e
de mudana no sistema educativo (cap.1). Lisboa: Edies Slabo. (em publicao)
As comunicaes orais apresentadas foram as seguintes:
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2011, junho). Mtodos e conceitos de anlise de
currculos: Anlise do trabalho prtico de Biologia e Geologia do ensino
secundrio. Comunicao apresentada no XI Congresso da Sociedade Portuguesa
de Cincias da Educao, Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico da
Guarda.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2012, fevereiro). Nvel de complexidade dos currculos
de cincias: Anlise do trabalho prtico de Biologia e Geologia do ensino
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secundrio. Comunicao apresentada no XIX Colquio da Seco Portuguesa da AFIRSE, Instituto de Educao da Universidade de Lisboa.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2012, maro). Conceptual demand of science curricula:
Studying practical work in high school biology and geology. Comunicao apresentada na Conferncia da NARST 2012 NARST Annual International
Conference, em Indianpolis, EUA.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2013, maro). Exigncia conceptual dos recursos
digitais: Mtodos e conceitos de anlise. Comunicao apresentada no I Encontro
Internacional da Casa das Cincias, Escola Secundria D. Dinis, Lisboa.
Ferreira, S. & Morais, A. M. (2013, novembro). Exigncia conceptual do trabalho
prtico nos exames nacionais: Uma abordagem metodolgica. Comunicao
apresentada no VI Encontro do CIED I Encontro Internacional em Estudos
Educacionais, Escola Superior de Educao de Lisboa.
Ferreira, S., & Morais, A. M. (2014, maro). Exigncia conceptual do trabalho prtico
em cincias: Estudo de prticas pedaggicas no ensino secundrio. Comunicao
apresentada no XV Encontro Nacional de Educao em Cincias, Escola Superior
de Educao e Comunicao da Universidade do Algarve.
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NDICE
AGRADECIMENTOS ................................................................................................ v
RESUMO .................................................................................................................... vii
ABSTRACT ................................................................................................................ ix
NOTA PRVIA ........................................................................................................... xi
NDICE ........................................................................................................................ xiii
NDICE DE FIGURAS ............................................................................................... xix
NDICE DE TABELAS .............................................................................................. xxi
LISTA DE ABREVIATURAS .................................................................................... xxv
CAPTULO 1. INTRODUO ............................................................................... 1
1. Consideraes prvias ............................................................................................. 3
2. Contexto global da investigao .............................................................................. 6
3. Problema e questes de investigao ....................................................................... 11
4. Organizao da tese ................................................................................................. 14
CAPTULO 2. FUNDAMENTAO TERICA .................................................. 17
1. Introduo ................................................................................................................ 19
2. Trabalho prtico no ensino das cincias .................................................................. 20
2.1. Significado de trabalho prtico ........................................................................ 20
2.1.1. Capacidades de processos cientficos ....................................................... 22
2.2. Importncia do trabalho prtico ....................................................................... 27
2.2.1. Eficcia do trabalho prtico ..................................................................... 30
2.3. Tipologia de trabalho prtico ........................................................................... 34
2.3.1. Atividades laboratoriais ........................................................................... 36
2.3.2. Simulaes ............................................................................................... 43
2.3.3. Visitas de estudo ...................................................................................... 45
2.3.4. Exerccios de aplicao ............................................................................ 48
2.3.5. Atividades de discusso orientada ........................................................... 49
2.3.6. Trabalhos de pesquisa bibliogrfica ......................................................... 50
2.3.7. Recurso s tecnologias de informao e de comunicao ....................... 51
2.4. Avaliao do trabalho prtico .......................................................................... 53
2.4.1. Avaliao interna do trabalho prtico ...................................................... 54
2.4.2. Avaliao externa do trabalho prtico ...................................................... 63
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2.5. Concees dos professores sobre trabalho prtico .......................................... 71
3. Teoria de Bernstein .................................................................................................. 77
3.1. Modelo do discurso pedaggico ...................................................................... 78
3.2. Modalidades de prtica pedaggica ................................................................. 86
3.2.1. Modalidade de prtica pedaggica mista ................................................. 89
3.3. Orientao especfica de codificao .............................................................. 94
3.4. Estruturas de conhecimento ............................................................................. 100
4. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................................ 105
4.1. Significado de exigncia conceptual ................................................................ 105
4.1.1. Conhecimento cientfico .......................................................................... 109
4.1.2. Relaes entre discursos .......................................................................... 110
4.1.3. Capacidades cognitivas ............................................................................ 114
4.2. Exigncia conceptual e aprendizagem cientfica dos alunos ........................... 121
CAPTULO 3. METODOLOGIA ............................................................................ 125
1. Introduo ................................................................................................................ 127
2. Fundamentao metodolgica ................................................................................. 128
3. Anlise do trabalho prtico nos documentos oficiais .............................................. 135
3.1. Documentos oficiais analisados ....................................................................... 135
3.2. Dimenses de anlise ....................................................................................... 142
3.3. Construo e aplicao dos instrumentos de anlise ....................................... 144
3.3.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 145
3.3.2. Explicitao do trabalho prtico ............................................................... 152
3.4. Procedimentos de anlise dos dados ................................................................ 154
4. Sujeitos do estudo .................................................................................................... 158
4.1. Definio da amostra ....................................................................................... 159
4.2. As escolas ........................................................................................................ 161
4.3. As professoras .................................................................................................. 162
4.4. Os alunos .......................................................................................................... 164
5. Anlise das concees das professoras .................................................................... 170
5.1. Elaborao e aplicao da entrevista ............................................................... 170
5.2. Anlise da entrevista ........................................................................................ 176
6. Anlise das prticas pedaggicas ............................................................................ 179
6.1. Dimenses de anlise ....................................................................................... 180
6.2. Construo e aplicao dos instrumentos de anlise ....................................... 182
6.2.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 184
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6.2.2. Relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ............................... 190
6.3. Procedimentos de anlise dos dados ................................................................ 199
CAPTULO 4. ANLISE DOS RESULTADOS ..................................................... 207
1. Introduo ................................................................................................................ 209
2. Trabalho prtico nos documentos oficiais ............................................................... 210
2.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico no currculo ................................... 213
2.2. Exigncia conceptual do trabalho prtico nas fichas de avaliao externa ..... 225
2.3. Explicitao do trabalho prtico nos documentos oficiais ............................... 230
3. Concees das professoras ...................................................................................... 233
3.1. Natureza de uma aprendizagem significativa .................................................. 233
3.2. Natureza do trabalho prtico ............................................................................ 235
3.3. Avaliao do trabalho prtico .......................................................................... 241
3.4. Exigncia conceptual do trabalho prtico ........................................................ 246
3.5. Explicitao do trabalho prtico ...................................................................... 254
4. Trabalho prtico nas prticas pedaggicas .............................................................. 257
4.1. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Rute ............................... 258
4.1.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 259
4.1.2. Relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ............................... 265
4.2. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Sara ............................... 275
4.2.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 276
4.2.2. Relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ............................... 283
4.3. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Vera ............................... 293
4.3.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 293
4.3.2. Relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ............................... 300
4.4. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Marta ............................. 309
4.4.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 310
4.4.2. Relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ............................... 316
4.5. Comparao das prticas pedaggicas das professoras ................................... 329
4.6. Recontextualizao do discurso pedaggico oficial nas prticas das professoras ................................................................................................. 334
4.7. Relao entre as concees das professoras e as suas prticas ........................ 338
CAPTULO 5. CONCLUSES ................................................................................ 343
1. Principais concluses do estudo .............................................................................. 345
1.1. O trabalho prtico nos documentos oficiais e nas prticas dos professores ....................................................................................................... 346
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1.1.1. Estatuto do trabalho prtico nos documentos oficiais .............................. 347
1.1.2. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 349
1.1.3. Explicitao do trabalho prtico ............................................................... 357
1.2. O trabalho prtico nas concees e nas prticas dos professores .................... 360
1.2.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 361
1.2.2. Explicitao do trabalho prtico ............................................................... 362
1.2.3. Avaliao do trabalho prtico .................................................................. 363
1.3. O trabalho prtico em diferentes contextos de prticas pedaggicas .............. 365
1.3.1. Exigncia conceptual do trabalho prtico ................................................ 366
1.3.2. Relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ............................... 368
2. Contributos do estudo .............................................................................................. 370
3. Limitaes do estudo e sugestes para futuras investigaes ................................. 372
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................... 377
APNDICES .............................................................................................................. 395
Apndice 1: Instrumentos de anlise dos documentos oficiais ................................... 397
1.1. Conhecimentos cientficos ............................................................................... 399
1.2. Capacidades cognitivas .................................................................................... 400
1.2.1. Tabela complementar sobre a complexidade das capacidades cognitivas ........................................................................................................... 401
1.3. Relao entre teoria e prtica ........................................................................... 402
1.4. Relao entre diferentes atividades prticas .................................................... 403
1.5. Regra discursiva critrios de avaliao ......................................................... 405
Apndice 2: Tabelas gerais da anlise do currculo .................................................... 407
2.1. Tipo de trabalho prtico ................................................................................... 409
2.2. Conhecimentos cientficos ............................................................................... 410
2.3. Capacidades cognitivas .................................................................................... 412
2.4. Relao entre teoria e prtica ........................................................................... 414
2.5. Relao entre diferentes atividades prticas .................................................... 417
2.6. Regra discursiva critrios de avaliao ......................................................... 418
Apndice 3: Tabelas gerais da anlise das fichas de avaliao externa ...................... 419
3.1. Conhecimentos cientficos ............................................................................... 421
3.2. Capacidades cognitivas .................................................................................... 421
3.3. Relao entre teoria e prtica ........................................................................... 422
3.4. Regra discursiva critrios de avaliao ......................................................... 422
Apndice 4: Pedido de autorizao para participao no estudo ................................. 423
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Apndice 5: Questionrio Caractersticas do contexto familiar ............................... 427
Apndice 6: Guio da entrevista .................................................................................. 431
Apndice 7: Tabelas de sntese das aulas observadas ................................................. 453
7.1. Escola Darwin Professora Rute .................................................................... 455
7.2. Escola Mendel Professora Sara ..................................................................... 457
7.3. Escola Pasteur Professora Vera .................................................................... 459
7.4. Escola Fleming Professora Marta ................................................................. 460
Apndice 8: Instrumentos de anlise das prticas pedaggicas .................................. 463
8.1. Conhecimentos cientficos ............................................................................... 465
8.2. Capacidades cognitivas .................................................................................... 466
8.3. Relao entre teoria e prtica ........................................................................... 467
8.4. Relao entre diferentes atividades prticas .................................................... 470
8.5. Relao entre discurso vertical e discurso horizontal ...................................... 472
8.6. Regra discursiva seleo ............................................................................... 473
8.7. Regra discursiva ritmagem ............................................................................. 475
8.8. Regras discursiva critrios de avaliao ........................................................ 477
8.9. Regras hierrquicas .......................................................................................... 479
8.10. Espao professor-alunos ................................................................................ 480
8.11. Espao dos vrios alunos ............................................................................... 481
Apndice 9: Tabelas gerais da anlise das prticas pedaggicas ................................ 483
9.1. Tabelas de anlise da prtica pedaggica da professora Rute ......................... 485
9.2. Tabelas de anlise da prtica pedaggica da professora Sara .......................... 505
9.3. Tabelas de anlise da prtica pedaggica da professora Vera ......................... 522
9.4. Tabelas de anlise da prtica pedaggica da professora Marta ....................... 537
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NDICE DE FIGURAS
CAPTULO 1
Figura 1.1. Esquema geral da investigao ............................................................................. 14
CAPTULO 2
Figura 2.1. Um modelo da atividade cientfica ....................................................................... 24
Figura 2.2. Modelo do processo de conceo e avaliao de um trabalho prtico .................. 31
Figura 2.3. Classificao dos tipos de atividades de trabalho prtico ..................................... 36
Figura 2.4. Dimenses das atividades laboratoriais investigativas ......................................... 37
Figura 2.5. Modelo do discurso pedaggico de Bernstein ...................................................... 82
Figura 2.6. Caractersticas de uma prtica pedaggica mista .................................................. 90
Figura 2.7. Discursos verticais e horizontais ........................................................................... 100
Figura 2.8. Modelo baseado no conhecimento ........................................................................ 114
Figura 2.9. Organizao da taxonomia de Marzano ................................................................ 117
Figura 2.10. Exigncia conceptual e estrutura do conhecimento cientfico ............................ 123
CAPTULO 3
Figura 3.1. Modelo da metodologia de investigao ............................................................... 128
Figura 3.2. Representao do design de metodologia mista completamente
integrado da investigao ....................................................................................... 133
Figura 3.3. Dimenses de anlise dos documentos oficiais currculo e fichas de
avaliao externa de Biologia e Geologia nos contextos de
transmisso/aquisio e de avaliao do trabalho prtico. .................................... 143
Figura 3.4. Dimenses de anlise das prticas pedaggicas, considerando a exigncia
conceptual do trabalho prtico e as relaes sociolgicas entre sujeitos e entre
espaos, nos contextos de transmisso/aquisio e de avaliao .......................... 181
CAPTULO 4
Figura 4.1. Frequncia relativa das unidades de anlise que fazem referncia a trabalho
prtico em cada uma das partes do currculo de Biologia e Geologia .................... 211
Figura 4.2. Questes de avaliao de trabalho prtico e questes de trabalho prtico de
escolha mltipla nas fichas de avaliao externa, realizadas entre 2006 e
2011 ....................................................................................................................... 213
Figura 4.3. Tipos de trabalho prtico no currculo da disciplina de Biologia e Geologia
considerado no seu todo e em cada uma das suas partes ....................................... 214
Figura 4.4. Complexidade dos conhecimentos cientficos no currculo de Biologia e
Geologia considerado no seu todo e em cada uma das suas partes com
referncia (A) e sem referncia (B) a trabalho prtico .......................................... 216
Figura 4.5. Complexidade das capacidades cognitivas no currculo de Biologia e
Geologia considerado no seu todo e em cada uma das suas partes com
referncia (A) e sem referncia (B) a trabalho prtico .......................................... 218
Figura 4.6. Relao entre teoria e prtica no currculo de Biologia e Geologia
considerado no seu todo e em cada uma das suas partes com referncia a
trabalho prtico ...................................................................................................... 220
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Figura 4.7. Relao entre diferentes atividades prticas no currculo de Biologia e
Geologia considerado no seu todo e em cada uma das suas partes com
referncia a trabalho prtico .................................................................................. 222
Figura 4.8. Dimenses relacionadas com o que se avalia e o como se avalia quanto ao
nvel de exigncia conceptual do trabalho prtico nas fichas de avaliao
externa, realizadas entre 2006 e 2011 ................................................................... 226
Figura 4.9. Explicitao do trabalho prtico no currculo de Biologia e Geologia,
considerado no seu todo e em cada uma das suas partes com referncia a
trabalho prtico, e nas fichas de avaliao externa, realizadas entre 2006 e
2011 ....................................................................................................................... 231
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NDICE DE TABELAS
CAPTULO 2
Tabela 2.1. Modelo de anlise da eficcia do trabalho prtico ............................................... 32
Tabela 2.2. Sistema de classificao da atividade laboratorial quanto ao nvel
e natureza do envolvimento dos alunos ................................................................. 38
Tabela 2.3. Modelo de quatro nveis de inqurito ................................................................... 40
Tabela 2.4. Exemplos de formatos alternativos de questes de escolha mltipla ................... 66
Tabela 2.5. Categorias do domnio cognitivo da Taxonomia de Bloom ................................. 116
Tabela 2.6. Nveis do sistema cognitivo da Taxonomia de Marzano ...................................... 119
CAPTULO 3
Tabela 3.1. A metodologia mista como um contnuo de integrao de diversas
dimenses das abordagens quantitativa e qualitativa ............................................ 131
Tabela 3.2. Partes do currculo de Biologia e Geologia consideradas no estudo .................... 137
Tabela 3.3. Exemplos de unidades de anlise, do mdulo Diversidade na Biosfera da
componente de Biologia, e os respetivos indicadores ........................................... 138
Tabela 3.4. Excerto do instrumento de caracterizao da complexidade dos
conhecimentos cientficos nos documentos oficiais e exemplos de unidades
de anlise ............................................................................................................... 146
Tabela 3.5. Excerto do instrumento de caracterizao da complexidade das capacidades
cognitivas nos documentos oficiais e exemplos de unidades de anlise ............... 148
Tabela 3.6. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre teoria
(conhecimento declarativo) e prtica (conhecimento processual) nos
documentos oficiais e exemplos de unidades de anlise ....................................... 150
Tabela 3.7. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre diferentes
atividades prticas nos documentos oficiais e exemplos de unidades de
anlise .................................................................................................................... 152
Tabela 3.8. Excerto do instrumento de caracterizao da explicitao do trabalho prtico
nos documentos oficiais e exemplos de unidades de anlise ................................ 153
Tabela 3.9. Exemplos ilustrativos da anlise realizada em cada unidade de anlise dos
documentos oficiais ............................................................................................... 156
Tabela 3.10. Populao discente nas quatro escolas do estudo no ano letivo 2011/2012 ....... 161
Tabela 3.11. Habilitao acadmica e nveis de escolaridade ................................................. 165
Tabela 3.12. Matriz de construo do indicador individual de classe ..................................... 167
Tabela 3.13. Matriz de construo do indicador familiar de classe ........................................ 168
Tabela 3.14. Nvel de escolaridade dos grupos domsticos dos alunos participantes ............. 169
Tabela 3.15. Indicador socioprofissional do pai, da me e do grupo domstico dos
alunos participantes ............................................................................................... 169
Tabela 3.16. Descritores da entrevista dos graus das regras de realizao passiva para o
nvel de exigncia conceptual ou para a explicitao do trabalho prtico ............ 175
Tabela 3.17. Sistema de categorias e subcategorias de anlise da entrevista .......................... 177
Tabela 3.18. Excerto do instrumento de caracterizao da complexidade dos
conhecimentos cientficos nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades
de anlise ............................................................................................................... 185
-
- xxii -
Tabela 3.19. Excerto do instrumento de caracterizao da complexidade das
capacidades cognitivas nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de
anlise .................................................................................................................... 186
Tabela 3.20. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre teoria
(conhecimento declarativo) e prtica (conhecimento processual) nas prticas
pedaggicas e exemplos de unidades de anlise ................................................... 187
Tabela 3.21. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre diferentes
atividades prticas nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de
anlise .................................................................................................................... 188
Tabela 3.22. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre discurso vertical
e discurso horizontal nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de
anlise .................................................................................................................... 190
Tabela 3.23. Excerto do instrumento de caracterizao da regra discursiva seleo nas
prticas pedaggicas e exemplos de unidades de anlise ...................................... 192
Tabela 3.24. Excerto do instrumento de caracterizao da regra discursiva ritmagem
nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de anlise ............................... 193
Tabela 3.25. Excerto do instrumento de caracterizao da regra discursiva critrios de
avaliao nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de anlise .............. 194
Tabela 3.26. Excerto do instrumento de caracterizao das regras hierrquicas, na
relao professor-aluno, nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de
anlise .................................................................................................................... 196
Tabela 3.27. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre o espao do
professor e o espao dos alunos nas prticas pedaggicas e exemplos de
unidades de anlise ................................................................................................ 198
Tabela 3.28. Excerto do instrumento de caracterizao da relao entre os espaos dos
vrios alunos nas prticas pedaggicas e exemplos de unidades de anlise ......... 198
Tabela 3.29. Exemplos ilustrativos da anlise realizada a excertos das prticas
pedaggicas, quanto ao nvel de exigncia conceptual do trabalho prtico .......... 201
Tabela 3.30. Exemplos ilustrativos da anlise realizada a excertos das prticas
pedaggicas, quanto natureza das relaes sociolgicas entre sujeitos .............. 203
CAPTULO 4
Tabela 4.1. Grau de reconhecimento e de realizao passiva evidenciados pelas
professoras quanto exigncia conceptual do trabalho prtico ............................. 253
Tabela 4.2. Grau de reconhecimento e de realizao passiva evidenciados pelas
professoras para a explicitao do trabalho prtico ............................................... 257
Tabela 4.3. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Rute quanto ao nvel de
exigncia conceptual do trabalho prtico .............................................................. 259
Tabela 4.4. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Rute quanto natureza
das relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ....................................... 266
Tabela 4.5. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Sara quanto ao nvel de
exigncia conceptual do trabalho prtico .............................................................. 276
Tabela 4.6. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Sara quanto natureza
das relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ....................................... 284
Tabela 4.7. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Vera quanto ao nvel de
exigncia conceptual do trabalho prtico .............................................................. 294
Tabela 4.8. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Vera quanto natureza
das relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ....................................... 301
Tabela 4.9. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Marta quanto ao nvel
de exigncia conceptual do trabalho prtico ......................................................... 311
-
- xxiii -
Tabela 4.10. Caracterizao da prtica pedaggica da professora Marta quanto
natureza das relaes sociolgicas entre sujeitos e entre espaos ......................... 317
Tabela 4.11. Comparao das prticas pedaggicas quanto ao nvel de exigncia
conceptual do trabalho prtico .............................................................................. 330
Tabela 4.12. Comparao das prticas pedaggicas quanto natureza das relaes
sociolgicas entre sujeitos e entre espaos no trabalho prtico ............................. 332
Tabela 4.13. Caracterizao da mensagem sociolgica veiculada na componente de
Biologia do currculo e nas fichas de avaliao externa quanto ao nvel de
exigncia conceptual do trabalho prtico .............................................................. 335
Tabela 4.14. Extenso e sentido de recontextualizao do DPO nas prticas pedaggicas
quanto ao nvel de exigncia conceptual do trabalho prtico ................................ 336
-
- xxv -
LISTA DE ABREVIATURAS
B10 Parte da Biologia do 10 ano do currculo
B11 Parte da Biologia do 11 ano do currculo
Bg Parte geral da Biologia do currculo
C Classificao
C++
Classificao muito forte
C+ Classificao forte
C- Classificao fraca
C- -
Classificao muito fraca
DI Discurso instrucional
DPO Discurso pedaggico oficial
DPR Discurso pedaggico de reproduo
DR Discurso regulador
DRG Discurso regulador geral
E Enquadramento
E++
Enquadramento muito forte
E+ Enquadramento forte
E- Enquadramento fraco
E- -
Enquadramento muito fraco
G10 Parte da Geologia do 10 ano do currculo
G11 Parte da Geologia do 11 ano do currculo
GAVE Gabinete de Avaliao Educacional
Gg Parte geral da Geologia do currculo
ME Ministrio da Educao
OrE Orientaes especficas do currculo
OrG Orientaes gerais do currculo
TIC Tecnologias de informao e de comunicao
TP Trabalho prtico
UA Unidade de anlise
-
- 1 -
CAPTULO 1
INTRODUO
-
- 3 -
CAPTULO 1
INTRODUO
A nossa insatisfao sempre o que no conseguimos conhecer. O nosso dilema maior o que fazer com o que conhecemos.
Nvoa (2011, p.8)
1. CONSIDERAES PRVIAS
O trabalho prtico realizado pelos alunos no contexto da aprendizagem cientfica tem
vindo a ser encarado por muitos investigadores e pelos professores de cincias como um
conjunto de atividades essenciais ao processo de ensino/aprendizagem. De facto, desde
o incio do sculo XIX, com a integrao de disciplinas de cincias nos currculos de
diversos pases, que o trabalho prtico, nomeadamente na forma de atividades
laboratoriais, tem assumido uma grande importncia no ensino das cincias. No entanto,
a sua natureza tem vindo a alterar-se consideravelmente, sobretudo pelas mudanas que
tm ocorrido nas finalidades para o ensino das cincias, na compreenso da
aprendizagem cientfica, na viso do inqurito cientfico e no recurso s tecnologias de
informao e comunicao (Hofstein & Kind, 2012; Lunetta, Hofstein & Clough, 2007).
O debate acerca das finalidades e do valor do trabalho prtico no ensino das
cincias tem evoludo ao longo do tempo. A esse respeito, Hodson (1996) destaca a
importncia de trs movimentos que ocorreram durante o sculo XX: a aprendizagem
por descoberta, a abordagem da cincia como um processo e a abordagem
construtivista. Durante os anos de 1960, desenvolveram-se novos currculos de cincias
que encaravam o aluno como um cientista que precisava de fazer cincia de modo a
compreender cincia (Abrahams, 2011, p.9). Em alguns currculos, o trabalho
laboratorial indutivo assumia um papel central (Hodson, 1993; Lunetta et al., 2007). O
trabalho prtico era visto como um meio de obter dados objetivos a partir dos quais se
podia produzir conhecimento fidedigno do mundo (Hodson, 1996), ou seja, numa
-
CAPTULO 1
- 4 -
perspetiva indutivista, pretendia-se que os alunos estabelecessem generalizaes a partir
de um determinado conjunto de observaes (Chalmers, 1999)1. Considera-se, porm,
que outros currculos desenvolvidos nessa poca apresentavam uma viso diferente da
cincia, nomeadamente o Biological Sciences Curriculum Study (BSCS, 1963) nos
Estados Unidos da Amrica. Esse currculo inclua diversas atividades prticas que,
deliberada e explicitamente, possibilitavam o processo de ensino/aprendizagem da
biologia como inqurito (Bybee, 2003, p.354), aliado a uma forte estrutura
conceptual, nomeadamente atravs da explicitao de temas unificadores, como a
evoluo e a regulao e homeostasia, que deviam estar presentes em todos os
currculos, afastando-se assim de outros currculos de cincias. No entanto, com o
tempo, essa mensagem foi sendo recontextualizada e o ensino das cincias atravs de
inqurito foi associado realizao de atividades laboratoriais, cujo objetivo principal
era a aprendizagem de factos e informao (Id., p.355). Como refora Bybee (2003), a
finalidade do inqurito ficou reduzida a algumas atividades laboratoriais e a um slogan
[hands-on approach] (p.355).
No final dos anos de 1970 comearam a surgir crticas ao valor da aprendizagem
por descoberta no ensino das cincias e, particularmente, natureza do trabalho prtico
implementado. Por exemplo, comeou-se a questionar a viso do aluno como um
cientista, uma vez que os alunos no conseguiam por eles prprios construir o
conhecimento cientfico e sabiam que as respostas j eram conhecidas no mbito das
teorias cientficas aceites na altura (Bennett, 2003). De modo a dar resposta a essas
crticas, desenvolveram-se currculos centrados na abordagem da cincia como um
processo2. A aquisio de um determinado conhecimento cientfico, de natureza
declarativa, era vista como menos importante que a compreenso e o desenvolvimento
de capacidades e de tcnicas do inqurito cientfico. Atravs dessa abordagem,
pretendeu-se colocar a nfase do trabalho prtico nos processos da atividade dos
cientistas, em vez de essa nfase estar colocada nos factos e princpios da cincia
(Bennett, 2003; Hodson, 1996). Como resultado, o trabalho prtico significava
manipular equipamentos e materiais, mas no ideias (Hofstein & Kind, 2012, p.192).
No entanto, como destacou Hodson (1996), esses processos no deveriam ser realizados 1 Chalmers (1999) apresenta o seguinte princpio de induo, que ilustra a perspetiva indutivista da cincia: se uma grande quantidade de As forem observados sob uma grande variedade de condies e se todos esses As sem exceo possurem a propriedade B, ento todos os As tm a propriedade B (p.47).
2 O currculo americano Science A Process Aproach (AAAS, 1967) foi precursor da abordagem da cincia como um processo.
-
INTRODUO
- 5 -
independentemente dos contedos, porque o que os torna cientficos a utilizao de
conhecimento cientfico relevante e apropriado a fim de se alcanar uma determinada
finalidade cientfica.
De facto, durante os anos de 1980, os educadores de cincias comearam a
questionar a abordagem da cincia como um processo e centraram-se numa nova
perspetiva do ensino das cincias, o construtivismo. Passou-se, assim, a dar mais
importncia ao desenvolvimento conceptual dos alunos. Os educadores de cincias
passaram a defender que todas as observaes eram baseadas na teoria e que, por isso, a
realizao de trabalho prtico, por si s, no garantia a aprendizagem do conhecimento
cientfico pretendido. Era necessrio que os alunos refletissem sobre as observaes e as
atividades realizadas com base no seu conhecimento declarativo. Nesse sentido, foram
implementadas tarefas prev-observa-explica e desenvolveu-se a linha de investigao
relativa mudana conceptual (Hofstein & Kind, 2012).
Nos ltimos 18 anos, observaram-se grandes mudanas no ensino das cincias
(Hofstein & Kind, 2012, p.194). Essas mudanas deveram-se, em parte, globalizao
e ao rpido desenvolvimento tecnolgico, que apelam a sistemas educativos com um
ensino das cincias de elevada qualidade (Id., p.194). O currculo americano National
Science Education Standards (NRC, 1996), por exemplo, forneceu um suporte explcito
ao ensino atravs de inqurito cientfico, quer de conhecimentos cientficos quer de
capacidades cognitivas complexas, como a planificao de uma atividade investigativa,
a formulao de problemas relevantes e a formulao de hipteses. Neste sentido, a
presente investigao, situada no contexto do ensino secundrio portugus, pretendeu
analisar o nvel de complexidade do trabalho prtico presente em diferentes textos
educacionais. Esse nvel de complexidade foi perspetivado em termos do conceito de
exigncia conceptual, que incluiu a complexidade dos conhecimentos cientficos e das
capacidades cognitivas e o grau de relao entre discursos. Hofstein e Kind (2012)
apontam ainda para outra importante rea de mudana, neste passado recente, relativa
transio de perspetivas construtivistas para vises socioculturais da aprendizagem e da
cincia. Os autores concluem que se encontrou uma nova conceptualizao para a
compreenso do inqurito cientfico e para o modo como se pode associar ao trabalho
laboratorial na escola (p.195).
Atualmente, no incio do sculo XXI, os currculos de cincias de diversos
pases, incluindo os currculos de Portugal, reafirmam a importncia de se implementar
-
CAPTULO 1
- 6 -
o trabalho prtico no ensino das cincias para o desenvolvimento da literacia cientfica
(Hofstein & Naaman, 2007). Contudo, vrios estudos apontam para a necessidade de se
repensar a natureza e implementao desse trabalho prtico, uma vez que, por exemplo,
o desempenho dos alunos nessas atividades no , geralmente, avaliado (Hofstein &
Lunetta, 2004; Lunetta et al., 2007). Lunetta e colaboradores (2007) salientam ainda que
a investigao educacional a ser realizada sobre trabalho prtico deve ter em ateno
diversas variveis, que devem ser analisadas cuidadosamente: os objetivos de
aprendizagem; a natureza da atividade; a natureza das instrues dadas pelo professor e
pela ficha da atividade; o material e o equipamento disponveis para a realizao do
trabalho prtico; as percees dos alunos e dos professores quanto avaliao do
desempenho dos alunos; entre outras. No mbito do presente estudo, considerou-se,
portanto, essencial caracterizar as prticas de professores de Biologia e Geologia do
ensino secundrio, no que diz respeito ao modo como desenvolvem, exploram e avaliam
as atividades prticas, tendo tambm em considerao as suas concees e as
orientaes do Ministrio da Educao a esse respeito.
2. CONTEXTO GLOBAL DA INVESTIGAO
O trabalho prtico no ensino das cincias constitui um recurso nico para a
aprendizagem do conhecimento e dos processos cientficos, para o desenvolvimento de
importantes ferramentas e capacidades cognitivas e para o aumento da motivao dos
alunos (Lunetta et al., 2007). Como tal, considera-se que o trabalho prtico deve ser
uma parte integrante de um currculo de cincias, da prtica pedaggica e da avaliao
das aprendizagens. Dada a sua importncia, esta temtica tem constitudo o objeto de
estudo de uma grande diversidade de investigaes, especialmente desde os anos de
1960. Porm, os resultados de algumas dessas investigaes tm sido alvo de crticas.
Em 1982, Hofstein e Lunetta defenderam que muitos dos estudos realizados
apresentavam fragilidades metodolgicas, por exemplo, ao nvel da seleo e do
controlo de variveis, do tamanho dos grupos e dos instrumentos selecionados para a
investigao. Alm disso, e no menos importante, esses autores consideraram que,
muitas vezes, a investigao falhou em mostrar se havia, ou no, relaes entre as
atividades prticas realizadas e a aprendizagem dos alunos. Ao nvel do domnio
afetivo, os autores destacaram que diversos estudos mostraram que, de um modo geral,
-
INTRODUO
- 7 -
os alunos gostam do trabalho prtico e que este tipo de atividades potencia o interesse e
a motivao dos alunos pela aprendizagem das cincias.
Hodson (1993) tambm criticou o facto de diversos estudos empricos no
fazerem a distino entre os diferentes tipos de trabalho prtico. Apesar da grande
diversidade de modalidades de trabalho prtico, com diferenas bvias entre elas, e da
diversidade de atividades dentro de cada uma das modalidades, por exemplo, entre uma
atividade laboratorial realizada para ilustrar um determinado conhecimento cientfico e
uma atividade laboratorial investigativa, em que os alunos conduzem a sua investigao,
existe a tendncia para os investigadores as agruparem sob um mesmo chapu
denominado de trabalho prtico (p.97). Os estudos empricos realizados nesta rea
temtica devem, por isso, clarificar a noo de trabalho prtico adotada, a tipologia de
trabalho prtico considerada e ainda as caractersticas pedaggicas analisadas.
Vinte anos depois, Hofstein e Lunetta (2004) realizaram uma nova reviso das
investigaes sobre o trabalho prtico no ensino das cincias. Os autores verificaram
que vrios estudos sugerem que a realizao de trabalho prtico permite relacionar o
conhecimento cientfico discutido na sala de aula e nos manuais escolares com as
observaes dos fenmenos. No entanto, tambm mostram que a realizao exclusiva
de trabalho prtico no suficiente para que os alunos compreendam o conhecimento
cientfico complexo que caracteriza o conhecimento aceite pela comunidade cientfica
atual. Centrando-se no trabalho laboratorial, os autores concluem que atividades
laboratoriais de cincias bem concebidas e focadas no inqurito podem fornecer
oportunidades de aprendizagem que ajudem os alunos a desenvolver conceitos e
quadros conceptuais (p.47). Essas atividades tambm permitem ajudar os alunos a
aprender a investigar, a construrem afirmaes cientficas e a justificarem essas
afirmaes (p.47). Porm, de acordo com os autores, para alcanar essas finalidades, o
sistema educativo deve permitir que os professores tenham tempo e oportunidade de
interagir com os seus alunos e tambm que os alunos tenham tempo para realizarem e
refletirem sobre tarefas complexas e investigativas.
Se, por um lado, parte da investigao no tem sido clara em mostrar relaes
entre as atividades prticas realizadas pelos alunos na sala de aula e a sua aprendizagem
cientfica, por outro, alguns dados empricos sugerem que o processo de
ensino/aprendizagem das cincias com recurso a trabalho prtico pode ser eficaz em
alcanar algumas das finalidades pretendidas para o ensino das cincias (Hofstein,
-
CAPTULO 1
- 8 -
2004). Por exemplo, a realizao de atividades prticas adequadas pode ajudar os alunos
a aprenderem e/ou aplicarem o conhecimento cientfico e a desenvolverem capacidades
de processos cientficos. Podem tambm contribuir para o desenvolvimento de
capacidades psicomotoras e ainda promover atitudes positivas dos alunos para com a
cincia e a sua aprendizagem. De facto, a presente investigao parte do pressuposto
que o trabalho prtico tem um importante papel no ensino das cincias, nomeadamente
o trabalho laboratorial investigativo.
Existe, contudo, um importante conjunto de fatores que parece limitar a
aprendizagem cientfica atravs da realizao de trabalho prtico. Hofstein e Lunetta
(2004) destacam os seguintes: (a) muitas das atividades prticas continuam a apresentar
as instrues passo a passo, tipo receita, para os alunos seguirem e no envolvem os
alunos nas finalidades dessa atividade e na sequncia de tarefas necessrias para
alcanarem essas finalidades; (b) a avaliao do conhecimento e das capacidades dos
alunos relativos ao trabalho prtico continua a ser negligenciada, mesmo ao nvel dos
exames nacionais, como tal, muitos alunos no encaram as atividades prticas como
uma componente importante da sua aprendizagem; (c) os professores e os
administradores escolares, muitas vezes, no esto bem informados quanto s sugestes
apresentadas pelos estudos empricos sobre as prticas pedaggicas mais eficazes e
podem tambm no compreender a conceptualizao subjacente a essas sugestes; e (d)
a implementao de atividades prticas centradas no inqurito pode ser inibida por
limitaes ao nvel dos recursos materiais, pela falta de tempo suficiente para os
professores desenvolverem e implementarem atividades apropriadas e ainda por outros
fatores limitantes, tais como turmas grandes, acesso restrito s salas de laboratrio e o
foco das avaliaes externas.
Numa vasta reviso da investigao em educao que se realizou em Portugal
acerca do ensino da Biologia, entre 1990 e 2005 ao nvel de dissertaes de mestrado,
teses de doutoramento, artigos em revistas nacionais e conferncias nacionais Chagas
e Oliveira (2005) identificaram 20 estudos relativos ao trabalho prtico. Para as autoras,
esta quantidade de estudos foi reveladora da importncia e do interesse desta temtica
na investigao em educao. A anlise efetuada a esses estudos permitiu que as autoras
identificassem alguns aspetos caracterizadores do trabalho prtico realizado nas escolas
portuguesas. Salientam-se os seguintes aspetos: (a) o trabalho prtico est pouco
representado no conjunto das atividades realizadas pelos alunos em Biologia; (b) os
-
INTRODUO
- 9 -
professores parecem valorizar o trabalho prtico, mas consideram-no de difcil
aplicao, exigindo, eventualmente, uma preparao especfica que poucos sentem ter;
(c) tendo em conta a grande variedade de modalidades de trabalho prtico, as que so
mais utilizadas so as que mobilizam capacidades mais simples; (d) as propostas de
avaliao esto desajustadas aos diferentes nveis de realizao do trabalho prtico; e (e)
as concees de natureza epistemolgica dos professores condicionam o modo como
concretizam o trabalho prtico nas suas aulas. Depois da ocorrncia de mudanas
curriculares no sistema educativo portugus, importa compreender se esses aspetos
continuam a caracterizar o trabalho prtico implementado e avaliado pelos professores
portugueses.
Ao nvel do ensino secundrio portugus, onde se focou o estudo que se
apresenta, o plano curricular, que entrou em vigor no ano letivo de 2004/2005 para
todos os alunos que ingressavam no 10 ano de escolaridade (Decreto-Lei n.74/2004,
Artigo 18, ponto 1), passou a integrar a disciplina bienal de Biologia e Geologia, no
curso de Cincias e Tecnologias (DES, 2003b). O trabalho prtico foi, desde logo,
valorizado no currculo desta disciplina, sendo referido no programa como parte
integrante e fundamental dos processos de ensino e aprendizagem dos contedos de
cada unidade (DES, 2001, p.70). A avaliao desta componente prtica do ensino da
Biologia e Geologia foi tambm considerada no programa da disciplina, onde
mencionado que a uma avaliao dos aspetos conceptuais importante associar uma
avaliao de aspetos procedimentais e atitudinais (Id., p.7). A avaliao do trabalho
prtico foi ainda mencionada na legislao referente ao plano curricular do ensino
secundrio, por exemplo na Portaria n. 550-D/2004, de 21 de maio, onde vinha
definido que eram obrigatrios momentos formais de avaliao [] da dimenso
prtica e experimental, integrados no processo de ensino-aprendizagem (ponto 6, artigo
9). Atualmente, e desde o ano letivo 2007/2008, atravs da Portaria n. 1322/2007, de 4
de outubro, a componente prtica na disciplina bienal de Biologia e Geologia assumiu
um peso mais significativo na avaliao dos alunos. Nesse documento vem definido que
so obrigatrios momentos formais de avaliao [] da dimenso prtica ou experimental, integrados no processo de ensino-aprendizagem []: nas disciplinas bienais de Fsica e Qumica A e de Biologia e Geologia, [] a componente prtica e ou experimental tem um peso mnimo de 30 % no clculo da classificao a atribuir em cada momento formal de avaliao []. (ponto 6, artigo 9)
-
CAPTULO 1
- 10 -
A implementao deste normativo legal constituiu uma das principais motivaes
realizao da presente investigao.
Para que as mudanas na gesto do currculo e na avaliao das aprendizagens,
presentemente vigentes no ensino secundrio, sejam transpostas para a sala de aula,
estas tm que ser incorporadas nas prticas letivas dos professores. No menosprezando
a interveno de outros agentes educativos (alunos, encarregados de educao e outros
membros da comunidade), o professor desempenha um papel central na implementao
de qualquer projeto de mudana. Neste sentido, o presente estudo centrou-se na
disciplina de Biologia e Geologia e pretendeu, por um lado, investigar questes
relacionadas com as orientaes dadas pelo Ministrio da Educao relativas
implementao e avaliao do trabalho prtico nesta disciplina, considerando o nvel
de exigncia conceptual e a explicitao do trabalho prtico. Por outro lado, tambm se
pretendeu investigar as prticas de professores a lecionarem esta disciplina, tendo em
conta o nvel de exigncia conceptual e a natureza das relaes sociolgicas entre
sujeitos, entre discursos e entre espaos quando implementam e avaliam trabalho
prtico. Com base nesta anlise foi possvel explorar em que medida essas diretivas do
Ministrio de Educao esto a permitir elevar o nvel da educao cientfica dos alunos
portugueses, atravs da nfase proposta no trabalho prtico, nomeadamente laboratorial
investigativo, e ainda sobre o seu nvel de exigncia conceptual.
Este estudo inclui-se na linha de investigao desenvolvida pelo Grupo ESSA
(Estudos Sociolgicos da Sala de Aula) do Instituto de Educao da Universidade de
Lisboa, que valoriza a introduo da vertente sociolgica relacionada com a teoria de
Bernstein (1990, 2000) na investigao em educao, nomeadamente na educao
cientfica. Diversos estudos anteriores realizados por investigadores do Grupo ESSA
(e.g., Morais & Neves, 2009, 2012) tm apontado algumas caractersticas pedaggicas
como promotoras do desenvolvimento da literacia cientfica, por um lado, ao nvel de o
que se ensina o nvel de exigncia conceptual e, por outro, ao nvel de o como se
ensina a natureza das relaes sociolgicas entre sujeitos, entre discursos e entre
espaos. Por esse motivo, essas foram as caractersticas pedaggicas aplicadas anlise
dos contextos especficos da implementao e da avaliao do trabalho prtico em
Biologia e Geologia do ensino secundrio.
Em termos sociolgicos, o contexto terico em que o estudo se baseou est,
assim, relacionado com a teoria do discurso pedaggico de Bernstein (1990, 2000), bem
-
INTRODUO
- 11 -
como com a sua conceptualizao sobre estruturas de conhecimento (Bernstein, 1999).
Esta teoria forneceu a principal estrutura conceptual deste estudo, permitindo
estabelecer, utilizando os mesmos conceitos, relaes entre vrios textos e contextos
analisados nos vrios nveis do sistema educativo. A seleo desta teoria como principal
quadro terico de anlise deveu-se, por um lado, ao facto de ser uma teoria possuidora
de um grande poder explicativo e analtico, possuindo uma forte linguagem de descrio
do emprico. Por outro lado, a teoria contempla um modelo explicativo da produo e
reproduo do discurso pedaggico e, por isso, um modelo que explica a gerao, mas
tambm a recontextualizao e a transmisso desse discurso. Deste modo, a teoria de
Bernstein fornece ferramentas para a anlise e descrio dos processos educativos a
diferentes nveis: as interaes na sala de aula; a construo do conhecimento e a sua
transformao em conhecimento a usar na escola; a anlise dos diferentes campos,
agncias e agentes do sistema educativo; e, no seu trabalho mais recente, a anlise dos
campos de produo do conhecimento. A teoria de Bernstein afigurou-se, assim, como
um suporte terico adequado s preocupaes da investigao. De um ponto de vista
terico, tambm se recorreu a conceitos do domnio da psicologia, por exemplo, teoria
de Vygotsky (1978) e categorizao das capacidades cognitivas apresentada na
Taxonomia de Marzano (Marzano & Kendall, 2007), e ainda a conceptualizaes atuais
sobre o trabalho prtico no ensino das cincias (e.g., Lunetta et al., 2007; Millar, 2010).
De facto, pretendeu-se estabelecer uma inter-relao entre conceitos das reas da
sociologia, da psicologia e do ensino das cincias para se obterem modelos de anlise
que esbatessem a classificao normalmente forte entre essas reas.
3. PROBLEMA E QUESTES DE INVESTIGAO
Tendo em considerao o importante papel do trabalho prtico no ensino das cincias,
sobretudo o que envolve conhecimento cientfico e capacidades cognitivas complexas, e
o peso significativo que o trabalho prtico tem na avaliao dos alunos, no contexto do
ensino secundrio portugus, espera-se que esta investigao contribua para a
construo do conhecimento cientfico relativo temtica em estudo. Centrando-se na
disciplina de Biologia e Geologia do ensino secundrio, pretendeu-se investigar o
seguinte problema:
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CAPTULO 1
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Em que medida as orientaes do Ministrio da Educao, expressas nos documentos
oficiais, as concees dos professores quanto ao trabalho prtico em Biologia e
Geologia do ensino secundrio e o contexto social da escola podero influenciar a
prtica pedaggica desses professores?
Com base neste problema, foram elaboradas as seguintes questes de investigao:
1. Qual a mensagem do discurso pedaggico oficial, veiculado quer no currculo quer
nas fichas de avaliao externa de Biologia e Geologia, quanto ao nvel de exigncia
conceptual e explicitao do trabalho prtico?
2. Quais os processos de recontextualizao que podem ter ocorrido no campo de
recontextualizao oficial e entre o discurso pedaggico oficial e as prticas
pedaggicas, no que se refere ao nvel de exigncia conceptual do trabalho prtico?
3. Qual a influncia, na prtica pedaggica dos professores, das suas concees quanto
ao trabalho prtico no ensino da Biologia e Geologia?
4. Em que medida professores que lecionam Biologia e Geologia a turmas
sociologicamente diferentes e em escolas diferentemente posicionadas nos rankings
nacionais apresentam prticas pedaggicas distintas, quanto ao nvel de exigncia
conceptual e natureza das relaes sociolgicas entre sujeitos, entre discursos e
entre espaos, nos contextos de transmisso/aquisio e de avaliao do trabalho
prtico?
De acordo com as questes formuladas, definiram-se os seguintes objetivos de natureza
processual orientadores da investigao:
a) Caracterizar e comparar a mensagem sociolgica dos documentos produzidos pelo
Ministrio da Educao, designadamente o currculo e as fichas de avaliao
externa da disciplina de Biologia e Geologia quanto ao nvel de exigncia
conceptual e explicitao do trabalho prtico nos contextos de
transmisso/aquisio e de avaliao.
b) Analisar as concees dos professores quanto ao trabalho prtico no ensino da
Biologia e Geologia, no que se refere ao seu nvel de exigncia conceptual e ao
seu nvel de explicitao.
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INTRODUO
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c) Caracterizar e comparar as prticas pedaggicas de professores a lecionarem
Biologia e Geologia a turmas sociologicamente diferentes e em escolas
diferentemente posicionadas nos rankings nacionais.
d) Caracterizar a extenso e sentido da recontextualizao efetuada pelos professores
em relao mensagem expressa no discurso pedaggico oficial, quanto
componente prtica do ensino da Biologia e Geologia.
e) Relacionar as concees dos professores quanto ao trabalho prtico com as
caractersticas da sua prtica, quando implementam e avaliam o trabalho prtico
no ensino da Biologia e Geologia.
f) Refletir sobre possveis consequncias resultantes das orientaes do Ministrio
da Educao e das prticas pedaggicas, relativas ao trabalho prtico nas aulas de
Biologia e Geologia, na educao cientfica dos alunos portugueses.
O objeto de estudo da investigao , assim, o trabalho prtico em Biologia e
Geologia do ensino secundrio, analisado a vrios nveis do sistema educativo (Figura
1.1). Adotou-se um significado de trabalho prtico abrangente, de modo a englobar
todas as atividades em que o aluno estivesse ativamente envolvido e que permitissem a
mobilizao de capacidades de processos cientficos. Considerou-se a seguinte tipologia
de trabalho prtico: atividades laboratoriais, simulaes, visitas de estudo, exerccios de
aplicao, atividades de discusso orientada e trabalhos de pesquisa bibliogrfica. A
anlise do trabalho prtico focou-se em duas dimenses de anlise o nvel de
exigncia conceptual e a natureza das relaes sociolgicas entre sujeitos, entre
discursos e entre espaos e em dois contextos do processo de ensino/aprendizagem o
contexto de transmisso/aquisio e o contexto de avaliao. Relativamente ao primeiro
contexto, salienta-se o facto de se considerar que qualquer contexto de interao
pedaggica representa um determinado contexto de transmisso e de aquisio, entre
um transmissor e um adquiridor, podendo ocorrer diferentes modalidades de prtica
pedaggica ou mais centradas no adquiridor ou mais centradas no transmissor. O
esquema representado na Figura 1.1 pretende ilustrar, de forma genrica, as diferentes
etapas da investigao e a inter-relao entre elas.
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CAPTULO 1
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Prticas pedaggicas
Nveis de anlise
Documentos oficiais
Currculo
Trabalho prtico em Biologia e
Geologia do ensino secundrio
Objeto de estudo
Nvel de exigncia conceptual
Relaes sociolgicas entre sujeitos, entre
discursos e entre espaos
Dim
ens
es d
e an
lis
e
Exames nacionais
Concees dos professores
Contexto de transmisso/aquisio
Contexto de avaliao
Con
text
os d
e an
lis
e
Figura 1.1. Esquema geral da investigao.
4. ORGANIZAO DA TESE
A presente tese encontra-se organizada em cinco captulos. No primeiro, que est a
terminar, faz-se uma breve abordagem ao contexto geral da investigao e so
apresentados o problema e as questes do estudo, que orientaram os procedimentos
metodolgicos de recolha e anlise dos dados. Segue-se o captulo de fundamentao
terica. apresentada uma reviso de literatura sobre alguns aspetos relacionados com
o trabalho prtico no ensino das cincias, que constitui a principal temtica do estudo,
designadamente o significado, a importncia, a tipologia, a avaliao e as concees dos
professores sobre trabalho prtico. Apresenta-se tambm o principal quadro conceptual
que serviu de referncia investigao e o significado de exigncia conceptual no
ensino das cincias.
No terceiro captulo, relativo metodologia, introduz-se algumas questes
tericas relacionadas com as opes metodolgicas, sustentadas numa metodologia
mista. Descrevem-se, de seguida, as diferentes etapas de recolha e anlise dos dados: o
trabalho prtico nos documentos oficiais da disciplina de Biologia e Geologia do ensino
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INTRODUO
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secundrio, os sujeitos do estudo, as concees das professoras e as prticas
pedaggicas.
No quarto captulo, referente anlise dos resultados, apresenta-se e discute-se a
anlise do discurso pedaggico oficial veiculado nos documentos oficiais de Biologia e
Geologia e a anlise das concees das professoras participantes. Analisa-se ainda as
prticas pedaggicas das professoras a lecionarem em turmas do 10 ano de
escolaridade, quanto ao nvel de exigncia conceptual e natureza das relaes
sociolgicas quando implementam e avaliam trabalho prtico. Os processos de
recontextualizao que ocorreram entre os diferentes nveis do sistema educativo so
tambm discutidos.
No ltimo captulo, o captulo das concluses, so apresentadas e discutidas as
principais concluses do estudo, procurando dar resposta s questes de investigao.
Apresentam-se as limitaes do estudo e sugestes para futuras investigaes. So ainda
mencionadas algumas das expectativas relativamente ao contributo que este trabalho
pode dar no mbito do trabalho prtico no ensino das cincias.
Os apndices, que se apresentam no final da tese, mostram os instrumentos de
anlise usados nas diferentes etapas de recolha e anlise dos dados, nomeadamente os
instrumentos de anlise dos documentos oficiais (Apndice 1) e das prticas
pedaggicas (Apndice 8), o pedido de autorizao de observao das aulas entregue s
escolas (Apndice 4), o questionrio realizado aos alunos (Apndice 5), o guio da
entrevista realizada aos professores (Apndice 6) e as tabelas sntese das aulas
observadas (Apndice 7). Os apndices incluem ainda as tabelas gerais com os
resultados obtidos na avaliao de cada unidade de anlise do currculo (Apndice 2),
das fichas de avaliao externa (Apndice 3) e das prticas pedaggicas (Apndice 9).
Apesar da sua extenso, considera-se que a sua integrao na tese facilita a
compreenso da anlise dos resultados deste estudo.
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CAPTULO 2
FUNDAMENTAO TERICA
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CAPTULO 2
FUNDAMENTAO TERICA
1. INTRODUO
No mbito do enquadramento terico deste estudo, foram consideradas trs partes. Na
primeira apresenta-se uma reviso da literatura sobre os assuntos diretamente
relacionados com a principal temtica do estudo o trabalho prtico no ensino das
cincias. Discute-se o seu significado e a sua importncia. Exploram-se algumas
modalidades e a avaliao do trabalho prtico e ainda as concees dos professores. Na
segunda parte, apresentam-se alguns conceitos da teoria de Bernstein que, numa
vertente sociolgica, constituiu a principal estrutura conceptual da investigao. Na
terceira parte, discute-se o significado de exigncia conceptual no ensino das cincias,
recorrendo a conceitos das reas da psicologia e da sociologia. Ao longo deste captulo
tambm vo sendo apresentados alguns estudos empricos sobre os assuntos abordados,
que ilustram diferentes realidades no contexto nacional e internacional. Situa-se o
presente estudo no contexto nacional, salientando-se os aspetos em que pode contribuir
para o avano do conhecimento relativo ao trabalho prtico no ensino das cincias, nas
vertentes focadas nesta investigao.
O quadro terico deste estudo seguiu, assim, uma viso multidisciplinar. Tal
como referem Osborne e Dillon (2010),
A educao multidisciplinar [], baseando-se nas disciplinas mais fundamentais de psicologia para nos informar sobre a natureza dos indivduos e o processo de aprendizagem; de filosofia para nos informar sobre a natureza da cincia que ensinamos e os objetivos e os valores que adotamos; de histria como um tesouro de estudos caso de como as pessoas lidaram e responderam a assuntos semelhantes no passado; e por ltimo, mas no menos importante, de sociologia que nos informa sobre as dinmicas da sociedade em que estamos inseridos e os valores e as preocupaes dos participantes. Em resumo, a educao um ato complexo, informado por muitos domnios do conhecimento, imbudo em valores e um ato para o qual existe mais do que aquilo que pode ser aprendido em uma vida (p.2).
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CAPTULO 2
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2. TRABALHO PRTICO NO ENSINO DAS CINCIAS
Science teaching naturally involves showing learners certain things, or putting them into situations where they can see things for themselves. Simply telling them is unlikely to feel appropriate, or to work.
Millar (2010, p.108)
Na primeira parte do enquadramento terico da presente investigao, apresentam-se
alguns conceitos e relaes conceptuais subjacentes ao trabalho prtico no ensino das
cincias que estiveram na base deste estudo. Discute-se o significado, a importncia, as
diferentes modalidades e ainda a avaliao do trabalho prtico, assim como as
concees dos professores a este respeito.
2.1. Significado de trabalho prtico
Os termos trabalho prtico, atividades prticas, atividades experimentais, trabalho
experimental, atividades laboratoriais, entre outros termos relacionados, esto
constantemente a ser utilizados de uma forma indiscriminada, apesar dos seus
significados no serem consensuais e, em alguns casos, serem distintos. Tal como
referem Hofstein e Naaman (2007), essencial definir termos tcnicos de um modo
preciso para explicar o conhecimento no campo [do ensino das cincias]; tambm
importante usar esses termos de forma consistente nos relatrios de investigao
(p.106). Deste modo, necessrio clarificar o que se entende no presente estudo por
trabalho prtico, uma vez que o objeto de estudo da presente investigao.
Hodson (1993, 1994) apresenta o trabalho prtico como sendo um conceito
abrangente que compreende toda e qualquer atividade em que os alunos desempenhem
um papel ativo. Nele so includas atividades to diversificadas como o trabalho de
laboratrio, o trabalho de campo, os debates e as representaes de papis, as pesquisas
de informao na biblioteca ou na internet, a elaborao de modelos e cartazes, a
resoluo de exerccios e de problemas, entre outras. Com base nesta conceptualizao
de Hodson, Leite (2001) apresenta trabalho prtico como um conceito geral que inclui
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FUNDAMENTAO TERICA
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todas as atividades que exigem que o aluno esteja ativamente envolvido (p.78)1, nos
domnios psicomotor, cognitivo ou afetivo. Estes conceitos de trabalho prtico so
consentneos com o apresentado no programa de Biologia e Geologia, em ambas as
componentes de Biologia e de Geologia,
trabalho prtico deve ser entendido como um conceito abrangente que engloba atividades de natureza diversa, que vo desde as que se concretizam com recurso a papel e lpis, s que exigem um laboratrio ou uma sada de campo. Assim, os alunos podero desenvolver competncias to diversificadas como, a utilizao de lupa binocular ou microscpio tico, a apresentao grfica de dados, a execuo de relatrios de atividades prticas, a pesquisa autnoma de informaes em diferentes suportes, sem esquecer o reforo das capacidades de expresso escrita e oral (DES, 2001, p.70).
Millar, Marchal e Tiberghien (1999) delimitam a definio apresentada por
Hodson e referem que o trabalho prtico consiste em todo o tipo de atividades de
ensino e de aprendizagem em cincias que envolve os alunos, em determinado
momento, na manipulao e observao de objetos e materiais reais (ou representaes
diretas, numa simulao ou gravao de vdeo) (p.36). Os autores referem que estas
atividades podem ser realizadas no laboratrio, no exterior ou numa sala de aula. Ao
contrrio de Hodson, estes autores excluem da definio de trabalho prtico atividades,
tais como, debates e pesquisa de informao. Mais tarde, Millar (2010) restringe a
definio anteriormente apresentada. O autor esclarece que os alunos podem estar a
trabalhar individualmente ou em pequenos grupos e que tm de ser eles a manipular os
objetos, pelo que as atividades prticas demonstradas pelo professor no so
consideradas nesta definio, nem as simulaes. Millar passa a definir trabalho prtico
como qualquer atividade de ensino e de aprendizagem em cincias em que os alunos,
trabalhando individualmente ou em pequenos grupos, observam e/ou manipulam os
objetos ou materiais que esto a estudar (p.109).
Na mesma linha de pensamento, Lunetta, Hofstein e Clough (2007) apresentam
a seguinte definio, experincias de aprendizagem nas quais os alunos interagem com
materiais ou com fontes secundrias de dados para observar e compreender o mundo
natural (p.394), por exemplo, o estudo de fotografias areas para examinar aspetos
geogrficos terrestres e lunares. Para estes autores, atividades laboratoriais e atividades
prticas tm o mesmo significado, mas a primeira expresso utilizada nos Estados
Unidos da Amrica enquanto a segunda no Reino Unido. Esta definio , porm, um 1 Por opo da autora, as regras do acordo ortogrfico de 1990 foram aplicadas s citaes e excertos transcritos de textos escritos na lngua portuguesa, anteriores implementao desse acordo, de modo a manter a uniformidade do texto.
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CAPTULO 2
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pouco mais abrangente que a apresentada por Millar (2010), uma vez que, ao incluir
atividades baseadas em fontes secundrias de dados, contempla uma maior variedade de
atividades prticas, como exerccios em que os alunos analisam e interpretam dados em
tabelas e grficos.
Tendo em considerao as definies apresentadas e no contexto do presente
estudo, adotou-se um significado de trabalho prtico prximo do defendido por Lunetta
e colaboradores (2007) e um pouco mais restrito que a definio apresentada por
Hodson (1993) e Leite (2001). Trabalho prtico foi entendido como:
Todas as atividades de ensino/aprendizagem em cincias em que o aluno esteja ativamente envolvido e que permitam a mobilizao de capacidades de processos cientficos e de conhecimentos cientficos, podendo ser concretizadas com recurso a papel e lpis ou recorrendo observao e/ou manipulao de materiais.
Esta definio foi, assim, elaborada de modo a permitir operacionalizar o conceito de
trabalho prtico no decorrer do estudo. semelhana do que acontece no currculo de
Biologia e Geologia, os termos trabalho prtico e atividade prtica foram utilizados
como sinnimos.
A conceo de trabalho prtico adotada neste estudo permite englobar parte das
atividades desenvolvidas no mbito do ensino atravs de inqurito (em ingls, inquiry),
desde que mobilizem capacidades de processos cientficos. O currculo americano
National Science Education Standards (NRC, 1996), que tem orientado a atual
discusso sobre esta temtica (Anderson, 2007), define as atividades de inqurito como
as atividades em que os alunos desenvolvem conhecimento e compreenso das ideias
cientficas, bem como uma compreenso de como os cientistas estudam o mundo
natural (p.23).
2.1.1. Capacidades de processos cientficos
Inerente definio de trabalho prtico usada neste estudo, est o conceito