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estilo VOGUE BRASIL 136 136 VOGUE BRASIL FOTOS: DIVULGAÇÃO FOTOS: DIVULGAÇÃO TRIBAL DELUXE TRÊS AMIGAS, UMA CONVIDADA, UM FOTÓGRAFO OBSTINADO, O NOVO MÉXICO COMO CENÁRIO E OS IMPRESSIONANTES VESTIDOS DA COLEÇÃO DO VERÃO 2015 DE PAULA RAIA, QUE EMOCIONARAM A PLATEIA DE SEU ÚLTIMO DESFILE. CAROLINA OVERMEER CONTA AQUI COMO FOI A IMERSÃO DE QUATRO DIAS DESSA TURMA EM PLENO DESERTO AMERICANO FOTOS TINKO CZETWERTYNSKI STYLING MAURÍCIO IANÊS A partir da esquerda, Carolina Overmeer, Christine Czetwertynski, Paula Raia e Daniela de Camaret caminham pelo Ghost Ranch, o lendário rancho da artista americana Georgia O’Keeffe a uma hora e meia de carro de Santa Fé, no Novo México. Todas usam looks do verão 2015 da grife de Paula

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TRÊS AMIGAS, UMA CONVIDADA, UM FOTÓGRAFO OBSTINADO, O NOVO MÉXICO COMO CENÁRIO E OS IMPRESSIONANTES

VESTIDOS DA COLEÇÃO DO VERÃO 2015 DE PAULA RAIA, QUE EMOCIONARAM A PLATEIA DE SEU ÚLTIMO DESFILE. CAROLINA

OVERMEER CONTA AQUI COMO FOI A IMERSÃO DE QUATRO DIAS DESSA TURMA EM PLENO DESERTO AMERICANO

FOTOS TINKO CZETWERTYNSKI STYLING MAURÍCIO IANÊS

A partir da esquerda, Carolina Overmeer, Christine Czetwertynski, Paula Raia e Daniela de Camaret caminham pelo Ghost Ranch, o lendário rancho da artista americana Georgia O’Keeffe a uma hora e meia de carro de Santa Fé, no Novo México. Todas usam looks do verão 2015 da grife de Paula

A noite caía, o dia quente vivido no rancho “fantasma” da artista americana Georgia O’Keeffe – o lendário Ghost Ranch – che-gava ao fim. Ou quase. Empolgado com a simpatia de suas modelos e com o inóspito cenário do Novo México, o fotógrafo Tinko Czetwertynski não conseguia baixar a câ-mera. “Será que vocês topam subir nessa

montanha para uma última foto?”, ele nos indicava apontando a lanterna para o alto, com seu amável sotaque francês. “De salto?” brincávamos, “ou descalças pisando em espinhos?”. Entre risos e passos desequilibrados, enfrentamos uma trilha repleta de cac-tos e pedras soltas que, à luz do entardecer, já não pareciam tão evidentes. Joey, o jovem cabeleireiro da equipe, seguia atrás, em ponta de pé, apavorado com a possibilidade de pisar em uma cas-cavel. Ainda bem que havia David Manzanares, o administrador do rancho, um verdadeiro caubói que desde aquela manhã juntara-se a nossa comitiva para nos guiar em sua terra de bangue-bangue. Com sua ajuda alcançamos o topo quando já brilhavam estrelas no céu. E um, dois, dez cliques. Tinko não esmorecia em seu perfeccio-nismo: “Só mais um pouquinho, vai ficar lindo”, prometia. Então houve um momento mágico, em que tudo pareceu fazer sentido. Olhei ao redor, o horizonte tão distante, o céu de um escuro pro-fundo, e me lembrei de uma frase de O’Keeffe: “De onde eu venho, a terra significa tudo”.

Um mês antes, em São Paulo, logo após o excepcional des-file da coleção do verão 2015 da estilista Paula Raia, soube que faríamos uma viagem especial. “Vamos usar esses vestidos no deserto”, ela me avisou no backstage. Confesso que a primei-ra coisa que me passou pela cabeça foi o quanto eu teria de prender a respiração para caber em algum deles, mas apenas respondi com um abraço emocionado. O desfile tinha sido um êxito, de arrancar lágrimas da plateia. “É couture brasileira em sua melhor expressão”, definiu a diretora de redação desta pu-blicação, Daniela Falcão, minutos depois pelo Instagram. Não havia clima para hesitação sobre os botõezinhos que fechariam ou não na minha cintura. É claro que eu iria.

A viagem seria para o Novo México, escolhido não apenas pelo cenário, mas pelo lindo paralelo entre Paula Raia e Georgia O’Keeffe sugerido pelo stylist e artista plástico Maurício Ianês: “A Paula desenvolveu uma coleção voltada para a natureza, exaltando uma mulher tribal, guerreira, ao mesmo tempo sensual e delicada. Assim também são as obras de O’Keeffe, nada óbvias em sua femi-nilidade profunda e avassaladora”.

Para quem não conhece, Georgia O’Keeffe (1887-1986) foi uma figura pioneira que abriu novas possibilidades para as mulheres, conquistando fama e prestígio numa época em que os homens dominavam o mundo das artes. Modernista e boê-mia de meados do século 20, ela explorou a natureza com uma voz original, ora abstrata, ora surreal; pintando flores, caveiras e paisagens com traços fortes e cores vibrantes. Causou polêmi-ca ao sugerir erotismo em suas pinceladas e nunca teve vergo-nha de suas rugas ou cabelos brancos. Mulher forte e à frente do seu tempo, ela elegeu o Novo México como seu retiro, muitas vezes solitário, e lá viveu durante mais de 30 anos.

Nem preciso dizer que era o meu sonho visitar a cidade artsy de Santa Fé, comprar ponchos navajos e botas de caubói, caminhar pelo deserto como se estivesse num filme de faroeste. Então lá fomos nós, Paula, modelos e equipe para aquela que seria “a” via-gem do ano. Mas... quais modelos? Me fiz essa pergunta durante

vários dias, até chegar lá e perceber que as modelos seriam apenas a própria e linda Paula, a minha prima chiquérrima e magérrima Daniela de Camaret, a cunhada de Tinko, Christine Czetwertynski, que ninguém ainda conhecia ao vivo, mas que surpreendeu com sua doçura e pernas perfeitas, e eu mesma! Programa mais im-provável. Hoje sei que a Paula, do alto de sua competência e orga-nização, sabia exatamente o que estava fazendo. Mas naquele dia, Daniela e eu, exaustas, cheias de olheiras, depois de um voo Nova York-Albuquerque com duas escalas, conexões e malas perdidas, olhamos uma para a outra e cogitamos seriamente copiar Thelma & Louise e fugir para bem longe antes de o shooting começar.

O NOVO MÉXICO É DESTINO PARA PESSOAS EM BUSCA DE ENERGIA BOA. OS CRISTAIS

ENCONTRADOS NAS MONTANHAS DA REGIÃO SÃO CONSIDERADOS ELEMENTOS PODEROSOS DE CURA DESDE

OS TEMPOS DOS ÍNDIOS E DE SEUS XAMÃS

O caubói David Manzanares, administrador do Ghost Ranch, entre Daniela, Paula, Christine (com sua filha Rose, de 10 meses, no colo) e Carolina. Na página ao

lado, a partir do alto, detalhe da decoração da casa em Santa Fé onde as quatro se hospedaram e Daniela, no

rancho, usando colar com pingente de cristal feito para as fotos por Paula e Ara Vartanian

Com a ajuda da Bel Pimenta, sua assistente-maravilha, Paula alugou uma casa linda a poucos minutos do centro de Santa Fé e preparou no maior capricho uma suíte para cada convidada. Quando entramos, sobre as camas havia um vaso com lavandas, um livro (Evolution of God, comprado no dia anterior, na visita que Paula fez ao Light Institute de Chris Griscom, mais a seguir) e uma túnica de linho branco imaculadamente passada a ferro (pela própria Paula). Na cozinha havia um completo supermercado de produtos saudáveis, orgânicos, sem glúten nem lactose, como só se vê no Oeste americano. Havia até vinho branco gelado servido num jardim todo florido como brinde de boas-vindas. Não foi di-fícil prever o astral da semana. E, quando tudo já parecia perfeito, eis que surge Rose, dez meses, sorridente sempre, fofa ao máximo, agarrada à sua mãe Christine. Que delícia!

O Novo México é destino para pessoas em busca de ener-gia boa. Os cristais encontrados nas montanhas da região são considerados elementos poderosos de cura desde os tem-pos dos índios e de seus xamãs. Hoje em dia, por ali há uma infinidade de centros místicos oferecendo programas de au-toconhecimento e transformação. O mais conceituado deles é o Light Institute, da guru Christine Griscom, que Paula havia visitado antes de nossa chegada. “A Chris me recebeu para uma sessão de alinhamento espiritual e emocional que pro-mete expandir a consciência através de uma regressão con-duzida. Ela me induziu a um mergulho interior em que voltei à infância, trazendo à tona sentimentos guardados; chorei, ri, foi tudo bem profundo e bonito”, conta. (A guru Chris Gris-com realiza workshops no Brasil com certa frequência: www.lightinstitute.com.) (Continua na página 303)

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ESCALAMOS PEDRAS, ENTRAMOS EM SAUNAS CERIMONIAIS

INDÍGENAS, TOMAMOS SOL E VENTO NO ROSTO, GRITAMOS NO

MEIO DO NADA E FINALMENTE ALCANÇAMOS O ALTO DAQUELA

MONTANHA, ONDE O MUNDO PARECEU FAZER SENTIDO

À esquerda, Daniela e Carolina no Bandelier National Monument, parque nacional cujo ponto alto são as escavações feitas nos rochedos pelos nativos ancestrais. Na foto abaixo, Paula no pôr do sol no Ghost Ranch e, à direita, Daniela com gargantilha feita com tear de conchas e gotas de tanzanitas, que integra a coleção que Paula fez em parceria com Ara Vartanian

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AS TONALIDADES DE PALHA, RÁFIA E LINHO CRU QUE PAULA USOU NOS VESTIDOS MAIS CLAROS DA

COLEÇÃO ERAM AS MESMAS DOS ROCHEDOS E DAS MONTANHAS. MAIS

UMA VEZ ESTÁVAMOS EM PERFEITA SINTONIA COM O LOCAL

Aqui, Paula sobe uma das pedras do Ghost Ranch. Na página ao lado, Christine, Daniela e Carolina no hoje museu a céu aberto, que pode ser visitado pelo grande público e, abaixo, a noite caindo no lendário rancho

“PAULA DESENVOLVEU UMA COLEÇÃO VOLTADA PARA A

NATUREZA, EXALTANDO UMA MULHER TRIBAL, GUERREIRA, AO MESMO TEMPO SENSUAL E DELICADA. ASSIM TAMBÉM SÃO

AS OBRAS DE O’KEEFFE”

Aqui, o grupo em Santa Fé e, à esquerda, a partir do alto, Daniela, Carolina, Paula e, novamente, a estilista, nos rochedos de Bandelier, onde há evidências humanas de mais de 10 mil anos

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Para a coleção Paris-Dallas,

Lagerfeld recorreu à expertise

dos ateliês de artesanato da

Chanel para bordar motivos étnicos e

penas em vestidos leves e românticos

“FOI UM MOMENTO MÁGICO, HAVIA UM CÉU

QUE HABITUALMENTE SÓ VEMOS DO AVIÃO, AQUELA

HORA EM QUE UM FIO DA LUZ DO DIA SE FUNDE

MUITO GENTILMENTE NA NOITE. A SILHUETA DE

VOCÊS CONTRA ESSA LUZ É A MINHA FOTO PREFERIDA”

Na página ao lado, Paula veste o caftã que criou para o grupo usar especialmente durante a viagem e, abaixo, detalhe da

decoração de uma casa no Ghost Ranch. Nesta página, o entardecer no rancho de Georgia O’Keeffe e, abaixo, Daniela

andando por Bandelier, com braceletes feitos com tear de conchas e rubis, da coleção de Paula e Ara Vartanian

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LEMBREI QUE COSTANZA PASCOLATO DEFINIU A

COLEÇÃO COMO “TRIBAL DELUXE” E PENSEI

QUE ADICIONARIA UM “SUPER” ENTRE ESSAS

DUAS PALAVRAS

A artista Georgia O’Keeffe elegeu o Novo México como seu retiro por mais de 30 anos, e as paisagens de seu rancho (onde Christine posa aqui com Carolina e, na página ao lado, com Daniela) inspirou diversas de suas obras

Maquiagem: Niki M’nray Cabelos: Joey George (Artlist New York)Assistente de fotografia: Mark NoonanProdução executiva: Natalia BottiAssistente de produção: Tyler DresselAgradecimentos: Ghost Ranch, Bandelier National Monument e Sabrina Gasperin

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No primeiro dia de fotos, enquanto Tinko procurava locações pela cidade e Maurício de-sempacotava acessórios indígenas que havia garimpado no Brasil para completar o styling, Danie-la e eu escapamos de casa. Fizemos uma rápida visita à Canyon Road, a rua mais famosa de Santa Fé, conhecida por suas mais de cem galerias de arte, algumas butiques e restaurantes. Deu tempo de bisbilhotar meia dúzia delas e de comprar batas de algodão Khadi tingidas com índigo natural na lojinha La Boheme, apenas o suficiente para nos deixar babando de vontade de voltar lá (o que não aconteceu).

Logo depois, pelas mãos de Joey e Nicky, cabeleireiro e maquiadora importados de Nova York, fomos transformadas em deusas gaias contemporâneas – ou como disse Daniela ao se olhar no espelho, “Wow, uma guerreira com poderes mágicos!”. Quando menos percebemos, estávamos posando para as lentes de Tinko, cabelos ao vento, caminhando contra o muro ocre de uma igreja local. Fazia um dia lindo e foi uma alegria imensa vestir os sofisticados vestidos da Paula. Pude notar cada detalhe, cada volume, textura, recorte, a paleta de cores da terra, o capricho que ela teve com cada peça. Lembrei que Costanza Pascolato definiu a coleção como “tribal deluxe” e pensei que adicionaria um “super” entre essas duas palavras.

O shooting foi longo, entrou noite adentro, subiu pelo telhado e eu, faminta, só pensava no horário do jantar, que por ali não passa das 21h. Conseguimos chegar ao restaurante Geronimo, apontado como o melhor da cidade, no último minuto viável. Mas valeu a corrida! Instalado em uma charmosa casinha “borrego” de 1756, em plena Canyon Road, o restaurante serve uma comida ótima e a melhor margarita do mundo.

Na manhã seguinte dirigimos durante uma hora e meia até o famoso Ghost Ranch. Atualmente ele funciona como um museu a céu aberto onde a paisagem árida do deserto, seus penhascos arenosos e a famosa montanha Pedernal, outrora tão retratados por O’Keeffe, agora po-dem ser admiradas pelo grande público. Além de caminhadas e serviço de apoio, o rancho oferece hospedagem, workshops e até retiros espirituais para quem deseja experimentar alguns dias de silêncio em meio à natureza selvagem. A nossa visita durou um dia inteiro e foi muito impactante. Escalamos pedras, admiramos o horizonte, entramos em saunas cerimoniais indígenas, tomamos sol e vento no rosto, sorrimos, gritamos no meio do nada e finalmente alcançamos o alto daquela montanha, já de noite, onde o mundo pareceu fazer sentido. Tinko dá sua versão ao ápice do nosso dia: “Foi um momento mágico, havia um céu que habitualmente só vemos quando estamos den-tro do avião, aquela hora em que o horizonte está tão longe que dá para ver um fio da luz do dia se fundir muito gentilmente na noite… A silhueta de vocês contra essa luz é a minha foto preferida.”

No outro dia dirigimos até o Bandelier National Monument, parque nacional que pre-serva um território montanhoso de 120 km2 onde há evidência humana de mais de 10 mil anos (a idade do Raulzito!). Lá, o ponto alto do passeio são as escavações feitas nos rochedos pelos nativos ancestrais, formando um incrível e imenso painel de cavernas por onde o público pode entrar e sair, explorar à exaustão. As tonalidades de palha, ráfia e linho cru que Paula usou nos vestidos mais claros da coleção eram as mesmas dos rochedos e das montanhas. Mais uma vez estávamos em perfeita sintonia com o local. Daniela, com seus longos cabelos pretos amarrados em rabo de cavalo, parecia uma nativa soberana. Paula idem. Visitantes paravam para olhar, tiravam fotos, chegaram a perguntar se elas “vestiam-se sempre assim”.

Mais arborizada e fresca, a área me deu a impressão de que a qualquer momento poderia aparecer um urso enorme para nos atacar – ainda bem que não aconteceu, pois também não apare-ceriam índios para nos defender com flechadas, nem mocinhos com seus revólveres, mas bem que a gente imaginou tudo isso. Acho que já era sinal de cansaço. No fim do dia, exaustos e com medo do céu cada vez mais fechado, deixamos passar o piquenique que faríamos na relva de margaridas e voltamos para casa.

Dito e feito. Assim que chegamos a Santa Fé, como que num passe de mágica uma tem-pestade de granizo caiu forte no deserto, durante duas horas, deixando um belíssimo arco-íris como rastro de sua passagem. Claro que registramos esse gran finale com um alegre selfie da turma. E depois comemoramos o sucesso da viagem no bar El Farol, com direito a visita do nosso amigo caubói e guitarrista nas horas vagas David Manzanares, show ao vivo de rock latino, alguma guaca-mole e muitas, muitas rodadas de tequila. O resto é história que a Bel, incansável, com sua câmera em punho o tempo todo, registrou no making of.