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PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ACÓRDÃO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
REGISTRADO(A) SOB N°
"02936509*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258/9 (Processo n°
298/2005) da 2 a Vara Criminal da Comarca de SANTOS, em
que é apelante/apelado EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL
ELIAS, sendo apelado/apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO:
ACORDAM, em Sessão Ordinária da Quarta
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por votação unâ
nime, proferir a seguinte decisão: rejeitaram a preliminar
arguida e, deram provimento ao recurso da Justiça Pública
para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimento da
expiação, cassando-se a substituição infligida, e, paralela
mente, negaram provimento ao recurso defensivo. Expeça-
se mandado de prisão, oportunamente, de conformidade
com o voto do Relator, que fica fazendo parte do presente
julgado.
O julgamento teve a participação dos Srs.
Desembargadores Salles Abreu (Revisor) e Willian Campos,
com votos vencedores.
São Paulo, 23 de março de
EUVALDO
Relator e Presidente
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
13259
APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258 /9 Comarca: SANTOS - (Processo n° 298/2005) Juízo de Origem: 2 a Vara Criminal Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Apelante/Apelado- EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS Apelado/Apelante: o MINISTÉRIO PUBLICO
Relator
VOTO DO RELATOR
EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS foi con
denado pelo r. Juízo da 2 a Vara Criminal da Comarca de SAN
TOS, nos autos do Processo n° 298/2005, como incurso no ar
tigo 168, § Io , inciso III, c.c. o art. 71 , "caput", ambos do Código
Penal, às penas de 05 (cinco) anos, 03 (três) meses e 16 (dezes
seis) dias de reclusão, em regime aberto, sob as condições de
permanecer diariamente em sua residência das 20h às 6h do
dia seguinte, inclusive em finais de semana e feriados; não se
ausentar da região da Baixada Santista, salvo se a trabalho,
sem autorização judicial; e a comparecer mensalmente em Juí
zo, para informar e justificar suas atividades; bem como ao pa
gamento de 76 (setenta e seis) dias multa, fixados no valor indi
vidual de dois salários mínimos. Condenado, ainda, ao paga
mento à vítima da quantia de R$ 20.642,97, com correção mo
netária e juros de mora a contar de 18 /11 /04 , a título de valor
mínimo da reparação de danos; facultado o apelo em liberdade
(fls. 672/685).
O apelante foi processado porque se apropriou,
indevidamente, de bens e dinheiro, no valor total de R$
135.932,47 (cento e trinta e cinco mil, novecentos e trinta e dois
reais e quarenta e sete centavos), pertencentes a Manoel Messi-
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as Santos, atualmente com 71 anos de idade.
O inconformismo é bilateral.
De um lado, apela o Ministério Público para
que a reprimenda venha a ser cumprida no regime intermediá
rio (fls. 695/699) e, de outra banda, recorre o réu, em verdadei
ro trabalho de fôlego (fls. 730/772) argüindo preliminar de nuli-
dade porque não observada a nova ordem procedimental (Lei n°
11.719/08). No mérito, aduz que o conjunto probatório é insufi
ciente para embasar o édito expiatório, sustentando, subsidiari-
amente, que a exasperadora está reconhecida de forma equivo
cada, afastamento do "bis in idem" no tocante à circunstância
semelhante que serviu para altear a base e reconhecer a agra
vante e, ainda, a redução da reprimenda.
Contrariados os recursos (fls. 710/720 e
775/780), a douta Procuradora de Justiça, Dra. Iurica Tanio
Okumura, opina pelo deferimento de preliminar, para julgamen
to prioritário, por se tratar de vítima maior de 70 anos e, no mé
rito, pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 783/798).
É o relatório.
Analisa-se, inicialmente, a questão prejudicial
arguida que envolve o tema da aplicação da lei processual pe
nal no tempo.
Com efeito, o réu foi interrogado em 2007,
sendo respeitado o rito processual da época. Com a reforma de
2008, o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instru
ção (art. 400, CPP), sendo, doravante, o derradeiro, mas tal
circunstância trazida à baila pela reforma não tem o condão de
autorizar novo interrogatório em face da exegese do art. 2o, do
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Estatuto de Ritos. O ato processual, na espécie, era perfeito e
acabado, inexistindo motivo concreto para a sua renovação.
Ademais, inexiste prova de prejuízo, mormente porque inexis-
tiu confissão, de sorte que mácula processual não se presume;
é provada e tal, com a devida vênia, não existe.
A este teor confira-se a lição do saudoso Pro
fessor JÚLIO FABBRINI MIRABETE na obra "Código de Proces
so Penal Interpretado", Atlas, 2003, 11 a edição, p. 80, ensina
mento que se coaduna com a lição do Supremo Tribunal Fe
deral (Informativo n° 419; HC n° 87.656, Rei. Min. SEPULVE-
DA PERTENCE).
Em suma: "tempus regit actum".
É fato que a sentença veio a ser prolatada me
ses após a entrada em vigor da Lei n° 11.719/08. Todavia, o
patrono do réu, por ocasião da oferta de suas derradeiras ale
gações (fls. 631/660), época em que novel norma estava em vi
gência, não formulou pedido de renovação do interrogatório.
Então, aplica-se o dispositivo precitado (art. 2o, CPP), em cote
jo com o art. 565, do Código de Processo Penal, porque inerte a
Defesa no momento oportuno, para se indeferir a preliminar
argüida. Ademais, como é cediço, declaração de nulidade re-
questa apontamento do efetivo prejuízo, coisa que não se su
cede na hipótese vertente.
Analisa-se o mérito do recurso defensivo.
A vítima setuagenária contratou advogado pa
ra patrocinar seus interesses em processo crime. Entabulou-se
verba honorária de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e, mais
dois salários mínimos ao mês para serviços gerais (fls. 37,
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385 /386 e 309). Destarte, outorgou-se Procuração não só para
defesa n a esfera criminal, mas também para venda e locação
de imóveis, abertura de conta, movimentação bancária e en
cerramento de contas em agências bancárias (fls. 34/36).
Vê-se, pois, que a procuração outorgada, em
princípio, usurpou o fim colunado na contratação da prestação
de serviço. E tal razão pode ser aferida com o resultado do pro
cesso crime: a vítima foi absolvida impropriamente, sendo de
terminada internação em Hospital Psiquiátrico (fls. 124/128),
lá tendo permanecido até 2005 (fls. 200/204).
Pois bem.
Durante o período em que Manoel estava pre
so (a segregação ocorreu em janeiro de 1996), o apelante:
a) vendeu o apartamento da vítima na cidade
de Santos (fls. 229, 237/238 , 266 e 288);
b) vendeu a casa da vítima em São Vicente (fls.
246, 247 e 289);
c) e, por fim, recebeu aposentadoria da vítima
por quase u m a década (fls. 369 /377 e 384/386).
De doer na retina!
A incauta vítima, iletrada, que cursou escola
somente até o primário, pessoa de idade avançada e portadora
de problemas psíquicos (fls. 37, 88 e 202), veio a perder a pe
quena fortuna que reuniu ao longo de u m a vida inteira. A ex-
culpa do réu (fls. 411/413) faz corar de vergonha até mesmo
u m a es ta tua de pedra. Diz que vendeu os imóveis (declara va
lor inferior ao efetivamente comercializado) e movimentou a
conta bancária da vítima por muitos anos apenas para receber
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seus honorários e dos seus sócios. Mas não declina os valores
com exatidão. E mais: diz que até os dias atuais patrocina in
teresses da vítima junto à Vara das Execuções Penais e que
Manoel jamais exigiu qualquer prestação das contas, sendo
tudo a ele informado de forma verbal.
Como se fosse possível a tuar assim patroci
nando interesse de mentalmente enfermo sem cometer delito.
Ora, um advogado experiente, mestre em direito, professor (fls.
400, 410, 586/587, 590, 730), jamais poderia adotar tal com
portamento. Nunca, nem em pensamento, poderia vender imó
vel ou movimentar conta corrente de cliente preso e portador
de enfermidade mental, máxime se não veio e não prova que
teria sido contratado para isto. O contrato de honorários en
cartado não lhe faculta tal conduta. E, destarte, agiu com dolo.
Quando muito, após prestar contas ao cliente, desde que não
fosse enfermo mentalmente, poderia, em tese, exercer direito à
retenção de valores até ser reembolsado (art. 1315, do Código
Civil vigente ao tempo do crime). Nunca, porém, a tuar como de
fato a tuou na espécie.
É exato que o apelante comprovou alguns
poucos pagamentos efetuados (fls. 4 6 / 4 7 , 48/49 , 51 /52 , 419,
420 /421 e 600/603), mas estes gastos são ínfimos, mínimos
perto do montante apossado indevidamente com a venda de
dois imóveis e mais 08 (oito) anos de aposentadoria.
Outro ponto há que ser destacado para com
provar o dolo do réu: antes da venda dos imóveis j á sabia da
anomalia mental de Manoel (fls. 103/106), tanto que susten
tou no Juízo Criminal que seu cliente era portador de doença
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mental, o que veio a ser confirmado por perícia (fls. 108,
124/128, 323 /327 e 321), e, mesmo assim, alienou dois imó
veis e se apoderou de vultoso dinheiro da vítima, provavelmen
te porque, à luz das máximas da experiência, acreditava na
impunidade e no fato de que parentes da vítima não mais
mant inham contato com ele há muito tempo porque a eles ti
n h a dito que Manoel t inha falecido (fls. 220 e 510). Em suma,
sabia do quadro e se valeu do estado mental enfermo da vítima
para se locupletar em razão do ofício.
Diante desse quadro probatório, está provada
a inversão da posse e o dolo do agente. A decisão hostilizada
há, de fato, que ser mantida porque, como se tem decidido em
reiterados arestos, não se exige prova inconcussa da autoria
para o édito expiatório. Este vocábulo, indubitavelmente, é u-
tópico quando se busca a verdade dos fatos. O absoluto grau
de certeza pelo julgador é meta inatingível, vez que este concei
to é incompatível com as limitações inerentes à natureza hu
mana. Nesse contexto, para acolhimento da pretensão deduzi
da pelo Ministério Público na peça matriz basta que a prova
recolhida, ainda que não conducente à certeza plena, autorize
a formação de juízo de valor em desfavor do réu e, paralela
mente, afaste a dúvida razoável.
A diferença é sutil, porém significativa, valen
do assentar que inexiste hierarquia entre os meios de prova e
nosso ordenamento consagra a validade da prova indiciaria
(art. 239, CPP), de sorte que suficiente o afastamento da dúvi
da para lançamento de édito expiatório. Basta existência da
certeza possível (beyond any reasonable doubt). Vale dizer: a-
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fastada a dúvida razoável e sendo possível pelo destinatário da
prova à luz do contraditório a formulação de juízo de valor em
desfavor do réu, válida a expiação. E este entendimento aqui
esposado encontra respaldo em reiterados arestos, muitos de
les sustentando que indícios são suficientes para embasar
sentença condenatória, notadamente quando afastam uma hi
pótese favorável ao acusado. Nesse sentido, de se conferir RT
722 /462 .
De se acrescentar, porque oportuno, que a
doutrina e a jurisprudência convergem no ensinamento de que
para chegar-se à autoria, pode o Magistrado recorrer ao entro-
samento de vários elementos de convicção carreados para os
autos. Nesse sentido, vale a pena conferir, mais u m a vez, a li
ção do mestre ADALBERTO CAMARGO ARANHA, em sua obra
Prova no Processo Penal, 3 a ed., Saraiva, 1994, XVIII, p. 195, e
ainda, o julgado inserto na RT 7 2 9 / 5 8 3 . Em síntese, é de se
anotar que a prova indiciaria, que vem consagrada no art. 239,
do Código de Processo Penal, autoriza ilação em desfavor do
réu, na medida em que há indícios em seu desfavor. Vale lem
brar que "a autoria do delito evidenciada por depoimentos de
testemunhas de 'visu', seguros e coerentes, não se queda, no
sistema do livre convencimento, diante de simples e obstinada
negativa dos agentes" (RT 710/325).
Ademais, não pode olvidar para o fato de que a
falta de verossimilhança da exculpa do réu constitui forte indí
cio de sua culpabilidade e é indicativo de que está mentindo.
Nesse sentido, confira-se a lição de MARIA THEREZA ROCHA
DE ASSIS MOURA, in A Prova por Indícios no Processo Penal, I a
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ed., Saraiva, 1994, p. 75. Também não se pode negar a valida
de da prova indiciaria, cujo valor é idêntico à direta, posto que
reconhecida pelo sistema do livre convencimento adotado pelo
Código de Processo Penal. Esta a lição de JOSÉ FREDERICO
MARQUES in Elementos de Direito Processual Penal, I a ed., Fo
rense, 1961, II, n° 525, p. 378.
Vê-se, portanto, que o acusado descumpriu
ônus assumido, apoderando-se de bens que lhe foram confia
dos. E, não se pode olvidar, "consuma-se o crime de apropriação
indébita no momento em que o agente inverte o título da posse,
passando a agir como dono, recusando-se a devolver a coisa ou
praticando algum ato externo típico de domínio, com ânimo de
apropriar-se da coisa" (RT 675/415) . No mesmo sentido: RT
6 7 9 / 4 1 1 , 708 /322 e 726/679.
Esse entendimento é amplamente albergado
pela doutrina, valendo conferir: NELSON HUNGRIA, Comentá
rios ao Código Penal, 3 a ed., Forense, 1967, n° 65, p. 143; ED-
GARD MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, 26 a ed., Sarai
va, II, n° 556, p. 336; JÚLIO FABBRINI MIRABETE, Manual de
Direito Penal, 6 a ed., Atlas, 1991, II, p. 259; DAMÁSIO E. DE
JESUS, Direito Penal, 18a ed., Saraiva, 1996, II, p. 364.
Ora, não é crível que ignorasse irregularidade
da sua conduta. Também não comprovou que tivesse anuência
para vender os objetos ou movimentar conta bancaria. Nesse
contexto, inequívoco que inverteu a posse com ânimo de asse-
nhoramento. E, tratando do delito de apropriação indébita em
que o elemento subjetivo corresponde a uma subjetiva mani
festação de vontade de inverter o título de mera detenção em
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domínio, a demonstração do dolo é feita, de regra, através de
elementos indiretos de convencimento, mas harmônicos e con
vergentes. Em suma, o fato é típico, e, também, antijurídico,
restando imperiosa a condenação, na medida em que sobeja
mente demonstrado o "animus rem sibi hábendi", configurador
da infração penal, patenteada com a quebra de confiança e a
inversão da posse do dinheiro.
O relato encartado às fls. 588/589 o inculpa
de forma irretorquível. Pretendia o honorário perpétuo (fls.
206/217). E mais: celebrou contrato com vítima doente men
tal, sabendo do discernimento comprometido, com o propósito
de manter remuneração eterna, sob pretexto de acompanhar a
execução da pena e cuidar da "parte administrativa". Em suma,
a tese de que a vítima t inha conhecimento e consciência do
negócio jurídico não merece credibilidade. E a prova oral reco
lhida é ampla em desfavor do apelante (fls. 503/514, 531/537
e 569/571).
De se anotar, porque oportuno, que o estado
mental combalido da vítima é patente, não só pela prova técni
ca, como também pelo fato de acreditar que o réu, até hoje, pa
trocina seus interesses apenas no processo crime. E que ou
torgou procuração apenas para sua defesa nestes autos. Em
suma, nunca recebeu prestação de conta do instrumento de
mandato outorgado com poderes maiores que o assentido. E a
atitude criminosa do réu é alertada pela assistente social Ma
ria Conceição (fls. 503 e seguintes). Contou também que o ad
vogado nunca pagou despesas de Manoel, sendo que nas opor
tunidades em que houve necessidade de intervenção cirúrgica
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no cárcere, o procedimento ocorreu pelo SUS. Conta que o réu
nunca prestou assistência à vítima, como pretende fazer crer.
E mais: parentes da vítima contaram à funcionária do Hospital
que o ora apelante t inha informado que Manoel t inha falecido
(fls. 510/512).
É muito triste !!!
Marisa, a outra assistente social ouvida sob o
crivo do contraditório, contou que no Hospital de Custódia e
Tratamento em que o réu estava internado, jamais houve uma
única visita do réu. E dá integral cobro aos dizeres da colega
de profissão, narrando que familiares de Manoel se assusta
ram com a notícia de que estava vivo porque Eduardo tinha
anunciado a todos em Santos que ele era morto. E mais: con
tou que o réu apenas apresentou o cartão da conta bancária
da vítima após os fatos terem sido levados ao conhecimento da
Assessoria Jurídica do Nosocômio. Por fim, acrescentou que a
vítima doente mental dizia, a todo instante na internação, que
o réu era contratado para defendê-lo (fls. 535), mas não vinha
visitá-lo.
As tes temunhas de defesa (fls. 584/587) são
apenas de antecedentes, de sorte que nada de relevante revela
ram à instrução. E, nesse contexto, se advogado recebe quan
tias indevidas de seus clientes, sujeitado está às penas do deli
to em questão.
A agravante do art. 61 , inciso II, letra "h", é ir
refutável porque o delito veio a ser perpetrado contra idoso. A
pena está dosada com critério. Com efeito, a base está alteada
de forma justificada com olhos voltados para o art. 59, do Có-
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digo Penal. Ora, dentre os inúmeros bens materiais, há que le
var em conta, na fixação da pena para os crimes contra o pa
trimônio, o objeto subtraído. Por óbvio advogado que se propõe
a surrupiar o montante apossado, importe que, de fato, repre
senta a economia de u m a vida inteira e causar o prejuízo su
portado pela vítima idosa e com anomalia mental, tem repro
vação mais acentuada do aquele réu que se apropria de pe
quenos valores - um cheque de pequeno valor - em razão da
profissão. Logo, há que ser apenado de maneira mais severa,
sob pena de se fazer letra morta o mandamento da Constitui
ção Federal (art. 5o , XLVI).
Nosso Código Penal, e suas reprimendas, re
montam à primeira metade do século passado, época muito di
ferente dos caóticos dias atuais e de criminalidade exacerbada.
Destarte, o Juiz, destinatário da prova, precisa adequar-se à
realidade no momento da fixação da pena. É homem de tempo
e, como tal, teve estar inteirado daquilo que se sucede no meio
social, dos problemas sociais e da importância de suas deci
sões para combater a violência, tentando, no seu mister, trazer
à tona a credibilidade no Judiciário, tantas vezes injustamente
criticado. E um advogado renomado no seu meio social que
vem a delinqüir desta forma merece, com a devida vênia, san
ção exemplar, sob pena de, no seio da sociedade santista, dei
xar no ar o mau cheiro da impunidade.
Nesse contexto, estribado em precedente do
Colendo Superior Tribunal de Justiça (HC n° 70232/DF, Rei.
Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 12.03.2007, p. 303), o
ajuste para o dobro na base é justificado, mormente porque o
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réu é advogado antigo, renomado, cobrador de vultosos hono
rários por seus préstimos. Há ainda a incidência de circuns
tância agravante e, paralelamente, de causa de aumento, de
sorte que o montante infligido não será alterado, não se po
dendo falar em "bis in idem". E o acréscimo pela forma conti
n u a d a no grau máximo é inarredável em razão do tempo em
que infração se protraiu no tempo. Não se altera, ainda, o valor
do dia multa porque, como frisado, trata-se de réu que era ad
vogado em Santos, recebedor de polpudos honorários, com
amplas condições de arcar com o valor infligido: dois salários
mínimos. Para nosso desalento, esta se tornou u m a prática
corriqueira e contribui para péssima visão que a sociedade
vem adquirindo quanto aos operadores do direito e, principal
mente, advogados.
De se anotar a notícia amplamente veiculada
em CAMPINAS no ano que se encerrou: "Os advogados Nelson
Leite Filho e Newton Brasil Leite foram condenados pelo MM. Ju
iz Leonardo Pessorusso de Queiroz, da Ia Vara Federal de
Campinas, pela prática de crimes de apropriação indébita
combinados com o crime de patrocínio infiel, quando o advogado
trai a causa do cliente. Os réus poderão responder ao processo
em liberdade. Segundo a denúncia, oferecida em 2003, pelo
procurador da República Roberto Antônio Dassié Diana, os acu
sados, após receberem, por meio de alvará de levantamento, os
valores devidos aos clientes, descontavam, dos pagamentos fei
tos, quantias que variavam entre 40% a 50% das verbas. Em al
guns casos, os advogados não repassaram integralmente os pa
gamentos recebidos. Os réus se apropriaram de mais de R$
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300 mil. Nelson Leite Filho foi condenado à pena de 58 anos,
sete meses e dois dias de reclusão e a pagar uma multa
no valor de 25.300 dias-multa, fixado, cada dia-multa. New
ton Brasil Leite foi condenado à pena de 50 anos, dois meses
e 20 dias de reclusão e apagar multa no valor de 21.212
dias-multa fixado. O valor de cada dia-multa foi fixado
em 1/20 de salário mínimo vigente à época dos fatos. O
Juiz só não aceitou o argumento do MPF de que as penas deve
riam ser aumentadas, pois os crimes foram cometidos con
tra idosos. Para o Juiz, o processo não trouxe prova inequívoca
da idade dos clientes lesados. O procurador da República Gilber
to Guimarães Ferraz Júnior, atual responsável pelo caso, recor
reu da sentença, com o objetivo de aumentar a pena fixa
da. Para o MPF não foram considerados, na fixação da pena, os
antecedentes criminais dos acusados, que respondem a diversos
inquéritos policiais".
Casos como este é que envergonham - e muito
- a classe dos estudiosos e operadores da ciência do direito.
Em suma, houve inversão da posse de dinheiro das pensões e
alienação de bens imóveis com inversão da posse quanto ao
dinheiro arrecadado, de sorte que o apelante somente se apro
priou destes valores porque captou a confiança do cliente idoso
e exerceu o mandato indevidamente, com ampliação de pode-
res e de forma dolosa para se locupletar, incidindo, destarte,
nas penas do fato típico. Do Tribunal de Justiça de Santa Ca
tarina, colhe-se o idêntico precedente com a seguinte ementa:
"caracteriza o crime de apropriação indébita o ato do advogado
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que, recebendo importância como procurador judicial de seu cli
ente, passa a dispor de parte dela como sua" (Ap. Crim. n.
25.050, Rei. Des. NILTON MACEDO MACHADO). E, na hipóte
se dos autos, restou comprovado o elemento subjetivo da a-
propriação, caracterizado pela vontade livre e consciente de se
apropriar.
De rigor, pois, a expiação lançada.
Analisa-se o recurso ministerial.
Em face do montante da pena infligida, não se
pode fixar o regime aberto. Destarte, com lastro no art. 33, §
2o , letra "b", do Código Penal, a pena há que ser cumprida no
regime intermediário. De se anotar, porque oportuno, que há
notícia de outro envolvimento criminal (fls. 628). E, por fim, a
substituição da pena privativa de liberdade é vedada em face
da exegese do art. 44, inciso I, do Código Penal. A reparação de
danos (art. 387, IV, CPP) fica mantida no importe firmado na
decisão hostilizada.
Diante do exposto, pelo meu voto, rejeita-se a
preliminar arguida e, dá-se provimento ao recurso da Just iça
Pública para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimen
to da expiação, cassando-se a substituição infligida, e, parale
lamente, nega-se provimento ao recurso defensivo. Expeça-se
mandado de prisão, oportunamente. ^ ^ ^ 7 ^
/ C_^^TJ^ALIK) tíffiffi* ^
/ ^^ Relator
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