trotsky sobre makhno

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O MOVIMENTO DE MAKHNO Traduzido por Marcelo Souza Existe a Grande Rússia Soviética e a Ucrânia Soviética. E além deles há também outro, um conhecido pequeno estado, isto é, Gulyay-Polye. Este é governado pelo quartel-general de um certo Makhno. No início, ele possuía um destacamento guerrilheiro, depois uma brigada, em seguida, aparentemente, uma divisão, e agora tudo isso está sendo quase repintado num “exército” insurgente especial. Contra quem estão se rebelando os homens de Makhno? É preciso ser dada uma resposta clara a esta questão — uma resposta em palavras e ações. Makhno e os seus co-pensadores mais íntimos consideram-se anarquistas, e nesta base “rejeitam” o poder do Estado. Então eles são inimigos do poder soviético? Obviamente, já que o poder soviético é o poder do Estado operário e camponês. Mas os makhnovistas não podem se expor a dizer abertamente que são contra o poder soviético. Eles dissimulam e tergiversam: dizem reconhecer o poder dos sovietes locais, mas rejeitam o poder central. Mas todos os sovietes locais da Ucrânia reconhecem o poder central que eles elegeram. Conseqüentemente, os makhnovistas na verdade não só rejeitam a autoridade central ucraniana, mas também a autoridade de todos os sovietes locais da Ucrânia. O que eles reconhecem afinal? Reconhecem a autoridade dos sovietes makhnovistas de Gulyay-Polye, ou seja, a autoridade de um círculo de anarquistas no lugar onde

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Leon Trotsky fala sobre o papel do anarquista Nestor Makhno

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Page 1: Trotsky Sobre Makhno

O MOVIMENTO DE MAKHNO

Traduzido por Marcelo Souza

Existe a Grande Rússia Soviética e a Ucrânia Soviética.

E além deles há também outro, um conhecido pequeno estado, isto é, Gulyay-Polye. Este é governado pelo quartel-general de um certo Makhno. No início, ele possuía um destacamento guerrilheiro, depois uma brigada, em seguida, aparentemente, uma divisão, e agora tudo isso está sendo quase repintado num “exército” insurgente especial. Contra quem estão se rebelando os homens de Makhno? É preciso ser dada uma resposta clara a esta questão — uma resposta em palavras e ações.

Makhno e os seus co-pensadores mais íntimos consideram-se anarquistas, e nesta base “rejeitam” o poder do Estado. Então eles são inimigos do poder soviético? Obviamente, já que o poder soviético é o poder do Estado operário e camponês.

Mas os makhnovistas não podem se expor a dizer abertamente que são contra o poder soviético. Eles dissimulam e tergiversam: dizem reconhecer o poder dos sovietes locais, mas rejeitam o poder central. Mas todos os sovietes locais da Ucrânia reconhecem o poder central que eles elegeram. Conseqüentemente, os makhnovistas na verdade não só rejeitam a autoridade central ucraniana, mas também a autoridade de todos os sovietes locais da Ucrânia. O que eles reconhecem afinal? Reconhecem a autoridade dos sovietes makhnovistas de Gulyay-Polye, ou seja, a autoridade de um círculo de anarquistas no lugar onde conseguiram se estabelecer temporariamente. Este é de fato todo o mistério para a sabedoria política do movimento de Makhno.

Porém, o “exército” makhnovista precisa de cartuchos, rifles, metralhadoras, artilharia, caminhões, locomotivas e dinheiro. Todas estas coisas estão concentradas nas mãos do poder soviético, sendo produzidos e distribuídos sob sua direção. Por isso os makhnovistas são obrigados a recorrer àquele mesmo poder que não reconhecem, a fim de conseguir dinheiro e cartuchos. Mas, uma vez que os makhnovistas justificavelmente temem bastante que o poder soviético possa privá-los de tudo sem o qual não podem viver, eles decidiram assegurar sua independência apoderando-se das grandes riquezas do país, para depois entrar em relações de “tratado” com o resto da Ucrânia.

Page 2: Trotsky Sobre Makhno

No distrito de Mariupol há muito carvão e grão. Mas desde que os makhnovistas se estabeleceram na linha férrea de Mariupol, eles estão se recusando a permitir que levem o carvão e o grão, exceto em troca de outros suprimentos. Enquanto rejeita o “poder do Estado” criado pelos operários e camponeses de todo o país, a liderança makhnovista organiza seu próprio poder semi-pirático, atrevendo-se a bloquear o caminho para o poder soviético na Ucrânia e em toda a Rússia. Em vez da economia do país ser corretamente organizada de acordo com uma concepção e plano geral, e em vez de uma distribuição cooperativa, socialista e uniforme de todos os produtos necessários, os makhnovistas estão tentando estabelecer uma dominação por gangues e bandos: quem se apossar de alguma coisa é seu legítimo dono, e pode então trocá-lo por qualquer coisa que não tenha pego. Isto não é nenhum produto de troca, mas uma mercadoria roubada.[1]

Os makhnovistas gritam: “ABAIXO OS PARTIDOS, ABAIXO OS COMUNISTAS, LONGA VIDA AOS SOVIETES APARTIDÁRIOS!”. Mas isto não passa de uma mentira miserável. Makhno e os seus companheiros de armas não são de forma alguma apartidários. São todos de convicção anarquista, e emitem circulares e cartas convocando os anarquistas a Gulyay-Polye para organizar seu próprio poder anarquista por lá. Se eles levantam a bandeira “apartidária”, é apenas para jogar poeira nos olhos da maioria dos camponeses ignorantes e atrasados, que não entendem nada sobre partidos. Na verdade, a bandeira “apartidária” serve para encobrir da melhor forma possível os elementos kulaks. Os kulaks não ousam admitir abertamente que pertencem ao partido das Centúrias Negras[2], pois temem que sejam castigados por isso. Por essa razão eles estão mais dispostos a fazer um espetáculo sendo “apartidários”. No momento, os social-revolucionários, a pior seção dos mencheviques, os Cadetes, e todos os contra-revolucionários em geral que também acham muito perigoso aparecer em público na sua aparência natural se escondem por detrás do “apartidarismo”.

Os comunistas não escondem seus rostos ou dobram suas bandeiras.

Eles se apresentam abertamente ao povo trabalhador como um partido. Os operários e camponeses vêm conhecer os comunistas em ação, pela experiência e trabalho árduo. É precisamente por esta razão que o partido dos comunistas-bolcheviques adquiriu uma influência decisiva entre as massas, e assim também nos sovietes.

Contra-revolucionários de toda espécie odeiam o Partido Comunista. Os makhnovistas compartilham este mesmo sentimento contra os comunistas. Por isso a profunda simpatia sentida por todos os patifes pogromistas e Centúrias Negras pela bandeira “apartidária” dos makhnovistas. Os kulaks de Gulyay-Polye e os especuladores de

Page 3: Trotsky Sobre Makhno

Mariupol ecoam com entusiasmo as palavras dos makhnovistas: “Nós não reconhecemos o poder do Estado que exige carvão e grão. O que tomamos defenderemos”.

Neste ponto de vista, como em todos os outros, os makhnovistas não são diferentes dos grigorievistas[3]; Grigoriev também se rebelou contra a autoridade central em nome de sovietes locais apartidários, ou seja, contra a vontade organizada de toda a classe operária, em nome de bandos e grupos kulaks individuais. Não foi por acaso que Grigoriev, quando ergueu a bandeira bárbara, provocou um motim-pogrom e pôs-se a exterminar os comunistas, chamando “batko” Makhno para concluir uma aliança pogromista com ele. É verdade que Makhno se recusou. Mas não por motivo de princípio. No congresso anarquista em Gulyay-Polye Makhno pediu abertamente a revolta contra o poder soviético. Se ele não se rebelou em companhia com Grigoriev foi porque teve medo, compreendendo evidentemente o completo desespero de uma revolta aberta.

O “exército” de Makhno é guerrilheirismo da pior espécie, embora haja nele vários bons lutadores de base. Nenhum sinal de ordem e disciplina encontrar-se-á neste “exército”. Não há nenhuma organização de suprimentos. Comidas, munições e uniformes são pegos onde quer que seja, e eles são tão dispendiosos quanto descuidados. Este “exército” também luta quando sente necessidade. Não obedece nenhuma ordem. Grupos individuais avançam quando podem, quer dizer, quando não encontram nenhuma resistência séria, mas ao primeiro empurrão firme do inimigo eles se espalham em todas as direções, abandonando posições, cidades e equipamentos militares a um oponente pouco numeroso. A culpa por tudo isso se encontra inteiramente nos comandantes anarquistas atrapalhados e desbaratados.

Neste “exército”, comandantes são eleitos. Os makhnovistas gritam roucamente: “ABAIXO OS COMANDANTES NOMEADOS!”. Eles só fazem isto para iludir o elemento ignorante entre os seus próprios soldados. Alguém só pode falar de pessoas “nomeadas” sob a ordem burguesa, quando oficiais czaristas e ministros burgueses nomeavam segundo seu próprio critério comandantes que mantinham as massas de soldados sujeitas às classes burguesas. Hoje não há nenhuma autoridade na Rússia que não seja eleita por toda a classe operária e camponesa. Portanto, comandantes designados pelo governo central soviético são colocados em suas posições por milhões de trabalhadores. Mas os comandantes makhnovistas refletem os interesses de um minúsculo grupo de anarquistas que confiam nos kulaks e ignorantes.

Page 4: Trotsky Sobre Makhno

O caráter antipopular do movimento de Makhno é revelado com mais clareza no fato de que o exército de Gulyay-Polye é denominado de “Exército de Makhno”. Lá, os homens armados não estão reunidos ao redor de um programa, nem ao redor de uma bandeira ideológica, mas ao redor de um homem. Foi exatamente o mesmo com Grigoriev. Na Rússia e na Ucrânia Soviética regimentos e divisões são armas nas mãos da classe trabalhadora como um todo. No Estado de Gulyay-Polye os destacamentos armados são armas nas mãos dos cidadãos de Makhno. Vimos para onde isto levou. O “exército” privado de Ataman Grigoriev foi o primeiro a concordar com os petlyuristas, depois veio para o poder soviético, então, conduzido por Grigoriev, rebelou-se em nome do próprio Grigoriev. Massas armadas, ignorantes e enganadas por consignas “apartidárias”, torna-se uma ferramenta cega nas mãos de aventureiros.

Assim é o estado e o “exército” de Gulyay-Polye. Provoque um makhnovista e você descobrirá um grigorievista. Mas não é nem preciso provocá-lo: um frenético kulak ou um pequeno especulador que latem contra comunistas revelam-se abertamente por si mesmos.

O poder soviético é a ditadura da classe trabalhadora, que transformou o poder do Estado em um instrumento de reconstrução socialista. Ao mesmo tempo, o poder soviético precisa proteger o país socialista dos violentos ataques da burguesia. É imaginável em tal situação permitir no território da república soviética a existência de bandos armados que se formam ao redor de atamans e batkos, bandos que não reconhecem o desejo da classe operária, que tomam tudo que gostam e lutam com quem quer que lhes convenham? Não, está na hora de acabar com este deboche anarco-kulak, acabar firmemente com isto, de uma vez por todas, de forma que ninguém jamais queira viciar-se novamente em tal conduta.

2 de junho de 1919

Kupyans Kharkov

‘En Route’, Nº 5.

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NOTAS DO TRADUTOR:

Page 5: Trotsky Sobre Makhno

[1] Todo território “libertado” pela guerrilha makhnovista era automaticamente PILHADO. Não foi à toa que Makhno escolheu como símbolo para a sua “bandeira negra” um crânio com os ossos entrelaçados, que outrora pertencia aos antigos piratas. Entre suas ações, podemos destacar o caso de Ekaterinoslav (um grande centro urbano), onde o “exército” de Makhno não teve nenhum apoio do operariado. A horda pirata de Makhno pilhou toda a cidade: saquearam não só a burguesia, mas também os trabalhadores urbanos. Como resultado dessa pilhagem e desorganização, as tropas de Petlyura, lideradas por Samokish, conseguiram irromper a cidade, assassinando milhares de trabalhadores.

Vale citar também o caso na estação Grishino, onde os depósitos de comida dos trabalhadores ferroviários foram covardemente saqueados, após um massacre intenso...

[2] As Centúrias Negras eram bandos monárquicos formados pela polícia czarista para combater o movimento revolucionário, organizando pogroms (massacres) contra judeus e trabalhadores.

[3] O Ataman Grigoriev foi um ex-oficial czarista de origem kulak que lutou contra a invasão estrangeira na Ucrânia. No início lutou ao lado do Exército Vermelho contra os russos brancos, mas rebelou-se contra os bolcheviques, organizando sua guerrilha “Verde”. Bastante conhecido por seu anti-semitismo, promoveu pogroms por todo o país. Uniu-se a Makhno na luta contra o avanço soviético, mas foi morto pelo próprio Makhno em julho de 1919, devido a pressão do governo bolchevique. Com sua morte, mais da metade do “exército” anti-semita de Grigorev passou para o lado de Makhno, que deu prosseguimento às ações pogromistas do antigo Ataman.

Fontes:

Original: http://www.marxists.org/archive/trotsky/works/1919-mil/ch49.htm

Tradução: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2006/01/342022.shtml