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TURISMO RURAL: O “NOVO” E O “VELHO” CAMPO BRASILEIRO
Lucimara da Rosa Santos, (IC), Unespar – Câmpus de Campo Mourão,
[email protected] Juliana Carolina Teixeira, (OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected]
RESUMO: O avanço da urbanização no campo brasileiro, o aumento das atividades não agrícolas, o fortalecimento de uma agropecuária moderna, dentre outras características, delegaram a esse espaço o que se denominou de “Novo Rural”. Os resultados dessa transformação somando-se a isso o exôdo rural e a concentração fundiária, dentre outros fatores, desencadearam a crise da pequena propriedade baseada no trabalho familiar. Nesse sentido, a gestão pública desenvolve políticas na tentativa de fortalecer tal grupo social. Uma das alternativas constantemente presente nos discursos dos gestores públicos é o turismo rural. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é analisar o avanço do turismo rural como atividade alternativa de desenvolvimento no município de Goioerê no Estado do Paraná. A metodologia de pesquisa está composta de pesquisa bibliográfica e o levantamento de dados em pesquisa de campo com entrevistas semiestruturadas e observações sistemáticas. Como resultados a pesquisa levantou que existem entraves para o avanço do turismo rural como alternativa de renda no campo em função dos gargalos existentes entre as ações governamentais e o público ao qual tais ações pretendem beneficiar. Palavras-chave: Turismo. Gestão Pública. Novo Rural. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa buscou compreender a aplicabilidade dos dicursos das esferas públicas e
privadas sobre o turismo como alternantiva de renda para os agricultores de base familiar e de
desenvolvimento para porções mais pobres do território. Procurou-se voltar os olhares para o
município de Goioerê utilizando o mesmo como objeto de estudo.
A gestão pública, em seus discursos, cita o turismo como atividade que pode alavancar o
desenvolvimento de áreas rurais que sofreram com o processo de urbanização do campo e
modernização da agricultura. Nesse cenário, o turismo pode servir como atividade alternativa dentro
de pequenos estabelecimentos rurais caracterizados pelo trabalho e gestão familiar. Nesse sentido,
portanto, a partir do exposto, questionou-se sobre a validade do discurso público com relação aos
benefícios do turismo e sua real possibilidade de efetivação: as ações do Estado voltadas para avançar
o turismo rural como atividade alternativa no campo são eficazes?.
O objetivo geral deste estudo foi, portanto, analisar o avanço do Turismo Rural como
alternativa de renda para os agricultores de base familiar no município de Goioerê. Para a realização
do mesmo foram realizadas revisões literárias sobre os temas relacionados com a temática de turismo
rural e agricultura familiar, pesquisa de campo com entrevistas semiestruturadas e observações
sistemáticas.
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Justificou-se a realização desse trabalho em função da necessidade em levantar e refletir a
realidade de áreas rurais com baixo e médio desenvolvimento que possuem potencial para o turismo
rural mas que não conseguem desenvolver a atividade. Compreender essa realidade específica e
levantar as possíveis razões para que as políticas públicas voltadas para implementar o turismo rural
como alternativa não são eficazes é de fundamental importância para chamar a atenção dos
envolvidos. Além disso, a presente pesquisa levantou discussões que podem resultar em novos
problemas de pesquisa colaborando com a produção cientifica na área.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A delimitação espacial do presente estudo restringe-se ao município de Goioerê e a
delimitação temporal foi estabelecida historicamente a partir do ano de 1998. Segundo informações da
Rede de Turismo Regional (JORNAL INTURNET, 2003)1, foi nesse ano, que foram iniciadas as
atividades, nos municípios da região em que se encontra Goioerê, voltadas para o desenvolvimento do
turismo, lideradas pelo sr. Jacó Gimenes, secretário da Indústria, Comércio e Turismo de Campo
Mourão da época, até os dias atuais.
O caráter do trabalho baseou-se principalmente em técnicas qualitativas. Foram realizadas
revisões literárias sobre o tema proposto. Os referenciais foram levantados para compreender as
características gerais dos municípios em questão; o fenômeno social da agricultura de base familiar e
sobre os aspectos do próprio turismo que ocorre no campo.
Posteriormente houve etapa de coleta de dados em campo, com entrevistas semi-estruturadas,
que compreendeu a busca de informações junto as prefeituras de cada município e a EMATER. Em
um segundo momento foi visitada, também em pesquisa de campo, a propriedade familiar em Goioerê
que trabalha com a ativiadade de lazer como forma de renda.
A metodologia de trabalho empregada na pesquisa de campo foi baseada, portanto, na
observação sistemática, conforme tratam Lakatos e Marconi (2007), uma vez que há a necessidade de
traçar parâmetros de análise para manter objetividade nos estudos realizados. As entrevistas, do tipo
semiestruturadas, que devem ser aplicadas aos representantes dos órgãos acima citados,
corresponderão à aplicação de questionamentos abertos, que seguirão a um roteiro preestabelecido
para manter o objetivo, permitindo a elas maior riqueza de detalhes e informações. Nesse sentido,
baseia-se a captação das entrevistas na história oral, a qual trata das riquezas existentes nos
depoimentos dos entrevistados, sempre “[...] oferecendo um terreno rico para apreensão de padrões
1 Atualmente a microrregião de Goierê juntamente com a microrregião de Campo Mourão formam a nova região
turística do Paraná Roteiros da COMCAM, não sendo mais gerida pela instância de Governança Corredores das Águas, de responsabilidade da Retur.
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sociais e culturais e suas transformações” (FENELON et al, 2004, p. 129). Destaca-se que os
entrevistados não serão identificados, em função da opção metodológica, em preservar suas
identidades, para manter a ética do trabalho.
3 O “NOVO RURAL”, O TURISMO RURAL, A AGRICULTURA FAMILIAR E AS AÇÕES
DO ESTADO
O processo de modernização da agricultura resultou em questões positivas e negativas no
campo. Dentre as negativas pode-se citar um de seus principais problemas: o êxodo rural. Esse
processo de modernização da agricultura, pertencente ao quadro maior de urbanização do campo que
acarretou na ida para a cidade de pequenos agricultores que não suportaram esse processo.
Esse pequeno agricultor que estava acostumado com o árduo trabalho juntamente com toda a
sua família, não consegue acompanhar o desenvolvimento da agricultura com a modernização do
trabalho, como por exemplo, o surgimento e a utilização de maquinários. O êxodo rural passou a ser
combatido pela gestão pública, com o desenvolvimento de políticas públicas, de maneira que os
agricultores permanecessem no campo.
O município de Goioerê, objeto deste estudo, se inserem nesse quadro de desenvolvimento
desigual. Historicamente, como reflexo da modernização da agricultura, segundo Hespanhol (1990),
enquanto poucas cidades, a exemplo de Campo Mourão, cresceram economicamente na mesorregião,
outras pequenas cidades sofreram, com os baixos índices de desenvolvimento humano. É, porém,
possível encontrar exemplos de resistência frente à expansão da concentração fundiária e do êxodo
rural, como o trabalho da agricultura de base familiar, o qual possui grande importância regional,
como demonstraram os dados do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2009).
Nesse quadro de mudanças no campo brasileiro com o avanço da urbanização houveram o
surgimento e a implementação de atividades não-agrícolas que de muitas maneiras garantiram a
permanência do agricultor e sua família (SILVA, 2002). Para Graziano da Silva, portanto, esse cenário
de transformações no campo brasileiro faz surgir o que ele prórpio denominou de o “Novo Rural”.
Para o pesquisador, ele está composto por quatro grandes grupos de atividade, as quais são: a)
uma agropecuária moderna; b) um conjunto de atividades de subsistência; c) atividades não agrícolas,
ligadas à moradia, ao lazer, a atividades industriais e de prestação de serviços e d) um conjunto de
“novas” atividades agropecuárias.
Silva (2002) explica que, no grupo “d”, a palavra “novas” está entre aspas porque muitas
dessas atividades são antigas, mas não eram exploradas economicamente. Essas atividades, delegadas
atualmente ao campo em um “Novo Rural”, eram atividades consideradas de “fundo de quintal” ou
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hobbies pessoais dos agricultores familiares2. Para o autor, hoje essas atividades são importantes
alternativas.
Como atividades não agrícolas que vêm ganhando importância nesse quadro de urbanização
do campo, o autor cita o Turismo Rural, a fazenda-hotel, os complexos hípicos, os leilões, as
exposições agropecuárias e as festas de rodeio.
Em trabalho conjunto, ainda tratando do “Novo Rural”, Silva e Del Grossi (2002b), descrevem
com maiores detalhes, a categoria de Turismo Rural. Para os autores, estão inclusos nesse segmento:
os pesque-pagues, os hotéis-fazenda, as fazendas-hotel3, o agroturismo, o aproveitamento para lazer de
represas geradoras de energia elétrica, e a comercialização de saberes e fazeres tradicionais, como o
artesanato, as feiras e as festas populares.
A resistência da agricultura familiar para Silva (2002) se fortalece também com o avanço da
urbanização, pois com a globalização e a modernidade surgem as características de uma sociedade
rodeada de poluição ambiental, vida estressante por causa da correria do dia-dia. Tais características
fazem com que as pessoas que moram na cidade voltem a procurar o campo como alternativa de
descanso e fugir do barulho das cidades. A busca dessa população pelo retorno ao campo faz com que
agricultores abram as suas propriedades para receber grupos cada vez mais crescentes de turistas
ansiosos em conhecer e reviver a vida no campo. Tal processo reforça o discuro do turismo rural como
atividade alternativa para tais agricultores.
O Turismo Rural surge para suprir essas necessidades, com muitas especificações conforme a
atividade que será desenvolvida. Nesse sentido, o turismo rural é visto, para muitos pesquisadores, a
exemplo de Graziano da Silva (2002), como uma forma de auxiliar a renda familiar. O turismo rural,
segundo Tulik (2003), compreende o segmento do agroturismo, o qual caracteriza-se pela visitação e a
interação de turistas ou visitantes com as atividades realizadas no interior de pequenas propriedades
em que:
[...] desenvolve-se integrado a uma propriedade rural ativa, de organização e gestão familiar com a presença do proprietário, como forma complementar de atividade e de renda; pressupõe o contato direto do turista com o meio rural, alojamento na
2 O agricultor familiar é definido pela Lei 11.326, de 24 de julho de 2006 quando a mão-de-obra é extremamente familiar; a gestão do estabelecimento cabe à própria família; a área da propriedade não supera 4 módulos fiscais; a principal fonte de renda da família se origina de atividades econômicas vinculadas ao estabelecimento (BRASIL, 2010).
3 Na fazenda-hotel, a fazenda abre suas portas para receber hóspedes no campo. Os hotéis-fazenda, por sua vez, não são propriedades agropecuárias, mas apenas hotéis construídos com as características de fazendas.
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propriedade e possibilidade de participar das atividades rotineiras (TULIK, 2003, p.39).
Nesse quadro, o turismo é apontado como uma possível saída na busca de alternativas. Em
detrimento da crescente urbanização e da inserção de atividades não agrícolas no campo, a citada
atividade se coloca, para o poder público, como um dos fatores de desenvolvimento e de fixação da
população rural nessas áreas.
Como uma das ações do Estado surge a Rede de Turismo Rural na Agricultura Familiar –
REDE TRAF. A Rede TRAF é um programa do governo federal, em parceira entre os Ministérios do
Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente e Turismo, que possui como objetivo o desenvolvimento
rural sustentável mediante implementação e fortalecimento do turismo nas propriedades de
agricultores familiares gerando emprego e renda no campo. A Rede TRAF disponibiliza recursos em
linhas especiais de créditos para a capacitação de mão-de-obra, qualificação da infraestrutura das
propriedades e etc., além de assistência técnica e incentivos a agroindustrialização.
Para além desse programa existem outras ações do Estado que buscam incentivar o avanço da
atividade turística no campo para promover o desenvolvimento das áreas rurais. É preciso, contudo,
compreender que o turismo, enquanto prática econômica e social que ocorre no espaço, também se
coloca como mais um dos desdobramentos do capitalismo no campo e, pautado nas relações de
consumo, transforma em mercadoria o espaço e tudo o que nele está contido. Sem planejamento a
atividade promove o desenvolvimento desigual intensificando ainda mais o processo de fortalecimento
de porções já bem desenvolvidas no território brasileiro e enfraquecimento de áreas pobres (CRUZ,
2006).
4 OS DESENCONTROS DO TURISMO NO CAMPO: O CASO DO PESQUE – PAGUE EM
GOIOERÊ
Localizado na Mesorregião Cento-Ocidental do Paraná (sua localização pode ser observada na
Figura 01) o município de Goioerê está inserido em uma das regiões menos desenvolvidas do Estado
do Paraná.
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Figura 01: Localização do município de Goioerê Fonte: IPARDES, 2013.
De acordo com estudo realizado por Doretto et al (2003), os maiores percentuais de pobreza
estão localizados na faixa central do Estado, estendida da região Nordeste a região Centro-Oeste.
Segundo a pesquisa, nessas regiões as ocupações do território são recentes, o que confere a esses
municípios baixa fertilidade em recursos naturais e dificuldades referentes à mecanização do trabalho
agrícola, uma vez que, em muitas localidades, o relevo é muito acentuado, limitando o avanço dos
maquinários (DORETTO et al, 2003).
Nas áreas de colinas e morrarias, o processo de modernização da agricultura não avançou com
facilidade em função da impossibilidade de utilizar maquinários agrícolas nessas regiões. Para essas
áreas se deslocaram, com maior intensidade, as pequenas propriedades e o modo de vida e produção
baseado no trabalho familiar, em função da concentração fundiária.
As mesmas características de relevo acentuado que não proporcionaram a modernização da
agricultura abre possibilidades para uma rica paisagem natural e cultural que pode ser explorada por
meio do turismo. Tais características trouxeram discursos e iniciativas de implementação do turismo
como atividade de desenvolvimento para a localidade e alternativa de renda para os agricultores de
base familiar.
Nesse sentido, a partir do ano de 1998, foram iniciadas as atividades voltadas para o
desenvolvimento do turismo, lideradas pelo sr. Jacó Gimenes, secretário da Indústria, Comércio e
Turismo da época, na região. Atualmente a Mesorregião é uma das regiões turísticas do Paraná
denominada Roteiros da COMCAM.
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Segundo a Rede de Turismo Regional (JORNAL INTURNET, 2003), o turismo regional,
começa a ser incentivado por volta do ano de 1998, a partir da iniciativa do secretário da Indústria,
Comércio e Turismo de Campo Mourão da época, sr. Jacó Gimenes, o qual atualmente é presidente da
Rede de Turismo Regional (RETUR), Instância de Governança do Turismo no Noroeste do Paraná.
Goioerê, um dos municípios pertencentes a essa realidade possui, segundo o último Censo
Agropecuário de 2006 (IBGE, 2009), um total de 657 estabelecimentos de agricultura familiar em uma
área de 9704 ha. e 186 estabelecimentos não familiares em uma área de 37681 ha. O que aponta para a
grande quantidade de estabelecimentos familiares ocupando uma área menor do que aqueles que não
são familiares.
Goioerê históricamente possui tradução agrícola em que, após a febre da cafeicultura se
destacou na década de 80 e até meados de década de 90 como maior produtor nacional de algodão. O
município que ainda agregava os distridos de Rancho Alegre d'Oeste e Quarto Centenário chegou a ter
uma população de 100.360 habitantes que atualmente não passa dos cinco mil, segundo dados do
último Censo (IBGE, 2010). Nos anos de 1990, Goioerê era o maior produtor de algodão do Paraná e
o Estado respondia por 50% da produção nacional da cultura (IPARDES, 2013). Atualmente o
município se destaca como mais um produtor de soja.
Em razão da maioridade de propriedades familiares e do potencial para o turismo explorado no
discurso da gestão pública regional desde a década de 1990, durante a pesquisa de campo buscou-se
contato com a prefeitura do município que nos encaminhou para a EMATER local, pois a mesma,
tinha maiores informações relacionadas a agricultura familiar.
Em entrevista com o responsável pela EMATER em Goioerê o mesmo afirmou que no
município existem algumas propriedades que trabalham com atividades de lazer recebendo visitantes
em suas propriedades. Essas atividades são todas caracterizadas pelos pesque-pagues não havendo
nenhuma outra modalidade, dentro de propriedades familiares relacionadas ao turismo.
Ao ser questionado sobre os incentivos e ações da EMATER para impulsionar o turismo como
alternativa para os agricultores familiares no município o entrevistado disse que existe muito interesse
não só por parte da EMATER como da prefeitura e dos próprios agricultores. Porém, mesmo com o
desejo de trabalhar com essa alternativa e sabendo do potencial que existe no município alguns
entraves foram relatados por parte do técnico da EMATER. Isso porque ao ser questionado sobre por
quais motivos programas como a Rede TRAF ou outras políticas não eram carreadas para os
agricultores familiares de Goioerê o depoente esclareceu alguns dos gargalos existentes.
Para ele o município é rico em belezas naturais. Durante a entrevista foi relatado o número de
cachoeiras, reservas do patrimônio natural, a paisagem, a riqueza cultural do modo de vida dos
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próprios agricultores, da história do município dentre outras questões. Porém, para ele trabalhar com
turismo demanda recursos que os agricultores não possuem.
Destaca-se, nesse cenário, o que Froelich (2000) afirmou com relação à baixa ou nenhuma
capacidade de endividamento ou apresentação de garantias desses agricultores para a concessão de
créditos e, ainda, em alguns casos, “[...] de equívocos provocados pela imagem panaceica do turismo
rural como estratégia de desenvolvimento, esta poderá retirar recursos públicos, já parcos, da
‘agricultura familiar’” (FROELICH, 2000, p. 10, grifo do autor).
Em alguns casos os pesque-pagues no município são de empresários ou de proprietários que
não se caracterizam como agricultores familiares. Esses indivíduos possuem capacidade financeira em
investir na atividade segundo o entrevistado.
Para que o agricultor familiar tenha condições para implementar a atividade do turismo em sua
propriedade é necessário a captação de recursos provenientes de programas como o TRAF. Porém, o
técnico afirma que não é tão simples assim conseguir captar tais recursos. Dentre os problemas
existentes estão a falta de profissionais capacitados para produzir projetos que viabilizem as ações.
Para ele, atualmente o número de técnicos é reduzido e são necessários profissionais da área do
turismo ou áreas afins para desenvolverem projetos dessa espécie que captem tais recursos. O técnico
afirmou que no ano de 2014 sobraram recursos financeiros a nível federal porque não haviam projetos
para trazer esses recursos para o município.
Ele afirmou também que é preciso que a gestão pública traga para as áreas menos
desenvolvidas com pequenos municípios do interior recursos humanos, estruturas, dentre outras tantas
questões que viabilizem as ações estatais. Nessa perspectiva, esse quadro ilustra o que Cruz (2006)
apontou sobre as políticas públicas brasileiras, as quais estão sempre no plano normativo e não criaram
nenhuma infraestrutura que pudesse auxiliar o desenvolvimento da atividade turística nos municípios.
O que fica claro que essa não é uma característica específica da atividade não-agrícola do
turismo nesse “Novo Rural”, mas sim uma deficiência existente na gestão pública que persiste no
campo brasileiro históricamente gerando entraves para a melhoria da qualidade de vida no campo e de
seus habitantes.
Para ilustrar essas e outras questões que estão envoltas a entre essa nova atividade no campo e
as “velhas” dificuldades vivdas nele, solicitamos ao técnico que nos indicasse uma propriedade de
agricultores familiares que trabalha com a atividade.
Dessa maneira chegamos até a propriedade que trabalha com pesque-pague no município. O
proprietário afirma que nasceu e foi criado no campo, porém, com as dificuldades vividas teve que se
mudar com a família para a cidade. Trabalhou por alguns anos como motorista e assim que conseguiu
comprou uma propriedade em Goioerê e voltou a morar no campo.
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O agricultor conta que começou a trabalhar com atividade recebendo alguns amigos para
pescar na propriedade. Foi então que os amigos trouxeram mais amigos e todos diziam que ele devia
abrir a propriedade que tinha muito potencial para receber visitantes para pescar e passar um dia com a
família no local. Atualmente, segundo o agricultor, a propriedade recebe visitantes de vários
municípios da região chegando a contabilizar em média 70 em um domingo. Na Figura 02 é possível
observar um dos tanques de pesca, a esquerda a casa da família e a direita ao fundo a lanchonete para
receber os visitantes.
Figura 02: Casa da família, tanques de pesca e lanchonete. Fonte: Autoras.
O agricultor afirma que hoje trabalha com a criação de peixes em tanques para revenda para
outros pesqueiros da região, possui um pequeno trecho de lavoura e além disso recebe os visitantes
que frequentam o pesqueiro como alternativa de lazer.
Quando questionado sobre a atividade e se a renda é satisfatória, o agricultor responde que é
necessário gostar de viver afastado da cidade, porque é um lugar solitário e sem opções de diversão e
como o trabalho exige muita dedicação no dia a dia não acha pessoas dispostas a ajudar
constantemente na função de trabalho no pesque-pague. Ele afirma que contratar mão-de-obra
capacitada para trabalhar com o pesqueiro hoje é muito dificil. Residem na propriedade ele a esposa e
um ajudante, e como ele se sente cansado devido à idade e problemas de saúde não pode investir mais
no empreendimento, mesmo tendo uma boa renda com a venda dos cardumes e a visitação na alta
temporada.
Nas estações mais quentes, as famílias visitam a propriedade para pescar e também fazer uso
de uma pequena lanchonete que ele construiu, onde são servidos porções e refrescos. Para a
construção dessa estrutura o agricultor afirma que tudo o que possui na propriedade hoje para receber
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visitantes foi construído com recursos próprios sem auxílios financeiros ou técnicos. Com relação aos
incentivos e recursos, apesar do entusiasmo que demonstra o agricultor confirma não ter conhecimento
de nenhuma política pública que possa auxiliar o desenvolvimento da atividade no município junto aos
agricultores, afirmando que apesar de ter recebido visitas de órgãos como EMATER e IAP, porém
nunca recebeu auxílios para trabalhar com a atividade para receber turistas. Ao fundo da Figura 03
pode-se observar a lanchonete construída pelo agricultor para receber os visitantes.
Figura 03: Lanchonete ao fundo do tanque. Fonte: Autoras.
Considera-se, por fim, que não apenas nesse município mas em muitos outros observa-se que,
existem inúmeros tipos de atividades que podem ser desenvolvidas na área rural com denominações
diferentes e interesses diversos, todas com o objetivo de gerar renda e desenvolvimento local. Para
Ruschmann (2000, p.143) “As regiões rurais são espaços onde comunidades humanas vivem e
trabalham”. Porém todas ocupam funções diferentes e de extrema importância para a sociedade e são
indispensáveis para o “equilíbrio ecológico”. Mas é necessário compreender que as dificuldades
existem para a implementação do turismo como vetor de desenvolvimento para essas comunidades,
além das dificuldades financeiras e técnicas há o problema cultural em que
[...] deve haver mais alternativas para essas camadas da população rural, nas estratégias de desenvolvimento rural via turismo, que não seja transformá-los em atração como se fossem “fosseis vivos” e suas precárias condições de vida e trabalho em signos de rusticidade e autenticidade (FROEHLICH, 2000, p.187)
Para o autor o homem do campo está sendo obrigado a rever seu modo de vida e costumes e se
adaptar para os “urbanistas e industrializados” fazerem terapia e terem um tempo de descanso no
campo. Para tanto, Ruschumam (2000) acrescenta que se deve proteger a cultura e as carcteristicas das
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comunidades receptoras; as paisagens e os hábitats; a economia rural; o crescimento a longo prazo da
atividade turística, que assim pode estimular a qualidade da experiência vivencial buscadas pelos
visitantes; a compreensão, a liderança e a visão a longo prazo entre os empreendedores. Acredita-se
que turismo rural não representa a solução para os problemas do campo, mas sim uma segunda chance
para o desenvolvimento consciente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram observados e discutidos na pesquisa que muitos entraves se colocam para o avanço do
turismo rural no município de Goioerê junto aos agricultores familiares. Apesar da existência de
políticas públicas e programas para o acesso desses atores a atividade entraves como a falta de
recursos humanos, financeiros e de estrutura em órgãos públicos impedem o desdobramento da
atividade em áreas menos desenvolvidas. A falta de conhecimento sobre a atividade e as formas de
carrear recursos se apresentam de maneira contundente e não se materialzam na contratação de
profissionais da área de maneira a amenizar o problema. Além disso, a falta de conhecimento dos
próprios agricultores familiares, a escassez de recursos e de incentivos não possibilita o avanço da
atividade que está nas mãos de poucos empreendedores na região.
Nesse sentido, compreendemos que as dificuldades relacionadas aos recursos financeiros,
impedem que muitos agricultores familiares aloquem uma estrutura capaz de receber hóspedes de
maneira satisfatória.
Para buscar, dentre outros objetivos, amenizar as dificuldades financeiras enfrentadas pelos
agricultores que desejam trabalhar com o turismo, o Estado cria as políticas públicas e programas
específicos para esse setor. Porém, em função da extrema burocracia, dos gargalos existentes, como a
falta de informação sobre a existência e o papel das mesmas, dentre outros aspectos, impedem a
condução desses recursos para a implantação da atividade turística nas propriedades camponesas. As
reflexões promovidas, portanto, apontam que as novas atividades como o turismo encontram
obstáculos em “novo rural” que possui “velhos” problemas.
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