um estudo da intervenÇÃo do estado na ordem … · dedico este trabalho à minha querida irmã...
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MARÍLIA
2014
CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:
A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS
MARÍLIA
2014
UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:
A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Jonathan Barros Vita.
CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA
Fonseca, Cátia Regina Rezende
Um estudo da intervenção do estado na ordem econômica aplicado às
barreiras de comercialização dos transgênicos: a sustentabilidade no plano das
medidas fitossanitárias / Cátia Regina Rezende Fonseca -- Marília: UNIMAR,
2013.
144 p.
Dissertação (Mestrado em Direito) -- Curso de Direito da Universidade
de Marília, Marília, 2013.
1.Intervenção do Estado na Economia 2. Sustentabilidade 3. Medidas
Fitossanitárias I. Fonseca, Cátia Regina Rezende
CDD - 341.347
Aprovado pela Banca Examinadora em 14/03/2014
Prof. Dr. Jonathan Barros Vita
Orientador
Profª. Drª. Lívia Gaigher Bósio Campello
Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr
CÁTIA REGINA REZENDE FONSECA
UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:
A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília
como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr.
Jonathan Barros Vita.
Dedico este trabalho à minha querida irmã Isabel
Cristina, cuja atenção, cuidado, zelo e preocupação
são como de uma mãe.
Agradeço
À Deus, pelo seu imenso amor por nós, manifestado
através de seu filho Jesus;
Aos meus amados filhos Caio e Nara, os quais faz
tudo valer a pena;
Ao meu esposo Paulo, pelo incentivo, carinho e
compreensão;
À minha querida mãe pelo embasamento sólido e
pelo estímulo sempre presente;
Ao meu cunhado Noboro, por ter nos acompanhado
nas viagens até Marília;
Ao Professor Jonathan pela orientação efetiva,
atenção e paciência admiravelmente dispensada;
Aos colegas do curso de mestrado pelo apoio
espetacular, principalmente nos momentos mais
complicados;
Ao secretário Augusto, pela disposição em sempre
nos atender com maior presteza.
“‘Não entender’ era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. (...)
Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável:
queria entender o bastante para pelo menos ter mais
consciência daquilo que ela não entendia.”
Clarice Lispector
UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
APLICADO ÀS BARREIRAS DE COMERCIALIZAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS:
A SUSTENTABILIDADE NO PLANO DAS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS
Resumo: O presente trabalho teve como objetivo descrever e compreender o mecanismo de
intervenção de Estado na Economia, através da adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias,
mais precisamente no caso dos transgênicos. Procurou-se descrever as formas de intervenção
do Estado na economia, direta e indireta, que manifesta-se objetivando o equilíbrio das
relações sociais e econômicas, alicerçado no comando constitucional do art. 170, da
Constituição Federal. Inicialmente, traçou-se um paralelo entre o direito ambiental e o
desenvolvimento sustentável, com enfoque do tripé da sustentabilidade – econômico, social e
ambiental. Posteriormente, descreveu-se as formas de regulação dos transgênicos no Brasil,
enfocando, ainda, os argumentos favoráveis e contrários a liberação e comercialização dos
organismos geneticamente modificados. Também foi analisado a disciplina normativa em
relação às medidas sanitárias e fitossanitárias no âmbito da Organização Mundial da Saúde. A
metodologia utilizada foi a dedutiva baseada em pesquisa doutrinária e análise de trabalhos
científicos e períodos, além da legislação constitucional, infraconstitucional e estrangeira.
Neste contexto, o trabalho apresenta que as discussões em torno da liberalização e
comercialização dos OGMs e seus derivados não podem se restringir ao campo ideológico,
mas que a análise da biossegurança deve compreender aspectos técnicos, que não se limita à
ocorrência de riscos à saúde humana e ao meio ambiente, devendo ser observado pelas
medidas fitossanitárias, especialmente no caso dos transgênicos.
Palavras-chave: Intervenção do Estado na economia. Sustentabilidade. Medidas
fitossanitárias.
A STUDY OF STATE INTERVENTION IN ORDER TO APPLIED
ECONOMIC BARRIERS OF MERCHANTABILITY TRANSGENICS:
SUSTAINABILITY PLAN OF PLANT HEALTH
Abstract: This study aimed to describe and understand the mechanism of state intervention in
the economy, through the adoption of sanitary and phytosanitary measures, more precisely in
the case of GM. We sought to describe the forms of state intervention in the economy, direct
and indirect, which manifests aiming the balance of social and economic relations, founded in
the constitutional command of Art. 170 of the Federal Constitution. Initially, drew a parallel
between environmental law and sustainable development, focusing the triple bottom line -
economic, social and environmental. Later, he described the forms of regulation of GMOs in
Brazil, also focusing on the arguments for and against the release and marketing of genetically
modified organisms. Was also analyzed in relation to rules subject to sanitary and
phytosanitary within the World Health Organization measures The methodology used was
based on deductive doctrinal research and analysis of scientific papers and periods beyond
constitutional and infra foreign law. In this context, the paper presents that the discussions on
the liberalization and commercialization of GMOs and their derivatives cannot be restricted to
the ideological field, but that the analysis of biosecurity must understand technical aspects is
not limited to the occurrence of human health risks and the environment and must be observed
by phytosanitary measures, especially in the case of GM.
Keywords: State intervention in the economy. Sustainability. Phytosanitary measures.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACORDO SPS – Acordo Sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
ACORDO TBT – Acordo Sobre Barreiras Técnicas
ACP – Ação Civil Pública
ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADR/ARN – Ácido Desoxirribonucléico/Ácido Ribonucléico
ANA – Agência Nacional de Águas
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
BNT´s – Barreiras Não Tarifárias
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF – Constituição Federal
CIPP – Convenção Internacional de Proteção das Plantas
CQB – Certificado de Qualidade em Biossegurança
CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
DOU – Diário Oficial da União
DSB – Dispute Settlement Body
DSU – Entendimento Sobre Soluções de Controvérsias
ECO-92 – Declaração do Rio de Janeiro Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPIA – Estudo Prévio de Impacto Ambiental
ESC – Entendimento Sobre Solução de Controvérsias
EUA – Estados Unidos da América
FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
FDA – Food and Drug Administration
FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GM – Geneticamente Modificado
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ISAAA – Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas
LOA – Lei Orçamentária
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MP – Medida Provisória
MPF – Ministério Público Federal
NB – Nível de Biossegurança
OGM – Organismo Geneticamente Modificado
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
OSC – Organismo de Solução de Controvérsias
PIB – Produto Interno Bruto
PL – Projeto de Lei
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PPA – Plano Plurianual
RIMA – Relatório de Impacto no Maio Ambiente
RNC – Registro Nacional de Cultivares
RR – Roundup Ready
SPS – Acordo Sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
SUS – Sistema Único de Saúde
TAC – Termo de Ajustamento de Conduta
TNS – The Natural Step
TRIPS – Trade Related Intellectual Property Rights
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA ........................................... 15
1.1 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL .................................................... 15
1.2 DIREITO E ECONOMIA ........................................................................................ 21
1.3 DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA
ECONOMIA ............................................................................................................ 24
1.3.1 Intervenção Direta .................................................................................................... 25
1.3.2 Intervenção Indireta .................................................................................................. 26
1.4 FUNÇÕES DO ESTADO SOBRE A ECONOMIA .................................................. 27
1.4.1 Função de Fiscalização ............................................................................................. 28
1.4.2 Função de Incentivo ................................................................................................. 32
1.4.3 Extrafiscalidade ........................................................................................................ 34
2 COMÉRCIO, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE ............................ 38
2.1 VÍNCULO ENTRE COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE .......................................... 38
2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E CRESCIMENTO ECONÔMICO ....... 40
2.3 ASPECTOS DA SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE ATUAL ..................... 44
2.3.1 Sustentabilidade e Direito Econômico ...................................................................... 48
2.3.2 Sustentabilidade e Saúde Pública .............................................................................. 55
2.3.3 Sustentabilidade e a Teia da Vida ............................................................................. 57
2.4 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE (THE TRIPLE BOTTON LINE) ....................... 60
3 AS FORMAS DE REGULAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL ........... 65
3.1 PRINCIPAIS FATOS HISTÓRICOS: TRANSGÊNICOS NO BRASIL ................... 65
3.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ..................................................................... 71
3.3 PRINCÍPIOS QUE SUSTENTAM A REGULAMENTAÇÃO DOS
TRANSGÊNICOS.................................................................................................... 72
3.3.1 Princípio da Participação Popular ............................................................................. 73
3.3.2 Princípio da Publicidade ........................................................................................... 74
3.4 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTES À
BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA .............................. 75
3.4.1 Definições Gerais Vinculadas à Biossegurança ......................................................... 75
3.4.2 Aspectos Legais da Biossegurança ........................................................................... 76
3.4.3 Lei 11.105/2005- Lei de Biossegurança .................................................................... 80
3.4.4 Código de Defesa do Consumidor ............................................................................ 83
3.5 ÓRGÃOS REGULADORES DA ATIVIDADE DE PLANTIO DE
TRANSGÊNICOS NO BRASIL .............................................................................. 87
3.5.1 As Agências Reguladoras ......................................................................................... 88
3.5.2 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ......................................... 91
3.6 A PRODUÇÃO ILEGAL DE VEGETAIS TRANSGÊNICOS NO BRASIL ............ 92
3.7 ROTULAGEM OBRIGATÓRIA DOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS ................. 97
4 UMA ANÁLISE DO SISTEMA OMC EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS
FITOSSANITÁRIAS E SUA APLICAÇÃO AOS TRANSGÊNICOS .............. 101
4.1 COMÉRCIO INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO ................................ 101
4.2 Barreiras Não-Tarifárias e o Comércio Internacional de Alimentos......................... 104
4.3 MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS DA OMC ............................... 109
4.3.1 Verificação de Riscos ............................................................................................. 114
4.4 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC .......................... 115
4.4.1 Utilização de Painel ................................................................................................ 117
4.4.2 Cumprimento da Decisão ....................................................................................... 118
4.5 PRINCÍPIOS DA OMC VINCULADOS ÀS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS ..... 120
4.5.1 Princípio da Precaução ........................................................................................... 120
4.5.2 Princípio da Equivalência ....................................................................................... 123
4.6 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE, MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS E
BARREIRAS AOS TRANSGÊNICOS .................................................................. 124
4.6.1 Limites da Sustentabilidade para Impedir os Transgênicos ..................................... 125
4.6.2 A Sustentabilidade Ambiental e Medidas Fitossanitárias ........................................ 130
CONCLUSÕES ................................................................................................................ 133
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 135
12
INTRODUÇÃO
Os transgênicos, denominados pela Lei 8.974/95 de organismos geneticamente
modificados, são resultado de experiência recente da engenharia genética, que foi capaz de
descobrir e desenvolver novas formas de utilização para este ramo do desenvolvimento
tecnológico a partir do mapeamento e sequenciamento das moléculas de ADN/ARN
recombinante, no início da década de 90, o que culminou no desenvolvimento de uma técnica
denominada transgenia, inserida no campo das biotecnologias.
O foco da presente pesquisa é a análise jurídica-econômica das medidas fitossanitárias,
mais precisamente no caso dos produtos transgênicos, bem como a relação dessas medidas
com o tripé da sustentabilidade. Destaca-se, também, a importância da adoção das medidas
fitossanitárias, como proteção à saúde humana, vegetal ou animal e não como barreira
protecionista ao comércio de produtos transgênicos.
O advento e utilização de uma nova tecnologia acarretam inúmeras polêmicas e
reflexões, as quais são objetos da presente pesquisa. Acredita-se que o desenvolvimento
científico e tecnológico são elementos fundamentais para o desenvolvimento e crescimento
sustentado de uma nação, para a preservação do meio ambiente, para o aumento da produção
e das receitas, para o dinamismo do mercado, para a manutenção da livre concorrência, para a
manutenção e implemento da qualidade de vida, e até mesmo para uma distribuição de renda
mais equitativa.
Certo é, entretanto, que a expansão dos transgênicos faz surgir, consequentemente,
considerações de ordem econômica, social, ética, científica e ambiental, as quais levaram, no
cenário nacional e internacional, a adoção de medidas de proteção à vida, a saúde humana e
animal e as plantas e vegetais contra doenças, pestes e organismos causadores de doenças, em
decorrência das polêmicas em torno da segurança à saúde e ao meio ambiente no uso dos
transgênicos.
Neste contexto, a importância das normas sanitárias e fitossanitárias tem sido
amplamente discutida, notadamente no âmbito comercial e no das negociações multilaterias e
regionais, cujos parâmetros são definidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC) -
visando à definição de normas e padrões sanitários e técnicos, fundamentados cientificamente,
e que possam ser adotados por todos os países, buscando a sua harmonização, para facilitar o
comércio e evitar que medidas dessa natureza sejam utilizadas como protecionismo.
Diante das discussões existentes em torno do uso de OGM na produção de alimentos e
com base no direito fundamental de informação, devidamente previsto no ordenamento
13
jurídico brasileiro, a rotulação dos produtos contendo OGM passa a exigido como forma de
escolha para o consumidor.
No primeiro capítulo, trata-se da intervenção do Estado na economia, sendo o indutor
do desenvolvimento econômico e social, faz-se explanação sobre as fases históricas
apresentando a função do Estado nos momentos históricos. Também, aborda-se a relação
entre Direito e Economia, constatando que um exerce influência sobre outro, devendo
destacar que ambos são influenciados pelo contexto social em que estão inseridos.
Neste sentido, observa-se a importância no Estado quanto à intervenção relativa aos
transgênicos e sua influência na regulamentação de sua comercialização. Sendo uma das
funções do Estado possibilitar o desenvolvimento econômico e social, este deve posicionar-se
quanto à transgenia.
No segundo capítulo, trata-se do desenvolvimento sustentável, crescimento econômico
e aspectos ambientais, em especial o Tripé da Sustentabilidade que refere-se a aspectos
econômicos, sociais e ambientais. Faz-se uma análise sobre o direito a saúde humana,
qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo estes elementos
essenciais ao desenvolvimento sustentável.
Também, neste capítulo, trata-se da teia da vida em que destaca-se a interdependência
ecológica e de relações, sendo fundamental que todos façam a sua parte pois uma atitude
influencia a vida de todos os outros, tendo em vista esta interligação.
No terceiro capítulo, faz-se referência as formas de regulamentação dos transgênicos
no Brasil, apresentando a Lei de Biossegurança e outras legislações aplicadas aos OGMs,
destacando aspectos históricos e momentos marcantes desde que se iniciou o investimento na
transgenia. Comenta-se sobre as agências reguladoras, aspectos legais e importância na
regulação de serviços públicos, abrangendo atividades econômicas em sentido amplo.
Neste sentido, destaca-se a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
responsável pelo estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos
referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, enfim,
atividades que envolvam OGMs e derivados.
No quarto capítulo, aborda-se sobre o sistema da Organização Mundial do Comércio
(OMC) em relação às medidas fitossanitárias. Apresenta-se contextualização da OMC,
surgimento, função e acordos, dentre eles o Acordo SPS. Este acordo impõe adoção de
medidas sanitárias e fitossanitárias que avaliam objetivamente os riscos dos transgênicos com
base científica, com a finalidade de evitar argumentos de barreiras comerciárias.
Faz-se análise do princípio da precaução que dispõe sobre a proteção da saúde e
14
qualidade de forma paritária. A pauta deste princípio é a proibição da repetição de atividade
que já se sabe perigosa. E o princípio da equivalência, que tem como função principal a
promoção de medidas sanitárias e fitossanitárias condizentes com o fim comumente
perseguido.
Estuda-se, ainda, neste capítulo se o Tripé da Sustentabilidade, as medidas
fitossanitárias e barreiras aos transgênicos são impeditivos da comercialização dos
transgênicos e, consequentemente, dificultam o desenvolvimento econômico do país.
Como é sabido o fim da ordem econômica não é outro, senão, assegurar a todos a
existência digna, conforme os ditames da justiça social, passando necessariamente pela
convergência da proteção dos recursos naturais e da preservação da qualidade ambiental,
buscando o equilíbrio entre o jurídico e o econômico.
Diante das premissas expostas anteriormente, ficam evidenciadas a atualidade e a
importância do tema em apreço, que justificaram a escolha deste como objeto da presente
pesquisa.
Neste trabalho foi utilizado, basicamente, pesquisa bibliográfica sobre o tema em
jornais, revistas, livros e em sites, através da internet. Utilizou-se do método dedutivo e da
análise crítica.
15
1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA
O Estado Democrático de Direito, modalidade apresentada na Magna Carta, tem
conteúdo transformador da realidade. Este se apresenta como uma evolução das condições
sociais de existência, resultado de um processo histórico. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o
aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente
como incentivador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um
projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma
perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde a questão da
democracia contém e implica, a solução do problema das condições materiais de existência.
Dentre este conteúdo transformador, está o da intervenção do Estado na economia que
manifesta-se objetivando o equilíbrio das relações sociais e econômicas. O Estado intervém
de modo direto ou indireto.
De acordo com Grau, o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público
ou regula a prestação de serviço público.1 Neste caso ele atua em área de sua própria
competência. Intervenção é quando o estado atua em área de titularidade do setor privado.
Intervenção é quando o Estado atua tanto na área de titularidade própria quanto no setor
privado, ou melhor, quando atua no campo da atividade econômica em sentido estrito; atuação
estatal, ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo.
A preocupação fundamental do Estado deve ser o desenvolvimento social e econômico
da nação, desta forma as Políticas Públicas devem estar voltadas a estes objetivos, no entanto
os princípios fundamentais da ordem econômica como a livre iniciativa e a livre concorrência
devem ser respeitadas.
Para que haja compreensão da fundamentalidade da intervenção, ou não, do Estado na
economia como resultado à efetivação de Direitos e Princípios Fundamentais do homem, faz-
se necessário apresentar breve contextualização para alcançar o modelo atual.
1.1 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL
O Estado Liberal possui como fundamento principal a premissa de que o homem tem
direito à propriedade privada, sendo este elemento essencial e a ratificação do seu direito à
liberdade.
1 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90-
91.
16
De acordo com Tavares, o fundamento do liberalismo é o total respeito às liberdades
individuais na atuação do Estado. Este sistema encarece a necessidade de garantir a liberdade
individual já que a considera como indispensável para que os homens alcancem a sua
satisfação.2 A principal manifestação econômica da doutrina liberal, de acordo com o mesmo
autor, é a livre iniciativa que consagra o direito, atribuído a qualquer pessoa, de exercer
atividade econômica livre de qualquer restrição, condicionamento ou imposição descabida do
Estado.
Nos séculos XVII e XVIII, de forma expressiva em países como a Inglaterra e a
França, o pensamento liberal legitimou a ascensão econômica, social e política da burguesia.
Esta classe propagou a ideologia do Estado Liberal ou liberalismo, segundo a qual todos
tinham direito à liberdade individual; escolha de seus representantes; ser proprietário de bens
móveis e imóveis; gerir livremente seus negócios.
Liberalismo é definido no dicionário Houaiss como “doutrina baseada na defesa da
liberdade individual, nos campos econômico, político, religioso e intelectual, contra as
ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal.”3
A burguesia solicitava ao Estado que este deixasse de intervir nas relações econômicas
e sociais, devendo sua atuação se limitar a garantir a livre iniciativa e o direito à propriedade
privada.
Para Chauí: “[...] a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza, a
nobreza e, [...] surge como superior a elas, uma vez que acredita que é proprietário graças ao
seu próprio do trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade.”4 A mesma autora
declara que:
O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres,
mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez a todos iguais, se a
todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietários privados,
são culpados por sua condição inferior.5
De acordo com a citação da referida autora, a burguesia considerava que a propriedade
privada era um direito daqueles que trabalharam e conquistaram este direito e aqueles que não
possuem propriedade não se esforçaram para adquiri-lo.
2 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 47. 3 LIBERALISMO. In: HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão monousuário 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 4 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 11. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 401. 5 Id., Ibid., p. 401.
17
A partir da Revolução Francesa ocorrida no ano de 1789, o sistema econômico
capitalista passa a predominar em grande parte dos Estados industrializados e, conforme
apresenta Sandroni as principais características apresentadas por este sistema são a separação
entre trabalhadores livre, que dispõem apenas da forma de trabalho e a trocam por salário,
para garantir a própria sobrevivência, e capitalistas que são os proprietários dos meios de
produção e contratam os trabalhadores para produzir mercadorias objetivando obter lucro.6
O Estado Liberal predominou no período compreendido entre o final do Século XVIII
e o início do Século XX, e aparecem em textos constitucionais, dentre os quais se destacam os
dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791.
O que se observou foi que o funcionamento da Economia com as características do
Liberalismo, não foi capaz de resolver os conflitos sociais e econômicos existentes à época de
sua hegemonia. Os ideais da propriedade privada e da liberdade econômica se concretizaram e
se sobrepuseram aos da liberdade, igualdade e da fraternidade, que existiram apenas
formalmente. Assim, a grande massa de trabalhadores deixou de ser explorada pelos senhores
feudais e passou a ser oprimida pela Burguesia, sem qualquer intervenção do Estado
capitalista liberal.
O povo insatisfeito com os resultados de políticas liberais nas esferas social e
econômica exige maior intervenção do Estado nestas áreas. A sociedade deseja, portanto, um
novo modelo de Estado. Este deveria proporcionar o desenvolvimento social e,
consequentemente, existência digna a todos os homens.
Keynes, através da obra “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”
comprovou ser possível que o mercado não fosse capaz, por si só, de retirar a Economia da
condição de estagnação em que se encontrava. Argumentou que a Economia só retomaria seu
ciclo normal se houvesse investimentos. Mas, estes investimentos, não seriam feitos por
empreendedores privados. Nessa situação de instabilidade econômica, os investimentos
deveriam ser feitos pelo Estado, de modo a estimular o poder de compra da população e, com
isso, desenvolver a Economia.
Keynes fez as seguintes considerações sobre a necessidade de investimentos
econômicos, pelo Estado, para o reaquecimento da Economia:
Se o Tesouro se dispusesse a encher garrafas usadas com papel moeda, as enterrasse
a uma profundidade conveniente em minas de carvão abandonadas que logo fossem
cobertas com o lixo da cidade e deixasse à iniciativa privada, de acordo com os bem
experimentados princípios do laissez-faire, a tarefa de desenterrar novamente as
6 SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 5. ed. São Paulo: Best Seller, 2000, p. 561.
18
notas (naturalmente obtendo o direito de fazê-lo por meio de concessões sobre o
terreno onde estão enterradas as notas), o desemprego poderia desaparecer e, com a
ajuda das repercussões, é provável que a renda real da comunidade, bem como a sua
riqueza em capital, fossem sensivelmente mais altas do que, na realidade, o são.
Claro está que seria mais ajuizado construir casas ou algo semelhante; mas se tanto
se opõem dificuldades políticas e práticas, o recurso citado não deixa de ser
preferível a nada.7
Este economista sugeriu uma forma de intervenção do Estado na economia,
considerando-a condição para o desenvolvimento da mesma. Este deveria atuar de forma
determinante na elaboração e execução de medidas necessárias ao desenvolvimento das
economias capitalistas. Através do contexto econômico, apresentado neste período, e dos
estudos de Keynes, apresenta-se como alternativa o Estado Social.
A liberdade e o individualismo, características do Estado Liberal, eram características
da sociedade de economia fundamentalmente capitalista, economia esta que favorecia aos
detentores dos meios de produção, em detrimento dos trabalhadores que viviam da venda de
sua força de trabalho.
Verificando-se o aumento das desigualdades sociais e da concentração da propriedade
privada, faz-se necessário que o Estado intervenha no meio social e econômico para que
desenvolva políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento econômico social e
diminuição das desigualdades.
A intenção da intervenção estatal é que os trabalhadores tivessem realizados os
direitos previstos na Constituição, principalmente o princípio fundamental que é o da
dignidade da pessoa humana e, ainda, a realização dos Direitos Sociais. Sobre o Estado
Social, comenta Bonavides:
Quando o Estado coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a
impaciência do quarto estado [povo] faz ao poder político, confere, no Estado
constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação,
intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os
preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as
exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê
necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as
classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em
suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com
justiça, receber a denominação de Estado social.8
Para este doutrinador, ao Estado Social cumpre possibilitar a todos os seres humanos a
7 KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Tradução de Mário R. da Cruz. São
Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 145. 8 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 186.
19
realização de seus Direitos Fundamentais Sociais como o direito ao trabalho, a educação, etc.,
ratificando o princípio da livre iniciativa como princípio do Estado Democrático de Direito.
Para Tavares, ao se citar o Estado Social, é necessário destacar que, embora se trate de
um Estado interventor, no sentido de que não assume uma postura liberal clássica, o certo é
que se caracteriza, tal Estado, por ter um ideal, uma meta, consistente na busca da melhoria
das condições de vida pela prestação positiva do Estado em diversos setores.9 A demanda por
um Estado interventor decorre da existência de falhas na concepção liberal da economia.
As falhas de mercado, que demandam a intervenção estatal são: a ausência de
mobilidade dos fatores; acesso falho às informações relevantes; concentração econômica;
existência de externalidades positivas e negativas e a impossibilidade de sua internalização
pelo ente que a produz; e a falta de incentivo à produção de bens coletivos.10
O Estado também passou a assumir responsabilidades sociais crescentes, como a
previdência, a habitação e a assistência social, incluindo saúde, saneamento e educação,
ampliando seu leque de atuação como prestador de serviços essenciais. Também se aprimorou
o papel do Estado como empreendedor substituto, o que ocorre em setores considerados
estratégicos para o desenvolvimento, como no energético, minerário e siderúrgico, ou mesmo
nos setores de informática e tecnológico.11
No entanto, a crise apresentada nos anos 80 demonstrou que a intervenção do Estado,
mesmo que inseridas em momentos de falha do mercado, demonstra a ineficiência destas
ações como incentivo à economia, conforme comenta Bresser-Pereira: “[...] esta Grande Crise
teve como causa fundamental a crise do Estado – uma crise fiscal do Estado, uma crise do
modo de intervenção do Estado no econômico e no social, e uma crise da forma burocrática
de administrar o Estado.”12
Esta crise ocorreu, também, devido a incapacidade do Estado em atuar no cenário de
concorrência, especialmente em um contexto globalizado. As dificuldades de gerenciamento
da máquina estatal levaram à ineficiência do modelo intervencionista-social. Pode-se dizer
que o Estado assumiu responsabilidades acima de sua capacidade, gerando a explosão do
déficit público, por conta dessa prestação de serviços e atuação econômica maciça.
Para a solução desta tensão, uma das propostas apresentadas foi denominada de
9 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 49. 10 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 139-165. 11
TAVARES, op. cit., p. 57. 12 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua
Nova Revista de Cultura e Política, n. 45, p. 49-95, 1998. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/
view.asp?cod=493>. Acesso em: 22 out. 2013, p. 1.
20
neoliberalismo. No Estado Neoliberal deve haver o afastamento deste nas questões
econômicas e sociais.
Esta nova concepção de Estado se funda na revalorização das forças do mercado, na
defesa da desestatização e na busca de um Estado financeiramente mais eficiente, probo e
equilibrado, reduzindo-se os encargos sociais criados no pós-guerra, sem afastar totalmente o
Estado da prestação de serviços essenciais.13
Bastos comenta que: “O Estado neoliberal se caracteriza por buscar uma economia de
mercado sem limites, por dedicar especial atenção à atividade econômica em detrimento da
atividade social e política.”14
Nesta linha de pensamento, se estrutura o Estado Social-Liberal, denominação
sugerida por Bresser-Pereira:
[...] Estado Social-Liberal: social porque continuará a proteger os direitos sociais e a
promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando mais os
controles de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus
serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-
estatais competitivas, porque tornará os mercados mais flexíveis, porque promoverá
a capacitação dos seus recursos humanos e de suas empresas para a inovação e a
competição internacional.15
No Estado Social-Liberal, é apresentada a garantia dos Direitos Sociais através da
intervenção do mesmo nas relações econômicas. No entanto, esta intervenção será indireta, de
forma que não haja o descumprimento de princípios fundamentais como a livre concorrência e
a livre iniciativa. Bonavides acrescenta alguns comentários sobre o conceito de um Estado
Social:
É um Estado social onde o Estado avulta menos e a sociedade mais; onde a liberdade
e a igualdade já não se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para trasladar ao campo da
concretização direitos, princípios e valores que fazem o Homem se acercar da
possibilidade de ser efetivamente livre, igualitário e fraterno.16
O que se verifica é que o desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo
desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero
avanço econômico pouco significa.
Observa-se que houve um aprendizado com o passar do tempo, pois a história
13 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 61. 14
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 219. 15 BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 1. 16 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 33.
21
demonstrou as características de um Estado eficiente, onde a sociedade é a principal
protagonista e a Constituição Federal de 1988 veio de encontro com o contexto histórico,
demonstrando a importância da economia no direito ou do direito na economia.
1.2 DIREITO E ECONOMIA
As Constituições e legislações, em Estados Democráticos de Direito, como o Brasil,
decorrem da vontade da sociedade e servem de paradigma para as relações econômicas e
sociais.
De acordo com Vilanova, o Direito é posto pela sociedade e decorre de norma
objetiva, pertencente a um determinado ordenamento positivo.17
Assevera, ainda, que o
Direito é força social que ora retarda, ora incrementa a mudança social. O Direito, assim, é
inseparável da estabilidade e da alteração social. Observa-se a importância da visão sistêmica
do Direito, analisando o todo social, a realidade onde está inserido para que se adeque a este
cenário.
Reale acredita que existe influência mútua entre a Economia e o Direito: “[...] há, pois,
entre Economia e Direito uma interação constante, não se podendo afirmar que a primeira
cause o segundo, ou que o Direito seja mera ‘roupagem ideológica’ de dada forma de
produção.”18
Portanto, o Direito exerce influência na Economia e a Economia exerce influência no
Direito, no entanto há de se destacar que ambos são influenciados pelo contexto social em que
estão inseridos.
Para Nusdeo, as relações econômicas dependem diretamente do conjunto de normas
que as regem. Mas, estes fatos influenciam, também, na formulação e aplicação da legislação
vigente em determinada sociedade.19
A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores
econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica,
conforme preconiza a Constituição Federal, artigo 170. O princípio da livre iniciativa é
fundamento da República e da Ordem Econômica, de acordo com a Magna Carta, artigo 1º,
IV; artigo 170, inciso II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em
17 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: AXIS MVNDI; IBET, 1997. v. 2, p. 464-475. 18 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 21. 19 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 30.
22
desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da
atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato
celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de
embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei.
De acordo com Bastos, a Economia é uma ciência social que tem como campo de
atuação a sociedade e como objeto o estudo dos fenômenos relativos à produção, distribuição
e consumo dos bens materiais.20
Esta ciência também verifica as necessidades materiais da
coletividade e a sua satisfação, a organização da produção, a circulação de bens e a repartição
de riquezas. Deve-se verificar que as necessidades humanas são infinitas e múltiplas, no
entanto os recursos são limitados e escassos.
Desta forma, quando a Economia é praticada como instrumento para o
desenvolvimento, esta beneficia toda a sociedade e não apenas os segmentos econômicos ou a
indivíduos específicos. Esta atitude pretende desenvolver atividades econômicas focadas na
ética, atender às necessidades fundamentais do ser humano e, desenvolver atividades
econômicas que promovam o desenvolvimento da comunidade próxima a ação direcionada.
Cortina declara que ética empresarial ou dos negócios, se centra em uma concepção da
empresa como organização econômica e como instituição social, ou seja, um tipo de
organização que desenvolve uma atividade especifica. A mesma apresenta alguns passos a
serem seguidos pelas organizações para se desenhar uma ética nas organizações, são eles: (i)
determinar claramente qual é o fim específico, o bem interno à atividade que lhe é própria e
pela qual cobra sua legitimidade social; (ii) averiguar quais são os meios adequados para
produzir esse bem e que valores é preciso incorporar para alcançá-los; (iii) indagar que
hábitos hão de ser adquiridos pela organização e por seus membros formando um caráter que
lhes permita deliberar e tomar decisões acertadas, (iv) discernir que relações devem existir
com as distintas atividades e organizações; (v) discernir também entre os bens internos e
externos.21
A atividade econômica deve atender às necessidades do ser humano, devendo estar
focada nas necessidades reais do indivíduo, a fim de que se efetive o princípio da dignidade
da pessoa humana e a igualdade entre as pessoas.
Referente ao desenvolvimento com foco no respeito ao ser humano, Sen faz a seguinte
consideração:
20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 7-8. 21 CORTINA, Adela. Ética de la empresa Claves para uma nueva cultura empresarial. 8. ed. Madrid: Trotta,
2008, p. 19.
23
[...] as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade
– na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas
dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade
têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas.22
Portanto, de acordo com referida autora, o indivíduo é protagonista das atividades
econômicas e estas devem ser participantes das ações, podendo opinar e influenciar as
intervenções tanto do Estado quanto das empresas particulares.
A atividade econômica deve ter como foco o desenvolvimento da sociedade e
contribuir para que se efetive a justiça social.
Juntamente com as Políticas Públicas, os empreendimentos econômicos privados são
considerados corresponsável pela melhoria da condição de vida das pessoas que se relaciona
ou a região em que atua.
Grau comenta sobre a ordem econômica apresentando-a “[...] como o conjunto de
normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica.
Assim, ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever ser), não é senão o
conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica.”23
Tavares dispõe sobre a ordem econômica disposta na Constituição Federal:
A ordem econômica constitucional seria um conjunto de normas que realizam uma
determinada ordem econômica no sentido concreto, dispondo acerca da forma
econômica adotada. ‘Designando o conjunto de normas e instituições jurídicas que
têm por objeto as relações econômicas, ela abrange necessariamente planos jurídicos
distintos (direito público, direito privado) e ramos jurídicos diversos (direito
comercial, direito civil, direito do trabalho, direito administrativo etc.).24
De acordo com o autor, a Constituição Federal se caracteriza como econômica por
estabelecer o ordenamento fundamental à atividade econômica praticada no País, tanto por
empreendimentos particulares quanto pelo Estado, determinando o que é possível e o que não
é no ambiente econômico.
Bresser-Pereira caracteriza o sistema econômico como um conjunto de elementos
articulados entre si de forma a constituir um todo. Essa articulação ou coordenação dos
elementos obedece a uma lógica, que é a da sobrevivência, quando se trata de sistema vivo,
completando:
22
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. 8. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2000, p. 71. 23 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.
72. 24 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 87.
24
[...] todo sistema econômico tem como princípio de coordenação o mercado. Através
do mercado e com o uso do dinheiro, os produtores competem entre si, e dessa
forma o mercado aloca recursos e determina a distribuição da renda. No papel de
alocador de recursos, o mercado é um mecanismo maravilho só embora cheio de
falhas, e depende da ação regulatória do Estado para poder ser efetivo. Como
instrumento distribuidor de renda, é cego e injusto. Por isso, a ação deliberada da
sociedade através do Estado está sempre presente na regulamentação do mercado, e
na tentativa de correção das suas falhas.25
Este autor inclui o mercado como o ambiente de atuação do sistema econômico, neste
ambiente que circulam os recursos e que se realiza a distribuição da renda. Quando se
verificam as falhas, é necessário estudar e propor as ações que devem ser realizadas para
corrigi-las.
No Brasil o sistema econômico, expresso na Constituição Federal, é o sistema de livre
mercado ou capitalista, apresentado por Tavares como
[...] o sistema econômico no qual as relações de produção estão assentadas na
propriedade privada dos bens em geral, especialmente dos de produção, na liberdade
ampla, principalmente de iniciativa e de concorrência e, conseqüentemente [sic], na
livre contratação de mão-de-obra.26
A Constituição Federal definiu o capitalismo como sistema econômico a ser adotado
no País, considerando como características deste sistema o individualismo, a propriedade
privada e a livre iniciativa, no entanto o mesmo documento prevê a possibilidade da
intervenção do Estado na economia, através dos artigos 173 e 174, sendo necessária para
possibilitar o desenvolvimento e justiça social.
1.3 DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA
ECONOMIA
O Estado pode interferir na economia utilizando-se de diversos métodos e através de
diversas ações como, por exemplo, através da atuação direta no mercado (assunto que será
estudado a seguir) ou regulando as atividades produtivas, tributando, oferecendo incentivos
fiscais ou política creditícia, coibindo o monopólio e a cartelização, etc.
25
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O sistema econômico brasileiro. Conjuntura Econômica, v. 59, n. 4, p. 16-
17, abr. 2005. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=1539>. Acesso em: 22 out. 2013. 26 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 32.
25
1.3.1 Intervenção Direta
Os princípios da “ordem econômica” contidos na Constituição Federal, artigo 170,
divulgam os fundamentos sobre as quais devem se pautar as atividades econômicas internas.
A intervenção Direta do Estado na economia é autorizada de modo extraordinário no Texto
Constitucional e permite que o mesmo atue como agente econômico. Tal permissão aplica-se
apenas nos casos taxativamente definidos na Constituição, artigos 173 e 177.
Na intervenção estatal direta a participação do Estado na economia ocorre na
modalidade de empresário, através de suas empresas. Neste caso, o Poder Público participa
diretamente da atividade econômica exercendo atividade produtiva. De acordo com a Magna
Carta, o Estado brasileiro intervirá diretamente no domínio econômico sob os regimes de
monopólio e concorrencial.
A intervenção direta do Estado na Economia encontra-se normatizada na Constituição,
no artigo 173, que declara haver “casos” em que a exploração direta de atividade econômica é
permitida ao Estado, nos limites do próprio Texto Constitucional e, neste mesmo artigo,
declara que há permissão para a atuação direta do Estado na Economia na hipótese em que a
ação estatal se apresenta como “necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo”, de acordo com o definido em lei.
Na Constituição Federal, artigo 177, está enumerada às situações em que há
autorização constitucional para que o ente público atue diretamente na atividade econômica,
na exploração de atividade econômica em regime de monopólio.
Assim, conforme disposto na Constituição de 1988, nos artigos 173 e 177, o Estado
está autorizado a atuar como agente econômico em duas hipóteses: a) nos casos
expressamente ressalvados na Constituição: exploração, pela União, dos monopólios
enumerados no artigo 177 e no artigo 21, XXIII, da Constituição e; b) na exploração de
atividade econômica necessária aos imperativos da segurança nacional ou ao atendimento de
relevante interesse coletivo.
Para Grau a expressão “atuação estatal” presta-se para enunciar as formas de atuação
do Estado em relação ao processo econômico na sua totalidade, inclusive quando alcançar a
esfera pública. O mesmo autor declara ser adequado o uso do vocábulo intervenção para
expressar que o Estado está atuando em atividade própria do setor privado. Completa
afirmando que esta intervenção pode ser praticada no domínio econômico, na oportunidade
em que o Estado desenvolve atividades econômicas na condição de empreendedor privado, e
por práticas estatais decorrentes do poder do Estado para editar normas e regulamentos e, por
26
meio destes, induzir a iniciativa privada a desenvolver suas atividades no mesmo sentido das
políticas públicas apresentadas pelo Estado.27
Esta forma de intervenção será analisada no
próximo capítulo.
1.3.2 Intervenção Indireta
Os princípios contidos na Constituição Federal, artigo 170, em conjunto com outros
preceitos constitucionais aplicáveis às relações econômicas e sociais, são utilizados como
fundamento para a atuação indireta do Estado sobre a Economia. Na atuação indireta o
Estado, no exercício de seu poder e dever de editar normas e regulamentos que tratem de
matéria econômica, induz o mercado a atuar no sentido por ele orientado.
A atuação indireta do Estado sobre a Economia se efetiva por meio das funções
estatais de incentivo, fiscalização e planejamento. Tais funções, que são usadas pela
Administração Pública com habitualidade, serão analisadas a partir dos parâmetros da
Constituição Federal, artigo 174.
Esta modalidade de intervenção caracteriza-se pelo poder estatal para atuar nas
relações econômicas de modo a possibilitar a realização dos princípios da ordem econômica,
com a finalidade de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Grau comenta que, na intervenção indireta, o Estado atuará sobre a Economia por
direção ou por indução. Na primeira, intervenção por direção, o Estado, por meio de
mecanismos e normas, impõe à Economia comportamento compulsório.
Na segunda, intervenção por indução, o Estado altera sua vontade sem impor,
expressamente, determinado comportamento ao segmento econômico. Isto é efetivado por
meio das políticas públicas que causam reflexos na Economia a ponto de induzir os
empreendimentos econômicos a seguirem no caminho desejado pelo Estado. Sobre a
intervenção indireta por indução, declara Grau:
No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com preceitos que,
embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que
afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não,
contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, [...], no de
‘levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os
limites do querer individual.’ Nelas, a sanção, tradicionalmente manifestada como
comando, é substituída pelo expediente do convite. [...]. Ao destinatário da norma
resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à
prescrição nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto, resultará
27 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.
147-148.
27
juridicamente vinculado por prescrições que correspondem aos benefícios
usufruídos em decorrência dessa adesão.28
Norma indutora, que em regra é usada para estimular os agentes econômicos a
desenvolverem suas atividades na forma esperada pelo Estado, pode, também, ser aplicada em
sentido negativo. Neste, define-se o ônus a ser absorvido por empreendimento econômico que
executar suas atividades em desacordo com determinada política pública.
Conforme disposto na Constituição Federal, artigo 170, a melhoria da qualidade de
vida da pessoa humana está interligada com a finalidade da “ordem econômica” que é
“assegurar a todos existência digna” dentro dos parâmetros da “justiça social”.
Silva apresenta o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio que deve
acompanhar o homem do seu nascimento até a sua morte, visto ser a essência da natureza
humana. Completa dizendo que este princípio reclama por condições mínimas de existência,
conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica.29
O legislador constituinte, que deve representar a vontade da sociedade, caracterizou a
“dignidade da pessoa humana” como um dos fundamentos do Estado e a “existência digna”
como finalidade da “ordem econômica”; direcionou o Poder Público a atuar nas relações
sociais e econômicas, ou seja, o Estado passa a ter poder e dever de desenvolver ações que
tornassem real a “dignidade da pessoa humana” no País.
Para Del Masso, valendo-se de escritos de Alberto Venâncio Filho, o que interessa e
limita a atuação do Estado na economia, sob análise jurídica, é a conciliação entre as medidas
de intervenção e os direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal.30
Os limites constitucionais à intervenção do Estado no domínio econômico devem ser
vistos como garantia à sociedade de que os interesses econômicos não se sobreporão aos
direitos fundamentais e garantias definidas na Constituição Federal.
1.4 FUNÇÕES DO ESTADO SOBRE A ECONOMIA
Um dos principais objetivos do Estado é estabilizar a atividade econômica, evitando e
corrigindo os desequilíbrios que possam provocar uma crise econômica, ou seja, assegurar o
crescimento, a geração de empregos, a estabilidade dos preços e o equilíbrio das relações
comerciais nacional e internacional
28
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.
149-150. 29 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 39. 30 DEL MASSO, Fabiano. Direito econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 27.
28
Para realizar com eficácia esta função o Estado deverá fixar as metas a atingir e
escolher os meios que poderá utilizar-se para atingir esses objetivos. O Estado, para isso,
dispõe de instrumentos de intervenção na atividade econômica, de elaborações de planos
reguladores da economia, da produção de bens e serviços para satisfazerem necessidades
coletivas ou para serem comercializados.
A seguir, estuda-se as formas como o Estado pode atingir seu objetivo de estabilizar a
atividade econômica por meio da fiscalização, incentivo e extrafiscalidade.
1.4.1 Função de Fiscalização
Disposta na Constituição Federal, artigo 174, a função de fiscalização provêm da
atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. No exercício
da função de fiscalizador das atividades econômicas é atribuído ao Estado verificar a
adequação de determinada atividade com o ordenamento jurídico ao qual ela está obrigada.
Neste sentido verifica Grau:
Trata-se de normação e regulação que, como já anotei neste ensaio, reclamam fiscalização. Essa atividade, de fiscalização, é desenvolvida, evidentemente, em
torno de um objeto. Fiscalizar significa verificar se algo ocorre, sob a motivação de
efetivamente fazer-se com que ocorra - ou não ocorra. Assim, fiscalizar, no contexto
deste art. 174, significa prover a eficácia das normas produzidas e medidas
encetadas, pelo Estado, no sentido de regular a atividade econômica. Essas normas e
medidas, [...], hão de necessariamente estar e dar concreção aos princípios que
conformam a ordem econômica. Por isso hão de, quando atinjam a atividade
econômica em sentido estrito, necessariamente configurar intervenção sobre o
domínio econômico.31
A função de fiscalização do Estado é executada por diversos órgãos públicos da
administração direta ou indireta da União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios.
Dentro de suas respectivas competências cada ente da Federação cria órgãos com a função de
fiscalizar atividades econômicas, estes órgãos têm, em regra, o poder de regulamentar as
atividades que lhes cabe fiscalizar.
Para o exercício da função de fiscalização é fundamental que tenha sido definido,
previamente, pela pessoa jurídica competente e por meio de instrumento jurídico adequado,
padrão de comportamento a ser observado por empreendimento ou atividade econômica
sujeita à fiscalização. A existência de norma (sentido amplo) que defina parâmetros para a
31 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.
307-308.
29
atuação dos empreendimentos econômicos e dos órgãos de fiscalização é indispensável para a
intervenção estatal na Economia, no exercício da função de fiscalização, dentro dos limites
constitucionais do Estado de Direito.
Sobre os limites à atividade estatal de fiscalização, Carvalho informa:
[...] tenho que é necessária a elaboração de planos gerais de fiscalização, imperativo
do equilíbrio entre os direitos da Administração e do Administrado, como se pode
verificar do trabalho daqueles que reivindicam um ‘Código de Defesa do
Contribuinte’. A publicidade dos critérios em lei se converte em condição necessária
para que a sua aplicação por parte dos contribuintes possa ser controlada,
comportando assim a possibilidade de impugnação da discricionariedade
administrativa por desvio de poder. A fiscalização deve exercer-se com estrita
observância dos direitos e garantias individuais, devendo-se evitar uso distorcido
desse instrumento como expediente sancionatório, além do respeito ao direito da
intimidade, que há de ser exigido.32
O exercício da função de fiscalizar permite ao Estado verificar se as atividades
econômicas estão sendo executadas em conformidade com as normas internas a elas
aplicáveis. Caso seja constatado o descumprimento de tais normas, em regra, o agente
fiscalizador tem competência legal para aplicar sanções, definidas em lei, que obriguem o
empreendimento econômico a corrigir suas ações, de forma a adequá-las às leis e
regulamentos dirigidos ao setor.
As sanções aplicáveis quando da fiscalização não têm finalidade apenas punitiva,
podem, também, servir para limitar direitos individuais em benefício da coletividade, fazendo
com que agentes econômicos atuem sem desrespeitar direitos da sociedade, explicitados no
Texto Constitucional e na legislação infraconstitucional.
Neste sentido, afirma Bastos que:
De fato, o Estado não pode furtar-se a algumas atividades que, sem implicarem na
prestação direta da atividade econômica, propriamente dita, venham a colaborar,
com o processo de maior conformação da atividade dos particulares, ao atingimento
mais pleno possível dos objetivos elencados no art. 170 do Texto Constitucional.
Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um poder amplo de que desfruta o ente
estatal, denominado poder de polícia. Por seu intermédio objetiva-se manter a
atividade privada dentro do Estabelecido na Constituição e nas leis.33
Instituído pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que dispõe sobre o Sistema
Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
Municípios, o Código Tributário Nacional, artigo 78, demonstra o significado de poder de
32 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008, p.
813. 33 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 262.
30
polícia:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependente de concessão ou autorização do Poder Público, a
tranqüilidade [sic] pública ou ao respeito à propriedades e aos direitos individuais ou
coletivos.34
Dispõe o Art. 145 da Constituição que:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
os seguintes tributos:
[...]
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou
potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou
postos a sua disposição.35
Di Pietro recorda que o conceito de poder de polícia está atrelado à concepção liberal
do século XVIII, quando o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o
exercício dos direitos individuais em benefício da segurança. Comenta que através do
conceito moderno adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado
consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.36
Para Meirelles poder de polícia é
A faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas
do direito individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do
próprio Estado. Esse poder é inerente a toda Administração e se reparte entre todas
as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios.37
A função estatal de fiscalização está contida no poder e dever da Administração em
agir, com fundamento no ordenamento jurídico, na limitação da liberdade e da propriedade
individual e, com isto, garantir que o interesse público seja efetivado. Tal atuação independe
da denominação dada pela doutrina ao referido poder estatal – se poder de polícia ou
limitações administrativas à liberdade e à propriedade.
A fiscalização das atividades econômicas por meio das agências reguladoras, com
34 BRASIL. Vade mecum. Colaboração Editora Saraiva, Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti.
13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, CTN, art. 78. 35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, art.145. 36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 111. 37 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 128.
31
poderes para criar normas específicas para disciplinar determinadas atividades econômicas e,
também, para fiscalizar se tais normas estão sendo observadas ou não, mostra-se como uma
das opções do Estado, a partir da Constituição de 1988, para implantar sua atuação na
Economia, como agente normativo e regulador das atividades econômicas no exercício de sua
função de fiscalização. Neste sentido, Di Pietro apresenta a definição de agência reguladora:
Assim, agência reguladora, em sentido amplo, é, no direito brasileiro, qualquer
órgão da Administração Direta ou Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. Em sentido estrito, e abrangendo apenas o modelo mais
recente, a agência reguladora é entidade da Administração Indireta, em regra
autarquia de regime especial, com a função de regular a matéria que se insere em sua
esfera de competência, outorgada por lei.38
Como exemplo da atuação estatal, por meio das agências reguladoras, apresenta-se as
disposições contidas na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Esta Lei “dispõe sobre a
organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão
regulador e outros aspectos institucionais.” Este órgão é a Agência Nacional de
Telecomunicações (ANATEL), entidade integrante da Administração Pública Federal
indireta, submetida a regime autárquico especial168 e vinculada ao Ministério das
Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações. Na Lei nº 9.472/1997
está definido que:
Art. 1° Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das
políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a
exploração dos serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a
fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e
funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências [sic].
Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços
razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos
serviços de interesse público em benefício da população brasileira; III - adotar
medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua
oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e
industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.39
38 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 188. 39
BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações,
a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda
Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm>. Acesso
em: 23 out. 2013, art. 1º-2º.
32
A Lei nº 9.472/1997, no parágrafo único do artigo 22, define que a fiscalização do
cumprimento das normas aplicáveis ao segmento econômico regulado pela ANATEL deve
ficar a cargo dos agentes públicos da própria Agência: “Parágrafo único. Fica vedada a
realização por terceiros da fiscalização de competência da Agência, ressalvadas as atividades
de apoio.” Para executar a fiscalização a ANATEL dispõe de recursos de várias fontes,
inclusive dos destinados ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL),
administrado exclusivamente pela Agência.
Vê-se, pelo exemplo da Lei que criou a ANATEL, a importância das agências
reguladoras na execução da função estatal de fiscalização das atividades econômicas. Mas, o
Estado não executa a sua função de fiscalização apenas por meio das agências reguladoras.
1.4.2 Função de Incentivo
A função estatal de incentivo às atividades econômicas, prevista na Constituição
Federal, artigo 174, abrange qualquer benefício estatal concedido pelo Estado a
empreendimento econômico.
No exercício da função de incentivo o Estado oferece aos empreendimentos
econômicos, que aderirem à determinada política pública, condições privilegiadas para
desenvolverem suas atividades em relação àqueles que não aderirem. O incentivo serve de
instrumento para que o Estado, sem intervir diretamente na Economia, induza o mercado ou
parcela dele a se comportar de modo a contribuir para a concretização de interesse público.
Bastos40
afirma que “O incentivo já traz em si a ideia de estímulo, de ajuda, enfim, de
concessão de benefícios no implemento da atividade privada. É dizer, o Estado pode
incentivar determinados ramos da economia, quando no seu mais rápido desenvolvimento vir
um interesse coletivo.” Nascimento apresenta o incentivo como sendo:
[...] incentivo é criar estímulos favoráveis ao progresso da atividade econômica, é
dar condições positivas para o seu desenvolvimento, é incitar, possibilitando um
melhor e mais adequado resultado da atividade econômica. Aqui, também, no
relativo ao incentivo, a função estatal será exercida conforme dispuser a lei.41
Silva faz a seguinte observação sobre a função estatal de incentivo prevista na
Constituição Federal, artigo 174:
40 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 263. 41 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem econômica e financeira e a nova Constituição. Rio
de Janeiro: Aide, 1989, p. 34.
33
Incentivo, como função normativa e reguladora da atividade econômica pelo Estado,
traz a idéia do Estado promotor da economia. É o velho fomento, conhecido dos
nossos ancestrais, que consiste em proteger, estimular, promover, apoiar, favorecer e
auxiliar, sem empregar meios coativos, as atividades particulares que satisfaçam
necessidades ou conveniências de caráter geral. A própria Constituição já
determinou apoio, estímulo e favorecimento a atividades específicas: o
cooperativismo e o associativismo, as microempresas, nos termos dos arts. 174, §§
3º e 4º e 179. [...] O art. 174 declara que o Estado exercerá sua atividade de agente
normativo e regulador, ‘na forma da lei’. Não se quer, com isso, dizer que a
intervenção, nesses termos, dependa sempre de lei em cada caso específico. De fato,
não se exige lei em cada caso para estimular e apoiar a iniciativa privada na organização e exploração da atividade econômica, como também não é mediante lei
que se limitam atividades econômicas. Essas intervenções todas se realizam
mediante ato administrativo, embora não possam efetivar-se senão de acordo com
previsão legal. As limitações, sim, como ingerência disciplinadora, constituem
formas de intervenção por via de regulamentação legal; mas o fomento nem sempre
demanda lei - tais a implantação de infra-estrutura, a concessão de financiamento
por instituições oficiais, o apoio tecnológico.42
É necessária a previsibilidade legal para que ocorra a prática do incentivo, como está
estabelecida na Constituição Federal, artigo 174. Mesmo nos casos destacados por Silva:
“implantação de infra-estrutura, a concessão de financiamento por instituições oficiais, o
apoio tecnológico”, só pode o Estado implementar tais atividades de fomento se houver
previsão em lei. As ações destacadas pelo autor devem estar, por exemplo, previstas nos
instrumentos legais de planejamento e orçamento: Plano Plurianual (PPA), na lei de diretrizes
orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária (LOA), leis em sentido estrito, para serem
executadas pela Administração Pública, conforme apresentado na Constituição Federal,
artigos 165 e 167:
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as
diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração
continuada.
§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da
administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício
financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá
sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das
agências financeiras oficiais de fomento.
[...]
§ 4º - Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta
Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados
pelo Congresso Nacional.
[...] § 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo
regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias,
remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
42 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 721-722.
34
[...]
Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual.43
De acordo com Tavares44
a legislação não pode beneficiar grupos específicos de
interesse exclusivamente privados. A legislação deve ser objetiva e genérica, devendo
conceder benefícios somente em casos que haja interesse público.
A imposição constitucional de que deve ser editada lei dispondo sobre a concessão de
incentivo pelo Estado tem como objetivo permitir a participação do Poder Legislativo na
decisão sobre a aplicação dos recursos públicos. Desta forma, amplia-se a participação e o
conhecimento da sociedade sobre as ações do ente federativo que impliquem na destinação de
recurso público ao setor econômico.
Incentivar a atividade econômica com recursos públicos deve ter por objetivo principal
contribuir para melhorar as condições de vida das pessoas pois, por meio do crescimento do
empreendimento econômico incentivado, espera-se a ampliação de postos de trabalho, oferta
de produtos de melhor qualidade e com custo mais baixo, inovação tecnológica, agregação de
valor aos produtos primários, ampliar as exportações, aumento do valor da remuneração dos
trabalhadores.
A função incentivadora tem na desoneração parcial ou total da obrigação de natureza
tributária – isenção, redução de alíquota e/ou base de cálculo, concessão de crédito
presumido, anistia e remissão, relativos a impostos, taxas e contribuições –, seu principal
método de manifestação.
Destaca-se que a competência para conceder incentivo de natureza tributária guarda
relação direta com a competência para instituir tributos, descrita no Título VI da Constituição.
Assim, a União, os Estados Federados, o Distrito Federal e os Municípios têm, nos limites
definidos no referido Título e em outros dispositivos constitucionais, a base para a criação e
execução de política pública extrafiscal voltada à Economia, cujo principal instrumento é a
concessão de incentivo fiscal.
1.4.3 Extrafiscalidade
A utilização do tributo com finalidade extrafiscal tem sentido amplo, ou seja, engloba
todas as formas de tratamento diferenciado dado pela Administração Pública aos sujeitos
43 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003,
art.165, 167. 44 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2003, p. 140.
35
passivos da relação tributária, em conformidade com o sistema jurídico vigente.
Com a extrafiscalidade, através de medidas do Estado, surgem possibilidades para a
existência dos incentivos fiscais que visam ao desenvolvimento nacional, à redução das
desigualdades sociais e regionais, possuindo como finalidade maior se fazer a justiça social.
A finalidade de política tributária com viés extrafiscal, em regra, é induzir os agentes
econômicos a se comportarem do modo pretendido pela Administração Pública. Esse
entendimento vai ao encontro de diferentes, mas convergentes, definições de extrafiscalidade.
Para Machado a política tributária será “Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a
interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de
recursos financeiros.”45
Sobre a finalidade extrafiscal dos tributos ensina Becker:
A principal finalidade dos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade
sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou
tradicional) não era a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio
das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada.46
Nas duas definições verifica-se o pensamento comum de que o tributo pode ser usado
pelo Estado com finalidade diversa daquela de arrecadar recursos para a execução direta das
atividades estatais. A “interferência”, por Machado, ou “intervenção”, por Becker, do Estado
sobre o domínio econômico, por meio do tributo para atingir objetivos extrafiscais, se justifica
no seu poder-dever de atuar em benefício da sociedade e, por consequência, do próprio
sistema econômico.
Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela
se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada.
A política tributária extrafiscal, como já afirmado, não se dá pela imposição/coerção
do Estado sobre a atividade do particular, mas por indução a determinado comportamento do
mercado. Com isto, o Estado dá aos agentes econômicos a opção de aderir ou não à
determinada política estatal extrafiscal.
O artigo jornalístico escrito por Fariello e Romero, veiculada no Jornal Valor
Econômico, apresenta a intervenção do Estado na Economia por meio de política tributária.
[...] a política tributária, embora consista em instrumento de arrecadação tributária,
necessariamente não precisa resultar em imposição. O governo pode atuar em
45 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 61. 46 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 587.
36
termos de política tributária utilizando-se de mecanismos fiscais através de
incentivos fiscais, de isenções entre outros mecanismos que devem ser considerados
com o objetivo de conter o aumento ou estabilidade da arrecadação de tributos. [...]
Através da política extrafiscal, o legislador fiscal, poderá estimular ou desestimular
comportamentos, de acordo com os interesses da sociedade, por meio de uma
tributação regressiva ou progressiva, ou quanto à concessão de incentivos fiscais.
Pode-se dizer que, através desta política, a atividade de tributação tem a finalidade
de interferir na Economia, ou seja, nas relações de produção e de circulação de
riquezas. [...] De igual modo o Estado poderá atender suas finalidades através da
distribuição de riquezas, satisfação das necessidades sociais, de políticas de
investimentos, entre outras, que podem ser alcançadas por meio de uma política tributária e não necessariamente pela imposição tributária.47
Tem-se, então, que a política tributária, por meio da função extrafiscal dos tributos,
pode ser voltada à promoção de mudanças de comportamento do mercado e da sociedade.
Assim, o Estado sem usar do tributo, exclusivamente, de forma impositiva, função fiscal,
pode definir e executar políticas tributárias que contribuam para a concretização dos
princípios da “ordem econômica”, por exemplo.
A política tributária, em seu viés fiscal ou extrafiscal, pode, por indução, conduzir a
Economia e os indivíduos a agirem ou omitirem-se em determinadas situações. Nesse sentido,
argumenta Sebastião:
O tributo, considerado não só em sua estrutura, mas também em sua função, em
especial a extrafiscalidade, é poderoso instrumento pedagógico e de transformação
socioambiental, com vistas ao estabelecimento de um desenvolvimento sustentável e
à conscientização ecológica da população em todos os seus segmentos.48
A extrafiscalidade dos tributos pode impactar a Economia ao ponto de levar o mercado
a tomar a direção pretendida nas políticas públicas voltadas ao setor. Com isto, ao Estado cabe
agir nessa seara com prudência e nos limite impostos pelo ordenamento jurídico vigente. A
preocupação da sociedade com essa questão pode ser verificada no texto constitucional,
merecendo relevo o disposto nos artigos 150, § 6º, 155, § 2º, XII, g, abaixo transcritos e o
art.165, § 6º182.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito
presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que
47 FARIELLO, Danilo; ROMERO Cristiano. União dará incentivos fiscais à produção de fertilizantes. Valor
Econômico, São Paulo, mar. 2010. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/?impresso/caderno_a/ 83/6099195/uniao-dara-incentivo-fiscal-a-producao-de-fertilizantes&scrollX=0&scrollY=0&tamFonte>. Acesso
em: 23 out. 2013. 48 SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. Curitiba:
Juruá, 2008, p. 332.
37
regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou
contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
[...]
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
[...]
XII - cabe à lei complementar:
[...]
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.49
Destaca-se, nos artigos citados da Constituição Federal, que todo incentivo,
necessariamente, deve estar prescrito em lei e todo órgão público competente deve respeitar
as disposições normativas.
De modo que tanto a política fiscal quanto a extrafiscal devem respeitar a função
social em suas práticas, sendo esta a forma do Estado proporcionar à sociedade uma isonomia,
um equilíbrio tributário, garantindo a redução das desigualdades sociais e regionais e os meios
adequados para o desenvolvimento de todas as regiões para, ao final, este desenvolvimento se
dar como um todo, em toda a esfera nacional.
Nesta seara, o Estado pode intervir, também, adotando medidas sanitárias e
fitossanitárias, entendidas como barreiras não tarifárias ao comércio, que visa a proteção a
saúde humana, animal ou vegetal, buscando a manutenção do bem estar do homem e da
natureza.
Desse modo, deve-se destacar a importância da busca pelo desenvolvimento
sustentável, cujo tema será desenvolvido no capítulo seguinte.
49 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003,
150, § 6º, 155, § 2º, XII, g.
38
2 COMÉRCIO, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE
A origem da sustentabilidade se deu com o surgimento do conceito de
ecodesenvolvimento, advindo da preocupação com a preservação do meio ambiente associada
com a melhoria das condições socioeconômicas da população. A construção desse conceito
refere-se a crítica à visão economicista e ao desenvolvimentismo, que geraram o
reducionismo econômico e problemas sociais e ambientais.50
No Relatório Brundtland “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem
as suas próprias necessidades.”51
Este demonstra a preocupação com o futuro, concordando
que os recursos naturais são finitos e que deve-se preservar o meio ambiente. De acordo com
o mesmo relatório, o desenvolvimento sustentável requer o atendimento às necessidades
básicas de todos, dando a todos a oportunidade de realizar suas aspirações a uma vida melhor.
Em complemento a este raciocínio:
É desenvolvimento porque não se reduz a um simples crescimento quantitativo, pelo contrário, faz intervir a qualidade das relações humanas com o ambiente natural, e a
necessidade de conciliar a evolução dos valores socioculturais com a rejeição de
todo processo que leva à deculturação. É sustentável porque deve responder à
eqüidade intrageracional e à intergeracional.52
De acordo com o comentário efetuado por Montibeller, desenvolvimento sustentável é
o crescimento quantitativo e qualitativo da relação do ser humano com o meio ambiente em
que está inserido. Este capítulo é todo dedicado ao desenvolvimento deste tema.
2.1 VÍNCULO ENTRE COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE
As medidas sanitárias e fitossanitárias variam entre os países observando os fatores
que as autoridades regulatórias nacionais levam em consideração durante sua criação, tais
como, os interesses das indústrias domésticas, a tolerância dos consumidores aos riscos, as
condições climáticas e geográficas, o nível de desenvolvimento tecnológico e os recursos
econômicos disponíveis. A diversidade de medidas sanitárias ou fitossanitárias tem um
50 MONTIBELLER, G. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno
sistema produtos de mercadorias. Florianópolis: EdUFSC, 2004. 51 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.
Acesso em: 29 out. 2013. 52 MONTIBELLER, op. cit., p. 50.
39
impacto negativo no comércio, visto que os exportadores precisam atender um conjunto
grande de padrões para ganhar acesso aos mercados externos. Isso é importante para países
em desenvolvimento que não dispõem de recursos e capacidade técnica para a implementação
desses padrões diversos.53
Um país poderá sustentar níveis de proteção ambiental mais elevados do que aqueles
previstos pelos padrões internacionais, mas em tal caso deverá cuidar do seu dever de
consistência: as barreiras sanitárias e fitossanitárias não devem ser elevadas em relação aos
padrões internacionais somente naqueles casos em que a medida venha justamente a servir,
simultaneamente, propósitos comerciais. Caso a política ambiental de um país seja
inconsistente, sendo acentuada quando coincidem os interesses econômicos, presumir-se-á
que não se tem uma coincidência, mas sim uma medida protecionista, contrária ao princípio
da não discriminação.
Deve-se buscar uma complementaridade entre as políticas de comércio e meio
ambiente.
Oliveira observa que “a proteção ambiental preserva os recursos naturais em que são
uma das bases em que o crescimento econômico se apoia, e a liberalização do comércio
conduz ao crescimento econômico necessário a uma adequada proteção ambiental.”54
Aduz ainda que o diante desse contexto, o papel do OMC é o de promover a
liberalização comercial, assegurando que as políticas ambientais não atuem como barreiras ao
comércio e por outro lado que as normas comerciais não impeçam a proteção ambiental em
âmbito doméstico.55
Conforme disposto no art. 2.1 do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
(SPS), os membros têm liberdade para adotar medidas nacionais de proteção ambiental desde
que não discriminem entre os produtos produzidos domesticamente e aqueles importados ou
entre produtos importados de diferentes parceiros comerciais.
O objetivo da norma é evitar o abuso das políticas ambientais e seu uso como restrição
disfarçada ao comércio internacional, como se dá com a comercialização dos produtos
transgênicos, acusados de causarem danos à saúde humana e ao meio ambiente, sem, contudo,
haver comprovação científica de que isso efetivamente ocorre.
É certo que o princípio da precaução, estudado no item 4.5.1, presume que medidas
53 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 20. 54 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 399. 55 Id., Ibid., Loc. cit.
40
ambientais sejam adotadas mesmo quando as informações científicas sejam incompletas.
Entretanto, o uso do princípio da precaução e de outras abordagens baseadas em riscos deve
ser esclarecido de forma transparente e democrática. Deve-se buscar o equilíbrio, permitindo
que o Estado adote medidas de proteção ao meio ambiente e estabeleça, ao mesmo tempo,
critérios cuidadosos para aplicação de medidas com base no princípio da precaução.
Não há melhor forma para implantar desenvolvimento sustentável do que relacionar
seus três pilares: econômico, ambiental e social. Para isso, a política de desenvolvimento
sustentável implica a necessidade de assistência técnica e financeira para capacitar os órgãos
envolvidos a adotar padrões de produção não prejudiciais ao meio ambiente e cumprir com as
normas de proteção ambiental.
2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E CRESCIMENTO ECONÔMICO
De acordo com Andrade, Tachizawa e Carvalho, o crescimento econômico é entendido
como crescimento contínuo do produto nacional em termos globais ao longo do tempo,
enquanto desenvolvimento econômico representa não apenas o crescimento da produção
nacional, mas também a forma como é distribuída social e setorialmente.56
Veiga reforça essa diferença, quando verifica que o crescimento é uma mudança
quantitativa, enquanto o desenvolvimento seria uma mudança qualitativa de um determinado
cenário.57
No entanto, esse tema ainda é repleto de controvérsias, apresentando diversas
correntes radicais. Furtado escreveu que a ideia de que o desenvolvimento é um simples mito,
defendendo que os mitos congregam uma série de hipóteses que não podem ser testadas.58
Essa renúncia, segundo Veiga, deve-se ao fato de “a ideia ter funcionado como armadilha
ideológica inventada para perpetuar as assimétricas relações entre as minorias dominantes e as
maiorias dominadas, nos países e entre países.”59
Trinta anos depois, Furtado resume: “o crescimento econômico, tal e qual se conhece,
vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de
modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor
de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro
56 ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; TACHIZAWA, Takeshy; CARVALHO, Ana Barreiros de. Gestão ambiental: enfoque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Makron Books, 2000. 57 VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. 58 FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. 59 VEIGA, op. cit.
41
para a massa da população.”60
Para Sachs, o desenvolvimento “pode permitir que cada indivíduo revele suas
capacidades, seus talentos e sua imaginação na busca da auto-realização e da felicidade,
mediante esforços coletivos e individuais... E enfatiza que os aspectos qualitativos são
essenciais.”61
O desenvolvimento tem a ver com a possibilidade de as pessoas viverem a vida
que escolheram.
Por isso, Carvalho, Mauro e Costa afirmam que a simples compreensão plena do
conceito de desenvolvimento torna redundante qualquer adjetivo: sustentado, sustentável ou
autossustentado.62
Constanza entende que o desenvolvimento sustentável deve ser inserido na relação
dinâmica entre o sistema econômico humano e um sistema maior, o ecológico.63
Para que essa
relação seja sustentável, a vida humana deve estar garantida, podendo continuar
indefinidamente, com crescimento e desenvolvimento da sua cultura, respeitando os limites de
modo a não destruir a diversidade, a complexidade e as funções do sistema ecológico, as quais
dão suporte à vida.
Bossel entende que o conceito de desenvolvimento sustentável deve ser dinâmico, já
que a sociedade e o meio ambiente sofrem mudanças contínuas, havendo uma modificação
constante de tecnologias, culturas, valores e aspirações. De acordo com o autor, sustentar
significa manter em existência, prolongar, e uma sociedade sustentável deve permitir todas
essas modificações.64
A ideia de sustentabilidade, segundo Hardi e Zdan, está atrelada à persistência de
certas características necessárias e desejáveis das pessoas, suas comunidades e organizações,
bem como dos ecossistemas que as envolvem, dentro de um longo ou, até mesmo, indefinido
período de tempo.65
A Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU conceitua
desenvolvimento sustentável:
Desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração
dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforça o potencial presente
60 FURTADO, Celso. Os desafios da nova geração. Revista de Economia Política, v. 24, n. 4 (96), p. 483-486,
out./dez. 2004. 61 SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. 62 CARVALHO, Pompeu Figueiredo de; MAURO, Cláudio Antônio de; COSTA, José Luiz Riani. O novo mapa
do mundo: natureza e sociedade de hoje: uma leitura geográfica. São Paulo: Hucitec, 1993. 63 CONSTANZA, R. Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia Press, 1991. 64 BOSSEL, H. Earth at a crossroads: paths to a sustainable future. Cambridge: Cambridge University Press,
1998. 65 HARDI, P; ZDAN, T. J. Assessing sustainable development: principles in practice. Winnipeg: IISD, 1997.
42
e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações futuras [...] é aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações
futuras atenderem as suas próprias necessidades.66
Ressalta-se a interdependência entre o bem estar humano e dos ecossistemas,
ponderando que o progresso de cada uma dessas esferas não deverá ser alcançado em função
da degradação da outra. O desenvolvimento sustentável deve ser qualitativo e quantitativo, o
que o diferencia da noção de crescimento econômico, como foi tratado anteriormente.
Van Ballen observa que a ideia de desenvolvimento sustentável tem sua origem nos
primeiros debates sobre o conceito de desenvolvimento, predominantemente ligado à ideia de
crescimento, até o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável.67
O primeiro impacto sobre a ideia de desenvolvimento sustentável foi o produzido pelo
Clube de Roma, uma associação de cientistas políticos e empresários preocupados com as
questões globais, o qual encomendou alguns projetos relacionados ao tema. Então, em 1972,
foi elaborado um dos estudos mais conhecidos decorrentes das ações do referido Clube, o
relatório mundialmente conhecido como The limits to growth.68
Em junho do mesmo ano, foi realizada uma conferência em Estocolmo sobre o Meio
Ambiente humano. Essa conferência ressaltava que a maioria dos problemas relacionados ao
meio ambiente ocorria na escala global e se acelerava de forma exponencial. O relatório veio
contrapor à concepção de crescimento contínuo da sociedade industrial, rompendo com a
ideia da ausência de limites para exploração dos recursos naturais.69
Pode-se dizer que, pela primeira vez, representantes de governos se uniram para
tratarem sobre a necessidade de tomarem medidas efetivas para o controle dos fatores
causadores da degradação ambiental.
Em 1987, a Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
apresentou um documento denominado Our Common Future, mais conhecido por Relatório
Brundtland, o qual afirmava que o progresso econômico e social não pode ser obtido através
da exploração indiscriminada e predatória da natureza.70
66 UNITED NATIONS. Department of Economic and Social Affairs. Commission on Sustainable Development.
Ninth Session, 16-27 Apr. 2001. Indicators of sustainable development: framework and methodologies:
background paper, n. 3. New York: DESA/DSD, 2001. Disponível em: <http://www.un.org/esa/sustdev/csd/
csd9_indi_bp3.pdf>. Acesso em: 29 out. 2013. 67 VAN BALLEN, Hans Michael. Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro:
FGV, 2005. 68 MEADOWS, D. et al. The limits to growth. London: Potomac, 1972. 69
VAN BALLEN, op. cit. 70 AJARA, C. As difíceis vias para o desenvolvimento sustentável: gestão descentralizada do território e
zoneamento ecológico-econômico. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2003. (Textos para
discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, n. 8).
43
O Relatório Brundtland apresenta uma das definições mais conhecidas e aceitas sobre
o desenvolvimento sustentável, a qual relaciona problemas do meio ambiente com o processo
de desenvolvimento, além de refletir sobre as gerações futuras e suas possibilidades,
necessidades e limitações. Foi nessa ocasião que a maioria dos países do mundo iniciou a
discussão sobre o desenvolvimento socioeconômico conectado com as transformações do
meio ambiente.
Vinte anos após a reunião de Estocolmo, em 1992, ocorreu no Rio de Janeiro, uma
nova conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, aumentando a
consciência das pessoas sobre o modelo de desenvolvimento adotado mundialmente, bem
como sobre as limitações que ele apresenta.71
Um dos principais resultados desse encontro foi o documento Agenda 21, que é um
plano de ação composto por quarenta capítulos, acordado e adotado dentro da conferência
realizada no Rio de Janeiro.72
Neste documento observam-se a declaração de objetivos, o
esboço das ações necessárias, as linhas de orientação para a definição de um programa de
ação, as condições institucionais necessárias, assim como os meios de execução para atingi-
las, abordando, inclusive, temas relacionados a financiamentos.
A Agenda 21 reflete o consenso global e o compromisso político em seu mais alto
nível, objetivando o desenvolvimento atrelado à responsabilidade com o meio ambiente. O
documento convoca as organizações a uma participação ativa na implementação de seus
programas, com a finalidade de atingir o desenvolvimento sustentável. Para a Agenda, as
políticas das indústrias e comércio, sobretudo de empresas multinacionais, têm um papel
essencial na redução do impacto ao meio ambiente e no uso racional dos recursos naturais.73
A Agenda 21 foi publicada e adotada por 178 países, sendo que cada um deles
adaptou-a para sua realidade. No caso da Agenda 21 brasileira, por exemplo, consta que:
[...] o desenvolvimento sustentável deve ser entendido como um conjunto de
mudanças estruturais articuladas, que internalizam a dimensão da sustentabilidade
nos diversos níveis, dentro do novo modelo da sociedade da informação e do
conhecimento; além disso, oferece e apresenta uma perspectiva mais abrangente do
que o desenvolvimento sustentado, que é apenas uma dimensão relevante da
macroeconomia e pré-condição para a continuidade do crescimento.74
71 GUIMARÃES, R. P. El desarrollo sustentable: propuesta alternativa o retorica neoliberal?. Revista Eure
(Santiago), v. 20, n. 61, p. 41-56, dic. 1994. 72 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the United Nations conference on environment and
development. Rio de Janeiro: ONU, 1993. 73
ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de; TACHIZAWA, Takeshy; CARVALHO, Ana Barreiros de. Gestão
ambiental: enfoque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Makron Books, 2000. 74 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/
responsabilidade-socioambiental/agenda-21>. Acesso em: 29 out. 2013.
44
A relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente deve, ao menos, ser planejada
de forma harmoniosa, minimizando o risco de impactos negativos. O conceito de
desenvolvimento sustentável trata de uma nova maneira de a sociedade se relacionar com o
ambiente, sem deixar de se preocupar com a garantia da sua própria continuidade. No entanto,
destaca-se que o desenvolvimento econômico faz parte do tripé da sustentabilidade, devendo
este auxiliar e corroborar com o desenvolvimento social e ambiental. Tratar-se-á deste tema a
seguir.
2.3 ASPECTOS DA SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE ATUAL
O Relatório Brundtland apresenta fundamentação crítica ao modelo de
desenvolvimento adotado pelos países desenvolvidos e implantados pelas nações em
desenvolvimento, destacando que um progresso econômico e social cada vez maior não
poderá basear-se na exploração indiscriminada e devastadora da natureza,75
sendo um dos
elementos essenciais do desenvolvimento sustentável o reconhecimento da insustentabilidade
ou inadequação econômica, social e ambiental do padrão de desenvolvimento das sociedades
contemporâneas.76
Os principais objetivos das políticas ambientais e desenvolvimentistas derivadas desse
conceito de desenvolvimento sustentável são: retomar o crescimento como condição
necessária para erradicar a pobreza; alterar a qualidade do crescimento para torná-lo mais
justo, equitativo e menos intensivo em matérias-primas e energia; atender às necessidades
humanas essenciais de emprego, alimentação, energia, água e saneamento; manter um nível
populacional sustentável; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e
administrar o risco; e incluir o meio ambiente e a economia no processo decisório.
O Relatório Brundtland leva a compreensão de que o desenvolvimento sustentável é
um modelo de desenvolvimento socioeconômico com justiça social e em harmonia com o
ecossistema. Sendo o desenvolvimento econômico, social, científico e cultural das sociedades
garantindo qualidade de vida e conhecimento, sem exaurir os recursos naturais do planeta.77
Isso porque se observa neste relatório não somente a preocupação com o atendimento às
75 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 76 BECKER, D. F. (Org.) et al. Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade?. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002. 77 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987.
Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.
Acesso em: 29 out. 2013.
45
necessidades básicas de todos, com a extensão para todos das oportunidades para satisfazer
suas aspirações para uma vida melhor, como também a preocupação com o atendimento às
necessidades humanas essenciais de emprego.
Os autores Haavelmo e Hansen78
declaram que há contradições nas abordagens
efetuadas pelo relatório Relatório Brundtland79
, referente ao desenvolvimento sustentável. De
acordo com eles, a proposição básica de “produzir mais com menos” deste relatório e em
autores que lhe deram sequência, implica aceitar: i) que o padrão de consumo vigente no
mundo industrializado pode ser mantido, expandido e difundido globalmente; ii) que
prevalece o status do consumidor; iii) que a tecnologia será capaz de produzir cada vez mais
utilizando menos recursos.
Já Becker et. al. questiona a quem caberia definir os parâmetros valorativos e políticos
capazes de nortear a integração sistêmica entre diferentes níveis da vida social – entre a
exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a mudança social –,
derivada da noção de desenvolvimento sustentável. Eles perguntam: trata-se de sustentar o
quê? Futuro comum de quem e para quem? Também para esses autores, os esforços dos
organismos oficiais para alcançar uma conceituação de desenvolvimento sustentável capaz de
ser aceita pela maioria dos atores e agentes econômicos não têm sido promissores. Também
não há consenso acerca das vias de crescimento econômico que devem ser seguidas na
perspectiva do desenvolvimento econômico. Conforme Becker et. al. essas vias deveriam
levar em conta aquelas traçadas pelos países mais avançados industrialmente ou as dos países
pobres ou em desenvolvimento?80
O desenvolvimento sustentável enfrenta posicionamentos divergentes como o de
algumas vertentes do ramo da economia ambiental que se dedica ao estudo da inter-relação
entre desenvolvimento socioeconômico e meio ambiente. Para a primeira, os problemas
sociais e ambientais derivados de falhas do mercado tendem a ser resolvidos pelo próprio
sistema, de forma espontânea ou induzida. Para uma segunda vertente, o mercado absorve
somente uma parte dos custos sociais e ambientais, quando exigido por pressão social e
política. A sustentabilidade seria alcançada mediante a subjugação da racionalidade
78 HAAVELMO, T.; HANSEN, S. On the strategy of trying to reduce economic inequality by expanding the
scale of human activity. In: GOODLAND, R. et al. Environmentally sustainable economic development:
building on Brundtland. Paris: UNESCO, 1991, p. 41-50. 79 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987.
Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.
Acesso em: 29 out. 2013. 80 BECKER, D. F. (Org.) et al. Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade?. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2002.
46
econômica à racionalidade ambiental. Uma terceira vertente defende que os custos sociais e
ambientais são inerentes ao funcionamento do sistema capitalista, que, por sua vez, não
poderá deixar de gerá-los, sob pena de aprofundar a tendência da taxa de lucro à queda, com
consequências negativas para a acumulação do capital.81
O desenvolvimento sustentável propõe-se enquanto modelo para todo o planeta, para
atender a todos, sem exceção. No Relatório Brundtland, não há diferenças.82
Os termos
usados são universais: o planeta Terra, os homens, a humanidade.
Suas características principais podem ser resumidas em transformar em utopia o que é
visto de modo negativo, como a poluição, a degradação; manifesta um conteúdo ético,
preocupação com todas as gerações humanas; apazigua as preocupações com relação ao
futuro; abriga as apropriações diversificadas, dada sua flexibilidade; e abre a possibilidade de
revisão dos conteúdos econômicos e sociais na problemática do desenvolvimento.
A sustentabilidade é um modelo de gestão de negócios que visa o retorno financeiro
para os acionistas, envolvendo, e ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico, a
promoção social e a proteção dos recursos naturais do planeta. “Os negócios precisam ser
gerenciados não apenas do ponto de vista financeiro, mas também considerando aspectos
sociais e ambientais”.83
É importante destacar que um projeto de desenvolvimento sustentável deve ser
praticado por todos os indivíduos, não apenas o Estado, daí a necessidade de assegurar a
participação efetiva de todos os seus segmentos.
O Relatório Brundtland aponta que, caso uma via de desenvolvimento se sustente em
sentido físico, teoricamente, ela pode ser experimentada mesmo num contexto social e
político rígido.84
Portanto, ao se definirem os objetivos do desenvolvimento econômico e
social, é preciso levar em conta sua sustentabilidade em todos os países – desenvolvidos ou
em desenvolvimento, com economia de mercado ou de planejamento central.
De acordo com o economista Welford, a sustentabilidade está mais relacionada a
processos do que a resultados tangíveis, sendo os elementos-chave da sustentabilidade: a
equidade (estímulo à participação dos interessados, proporcionando-lhes poder de decisão); a
futuridade (precaução e uso consciente dos recursos); a preservação da biodiversidade; o
81 MONTIBELLER, G. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno
sistema produtos de mercadorias. Florianópolis: EdUFSC, 2004. 82 WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: report, 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=zAUh846RXt>.
Acesso em: 29 out. 2013. 83 ELKINGTON, J. Cannibals with forks. Canada: New Society, 1999, p. 397. 84 WORLD…, op. cit.
47
respeito aos direitos humanos; e a incorporação do conceito de ciclo de vida e
responsabilidade sobre os produtos.85
O’Riordan e Voisey afirmaram que a transição para a sustentabilidade é um processo
permanente, uma vez que a “sustentabilidade pura” nunca será, de fato, alcançada. Dentro
dessa perspectiva, os autores identificam os vários estágios da sustentabilidade, variando em
uma escala que vai de sustentabilidade muito fraca, implicando pequenas mudanças de
práticas ambientais, até sustentabilidade muito forte, mais inclusiva, autossustentada e que se
preocupa em envolver as pessoas afetadas pelos processos produtivos nas decisões.86
A
sustentabilidade envolve, portanto, educação, mudança cultural e consideração dos interesses
coletivos nas decisões.87
Conforme Serageldin88
, os esforços no sentido de identificar as implicações
operacionais da sustentabilidade só atingirão seus objetivos com a integração dos pontos de
vista econômico, ecológico e social. Isto porque todas as atividades comerciais e econômicas
estão inseridas em sistemas ecológicos e sociais mais amplos e deles dependem
fundamentalmente, devendo ser ressaltado que se um aspecto for comprometido a estabilidade
dos outros elementos inter-relacionados estará ameaçada.89
Ressalta-se que a sustentabilidade está também associada ao tipo de negócio e à sua
relação com os recursos naturais e com o contexto social. As empresas que, pela sua natureza,
são consumidoras intensivas de recursos naturais, energia ou água e aquelas atividades que
implicam altos riscos para as populações ou geram grandes impactos ambientais ou sociais
(ex. usinas nucleares, indústria de cigarro), sem uma profunda transformação na sua forma de
produzir ou das características dos seus produtos, teriam maiores dificuldades de se enquadrar
no conceito de sustentabilidade.90
As definições de sustentabilidade no contexto de desenvolvimento sustentável são
muito amplas, comportando diversas interpretações, de acordo com a perspectiva e os
interesses envolvidos na análise. Dentre as diferentes abordagens identificam-se os seguintes
modelos conceituais que servem como base para as estratégias de gerenciamento em busca da
85 WELFORD, R. J. Hijacking environmentalism: corporate responses to sustainable development. London:
Earthscan, 1997. 86 O’RIORDAN, T.; VOISEY, H. The political economy of the sustainability transition. In: The transition to
sustainability: the politics of agenda 21 in Europe. London: Earthscan, 1998, p. 3-30. 87 MARINHO, M. M. O. A sustentabilidade, as corporações e o papel dos instrumentos voluntários de gestão
ambiental: uma reflexão sobre conceitos e perspectivas. Bahia Análise & Dados, v. 10, n. 4, p. 342-349, 2001. 88 SERAGELDIN, I. The fortune at the bottom of the pyramid. In: Finanças e Desenvolvimento, 1993, p. 6-10. 89
WAAGE, Sissel. Uma reavaliação dos negócios a partir de uma perspectiva sistêmica: a mudança para
empresas e serviços financeiros pautados na sustentabilidade. Reflexão, São Paulo, ano 5, n. 12, jul. 2004, p. 24. 90 MARINHO, op. cit.
48
sustentabilidade das organizações: Tripé da sustentabilidade (The Triple Botton Line); Modelo
dos capitais; The Natural Step (TNS) e Capitalismo natural.
Em artigo publicado na Revista Brasil Sustentável, para a conquista da
sustentabilidade, “é necessário que se combinem três requisitos, que se aplicam tanto aos
indivíduos, como às organizações: capacidade de antevisão, estratégia e implementação”.91
Em continuidade ao estudo sobre sustentabilidade, apresenta-se no próximo item
definição e contribuições doutrinárias a respeito do desenvolvimento sustentável e a
necessidade eminente de sua efetivação.
2.3.1 Sustentabilidade e Direito Econômico
A Constituição Federal de 1988, em seu Título VII, Capítulo I, no artigo 170,
apresenta os Princípios Gerais da Atividade Econômica, que devem pautar a “ordem
econômica”, baseada na valorização da dignidade da pessoa humana, no trabalho humano, na
livre iniciativa e na justiça social, observados os seguintes princípios: I) soberania nacional;
II) propriedade privada; III) função social da propriedade; IV) livre concorrência; V) defesa
do consumidor; VI) defesa do meio ambiente; VII) redução das desigualdades regionais e
sociais; VIII) busca do pleno emprego; IX) tratamento favorecido para as empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no
país. O entendimento destes princípios são necessários para entender os argumentos à respeito
dos transgênicos.
Deve-se destacar que a Constituição de 1988 é dirigente, ou seja, o conjunto de
diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem realizados pela sociedade e pelo Estado,
conferem a ela o caráter de plano global normativo. Portanto, constitui um norte para o futuro,
um objetivo a alcançar, cuja forma está previamente estabelecida. Cabe ao Estado observar
estes parâmetros ao regular a atividade econômica no país. Entre todos os princípios citados, o
que está elencado no inciso VI, a defesa do meio ambiente, é o que mais se aproxima da
temática proposta no presente trabalho, e merecerá maior atenção.
A valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho
consubstanciam cláusulas principiológicas que objetivam a conciliação e composição entre
capital e trabalho, portam em si evidentes potencialidades transformadoras. O trabalho
humano é consagrado como objetivo a ser valorizado, pois a ordem econômica dá prioridade
91 ALMEIDA, Álvaro. O planeta cobra juros. Entrevista com Eduardo Giannetti da Fonseca. Revista Brasil
Sustentável, Rio de Janeiro, v. 16, p. 26-29, set./out. 2007.
49
aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.
No seu art. 1º, alínea i, do inciso IV, a Constituição de 1988 enuncia como fundamento
da República Federativa do Brasil o valor social da livre iniciativa; no art. 170, caput, afirma
dever estar a ordem econômica fundada na livre iniciativa; e mais, neste mesmo artigo, refere
como um dos princípios da ordem econômica a livre concorrência. Desta forma, a livre
iniciativa é notada como um princípio socialmente válido e necessário.
Livre iniciativa é termo amplo, que expressa desdobramento da liberdade. Assim,
considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como
reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade social e
econômica), descreve-se a liberdade como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de
conduta e de resultado. Pois não se pode chamar de livre aquele que nem ao menos sabe de
sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento (sensibilidade);
também não se pode chamar de livre aquele ao qual tal acesso é negado (acessibilidade).
Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou liberdade de
iniciativa econômica, sendo a empresa a titular. Nesta concepção, inúmeros sentidos podem
ser divisados no princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e
indústria e enquanto liberdade de concorrência.
A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas
também pelo trabalho. A livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso
mesmo, colaboradora da valorização do trabalho, do trabalho livre, em uma sociedade livre e
pluralista.
A livre concorrência é pela Constituição de 1988 erigida à condição de princípio.
Como tal contemplado no art. 170, i, IV compõe o grupo dos “princípios da ordem
econômica”.
O parágrafo único deste mesmo artigo 170 assegura a todos, o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei. Tal dispositivo legal lança as bases para uma economia informal,
que vêm suplantando a economia que está sob o manto do Estado, gerando milhares de
empregos. A liberdade de iniciativa econômica é a garantia da legalidade, pois liberdade de
iniciativa é liberdade pública precisamente ao expressar não sujeição a qualquer restrição
estatal senão em virtude de lei.
O princípio da justiça social, assim, conforma a concepção de existência digna cuja
realização é o fim da ordem econômica e compõe um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil (art. 1º, i, III).
50
A justiça social é expressão que, no contexto constitucional, não designa meramente
uma espécie de justiça, porém um dado ideológico, pois o termo social não é adjetivo que
qualifique uma forma ou modalidade de justiça, mas que nela se compõe como substantivo
que a integra. Não há como fugir, assim, à necessidade de se discernir sentido próprio na
expressão, naturalmente distinto daquele que alcançamos mediante a adição dos sentidos,
isolados, dos vocábulos que a compõem.92
Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a
nível pessoal, do produto econômico. Passa a conotar cuidados, referidos à repartição do
produto econômico, inspirados em razões micro e macroeconômicas que se referem as
correções na injustiça da repartição. Deixa de ser apenas uma imposição ética, passando a
consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista. A posição ocupada pelo
princípio na Constituição de 1988, como determinante da concepção de existência digna lhe
confere extremada relevância enquanto conformador, também, de todo exercício de atividade
econômica.93
A soberania nacional, assim como os demais princípios elencados nos incisos do art.
170, consubstancia, concomitantemente, instrumento para a realização do fim de assegurar a
todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado.
A Constituição cogita, aí, da soberania econômica, o que faz após ter afirmado,
excessivamente a soberania política, no art. 1º, como fundamento da República Federativa do
Brasil, e, no art. 4º, i, I, a independência nacional como princípio a reger suas relações
internacionais. A afirmação da soberania nacional econômica não supõe o isolamento
econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia e da sociedade, além da
ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades desenvolvidas. Portanto,
afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a realização do fim de
assegurar a todos existência digna e como objetivo particular a ser alcançado é definir
programa de políticas públicas voltadas a viabilizar a participação da sociedade brasileira, em
condições de igualdade, no mercado internacional.
A soberania política dificilmente sobrevive se não se completar com a soberania do
ponto de vista econômico. As políticas econômicas a serem adotadas devem levar o Estado a
firmar sua posição de soberania independente frente aos demais Estados. A soberania
nacional, aqui focalizada, decorre da autonomia conseguida pelas pessoas que integram a
Nação. Não se pode falar de soberania da nação se os indivíduos que a compõem são
92 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 119. 93 Id., Ibid., Loc. cit.
51
incapazes de reger-se por um padrão de vida digno de uma pessoa humana.94
O princípio da soberania, ao lado dos princípios da igualdade e da solidariedade,
integra os chamados princípios fundamentais do direito internacional do desenvolvimento.
Como tal, ele é defendido pelos países do chamado Terceiro Mundo, como instrumento de
implementação dos princípios da não-intervenção e de não-agressão.
A soberania, quer política, quer econômica, vem encontrando limites em sua
conceituação e extensão a partir da implantação, e principalmente da solidificação, dos
Mercados Comuns. A soberania é hoje vista como integrada aos princípios consagrados pela
ordem jurídica internacional.
Os incisos II e III do art. 170 enunciam como princípios da ordem econômica,
respectivamente, a propriedade privada e a função social da propriedade. Também são
princípios constitucionais impositivos que reivindicam a realização de políticas públicas para
que os objetivos listados sejam alcançados. Pressuposto necessário da função social da
propriedade é a propriedade privada. A ideia de função social como vínculo que atribui à
propriedade conteúdo específico, de sorte a moldar-lhe um novo conceito, só tem sentido e
razão de ser quando a referida propriedade for privada.95
A propriedade, disposta no texto constitucional, art. 5º, i, XXII, e no art. 170, i, III
constitui-se em um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens.
Desta forma, cumpre distinguir a propriedade de valores mobiliários, a propriedade literária e
artística, a propriedade industrial, a propriedade do solo (rural, urbano e subsolo), sendo nesta
última que incidirão estas concepções.
O inciso III do artigo 170 deve ser visto em consonância, com o disposto no inciso
XXIII do art. 5º. O princípio da função social da propriedade passou a integrar os textos
constitucionais desde 1934, contrariando o direcionamento do liberalismo impresso nos textos
de 1824 e 1891 em que se garanta o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Nas
palavras de Giorgianini, a fundamentação:
[...] Neste contexto traçado pela Constituição, não restam dúvidas de que estamos
muitos distantes daquele Estado abstencionista, fundado no pressuposto ideológico
de que a garantia do interesse individual pelo próprio interessado através do exercício de sua autonomia privada é a força motriz do bem-estar social. Ao
contrário, no atual quadro constitucional, a atividade econômica privada por
excelência, está condicionada à realização de finalidades que importam à
coletividade (e não à soma, repartida, dos indivíduos), como seja a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I), que assegure ‘a todos a existência
digna, conforme os ditames da justiça social’ (art. 170, caput). São os princípios
94 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 120. 95 Id., Ibid., Loc. cit.
52
acima identificados que conferem à intervenção do Estado nas relações econômicas, intersubjetivas "um sentido de unificação e de coerência [...].96
O constituinte garante a liberdade de concorrência como forma de alcançar o
equilíbrio entre os grandes grupos e o direito de estar no mercado também para as pequenas
empresas. Os textos constitucionais se preocupavam em reprimir o abuso do poder
econômico.
O parágrafo único do artigo 170 assegura a todos, o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei. Tal dispositivo legal lança as bases para uma economia informal, que vêm
suplantando a economia que está sob o manto do Estado, gerando milhares de empregos. De
acordo com Gasparini97
, este preceito tem relevância normativa menor, a liberdade de
iniciativa econômica é a garantia da legalidade, pois esta é liberdade pública ao expressar não
sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei. O que esse preceito pretende
introduzir no plano constitucional é a sujeição ao princípio da legalidade em termos absolutos,
da imposição, pelo Estado, de autorização para o exercício de qualquer atividade econômica.
Outro dos princípios da ordem econômica é o da defesa do consumidor (art. 170, i, V).
A este princípio confere a Constituição, desde logo, concreção nas regras inscritas nos seus
arts. 5º, i, XXXII, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, art. 24, i,
VIII e 150, § 5º. A par de consubstanciar a defesa do consumidor, um modismo modernizante
do capitalismo, a ideologia do consumo contemporizada afeta todo o exercício de atividade
econômica, inclusive tomada à expressão em sentido amplo, como se apura da leitura do
parágrafo único, i, II, do art. 175.
A proteção ao consumidor protege-o dentro de uma perspectiva microeconômica e
microjurídica; mas ao Estado interessa, também como uma das formas de preservar e garantir
a livre concorrência, proteger o consumidor mediante a adoção de políticas econômicas
adequadas.
No Brasil, na linha dessa conduta, o princípio constitucional da defesa do consumidor
veio tomar corpo no art. 4º da Lei n. 8.078/90, estabelecendo os parâmetros da Política
Nacional de Relações de Consumo, e fixando os princípios que deverão nortear o Estado na
implementação dessa política.
O artigo 170, i, VI dispõe sobre a defesa do meio ambiente como um dos princípios da
96 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e os seus atuais confins. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 87,
n. 747, p. 35-55, jan. 1998. 97 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 122.
53
ordem econômica. Esse princípio constitui-se numa limitação ao uso da propriedade, pois visa
colocar a atividade industrial ou agrícola nos limites dos interesses coletivos. Tal princípio
está em sintonia com os objetivos estabelecidos no art. 225 da CF de 1988.
Ao inserir no texto constitucional, o princípio garantidor da defesa do meio ambiente
está tornando-se um eco das preocupações internacionais a respeito do assunto. Em 1972,
quando da realização da Conferência de Estocolmo, como determinado na Resolução n. 2.398
da ONU, estabeleceu-se a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o meio
ambiente humano.
Em 1985, a Assembleia Geral das Nações Unidas atribuiu ao Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) a tarefa de estabelecer as estratégias a serem
adotadas para proteção do meio ambiente. Para tanto, foi criada uma Comissão, presidida pela
Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Tal Comissão publicou em 1987 um
relatório, que ficou conhecido como Relatório Brundtland, no qual se destacava o princípio
que se firmou como o do desenvolvimento sustentável.
Em 1988, pela Resolução n. 43/196, a XLIII Sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas decidiu realizar até 1992 uma conferência sobre meio ambiente. O Brasil se ofereceu
para sediar o evento. Realizou-se, então, no Rio de Janeiro, no período de 3 a 14 de junho de
1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Desta
conferência surgiu a Declaração do Rio de Janeiro, com 27 princípios, que instituiu o
princípio da precaução como norma de Direito Ambiental Internacional. Dez anos mais tarde,
em 2002, realizou-se a Conferência de Johanesburgo (África do Sul), que avaliou as políticas
das nações a partir da Eco-92.
Entretanto, percebe-se que a economia de mercado acaba privilegiando a manutenção
dos níveis de produção, industrialização e consumo em detrimento de políticas que assegurem
o bem-estar e a manutenção da qualidade de vida e dignidade das gerações presentes e
futuras. Um exemplo é o fato dos Estados Unidos da América (EUA) não se submeterem ao
Protocolo de Kyoto, que prioriza a redução da emissão de poluentes e dá prazo para que isso
ocorra.
Verificada a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica,
condiciona-se a atividade produtiva ao respeito ao meio ambiente, possibilitando ao Poder
Público interferir incisivamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a
biodiversidade e os elementos naturais, além de garantir um meio ambiente ecologicamente
equilibrado para as gerações futuras. Nas palavras de Ferreira Filho, citado por Mukai:
54
A primeira observação que eu faria a esse propósito é que a ordem econômica
estabelecida pela atual Constituição é extremamente ambígua. E é exatamente aqui
que nós temos os melhores exemplos de como, selecionando princípios, faremos a
Constituição dizer uma coisa ou dizer outra. É claro que isto não é a boa regra, mas,
na prática forense, isso se faz com freqüência [sic]. Vejam os senhores que há uma
contradição de princípios no texto da Constituição, particularmente, no que concerne
à ordem econômica, o que, na verdade, já provocou grandes controvérsias entre
ilustres juristas.98
Desta forma, para que o cumprimento do princípio maior elencado pelo legislador de
1988 seja efetivo, ou seja, para que a democracia econômica e social seja implementada, faz-
se necessário compatibilizar todos os princípios elencados pelo artigo 170, que se encontram
no mesmo pé de igualdade. Para tanto, a observância do princípio da proporcionalidade dos
meios aos fins há que ser observada, além da “obrigação de ponderação” dos interesses
contrapostos, com a garantia de que todos os princípios sejam observados, de maneira que não
se anulem uns aos outros.99
Visualiza-se que os princípios gerais da ordem econômica devem compatibilizar o
desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente.
Em sua Tese de Doutorado, a professora Campello, assim menciona:
O direito ao meio ambiente representa, na atualidade, o marco histórico para um
redirecionamento das relações do homem com seu entorno. Enquanto pilar dos
direitos de terceira geração, a solidariedade pode redundar na racionalização da
utilização dos recursos naturais e na substituição do modelo de crescimento
desenfreado com vistas ao desenvolvimento sustentável, na medida em que
fundamenta a progressiva ampliação e concretização das normas de proteção
ambiental.100
Quando o Poder Público, visando um incremento no agronegócio nacional, permite o
cultivo e a comercialização de OGMs, sem a observância do estudo de impacto ambiental,
está cometendo um grave erro, que não se coaduna com a democracia econômica e social. No
Brasil, as políticas públicas têm se utilizado de argumentos enganosos para colocar a busca do
desenvolvimento econômico em primeiro plano, relegando a defesa do meio ambiente a uma
posição secundária.
Pela intelecção dos dispositivos constitucionais relativos à ordem econômica, impõe-
se a compatibilização entre estes interesses, e não a supremacia de um sobre o outro.
Entretanto, se houver um conflito real, há que se efetuar uma ponderação de interesses, como
salienta Mukai:
98 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 30. 99
Id., Ibid., p. 33. 100 CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio. Mecanismos de controle e promoção do cumprimento dos tratados
multilaterias ambientais no marco da solidariedade internacional. São Paulo. 2013. p. 54-55. Disponível em
http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16503. Acesso em 24 fev. 2014.
55
A ‘obrigação de ponderação’ dos diferentes interesses, no momento de se planificar
o território ou de se legislar para a ordenação deste, é saliente no Direito alemão.
A ‘obrigação de ponderação’ deve conduzir uma fusão e a um entrelaçamento de
todos os interesses relevantes atingidos pelo plano, que é um procedimento de
ponderação, ele mesmo, e uma determinação do peso relativo dos interesses a
ponderar.
[...]
Todavia, é importante sublinhar que nós estamos refletindo sobre a contraposição de
princípios constitucionais, expressamente contemplados pela Constituição brasileira
de 1988. Por essa razão, a ‘obrigação de ponderação’, no nosso caso, não pode ir a
ponto de preferir (e preterir) um princípio em detrimento de outro. A ponderação, no caso, deve permanecer no nível da adequação, da harmonização e
da justa medida e dos sacrifícios dos interessados, sem aniquilar as atividades
econômicas, de um lado, e sem causar prejuízos à defesa do meio ambiente, de
outro. O fio condutor da ‘obrigação de ponderação’ deverá ter, entre nós, esse
parâmetro de decisão em face dos eventuais conflitos entre aqueles princípios.101
Portanto, nunca poderá preterir os preceitos relativos à proteção ambiental em
benefício de um desenvolvimento econômico que não se atenha aos princípios constitucionais
que garantem o bem-estar e a qualidade de vida, bem como a dignidade humana, além de
proteger os recursos naturais e o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações
presentes e futuras. O desenvolvimento econômico deverá ser sustentável, com a
compatibilização da livre concorrência e do direito à propriedade com os princípios de defesa
do meio ambiente. No próximo item verifica-se a importância de exercer a sustentabilidade
em consonância com a saúde pública, iniciando o debate sobre os transgênicos.
2.3.2 Sustentabilidade e Saúde Pública
O direito à saúde, à qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
são elementos do conceito e dos objetivos do desenvolvimento sustentável. É inegável o fato
de que as condições ambientais são fatores fundamentais e estritamente relacionado com a
qualidade de vida dos seres humanos. O direito à vida e à saúde, só podem ser exercidos de
maneira plena, se envoltos em um meio ambiente que seja capaz de proporcionar condições
mínimas para a existência do ser humano.
A preservação de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é condição
inexorável de subsistência da espécie humana. Mediante a proteção da qualidade de vida do
ser humano, abrange-se o conceito de saúde, que é um direito de personalidade individual do
ser humano.
Ressalta-se, portanto, que o conceito de saúde deve ser compreendido de forma ampla,
101 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 34-
35.
56
não se referindo somente à ausência de doenças, mas sim ao completo bem-estar físico,
mental, social e ambiental de um indivíduo. Nesse sentido, é a orientação que se extrai da
disposição contida no artigo 3º da Lei n. 8.080/90, que regula em todo país as ações e serviços
de saúde, assevera que "a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda,
a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais".
O artigo 3º, portanto, considera o meio ambiente como um dos vários fatores
condicionantes para a saúde, além de prever uma série de ações integradas relacionadas à
saúde, meio ambiente e saneamento básico. Desta forma, o termo "saúde" engloba uma série
de condições que devem estar apropriadas para a manutenção e desenvolvimento do bem-
estar e da qualidade de vida dos seres humanos, o que inclui a garantia de um meio ambiente
equilibrado.
A Constituição Federal, em seu artigo 225, vislumbra a interação obrigatória entre
meio ambiente e saúde humana. Tal artigo assevera que: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações". Portanto, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é
essencial à sadia qualidade de vida e, por extensão, à própria saúde humana.
Também no artigo 200 da Constituição Federal de 1988 pode-se verificar a intrínseca
relação entre meio ambiente e saúde, visto que entre as atribuições do Sistema Único de
Saúde (SUS), encontra-se a obrigatoriedade de colaborar com a proteção do meio ambiente
(inciso VIII). Até mesmo a Política Nacional do Meio Ambiente, exteriorizada na Lei
6.938/1981, em seu artigo 2º, assegura o objetivo da preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental favorável à vida e, portanto, à saúde, com o intuito de assegurar
condições ao desenvolvimento socioeconômico e à proteção da dignidade humana. Na própria
definição de poluição contida na lei, vislumbra-se a ligação entre meio ambiente e saúde.
Na interpretação biotecnológica da adoção da transgenia, a manutenção do direito à
saúde e à vida engloba a questão da segurança alimentar, um direito difuso que está sendo
afrontado com a recente utilização dos produtos geneticamente modificados destinados ao
consumo humano e animal. Ademais, para que estes direitos se consolidem, é necessária uma
convivência harmoniosa com a natureza, de modo a garantir uma sustentabilidade física,
química e biológica frente às interações do ser humano com o meio natural.
Para que o prolongamento e a manutenção da vida do ser humano contemporâneo
sejam possíveis, pressupõe-se uma convivência harmoniosa com as outras espécies, de modo
57
que o ser humano seja realmente inserido num conceito sistêmico, no qual a interdependência
entre as diversas espécies que habitam a Terra seja reconhecida e respeitada. Tal concepção,
para ser formulada, necessita de uma revisão paradigmática do conceito antropocêntrico, no
qual o homem racional é senhor da natureza e se utiliza dela de forma indiscriminada e
irresponsável.
No atual contexto mundial, marcado pela globalização geopolítica, pela economia de
mercado e pela era da informação, as relações comerciais dinamizaram-se e exponenciaram-
se de modo a transformar o modelo capitalista de desenvolvimento numa intrincada teia de
organismos multilaterais e empresas transnacionais, que fragmentarizam o território mundial
em mercados produtores e consumidores, além de ditarem as políticas públicas de diversos
Estados, principalmente dos subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que tem sua soberania
política, econômica, cultural e social ameaçadas por este modelo de exclusão, que,
historicamente, desde a fase mercantil, foi responsável pelo alargamento das desigualdades
sociais e uma intensa degradação ambiental.
Hodiernamente, vive-se em um contexto onde se baseia na existência de um modelo
de desenvolvimento que prima pelo individualismo e pela apropriação privada dos bens e
recursos naturais.
Apenas a formulação de um conceito de desenvolvimento sustentável que opte por
uma acepção humanizada e social do capitalismo, bem como a plena inserção do ser humano
no ecossistema terrestre seria capaz de reverter o quadro autodestrutivo e autofágico que o
capitalismo vem apresentando, principalmente nos dois últimos séculos. Tal análise pressupõe
uma suplementação do modelo antropocêntrico atual, que além da fundamentação baseada no
princípio da dignidade da pessoa humana, deve pautar sua interpretação numa abordagem
sistêmica, que propicie uma reformulação dos parâmetros econômicos, sociais, ambientais,
jurídicos e humanos do conceito. Em continuidade com a importância da visão do todo,
abaixo verifica-se que todos estão interligados e toda ação ou omissão influencia todo o
planeta.
2.3.3 Sustentabilidade e a Teia da Vida
Todos estão interligados, por isso a prática ou a omissão de alguém influencia a todos.
Para que haja sustentabilidade é necessário o comprometimento de todo ser humano.
Conforme Capraquando entende-se a interdependência ecológica também entende-se
relações. Isso determina as mudanças de percepção que são características do pensamento
58
sistêmico - das partes para o todo, de objetos para relações, de conteúdo para padrão.102
Uma
comunidade humana sustentável está ciente das múltiplas relações entre seus membros. Nutrir
a comunidade significa nutrir essas relações. Preservar o meio ambiente significa preservar
vidas.
Portanto, entende-se que para que o mundo seja sustentável é essencial que todos
participem deste processo. Como todos estão interligados, as ações influenciam a todos e,
dependem destas ações a sustentabilidade das gerações presentes e, principalmente, as
gerações futuras.
Segundo Capra103
sustentabilidade é a consequência de um complexo padrão de
organização que apresenta cinco características básicas: interdependência, reciclagem,
parceria, flexibilidade e diversidade. Ele sugere que, se estas características, encontradas em
ecossistemas, forem 'aplicadas' às sociedades humanas, essas sociedades também poderão
alcançar a sustentabilidade.
Para Capra, "sustentável" não se refere apenas ao tipo de interação humana com o
mundo que preserva ou conserva o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais
das gerações futuras, ou que visa unicamente à manutenção prolongada de entes ou processos
econômicos, sociais, culturais, políticos, institucionais ou físico-territoriais, mas uma função
complexa, que combina de uma maneira particular cinco variáveis de estado relacionadas às
características acima. Capra exemplifica:
Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos
levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas
sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por
exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for
reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala
massiva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente
combina-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das
comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou a característica mais
importante da era pós-guerra fria.104
Para que a sociedade una-se novamente a teia da vida deve construir, nutrir e educar
comunidades sustentáveis, nas quais pode-se suprir vontades e necessidades sem
impossibilitar as chances das gerações futuras. Para realizar essa tarefa, pode-se aprender
valiosas lições extraídas do estudo de ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de
plantas, de animais e de microrganismos. Para compreender essas lições, é necessário
102 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Idesa, 2003, p. 232. 103 Id. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 25. 104 Id. Ibid., p. 23.
59
aprender os princípios básicos da ecologia.
É necessário que todos se tornem, por assim dizer, ecologicamente alfabetizados. Ser
ecologicamente alfabetizado, ou 'eco-alfabetizado', significa entender os princípios de
organização das comunidades ecológicas (ecossistemas) e usar esses princípios para criar
comunidades humanas sustentáveis. Precisa revitalizar as comunidades - inclusive as
comunidades educativas, comerciais e políticas - de modo que os princípios da ecologia se
manifestem nelas como princípios de educação, de administração e de política.
O impacto da nova economia no bem estar do ser humano, capitalista e neoliberal, tem
sido negativo até o presente momento. Esta economia não praticou os princípios da
sustentabilidade e não houve preocupação com a teia da vida, onde toda ação influencia o
todo. Enriqueceu a elite global de especuladores financeiros, empresários e profissionais de
alta capacitação técnica, mas as consequências sociais e ambientais no seu todo, tem sido
desastrosas, além da ênfase na desigualdade social. Conforme Capra:
A fragmentação e a individualização do trabalho e o gradativo sucateamento das instituições e leis de bem-estar social, que cedem à pressão da globalização
econômica, significam que a ascensão do capitalismo global tem sido acompanhada
por uma desigualdade e uma polarização social crescentes. O abismo entre os ricos e
os pobres aumentou significativamente, tanto em nível internacional quanto dentro
de cada país.105
Nos últimos anos, o impacto social e ecológico da globalização vem sendo discutido
extensivamente por acadêmicos e líderes comunitários. Suas análises demonstram que a nova
economia está produzindo uma resultante de consequências interligadas e de consequências
danosas – aumentando a desigualdade social e a exclusão social, um colapso da democracia,
deterioração mais rápida e abrangente do ambiente natural e ascensão da pobreza e alienação.
O novo capitalismo global ameaça e destrói as comunidades locais por todo o globo; e
amparado em conceitos de uma biotecnologia deletéria, invadiu a santidade da vida ao tentar
mudar diversidade em monocultura, ecologia em engenharia, e a própria vida numa
commodity.
Torna-se cada vez mais claro que o capitalismo global na sua forma atual é
insustentável e necessita ser fundamentalmente replanejado. Os acadêmicos, líderes
comunitários e ativistas populares, no mundo todo, precisam erguer suas vozes, exigindo o
“virar do jogo” e sugerindo as maneiras concretas de fazê-lo, como explicita Capra:
105 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Idesa, 2003, p. 155.
60
A meta central da teoria e da prática econômica atual – a busca de um crescimento econômico contínuo e indiferenciado – é claramente insustentável, pois a expansão
ilimitada num planeta finito só pode levar à catástrofe. Com efeito, nesta virada de
século, já está mais do que evidente que nossas atividades econômicas estão
prejudicando a biosfera e a vida humana de tal modo que, em pouco tempo, os danos
poderão tornar-se natural.106
O mercado global, como é conhecido, é na verdade uma rede de máquinas
programadas de acordo com o princípio fundamental que gerar dinheiro deve preceder os
direitos humanos, democracia, proteção ambiental ou qualquer outro valor. Entretanto, as
mesmas redes eletrônicas de financiamento e fluxo da informação poderiam incorporar outros
valores, neles inseridos. O ponto crítico não é tecnologia e sim política. Pois observa-se que
os interesses políticos se sobrepõe a tudo, inclusive a sobrevivência da humanidade.
Atualmente os principais projetos políticos objetivam o marketing e não ações efetivas de
sustentabilidade. No próximo item, apresenta-se pesquisa sobre o tripé da sustentabilidade
onde ratifica-se que é necessário que haja o desenvolvimento econômico e social, no entanto
estes devem ser efetuados observando os principais elementos da sustentabilidade e da
preservação ambiental.
2.4 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE (THE TRIPLE BOTTON LINE)
Em consonância com o Tripé da Sustentabilidade as empresas não são focadas apenas
no valor econômico que produzem, mas também nos valores ambientais e sociais que
produzem ou destroem. Neste sentido, muitas empresas falham em não reconhecer que o
sucesso financeiro não é igual ao sucesso econômico, e que as suas escolhas econômicas são
críticas para a realização de resultados social e ambiental, uma vez que, por natureza, o pilar
econômico é intrinsecamente ligado aos pilares sociais e ambientais.107
No tripé estão contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem
interagir, de forma holística, para satisfazer o conceito. Anteriormente, uma empresa era
sustentável se tivesse economicamente saudável, ou seja, tivesse um bom patrimônio e um
lucro sempre crescente, mesmo que houvesse dívidas. Para um país, o conceito incluía um
viés social. O desenvolvimento teria que incluir uma repartição da riqueza gerada pelo
crescimento econômico, seja por meio de mais empregos criados, seja por mais serviços
106 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Idesa, 2003, p. 157. 107
MONAGHAN, P.; SABATER, C.; WEISER, J. Business and economic development: the impact of corporate
responsibility standards and practices. Disponível em: <www.accaglobal.com/pdfs/environment/
newsletter/060303_bus_ed.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2003.
61
sociais para a população em geral. Esse critério, na maioria das vezes, é medido pelo Produto
Interno Bruto (PIB) do país, o que para o novo conceito é uma medição limitada. A perna
ecológica do tripé trouxe, então, um problema e uma constatação. Se os empresários e os
governantes não cuidassem do aspecto ambiental podiam ficar sem matéria-prima e talvez,
sem consumidor, além de causarem danos ambientais.
A dimensão econômica da sustentabilidade refere-se aos impactos da organização
sobre as circunstâncias econômicas de seus stakeholders e os sistemas econômicos nos níveis
local e global. Assim, o desempenho econômico engloba todos os aspectos das interações
econômicas da organização, incluindo as medidas tradicionais usadas na contabilidade
financeira e os valores intangíveis que não aparecem sistematicamente nas citações
financeiras.
Essencialmente, a ideia do tripé da sustentabilidade é que as empresas obtenham sua
licença para operar não somente satisfazendo os seus acionistas através de lucros e dividendos
(tripé econômico), mas pela satisfação simultânea de outros stakeholders da sociedade
(empregados, comunidades, clientes e outros), através do melhor desempenho nos tripés
ambiental e social.108
Estas três dimensões também são reconhecidas pelo Instituto Ethos109
, fundado em
1998 e referência no mercado brasileiro em responsabilidade social empresarial, que afirma
que o adjetivo sustentável traz ao conceito de desenvolvimento um enorme desafio: conciliar
eficiência econômica, equidade social e equilíbrio ecológico. Por isso, para Veiga110
,
“desenvolvimento sustentável é uma forte expressão utópica que veio para ficar”. Conforme
Sachs111
, precursor do termo ecodesenvolvimento, acrescenta-se, ainda, as dimensões espacial
e a cultural. Segundo Sachs112
:
- Sustentabilidade social – busca o estabelecimento de um padrão de desenvolvimento
que conduza à distribuição mais equitativa da renda, assegurando a melhoria dos direitos das
grandes massas da população e a redução das atuais desigualdades sociais.
- Sustentabilidade econômica – é possível através de inversões públicas e privadas e
da alocação e do manejo eficiente dos recursos naturais para redução dos custos sociais e
108 SIGMA PROJECT – SUSTAINABILITY INTEGRATED GUIDELINES FOR MANAGEMENT. The
SIGMA guidelines. Disponível em: <http://www.projectsigma.co.uk/>. Acesso em: 23 out. 2013. 109 INSTITUTO ETHOS. Critérios essenciais de responsabilidade social empresarial e seus mecanismos de
indução no Brasil. São Paulo: Instituto Ethos, 2006. 110 VEIGA, José Eli da. Do global ao local. Campinas: Armazém do Ipê, 2005, p. 11. 111
SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Nobel,
1993. 112 Id., Ibid.
62
ambientais.
- Sustentabilidade ecológica – entendida como o aumento ou a manutenção da
capacidade de suporte do planeta, mediante intensificação do uso do potencial de recursos
disponíveis, compatível com um nível mínimo de deterioração deste potencial; e a limitação
do uso dos recursos não-renováveis pela substituição por recursos renováveis e, ou,
abundantes e inofensivos.
- Sustentabilidade espacial – busca uma configuração urbano-rural mais equilibrada,
evitando-se a concentração da população em áreas metropolitanas ou em assentamentos
humanos em ecossistemas frágeis.
- Sustentabilidade cultural – garantia da continuidade das tradições e continuidade da
pluralidade dos povos.
Barbieri e Lage113
acrescentam uma sexta dimensão a este modelo: a política. Esta é
entendida como o fortalecimento das instituições democráticas e a promoção da cidadania,
devendo relembrar o primeiro capítulo onde declara-se a importância as políticas estatais no
desenvolvimento social e econômico. Dispõe estes autores que é necessário promover os
direitos e as garantias fundamentais do ser humano, dentre elas, a liberdade de expressão, de
associação, de locomoção, de acesso às informações e outras indispensáveis ao
desenvolvimento pessoal e coletivo.
Em termos estratégicos, esse modelo propõe que através de um bom gerenciamento do
seu desempenho e dos seus impactos econômicos, ambientais e sociais, as empresas
aumentam o seu valor a curto e a longo prazo, bem como criam maiores oportunidades e
reduzem riscos.
Os pontos a seguir representam o comportamento e as atitudes essenciais que são
evidenciados nas empresas que buscam gerenciar e reportar de acordo com a linha do tripé da
sustentabilidade:114
- Aceitação de responsabilidade: o modelo é baseado na concepção de que as empresas
são responsáveis não somente pela geração de valor para os acionistas ou proprietários, mas
também para os stakeholders.
- Transparência: as empresas têm a obrigação, dentro dos limites comerciais, de ser
113 BARBIERI, J. C.; LAGE, A. C. Conceitos, problemas e pontos de partidas para políticas de desenvolvimento
sustentável. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO (ENANPAD), 25., 2001, Campinas. Anais... Campinas: ANPAD, 2001. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/evento>. Acesso em: 28 out. 2013. 1 CD. 114 SUGGETT, D.; GOODSIR, B. Triple bottom line measurement and reporting in Australia: making it
tangible. Melbourne: Document Printing Australia (DPA), 2002, p. 50.
63
transparentes em relação às suas atividades e aos seus impactos, além do desempenho
financeiro.
- Operações e planejamento integrados: para a empresa contribuir para a prosperidade
econômica (incluindo o retorno aos acionistas), a qualidade ambiental e o bem-estar social, é
necessário que essas dimensões sejam refletidas no planejamento estratégico.
- Comprometimento com o engajamento dos stakeholders: a interação com os
stakeholders internos e externos é um processo que informa os objetivos do negócio e é
desenvolvido com base em rigorosa pesquisa e diálogo.
- Avaliação e relatório multidimensional: a análise sistemática e a verificação do
desempenho econômico, ambiental e social, em conjunto com uma comunicação estruturada
dos resultados, são os mecanismos mais frequentes para tornar concreto o que a empresa
sustenta, como age e como assume os seus compromissos.
O conceito do tripé da sustentabilidade tornou-se amplamente conhecido entre as
empresas e os pesquisadores, sendo uma ferramenta conceitual útil para interpretar as
interações extra-empresariais e especialmente para ilustrar a importância de uma visão da
sustentabilidade mais ampla, além de uma mera sustentabilidade econômica.
De encontro com este conceito deve-se destacar o tratamento do capital humano de
uma empresa ou sociedade. Além de salários justos e estar adequado à legislação trabalhista, é
preciso cuidar do bem estar dos seus funcionários, proporcionando um ambiente de trabalho
agradável, saúde do trabalhador e da sua família. Também deve-se verificar as consequências
da prática das atividades econômicas nas comunidades.
Também, capital natural de uma empresa ou sociedade é um elemento ambiental do
tripé. Acredita-se que toda atividade econômica tem impacto ambiental negativo. Nesse
aspecto, a empresa ou a sociedade deve pensar nas formas de diminuir esses impactos e repor
ou compensar o que não é possível amenizar. Assim uma empresa que usa determinada
matéria-prima deve planejar formas de repor os recursos ou, se não é possível, diminuir o
máximo possível o uso desse material, assim como saber medir a pegada de carbono do seu
processo produtivo. Além disso, deve ser considerada a adequação à legislação ambiental e a
vários princípios discutidos hodiernamente como o Protocolo de Kyoto.
Esses sistemas têm como filosofia a avaliação e o monitoramento dos efeitos
ambientais, sociais e econômicos das atividades e a participação e a priorização de benefícios
às comunidades sob influência do empreendimento florestal.115
115 GARLIPP, R. C. O boom da certificação: é preciso garantir a credibilidade. Silvicultura, São Paulo, v. 16, n.
60, p. 15-22, 1995.
64
Dentro deste contexto de necessidade de desenvolvimento social, econômico e
ambiental, estuda-se no próximo capítulo os argumentos a respeito dos transgênicos e a
inserção destes alimentos no contexto do tripé de sustentabilidade.
65
3 AS FORMAS DE REGULAÇÃO DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
A biotecnologia é, por muitos, colocada entre as tecnologias mais prometedoras para
as próximas décadas, tendo em conta as importantes descobertas científicas dos últimos anos,
possibilitando novas aplicações no domínio dos cuidados da saúde, da agricultura, da
produção de alimentos, da proteção do meio ambiente, com amplitude mundial.
No domínio agroalimentar, a biotecnologia tem potencial para produzir alimentos de
melhor qualidade e em maior quantidade e com benefícios ambientais através das culturas
agronomicamente melhoradas, uma vez que reduz consideravelmente a utilização de
pesticidas em culturas com resistência modificada. A biotecnologia tem também potencial
para melhorar em outros campos, como na produção de matérias-primas para a indústria ou de
novos materiais, tais como plásticos biodegradáveis e tecidos coloridos naturalmente. Há
também pesquisas para buscar outras formas de gerar energia, como os bicombustíveis
líquidos e sólidos, utilizando-se de materiais como girassol, milho, soja e cana-de-açúcar, que
não prejudicam o meio ambiente e que sejam mais baratos.
Na melhoria do meio ambiente, a biotecnologia contribui com novas formas de
proteção, incluindo a reposição biológica do ar poluído, do solo, da água e dos resíduos, bem
como o desenvolvimento de produtos e processos industriais mais limpos, por exemplo, com
base na utilização de enzimas (biocatálise). Todos esses avanços obtidos a partir de
organismos geneticamente modificados (OGMs).
Em consonância, verifica-se a importância de legislação específica para
regulamentação e controle dos transgênicos no Brasil, destacando também sua importância
econômica e social. Neste diapasão, trata-se neste capítulo de breve histórico de fatos
importantes, envolvendo os transgênicos e das principais leis vigentes no Brasil.
3.1 PRINCIPAIS FATOS HISTÓRICOS: TRANSGÊNICOS NO BRASIL
O investimento do Brasil em pesquisa com transgênicos iniciou-se do começo da
década de 90, quando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) assinou
protocolo de cooperação com a Empresa Monsanto para desenvolver plantas transgênicas, em
particular as variedades de soja.116
Em 1995 foi editada a Lei Federal nº 8.974 criando a
116
LISBOA, Marijane Vieira. Transgênicos no governo Lula: liberdade para contaminar, PUCviva Revista, v. 29,
p. 36-46, set. 2007. Disponível em: <http://antigo.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/
contaminacao-x-coexistencia/transgenicos-no-governo-lula-liberdade-para-contaminar-artigo-de-marijane-
lisboa/>. Acesso em: 02 nov. 2013.
66
CTNBio cujo fim era estabelecer normas para o uso das técnicas de engenharia genética e
liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados.
Em junho de 1998 a Monsanto envia à CTNBio (seu estudo detalhado será efetuado
em item específico), pela primeira vez, um pedido de liberação para cultivo comercial da
semente de soja geneticamente modificada resistente ao herbicida glifosato – a soja RR é
objeto do primeiro pedido para uso de transgênicos em escala comercial – até então, todos os
pedidos haviam sido para cultivos experimentais, e obtém parecer favorável. Em Setembro
deste mesmo ano o Greenpeace e o Instituto de Defesa dos Consumidores (IDEC) ingressam
com Medida Cautelar, com o objetivo de reverter a decisão da CTNBio, uma vez que a
matéria não estava devidamente regulada e não havia sido realizado Estudo (Prévio) de
Impacto Ambiental (EIA).
A Justiça Brasileira concede liminar proibindo a União Federal de autorizar o plantio
comercial da soja transgênica enquanto não fosse regulamentada a comercialização de
produtos GM e não se realizasse o EIA.
Neste momento de embate entre a decisão de um órgão vinculado ao Ministério de
Ciência e Tecnologia (MCT) do Governo Federal e a decisão do Judiciário constitui-se o
momento crítico gerador da controvérsia sobre a liberação comercial de OGMs, sobre a
regulação da matéria e sua interface com a questão ambiental.
Apesar da proibição judicial, a CTNBio, naquele mesmo mês, por 13 votos contra um
decide que não havia razões científicas para interditar a comercialização da soja RR na
medida em que não existiam evidências de risco à saúde humana e ao ambiente.
Apesar do parecer favorável da CTNBio, a ação liminar impetrada na justiça federal
inviabilizou o registro comercial da soja RR junto ao Ministério da Agricultura. A Medida
Cautelar foi reforçada pela proposição de uma Ação Civil Pública (ACP), em outubro de
1998, com o fim de impedir que a CTNBio autorizasse qualquer pedido de plantio de
transgênicos antes da devida regulamentação da matéria e exigência do EIA.
Em Fevereiro de 1999, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), ingressa na ACP defendendo a realização de EIA antes da
liberação comercial de transgênicos no meio ambiente brasileiro. O Instituto foi retirado da
ação através de Medida Provisória, uma vez que o Governo Federal estava nas duas partes do
processo.
Por sua vez, a Monsanto entra com outra medida judicial, solicitando a suspensão da
liminar que impediu a autorização para cultivo e comercialização da soja transgênica. O
Tribunal rejeita o requerimento da Monsanto. A Monsanto e o Governo Federal recorreram
67
contra esta decisão.
Em julho de 1999, o Governo Federal publicou uma nota defendendo o uso de OGM e
alegou que as atividades da CTNBio expressavam a política do governo com respeito à
biossegurança.117
Além do apoio político declarado à liberação comercial dos OGM, durante o período
que vigorou a proibição judicial aos OGM no Brasil, o Governo Federal procurou, por meio
de atos normativos, criar dispositivos legais ad hoc capazes de reforçar o poder decisório da
CTNBio, a fim de garantir a rápida liberação comercial de OGM. No dia 28 de dezembro de
1999, em pleno recesso parlamentar, o Presidente da República assinou a MP nº. 2.137
alterando a Lei de Biossegurança, particularmente no que tange às competências da CTNBio
que passou a ter o poder de deliberar sobre a necessidade de EIA, poder até então atribuído
pela Constituição aos órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente.118
A fim de resolver um tema tão polêmico e urgente, uma vez que haveria uma colheita
significativa de soja GM plantada ilegalmente no estado do Rio Grande do Sul, a partir de
março daquele ano, o Presidente Lula determinou, em fevereiro de 2003, que um Comitê de
nove ministros ficasse responsável pelo aperfeiçoamento da legislação voltada à
regulamentação dos OGM (Decreto nº. 4602/2003).
A controvérsia sócio técnica sobre a regulação da biossegurança no Brasil possuía
caráter não apenas jurídico, mas também econômico e político, na medida em que a
destruição da soja, como previsto na decisão judicial, corresponderia a uma perda estimada de
mais de dez bilhões de dólares.119
Além dos interesses econômicos envolvidos, os argumentos em prol da liberação dos
OGM podem ser sintetizados pela opinião do Deputado Perondi:
A safra mundial de soja transgênica é de 51% e ela cresce na ordem de 20% ao ano
[...]. A transgenia traz benefícios à economia e ao meio-ambiente, uma vez que não
utiliza agrotóxico, o rendimento é maior em um espaço de terra menor e, com isso, a
biodiversidade é protegida.
Seguindo essa mesma linha de argumentos, o então presidente da Federação dos
Agricultores do Rio Grande do Sul – FARSUL, declarou que “quem é contra os
117 MENDES, V.; BECK, M. O Governo sai em defesa dos transgênicos. Biodiversidad en América Latina y El
Caribe, 7 jul. 2000. Disponível em: <http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/5970>. Acesso em: 02
nov. 2013. 118 ZANATTA, M. Velhas polêmicas marcam início da "nova etapa" da CTNBio. Valor Econômico, 12 fev. 2010. Disponível em: <https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/2/12/velhas-
polemicas-marcam-inicio-da-nova-etapa-da-ctnbio>. Acesso em: 02 nov. 2013. 119 A ENCRUZILHADA dos transgênicos. Zero Hora, 6 mar. 2002. Disponível em:
<http://www.webrural.com.br/webrural/artigos/ambiente/commod.asp>. Acesso em: 02 nov. 2013.
68
transgênicos, está atrelado a ideias fundamentalistas e fadadas ao obscurantismo e ao
atraso.120
A saída para este impasse, recomendada pelo comitê interministerial foi a elaboração
de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por meio do qual os fazendeiros que
plantaram ilegalmente a soja GM seriam perdoados desde que se comprometessem a não mais
plantar OGM. O documento foi enviado ao Congresso Nacional como uma MP (MP 113).121
Além do TAC, que permitiu a comercialização da safra de grãos de soja GM até
janeiro de 2004, a MP 113 estabeleceu a destruição dos estoques não comercializados após
essa data, e proibiu o seu uso como sementes.
A tramitação do PL levou a polêmica para o interior do parlamento nacional cujo
embate provou modificações substanciais no texto originalmente proposto. A principal delas
era a definição do caráter apenas consultivo, e não deliberativo da CTNBio.
Houve manifestações de desagrado de representantes dos grupos favoráveis à rápida
liberação dos OGM no país, como a de FERSUL que acusou o Ministério do Meio Ambiente
de dificultar o processo de liberação comercial desses produtos afirmando, “Lastimo que
todas as ações do [Ministério] do Meio Ambiente sejam para dificultar e atrasar os
procedimentos. Como se isso viesse a segurar o avanço da biotecnologia.”122
A nova Lei de Biossegurança (Lei 11.105) foi assinada em março de 2005, com vetos
em sete artigos do texto. Dentre esses, destaque-se o do artigo 11, § 8º: “As decisões da
CTNBio serão tomadas por maioria dos membros presentes à reunião, respeitado o quórum
[mínimo de 14 membros].”
O aspecto mais significativo da nova lei (11.105/05) foi o que deu à CTNBio a
prerrogativa de autorizar a liberação comercial de OGM, submetendo os órgãos de registro e
fiscalização dos Ministérios da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente às suas decisões,
especialmente no que tange às exigências de EIA.
A nova lei de biossegurança foi questionada por duas ADIN propostas pelo
Procurador-geral da República, respectivamente em maio e junho de 2005. A segunda
baseava-se no fato de que a competência do Ministério do Meio Ambiente, de avaliar a
120 PELAEZ, V. O estado de exceção no marco regulatório dos organismos geneticamente modificados no
Brasil: (apresentação oral). Curitiba: UFPR, 2003. Disponível em <http://www.sober.org.br/ palestra/6/848.pdf>.
Acesso em: 03 nov. 2013. 121 MIGNONE, Ricardo. Lula edita MP liberando comercialização da soja transgênica. Folha de São Paulo -
Ciência, São Paulo, 26 mar. 2003. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ ult306u8726.shtml>. Acesso em: 03 nov. 2013. 122 COMEÇA uma nova disputa depois da lei regulamentada. Valor Econômico, 24 nov. 2005. Disponível em:
<http://www.sonoticias.com.br/agronoticias/mostra.php?id=4870>. Acesso em: 03 nov. 2013.
69
necessidade de EIA, não pode ser transferida para a CTNBio, pois essa é uma atribuição
determinada pela Constituição Federal.
Em novembro de 2005, foi sancionado o Decreto Federal nº 5.591, regulamentando a
Lei de Biossegurança, autorizando assim os procedimentos para a escolha e a nomeação dos
membros que iriam constituir a nova CTNBio.
Como visto, a regulamentação dos OGM no Brasil se caracterizou por um intenso
processo de disputas nas três instâncias de poder – Legislativo, Executivo e Judiciário, bem
como junto a diversos setores da sociedade, gerando grande instabilidade institucional que
levou à edição da nova lei de biossegurança.
A CTNBio é uma instância colegiada multidisciplinar criada para compor uma
estrutura administrativa desenhada pela Lei para gerir a Política Nacional de Biossegurança –
PNB. A CTNBio deve ser composta por vinte e sete cidadãos brasileiros de reconhecida
competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e
com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia,
saúde humana e animal ou meio ambiente. Dentre eles, doze serão especialistas de notório
saber científico e técnico e serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a
participação das sociedades científicas. Cada membro terá mandato de dois anos, renovável
por até mais dois períodos consecutivos.
A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de catorze de seus
membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas temáticas. As decisões
da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto
nos processos de liberação comercial de OGM e derivados, para os quais se exigirá que a
decisão seja tomada com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos membros.
A CTNBio reunir-se-á, em caráter ordinário, uma vez por mês e, extraordinariamente,
a qualquer momento, mediante convocação de seu Presidente ou por solicitação
fundamentada subscrita pela maioria absoluta dos seus membros.
O novo marco regulatório, as competências e as regras de funcionamento da nova
CTNBio instituídas não foram suficientes para alcançar a pretendida solução da controvérsia,
como pretendia o governo e os produtores interessados. Desde o início da sua atuação após a
edição da nova Lei da Biossegurança, a CTNBio vem sendo alvo de críticas dirigidas tanto
pela comunidade científica e pela sociedade civil, quanto dos próprios membros em quase
permanente estado de conflito.
Em dezembro de 2009 a CTNBio retoma em pauta a discussão sobre a flexibilização
das regras internas. Os argumentos apresentados foram no sentido da inexequibilidade e
70
desnecessidade do monitoramento após a liberação comercial de OGMs, uma vez que:
“Quando a comissão libera a comercialização de determinado organismo geneticamente
modificado, já afastou riscos ao seu consumo, assim como ao ambiente. Se (os transgênicos)
fizessem mal, os americanos já tinham morrido”.123
Em 2010 realiza-se nova nomeação de membros reafirmando-se polêmicas
semelhantes às gestões anteriores e sob ameaça de nova intervenção do MPF. Já na primeira
reunião do ano, realizada em fevereiro, foram liberadas duas novas sementes de soja GM, sob
denúncia formulada por três dos membros da Comissão apontando a ausência de testes
básicos previstos nas normas.124
Como se pode notar, a controvérsia segue um ritmo constante e cíclico de eventos
conflitivos que não apontam no sentido de uma tomada de consenso ou acordo. Ao contrário,
mantêm-se a posição autoritária dos defensores da liberação acelerada dos OGMs no Brasil
retirando do debate as posições que solicitam transparência, legalidade, participação e a
incorporação de conhecimentos alternativos ao monopólio da primazia do conhecimento
científico nos processos de tomada de decisão.
Observa-se que a adoção do novo marco regulatório foi uma tentativa de tomada de
acordo entre os atores sociais diante da controvérsia central sobre a adoção ou não de OGM
no país, contudo dito acordo não obteve o êxito esperado tendo em vista que se tratou de um
acordo imposto de cima para baixo que deixou de fora da discussão os pontos de vista e
requerimentos com menos força na negociação.
Procedeu-se na verdade uma alteração de sentido da controvérsia, mantendo-se o
conteúdo e o objeto. A discussão passa a centrar-se na competência e na atuação da CTNBio,
isto porque este órgão super poderoso passou a deter, sob o auspício da autoridade absoluta do
conhecimento científico, quase todo o poder decisório sobre a matéria.
O desenrolar do enfrentamento entre Programa e Anti-programa e frente a imperiosa
necessidade de justificação das posições adotadas e decisões tomadas, levou a que os atores
que compõe o Programa, em franca diferença de posição e poder no âmbito da controvérsia,
adotassem estratégias com o fim de fechar o círculo de atores e argumentos legitimados de
modo a fazer valer os seus interesses, sem os obstáculos democráticos participativos e com o
123 ECODEBATE - Redação. CTNBio deve abolir controle de eventuais efeitos adversos de produtos após
liberação comercial. EcoDebate Cidadania e Meio Ambiente, 10 dez. 2009. Disponível em:
<http://www.ecodebate.com.br/2009/12/10/ctnbio-deve-abolir-controle-de-eventuais-efeitos-adversos-de-produtos-apos-liberacao-comercial/>. Acesso em: 03 nov. 2013. 124 ZANATTA, M. Velhas polêmicas marcam início da "nova etapa" da CTNBio. Valor Econômico, 12 fev. 2010.
Disponível em: <https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/2/12/velhas-
polemicas-marcam-inicio-da-nova-etapa-da-ctnbio>. Acesso em: 02 nov. 2013.
71
aval, direto ou indireto, do Estado.
Em reação a esta inversão de sentido e estratégias de ação, contudo, observa-se como
os representantes dos interesses excluídos do debate, no interior da própria CTNBio, lutam e
se articulam com antigos e novos atores emergentes no âmbito da controvérsia, pela
reabertura do debate e da democratização efetiva da Comissão.
Partindo desta referência teórica, podemos analisar a controvérsia científica e técnica
sobre a regulação do tema da biossegurança e o papel da CTNBio, acima mapeada,
determinando a ocorrência de um momento crítico, àquele em que os atores sociais se dão
conta que algo está errado, no contexto de uma ação coletiva125
, quando a CTNBio aprova,
sem EIA ou debate público, a primeira plantação de milho transgênico no Brasil.
3.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal de 1988, artigo 225, parágrafo 1, inciso II e V, estabelece que
para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabe ao
Poder Público, dentre outras atribuições: “preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético e controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
A Constituição Federal de 1988 trata do tema no artigo 225, § 1º, incisos II, IV e V,
que prescrevem as seguintes obrigações do Poder Público para assegurar um meio ambiente
ecologicamente equilibrado:
[...] II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
[...]
IV – exigir, na forma de lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto
Ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente.126
O inciso II do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal, ao estabelecer a
125 BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. A sociologia da capacidade crítica. Tradução de Marcos de Aquino
Santos, a partir do artigo The sociology of critical capacity, publicado em European Journal of Social Theory, v.
2, n. 3, p. 359-377, 1999. Disponível em: <Boltanski+e+Thvenot+-+A+sociologia+da+capacidade+ critica.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2013. 126 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, art.
225.
72
responsabilidade do Poder Público em fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético, tem o intuito de garantir a preservação da integridade do
patrimônio genético do Brasil, obrigando a Administração Pública, por meio de seus diversos
órgãos, a utilizar-se de seu poder de polícia e efetivamente regulamentar, fiscalizar e
responsabilizar qualquer entidade, seja ela pública ou privada, que tenha como atividade, a
produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos ou substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida, e o meio ambiente, como estabelece o inciso V do
artigo citado.
No rol das entidades públicas ou privadas a serem fiscalizadas, estão as universidades,
as sociedades empresárias e não empresárias, as associações, as OSCIPS, as ONG’S, os
movimentos sociais, enfim, qualquer entidade, nacional ou estrangeira, cuja atividade se
caracterize pelas ações de pesquisar e manipular material genético (i, II) ou/e produzir,
comercializar ou empregar métodos, técnicas e substâncias (i, V) que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Estes bens juridicamente protegidos, são
inerentes ao conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do artigo 225).
Entre os instrumentos jurídicos disponíveis para que essa fiscalização obrigatória do
Poder Público, quando alguma das ações citadas acima for potencialmente causadora de
degradação ambiental, seja eficiente e possível, está o Estudo Prévio de Impacto Ambiental,
previsto no inciso IV do mesmo artigo, que tem sido constantemente desrespeitado na
regulamentação do cultivo de OGMs, pois a obrigatoriedade do EPIA não tem sido observada
nestes casos.
3.3 PRINCÍPIOS QUE SUSTENTAM A REGULAMENTAÇÃO DOS
TRANSGÊNICOS
Muito se discute à respeito dos estudos dos princípios jurídicos dentro da teoria geral
do direito e, mais especificamente, no contexto de cada ramo do direito. A doutrina propaga a
conveniência da manutenção dos estudos a respeito dos princípios jurídicos, vez que “a
despeito de que, ao sabor do tempo e do lugar, esses princípios possam provocar
consequências diferentes daquelas imaginadas e queridas por seus idealizadores e, máxime,
pela lei que os adotou.”127
127 NERY JUNIOR. Nelson. Revista de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. v. 3, p.
50.
73
3.3.1 Princípio da Participação Popular
O princípio da participação popular na gestão e no controle da Administração Pública
é atrelado ao conceito de Estado Democrático de Direito, presente no preâmbulo da
Constituição Federal de 1988, proclamado em seu artigo 1º e reafirmado no parágrafo único,
com a regra de que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição", além disso, decorre de várias normas
consagradoras da participação popular em diversos setores da administração pública, em
especial na parte referente à ordem social.
Nas palavras de Di Pietro, a exemplificação: de como se exterioriza o princípio da
participação pública em diversas oportunidades elencadas constitucionalmente, entre elas: a) a
participação de trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus
interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (artigo
10); b) a participação do produtor e trabalhador rural no planejamento e execução da política
agrícola (artigo 187); c) a participação da sociedade e dos Poderes Públicos nas iniciativas
referentes à seguridade social (artigo 194); d) o caráter democrático e descentralização da
gestão administrativa, com participação da comunidade, em especial de trabalhadores,
empresários e aposentados na seguridade social (artigo 194, VII), reafirmado com relação à
saúde (art. 198, III) e à assistência social (artigo 204, II); e) a gestão democrática do ensino
público (artigo 206, VI); f) a colaboração da comunidade na proteção do patrimônio cultural
(artigo 216, § 1º).128
O princípio da participação pública é base do Estado Democrático de Direito, sendo
importantíssimo para a correta manutenção deste, que a sociedade civil organizada ocupe o
espaço que lhe é intrínseco, qual seja, o de fiscalizar, orientar e participar das discussões
públicas acerca de temas relevantes para o Estado, como é o caso dos OGMs. A sociedade
deve ser atuante acerca deste tema, evitando a prevalência dos interesses das transnacionais
sementeiras, que não demonstram preocupação com o bem-estar da população, a soberania do
país ou os impactos ambientais, apenas dimensionando os lucros que a inserção de uma nova
tecnologia agrícola num país de dimensões continentais poderá gerar.
128 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 494.
74
3.3.2 Princípio da Publicidade
O princípio da publicidade é aderente à Administração Pública, que tem a obrigação
de divulgar oficialmente todos os atos para conhecimento público e início de seus efeitos
externos. Esta divulgação permite que a sociedade acompanhe, fiscalize e opine acerca das
políticas públicas do Estado. Disso decorre que todas as leis, atos e contratos administrativos
que produzam consequências jurídicas fora dos órgãos que o emitem exigem publicidade para
adquirirem validade jurídica universal, isto é, perante as partes e terceiros.
Os estudos de Meirelles, detalhando as características do princípio da precaução,
destacam que a publicidade não é um elemento formativo do ato, constituindo-se em requisito
de eficácia e moralidade. Assim, os atos irregulares não se convalidam com a publicação e os
regulares não podem dispensá-la para a sua exequibilidade, desde que isto seja exigido pela
lei ou regulamento que deu os contornos legais para o ato.
A publicidade caracteriza-se como um dos princípios da administração pública (artigo
37, caput, da CF/88), abrange toda a atuação estatal, mas não apenas sob o aspecto de
divulgação oficial de seus atos, como também sob a forma de propiciar o conhecimento de
conduta interna aos agentes públicos.
Segundo o autor, o princípio da publicidade deve atingir, assim, os atos concluídos e
em formação, bem como os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e
jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os
contratos com quaisquer interessados, além dos comprovantes de despesas e as operações de
contas submetidas aos órgãos competentes. Todas estas formas devem obedecer ao princípio
da publicação, pois constituem-se em papéis ou documentos públicos, que podem ser
examinados por qualquer interessado, que destes pode obter certidão ou fotocópia autenticada
para os fins que a Constituição especifica.
Para que a publicação produza os efeitos jurídicos desejados, esta deve ser feita por
meio do órgão oficial da Administração, e não apenas divulgada pela imprensa particular, pela
televisão ou pelo rádio. O órgão oficial da imprensa que ratifica a observância do princípio da
publicidade é o Diário Oficial (da União, dos Estados e dos Municípios). Entretanto, os
jornais contratados pelas entidades públicas para publicizarem as informações oficiais
também atendem aos requisitos do referido princípio.129
Todas as leis, atos e contratos administrativos que não aplicarem o princípio da
129 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 87-88.
75
publicidade, omitindo-se ou não atendendo a legislação pertinente (Dec. 84.555, de 12.3.80),
deixarão de produzir seus efeitos regulares, inclusive os relativos aos prazos.
O princípio da informação se exterioriza por meio dos remédios constitucionais que
garantem a qualquer cidadão a possibilidade de ter acesso à documentação pública, inerente
aos assuntos governamentais, desde que não seja exigido o sigilo. Tais direitos exteriorizam-
se por meio do habeas-data, do mandado de injunção e até mesmo do mandado de segurança.
3.4 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTES À BIOTECNOLOGIA,
TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA
3.4.1 Definições Gerais Vinculadas à Biossegurança
Abaixo, apresenta-se algumas definições fundamentais para o entendimento de todo
trabalho, em sua maioria, foram retirados do Manual de Fiscalização de Atividades com
Organismos Geneticamente Modificados do Ministério da Agricultura.
- Ambiente: A soma total de todas as condições externas, constituindo em fatores
bióticos e abióticos, que afetam o crescimento e o desenvolvimento de um organismo.
- Biossegurança: Estabelecimento de normas de trabalho claras e bem definidas para
se delimitar o campo de ações possíveis e convenientes na área de atuação da
biotecnologia.130
Conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de
riscos inerente as atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e
prestação de serviço que podem comprometer a saúde humana, dos animais, do meio
ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos.
- Organismo: Toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material
genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas; Organismo
geneticamente modificado (OGM): Organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido
modificado por qualquer técnica de engenharia genética. Não se inclui na categoria de OGM o
resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material
hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante
ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução
poliplóide e qualquer outro processo natural;
130 MALAJOVICH, Maria A. Da teoria à prática no ensino de biotecnologia. In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE BIOSSEGURANÇA, 6., Rio de Janeiro, 2009. Anais... Rio de Janeiro: CTNBio, 2009, p. 81.
76
- Engenharia genética: Atividade de produção e manipulação de moléculas de
ADN/ARN recombinante;
- Ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN): Material genético que
contêm informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
- Derivado de OGM: Produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma
de replicação ou que não contenha forma viável de OGM. Não se inclui na categoria de
derivado a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos
biotecnológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante;
- Evento: É cada um dos produtos da transformação com uma construção genética;
Classe de risco do OGM: Grau de risco associado ao organismo doador, ao organismo
receptor, bem como ao organismo resultante;
- Nível de Biossegurança (NB): Nível de contenção necessário para permitir as
atividades e projetos com OGM de forma segura e com risco mínimo para o operador e para o
meio ambiente;
- Organismo doador: Organismo doador da sequência de ADN/ARN que será
introduzida por engenharia genética no organismo receptor;
- Organismo receptor: Organismo no qual será inserida a construção obtida por
engenharia genética;
- Risco: Possibilidade de promoção de evento negativo, cientificamente fundamentada,
para a saúde humana e animal, os vegetais, outros organismos e o meio ambiente, decorrente
de processos ou situações envolvendo OGM e seus derivados.
3.4.2 Aspectos Legais da Biossegurança
Segundo Antunes131
, a Lei de Biossegurança determina expressamente a observância
do princípio da precaução (este será detalhado em outro item). Ao mesmo tempo, “o princípio
da precaução não pode ser invocado, no caso concreto, como um freio à pesquisa e ao estudo,
como tantas vezes acontece”.
Para Antunes132
, “a visão do risco não pode ser confundida com o próprio dano” e
afirma que a citação anterior, apresenta uma visão unilateral e inadequada do problema. Um
aspecto do princípio da precaução que tem sido muito pouco ressaltado é “que prevenir riscos
ou danos implica escolher quais os riscos ou danos pretende-se prevenir e quais aceita-se
131 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 371-372. 132 Id., Ibid., p. 29, 31.
77
correr. Se feita racionalmente a escolha, escolhe-se o risco menor em preferência ao maior.”
Segundo Lehfeld133
, a Lei de Biossegurança, cujo escopo é a tutela da vida e saúde
humana, animal e vegetal visa proteger o meio ambiente enquanto biodiversidade, ou seja,
meio fundamental para a manutenção de todos os tipos de vida.
Em 24 de março de 2005, foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei 11.105/2005
que, regulamentada pelo Decreto 5591/2005, passou a reger todas as atividades envolvendo
organismos geneticamente modificados no país. Conforme a supracitada lei e seu
regulamento, para a liberação de pesquisa e uso comercial, os processos são submetidos a
uma análise técnica e, ainda, no caso da liberação comercial o pedido depois de aprovado pela
CTNBio deverá passar pelo crivo do CNBio.
Pela redação inicial da Lei 11.105/2005, todas as decisões da CTNBio seriam tomadas
com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto nos processos de liberação
comercial de OGM onde se exigiria os votos de pelo menos dois terços do colegiado. No final
do ano de 2006 a Lei 11460/06 alterou a Lei de Biossegurança reduzindo esse quórum para
“maioria absoluta”.
Conforme escreve Machado134
, “a lei brasileira tratou de forma unificada a questão
dos OGMS, diferentemente do sistema legislativo da Comunidade Europeia, que formulou
dois tipos de normas – um para utilização em regime de pesquisa e outro para a disseminação
voluntária de OGMS.”
A polêmica sobre os organismos geneticamente modificados, definitivamente não será
facilmente resolvida. Enquanto uns defendem a adoção da tecnologia como solução para
aumento da produção mundial de alimentos, há quem os veja como uma enorme ameaça
ambiental.
A dependência de material de plantio geneticamente manipulado é cada vez mais
acentuada, ficando o agricultor dependente das empresas de alta tecnologia que passaram a
dominar um segmento que é cada vez mais estratégico no contexto do sistema agroprodutivo.
O patrimônio genético, cuja biodiversidade já estava sendo afrontada pelo sistema de
melhoramento genético tradicional, sofre agora, a interferência direta e agressiva de materiais
geneticamente modificados, também conhecidos por “transgênicos”, cuja utilização aumenta
rapidamente na maioria dos países, principalmente naqueles com forte agricultura comercial
133 LEHFELD Lucas de Souza; CORRÊA NETO, Silmara R. B. S.; NETO JUNIOR, Valentim Corrêa. A nova lei de biossegurança: dos tipos penais. Revista Jurídica Fafibe, ano 1, n. 2, out. 2007. Disponível em:
<http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistajuridicafafibe/sumario/8/16042010160917.pdf>.
Acesso em: 23 nov. 2013. 134 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 982.
78
como é o caso do Brasil.
Diante dessa importante inovação da tecnologia, muitas são as questões pendentes de
respostas concretas, dando margem para uma acirrada discussão envolvendo os mais diversos
interesses. Na atividade agrícola, principal enfoque deste trabalho, a grande maioria dos
produtores tem muitas dificuldades em entender essa nova realidade.
Os materiais de cultivo geneticamente modificados, que se apresentam
regulamentados por um complicado emaranhado de normas que trazem novas imposições de
condutas e intervenções diversas, às quais o produtor rural, importante elo dessa cadeia, não
está suficientemente preparado para entender.
Diante da novidade e das imensas possibilidades de intervenção na natureza que
proporciona a técnica da engenharia genética, logo surgiram acirrados debates sobre o
assunto, sendo muito divergentes as opiniões, dos diversos setores interessados, envolvendo
questões técnicas, éticas, sociais, ambientais, entre outras. Para Grisólia:
A percepção pública da biotecnologia genômica passa por questionamentos éticos.
A palavra transgênico foi estigmatizada pela mídia, que abriu muito espaço para matérias jornalísticas de cunho ideológico e com pouca base científica. Devido a
isso, exemplifica o autor, até hoje enfrentamos relutância das empresas em atender a
rotulagem de produtos transgênicos e seus derivados.135
O mesmo autor faz interessante abordagem sobre a percepção pública dos riscos dos
produtos transgênicos:
As aplicações médicas, tem percepção pública favorável, pois a percepção de riscos
é menor, e nesses casos os fins justificam os meios. Isso é claramente observado até
mesmo nas matérias veiculadas pela mídia, que via de regra, não questiona a forma
de obtenção dos medicamentos desde que estes tenham a eficácia desejada. O
questionamento é maior pelo consumidor de alimentos, pessoas saudáveis e que tem
a possibilidade de optar por uma dieta que considera a mais adequada.136
No setor produtivo rural observa-se que o produtor procura utilizar os insumos,
inclusive sementes, que venham a propiciar o melhor rendimento econômico. Isso é razoável
visto tratar-se de uma atividade onde a cada dia se faz necessária a redução dos custos de
produção, em vista dos diversos fatores adversos que envolvem a atividade agrária;
adversidades essas, que as sementes transgênicas prometem amenizar, principalmente pela
facilidade no controle de pragas e doenças, maior resistência à seca e mesmo melhoria das
135
GROSÓLIA, César Koppe. A ética das novas construções genéticas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOSSEGURANÇA, 6., Rio de Janeiro, 2009. Anais... Rio de Janeiro: CtbnBio, 2009, p. 48. 136 Id., Ibid., loc. cit.
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qualidades comerciais do produto final.
Em vista dos benefícios propostos pelas sementes transgênicas o produtor rural é
facilmente convencido a adotar a tecnologia, muitas vezes sem conhecer as regras que regem
sua utilização, em especial os regramentos da legislação de biossegurança. O pacote da
tecnologia de OGM que deve ser tido como uma alavanca de desenvolvimento vem num
emaranhado de normas, regulamentos, e condições que podem causar muitos prejuízos ao
agricultor que não observar e cumprir rigorosamente essas condições.
O maior problema legal relacionado à lei de OGMs envolvendo o agricultor é, sem
dúvida, o plantio de material não autorizado pela CTNBio. Numa entrevista com produtores
de algodão da região sul do Estado de Goiás, autuados pela fiscalização do Ministério da
Agricultura, detectou como principais causas da infração:
a) Falta de conhecimento da dimensão do prejuízo a que está sujeito, visto que a Lei
11.105/2005 c/c Decreto 5591/2005, prevê a multa mínima de R$ 60.001,00 além da
apreensão de toda a produção que não pode ser comercializada.
b) Menor custo de produção do material transgênico.
c) Acredita em uma ‘virada-de-mesa’ nos moldes do que aconteceu com o conturbado
processo de liberação da soja transgênica “RR”, resistente ao herbicida glifosato.
d) Confusão quanto aos tipos de “eventos” liberados.
As tecnologias de organismos geneticamente modificados aplicadas aos produtos
agrícolas, a maioria, desenvolvidas por empresas multinacionais, passam por um complexo
processo de estudos, testes e pesquisas desde o seu projeto inicial até a obtenção de um
resultado positivo. Quando consideradas concluídas, são submetidas aos organismos oficiais,
geralmente, em diversos países ao mesmo tempo, para que, após análise dos requisitos legais,
sejam finalmente disponibilizadas para uso comercial.
Como os critérios são distintos, de acordo com cada sistema normativo,
procedimentos, interesse político, entre outros, acontece de haver, ao mesmo tempo, produtos
liberados para a produção comercial em alguns países e com produção proibida em outros.
Devido às vantagens financeiras que o material proporciona, o produtor acaba por utilizar esse
tipo de material na ilegalidade, contrariando a legislação de biossegurança, quase sempre,
através da utilização de sementes ilegais que entram no país, provenientes dos países onde a
tecnologia já está liberada.
80
3.4.3 Lei 11.105/2005- Lei de Biossegurança
A principal Lei brasileira a tratar a questão da biossegurança é a de n. 11.105, de 24 de
março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV e V do parágrafo 1.º do artigo 225 da
Constituição Federal, estabelecendo normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados,
cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança –
PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, além de outras providências.
O art. 1.º trata da finalidade da lei, estabelecendo normas de segurança e mecanismos
de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética, quando forem praticados atos
inseridos em qualquer um dos 14 tipos verbais descritos: construção, o cultivo, a produção, a
manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a
pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de
organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados. Este artigo também
estabelece o bem jurídico tutelado pela Lei, a vida e a saúde, dos homens, animais, plantas e o
meio ambiente. Nas palavras do jurista Paulo Affonso Leme Machado:
A lei brasileira tratou de forma unificada a questão, diferentemente do sistema
legislativo da União Européia, que formulou dois tipos de normas – um para a
utilização confinada e outro para a disseminação voluntária dos organismos geneticamente modificados.137
O art. 2.º cuida da abrangência da lei, em seu § 1.º define o que seja atividade e projeto
no âmbito das entidades, como aqueles conduzidos em instalações próprias ou desenvolvidos
alhures, desde que sob sua responsabilidade técnica ou científica. O "caput" do artigo assinala
que também as atividades e projetos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico e produção industrial que envolvam OGMs no território brasileiro, ficarão
restritas às entidades de direito público ou privado, que serão tidas como responsáveis pela
obediência aos preceitos desta lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos
ou consequências advindas de seu descumprimento. Sobre a inserção de projetos e atividades
de ensino e pesquisa científica, novamente as palavras do jurista Paulo Affonso Leme
Machado:
137 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros,1995, p. 662.
81
A atividade puramente teórica do ensino e da pesquisa não está sujeita a qualquer
controle prévio do Poder Público, pois isso conflitaria com o art. 5.º, IX da CF, que
consagra a livre expressão de atividade intelectual, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou de licença. As expressões ‘ensino e pesquisa’,
utilizadas na Lei 8.974/95, merecem ser entendidas como atividades que serão
acompanhadas de experimentos, necessitando constitucionalmente da fiscalização
do Poder Público para que o meio ambiente – bem de uso comum do povo – seja resguardado.138
O parágrafo 2.º proíbe que as pessoas físicas, enquanto agentes autônomos
independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas
jurídicas, mantenham ou realizem as atividades e projetos de que trata o artigo. Também sobre
este ponto, as palavras do doutrinador:
Há um outro empecilho de ordem constitucional para a plena higidez do art. 2.º, §
2.º, da Lei 8.974/95. O art. 170, IV, da CF consagra a livre concorrência não só entre
as pessoas jurídicas entre si, mas entre as pessoas jurídicas e as pessoas físicas. Os
princípios do art. 170 merecem ser harmonicamente integrados, sem que a
observância de qualquer deles anule ou asfixie os outros princípios.139
O parágrafo 3.º afirma que as organizações públicas ou privadas financiadoras ou
patrocinadoras das atividades e projetos referidos no artigo, sejam elas nacionais, estrangeiras
ou internacionais, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da adesão dos entes
financiados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos na
Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança,
sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu
descumprimento.
O artigo 3.º elabora um glossário próprio em que define os termos nela usados, tais
como: organismo, ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN), moléculas de
ADN/ARN recombinante, organismo geneticamente modificado (OGMs) e engenharia
genética. O parágrafo único elenca as atividades não abrangidas pela Lei 8.974/95,
enumerando as técnicas em que os organismos resultantes não são considerados OGMs, desde
que nestas não sejam utilizadas moléculas de ARN/ADN recombinante ou OGMs, que são:
fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer
outro processo natural.” Nesse mesmo sentido o art. 3.º, 3, da lei da República Federal da
Alemanha e o art. 2.º, I, do Decreto 93-774, de 27.3.93, da França”.140
O artigo 4.º refere-se à inaplicação da Lei, quando a modificação genética for obtida
138 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 663. 139 Id., Ibid., p. 665. 140 Id., Ibid., p. 666.
82
por meio de mutagênese, formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal,
fusão celular e autoclonagem de organismos não patogênicos que se processe de maneira
natural.
O artigo 7.º estabelece atribuições aos órgãos de fiscalização do Ministério da
Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, da Saúde, e do Meio Ambiente e da
Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico
conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação da lei. Sobre a
atuação do Governo Federal por meio dos Ministérios competentes, assevera o jurista Paulo
Affonso Leme Machado:
A lei designou quais os Ministérios que deverão atuar no campo da Engenharia
Genética. Como tem acontecido no Brasil, criam-se tarefas para os órgãos públicos,
mas não se apontam os recursos a serem despendidos para a implementação da lei e
nem se criam novos cargos para o desempenho das novas funções. Para que a Administração Pública Federal atue com eficiência no setor dos organismos
geneticamente modificados é preciso à criação das novas funções ou cargos,
exigindo-se alto grau de especialização desses servidores públicos. Não será eficaz,
nem ético, que a execução do controle público dos organismos geneticamente
modificados assente-se somente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio).141
A Lei n. 11.105/2005 também criou o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS)
vinculado à Presidência da República, com a competência de formular e implementar a
Política Nacional de Biossegurança (PNB), e reestruturou a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio).
Estabelece, ainda, como competência ao CNBS fixar princípios e diretrizes para a ação
administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria; analisar, a
pedido da CTNBio, a conveniência e oportunidade de pedidos de liberação para uso comercial
de OGM e seus derivados; e decidir, em última e definitiva instância, a respeito de processos
relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados. A lei define
como OGM os organismos cujo material genético tenha sido modificado por qualquer técnica
de engenharia genética.
A CTNBio, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, deverá
acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança,
biotecnologia, bioética e afins, com objetivo de aumentar sua capacitação para proteção da
saúde humana, dos animais, das plantas e do meio ambiente.
É também a CTNBio que compete, de acordo com a lei, estabelecer normas técnicas
141 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 667.
83
de segurança para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus
derivados.
A Lei de Biossegurança também institui normas de segurança e mecanismos de
fiscalização para construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, importação,
exportação, armazenamento, comercialização e consumo de OGM, bem como penas de multa
e detenção para quem descumprir as regras gerais estabelecidas, que podem chegar a cinco
anos com acréscimos, dependendo da infração cometida.
A maior pena - reclusão de dois a cinco anos e multa - é aplicada para quem realizar
clonagem humana e também utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias
genéticas de restrição de uso. As penas podem ser dobradas caso resultem na morte de
alguém.
3.4.4 Código de Defesa do Consumidor
A defesa do consumidor foi erigida pela Constituição Federal como direito
fundamental prevista no art. 5º, XXXII, incluindo-a, igualmente entre os princípios gerais a
serem observados pela atividade econômica, conforme o art. 170, V, da CF.
O professor Amaral descreve os princípios basilares e norteadores do microssistema
jurídico que forma o direito do consumidor, afirmando que o direito à informação é princípio
basilar no sistema de proteção do consumidor brasileiro, pois apenas um consumidor
plenamente informado pode bem exercer a liberdade volitiva, o direito de escolha do produto,
que constitui-se em pressuposto do ato jurídico de consumo, evidenciando um consumo
consciente e refletido.
Além disso, o autor afirma que o as relações de consumo não são mais regidas pelo
paradigma do caveat emperor, segundo o qual compete ao consumidor, ao comprador,
informar-se para resguardar-se de eventuais danos. Após a promulgação do Código de Defesa
do Consumidor, o legislador brasileiro instituiu a regra do caveatvenditor, incumbindo ao
vendedor, ao fornecedor, inclusive o comerciante, o fabricante e o importador, prestar a mais
ampla informação ao consumidor, mesmo que em potencial. Apenas desta forma, o
consumidor pode desempenhar seus papel no ciclo econômico da produção, qual seja, o papel
de parceiro econômico e não apenas de mera referência mercadológica.
Nestes novos tempos, de evolução tecno-científica nunca dantes visto, o Direito têm
que, obrigatoriamente, adequar-se, sob pena de não poder regular eficientemente o atual
contexto biotecnológico. Desta maneira, o microssistema de proteção ao consumidor
84
fundamenta sua estrutura lógico-jurídica em alguns pressupostos e princípios norteadores que
tentam dar essa feição de modernidade ao citado dispositivo.
Para tanto, alguns princípios devem ser sempre visualizados, tais como o princípio da
vulnerabilidade do consumidor (artigo 4º, I, Código de Defesa do Consumidor); o princípio
do dever governamental (artigo 4º, II, VI e VII, Código de Defesa do Consumidor); o
princípio da garantia de adequação (artigo 4º, caput); o princípio da boa-fé nas relações de
consumo (artigo 4º, III); o princípio da ampla informação (artigos. 4º; 6º, III; 8º; 9º; 10; 12;
13; 18; 19; 20; 30; 31; 35; 36; 37; 38; 56; 60; 63; 64; 66; 67 e 72) e o princípio do acesso
efetivo e diferenciado à Justiça (artigo 6º, VII, VIII; 5º, I; 43, § 4º; 117).142
O artigo 6.º da presente norma jurídica capitula os direitos básicos do consumidor,
elencando em seus incisos, várias situações em que se tutelam as controvérsias existentes nas
relações de consumo. No que tange à matéria em estudo, apenas o inciso III tem implicações
referentes à biotecnologia, especialmente no caso dos transgênicos, e os problemas advindos
de sua rotulagem.
Em seu inciso III o legislador assegura o direito do consumidor à informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90) apresentou princípios e
estabeleceu os direitos básicos dos consumidores, dentre eles, a proteção da vida, da saúde e
da segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos, a educação e a divulgação sobre o consumo adequado dos
produtos e serviços assegurados à liberdade de escolha, bem como o direito à informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (art. 6º, I, II e III do CDC). Conforme
asseveram Marques, Herman e Miragem:
[...] vimos que a novidade inserida no Código de Defesa do Consumidor foi
identificar um sujeito de direitos fundamentais construindo para protegê-lo um
sistema de normas e princípios, podendo ter conotações pós – modernas fortes.
Tratando-se, pois, de um direito fundamental protegido sobremaneira pelo nosso Estado Democrático de Direito, eis que o consumidor é identificado no âmbito
constitucional pátrio. Tratando-se de um direito fundamental protegido pelo Estado,
sendo o consumidor identificado constitucionalmente.143
142 AMARAL, Luiz Otavio O. Os transgênicos e o consumidor brasileiro. Âmbito Jurídico, Rio Grande, ano 2, n.
6, ago. 2001. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=2115>. Acesso em: 24 nov. 2013. 143 MARQUES, Cláudia Lima; HERMAN, Antônio V. Benjamin, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de
defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 175.
85
O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor estabelece a Política Nacional das
Relações de Consumo, fixando como objetivos, dentre outros, a observância de transparência
na relação consumerista em relação à oferta, como sinônimo de clareza ao consumidor, com
informações sobre temas relevantes na relação contratual, como é os produtos contendo
organismos geneticamente modificados em sua composição.
Nesse diapasão, quando o fornecedor não informa ao consumidor sobre a quantidade
de organismos geneticamente modificados usada na produção daquilo que se está a consumir,
afronta claramente esse princípio basilar do Código de Defesa do Consumidor brasileiro,
previsto no artigo 4º.
Com isso, diante da legislação de proteção do consumidor, fica evidente que os
alimentos que contenham, ou sejam produzidos a partir de OGMs devem ser devidamente
rotulados, garantindo-se ao consumidor seu direito à informação, à liberdade de escolha e à
proteção de sua vida, sua saúde e sua segurança.
Um nível de exigência a ser observado na regulamentação da comercialização de
OGMs no Brasil refere-se ao respeito do direito básico do consumidor em ser amplamente
informado, de maneira eficaz e veraz, dos possíveis efeitos adversos destes produtos. O
direito à informação, segundo Amaral deve ser “tanto mais necessário quanto maior o grau de
novidade e risco do produto em questão”.144
Sempre que houver risco à saúde e à segurança, o fornecedor está obrigado a prestar as
informações necessárias de forma ostensiva, por meio dos impressos correspondentes no caso
de produtos industriais (artigos 8º e 9º do Código de Defesa do Consumidor). Caso o
fornecedor somente tenha conhecimento da periculosidade que acompanha o produto após sua
introdução no mercado, deve realizar o devido alertamento, cumprindo ainda, ao Poder
Público, tendo conhecimento, proceder à informação, configurando-se crime a omissão de
comunicação ao Poder Público e aos consumidores quanto a esta periculosidade do produto,
bem como a omissão de dizeres ou sinais que alertem o consumidor quanto aos potenciais
riscos (artigos 63 e 64 do Código Defesa do Consumidor).
Qualquer informação veiculada através da publicidade integra os contratos de
prestação de serviço ou de compra e venda de produtos. Tais informações, constantes da
oferta publicitária, devem ser precisas em relação aos aspectos de interesse para o
consumidor, fato que vincula o fornecedor, que se obriga a não apresentar informações
144 AMARAL, Luiz Otavio O. Os transgênicos e o consumidor brasileiro. Âmbito Jurídico, Rio Grande, ano 2, n.
6, ago. 2001. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=2115>. Acesso em: 24 nov. 2013.
86
enganosas, de maneira comissiva ou omissiva, bem como abusivas, incitando o medo, a
violência ou a superstição dos consumidores (artigos 31, 35 e 37 do Código de Defesa do
Consumidor).
Nos casos de propaganda enganosa ou abusiva, o fornecedor se obriga a veicular
contrapropaganda que esclareça os fatos. Além disso, tal prática se constitui em crime,
conforme o artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, os autores salientam que
toda publicidade deve se apresentar sob esta forma, e nunca de maneira camuflada ou
subliminar (artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor). Ainda, a veracidade da
informação, se arguida pelo consumidor, deve ser devidamente comprovada pelo seu
patrocinador, a quem incumbirá o ônus da prova, segundo o artigo 38 do Código de Defesa do
Consumidor.145
Quanto aos riscos dos alimentos transgênicos à saúde humana e sua regulamentação,
Moreira nos afirma que o Código de Defesa do Consumidor, de acordo com a orientação
constante dos artigos 1º, inciso III e artigo 5º, caput e inciso XXXII da Constituição Federal
de 1988, apresentou, em seus artigos 8º e seguintes, a proibição de que os produtos colocados
no mercado de consumo acarretem riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, com
exceção dos riscos que sejam considerados previsíveis em razão de sua natureza ou função.
Para tanto, estão os fornecedores, em qualquer hipótese, obrigados a prestar as informações
necessárias e adequadas a respeito destes riscos. Tais informações devem ser claras,
ostensivas e plenamente inteligíveis pelo homem médio, atendendo o que disciplina o
princípio da transparência, que norteia as relações de consumo.146
O debate que se apresenta atualmente reside na delimitação do percentual de OGMs
existente nos alimentos disponíveis em nossas prateleiras, geralmente produzidos a partir de
grãos importados. O “quantum” delimitado pela legislação brasileira é de 1% (Decreto
4.680/2003) de presença de transgênicos na composição total do produto, para que neste
incida a obrigatoriedade da rotulagem. Na Europa, os níveis mínimos são de 0,5 a 1%,
enquanto no Brasil as recomendações normativas anteriores ao citado Decreto estabeleciam
índices de até 4% de tolerância em relação à obrigatoriedade de se transmitir a informação ao
consumidor.
Esta interpretação extensiva da lei na regulamentação do tema, a partir da liberalidade
145 ALVIM, Arruda et al.. Código do consumidor comentado e legislação correlata. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991, p. 28. 146 MOREIRA, Edgar. Alimentos transgênicos e proteção do consumidor. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro
Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 233-245.
87
concedida ao fornecedor do produto, contraria a regulamentação descrita no Código de Defesa
do Consumidor. O doutrinador Moreira afirma que no caso de produtos potencialmente
nocivos ou perigosos à saúde ou segurança, essas informações devem, também, de forma
ostensiva e adequada, ser específicas sobre a nocividade e periculosidade, esclarecendo quais
os riscos e os cuidados que necessitam ser tomados para evitar acidentes ou na hipótese de sua
eventual ocorrência.
Ademais, a legislação consumerista veda, expressamente, a colocação no mercado de
produtos que apresentem ou possam apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à
saúde ou segurança do consumidor, inclusive estando obrigado a retirá-lo do mercado caso
esse tipo de nocividade ou periculosidade somente seja verificado posteriormente à sua
introdução, comunicando-se às autoridades competentes e aos consumidores mediante
anúncios publicitários, convocando-os a devolverem seus produtos, e, se for o caso
submeterem-se a eventual avaliação médica (artigos 6º, I, e 10º Código de Defesa do
Consumidor).147
3.5 ÓRGÃOS REGULADORES DA ATIVIDADE DE PLANTIO DE TRANSGÊNICOS
NO BRASIL
Apesar das discussões acerca da necessidade de criação de uma agência reguladora
brasileira responsável pelos assuntos referentes à biotecnologia e biossegurança, tal fato não
ocorreu, tendo em vista que com a regulamentação definitiva da política Nacional de
Biossegurança e a edição da Lei n. 11.105/2005, a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) foi mantida como órgão responsável por essas questões.
Embora a referida Comissão apresente algumas características exclusivas das agências
reguladoras, como a competência técnica exclusiva e a autonomia para decidir as questões
sobre biossegurança, bem como expedir as licenças e autorizações sobre OGMs, não
apresenta a natureza jurídica de agência reguladora.
De qualquer modo, comenta-se o modelo brasileiro de agências reguladoras e o papel
da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
147 MOREIRA, Edgar. Alimentos transgênicos e proteção do consumidor. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro
Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 233-245.
88
3.5.1 As Agências Reguladoras
Para alguns legisladores, as Agências Reguladoras são um instituto cabível e já
existente na estrutura institucional brasileira. As Agências reguladoras, juridicamente, se
enquadram como uma forma de autarquia (Decreto-lei 200, de 25.02.1967), sendo destinadas
ao desempenho da regulação num setor específico da economia, que seguem o modelo norte
americano de “agencificação” dos setores da economia.
Entretanto, para outros legisladores, no Brasil não há lei definindo o que seja agência
administrativa ou mesmo agência reguladora. Não existem parâmetros normativos genéricos,
prefixados de forma clara e precisa, a conceituar o que é uma agência administrativa. Verifica-
se que não há harmonia e uniformidade legislativa na definição desses entes, o que dificulta
seu exame e sua compreensão.
A Constituição Federal, artigo 165, parágrafo 2, emprega a expressão agência somente
ao se referir a agências financeiras oficiais de fomento e agências de instituições financeiras.
O vocábulo148
“agência” vem sendo utilizado pelo ordenamento jurídico brasileiro em
diversas acepções, o que acarreta confusão quanto à compreensão de seu significado exato. A
palavra é empregada em sentido vulgar (agência bancária, telegráfica, do correio), em sentido
específico (ANATEL, ANA, ANEEL) e também em sentido técnico indefinido (Agência
Espacial Brasileira, Agência de Águas).
Com a promulgação da Lei n. 9.649, de 27/05/1998, a denominação órgão regulador
prevista no texto constitucional (art. 21, i. XI e art. 177, § 2º, i. III) foi mantida, em relação à
ANP e à ANEEL, e foi inserida a expressão “agência executiva”, para qualificar autarquias e
fundações que tenham cumprido os requisitos previstos no artigo1º, § 1º da referida Lei. As
Agências executivas são distintas das agências reguladoras.
No Brasil, as agências reguladoras destinam-se precipuamente a regular serviços
públicos cuja execução passou a ser prestada por particulares. É imperioso ressaltar que a
função desempenhada por agências reguladoras pode ter por objeto outras atividades
econômicas. O âmbito de atuação das agências não se restringe aos serviços públicos, visto
que a atividade reguladora, exercida pelo Estado diretamente, ou por órgãos autônomos,
compreende a regulação e fiscalização das atividades econômicas em sentido amplo.
Hodiernamente, a função reguladora foi acentuada, em razão do novo papel
desempenhado pelo Estado face à ordem econômica, almejando-se uma diminuição da
148 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 236.
89
intervenção direta e uma valorização da atuação de regulação e incentivo da atividade
econômica desempenhada por particulares. Por conseguinte, o âmbito de ação das agências
reguladoras não está adstrito aos serviços públicos privatizados, mas abrange atividades
econômicas em sentido amplo.
Os objetivos imediatos das agências reguladoras estão diretamente relacionados com a
própria criação destes entes e decorrem da instituição de um novo modelo de Estado. Em
relação aos serviços públicos, pode-se concluir que o que se busca, inicialmente, é a
manutenção nas mãos do Estado, ainda que indiretamente, do controle dos serviços públicos.
Assim, as agências reguladoras são criadas para que a transferência da titularidade para a
prestação dos serviços, por meio das privatizações, não inclua o controle das atividades e no
intuito de controlar o preço, eficiência, respeito aos usuários, etc.
Deve-se destacar a existência de um elemento de ordem ideológica que acompanha o
fenômeno da introdução das agências reguladoras no direito brasileiro, consistente na busca
do exercício de competências públicas de acordo com critérios de eficiência/racionalidade
típicos da iniciativa privada. Há a transposição de um modelo “fechado” de prestação de
serviços públicos, alargando-se as fronteiras.
Neste diapasão, verifica-se que parte das atividades reguladas pelas agências é
desenvolvida sob regime de direito privado. A Lei Geral de Telecomunicações, por exemplo,
tratou inúmeros serviços como se fossem atividades econômicas privadas. Portanto, a
constituição das agências reguladoras não está somente vinculada à utilização de um
determinado instrumento para regulação dos serviços públicos, mas integra um fenômeno
bem mais amplo, que se caracteriza pela intenção de substituição do regime de direito público
pelo regime de direito privado e de desenvolvimento de um mercado privado para sua
prestação.
Neste quadro, os órgãos reguladores brasileiros que têm por objeto a regulação da
prestação de serviços públicos, visam, especificamente, a promoção da eficiência na prestação
do serviço público, justa e razoável fixação de tarifas, mas também a defesa do mercado e das
liberdades econômicas das pessoas vinculadas à prestação de atividades que até há algum
tempo eram serviços públicos. No intuito de cumprir estes escopos, as agências reguladoras
possuem competência para dirigir, regular e fiscalizar o serviço público.
Referente às atividades econômicas em sentido estrito que se submetem à fiscalização
dos entes reguladores, saliente-se que a missão das agências é regular, normatizar, controlar e
fiscalizar as atividades desenvolvidas por particulares, tendo em vista o interesse público e a
defesa dos interesses dos consumidores, almejando a manutenção da qualidade dos serviços e
90
produtos ofertados, os preços justos, o respeito aos menos privilegiados e às minorias, etc.
Os objetivos mediatos principais que podem ser atribuídos aos entes reguladores são:
a) o estabelecimento de regras gerais que definam o desempenho das atividades sob sua
tutela; b) o controle ou fiscalização de tais atividades, mesmo ex officio; c) o julgamento das
questões controversas postas ao seu encargo; d) a aplicação de medidas sancionatórias; e) a
promoção, em virtude de delegação, de licitações para a escolha do concessionário,
permissionário ou autorizativo para prestar o serviço em questão (quando se tratar de serviço
público); f) a divulgação pública dos serviços por eles regulados e seus meios de controle.
Tendo em vista as funções das agências, pode-se chegar a algumas conclusões quanto
à sua natureza jurídica149
:
1) são entes reguladores, ou seja, atribui-se um gama de competências que tornam as
agências aptas a definir o regime legal específico de determinado feixe de atividades. Tal se
dá de forma imediata (mediante a positivação de regras) e mediata (por meio da aplicação
executiva de regras preexistentes);
2) são entes que promovem e firmam as contratações administrativas pertinentes à sua
atividade. Ou seja, detêm competência administrativa para outorgar (mediante licitações e
contratos) o exercício de atividades (serviços públicos) a terceiros.
3) são entes fiscalizadores, no sentido de que controlam o cumprimento dos contratos
administrativos e a execução de serviços outorgados a terceiros ou de atividades econômicas
em sentido estrito;
4) são entes com competência sancionatória, pois podem punir, aplicando sanções
àqueles que descumprirem as normas vinculadas aos serviços ou atividades econômicas;
5) são entes que mantêm contato direto com o usuário dos serviços (ou atividade
econômica) a eles vinculados, exercendo papel de ouvidor de reclamações e denúncias,
proporcionando a arbitragem de conflitos, bem como possibilitando a participação dos
usuários ou consumidores a audiências públicas.
Segundo estes componentes da natureza jurídica das agências reguladoras, pode-se
concluir que são pessoas jurídicas de Direito Público, com estrutura formal autárquica e
competência para regulamentar, contratar, fiscalizar, aplicar sanções e atender aos reclamos
dos usuários/consumidores de determinado serviço público ou atividade econômica.
149 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 235-236.
91
3.5.2 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)
A CTNBio é uma instância colegiada multidisciplinar, criada através da lei nº 11.105,
de 24 de março de 2005, cuja finalidade é prestar apoio técnico consultivo e assessoramento
ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de
Biossegurança relativa a OGM, bem como no estabelecimento de normas técnicas de
segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e
do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo,
manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de
OGM e derivados.150
O artigo 11 da Lei de Biossegurança estabelece a composição dos membros titulares e
suplentes da CTNBio, que serão designados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, entre as
seguintes autoridades: 12 especialistas de notório saber científico e técnico e que estejam
exercendo atividades nos segmentos da biotecnologia e biossegurança, sendo que entre eles,
obrigatoriamente, três deverão atuar em saúde humana, três na área animal, três na área
vegetal e, finalmente, três que atuem na área ambiental.
Além destes, a Comissão contará com um representante de cada um dos seguintes
Ministérios: da Ciência e Tecnologia, da Saúde, do Meio Ambiente,da Educação e das
Relações Exteriores, que serão indicados pelos respectivos titulares de cada uma destas
pastas. Ainda, um representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A
Comissão também deverá ser composta por um representante de órgão legalmente consttuído
de defesa do consumidor, de um representante de associação legalmente constituída, que
represente o setor empresarial de biotecnologia e, por fim, um representante, de órgão
legalmente constituído, de proteção à saúde do trabalhador. Portanto, no total, a CTNBio
conta com 27 representantes.
Por força do Decreto nº 1.754/95, a CTNBio esteve, desde sua criação, subordinada
jurídica, política e fisicamente ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A multidisciplinaridade
do colegiado tem por objetivo reunir, em sua composição, representantes e estudiosos de
diversas áreas da administração e do conhecimento, suscitando o debate e a reflexão a partir
de uma noção de conjunto, fazendo aflorar aspectos importantes com o objetivo de aumentar a
proteção da saúde humana, animal, vegetal e do meio ambiente, conforme determina o
parágrafo único, do artigo 10º, da aludida lei.
150 BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Portal. Disponível em: <http://www.ctnbio.gov.br/>.
Acesso em: 24 nov. 2013.
92
Dentro da competência atribuída à CTNBio está a elaboração de parecer técnico
prévio conclusivo, após análise caso a caso das solicitações que lhe são encaminhadas. A
elaboração de parecer técnico prévio conclusivo pela CTNBio é regulada pela Lei nº
11.105/2005 , Decreto nº 1.752/95, Regimento Interno da CTNBio, além dos procedimentos
estabelecidos nas Instruções Normativas. De acordo com esses procedimentos, o pedido de
liberação de OGMs no meio ambiente é distribuído às Comissões Setoriais Específicas da
área da Saúde, Vegetal, Animal e Ambiental, que emitem pareceres técnicos nas áreas de sua
competência, determinando os critérios e recomendações para a sua liberação ou a
indeferindo.
Cabe ao solicitante o ônus de demonstrar a biossegurança do OGM, fornecendo todos
os dados necessários para a avaliação da CTNBio, podendo a Comissão exigir informações e
testes adicionais.
De acordo com os parágrafos 1º e 2º, do art. 14, da Lei de Biossegurança, o Parecer
Técnico Conclusivo é vinculado a todos os atos administrativos posteriores dos Ministérios,
seja quanto ao registro e fiscalização e também à segurança ambiental e alimentar dos
organismos geneticamente modificados.
Estabelece, ainda, o inciso II do art. 2º do Decreto nº 1.752/95, que é competência
ampla da CTNBio “acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico na
biossegurança e em áreas afins, objetivando a segurança dos consumidores e da população em
geral, com permanente cuidado à proteção do meio ambiente”.
3.6 A PRODUÇÃO ILEGAL DE VEGETAIS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
O surto de vegetais transgênicos produzidos ilegalmente no Brasil teve início, em
grande escala, com a soja "RR", resistente ao herbicida "glifosato" da empresa Monsanto.
Esse material teve o pedido de registro para uso comercial no Brasil em 1998. Quando houve
a liberação dessa soja transgênica o IDEC entrou com uma ação na justiça questionando entre
outras coisas a existência da CTNBio que não tinha sua criação em Lei.
Para resolver o problema foi editada às pressas a Medida Provisória 2.191-9/2001,
restando como principal entrave para a liberação da soja RR o fato de sua autorização para
uso comercial ter se dado sem a exigência do Relatório de Impacto Ambiental. A decisão
judicial suspendendo a autorização do plantio da soja frustrou a expectativa do setor
agroprodutivo que ansiava pela liberação da tecnologia. Ao mesmo tempo muitos outros
países como a Argentina e EUA o plantio comercial já estava liberado e apresentando
93
resultados econômicos bastante vantajosos para o agricultor, haja vista à facilidade e baixo
custo para o controle de ervas daninhas da lavoura.
Segundo James151
, “em 1998 quando se tentava aprovar a liberação do primeiro
transgênico no Brasil, só os EUA já possuíam uma área plantada de mais de vinte milhões de
hectares.” O mesmo autor apresenta dados de um estudo realizado no ano de 2002, onde
mostra que 73% dos produtos agrícolas transgênicos estavam localizados nos países
desenvolvidos e apenas 23% nos países em desenvolvimento. Essa restrição tecnológica serve
para reduzir a competitividade do agronegócio brasileiro que tem que disputar mercado em
países com custo de produção mais reduzido.
É interessante ressaltar que os países contrários ao uso da tecnologia como, por
exemplo, a União Europeia, são justamente os que não possuem uma agricultura competitiva
e praticam pesados subsídios para a agricultura. Essa falta de competitividade irá aumentar
ainda mais à medida que novas técnicas de cultivo forem adotadas.
Mesmo sendo uma tecnologia de uso comercial proibido o plantio da soja transgênica,
em pouco tempo, se alastrou pela maior parte das áreas produtoras do país, chegando o Estado
do Rio Grande do Sul a ter, antes da liberação da soja OGM, uma área plantada com esse
material maior que a área de soja convencional.
Apesar das constantes apreensões e autuações realizadas pela fiscalização, safra após
safra, eram editadas medidas provisórias que anistiavam os infratores e liberava a
comercialização do produto geneticamente modificado, plantado ilegalmente, criando uma
situação de instabilidade e descrédito às rígidas imposições da legislação que, se fossem
cumpridas, impunha a destruição de lavouras e produtos não autorizados. Essa situação
conturbada persistiu até 2005 quando a Lei 11.105/2005 autorizou, definitivamente, o plantio
da soja geneticamente modificada resistente ao herbicida "glifosato" produzido pela empresa
Monsanto. É interessante observar que essa mesma característica já foi introduzida em outras
espécies vegetais como o milho e o algodão, que também passaram a ter resistência ao mesmo
produto.
O processo de liberação para uso comercial de um material de plantio geneticamente
modificado é sem dúvida muito complexo, envolvendo interesses diversos e muitas vezes
conflitantes, tanto no setor público como no setor privado. De um lado o Ministério da
Agricultura, procurando fomentar o setor agroprodutivo, aliado a empresas públicas de alta
tecnologia como a sua vinculada Embrapa, veem nessa tecnologia uma ferramenta
151 JAMES, C. Preview: global status of commercialized transgenic crops: 2002: ISAAA Briefs, n. 27. Ithaca,
NY: ISAAA, 2002.
94
indispensável para o aumento da produtividade e redução dos custos de produção, além de
outras vantagens como a possibilidade da obtenção de alimentos com maior valor nutricional,
resistentes às diversidades climáticas, etc.
A própria iniciativa privada trava, paralelamente, uma acirrada briga, onde empresas
que avançaram em pesquisa e tecnologia e, assim, obtiveram materiais OGM com alto valor
comercial, se contrapõem àquelas que serão diretamente prejudicadas com a redução da
utilização dos defensivos, principalmente herbicidas e inseticidas.
Para a liberação comercial de uma semente transgênica, o material é submetido a uma
série de testes e avaliações que vão desde o início nas pesquisas de laboratório, passando pela
liberação planejada e após todos os resultados favoráveis o pedido é ainda submetido à
votação na CTNBio. Em vista das dificuldades para conseguir os dois terços dos votos dos
membros da Comissão que eram necessários para a aprovação do uso comercial de
transgênicos, a grande pressão por parte das empresas que desenvolvem a tecnologia e a
classe produtiva interessada na liberação comercial de novos produtos, levou o poder
executivo a editar em 01/11/2006, medida provisória alterando para "Maioria absoluta" e não
mais dois terços, o número de votos necessários para a liberação definitiva do uso comercial
de OGM.
É interessante ressaltar que essa mesma medida provisória 327/2006, quando da
aprovação pelo Congresso Nacional, recebeu emenda que propunha a liberação de todo o
algodão geneticamente modificado apreendido pela fiscalização na safra 2005/2006,
seguindo, assim, o mesmo roteiro do que aconteceu com a soja "RR" no período que
antecedeu sua liberação comercial.
Em decisão que surpreendeu a maioria dos interessados na liberação do algodão OGM
aprendido, o Presidente da República vetou parcialmente a medida provisória, não
concedendo a tão esperada liberação, alegando nas ‘razões do veto’, que isso iria se constituir
perigoso precedente para a atividade de controle de OGM não autorizado e, ainda, que sua
aprovação seria interpretada como flexibilização do Poder Executivo para as atividades
irregulares de OGM. Ao tomar essa decisão o governo sinalizou com um rumo totalmente
diferente do adotado com a soja RR, jogando um “balde de água fria” nos ânimos dos que
apostavam na manutenção da conduta.
Após a liberação para uso comercial de novos eventos transgênicos, estes deverão ser
incorporados às cultivares adaptadas aos locais onde serão plantadas para que possam ser
registradas no RNC. A relação dos materiais de cultivo liberados está disponibilizada para
consulta na internet, na página oficial do MAPA e da CTNBio.
95
As liberações comerciais tiveram início pela soja RR em 2005, cuja autorização
definitiva está no texto da Lei 11.105/2005. Em 2006 não ocorreram liberações comerciais; no
final de 2006 foi alterado o quórum da CTNBio de 2/3 para maioria absoluta e, nos anos
seguintes, ocorreram várias liberações.
Após a autorização pela CTNBio o cultivo passa a ser totalmente liberado, observadas
as restrições que venham a ser expressamente impostas pela Comissão, como proibição de
cultivo em determinadas regiões, distanciamento de culturas convencionais, etc.
Além do material liberado para cultivo, diversos outros estão autorizados para a
chamada “liberação planejada” que é realizada sob a responsabilidade da empresa de
pesquisa, em local previamente autorizado e deve seguir rigorosamente as determinações do
Parecer da CTNBio. A fiscalização dos experimentos é realizada diretamente pelos fiscais do
Ministério da Agricultura, que mantém informada a CTNBio de qualquer ocorrência.
Segundo Silveira “a primeira lei de patentes que contemplou a proteção intelectual de
plantas no Brasil se deu em 1945 quando o então presidente Getúlio Vargas mandou elaborar
um código de propriedade industrial que foi nesse mesmo ano instituído por decreto.”152
O
texto legal dizia que a proteção da propriedade industrial se efetivava mediante a concessão
de patente de invenção, de modelos de utilidade de desenhos, ou modelos industriais e
variedades de novas plantas. No entanto, o mesmo texto, determinava que a proteção
intelectual de variedades de novas plantas dependeria de regulamentação especial.
Ainda segundo Silveira, no início dos anos 90, acirrou-se a discussão sobre a
necessidade da uniformização da aplicação das normas de proteção intelectual a nível
mundial. Como resultado, em 1995, entra em vigor o Tratado de Marrakesh, do qual o Brasil é
signatário, que cria a Organização Mundial do Comércio e, ainda o conhecido como Trade
Related Intelectual Property Rights (TRIPS), que tem como objetivo a uniformização da
proteção intelectual entre os países, buscando, assim, evitar a concorrência desleal pelo não
pagamento de royalties por alguns países. Com a ratificação do TRIPS pelo Brasil, o país se
comprometeu a proteger as variedades vegetais, seja pelo sistema de patentes ou por outro
sistema.
Conforme Toledo,
[...] em janeiro de 1996 foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº.
1.457/96 que determinava que a proteção das variedades vegetais que ficaram
excluídas da Lei de Propriedade Industrial fossem protegidas por um sistema sui
152 SILVEIRA, Newton. Transgênicos no Brasil: aspectos regulatórios. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL.
TRANSGÊNICOS NO BRASIL, 1., São Paulo, 2003. Anais… São Paulo: USP, 2003, p. 119-121.
96
generis, resultando na promulgação e vigência da Lei 9.456/97 (Lei de Proteção de
Cultivares), aprovada em 28/04/97.153
A execução dos trabalhos ficou a cargo do Ministério da Agricultura, através do
Serviço Nacional de Proteção de Cultivares que concede o registro ao proprietário dos direitos
intelectuais pelo desenvolvimento e/ou descoberta da planta. Para a proteção intelectual de
OGM’s aplica-se a Lei de Propriedade Industrial (9.279/96) visto que o se está protegendo
não é uma cultivar, mas um processo tecnológico que insere determinadas modificações na
planta e/ou um determinado gene isolado. Essa característica do OGM pode ser utilizada para
a modificação de diversas culturas e, até mesmo, espécies vegetais distintas.
A demanda pelo material a ser plantado busca em primeiro lugar algo que seja
adaptado à região de cultivo e que seja oficialmente recomendado, ou seja: o plantio de uma
variedade de soja recomendado para a região sul pode não ser produtiva, quando plantada na
região centro-oeste. Com isso as empresas que detém a tecnologia de um determinado OGM
que tenha sido liberado para plantio terá que inserir essas características em uma cultivar
adaptada à região onde será cultivada.
Caso não tenha esse material, terá que se associar ou pagar royalties a quem seja
detentor de uma cultivar produtiva que receberá a carga genética que contenha as
características transgênicas de interesse.
Conforme Penteado, “os royalties pela utilização do OGM é feito diretamente pelo
produtor ao adquirir a semente, já os royalties pela utilização de uma cultivar protegida é pago
pelo ‘produtor’ da semente.”154
Ressalte-se, ainda, que todo produtor que comprar as
sementes e adotar a produção de algum OGM fica obrigado a pagar os royalties a quem tem
direito, o detentor do registro, além de subordinar-se a qualquer outro método ou condição
imposta de técnica de cultivo ou manejamento do organismo.
Quando se trata de material de cultivo que tenha sido objeto de modificação genética
(OGM), além de todo o processo de liberação perante a CTNBio, ainda esse material terá que
passar pelo processo de registro de sementes ou mudas perante o órgão competente do
Ministério da Agricultura de forma a atender as exigências da Lei n. 9456, de 25 de abril de
1997 (Lei de Proteção de Cultivares). Conforme essa lei, a utilização pelo produtor de
sementes, de uma cultivar protegida, só poderá ser feita mediante autorização prévia do
153 TOLEDO, Simone Seghese de. Organismos geneticamente modificados e a proteção dos direitos de
propriedade intelectual no Brasil. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/ propried_intelectual_simone_seghese_de_toledo.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2013. 154 PENTEADO, Maria Isabel de Oliveira. Patentes em biotecnologia no Brasil. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans15.htm>. Acesso em: 23 nov. 2013.
97
criador da cultivar, que poderá ou não exigir o pagamento de “royalties” pela sua exploração
comercial.
Após a aprovação do evento transgênico pela CTNBio o detentor dessa tecnologia fará
sua incorporação em um cultivar adequado às condições locais e dará início ao processo de
registro de cultivares que contenham o OGM específico no Serviço Nacional de Proteção de
Cultivares no Ministério da Agricultura. Somente após a aprovação desse registro poderão ser
inscritos os campos de produção de sementes para produção comercial.
3.7 ROTULAGEM OBRIGATÓRIA DOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS
A rotulagem de produtos que contenham OGMs é aceita por quase todos os Membros
da OMC, embora não haja consenso internacional sobre as regras para rotulagem desses
produtos. Seja como for, é certo que as autoridades dos países, em sua maioria, adotam a
rotulagem obrigatória, exceto os Estados Unidos.
A União Europeia, diferentemente dos Estados Unidos, determina que os gêneros
alimentícios transgênicos sejam rotulados, independentemente de sua equivalência
substancial, aplicando, dessa forma, como já mencionado, o princípio da precaução.155
Na União Europeia onde a preocupação com a rotulação dos alimentos contendo
OGM é mais acentuada, estabeleceu-se a Diretiva 2001/18/CE, que regulamentou a colocação
de OGMs no mercado, baseado na valorização dos riscos ao meio ambiente e à saúde do
consumidor, o monitoramento dos efeitos após a introdução no mercado, a necessidade de
rotulação e a aplicação do procedimento para o rastreamento. Outrossim, percebe-se que as
exigências da rotulagem não serão aplicáveis aos alimentos contendo vestígios de OGM numa
proporção não superior a 0,9% dos ingredientes que o compõem, desde que a presença seja
acidental ou tecnicamente inevitável.
Nos Estados Unidos, que possuem a maior área cultivada de plantas geneticamente
modificadas do mundo, os produtos derivados da biotecnologia são aprovados
comercialmente por agências administrativas governamentais, com destaque para a APHIS
(Animal an Plant Health Ispection Service), a EPA (Environmental Protetion Agency) e a
FDA (Food and Drug Administration).
A FDA é o órgão governamental encarregado de fiscalizar a produção e a
comercialização de alimentos, que deixa à critério da empresa mencionar no rótulo do
155 PENTEADO, Maria Isabel de Oliveira. Patentes em biotecnologia no Brasil. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/reportagens/transgenicos/trans15.htm>. Acesso em: 23 nov. 2013.
98
alimento a existência de organismo geneticamente modificado na composição do produto,
visto que nos Estados Unidos a rotulagem é voluntária.
Entretanto, A FDA realiza a análise do produto (alimento) antes da aprovação para o
consumo, mediante o monitoramento de uma série de fatores como nutrição, segurança,
potencial alergênico e toxicidade, atuando diretamente junto às empresas de alimentos,
ajudando-as a avaliar a segurança de suas matérias-primas, garantindo a ausência de riscos
para o consumo de seus produtos finais.156
A FDA exige que os alimentos derivados de biotecnologia deverão ser rotulados se a
composição ou o valor nutricional do produto possuir uma diferença significante em
comparação ao seu similar convencional ou se apresentar risco à saúde, exigindo também a
rotulagem se o alimento contendo OGM possuir material genético derivado de substâncias
alergênicas. Desse modo, verifica-se que os parâmetros fundamentados no princípio da
equivalência substancial são utilizados para exigir a rotulagem. Assim, se o alimento
geneticamente modificado não for diferente do convencional, a rotulagem não é obrigatória.
Os Estados Unidos criticam a rotulagem obrigatória de alimentos geneticamente
modificados, sobretudo na União Europeia, como sendo nada mais que proteção ao comércio
internacional de competição estrangeira.
Em novembro de 2012, os eleitores da Califórnia realizaram um plebiscito sobre a
obrigatoriedade da rotulagem em alimentos geneticamente modificados, conhecido como
Proposta 37 (Proposition 37), cuja lei exigiria a rotulagem obrigatória de alimentos contendo
OGMs nos Estados Unidos, começando a vigorar em 2014.
A Proposta 37 estabelecia, dentre outros medidas, que o nível de tolerância de OGM
na composição dos alimentos fosse de 0,5% do peso final do produto que, segundo os
opositores, é o nível limiar mais rigoroso para vestígios de OGM em qualquer esquema
internacional de rotulagem obrigatória, incluindo o da União Europeia (EU) onde o vestígio é
de 0.9% para presença acidental de OGM.157
Várias multinacionais, como a Coca-Cola, PepsiCo, General Mills, Monsanto e
DuPont, investiram pesado para derrotar a Proposta 37 na Califórnia.
Os defensores argumentavam que a Proposta 37 daria o direito as pessoas de saberem
o que está presente nos alimentos que comem e dão aos seus familiares, para que possam
156 GASPARINI, Bruno. Transgenia na agricultura. Curitiba: Juruá, 2009, p. 239 157
CARTER, C.A. GRUÈRE, P. McLaughlin and M. MacLachlan. 2012. California’s Proposition 37: Effects of
Mandatory Labeling of GM Food. ARE Update 15(6): 3-8. University of California Giannini Foundation of
Agricultural Economics. p. 03
99
escolher se querem comprar esses produtos ou não.
Os opositores, por outro lado, alegavam que os requisitos exigidos para rotulagem iria
aumentar os custos do Estado em mais de US$ 1 milhão por ano.
A Proposta 37, enfim, foi rejeitada pelos californianos por 51,4% contra 48,5%, no dia
06 de novembro de 2012.158
No Brasil, além do Código de Defesa do Consumidor, que será abordado no item
seguinte, a Lei de Biossegurança, dispõe em seu artigo 40 que “os alimentos e ingredientes
alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou foram produzidos a
partir de OGM ou derivados deverão conter a informação nesse sentido em seus rótulos,
conforme regulamento.”
Também o Decreto 4.680, de 24 de abril de 2003, determina em seu art. 2º que o
consumidor deverá ser informado sempre que o produto contenha ou seja produzido a partir
de OGM, com presença acima do limite de 1% do produto.
Além disso, tanto nos produtos embalados como nos vendidos à granel ou in natura,
prevê o § 1º, do art. 2º do referido decreto, que o rótulo da embalagem ou do recipiente em
que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o
símbolo, uma das seguintes expressões: ‘(nome do produto) transgênico’, ‘contém (nome do
ingrediente ou ingredientes) transgênicos(s)’ ou 'produto produzido a partir de (nome do
produto) transgênico’.
Pela regra do mencionado dispositivo acima, o rótulo deve conter ainda o símbolo que
indica a presença de transgênico, a fim de facilitar a visualização do consumidor.
Diante disso, a Portaria n. 2.658, de 22 de dezembro de 2003, do Ministério da Justiça,
o símbolo consiste em um triangulo com a letra “T” em seu interior na cor preta e o seu fundo
interno na cor amarela.159
A seguir a figura que apresenta este símbolo:
158 CALIFORNIA Proposition 37. Mandatory Labeling of Genetically Engineered Food (2012). Disponível em:
<http://ballotpedia.org/California_Proposition_37,_Mandatory_Labeling_of_Genetically_Engineered_Food_(20
12)>. Acesso em: 24 fev. 2014. 159
BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria nº 2658, de 22 de dezembro de 2003. Definir o símbolo de que trata
o art. 2º, § 1º, do Decreto 4.680, de 24 de abril de 2003, na forma do anexo à presente portaria. Disponível em:
<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/1e3d43804ac0319e9644bfa337abae9d/Portaria_2685_de_22_de
_dezembro_de_2003.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 24 nov. 2013.
100
Figura 1 – Símbolo que indica a presença de transgênico
Fonte: Brasil. Portaria nº 2658, 22/12/2003.
Desse modo, é certo que o Brasil, assim como muitos outros países, adotou um
sistema de rotulagem bastante abrangente para os produtos que contenham, ou seja,
produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, assegurando aos consumidores
o direito a informação, assegurado constitucionalmente.
Não obstante a vasta gama de normas jurídicas no tocante a obrigatoriedade de
informar ao consumidor sobre os produtos contendo OGM, o que se vê é que demorou alguns
anos para esta legislação ser cumprida, o que restou efetivamente atendido após decisões
judiciais neste sentido, sendo a primeira delas em desfavor das empresas Bunge Alimentos160
,
que foi obrigada judicialmente à rotulagem de produtos alimentícios transgênicos, adequando-
os à legislação federal.
160
BRASIL. Justiça Federal de Primeira Instância. Seção Judiciária do Piauí, 3ª Vara. Ação Civil Pública nº 2007.40.00.000471-6. Requerente: Ministério Público Federal. Requeridos: União e Bunge Alimentos S/A.
Julgador: juiz federal Régis de Souza Araújo. Terezinha, 02 fev. 2010. Disponível em:
<http://www.prpi.mpf.mp.br/www/arquivos/acp/ACP-Transgenicos.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2013.
101
4 UMA ANÁLISE DO SISTEMA OMC EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS
FITOSSANITÁRIAS E SUA APLICAÇÃO AOS TRANSGÊNICOS
O insucesso da política econômica implementada no pós-guerra e os trágicos
resultados advindos da adoção da política de indenização injusta imposta aos países
perdedores da 1ª Guerra Mundial, motivos para a ocorrência do segundo conflito, confluíram
para a adoção de um novo modelo econômico internacional. Neste contexto, surge a
Organização Mundial do Comércio.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma organização internacional, uma
pessoa jurídica que se forma a partir de uma associação permanente de Estados, com objetivos
lícitos, dotada de órgãos administrativos próprios, cujas atribuições e propósito sejam
destacados das pessoas que a compõem e que tenha poderes legais exercitáveis no plano
internacional.
O principal escopo da OMC é o de facilitar a liberalização do comércio, por meio do
estabelecimento de um fórum permanente de discussão e deliberação161
, um conjunto de
normas para o comércio internacional e um sistema de solução de controvérsias.
Por objetivar a promoção da liberalização do comércio internacional, a OMC encontra
justificativa para a sua existência na teoria que vincula liberalização comercial e
desenvolvimento. Para melhor compreender essa afirmativa, é útil descrever, ainda que
resumidamente, algumas das teorias que correlacionam comércio internacional e
desenvolvimento, bem como delinear a história da criação da OMC.
No presente capítulo serão estabelecidas algumas premissas sobre o comércio
internacional e sua importância para o desenvolvimento das economias, características da
OMC, e aspectos destacados de suas normas com destaque às medidas fitossanitárias.
4.1 COMÉRCIO INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO
O comércio internacional pode ser compreendido, ou justificado, de diversas maneiras.
Uma delas é a teoria das vantagens absolutas, segundo a qual o comércio internacional se
justifica pelas diferentes facilidades de cada país em produzir um determinado conjunto de
produtos, sendo mais vantajoso adquirir pelo comércio os demais.162
Clima, características do
161
WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Understanding the WTO. 3rd
Genebra: WTO, 2003. 162 ROBOCK, Stefan H.; SIMMONDS, Kenneth. International business and multinational enterprises. 3rd ed.
Illinois: Richard D. Irwin, 1983, p. 33-34.
102
solo, disponibilidade de recursos naturais, qualificação da mão de obra e tecnologia
disponível estariam entre os fatores determinantes das vantagens absolutas.163
Outro importante argumento em favor do comércio internacional é o desenvolvido por
Brue164
, como teoria das vantagens comparativas, cuja principal inovação foi a de propor que
mesmo na hipótese em que dois países tenham facilidade na produção das mesmas
mercadorias, o comércio internacional entre eles poderá ser vantajoso a ambos. Ricardo
baseou sua teoria num exemplo com a produção de tecido e de vinho por Portugal e
Inglaterra, procurando demonstrar que, embora os dois países tivessem inclinações naturais
(vantagens absolutas) para a produção de ambas as mercadorias, seria mais vantajosa a
solução que apresentasse a melhor relação entre “unidades de trabalho” (com o que se refere à
uma hora trabalhada por um trabalhador), caso em que caberia à Inglaterra a especialização
em tecido, a Portugal em vinho.
Krugman e Obstfeld relatam que a teoria das vantagens comparativas foi mais
recentemente desenvolvida e explicada a partir da ideia de “custo de oportunidade”, que se
traduz na racionalidade econômica da alocação de recursos, que são naturalmente
limitados.165
Exemplificam essa ideia com a afirmativa de que, conquanto os EUA tenham o
potencial para cultivar rosas que possam ser colhidas em fevereiro, a fim de suprirem a
demanda do Dia dos Namorados, é mais vantajoso importá-las, enquanto os recursos
produtivos nacionais estão investidos na produção de outras mercadorias, como
computadores.
Outra abordagem para a explicação do comércio internacional encontra seu foco não
na ideia de crescimento econômico nacional, mas sim no comportamento empresarial, a partir
da noção de que o desenvolvimento de uma empresa se inicia normalmente em âmbito local,
para depois crescer ao regional, nacional e, eventualmente, internacional, o que se pode
justificar por diversas circunstâncias, entre elas a busca de mercados e facilidade apresentada
em outros países para a comercialização de seu produto.166
O tema das explicações do comércio internacional é controvertido na literatura
especializada, podendo-se afirmar que os economistas, como comunidade científica, não
abraçaram qualquer teoria explicativa como sendo a definitivamente mais completa ou
163 ROBOCK, Stefan H.; SIMMONDS, Kenneth. International businessand multinational enterprises. 3rd ed.
Illinois: Richard D. Irwin, 1983, p. 34. 164
BRUE, Stanley L. História do pensamento econômico. São Paulo: Thompson, 2006, p. 116-117. 165 KRUGMAN, Paul R.; OBSTFELD, Maurice. Economia internacional: teoria e prática. 6. ed. São Paulo:
Pearson Addison Wesley, 2005, p. 7-8. 166 ROBOCK; SIMMONDS, op. cit., p. 41.
103
correta.167
Quando se tem em mente a diversidade de opiniões relativas à explicação para o
comércio internacional, é fácil imaginar que a relação entre comércio internacional e
desenvolvimento será igualmente uma questão controvertida. E de fato é assim, mas também
em razão da diversidade de opiniões sobre o próprio conceito de desenvolvimento.
Barral anota que o conceito de desenvolvimento vem sofrendo diversas mudanças ao
longo da história, sendo ora associado ao poder político-militar, ora ao crescimento
econômico.168
Assim, no século XVI, pensava-se o desenvolvimento nacional como um
agregado de poder militar, posse de colônias e acumulação de metais preciosos. Essa
concepção, vinculada à ideia de poder na Roma Antiga, foi transformada a partir da influência
do pensamento liberal, que deslocou o centro da ideia de desenvolvimento para o poder
econômico, em especial aquele gerado pela especialização do trabalho e do comércio.
Já no século XX, a partir do pensamento de Keynes, o conceito de desenvolvimento se
afastaria um pouco da ideia de poder, de Estado, para vincular-se a bem-estar, ou seja, ao lado
da grandeza econômica, a sua transformação em benefício social.169
Furtado170
teria sido um importante autor na inserção de elementos não econômicos na
ideia de desenvolvimento, cuidando da interferência de relações de poder entre economias
nacionais, no que designou de ‘estrutura dualista’, em que certos países ocupavam a posição
de economias dependentes. Para Furtado, o desenvolvimento econômico de países
dependentes estaria condicionado à intervenção estatal para favorecer o setor de serviços e o
da indústria de transformação, o que ocasionaria um aumento da classe média, com
importantes reflexos para a organização política e jurídica daquele país.
Nesse contexto teórico é que se insere a OMC, uma instituição que visa a
regulamentar a liberalização do comércio internacional, o que poderá ser analisado
criticamente de diversas maneiras, conforme a compreensão que se tenha de comércio
internacional, de desenvolvimento e da relação entre ambos.
A instituição tem raízes remotas nos acordos sobre comércio internacional firmados no
final do século XIX, mas sua origem está mais intimamente relacionada com o acordo
comercial conhecido como GATT, um tratado internacional firmado no período pós Segunda
167 ROBOCK, Stefan H.; SIMMONDS, Kenneth. International businessand multinational enterprises. 3rd ed.
Illinois: Richard D. Irwin, 1983, p. 49. 168 BARRAL, Welber. Direito e desenvolvimento: um modelo de análise. In: ______ (Org.). Direito e
desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimentismo. São Paulo: Singular, 2005, p. 32-34. 169 Id., Ibid., p. 35. 170 Id., Ibid., p. 37.
104
Guerra.
Na rodada de negociações do GATT iniciada no Uruguai, decidiu-se pela criação de
uma organização internacional, que se denominou Organização Mundial do Comércio
(OMC). Jackson considera a concretização da OMC foi um fato importante no processo
recente de integração comercial e interdependência econômica entre os seus países-
membros171
.
Capra avalia que a OMC é uma instituição que representa promessas não cumpridas,
tendo colaborado para a criação de normas que produzem diversas consequências negativas,
como a desintegração social, a quebra do processo democrático e uma mais rápida
deterioração do meio ambiente.172
4.2 BARREIRAS NÃO-TARIFÁRIAS E O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE
ALIMENTOS
O comércio de alimentos é sensível a barreiras não-tarifárias, particularmente aquelas
destinadas à proteção da saúde. A sua regulação é um tema que se insere na discussão sobre a
relação entre desenvolvimento, comércio e meio ambiente. O assunto naturalmente assume
relevância, por diversos motivos. Em primeiro, cuida da básica necessidade de nutrição
humana, seja diretamente, seja pela alimentação de animais que venham a ser abatidos e
transformados em alimentos.
Além disso, envolve a agricultura e a pecuária que são comumente relacionadas com o
nível de desenvolvimento econômico de um país: questões como distribuição de terra,
reforma agrária, agriculturas extensiva e intensiva, são comumente apontadas como fatores
importantes na avaliação do desenvolvimento. Sachs, por exemplo, considera que um dos
primeiros e mais urgentes problemas econômicos no continente africano é a deficiência na
produção agrícola.173
A superação dessa deficiência, a seu ver, é o primeiro obstáculo a ser
enfrentado para que o continente escape de um ciclo vicioso de pobreza.
O mercado agrícola movimenta uma substancial quantidade de recursos financeiros e
os proprietários de grandes indústrias alimentícias exercem significativa pressão sobre
políticas nacionais, bem como sobre a criação de normas internacionais que possam
171 JACKSON, John H. Sovereignty: the world trading system: law and policy of international economic
relations. 2nd Cambridge: MIT, 1997, p. 48. 172
CAPRA, Fritjof. The hidden connections: a science for sustainable living. New York: Anchor Books, 2002, p. 129. 173 SACHS, I. A riqueza de todos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 283, 287.
105
influenciar o comércio de alimentos. Em âmbito nacional, a Administração pode ceder à
pressão dos produtores nacionais para proteger os seus interesses ou simplesmente para
aumentar a sua arrecadação por meio da instituição de tarifas.
Encontra-se, também, a preocupação com os efeitos ecológicos do método de
produção agrícola. Capra denuncia a degradação ambiental causada pela chamada “revolução
verde”, em que investimento maciço em tecnologia resultou no aumento da produtividade de
grandes plantações, mas, a seu sentir, a um custo ambiental que anulou os seus resultados
positivos.174
Nesse diapasão, quando se analisa um caso relativo à segurança alimentar ou
ambiental de um determinado produto, todo esse universo de fatores é trazido à discussão.
Uma política para o setor agrícola poderá ter importante repercussão para a rentabilidade dos
seus fazendeiros, para a distribuição de renda, para a arrecadação de impostos, para o preço
do produto aos consumidores finais, para a saúde humana, para o meio ambiente.
Quando da criação da OMC, foi negociado um Acordo para a Agricultura, que teria
representado pouco progresso imediato, mas poderia favorecer a liberalização do setor no
longo prazo.175
As medidas sanitárias e fitossanitárias devem se basear em uma avaliação que
considere técnicas de avaliação de risco desenvolvidas por relevantes organizações
internacionais. Parte da literatura especializada sustenta que os países-membros da OMC
teriam o dever de conformar a sua legislação interna aos padrões internacionais firmados por
essas organizações.176
O art. 3º do Acordo SPS estabelece como meta a harmonização de normas ambientais
e orienta a adoção de padrões criados por três organizações internacionais. A primeira delas é
a Comissão do Codex Alimentarius177
, criada em 1963, vinculada à FAO e à OMS, que tem
por escopo o desenvolvimento de padrões sanitários para a alimentação. Lima178
ressalta que,
no sistema do Acordo SPS, os padrões do Codex são um referencial aos países-membros e
que qualquer medida adotada com base nesses padrões será presumidamente legítima, não
174 CAPRA, Fritjof. The hidden connections: a science for sustainable living. New York: Anchor Books, 2002, p.
186. 175 JACKSON, John H. Sovereignty: the world trading system: law and policy of international economic
relations. 2nd Cambridge: MIT, 1997, p. 314. 176 SILVA, Lígia Dutra. Agricultura e meio ambiente na mesa de negociações da Organização Mundial do
Comércio: os novos instrumentos jurídicos para manutenção das desigualdades. 2008. 169 f. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, 2008, p. 49. 177 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. O princípio da precaução no comércio multilateral. Revista Sequência.
Florianópolis, n. 47, dez. 2003, p. 141. 178 Id., Ibid., p. 142.
106
sendo, entretanto, compulsória a sua adoção. O segundo padrão seria estabelecido pelo o
Escritório Internacional de Epizootias, uma organização internacional criada em 1924 visando
regulamentar medidas de proteção para a fauna, considerando com especial atenção às
consequências do transporte de animais a um habitat no qual não haja, ou sejam incomuns,
espécimes da mesma espécie.179
O terceiro padrão internacional é o estabelecido por um órgão da FAO, criado pela
Convenção Internacional de Proteção das Plantas (CIPP), tratado multilateral celebrado em
1951345, cujo escopo é o de desenvolver padrões internacionais para medidas
fitossanitárias.180
O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias dispõe, nos parágrafos de seu art.
5.º, que (parágrafo 1.º350) as normas sanitárias ou fitossanitárias que restringirem o comércio
internacional deverão ser baseadas em “avaliação” (assessment) dos riscos à saúde ou vida
humana, animal e vegetal, levando-se em consideração as técnicas de avaliação de risco
desenvolvidas “por relevantes organizações internacionais”. Estabelece que (parágrafo 4.º351)
as medidas sanitárias deverão levar em consideração o objetivo de minimizar os efeitos
negativos ao comércio internacional.
O parágrafo 7.º do art. 5º, entretanto, abre a possibilidade de uma restrição provisória,
para a hipótese de insuficiência de evidência científica, nos seguintes termos:
Nos casos em que a evidência científica for insuficiente, um Membro poderá provisoriamente adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base na informação
pertinente disponível, incluídas as oriundas de relevantes organizações
internacionais assim como as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros
Membros. Em tal circunstância, os Membros procurarão obter a informação
adicional necessária para uma avaliação mais objetiva dos riscos e revisar a medida
sanitária ou fitossanitária dentro de um período razoável de tempo (tradução
livre).181
Referente à interpretação do parágrafo 7º, pode-se dizer que, atendido um único
pressuposto, um membro da OMC poderá adotar uma medida sanitária ou fitossanitária que
não siga todos os pressupostos do art. 5º, mas em caráter provisório, pois a medida deverá ser
revista num período razoável de tempo, aí sim observados todos os itens anteriores do art. 5º.
O pressuposto, conforme o parágrafo 7º é o de que a informação científica pertinente
179 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. O princípio da precaução no comércio multilateral. Revista Sequência.
Florianópolis, n. 47, dez. 2003, p. 146. 180 Id., Ibid., p. 149. 181
WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Agreement on sanitary and phytosanitary measures.
Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/ sps_01_e.htm#p>. Acesso em:
25 nov. 2013.
107
disponível seja insuficiente para que se possa concluir a avaliação de risco à vida ou à saúde
humana, animal ou vegetal. O item estabelece, além disso, que a medida provisória deverá se
basear nas informações disponíveis, “incluídas” as oriundas de relevantes organizações
internacionais, bem como medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros membros.
Ao tratar da medida provisória, o item 7 exige que ela se baseie em “informação
disponível”. O adjetivo disponível acrescenta pouco, pois é evidente que não se tomam
decisões com base em “informações indisponíveis”. Mas é interessante notar que o
substantivo é “informações”, e não mais “evidências científicas”, como disposto no início do
parágrafo. Scott182
, percebendo esta peculiaridade, anota que se pode argumentar no sentido
de que “informações” é mais amplo do que o de evidência científica.
Na sequência, o parágrafo 7º estabelece que, dentre as informações disponíveis, serão
consideradas “inclusive” as oriundas de relevantes organizações internacionais, bem como as
medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros membros.
O artigo 5.6 dispõe sobre a escolha da medida sanitária ou fitossanitária. Ele obriga os
Membros a assegurarem que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não são mais restritivas
ao comércio do que o necessário para o alcance dos níveis apropriados de proteção, levando
em consideração a viabilidade técnica e econômica. Uma medida é mais restritiva do que o
necessário se existe uma outra medida sanitária ou fitossanitária que está razoavelmente
disponível, alcança nível apropriado de proteção sanitária e é menos restritiva ao comércio do
que a medida contestada.183
A redação do artigo 5.7, deixa em aberto o conjunto de informações que poderá ser
utilizado para justificar ou para questionar uma medida provisional, especificando apenas que
dentro desse conjunto de informações devem constar as oriundas de três fontes: as evidências
científicas existentes à época da adoção da medida, as informações oriundas de relevantes
organizações internacionais e as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por outros
países. Este informa que os requisitos foram considerados cumulativos para evitar as
disciplinas científicas do Acordo SPS.184
O Acordo sobre SPS foi criado na com a intenção de conferir segurança jurídica em
matéria sanitária e fitossanitária. Nesse sentido, procurou atribuir parâmetros os mais
182 SCOTT, Joanne. The WTO agreement on sanitary and phytosanitary measures: a commentary. Oxford:
Oxford University, 2007, p. 120. 183 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização
Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 39-40. 184 Id., Ibid., p. 43.
108
específicos e objetivos, orientando os países-membros da OMC a levarem em consideração os
padrões estabelecidos por três organizações internacionais que são as normas sanitárias da
Codex Alimentarius, normas zoossanitárias do Escritório Internacional de Epizootias e as
normas fitossanitárias da Convenção Internacional de Proteção de Plantas. Esses padrões
devem ser objeto de ponderação pelos membros, mas sua adoção não é compulsória.185
Estando em conformidade com um padrão internacional, uma medida sanitária
presume-se hígida. Um país que adote um padrão diferente poderá ser chamado a explicar o
seu modelo, caso em que terá que oferecer uma explicação baseada em evidências científicas.
O amparo em conclusão científica foi adotado como o critério distintivo entre decisões
devidamente fundamentadas de medidas arbitrárias. Tal restrição não significa devam as
autoridades administrativas dos países-membros sujeitar-se a um conjunto determinado de
laboratórios ou pesquisadores, tampouco a seguir o entendimento majoritário em uma questão
que seja sujeita a controvérsia. Simplesmente, exige-se que a decisão administrativa seja
amparada no conhecimento científico disponível, o que significa dizer que se será consistente
com o Acordo SPS uma medida que encontre amparo em conclusão científica, ainda que esta
represente uma posição minoritária.
As medidas sanitárias e fitossanitárias variam entre os países observando os fatores
que as autoridades regulatórias nacionais levam em consideração, durante sua criação, tais
como os interesses das indústrias domésticas, a tolerância dos consumidores aos riscos, as
condições climáticas e geográficas, o nível de desenvolvimento tecnológico e os recursos
econômicos disponíveis. A diversidade de medidas sanitárias ou fitossanitárias resultantes tem
um impacto negativo no comércio, visto que os exportadores precisam atender um conjunto
grande de padrões para ganhar acesso aos mercados externos. Isso é importante para países
em desenvolvimento que não dispõem de recursos e capacidade técnica para a implementação
desses padrões diversos.186
Um país poderá sustentar níveis de proteção ambiental mais elevados do que aqueles
previstos pelos padrões internacionais, mas em tal caso deverá cuidar do seu dever de
consistência: as barreiras sanitárias e fitossanitárias não devem ser elevadas em relação aos
padrões internacionais somente naqueles casos em que a medida venha justamente a servir,
simultaneamente, propósitos comerciais. Caso a política ambiental de um país seja
185 ALTEMANI, Renato Lisboa. O princípio da precaução e as normas da OMC: o caso EC-Biotech. 2009. 200
f. Dissertação (Pós-Graduação em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas, Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. 186 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização
Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 20.
109
inconsistente, sendo acentuada quando coincidem os interesses econômicos, presumir-se-á
que não se tem uma coincidência, mas sim uma medida protecionista, contrária ao princípio
da não discriminação.
Excepcionalmente, admite-se que uma medida sanitária ou fitossanitária seja mantida,
em caráter temporário, antes da conclusão de um processo de avaliação de risco, enquanto se
buscam informações complementares para a aferição do risco representado pelo produto (ou
pelo método de produção).
4.3 MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS DA OMC
Como já abordado, após a Segunda Guerra Mundial, sob o comando dos Estados
Unidos, vários países decidiram regular as relações econômicas internacionais, visando
impulsionar a liberação comercial, combater práticas protecionistas, regulando, assim, o
comércio entre as nações. Vinte e três países, entre eles o Brasil, estabeleceram um conjunto
de normas e concessões tarifárias nominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).
As normas do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização
Mundial do Comércio (OMC) têm origem nos mencionados incisos do art. XX do GATT187
,
que, disciplinando a matéria de forma lacônica, deu margem a diversas controvérsias entre os
membros quanto à sua aplicabilidade. Surgiu então a necessidade de negociar um conjunto
mais complexo de normas sobre barreiras não tarifárias, que conferisse maior previsibilidade
ao comércio internacional de bens, notadamente no mercado agrícola.188
O GATT representou um marco na redução dos embaraços aos intercâmbios com a
diminuição gradual das tarifas aduaneiras entre os membros signatários do Acordo. As
sucessivas negociações do GATT, denominadas de “rodadas”, propiciaram a adoção de
importantes direitos de aduana, sendo que a Rodada Uruguai, ocorrida entre 1986 a 1993,
instituiu os acordos relativos a barreiras não tarifárias, dentre outras, bem como o acordo
constitutivo da OMC, encarregada de efetivar e garantir a aplicação dos acordos no âmbito de
sua competência.
Avalia que a instituição desempenha um importante papel no processo observado a
partir do final do século XX, em que se desenvolve um processo de profundas e rápidas
mudanças e necessidades de ajustes, causados pelo processo que se convencionou chamar de
187
PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 168. 188 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,
2005, p. 101.
110
“globalização”, acompanhado de mudanças significativas em governos nacionais, grande
aumento de participação de organizações não governamentais, e uma intensa ênfase em
questões econômicas, que veio a desafiar os fundamentos teóricos do direito internacional.189
Conquanto se reconhecesse o direito dos membros de adotarem cuidados com a
importação de bens que pudesse causar danos à saúde ou ao meio ambiente, verificava-se a
necessidade de criação de regras mais claras, que dificultassem o uso de justificativas
sanitárias para as medidas protecionistas. Algumas das soluções buscadas foram as exigências
de vinculação entre barreiras demandaram o incremento da exploração dos recursos naturais
em favor da atividade econômica.
O processo de negociação foi dificultado por posições diferentes entre os países-
membros quanto ao papel que deveria ser desempenhado pela ciência e por padrões
desenvolvidos por organizações internacionais: De acordo com Lima:
No decorrer de 1989 e 1990, as propostas relativas à formação do SPS não causavam
muitas discordâncias. Os Estados Unidos lutavam para que as medidas somente
pudessem ser aplicadas quando houvesse justificação científica, devendo ainda ser
reconhecido o direito de cada Parte Contratante em aplicar padrões próprios, desde
que baseados em níveis de segurança substancialmente equivalentes. Por sua vez, as
propostas europeias seguiam o mesmo teor, prevendo a importância da notificação
das medidas sanitárias e fitossanitárias aos moldes do que passou a ocorrer com o
Standards Code, buscando proteger, entretanto, o direito de aplicação de padrões próprios mesmo quando fossem mais restritivos que os internacionalmente aceitos.
Essa posição não era vista com bons olhos pelos países em desenvolvimento,
favoráveis ao seguimento dos padrões internacionais, nem pelo Grupo de Cairns,
que pretendia deixar como responsáveis pela justificação das medidas os países
importadores, e nem pelo Japão, que buscava proteger o direito aos padrões
próprios, acolhendo os internacionais como referência.190
O primeiro fruto dessas negociações, estabelecido antes da criação da OMC, foi o
Standards Code, de 1979, norma elaborada durante a rodada de negociações do GATT
iniciada em Tóquio e que teve curto período de aplicabilidade, uma vez reconhecido pelos
países membros que não dificultava a adoção de medidas protecionistas a pretexto de proteção
ambiental ou sanitária.191
Assim, já na seguinte rodada de negociações, iniciada em Punta del Leste, ao mesmo
tempo em que se discutiam os termos para a criação de uma Organização Mundial do
Comércio, negociava-se um acordo que desse maior detalhamento às normas aplicáveis a
189 JACKSON, John H. Sovereignty: the WTO and changing fundamentals of international law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006, p. 3. 190
LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,
2005, p. 103. 191 PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba:
Juruá, 2002, p. 168.
111
barreiras não-tarifárias.192
Esse tratado foi concluído e assinado em 1995 e estabeleceu
normas gerais a serem observadas pelos países signatários quando do levantamento de
barreiras técnicas e ficou conhecido como Acordo sobre Barreiras Técnicas ou Acordo
TBT.193
O Acordo sobre Barreiras Técnicas, contudo, embora abrangesse a temática ambiental,
tinha um propósito mais amplo, e não trazia detalhamento sobre a disciplina de barreiras
sanitárias e fitossanitárias, tema que foi objeto de um tratado negociado separadamente.
Assim é que, ao mesmo tempo em que se discutia o Acordo TBT, realizavam-se as
negociações que culminaram no Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, ou Acordo
SPS, cujas normas são aplicáveis a medidas restritivas ao comércio internacional e destinadas
a proteger um conjunto de riscos à saúde humana, vegetal e animal, inclusive aqueles
derivados de aditivos, contaminantes, toxinas e microrganismos causadores de doenças, tendo
por objetivos proteger a segurança alimentar e prevenir a proliferação de pestes e doenças na
agricultura.194
O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, também adotado em 1995,
estabeleceu normas gerais sobre medidas restritivas ao comércio destinadas à proteção da
saúde humana ou à proteção da fauna e da flora.195
Nas palavras de Lima,
O acordo abarca a proteção da saúde humana, animal e vegetal, da segurança
alimentar e ainda de possíveis medidas regulatórias neste sentido. Faculta aos
membros a adoção de tais medidas, desde que cientificamente fundamentadas, no
intuito de evitar o surgimento de barreiras desnecessárias e injustificáveis ao
comércio.196
O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) é um acordo que trata de
barreiras técnicas no âmbito do OMC, permitindo a aplicação de medidas que restrinjam a
liberdade de comércio, quando houver necessidade de proteger a vida e a saúde humana,
animal e vegetal. Conforme a Conferência das Nações Unidas sobre comércio e
desenvolvimento:
Nesse sentido, o Acordo SPS cria disciplinas aplicáveis a medidas para a proteção da saúde e vida humanas e dos animais (medidas sanitárias) e da saúde e vida das
192 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,
2005, p. 101. 193 Id., Ibid., p. 94. 194 SCOTT, Joanne. The WTO agreement on sanitary and phytosanitary measures: a commentary. Oxford:
Oxford University, 2007, p. 1. 195 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Agreement on sanitary and phytosanitary measures. Disponível
em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/ sps_01_e.htm#p>. Acesso em: 25 nov. 2013. 196 LIMA, op. cit., p. 196.
112
plantas (medidas fitossanitárias) contra riscos certos e definidos. Ele objetiva
equilibrar o direito dos Membros de tomar medidas para proteger, em seus
territórios, a saúde de riscos contidos nos alimentos comercializados e nos produtos
agrícolas, com o escopo de liberalização do comércio no setor de alimentos e
produtos agrícolas. De maneira geral, o Acordo SPS objetiva reconciliar o livre
comércio com preocupações legítimas com a vida e saúde dos homens, animais e
plantas. O Acordo SPS dá especial importância para os países em desenvolvimento, muitos dos quais são exportadores de produtos agrícolas e dependem do acesso a
mercados estrangeiros para a obtenção de muito de sua receita externa.197
O objetivo do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias é traçar regras que
visem impedir que medidas criadas pelos Membros da OMC constituam barreiras ao
comércio internacional, incentivando a harmonização destas medidas em nível internacional,
com intuito de estabelecer um quadro de regras capazes de orientar a adoção, elaboração e
aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias, de forma a minimizar seus efeitos sobre o
comércio internacional.
A determinação de medidas de caráter fitossanitário e sanitário deve atender a certos
critérios estabelecidos pela própria OMC, a fim de evitar que seu uso seja destinado a fins
outros que não a proteção da vida humana, animal e vegetal. A definição do que sejam
medidas sanitárias e fitossanitárias, encontra-se no ANEXO A do Acordo SPS198
, nos
seguintes termos:
ANEXO A
DEFINIÇÕES
1 – Medida sanitária ou fitossanitária – Qualquer medida aplicada:
(a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde animal ou vegetal, dos
riscos resultantes da entrada, do estabelecimento ou da disseminação de pragas,
doenças ou Organismos patogênicos ou portadores de doenças; (b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal, dos
riscos resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos
patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal; (c) para proteger, no território
do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal, de riscos resultantes de pragas
transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados ou da entrada,
estabelecimento ou disseminação de pragas ou
(d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros prejuízos resultantes da
entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas. As medidas sanitárias e fitossanitárias incluem toda legislação pertinente, decretos
regulamentos, exigências e procedimentos, incluindo, critérios para o produto final,
processos e métodos de produção, procedimentos para testes, inspeção, certificação
e homologação, regimes de quarentena, incluindo, inter alia, exigências pertinentes,
associadas com o transporte de animais ou vegetais ou com os materiais necessários
para sua sobrevivência durante o transporte, disposições sobre métodos estatísticos
pertinentes, procedimentos de amostragem e métodos de avaliação de risco e
197
CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 6. 198 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Acordo sobre medidas sanitárias e fitossanitárias.
Disponível em: <http://www.wto.org/spanish/tratop_s/sps_s/sps_s.htm>. Acesso em: 26 out. 2012.
113
requisitos para embalagem e rotulagem diretamente relacionadas com a segurança
dos alimentos.199
Trata-se, pois, de barreiras não tarifárias (BNTs) que restringem a entrada de
mercadorias importadas que possuem como fundamento requisitos técnicos, sanitários,
ambientais, laborais, restrições quantitativas (quotas e contingenciamento de importação),
bem como políticas de valoração aduaneira, de preços mínimos e de bandas de preços,
diferentemente das barreiras tarifárias, que se baseiam na imposição de tarifas aos produtos
importados.
Lima traz a seguinte definição do que seja uma medida sanitária e fitossanitária, no
âmbito do Acordo SPS:
Uma medida sanitária é uma barreira não-tarifária aplicada para proteger a vida e a saúde humana e animal. Quando um Membro restringe a importação de carne bovina
in natura a fim de prevenir a entrada em seu território da doença da vaca louca ou do
vírus causador da febre aftosa, adota uma medida sanitária.
Já uma medida fitossanitária é aplicada quando se quer proteger a saúde das plantas.
Nesse sentido, exigir tratamento da madeira utilizada na fabricação de embalagens
para prevenir o transporte de doenças ou pestes até o território do Membro
importador de algum produto, ou proibir a importação de frutas para evitar a entrada
ou a disseminação da mosca da fruta representam exemplos de medidas fitossanitárias.200
Normalmente, as barreiras não tarifárias (BNTs) visam proteger bens jurídicos
importantes para os Estados, como a segurança nacional, a proteção do meio ambiente e do
consumidor, e ainda, a saúde dos animais e das plantas.
No entanto, é justamente o fato de os países aplicarem medidas ou exigências sem que
haja fundamentos científicos nítidos que as justifiquem, que dá origem às barreiras não
tarifárias ao comércio, formando o que se chama de neoprotecionismo.
Desse modo, o Acordo assegura que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam
tomadas com base em uma avaliação que levará em consideração as técnicas de avaliação de
riscos desenvolvida pelas organizações internacionais competentes.
Verifica-se que países menos desenvolvidos economicamente e tecnologicamente
possuem maiores dificuldades para sustentar suas medidas científicas, razão pela qual estão
sujeitos aos ditames dos países desenvolvidos cujo aparato técnico-científico apresenta
melhores condições de avaliação científica de determinado produto.
199 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Acordo sobre a aplicação de
medidas sanitárias e fitossanitárias. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/ arquivo/secex/omc/acordos/ portugues/13medidassanitarias.pdf>. Acesso em: 18 out. 2012. 200 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,
2005, p. 108.
114
4.3.1 Verificação de Riscos
O Acordo SPS estabelece como principal critério a ser observado por seus Membros
na adoção de medidas sanitárias ou fitossanitárias a avaliação objetiva dos riscos com base
científica, a fim de evitar que os Membros utilizem as medidas sanitárias e fitossanitárias
como restrições veladas ao comércio.
Ainda, de acordo com o artigo 5.2 do SPS, um processo de verificação de risco deve
considerar as evidências científicas disponíveis, processos e métodos de produção, inspeção,
métodos de amostragem e testes, prevalência de doenças específicas ou pestes, existência de
áreas livres de pestes e doenças, condições ecológicas e ambientais, e tratamentos de
quarentena ou outros.
O parágrafo 4, do Anexo A, do Acordo SPS, estabelece que na avaliação de riscos
devam ser levadas em consideração as potenciais consequências biológicas e econômicas,
bem como a avaliação dos possíveis efeitos adversos para a saúde humana e animal advindas
da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos causadores de doenças em
alimentos, bebidas ou suprimentos, levando em conta as técnicas de avaliação desenvolvidas
por relevantes organizações internacionais. Sobre a verificação de risco, entende Lima que:
[...] falar em verificação de risco importa buscar ter comprovação de que a medida
aplicada não irá simplesmente restringir o comércio internacional, mas sim visará
garantir a proteção de objetivos legítimos, como a vida ou a saúde humana, animal
ou vegetal.
Diante do peso das barreiras não tarifárias na OMC, vários fatores devem ser
ponderados para que se chegue a um equilíbrio entre a liberdade comercial e os objetivos legítimos. Nesse sentido, o artigo 5.3 do SPS impõe sejam observados,
quando da verificação de risco e da aplicação do nível apropriado de proteção,
fatores econômicos como as perdas de produção e de vendas motivadas pela entrada,
estabelecimento ou disseminação de uma doença, os custos de controle ou
erradicação no território do Membro importador e a relativa eficácia dos custos de
métodos alternativos a limitar riscos.201
Desse modo, a verificação de risco é necessária quando se intenciona fundamentar
uma medida sanitária ou fitossanitária para evitar riscos para a vida e a saúde humana, animal
e vegetal, porém, sempre levando em conta as técnicas de avaliação desenvolvidas por
organizações internacionais, evitando que seja um obstáculo ao comércio e que não tenha
fundamentação científica.
Se uma medida sanitária ou fitossanitária for adotada por um Membro sem, contudo,
201 LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Medidas sanitárias e fitossanitárias na OMC. São Paulo: Aduaneiras,
2005, p. 116.
115
observar a avaliação de riscos apresentada, revelando-se, pois, um obstáculo comercial, o
Membro que se sentir prejudicado pode requerer, a princípio, o fornecimento de uma
explicação pela adoção da aplicação da medida sanitária ou fitossanitária.
4.4 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC
Para executar os direitos contidos no Acordo SPS, os Membros podem recorrer ao
sistema de solução de controvérsias da OMC, conforme disposto no Entendimento sobre
Solução de Controvérsias (DSU). As regras e procedimentos definidos no DSU se aplicam
total e incondicionalmente a conflitos que surgem nos termos do Acordo SPS.202
A defesa dos interesses dos atores privados, nesse caso, se fará por meio do Estado.203
O Órgão de Apelação do Organismo de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC (ou Dispute
Settlement Body – DSB), entretanto, já decidiu no sentido de que o painel e o Órgão de
Apelação têm poder discricionário para admitir a intervenção processual de organizações não-
governamentais, em caráter meramente informativo, como ocorreu no caso US-Shrimp.
A OMC tem um corpo administrativo próprio para tratar de questões relativas a
soluções de controvérsias, o Dispute Settlement Body, DSB, ou Organismo de Solução de
Controvérsias (OSC), composto por representantes de todos os países-membros204
.
O OSC, na execução de seus objetivos institucionais, conta com o apoio da Secretaria-
Geral da OMC.205
Braz observa que a única exceção à universalidade de representação no
OSC é a hipótese de disputas envolvendo um Acordo Comercial Plurilateral, caso em que
somente os membros que forem parte do acordo em questão poderão participar das decisões a
serem tomadas pelo OSC.206
Os trabalhos do OSC são coordenados por um chairperson, que é apontado por
consenso pelos membros da OMC.207
A palavra “chairperson” não tem uma perfeita tradução
em português, mas se pode chamar de presidente, diretor ou secretário. Trata-se da pessoa que
chefia as atribuições administrativas do órgão e preside as sessões.
Em tribunais e órgãos legislativos, no Brasil, seria o presidente a fim de se evitar
202 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização
Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 53. 203 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New
York: Cambridge University, 2007, p. 9. 204 Id., Ibid. p. 17. 205
BRAZ, Mario Sergio Araujo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006, p. 59. 206 Id., Ibid., p. 57. 207 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO), op. cit., p. 19.
116
confusão com o diretor-geral, que é o chefe administrativo de toda a OMC, é interessante que
se traduza chairperson como “presidente” ou “secretário”. Braz anota que o presidente do
OSC é normalmente um dos embaixadores dos países-membros e suas funções são, entre
outras, a de enviar informações aos membros, presidir as reuniões do órgão e enumerar os
assuntos em pauta.208
É ao presidente do OSC que devem ser dirigidas as comunicações dos
países-membros ao OSC.209
A composição de conflitos no âmbito do OSC é feita em diversas etapas, iniciando-se
pela negociação diplomática entre reclamante e reclamado, na chamada fase de consultas
(ESC, art. 4º). Caso as partes não entrem em acordo, a solução ordinária prevista pelo ESC é a
instalação de painel. Alternativamente, entretanto, as partes poderão optar pela designação de
um árbitro para solucionar a controvérsia.210
A instalação de um painel é a criação de uma
junta de painelistas (ordinariamente três) que irão julgar a reclamação, ou seja, irão avaliar se
a conduta do reclamado é inconsistente com as regras da OMC.
A escolha dos painelistas pode ser feita pelas partes, que contam com o auxílio de uma
lista de painelistas mantida pela Secretaria-Geral da OMC, relacionando nomes indicados
pelos países membros. Caso os países não entrem em acordo em relação aos nomes, estes
poderão ser escolhidos pelo Secretário-Geral.
Os painelistas são especialistas em comércio internacional, mas não necessariamente
nos campos científicos cujo exame seja relevante para a causa, como, por exemplo, a
justificativa para uma barreira sanitária. O art. 13 do ESC, por isso, dispõe sobre a
possibilidade da oitiva de peritos. A avaliação da necessidade de tal prova fica a critério dos
painelistas, que devem ter os elementos que considerem necessários à elaboração do relatório
final, e independe de requerimento das partes.211
O painel será estabelecido por meio de um “termo de referência” (Art. 7º, parágrafo 1),
que informará a todos os membros da OMC sobre o caso, especificando a parte reclamante, a
parte reclamada e os dispositivos legais invocados (parágrafo 2º). Na eventualidade de mais
de um membro requerer a instalação de painel relacionado com a mesma matéria, as
reclamações deverão ser reunidas em um único processo (art. 9º, § 1º).
O procedimento e os prazos processuais se submetem a algumas regras básicas
prefixadas pelo ESC, e a outras delimitadas pelo próprio painel. O comum é que, formado o
208 BRAZ, Mario Sergio Araujo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006, p. 59. 209
WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New
York: Cambridge University, 2007, p. 19. 210 Id., Ibid., p. 24. 211 Id., Ibid., p. 25.
117
painel, os painelistas conversem sobre as normas de procedimentos que consideram
adequadas, depois convoquem as partes para uma reunião para estabelecer um calendário de
trabalho, ou seja, quais atos serão realizados, em que sequência e em que prazos.212
Conforme dispõe o ESC em seu art. 15, o painel, após colher as manifestações escritas
das partes sobre o seu relatório (report), passará à fase de deliberação interna, para resolver
sobre as questões de fato e de direito que foram sustentadas pelas partes, com vistas à
apresentação de um relatório provisório (interim report), que é uma proposta de relatório
final. Em sua estrutura de apresentação, o interim report é dividido em duas seções, sendo
uma descritiva (descriptive part), em que se relatam o processamento do feito, as alegações
das partes e, se for o caso, as manifestações de terceiros e/ou de especialistas, e a seção das
conclusões (findings).213
O relatório provisório será apresentado, em caráter confidencial, apenas às partes, que
poderão tecer comentário e, eventualmente, reclamar a realização de complemento ou
esclarecimento, além de poderem requerer uma nova reunião das partes com o painel (ESC,
art. 15.2). Ultrapassada essa fase, o painel elaborará o relatório final, que será publicado (em
circular enviada para as partes, conforme a redação do art. 16.1 do ESC) e conterá, inclusive,
a descrição das discussões que se tenham realizado na fase do interim report.
4.4.1 Utilização de Painel
O painel somente será vinculante (ou seja, somente terá força de decisão obrigatória)
após a sua adoção pelo DSB377. Uma reunião do DSB deverá ser marcada no período entre
20 e 60 dias após ter circulado o relatório final entre os membros (ESC, art. 16), a não ser que
uma das partes manifeste a intenção de apelar.214
O membro que tenha objeções contra o
relatório final deverá apresentá-las por escrito, até 10 dias antes da data da reunião do ESC.
Caso não haja apelação, o resultado comum é que o relatório seja aprovado pelo
organismo de solução de controvérsias, o que não ocorrerá somente se houver unanimidade de
votos em sentido contrário (regra do consenso reverso).215
A decisão, dessa feita, dificilmente
será bloqueada, pois bastará que a parte vencedora no painel esteja de acordo com a decisão
para que ela seja aprovada. Por conta dessa circunstância, o OSC é considerado um dos mais
212 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New
York: Cambridge University, 2007, p. 50. 213
Id., Ibid., p. 56-57. 214 Id., Ibid., p. 61. 215 Id., Ibid., Loc. cit.
118
importantes componentes do sistema multilateral do comércio e uma das principais inovações
em relação ao sistema vigente anteriormente à OMC, pois resultou em expressivo ganho de
segurança e previsibilidade.216
Observe-se que se a parte considerar inadequada a solução alcançada pelo painel
poderá interpor recurso de apelação, possibilidade esta expressamente contemplada pelo
sistema de solução de controvérsias da OMC, que conta ainda com um órgão permanente
conhecido como Órgão de Apelação (Apellate Body). Como, entretanto, não houve apelação
no caso EC-Biotech, parece dispensável abordar, no presente estudo, o processamento da
apelação.
4.4.2 Cumprimento da Decisão
No prazo de 30 dias contado da sessão do OSC em que for aprovado o relatório final,
o reclamado deverá informar a sua intenção de fazer os ajustes necessários no comportamento
comissivo ou omissivo que tenha sido declarado inconsistente com os tratados abrangidos
pela Organização Mundial do Comércio.217
As adequações muitas vezes exigem mudanças delicadas e de demorada execução,
como modificação da legislação interna. Normalmente, portanto, o reclamado vencido poderia
comunicar que pretende fazer os ajustes no seu sistema normativo dentro de um tempo
determinado. Será preciso determinar, então, o que seja um prazo razoável para cumprimento
da decisão.218
Há três diferentes metodologias para o estabelecimento do prazo razoável para
compliance. A primeira, e mais comum, é o prazo ser ajustado pelas partes. É possível, que a
proposta seja levada a uma sessão do OSC e aprovada por unanimidade. A terceira solução é a
de se submeter a questão à arbitragem, sendo o prazo determinado por árbitros.219
Na hipótese de descumprimento, o reclamante poderá retaliar, adotando medidas
compensatórias proporcionais ao dano causado pelo reclamado, sendo recomendável que os
termos dessa retaliação proporcional sejam ajustados pelas partes. Na falta de acordo, o
reclamante poderá, 20 dias depois de expirado o “prazo razoável” para cumprimento
(compliance), requerer ao OSC a permissão para impor sanções comerciais contra o
216 PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba:
Juruá, 2002, p. 27-29. 217
WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New
York: Cambridge University, 2007, p. 75. 218 Id., Ibid., p. 76. 219 Id., Ibid., Loc cit.
119
reclamado.220
Na decisão do OSC aplica-se, novamente, a regra do consenso reverso (somente a
unanimidade de votos em contrário implica rejeição).221
Uma vez concedida a autorização, é
possível a adoção de medidas compensatórias, com efeitos não retroativos (ou seja, na
compensação considera-se apenas o dano que esteja sendo sofrido pelo reclamante a partir da
data em que autorizada a retaliação).222
Uma decisão emanada do Órgão de Solução de Controvérsias que considere uma
medida de um membro inconsistente com as normas do sistema multilateral do comércio não
corresponde, portanto, a uma condenação a reparar por ato ilícito. O que se decide é que o
país reclamado deverá promover alterações em seu direito interno, a fim de suprimir as
incoerências verificadas em relação às normas da Organização Mundial do Comércio. Esse
dever adequação (compliance) é o único efeito da decisão. Caso o reclamado não venha a
atender esse dever, os reclamantes terão o direito de levantar barreiras comerciais contra a
importação de produtos do reclamado, como meio de compensar-se pelos prejuízos sofridos.
Por meio dessa possibilidade de sanção econômica, aliada à regra do consenso reverso,
o OSC adquiriu maior efetividade na solução de controvérsias internacionais se comparado
com o GATT, já que dotado de um sistema de coerção para exortar os países membros a
cumprirem os seus deveres perante a Organização Mundial do Comércio.223
O relatório final de um painel estabelece um precedente que não vincula, mas pode
influenciar futuras decisões. Prova disso se extrai da análise de relatórios finais, que
comumente fazem remissão a outros precedentes. Amaral Júnior224
destaca a importância de
um precedente, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, notadamente nas hipóteses
em que se cuida de pronunciamento do Órgão de Apelação, ressaltando a circunstância de
que, na prática, existe uma tendência jurisprudencial na Organização Mundial do Comércio,
ou seja, os pronunciamentos do Órgão de Apelação tendem a se reproduzir na composição de
conflitos subsequentes.
Jackson225
pondera que a tendência à uniformização das decisões é uma consequência
das metas institucionais da Organização Mundial do Comércio, uma vez que o próprio
220 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). A handbook on the WTO: dispute settlement system. New
York: Cambridge University, 2007, p. 80-81. 221 Id., Ibid., p. 83. 222 Id., Ibid., p. 82. 223 PRAZERES, Tatiana. Barreiras técnicas. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. 224 AMARAL JÚNIOR, Adalberto do. A solução de controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 151. 225 JACKSON, John H. Sovereignty: the WTO and changing fundamentals of international law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006, p. 148.
120
estatuto do Órgão de Solução de Controvérsias (Entendimento sobre Normas e Procedimentos
Regendo a Solução de Controvérsias) fixou, em seu art. 3º, parágrafo 2°, os objetivos de
“segurança” e de “previsibilidade”. Assim, um precedente, embora não vincule as decisões
subsequentes do OSC, exerce certa influência. A fundamentação de um relatório final
normalmente examina precedentes em situações semelhantes e pronunciamentos pretéritos do
OSC, especialmente do Órgão de Apelação, sobre a interpretação de normas da Organização
Mundial do Comércio.
4.5 PRINCÍPIOS DA OMC VINCULADOS ÀS MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS
A seguir será analisado os principais princípios estabelecidos pelo Acordo Sanitário e
Fitossanitários – Acordo SPS – da Organização Mundial do Comércio.
4.5.1 Princípio da Precaução
Segundo Milaré, “o papel do princípio da precaução, aliado ao princípio da proteção
da vida e da saúde humana, da vida vegetal e da animal, permite que, além da vida da biota
(conjunto de seres vivos que habitam um determinado ambiente ecológico, em estreita
correspondência com as características físicas, químicas e biológicas desse ambiente), se
queira proteger igualmente a sua saúde e qualidade”.226
O objetivo fundamental perseguido na atividade de aplicação do princípio da
prevenção é, fundamentalmente, a proibição da repetição da atividade que já se sabe perigosa.
Desta forma, atua-se então, no sentido de inibir o risco de dano, ou seja, o risco de que
a atividade perigosa possa vir a produzir, com seus efeitos, danos ambientais. É então, a partir
desta segunda hipótese de aplicação, que percebem-se os dois momentos diferenciados. A
aplicação do princípio da prevenção está circunscrita ao segundo momento, reservando ao
primeiro momento a possibilidade de aplicação do princípio da precaução.227
Muito embora não haja previsão expressa do enfoque de precaução nos Acordos da
OMC, o artigo 5.7 do Acordo SPS acolhe o tema, condicionando sua aplicação à necessidade
de se ter ou buscar ter uma base mínima de evidências cientificas que justifiquem a medida
que restringe o comércio.
226
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 586. 227 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 62-63.
121
A necessidade de se ter uma base mínima de evidência cientifica de segurança do
produto se dá para impedir que o princípio da precaução seja invocado para barrar os produtos
externos, sob alegação de ausência absoluta de evidências cientificas que demonstre a
segurança do produto. Bastaria a um Membro argumentar a inexistência de dados que
comprovassem a segurança de um alimento para que pudesse restringi-lo, sem sequer buscar
conhecer evidências a respeito para proibir o comércio do mesmo.
Quanto aos OGMs, o princípio da precaução “não significa que a indústria deva
apresentar provas absolutas e incontestáveis de que os transgênicos são perfeitamente
seguros”. O que se exige, na verdade, é que “diante das pesquisas e dos testes possíveis de
serem efetivados, dentro de prazo razoável e necessário para se ultimarem esses estudos
científicos, os transgênicos se apresentam como”228
, seguros para à vida, à saúde humana,
animal e vegetal.
O princípio da precaução, no que diz respeito aos OGMs, foi consagrado pela
Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), que
dispõe em seu princípio:
[...]
Princípio 15 – Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução
deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.
Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta
certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes
e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. [...].229
A União Europeia tem adotado medidas de cautela com relação aos OGMs, com base
no princípio da precaução, a fim de garantir a proteção de bens fundamentais como a saúde ou
o meio ambiente sem, contudo ter um embasamento científico, bastando apenas o risco
hipotético, não demonstrado cientificamente, já que a ciência não demonstra com exatidão os
riscos causados pela utilização dos OGMs.
Esse princípio foi positivado no direito comunitário europeu, sendo previsto pelo
tratado da Comunidade Europeia como fundamento da política ambiental, tendo valor
constitucional, e amplamente aplicado na regulação do processo de aprovação de organismos
geneticamente modificados.
228 VIEIRA, David Laerte. Princípio da precaução versus princípio da equivalência substancial e a polêmica em
torno da liberação dos transgênicos no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, v. 9, n. 41, p. 109-120, jan./fev.
2007. 229 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2013.
122
No Brasil, o princípio da precaução também encontra fundamento constitucional no
art. 225 e parágrafos da Constituição Federal, merecendo destaque os incisos V e VII do §1º, e
é amplamente utilizado pelo direito ambiental e, especificamente aos OGMs, expresso pelo
art. 1º, caput, da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) que determinou expressamente a
“observância do princípio da precaução para proteção do meio ambiente”. Sobre este
princípio escreve o Antunes:
Ao se estabelecer a precaução como princípio, esta não pode ser interpretada como
uma cláusula geral, aberta e indeterminada. É necessário que se defina o que se
pretende prevenir e qual o risco a ser evitado. Isto, contudo, só pode ser feito diante da análise das diferentes alternativas que se apresentam para a implementação ou
não de determinado empreendimento ou atividade. A precaução, inclusive, deve
levar em conta os riscos da não implementação do projeto proposto.230
Sobre este Princípio da Precaução escreve Rodrigues:
Tem-se utilizado o postulado da precaução quando se pretende evitar o risco mínimo
ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua degradação.
Assim, quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao meio
ambiente acerca de qualquer conduta a ser tomada (ex. liberação e descarte de
organismos geneticamente modificados no meio ambiente, utilização de fertilizantes
ou defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obra, etc.), incide o princípio da
precaução para prevenir o meio ambiente de um risco futuro.231
Tal princípio está hoje no centro de acalorados debates éticos, científicos e
tecnológicos acerca de sua adequação, eficiência e utilização. Os pesquisadores Nodari e
Guerra elencam os quatro componentes que compõem o Princípio da Precaução: (i) a ação
preventiva deve ser tomada antes da prova científica da relação causa/efeito; (ii) o ônus da
prova da biossegurança cabe ao proponente da atividade ou empreendimento; (iii) na presença
de evidência de dano causado pela atividade, um número razoável de alternativas deve ser
considerado e (iv) para que a tomada de decisão seja precaucionaria, ela deve ser aberta,
transparente, democrática e ter envolvido a participação das partes afetadas.232
Por fim, Machado, ao tecer suas considerações sobre a relação do princípio da
precaução com o estudo de impacto ambiental e o diagnóstico do risco ambiental, afirma que
o estudo de impacto ambiental, inclui, obrigatoriamente, em sua metodologia, a prevenção e a
precaução da degradação ambiental. Após o diagnóstico acerca do risco do prejuízo
230 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 29. 231 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental: parte geral. São Paulo: Max Limonad,
2002. v. 1, p. 150. 232 SOUTO, Eliezer Rodrigues de (Ed.). Anais do simpósio: a biotecnologia na agricultura brasileira, presente e
futuro. Maringá: UEM/CCA/DAG, 2002, p. 33.
123
ambiental, pondera-se acerca dos meios necessários para que esse prejuízo possa ser evitado.
É neste momento que deve ser feito o exame da oportunidade do emprego dos meios de
prevenção.233
O princípio da precaução permite a atuação do Poder Público sempre que houver
incerteza sobre evidências, mas desde que o prejuízo seja sério e irreversível, e que uma
avaliação de risco contundente seja impossível. A partir destas premissas, a aplicação do
princípio da precaução à segurança de alimentos, exige a certeza da ausência de efeitos
adversos, o que torna impossível a aprovação de qualquer alimento natural ou industrializado,
pois todos os alimentos, sejam tradicionais ou geneticamente modificados, têm um nível de
risco que é considerado aceitável, visto que estabelecido cientificamente.
Como ainda não se tem certeza quanto às possíveis consequências que a liberação de
transgênicos pode acarretar ao ambiente, devem ser estudadas e executadas medidas para
dimensionar e limitar ao máximo os potenciais impactos ambientais negativos, o que
pressupõe a exigência, por parte das agências regulatórias responsáveis pela liberação
comercial de produtos transgênicos, de que sejam realizados estudos prévios de impacto
ambiental e a confecção de relatórios sobre estes estudos, antes que qualquer OGM seja
comercializado ou cultivado.
Os atuais pressupostos da gestão dos riscos, baseados na familiaridade e na
equivalência substancial não identificam as externalidades em relação aos parâmetros sociais
e ambientais, negligenciando outros efeitos sobre a qualidade de vida das pessoas que
consumirão os OGMs.
4.5.2 Princípio da Equivalência
O princípio da equivalência tem como objetivo principal promover o reconhecimento
das medidas sanitárias e fitossanitárias próprias adotadas pelos Membros como condizentes
com o fim comumente perseguido, ou seja, a proteção da vida e da saúde humana, animal e
vegetal, fazendo com que os Membros da OMC reconheçam as medidas aplicadas por outros
Membros como passíveis de atingir seu nível apropriado de proteção sanitária e fitossanitária.
Em algumas ocasiões, o reconhecimento da equivalência ocorre de forma AD Hoc e
não é refletida nos acordos formais sobre a equivalência. O artigo 4.1 do SPS obriga os
Membros a aceitar medidas sanitárias ou fitossanitárias equivalentes, se o Membro exportador
233 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Princípio da precaução e o direito ambiental. Disponível em:
<http://www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em: 23 nov. 2013.
124
demonstrar ao Membro importador que sua medida alcança o nível apropriado de proteção do
membro importador. O Membro importador precisa receber, se pedir, acesso razoável para a
inspeção, testes e outros procedimentos relevantes.234
Pelo princípio da equivalência substancial, objetiva-se concluir que um alimento
geneticamente modificado é tão seguro quanto seu análogo sem modificação genética, o qual
já possui um histórico de uso seguro. A avaliação é comparativa, identificando-se, por
conseguinte, as semelhanças e diferenças entre os alimentos convencionais e os
geneticamente modificados.235
Não se pode dizer, entretanto, que os produtos sejam equivalentes em todas as suas
características, inclusive naquelas de interesse do consumidor tais como, segurança, valor
nutritivo e composição, posto que os pesquisadores comparam somente algumas
características dos alimentos geneticamente modificados com aqueles que não contenham
OGM, de modo que se os alimentos comparados não resultarem muito diferentes naquilo em
que foram comparados, são considerados substancialmente equivalentes.
Daí pode-se afirmar que a equivalência substancial não é a solução para o problema da
detecção dos riscos dos OGMs, mas sim apenas mais um critério que pode auxiliar na
identificação dos riscos relacionados ao consumo de referidos produtos, visto que apenas
algumas características dos produtos são considerados na avaliação, deixando de avaliar de
maneira mais extensiva, de modo a demonstrar sua segurança para o consumidor.
De acordo com este princípio, os países em desenvolvimento, mesmo que possuam
diferentes capacidades em relação à imposição e ao controle de medidas sanitárias e
fitossanitárias não precisa resultar na rejeição de seus produtos agrícolas em seus mercados de
exportação. O artigo 4 do Acordo SPS pode significar a melhoria do acesso a mercados para
os produtos agrícolas e alimentícios dos países em desenvolvimento.
4.6 TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE, MEDIDAS FITOSSANITÁRIAS E BARREIRAS
AOS TRANSGÊNICOS
Não obstante a expansão comercial vivida durante a segunda metade do século XX é
certo que os benefícios dela resultantes não foram partilhados de maneira equilibrada a todos
234 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO. Organização
Mundial do Comércio: 3.9 medidas sanitárias e fitossanitárias. Nova York; Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 45. 235
VIEIRA, David Laerte. Princípio da precaução versus princípio da equivalência substancial e a polêmica em torno da liberação dos transgênicos no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, v. 9, n. 41, p. 109-120, jan./fev.
2007, p. 113.
125
os povos e nações, o que contribuiu para o aumento das desigualdades e, consequentemente, à
preocupação com a crescente degradação ambiental, visto que os fatores de produção e
comercialização inadequados causam danos ao meio ambiente.
Estabeleceu-se, assim, ao longo dos anos, um mercado global incapaz de produzir
resultados sustentáveis para toda a comunidade internacional, levando ao reconhecimento,
pelos órgãos internacionais, da seriedade dos problemas ambientais na esfera global e da
necessidade de medidas urgentes de proteção ao meio ambiente.
Nesta perspectiva, introduziu-se o conceito de desenvolvimento sustentável, em 1987,
através do Relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum – que conduziu à ideia de que
comércio, desenvolvimento e meio ambiente devem ser tratados de maneira integrada, com
busca de soluções win-win-win, isto é favoráveis às três áreas.236
Faz-se necessário verificar a contextualização da intervenção do Estado na ordem
econômica, através das medidas fitossanitárias, neste ambiente de sustentabilidade, onde estão
contidos os aspectos econômicos, sociais e ambientais, que devem interagir de forma
holística.
Em continuidade ao estudo dos transgênicos, de sua viabilidade e importância para a
economia e, principalmente, para a sociedade, no próximo item tratar-se-á da sustentabilidade
ambiental como forma de critério para barreira fitossanitária e de quais são os limites da
sustentabilidade para impedir os transgênicos.
4.6.1 Limites da Sustentabilidade para Impedir os Transgênicos
A engenharia genética possibilitou adicionar novas características às plantas cultivadas
por meio da introdução de genes de vários organismos. Isso possibilita geração de variedades
de plantas com características impensáveis, como espécies vegetais que produzem hormônios
de crescimento ou a insulina humana.
Estas características também apresentam vantagens para o produtor gerando maior
facilidade operacional de condução das lavouras, redução de insumos e redução dos custos de
produção. Observa-se maior tolerância à seca, resistência a pragas e doenças, maior eficiência
na assimilação de nutrientes, maior qualidade nutricional, produção de vacinas e
biocombustíveis.237
236
OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 389. 237 VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; VIEIRA JUNIOR, Pedro Abel. Direito dos consumidores e produtos
transgênicos: uma questão polêmica para a bioética e o biodireito. Curitiba: Juruá, 2005, p. 40.
126
Os genes de resistência a pragas fornecem alternativa para reduzir o uso de pesticidas
químicos, diminuindo a contaminação pelos agrotóxicos e por patógenos, sendo um benefício
para agricultores e consumidores finais.
Conforme Vieira estão sendo avaliadas mais de 60 espécies geneticamente
modificadas, sendo as sete principais culturas exploradas comercialmente: a soja, o milho, o
algodão, a canola, o arroz, a batata e o tomate. As características genéticas introduzidas
foram: tolerância a herbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto e resistência a
vírus.238
Na saúde, a insulina humana em microrganismos transgênicos foi muito importante.
Muitas pessoas sofrem de diabetes, e necessitam de injeções frequentes desta substância. A
transferência gene do hormônio de crescimento para células de bactérias pode ser aplicada no
tratamento de nanismo em crianças e pode ser empregado na aceleração da cura de ferimentos
e queimaduras.239
A modificação direta do genoma dos alimentos possibilita melhora e adequação dos
alimentos à dieta humana, com ganho no balanceamento de nutrientes permitindo uma melhor
nutrição, a um custo mais baixo. Também há possibilidade de adaptar a menor custo os
alimentos para necessidades especiais como leite sem lactose para deficientes em lactase,
obtido através da implantação de genes, codificantes da enzima de lactase na glândula
mamária, reduzindo o teor deste açúcar no leite, entre outros.240
Os transgênicos também têm trazido benefícios para as indústrias, estão
desenvolvendo plásticos biodegradáveis, de biocombustíveis menos tóxicos e poluentes, além
de diversas outras matérias-primas melhoradas e essenciais para a preservação do meio
ambiente.241
As controvérsias em torno dos OGMs em relação à saúde humana e ao meio ambiente
são tão intensas que as várias interfaces do problema ainda estão sendo discutidas, delimitadas
e levantadas. Evidentemente, uma tecnologia que pode oferecer efeitos danosos à manutenção
do equilíbrio da cadeia alimentar, à preservação da biodiversidade, entre outras várias
implicações, como a contaminação dos aquíferos e a expansão da fronteira agrícola,
certamente deve ser muito bem avaliada, para que seja observada a prevalência do interesse
público e do princípio da precaução em matéria ambiental.
238 VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; VIEIRA JUNIOR, Pedro Abel. Direito dos consumidores e produtos transgênicos: uma questão polêmica para a bioética e o biodireito. Curitiba: Juruá, 2005, p. 42. 239 Id., Ibid., p. 44. 240 Id., Ibid., p. 45. 241 Id., Ibid., p. 46.
127
As palavras de Nodari e Guerra, ao citarem Griffiths, confirmam a complexidade deste
ramo do conhecimento científico, ao afirmarem ser de extrema importância a percepção de
que a moderna engenharia genética:
[...] opera com base na manipulação do DNA de organismos vivos. Esta intervenção
ocorre em um nível muito mais complexo do que qualquer outra tecnologia já
anteriormente aplicada. Esta tecnologia é aplicada em um nível de funcionamento da
natureza a respeito do qual nossa base de conhecimento científico ainda é insuficiente.242
Não obstante, de um lado, estão os que defendem a produção e comercialização de
OGMs, alegando que sua utilização acabaria com os prejuízos econômicos causados pelos
insetos, fungos ou perecibilidade dos cultivares, que atinge 40% das safras mundiais
atualmente.
Em entrevista ao periódico Biotecnologia, Ciência & Desenvolvimento, de dezembro
de 2000, o professor inglês da Universidade de Reading, Beever, ao ser perguntado se o
cultivo de plantas geneticamente modificadas com tolerância a herbicidas pode aumentar o
uso de produtos químicos na agricultura, respondeu:
‘Não. O cultivo dessas plantas tem demonstrado exatamente o contrário, ou seja,
elas reduzem o uso de herbicidas na lavoura. Os grupos ativistas é que tentam ‘plantar’ a informação de que as plantas tolerantes a herbicidas podem aumentar o
uso de produtos químicos na agricultura. É melhor ter o gene de resistência a
herbicidas no genoma da planta do que aplicar maciçamente produtos químicos para
combater as ervas daninhas, já que o impacto ambiental dos transgênicos, neste
caso, é expressivamente menor. Na minha opinião, essa tecnologia de engenharia
genética é extremamente positiva na produção de alimentos e deveria ser utilizada
por todos os países em desenvolvimento, em especial devido às altas taxas de
crescimento da população’.243
Apresentadas as vantagens dos transgênicos, verifica-se que estes possibilitam a
redução de custos, aumento de produtividade, redução do uso de herbicidas que beneficia o
meio ambiente, contribuindo, assim, para o desenvolvimento econômico-social. Portanto, o
tripé de sustentabilidade pode ser verificado com a utilização dos transgênicos.
A importância dos transgênicos neste contexto é fundamental, uma vez que as medidas
fitossanitárias são utilizadas para impedir a comercialização dos produtos transgênicos entre
os países membros da OMC, sob a alegação de causar danos à saúde humana e ao meio
242 NODARI, Rubens Onofre; GUERRA, Miguel Pedro. Biossegurança de plantas transgênicas. In: GÖRGEN,
Frei Sérgio Antônio (Org.). Riscos dos transgênicos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 57. 243 BEEVER, David. Os transgênicos e o futuro da agricultura. Revista Biotecnologia Ciência &
Desenvolvimento, Brasília, p. 4-8, dez. 2000.
128
ambiente.
Argumento que também é muito utilizado para justificar a adoção da transgenia é o de
acabar com a fome do Terceiro Mundo, pois com o aumento da produção, e corte nas perdas,
poder-se-ia distribuir melhor a produção. No periódico “Financial Times”, de 28/05/1999, o
filósofo Alan Ryan da Universidade de Oxford, membro do Conselho Nuffield, órgão diretivo
de Ética nas Ciências Biológicas do Reino Unido, em seu relatório, afirmava: “[…] o
desenvolvimento de cultivares geneticamente modificados para combater a pobreza contém
um imperativo moral obrigatório […]”, concluindo, após 18 meses de estudos, que não há
fundamentos para a proibição no Reino Unido de cultivares e alimentos OGMS.
Nesta mesma linha de argumentação, em artigo publicado no site do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos, intitulado “As Promessas das Plantas da Biotecnologia”, no
tópico O Potencial da Biotecnologia Vegetal, salienta-se o crescimento vertiginoso da
população mundial, bem como a diminuição da área cultivável para a produção de alimentos,
o que justificaria a necessidade da adoção de uma nova tecnologia agrícola. Segundo o artigo,
as previsões para o ano de 2025 são de que a população mundial atingirá a cifra de 8 bilhões
de habitantes, enquanto o solo disponível para a agricultura deverá permanecer em cerca de
1% do volume de terra no mundo. Além disso, a média de expectativa de vida dos cidadãos do
mundo atingirá 73 anos.
Diante destas considerações, a biotecnologia é apontada como a única saída para a
manutenção da vida dos seres humanos, verdadeiro continuísmo das premissas levantadas
pela “Revolução Verde”. Um excerto do citado artigo dispõe: “Muito embora os métodos
tradicionais de reprodução de plantas e a química agrícola tenham aumentado os rendimentos
consideravelmente a partir dos anos 60, novas tecnologias que conservem o meio ambiente e
que gerem mais alimentos nutritivos se farão necessárias. E aí surge a biotecnologia, que
permite aos pesquisadores desenvolverem plantas com características benéficas, aumentando
a variedade de plantas produzidas e, ao mesmo tempo, reduzindo o custo de produção e
protegendo o solo”.244
Desde 1996, início da comercialização de insumos transgênicos para a agricultura, a
área total plantada com lavouras geneticamente modificadas no mundo multiplicou-se por
100, passando de 1,7 milhões de hectares para 170 milhões, de acordo com relatório
divulgado pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas
244 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). As
promessas das plantas da biotecnologia. Disponível em: <http://www.nal.usda.gov/bic>. Acesso em: 01 dez.
2013.
129
(ISAAA, na sigla em inglês), uma organização dedicada à promoção e disseminação dessas
tecnologias.245
Os quatro países com maior área plantada ficam, nas Américas: são, pela ordem, EUA
(69,5 milhões de hectares), Brasil (36,6 milhões), Argentina (23, milhões) e Canadá (11,6
milhões), seguido da Índia e China, com 10,4 milhões 4 milhões, respectivamente. De acordo
com o relatório, a área plantada globalmente subiu mais uma vez de 2011 para 2012,
apresentando um crescimento de 6%.
Em 2012, pela primeira vez, a área plantada com lavouras geneticamente modificadas
no mundo em desenvolvimento superou a dos países desenvolvidos, com a proporção ficando
em 52% para os países menos desenvolvidos. A taxa de crescimento da área coberta por
plantações transgênicas foi quase quatro vezes maior nos países em desenvolvimento, com um
avanço de 11%, ante 3% no mundo desenvolvido.
Os países em desenvolvimento que mais adotam transgênicos são Brasil, Argentina,
Índia, China e África do Sul – grupo que, com exceção da Argentina, é composto por
membros dos Brics. A Rússia, que é o “r” da sigla Brics, não consta da lista dos 28 países que
adotam tecnologia transgênica.
E mais, o relatório se refere ao Brasil como “motor” do crescimento do plantio de
transgênicos no mundo, “pelo quarto ano consecutivo”. “A área de lavouras biotecnológicas
aumentou mais que em qualquer outro país do mundo – um recorde de 6,3 milhões de
hectares, equivalente a um aumento impressionante de 21%”. O Brasil é responsável por 21%
de toda a área plantada com transgênicos no mundo, e está “consolidando sua posição e
reduzindo consistentemente a distância que o separa dos EUA”.246
Segundo o indicativo publicado no Portal Transporta Brasil247
, entre julho de 2012 e
junho deste ano, período que corresponde à safra 2012/13, o Brasil exportou o montante de
US$ 100,61 bilhões em produtos agropecuários, número que representa crescimento de 4,2%
em relação ao mesmo período da safra anterior. O superávit comercial do setor também
atingiu um novo recorde, somando US$ 83,91 bilhões.
Ainda de acordo com o portal, nos primeiros seis meses do ano de 2013, as vendas
245 ORSI, Carlos. Área plantada com transgênicos no mundo multiplica-se 100 vezes em 17 anos: Brasil é o atual
motor mundial do uso de biotecnologia na agricultura, afirma relatório. Inovação, Notícias, 4 mar. 2013.
Disponível em: <http://www.inovacao.unicamp.br/destaques/area-plantada-com-transgenicos-no-mundo-
multiplica-se-100-vezes-em-17-anos >. Acesso em: 08 dez. 2013. 246 Id., Ibid. 247
JOSÉ, Victor. Brasil bate recorde de exportação de grãos na safra 2012/13. Portal Transporta Brasil –
Acontece, 10 jul. 2013. Disponível em: <http://www.transportabrasil.com.br/ 2013/07/brasil-bate-recorde-de-
exportacao-de-graos-na-safra-201213>. Disponível em: 9 dez. 2013.
130
somadas de soja em grão, açúcar e milho apresentaram altas significativas, somando US$
21,67 bilhões, o que significou uma expansão de US$ 4,96 bilhões em relação ao mesmo
período de 2012.
Este resultado confirma o quanto o agronegócio tem sido importante para a balança
comercial do Brasil, contribuindo para o crescimento econômico e desenvolvimento de nosso
país.
Verifica-se, pois, a importância da agricultura na economia brasileira e, de sua
modernização através da utilização de novas tecnologias, como o transgênico. Os exemplos
de ampliação de áreas cultivadas demonstram a eficácia e viabilidade dos transgênicos, sendo
este um caminho sem volta.
Diante das assertivas anteriores, percebe-se que os posicionamentos contrários ou
favoráveis à utilização imediata de determinada inovação tecnológica, particularmente no
caso da transgenia, não são passíveis de verificabilidade, pois a especulação e interesse
financeiro que envolve a questão podem tornar as opiniões e as pesquisas parciais, sem o
verdadeiro compromisso com o efetivo esclarecimento de determinada situação.
Portanto, os riscos para a saúde e meio ambiente embora não possam ser deixado de
lado, quando utilizando-se do princípio da precaução e desenhada em princípio essencial do
direito ambiental, considera-se que a utilização dos transgênicos não apenas é viável, mas
necessária para o desenvolvimento social e econômico.
Para que o Brasil continue sendo identificado como um importante player no setor
agrícola e na pesquisa com os OGMS é imperioso valorizar os centros de pesquisas
brasileiros, investir na formação dos cientistas que compões a CTNBio, bem como o
reconhecimento interno da relevância do serviço que a comissão e a comunidade acadêmica
têm prestado ao País.
A cultura dos transgênicos, quando baseada no conhecimento científico, constituiu um
dos fatores essenciais para o desenvolvimento de uma economia inovadora, de modo que a
sustentabilidade deve ser um dos critérios de acesso ao mercado, devendo ser observado pelas
medidas fitossanitárias, especialmente no caso dos transgênicos.
4.6.2 A Sustentabilidade Ambiental e Medidas Fitossanitárias
Conforme asseverado, com o decorrer dos anos, tornou-se impossível negar a relação
entre o comércio e proteção ambiental em razão do impacto de políticas comerciais no meio
ambiente e também das políticas ambientais no comércio, o que levou a inserção do debate na
131
OMC, considerando seu conteúdo normativo e seu mecanismo de solução de disputas.
Como já discorrido no capítulo 4, a determinação de medidas de caráter fitossanitário
deve atender a certos critérios estabelecidos pela própria OMC, a fim de evitar que seu uso
seja destinado a fins outros que não a proteção da vida humana, animal e vegetal.
Entretanto, há um confronto a ser vencido, que são as normas internas dos Estados,
identificadas como medidas fitossanitárias, resultantes de normas, políticas e práticas internas
adotadas que, sob o argumento de proteção ao meio ambiente, mascaram políticas
protecionistas.
Conforme estudo do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente248
(PNUMA), essas barreiras podem assumir as seguintes formas: a) políticas e medidas internas
relacionadas a embalagens: b) obrigatoriedade de aposição de selos verdes, atestando que
foram produzidos de maneira menos danosa ao meio ambiente no local da produção; c)
certificações relativas a processo e métodos de produção; d) internalização dos custos
relacionados à proteção do meio ambiente doméstico; e) medidas excepcionais para a
proteção da vida ou da saúde humana, animal e vegetal ou para conservação de recursos
naturais não renováveis e; f) obrigações do Estado de impor empecilhos ao movimento
transfronteiriço de determinados bens, em virtude de convenções multilaterais relativas ao
meio ambiente.249
O comportamento dos países em desenvolvimento frente ao tema meio ambiente em
relação as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas por muitos países é arredio, porém,
perfeitamente compreensível, visto que o crescimento dos países em desenvolvimento
depende da taxa de expansão econômica. Os países em desenvolvimento temem que a
instituição de normas ambientais com criação de novas medidas não tarifárias ao comércio
resulte em uma onda de protecionismo, que neutralize os ganhos em termos de acesso a
mercados conquistados no sistema GATT/OMC e crie obstáculos adicionais na sua luta pela
integração na economia mundial e pelo desenvolvimento.
Normalmente, as barreiras não tarifárias (medidas fitossanitárias) visam proteger bens
juridicamente importante para os Estados, como a segurança nacional, a proteção do
consumidor, a saúde dos animais e das plantas e a proteção do meio ambiente.
No entanto, é justamente o fato de os países aplicarem medidas ou exigências sem que
248 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE (PNUMA). Institutional mechanisms supporting trade in genetic material: issues under the biodiversity convention and GATT/TRIPS. Environment
and Trade Series, n. 4. Geneva: UNEP, 1994. 249 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 391.
132
haja fundamento científicos nítidos que as justifiquem, ou baseando-se tão somente em
argumentos de degradação ambiental, sem qualquer estudo de impacto ambiental de respaldo,
que dá origem às barreiras não tarifárias ao comércio, formando o que se chama de
neoprotecionismo.
Tal comportamento é inadmissível visto que utiliza-se do argumento de proteção
ambiental, sem qualquer respaldo científico, para proteger o mercado interno, o que é
incompatível com as normas da OMC e passível de sanções por parte deste organismo
internacional.
133
CONCLUSÕES
De toda pesquisa realizada pode-se concluir que, quando se trata de aplicação de
medidas sanitárias e fitossanitárias, notadamente no caso dos transgênicos, os seguintes
aspectos devem ser considerados:
1. A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores
econômicos faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica,
conforme preconiza a Constituição Federal, artigo 170. Desse modo, o Direito exerce
influência na Economia e a Economia exerce influência no Direito, no entanto há de se
destacar que ambos são influenciados pelo contexto socioeconômico em que estão inseridos.
Assim, o Estado Democrático de Direito tem, dentre outros, conteúdo transformador
da realidade, na medida em que age como incentivador da participação pública no processo de
construção e reconstrução da sociedade, intervindo na economia com o objetivo de equilibrar
as relações sociais e econômicas. Uma dessas formas de intervenção é a adoção de medidas
sanitárias e fitossanitárias.
2. As medidas sanitárias e fitossanitárias são barreiras não tarifarias que restringem a
entrada de mercadorias importadas, visando proteger a vida e a saúde humana, animal e
vegetal, devendo, contudo, para sua adoção observar estritamente as normas gerais, com seus
objetivos e princípios, do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias adotado pela
OMC, mais precisamente o princípio da precaução e a verificação de riscos, sob pena de
constituir-se verdadeira barreira ao comércio, numa manobra típica de protecionismo de
mercado.
3. Tais medidas sanitárias e fitossanitárias são, assim, necessárias quando visam
proteger a saúde humana, animal e a proteção ao meio ambiente, visto que a atividade
econômica e o crescimento econômico não são fins em si mesmos, devendo buscar o
desenvolvimento sustentável, calcado no triple botton line. No tripé da sustentabilidade estão
contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem interagir de forma holística
para satisfazer o conceito.
4. Dentro deste contexto de necessidade de desenvolvimento social, econômico e
ambiental é que se desenrolam os argumentos à respeito dos transgênicos e a inserção destes
alimentos no contexto do tripé da sustentabilidade, visto que a grande maioria contrária à
liberalização e comercialização de produtos contendo OGMs argumenta que os mesmos são
prejudiciais ao meio ambiente, de modo que as políticas ambientais atuam como verdadeiras
barreiras ao comércio, na forma de medidas fitossanitárias.
134
5. As avaliações de segurança dos transgênicos seguem padrões internacionais
definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)e pela Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU). No Brasil, os OGMs aprovados são submetidos
a testes toxicológicos, alergênicos, nutricionais e ambientais que passam pela análise da
Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia – CTNBio, que desde a promulgação da Lei de
Biossegurança (11.105/05) atribuiu competência a CTNBio para a análise técnica da
biossegurança dos OGMs sob o aspecto de saúde humana, vegetal e ambiental.
6. Ainda, considerando o exposto sobre o desenvolvimento sustentável, há necessidade
de se ressaltar que alguns Estados utilizam o critério da sustentabilidade para adotar medidas
protecionistas ao mercado sob o manto de medidas fitossanitárias, transbordando, assim, os
limites da sustentabilidade e das medidas fitossanitárias. Portanto, na adoção de medidas
sanitárias e fitossanitárias deve-se considerar o tripé da sustentabilidade (econômico, social e
ambiental), ou seja, não pode ser considerado somente o aspecto ambiental em detrimento do
econômico, sob pena de não ser alcançado o desenvolvimento sustentável.
135
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