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Um outro olhar Uma forma particular de retratar realidades com a fotografia. Por Gabriela Olmos Duarte Através da fotografia, projetos sociais estão promovendo as relações humanas em áreas pobres ou conflagradas. Há quase 16 anos surgia no Brasil o ImageMagica (IMM), cujo objetivo, segundo seus idealizadores, é trabalhar com a transformação dos indivíduos por meio da percepção da comunidade que os rodeia. “Trabalhamos com oficinas de sensibilização do olhar e programas de formação cidadã”, diz o fundador e diretor da entidade, André François. A metodologia, reconhecida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), consiste no uso da fotografia com pessoas de diversas comunidades que, ao registrarem momentos de seu cotidiano e de seus ambientes, tornam-se observadores mais atentos do mundo. O projeto nasceu como uma Organização não governamental (ONG), mas posteriormente se tornou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) para facilitar trabalhos em parceria com o governo. Os trabalhos do ImageMagica já geraram exposições, livros e documentários. Criado em 2006, o projeto Humanizando Relações, que hoje leva o nome de Saúde e Cultura, utiliza a fotografia para promover a humanização no atendimento médico e se tornou um dos mais conhecidos do IMM. Já percorreu quase 50 hospitais do Brasil. “É um projeto fantástico. Criei com intuito de fazer um livro e quando eu comecei a pensar o livro eu adotei a mentalidade de um fotografo jornalístico, que era fazer uma denúncia e ponto”, relata André. Com o tempo, ele percebeu que deveria também ter presente em seu trabalho a educação. “A possibilidade de usar a fotografia como ferramenta de lazer educacional para propor uma reflexão dentro do ambiente hospitalar é fantástica! Em vez de ir atrás apenas dos problemas, fui atrás daqueles médicos e enfermeiros que faziam uma medicina humana, um trabalho diferenciado”. O fotógrafo percebeu que

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Reportagem sobre inclusao social atraves da fotografia. Escrita por Gabriela Olmos Duarte para a disciplina Jornalismo Multimidia IV da Facamp.

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Um outro olhar

Uma forma particular de retratar realidades com a fotografia.

Por Gabriela Olmos Duarte

Através da fotografia, projetos sociais estão promovendo as relações

humanas em áreas pobres ou conflagradas. Há quase 16 anos surgia no Brasil o

ImageMagica (IMM), cujo objetivo, segundo seus idealizadores, é trabalhar com a

transformação dos indivíduos por meio da percepção da comunidade que os

rodeia. “Trabalhamos com oficinas de sensibilização do olhar e programas de

formação cidadã”, diz o fundador e diretor da entidade, André François. A

metodologia, reconhecida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura), consiste no uso da fotografia com pessoas de

diversas comunidades que, ao registrarem momentos de seu cotidiano e de seus

ambientes, tornam-se observadores mais atentos do mundo. O projeto nasceu

como uma Organização não governamental (ONG), mas posteriormente se

tornou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) para

facilitar trabalhos em parceria com o governo.

Os trabalhos do ImageMagica já geraram exposições, livros e documentários.

Criado em 2006, o projeto Humanizando Relações, que hoje leva o nome de Saúde e

Cultura, utiliza a fotografia para promover a humanização no atendimento

médico e se tornou um dos mais conhecidos do IMM. Já percorreu quase 50

hospitais do Brasil. “É um projeto fantástico. Criei com intuito de fazer um livro

e quando eu comecei a pensar o livro eu adotei a mentalidade de um fotografo

jornalístico, que era fazer uma denúncia e ponto”, relata André. Com o tempo,

ele percebeu que deveria também ter presente em seu trabalho a educação. “A

possibilidade de usar a fotografia como ferramenta de lazer educacional para

propor uma reflexão dentro do ambiente hospitalar é fantástica! Em vez de ir

atrás apenas dos problemas, fui atrás daqueles médicos e enfermeiros que faziam

uma medicina humana, um trabalho diferenciado”. O fotógrafo percebeu que

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dessa maneira, além de fazer uma denúncia, ajudaria de outra forma, “educando

o olhar daqueles que conviviam no ambiente hospitalar”.

Começaram então as oficinas nos hospitais. Essas oficinas contam não apenas

com a participação dos que trabalham no local, mas também dos hospitalizados e

de seus familiares, e todos os que estão diariamente nesse ambiente. “Uma

equipe do ImageMagica se instala no hospital, entregamos câmeras digitais aos

pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde. Todos eles, com seus pontos

de vista, vão propondo mudanças, apresentando críticas necessárias àquele local.

O resultado disso é sensacional”, assegura François com muita empolgação. Ele

também destaca que trabalhar num ambiente hospitalar dessa forma mexe com a

emoção dos envolvidos. “Às vezes, aquela será a última foto feita pela pessoa,

mas ela fotografa mesmo assim, mesmo estando em situação limite”. Em várias

ocasiões, diz o fotógrafo, o paciente que produzia as fotos veio a falecer no meio

da experiência. “Para a família daquele indivíduo, as fotos ganharam um valor

inestimável”, afirma François.

Em 2006, na Palestina, voluntários estrangeiros e palestinos fundaram o

grupo Voices Beyond Walls. Assim como a IMM, tem também o objetivo da

educação visual como ferramenta de inclusão social. Em campos de refugiados

palestinos, voluntários fazem oficinas multimídia com jovens que residem no

local. As oficinas duram entre duas e três semanas. No final os jovens produzem

diversos curtas-metragens e uma exposição fotográfica, que são exibidos não

apenas na Palestina, mas também em outros países. Anne Paq é uma fotógrafa

francesa independente que atualmente coordena o Voices Beyond Walls. Para ela,

o fundamental é fazer com que essas pessoas tornem-se mais atentas ao meio em

que vivem para, posteriormente, serem agentes transformadores de suas

realidades. A fotógrafa relata que “os jovens dos campos de refugiados

cresceram pensando que não eram capazes de realizar muitas coisas e muitos

têm a auto-estima baixa. Nosso objetivo é fazer com que isso mude e que o jovem

passe a se sentir capaz”. Há três anos dentro do grupo ela, além de coordenar,

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também ensina fotografia nos projetos realizados e é a responsável pelas

exposições feitas no final de cada sessão.

A utilização de fotografia para inclusão social ganhou força com a exibição

do documentário Born into Brothels: Calcutta’s red light kids (Nascidos em Bordéis)

de Zana Briski e Ross Kauffman. Durante o trabalho em Calcutá, Briski se

instalou em um bordel para documentar o dia-a-dia das prostitutas e descobriu a

possibilidade de trabalhar com as crianças, filhos dessas mulheres. Oficinas de

fotografia foram ministradas e cada criança recebeu câmeras e filmes para

registrar o seu cotidiano. A partir dessa experiência, foi fundada a ONG Kids with

cameras, tornando-se popular a utilização da fotografia em projetos de inclusão

social.

O principal ponto em comum entre o ImageMagica e Voices Beyond Walls são

os resultados obtidos em seus trabalhos - a reflexão de quem está dentro e fora

deles. “Nós fizemos exposições fotográficas no Ministério da Saúde em Brasília e

elas levantaram discussões que ajudaram a repensar as políticas públicas ligadas

ao pagamento de diversos tipos de tratamentos hospitalares. É incrível ver essa

reflexão e mudança de atitude”, afirma André François, se referindo a

tratamentos para os renais crônicos. Ele acredita que quando há essa percepção

do mundo em que se vive, há também o primeiro passo para essa mudança. Já na

Palestina, um país que vive sob ocupação militar israelense há mais de 40 anos, é

normal que os temas “ocupação” e “guerra” apareçam com frequência nos

trabalhos realizados. Para obter uma diversificação de temas, a equipe do Voices

Beyond Walls tenta encorajar os jovens a fazerem seus trabalhos sobre assuntos

diferentes, mas no final a escolha dos participantes é sempre respeitada. “Esse

ano os curtas-metragens foram sobre a dificuldade que os estudantes dos campos

de refugiados enfrentam para ir a escola (muitas vezes os campos são cercados

pelo exército israelense e há toque de recolher); crianças que são forçadas a

trabalhar como informantes do exército israelense; e a separação entre a Faixa de

Gaza e a Cisjordânia”, relata Anne Paq. Segundo a fotógrafa, o objetivo do grupo

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é utilizar a exposição dos problemas enfrentados para mudar a maneira como os

jovens se vêem.