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UMA ANLISE SOBRE OS CULTOS RELIGIOSOS E A PROJEO

DO PODER MARTIMO ATENIENSE ATRAVS DO PORTO DO

PIREU NO SCULO V A.C.

Alair Figueiredo Duarte1

RESUMO Robert Garland na obra The Pireus, 1987; destaca como a rea porturia do Pireu localizada na polis dos atenienses, tratava-se de um lugar cosmopolita no V sc. a.C. Na regio havia culto de divindades locais e estrangeiras, assim como circulao de navios e pessoas de diversas etnias mantendo interao sociocultural intensa, como destacada a documentao de Pseudo Xenofonte. Na presente comunicao pretendemos estabelecer uma anlise sobre determinados cultos religiosos realizados na regio porturia do Pireu na Atenas do sculo V a.C., e demonstrar como esses rituais religiosos permitiram a aproximao com o estrangeiro, transformando a regio em uma zona de projeo de poder da Cidade-Estado ateniense.

ABSTRACT Robert Garland in The work Piraeus, 1987; stands out as the port area of Piraeus located in the Athenian polis, it was a cosmopolitan place in the V century bC. In the region was worship of deities local and foreign, as well as movement of ships and people of diverse ethnicities holding intense social and cultural interaction, as highlighted documentation Pseudo Xenofonte. In this communication we intend to establish an analysis of certain religious services held in the port area of Piraeus in Athens in the fifth century BC, and demonstrate how these religious rituals allowed to approach the stranger, turning the region into a zone of power projection Town-Athenian state.

1 Alair Figueiredo Duarte Mestre em Histria Comparada e Doutorando pelo Programa de Ps-

Graduao em Histria Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ); Pesquisador do Ncleo de Estudos da Antiguidade da UERJ, instituio que atua como vice-coordenador geral. Transita sua pesquisa sobre sociedades Antigas (Grcia), na temtica guerra com objetividade sobre os Soldados-Mercenrios e Fronteiras no perodo Clssico e Helenstico helnico. Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina Candido NEA/UERJ.

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Na Antiguidade Clssica os helenos tinham uma postura etnocentrista, ou seja,

considerar as normas e valores da prpria sociedade ou cultura como critrio de

avaliao das demais (DUARTE, 2011: 36). Mapas do sculo V a. C. tanto quanto as

descries geogrficas e culturais de Herdoto apontam para a representao fiel de

um circulo, cujo no centro, encontra-se o pice da Civilidade2. Tal peculiaridade,

durante muito tempo, permitiu que os gregos, que estavam estabelecidos ao centro

do territrio tico e adjacncias, se mantivessem imersos na sua Cultura e concepo

de Civilidade. Porm as guerras contra os persas ao incio do sculo V a.C., assim como

o aumento das atividades martimas com embarcaes do tipo trirremes, tornaria o

contato entre gregos e outras etnias mais intenso, transformando o que era

considerado brbaro menos extico.

Os trirremes - trieres em grego - no somente revolucionaram as navegaes

e a guerra naval no Mundo Antigo, como tambm permitiram a intercesso de culturas

atravs do comrcio, ritos religiosos e negociao poltica. A propsito do

estreitamento de relao entre a polis dos atenienses com o mar, ela se dar ao incio

do sculo V, enquanto que entre outra poleis helnicas, a registros da embarcao em

Ione, j no sculo VI a.C.; sendo Polcrates de Samos o primeiro a adotar os trieres ao

incio da sua tirania em 533 a.C. (TAILLARDART. In VERNANT, 1999: 241-242). Logo os

atenienses dominaram a tcnica de fabricao dos trieres. Em conformidade com

Tucdides (VII, 12, 3), os atenienses do sculo V a.C., com a explorao de prata nas

minas de Maronia, descoberta em 482-483, construram 200 trieres em um ms

durante o ano de 480 a.C.

A relao ateniense com o mar e suas trieres foi um fenmeno que passou a

povoar o imaginrio social3 do cidado ateniense no perodo Clssico. Se dedicar a

2 Termo que segundo as concepes de Marcel Detienne identifica-se como o inconsciente histrico que

carrega tudo que as tradies representam. A Civilidade capaz de dar forma s categorias coletivas manifestadas nas instituies sociais, tais como: o direito, a poltica e as relaes sociais (DETIENNE, 2004:42-44).

3 Em conformidade com Bronislau Baczko, os imaginrios sociais inserem perspectivas de formao do

poder e sua circulao em uma sociedade, eles so diversos; mas podemos entender em linhas gerais

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atividade martima tratava-se de algo to importante vida poltica da polis, que levou

o historiador Tucdides, proeminente cidado da aristocracia ateniense, a construir

uma arqueologia tnica e cultural dos helenos no primeiro livro da Histria da Guerra

do Peloponeso nos apontando como os trieres se tornaram um smbolo de identidade

dos cidados atenienses. O estratego aponta que todos os povos dedicados as

atividades martimas, adquiriam maior prosperidade, eis as afirmaes de Tucdides:

Assim eram as frotas dos helenos, tanto as antigas quanto as recentes, e aqueles que

se empenharam em constitu-las adquiriram um poder considervel, seja pelas rendas

obtidas graas a elas, seja pelo domnio sobre outros povos. (TUCDIDES: I, 15).

No sculo V os atenienses obtiveram atravs de seus trieres, projeo comercial

e poder poltico, e tornaram-se um signo de excelncia em combate no mar. Foram os

trieres de Temstocles que em 480 a.C., no estreito de Salamina, comandaram a

resistncia helnica e derrotaram as foras militares persas e; foram os trieres de

Pricles que patrulhando as rotas martimas do Mar Egeu na segunda metade do

sculo V a.C., comandaram a Liga do Peloponeso propiciando poder econmico polis.

A relao dos atenienses com o mar torna-se um marco histrico pelo fato de

seus trieres modificarem toda uma mentalidade, dando novos contornos ao imaginrio

social daquela polis. A batalha hopltica no era mais uma exclusividade para guerrear

e exercer influncia um territrio. O modelo combate campal que havia emergido em

meados do sculo VII realizando o choque entre as falanges na terra, foi at o final do

sculo VI a.C. o nico arqutipo eficaz para o ataque e defesa das comunidades

polades helnicas (HANSON, 1993: Passim). Do territrio Peloponsio se estendendo a

regio tica e arredores, a polis de Esparta figurou de maneira unnime, como modelo

de excelncia no combate campal (NAQUET, In VERNANT, 1999: 213-219) e, por tudo

isso, sempre assumia a responsabilidade em comandar os helenos da regio contra as

foras externas concebidas como brbaras.

como os dispositivos simblicos nos quais os movimentos e grupos sociais procuram moldar sua prpria identidade. (BACZKO. A imaginao social. In: ROMANO. Antropoos, 1985: 309- 307-309-313-).

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Quando em 490 a.C. na plancie de Maratona, atenienses comandados por

Milcades obtm vitria em terra - sem o apoio espartano - sobre centenas de soldados

persas que desembarcavam de suas naus, ocorria o primeiro passo para a emergncia

de uma nova potncia militar no mesmo espao geogrfico em que Esparta exercia seu

raio de influncia. Na polis dos atenienses tinha incio o imaginrio social de liderana

poltica. Atrelado a esses fatores, a intensidade comercial exigia mudanas e

inovaes. Devido a escassez de gros em seu territrio, Atenas intentava adentrar o

novo circuito comercial competindo com outras polis rivais, como Corinto e Tebas (L.

A. MOLINA, Apud: CANDIDO, 2012: 29). A disputa comercial ao incio do sculo V a.C.

gerou um conflito contra gina, ilha situada no Golfo Sarcnico regio compreendida

ente Atenas e o Peloponeso. Este conflito despertou para a necessidade de

investimento em uma esquadra; tanto para atender a guerra, quanto a atividade

mercantil. Porm, faltavam-lhes os recursos financeiros, que somente chegariam mais

tarde com a descoberta e explorao dos veios de prata nas minas de Laurion,

localizadas ao sul do territrio tico, em 483 a.C. Os Trirremes utilizados contra os

ginetas foram os mesmos utilizados durante as Guerras Greco-Prsicas (CARTAULT,

2001: 73).

Em 478 a.C. criada a Liga Dlio tica4 e Atenas eleita entre seus aliados a

grande lder e defensora dos interesses helnicos na rea em que gravitasse a zona de

influncia e poder da liga. Muito se questiona a propsito da postura ateniense junto a

suas aliadas na Liga de Delos, a qual em dado momento, toma uma postura poltica

agressiva e de domnio junta a poltica interna de seus aliados5. No entanto, preciso

4 Aliana defensiva que reuniam sob o comando de Atenas vrias polis do Mar Egeu, seu centro era o

santurio jnico na ilha de Dlos. As polis de Quios, Lesbos e Samos, inicialmente conservaram sua prpria frota e forneciam contingente para assegurar a defesa comum contra as investidas brbaras; os outros aliados contentavam-se em pagar um tributo destinado a cobrir os custos de equipagem da frota. (Cf. MOSS, 2004: 82).

5 Em 454 o tesouro da liga transferido de Dlos para Atenas; atravs do decreto de cunhagem - do qual

encontrou-se apenas fragmentos - a partir de 450-446 a.C.. Atenas impe o lastro de moeda ateniense nas suas zonas de influncia. Atenas tambm determina que os aliados acusados em qualquer processo, deveriam ira at Atenas para responder pela acusao e aumenta as contribuies dos integrantes da liga, segundo seus interesses (Cf. Os. Xen. 1-17).

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compreender que segundo o imaginrio social ateniense do perodo, a polis teria sido

eleita lder de maneira democrtica por seus aliados da liga, portanto, teria

legitimidade nas suas aes de liderana. Por isso, nos utilizaremos do termo: arch

ateniense, para nos referirmos a sua atuao junto aos seus aliados na Liga de Delos.

Visto que arch remete ao termo archonte, designando uma magistratura ateniense na

qual um cidado eleito por voto deve liderar a poltica da polis pelo prazo de um ano,

at que sua magistratura seja renovada ou destituda. Os trieres atenienses tiveram

uma importncia singular para ascenso da economia e da liderana poltica externa

dos atenienses no Mar Egeu. Atravs dessas embarcaes, grupos menos providos de

recursos da sociedade ateniense, como os thetes, obtiveram participao poltica

cidad. A partir desse momento, as lideranas polticas da polis dos atenienses devido

a necessidade de terem suas magistraturas renovadas, tornavam-se sensveis a

mobilizao e exerccio de cidadania desse segmento censitrio que passaram a

creditar nos trieres um signo de liberdade e igualdade, pois tambm participavam

ativamente no processo de liderana poltica da polis e contribuam efetivamente para

sua defesa (RAFLAUB, 1996:139-146).

Plutarco (Vida de Pricles, 11) destaca que a polis dos Atenienses, era capaz de

enviar todo ano ao exterior, sessenta trieres tripulada por grande nmero de cidados,

percorrendo os mares por oito meses. Segundo nossos clculos, isso equivaleria a

aproximadamente 12.000 cidados em uma totalidade de 50.000 cidados ativos ao

incio da Guerra do Peloponeso (DUARTE, 2011: 126). Em conformidade com J.

Tailladart (1999: 245-246), os atenienses eram capazes de produzir at 200 trieres em

um ms, nos permitindo apreender que alm dos cidados thetes que se encontravam

atuando diretamente como remadores nas embarcaes, havia um nmero

considervel de cidados do mesmo segmento social, atuando de maneira relacionada

a prtica martima como artesos, carpinteiros, produtores de velas, produtores de

cordas e de outros recursos necessrios navegao. Tais elementos nos permitem

refletir dependncia da poltica de Estado ateniense junto aos segmentos menos

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providos de recursos. A liberdade da polis deixava de repousar sob a lana e escudo

dos zeugitas, para se estabelecer no banco e no remo dos thetes.

Segundo Victor Davis Hanson (1996: passim), os ideais de liberdade eram os

princpios que motivariam os segmentos aristocrticos da sociedade ateniense na qual

estariam includos os remediados zeugitas. Esse segmento censitrio coadunava dos

mesmos ritos de passagem da aristocracia para ratificar sua condio de cidado em

Atenas. Enfim, aprender a manusear o escudo e a lana, assim como o arco, percorrer

as fronteiras terrestres da polis estacionando e montando guarda em seus fortes e, ao

final de dois anos, participar da procisso das Panatenias, na qual aps

demonstrarem as habilidades e valores guerreiros que haviam aprendido; faziam

juramento de defender a terra dos ancestrais e no abandonar os companheiros de

armas. Depois de cumprirem esses ritos, eram ento considerados hoplitas e cidados

da polis (VERNANT: 1993: 93). Como os remadores thetes estavam excludos do

lexiarchicon grammateion, ou seja, o registro dos hoplitas (NAQUET, Pierre Vidal: 219);

esses cidados no se viam representados segundo as mesmas atividades guerreiras.

Somado a isso, tambm no possuam representaes suas como remadores em

monumentos pblicos, como os frisos do Partenon e economicamente, estavam

impedidos de participar dos mesmos ritos de passagem que os segmentos

aristocrticos da sociedade ateniense; portanto, seu ritual de formao e legitimao

como cidado se dava na prtica das atividades martimas e de preparao no porto.

Portanto, a polis, como nos afirma Barry Strauss (1986: Passim), necessitava se

reeducar a nova ordem social. Permitir o estabelecimento de um novo imaginrio

social que tem incio sculo no V a.C., e que se materializa a partir da mudana de

acesso cidade da antiga Baa de Falerion para a regio do Pireu atravs de embates,

recuos e negociaes polticas.

O porto do Pireu diferente de Falrion era um local distante dos centros

urbanos da polis dos atenienses, na qual havia circulao de metcos, comerciantes e

estrangeiros que se encontravam de passagem pelas instalaes do porto, tanto

quanto aos aliados que estavam em Atenas para responder a algum tipo de processo.

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Em fim, o Porto do Pireu tratava-se de um local prprio para a circulao de

comerciantes locais e estrangeiros, assim como artesos, carpinteiros e oleiros que se

permitiam e praticavam intercesses nos rituais e nos cultos religiosos. Muitas das

prticas e contatos culturais existentes na regio do Porto do Pireu, no seriam bem

vistas pelos ideais aristocrticos da sociedade ateniense e somente seriam admitidas

ao se estabelecerem na polis dos atenienses, devido a ascenso poltica do demos (a

massa popular) atravs de embate, recuo e negociao polticas, estabelecendo com

isso fronteiras sociais. Portanto, Falerion se estabeleceria como terra dos ancestrais,

lugar sagrado e zona de influncia poltica da aristocracia; j o Pireu, lugar de troca e

comrcio, na qual a oligarquia exerceria suas atividades e atuaria junto ao demos, o

qual se permitia trocas de culturais e intercesses de cultos religiosos.

Pseudo Xenofonte ao escrever A Constituio dos Atenienses, nos documenta

que o porto estabelecido na regio do Pireu, era um local destinado labuta e o

comrcio. Local de passagem, no qual circulava diversas etnias e culturas que viviam

em constante estado de interseo nos seus hbitos e costumes (P. XENOFONTE:

1:10). No epicentro dos hbitos e prticas culturais encontravam-se os ritos religiosos.

A intercesso dos cultos religiosos que se davam em Atenas, mas especificamente no

Porto do Pireu, eram bastante comuns. Tais evidncias se ressaltam quando Plato (A

Repblica: 327-328a), descreve Scrates descendo a regio para assistir o culto de

Bendis, uma deusa Trcia com atributos semelhantes a helnica rtemis - trata-se do

festival das Bendideias.

O festival inclui duas procisses uma de cidados atenienses e outra de trcios.

Tal como Artemis - a divindade helnica dos sacrifcios cruis e sangrentos (BURKET,

1993: 300) - nos ritos dedicados a Bendis os sacrifcios tambm esto presentes e em

larga escala. Por ocasio das Bendideias, aps os sacrifcios de costumes, acontecia

uma corrida a cavalo comandada pelo archonte, na qual os competidores passavam

uma tocha entre os competidores enquanto cavalgavam a noite. A prtica desse rito

no era prioridade dos cidados atenienses, desse festival participavam tambm

outros grupos tnicos que estavam aportadas e de passagem pelo Pireu. interessante

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destacar que os estrangeiros participantes da Bendideia no perdiam sua identidade

ptria, diferentemente do que ocorria nas Dionisacas e as Panatenias, que somente

cidados atenienses e metcos residentes em Atenas podiam participar. Nesta

especificidade os estrangeiros, tomavam uma assembleia amrfica, se investindo dos

valores da cidade (GARLAND, 1987: 120).

Como nos afirma Robert Garland (Ibidem: 110), a vitalidade religiosa no Porto

do Pireu no sculo V a.C. foi to intensa que se transformou em smbolo de trocas

culturais, no reduzindo em nada essa prtica mesmo diante do seu declnio

econmico no sculo III e II a.C. Havia cultos pblicos e privados de vrios deuses,

dentre as divindades estrangeiras e helnicas cultuadas na regio, podemos citar:

Agathe Tyche, Afrodite, Artemis, Baal (ou Bel), Men, Nergal Serapis e Zeus (Ibidem).

Vemos que essa intensidade foi em dada medida, proporcionada a partir das trocas

culturais e atividades martimas do sculo V a.C.

Dados estatsticos sobre as batalhas ocorridas durante a Guerra do Peloponeso,

na segunda metade do sculo V a.C. (BRUL, 1999:61), nos mostra que o nmero de

baixas (mortes) em combate e o aumento acelerado das campanhas militares,

impediam os cidados atenienses de estarem presentes nas assembleias da polis para

o exerccio poltico de sua cidadania. Sendo assim, ao final do sculo V era crescente a

contratao de soldados-mercenrios para complementar o exrcito da polis - no qual,

um dos fatores de integrao seria o culto religioso (DUARTE, 2011: Passim) - tal

medida, somada as atividades de comrcio no ambiente do porto contriburam para a

chegada de cultos a divindades estrangeiras na regio. E esses cultos acabavam por

interagir junto a ritos de divindades locais, da podermos apontar que o Porto do Pireu

tratava-se de um local que fomentava o ecletismo cultural e religioso.

Culto e ritos de divindades como Artermis e Bendis eram assistidos por:

cidados, metcos, escravos e tripulaes que estavam aportadas por um longo

perodo ou apenas de passagem. Evidncias epigraficas nos apontam que o culto da

deusa trcia Bendis no Pireu, era o que possua maior participao de estrangeiros

(GARLAND, 1987: 118). Imagens do culto, esculpidos em uma placa de pedra datada

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entre 400 e 350 a.C., mostram uma jovem com vestimentas trcias, prprias para a

caa, acompanhada de um co e segurando uma lana (Ibidem). No podemos

esquecer nessa comparao e anlise de intercesso religiosa, que Artemis uma

divindade com regncia sobre a caa e fronteiras, no qual o poder abarca os confins e

lugares selvagens, por isso Bendis teria uma receptividade to acentuada entre os

helenos (GRIMAL, 200: 47-48). O Pireu era um porto afastado do centro urbano da

polis - entre 7 a 8 km - portanto, no imaginrio social dos atenienses do sculo V a.C.

poderia ser considerado o ponto estremo, no qual seria permitido se relacionar com

outras da civilidade.

O termo Pireu tem equivalncia a hors e significa extremidade, limite;

estendendo sua noo e entendimento a espao e tempo (GRAMMATICO, G. 2003:

182). Significando respectivamente: orla, fim, alm de, para l, na frente, do outro

lado; demonstrando que a regio no s era um lugar distante dos centros urbanos,

mas tambm um delimitador de fronteira, na qual se encontraria o brbaro, os

deuses estrangeiros afastados da civilidade. Contudo, para sobreviverem os atenienses

necessitavam do mar, pois no possuam solo frtil, propcio agricultura e criao de

gado. Dos 2600 Km do seu territrio, aproximadamente 1000 Km eram cobertos por

montanhas (CHEVITARESE. 2001: 47-48). Atenas necessitava de importar gros, uma

vez que a dieta base de seus cidados era o po e o mingau, alimentao que se

baseava na matria prima do trigo. Caso o fornecimento no fosse regular, a

populao passaria por dificuldades (CASSON, 1991: 101). O azeite oriundo das

oliveiras que simbolizavam a cidade era uma das bases econmicas da polis dos

atenienses. O mito do Eriptlemo, no qual Aten disputa com Poseidom qual seria a

divindade protetora da cidade, pode ser interpretado como embates polticos entre

tradicionais famlias aristocrticas, ligadas a propriedade agrria junto aos ricos

comerciantes e aristocracias martimas buscando obter a direo poltica ateniense. A

ascenso do Porto do Pireu representaria a mudana nas lideranas polades e a nova

poltica de Estado. Os navios atenienses no se tornaram importantes apenas por

questes militares e, no foi mero acaso o Porto do Pireu, com toda a diversidade de

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culturas que circulavam pelo local, estar no centro das questes polticas e sociais da

polis. Tornaram-se um elemento importante das relaes polticas atenienses. A esse

propsito, Yvon Garlan (1991: 09-15) destaca que os helenos na Antiguidade eram

agonsticos e viam a guerra como um fenmeno natural, no qual, o homem deveria

aceit-la tanto quanto o mau tempo, destacando que de cada trs anos, o grego

guerrearia ao menos dois (Ibidem: 12).

Contudo no podemos afirmar que as relaes entre os Estados polades

helnicos se davam exclusivamente de maneira belicosa e com exerccio do poder

verticalizado. No so poucas as vezes em que Estados polades abdicaram de suas

diferenas, em prol de um bem maior. Em 776 surge os Jogos Olmpicos; 477- 478

temos a criao da Liga de Dlos; 449-448 tratado de paz entre atenienses e persas

(Paz de Clias), 421 tratado de paz entre atenienses e espartanos (Paz de Ncias). Tais

fatores mostram-se interessantes se o cotejarmos as afirmaes de Polly Low

(2007:18), quando a pesquisadora destaca que as relaes entre Cidades-Estados

helnicas, tanto quanto as Relaes Internacionais na atualidade, no se realizam

exclusivamente atravs da fora verticalizada. Muitas vezes, h necessidade de

cooperao, a qual se mostra mais eficaz na manuteno de uma paz duradoura.

Segundo P. Low (Ibidem), a cooperao tem por finalidade a durabilidade do

estado pacfico entre as potencias na maior temporalidade possvel. E isto se deve ao

fato de que desde a Antiguidade at a atualidade, as tentativas de se banir a guerra

das relaes entre Estados ter se mostrado um plano ineficaz. Diante da teoria

apresentada pela pesquisadora, analisamos que foi a busca por um estado de paz que

levou as polis helnicas a manterem uma coalizo visando evitar as investidas dos

estrangeiros persas sobre o territrio helnico. A criao da Liga Dlio tica em 478-

477 e a escolha de Atenas como lder; no se tratou apenas de um acordo entre as

poleis, mas sim de uma tentativa de durabilidade do estado de paz e de cooperao

entre as Cidades-Estados helnicas.

O reconhecimento da Liga de Dlos por parte dos persas em 449 a.C. trata-se

deuma demonstrao de eficcia do sistema de cooperao. Portanto, se Atenas pode

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liderar seus aliados de maneira hegemnica por quase um sculo, o fez atravs de

embates recuos e negociaes polticas, tal qual sua experincia de poltica interna. O

novo imaginrio social ateniense que emergiu ao incio do sculo V a.C. e que no se

apoiava exclusivamente sobre os pilares das instituies polticas, mas sim da

negociao; trazia uma nova maneira de relaes na poltica externa. O Porto do Pireu,

localizado ao sul da polis dos atenienses era uma representao dessa nova ordem

poltica, na qual havia intersees culturais entre diversos grupos tnicos e cultos

religiosos.

Por sua caracterstica de integrao, os cultos religiosos e a concepo universal

do sagrado permitiram uma oportunidade para refletir as diferenas, ou seja, se

aproximar atravs das semelhanas e desenvolver a tolerncia entre as culturas.

Portanto, vemos que cultos religiosos eram tambm um dos elementos de se praticar

a poltica externa. A prpria Atenas incentivaria a participao de estrangeiros em seus

cultos religiosos, inclusive queles que eram reservados aos seus cidados e residentes

com permanncia na polis, como a procisso das Panatenias ( LOW, 2007, 142-151).

Como nesse culto, cidados e estrangeiros se investiam dos valores da polis, Atenas

tinha atravs dessa procisso a sua legitimao como lder regional e tambm na Liga

de Delos.

A emergncia do demos atravs dos trieres e sua atuao no porto, tratava-se

de elemento fundamental nessa nova estrutura, na qual havia participao poltica de

todo o corpo social, inclusive as massas. A insero do Porto do Pireu com sua intensa

atividade, como principal porta de acesso polis de Atenas, veio a demarcar o inicio

de uma nova era para os cidados atenienses e para a poltica exterior entre a polis no

Mar Egeu pelo fato de representar embates, recuos e negociaes polticas, nas quais

os cultos e ritos religiosos eram um elemento importante.

BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAO

DOCUMENTAO

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