uma descrição densa

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  • 8/18/2019 Uma Descrição Densa

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    UMA DESCRIÇÃO DENSA:POR UMA TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA

    Com o texto muito fragmentado a compreensão tornou-se difícil, porém ao estudar aobra na íntegra percebemos que certas idéias, visões e comportamentos surgem com

    tanta intensidade que acabam sendo incorporados pelas populações,passando a serconsiderados como cultura.

    Podemos assim definir cultura como:

    1 - o modo de vida global de um povo;2 - o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo;3 - uma forma de pensar, sentir e agir;4 - uma abstração do comportamento;5 - uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de

    pessoas se comporta realmente;6 - um celeiro de aprendizagem em comum;7 - um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes;8 - comportamento aprendido;9 - um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento;10 - um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como emrelação aos outros homens;11 - um precipitado da história.

    Poderíamos relacionar uma infindável lista de definições, o que reforçaria a nossa

    visão eclética, mas mesmo assim, apesar de tantas definições é necessário que umaescolha seja feita.

    C. Geertz (1926 – 2006), fundador da Antropologia Interpretativa, representa umdivisor de águas no tema. É uma contraposição ao modelo Levi-straussiano daantropologia estrutural, propondo uma nova Teoria Antropológica.

    O autor fala em culturas (no plural) do ser humano. A ação humana é uma atividadeestruturante, um efeito de superfície. Neste sentido Geertz busca o que pode serinferido/interpretado nos relatos etnográficos. Hoje há uma grande cautela em seexplorar o inconsciente através das ações reais como manifestações de ações doconsciente.

     A interpretação do que acontece, segundo o autor, não pode se distanciar daquilo queacontece. Para ele, o trabalho do antropólogo é realizar etnografia. A obra “GrandeSertão – Veredas” de Guimarães Rosa pode ser considerada um exemplo ao queGeertz se refere no Brasil.

    Um ser humano pode ser um enigma completo para outro ser humano. Nós nãocompreendemos o povo, ainda que dominemos seu idioma. Nós não podemos nossituar entre eles. Neste trecho, ele faz uma crítica a B. Malinovski. Para Geertz, falta

    interpretação à descrição etnográfica de Malinovski. E a Antropologia Interpretativaexige grande rigor e precisão conceitual.

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     O antropólogo tenta entender o que acontece, mas também está no meio doacontecimento. Por isso, teorias antropológicas também são temporárias, elas tambémestão no meio da travessia.

     A cultura nunca é igual, é sempre uma recriação. O ser humano expressa suaexperiência vivida. As especificidades são complexas e possuem um caráter único.Generalizações devem ser feitas com critérios. Para compreender o que o ser humanofaz, é necessário entender uma ação dentre várias outras e localizá-la, caracterizá-la.No estudo da cultura, a tarefa essencial da construção teórica não é codificarregularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas, não generalizaratravés dos casos, mas generalizar dentro deles.

    Geertz recupera o conceito de Max Weber, que afirma que o homem é um seramarrado em teias de significados que ele mesmo teceu. A cultura é, portanto, uma

    ciência interpretativa, em busca do significado. O comportamento é uma açãosimbólica. O fluxo do comportamento (ação social) faz com que as formas culturais searticulem. O significado emerge do papel que desempenham. A cultura é públicaporque o significado o é. No estudo da cultura, os significantes não são sintomas ouconjunto de sintomas, mas atos simbólicos e o objetivo não é a terapia, mas a análisedo discurso social.

    O autor esclarece que para o desenvolvimento do estudo, não é necessário se tornarum “nativo”, mas conversar com eles. Sob este aspecto, o objetivo da antropologia é o

    alargamento do universo do discurso humano. Compreender a cultura de um povo

    expõe a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade.

    Os textos antropológicos são interpretações (de qualidade discutível, uma vez queapenas um “nativo” pode interpretar sua cultura). Antr opologia é, portanto, ficção, algoconstruído, modelado. Não falsa, mas não-factual ou apenas experimentos depensamentos.

    Embora a cultura possa existir no posto comercial, no forte da colina, no pastoreio decarneiros, a antropologia existe nos livros, nos artigos, nas conferências, na exposiçãoe no museu como ocorre nos filmes.

    É necessário haver um mínimo coerência para que sejam caracterizados os sistemasculturais.

     A descrição etnográfica para Geertz é, portanto, interpretativa e microscópica (osantropólogos não estudam as aldeias, eles estudam nas aldeias).

    Há uma série de características de interpretação cultural que tornam ainda mais difícilo seu desenvolvimento teórico. A primeira é a necessidade de a teoria conservar-semais próxima do terreno do que parece ser o caso em ciências mais capazes de seabandonarem a uma abstração imaginativa. Somente pequenos vôos de raciocínio

    tendem a ser efetivos em antropologia; vôos mais longos tendem a se perder emsonhos ilógicos, em embrutecimentos acadêmicos com simetria formal.

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      As idéias não aparecem inteiramente novas a cada estudo, são adotadas de outrosestudos relacionados e refinadas durante o processo, aplicadas a novos problemasinterpretativos. Se deixarem de ser úteis com referência a tais problemas, deixamtambém de ser usadas e são mais ou menos abandonadas. Se continuam a ser úteis,

    dando à luz novas compreensões, são posteriormente elaboradas e continuam a serutilizadas.

    Olhar as dimensões simbólicas da ação social não é afastar-se dos dilemasexistenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas, é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da Antropologiainterpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar ànossa disposição as respostas que outros deram e assim incluí-las no registro deconsultas sobre o que o homem falou.

    Na busca de análises profundas há o risco de que a análise da cultura perca contatocom as dificuldades presentes na superfície como as questões políticas e econômicas,as necessidades biológicas e físicas.Sobre isso afirma Geertz: A única defesa contra isso e, contra transformar a análise cultural numa espécie deesteticismo sociológico é primeiro treinar tais análises em relação a tais realidades etais necessidades. É por isso que eu escrevi sobre nacionalismo, violência, identidade,a natureza humana, a legitimidade, revolução, etnicismo, urbanização, status, a morte,o tempo e, principalmente sobre as tentativas particulares de pessoas particulares decolocar essas coisas em alguma espécie de estrutura compreensiva e significativa.

    (GEERTZ, 1989, p.21)

    Quando percebemos os simbolismos implícitos nas ações sociais ou seja na arte,religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum, não nos afastamos dosdilemas existenciais, ao contrário, mergulhamos no meio deles. A antropologiainterpretativa não pretende simplesmente responder questões profundas, mas simcolocar à disposição muitas outras respostas que já foram elaboradas, aumentado onúmero de registros sobre o que o homem tem falado.