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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM - FACULDADE INTEGRADA PÓS GRADUAÇÃO "LATO SENSU"
O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
AUTOR LARISSA PINTO DE SOUZA CODEÇO
ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO
NITERÓI 2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM - FACULDADE INTEGRADA PÓS GRADUAÇÃO "LATO SENSU"
O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes - AVM Faculdade Integrada, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito e Processo do Trabalho. Por: Larissa Pinto de Souza Codeço
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Agradeço a Deus, aos meus pais pelo apoio incondicional que me foi dado durante a elaboração deste trabalho, e a minha filhota Kira pela sua inseparável companhia.
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A minha vozinha, Neide (in memoriam), que embora não esteja mais entre nós, me fez encontrar na eterna saudade que deixou, forças para jamais deixar de ser seu motivo de orgulho. Mulher de incansável perseverança, fé e coragem em enfrentar as dificuldades da vida e da morte. Exemplo de alegria e positividade.
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RESUMO
O assédio moral no ambiente de trabalho vem se tornando cada vez mais comum no atual contexto das relações de trabalho. Tal fenômeno afeta gravemente a saúde física e psicológica do trabalhador. Para isso, defende-se a idéia de valorização da pessoa do trabalhador e de um ambiente de trabalho sadio, de forma a prevenir e coibir eventuais manifestações de terror psicológico, sendo este encargo do empregador, ou seja, como sujeito responsável pela direção do ambiente de trabalho. O estudo em epígrafe se propõe a trazer algumas noções gerais, quando se verifica e quais os efeitos dessa conduta ofensiva que causa constrangimentos e que afeta a dignidade da vítima. Daí a necessidade de reação por parte do direito, para adotar medidas para impedir a prática de atos de violação, ou, pelo menos, neutralizar ou minimizar seus efeitos.
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METODOLOGIA
O acelerado processo de desenvolvimento do capitalismo,
impulsionado pela economia de mercado globalizada, trouxe consigo uma
inversão de valores muito difícil de ser transposta: quaisquer atitudes são
válidas para alcançar o lucro e a superação, mesmo que para tanto seja
necessário atropelar princípios éticos.
Como reflexo dessa crise de valores ganha cada vez mais espaço nas
relações de trabalho, principalmente na seara do trabalho subordinado, o
problema do assédio moral, fenômeno preocupante que demanda reflexões em
várias áreas de conhecimento, inclusive jurídica, em função dos efeitos
nefastos produzidos na vida e saúde das pessoas envolvidas.
Com o intuito de aprofundar o conhecimento acerca do tema,
buscamos na doutrina, legislação e jurisprudência, elementos necessários para
traçar um panorama geral sobre a questão do assédio moral nas relações de
trabalho, tanto no âmbito das relações hierarquicamente superiores, como no
âmbito das relações sem hierarquia superior, ou seja, entre colegas do mesmo
nível hierárquico.
Ademais, o estudo que resultou no presente trabalho tem como
objetivo conhecer e analisar as relações de trabalho que se estabelecem em
decorrência do constrangimento de alguém. Ressaltando, que esta conduta
viola o direito de intimidade do trabalhador, bem como, a dignidade da pessoa
humana, garantias, estas constitucionalmente asseguradas, não podendo o
empregador ou colega de trabalho violá-las.
Por fim, vale dizer que para a coleta de dados foram utilizados doutrina,
legislação, jurisprudência, artigos de revista, artigos de internet, destacando-se
que esta pesquisa expõe aspectos importantes acerca da constatação da
alteração do ambiente de trabalho e diminuição de produção ante a existência
de assédio moral.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 09
CAPÍTULO I
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ........................................... 12
1.1 A LENTA VALORIZAÇÃO MUNDIAL DO TRABALHO
HUMANO...................................................................................... 12
1.2 A EVOLUÇÃO À LUZ DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRA .... 15
1.3 A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO ...................................................... 17
CAPÍTULO II
ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO ......................... 19
2.1 BREVE HISTÓRICO .................................................................... 19
2.2 CONCEITO .................................................................................. 20
2.2.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES ....................................... 22
2.2.2 CLASSIFICAÇÃO ....................................................................... 23
2.3 ASSÉDIO MORAL X ASSÉDIO SEXUAL ................................... 24
2.4 PREJUÍZOS AO TRABALHADOR, A SOCIEDADE E A
EMPRESA .................................................................................... 25
CAPÍTULO III
O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E O ASSÉDIO MORAL .......... 27
3.1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS ....................................... 27
3.2 PREVISÃO LEGAL TRABALHISTA ........................................... 30
3.3 COMPETÊNCIA .......................................................................... 33
3.4 PROVA ......................................................................................... 34
3.5 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL .......................................... 36
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CONCLUSÃO ........................................................................................... 40
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 43
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objeto o assédio moral nas relações de
trabalho.
O fenômeno não é recente, mas apenas há algumas décadas tem
despertado estudos e pesquisas acerca do tema.
No Brasil, é recente a discussão da exposição dos trabalhadores a
humilhações, constrangimentos e situações vexatórias como responsáveis por
danos psíquicos.
Trata-se de um problema estrutural e inerente às relações de trabalho
que tem sido utilizado como manutenção da ordem e perpetuação das relações
assimétricas de poder no ambiente de trabalho.
A problemática do assédio moral será analisada sob o ponto de vista
jurídico trabalhista e, por conseguinte, suas consequências frente ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana está inserto na
Constituição Federal dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito,
no qual se constitui a República Federativa do Brasil.
Como princípio fundamental que é, há que se espraiar em todos os
direitos do homem e do cidadão, estabelecidos como direitos e garantias
fundamentais – e direitos e deveres individuais e coletivos.
Como tal deve permear e assegurar os direitos estabelecidos no texto
magno, devendo assegurar esses direitos, tais como: vida, saúde, integridade
física, honra, liberdade física e psicológica, nome, imagem, intimidade,
propriedade, e a razoável duração do processo e meios garantidores da
celeridade processual, dentre outros.
No primeiro capítulo, denominado de “Valorização do Trabalho
Humano”, analisa-se a evolução do conceito de trabalho, sua valorização,
inclusive à luz das constituições brasileiras, bem como a influência da
globalização da economia nas relações de trabalho.
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No capítulo dois (“Assédio Moral nas Relações de Trabalho”), procura-
se definir o assédio moral, seus elementos caracterizadores, e relacionar
alguns tipos de conduta que são comumente utilizadas pelo assediador, além
de expor a classificação do assédio moral e estabelecer a distinção entre o
assédio moral do assédio sexual nas relações de trabalho.
Com efeito, frisa-se que foi realizada a diferenciação entre assédio
sexual e assédio moral institutos costumeiramente confundidos, no intuito de
retirar quaisquer dúvidas a respeito do que consistem cada um desses.
Já o capítulo três da presente monografia (“O Ordenamento Jurídico
Pátrio e o Assédio Moral”) analisa o assédio moral sob uma ótica
constitucional, visando identificar como tal fenômeno viola o princípio da
dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho humano.
Ademais disso, o capítulo supracitado traz à baila a questão atinente
aos meios de prova do referido fenômeno (dada à dificuldade para a sua
colheita), e a responsabilização da empresa e o seu dever de informar os
empregados sobre as condutas que configuram o ilícito e fiscalizar o
andamento das atividades na mesma.
Sabe-se da dificuldade de colheita de provas do assédio moral nas
relações de trabalho, primeiro pelo fato de comumente acontecer a portas
fechadas, sem a presença de testemunhas; por sempre surpreender a vítima e
ainda, quando se torna habitual, geralmente, a vítima já se encontra
emocionalmente abalada.
Muitas vezes se detecta que não somente as dificuldades de produzir
os meios probatórios são empecilho para a denúncia e processo do assédio
moral deve-se considerar diversos fatores sociais e situacionais que envolvem
o trabalhador em seu ambiente de trabalho, social, econômico e o legado
histórico (pré-conceitos) que pesam até os dias atuais.
Após tecer essas considerações, partimos para a natural consequência
do assédio moral nas relações de trabalho que é a indenização por dano moral,
que segundo Yussef Cahali:
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“Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumer-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, da depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”1
1 Cahali, Yussef Said. 2. ed e ver. atual e ampl. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1998, p 20-21.
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CAPÍTULO I
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
1.1 A LENTA VALORIZAÇÃO MUNDIAL DO TRABALHO HUMANO
Do ponto de vista histórico e etimológico a palavra trabalho decorre de
algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura. O termo trabalho tem
origem no latim – tripalium. Espécie de instrumento de tortura ou canga (peça
de madeira que prende os bois pelo pescoço e os liga ao carro ou ao arado)
que pesava sobre os animais. Por isso, os nobres, os senhores feudais ou os
vencedores não trabalhavam, pois consideravam o trabalho uma espécie de
castigo.
A partir daí, decorreram variações como tripaliare (trabalhar) e
trepalium (cavalete de três paus usado para aplicar a ferradura aos cavalos).
Se no passado o trabalho tinha conotação de tortura, atualmente
significa toda energia física ou intelectual empregada pelo homem, com
finalidade produtiva. Todavia, nem toda atividade humana produtiva constitui
objeto do Direito do Trabalho, pois somente a feita em favor de terceiros
interessa ao nosso estudo e não a energia desprendida para si próprio.
Trabalho pressupõe ação, emissão de energia, desprendimento de
energia humana, física e mental, com o objetivo de atingir algum resultado.
O trabalho sempre foi exercido pelo homem. Na antiguidade, o homem
trabalhava para alimentar-se, defender-se, abrigar-se para fins de construção
de instrumentos. A formação de tribos propiciou o início das lutas pelo poder e
domínio. Os perdedores tornavam-se prisioneiros e, como tais, eram mortos e
comidos. Depois, passaram à condição de escravos para a execução de
serviços mais penosos. A partir da escravidão surgiu o trabalho subordinado
em favor de terceiro.
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O escravo sempre foi tido como coisa, mercadoria. Apesar de não ser
reconhecido como sujeito de direito, transmitia esta condição aos filhos. Estava
presente uma absoluta relação de domínio. Seu trabalho era gracioso e forçado
em favor do amo.
O Código Hammurabi do século XIX a.C., adotado na Babilônia, dispôs
sobre condições de prestação de trabalho livre, inclusive salário e já
vislumbrava uma forma de arrendamento do trabalho.
Muito mais tarde, no Direito romano, nasce o arrendamento da coisa =
locatio conducto rei: a) locatio conducto operis e b) locatio conducto operarum.
Surge paralelamente à escravidão e à servidão como forma de trabalho
autônomo dos artesãos e artífices na antiguidade. Boa parte do Direito do
Trabalho contemporâneo foi inspirado nas antigas regras da locatio operarum.
A servidão surge na época do feudalismo em que os senhores feudais
davam proteção militar e política aos servos, que não eram livres, pois tinham
que trabalhar na terra do senhor, entregando parte da produção em troca da
proteção militar e política. Eram chamados de “servos da gleba”. Recebiam
parte da produção e repassavam o restante ao senhor.
A partir do século XI a sociedade medieval cede à sociedade urbana,
fundada no comércio e na indústria rudimentar. Com as cruzadas, pestes e
invasões, os feudos enfraqueceram, facilitando a fuga dos colonos que se
refugiavam nas cidades, onde passaram a procurar por trabalho e a reunirem-
se em associações semelhantes aos antigos modelos de collegia e ghildas ao
lado dos artesãos e operários.
A partir destas agremiações surgiram no século XII as corporações de
ofícios, que se caracterizavam em típicas empresas dirigidas pelos respectivos
mestres. Desfrutavam de verdadeiro monopólio, pois nenhum outro trabalhador
ou corporação poderia explorar a mesma atividade naquele local. Inicialmente
compostas de mestres e aprendizes. Somente a partir do século XIV surgem os
companheiros.
As Corporações de Ofício ou Associações de Artes e Misteres
(expressão utilizada por Segadas Viana) possuíam três categorias (mestre,
companheiro e aprendiz).
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O aprendiz devia obediência a seu mestre e no final de seu
aprendizado, em torno de cinco anos, tornava-se companheiro ou oficial. No
entanto, continuava vinculado ao mesmo mestre até que o aprendiz ou
companheiro se tornassem mestres, o que acontecia somente através de
prova, que era paga.
Essa dependência dos companheiros aos mestres iniciou um atrito
grande entre essas suas categorias, dando início à Compagnonnage.
Com o desvio da inicial finalidade das corporações de ofício e a
conseqüente exploração de aprendizes e companheiros que dificilmente
chegavam à maestria, nasceram as compagnonnage, compostas de
companheiros que se reuniam em defesa de seus interesses para acirrar a luta
entre mestres e companheiros. Daí o embrião do atual sindicato. A decadência
das corporações de ofício iniciava-se.
Em 1789, as corporações de ofício foram extintas com a Revolução
Francesa e em 1791 a Lei Chapelier (artigo 1º), de 17 de junho, proibia seu
restabelecimento e demais coalizões. Nasce a lei do mercado, o liberalismo,
sem intervenção estatal nas relações contratuais.
Certo é que a partir da Revolução Francesa (1789), com a
sedimentação do lema revolucionário Igualdade, Liberdade e Fraternidade, o
trabalho afirmou-se como uma instituição própria de pessoas livres,
consagrando o trabalho com atividade livremente prestada.
Com a descoberta e o desenvolvimento da máquina a vapor, de fiar e
tear (1738 – 1790) expandiram-se as empresas, pois o trabalho passou a ser
feito de forma mais rápida e produtiva, substituindo-se o trabalho do homem
pelo da máquina, terminando com vários postos de trabalho, causando
desemprego. Nasce a necessidade do trabalho do homem para operar a
máquina e, com isso, o trabalho assalariado. Substituía-se o trabalho do
homem pelo do menor e das mulheres, que eram economicamente mais
baratos. Prevalecia a lei do mercado onde o empregador ditava as regras, sem
intervenção do Estado – liberdade contratual. A jornada era de 16 horas e a
exploração da mão-de-obra infantil chegou a níveis alarmantes.
O Direito do Trabalho nasce como reação às Revoluções Francesa e
Industrial e à crescente exploração desumana do trabalho. È um produto da
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reação ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho
humano.
O Direito do Trabalho nasce como reação ao cenário que se
apresentou com a Revolução Industrial, com a crescente e incontrolável
exploração desumana do trabalho. É produto da reação da classe trabalhadora
ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano.
No novo modo capitalista de organizar a sociedade, era necessário
aliar o capital à força de trabalho, eis que o trabalho adquiriu um sentido muito
maior que apenas garantir a sobrevivência do trabalhador e sua família,
transformou-se em necessidade social, em um direito e, também, um dever,
diante do papel que passou a desempenhar na sociedade.
A nova visão da política do trabalho acabou por criar a necessidade de
legislação. Nesse sentido, após a assinatura do Tratado de Versalhes, a
Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, foi a primeira a inserir um
capítulo especial sobre a ordem econômica e social, e posteriormente, as
constituições foram incorporando a nova ordem social em todo o mundo, onde
as legislações começaram a disciplinar medidas protetivas ao trabalhador,
visando seu bem-estar, saúde física e mental.
1.2 A EVOLUÇÃO À LUZ DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRA
No Brasil, desde o descobrimento em 1500, até a abolição da
escravatura em 1888, o regime de trabalho adotado foi basicamente o escravo,
no qual índios e negros eram vistos como bens e não como seres humanos e
não detinham personalidade jurídica nem quais direitos.
A Constituição do Império em 1824, limitou-se a assegurar a liberdade
de trabalho, em seu artigo 179 estabeleceu a liberdade de qualquer gênero de
trabalho, desde que não afronte-se os costumes públicos, a segurança e a
saúde dos cidadãos, assim como aboliu as corporações de ofício.
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A primeira Constituição da República de 1891 garantiu o livre exercício
de qualquer profissão “moral, intelectual ou industrial”.
O movimento ocorrido no mês de outubro do ano de 1930 foi a base
para a área da chamada questão social.
A Constituição de 1934 incorporou essa preocupação numa
abordagem social-democrata.
Em 1937, já sob a vigência do Estado Novo, a Constituição outorgada
neste ano amplia os direitos dos trabalhadores, mas com grande intervenção
estatal, o trabalho passa a ser um dever social.
Em 1967, a Constituição, fruto do golpe militar de 1964, estabelecia a
valorização do trabalho humano como condição da dignidade humana,
consoante um dos dispositivos que proibia a diferença salarial e a estipulação
de critérios de admissão conforme sexo, cor e estado civil.
Foi com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que
a valorização do trabalho humano, uma das consequências da dignidade da
pessoa humana, passou a ser fundamento da ordem econômica, conforme
mencionado no caput do artigo 170, verbis:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na liver iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:”2
O valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do
Brasil significa que ele é um verdadeiro pilar, assegurando a todos uma
existência digna. Resulta que a valorização do trabalho humano confere ao
trabalho e aos trabalhadores tratamento peculiar, na medida em que numa
sociedade capitalista moderna, o trabalho passa a receber proteção não
meramente caridosa, porém politicamente racional.
2 Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. p 107.
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1.3 A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA NAS RELAÇÕES
DE TRABALHO
Antes de verificar a influência da globalização da economia nas
relações de trabalho, é necessário verificar em linhas gerais a grande mudança
ocorrida em razão da Revolução Industrial.
A doutrina que inaugurou a estrutura da organização de trabalho em
linhas de montagem, denominada taylorismo e fordismo, foi o primeiro passo
para as grandes mudanças. Com o implemento de novas tecnologias, foi
possível desenvolver uma teoria de organização baseada na divisão do
trabalho mediante linhas de produção.
Quanto à utilização simultânea dos fenômenos, assevera-se que
embora distintos, fordismo e taylorismo, marcam conjuntamente o paradigma
de estruturação produtiva do início do século XX até os anos 70,
aproximadamente. São estratégias com um fim semelhante, ou seja, a
otimização do processo produtivo, voltado para a produção em massa, e, por
isso, são referidos simultaneamente e utilizados, não raro indistintamente.
O surgimento de novas tecnologias possibilitou que seus possuidores,
principalmente o Japão, lançassem o toyotismo, modelo de organização do
trabalho, baseado na articulação do trabalho em equipe, no qual o perfil de
trabalhador desejado era aquele capaz de trabalhar em equipe e assimilar
facilmente as novas tecnologias, detentor de conhecimento técnico, sendo
competitivo e flexível. Estava inaugurada a era da técnica, competitividade e da
flexibilidade.
O falso processo de cooperação e comunhão acarreta um processo de
perda de identidade da classe trabalhadora, pois aparentemente, “apaga” o
outro da relação interpessoal.
A globalização é parte de um todo formado pelo neoliberalismo,
privatizações, multinacionais, dentre outros elementos que concernem à
estrutura e atribuições do Estado e de sua organização política, suas relações
internacionais e à ordem socioeconômica nacional e mundial.
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É um processo, uma “onda” que traduz uma nova cultura no quadro
das transformações do capitalismo liberal. É um produto inevitável da
tecnologia nas áreas da informática e das comunicações.
A globalização, com a utilização de quaisquer que sejam os meios para
obter o fim colimado, isto é: competir e se possível, vencer, mata a noção de
solidariedade e o caminho fica propício ao fim da ética e também da política.
A globalização econômica efetivamente acaba por minar fortemente a
soberania política de uma nação, pois os Estados nacionais perderam boa
parte de seu poder de regulamentação independente. Trata-se dos
“marginalizados sociais”.
A reestruturação ou a globalização por si só não alavanca o assédio
moral, entretanto, a gestão da organização tem um peso muito grande para
que a violência não se propague nos seus quadros, vez que “as empresas são
complacentes em relação aos abusos de certos indivíduos desde que isso
possa gerar lucros e não dar motivos a um excesso de revolta”.
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CAPÍTULO II
ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
2.1 BREVE HISTÓRICO
O estudo do assédio moral tem origem não no campo do direito, mas
no campo da psicologia e medicina. É um fenômeno violento que existe em
diferentes relações humanas, como por exemplo, em grupos familiares e
escolares.
Trata-se, portanto, de um conceito multidisciplinar que envolve diversos
ramos da ciência e, embora não seja recente, pois existe desde que a
humanidade começou a se organizar em sociedade, os estudos médicos e
jurídicos acerca do tema começaram a se desenvolver há apenas algumas
décadas.
Antes de tudo, insta destacar que, em Portugal, a denominação que se
dá ao fenômeno é psicoterrorismo ou terrorismo psicológico, nos países de
língua inglesa, mobbing ou bullying, na França, harcèlement moral, nos países
de língua espanhola, acoso moral.
As pesquisas envolvendo a figura do assédio moral iniciaram no ramo
da Biologia, antes de serem desenvolvidas na esfera das relações humanas.
Os estudos de etologistas (estudo científico do comportamento animal)
analisaram a conduta de determinados animais de pequeno porte físico quando
confrontados com invasões de território por outros animais, especialmente um
animal maior, revelaram um comportamento agressivo com intimidações do
grupo para expulsar o invasor solitário.
Mais tarde, na década de 60, o médico sueco Peter-Paul Heinemann
realizando uma pesquisa, analisou um grupo de crianças no ambiente escolar.
Curiosamente, os resultados da pesquisa foram muito parecidos com a
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primeira pesquisa, eis que as crianças demonstraram a mesma tendência dos
animais, a partir do momento que outra criança “invadisse” seu espaço. Esta foi
então a pesquisa pioneira em detectar o assédio moral nas relações humanas.
Deste então, muitas outras surgiram e trabalhos começaram a ser publicados,
em especial relacionados à psicologia infantil.
Na década de 80, então vinte anos mais tarde, o psicólogo alemão
Heinz Leymann, analisando o ambiente de trabalho descobriu o mesmo
comportamento identificado nas pesquisas anteriores, mas, segundo o
psicólogo, no ambiente de trabalho a violência física raramente é usada no
assédio moral, sendo marcado por condutas insidiosas, de difícil
demonstração, como o isolamento social da vítima.
Na França (1998), a psicóloga, psiquiatra e psicoterapeuta de família,
Marie-France Hirigoyen, publicou um livro sob o título Le harcèlement moral: la
violence perverce au quotidien, ed. Syros, onde constata que o assédio moral
não se restringe a casos pontuais, e sim a um comportamento permanente,
comum, destrutivo, distanciado daquele fato isolado (discussão ou atrito) que
ocasionalmente ocorre entre os indivíduos em uma organização.
O livro lançado pela psicanalista e vitimologista francesa reacendeu a
discussão acerca do assédio moral na esfera jurídica. Desde então o tema foi
ganhando proporções internacionais, sendo que a França, Suécia, Noruega,
Austrália, Itália e demais Estados, tanto na Europa como fora dela, passaram a
produzir leis visando a coibir o assédio moral nas relações de trabalho. Houve
uma maior conscientização dos trabalhadores, muito disto resultante da ação
dos sindicatos.
2.1 CONCEITO
É mais importante a definição de um conceito de assédio moral no
ambiente de trabalho, mas especificamente na relação de emprego, seus
elementos, tipos e condutas comuns para que melhor se possa diferenciar de
outros institutos jurídicos e problemas psicossociais que ocorrem nas relações
de trabalho.
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Essa preocupação reside também no fato de que se não
estabelecermos os contornos para este tipo de conduta, isso geraria a
possibilidade de um grande número de processos judiciais, na medida em que,
na atualidade, intensificam-se nas relações de trabalho as pressões e
cobranças de metas e objetivos a serem alcançados pelo empregado.
A expressão assédio deriva do verbo assediar que significa perseguir
com insistência, importunar, molestar, com pretensões insistentes, assaltar. Ao
passo que a expressão moral pode ser compreendida em seu aspecto
filosófico, referindo-se ao agir ético, ou seja, de acordo com as regras morais
ou normas escritas que regulam a conduta na sociedade, o ser e dever-ser,
visando praticar o bem e evitar o mal para o próximo.
É importante consignar que não existe previsão específica sobre o
assédio moral em nosso ordenamento jurídico, entretanto, a fim de identificar o
fenômeno e estudar as suas consequências jurídicas, busca-se a conceituação
introduzida por Marie-France Hirigoyen, na área da psicologia do trabalho,
sendo indispensável ao direito na construção de um conceito jurídico.
Para a psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, uma relação de
conflito, por si só não pode ser considerada como assédio moral. O conflito traz
virtudes, pois as recriminações de alguma maneira ou de outra são faladas, ao
passo que quando se trata de assédio moral, nenhum conflito é estabelecido –
por trás de todo o assédio existe o não falado e o escondido. Além do mais, no
conflito, há uma relação mais ou menos simétrica entre os sujeitos envolvidos,
enquanto que no assédio moral, por mais que ocorra entre colegas ou em nível
ascendente, existe sempre uma relação de dominação psicológica do agressor
em relação à vítima.
Alguns definem assédio moral no ambiente de trabalho como a
exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e
constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no
exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas
autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações
desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou
mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de
trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.
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O assédio moral, também conhecido como terrorismo psicológico ou
“psicoterror”, é uma forma de violência psíquica praticada no local de trabalho,
e que consiste na prática de gestos, atos, palavras e comportamentos
vexatórios, humilhantes, constrangedores e degradantes, de maneira
prolongada e sistemática, com clara intenção perseguidora e discriminatória,
visando eliminar a vítima do ambiente de trabalho.
Nessa toada, faz-se necessário, também, diferenciar o que é assédio
moral do que não é.
O estresse, por exemplo. O estresse é antes de tudo um estado
biológico e que as situações sociais e sociopsicológicas o geram não podendo
ser confundido com o assédio moral, pois em uma situação de estresse o
repouso é fator que repara, o que não acontece no assédio moral, quando, no
mais das vezes, a vítima não tem plena consciência do que está se passando.
Assim, é necessário que sejam delineados os elementos
caracterizadores do assédio moral, para que este fenômeno possa ser
diferenciado de outras condutas que surgem no ambiente de trabalho.
2.2.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES
Alguns elementos nos permitem identificar o fenômeno objeto do
estudo em testilha.
O primeiro deles é a intencionalidade.
Para a psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, o assédio moral
somente se mostra quando existe uma intencionalidade perversa na conduta
do agressor. Diferencia a intencionalidade consciente da inconsciente e
assevera que uma expressão mais acertada seria a de que o agressor age com
uma certa compulsão à maldade.
Alguns consideram o dano outro elemento caracterizador.
Assim, para que haja configuração do assédio moral, é necessário que
tenha havido um ato agressor que conduza a um dano à dignidade do
trabalhador, esses atos devem ser de natureza agressiva e indesejável.
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Os danos devem causar uma degradação das condições de trabalho e
não há necessidade de prova direta, uma vez que a mera existência do assédio
moral configura uma conduta abusiva.
Por fim, imprescindível mencionar outro elemento caracterizador, qual
seja: duração no tempo e repetição.
A doutrina que construiu os conceitos de assédio moral concorda que,
para que as condutas sejam consideradas como assédio moral devem ser
reiteradas e que fatos isolados não configuram esse tipo de violência. Um
ataque, visto de forma isolada, não caracteriza uma conduta que possa ser
considerada verdadeiramente grave, mas que sua continuação sistemática e os
micro traumatismos frequentes é que são constituidores da agressão.
O assédio moral, portanto, somente se configura pela sua repetição,
sendo certo que o tempo de prolongação necessário da conduta deverá ser
analisado de acordo com o caso concreto.
É importante frisar que, as condutas caracterizadoras de assédio, num
primeiro momento, podem parecer sem importância ou desprovidas do intuito
de lesar direitos da personalidade, mas, diante de uma análise em conjunto do
ambiente de trabalho degradante gerado por esta conduta, percebemos que se
configura o assédio moral.
2.2.2 CLASSIFICAÇÃO
É possível vislumbrar três modalidades básicas para o assédio moral
nas relações de trabalho: o vertical, que se subdivide em descendente e
ascendente, o horizontal e o misto.
A modalidade vertical ocorre entre sujeitos de diferentes níveis
hierárquicos, que estão envolvidos entre si por uma relação jurídica de
subordinação. Dependendo do sentido da conduta, esse assédio subdivide-se
em descendente (forma mais comum) ou ascendente.
24
O assédio vertical descendente diz respeito à conduta abusiva
praticada pela direção da empresa ou pelo superior hierárquico em relação ao
subordinado.
O assédio vertical ascendente, por sua vez, surge quando o
subordinado age com a intenção de assediar o seu superior (“violência de
baixo pra cima”). A título de exemplo, destacam-se as situações em que a
pessoa é designada para um cargo de confiança, sem o conhecimento de seus
novos subordinados, que desaprovam a promoção do colega.
Quando a conduta é praticada por sujeitos de mesmo nível hierárquico,
que não mantêm entre si qualquer ascendência funcional ou relação de
subordinação, fala-se que o assédio moral praticado foi na modalidade
horizontal. Como causas que motivam esta forma de assédio destaca a inveja,
competitividade, o preconceito racial, a intolerância pela opção sexual da
vítima, a discriminação de gênero, entre outras.
E, finalmente, existe o assédio moral misto, que ocorre quando a vítima
é perseguida por todos os lados, ou seja, pelo assediador vertical e também
pelo horizontal.
2.3 ASSÉDIO MORAL X ASSÉDIO SEXUAL
O assédio moral designa toda conduta abusiva, de natureza
psicológica, que importe em reiterada agressão à dignidade psíquica do ser
humano, visando excluí-lo do ambiente ou convício social. Não há como
confundi-lo, desta forma, com a figura do assédio sexual, que tem natureza
sexual e se refere à prática abusiva atentatória da liberdade sexual, intimidade
e privacidade da vítima.
Ao lado dessa peculiaridade, outra característica que distingue essas
duas formas de assédio diz respeito ao sujeito que realiza a conduta: o assédio
sexual é praticado apenas pelo superior hierárquico em direção aos seus
subordinados (relação vertical descendente), o assédio moral pode ser
praticado também pelos subordinados em relação ao superior (relação vertical
ascendente) ou pelos próprios colegas de trabalho, entre si (relação horizontal).
25
Ambas as modalidades de assédio - moral e sexual - se traduzem
como forma de violência psicológica e atingem a integridade psicofísica da
vítima, ferindo a sua dignidade e seus direitos de personalidade, pondo em
risco o emprego desta.
Para Marie-France, o assédio sexual é um passo a mais na
perseguição moral. Tem relação com dois sexos, mas a maior parte dos casos
descritos refere-se a mulheres agredidas por homens.
Para caracterizar o assédio moral é necessário que as agressões e
humilhações sejam repetidas e frequentes. A motivação do agressor costuma
ser a de excluir a vítima, levando-a a pedir demissão. Já no assédio sexual, o
objetivo do assediador é o prazer sexual.
Os três elementos caracterizadores do assédio sexual são o
constrangimento consciente e contrário ao ordenamento jurídico, pois impõe a
vítima atitude contrária à sua vontade; a finalidade de obtenção de vantagem
ou favorecimento sexual e o abuso de poder hierárquico.
O assédio moral é toda e qualquer conduta que traz dano à
personalidade, dignidade ou integridade física ou psíquica da pessoa, põe em
risco seu emprego ou degrada o ambiente de trabalho, sem que possua caráter
sexual, já o assédio sexual é o constrangimento e importunação séria,
ofensiva, insistente, chantagiosa com finalidade de obter a vantagem sexual.
Enquanto no assédio moral o agente busca a eliminação da autodeterminação
do empregado no trabalho ou a degradação das suas condições pessoais no
trabalho, acarretando efeitos nefastos à integridade física e psíquica do
funcionário, no sexual pretende a prática de favores sexuais.
2.4 PREJUÍZOS AO TRABALHADOR, EMPRESA E SOCIEDADE
O empregado assediado é prejudicado em sua saúde psíquica e física,
causando uma ruptura do equilíbrio nas relações da vítima com os colegas,
chefia, no seio familiar e da sociedade, prejudicando a qualidade de vida dentro
e fora da empresa. A baixa estima pessoal e profissional tende a se agravar
quando a vítima rompe com a organização do trabalho e fica desempregada,
26
pois o dano à saúde mental e física conduz ao trauma, que por sua vez, leva a
insegurança, prejudicando a vítima numa nova colocação no mercado de
trabalho. A produtividade também é afetada, seja pela queda na quantidade ou
qualidade, ou ainda temendo o desemprego ou como fuga da situação
degradante; suporta a dor em silêncio e se dedica intensamente às atividades
laborativas, ficando vulnerável a adquirir o stress de sobrecarga.
O assédio moral gera prejuízos econômicos para a empresa, afetando
diretamente a produtividade e lucratividade pela rotatividade de mão-de-obra,
acrescido o alto custo pelo pagamento dos direitos rescisórios e indenizações
compensatórias, além do custeio das indenizações por dano moral material.
A sociedade também é atingida pelo assédio moral no trabalho, na
medida que as vítimas passem a receber benefícios previdenciários
temporários ou permanentes, em virtude da incapacidade adquirida, com isto,
sobrecarregando a Previdência Social.
27
CAPÍTULO III
O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E O ASSÉDIO MORAL
3.1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS
A partir da análise da Constituição da República Federativa do Brasil
(1988), nota-se que o constituinte originário, valorizou o ser humano, na
medida em que pôs os Direitos e Garantias Fundamentais antes da
Organização do Estado. Com isso, percebe-se claramente o seu desejo de
mudar de eixo de prioridade: do Estado para o ser humano.
O assédio moral desvaloriza o trabalho, retira dele toda a sua
dignidade, em visível afronta ao ordenamento jurídico vigente.
A par disso, vale tecer algumas considerações acerca do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, inserto no bojo da Constituição da República.
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana está
expresso no primeiro artigo da Carta Magna, como fundamento do Estado
Democrático de Direito. É também no artigo 1º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU (1948), que encontramos a máxima de que todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
O sentido que se acha da palavra princípios no Título I da Constituição
da República Federativa do Brasil, exprime a noção de mandamento nuclear de
um sistema. Nessa toada, vale dizer que os princípios são ordenações que se
irradiam e imantam o sistema de normas, são núcleos de condensação nos
quais confluem valores e bens constitucionais.
A dignidade da pessoa humana se apresenta, portanto, como um
princípio maior, que deve orientar e garantir a proteção de maneira eficaz dos
demais direitos e garantias constitucionais.
28
O Direito existe como criação do homem. Emana da vida em sociedade
e sendo o homem base de toda a sociedade, é o bem maior a ser tutelado pelo
direito. Assim sendo, deve o direito trazer efetividade à proteção do homem e a
dignidade da pessoa humana deve ser estendida como o valor fundamental do
ordenamento jurídico e finalidade última do direito.
Insta destacar que, o constituinte, ao trazer a dignidade como
fundamento da própria República, reconheceu categoricamente que é o Estado
que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser
humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.
Desse modo, a dignidade da pessoa humana passou a ser garantia
constitucional apta a tutelar situações que envolvam violações à dignidade e
personalidade do ser humano, mesmo que não previstas expressamente, como
por exemplo o assédio moral, objeto do trabalho em comento.
A proteção cabível aos direitos do trabalhador e a obrigação do
empregador de possibilitar a execução e prover adequadamente o trabalho,
respeitando a integridade física, moral e intelectual do empregado, estão
embasadas no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, uma
vez que, sendo a finalidade precípua do princípio proteger a dignidade humana,
será, ao mesmo tempo, proteger a dignidade do trabalhador.
O que se percebe é que onde não houver respeito pela vida e pela
integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para
uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do
poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos
fundamentais não forem minimamente assegurados, não haverá espaço para a
dignidade da pessoa humana e esta por sua vez, poderá não passar de mero
objeto de árbitro e injustiças.
Portanto, esse grande princípio de proteção de dignidade não é valor
apenas do Estado, mas da sociedade que nele se organiza e que dele deve
exigir a consecução de uma política tendente a preservar e respeitar o valor
fundamental.
Mostram-se essenciais para a cultura jurídica a discussão e o estudo
do assédio moral nas relações de trabalho, pois tal conduta discriminatória
ofende o valor máximo a ser tutelado em nossa ordem jurídica, contextualizada
29
nos paradigmas do presente século XXI, quais sejam: a dignidade da pessoa
humana e da pessoa do trabalhador.
O assédio moral é um atentado ao princípio da dignidade da pessoa
humana. Esse princípio, uma vez conferido pelo ordenamento jurídico
brasileiro, deve tutelar as relações estabelecidas pelo ser humano na
sociedade, inclusive no âmbito laboral.
Nesse sentido, releva ressaltar que a dignidade da pessoa do
trabalhador deve constituir uma das finalidades da ordem econômica, devendo
ser princípio informador da própria organização do trabalho.
Certo é que a Constituição da República Federativa do Brasil preconiza
condições dignas de trabalho, mediante um ambiente de trabalho que seja
físico e mentalmente sadio, como objetivo dos direitos conquistados pelos
trabalhadores.
O meio ambiente do trabalho, integra o meio ambiente global, como um
todo, de forma genérica (artigo 225 da Constituição Federal), ao passo que o
legislador constituinte atento à saúde e qualidade de vida do trabalhador,
estabelecendo relação direta entre meio ambiente do trabalho equilibrado e
saúde do trabalhador, dispôs no inciso VII do artigo 200, que ao Sistema Único
de Saúde – SUS, além de outras atribuições, compete colaborar com a
proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Ainda que de forma indireta, também contemplando o meio ambiente
do trabalhador, o inciso II do artigo 7º da Constituição Federal estabelece como
direito social dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, segurança e higiene.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) também cuida da proteção
do meio ambiente do trabalho, versando sobre segurança e medicina do
trabalho, além de estabelecer disciplina legal protetora através das Normas
Regulamentares.
O legislador constituinte, a par dos direitos sociais e fundamentais,
elegeu o meu ambiente, conforme plasmado no artigo 225 da Constituição
Federal, à categoria de bem de uso comum do povo, impondo ao empregador
a obrigação de assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio,
30
garantindo-lhe, ao ser demitido, o direito a encontrar-se nas mesmas condições
de saúde física e mental em que se encontrava quando da admissão,
plenamente apto à absorção pelo mercado de trabalho, atualmente tão seletivo,
já que só conta com sua força de trabalho para obter o salário, a remuneração
necessária à sua subsistência.
3.2. PREVISÃO LEGAL TRABALHISTA
No âmbito da relação de emprego, o assédio moral caracteriza
inadimplemento contratual, além de violação ao dever jurídico traçado pelo
ordenamento, uma vez que o empregador viola as normas inseridas na
Consolidação das Leis Trabalhistas, como também viola garantias
fundamentais do trabalhador, previstas na Constituição da República
Federativa do Brasil, sujeitando-se às sanções legais.
Cumpre consignar que o trabalhador vítima de assédio moral, além de
pleitear indenização por dano moral e/ou material, possui outros meios de
resguardar-se.
As práticas de assédio moral podem ser enquadradas em várias
alíneas do artigo 483 da Consolidação das Leis trabalhistas que dispõe acerca
da rescisão indireta.
Imprescindível mencionar, antes de tudo, que a rescisão indireta do
contrato de trabalho, nada mais é do que o ato do empregado em dar por
rescindido o contrato mantido com seu empregador.
Certo é que cabe essa iniciativa ao empregado quando o empregador
descumpre o acertado no contrato de trabalho, de forma significativa a
prejudicar a continuidade da relação contratual.
A par disso, frisa-se que as alíneas aplicáveis quando da prática do
assédio moral são as que dispõem sobre: rigor excessivo, perigo manifesto de
mal considerável, serviços superiores às forças do trabalhador,
descumprimento de obrigações legais e contratuais, ofensa à honra e à boa
fama).
31
Seja pelos maus-tratos, humilhações e ofensas dirigidas contra o
empregado, desqualificando-o e degradando o ambiente de trabalho, quando o
empregador exceder no poder de organização e atribuir metas de produtividade
intangíveis, com clara intenção de atingir o empregado em sua autoestima
pessoal e profissional, com o intuito de afastá-lo do trabalho, seja também
quando empregador desviar a finalidade do poder disciplinar e aplicar
penalidades incompatíveis com as faltas cometidas e as qualidades do
empregado; quando exceder nos meios de fiscalização e controle do
empregado, através de revistas pessoais, circuitos internos, de modo a afetar a
intimidade e privacidade do empregado, e, consequentemente, ferir a dignidade
e os direitos do empregado, porém deve haver rigor excessivo, ou seja,
perseguição por parte do superior hierárquico ou empregador, que conduz ao
abuso do legítimo poder de direção, caracteriza-se a rescisão indireta.
Como já mencionado, o empregador tem a obrigação de garantir um
ambiente de trabalho saudável, visando garantir e preservar a saúde do
empregado, assim, qualquer tipo de atitude, comportamento, gesto sistemático
conduzirá para a caracterização da figura do manifesto de mal considerável,
que abrange não apenas o dano físico e psíquico ao empregado, mas também
o dano moral, habilita uma reação do empregado, tal como a rescisão indireta
do contrato de trabalho e consequente obrigação do empregador de pagar as
verbas rescisórias e indenizatórias devidas por causa dessa modalidade de
rescisão contratual.
A rescisão indireta caracteriza-se ainda quando o empregador praticar
contra o empregado ou a pessoas de sua família ato lesivo da honra e boa
fama do empregado, assim como a ofensa física.
A ofensa à honra abrange não somente os crimes contra a honra, mas
outros comportamentos capazes de lesá-la. Já a lesão à boa fama configura-se
com atitudes capazes de sujeitar o empregado ao desprezo de outrem ou ao
ridículo, ofendendo-lhe a dignidade.
No caso da agressão, a Consolidação das Leis Trabalhistas refere-se a
agressão física, sendo aquela que atenta contra a integridade corporal, não se
referindo à agressão psíquica na qual está inserido o assédio moral. No
entanto, a agressão física reiterada poderá gerar desordem psíquica na vítima.
32
Além de poder se resguardar com as hipóteses previstas no artigo 483
da Consolidação das Leis Trabalhistas, não restam dúvidas de que o assédio
moral cometido por empregado em relação ao colega de trabalho ou superior
hierárquico preenche os elementos caracterizadores da rescisão por justa
causa contidos no artigo 482, alíneas b, j e k, verbis:
“Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do
contrato de trabalho pelo empregador:
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no
serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas
mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria
ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas
físicas praticadas contra o empregador e superiores
hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem;”.3
O empregado, quando pratica conduta, ato, palavra, gesto
caracterizador do assédio moral, quase sempre poderá ter seu comportamento
enquadrado na justa causa por mau procedimento, pois, trata-se de justa causa
abstrata e genérica; sendo assim, contestações imotivadas e criticas dirigidas
contra o colega de serviço na intenção de desqualificá-lo, maus-tratos e
ofensas verbais, brincadeiras humilhantes e degradantes, isolamento e recusa
de comunicação com o colega, suspiros, cochichos, enfim, todo
comportamento que não seja ofensivo diretamente à honra do empregado
(alínea k), habilitando o empregador a proceder a rescisão por justa causa e
sem ônus. Já a incontinência de conduta está associada aos desvios,
desregramento da conduta sexual.
O assédio moral dirigido em face do superior hierárquico ou do colega
de trabalho com a intenção de macular a honra ou a boa fama desses,
caracterizará hipótese para a rescisão por justa causa, ante a violação do
3 Consolidação das Leis Trabalhistas. 35ª Edição. LTR. 77-78.
33
dever de boa fé e lealdade nas relações de emprego, além de violação ao
genérico dever de respeito aos direitos da personalidade e a dignidade humana
do próximo.
As agressões físicas, dirigidas contra superior hierárquico ou colega,
praticadas isoladamente não configuram o assédio moral, muito embora pela
gravidade, seja causa determinante de justa causa, salvo quando a agressão
for precedida de reiteradas práticas assediantes.
O empregador ou os seus prepostos não têm o direito de atingir a
dignidade e respeito próprios do empregado ou daqueles que lhe são caros,
tanto em serviço ou fora dele. Sem embargo das sanções penais e
consequentemente civis de uma eventual investida empresarial contra a honra
e a boa fama dos trabalhadores e de seus familiares, estará a empresa sujeita,
ainda, à possibilidade de uma rescisão indireta, com os ônus indenizatórios
trabalhistas.
A prática do assédio moral que precede a demissão do empregado
caracterizará um típico caso de despedida abusiva ou mesmo injuriosa, e,
como não existe em nosso ordenamento jurídico tutela específica, certamente
não poderemos cogitar a nulidade absoluta consequente reintegração ao
emprego, havendo proteção jurídica e previsão legal apenas para o
ressarcimento dos danos e prejuízos experimentados, além da indenização
trabalhista pertinente.
3.3. COMPETÊNCIA
Imprescindível frisar que com a Emenda Constitucional nº 45/2004
houve significativa ampliação da competência da Justiça do Trabalho, de modo
que ela passou a processar e julgar as demandas oriundas, não apenas da
relação de emprego, como daquelas provenientes da relação de emprego.
Relação de trabalho, é gênero que tem na relação de emprego uma de
suas espécies; sendo a relação de trabalho aquela que diz respeito, a toda e
qualquer atividade humana em que haja prestação de trabalho (eventual,
autônomo, empreitada, cooperado, avulso, doméstico, de representação
34
comercial, temporário, sob a forma de estágio), já a relação de emprego,
ocupa-se do trabalho subordinado, prestado pelo empregado.
O constituinte derivado, seguindo tendências jurisprudenciais do
Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, entendeu
estabelecer expressamente na Emenda Constitucional nº 45/2004 a
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as demandas que
versarem sobre pleitos indenizatórios de dano moral ou patrimonial, desde que
a controvérsia seja oriunda da relação de trabalho.
3.4. PROVA
Inicialmente, cumpre registrar que o assédio moral não se presume nas
relações de trabalho. Isto porque, à luz do princípio da boa fé objetiva, que
norteia todo e qualquer tipo de contrato (artigo 422 do Código Civil), constitui
dever patronal propiciar um ambiente de trabalho hígido para que o trabalhador
se realize profissionalmente.
Neste aspecto, a prova judicial acerca da prática do assédio moral é
assunto que demanda bastante importância na seara do processo do trabalho,
ante a dificuldade da vítima em provar sua existência, uma vez que, na maioria
das vezes, a ocorrência do assédio se dá às escuras ou de forma camuflada.
Árdua tarefa, portanto, é delegada ao trabalhador para que este prove, de
forma inequívoca, que fora vítima de assédio moral.
A tarefa mais difícil é identificar o assédio moral, por ser no mais das
vezes uma forma sutil de degradação psicológica. A forma como os atos
lesivos se expressam dificulta imensamente a sua percepção, muitas vezes
restrita à vítima dos assaques. Refere-se com mais ênfase à comunicação não
verbal, tão comum e de fácil negação em casos de reação (“você entendeu
mal”, “foi só uma brincadeira”, “você está vendo/ouvindo coisas”, etc.)
Dessa forma, o juiz do trabalho deve ficar atento a exacerbadas
suscetibilidades de pretensas vítimas de assédio, que, na verdade,
participaram de simples discussão ou divergências de opinião em serviço, as
quais até podem ter resultado num estado de tensão momentâneo, mas que
35
não caracterizam o assunto em comento. O juiz deve ter certeza de que, no
caso concreto, houve a continuidade e sistematização da conduta abusiva, os
instrumentos utilizados pelo ofensor e a extensão dos efeitos provocados no
ofendido, a fim de não se misturarem situações inconfundíveis.
Com efeito, não se caracteriza o dano moral pela simples sensação de
dor ou sofrimento, sentimentos subjetivos do empregado. Para que o dano seja
considerado juridicamente relevante e apto para ensejar o reconhecimento do
dano moral, mister a clara e inequívoca intenção do assediador em atingir o
trabalhador, pois, ao contrário, não se impõe condenação de dano moral com
base em presunções.
Ainda cabe salientar que não há necessidade da comprovação do
prejuízo psíquico para gerar o direito à indenização por danos morais.
Para que a pessoa faça jus à compensação por danos morais,
necessário se faz tão somente que demonstre de forma inequívoca, por
qualquer meio em direito admitido (artigo 332 do Código de Processo Civil) o
fato lesivo praticado (doloso ou culposo) pelo agente, sendo o dano moral
presumido de forma irrefragável (presunção “juris et de juris”) à vítima.
Desse modo, desde que o ato ilícito praticado possa acarretar danos a
qualquer pessoa, considerando-se o padrão da sociedade, os danos de ordem
moral estarão configurados. Por exemplo, a acusação falsa de ladrão, a perda
de um dedo resultante de conduta culposa do empregador, causa
evidentemente, dor psíquica no empregado. Ninguém irá dizer que o
empregado não se abalou internamente em decorrência desses fatos.
Em que pese a dificuldade da vítima na fase da instrução processual
trabalhista, a prova das práticas assediadoras deverão ser por ela cabalmente
demonstradas, de forma inequívoca em juízo, por se tratar de um fato
constitutivo do seu direito.
Portanto, para que a vítima possa ter êxito em uma demanda desta
natureza, não lhe basta ter razão, é necessário provar os fatos afirmados
perante o órgão julgador.
A saída do empregado, quer seja por vontade própria ou por condução
do empregador ou seu representante legal, elimina o contato diário da vítima
36
com seu agressor e inicia a segunda etapa de seu sofrimento: a busca da
indenização por danos morais.
Para efeito de responsabilização civil e efetiva reparação do dano
moral, a celeuma será instaurada em torno da prova do assédio moral e efetivo
dano moral ao empregado, tendo em vista que a agressão proveniente do
assédio moral é oculta e atinge a esfera íntima e subjetiva da vítima.
Para se coibir o assédio moral, admite-se a inversão do ônus da prova,
revertendo para o agressor o encargo de provar a inexistência do assédio,
desde que a vítima já tenha apresentado, anteriormente, elementos suficientes
para a presunção de veracidade dos fatos.
Nesse sentido, vale dizer que o magistrado valendo-se de sua
presunção racional e da presunção como meio de prova, poderá aferir ou até
mesmo presumir a existência da dor, sofrimento, angústia, aflição, desespero,
vergonha, humilhação, descrédito perante os colegas, e admitir a existência do
dano, determinando a inversão do ônus da prova, impondo ao agressor o ônus
de provar a inexistência da conduta do assediante e da possibilidade do nexo
de causalidade; até porque, diante do desequilíbrio social e econômico entre
empregado e empregador, perfeitamente justificável é a inversão do ônus da
prova.
A prova de algumas condutas configuradoras do assédio moral é muito
difícil, incumbindo a vítima apresentar indícios que levem a uma razoável
suspeita, aparência ou a presença da figura ora sob análise, o demandado
assume o ônus de demonstrar que sua conduta foi razoável, ou seja, não
atentou contra qualquer direito fundamental.
3.5. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
Mesmo sendo esse um problema que faz parte dos conflitos do mundo
do trabalho, ainda não há no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação
específica tratando do assunto para regular os contratos regidos pela
Consolidação das Leis Trabalhistas.
37
Importa ressaltar que uma legislação sobre assédio moral seria de
grande utilidade para uma definição concreta da conduta e de seus elementos
caracterizadores, mas, sobretudo para o combate do assédio também em seu
aspecto pedagógico e preventivo, uma vez que a não existência de lei não
impede que tal atentado seja coibido e seus danos ressarcidos, já que o
assédio moral constitui-se numa agressão aos princípios da personalidade do
trabalhador e sua dignidade.
Assim, verificada a ocorrência de assédio moral, mesmo não havendo
previsão legal específica sobre as consequências jurídicas da conduta, deverá
o assediado merecer reparação por dano moral, uma vez que existe uma
cláusula geral de tutela dos direitos da personalidade que decorre do princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana.
Embora a Lei Maior não faça referência expressa à violação da
intimidade, da vida privada, da honra e da honra das pessoas, não importa o
casuísmo. O que tem relevância é a circunstância de haver um princípio geral
estabelecendo a reparabilidade do dano moral, independentemente do dano
material. A incidência desse princípio abrange todas as possibilidades de lesão
ao livre desenvolvimento da pessoa em suas relações sociais, incluindo
aquelas de cunho mais marcadamente patrimonial, mas que também podem
trazer efeitos daninhos à sua dignidade.
Sendo assim, constatada a existência de dano moral, mesmo não
havendo previsão legal específica sobre as condutas jurídicas, deverá o
assediado merecer reparação por dano moral, uma vez que existe uma
cláusula geral de tutela dos direitos da personalidade que decorre do princípio
da dignidade da pessoa humana.
Dessa maneira, podemos inferir, que uma das evidentes
consequências jurídicas da prática do assédio moral é a indenização por danos
morais, uma vez que o assédio moral atenta à dignidade do trabalhador e os
direitos da personalidade.
Ademais disso, conforme preceitua o artigo 5º, inciso X da Constituição
da República Federativa do Brasil, tanto a indenização por danos morais como
a indenização por danos materiais é garantida constitucionalmente, verbis:
38
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;4
A tutela da violação dos direitos referentes à personalidade e
dignidade da pessoa humana se dá, portanto, na reparação pelo dano sofrido
através de indenização por dano moral. A convivência em sociedade faz com
que os indivíduos estejam sempre sujeitos a causar dano ou sofrê-lo. Na
relação de emprego não é diferente.
Nesta seara, mister consignar que o cotidiano da execução do contrato
de trabalho, o relacionamento pessoal entre empregado e empregador, ou
aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita, sem dúvida, o
desrespeito dos direitos da personalidade por parte dos contratantes.
Vale ressaltar que o dano moral consiste na lesão de direitos cujo
conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em
outros termos, pode-se dizer que o dano moral é aquele que lesiona a esfera
personalíssima da pessoa, violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada,
imagem e honra, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Vale ressaltar ainda que em se tratando de dano moral, o correto seria
falar no direito à indenização como forma de atenuar o sofrimento da vítima,
uma vez que o dano em si é irreparável e, na prática do assédio moral, é
impossível retornar ao status quo que existia antes da lesão.
O assédio moral se consubstancia com a repetição das condutas
utilizadas pelo assediador, uma vez que agressões pontuais não podem ser
consideradas como assédio moral, da mesma maneira, uma só agressão
poderia nem resultar em dano, mas quando ocorre o assédio moral, o que traz
lesão aos direitos da personalidade da vítima são as condutas repetitivas que
4 Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. p 15.
39
degradam o ambiente de trabalho. Assim, caberá ao julgador adequar o valor
da indenização considerando o aspecto da gravidade da conduta e os danos
sofridos pelo assediado ao longo do tempo.
A indenização por dano moral caracteriza-se por ser compensatória,
para que, de alguma forma, se possa minorar os efeitos do dano sofrido.
40
CONCLUSÃO
De todo o exposto, conclui-se que a valorização do trabalho humano, e
a dignidade da pessoa humana, como princípios constitucionais, estão
ameaçados, ante o contexto mundial atual, onde a globalização da economia e
as novas técnicas de produção, denotam uma clara desvalorização do trabalho
humano, cerne do assédio moral.
A flexibilização da economia traça o perfil multifuncional do ‘novo’
trabalhador. A redução dos postos de trabalho e o medo do desemprego, leva
a submissão a condições degradantes e aviltantes, até o limite da
suportabilidade humana.
Ademais, a partir da análise do presente estudo, pode-se afirmar que o
assédio moral não é um fenômeno novo, que é mundial e não se restringe ao
ambiente do trabalho. A crescente discussão sobre o assunto, fez com que se
buscasse na psicologia a conceituação do assédio moral, eis que as
consequências geradas não se restringem à vida do trabalhador vítima do
assédio moral, estendendo-se à própria sociedade, sobrecarregando o sistema
previdenciário com o custeio de licenças médicas prolongadas.
Apesar de o ordenamento jurídico não apresentar legislação específica
que conceitue o assédio moral com seus elementos e características, no
âmbito dos contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), podemos asseverar que esse dano à dignidade e a
personalidade do trabalhador é protegido.
A ausência de proteção específica não impede que essa violação seja
combatida e que o trabalhador agredido em seus direitos tenha prestação
jurisdicional.
O princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de
nosso Estado Democrático de Direito, insculpido no artigo 1º, inciso III da
Constituição Federal, orientador de todo o ordenamento jurídico, o princípio do
hipossuficiente no Direito do Trabalho e os direitos da personalidade no Código
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Civil oferecem ampla proteção quando ao assédio moral. A existência de uma
cláusula geral de personalidade faz com que a conduta ilícita causada pelo
agressor possa ser reparada através de indenização por dano moral.
Nessa toada, imprescindível ressaltar que o dano moral se trata de
prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o fazendo diminuir nem
frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é afetado, nem passa a valer
menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de caráter imaterial -
desprovidos de conteúdo econômico, insusceptíveis verdadeiramente de
avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correção
estética, a liberdade, a reputação. A ofensa objetiva desses bens tem, em
regra, um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de
natureza física ou de natureza moral.
Ademais disso, vale ressaltar que o assédio moral viola a intimidade do
trabalhador em decorrência do uso abusivo do poder diretivo do empregador,
cuja finalidade é destruir a vítima e afastá-la do mundo do trabalho.
Esta doença moral responsabiliza o empregador pelos atos de seus
empregados, podendo, inclusive acarretar rescisão indireta e justa causa.
Certo que a indenização moral tem um caráter punitivo incidente sobre
a pessoa do causador do dano, cujo objetivo não é outro senão o de coibir e
desestimular novas ações com a mesma carga de ofensividade, sinalizando
que o dano moral é irreparável, insusceptível de avaliação pecuniária porque é
incomensurável a dor sofrida.
Por derradeiro, nota-se que o assédio moral deve ser evitado e
combatido, pois acarreta inúmeras consequências negativas. O empregador
tem prejuízos com a queda da produtividade de seus empregados e o
empregado, parte hipossuficiente na relação de trabalho, sofre
constrangimentos que afetam sua saúde psicológica, ocasionando-lhe dor e
medo.
Verificou-se que raros são os casos que chegam ao conhecimento da
Justiça, pois, devido a escassez de trabalho no país e consequente pavor de
perder o emprego, muitos trabalhadores assediados deixam de recorrer ao
Poder Judiciário para fazer efetivo seu direito.
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É necessário que a Justiça do Trabalho informe aos trabalhadores seus
direitos, garantidos inclusive constitucionalmente, e promova meios eficazes de
combate às condutas, dentre as quais destacamos o assédio moral, que
inferiorizam e desrespeitam os mesmos, garantido justiça e punindo os
agressores, sendo certo, por óbvio, que tal fenômeno (assédio moral) não pode
ser aceito pela sociedade e o trabalhador agredido não deve ficar sem a
reparação cabível.
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