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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS NO CASO DE ASSALTO Por: Bruno Rodrigues Vasconcellos Rocha Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS NO

CASO DE ASSALTO

Por: Bruno Rodrigues Vasconcellos Rocha

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS NO

CASO DE ASSALTO

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito Privado

e Civil

Por: Bruno Rodrigues Vasconcellos Rocha

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AGRADECIMENTOS

Aos professores e mestres da

Universidade Cândido Mendes por todo

carinho e conhecimento transmitidos.

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DEDICATÓRIA

Dedica-se aos meus pais, João Luiz e

Léa Maria, por tudo que me ajudaram.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é discutir as questões mais relevantes da

responsabilidade civil do transportador urbano, principalmente em relação a

assaltos no interior dos coletivos.

Este estudo é baseado nas leis que regulam a matéria, tais como a Lei

das Estradas de Ferro, o Código Civil, a Constituição da República Federativa

do Brasil, e o Código de Defesa do Consumidor.

Também abordamos a causa de tal delito ter se tornado cada vez mais

freqüente, a aplicação das leis de forma eficaz e o entendimento da doutrina e

jurisprudência sobre o assunto.

Para garantir a qualidade desta obra, mencionamos as principais

situações que ocorrem nos casos concretos, bem como os fatores que

determinam a responsabilidade civil do transportador em caso de assalto no

interior dos coletivos.

Portanto, trata-se de uma obra robusta e que ajudará a por fim toda a

polêmica existente sobre o tema.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

DO CONTRATO DE TRANSPORTE 11

CAPÍTULO II

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR 20

CAPÍTULO III

O ESTADO NA RELAÇÃO DE TRANSPORTE 29

CAPÍTULO IV

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR FRENTE AOS

ROUBOS E FURTOS OCORRIDOS NO INTERIOR DOS ÔNIBUS 36

CAPÍTULO V

ESTUDO DE CASOS CONCRETOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL

DO TRANSPORTADOR 44

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CONCLUSÃO 53

BIBLIOGRAFIA 54

ÍNDICE 56

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é discutir as questões mais relevantes da

responsabilidade civil do transportador urbano, principalmente em relação a

assaltos no interior dos coletivos.

De todos os contratos, nenhum terá maior relevância social e jurídica

do que o contrato de transporte. Milhões e milhões de pessoas são

transportadas diariamente de casa para o trabalho e vice-versa, principalmente

nos grandes centros urbanos, gerando um grande número de problemas

sociais e jurídicos, alguns deles até insolúveis. Pode-se dizer que o transporte

coletivo urbano tornou-se instrumento fundamental para o cumprimento das

funções sociais e econômicas do Estado moderno.

Nos países desenvolvidos, com economias estáveis, o transporte

urbano é feito preponderantemente sobre trilhos (trens, metrôs,...)

responsáveis por 60% da demanda, cabendo ao modo rodoviário, algo em

torno de 30%. No Brasil, o transporte sobre trilhos participa hoje, com apenas

6% da demanda diária do transporte coletivo do país. O modal rodoviário, com

emprego do ônibus, chega ao percentual de 93%.1

Por incrível que pareça, na primeira metade dos anos 60, quando a

economia brasileira era muito mais precária, os investimentos em transporte

1 FILHO, Sérgio Cavalieri.. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.290

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coletivo representavam cerca de 40% da formação bruta do capital fixo do

país. No final dos anos 80, esses percentuais de investimento despencaram

para 10% e 1,7%. Daí o estado caótico que se encontra o transporte coletivo

no Brasil, obrigando o trabalhador a viajar quatro ou cinco horas diárias, em

péssimas condições, para ir ao seu trabalho e voltar.2

De acordo com o ilustre desembargador Sérgio Cavalieri Filho, apenas

na região Metropolitana do Rio de Janeiro, para atender a demanda diária de

oito milhões de passageiros, os trens suburbanos respondem por apenas 7 %,

o metrô por 3%, as barcas por 2 %, cabendo aos ônibus o restante 88%. Cerca

de sete milhões de passageiros (a população total da Bolívia) diariamente

recorrem aos ônibus para atenderem suas necessidades de trabalho,

educação, saúde, consumo, etc. Esse complexo sistema de transporte

metropolitano é operado por 200 empresas, empregando uma frota de 15 mil

ônibus. Atente-se agora para o que ocorre na grande São Paulo, Recife, Belo

Horizonte, Porto Alegre, etc., e se terá idéia da enormidade dos problemas

sociais e jurídicos que diariamente ocorrem no campo dos transportes

coletivos.

É por isso que as ocorrências com os meios de transporte, até já

constituem um setor especial da responsabilidade civil.

Portanto, torna-se evidente a grande importância dos contratos de

transportes realizados com as empresas de ônibus, principalmente para

determinar de quem é a responsabilidade dos assaltos em coletivos, tendo em

vista que estes tornam-se cada vez mais freqüentes.

2 Ibid. , p 288.

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No presente trabalho, abordaremos no primeiro capítulo uma visão

geral do contrato de transporte, analisando os seus principais elementos e

aspectos como a cláusula de incolumidade, a questão do transporte gratuito e

a celebração do contrato.

No segundo capítulo estudaremos as excludentes de responsabilidade

do transportador, citando-as, explicando-as e demonstrando todas as

divergências existentes na doutrina e jurisprudência.

Já no terceiro capítulo trataremos do Estado na relação de transporte,

mencionando os casos em que o mesmo é o responsável pelos assaltos

ocorridos no interior dos coletivos, bem como a distinção entre

responsabilidade do Estado e a do transportador.

No quarto capítulo enfocaremos a responsabilidade do transportador

frente aos roubos ocorridos no interior dos coletivos, visto sob a ótica de que

se opera uma relação de consumo. Desta forma veremos as noções básicas

da responsabilidade civil no CDC, o contrato de transporte, os direitos do

transportado, a responsabilidade do transportador e as concessionárias de

serviço público, tudo sob a ótica consumerista.

Por fim, no quinto capítulo faremos o estudo de casos concretos sobre

a responsabilidade civil do transportador, onde apontaremos os mais recentes

acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, bem como a

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Desta forma demonstrando os

principais posicionamentos de nossos tribunais a cerca do tema.

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CAPÍTULO I

DO CONTRATO DE TRANSPORTE

De acordo com o art. 730 do Código Civil de 2002 contrato de

transporte é aquele em que alguém se obriga, mediante retribuição, a

transportar de um lugar para outro, pessoas ou coisas.

O contrato de transporte de passageiros é um contrato de adesão, ou

seja, suas cláusulas são previamente estipuladas pelo transportador, sem a

menor interferência do passageiro que se submete a ela no momento da

celebração.

É ainda, um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, pois

para sua celebração basta o simples acordo, cria direitos e obrigações para

ambas as partes e há um equilíbrio entre as respectivas prestações.

Neste tipo de contrato existem dois contratantes: de um lado o

transportador que é quem se compromete a efetuar o transporte e de outro

lado o passageiro que é a pessoa que se propõe a ser transportada, pagando

certo preço ao transportador.

Cabe ressaltar que o bilhete ou passagem não é indispensável para a

celebração e caracterização do contrato de transporte, pois este constitui-se

em uma fase posterior, que é a fase de execução. O mesmo pode-se dizer do

pagamento, que também é fase de execução.

O contrato de transporte teve sua origem legal no Decreto n° 2.681 de

7 de dezembro de 1912(conhecido como Lei das Estradas de Ferro) que

regula a responsabilidade civil das estradas de ferro. Tal decreto é considerado

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extremamente moderno para época em que foi promulgado, e consagrou a

presunção de culpa da ferrovia nos casos de danos sofridos pelos passageiros

em suas linhas. Esta presunção somente pode ser elidida se o transportador

provar a culpa exclusiva da vítima, a força maior ou o caso fortuito, conforme

expresso no art. 17 do referido diploma legal.

Art. 17- As estradas de ferro responderão pelos

desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes

e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea.

A culpa será sempre presumida, só se admitindo

em contrário alguma das seguintes provas:

I- caso fortuito ou força maior;

II- culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada.

Com o passar dos anos, utilizando-se a analogia, a jurisprudência foi

aplicando a Lei das Estradas de Ferro, também nos casos de danos ocorridos

com bondes, devido à semelhança existente entre estes dois meios de

transporte que circulam sobre trilhos.

O avanço jurisprudencial foi tanto que passou, posteriormente, a

aplicar o referido decreto aos casos de danos envolvendo ônibus, haja vista

que também se trata de meio de transporte coletivo, e que também tem uma

responsabilidade oriunda do contrato. Hoje em dia a Lei das Estradas de Ferro

é aplicada para todos os meios de transportes de pessoas em que a

responsabilidade é contratual.

Neste sentido cabe destacar o posicionamento do ilustre Washington

de Barros Monteiro: “Hoje a doutrina dominante da nossa jurisprudência é no

sentido de sustentar que as empresas de transporte, quaisquer que sejam

elas, estabeleçam com os seus serviços organizados uma relação jurídica

entre si e os seus passageiros, tornando-se responsáveis por todos os danos

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sobrevindos, pelo fato de assumirem a obrigação de transportar as pessoas,

que delas se servem, ao seu destino são e salvas.”3

Para que se caracterize a responsabilidade do transportador, é

necessário que o dano ocorra durante a vigência do contrato, ou seja, no

momento em que o passageiro entra na estação de embarque, pede o bilhete

ou faz um sinal para o transportador, até o instante em que deixa o veículo e

atravessa o portão de saída da estação de desembarque.

1.1 - Da cláusula de incolumidade

A principal característica do contrato de transporte de pessoa é a

cláusula de incolumidade, que nele está implícita.

A cláusula de incolumidade consiste no fato de que o transportador

tem o dever de transportar são e salvo o passageiro até o seu lugar de destino,

o que significa dizer que, se o passageiro sofrer algum dano durante a viajem a

transportadora é responsável.

Portanto, a obrigação da empresa transportadora é de fim, isto é,

garante o bom êxito, e não de meio, que é a obrigação de tomar todos os

cuidados e cautelas para o bom sucesso do transporte.

Neste contexto destaca-se o entendimento da festejada autora Maria

Helena Diniz: “...a finalidade do contrato de transporte não é apenas o fato

material do transporte de uma pessoa ou de uma coisa, mas sim executar uma

obrigação de resultado, isto é, a entrega dessa pessoa ou dessa mercadoria

no local de destino sã e salva.”4

3 Monteiro, Washington de Barros apud Rodrigues Silvio, Direito Civil, 4°v.,Saraiva, 19ed., p 101 4 Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 7°v, Saraiva, 14ªed, p.391.

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Da mesma forma cabe destacar o acórdão n° 0000704-

34.2006.8.19.0087 da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio de Janeiro, julgado em 17/11/2010:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS -

PROCEDIMENTO SUMÁRIO -QUEDA SOFRIDA POR

PASSAGEIRA MENOR NO INTERIOR DO COLETIVO

DA EMPRESA TRANSPORTADORA RÉ - CONTRATO

DE TRANSPORTE -RESPONSABILIDADE CIVIL

OBJETIVA - CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE.Em razão

do contrato de transporte, tem a transportadora a

obrigação de zelar pela incolumidade do passageiro

na extensão necessária a lhe evitar qualquer

acontecimento funesto. Nexo causal

demonstrado.Verba indenizatória que atende aos

princípios da proporcionalidade e

razoabilidade.INCAPACIDADE TOTAL TEMPORÁRIA -

MENOR ESTUDANTE."Tratando-se de menor que

estuda e não atingiu a faixa etária em que o trabalho é

presumido, não há como se indenizar o período em que

ficou impossibilitada de exercer suas atividades

normais."JUROS DE MORA.Tratando-se de

responsabilidade contratual, os juros moratórios incidem

a partir da citação.Precedentes do Superior Tribunal de

Justiça Desprovimento do recurso.

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1.2 – Do transporte gratuito

Inicialmente, deve ser feita a distinção entre transporte puramente

gratuito e transporte aparentemente gratuito.

O transporte aparentemente gratuito é quando o transportador tem

algum interesse patrimonial, mesmo que indireto, como no transporte que o

patrão oferece a empregada até a casa de praia, do corretor que leva o cliente

para ver o imóvel, do carona que divide a gasolina... Em todas estas hipóteses,

embora aparentemente gratuito, o transportador tem um interesse patrimonial,

desta forma retirando a característica de gratuidade do ato.

O mesmo ocorre quando o ônibus transporta crianças com o uniforme

da rede pública de ensino ou idosos. É óbvio que a empresa está embutindo o

valor das passagens supostamente gratuitas no preço global da tarifa.

Sábias são as palavras do festejado desembargador Sergio Cavalieri

Filho: “A toda evidência, esse transporte não é gratuito porquanto tem seu

custo incluído no valor global da tarifa e repassado aos demais usuários do

serviço. Tanto é assim que a empresa transportadora não opera com prejuízo,

buscando sempre que necessário, o reajuste das tarifas junto ao Poder

concedente, para manter a lucratividade do seu negócio.”5

Portanto, o transporte aparentemente gratuito não possui o elemento

de liberalidade que é essencial para caracterizar a gratuidade. Na realidade, o

transporte aparentemente gratuito não é gratuito.

Transporte gratuito é aquele realizado pelo transportador como uma

cortesia, um favor, para atender exclusivamente o interesse do passageiro.

A questão do transporte gratuito é muito controvertida na doutrina.

Para o ilustre Silvio Rodrigues trata-se de contrato benéfico e para regular tal

contrato aplica-se o artigo 392 do CC/2002.

5 Filho, Sergio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 5ª ed, p. 312.

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“Artigo 392 – Nos contratos benéficos, responde por

simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite e por

dolo a quem aquele não favoreça. Nos contratos onerosos,

responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções

previstas em lei.”

Logo, para o respeitado civilista em caso de inadimplemento, o

transportador, que é o contratante a quem o contrato não favorece, responde

somente por dolo.

O ensinamento do referido doutrinador vai mais além, para ele seria

indesculpável eximir-se o transportador de responsabilidade pelo dano

causado ao passageiro que ele conduzia gratuitamente quando esse dano

derivou de culpa grave de sua parte.

Porém, em caso de culpa leve ou levíssima, e aplicando-se a regra do

artigo 392 do CC/2002, o transportador que conduz gratuitamente seu

passageiro não esta sujeito a reparar.

Data vênia, tal posicionamento não nos parece o melhor entendimento

e ficamos com aqueles que entendem que transporte gratuito não é contrato.

O artigo 736 CC/2002 é claro e não deixa dúvidas de que o transporte

feito gratuitamente não se subordina as regras do contrato de transporte.

“Artigo 736 – Não se subordina às normas do

contrato de transporte o feito gratuitamente, por

amizade ou cortesia.”

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De acordo com o respeitável desembargador Sergio Cavalieri Filho, em

sua obra Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed, “ transporte puramente

gratuito não é transporte.”6

Também cabe destacar o posicionamento da não menos respeitada

doutrinadora Maria Helena Diniz :

“Será preciso distinguir o contrato de transporte da

condução de pessoa ou de coisa por mera amizade ou

cortesia, sem caráter obrigatório, pois nesta hipótese, o

transportador terá responsabilidade extracontratual.”7

Diante do exposto, podemos concluir que no transporte gratuito não se

aplicam as normas previstas no Título VI do CC/2002, que são as normas de

responsabilidade contratual pelo simples fato de não existir contrato de

transporte.

1.3 - Da celebração do contrato

Pelo fato de ser consensual o contrato de transporte, ele se realiza

pela simples manifestação de acordo de vontades.

Quando o transeunte faz sinal para que o ônibus pare, ele já esta

demonstrando que quer celebrar o contrato com a transportadora e que aceita

as condições impostas pela mesma e quando o motorista para o veículo, a

empresa demonstra que aceita contratar.

6 Ibid, p.313. 7 Diniz op. cit, p.390

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No momento em que o pedestre começa a subir no ônibus se realiza o

contrato e a partir de então, surgem as obrigações para ambas as partes,

mesmo que o passageiro ainda não tenha adentrado por completo no veículo.

Cabe ressaltar que, imediatamente a celebração do contrato surge a

cláusula de incolumidade.

Neste sentido, destaca-se o acórdão n°0003779-66.2007.8.19.0210 da

Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

APELACAO - 1ª Ementa

DES. MALDONADO DE CARVALHO - Julgamento:

15/12/2010 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL AÇÃO

INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO

TRANSPORTADOR. QUEDA NO INTERIOR DE

COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. LAUDO

PERICIAL CONCLUSIVO. NEXO DE CAUSALIDADE.

DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO DA VERBA

REPARATÓRIA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.

SUCUMBENCIA RECÍPROCA. No contrato de transporte,

a cláusula de incolumidade gera obrigação de resultado.

Por ser tratar de responsabilidade objetiva, responde o

prestador do serviço pelo dano causado ao passageiro,

independentemente de culpa. Provado que o acidente se

deu durante o percurso contratado, a responsabilidade do

transportador tem fundamento na teoria do risco,

presente em todo contrato de transporte. Se cada litigante

for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e

proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles

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os honorários e as despesas. PROVIMENTO PARCIAL

DO PRIMEIRO RECURSO (O DO RÉU) PREJUDICADO

O SEGUNDO

É importante salientar, que a obrigação do transportador termina com o

desembarque do transportado.

No que tange a execução, cabe à transportadora conduzir o

passageiro são e salvo para seu lugar de destino e em relação ao passageiro,

cabe a ele pagar o preço da passagem.

Portanto, o pagamento já se constitui em fase de execução do contrato

e não de celebração, até porque, é bastante comum, em transporte rodoviário

o parcelamento da quitação da passagem, isto é, o passageiro faz a viajem,

chega ao seu local de destino e no entanto, somente irá pagar sua locomoção

depois de alguns dias. Neste caso a execução tem lugar posterior.

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CAPÍTULO II

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DO

TRANSPORTADOR

Primeiramente iremos abordar as excludentes de responsabilidade de

forma bastante sintética e superficial para depois adentrarmos nas questões

mais relevantes discutidas pela jurisprudência.

Como visto anteriormente, no contrato de transporte está implícita a

cláusula de incolumidade, O transportador tem uma obrigação de resultado, ou

seja, levar o viajante são e salvo ao seu destino. Se o passageiro sofrer algum

dano basta provar que o acidente se deu no curso da viagem que este terá

direito a indenização.

Ocorre que existem algumas causas que excluem a responsabilidade

do transportador as quais são chamadas de excludentes de responsabilidade,

a saber: fato exclusivo do passageiro, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito e

força maior.

2.1 - Do fato exclusivo da vítima

Tal excludente de responsabilidade ocorre quando o evento danoso

advém do próprio comportamento do passageiro, ou seja, a própria vítima deu

causa ao dano, não podendo atribuir se não a ela a responsabilidade pelo

evento, pois não há nenhum nexo causal entre o dano e a atividade da

empresa transportadora. A viagem é a ocasião e não a causa do dano. Foi o

passageiro que deu causa ao dano e não o transportador.

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Em se tratando de contrato de transporte, não se vislumbra a hipótese

de culpa concorrente do transportador como excludente de responsabilidade. É

necessário que somente o viajante dê causa ao acidente. Se concorrer culpa

do transportador e do transportado, haverá o dever de indenizar, mesmo que

de forma atenuada.

A lei das Estradas de Ferro em seu artigo 17, inciso II é clara ao prevê

que somente a culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada é que

exonera a responsabilidade.

Art. 17- As estradas de ferro responderão pelos

desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de

que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea.

A culpa será sempre presumida, só se admitindo em

contrário alguma das seguintes provas:

III- caso fortuito ou força maior;

IV- culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada.

Portanto para haver excludente de responsabilidade é necessário que

a culpa da vítima seja a única e exclusiva causa do fatídico.

2.2 - Do fato exclusivo de terceiro

O fato de terceiro ocorre quando um indivíduo estranho ao passageiro

e ao transportador causa dano a aquele. O comportamento do terceiro é a

causa exclusiva do prejuízo, inexistindo qualquer relação de causa e efeito

entre a conduta do suposto agente causador do dano e da vítima. O verdadeiro

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causador do dano é o terceiro, não havendo dever de indenizar da

transportadora.

O ilustre doutrinador Silvio Rodrigues ensina que:

“ ...o fato de terceiro, para excluir por inteiro a

responsabilidade do causador direto do dano, há que se

vestir de características semelhantes as do caso fortuito,

sendo imprevisível e irresistível.”5

Torna-se mister salientar que no artigo 17 do Decreto n° 2.681/1912 o

fato de terceiro não é excludente de responsabilidade, devendo o transportador

indenizar a vítima.

Não se pode deixar de mencionara súmula 187 do STF que

posteriormente foi positivada pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 735.

Diz a súmula:

“a responsabilidade contratual do transportador, pelo

acidente com passageiro, não é elidida por culpa de

terceiro, contra o qual tem ação regressiva.”

2.3 - Do caso fortuito e da Força maior

O caso fortuito e a força maior geram uma grande discussão na

doutrina sobre suas diferenças. O Código Civil, em seu artigo 393 parágrafo

único, admite como sendo sinônimas tais expressões, ao determinar que o

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caso fortuito ou a força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não

era possível evitar ou impedir.

Data máxima vênia não podemos admitir tal posicionamento, pois

conforme salienta Sérgio Cavalieri Filho:

“...estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de

evento imprevisível, e por isso inevitável; se o evento for

inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato

superior as forças do agente , como normalmente são os

fatos da natureza... estaremos em face da força maior...”6

Portanto, o que caracteriza o caso fortuito é a imprevisibilidade e o que

caracteriza a força maior é a inevitabilidade.

2.4-O assalto a ônibus previsível ou imprevisível ?

Muito se tem discutido a cerca da previsibilidade ou não dos assaltos

ocorridos no interior dos coletivos. Certo é que existem dois posicionamentos;

um defendido pelas empresas transportadoras e o outro pelas vítimas de tais

ilícitos.

Os primeiros são partidários da tese de que tais ocorrências são

imprevisíveis, desta forma não gerando responsabilidade para elas, ou se são

previsíveis são inevitáveis, e diante disto, expõe vários argumentos que nem

5 Rodrigues, Silvio, Direito Civil , v. 4, 19 ed, p.173

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sempre são aceitos pelo nosso Tribunal de Justiça, como por exemplo: o preço

da passagem é tarifado pelo poder público, logo torna-se inviável,

economicamente, contratar uma firma de segurança para proteger todos os

veículos da frota; que trata-se de fato de terceiro, que não guarda conexidade

com a atividade desempenhada pela empresa, caracterizando desta forma o

fortuito externo o qual também não gera responsabilidade; que o Poder de

Polícia é indelegável pelo Estado, assim sendo impossível proceder-se em

revista em todos os passageiros que adentram nos coletivos; e que o assalto a

coletivos representam caso fortuito ou força maior, logo inexistindo o dever de

indenizar.

Para tal entendimento a assalto realizado no interior dos coletivos é

causa estranha a realização do contrato de transporte, configurando o

chamado fortuito externo que exclui a responsabilidade da empresa.

Para os adeptos deste entendimento, os assaltos a mão armada são

previsíveis, mas sem dúvida, quando ocorrem são inevitáveis, não dispondo a

concessionária de serviço coletivo, do Poder de Polícia para realizar

policiamento interno, o que lhe possibilitaria a proceder em “buscas” e

“revistas” aos passageiros, para saber se ingressaram ou não armados no

ônibus.

Neste sentido cabe destacar a apelação cível nº 2003.001.02442,

julgada pela 3ª Câmara Cível do TJ/RJ:

Como já comentado, inexiste possibilidade de

vistoria pessoal dos passageiros. Para isso deveria haver

seguranças numerosos, de ambos os sexos e bem

treinados. Durante a viagem, outros seguranças deveriam

ficar no interior dos coletivos, do ponto inicial ao final, em

revezamento. E todos eles teriam que ser de grande

6 Filho, Sérgio Cavalieri , Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed, p. 84

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rapidez e habilidade na prática de tiro e arte de luta;

porque, falhando até por pouco, ferimentos ou morte de

passageiros também poderiam acontecer. Situação vista

utópica em nossa realidade. Mesmo porque tais

“seguranças de elite” teriam de ser bem remunerados ao

depois de bem selecionados; tudo importando em ônus

financeiros pesados, que por seu turno encareceriam as

tarifas, ou compeliriam o poder público, já com verbas

apoucadas, a despender grandes valores em subsídio.

Por outro lado, as vítimas dos eventos danosos alegam que as

empresas de ônibus têm, em virtude do contrato de transporte, que é um

contrato de fim, o dever de transportar incólume, ou seja, são e salvo os seus

passageiros, até o local de desembarque. Se marginais ingressam no interior

dos coletivos e praticam assaltos vitimando passageiros, está evidente a

obrigação da transportadora, haja vista que falhou na obrigação assumida. O

assalto não mais a exime de sua responsabilidade, pois nos dias atuais tais

delitos são tão corriqueiros e notórios que acabam afastando a ocorrência dos

requisitos do caso fortuito e da força maior que são a imprevisibilidade e

inevitabilidade.

Somos que, sem medo de adotar um posicionamento minoritário, o

transportador deve prestar um serviço seguro, o que não vem ocorrendo nos

dias atuais. Desta forma este se sujeita a responsabilização referente a danos

causados aos passageiros.

O desleixo das transportadoras com seu consumidores é tão grande

que acaba por incentivar a prática de tais infrações, em virtude da facilidade de

praticá-las, portanto, devem elas serem responsabilizadas para providenciarem

uma maior segurança aos passageiros.

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Caso fortuito e força maior são causas excludentes da

responsabilidade do transportador devido à imprevisibilidade e inevitabilidade,

ocorrendo tais causas inexiste o dever de indenizar.

Cabe ressaltar que nos dias atuais o assalto à ônibus é mais que

previsível, devendo as transportadoras tomarem medidas para evitá-los ou

então criar um seguro a fim garantir a indenização das vítimas destes ilícitos.

2.5-Fato de terceiro gera o dever de indenizar para as

transportadoras?

Tal questão também gera inúmeras discussões. Uns dizem que o fato

de terceiro não gera o dever de indenizar, outros dizem que gera dever de

indenizar sim.

A fundamentação para quem entende que não gera o dever de

indenizar é o inciso II, § 3° do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que

expressamente exclui a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados

ao consumidor na hipótese de culpa exclusiva de terceiro, dispositivo este que

evidentemente também se aplicaria ao caso de dolo.

Não se configura na hipótese, a responsabilidade das pessoas

jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, prevista no §6° do

art. 37 da CF, eis que do próprio teor de tal dispositivo se verifica que só existe

responsabilidade quando o ato danoso é praticado por agente da pessoa

jurídica, ainda que sem culpa, sendo que no caso trata-se de ato praticado por

terceiro.

Alegam que o fato de terceiro que não exonera o transportador da

responsabilidade é aquele que guarda conexidade com o transporte, inserindo-

se nos riscos próprios do deslocamento dos veículos, não considerando-se,

assim, quando acontece fato inteiramente estranho, como ocorre em caso de

assalto. Dizem que inexiste nexo causal entre o comportamento de terceiro e a

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atividade de transporte, equiparando-se o roubo no interior do ônibus, a

hipótese de fortuito externo, inevitável para ela, que não possui Poder de

Polícia.

O assalto a ônibus constituiria fortuito externo, não podendo a empresa

de transportes coletivos ser responsabilizada por fato de terceiro, mesmo

sendo a sua responsabilidade classificada como objetiva. É objetiva fundada

no risco administrativo, e não na teoria do risco integral. Assim cabendo,

perfeitamente a exclusão da responsabilidade pelo caso fortuito.

Cabe ressaltar, a apelação cível do TJRJ n°0028026-

64.2009.8.19.0203:

TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO A

PASSAGEIRO. EVENTO NÃO RELACIONADO AO

RISCO NORMAL DO NEGÓCIO. OCORRÊNCIA DE

FORTUITO EXTERNO, A AFASTAR A

RESPONSABILIDADE CIVIL. DÁ-SE PROVIMENTO AO

PRIMEIRO RECURSO E NEGA-SE SEGUIMENTO AO

SEGUNDO RECURSO, NOS TERMOS DO ART. 557,

DO CPC. DES. VERA MARIA SOARES VAN

HOMBEECK - Julgamento: 13/12/2010 - PRIMEIRA

CAMARA CIVEL

Agora para quem entende que o fato de terceiro gera responsabilidade

para as empresas, sustentam o seguinte posicionamento:

A invocação de culpa de terceiro não extingue a responsabilidade da

transportadora conforme Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

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“A responsabilidade contratual do transportador,

pelo acidente do passageiro, não é elidida por culpa de

terceiro, contra o qual tem ação regressiva.”

Acrescente-se ainda que o fato de terceiro, caracterizador do fortuito,

não elide a responsabilidade das empresas de ônibus, que na condição de

permissionárias de serviço público de transporte respondem objetivamente por

danos causados aos passageiros em decorrência da sua própria atividade.

“O fato de terceiro não serve de arredar a cláusula

de incolumidade física do passageiro que ao ingressar no

coletivo, firma contrato de transporte, que tem por escopo

levá-lo ao destino da viagem com suas normais e

regulares condições de vida. O dolo de terceiro jamais se

presta a elidir a responsabilidade do transportador, pois

que é previsível, e passa a estar diretamente relacionado

com o fato do transporte.” APELAÇÃO CÍVEL N°

2002.001.18318

Os assaltos aos ônibus, hoje em dia, são tão corriqueiros, freqüentes,

comuns e previsíveis que até mesmo os menos desavisados, antes de

adentrar no coletivo, procuram esconder o relógio, pulseiras, celular ou

qualquer outro objeto que possa, por ventura, aparentar ter algum valor,

mesmo que seja apenas um utensílio sem nenhum quantum econômico.

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CAPÍTULO III

O ESTADO NA RELAÇÃO DE TRANSPORTE

3.1.-Em que sentido encontramos licitude na imputação da

responsabilidade civil do Estado em relação aos assaltos

ocorridos no interior dos coletivos?

A responsabilidade do Estado existe quando se trata de ato praticado

por servidor contratado, funcionário de fato ou temporário. Para a vítima é

indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado à

Administração; o necessário é que se encontre a serviço do Poder Público,

embora atue fora ou além de sua competência administrativa.8

São agentes públicos desde as mais altas autoridades até os mais

modestos trabalhadores que atuam pelo aparelho estatal.

Cabe agora analisar a relação existente entre o ato do agente e o

serviço público. O mínimo necessário para determinar a responsabilidade do

Estado é que o cargo tenha influído o ato, ou que a condição de funcionário

tenha sido a oportunidade para a prática do ato ilícito. Sempre que a condição

de agente do estado tiver contribuído de algum modo para a prática do ato

danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionado a oportunidade para o

comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação de ressarcir. Não se

faz necessário, que o exercício da função constitua a causa do evento danoso;

basta que ela ministre a ocasião para praticar.

O fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime

repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que

8 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 28ª ed, Malheiros, p. 627

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alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades

desempenhadas no interesse de todos.9

Duas outras conclusões podem ser extraídas do texto constitucional

em exame (art. 37, §6º CF). O Estado só responde pelos danos que os seus

agentes nessa qualidade, causem a terceiros. O dispositivo está a evidenciar

que o constituinte adotou expressamente a teoria do risco administrativo como

fundamento da responsabilidade da Administração pública, e não a teoria do

risco integral, portanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder

Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos

em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e

o dano. Sem essa relação de causalidade, não há como nem por quê

responsabilizá-lo. Importa dizer que o Estado não responderá pelos danos

causados a outrem pelos seus servidores quando não estiverem no exercício

da função, nem agindo em razão dela. Não responderá, igualmente, quando o

dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso fortuito, ou força maior e fato

de terceiro, por isso que tais fatores, por não serem agentes do Estado,

excluem o nexo causal.

É que, deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que

seja a qualificação que se pretenda atribuir ao risco como fundamento da

responsabilidade objetiva do Estado, aos tribunais se permite a exclusão ou

atenuação daquela responsabilidade quando fatores outros, voluntários ou

não, tiverem prevalecido na causação do dano provocando o rompimento do

nexo de causalidade.10

Cabe transcrever ementa do acórdão da apelação cível do processo nº

2003.001.21887 proferido pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro no famoso caso que foi televisionado ao vivo por

vários canais de televisão, retratado no cinema e ficou conhecido como o caso

do ônibus 174, em que a passageira Geisa foi utilizada como escudo humano

9 MELLO, Celso Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 15º ed, Malheiros, p. 866 10 CAHALI, Yussef, Responsabilidade Civil do Estado, p 41

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pelo assaltante e que por uma atitude no mínimo desastrosa de um policial,

causou a morte da refém, sendo desta forma o Estado responsabilizado pelo

fatídico:

“APELAÇÃO. Ordinária de reparação de danos

materiais e morais. Ação policial de que resultou a morte

de passageira de ônibus, tomada como refém por

assaltante. O fato, comprovado, de que este disparou os

tiros que produziram o resultado não elide a

responsabilidade estatal pela ação miliciana, que deu

causa à reação do malfeitor e à morte da refém. Dano

material bem afastado, posto não haver prova de

dependência econômica do pai, autor da demanda, em

relação à filha, vitimada. Dano moral caracterizado, quer

se analise o episódio sob o prisma da responsabilidade

subjetiva (o agente policial foi imprudente e imperito ao

tentar dominar o assaltante enquanto este fazia da

passageira escudo) ou objetiva (a ação policial funcionou

defeituosamente, independentemente de culpa do

agente). Se, como pondera o Estado, o criminoso

mostrava "personalidade irracional", maior o motivo para

que os agentes policiais redobrassem a prudência,

inaceitável a tese de que, agindo em legítima defesa da

vítima, poderiam fazê-lo de modo impetuoso e arriscado.

Provimento parcial do recurso, para, sopesadas as

circunstâncias do caso, reduzir-se o valor arbitrado, de

cem mil para cinqüenta mil reais. Honorários devidos na

forma dos artigos 20, § 4º e 21, parágrafo único, do CPC.”

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Nota-se claramente que no acórdão transcrito, o agente do Estado (no

caso o policial) foi quem deu a causa adequada à morte da vitima, haja vista

que se o mesmo não tivesse se precipitado em tentar atingir o meliante, de

forma completamente errônea, este não teria atirado em seu escudo humano,

ou seja, na vítima.

3.2-– Distinção entre a responsabilidade civil do Estado e a

responsabilidade civil das transportadoras. Quais as

implicações face ao Direito Positivo?

A distinção entre a responsabilidade do Estado e das empresas de

ônibus se faz porque estas empresas de Direito Privado, prestadoras de

serviço público, respondem em nome próprio, com seu patrimônio e não o

Estado com elas e nem por elas, como pode ser percebido diante da análise

dos fatores a baixo mencionados:

● O artigo 37 §6º da CF estende aos prestadores de serviço público a

responsabilidade objetiva idêntica a do Estado;

● As pessoas prestadoras de serviço público têm personalidade

jurídica, patrimônio e capacidade próprios, portanto são seres distintos do

Estado, com direitos e obrigações em relação as suas condutas e omissões,

assim devendo responder por seus atos;

● Não se pode falar em responsabilidade solidária por que esta advém

da lei ou do contrato, não existindo nenhuma previsão legal quanto a

solidariedade nestes casos. Muito pelo contrário, o artigo 25 da lei 8.987/95,

que dispões sobre o regime de concessão e permissão da prestação de

serviços públicos, estabelece a responsabilidade pessoal e direta, da

concessionária por todos os prejuízos causados a terceiros, aos usuários e ao

poder concedente;

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● O que pode haver, é a responsabilidade subsidiária do Estado em

virtude do artigo 42 da Lei das Sociedades por ações, que prevê

expressamente que a pessoa jurídica controladora da sociedade de economia

mista responde subsidiariamente pelas suas obrigações.

Neste sentido, o Estado responde apenas subsidiariamente, uma vez

exauridos os recursos da entidade prestadora de serviço público. Se o Estado

escolheu mal aquele a quem atribuiu a execução de serviços públicos, deve

responder subsidiariamente caso o mesmo se torne insolvente.11

Por outro lado, há vozes na doutrina com entendimento contrário. Há

quem entenda que, a prestação de serviço constitui relação de consumo, o que

atrai para tais hipóteses a disciplina dos acidentes de consumo e, de modo

geral, a solidariedade dos diversos entes públicos e privados que se

apresentem como fornecedores dos respectivos serviços prestados (direta ou

indiretamente) pela atividade estatal.12

Na teoria, cabe a quem aufere o lucro arcar com o prejuízo, ocorre que

por muitos anos não foi isso que se praticava. Empresas privadas, prestadoras

de serviço público, por ausência de dispositivos legais que impusessem o

dever de indenizar, quando ocorria algum dano aos administrados, deslocavam

a responsabilidade para o Estado, assim esquivando-se do dever que lhe

competia, desta forma atribuindo a este os prejuízos e as concessionárias

ficavam com o lucro.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 36, §

6º foi criada a responsabilidade subsidiária do Estado, que não exclui sua

responsabilidade, mas o coloca em situação subsidiária, ou seja, este só

responde se a concessionária não tiver patrimônio suficiente para pagar a

indenização, portanto impõe a prestadora de serviço público a

responsabilidade, sem excluir do Estado a culpa in eligendo.

11 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil, 5º ed, p.253 12 TEPEDINO, Gustavo, Temas de Direito Civil, Renovar, 1999, p.197

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Destaca-se o posicionamento do professor José Maria Pinheiro

Madeira que diz que se o concessionário ficar insolvente e impossibilitado de

responder pelo dano, como atuava em nome do Estado, este terá

responsabilidade subsidiária (não solidária).13

Note-se que, a concessão de serviço público não diminui a

responsabilidade do poder concedente, pois este ainda terá que averiguar se a

concessionária está prestando o serviço na forma da qual foi estipulada no

contrato, isto é, se os direitos, garantias e obrigações do usuário estão sendo

respeitados, se a tarifa está no valor ajustado, se os critérios, os parâmetros, e

os indicadores de qualidade, expansão e modernização, se as regras e as

condições do serviço estão sendo cumpridas etc.

A questão da concessão, encontra-se constitucionalmente regulada em

seu artigo 175, abaixo transcrito:

Art. 175- Incube ao Poder Público, na forma da lei,

diretamente sob regime de concessão ou permissão,

sempre através de licitação, a prestação de serviços

públicos.

Parágrafo único- a lei disporá sobre:

I- o regime das empresas concessionárias e

permissionárias de serviços públicos, o caráter especial

de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as

condições de caducidade, fiscalização e recisão da

concessão ou permissão;

II- os direitos dos usuários;

III- a política tarifária;

13 Madeira, José Maria Pinheiro, Administração Pública Centralizada e Descentralizada, 2ª ed, p.576

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IV- a obrigação de manter serviço adequado;”

Neste contexto, é importante trazer a baila o artigo 25 da Lei 8987/95,

que reza :

“Incube a concessionária a execução do serviço

concedido, cabendo-lhe responder por todos os

prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários

ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo

órgão competente exclua ou atenue essa

responsabilidade.”

Em suma, o Estado responderá subsidiariamente, ou seja, quando o

transportador não possuir bens suficientes para indenizar o dano do

passageiro, e não solidariamente, pois se assim fosse, a vítima do fatídico

poderia ajuizar demanda contra o Estado e a empresa transportadora em

litisconsórcio, ou antes mesmo de impetrar contra o transportador poderia

acionar o Estado, situação esta que não é cabível.

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CAPÍTULO IV

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR

FRENTE AOS ROUBOS E FURTOS OCORRIDOS NO

INTERIOR DOS ÔNIBUS

4.1-Noções básicas sobre a responsabilidade civil do

transportador no CDC

4.1.1 O contrato de transporte visto como relação de

consumo

Diante da análise dos artigos 2° e 3º ambos do CDC, torna-se evidente

que a relação existente entre os passageiros e as empresas transportadoras é

uma relação consumerista, ou seja, uma relação que está sob a égide do

Código de Defesa do Consumidor (lei n˚ 8.078/1990), haja vista que os

passageiros se enquadram perfeitamente na figura descrita no primeiro

dispositivo mencionado e as transportadoras no segundo.

Art 2ª CDC: “Consumidor é toda pessoa física ou

jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final”

Art. 3º CDC: “Fornecedor é toda pessoa física

ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,

bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividade de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou

comercialização de produtos ou prestação de serviços:

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§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no

mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive

as de natureza bancária, financeira, de crédito e

securitárias, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista.”

Entendemos por consumidor qualquer pessoa física ou jurídica, que

isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou

de outrem, a aquisição ou locação de bens, bem como a prestação de um

serviço.14

Fala ainda o artigo 3º do Código de proteção ao Consumidor que o

fornecedor pode ser público ou privado, entendendo-se no primeiro caso o

próprio Poder Público, por si ou então por suas empresas públicas que

desenvolvem atividade de produção, ou ainda as concessionárias de serviço

público; sobrelevando-se salientar neste aspecto que um dos direitos dos

consumidores expressamente consagrados pelo art. 6º, mas precisamente em

seu inc. X, é a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Em síntese, o transporte de passageiros executado por empresas

permissionárias ou concessionárias de serviço público é uma atividade com

fins lucrativos inserida no mercado de consumo. Portanto, o transporte de

passageiro pode perfeitamente ser enquadrado no CDC, mormente com o

expresso no artigo 22 do referido diploma legal.

Art.22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,

concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra

14 Filomeno, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do ante projeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.31.

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forma de empreendimento, são obrigados a fornecer

serviços adequados. eficientes, seguros, e, quanto aos

essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento total ou

parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as

pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e reparar os

danos causados, na forma prevista neste código.

4.1.2 Os direitos assegurados pelo CDC ao transportado

O principal objetivo do Código de Defesa do Consumidor é garantir a

efetiva reparação de todo e qualquer dano sofrido pelo consumidor, que é a

parte mais fraca na relação, em decorrência da conduta do fornecedor.

Reza o artigo 6º, inc. I do CDC que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor :

I- a proteção à vida , saúde e segurança, contra os

riscos provocados por práticas no fornecimento

de produtos e serviços considerados perigosos ou

nocivos.

Portanto, têm os consumidores inegável direito de não serem expostos

a perigos que atinjam sua incolumidade física; devendo a transportadora zelar

pela total segurança dos seu passageiros, inclusive, nos casos de assaltos no

interior de seus veículos.

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Já que se trata de relação de consumo, devem ser aplicadas todas as

regras contidas neste código, respeitando os direitos de proteção à vida, à

saúde e à segurança; a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e

morais individuais, coletivos e difusos, bem como, aplicar a inversão do ônus

da prova... etc.

4.2- Da responsabilidade da transportadora frente ao CDC

Diante da simples leitura do CDC, nota-se que este prevê

expressamente e de forma clara, em inúmeros artigos, que o prestador de

serviço deve zelar sempre pela segurança dos consumidores, prestando um

serviço eficiente e sem nenhum risco.

Cabe mencionar que o fornecedor de serviços responde, independente

da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores

por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Com a simples leitura do artigo14 do CDC percebe-se facilmente que o

fornecedor responde independente da existência de culpa, pela reparação dos

danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de

serviços, ou seja, não há que se falar em culpa, tendo o CDC adotado a teoria

da Responsabilidade Civil Objetiva.

O principal elemento adotado pelo CDC é a ausência da apuração da

culpa do fornecedor, desta forma não se valorando o comportamento.

Cabe ressaltar que, desde antes do advento da Constituição Federal

de 1988 o saudoso Hely Lopes Meirelles, bem como o festejado autor Celso

Antônio Bandeira de Mello já admitiam estender a responsabilidade objetiva as

concessionárias e permissionárias de serviço público, e a justificativa para tal

extensão era que quem tem o bônus deve arcar com o ônus.

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O próprio artigo 14 em seu parágrafo 1º expressamente define o que é

serviço defeituoso e no parágrafo 3º menciona as possibilidades do fornecedor

não ser responsabilizado.

Art. 14, §1º - O serviço é defeituoso quando não

fornece a segurança que o consumidor dele pode

esperar, levando em consideração as

circunstâncias relevantes, entre as quais:

I- o modo de seu fornecimento;

II- o resultado e os riscos que razoavelmente

dele se esperam ;

III- a época em que foi fornecido.

§3-O fornecedor de serviço só não será

responsabilizado quando provar :

I- que, tendo prestado o serviço, o defeito

inexiste;

II- a culpa exclusiva do consumidor ou de

terceiro.

Neste sentido é importante mencionar que o CDC acrescentou o fato

de terceiro às três causas de exclusão de responsabilidade previstas na Lei

das Estradas de Ferro (Decreto nº 2.861/1912).

Antes do advento do Código de defesa do Consumidor a

responsabilidade do transportador somente era elidida pela ocorrência de caso

fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima, que são as causas que

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excluem o nexo causal, existindo qualquer um desses fatores não surge o

dever de indenizar, conforme o artigo 17 da Lei das Estradas de Ferro.

Art. 17- As estradas de ferro responderão pelos

desastres que nas suas linhas sucederem aos

viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou

lesão corpórea.

A culpa será sempre presumida, só se admitindo

em contrário alguma das seguintes provas:

V- caso fortuito ou força maior;

VI- culpa do viajante, não concorrendo culpa da

estrada.

Atualmente, o CDC incluiu o fato de terceiro como causa de exclusão

da responsabilidade.

Cabe mencionar que, a doutrina e jurisprudência têm dividido o caso

fortuito em dois, ou seja, o fortuito externo e o fortuito interno, sendo que

aquele não gera o dever de indenizar e este gera sim o dever de indenizar. O

fortuito interno é aquele que embora imprevisível guarda conexidade com a

atividade desempenhada pelo transportador, como por exemplo o mau súbito

do motorista ou o estouro de um pneu. Já o fortuito externo é aquele que não

tem nenhuma relação com a atividade desempenhada pelo transportador e é

considerado inevitável como, por exemplo, os eventos da natureza.

Voltando ao CDC, é preciso analisar se o referido código derrogou a lei

das Estradas de Ferro em seu artigo 17. Com um estudo mais aprofundado

nota-se que não existe nenhum tipo de incompatibilidade entre as duas leis, e

que a lei nova não determina expressamente a derrogação do Dec. 2.861/12,

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apenas acrescenta mais uma causa de excludente de responsabilidade.

Portanto as duas leis continuam em vigor, podendo ser aplicadas

simultaneamente ao caso concreto.

Sempre se entendeu que a responsabilidade civil do transportador é

objetiva em razão do disposto no artigo 17 da Lei das Estradas de Ferro. Logo,

o artigo 14, §3º do CDC não trouxe grandes novidades, apenas instituiu a

relação existente entre passageiro e transportador como sendo relação de

consumo.

4.3- As concessionárias de serviço público frente ao Código

de Proteção e Defesa do Consumidor

Dispõe o artigo 22, caput e parágrafo único do CDC, que as

permissionárias ou concessionárias de serviço público são obrigadas a

fornecerem serviços adequados, eficientes e seguros, e no caso de

descumprimento destas obrigações, serão as mesmas obrigadas a reparar os

danos causados.

Art. 22- Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,

concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra

forma de empreendimento, são obrigados a fornecer

serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos

essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou

parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as

pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os

danos causados, na forma prevista neste código.

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43

Além da União, Estados, Municípios, e Distrito Federal, estão

envolvidas as respectivas autarquias, fundações, sociedades de economia

mista, empresas públicas, inclusive as concessionárias ou permissionárias de

serviço público.

Todas estas entidades são obrigadas a fornecer serviços adequados,

eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.15

Portanto, as empresas transportadoras, as quais são concessionárias

de serviço público, diante da regra expressa no art. 22 do CDC são

plenamente responsáveis pela segurança de seus passageiros.

4.4- Da prescrição

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 27 determina o

prazo de 5 anos como sendo o prazo prescricional para a propositura da ação

de reparação pelos danos causados pelo fato do serviço.

Art. 27- Prescreve em cinco anos a pretensão

pelos danos causados por fato do produto ou do serviço

prevista na seção II deste capítulo, iniciando-se a

contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e

de sua autoria.

Tal questão é controvertida, pois o Código Civil estabelece em seu

artigo 203, §3º,V o prazo de 3 anos.

Entendemos que, se a vítima propuser a ação com base no artigo 186

do CC/2002, a prescrição será a do Código civil. Por outro lado, se a vítima

invocar a condição de consumidor, o prazo será de cinco anos.

15 15 Ibid, p. 196

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CAPÍTULO 5

ESTUDO DE CASOS CONCRETOS SOBRE A

RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR

5.1 No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

0028026-64.2009.8.19.0203 - APELACAO - 1ª Ementa

DES. VERA MARIA SOARES VAN HOMBEECK -

Julgamento: 13/12/2010 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL

TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO A PASSAGEIRO.

EVENTO NÃO RELACIONADO AO RISCO NORMAL DO

NEGÓCIO. OCORRÊNCIA DE FORTUITO EXTERNO, A

AFASTAR A RESPONSABILIDADE CIVIL. DÁ-SE

PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGA-SE

SEGUIMENTO AO SEGUNDO RECURSO, NOS

TERMOS DO ART. 557, DO CPC.

0019790-17.2001.8.19.0038 - APELACAO - 1ª Ementa

DES. CUSTODIO TOSTES - Julgamento: 18/11/2010 -

PRIMEIRA CAMARA CIVEL

RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO EM

COLETIVO. ÓBITO DE PASSAGEIRO.

RESPONSABILIDADE DA RÉ ELIDIDA PELA

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CONSTATAÇÃO DE EXCLUDENTE, POIS

CARACTERIZADO FORTUITO EXTERNO. EVENTO

NÃO RELACIONADO AO RISCO NORMAL DO

NEGÓCIO, NÃO PODENDO SER CONSIDERADO

COMO EVITÁVEL E INERENTE AO SERVIÇO DE

TRANSPORTE, QUE NÃO FOI A CAUSA DO

EVENTO, MAS APENAS SUA OCASIÃO.

INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO ASSUMIDA COM

RELAÇÃO À PROMOÇÃO DA SEGURANÇA DOS

PASSAGEIROS, CUJO DEVER PERMANECE COM A

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ENTENDIMENTO DA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA. DESPROVIMENTO LIMINAR DO

RECURSO.

0008201-97.2006.8.19.0023 - APELACAO - 1ª Ementa

DES. ROBERTO GUIMARAES - Julgamento:

14/07/2010 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA E CONTRATUAL DA

CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE

TRANSPORTES. INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6° DA

CRFB. ASSALTO A ÔNIBUS. VIOLAÇÃO DA

CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE. TEORIA DO RISCO

PROVEITO.1-A Constituição da República, em seu

artigo 37, § 6º, adotou a teoria da responsabilidade

objetiva das pessoas jurídicas de direito público e as de

direito privado prestadoras de serviços públicos, onde,

na caracterização do dever de reparar, basta o nexo de

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causalidade entre o evento lesivo e a ação do ente

público. 2-No caso de contrato de transporte coletivo, a

presunção de responsabilidade do transportador, em

virtude da cláusula de incolumidade, é tão forte que

somente o caso fortuito externo, ou seja, aquele fato

estranho à organização do negócio, exonera o dever de

indenizar.3-O transportador, através do contrato de

transporte, de caráter oneroso e não formal, tem a

obrigação de levar o passageiro e as coisas

transportadas incólumes ao seu destino, já que ele em

regra, obtém uma vantagem, um contra-prestação por

essa sua atividade.4-Reforma da sentença para

condenar a empresa ré ao pagamento ao autor de

indenização por danos morais no valor de R$10.000,00

(dez mil reais), acrescida de correção monetária a partir

deste julgado e de juros legais de 1% (um por cento) ao

mês, a partir da citação.5-Provimento do recurso.

Tipo da Ação: APELAÇÃO CÍVEL

Número do Processo: 2003.001.25977

Órgão Julgador: DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

AÇÃO INDENIZATÓRIA. ASSALTO EM ÔNIBUS.

MORTE DE PASSAGEIRO. RESPONSABILIDADE

OBJETIVA DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA. DANOS

MORAIS E PENSIONAMENTO DEVIDOS À VIÚVA E À

FILHA DA VITIMA. RECURSO PARCIALMENTE

PROVIDO.

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0009441-63.2006.8.19.0204 (2008.001.44432) -

APELACAO - 1ª Ementa

DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 03/12/2008 - SEXTA

CAMARA CIVEL

Direito Civil. Rito sumário. Responsabilidade civil.

Passageiro. Vítima fatal. Roubo no ônibus.

Habitualidade.Comprovação do nexo de causalidade e do

dano. Responsabilidade objetiva neste caso concreto. Os

testemunhos revelam que roubos são freqüentes na linha

de ônibus. Havendo habitualidade de roubos na linha, no

trajeto do ônibus, deve a concessionária se precaver para

dar segurança aos seus passageiros, afinal tem

responsabilidade pela incolumidade do passageiro até o

seu destino. RESPONSABILIDADE CIVIL. Transporte

coletivo. Assalto. Responsabilidade da empresa

transportadora. O assalto a cobrador de ônibus não é fato

imprevisível nem alheio ao transporte coletivo, em zona

de freqüentes roubos, razão pela qual não vulnera a lei a

decisão que impõe à empresa a prova da excludente da

responsabilidade pela morte de um

passageiro.Precedente desta Quarta Turma (REsp nº

50.129/RJ, rel. Ministro Torreão Braz). Recurso

exclusivamente pela alínea a, não conhecido. (REsp

175.794/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR,

QUARTA TURMA, julgado em 05/11/1998, DJ 21/02/2000

p. 130).Provimento do recurso, por maioria.

0003052-78.2000.8.19.0008 (2008.001.29020) -

APELACAO - 1ª Ementa DES. CARLOS SANTOS DE

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OLIVEIRA - Julgamento: 12/08/2008 - NONA CAMARA

CIVEL

ASSALTO NO INTERIOR DE ONIBUS

DISPARO DE ARMA DE FOGO

LESAO CORPORAL EM PASSAGEIRO DO VEICULO

CLAUSULA DE INCOLUMIDADE

TEORIA DO RISCO PROVEITO

OBRIGACAO DE INDENIZAR RESPONSABILIDADE

CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIRO. ASSALTO NO

INTERIOR DE COLETIVO. DISPARO DE ARMA DE

FOGO QUE FERE PASSAGEIRA. SENTENÇA QUE

JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.

REFORMA DO JULGADO. CLÁUSULA DE

INCOLUMIDADE. FREQUÊNCIA DE ASSALTOS À

VIAÇÃO. FATO QUE NÃO É ALHEIO A ATIVIDADE.

TEORIA DO RISCO PROVEITO. INVERSÃO DA

SUCUMBÊNCIA.- A prática de assaltos no interior de

coletivos a muito deixou de ser fato imprevisível ou

inevitável. Trata-se de fato corriqueiro e que não se

mostra alheio a atividade desenvolvida. Pelo contrário, faz

parte do risco da atividade, pela natureza do serviço, na

medida em que o transportador tem o dever de

incolumidade, ou seja, de assegurar a segurança dos

passageiros. Em virtude deste dever de incolumidade as

transportadoras são obrigadas a tomar medidas que

garantam o transporte seguro dos passageiros, seja com

relação aos acidentes de trânsito, seja com relação a

assaltos praticados no interior do coletivo. Tais não

configuram o denominado fortuito externo, sendo

incapazes de excluir o dever de indenizar. Precedentes

do E.TJ/RJ.- Teoria do risco proveito, pela qual a

prestadora do serviço que tem vantagens com a atividade

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desenvolvida deve responder pelos efeitos prejudiciais

que dela decorrem.- Dever de indenizar por danos

materiais e morais. Possibilidade de acúmulo de

pensionamento no período de incapacidade laborativa

com beneficio previdenciário. Natureza distinta das

verbas. Comprometimento da potencialidade produtiva

característica da condição humana. Incapacidade de

realizar tarefas cotidianas. Rejeição do pedido de

pensionamento vitalício. Inexistência de redução

permanente da capacidade laborativa. PROVIMENTO

PARCIAL DO RECURSO.

Com a análise dos acórdãos acima transcritos, nota-se que inexiste um

entendimento pacífico no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

acerca do tema: Há câmaras que entendem ser tal evento considerado como

excludente de força maior, logo, exclui o nexo causal e a responsabilidade

pelos danos advindos por este motivo; sendo totalmente alheio aos riscos

próprios da atividade exercida pela transportadora. Estes julgadores entendem

inexistir nexo causal entre aquela causa eficiente e a conduta da aludida

transportadora ou de seus agentes, isentando-as do dever de indenizar.

Já outras câmaras entendem que tal fato constitui fortuito interno,

devido à reiteração dos assaltos aos coletivos, sem que as empresas de

transportes adotem providências que, pelo menos, reduzam os riscos dos

passageiros, e que já tornaram previsíveis tais incidentes e os concebem como

inerentes aos riscos das atividades desempenhadas pela empresa. Trata-se de

um fato tão corriqueiro, nos dias atuais, que chega a ser completamente

previsível.

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Na realidade, o que podemos observar é um completo descaso das

transportadoras em relação à segurança dos passageiros, e apenas em

relação à proteção dos passageiros, porque no que tange a segurança do

cobrador da passagem, a transportadora faz de tudo para este não sofrer

nenhum assalto, por exemplo, há alguns anos foi trocada a posição em que

este ficava no ônibus (no final do coletivo) e foi para próximo ao motorista,

somente para evitar que os meliantes assaltassem além dos usuários, o

próprio trocador, também é evidente que as empresas aconselham seus

funcionários a esconderem parte do dinheiro das passagem, pois quem já não

viu o trocador retirando o troco de dentro do bolso de seu uniforme, ou então

de baixo da gaveta, tudo isso para amenizar uma possível perda para a

empresa em caso de assalto.

Demonstrados estão todos os cuidados da transportadora em relação

a sua própria segurança, porém para os passageiros não existe a menor

preocupação ou cuidado.

5.2- No Superior Tribunal de Justiça

RESP175794

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE

COLETIVO. ASSALTO.

RESPONSABILIDADE DA EMPRESA

TRANSPORTADORA.

O ASSALTO A COBRADOR DE ÔNIBUS NÃO É FATO

IMPREVISÍVEL NEM ALHEIO AO TRANSPORTE

COLETIVO, EM ZONA DE FREQÜENTES ROUBOS,

RAZÃO PELA QUAL NÃO VULNERA A LEI A DECISÃO

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QUE IMPÕE À EMPRESA A PROVA DA EXCLUDENTE

DA RESPONSABILIDADE PELA MORTE DE UM

PASSAGEIRO. PRECEDENTE DESTA QUARTA TURMA

(RESP Nº 50.129/RJ, REL. MINISTRO TORREÃO

BRAZ).

Resp 200808

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE

COLETIVO DE PASSAGEIROS. O transportador só

responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o

serviço que presta, mas nestes se inclui o assalto,

propiciado pela parada do veículo em ponto irregular, de

que resultou vítima

Resp 74534

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE

INTERMUNICIPAL. ASSALTO PRATICADO DENTRO

DO ONIBUS. CASO EM QUE O FATO DE TERCEIRO

NÃO GUARDA CONEXIDADE COM O TRANSPORTE.

EXONERAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO

TRANSPORTADOR, DE ACORDO COM

PRECEDENTES DO STJ: RESP'S 13.351,

Resp 118123

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DIREITO CIVIL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. MORTE

DE PASSAGEIRO DECORRENTE DE ROUBO

OCORRIDO DENTRO DO ÔNIBUS. FORÇA MAIOR.

EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO

TRANSPORTADOR DE INDENIZAR. PRECEDENTES.

RECURSO

ACOLHIDO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO

Em relação aos acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça,

que é o órgão competente para analisar a questão em última instância,

também se verifica a mesma divergência, ou seja, nos dois primeiros acórdãos,

o STJ entende ser o transportador responsável pelos assaltos, pois estes não

são imprevisíveis, nem alheios ao transporte coletivo, em zonas de freqüentes

roubos, ou quando o motorista parou o veículo em ponto irregular propiciando

a entrada dos marginais. Desta forma, o assalto é conexo com a atividade

desempenhada pela empresa.

Cabe destacar o segundo posicionamento do STJ, que considera ser a

transportadora irresponsável por tais eventos, haja vista que o assalto

equipara-se a fato de terceiro não guardando conexidade com o transporte, e a

força maior que é uma excludente da responsabilidade do transportador.

Evidente está que, as empresas transportadoras têm grande parcela

de culpa no elevado índice de roubos ocorridos no interior dos coletivos, haja

vista que só se preocupam com seu próprio lucro, não fazendo o mínimo de

investimento necessário a segurança dos passageiros. É por este motivo que

tais eventos tornaram-se comuns, freqüentes e até já fazem parte do cotidiano

das pessoas que utilizam tal meio de transporte.

Não se pode negar que quando vamos a um shopping, por exemplo,

não temos a certeza de que não sofreremos nenhum tipo de violência, mas é

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claro que nos sentimos mais seguros, pois sabemos que existem seguranças,

que se não vão impedir, com certeza vão tentar evitar que tais eventos

ocorram. É assim que deveríamos nos sentir quando andamos de ônibus.

Portanto, no nosso entendimento, embora minoritário, em virtude do

total descaso das transportadoras em relação aos assaltos este se proliferaram

de tal forma que podem ser considerados completamente previsíveis e

evitáveis.

CONCLUSÃO

Diante de todo estudo, demonstrações e comparações realizadas

neste trabalho, ficou evidente a grande relevância do tema aqui abordado.

Não se pode negar que o tema é polêmico e sobre ele há muitas

divergências, seja em função da caracterização ou não do fortuito externo ou

interno, seja na previsibilidade ou imprevisibilidade, seja em relação ao poder

de polícia pertencente ao Estado, etc.

Este trabalho propôs-se a abordar as principais questões referentes ao

assalto ocorrido no interior dos coletivos, tais como a cláusula de incolumidade

que está implícita no contrato, o momento da celebração do contrato, as

excludentes de responsabilidade tais como fato exclusivo do passageiro, o fato

exclusivo de terceiro, o caso fortuito e força maior.

Também foi abordado nesta obra, a responsabilidade do Estado em

relação aos assaltos nos coletivos, a distinção da responsabilidade deste em

relação a responsabilidade do transportador.

Não seria esta uma obra de qualidade se não tratasse da aplicação do

Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que é uns dos mais modernos

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que se tem notícia, recebendo elogios de inúmeros operadores do direito de

diversos países.

O trabalho pretendeu ser um convite à discussão, que ultimamente tem

“roubado” espaços em jornais e revistas pelo Brasil, face a polêmica e

atualidade. A cada dia que passa, constantes se tornam os casos de assaltos

e até morte no interior dos coletivos.

Notável é, que nem mesmo os tribunais do nosso país têm um

entendimento pacificado a respeito da matéria. A mesma discussão é

encontrada na doutrina, onde há posicionamentos dos mais variados

possíveis.

Diante de tanta divergência, este trabalho objetivou mostrar o caminho

adequado a ser seguido por todos os operadores de direito, para que seja feita

a tão sonhada justiça, eliminando qualquer tipo de dúvida ou incerteza a

respeito da matéria.

Portanto, evidente está a relevância social e jurídica do tema

abordado, devendo este ser cada vez mais estudado a fim de que seja alvo de

consenso, e conseqüentemente uma resposta às demandas sociais.

BIBLIOGRAFIA

CAHALI, Yussef, Responsabilidade Civil do Estado

DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 7°v, Saraiva, 14ªed

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FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2004

FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor

comentado pelos autores do ante projeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 28ª ed, Malheiros

MELLO, Celso Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 15º ed, Malheiros

MONTEIRO, Washington de Barros apud Rodrigues Silvio, Direito Civil,

4°v.,Saraiva, 19ed., p 101

RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, v. 4, 19 ed

TEPEDINO, Gustavo, Temas de Direito Civil, Renovar, 1999

MADEIRA, José Maria Pinheiro, Administração Pública Centralizada e

Descentralizada, 2ª ed, América Jurídica.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

DO CONTRATO DE TRANSPORTE 11

1.1 – Da Cláusula de Incolumidade 13

1.2 – Do Transporte Gratuito 15

1.3 – Da Celebração do Contrato 17

CAPÍTULO II

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR 20

2.1 – Do Fato Exclusivo da Vítima 20

2.2 – Do Fato Exclusivo de Terceiro 21

2.3 – Do Caso Fortuito e Força Maior 22

2.4 – Assalto a Ônibus Previsível ou Imprevisível? 23

2.5 – Fato de Terceiro Gera Dever de Indenizar para as Transportadoras?26

CAPÍTULO III

O ESTADO NA RELAÇÃO DE TRANSPORTE 29

3.1 – Em que Sentido Encontramos Licitude na Imputação da

Responsabilidade Civil do Estado em Relação aos Assaltos Ocorridos no

Interior dos Coletivos 29

3.2 – Distinção entre Responsabilidade Civil do Estado e a Responsabilidade

Civil das Transportadoras. Quais as Implicações Face ao Direito Positivo?32

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CAPÍTULO IV

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR FRENTE AOS

ROUBOS E FURTOS OCORRIDOS NO INTERIOR DOS COLETIVOS 36

4.1 – Noções Básicas sobre a Responsabilidade Civil do Transportador no

CDC 36

4.1.1 – O Contrato de Transporte Visto como Relação de Consumo 36

4.1.2 – Os Direitos Assegurados pelo CDC ao Transportado 38

4.2 – Da Responsabilidade da Transportadora frente ao CDC 39

4.3 – As Concessionárias de Serviço Público Frente ao Código de Proteção e

Defesa do Consumidor 42

4.4 – Da Prescrição 43

CAPÍTULO V

ESTUDO DE CASOS CONCRETOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL

DO TRANSPORTADOR 44

5.1 – No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 44

5.2 – No Superior Tribunal de Justiça 50

CONCLUSÃO 53

BIBLIOGRAFIA 54

ÍNDICE 56