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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS INDÍGENAS
TEMBÉ E GUARANI
Por: Loraine Suely Costa Reis
Orientador
Prof. Ms. Ana Cristina Guimarães
Rio de Janeiro
2009
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS INDÍGENAS
TEMBÉ E GUARANI
Apresentação de monografia ao Instituto a
Vez do Mestre – Universidade Candido
Mendes – como requisito parcial para a
obtenção do grau de especialista em
Orientação Educacional e Pedagógica.
Por: Loraine Suely Costa Reis.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela força que me
proporcionou ao longo do curso; ao meu
marido, que me incentivou a não desistir; a
minha família; ao meu amigo, que com sua
habilidade intelectual me proporcionou
segurança no desenvolvimento do trabalho;
e às comunidades indígenas Tembé e
Guarani, que me receberam em suas
aldeias. Enfim, agradeço a todos que direta
ou indiretamente me apoiaram ao longo do
curso.
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DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho ao povo
Tembé e Guarani, às minhas
mães, cônjuge, irmãos e família.
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RESUMO
O presente trabalho traz uma descrição das constantes transições que se
sucederam ao longo dos anos no processo da Educação Escolar dos indígenas
Tembé e Guarani, localizados no estado do Pará. Aborda as situações de
descaso e a falta de interesse dos órgãos públicos em desempenhar uma
Educação de qualidade para esses povos e o não cumprimento das leis
conquistadas. Assim, os direitos de se ter uma boa educação, com
profissionais competentes para exercê-la, existem, mas o que se verifica são
discursos preconceituosos e etnocêntricos. Enfoca também toda a espécie de
dificuldade que esses indígenas vêm passando com as imposições do sistema
oficial de ensino em seu meio, com agentes não-índios que desconhecem sua
cultura, currículos inadequados e toda a gama de componentes pedagógicos
sem sentido lógico para eles. Em seguida, traça um pouco da trajetória da
Orientação Educacional e suas perspectivas no âmbito da educação escolar
indígena, retratando a cultura desses grupos indígenas que, subordinados a
uma cultura que rejeita minorias étnicas, encontram estratégias de
sobrevivência, principalmente no que diz respeito a seu modo de ser, assim
incorporando valores que estão formalizados em nossa sociedade, mas sem
deixar os seus atributos particulares se extinguirem de suas comunidades. A
alusão à Orientação Educacional é um dos focos em questão nesse trabalho,
pois se acredita que a mesma é uma ferramenta que pode contribuir no
processo de escolarização desses grupos indígenas no sentido de proporcionar
a eles uma educação pautada nos seus valores étnicos e culturais e,
sobretudo, na inserção desses profissionais da Orientação Educacional no
cotidiano escolar indígena, visando uma ação pedagógica que deve atender às
necessidades desses grupos.
Palavras-Chave: Educação escolar indígena; Orientação Educacional; Cultura;
Cotidiano.
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METODOLOGIA
A elaboração desse trabalho teve um caráter bibliográfico, com análise de
livros sobre a Orientação Educacional e a Educação Escolar Indígena para a
construção da fundamentação teórica, bem como da legislação educacional em
vigor e de relatórios de encontros educacionais provenientes do Conselho
Indigenista Missionário (CIMI). A pesquisa também contou com o
embasamento empírico, de minha experiência enquanto professora nessas
escolas indígenas Tembé e Guarani.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ……………………………………………………...…………………7
CAPÍTULO I – Educação Escolar Indígena: uma vertente para a resistência
étnica e cultural dos povos indígenas ……………………………………………..10
CAPÍTULO II - A Orientação Educacional e a Educação Escolar Indígena …..24
CAPÍTULO III – A Orientação Educacional e o cotidiano escolar indígena ......36
CONCLUSÃO ...................................................................................................52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................55
ÍNDICE ..............................................................................................................57
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INTRODUÇÃO
A educação indígena no Brasil, enquanto ação voltada para minorias
étnicas, tem sido objeto de reflexão e de disputas ao longo dos tempos, sendo
que as políticas educacionais implantadas geralmente apresentam ideologias
racistas e preconceituosas, com a concepção de apenas integrar os indígenas
à sociedade nacional, desse modo promovendo a desintegração de sua
identidade cultural.
Assim, a questão da Educação Escolar indígena no Brasil é traçada com
visíveis obstáculos, uma vez que, além de representarem uma parcela da
sociedade politicamente excluída e marginalizada economicamente, as
minorias étnicas são ainda representantes de uma outra cultura, alicerçada
num universo simbólico sem paralelos no mundo.
Com base nisso, observa-se nas sociedades indígenas que o que se
tem feito para melhorar a qualidade de vida, ou simplesmente para garantir os
seus direitos, ainda é pouco em relação ao que se precisa de fato fazer. A
questão da educação escolar diferenciada e bilíngüe é um desafio que está
posto e que precisa ser pensado e analisado pelas comunidades e pelos
profissionais que estão inseridos em suas escolas, necessitando de meios
pedagógicos específicos e de uma política educacional apropriada e
respeitadora para a consolidação desse projeto que está nas leis.
E pensar nessa educação escolar como um instrumento de
transformação e socialização de conhecimentos de acordo com suas práticas
cotidianas, cosmologia e projetos de vida, é proporcionar a esses indígenas a
chance de dar a voz aos seus anseios, que por inúmeras vezes foram
silenciados por nossa sociedade.
E nessa perspectiva de se angariar uma educação, capaz de atender a
essas demandas peculiares que os povos indígenas vêm mostrar para a
sociedade majoritária que eles continuam lutando e sobrevivendo às
15 imposições oficiais de ensino, assim mantendo vivas em seu meio os seus
costumes tradicionais tidos como “atrasados”.
Percebe-se, pois, que esses sistemas de ensino que lhes são impostos
têm grandes falhas e precisam de reparações tanto nas suas estruturas quanto
no pedagógico, salientado que a maioria dessas escolas tem como
profissionais pessoas leigas que desconhecem o modo de ser desses
indígenas. Nesse sentido é que a Orientação Educacional tem a tarefa de
tentar entender a educação como um ato de transformação, discorrendo de
modo distinto e por meio de pedagogias e instituições próprias em cada cultura.
O ato de observar e analisar bem como as práticas pedagógicas do Orientador
Educacional tem que ser desenvolvido nas escolas indígenas a partir de sua
cultura específica.
Contudo, tem-se percebido que nas escolas indígenas a valorização de
sua cultura, de seu modus vivendi não tem orientado a construção da
educação desses povos, o que limita seu processo educativo. E o tratamento
dispensado pelas agências oficiais responsáveis pela educação escolar
indígena necessita considerar as questões culturais das comunidades afetadas
por esse sistema homogeneizador.
A partir dessas informações, enfocou-se a ação dos Orientadores
Educacionais e sua vinculação à cultura comunitária, verificando-se o contra-
senso existente entre a proposta oficial da atividade educativa e sua prática, o
que prejudica o processo de interação escola-comunidade. É o que se
apresenta nos três capítulos que compõem esse trabalho.
O capítulo I refere-se aos obstáculos encontrados pelos indígenas no
processo de implantação da educação escolar que lhes é imposto, enfocando
também o porquê que os agentes que desencadeiam ações educativas nas
comunidades indígenas devem estar atentos e respeitar, de fato, as
peculiaridades culturais das mesmas, uma vez que elas possuem crenças,
aspirações, valores e modelos sociais específicos que são muitas vezes
incompreensíveis e inaceitáveis para a sociedade majoritária.
16 O capítulo II relata a trajetória da Orientação Educacional no Brasil e as
suas transições nas práticas pedagógicas ao longo dos anos, bem como
também se refere aos profissionais da Orientação Educacional como
intermediadores das relações existentes entre a escola e a comunidade em
que se encontra.
O Capítulo III relata o processo histórico do grupo Tembé e Guarani,
percorrido por eles, suas crenças, rituais, religião, modo de ser, ou seja, o
cotidiano desses, em seguida contextualizando tal conjunto de vivências com
as práticas do Orientador Educacional com vistas numa proposta de
elaboração de currículos compatíveis com suas realidades.
Esse trabalho é um convite ao conhecimento das comunidades
indígenas, como também um pedido de compreensão e apoio para a causa das
minorias étnicas que estão presentes na sociedade sem a percepção e o
respeito dessa.
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UMA VERTENTE
PARA A RESISTÊNCIA ÉTNICA E CULTURAL DOS
POVOS INDÍGENAS
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“A escola não existe ao acaso, representa
instituição onde acontece o saber organizado, de
acordo com as características históricas.”
Enildo Pessoa
1.1 – Considerações sobre a educação escolar indígena
O complexo e contraditório processo de transformação de instrumentos
tradicionais de dominação e integração nacionalistas em mecanismos a serviço
da autonomia, faz parte do universo das lutas dos povos indígenas. Porém, é
preciso ter em conta que, mesmo para quem carrega uma bagagem de 500
anos de resistência, não é tarefa fácil subverter esses instrumentos de
dominação, numa época em que há a predominância de uma ideologia que
preconiza o mercado globalizado como solução para todos os problemas,
intensificando, cada vez mais, as pressões sobre a alteridade de projetos
políticos culturais para índios, negros e portadores de deficiências especiais,
dentre outros, sendo, portanto, algo que tem que se repensar.
A resistência e a apropriação indígena nas áreas de educação escolar
fazem parte da construção de um novo projeto político de vida e de autonomia
dos povos indígenas, os quais, ao longo dos últimos anos, vêm empenhando
forças em assegurar, em seu benefício, as garantias constitucionais que,
embora constituam direito seu, não têm sido efetivadas pelo Estado.
A educação para os povos indígenas, não se realiza em uma única
instituição, de modo isolado, mas pela ação e pelo envolvimento de toda a
comunidade. Ocorre em tempos e espaços cotidianos, por meio de pedagogias
próprias e diversas, que garantem tanto a reprodução quanto a recriação da
identidade, da tradição, dos saberes, dos valores, dos padrões de
comportamento e de relacionamento, na dinâmica própria de cada cultura.
Contrariando essa lógica, a escola se impõe na realidade indígena como um
grande desafio que:
18 “Historicamente, a escola foi utilizada como instrumento do Estado, para submeter e integrar os povos indígenas e para servir aos interesses elitistas da igreja. Sob tal modo de ver e de agir, os diferentes povos deveriam abandonar as suas culturas milenares, consideradas primitivas, e aceitar como legítimas e verdadeiras as idéias e práticas da sociedade dominante”.(CIMI, 2001, p. 181)
O objetivo primordial da implantação desse tipo de política e dissolução
das diferenças é para que seja exercido mais facilmente o controle hegemônico
da cultura ocidental. E sob este ponto de vista, a escola serve como ferramenta
homogeneizante, quando cultiva a dúvida a respeito da sabedoria ancestral das
crenças e das tradições do povo, quando nega a identidade, quando
desestrutura a língua e impede a autonomia indígena.
A imposição da educação escolar, atendendo aos interesses dos
dominantes de preparação do indivíduo para viver numa sociedade baseada na
acumulação de bens, na competição e no individualismo, se choca diretamente
com os processos pedagógicos próprios dos povos indígenas, os quais visam
fortalecer formas diferentes de organização social.
A resistência indígena à escola, ao longo da história, se manifesta de
diferentes maneiras, em especial pela reação silenciosa da indiferença e da
recusa ao aprendizado de conteúdos, pela assimilação disfarçada ou, ainda,
pela subversão aos objetivos impostos pelo Estado.
Com a Constituição Federal de 1988, a educação escolar indígena
torna-se um direito inegável aos povos indígenas, ganhando traços até então
inéditos em nosso país. O Estado também passa a reconhecer o índio como
algo permanente, envolvendo vários órgãos da República, e não mais como
uma categoria transitória, como era visto pelo pensamento integracionista, pois
passou a assegurar – ao menos em nossa Carta Magna – educação de
qualidade, específica e diferenciada, com respeito à diversidade lingüística.
Entretanto ter uma legislação que garanta uma educação de qualidade e
que respeita as diferenças e especificidades dos povos indígenas não basta: é
necessário que as comunidades e organizações indígenas, juntamente com
instituições de apoio, continuem se mobilizando e pressionando o Estado para
19 que de fato se coloque em prática tudo o que está garantido nas leis e que
novas propostas sejam elaboradas com a participação legítima dos índios, para
que se possa ter uma legislação atualizada e que acompanhe a dinamicidade
das necessidades dos povos indígenas.
Entende-se por educação indígena todo o conhecimento adquirido na
convivência do dia-a-dia de cada povo indígena, com um jeito próprio de
ensinar e transmitir conhecimento. E o que tem se percebido é que nessas
comunidades, em especial Tembé e Mbyá, encontram-se à frente desses
repasses de conhecimentos pessoas que ainda observam essas nações com
olhar generalizado e etnocêntrico, assim não valorizando os aspectos culturais
que existem nessas aldeias.
Não há pessoas designadas para esse processo, toda comunidade está
inserida em preparar as futuras gerações para os costumes e tradições do
povo.
Ao longo de sua história, as sociedades indígenas vêm elaborando
complexos sistemas de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar,
expressar, transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas
concepções sobre o mundo, o homem e o sobrenatural. Os resultados são
valores, concepções únicas, transmitidas e enriquecidas a cada geração. Para
o Povo Guarani e Tembé há um significado muito grande nestes
conhecimentos, pois é com este jeito próprio de ensinar e aprender, que se
garantiram ao longo dos séculos os conhecimentos e a permanência da
cultura, desenvolvendo tecnologias próprias que pudessem garantir a
sobrevivência, apenas com os recursos da natureza. Os artefatos de enfeite,
utensílios domésticos,, instrumentos de caça e pinturas corporais são alguns
exemplos de técnicas desenvolvidas e ensinadas uns aos outros em uma
educação própria.
A educação para estas comunidades, a exemplo de outros povos
ágrafos, foi passada oralmente de um para outro ao longo dos séculos e
20 através da visualização prática do dia-a-dia. A educação indígena é
gradativa, permanente e acompanha o amadurecimento das pessoas, como
afirma Meliá:
“A convivência e a pesquisa mostram que para o índio a educação é um processo global (...) A educação indígena permite, de fato, um alto grau de espontaneidade que facilita a realização dos indivíduos dentro de uma margem de muita liberdade (...) A educação de hábitos motores, o estreito relacionamento com a mãe, são geralmente as principais características da educação nesse período (...) A criança indígena faz em miniatura o que o adulto faz. Vive no jogo a vida dos adultos. Aprende as atividades sociais rotineiras, participa da divisão do trabalho, de acordo com a divisão do sexo (...) Os velhos são escutados como portadores de tradição e consultados como orientadores na inovação (...) Descrever a educação indígena no Brasil seria quase descrever o dia a dia de todas as aldeias, de todas as comunidades indígenas, que simplesmente vivendo, estão se educando (...) Os conhecimentos se transmitem via oral, face a face, pela rotina de vida diária. Todos aprendem todos”.(MELIÀ, 1979, p. 10 – 24)
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No entanto, com a influência da sociedade majoritária, com contatos
inevitáveis, surgiu a necessidade, que não fazia parte da cultura tradicional, de
uma educação escolar indígena, específica e diferenciada. Assim, marcando as
vidas dos povos indígenas, esses passam a vislumbrar a escola não mais
como um espaço de mera assimilação, baseada em políticas de integração, e
com a simples transferência dos currículos convencionais das redes oficiais
para as aldeias, inteiramente em português, mas como um espaço de
reconhecimento e valorização de seu modus vivendi, e, sobretudo, reservado à
diversidade e aos direitos coletivos existentes nessas comunidades.
Antes de se descortinar tal possibilidade, no entanto, nas escolas as
línguas e cultura indígenas foram sistematicamente silenciadas, desvalorizadas
e substituídas pela língua e cultura nacional, a educação escolar foi um
recurso, quase eficaz, de aniquilação da diversidade, pois muitos meios foram
ultilizados para “civilizar” forçadamente esses povos sem preocupação
nenhuma com os processos históricos e de aprendizagem de cada sociedade
indígena. Fruto de luta dos movimentos de valorização da sociedade e da
cultura indígena, importantes direitos foram assegurados mais tarde na
Constituição Brasileira de 1988 (Art. 231):
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar seus bens.”
Com a promulgação da Constituição de 88, os indígenas passam a se
preocupar com a educação escolar, não mais como uma linha secundária, mas
como uma estratégia para suas comunidades, as quais se viam desarmadas
perante a sociedade. A partir daí viram que processo de escolarização poderia
não ser mais um veículo de assimilação e integração, mas uma possibilidade
de contribuir nos seus processos de afirmação étnica e cultural.
Nesse sentido, a educação escolar indígena para os Mbyá e Tembé é
um desafio que está posto, apesar de terem obtido algumas conquistas, como
a contratação de professores e a construção de escolas – mesmo que essas
sejam anexas como salas de aula a escolas não indígenas – ainda é preciso
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acreditar nessa utopia que está posta em leis, embora na prática ainda não se
observe o respeito às peculiaridades de cada povo.
Assim, enquanto o poder público se mantiver nessa postura de
distanciamento e desconhecimento das situações vigentes, a educação escolar
indígena continuará a ser um desafio que deverá de ser superado, inclusive em
sua regularização enquanto modalidade de ensino.
É preciso acreditar na estruturação de uma escola diferenciada,
autônoma, com professores índios qualificados para serem o suporte principal
desta luta pela busca de um projeto de vida e valores que historicamente
deverão se manter por muito tempo na história dos povos.
Oferecer uma educação decente é o mínimo que a União, o Estado e os
Municípios podem fazer a esses povos diante das atrocidades que os
indígenas sofreram ao longo dos séculos. Cabe ao Poder Público o dever de
atender as necessidades e anseios dos povos indígenas, que tanto colabora
com a história oficial e com as mudanças culturais, sociais e econômicas do
nosso país.
1.2 – A legislação e a educação escolar indígena
A Constituição garantiu às populações indígenas o direito de serem
“índios”, e, sobretudo, permitiu a eles uma educação onde pudessem utilizar
sua língua materna e suas próprias formas de aprendizagem e conhecimento,
como afirmado no Art. 210, § 2º: “O ensino fundamental regular será ministrado
em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.
E no Art. 215, § 1º “O Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.”
A partir dos trechos constitucionais acima e das realidades encontradas
em nosso país, percebemos que os preceitos não são efetivados em nível
prático, uma vez que, na atuação em escolas indígenas, percebe-se que essas
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são apenas reproduções da sociedade que as envolve, uma vez que grande
parte das chamadas “escolas indígenas” não passa de anexação de sala de
aula para esse fim a escolas localizadas em cidades. Dessa forma, o
atendimento à educação indígena depende de uma demanda baseada em
características curriculares, em propostas pedagógicas e em calendários
escolares, dentre outros fatores, de instituições que não correspondem às
realidades das populações indígenas, no caso específico desta pesquisa, das
populações, Tembé e Mbyá.
Um processo de educação diferenciada que as populações indígenas
almejam, é aquele em que de fato as leis possam vigorar, garantindo o respeito
às suas tradições e culturas, as quais devem ser inseridas no espaço escolar
de acordo com as propostas pedagógicas próprias de cada povo. Não se trata
apenas de uma adequação desses aspectos, mas de uma tranformação da
lógica, da estrutura, dos modos de pensar e fazer educação.
Em 1991, o Decreto Presidencial nº 26/91 retirou da Fundação Nacional
do Índio – FUNAI, a incumbência exclusiva em conduzir processos de
educação escolar em comunidades indígenas. A responsabilidade passou a ser
coordenada pelo Ministério da Educação (MEC), como também foram
atribuídos aos Municípios e Estados executar políticas educacionais para as
comunidades indígenas, assim respeitando o princípio federativo, que confere
certa autonomia a cada um dos sistemas educacionais.
Essa transferência de responsabilidades não implicou, em alguns casos,
na criação e mecanismos que assegurassem um tratamento adequado e o
respeito à diversidade dessas escolas, como citado anteriormente.
Não se tem, na condução dessa política educacional indígena, uma
clara distribuição de responsabilidades entre União, Estados e Municípios, o
que dificulta ainda mais a implementação de uma política que assegure aos
povos indígenas seus modelos de educação escolar.
A Portaria Interministerial 559/91, propõe dar um novo rumo para a
política educacional indígena, na qual a escola deixa de ter o caráter
integracionista, conforme previa o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) e passa ser
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regida pelo reconhecimento da multiplicidade cultural e lingüística dos povos
indígenas e pelo direito a eles assegurados de viver de acordo com suas
culturas e tradições. E as principais providências contidas nesta portaria são:
1º - Orientar a criação, no âmbito das Secretarias Estaduais de
Educação, dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (NEis), os quais seriam
responsáveis pelo acompanhamento das escolas indígenas, sobretudo no que
diz respeito ao processo de formação de professores indígenas, contratação de
professores indígenas, apoio na elaboração dos currículos , calendários,
materiais e práticas pedagógicas;
2º - Priorizar a formação e a capacitação permanente de professores
índios para a prática pedagógica;
3º - Determinar que os responsáveis pela educação escolar indígena
sejam preparados para atuar junto às populações indígenas, sejam eles da
FUNAI, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação ou ONGs.
4º - Garantir que os professoes índios devem receber a mesma
remuneração dos demais professores;
5º - Determinar que no processo de reconhecimento das escolas
indígenas, no que se refere ao calendário escolar, metodologias de avaliação e
materiais adequados à realidade sócio-culturais de cada sociedade indígena,
sejam instituídos;
6º - Garantir aos estudantes indígenas condição para a continuidade da
escolarização nas demais escolas do sistema nacional de ensino.
As propostas contidas nesta portaria, nada mais são que uma
continuidade de uma política educacional centrada em preceitos
integracionistas de anos atrás. Por mais que as propostas interministeriais
sejam boas e bem intencionadas, infelizmente ainda não se cumpriu de fato o
que elas propõem.
Baseado em experiências na área da educação desses povos, pode-se
perceber que os NEis são, na verdade, entidades quase que simbólicas,
porque a formação dos professores não rendeu os frutos esperados que a lei
25
lhes proporciona, pois os professores indígenas que foram contratados pelas
secretarias não deram continuidade nos processos de formação que a entidade
oferece. Muitos ainda aguardam etapas, que, em sua maioria, os fazem
regredir no processo de formação, tendo que fazer tudo novamente para
continuar no programa, como afirma Freitas:
“São avaliados como descompromissados pelas agências oficiais e pouco sérios pelas comunidades, pois as escolas ficam muito tempo inativas (...) e os técnicos envolvidos à frente dessa entidade ainda não estão preparados para interagir a contento com os professores e as comunidades indígenas (...).”(FREITAS, 2001, p. 101)
As escolas, mesmo que sejam regularizadas e reconhecidas, em alguns
casos, na prática, têm exigido pelas agências o mesmo padrão de
funcionamento das escolas não-índias e os estudantes indígenas prosseguem
tendo dificuldades em estudar fora das comunidades, assim frustrando os
sonhos de seus ascendentes.
Na verdade, tanto em visitas às aldeias quanto em participações em
encontros, reuniões e cursos para professores índios e não-índios, pode-se
perceber nas falas dos indígenas a falta de confiança nas entidades
responsáveis pela educação escolar, pois argumentam que a participação de
indígenas na elaboração de propostas político-educacionais, não tem a efetiva
participação de seus reais representantes. E quando é concedida sua
participação, é vista como simbólica, isto é, são meros coadjuvantes.
Como pensar uma política educacional para os índios sem saber de fato
o que eles desejam e pensam sobre essa questão? Esse questionamento
existe em praticamente todas as sociedades indígenas, porque as metas que
são traçadas para a referida educação escolar mais fazem parte de um
discurso vazio do que exatamente da educação que todos querem, respeitando
seus sentimentos e pensamentos em prol de uma educação que venha
contribuir na luta política pela garantia de seus direitos.
Mais tarde, pautando o Programa Nacional de Direitos Humanos, no
âmbito dos direitos indígenas, foi eleita como umas das prioridades de ação
26
“assegurar às sociedades indígenas uma educação escolar diferenciada,
respeitando seu universo sócio-cultural” (Decreto 1.904/96).
A proposta do programa aparentemente apresenta argumentos
significativos às comunidades indígenas, mas não é o bastante para a real
efetivação das políticas públicas para o setor, uma vez que essa efetivação não
apresenta a participação das sociedades indígenas, o que implica na
desvalorização das minorias étnicas.
As Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena
foram lançadas pelo Ministério da Educação em 1993, tendo objetivo delinear
parâmetros para estruturação de ações do Poder Público, orientando as
secretarias estaduais e municipais que assumiram, a partir de então, essa nova
atribuição.
Este documento além de subsidiar os técnicos responsavéis das
entidades oficiais, propõe a formação inicial e continuada de professores
índios, uma escola indígena diferenciada, de qualidade, onde a educação
bilíngüe, o respeito às diferenças, a produção coletiva de conhecimentos, a
interculturalidade, e, sobretudo, a sua autonomia, fazem parte desse novo
discurso sobre a questão educacional para as populações indígenas.
Já com a Lei Darcy Ribeiro, que institui as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, pode-se observar que:
“O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para a oferta de educação bilíngüe intercultural aos povos indígenas.” (Lei 9394/96, Art. 78)
É fato que as responsabilidades e competências na atribuição e
organização da educação escolar índígena é da União, assim como a
responsabilidade de assegurar proteção e respeito às culturas e modelos
próprios de educação indígena. Também se admite a colaboração dos
sistemas municipais e estaduais, bem como das agências de assistência aos
27
índios e de incentivo a sua cultura, mas não se isenta a União de sua
competência e responsabilidade maior.
Ainda no Art. 78 da LDBEN, são fixados objetivos para a educação
escolar bilíngue para os povos índígenas, na perspectiva de colaborar para a
“recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades
étnicas; a valorização de suas línguas e ciências” (Inciso I), além de possibilitar
o “acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas” (Inciso II).
O Art. 79 prevê o apoio técnico e financeiro da União voltado para os
processos de educação destinados às populações indígenas, assim
desenvolvendo programas de pesquisa e ensino, em diálogos com as
comunidades em questão. Esses programas têm a finalidade de fortalecer as
práticas sócio-culturais e a língua materna; elaborar currículos e programas
específicos e publicá-los sistematicamente como material didático específico e
diferenciado.
Como já visto, os artigos acima propõem diretrizes que devem ser
embasadas em articulações com as demais garantias – de respeito às culturas
e modelos próprios de aprendizagem. Portanto, os programas planejados
pelos Estados e Municípios não devem ter objetivos formalizados de cima para
baixo, sem a participação devida daqueles os quais são destinadas as leis, os
protagonistas de todo esse processo.
Esses fatores cujo principal objetivo é a “recuperação de suas memórias
históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas e a valorização de suas
línguas e ciências” são apresentados nas Diretrizes e Metas do Plano Nacional
de Educação (PNE, instituído pela Lei 10.172, promulgada em janeiro de
2001), na parte destinada à educação escolar indígena onde a mesma é
enfatizada como bilíngüe e intercultural, assim valorizando a identidade étnica
e o intercâmbio de informações entre as etnias e a sociedade majoritária.
O PNE também reconhece a necessidade de uma formação inicial e
contínua dos professores indígenas, realizada em serviço e concomitante ao
próprio processo de escolarização:
28
“(...) capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas específicos para as escolas indígenas; capacitar para o ensino bilíngue, no que se refere à metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropólogico visando a sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos, bilíngües ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades”. (BRASIL, 2002, p. 71)
Em relação aos programas de formação de professores indígenas,
temos o Estado do Acre, que desenvolve projetos para que esses futuros
professores possam execer suas funções com mais qualidade, projetos esse
desenvolvido por organizações não-governamentais. Diferente dos Tembé e
dos Mbyá, que ainda esperam para que a continuidade da formação de seus
professores índios seja de fato concretizada. Mas, com todo esse descaso
ocasionado pelo Poder Público, responsável pela formação e qualificação dos
professores em questão, resta o apoio do CIMI (Conselho Indigenista
Missionário), que capacita esses indígenas com o intuito de levar as
comunidades e até mesmo aos professores incentivo de se fazer uma
educação com qualidade, não deixando esse processo burocrático inibir as
lutas das comunidades indígenas e de seus desejos perante a sociedade
vigente.
Contudo, em cada um dos momentos históricos da legislação sobre a
educação indígena, as ideologias vêm sendo tecidas em diferentes discursos,
contextualizados com as mentalidades de cada época, delineadas em uma
unica tônica: garantir aos indígenas e à opinião pública que o governo e seus
parceiros estão fazendo o melhor que podem pela educação escolar indígena.
No entanto, o que se é observado, é que os afetados não se encontram tão
satisfeitos.
A educação escolar, embora seja uma necessidade do povo, é uma
novidade até mesmo para os professores indígenas. Para facilitar os trabalhos
e melhorar os resultados, faz-se necessário um acompanhamento pedagógico
sistemático nas escolas, feito por profissionais formados e qualificados que
possam intermediar a inserção da educação escolar na educação Tembé e
29
Mbyá, dentre a de outros povos não contemplados com uma educação
indígena significativa, respeitando sua cultura e modos de vida, como um
instrumento de revitalização etno-cultural do povo. No entanto, é importante
conhecer a história de cada comunidade, pois é conhecendo e analisando o
passado que se entenderá o presente. Só assim será possível pensar num
projeto político-pedagógico com a efetiva participação das comunidades no
intuito de garantir a autonomia do povo em relação aos seus projetos de vida.
Ocorre também que especificidade e diferenciação são atributos
necessários para uma escola adequada, mas não são condições suficientes
para uma escola indígena autônoma: é necessário ainda assegurar o direito
dos povos indígenas a associarem verdadeiramente as suas escolas aos seus
projetos de presente e futuro. Em outras palavras, é preciso assegurar primeiro
que os povos indígenas tenham o controle efetivo de suas escolas. Caso
contrário, as escolas continuarão a ser um desastre, melhor dizendo, uma
ameaça potencial para esses povos indígenas que são parte das raízes
históricas de nossa sociedade.
CAPITULO II
30
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E A EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA
2.1 – Perfil histórico da Orientação Educacional e suas
perspectivas
Do ponto de vista histórico institucional, a Orientação Educacional,
iniciou sua trajetória pela área da Orientação Vocacional, isto é, tendo seus
trabalhos voltados para preparar seus alunos, para as escolhas profissionais ou
uma ocupação. Uma vez que, a orientação educacional, era configurada como
“psicólogo” das instituições educacionais da época.
O trabalho desses profissionais proporcionou para o mercado de
trabalho a formação e a qualificação de pessoas para serem inseridas nos
ramos a que foram destinadas.
A reforma educacional impulsionava os anseios e os desejos dos
profissionais e intelectuais, e, principalmente, do governo, encadeando a rede
de especulações entre educação e sociedade. E a Orientação Educacional
fundamentava-se num referencial “psicológico” em que atendia às aptidões
naturais do indivíduo, como nas escolhas efetuadas e nas decisões tomadas,
sempre voltadas para o mercado de trabalho.
Haja vista que as propostas educacionais eram consideradas como a
melhor integração do ensino com a sociedade, e a essas propostas
elaboradas, deveu-se a expansão do comércio e da indústria, e, claro, das
mais variadas profissões técnicas, que foram surgindo nesse período.
A década de 1930 representou um marco para os movimentos dos
educadores. Pode-se dizer assim, pois reagem ao desinteresse do governo e a
sua falta de compromisso com a educação, abrindo grandes possibilidades de
discussões e possíveis transformações na educação do país. Isto é, tiveram a
chance de dinamizar e ativar um ensino de qualidade para seus alunos. Mas,
31
com todas essas esperanças, os profissionais da orientação educacional se
depararam com a indefinição do papel que deviam exercer nas suas escolas.
Com o período institucional no período compreendido entre 1940 e 1960,
ocorre a exigência da legalidade, como também, a divulgação e investimentos
por meio do então Ministério da Educação e Cultura, de cursos que cuidassem
da formação dos Orientadores Educacionais. A OE definia-se geralmente pelo
seu aspecto de prevenção, tendo em vista que a ela cabia somente o
encaminhamento dos alunos nos estudos e em suas escolhas profissionais.
Mesmo com tais incertezas que a OE presumia, surgiam as Leis
Orgânicas, que reafirmavam significativamente a origem na área da Orientação
Profissional, que se consolidava com o Decreto 4003 de 30/01/42 da Lei
Orgânica do Ensino Profissional. Em seguida com o Decreto 4048 de 22/01/42,
criando-se o SENAI, este por sua vez, um dos fatores mais importantes na área
da Orientação Profissional.
Diante dessas mudanças ocorridas na educação, o que o governo
exatamente queria era firmar um ensino profissionalizante em que os
aconselhamentos vocacionais fossem de total responsabilidade dos
orientadores educacionais. Ou seja:
“O orientador era considerado como ‘ajustador’, e cabia a ele ajustar o aluno à escola, à família, e a sociedade, a partir de parâmetros eleitos pelas instituições como sendo os de desempenho satisfatório.” (GRINSPUN, 2006, p. 25)
Dessa forma, o perfil dos OE se pautou em conceitos de caráter
psicológico, sob o qual atendiam alunos problemas. E se deparavam com as
questões técnicas e funcionalistas, que os impediam de idealizar uma filosofia
básica da educação.
A década de 1970, a OE foi sendo moldada com objetivos voltados para
a realidade brasileira, e, posteriormente, legalizada a profissão de Orientador
Educacional. Com a legalização procurou-se enfatizar a transformação da
orientação, não mais como conselheiros e ajustadores, mas de
intermediadores da educação com a sociedade.
32
Com as mudanças históricas, econômicas, políticas e culturais que
estavam ocorrendo na década de 1980, período este considerado de grande
relevância para a OE, onde os profissionais da área passam a questionar a sua
função e, sobretudo, os seus objetivos e seus propósitos, o orientador
educacional, esse agora voltado para “ajustar” os seus alunos aos moldes da
sociedade vigente, vai aos poucos ganhando espaços na questão política das
escolas. Sobre isso, vale ressaltar que:
“Com o avanço da democracia moderna surgem, cada vez mais, novas condições para que a relação entre a escola e as necessidades das classes dominadas ultrapassem os limites estabelecidos pelas classes dominantes, os limites do nível imediato, e passe a ter significado crescente no avanço da consciência política de classe. Criam-se novas possibilidades para o desenvolvimento do ‘discurso contra-ideológico’, no funcionamento da Escola”. (PESSOA, 1999, p. 62)
Os orientadores foram discutindo e se questionando como as suas
práticas pedagógicas eram exercidas nas instituições educacionais, como
também começaram a relacionar suas atividades ao contexto em que estavam
inseridos, buscando compreender os significados que estavam associados ao
cotidiano dos indivíduos. Dessa forma, foram deixando de lado as questões
relacionadas unicamente ao ajustamento social para pensar nos variados
questionamentos da sociedade.
“Os orientadores educacionais, começam a perceber a necessidade de questionar o modelo educacional em que estão inseridos, buscando através de uma integração interdisciplinar, alternativas mais eficazes para o desenvolvimento de suas atividades.” (ALVES & GARCIA, 1990, p. 57)
A orientação encontrava-se em momento de reflexão, no qual tinha
como meta criar ações que pudessem viabilizar a aprendizagem dos alunos
numa educação transformadora e que isso pudesse contribuir
significativamente em seu meio cotidiano.
Foi também neste período que muitos cursos foram ministrados, com
intuito de se criar estratégias, procedimentos e objetivos que levasse em conta
a realidade dos alunos dentro das escolas.
33
Seguindo essas linhas ideológicas de fazer uma educação de qualidade,
voltada para a formação da cidadania e respeitando as especificidades das
comunidades em que estava inserida, a OE na década de 1990, mais uma vez,
se depara com uma nova situação: a extinção da Federação Nacional Dos
Orientadores Educacionais (FENOE) e a tentativa da unificação dos
trabalhadores da educação em uma entidade nacional, assim surgindo a
Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE). Ocorrem,
então rompimentos de estruturas às quais estavam relacionados os
profissionais da OE. Desse modo, foi se fragilizando a identidade do orientador
educacional.
Como se pode perceber, toda a trajetória histórica da Orientação
Educacional no Brasil foi desenvolvida por longos caminhos comprometidos
com a educação e com as políticas vigentes. Todo o processo de
desenvolvimento da OE manteve sempre estreita relação com a tendência
pedagógica do espaço e do momento histórico de cada época, o que implica
que o trabalho era desenvolvido a partir do que era esperado mediante as
diversas concepções da sociedade vigente.
Nos primeiros anos do século XXI, a Orientação Educacional
caracteriza-se por um trabalho mais abrangente na dimensão pedagógica,
possuindo caráter mediador junto aos demais educadores e atuação com todos
os protagonistas da escola no resgate de uma ação mais efetiva e de uma
educação de qualidade. Busca-se conhecer a realidade e transformá-la para
que seja mais justa e humana.
“O principal papel da Orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de seu projeto pedagógico. Isso significa ajudar nosso aluno por inteiro: com utopias, desejos e paixões. A escola com toda sua teia de relações, constitui o eixo dessa área da Orientação, isto é, a Orientação trabalha na escola em favor da cidadania , não criando um serviço de orientação para atender os excluídos , mas para entendê-los, através das relações que ocorrem (poder/saber, fazer/saber) na instituição Escola.” (GRINSPUN, 2006, p. 33)
34
O papel da orientação no começo do novo século nos faz entender que
a orientação nas instituições educacionais tende a proporcionar os meios
necessários para a formação integral e personalizada do aluno em todas as
suas capacidades cognitivas, lingüísticas, motoras e de inserção social, dentre
outras. Como também pode desenvolver uma ação participativa na elaboração
das propostas pedagógicas que irão atender às expectativas da comunidade
escolar, assim re-significando as ações decorrentes do projeto pedagógico de
cada escola, uma vez que a orientação ocorre nas dimensões culturais, sociais,
políticas e econômicas relacionadas respectivamente ao grupo de inserção.
Esse novo discurso sobre a Orientação Educacional é plural,
multifacetada, onde a ajuda ao outro é uma dos princípios básicos neste
mundo complexo e contraditório em que vivemos.
E é nessa perspectiva em que o orientador educacional tem o papel de
despertar em seus alunos e professores a capacidade de analisar,
compreender, criticar, refletir sobre os diversos acontecimentos existentes em
nossa sociedade, uma vez, que o aluno juntamente com os seus formadores,
são os principais protagonistas de suas historias. Nesse sentido:
“A orientação Educacional deve fazer a mediação entre individuo e
sociedade , possibilitando a inserção do individuo no mundo da
cultura. Ela colabora na aquisição do saber , sendo este construído
no processo histórico e social da atividade humana”. (GRINSPUN,
2006, p. 55)
Como se pode observar, a Orientação Educacional não deve se limitar
às questões específicas da escola, como currículo, projeto político pedagógico,
mas também ao cotidiano desses indivíduos que compõem a comunidade
escolar, pois somente assim o processo educativo poderá se revestir de
sentido e significado a todos os envolvidos.
E conhecer o cotidiano escolar é entender as questões relacionadas
tanto ao individuo quanto ao grupo, das construções coletivas que se fazem
35
dentro e em torno da escola, uma vez que as principais decisões de um grupo
ou de um indivíduo se dão no contexto onde esses estão inseridos.
Portanto, relacionar o papel do orientador educacional com o cotidiano é
uma temática que propõe vários questionamentos, esses assentados nas
complexidades e especificidades de um determinado grupo ou sociedade.
2.2 – Orientação Educacional para as escolas indígenas
Historicamente, a educação para as populações indígenas tem servido
como instrumento de aculturação e destruição das culturas destes povos.
Desde a chegada dos colonizadores no Brasil, podemos dizer que pouca coisa
mudou. Ainda hoje os descasos e as omissões são presentes em nossas
políticas públicas, e são poucas as secretarias de educação que se empenham
em incorporar os novos conceitos constitucionais, que visam uma educação
específica e diferenciada para estes povos.
Os grupos étnicos Tembé e Guarani são distintos em seus aspectos
culturais e históricos, porém com uma problemática em comum: a educação
escolar. Aliás, desenvolver uma educação escolar indígena significativa a um
respectivo povo é considerado grande desafio para todas as sociedades
indígenas.
Tentar entender todo esse processo e levá-lo para essas comunidades o
despertar de um novo conceito de escola diferente do que eles estavam
acostumados, requer uma atenção minuciosa, principalmente das práticas
pedagógicas e da política educacional à qual eles foram expostos. Infelizmente,
as políticas desenvolvidas em prol da educação indígena geralmente têm um
só e perceptível objetivo: a negação da cultura e da identidade étnica dessas
sociedades.
Todo esse processo histórico de escolarização dos povos indígenas via
programas educacionais deu-se de acordo com a idéia de que era “necessário
fazer a educação dos índios”. Assim, promoveu-se uma ruptura nos processos
36
educacionais tradicionais destes povos, levando-os a adotar uma rotina escolar
que se contradizia aos seus padrões convencionais.
Apesar de todas essas contradições que estavam acontecendo, e que
ainda acontecem com a política educacional indígena, muitos indigenistas
pensaram numa reformulação dessa política, que traçava como objetivo
principal, a integração dos indígenas à sociedade, onde tiveram como base a
elaboração de uma proposta educacional condizente com o modo de ser dos
indígenas, isto é, uma educação de acordo com suas culturas e tradições.
Nesse momento a Orientação Educacional entra em cena, não apenas
como um campo que deve atender as necessidades do aluno em si, mas,
sobretudo, de toda uma comunidade que tem o seu modo próprio de fazer a
sua educação. E o papel da OE (Orientação Educacional) deve ser o de
compartilhar do dia-a-dia dos povos em questão, seu trabalho, sua sabedoria,
seu espaço de vivências e suas aprendizagens, seguido de perto por aqueles
que já sabem. Refiro-me aos mais velhos, esses considerados nas aldeias
como pessoas sábias.
Entretanto, esse novo olhar que era lançado para as situações escolares
das comunidades indígenas, embora complexo, implicou em uma proposta
inovadora. O movimento que surgia com essa proposta teve que assumir uma
luta em favor desses povos, assim organizando princípios para a organização
de uma escola moldada a partir da realidade cultural de cada comunidade.
Dessa forma, o ato de educar se dá oralmente e é vivido de acordo com seu
cotidiano. Os ensinamentos são repassados de geração a geração, como
forma de se dar continuidade às suas constantes lutas por sua maior causa: a
sobrevivência de seus descendentes e de sua cultura. Como argumentam
algumas lideranças das aldeias Tembé, do Alto Rio Guamá, 20031:
“A educação escolar para nós são bens essenciais, porque contribui para o fortalecimento de nossa cultura e de nosso povo (...) mesmo sabendo que tem muita gente que nos xinga, nós temos que estudar para garantir nosso futuro dentro e fora da aldeia (...) formar nossos próprios professores, porque somente eles conhecem a realidade da
1 Essas lideranças estavam participando de um curso de capacitação para professores índios e não índios, na aldeia São Pedro, e discutia-se a questão da Educação Escolar Indígena e quais os benefícios que traria para suas comunidades.
37
comunidade, e histórias de nossos antepassados, e mais tarde passarão para seus filhos (...)”.
Nesse início de século, a escola que já faz parte do cotidiano da maioria
dos povos indígenas – inclusive as do povo Tembé e Guarani, localizadas no
Estado do Pará – entra em cena não mais como um instrumento de repressão,
mas como uma necessidade de pós-contato, isso porque, mesmo com todos os
riscos, incertezas e dificuldades e resultados contraditórios ao longo da história,
ainda é para eles um instrumento de auto-afirmação de suas identidades e
práticas culturais.
É interessante observar que todos os povos que tiveram a educação
formalizada (ainda que repressora) têm a visão de que a Escola Indígena é um
espaço: de apropriação pelos índios e de seus conhecimentos da cultura oficial
dominante que são necessários à sua sobrevivência sócio-econômico-cultural
autônoma; de transmissão e reflexão dos etno-conhecimentos, sempre
respeitados, e valorizando os espaços tradicionais de educação; de diálogo
intercultural, onde a cultura indígena e o saber não indígena fossem ambos
valorizados igualmente.
No entanto, o que se observa, são reproduções de uma escola de não-
índios, onde os saberes oficiais e positivistas insistem em perpetuar em seus
meios escolares. E com a terceirização da Educação Escolar Indígena, os
descasos se alarmaram ainda mais. E é nessa visão critica que:
“(...) a questão educacional indígena é tratada como um caso à parte, entregue, por sua anomalia, aos órgãos encarregados da proteção destes grupos, ou com um mesmo a ser reproduzido por ações de integração, reprodução e assimilação destes grupos (...).” (MONTE, 1996, p. 15)
A questão educacional, hoje nas aldeias, é um dos fatores em que os
povos Tembé e Guarani se preocupam a todo o momento. Isso porque, para
eles que tiveram todo um aparato de “negação de identidade étnica”, vêem na
educação escolar um instrumento de força para continuarem na luta pelos seus
grandes objetivos, dentre elas a de uma Escola Autônoma, isto é, diferenciada,
intercultural e bilíngüe.
38
E tentar entender o “outro” seria de suma relevância para a OE
(Orientação Educacional), se seus profissionais acompanhassem
cotidianamente a rotina escolar dessas comunidades, se o poder político local
se interessasse pelas questões de vida, modo de ser, pensar e por todas as
questões relacionadas ao complexo universo cultural dessas duas etnias que
foram afetadas ao longo tempo por uma série de descasos, tanto na saúde, na
educação, ou por problemas de terras. Este último um dos principais fatores
que levou à migração desses povos em sua maioria para outras regiões, assim
fragmentando essas comunidades.
Essa busca incessante por uma Educação Específica e Diferenciada nos
remete a refletir sobre a seguinte questão:
“Se por um lado, grande parte dos grupos indígenas vêem a educação intercultural como forma de inserção na sociedade e economia nacionais, por outro lado há os que se sentem nesse tipo de proposta uma visão discriminatória e excludente. Estes últimos querem a escola da aldeia nos mesmos moldes da escola do branco, com o mesmo material e os mesmos conteúdos curriculares”. (COLLET, 2006, p. 125)
Todavia, esse panorama de dúvidas, medo e sentimento de exclusão,
não se deu por vontade própria, mas sim com as transformações que
ocorreram em nossa sociedade ao longo dos anos, como por exemplo, no setor
econômico, político e social, que por sua vez foram reforçados pela pressão de
forças culturais e pela ampliação da tecnologia, da informação e da
comunicação.
Esses modelos educacionais, ao longo dos anos, proporcionaram aos
indígenas a sua total exclusão da sociedade e não é à toa, que eles busquem
na educação escolar a oportunidade de dar voz às suas aptidões pessoais.
E é nesse palco de discussões sobre as propostas curriculares das
escolas indígenas que o OE deve interagir com a comunidade, com o intuito de
contextualizar de forma mais dinâmica essa educação, que foi proposta aos
indígenas, levando em consideração as questões coletivas que predominam
nas aldeias. Nesse sentido:
39
“A orientação procura valorizar o aluno, sua experiência em um contexto cultural, participando da busca da verdade dele, aluno, para poder, posteriormente, confrontá-la com os conteúdos e modelos apresentados pelos professores. O orientador procura ser um mediador nessa busca, ajudando o aluno a ultrapassar suas necessidades e criar outras, para que ele ganhe autonomia, ajudando-o, dessa forma, a compreender as realidades sociais e sua própria experiência”. (GRINSPUN, 2006, p. 49)
Mas, nessas escolas, o papel da OE é desenvolvido geralmente pelos
professores não-índios que atuam nessas comunidades, os quais tentam fazer
intermediações diretas com seus alunos índios. Assim, em sua maioria, essas
intermediações são tidas como relações frustrantes por esses profissionais, por
não compreenderem as diferenças culturais das sociedades indígenas. É
importante considerar que:
“Como educadores, somos convidados a criar um novo tipo de sensibilidade e atitude pedagógica. Como seres humanos, somos convocados a doar o nosso tempo vital que, no breve instante, se transfigura em tempo cósmico, total, um tempo grafado pela relação com o outro e com a obra se fazendo. Somos instados a apalpar uma área de mistério, uma zona de silêncio. Somos compelidos a navegar entre o já sabido e o ignorado”. (NUNES, 2005, p. 95)
Partindo desse ponto de vista, é que os profissionais se deparam com a
complexidade desses povos, de modo que atributos particulares tidos como
diferentes e simples, podem ser sagrados para os povos indígenas, por
exemplo, como o modo de ensinar nessas comunidades, que tem como
princípio indissociável a construção do ser pela observação e pelo fazer
experimentado dentro de uma realidade.
A criança indígena vai aprendendo os valores do que é ser etnicamente
diferente, concomitantemente ao processo em que adquire habilidades para
enfrentar os desafios do mundo que a rodeia. É um processo que acontece em
todas as dimensões da vida social, não se limitando a um único lugar (sala de
aula) ou ainda ao tempo (séries, idades).
E é nesse sentido que o sagrado se congratula no cotidiano, como um
ritual, porém em constante transformação e que precisa ser trabalhado na
perspectiva da preservação de suas culturas. E a escola, juntamente com os
40
seus profissionais e a comunidade indígena, devem estar em sintonia com
essas perspectivas, desejos e anseios de cada povo, principalmente quando se
trata da escolha de métodos e conteúdos que irão ser trabalhados nessas
escolas.
Por isso que é de fundamental importância a participação do orientador
educacional nessas escolas, para a busca de metodologias adequadas a
realidade de cada povo, refletindo sobre a maneira de como devem ser dados
os conteúdos e com que finalidade, sem deixar de enfatizar a necessidade de
que a escola transmita aos alunos, saberes contextualizados com sua
realidade e com a realidade da sociedade vigente, assim proporcionando a eles
subsídios para uma reflexão ampla e dinamizadora do seu cotidiano.
E uma dessas características associadas de fato a um papel significativo
do OE nessas escolas indígenas seria o de proporcionar para as comunidades
e, sobretudo, aos professores indígenas – estes responsáveis pela transmissão
dos etno-conhecimentos – a possibilidade de um processo de escolarização
com feições específicas, contextualizado, vinculado à comunidade e aos seus
projetos de futuro.
CAPÍTULO III
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E O COTIDIANO
ESCOLAR INDÍGENA
3.1 – Tembé e Guarani: quem são e onde vivem
3.1.1 – Povo Tembé
Os Tembé2 são indígenas que formam um dos subgrupos do povo
Tenetehara3, e se situam no nordeste do estado do Pará, no município de
Capitão Poço, às margens do Rio Guamá.
2 Na língua Tupi-Guarani significa “Nariz Chato”. 3 É designado como “gente, muita gente”;
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O povo Tembé é uma dessas tribos em processo de assimilação e
aculturação, que tiveram como base de apoio do governo a integração forçada
deste povo à sociedade nacional. Estão distribuídos em nove aldeias, sendo
que por motivos de políticas internas das comunidades, foram divididas em
dois Pólos Distritais.
Os indígenas já não falam mais a língua tupi-guarani; foram perdendo
essa tradição ao longo de sua trajetória de pós-contato, mas isso não os
impossibilitou de continuarem lutando pelas conquistas de seus objetivos. A
cultura reavivou-se e o passado se fez presente nas gerações que foram se
formando. De modo que os Tembé estão dando prosseguimento no repasse
desse reavivamento cultural. Por razões sócio-econômicas esse povo silenciou
sua cultura inúmeras vezes. Tal ação foi desenvolvida, sobretudo, pelos mais
velhos, como ato de proteção dos Tembé.
Em pleno século XXI, o povo Tembé vive em constante luta com
madeireiros, posseiros, fazendeiros e outros que atuam de forma irregular em
suas terras. Entretanto, longe de se conformarem com essas situações, esse
povo tem lutado pela desocupação de seus territórios e reivindicado seus
direitos junto aos órgãos públicos e poderes locais da região.
Em meados do século XIX, uma parte do grupo dos Tenetehara, migrou
de sua região tradicional, que se delimitava às margens do Rio Pindaré e Caru,
no Maranhão, seguindo para o Pará, que de acordo com o ISA4 foram se
dispersando em pequenos grupos para o Rio Gurupi, Capim, e Guamá. Dando
origem, ao povo conhecido como Tembé.
Às margens desses rios, foram submetidos a uma política indigenista,
que acabara de ser criada. Engajaram-se então, na extração do óleo de
copaíba, uma fruta medicinal típica da região amazônica, negociada com os
regatões5. Os regatões, também se valiam dos índios para a busca de ouro,
borracha, madeiras de lei e como guias, não obstante explorando-os.
4 Instituto Sócio-ambiental: Uma associação sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil e do Interesse Público (Oscip), incorporou ao longo desses quinze anos de existência, um patrimônio material e imaterial de experiências com povos indígenas, sobretudo na luta pelos direitos destes. 5 Regatões são comerciantes que vivem do escambo em pequenas embarcações nos
42
Os abusos e as extorsões dos regatões provocaram um intenso conflito
com o povo Tembé do Gurupi, onde mortes de indígenas e seqüestros de
crianças foram uma constante para esse grupo.
Já o grupo Tembé do alto Rio Guamá continuou sob a exploração dos
regatões, dedicando-se, sobretudo, ao corte de madeiras. Em 1945, quando já
tinham contato com a sociedade, e sob a responsabilidade do SPI (Serviço de
“Proteção” ao Índio), passaram a produzir tanto para consumo próprio quanto
para a venda, principalmente engajando-se no serviço da lavoura. Participaram
também, sob a orientação do SPI, da abertura de uma estrada nunca
concluída, que ligaria o Guamá ao Gurupi.
Em 1960, um chefe de Posto6, promoveu a entrada de colonos nas
aldeias para facilitar a produção agrícola, e isto, conseqüentemente,
possibilitou laços matrimoniais interétnicos, assim ocasionando uma intensa
miscigenação de culturas e etnias, sobretudo no uso da língua portuguesa, que
passou a ser usada cotidianamente.
Paralelamente a este regime, os indígenas mantinham sua própria forma
de comercializar e negociar com madeireiros, caçadores e fazendeiros, dentre
outros. A negociação mais visada e feita pelos indígenas, desde aquele
momento, é a venda de madeiras. Os índios extraíam e comercializavam,
levando-as de jangada até uma região próxima, o município de Ourém. Por
outro lado, a presença de caçadores, madeireiros e a criação de gado, por
exemplo, fez decair a caça e a pesca. Os acontecimentos influenciaram na vida
dos povos indígenas da região, modificando seu modo de pensar, sentir e agir.
Em 1970, com a extinção do SPI, os indígenas não tinham mais projetos
de sustentabilidade, o que os levou a retornar ao plantio de suas próprias
roças, numa área bastante desmatada. Com as invasões constantes de
madeireiros, posseiros, fazendeiros, dentre outros, os indígenas passaram a
conviver com essas pessoas em suas terras, o que proporcionou muitos
conflitos pela posse dessas terras.
“regatos”. 6 Uma pessoa escolhida pelo SPI, para coordenar projetos para os indígenas, como também controlar a saída entrada de índios e não-índios nas aldeias.
43
Em 1978, tiveram suas terras reduzidas, pois a FUNAI (Fundação
Nacional do Índio), órgão responsável pelos direitos indígenas, propôs o
loteamento dessas terras para os posseiros. Mas auxiliados pelo CIMI
(Conselho Indigenista Missionário), fizeram um abaixo-assinado contra essa
redução e foram convidados pela FUNAI a se mudarem para o Gurupi, mas
logo em seguida retornaram, depois de serem atacados pela malária e pelo
sarampo.
A organização social e econômica das comunidades Tembé do Guamá,
se dão em torno da família, que se constitui na unidade da produção. E de um
líder (cacique) que é escolhido consideravelmente pela comunidade para
representá-los nas questões políticas e sociais de seu povo perante a
sociedade.
As aldeias localizam-se em elevados barrancos na beira do rio, próximas
às roças. Têm-se ainda algumas casas que são feitas de taipas, pelo fato de
seus construtores (geralmente os mais velhos) preferir manter referência de
sua cultura tradicional. Contudo, com maior integração com a sociedade
majoritária, tem aldeias que já possuem todo um aparato de construções
residenciais de alvenaria e alguns elementos da sociedade capitalista, como
eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos.
Desde o final do século XX, após o período de casamentos interétnicos,
os Tembé passaram a dar preferência a uniões consangüíneas, sobretudo
entre “primos cruzados” que morem na mesma aldeia. Quanto ao aspecto
religioso, os Tembé buscaram incorporar alguns dias santos em seus
calendários e o batizado cristão, mas mesmo assim não fizeram do cristianismo
sua religião. Pois em sua mitologia Maíra é o principal herói cultural e o seu
ciclo-mítico é igual ao dos outros povos Tupi-Guarani, de modo que a figura do
Pajé é de fundamental importância nas decisões das aldeias.
Diante de tantas perdas culturais, o Povo Tembé tem demonstrado à
sociedade que suas raízes culturais não foram totalmente esquecidas. Pelo
contrário, busca realizar a “Festa da Menina Moça”, com intuito de mostrar para
a sociedade brasileira e, sobretudo, paraense, o orgulho de serem e
44
permanecerem índios, diante de todas as difíceis experiências ao longo dos
tempos.
A Festa da Menina Moça marca a tradição cultural dos povos de língua
tupi-guarani. A festa tem por objetivo apresentar à sociedade Tembé, a menina
que se transformara em mulher e que está pronta para casar e ter filhos. Esse
processo é acompanhado por toda a comunidade, que faz as comidas típicas
da ocasião, sendo que o “moqueado” é o prato atrativo da comunidade e de
seus visitantes (caças preparadas ao fogo por três dias, sendo em seguida
amassadas pelas índias para ganharem uma consistência de massa). A
festividade ainda conta com danças e cantorias que se arrolam a noite inteira.
“A festa do moqueado, tem como figuras centrais duas moças e quatro rapazes que, desse modo, assinalaram a passagem de sua puberdade. Com participantes da festa, habitantes da aldeia com distinção de grupo familiar, sexo e idade (...). As duas moças estavam sendo preparadas, tinham seu corpo pintado com jenipapo (...). Outras mulheres também enfeitaram-se, nos cabelos penugem brancas e tiras de pano com penas colocadas caindo atrás, sustentadas por um cordão em volta da cabeça”. (GALVÃO, 1996, p. 140).
3.1.2 – Povo Guarani Mbyá
O Povo Guarani Mbyá7, localizado no Município de Jacundá, no Estado
do Pará, migrou para essa região após variadas passagens por fazendas, e
aldeias de outras etnias. Esse grupo fixou-se nessa região com intuito de se
organizar culturalmente, uma vez que, morando nas aldeias de outros povos,
em que as tradições eram diferentes do seu modo de ser, tinham que se
silenciar. E a maioria já estava perdendo suas raízes Mbyá.
Os Guarani, além de carregarem um estigma de “índios aculturados” em
virtude do uso de roupas e de outros bens e alimentos industrializados, são
considerados índios errantes ou nômades, por não permanecerem por muito
tempo em um mesmo lugar.
E tentar entender esses movimentos migratórios dos Mbyá é tentar
entender seu cosmo mítico, pois pelo olhar deste povo, percebe-se que essas
7 Denominam como “ muita gente num só lugar ou gente”.
45
migrações têm um sentido de busca pelo sagrado, estando voltada para a
busca da “terra sem males”.
“A terra sem Mal foi o núcleo à volta do qual gravitava o pensamento religioso dos tupi-guaranis: a vontade de chegar a ela governou suas práticas: esteve na origem de uma diferenciação nova, nascida do xamanismo, que viria isolar uma categoria especial de xamãs: os caraís, os homens-deuses cuja razão de ser era essencialmente promover o advento da terra sem mal. Pois a atividade dos homens-deuses não se limitava a discorrer sobre as maravilhas da terra eterna: propunham-se a conduzir os índios para ela. Sabe-se que desde a conquista até o começo deste século numerosas migrações afetadas pelas tribos tupis e guaranis tinham como um único objetivo a procura da terra sem mal”. (LADEIRA,2007,p. 66)
Esse grupo, assim como os outros já citados, foi e continua sendo vítima
do desrespeito, das pressões e interferências de interesses econômicos
especulativos, causando com isso uma grande dispersão de suas aldeias para
as demais regiões do nosso país.
O grupo Mbyá, apesar de todas essas controvérsias causadas em seu
meio cotidiano, como, por exemplo, os casamentos com os juruá (não-índios),
mantêm uma unidade religiosa e lingüística bem determinada, pois é com essa
base cultural que estes conseguem reconhecer os seus iguais, independente
das regiões onde se encontram.
Os Guarani Mbyá aparecem na nossa literatura a partir do século XIX.
Estes eram denominados por um nome genérico de “Caiguá” ou “Kayguá”,
nomes que eram tidos para muitos estudiosos como depreciativos a essa
nação, pois tinham como significado “Habitantes das Matas”.
Para facilitar a compreensão do que são os Guarani Mbyá e sua cultura,
faz-se necessário observar a história dos Guarani e sua resistência ao domínio
europeu que se iniciou no século XVI nas terras americanas. Tal observação
segue nas próximas linhas, portanto.
Com a chegada dos europeus, a grande nação Guarani teve seus
projetos históricos interrompidos e subordinados pelos espanhóis, quando
esses chegaram a Assunción do Paraguai. Parte dos povos Guarani se viram
46
frente a frente com os juruá e conseqüentemente com todo o projeto colonial
que estes conquistadores vieram implantar na América, juntamente com as
ordens religiosas sedentas de almas e soldados em busca de honras e
riquezas.
Muitos índios foram incorporados ao trabalho escravo, sobretudo nas
construções de igrejas, que posteriormente seriam as grandes Missões onde
os indígenas eram obrigados a apreender as culturas sacras européias trazidas
em suas caravelas. Ressaltando que, apesar de todos esses aparatos de
trabalhos a que os indígenas eram submetidos, as Missões Jesuíticas das
poucas aliadas na luta em favor dos ameríndios.
Porém, com a expulsão dos jesuítas e, conseqüentemente, com o fim
das Missões, os Guarani não tiveram como deter as ações dos bandeirantes,
que os capturavam e os mantinham em cativeiros sob espoliações absurdas.
Porquanto disto, os índios Guarani foram então se dispersando. Aqueles
que conseguiram sobreviver ao genocídio, não voltaram mais para as matas,
pois como muitos tinham aprendido diversos ofícios nas reduções, dirigiram-se
aos grandes centros da região, como Montevidéu, Santa Fé e Buenos Aires.
E outros grupos retornaram às matas com intuito de permanecerem longe
das garras coloniais, escondendo-se nas densas florestas paraguaias. Daí
descendem os grupos Ñandeva, Kaiwoá e Mbyá.
As primeiras levas de migração do grupo Mbyá se deram a partir do
século XX, em 1921, com a ajuda do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), que
localizou os índios às margens do Rio Tietê, indo em direção ao mar, isto é,
rumo ao litoral de São Paulo. A partir desse momento, o Brasil se depara com
uma nova etnia, a dos Guaranis, esta por sua vez dividida em três subgrupos:
Nhandeva, Kaiwoa e Mbya. Ladeira (2007, p. 37) ressalta sobre os Guarani
que “A divisão dos Guarani, no Brasil, em três grupos não é, no entanto,
apenas um formalismo classificatório, pois corresponde também a uma
definição de diferença apontada e vivida pelos próprios índios”.
O grupo Mbyá é identificado pelas suas especificidades culturais e
lingüísticas bem nítidas por ainda continuarem valorizando os usos e costumes
47
dos antepassados em seu cotidiano e não aceitando mestiços, como também a
grande leva de migrações de famílias que se desvinculam do grupo em busca
de melhorias nos aspectos sócio-econômicos, sobretudo religiosos. Este último
fato tornou-se o grande responsável pela saída de componentes deste grupo.
Diante disso, menciono esse pequeno grupo Mbyá que reside no sul do
Pará, em terras que o CTI (Centro de Trabalho Indígena), destinou a este
grupo que se encontrava nas aldeias de outra nação Indígena e em fazendas,
trabalhando como bóias-frias e domésticas, na luta por seu sustento e por sua
sobrevivência. O objetivo do CTI era de promover a unidade do grupo dos
Mbyá, garantindo seu modus vivendi.
Portanto, o lugar que fora adquirido pelos Mbyá, passou a se chamar de
Tekoa, termo que se usa em todas as aldeias tradicionais deste subgrupo.
Tekoa “é o lugar onde eles exercem o seu modo de ser Guarani” (LADEIRA,
2007, p. 97). Na tentativa de garantir sua existência cultural, os Guarani
promoveram verdadeira reciprocidade entre os Tekoa, incentivando a
colocação de suas regras sociais tradicionais, independente das regiões onde
esses se encontram. Estar “aldeado”, ou seja, “na aldeia”, é estar vivo
culturalmente para esse povo.
O modo de ser dos Mbyá, se volta para uma constante neste grupo, a de
comportamentos sociais adequados à cultura deles. Seus integrantes
necessitam de um lugar semelhante aos primórdios do mundo Mbyá, com
mata, água boa, terra para plantio do milho e liberdade suficiente para se
concentrarem em suas rezas.
As aldeias Guarani geralmente são formadas por famílias extensas, que
dividem os trabalhos das roças e confecções de artesanatos entre si. E mesmo
que tenham algumas variantes na sua composição, como a mestiçagem, isto
não os exclui dos trabalhos das roças e mutirões em família.
Entre os Mbyá a questão religiosa é o aspecto cultural mais presente e
de suma importância no seu cotidiano. Nesse sentido, é importante perceber e
compreender o ritual da Nominação: ritual do batismo Guarani, onde são dados
nomes sagrados às crianças, pois é pelo batismo que a criança ganha
48
personalidade moral na comunidade de origem. Nesse ritual as crianças não
escolhem padrinhos entre membros da comunidade, mas essas são dedicadas
à Nhanderu (Pai Celeste ou Superior), que através de um ser celeste lhe dá um
nome. A Nominação determina sexo, idade e casamento. Todo esse ritual é
liderado por um guia espiritual, este exercido pelo Tamoi (avô genérico),
podendo também ser exercida por mulheres (Kunhã Karai).
O Tekoa Kariwassu tem um chefe político, o cacique; este é o principal
articulador junto às instâncias externas: FUNAI (Fundação Nacional do Índio),
FUNASA (Fundação Nacional da Saúde), SEMED (Secretaria Municipal de
Educação) e ONGs (Organizações não-governamentais) e outros agentes.
Geralmente as decisões tomadas pela comunidade têm o aval do Pajé
oficial ou de um ancião. Quando nessas aldeias ainda não tem um Pajé, como
é no caso do Tekoa Kariwassu, as funções de aconselhamento são exercidas
pelos anciãos, que, em sua função religiosa e sabedoria apreendidas ao longo
de suas experiências que englobam toda a hierarquia política da aldeia, zelam
pela vivência dos Mbyá Guarani em seus territórios. Os anciãos estimulam os
membros da comunidade a prática cotidiana de ser Guarani.
No entanto, é costume que aqueles que têm desentendimentos com o
cacique, pajé ou algum ancião dentro da aldeia se retirem para outras aldeias
Mbyá.
Percebe-se, ao longo desta retórica sobre a trajetória histórica destes
dois grupos em suas variadas épocas, que os seus aspectos cotidianos e
empíricos, os quais se fazem presentes nas suas narrativas, são em sua
maioria negadas e até mesmo depreciadas pelas escolas que estão inseridas
em suas aldeias.
Portanto, falar deste cotidiano e não mencionar as narrativas empíricas
desses povos é contribuir com o fortalecimento do preconceito de suas
culturas. E o OE (Orientador Educacional), nesse sentido, terá que desenvolver
meios pedagógicos e educacionais que possam abranger todas essas
particularidades que se encontram nessas sociedades indígenas, na esperança
49
de dar aos alunos e a toda comunidade uma escolarização que contribua para
uma maior autonomia desses povos.
3.2 – Orientação Educacional e realidade cultural indígena
Apesar da violência e do desrespeito que tem marcado as ações dos
colonizadores perante os povos indígenas, constata-se que essas sociedades
que resistiram ao extermínio físico desenvolveram estratégias para se proteger
dos invasores.
Porém essas estratégias – ou pode-se dizer “essas ações pedagógicas
próprias” – constituem um valor fundamental em sua essência que deve
também orientar o trabalho nas escolas. Assim, concebe-se que a escola não é
um espaço único de aprendizado, mas um novo espaço em que essas ações
educativas devem integrar o sistema mais amplo de educação de cada povo.
É nessa dinamicidade da educação que o cotidiano torna-se relevante
para o entendimento dessas sociedades, justamente por apresentar a riqueza
de seus aspectos culturais, sociais e econômicos. É a partir do cotidiano, pois,
que se devem revelar os processos de ensino-aprendizagem, tanto de quem
produz quanto de quem a recebe; isto é, é nesse espaço que a reflexão sobre
a realidade do educando será concebida como peça fundamental para
estimulá-los em seus conhecimentos.
“A medida que os conhecimentos transmitidos na escola se aproximam da realidade diária, há maiores chances de que o interesse do aluno seja conquistado e maior possibilidade de que ele obtenha sucesso, uma vez que os assuntos tratados dirão respeito a um mundo que lhe é familiar, condição fundamental para que ele possa compreender outros mundos”.(MILET, 1990, p. 47)
No exercício da Orientação Educacional deve-se observar a função de
desempenhar em cada ação que compõe e organiza, em parcerias com os
docentes, atividades que tenham como referência experiências significativas
para os alunos em suas comunidades. Como por exemplo, contextualizar os
conteúdos de acordo com as características de sua cultura. Isso não tem
50
ocorrido de modo efetivo na Educação Indígena. No caso da Festa da Menina
Moça, uma marca que perpassa gerações, porque não incorporá-la nas
práticas educacionais formalizadas destinadas aos povos em questão?
Além desse fator, o qual certamente contribuiria para a formação desses
alunos, o OE não deve se limitar em suas investigações sobre tais
comunidades. Nesse papel específico, o Orientador Educacional, deve trazer
os elementos obtidos na investigação daquela comunidade para que todas as
atividades planejadas e implementadas na escola estejam voltadas para um
objetivo comum – atender ao aluno das comunidades indígenas na sua busca
pela apropriação do conhecimento. Se não se valorizar as práticas sociais
desses povos em sua educação escolar, dificilmente a construção de
conhecimentos significativos será efetivamente promovida.
Ao contrario dessa visão conservadora que dissocia educação de
realidade social e que se encontra nas ações individuais e, portanto,
fragmentadas de cada professor, seja ele indígena ou não, a Orientação
Educacional enquanto prática transformadora deve buscar o trabalho conjunto,
em que todos os profissionais têm contribuições a oferecer em suas
especificidades de ação, mas sempre se considerando o espaço e o tempo
cultural envolvidos.
Sobre essa interação com a comunidade e a escola, deve-se considerar
que:
“A questão central da educação comunitária está na organização e participação do maior número de pessoas envolvidas nas atividades a serem desenvolvidas. Trata-se em especial, de se criar uma pedagogia que permita a aos segmentos mais pobres a apropriação de um novo saber , sem a exclusão de sua própria cultura. Em suma, deve-se ter em vista uma educação do povo e com o povo, não uma pedagogia de superposição”. (GRISPUN, 2006, p.164)
A educação neste momento precisa estimular a aprendizagem do
aluno, despertando a curiosidade e encontrando formas de motivá-lo a tornar o
estudo mais interessante. Traçar seus próprios caminhos, interagindo com o
ambiente de cooperação e construção. Esse é um dos objetivos que deveriam
ser levados em consideração por toda e qualquer comunidade escolar,
51
inclusive as indígenas. Contudo, não tem essas comunidades influência
significativa sobre os processos educativos aos quais estão submetidos. É rara,
inclusive, a existência de Orientadores Educacionais nas escolas destinadas
aos povos indígenas. Mais rara ainda a existência de Orientadores
Educacionais índios.
O ambiente educacional deve possibilitar a partilha do conhecimento,
num complexo processo de aprendizagem coletiva, dinâmico e que favoreça a
promoção da autonomia, influindo no desenvolvimento pleno de todos os
envolvidos. Com base nesta perspectiva, alunos, professores e até mesmo
orientadores teriam a possibilidade de formar seus próprios conceitos e
opiniões sobre o mundo que os cerca.
Mas para proporcionar uma educação de qualidade é necessário que a
escola entenda cada individuo como um ser único, pertencente a um contexto
social e familiar que condiciona diferentes formas de viver, pensar e aprender.
E o Orientador Educacional é o profissional que pode contribuir de forma mais
significativa nessa ação, pois em suas investigações sobre a comunidade
escolar, se depara com o educando dentro de seu ambiente, da sua casa, do
convívio com sua família, do seu mundo.
O Orientador Educacional, na educação escolar indígena, tem que
levar em consideração que a família e a comunidade são também responsáveis
pela educação dos filhos. É na família que se aprende a viver bem, ser um bom
caçador, um bom pescador, um bom marido, uma boa esposa, um bom filho,
um membro solidário e hospitaleiro da comunidade; aprende-se a fazer roça, a
plantar, fazer farinha, aprende-se a fazer cestas e artesanatos; aprende-se a
cuidar da saúde, benzer, curar doenças, a medicina das plantas, a matemática
nas construções de canoas, remos e roças. Não existe sistema de reprovação
ou seleção na educação informal tão valorizada por esses povos.
Nesse sentido, o conceito de educação para os indígenas não se
resume só no espaço escolar construído. A educação se dá nos saberes e nas
vivências que lhes são repassados e precisam ser difundidos, transmitidos para
as futuras gerações.
52
Tembé e Mbyá, estes dois grupos indígenas que vem ao longo dos
séculos mostrando a sua capacidade de adaptação perante a nossa sociedade,
a qual, por sua vez, tanto tem contribuído para extingui-los de seu espaço
cultural, vêem na educação formal a possibilidade de criar (ou “recriar”) seus
próprios objetivos e valores, que regem suas práticas cotidianas. Os
mencionados povos se valem dos acontecimentos do seu dia-a-dia para
organizar-se. Como a escola, juntamente com os profissionais, sobretudo o
Orientador Educacional – um dos maiores responsáveis pela condução do
fazer pedagógico – posiciona-se diante das particularidades, sendo que este
fator é um dos principais responsáveis pela formação do ser indígena?
O Orientador Educacional, além de exercer o seu papel de atender as
necessidades dos seus alunos, deve buscar compreender toda a dinâmica das
comunidades indígenas, pautando-se no respeito à diversidade cultural de
cada grupo.
Entretanto, é preciso insistir no fato de que a escola indígena que se
quer é aquela que seja capaz de preparar os alunos indígenas para os desafios
que o contato com a sociedade majoritária impõe sem, no entanto, desrespeitar
suas crenças e práticas culturais. Nesse processo, a educação indígena, vem
proporcionando constantes debates, sobretudo no que diz respeito a um
currículo próprio, com calendários que possam atender a toda demanda
educacional das comunidades indígenas.
“Os pontos importantes da orientação, a serem desenvolvidas com os alunos, envolvem multiculturalismo, a política de identidade cultural e os movimentos sociais, que apresentam diferentes visões culturais no interior das nações. Essas questões trazem para a escola um debate rico, com importantes desafios e oportunidades para o estreitamento das relações de cultura e a dimensão do currículo. As questões ligadas ao etnocentrismo, ao racismo, por exemplo, manifestam-se diretamente no cotidiano da escola. Analisar a educação pela perspectiva culturalista implica, também, verificar como as histórias e narrativas vão se desenvolvendo e como elas estão sendo envolvidas nas relações de poder. A cultura não está fora da escola; ao contrário, ela tem um encontro marcado na escola, em especial no currículo, pois ele representa saber e poder, discurso e regulação, normas de disciplinarização, é nesse espaço que a formação da subjetividade ocorre (...) A cultura é tudo aquilo que complementa a atividade escolar, do mesmo modo que é tudo aquilo em que se baseia o currículo da escola, portanto para todos, inclusive para a Orientação, ela é imprescindível, como fonte de origem, como fruto e produção”. (GRISPUN, 2006, p. 72)
53
Partindo desse ponto de vista, a educação não deve ser compreendida
como um processo compartimentado, descontextualizado e sem a devida
consideração das práticas sociais de seu entorno cultural. Por isso que uma
prática transformadora de Orientação Educacional faz-se necessária. Os
profissionais da área devem estar presentes e conscientes na formulação do
projeto de vida dos povos indígenas, pois com suas habilidades teóricas
poderão proporcionar a esses grupos subsídios para uma reflexão coletiva de
suas práticas, sobretudo nas mútuas e complexas relações existentes no meio
escolar: aluno-professor-comunidade. Desse modo, uma melhor ação
pedagógica nas aldeias e nas suas escolas é possibilitada.
Percebe-se então que o trabalho do Orientador Educacional encontra-
se numa condição de atuação diferente do professor em sala de aula, mas
essa diferença não implica desigualdades de condições de pensar o trabalho
que ambos estão envolvidos e para qual convergem suas ações. É preciso,
contudo, assumir que a tarefa do Orientador Educacional se insere num projeto
coletivo, onde tanto o trabalho desse profissional quanto as ações dos
professores, dos gestores e das comunidades indígenas mantenham sua
especificidade, mas a partir de uma necessária articulação mantida pelo
diálogo e pelo respeito às características culturais de todos os envolvidos no
processo.
Encarar o cotidiano como processo em que os conhecimentos e seus
movimentos são tecidos no interior dos múltiplos saberes e experiências que os
permeiam, torna-se condição fundamental para que a Orientação Educacional
se constitua a partir de uma posição solidária e comprometida com a educação
dos grupos aos quais se destina.
Entretanto, a busca por uma reconceitualização do papel do Orientador
Educacional nas escolas indígenas – bem como da própria educação escolar
desses povos – tem como fator preponderante a formação de seus
profissionais e dos professores que estão neste contexto escolar. É preciso que
nessa formação tais profissionais sejam despidos de qualquer resistência
54
cultural, de modo que estejam aptos a desenvolver projetos educacionais que
tenham o compromisso com outro, independente de raça, cor, religião, que
sejam, sobretudo, democráticos em todos os aspectos da educação destinada
aos povos indígenas.
CONCLUSÃO
A Educação Escolar Indígena vem ao longo dos séculos sendo
desenvolvida com a perspectiva de aculturar os indígenas e integrá-los à
sociedade majoritária. Esta educação formal iniciou-se com os missionários no
século XVI, que tinham como objetivo a catequização desses, ou seja, a tarefa
se referia a transformação do “outro”, em algo próximo ao padrão estabelecido,
numa prática de homogeneizar que evidenciava a negação da diferença.
No século XXI, os povos indígenas ainda se deparam com a resistência
absurda do não-índio em aceitar os seus pontos de vista sobre a sua própria
55
educação. Nesse sentido, a indiferença mais uma vez torna-se o fator que
promove todo esse movimento sócio-político em torno das comunidades
indígenas em prol da valorização de seus costumes.
Verifica-se que na prática essa educação é uma ferrenha imposição de
projetos educacionais positivistas às comunidades indígenas, considerados
pelos indigenistas como “alienígenas”, com seus calendários, grades
curriculares e demais componentes, que não correspondem à realidade desses
grupos.
Entretanto, muito ainda precisa ser discutido e deliberado, pois há um
desconhecimento em torno destas populações, o que, por sua vez, acaba por
produzir preconceitos e estereótipos. Em relação à educação – esse também
um direito dos indígenas – esses povos são violados constantemente,
perdendo seus direitos legais, muitas vezes em função de exigências,
incapacidade ou mesmo por conta da inoperância dos órgãos públicos que,
teoricamente, devem garantir tais direitos às populações indígenas, mas que
na prática negam as especificidades dessas escolas.
É preciso reconhecer que, sendo a escola uma instituição não-indígena
surgida em contextos de sociedades indígenas, criar hoje a escola indígena é
ainda um desafio. Tal desafio vem sendo assumido por muita gente em muitos
lugares, o que tem gerado muitas experiências importantíssimas, que aos
poucos vêm permitindo certo acúmulo de conhecimento nessa área bastante
nova. Contudo, não se pode afirmar com segurança ainda que já se construiu
efetivamente uma educação escolar indígena significativa a esses povos.
Em todos os casos conhecidos, o que se tem observado são escolas
mais ou menos indianizadas, isto é, tentativas de “tradução” da escola ao
contexto indígena. E essa “tradução” esbarra-se nos modos de ser, pensar e
agir dos indígenas, que estão presentes em nossa sociedade lutando pelos
seus direitos de obter uma escola diferenciada, com o intuito de conquistar a
sua autonomia, principalmente escolar. Desse modo, podem garantir outro
direito básico: o de existir em seu próprio cosmo cultural.
Sabendo-se que o ato de educar para os indígenas vai além das
paredes escolares e que acontece de várias formas numa visão de educação
56
mais ampla e significativa é que cada povo constrói mediante aos seus valores
os seus significados educativos. É com esse viés de conhecimentos
tradicionais8 que se espera a consolidação de uma educação específica e
diferenciada para os povos indígenas, de modo que possam existir índios
também como Orientadores Educacionais, assim atendendo todas as
perspectivas escolares de cada grupo.
É fato a necessidade da Orientação nas escolas, porque ela é que vai
permitir avançar, junto com os professores, comunidade e alunos, a elaboração
de conteúdos que possibilite ir além dos conhecimentos programados no
currículo da escola, atingindo um currículo que esteja comprometido com a
construção de uma escola que ofereça um processo de ensino-aprendizagem
associado à cultura e ao mundo local e, ainda, na formação da cidadania dos
seus alunos. Assim, os conhecimentos construídos num processo de
valorização cultural podem favorecer seus receptores a apresentarem um olhar
mais reflexivo em prol de ações mais significativas aos povos que pertencem.
A Orientação Educacional pode, portanto, apresentar papel significativo
para as sociedades indígenas, mas desde que possibilite aos sujeitos
envolvidos a compreensão do mundo em que estão inseridos e, sobretudo, o
seu cotidiano, valorizando suas histórias e proporcionando transformações
para a perpetuação de seu povo. Deve a Orientação Educacional no meio
escolar indígena também contribuir com a Escola na interação de suas
múltiplas relações e na elaboração de seu projeto político pedagógico, criando,
assim, estratégias para uma escola de qualidade para esses povos.
Em suma, o Orientador Educacional, passa a ser um profissional de
grande relevância para o resultado final do ensino que é a aprendizagem e
conseqüentemente deve estar comprometido com a formação do cidadão
consciente do mundo em que vive. Disso, portanto, resulta, a sua importância
nas escolas e os seus conhecimentos sobre o cotidiano dos grupos indígenas
em que estão inseridos.
8 Tradicionais no sentido de manter a tradição cultural desses povos.
57
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58
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59
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO ............................................................................................1
AGRADECIMENTOS ..........................................................................................2
DEDICATÓRIA ...................................................................................................3
RESUMO ............................................................................................................4
METODLOGIA ....................................................................................................5
SUMÁRIO ...........................................................................................................6
INTRODUÇÃO ....................................................................................................7
CAPÍTULO I
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UMA VERTENTE PARA A
RESISTÊNCIA ÉTNICA E CULTURAL DOS POVOS INDÍGENAS .................10
1.1 – Considerações sobre a educação escolar indígena ................................10
1.2 – A legislação e a educação escolar indígena ............................................15
CAPÍTULO II
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ...24
2.1 – Perfil histórico da Orientação Educacional e suas perspectivas .............24
2.2 – Orientação Educacional para as escolas indígenas ................................30
CAPÍTULO III
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E O COTIDIANO ESCOLAR INDÍGENA ...36
3.1 – Tembé e Guarani: quem são e onde vivem .............................................36
3.1.1 – Tembé ........................................................................................36
3.1.2 – Povo Guarani Mbyá ...................................................................40
3.2 – Orientação Educacional e realidade cultural indígena .............................45
60
CONCLUSÃO ...................................................................................................52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................55
ÍNDICE ..............................................................................................................57