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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUAS APLICAÇÕES NOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS Por: Marcelo Landi Orientador Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUAS APLICAÇÕES NOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS

Por: Marcelo Landi

Orientador

Prof. William Rocha

Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUAS APLICAÇÕES NOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito do

Consumidor e Responsabilidade Civil.

Por: Marcelo Landi.

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AGRADECIMENTOS

Aos Professores, ao meu orientador, aos colegas de classe, à minha esposa Maria do Socorro e aos meus filhos Leonardo e Rafael, pelo apoio cotidiano e alegria infindável. E a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a elaboração deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

À minha Mãe: Magdalena Nader Landi, que sempre me incentiva a manter a fé e convicção em tudo que faço. Ao meu Pai: José Landi (in memoriam), verdadeiramente o maior ídolo que tive.

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RESUMO

A presente monografia tem como finalidade estudar o Código de Defesa

do Consumidor e suas aplicações nos negócios imobiliários, em que a

crescente e necessária expansão do mercado imobiliário no país, a grande

demanda por moradia, as dificuldades econômicas da população, a

complexidade das transações imobiliárias, muitas instrumentalizadas em

contratos por adesão, o desequilíbrio entre os contratantes, a vulnerabilidade e

a hipossuficiência do consumidor, fazem com que, conscientes da dimensão

social da matéria, sejam buscadas formas que coíbam abusos e explorações.

Eis, pois, onde atua o Código de Defesa do Consumidor, que deve ser aplicado

mesmo quando não caracterizadas, estritamente, relações de consumo, a fim

de prevenir-se ou reparar-se grave lesão aos direitos daqueles que, ostentando

a características da vulnerabilidade, ingressam em uma determinada relação

jurídica. Neste sentido, a regra do artigo 29, da legislação consumerista, que

amplia o campo de incidência originário do sistema protetivo do consumidor,

estendendo-se aos contratos que não geram relação de consumo, mesmo

porque, em relação aos contratos imobiliários que as geram, a incidência da Lei

n. 8.078/90 é inequívoca, por aplicação direta da regra do artigo 2º, caput, que

impõe a proteção do consumidor padrão ou standard.

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METODOLOGIA

O método empregado no desenvolvimento do presente trabalho foi

realizado através de pesquisas bibliográficas efetuadas em livros doutrinários

de autores conceituados no ramo do direito do consumidor e do direito

imobiliário, documentários inerentes ao tema publicados em revistas de direito,

jurisprudências e artigos extraídos da Internet, além de publicações oficiais da

legislação.

Nesse diapasão, a pesquisa que resultou nesta monografia buscou a

desenvolver a capacidade de gerar conhecimentos específicos dentro da área

de atuação jurídica, permitindo a aplicação eficaz e efetiva do Direito do

Consumidor nos negócios imobiliários durante a prática profissional, diante da

complexidade da matéria e da crescente e necessária expansão do mercado

imobiliário no país.

Adicionalmente, o estudo visualizou buscar, também, as novas

soluções elaboradas pela doutrina especializada, com as grandes questões

polêmicas e com as mais recentes jurisprudências dos tribunais acerca das

questões ligadas aos negócios imobiliários em que deve se aplicar o Código de

Defesa do Consumidor.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I – Precedentes históricos das relações de consumo 11

CAPÍTULO II – A Incorporação Imobiliária e o código de defesa

do consumidor 24

CAPÍTULO III – Da responsabilidade do construtor/Incorporador

no código de defesa do consumidor 42

CONCLUSÃO 50

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

ÍNDICE 54

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é um estudo sobre a aplicação do Código de Defesa

do Consumidor nos negócios imobiliários. Nesse contexto, o trabalho dedica-

se a analisar os contratos imobiliários relativos à construção e comercialização

de prédios habitacionais, quando ajustados entre profissionais do ramo e

pessoas físicas que perseguem a satisfação de sua necessidade de moradia, o

que retrata genuína operação de consumo, portanto, aplicando-se a proteção

especial do Código de Defesa do Consumidor. Adicionalmente, o presente

estudo apresenta noções gerais do Direito do Consumidor; casos particulares

de contratos imobiliários que não estão imunes à tutela do Código de Defesa

do Consumidor, no que diz respeito à repressão às cláusulas abusivas e ao

direito à revisão do ajuste por alterações objetivas graves na base do contrato,

ocorridas após sua pactuação, em que não há, porém, lugar para o devedor

desvencilhar-se do vínculo contratual por dificuldades pessoais de cumprir as

obrigações contraídas; O estudo é dirigido ao aprofundamento e

desenvolvimento profissional na busca de abordar se a responsabilidade

prevista na relação de consumo em caso de cláusulas no contrato imobiliário

sempre que a lesão se instalar na pactuação das prestações e

contraprestações e sempre que o fornecedor das obras ou serviços próprios do

contrato imobiliário agir de modo a impor cláusulas abusivas ou práticas

contrárias à boa-fé objetiva ou aos deveres anexos, evidentemente se exporá à

responsabilidade prevista na legislação de consumo.

O estudo do tema e das questões analisadas em torno do mesmo

justifica-se pelo fato de que os contratos imobiliários estão sujeitos à aplicação

do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que, como todo contrato, o

imobiliário se sujeita àqueles princípios que governam o direito contratual,

tradicionalmente, e de cuja presença não se pode prescindir, no tratamento de

qualquer contrato, porque se trata de dados que integram a natureza da coisa.

São eles basicamente: a) o princípio da liberdade de contratar; b) o princípio da

igualdade; c) o princípio da boa-fé; d) o princípio da segurança jurídica.

Com a edição da referenciada lei consumerista, diversas questões foram

elucidadas, tais como: A importância do Código de Defesa do Consumidor;

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delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor; Vulnerabilidade,

hipossuficiência e boa-fé objetiva; Transparência, confiança e equidade; Os

direitos básicos do consumidor; Responsabilidade pelo fato do produto ou

serviço; Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço; Da proteção à

revisão contratual; Cumprimento da oferta e regramento da publicidade;

Contratos por adesão; Cláusulas abusivas e proteção do consumidor; O CDC e

os contratos imobiliários: compra e venda e compromissos de compra e venda;

O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada; O CDC e os

contratos imobiliários: Corretagem e incorporação imobiliária;

A pesquisa que precedeu esta monografia teve como ponto de partida a

vigente ordem constitucional que reconhece o consumidor como parte

naturalmente frágil nas relações de massa com os fornecedores de bem e

serviços e, por isso, preconiza como necessária a instituição de legislação

especial de natureza tutelar (CF., art. 5º, XXXII, e 170, V, e art. 48 do ADCT).

Foi assim que se editou o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de

11.09.90), que, sabidamente, se preocupou com o aspecto ético nas relações

negociais de massa, onde a parte prejudicada é, quase sempre, a mais fraca e

vulnerável, qual seja o consumidor. Daí apresentar-se aludido Código como um

instrumento definidor e garantidor dos “direitos básicos” dos consumidores em

seu relacionamento jurídico com os fornecedores.

Nesse disciplinamento tutelar, merecem destaque as regras destinadas

a interferir no domínio do contrato, para reprimir cláusulas e práticas abusivas,

por parte dos fornecedores (art. 6º, IV); coibir a lesão nos pactos que

estabelecem prestações desproporcionais entre os contratantes (art. 6º, V); e

proporcionar ao consumidor a revisão do contato nos moldes da teoria da

imprevisão, quando em sua vigência ocorrerem fatos capazes de afetar a

comutatividade das prestações, tornando-as excessivamente onerosas para o

consumidor (art. 6º, V, in fine).

Por essa razão, o legislador estatui, no corpo do Código de Proteção ao

Consumidor (art. 4º), uma Política Nacional a ser aplicada às relações de

consumo, adotando princípios específicos a serem seguidos e que convivem

de modo harmônico, com os demais princípios gerais e específicos reguladores

dos contratos firmados em tal espécie de negócio jurídico.

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Desta forma, o verdadeiro problema, todavia, não está propriamente na

aplicação do CDC nos contrato imobiliários, tais como, de incorporação e

construção de imóvel em regime de condomínio horizontal, mas, sim, nos

limites em que tal aplicação haverá de ser efetuada.

Assim, então, a distinção entre relações imobiliárias comuns e de

consumo. Nestas últimas, constata-se a presença, de um dos lados da relação

jurídica, daquele conceituado pelo artigo 3º do Código de Defesa do

Consumidor como “fornecedor”, no caso, de produtos ou serviços imobiliários

(construtores, incorporadores, administradores de imóveis, operadores de

crédito imobiliário...), fato que, per si, impõe a aplicação da Lei consumerista

com fulcro em standards comportamentais típicos do mercado de consumo.

Por fim, o mercado de consumo imobiliário está em plena atividade e

o conhecimento dos aspectos práticos e legais da aplicação do CDC neste

campo é de fundamental importância, eis que, o enfoque deste abrangente

tema proporcionará aos profissionais que atuam na área as mais importantes

questões que envolvem a matéria, bem como sobre o planejamento e

adequações dos negócios jurídicos imobiliários do ponto de vista do CDC.

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CAPÍTULO I

PRECEDENTES HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES DE

CONSUMO

1.1 – Evoluções históricas das relações de consumo

Todos nós somos consumidores. Partindo-se dessa premissa, denota-se

a relevância do tema que ora é tratado. A cada instante, milhares, milhões de

contratos de consumo são firmados em todo o mundo. Daí advém à

necessidade de se conferir uma tutela específica aos cidadãos que firmam tais

contratos com o mercado, cada vez mais especializada.

O século XX foi palco de inúmeras inovações tecnológicas e também de

uma explosão do consumo. Não só surgiram diversos produtos, como o acesso

a esses bens ficou mais fácil para todos. Hoje, grande parte das pessoas, para

demonstrarem poder, prestígio e status, almeja adquirir cada vez mais bens e

serviços. Além disso, a sociedade está ainda mais exposta às ofertas de

produtos, às diversas espécies de contratos, variadas formas de pagamento,

dentre outras novidades propiciadas pelos fornecedores.

A proteção aos consumidores, na amplitude que observamos

hodiernamente, é recente. Porém, desde os primórdios da civilização, a

sociedade sentiu os deveres em regular aquelas relações estabelecidos entre

um fornecedor de serviços ou bens e os demais indivíduos sujeitos à

contratação desses produtos.

Ao corroborar tal assertiva, José Geraldo Brito Filomeno (2001) destaca

que o Código de Hammurabi já continha regras que indicavam a preocupação

em se amparar o consumidor (Leizer Lerner apud Jorge T. M. Rollemberg apud

José Geraldo Brito Filomeno, 2001).

Neste sentido, o mesmo autor refere-se à obrigatoriedade que o

arquiteto tinha em garantir a qualidade da construção de uma casa. Além disso,

o empreiteiro de uma obra que viesse a desmoronar, ocasionando a morte do

empreitador, seria punido com a morte. Porém, se o referido acidente

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provocasse o óbito de algum membro da família desse empreitador, a pena

aplicada ao empreiteiro da obra seria a morte de seu parente respectivo.

O Código de Manu, compilação de regras observadas na Índia, por volta

do século XIII a.C., previa punições aos indivíduos que adulterassem gêneros

ou entregassem produtos de espécie inferior àquela contratada. Também na

Grécia Antiga, havia leis atinentes à proteção do consumidor, que

determinavam a fiscalização dos comerciantes e das mercadorias. Já havia

também noções daquilo que passaria a ser denominado vícios redibitórios,

posto que aquele que vendesse bens duráveis responsabilizava-se pela

qualidade desses produtos, devendo sanar os defeitos ocultos que porventura

viessem a surgir.

Já existia, também, certa atenção no tocante à oferta de produtos, o que

pode ser considerado a gênese daquilo que passou a ser denominado de

publicidade enganosa. Neste sentido, Sidou (1977), cita que no século I a.C., o

vendedor responsabilizava-se pelo produto que anunciava, visto que havia

garantia sobre vícios ocultos na compra dessa mercadoria, caso se

constatasse a inexistência das qualidades apregoadas (Cícero apud Sidou,

1977).

Na Idade Média, igualmente demonstrou-se preocupação com a

qualidade dos produtos ofertados no mercado, visto que em determinadas

regiões infligia-se penas àqueles que adulterassem alimentos.

O Brasil-Colônia já dispunha de normas precursoras da defesa do

consumidor. Dentre essas, havia a previsão de multa aos comerciantes que

vendessem determinadas mercadorias (como pastel, peixe, banana e vinho)

acima do preço fixado em tabela.

Não obstante esses precedentes remotos que sinalizavam a futura e

ampla proteção conferida aos consumidores, verifica-se que no âmbito dos

contratos é possível afirmar que houve uma maior resistência em se atender

aos interesses consumeristas. Isto porque o conceito de contrato, concebido e

aperfeiçoado com as Revoluções Francesa e Industrial, atendia aos preceitos

do liberalismo, doutrina econômica que pregava a plena liberdade do indivíduo

para conduzir sua vida e seus negócios sem a mínima interferência estatal.

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Com isso, o contrato, instrumento apto a viabilizar a circulação de

riquezas, era tido como a exteriorização da livre manifestação de vontade dos

contratantes, obrigando-os ao seu irrestrito cumprimento. Em razão disso,

justificava-se a máxima do pacta sunt servanda (os contratos existem para ser

cumpridos), segundo a qual o contrato faria lei entre as partes.

Os contratantes eram considerados iguais e dotados de liberdade para

decidir o que lhes cabia ou não estipular. Vinculando-se ao contrato, não mais

poderiam dele se eximir. Considerava-se que as leis serviriam tão-somente

como regras supletivas para os aspectos não previstos na deliberação entre as

partes. Portanto, caberia às partes, e somente a elas, avaliar a conveniência de

firmar ou não o contrato, sem que o Estado pudesse intervir em tal acordo.

Conforme cita Humberto Theodoro Júnior (2002, p. 7), no sistema capitalista:

Não se concebe, portanto, que o negócio livremente ajustado pela vontade autônoma e soberana de ambos os contratantes seja revogado ou modificado por deliberação de apenas um deles, nem tampouco se admite que o judiciário proceda a revisões e alterações do contrato. Partindo da igualdade e liberdade dos contratantes, não se cogita de injustiça nas cláusulas avençadas. Apenas a ordem pública e os bons costumes representam limites à autonomia da vontade, pois, na ótica do liberalismo, “não é função do Estado intervir no contrato”.

Segundo a concepção clássica, surgida em meados do século XIX, o

elemento principal do contrato é a vontade dos contratantes. Concebeu-se a

idéia, portanto, de que a tutela jurídica tinha como função exclusiva preservar a

autonomia da vontade das partes.1 Para um negócio jurídico possuir validade à

essa época, bastava que não contivesse defeitos ou vícios de consentimento.

Entretanto, o Estado Liberal paulatinamente deu lugar ao Estado Social

e, com isso, o Estado passou a ser responsável não só em declarar os direitos

fundamentais dos cidadãos, como também a propiciar-lhes direitos sociais e

econômicos. Conseqüentemente, a intervenção estatal no âmbito privado

1 Cláudia Lima Marques (2002, p. 42) observa que, neste sentido, “(...) a função da ciência do direito será a de proteger a vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas partes contratantes. A tutela jurídica limita-se, nesta época, portanto, a possibilitar a estruturação pelos indivíduos de relações jurídicas próprias através dos contratos, desinteressando-se totalmente pela situação econômica e social

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passou a ser essencial, a fim de obrigar a observância de preceitos

fundamentais. Em razão disso, o Estado criou limites às vontades dos

contratantes, pois se constatou que a liberdade e a igualdade entre as partes

nesse negócio jurídico, muitas vezes, não passava de mera ficção.

Essa limitação à autonomia da vontade, com a conseqüente proibição

das estipulações iníquas, não extinguiu a igualdade entre os contratantes. Pelo

contrário. Com essa intervenção perpetrada pelo Estado Social, alcançou-se a

verdadeira paridade entre as partes. Passou-se a valorizar não apenas a

segurança do negócio jurídico firmado, mas também a justiça. Assim, não cabe

mais tão-somente às partes aferirem o que é ou não justo numa contratação; o

próprio Estado passou a declarar o que é injusto, abusivo e, portanto, vedado

nas relações negociais.

Exsurge daí o fenômeno do dirigismo contratual, isto é, a interferência do

Estado no campo do direito privado, especificamente nos contratos. Isso

ocorreu em razão das necessidades da própria sociedade, visto que a partir do

século XX, com as modificações econômicas, tecnológicas e sociais, o conceito

tradicional de contrato não mais correspondia aos anseios da população, isto

porque surgiu a massificação das relações contratuais, com o nascimento, por

exemplo, dos contratos de adesão e o aparecimento de grandes

conglomerados industriais.

A sociedade passou a reivindicar maior preocupação com os interesses

coletivos, em detrimento aos interesses individuais. Surgiram, com isso,

doutrinas jurídicas voltadas a estes problemas sociais. Cláudia Lima Marques

(2002, p. 152) denomina tal fato de publicização ou socialização do Direito

Civil. Porém, tal fenômeno só encontrou guarida nas legislações a partir da

Segunda Guerra Mundial.

Com o surgimento dessa “sociedade de consumo”, caracterizada pela

expansão da economia, grande oferta e publicidade de produtos e serviços e,

muitas vezes, a impessoalidade nas transações, os consumidores,

individualmente, viram-se desprotegidos; sujeitos a contratos de massa,

cláusulas gerais, e, até mesmo, a imposição da fruição de determinados bens e

dos contraentes e pressupondo a existência de uma igualdade e liberdade no momento de contrair a obrigação.”

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serviços. Destacou-se, destarte, a distância abissal entre consumidores e

fornecedores.

Emergiu, portanto, o “movimento consumerista”, ciente de seus

interesses e direitos, no final do século XIX, especialmente nos Estados

Unidos, onde o avanço do capitalismo era pujante.2 Foi criada em 1891,

naquele país, a “New York Consumer’s League”, tendo evoluído para a

“Consumer’s Union”, entidade destinada a conscientizar os consumidores e

promover ações judiciais; sendo que, inclusive, edita uma revista (Consumer’s

Report) a fim de alcançar seus objetivos. Ainda nos Estados Unidos foi criada,

em 1927, a FDA (Food and Drug Administration), mundialmente respeitada

pela fiscalização de remédios, alimentos e cosméticos. O movimento

consumerista espalhou-se pelo mundo.

No Brasil, em 1976, foi criado pelo governo do Estado de São Paulo,

através do Decreto nº 7.890, o primeiro órgão público de proteção aos

consumidores, denominado Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, mais

conhecido como PROCON (atualmente, Fundação de Proteção e Defesa do

Consumidor). Começava aí a luta pelos direitos dos consumidores em nosso

país.

Em 1983, estabeleceu-se uma parceria entre o Ministério Público e o

Procon, sendo que o primeiro Promotor de Justiça incumbido especificamente

da defesa dos consumidores foi José Geraldo Brito Filomeno. Com a atuação

conjunta com o Ministério Público, através das reclamações relatadas, passou-

se a investigar indícios de crimes contra a economia popular, saúde pública,

fraudes, estelionatos etc.

Nos anos seguintes surgiram organizações civis destinadas à proteção e

esclarecimento dos consumidores. Dentre tais entidades, destaca-se o Instituto

Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), associação de consumidores,

fundada em 1987. Trata-se de uma organização não-governamental, sem

quaisquer vínculos com empresas ou governos, cujo objetivo é conscientizar o

consumidor de seus direitos, lutar pela ética nas relações de consumo,

2 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 5.ed. São Paulo. Atlas. 2001. p.21.

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reivindicar o aprimoramento da legislação pertinente ao tema e a melhoria na

qualidade de produtos e serviços.

Outro órgão importante é o Instituto Brasileiro de Política e Direito do

Consumidor (Brasilcon), criado em 1992. Tal associação civil tem cunho

multidisciplinar, técnico, científico e pedagógico, e publica a Revista de Direito

do Consumidor e a coletânea Biblioteca de Direito do Consumidor.

Em razão de tais fatos, cada vez mais se denota a necessidade de

legislação específica a tutelar satisfatoriamente os consumidores.

1. 2 – Evolução jurídica da tutela do consumidor

A proteção jurídica do consumidor iniciou-se na Europa a partir da

segunda metade do século XVIII, após a Revolução Industrial.

O liberalismo econômico, com o desenvolvimento do capitalismo, perdeu

espaço para grupos, como as sociedades comerciais e os monopólios, que

passaram a dominar o mercado de consumo.

Com a produção, o consumo e a contratação massificados, o

consumidor ficara em desvantagem diante de um fornecedor fortalecido técnica

e economicamente. Assim, houve a eliminação do poder de escolha da parte

hipossuficiente.

A sociedade de consumo, portanto, justifica a existência do direito

consumerista, destinado a regular as trocas econômicas massificadas,

protegendo a parte vulnerável, qual seja, aquela que adquire produtos ou utiliza

serviços.

Consoante Sérgio Cavalieri Filho3, a proteção do consumidor passou

assim a ser um desafio da nossa era e o Direito não poderia ficar alheio a tal

tarefa. Cavalieri, inclusive, aduz que a finalidade do Direito do Consumidor é

justamente eliminar essa injusta desigualdade entre fornecedor e o

consumidor, restabelecendo o equilíbrio entre as partes nas relações de

consumo.

3 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 8

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A proteção constitucional do consumidor é um fenômeno recente que

somente foi inserida em algumas Constituições a partir da década de 70.

Adolfo Mamoru Nishiyama4 aponta, inclusive, que não há referências a

esse respeito nas Constituições dos Estados Unidos, da França e do Japão. O

autor esclarece, ainda, que a Constituição espanhola de 1978 foi a primeira a

prescrever a matéria, em seu art. 51.

Em contraponto, José Afonso da Silva5 afirma que a Constituição

Portuguesa de 1976 teria sido a primeira a acolher, em seu art. 110, normas de

natureza consumeristas.

No Brasil, a Carta Magna de 1988, de forma explícita em alguns artigos

e implícita em outros, não só inovou o ordenamento jurídico interno ao

consagrar a proteção ao consumidor, como também a tratou com importância

ímpar, uma vez que, se antes as relações de consumo eram regidas por leis

civis e comerciais, a partir dela o legislador constituinte acabou por construir

um novo ramo do direito nas relações de consumo, conforme ensinamento de

Nishiyama.6

De fato, como apregoa Bruno Miragem7, o legislador constituinte não

apenas garantiu os direitos do consumidor como direito e princípio

fundamental, mas também determinou a edição de um sistema normativo que

assegurasse a proteção estabelecida pela Constituição. Destarte, as relações

de consumo passaram a ter autonomia própria, com regulamentação distinta

do direito comum.

O Código de Defesa do Consumidor constitui esse microssistema de

direitos e deveres relativos às relações de consumo e surgiu por expressa

determinação constitucional.

José Afonso da Silva arremeta acerca do supracitado dispositivo

constitucional: “Realça de importância, contudo, sua inserção entre os direitos

fundamentais, com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares

4 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 69. 5 SILVA, Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed.São Paulo: Malheiros, 2006, p. 262. 6 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 3. 7 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

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de direitos constitucionais fundamentais. Conjugue-se a isso com a

consideração do art. 170, V, que eleva a defesa do consumidor à condição de

princípio da ordem econômica. Tudo somado tem-se o relevante efeito de

legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a

proteção prevista. Isso naturalmente abre larga brecha na economia de

mercado, que se esteia, em boa parte, na liberdade de consumo, que é a outra

face da liberdade do tráfico mercantil fundada na pretensa lei da oferta e da

procura”. 8

Na década de 90 surgiram, ainda, outras leis importantes: lei nº

8.137/90, que definiu os crimes contra as relações de consumo; lei nº 9.099/95,

que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; lei nº 9.656/98,

disciplinadora dos planos e seguros privados de assistência à saúde; lei nº

9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária; lei nº 9.791/99,

dispondo sobre a obrigatoriedade de as concessionárias de serviços públicos

estabelecerem ao consumidor opções para o vencimento de seus débitos;

dentre outras importantes normas.

1. 3 – A finalidade do direito do consumidor

A massificação da produção, do consumo e da contratação deixou o

consumo e da contratação deixou o consumo em desvantagem, pois, à medida

que o fornecedor se fortaleceu técnica e economicamente, o consumidor teve o

seu poder de escolha enfraquecido, praticamente eliminado. Não mais tendo

acesso direto ao fabricante, o consumidor ficou sub,isso aos contratos de

adesão, cujas cláusulas e condições, conforme já destacado, eram

preestabelecidas ao gosto do fornecedor, de sorte a não lhe deixar outra

alternativa que não aquela de aceitar as condições preestabelecidas, sob pena

de não ter acesso aos produtos e serviços de que necessitava.

Instalou-se então um acentuado desequilíbrio ou desigualdade de forças

entre produtores e distribuidores, por um lado, e consumidores, por outro lado.

8 SILVA, op. cit., p. 262-263.

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O consumidor tornou-se vulnerável em face do fornecedor, vulnerabilidade

tríplice: técnica, fática e jurídica.9

A proteção do consumidor passou assim a ser um desafio da nossa era

e o Direito não podia ficar alheio Atal tarefa. A finalidade do Direito do

Consumidor é justamente eliminar essa injusta desigualdade entre fornecedor e

o consumidor, restabelecendo o equilíbrio entre as partes nas relações de

consumo.10

A vulnerabilidade, portanto, é o requisito essencial para a formação de

um conceito de consumidor; está na origem da elaboração de um Direito do

Consumidor; é a espinha dorsal que sustenta toda a sua filosofia.

Reconhecendo a desigualdade existente, busca estabelecer uma igualdade

real entre as partes nas relações de consumo. As normas desse novo direito

estão sistematizadas a partir dessa idéia básica de proteção de uma lei

protetiva em face de uma relação de desiguais. Entre partes iguais não se pode

tratar privilegiadamente uma delas sob pena de violação do princípio da

igualdade.11

Resta salientar, ainda, que o CDC é norma de ordem pública (como

expressa o próprio art. 1º da Lei nº 8.078/90) e de interesse social. Isso

significa, por exemplo, que seus dispositivos poderão ser aplicados ex officio

pelo magistrado, no caso em concreto, ainda que as partes não requeiram isso.

Além disso, o Código consubstancia-se numa norma especial e principiológica

e, como tal, deve prevalecer quando colidir com outras normas gerais e

especiais anteriores. Defende-se em parte da doutrina e da jurisprudência,

inclusive, a aplicação imediata do CDC até mesmo aos contratos anteriores à

sua vigência, ou seja, entendem alguns que se deve privilegiar a aplicação

imediata da nova lei aos efeitos atuais do contrato anterior,12 isso porque,

9 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2011, p.7. 10 Ibidem, p. 8. 11 Ibidem, p. 8. 12 A demonstrar tal entendimento, faz-se pertinente citar a jurisprudência: “Conforme decidido pela 3ª Câmara do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, na Apelação Cível nº 31.902/94-DF, julgamento de 16-5- 94, tendo por relatora a Desembargadora Nancy Andrighi, por maioria de votos, in rdc 10/260-262: ‘DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. Contrato celebrado antes da vigência do CDC. Suas normas. Aplicação. Apelação desprovida. Aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de execução

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evidentemente, o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública

com função social. Demonstram-se mais uma vez, portanto, a relevância do

CDC na ordem jurídica brasileira.

Por fim, faz-se necessário acrescentar, a título de mais uma definição de

relação de consumo, a seguinte assertiva da doutrina:

As relações de consumo compreendem aquelas referenciadas a atividades de produção, transformação, montagem, criação, construção, importação, exportação, distribuição ou comercialização de bens e prestação de serviços, inclusive de natureza bancária, financeira, creditícia e securitária, excetuadas as de cunho trabalhista, e desenvolvidas por entidades privadas ou públicas. (BITTAR, 1990, p. 28)

1. 4 – O código do consumidor e o código Civil

Após a vigência do Código Civil de 2002, tornou-se imperioso tratar,

ainda que sucintamente, das relações entre esse diploma legal e o Código do

Consumidor. E a primeira questão se apresenta diz respeito ao eventual

conflito entre esses dois diplomas.

São inúmeras as salva-guardas trazidas pelo Código em defesa ao

Consumidor brasileiro. Em uma breve análise podemos observar que o

legislador, em sintonia com a realidade atual, protege o hipossuficiente das

possíveis mazelas de uma relação desigual. Seja esta desigualdade reinante

pela óbvia disparidade entre consumidor-fornecedor ou por razões de ordem

social que por vezes passaram despercebidas em outros Diplomas.

Notem que em várias disposições da L. 8078/90, chegamos a medir uma

forte sensibilidade do redator no que tange a questões como: a fraqueza, a

ignorância, a idade avançada, a saúde afetada, o pouco conhecimento ou a

condição social do indivíduo na hora da escolha do produto ou serviço. Ora,

não podemos negar que nesta sociedade de consumo em que vivemos, muitos

são os excluídos, porém todos, de alguma forma, consumidores. Poderíamos

diferida, não obstante ter sido pactuado antes da vigência deste diploma legal. Art. 1º Improcede o pedido de perda das parcelas pagas, porque nula é a cláusula contratual que a estabelece, em face da sua manifesta abusividade.’” (FILOMENO, 2001, p. 30).

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enveredar por caminhos tortuosos que desaguariam na psicologia ou na

questão da ética publicitária. Deixemos como está. Fato é que o tecido social,

indubitavelmente se vê costurado por grifes e marcas, avanços tecnológicos e

científicos. Partindo desta premissa e assumindo com coragem que o Código

de defesa do Consumidor protege de forma inegável o hipossuficiente, vamos

definir o papel do CDC frente ao pujante comércio eletrônico.

Destarte, faz-se necessário atentar para o fato de que o CDC é cercado

por disposições mais setoriais do que o Código Civil, porém bastante honestas

em seu espírito. Quantos de nós, atentos às aulas na Universidade não

ouvimos a expressão “homem médio” ou “homem comum” pra definir aquele

que, teria a percepção necessária para entender este ou aquele fato. Mas o

que define o homem de senso médio? Este é um dos motivos de minha

admiração pelo referido Código. Por vezes, o diploma esquece este homem

abstrato e protege a boa-fé, a intenção, a proposta e a aceitação. Sabemos

que, o homem de senso médio – teoricamente imune aos perigos - é enganado

diariamente, pois os meios de persuasão das empresas crescem em escala

geométrica e a percepção deste parece estagnada. O CDC surge da lacuna

deixada por um Código Civil distante da realidade social contemporânea.

Obviamente aqui se fala do Código Civil de 16, que se tornou antiquado para

regular as relações consumeristas das décadas recentes. Neste ponto vale

ressaltar que o Código Civil de 2002 apresenta princípios modernos em relação

ao instituto dos contratos, dando relevo a tão propagada função social do

contrato.

Podemos observar que hoje com a divulgação maciça dos direitos do

consumidor regulado pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei

8.078/1990) e o eficaz trabalho do PROCON e Juizados Especiais de Relação

de Consumo, o cidadão adquiriu mais segurança ao firmar contrato de compra

e venda, ou até mesmo contrato de prestação de serviços com as pessoas

jurídicas de direito privado, tendo certeza que, ao sinal de qualquer

vulnerabilidade, o abuso será coibido com a eficaz e rápida aplicação da lei

reguladora em vigor.

Temos no nosso ordenamento jurídico o Código Civil, Lei nº 10.406 de

10 de Janeiro de 2002, reeditado e readaptado do antigo Código Civil de 1916.

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Este código faz a regulação geral das relações entre pessoas físicas, e em seu

artigo 441 a 446 do CC/02 com seus incisos e parágrafos, faz menção ao

VÍCIO REDIBITÓRIO, que configura como oculto defeito outrora desconhecido

pelas partes contratantes, vendedor e comprador, evidenciado em momento

posterior a venda, defeito que ocasiona prejuízo, depreciando o bem adquirido

de boa fé.

No Código Civil as expressões "vício" e "defeito" são equivalentes,

enquanto que no sistema do CDC "defeito" é vício mais dano à saúde ou

segurança, estando associado, portanto aos fatos do produto ou serviço e

"vício" está associado à deficiência de qualidade ou quantidade do produto ou

serviço.

Por sua vez, o Código Civil vigora a responsabilidade subjetiva pura,

baseada na culpa do fornecedor, no CDC a responsabilidade pelos vícios é

subjetiva com presunção de culpa do fornecedor, além da inversão do ônus da

prova em favor do consumidor.

Todavia, o Código Civil não prevê a solidariedade entre os fornecedores

componentes da cadeia de produção e comercialização, assim, o consumidor só pode

acionar o fornecedor direito, com quem contratou diretamente. Já no CDC o

consumidor poderá acionar quaisquer dos componentes da cadeia de produção e

comercialização, seja o comerciante, o fabricante, o distribuidor, ou todos eles

conjuntamente.

Pelo Código Civil, a responsabilização pelos vícios da coisa, só é

permitida se esta tiver sido recebida em virtude de relação contratual (contratos

comutativos ou doação com encargo). No CDC, por sua vez, não há

necessidade de haver relação contratual entre o consumidor e o sujeito passivo

demandado pelo vício do produto ou serviço, afinal como já falamos, há

solidariedade entre os componentes da cadeia de fornecedores.

No CDC, como vigora a vulnerabilidade do consumidor, e com o objetivo

de estabelecer-se o equilíbrio contratual, considera-se irrelevante que o

consumidor tenha ou não conhecimento do vício e tenha ele surgido antes ou

depois da tradição do produto, desde que dentro dos prazos decadenciais. Já

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no Código Civil não prevê responsabilização pelos vícios aparentes ou de fácil

constatação, abrangendo, apenas, os ocultos. Além disso, tais devem ser

preexistentes ou contemporâneos à entrega da coisa.

Outra diferença a ser destacada, é que o CDC contempla ao consumidor

as possibilidades de exigir a reexecução do serviço, a restituição da quantia

paga ou o abatimento do serviço caso encontre-se responsabilidade do

fornecedor de serviços pelos vícios de adequação (quantidade e qualidade);

em relação ao Código Civil, esse não prevê proteção aos vícios ocorridos na

prestação de serviços, mas tão somente do produto.

No Código Civil caso comprovada a boa-fé (ignorância) do alienante

será obrigado a restituir apenas a coisa viciada, ou seja, a culpa não enseja a

responsabilização pelos danos materiais (lucro cessante + dano emergente) ou

pessoais (morais), de maneira que somente quando comprovada a má-fé

aquele será responsabilizado por perdas e danos. Já no CDC havendo relação

de consumo, pouco importa a comprovação ou não de má-fé do fornecedor,

para obter-se a reparação integral (danos materiais + danos pessoais.

Por fim, analisando o Código Civil em relação a possibilidade de

reparação, esse Código só prevê duas possibilidades de reparação: a ação

redibitória (o contrato é levado a termo e o comprador é restituído

integralmente pelo pagamento) ou a ação estimatória (o comprador obtém a

redução do valor pago). No CDC as possibilidades estão ampliadas,

estabelecendo dentre as hipóteses a substituição do produto, a restituição da

quantia paga ou abatimento do preço, assim como, a possibilidade da troca do

produto por outro de espécie, marca ou modelo diverso, mediante

complementação ou restituição de eventual diferença de preço.

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CAPÍTULO II

A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA E O CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2.1 – O código de defesa do consumidor e a regulamentação

dos contratos pelo direito privado tradicional

A vigente ordem constitucional reconhece o consumidor como parte

naturalmente frágil nas relações de massa com os fornecedores de bem e

serviços e, por isso, preconiza como necessária a instituição de legislação

especial de natureza tutelar (CF, arts. 5º, XXXII, e 170, V; e art. 48 do ADCT).

Foi assim que se editou o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº

8.078, de 11.09.1990), que, sabidamente, se preocupou com o aspecto ético

nas relações negociais de massa, onde a parte prejudicada é, quase sempre, a

mais fraca e vulnerável, qual seja o consumidor. Daí apresentar-se aludido

Código como um instrumento definidor e garantidor dos “direitos básicos” dos

consumidores em seu relacionamento jurídico com os fornecedores.

Nesse disciplinamento tutelar, merecem destaque as regras destinadas

a interferir no domínio do contrato, para reprimir cláusulas e práticas abusivas,

por parte dos fornecedores (art.6º, IV); coibir a lesão nos pactos que

estabelecem prestações desproporcionais entre os contratantes (art.6º, V); e

proporcionar ao consumidor a revisão do contato nos moldes da teoria da

imprevisão, quando em sua vigência ocorrerem fatos capazes de afetar a

comutatividade das prestações, tornado-as excessivamente onerosas para o

consumidor ( art. 6º, V, in fine).

Em todas essas hipóteses, e em outras como as de estabelecimento de

normas definidoras de responsabilidade civil do fornecedor por defeitos dos

produtos e serviços (arts. 12 a 14) e pela propaganda enganosa (arts 36 a 38),

o objetivo do legislador não foi o de fragilizar ou inutilizar o instituto do contrato,

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fazendo-o rompível ou alterável unilateralmente pelo consumidor, a seu arbítrio

e conveniência. Nem tampouco se conferir ao juiz um superpoder de atuar

acima da vontade negocial dos contratantes e sem respeitar as normas

traçadas tradicionalmente pelo direito positivo para disciplinar os negócios

privados e, especialmente, o instituto do contrato.

Em nome do princípio da boa-fé, o que o legislador tutelou visou foi,

antes de tudo, aperfeiçoar o negocio jurídico, revendo suas bases para torná-lo

equitativo. E, para tanto, autorizou, em determinadas circunstancias, o

reequacionamento das prestações e a eliminação de cláusulas consideráveis

abusivas.

Na verdade, o Código do Consumidor não veio para regular todo o

conteúdo dos contratos travados nas operações de massa entre fornecedores

e consumidores. Cuidou tão-somente de proteger a parte vulnerável em tais

relações e, por isso, limitou-se a instituir regras protetivas a serem aplicadas

nas hipóteses em que se atestar a presença da inferioridade negocial do

consumidor e se detectar sua sujeição a um efetivo prejuízo.

Como adverte Carlos Eduardo Manfredini Hapner, o CDC não criou

“todo sistema jurídico obrigacional e contratual próprio”. Apenas ditou

“exceções ao direito privado codificado, refletidas em regras de proteção

contratual ao consumidor e que determinam, nos exatos limites da exceção

legal, a prevalência da regra especial sobre a regra geral. Ou seja, naquilo em

que expressamente não tenha havido especialização, mesmo em matéria de

proteção ao consumidor, aplicam-se as normas gerais do direito”.13

Certo que, na sociedade de consumo atual, o jurista não pode teimar em

tratar o contrato com a ótica liberal do século XIX, onde o fetiche da autonomia

da vontade era o peso máximo da teoria dominante acerca do negocio jurídico

13 CRETELLA JR., René Ariel Dotti. Et al., Comentarios ao Código do Consumidor, Rio de Janeiro, Forense, 1992,p.151.

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e na proteção dela se encerrava toda a missão do direito privado, em face dos

contratantes.

A sociedade industrial, depois dos excessos do liberalismo econômico

do século XIX e das grandes lutas sociais do século XX, entra no século XXI

como uma sociedade que lhe escolheu institucionalmente uma concepção das

relações econômicas que ultrapassa o princípio da igualdade formal outrora

consagrada apenas por solenes declarações de direitos para assumir a postura

de lutar concretamente contra as desigualdades existente entre os seus

participantes. O Estado Democrático atual assume o compromisso de defesa

efetiva do economicamente mais fraco, donde a proteção especial que defere

ao consumidor, porque a realidade é que, sem essa tutela específica, as

normas jurídicas comuns não seriam suficientes para impedir muitas

injustiças.14

Nessa Nova postura, todavia, o legislador está longe de ter criado um

“direito alternativo”, ou de ter rompido com o sistema tradicional do direito dos

contratos. A elaboração do direito do consumidor foi apenas “uma

especialização útil e necessária, que mantém os princípios e normas do direito

privado e os desenvolve com maior densidade em relação a atividades e

situações especificas”.15

Nem mesmo pode-se pretender que o CDC tenha criado, em nosso

ordenamento jurídico, figuras novas a aplicar nos limites da teoria contratual, a

propósito da boa-fé e lealdade entre os contratantes. Assim é que, por

exemplo, a prevalência da vontade real sobre a declarada já era consagrada

pelo art. 85 do Código Civil de 1916 (CC/2002, art. 112); os princípios da boa-

fé, dos usos e costumes e da exegese favorável ao devedor já eram previstos

pelo antigo Código Comercial (art. 131), e o tratamento especial para os

contratos de adesão já se fazia habitualmente pela jurisprudência, o mesmo se

registrando em relação à teoria da imprevisão.

14 WALD, Arnoldo Obrigações e Contratos, 10ª ed., São Paulo, RT, 1995. P.521 15 Ibidem , ob.cit.,p.529.

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Por essa razão – anota José Augusto Delgado- “o legislador estatui, no

corpo do Código de Proteção ao Consumidor (art.4º), uma Política Nacional à

ser aplicada as relações de consumo, adotando princípios específicos a serem

seguidos e que convivem, de modo harmônico, com os demais princípios

gerais específicos reguladores dos contratos firmados em tal espécie de

negócio jurídico”.16

“O contrato de relação de consumo, como já afirmado, não se desvincula dos valores jurídicos adotados pelo direito privado para os contratos em geral. Apenas adota-os de modo mais flexível e com a produção de efeitos que visem a evitar abusos provocadores por estamentos econômicos mais fortes que se posicionam sempre como fornecedor do bem ou executor do serviço consumidor”.17

As normas codificadas ou não que, v.g., cuidam da doação, da permuta,

da locação, da fiança, do arrendamento mercantil, da franquia, da

representação comercial, do mandato, da empreitada etc., continuam

normalmente em vigor e só terão sido revogadas em algum outro dispositivo,

quando a lei de proteção do consumidor houver, de maneira expressa,

instituído regra especial incompatível com a preexistente no direito positivo.

Não ocorrendo tal revogação, o aplicador do CDC terá que integrá-lo no

sistema geral em vigor e não poderá, sem observar preceito novo da legislação

de consumo, recusar incidência de norma da legislação comum, ao mero

pretexto de ser nociva ao interesse do consumidor.

Repita-se: o Código de defesa do Consumidor não é a única lei a ser

aplicada aos contratos de consumo. Todo o direito privado, pertinentes aos

contratos, continua incidindo sobre os negócios pactuados entre fornecedores

e consumidores. Só regra nova e capaz de revogar outra norma anterior do

direito privado, segundo os princípios do direito intertemporal, faz com que a

solução do litígio se dê à base exclusiva da lei de proteção do consumidor.

16 DELGADO, José Augusto. “Interpretações Reguladores Pelo Código de Proteção ao Consumidor”, in Revista Jurídica, vol.263, p. 57. 17 Ibidem, p.56.

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2. 2 – Os contratos imobiliários e o código de defesa do

consumidor

De fato, não há razão séria para não incluir as operações de aquisição

de bens imóveis no âmbito tutelar da legislação de consumo. Demonstra Sergio

Cavalieri Filho uma série de razões, de inteira procedência, para ter-se a

negociação, na espécie, como uma relação relativa, “ circulação de produtos e

serviços entre fornecedor e consumidor”, nos exatos moldes daquela que o

Código do Consumidor regula ( art.30). Com efeito, quando o construtor edifica

e vende a unidade, assume obrigação de dar coisa certa, o que configura o

produto, de que cogita o CDC. É quando o ajuste é relativo à construção,

retrata empreitada ou administração, o que corresponde à obrigação de fazer,

ou seja, prestação de serviço, tal como se prevê no CDC. Por outro lado, quem

negocia o imóvel para nele estabelecer a moradia própria e da família

apresenta-se como destinatário final, ou seja, como consumidor. Alem de tudo

isto, o art.12 do CDC, ao cuidar da reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção,

montagem etc., refere-se expressamente ao construtor; e o art. 53, ao vedar a

cláusula de decaimento – perda total das prestações pagas em caso de

rescisão – menciona os contratos de compra e venda de imóveis.18

O verdadeiro problema, todavia, não está propriamente na aplicação do

CDC ao contrato do incorporador e construção de imóvel em regime de

condomínio horizontal, mas, sim nos limites em que tal aplicação haverá de ser

efetuada.

Se existe uma lei especial que institui mecanismos próprios para regular

os efeitos do inadimplemento do promissário comprador e se o CDC não

cuidou de estatuir, para o caso, disciplina diferente, o que merece prevalecer,

sem dúvida, é a Lei Especifica das Incorporações (Lei nº 4.591/64).

18 CAVALIERE FILHO, Sergio “ A Responsabilidade do Incorporador/Construtor no Código do Consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor, vol.26, p. 231.

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2. 3 – O contrato de incorporação imobiliária no contexto das

cláusulas gerais enunciadas no CDC e no código civil

Houvesse ou não o CDC equiparado a relação jurídica estabelecida na

incorporação imobiliária à relação de consumo, a verdade é que o Código Civil,

por força dos seus arts. 421 e seguintes, submete o contrato de incorporação

às cláusulas gerais que traduzem que traduzem os princípios da boa-fé

objetiva e do equilíbrio das relações obrigacionais a par de outras disposições

relacionadas à boa-fé na interpretação dos contratos (art. 113) e que coíbem o

exercício abusivo do direito ( art. 187). É até admissível que esses princípios

gerais, que dizem respeito a toda a matéria contratual, tenham sido inseridos

em legislação relativa à microsistema como forme de, em certo sentido, suprir a

lacuna deixada pela demora na atualização do Código Civil, funcionando como

“ um ponto de apoio para alavancar a atualização” desse Código.

É para esse aspecto que Antonio Junqueira de Azevedo chama a

atenção: “ A demora na atualização do Código Civil fez com que o Código de

Defesa do Consumidor, de uma certa forma, viesse preencher a vasta lacuna

que, no campo do direito privado brasileiro, a doutrina e a jurisprudência

percebiam há muito tempo. Na impossibilidade de encontrar, no velho Código

Civil, base para o desenvolvimento teórico do que há de mais apto para

transformar o sistema fechado em sistema aberto - por exemplo, a referencia

expressa a cláusulas gerais, como a da boa-fé, e a princípios jurídicos, como o

da exigência da igualdade real nos negócios jurídicos- é no Código de Defesa

do Consumidor que se pode encontrar um ersatz do Código Civil que não veio

ou, no mínimo, um ponto de apoio para alavancar a atualização, eis que tudo

que ocorre num microssistema, como o do consumidor, deve repercutir,

dependendo di esforço do ‘estamento jurídico’, em todo o ordenamento”.19

19 AZEVEDO, Antonio Junqueira de, . Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor; estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. São Paulo, Revista de Direito do Consumidor, nº 18, abr/jun.1996, p.22.

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É nesse mesmo sentido que, antes da vigência do Código Civil, no REsp

80.036-SP, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior realçava o fato de que a

eventual aplicação do CDC ao contrato de incorporação se daria por força dos

princípios gerais que aquele Código introduzira no sistema civil, entre eles o da

justiça contratual, da equivalência das prestações e da boa-fé objetiva, mas

que “o contrato de incorporação, no que tem de especifico, é regido pela lei

que lhe é próprio (Lei nº 4.591/62)”, apesar da incidência dos princípios gerais

trazidos pelo CDC.20

A objetividade com que o Ministro Ruy Rosado aprecia a enunciação,

num microssistema, de princípios gerais, aplicáveis a todo o sistema, justifica, e

recomenda, seja produzido trecho do seu voto, de especial significado: “ O

CODECON traça regras que presidem a situação especifica do consumo e,

alem disso, define princípios gerais orientadores do Direito das Obrigações. Na

teoria dos sistema, é um caso estranho a lei do microssistema enunciar os

princípios gerais para o sistema, ma é isso o que acontece no caso, por razoe

varias, mas principalmente porque a nova lei incorporou ao ordenamento civil

legislado normas que expressam o desenvolvimento do mundo dos negócios e

o estado atual da ciência, introduzindo na relação obrigacional prevalência da

idéia da justiça contratual, da equivalência das prestações e da boa-fé. É certo

que, no que lhe for especifico, o contrato de incorporação continua regido pela

lei que lhe é própria, mas os princípios gerais são os mesmos do sistema civil,

entre eles os do CODECON, inclusive para o caso de responsabilidade do

fornecedor e extinção da relação contratual.

Não há dúvida de que, nesse aspecto o CDC constitui importante

referencial de atualização do direito positivo brasileiro, na medida em que

preencheu importantes lacunas no campo do direito privado, antecipando-se à

abrangência que veio a decorrer da promulgação do Código Civil.

Com o efeito, ao dispor sobre a proteção contratual, no Capitulo VI, o

CDC estruturou um regulamento de cláusulas gerais, fundado nos princípios da

20 REsp 80.036, j. 12.2.1996.

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boa-fé objetiva e do equilíbrio do contrato, de aplicação generalizada a todas

as espécies de contrato em que se verifique o pressuposto da vulnerabilidade,

quando haja desnível entre os contratantes, de modo que aquelas cláusula

gerais, por consubstanciar os princípios da boa-fé e do equilíbrio do contrato,

aplicam-se mesmo aos contratos regulados por leis especiais.21 O contrato de

transporte aéreo, por exemplo, é um dos casos em que “o espírito protetor do

CDC exige que suas normas sobre cláusulas abusiva sejam aplicadas para

anular cláusula presente em contrato de transporte aéreo, que exclui o direito

de indenização do consumidor por vícios ou fato do serviço, mesmo que a

cláusula fosse permitida pela lei especifica”.22

A materialização do espírito protetor do CDC, assim, se esse vier a

incidir para suprir eventuais lacunas da Lei das Incorporações, haverá de

efetivar-se pela atuação das cláusulas gerais, ressalvado que sua eventual

aplicação à situação especifica da incorporação dispensaria a eventual

equiparação do adquirente de imóvel ao consumidor.

É nesse sentido que Sylvio Capanema de Souza assinala que o conceito

objetivo de destinatário já está superado por um conceito mais amplo, que é o

da vulnerabilidade, de modo que “os princípios que sustentam o CDC,

notadamente os da boa-fé objetiva e da equidade a vulnerabilidade do

contratante mais fraco. O contrato tem que estar impregnado da boa-fé: a

redação do contrato tem que ser mais acessível ao homem médio; nos

contratos por adesão, o contrato tem que ser informado antecipadamente de

todas as características do negocio, não se admitindo informação posterior à

segurança e se o produto apresenta algum risco, o contratante tem que se

informado desse risco; enfim, a presença do principio da boa-fé objetiva opera

21 Questões como “enriquecimento sem causa”, “obrigações incompatíveis com a boa-fé”, “’cancelamento’ unilateral do contrato”, entre outras, contempladas nos arts. 51 e 53 do CDC, dizem respeito a princípios aplicáveis a toda espécie de contrato, e são somente aos contratos de consumo. 22 MARQUES, Claudia Lima . Contratos no Código do Consumidor. 3. ed. São Paulo.Revista dos Tribunais, 1999. p.243.

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um resgate ético para o Direito, é uma janela que se abre para uma nova

dimensão ética do Direito”.23

Refere-se o professor à exigência da conduta de boa-fé objetiva em

todos os aspectos, sejam aqueles explicitamente referidos pela legislação

especial, sejam outras condutas nela não referidas, mas que integrem o

ordenamento ou que exprimam princípios gerais de direito, em atenção à atual

realidade contratual. Observe-se, por exemplo, que a Lei das Incorporações

impõe, explicitamente, o dever de informar na fase pré contratual (art. 32),

estabelece o conteúdo do contrato ( art. 48 a 51, entre outros), e contempla a

responsabilidade objetiva do incorporador, impondo-lhe o dever de reparar os

prejuízos que causar aos adquirente, independentemente de culpa (art. 32, II,

entre outros); além disso, dada a especificidade e complexibilidade da

legislação relativa aos aspectos financeiros do contrato, o texto deve ser

desenvolvido em termos didáticos, para facilitar sua compreensão,

notadamente no que tange a aspectos como reajuste do preço, à

comprovação da mora e à hipóteses de resolução do contrato,bem como

aquelas relativas ao leilão da unidade imobiliária; o contrato deve conter

explicitação minudente sobre todos os aspectos do negocio, mesmo que o

instrumento contratual fique muito extenso.

Nesse mesmo sentido, é, também, um dos deveres vinculado à noção

da boa-fé objetiva, no caso especifico da incorporação, a rigorosa observância,

pelo incorporador, do projeto de construção, assim como há de ser considerada

abusiva a cláusula que, em caso de resolução do contrato por inadimplemento

do adquirente, preveja a perda total das quantias pagas por este, mas a

definição de tal abusividade não surgiu com a regra do art. 53 do CDC; antes,

decorre daqueles ”princípios gerais orientadores do Direito das Obrigações” a

que se refere Ruy Rosado de Aguiar Junior e já estava enunciado no art. 924

do Código Civil de 1916.

23 Palestra proferida no VII ENAI- Encontro dos Advogados do Mercado Imobiliário, promovido pela ABAMI - Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário de 25 a 27 de outubro de 2000 na Escola da Magistratura do tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

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De outra parte, o contrato deverá contemplar cláusula penal também

contra o incorporador, que, em regra, deve ser proporcional à multa que vier a

ser estabelecida para a hipótese de não devolução do imóvel pro parte do

adquirente, em caso de resolução do contrato.

Esses e outros aspectos, embora não estejam enunciados em termos

explícitos na legislação especial sobre incorporações, dizem respeito e deveres

relativos às cláusulas gerais de boa-fé objetiva e da função social do contrato

Além desses cuidados na formulação dos contratos, o dever de lealdade

na fase de execução, exige, por exemplo, que, em caso de mora do adquirente,

o incorporador apresente com exatidão os clausulas para purgação da mora,

promovendo a notificação do adquirente com rigorosa observância dos

requisitos legais, do mesmo modo que o dever de cooperação exige o

pagamento pontal das parcelas do preço, não só para evitar prejuízos aos

demais participantes do negocio, mas, sobretudo, para assegurar a

funcionalidade econômica do contrato, mediante conclusão da obra no prazo

programado e com as especificações estabelecidas.

Em atenção à necessidade de observância desses princípios, e

seguindo a orientação emanada dos pronunciamentos da doutrina e da

jurisprudência, as empresas incorporadoras vem adaptando seus contratos,

merecendo especial referencia os “termos de compromisso de ajuste de

conduta” que a ADEMI- Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário de

Brasília, DF24 e o SECOVI – Sindicato das Empresas de Construção, Compra e

Venda e Administração de Imóveis de São Paulo, SP25 firmaram com o

Ministério Público, contemplando limitações nas estipulações de cláusulas

penais, obrigatoriedade de fornecimento de manuais de conservação e

24 “Termos de Compromisso” nºs 142/1997 e 460/2001, firmados com o Ministério Público da União – Distrito federal e territórios, em 11 de setembro de 1997 e em 20 de novembro de 2001. 25 “ Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta” nº 36/00, firmado com o Ministério Público do Estado de São Paulo- Promotoria de Justiça do Consumidor, em 24 de agosto de 2000.

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utilização dos imóveis, observância rigorosa da obrigação de arquivamento do

memorial de incorporação.

Não obstante isso, também expressa determinação legal, conferiu-se ao

Código de Proteção e Defesa do Consumidor um abrangência maior do que

admitida por um grande numero de autores e, até mesmo, pela jurisprudência,

ainda apegados a velhas tradições. O Código de Proteção e Defesa do

Consumidor, ao revés, é instrumento legal que incorporou todas as novas

tendências acerca de concepções contratuais, podendo-se mesmo afirmar que

estabeleceu uma nova teoria geral dos contratos.

Preponderantemente, repita-se, volta-se o Código de Proteção e Defesa

do Consumidor para a tutela jurídica daquele que, na visão do legislador, seria

a parte mais fraca da relação jurídica de consumo, isto é, o consumidor.

Reconheceu-se-lhe sua vulnerabilidade e hipossuficiencia nesse universo de

relações jurídicas de massa, abstratas e impessoais. Esse reconhecimento, a

nosso sentir, é a verdadeira essência da legislação consumeira. A partir da

constatação deste fato, todo um arcabouço jurídico se formou, visando à tutela

dos interesses do mais fraco.

Daí por diante, tratou de proteger a boa-fé do consumidor, importando

aos fornecedores a observância de outros princípios, como os da

transparência, da lealdade, da confiança e da equidade. E, por ser integrado

por normas de ordem pública e interesse social, não olvidou-se da dimensão

coletiva dessas relações de consumo e procurou estendê-las a todos os que,

em uma relação, de consumo ou não, se encontrassem em posição de

inferioridade, de vulnerabilidade, de hipossuficiência (especialmente, técnica).

Eis o porquê dos artigos 17 e 29, verdadeiras normas de extensão, levando à

pessoas que, originalmente, não se amoldariam à definição de consumidor

standard do art.2º., a mesma proteção jurídica dada a este.

O campo de incidência do Código de Defesa do Consumidor será

encontrado, pois, após a correta apreciação dos conceitos de relação jurídica

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de consumo e de seus sujeitos (consumidor standard, consumidor por

equiparação – para efeitos de proteção legal- e de fornecedor), uma vez que

não é mais o tipo de contrato, mas, sim, a sua finalidade, que determina a

incidência da norma protetora.

Conseqüentemente, todos os que tenham intervindo na relação de

consumo, diretamente ou não; todas as vitimas do fato do produto ou do

serviço e, por fim, todos os que forem expostos às práticas comerciais e ao ato

da contratação, deverão ser protegidos, nos termos do Código de Proteção do

Consumidor.

Ensina Werson Rêgo26:

“a Lei nº 8.078/90 não seria apenas uma lei especifica, aplicável somente à relações de consumo nela descritas. Ao revés, comungamos do entendimento de que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor criou uma verdadeira sobre-estrutura jurídica multidisciplinar e, que incide sobre qualquer relação jurídica em que se mostrem presentes os elementos da relação de consumo: consumidor(standard ou por equiparação); fornecedor e produto ou serviço.”

Entende Werson Rêgo que a proteção contratual prevista na Lei nº

8.078/90, até por determinação legal (artigo 20), é extensiva a outros sujeitos,

ainda que as relações das quais façam parte não seja uma relação de

consumo.27

A proteção civil, dentro dessa concepção de sobre-estrutura jurídica

multidisciplinar, visa a três principais objetivos:

1 – assegurar o equilíbrio entre os sujeitos da relação de consumo;

2 – zelar pela incolumidade física, psíquica e econômica do consumidor;

3 – proteger a relação contratual, onde quer que ela se dê.

Dessa forma, a Lei nº 8.078/90 seria o direito comum no que se refere à

teoria geral dos contratos, até porque, quando aborda a proteção contratual, se

26 Rêgo, Werson. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a Nova Concepção contratual e os Negócios Jurídicos Imobiliários – Aspectos doutrinários e Jurisprudências- ed. Forense. Rio de Janeiro. 2001. p.171. 27 Ibdem. p. 171.

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refere a todos os contratos, não fazendo referencia especial a nenhum. Em

razão disso, as tendências modernas, oriundas dessa nova concepção dos

contratos, se estenderiam a todos eles que, por sua vez, continuariam a ser

regidos pelas respectivas legislações especificas, naquilo que não

contrariassem as disposições geras do Código de Proteção e Defesa do

Consumidor.

Os contratos, segundo essas tendências modernas, seriam abordados

de maneira dinâmica, em que se lhes conferisse um enfoque conteudístico,

encarados como instrumento de cooperação social, voltados para a pessoa –

como sujeito de direito e interesses elementares e, respeitando-se a dimensão

coletiva de seus efeitos sociais.

Para zelar-se por isso, não se fazendo da lei letra morta, outorgou-se ao

Estado o poder de intervir nas relações jurídicas, para garantia da efetividade

da proteção estabelecida na legislação consumeira, mantendo-se a harmonia

nas relações sociais. Como resultado dessas providências, tradicionais dogmas

contratuais, como a intangibilidade do conteúdo dos contratos e o pacta sunt

servanda restaram aniquilados, quer se trate de contratos por adesão, quer se

trate de contratos paritários.

Especificamente no pertinente a relação jurídica de consumo, apresenta-

se esta como um processo dividido em varias fases:

a) pré-contratual – que antecede ao nascimento do vinculo. A oferta e

publicidade não são mais vistas apenas como um meio para contratar, como

técnica de venda, mas também, instrumento jurídico gerador de obrigações

contratuais;

b) contratual – que abrange a formação do vinculo, o seu

desenvolvimento e o seu adimplemento;

c) pós- contratual – que sobrevém ao cumprimento do dever principal.

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Os princípios da boa-fé, da transparência, da lealdade e da equidade,

norteadores de diversos direitos dos consumidores e deveres dos fornecedores

são de crucial importância para a justa aplicação da lei, principalmente nas

questões referentes à proteção contratual.

As relações jurídicas imobiliárias não escapam desse sistema, ainda

quando não se caracterizem em relação de consumo stricto sensu,conforme já

frisado. As peculiaridades de cada negócio jurídico continuam subsumidas as

respectivas legislações de regência, mas, naquilo de genérico, comum a todo e

qualquer contrato, submetem-se os negócios jurídicos imobiliários a sistemática

do Direito do Consumidor.

2. 4 – Da revisão do contrato imobiliário

Os contratos imobiliários não estão imunes à tutela do CDC, no que diz

respeito à repressão às cláusulas abusivas e ao direito à revisão do ajuste por

alterações objetivas graves na base do contrato, ocorridas após sua pactuação;

não há, porém, lugar para o devedor desvencilhar-se do vínculo contratual por

dificuldades pessoais de cumprir as obrigações contraídas.

Como antes afirmado, as complexas necessidades sociais

comprometeram a estrutura clássica do contrato dando ensejo a uma

verdadeira crise. Esse fenômeno alavancou uma teoria pós-moderna que

pugna por uma reconstrução do modelo contratual. É neste contexto que a

revisão dos contratos se insere e assume especial importância. Reconhecem-

se a revisão contratual como um poderoso instrumento de perene revitalização

do instituto, possibilitando a modificação do seu conteúdo à luz dos valores

maiores do ordenamento jurídico postos pela Constituição28.

Imperioso que se lembre que a revisão dos contratos é elemento

intrínseco da própria evolução contratual, agora diante de sua concepção

socializada, muito mais preocupada com a justiça e equilíbrio contratual do que

com o resguardo irrestrito da palavra dada. Trata-se de uma diretiva que pugna

pela conservação dos contratos sempre que possível, deixando-se de lado o

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tratamento clássico em que a preferência era pela resolução ou mesmo

anulação. Com mais razão, há de se recordar que, hodiernamente, muitos

contratos acabam tendo como uma de suas partes pessoas hipossuficientes

que necessitam dos bens da vida, objetos dos contratos29.

Interessante notar que existem precedentes na doutrina e jurisprudência

em que se aplica a vontade estatal no conteúdo contratual de forma a

conservar os contratos, sem, contudo, se dizer inexistente as cláusulas por

estas estipuladas, excluídas ou modificadas. São eles, a lesão, a alteração das

circunstâncias contemporâneas à formação dos contratos e as cláusulas

abusivas.

A lesão é um instituto muito antigo e que ao longo da história deteve

inúmeros significados. Concebida no direito romano e associado na Idade

Média aos vícios do consentimento, submeteu-se também ao direito canônico

sendo influenciado de perto pelas idéias religiosas. Adotou-se, então, o caráter

de pecado para as vendas maiores do que o justo preço, dando surgimento

também à usura como uma das suas variantes30.

Não obstante, no período liberal, o instituto cai em descrédito com o

crescimento das idéias jusracionalistas e iluministas, ambas elevatórias de um

individualismo racionalismo como já se viu, sendo que todas as expressões de

um princípio contratual justo passam a ser o Code. Restrita às alienações

imobiliárias e às partilhas, em associação com a teoria dos vícios do

consentimento, prestava apenas ao desfazimento contratual, facultando o

comprador escolher entre a restituir a coisa recuperando o preço ou guardar o

fundo, pagando o justo valor, com a dedução de um décimo do total31.

Já no direito brasileiro, sorte diferente não teve, até pela influência do

estatuto civil francês. Apenas tempos após a promulgação do CC de 1916 é

que surgem leis que tratam da usura, tal como o Decreto nº 22.626/33. Mesmo

assim o tema se manteve distanciado da normativa brasileira até a

promulgação do Código de Defesa do Consumidor, que trouxe a regra do art.

28 CORDEIRO, Eros B. M.. Da Revisão dos Contratos. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. 166 p. 29 CUNHA, Alcibíades M. F.. Revisão Judicial dos Contratos. 1ª Ed. São Paulo: Método, 2007. 110-111 p. 30 Ibdem. p. 153. 31 Ibdem. p. 155.

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6º, inc. V, primeira parte, e do Código Civil de 2002, que consignou a regra do

157.

Em todas suas formas, conclui-se que o instituto permite a revisão

contratual, tendo implícito em seu sentido histórico à noção de equidade e

justiça material. No que concerne às alterações dos contratos por fatos

supervenientes, também não constituem instituto materialmente novo, mas sim

um mero retorno da cláusula rebus sic stantibus que estava adormecida por

força da concepção liberal do contrato.

Em verdade, independente da teoria que a tente explicar, a revisão do

contrato com base na alteração das circunstâncias contemporâneas se prende

mesmo à necessidade de retorno ao equilíbrio contratual em caso de

superveniência de fatos que impliquem no desajuste da equivalência material

entre as prestações de um contrato.

No direito brasileiro, encabeçado pelo Código Civil de 1916, em apoio à

concepção moderna de contrato, não se aceitava a alteração dos contratos por

qualquer das teorias revisionistas. Entretanto, as necessidades sociais surgidas

também no pós-guerra fizeram com que a jurisprudência acatasse a teoria da

imprevisão.

Entre nós, entendeu-se que para possibilitar a sua adoção a teoria da

imprevisão somente seria aplicada com cautela e quando demonstrados os

seguintes requisitos: a) vigência de um contrato comutativo de execução

diferida ou de trato sucessivo; b) ocorrência de fato extraordinária imprevisível;

c) considerável alteração da situação de fato existente no momento da

execução, em confronto com o que existia por ocasião da celebração; e d)

onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem exagerada para o

outro32.

Já o Código de Defesa do Consumidor, também inovando no tema da

revisão fundada por onerosidade superveniente, trouxe a norma do art. 6º,

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inciso V, segunda parte, estabelecendo ser direito básico do consumidor a

revisão do contrato em razão de fatos supervenientes que o torne

excessivamente oneroso. Tal previsão não requer, pois, a extraordinariedade e

imprevisão ou mesmo a vantagem exagerada para a parte beneficiada, sendo

verdadeiro avanço do legislador brasileiro que não se encaixa, assim, em

qualquer das teorias retro citadas.

Importante esclarecer, entretanto, que não existem, substancialmente,

diferenças entre as teorias revisionistas "surgidas" no século XX.

Apesar da diferença de formulação, "base do negócio" e "circunstâncias

em que as partes fundaram a sua decisão de contratar" (ou de negociar) são

exatamente o mesmo. Ambas correspondem à expressão alemã

Geschäftsgrundlage. São aquelas circunstâncias que comumente levaram as

partes a contratar, e a contratar assim. Fazem com que o contrato seja o que é,

de modo que seria injusto manter as partes vinculadas se essas circunstâncias

sofressem uma modificação essencial33.

Ocorre que "o fundamento mais moderno do direito e dever de revisão

contratual, inclusive sob a égide da teoria da imprevisão, reside atualmente nos

novos princípios sociais do contrato, em especial no princípio da equivalência

material das prestações contratuais” 34.

A revisão contratual não se trata de violação ao princípio pacta sunt

servanda, mas sim de sua relativização, pela aplicação do princípio da

proporcionalidade, o que implica em limitações ao princípio da intangibilidade

dos contratos, pois os princípios do contrato pós-moderno dentre os quais o da

boa-fé objetiva, o da função social da empresa, hoje, normas supra-legais de

ordem pública, são, portanto, de observância obrigatória e aplicáveis de ofício.

32 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 31p. 33 ASCENSÃO (apud CUNHA, 2007, p. 202). 34 CUNHA, Alcibíades M. F.. Revisão Judicial dos Contratos. 1ª Ed. São Paulo: Método, 2007. 203 p.

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Ademais, as cláusulas do contrato de financiamento habitacional

referem-se a contrato de adesão, os quais estão submetidos ao Código de

Defesa do Consumidor. Assim, ocorrendo cláusulas contratuais que violem

quaisquer das normas protetivas do consumidor devem ser revistas para

corrigir a irregularidade.

O Código de Defesa do Consumidor dispõe expressamente serem nulas

de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos

e serviços que possibilitem a renúncia do direito de indenização por

benfeitorias necessárias, assim como a Lei do Parcelamento Urbano n.

6766/79, prevê a ineficácia da cláusula contratual que disponha não serem

indenizáveis as benfeitorias necessárias ou úteis.

Por fim, há sempre de se observar o princípio da função social do

contrato, porém o mesmo deve ser interpretado com moderação, não sendo

dado ao Estado revisar as cláusulas ali inseridas, sem que existam sólidos

fundamentos para tanto.

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CAPÍTULO III

DA RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR / INCORPORADOR NO CÓDIGO DO CONSUMIDOR

3.1 – Da responsabilidade do construtor

Inicialmente, cumpre assinalar que a responsabilidade do construtor

decorre do contrato de empreitada, onde uma das partes, denominado

empreiteiro se obriga a realizar uma obra por intermédio de terceiros ou

pessoalmente, recebendo uma remuneração que é fornecida pelo proprietário

da obra.

A obrigação derivada de tal contrato é a de resultado, onde a obrigação

principal é executar a obra, como contratualmente pactuada.

Assim, deve ser certo e determinado o resultado, onde do contrário, gera

o inadimplemento ou mora contratual, isso porque, sendo a responsabilidade

do construtor de resultado, como já assinalado, o mesmo se obriga pela boa

execução da obra, de modo a garantir sua solidez e capacidade para atender

ao objetivo para qual foi encomendada. Defeitos na obra, aparentes ou ocultos

que importem sua ruína total ou parcial configuram violação do dever de

segurança do construtor, verdadeira obrigação de garantis (ele é o garante da

obra), ensejando-lhe o dever de indenizar independentemente de culpa. Essa

responsabilidade só poderá ser afastada se o construtor provar que os danos

resultaram de uma causa estranha- força maior, fato exclusivo da vítima ou de

terceiro, não tendo aqui, relevância o fortuito interno.

Tendo em vista que a maioria dos defeitos de obra são ocultos, não

seria razoável que a responsabilidade do construtor cessasse com a entrega

desta.

Tratando-se de danos pelo fato da obra, surge a responsabilidade

independente da comprovação de culpa, bastando que se comprove o dano e o

nexo causal.

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O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3o, define como

fornecedor toda pessoa física ou jurídica que desempenha determinadas

atividades, dentre as quais a construção, ou que presta serviços - atividades

fornecidas no mercado de consumo mediante remuneração. Portanto, as

construtoras são fornecedoras e prestadoras de serviços, nos termos do CDC,

e a relação jurídica existente entre a empresa contratada para construir a casa

e você, contratante, é uma relação de consumo típica.

A responsabilidade - obrigação de executar o serviço - do construtor

nasce no momento em que apresenta a proposta (contrato e propaganda) ao

futuro contratante. Firmado o contrato, devem as partes cumprir suas

obrigações: você, consumidor, deve pagar o preço ajustado; o construtor deve

cumprir sua promessa, construindo a casa da forma como foi combinada no

contrato e anunciada na propaganda.

Ele também deverá construir uma casa sólida, em razão dos materiais e

do solo, pelo que a construção não poderá acarretar riscos à segurança do

consumidor.

Aparecendo falhas na construção (defeitos da obra, como vazamentos,

desagregamento de concreto, desprendimento de telhas, etc.) ou diversidades

do combinado no contrato e das fotos do anúncio, o construtor será

responsabilizado - culpado - por estas falhas ou diversidades, salvo se provar

que o consumidor deu-lhes causa (artigos 12 e 14 e parágrafos do CDC). O

caso será ainda mais grave quando estes defeitos localizarem-se nas

estruturas da casa, afetando sua solidez e a segurança do consumidor.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a disciplina

jurídica dos chamados contratos de construção enveredou-se para outro rumo.

O artigo 3º daquele diploma legal define fornecedor como pessoa física ou

jurídica que desempenha determinadas atividades, dentre as quais a construção.

Com isso, os contratos de construção, em que o fornecedor realiza sua

atividade em benefício de outra pessoa (física ou jurídica), a qual utiliza seus produtos

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ou serviços como destinatária final enquadra-se perfeitamente nas chamadas relações

de consumo.

Nesse raciocínio, não há mais que se questionar sobre o fundamento da

responsabilidade civil na hipótese ora em comentário, eis que o artigo 12 do

CDC é taxativo, ao estatuir que o fabricante, o produtor, o construtor,

respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos

danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,

fabricação, construção.

Assim, deflui-se estar objetivada a responsabilidade civil do construtor

tanto na empreitada de lavor (onde tem destaque apenas o serviço prestado

pelo referido profissional), quanto na empreitada mista, onde, além do serviço,

também existe fornecimento de material por parte do profissional.

3. 2 – Da responsabilidade do incorporador

Cumpre notar que incorporação é toda atividade destinada a alienar

frações ideais de um terreno, vinculando-se a unidades autônomas, sem

edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial,

podendo ou não o incorporador também efetivar a construção do prédio.

O atual aquecimento do mercado imobiliário no Brasil, notadamente em

relação à compra e venda de unidades autônomas, impõe a necessidade de se

delimitar a responsabilidade do incorporador, no âmbito da incorporação

imobiliária realizada de acordo com a Lei federal nº 4.591/64 – Lei de

Incorporações–, e seus reflexos na hipótese de inadimplemento em relação

aos adquirentes.

A incorporação imobiliária é um negócio jurídico que, nos termos

previstos no parágrafo único do art. 28 da Lei de Incorporações, tem por

finalidade promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de

edificações compostas de unidades autônomas.

No Direito brasileiro, o incorporador responde civil e criminalmente pela

consecução do empreendimento imobiliário desenvolvido de acordo com a Lei

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de Incorporações, como forma de garantir aos adquirentes dos imóveis maior

segurança jurídica e proteção patrimonial em face dos riscos inerentes a esse

negócio.

Na esfera civil, o incorporador é o responsável, por excelência, pela

conclusão e entrega do empreendimento imobiliário perante os adquirentes das

unidades autônomas, ainda que não tenha concorrido para o evento danoso.

Caberá ao incorporador, neste caso, o direito de regresso contra o causador do

dano. No caso de existir mais de um incorporador relacionado ao mesmo

empreendimento imobiliário, responderão estes, solidariamente, pelo

respectivo empreendimento imobiliário.

A relação entre o incorporador e os adquirentes das unidades

autônomas torna-se ainda mais rígida por ser considerada de consumo, uma

vez que o incorporador é equiparado ao fornecedor de serviços, a unidade

autônoma a ser construída é qualificada como produto e o adquirente

caracteriza-se como consumidor final, submetendo-se, assim, às disposições

do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Em decorrência da relação de consumo, os contratos firmados entre o

incorporador e os adquirentes das unidades podem ser considerados de

adesão, para o fim de desconfigurar eventual cláusula abusiva ou ilegal para

esse último. Da mesma forma, as propagandas referentes a empreendimento

imobiliário vinculam, em todos os seus termos, o incorporador, de modo que

todos os itens e especificações técnicas indicados em tais anúncios devem ser

estritamente observados sob pena de condenação em perdas e danos, sem

prejuízo da responsabilidade criminal.

Cabe observar, contudo, que a relação direta entre o incorporador e o

construtor da obra, os corretores de imóveis e os bancos financiadores,

respectivamente, não se configura relação de consumo, por inexistir a figura do

consumidor final, não sendo aplicáveis, desta forma, as normas previstas no

Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, o inadimplemento do incorporador, quando este for pessoa

jurídica, pode levar até mesmo à desconsideração da personalidade jurídica da

sociedade incorporadora, atingindo, assim, os bens pessoais de seus sócios,

diretores, gerentes administrativos, e ainda os bens de outras sociedades

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pertencentes ao mesmo grupo econômico, desde que comprovados o abuso de

direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, ou violação dos

estatutos ou contrato social, na forma do art. 28 do CDC, do art. 50 do Código

Civil e da jurisprudência sobre o tema.35

Pelo exposto, verifica-se que a legislação brasileira e em especial o

Código de Defesa do Consumidor, assim como, a jurisprudência nacional

dominante buscam proteger de diversas formas os adquirentes de futuras

unidades autônomas contra eventuais inadimplementos e irregularidades do

incorporador imobiliário, o qual se responsabiliza independente de culpa,

podendo responder até mesmo com seus bens pessoais, quando se tratar de

pessoa física, ou com o patrimônio de seus sócios, diretores, administradores e

sociedades do mesmo grupo econômico, quando se tratar de pessoa jurídica.

3. 3 – Da solidariedade do construtor e do incorporador

Em sua obra Cavalieri Filho36 esclarece:

“Dentro da filosofia da Lei de Incorporações, o incorporador é a chave do empreendimento, ao qual se vincula em caráter permanente. Incorporador, consoante definição legal, é não somente o que compromissa ou efetiva a venda de frações ideais de terrenos objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, como também e, principalmente, o construtor e o proprietário do terreno destinado ao empreendimento. Ocorrendo o malogro de empreendimento imobiliário, todos respondem solidariamente pela inexecução, por força do § 3º do art. 31 da Lei nº 4.591/1964, do art. 942 do Código Civil, como também do § 1º do art. 25 do Código do Consumidor. Inaplicável a regra do art. 70, III do Código DE Processo Civil no caso da solidariedade. Ademais, o art. 88 do Código de Defesa do Consumidor veda expressamente a denunciação da lide nas ações que tem por suporte fático-jurídico as relações de consumo”.

Prossegue o mestre Cavalieri Filho37.

35 TJSP – Apelação nº 3579124600, Rel. Des. Enio Zuliani, data de registro 17.03.08. 36 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3.ed. São Paulo. Atlas. 2011. p.273.

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Poderíamos ainda cogitar de outros benefícios do Código Fo Consumidor como a ação coletiva em favor de todas as vitimas, antecipação parcial de tutela para cobrir as despesas com habitação durante a ação, inversão do ônus da prova, solidariedade de todos os responsáveis (art.7º, parágrafo único, e 25, §1º) etc. Na vigência do Código Civil de 19116 apresentava-se como desvantagem para o consumidor o fato de ser menor – de apenas 5 anos (art.27) – o prazo prescricional previsto no Código do Consumidor, enquanto que pelo Código Civil esse prazo era de 20 anos. A desvantagem era apenas aparente, porque existiam razões que a compensavam plenamente. Hoje essa questão deixou de ter relevância porque, pelo Código Civil de 2002, a prescrição da reparação civil passou a ser de apenas 3 anos (art. 206, § 3º, V0 – prazo inferior, portanto, ao estabelecido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Logo, o que podia ser uma desvantagem passou a ser mais uma vantagem. Ademais, o prazo prescricional do Código do Consumidor só começa a fluir a partir da ocorrência do acidente de consumo, nada importando que esse acidente tenha ocorrido durante ou depois dos cinco anos previstos no Código Civil. Em outras palavras, o prazo de garantia ou de segurança pelo Código do Consumidor não é mais de apenas cinco anos, mas sim por todo o período de durabilidade razoável da obra. A qualquer tempo em que o acidente ocorrer responde o incorporador/construtor, só faltando a sua responsabilidade se provar que a obra não tinha defeito, ou seja, que o acidente decorreu do tempo e do desgaste natural da obra por falta de conservação. O defeito do produto deverá ser examinado tendo em vista o tempo decorrido entre o momento em que foi colocado no mercado e a ocorrência do dano”.

A Décima Oitava Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro, na Apelação Civil Nº 0005242-51.2004.8.19.0209 julgada pela

RELATORA DES. CÉLIA MARIA VIDAL MELIGA PESSOA quanto a

solidariedade adotou o entendimento:

INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. SOLIDARIEDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. No exame da preliminar de nulidade por falta de assinatura do recurso, sem razão o recorrido. Isso porque, além de só não

37 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3.ed. São Paulo. Atlas. 2011. p.274

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constar assinatura na petição de apresentação do recurso, pois as razões recursais estavam subscritas, a falta foi regularizada, com a intimação para tal. Precedentes do STJ. Rejeito a preliminar. No mérito, diferentemente do que entendeu o julgador de 1º grau, o incorporador vincula-se, sim, ao empreendimento em caráter permanente, não sendo somente aquele que compromissa ou efetiva a venda das frações ideais de terrenos, objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, mas principalmente, o construtor e o proprietário do terreno destinado à construção, nos termos dos arts. 29, 30 e 31 da Lei 4.591/64. Advindo o malogro do empreendimento imobiliário, como no caso, todos respondem solidariamente pela inexecução da edificação, nos termos do §3º do art. 31 da referida lei, do art. 1518 do Código Civil de 1916 e do § 1º do art. 25 do CDC. Ademais, a relação jurídica entre as partes é de consumo. Suspensão do pagamento ocorrida pouco antes do término do prazo para a entrega do imóvel, quando já evidenciado que a obra não seria concluída. Inadimplemento da construtora e não do promitente comprador. Devolução integral do que foi pago, nos termos do art. 53 do CDC, corrigido a partir de cada desembolso por indexador oficial, com juros de 0,5% ao mês, a contar da citação e, a partir de 2003, em 1% ao mês, nos termos do art.406 do Código Civil de 2002, a ser apurado em liquidação de sentença. Dano material relativo a lucros cessantes, que não foi comprovado. Dano moral. Inocorrência. Mero descumprimento contratual. Súmula nº 75 do TJRJ. Precedentes do STJ e desta Corte. Sucumbência recíproca, com custas rateadas e honorários compensados. Recurso manifestamente procedente em parte. Art. 557, §1º-A. PROVIMENTO PARCIAL. Quanto mais, por estar o recurso em confronto com a jurisprudência dominante desta Corte e do STJ, a teor do art. 557, caput, do CPC, NEGO-LHE SEGUIMENTO.

A Décima Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro, na Apelação Civil Nº 0009551-84.2005.8.19.0208 julgada pelo

RELATOR DES. GABRIEL ZEFERINO quanto a responsabilidade civil solidaria

entre incorporador imobiliário e construtora adotou o entendimento:

APELAÇÃO CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULA COM INDENIZATORIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RITO ORDINARIO. CÓDIGO CIVIL, LEI 4.591/64 E LEI 8.078/90. RELAÇÃO CONSUMERISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDARIA ENTRE INCORPORADOR IMOBILIARIO E CONSTRUTORA. ATRASO NA ENTREGA DO IMOVEL. INOCORRENCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO DEMONSTRATIVO. ASSEMBLEIA GERAL DE INSTALAÇÃO DO CONDOMÍNIO E

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CONCESSÃO DO “HABITE-SE” NO PRAZO CONTRATUAL. INVIABNILIDADE DO RESSARCIMENTO DE COTAS CONDIMINIAIS. NÃO CABIMENTO DO PLEITO RESSARCITÓRIO REFERENTE À DIFERENÇA DE JUROS DO FINANCIAMENTO BANCÁRIO. DANO HIPOTÉTICO. PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER REPAROS E CONSERTOS. NÃO CABIMENTO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUENCIA E JULGAMENTO EXTRA PETITA. INAPLICIDADE DO ART. 517 DO CPC. DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA. PARTE FINAL DO ENUNCIADO 75 DA SÚMULA DO TJRJ. VERBAS SUCUMBENCIAIS FIXADAS EM CONSONÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

O STJ por meio de sua corte especial, ao sedimentar a celeuma adotou

o entendimento no RECURSO ESPECIAL nº 441.236- RJ (2002/0071297-9)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. Eis a ementa:

DIREITO CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. RESPONSABILIDADE SOLIDARIA DO CONSTRUTOR PREVISTA NO § 1º DO ART. 44 DA LEI N. 4.591/64. OBTENÇÃO DO ‘HABITE-SE’. OBRIGAÇÃO DO INCORPORADOR. -Em princípio, é do incorporador a obrigação de obtenção do ‘habite-se’ junto à autoridade competente. - A responsabilidade solidaria do construtor, prevista no § 1º do art. 44 da Lei n. 4.591/64, ocorre apenas se o mesmo não requerer a averbação das edificações no Registro de Imóveis, após a obtenção do ‘habite-se’ pelo incorporador e a omissão deste em requerer a mencionada averbação.

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CONCLUSÃO

O Código de Defesa do Consumidor, como microssistema jurídico cujo

alcance se estende a todo o direito contratual, teve reflexos também nos

negócios de incorporação imobiliária. Sendo os contratos, de regra, por adesão

(posicionando o adquirente como hipossuficiente), configurando-se a figura do

incorporador como fornecedor de bens e serviços, e a do adquirente como

consumidor, tratando-se o bem imóvel de bem de consumo, perfeitamente

possível a responsabilização da empresa incorporadora por acidente de

consumo ou vício do produto.

Sem qualquer sombra de dúvida, o Código de Defesa do Consumidor é

legislação aplicável às relações estabelecidas entre

incorporadores/construtores e compradores.

A proteção aos adquirentes que antes era somente levantada pela Lei nº

4.591/64, passou, com o advento do Código Consumerista, a ser

essencialmente por este defendida.

Efetivamente, não obstante o sistema de proteção instituído pela Lei das

Incorporações e acrescido pelo Código de Defesa do Consumidor,

notadamente o sistema de proteção contratual, o ordenamento não oferecia

aos adquirentes mecanismos que evitassem ou delimitassem seus riscos

patrimoniais.

Dessa forma, o incorporador responde pelo empreendimento até o seu

término, construção e venda. Apesar de a construção ser de responsabilidade

do construtor, o incorporador é solidariamente responsável nos danos

causados aos adquirentes, e estão sujeitos a lei de defesa do consumidor,

respondendo pelos seus atos, e atos do construtor, podendo no entanto, em

caso de prejuízos causados pelo construtor, ter o direito de regresso.

Seja qual for à modalidade que venha ser o objeto da atividade da

construção civil, incorporação imobiliária ou não, o certo é que o empresário

estará sempre de frente a enormes desafios e não poderá de modo algum

dispensar as cautelas que deverá ter com os diversos tipos de contratos que

terá necessariamente que celebrar, eis que, notadamente haverá incidência do

Código de Defesa do Consumidor.

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Por outro aspecto, caberá à sociedade, por intermédio de seus

legisladores, encontrarem o ponto de ponderação que novamente prestigie a

segurança das relações sociais.

A proteção do consumidor é um desafio da nossa era e representa, em

todo o mundo, um dos temas mais atuais e discutidos do direito.

Para se falar no código do consumidor é preciso ir até os primórdios

deste, destacando sua fase anterior à promulgação, estabelecendo parâmetros

com os princípios gerais do direito e aí sim demonstrando sua evolução e

importância no mundo de hoje.

Sempre que se verificar a existência de desequilíbrio na posição das

partes no contrato de consumo o juiz poderá reconhecer e declarar abusiva

determinada cláusula, atendidos os princípios da boa-fé e da compatibilidade

com o sistema de proteção ao consumidor.

Neste trabalho, procurou-se conceber argumentos demonstrativos da

caracterização da incidência do Código de Defesa do Consumidor na atividade

de incorporação imobiliária e, evidentemente, da sua aplicação nos contratos

imobiliários, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas com o intuito de

provocar o debate a respeito do tema, com a expectativa de que outros indícios

sejam aprimorados e que outros venham a ser agregados.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor; estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. São Paulo. Revista do Direito do Consumidor. Nº 18. Abr/jun. 1996. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. www.tjrj.jus.br. Apelação Civil nº 0005242-51.2004.8.19.0209. Acesso: 21.06.2011 às 17h35min. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. www.tjrj.jus.br. Apelação Civil nº 0009551-84.2005.8.19.0208. Acesso: 21.06.2011 às 18h05min. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. www.stj.jus.br. Recurso Especial nº 441.236 - RJ (2002/0071297-9) Terceira Turma. Acesso: 21.06.2011 às 18h43min. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 954.859 - RS (2007⁄0119225-2). Terceira Turma. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=712934&sReg=200701192252&sData=20070827&formato=HTML >. Acesso em 15 out. 2010 15h15min: 23.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo. Atlas, 2008. ______. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo. Atlas. 2011. ______. A Responsabilidade do Incorporador/Construtor no Código do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 26. CORDEIRO. Eros B. M. Da revisão dos Contratos. 1. Rio de Janeiro. Forense. 2009 CRETELLA JR., René Ariel Dotti. Et al, Comentários ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro, Forense. 1992. CUNHA, Alcebíades M. F. Revisão Judicial dos Contratos. 1. São Paulo. Método. 2007. FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 5. São Paulo. Atlas. 2001. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 2. São Paulo. Saraiva. 2006

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MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código do Consumidor. 3. São Paulo.Revista dos Tribunais, 1999. MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor: fundamentos do direito do Consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2008. NISHIYANA, Adolfo Manoru. A Proteção Constitucional do Consumidor. Rio de Janeiro. Forense. 2002. RÊGO. Werson. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a Nova Concepção Contratual e os Negócios Jurídicos Imobiliários – Aspectos doutrinários e jurisprudenciais. Rio de Janeiro. Forense. 2001. SILVA, Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. São Paulo. Malheiros. 2006 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. 10. São Paulo. RT. 1995. DELGADO, José Augusto. Interpretações Reguladoras Pelo Código de Proteção ao Consumidor. In Revista Jurídica. Vol.263.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

PRECEDENTES HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO 11

1.1- Evolução histórica das relações de consumo 11

1.2- Evolução jurídica da tutela do consumidor 16

1.3- A finalidade do direito do consumidor 18

1.4- O código do consumidor e o código civil 20

CAPÍTULO II

A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA E O CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR 24

2.1- O código de defesa do consumidor e a regulamentação dos

contratos pelo direito privado tradicional 24

2.2- Os contratos imobiliários e o código de defesa do consumidor 28

2.3- O contrato de incorporação imobiliária no contexto das cláusulas

gerais enunciadas no CDC e no código civil 29

2.4- Da revisão do contrato imobiliário 37

CAPÍTULO III

DA RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR/INCORPORADOR NO

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 42

3.1- Da responsabilidade do construtor 42

3.2- Da responsabilidade do incorporador 44

3.3- Da solidariedade do construtor e do incorporador 46

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CONCLUSÃO 50

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

ÍNDICE 54

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