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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CONTRIBUIÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS
PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA AUTISTA
Por: Maria Janaína da Silva Fonseca
Orientador:
Profª. Carly Machado
Rio de Janeiro - RJ
Jul/2010
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CONTRIBUIÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS
PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA AUTISTA
Apresentação de monografia à Universidade
Cândido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em
Psicopedagogia.
Por: Maria Janaína da Silva Fonseca
AGRADECIMENTOS
À minha avó, Lourdes, por todo esforço dedicado à minha formação. Aos meus pais, Luis e Odete, por todo carinho ofertado.
Ao meu irmão, Marcelo, pelo exemplo de constante alegria.
Ao companheiro Eduardo, por fazer parte da minha história.
Às amizades conquistadas nas jornadas, acadêmica e profissional.
DEDICATÓRIA
Ao meu primeiro paciente com diagnóstico de Autismo,
quem despertou o interesse pessoal e profissional pelas temáticas
do Autismo, da Educação Inclusiva e da Psicopedagogia.
Às demais crianças que se encontram sob meu acompanhamento,
desafiando-me a percorrer novos caminhos a cada dia.
E aos demais pacientes que estão por vir e lançar novos desafios.
RESUMO
A simples inserção em escola regular do portador de necessidade
especial não garante a inclusão deste. Diversos são os dispositivos legais e
político-filosóficos que abordam de alguma forma a temática da Educação
Inclusiva, com seus entraves e possibilidades. No caso do Transtorno Autista,
as questões que envolvem o processo de inclusão são de natureza ímpar,
considerando-se a peculiar dificuldade quanto à interação social e, portanto, a
necessidade de medidas que ultrapassam o campo das adaptações. Assim, o
presente trabalho pretende discutir como o Psicopedagogo pode contribuir para
a inclusão escolar da criança autista. Avaliar as potencialidades, interesses e
necessidades da criança autista e a partir daí apontar e intervir com possíveis
estratégias que facilitem a inclusão desta são tarefas deste profissional no
âmbito institucional escolar. Algumas possíveis estratégias a serem utilizadas,
além das também necessárias adaptações (do ambiente físico, do currículo e
da avaliação da aprendizagem), são: a orientação dos demais alunos e pais de
alunos, a mediação da parceria entre a escola e a família e a formação
continuada de professores.
Palavras-chave: Educação Inclusiva; Transtorno Autista; Psicopedagogo Institucional.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho enfatizou a
pesquisa bibliográfica de especialistas na temática do Autismo e Educação;
diferentes materiais – artigos, livros, dissertações – de autoria de Cleonice
Bosa, Dayse Serra, Carolina Lampreia e outros foram consultados.
Além desta pesquisa bibliográfica, foram realizadas pesquisas-base
sobre: a definição e a sintomatologia do autismo – em guias como DSM-IV e
CID-10 – e a legislação que envolve a Educação Inclusiva – considerando-se
especialmente documentos do Ministério da Educação, especificamente da
Secretaria de Educação Especial.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................. 8
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DO DISCURSO À PRÁTICA ........... 10
CAPÍTULO II
A CRIANÇA AUTISTA: LIMITES E POSSIBILIDADES ............. 19
CAPÍTULO III
CONTRIBUIÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS .............................. 29
CONCLUSÃO .............................................................................. 36
ÍNDICE ....................................................................................... 41
INTRODUÇÃO
O Transtorno Autista faz parte de um grupo de transtornos do
neurodesenvolvimento denominados Transtornos Globais do Desenvolvimento
(CID-10) ou Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (DSM-IV).
Tal Transtorno apresenta como características principais dificuldades
qualitativas em três domínios: interação social, comunicação verbal e não
verbal e comportamentos e interesses.
De acordo com Silva e Mulick (2009, p. 121), há certo consenso entre
os especialistas atuais quanto à etiologia do transtorno, apontando que “o
autismo é decorrente de disfunções do sistema nervoso central (SNC), que
levam a uma desordem no padrão do desenvolvimento da criança”.
Segundo estes autores, “a incidência de casos de autismo tem crescido
de forma significativa em todo o mundo, especialmente durante as últimas
décadas” (p. 118). Investigações epidemiológicas recentes estimam a média de
40 e 60 casos a cada 10.000 nascimentos. A ampliação dos critérios
diagnósticos e o avanço na capacitação profissional para detecção precoce,
possivelmente estão envolvidos nesta indicação de aumento de casos.
Quanto à prevalência, estudos indicam que o autismo é quatro vezes
mais comum em meninos do que em meninas. Entretanto, apesar de casos de
autismo serem mais raros em meninas, estes tendem a ser acompanhados por
maior comprometimento cognitivo e funcional (retardo mental profundo). (Silva
e Mulick, 2009, p. 123).
Assim, considerando-se as particularidades do Transtorno e o
crescimento da incidência de casos, profissionais das áreas de Educação,
Saúde e afins, precisam estar preparados para se deparar com casos de
autismo em suas práticas cotidianas.
Embora algumas escolas regulares abram espaço para a criança
autista, não trabalham ainda sob uma ótica inclusiva. Há integração, porém não
há inclusão. Uma inclusão escolar verdadeira precisa promover aprendizagem
e desenvolvimento.
Acreditamos que a presença de um psicopedagogo na escola viabiliza
a construção de estratégias que facilitam uma efetiva inclusão de qualquer
criança portadora de necessidades especiais. Neste trabalho apresentaremos
algumas contribuições psicopedagógicas para inclusão escolar
especificamente da criança autista.
No Capítulo I percorremos o campo da Educação Inclusiva, explorando
diversos dispositivos legais e político-filosóficos pertinentes ao estudo deste
campo. Consideramos assim: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
Constituição Federal e o ECA; a Declaração de Salamanca e a LDB 9394/96; e
as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação básica.
O Capítulo finaliza com uma análise crítica acerca das diferenças entre
integração e inclusão e dos entraves ainda presentes nas práticas desenvolvidas
em algumas instituições escolares. Além disso, lança um convite ao estudo de
propostas de inclusão que foram bem sucedidas, como as encontradas no
documento “Experiências Educacionais Inclusivas” (BRASIL, 2006, 191 p.).
Na segunda parte deste trabalho abordamos a temática do autismo,
incluindo um estudo do diagnóstico do quadro autista e das particularidades da
criança autista; além de uma pequena explanação sobre os impactos do
autismo na família da criança.
Abordamos ainda algumas possíveis intervenções, como os métodos
TEACCH, ABA e PECS e a intervenção medicamentosa. A intervenção e o
papel do facilitador escolar também serão abordados no segundo Capítulo.
O último Capítulo destina-se à apresentação das contribuições da
Psicopedagogia Institucional para uma efetiva inclusão escolar da criança
autista. Ressaltamos inicialmente os focos de trabalho do psicopedagogo com
os alunos autistas de uma forma geral: desenvolver a linguagem, a interação
social e minimizar os comportamentos estereotipados e bizarros.
Na seqüência particularizamos o trabalho psicopedagógico para cada criança autista,
mediante a avaliação psicopedagógica. Finalizamos apresentando ações de intervenção
psicopedagógica, como: adaptações do ambiente físico, do currículo e da avaliação da
aprendizagem; mediação da parceria entre a escola e a família; orientação aos demais alunos
e pais de alunos, a fim de evitar preconceitos; e a formação continuada de professores.
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DO DISCURSO À PRÁTICA
“O processo de Educação Inclusiva vem sendo construído a partir de diferentes movimentos sociais de direitos humanos, de educação e de diversas associações de portadores de necessidades especiais tanto no Brasil quanto no mundo. Esses movimentos buscaram, ao longo do tempo, redefinir as formas como os deficientes eram entendidos e tratados. Da antiguidade à era moderna essas pessoas sofreram diferentes formas de segregação, tendo o paradigma da institucionalização como forma de sustentação de seu atendimento por quase 500 anos. No século XX foi tecido o movimento de integração, sustentado pelo paradigma de serviços, chegando-se finalmente na década de 90, ao movimento da inclusão que vem sendo sustentado pelo paradigma de suportes. Neste último cabe à sociedade construir-se de forma inclusiva, acolhendo a todas as pessoas, criando os suportes necessários a todos.” (WEISS, S/P)
Neste capítulo abordaremos o campo da Educação Inclusiva, considerando
os dispositivos legais e político-filosóficos pertinentes ao estudo de tal campo e as
práticas desenvolvidas nas escolas que se permitem abrir espaço para o
atendimento de alunos portadores de necessidades educacionais especiais.
Objetivamos uma exposição de tais dispositivos como forma de possibilitar uma
análise crítica das práticas desenvolvidas nas escolas que se propõem à inclusão.
1.1- A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a
Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, atrelada à Constituição
Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente configuram-se como
importantes dispositivos que auxiliaram o desenvolvimento de propostas em
Educação Inclusiva no Brasil.
O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos
aborda o reconhecimento das dimensões relativas aos princípios da liberdade e
da igualdade, apontando que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. (...)” (1948, S/P).
O artigo 2º trata dos preconceitos e distinções feitas em decorrência de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, etc, aspectos importantes a serem considerados e superados nas
propostas de Educação Inclusiva sobre qualquer natureza de diversidade.
Já a Constituição Federal pode ser considerada um dos documentos
legais pertinente ao estudo da construção e prática da Educação Inclusiva,
ressaltando-se especialmente o artigo 208 do referido documento.
Tal artigo pontua, entre outros itens, o “atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino” (1988, S/P). Pontua ainda o acesso ao ensino obrigatório e gratuito como
direito público e subjetivo, além do acesso aos níveis mais elevados de ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (grifo nosso).
A Constituição trata, portanto, de duas questões: o direito à educação,
comum a todas as pessoas, e o direito de receber essa educação sempre que
possível junto com as demais pessoas nas escolas regulares.
É importante destacar que a Constituição – assim como outros
documentos – mostra sabedoria em determinar preferência para essa
modalidade ensino, ressalvando os casos de excepcionalidade. Compreende-
se que a obsessão pela inclusão pode representar uma forma de tornar
invisíveis as diferenças e, portanto, impulsionar um desrespeito à identidade.
Quanto à lei nº 8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o ordenamento do artigo 5º pode ser considerado contundente
para o campo da Educação Inclusiva:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (p.12).
Verifica-se então que tanto a Constituição Federal, quanto o Estatuto
da Criança e do Adolescente, corroboram a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, enfatizando a igualdade e o direito à educação para todo cidadão e
abrindo assim o campo para a formulação de políticas públicas para a
Educação Inclusiva na diversidade.
1.2 - A Declaração de Salamanca (1994) e a LDB nº 9394/96
Ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos
(firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990) e, especialmente, ao mostrar
consonância com os postulados produzidos em Salamanca (na Espanha, em
1994, na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais:
Acesso e Qualidade), o Brasil mostrou-se disposto a construir um sistema
educacional inclusivo.
Entre os postulados que constam na Declaração de Salamanca,
ressaltamos os seguintes pontos como centrais para a compreensão e
posterior construção de tal sistema:
§ “toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem”;
§ “toda criança possui características, interesses, habilidades e
necessidades de aprendizagem que são únicas”;
§ “sistemas educacionais deveriam ser designados e programas
educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em
conta a vasta diversidade de tais características e necessidades”;
§ “aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia
centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades”. (BRASIL,
1994, S/P).
O impacto das idéias da Declaração de Salamanca possibilitou um
maior destaque para a Educação Especial no Brasil. Em 1996, foi sancionada a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96), sob
influências da Declaração de Salamanca e dos movimentos que despontavam
no Brasil, em decorrência das expressões da democracia e dos direitos do
cidadão.
Diferentemente dos textos anteriores de LDB, a LDB nº 9394/96 além
de dedicar um capítulo especial à temática da Educação Especial, expressa
uma intenção de contemplar uma educação inclusiva ao apontar como dever
do Estado garantir “atendimento educacional especializado gratuito aos
educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de
ensino” (Brasil, 1996, S/P).
No artigo 59, a LDB nº 9394/96 define o modo de organizar a
Educação Especial, assegurando aos educandos com necessidades
educacionais especiais:
§ currículos, metodologias e recursos para atender às suas necessidades;
§ possibilidade da terminalidade específica (antecipação de conclusão do
ensino fundamental para aqueles que não puderem atingir o nível
exigido para tal conclusão), assim como possibilidade de aceleração de
estudos para os superdotados;
§ existência de docentes com formação adequada para um trabalho
pedagógico especializado, assim como de docentes do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
§ educação para o trabalho, mediante o apoio de condutas que ensejem o
desenvolvimento de habilidades profissionais para diferentes áreas;
§ disponibilização dos programas sociais suplementares (merenda
escolar, livro didático, assistência médica e psicológica, transporte
escolar, etc.), tal qual existem para os demais alunos do ensino regular.
Segundo Carneiro (2007), a importância do tema da Educação
Inclusiva:
“foi emergindo à medida que a própria sociedade descobriu que os portadores de necessidades especiais são educandos, ou seja, etimologicamente, devem ser educados. Mas, da etimologia, passou-se à pedagogia. A sociedade posicionou-se, fortemente, contra a exclusão de pessoas que, embora com alguma limitação biopsíquica (daí, a equivocada expressão deficientes!), são potencialmente saudáveis para a aprendizagem. Desde que esta seja adequada às especificidades de cada caso.” (p. 157)
Daí a necessidade destas propostas organizadoras e asseguradas aos
educandos pelos sistemas de ensino, mediante a LDB 9394/96 que:
“(...) vai além da definição política. Faz o balizamento dos marcos operacionais de tal sorte que se restabeleçam linhas de regularidade operativa para a Educação Especial no ensino regular, na Educação profissional e no acesso as benefícios suplementares do ensino regular.” (Carneiro, 2007, p. 163)
1.3 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº 02/2001)
“(...) as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, instituídas pela Resolução nº 02/2001, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, vêm representar ao mesmo tempo um avanço na perspectiva da universalização do ensino e um marco fundacional quanto à atenção à diversidade na educação brasileira.” (Brasil, 2001, p. 5-6)
A elaboração das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica vem então contribuir e orientar quanto à organização dos
sistemas de ensino para o atendimento efetivo em classe regular ao aluno que
apresenta necessidades educacionais especiais.
Tais Diretrizes propõem à Educação Especial (Inclusiva) os princípios de:
§ preservação da dignidade humana, segundo o qual “toda e qualquer
pessoa é digna e merecedora do respeito de seus semelhantes e tem o
direito a boas condições de vida e à oportunidade de realizar seus
projetos” (Brasil, 2001, p. 24);
§ busca da identidade, isto é, o “encontro das possibilidades, das
capacidades de que cada um é dotado, facilitando a verdadeira inclusão”
(Brasil, 2001, p. 25);
§ e exercício da cidadania, “da capacidade de participação social, política
e econômica e sua ampliação, mediante o cumprimento de seus deveres
e o usufruto de seus direitos” (Brasil, 2001, p.70).
A perspectiva da Educação Inclusiva implica mudanças significativas:
deixa-se de pensar no aluno como a origem de um problema, exigindo-se dele
uma adequação aos padrões de “normalidade” para poder aprender e coloca-
se às escolas o desafio de ajustar-se, construindo coletivamente as condições
necessárias para atender à diversidade dos seus alunos.
Assim, segundo a Resolução nº 02/2001, a construção da inclusão na
área educacional não consiste apenas na permanência física dos educandos
com necessidades especiais junto aos demais alunos, mas implica rever
concepções e paradigmas, demandando ações nos âmbitos político, técnico-
científico, pedagógico e administrativo.
No âmbito político, a matrícula de todo e qualquer aluno deve ser assegurada
pelos sistemas de ensino, que se organizarão para o atendimento, em classes comuns,
dos alunos com necessidades educacionais especiais, o que requer:
“ações em todas as instâncias, concernentes à garantia de vagas no ensino regular para a diversidade dos alunos, independentemente das necessidades especais que apresentem; a elaboração de projetos pedagógicos que se orientem pela política de inclusão e pelo compromisso com a educação escolar desses alunos; o provimento, nos sistemas locais de ensino, dos necessários recursos pedagógicos especiais, para apoio aos programas educativos e ações destinadas à capacitação de recursos humanos para atender às demandas desses alunos.” (Brasil, 2001, p. 29).
Quanto ao âmbito técnico-científico, “a formação dos professores para o
ensino na diversidade, bem como para o desenvolvimento de trabalho de equipe
são essenciais para a efetivação da inclusão” (Brasil, 2001, p. 31). Neste sentido, a
Resolução nº 02/2001 reafirma a LDB nº 9394/96 ao pontuar (no artigo 18, §1º) que:
“São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores para: I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva; II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem; III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais; IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial.” (Brasil, 2001, p.77)
Já no âmbito pedagógico, o documento “Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica” considera que um projeto pedagógico
que inclua educandos com necessidades educacionais especiais “deverá
atender ao princípio da flexibilização, para que o acesso ao currículo seja
adequado às condições dos discentes, respeitando seu caminhar próprio e
favorecendo seu progresso escolar” (Brasil, 2001, p. 33).
Tal documento propõe que no decorrer do processo educativo seja
realizada uma avaliação pedagógica dos alunos com necessidades
educacionais especiais, “objetivando identificar barreiras que estejam
impedindo ou dificultando o processo educativo em suas múltiplas dimensões”
(Brasil, 2001, p. 34).
Esta avaliação deve considerar então as variáveis que incidem na
aprendizagem (as de cunho individual), as que incidem no ensino (como as
condições da escola e da prática docente), as que inspiram diretrizes gerais da
educação e as relações estabelecidas entre todas estas.
O documento propõe também serviços de apoio pedagógico especializado
realizado nas classes comuns, com a atuação colaborativa de professor especializado
em educação especial, de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis
(como a língua de sinais e o sistema Braille) e de professores e outros profissionais
(psicólogos, fonoaudiólogos, p. ex.) itinerantes intra e interinstitucionalmente.
Acrescenta a necessidade de sustentabilidade do processo inclusivo,
“mediante aprendizagem cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe na escola e
constituição de redes de apoio, com a participação da família no processo educativo,
bem como de outros agentes e recursos da comunidade” (Brasil, 2001, p. 72).
Segundo a Resolução nº 02/2001, no âmbito administrativo são
necessários a constituição e o funcionamento, pelos sistemas de ensino, de um
setor responsável pela educação especial; setor este dotado de recursos
humanos, materiais e financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao
processo de construção da educação inclusiva.
Além disso, é importante que os gestores educacionais e escolares
assegurem acessibilidade aos educandos com necessidades educacionais
especiais, com a eliminação de barreiras arquitetônicas urbanísticas, na
edificação, nos transportes escolares, assim como barreiras nas comunicações.
É importante também que o compromisso político com a educação
inclusiva seja afirmado e ampliado, mediante estratégias de comunicação e de
atividades comunitárias, entre outras, objetivando:
“fomentar atitudes pró-ativas das famílias, alunos, professores e da comunidade escolar em geral; superar os obstáculos da ignorância, do medo e do preconceito; divulgar os serviços e recursos educacionais existentes; difundir experiências bem sucedidas de educação inclusiva; estimular o trabalho voluntário no apoio à inclusão escolar” (Brasil, 2001, p. 38).
1.4 - Da Integração à Inclusão: Uma Análise Crítica
Como vimos até aqui e segundo Carneiro (2007),
“O tema da inclusão ganhou, nos últimos tempos, grande expressão sobretudo nos documentos do governo, com rápido desdobramento nas diretrizes político-administrativas dos governos estaduais. A idéia básica da inclusão é que a escola é o lugar onde todos devem estar juntos exatamente porque a escola é de todos. A isto se chama Educação Inclusiva que tem como ponto de partida o direito à diversidade.” (p. 49)
Mas o que significa realmente educar para todos? Quais as implicações da
igualdade de oportunidades? Quais as demandas e necessidades que emergem no
processo de aprendizagem e como as escolas têm se organizado para respondê-las? Como
se dá a prática pedagógica para a diversidade? Qual é o nível de participação dos alunos,
pais e comunidade na elaboração do projeto político pedagógico e na tomada de decisões?
Inúmeras são as inquietações e dúvidas. Não pretendemos aqui
respondê-las. Mas propomos uma reflexão crítica sobre as práticas atuais, em
uma tentativa de encontrar caminhos que possibilitem o desenvolvimento de
mais projetos de educação efetivamente inclusivos.
Suplino ao pontuar que “(...) os documentos que abordam a educação
inclusiva são documentos da educação especial” propõe uma reflexão a ser
iniciada com uma análise sobre os próprios discursos organizadores das
propostas para uma Educação Inclusiva.
A autora pontua ainda:
“(...) tratar-se de um fato sintomático que aponta para o olhar que a escola direcionou e direciona ainda ao “diferente”. Um olhar que, em consonância com a perspectiva moderna, levou ao surgimento de uma educação dirigida a um sujeito ideal, a ser desenvolvida no interior da Escola e uma educação para os diferentes (que dificilmente caberiam na fôrma).(p. 3)”
Neste sentido, o campo educacional parece ainda estar marcado pelo
conceito de integração – com origem no princípio ideológico e filosófico da
normalização, que subentendia tornar o indivíduo capaz de participar da
corrente natural da vida, inclusive da escola, isto é, adaptá-lo a partilhar deste
espaço. (Brasil, 2006, p. 13)
Já o conceito de inclusão sugere a imagem de uma escola em movimento,
de forma que “as crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um
ambiente rico e variado”. Assim, o foco precisa deixar de ser a deficiência e centrar-
se no processo de ensino-aprendizagem, para o qual o meio ambiente é que deve
ser adaptado às necessidades do educando. (Brasil, 2006, p. 14)
Outra questão crítico-reflexiva refere-se à formação dos professores
que atuam em escolas com propostas inclusivas. Segundo Serra (2008, p. 43),
“Infelizmente, a demanda da inclusão chega às escolas antes da preparação
do professor e a solução tem sido a capacitação do profissional em serviço,
através dos programas de formação continuada.” Assim, um ponto central é a
reestruturação da formação de professores para o trabalho com a diversidade.
É importante refletir também sobre os sentimentos de estranheza – que
ainda se fazem presentes em nossa sociedade e, portanto, dentro das escolas
– no embate com o diferente. Segundo Cacciari, Lima e Bernardi (2005),
“(...) a escuta do estranho-em-nós, implica em podermos nos libertar do terror que ele nos provoca, homens ainda demasiadamente modernos, que somos, todos nós, com nossa máscara feita de uma essência identitária, por mais rachada que ela esteja, e por mais que tentemos recolar seus pedaços com uma máscara dita pós-moderna. Só que libertar-se deste terror passa por dispor de um campo favorável de confiança, onde se possa experimentar, com certa segurança, o efeito diferenciador da alteridade e descobrir que ele não é desintegrador, pelo contrário.” (S/P)
Assim, o movimento da inclusão requer também relações entre os
campos de educação e saúde para um real acolhimento aos educandos com
necessidades especiais e para a garantia de uma melhor saúde mental dos
demais participantes (professores, familiares e comunidade) envolvidos no
processo de inclusão.
Percebe-se assim que a inclusão por força da lei não oferece a
garantia de práticas inclusivas de fato. Mas experiências positivas legítimas já
estão em andamento em diferentes partes do país. O documento “Experiências
Educacionais Inclusivas” é composto por vinte artigos que trazem relatos de
práticas de ensino que vêm superando barreiras, a fim de propiciar condições
de aprendizagem que não excluam nenhum aluno.
CAPÍTULO II
A CRIANÇA AUTISTA: LIMITES E POSSIBILIDADES
2.1 - Diagnosticando o Autismo
Desde a primeira descrição, apresentada por Leo Kanner, em 1943, o
conceito de autismo configura-se bastante impreciso. Há uma diversidade de
enfoques (psicodinamicista, cognitivista, desenvolvimentista), com explicações
de cunho afetivo/social e cognitivo.
Acerca de tal imprecisão, Lampreia (2007, p.106) esclarece que:
“Kanner (1943) concebeu o autismo como um distúrbio do contato afetivo, acarretando um isolamento social. Nas décadas de 1970 e 1980, houve um afastamento da visão de Kanner e o autismo passou a ser visto como se devendo a um prejuízo cognitivo. Em 1980, ele passou a ser classificado como um transtorno que levaria a um desvio do desenvolvimento e não a um atraso. A partir dos anos 1990, com um retorno a Kanner, os prejuízos sociais voltaram a ser enfatizados por um número crescente de pesquisadores. Passou, então, a ganhar força uma abordagem desenvolvimentista do autismo.”
Atualmente, em diversos países, especialistas na temática do autismo
recomendam que o diagnóstico seja realizado mediante os critérios propostos
pela CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 1993) e pelo DSM-IV
(Diagnostic and Statistical Manual of Disorders, 2002).
De acordo com a CID-10, o autismo é um Transtorno Global do
Desenvolvimento, que se caracteriza por um desenvolvimento anormal ou
alterado e manifesta-se antes da idade de três anos.
Já o DSM-IV aponta o autismo como um dos Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento (que incluem também: Transtorno de Rett, Transtorno
Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo de
Desenvolvimento sem outra especificação).
Ambos os sistemas diagnósticos – CID-10 e DSM-IV – baseiam seus
critérios em dificuldades apresentadas em três domínios: prejuízo qualitativo na
interação social; prejuízo qualitativo na comunicação verbal e não verbal e no
brinquedo imaginativo; e comportamentos e interesses restritos e repetitivos.
Tríade de Prejuízos ou Tripé de Sintomas
Segundo Gikovate e Mousinho, é importante para o diagnóstico a
percepção de que existem variantes quanto ao grau de severidade destas
dificuldades, sendo correto afirmar a existência de um espectro autístico,
embora o fundamental seja perceber que todo o espectro tem em comum o
tripé de sintomas mencionado acima.
- + Espectro Autístico: Quanto maior a abertura do “leque” maior a severidade do quadro.
Ainda segundo Gikovate e Mousinho, o diagnóstico de autismo baseia-
se apenas em dados clínicos – história e observação do comportamento. Não
existe qualquer exame complementar capaz de comprovar tal diagnóstico.
“Os exames complementares permitem apenas investigar a presença de doenças que sabidamente estão associadas com autismo, como, por exemplo, síndrome de rubéola congênita, síndrome de Down, síndrome de West, esclerose tuberosa, síndrome do X frágil, entre outras. Em 70% dos casos, no entanto, não se encontra qualquer doença associada, e os exames complementares (radiológicos, metabólicos ou genéticos) são inteiramente normais.” (S/P)
2.2 - A Criança Autista: Algumas Particularidades
Apresentaremos agora algumas particularidades da criança autista,
considerando-se os três domínios em que apresenta dificuldades: interação
social, linguagem e comportamentos e interesses.
Segundo Lampreia e Lima (2008), no campo da interação social, as
crianças autistas podem apresentar falta de “apego” a outras pessoas,
resistência à aproximação e preferência por ficarem sós. “Bebês e crianças
autista, muitas vezes, nem percebem a ausência de seus pais”. (p.12)
Quando bebês não pedem atenção, são consideradas pelos pais como
quietas e não lhes dão trabalho. Entretanto, não podem ser consoladas pelos
pais em seus momentos de ansiedade e choro. Não se adaptam ao colo,
mantendo-se rígidos ou flácidos em demasia, dificultando os que tentam
embalá-los ou consolá-los.
Quando mais velhas, “podem não brincar com outras crianças, não fazer
nenhum tipo de imitação social, e se relacionam muito melhor com objetos”
(Lampreia e Lima, 2008, p.11). Muitas vezes a relação que estabelecem com
outras pessoas é como se estas fossem objetos, como quando usam a mão do
outro para pegar algo, no lugar de apontarem ou falarem.
Além disso, isolando-se, o autista “detém-se naquilo que o estimula”, de
forma que “alguns objetos seriam utilizados e experimentados como partes
integrantes e indissociáveis do corpo, em razão do estado patológico dominado
pelas sensações”. (Cunha, 2009, p.48)
De acordo com Cunha (2009),
“Existem uma hipersensibilidade aos estímulos do ambiente exterior e uma pungente busca por sensações. O tato, a audição e a visão são campos perceptivos extremamente sensíveis. Às vezes, os autistas não suportam barulhos, assustando-se. Outras vezes, atraem-se por algum ruído. Há um ativo interesse em tocar os objetos insólitos ou levá-los à pele. No campo visual, orientam-se, preferencialmente, para os aspectos locais da informação. Ficam, por vezes, presos à observação de um pequeno detalhe no ambiente, imperceptível para nós, não atentando para todo o resto”. (p.38)
Para Lampreia e Lima (2008), a questão sensorial no autista
corresponderia a um desvio de resposta ao meio físico. “Podendo ocorrer uma
sub-reação ou super-reação a vários eventos sensoriais.” (p.11-12) Outro
desvio de resposta ao meio seria quando a criança se fixa em uma dimensão
do objeto, como por exemplo: se a mãe usa óculos, a criança só a reconhece
com estes.
Já no campo da linguagem, o autista pode ter desde um atraso até uma
falta de aquisição da linguagem. É comum a ecolalia, isto é, repetição das
últimas palavras que lhe foram ditas (ecolalia imediata) ou que ouviu em algum
lugar (ecolalia tardia). A ecolalia não é planejada ou controlada pela criança.
Os autistas que desenvolvem a fala “percebem o significado de maneira
muito literal e conforme o contexto em que a palavra lhe foi dita”. Além disso, a
“fala pode soar de maneira estranha, por ser descarregada de afeto, sem
entonação e demonstração de sentimento, como se fosse uma fala metálica de
um robô” (Lampreia e Lima, 2008, p. 11).
Segundo Cunha (2009), “A estagnação do desenvolvimento da
linguagem está estreitamente ligada à falta de simbolização” (p.41).
“A carência de brincadeiras de teor imaginário e de “faz-de-conta” denota o distúrbio de simbolização. Em razão disto, o autista não vê função em muitos objetos. (...) A criança típica aprende o que é um lápis de cera, sua função e seu nome, podendo ela, por exemplo, pintar ou simbolizar um aviãozinho, mas a criança com autismo possui dificuldades para reconhecer a utilidade das coisas, simbolizar, nomear e, por isso, passa a ter prejuízos na linguagem”. (Cunha, 2009, p. 38)
No campo dos comportamentos e interesses, o autista pode demandar
uniformidade ambiental. Assim, organiza seu dia em rotinas e desestrutura-se
caso não possa realizá-las. “Caso alguma coisa à sua volta mude, como o lugar
dos móveis no quarto ou o trajeto que normalmente percorre, a criança pode
demonstrar grande ansiedade”. (Lampreia e Lima, 2008, p.12)
Ainda sobre comportamentos e interesses, Bosa e Baptista (2002)
esclarecem que as estereotipias motoras (como balanço do corpo, agitação dos
braços) “têm diferentes funções, dependendo da situação”, podendo representar
extravasamento de tensão, comunicação de desejos e necessidades, formas
de protesto ou de resposta a demandas sociais. Além disso, situações
inesperadas podem também desencadear tais comportamentos.
De acordo com Silva e Mulick (2009, p.120), a criança autista
freqüentemente apresenta dificuldades comportamentais como hiperatividade,
dificuldade de prestar e/ou manter atenção, atenção hiperseletiva e impulsividade.
Além de comportamentos agressivos, autodestrutivos, perturbadores e destrutivos.
Ainda de acordo com Silva e Mulick (2009, p.120), especialmente em
crianças mais novas é comum a baixa tolerância à frustração, “acompanhada
por acessos de raiva e escândalos – jogar-se no chão, gritar, chorar, bater com a
cabeça, se bater, bater nos outros, etc.”.
Finalizando a explanação sobre as particularidades da criança autista,
destacamos uma reflexão de Bosa e Baptista (2002, p. 34), que lançam um
olhar diferenciado sobre a questão:
“(S) nem todos os autistas mostram aversão ao toque ou isolamento. Alguns, ao contrário, podem buscar o contato físico, inclusive de uma forma intensa, quando não “pegajosa”, segundo pais e professores. Também existem evidências de que crianças com autismo desenvolvem comportamentos de apego em relação aos pais (mostram-se angustiados quando separados deles, buscam sua atenção quando machucados, aproximam-se deles em situações de perigo), de uma forma diferenciada. Minha opinião é de que a forma como comunicam suas necessidades e desejos não são imediatamente compreendidos, se adotarmos um sistema de comunicação convencional. Um olhar mais cuidadoso e uma escuta atenta, permitem-nos descobrir o grande esforço que essas crianças parecem desprender para lançar mão de ferramentas que as ajudem a serem compreendidas”.
2.3 - Autismo e Família
Na discussão temática do autismo, é importante destacar que a tríade de
prejuízos, o grau de severidade do quadro e as particularidades
comportamentais da criança autista (vistos anteriormente) podem constituir
estressores para familiares e/ou cuidadores.
No artigo intitulado “A Investigação do Impacto do Autismo na Família”,
Schimidit e Bosa (2003) revisam pesquisas que abordam o impacto do autismo
nas famílias. Segundo estes autores,
“A família de indivíduos portadores de autismo se vê frente ao desafio de ajustar seus planos e expectativas quanto ao futuro, às limitações desta condição, além da necessidade de adaptar-se à intensa dedicação e prestação de cuidados das necessidades específicas do filho.” (p. 112-113)
Destacam-se entre as pesquisas, investigações acerca das possíveis
diferenças quanto ao estresse entre pais e mães de crianças com autismo.
Nestas investigações há pontos divergentes entre os pesquisadores.
Alguns pesquisadores consideram que em decorrência do papel social
esperado e da maior responsabilidade sobre os cuidados por parte das mães, estas
seriam alvo de estresse mais elevado. Outros consideram que o estresse paterno é
apenas qualitativamente diferente do das mães, estando ligando às questões
financeiras e ocupacionais e não implicando em maior ou menor nível de estresse.
É importante destacar que, segundo Schimidt e Bosa (p. 114), embora
grande parte da literatura mostre evidências de elevados níveis de estresse em
familiares de crianças com transtornos de desenvolvimento, outras pesquisas
indicam que o estresse destes familiares é apenas potencial.
Para os autores que desenvolveram estas pesquisas, o impacto sobre
as famílias vai depender “de uma complexa interação entre a severidade das
características próprias da criança e as de personalidade dos pais, bem como a
disponibilidade de recursos comunitários e sociais” (Schimidit e Bosa, 2003, p.
114).
O suporte social é um dos fatores-chave para o amortecimento do
estresse nas famílias de crianças com diagnóstico de transtornos de
desenvolvimento. “A troca de informações no nível interpessoal fornece suporte
emocional e um senso de pertencer a uma rede social onde operam a
comunicação e compreensão mútua”. (Bosa, 2006, p. 56).
2.4 - Diferentes Propostas de Intervenção
Diferentes propostas de intervenção podem ser utilizadas no sentido de
minimizar as dificuldades apresentadas pela criança autista e de oferecer-lhe
possibilidades de desenvolvimento. Apresentaremos aqui algumas das
principais intervenções, a saber: o Método TEACCH, a Análise do
Comportamento Aplicada (ABA) e o Sistema PECS.
2.4.1 - O Método TEACCH
O programa educacional TEACCH (Tratamento e Educação para
Crianças Autistas e com Distúrbios Correlatos da Comunicação) foi
desenvolvido na década de 60, nos EUA. Atualmente é utilizado em diversas
partes do mundo.
O método utiliza o PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado)1 para avaliar a
criança, considerando seus pontos fortes e suas maiores dificuldades, possibilitando
assim a elaboração de um programa de ensino individualizado. Além disso,
combina diferentes materiais visuais – quadros, painéis e agendas – para aprimorar
a linguagem e o aprendizado e reduzir comportamentos inapropriados.
Considerando-se as dificuldades do autista na compreensão da linguagem
abstrata e no seguir de seqüência e instruções, a proposta principal é a de que a
organização do ambiente físico, através de rotinas e sistemas de trabalho, facilita
a compreensão da criança sobre o ambiente e sobre o que se espera dela.
Apesar de receber algumas críticas, como a de que o método “robotiza” as
crianças, o TEACCH tem produzido resultados acima do esperado.
“Em nossa experiência a tendência de crianças autistas que passam por um processo consistente de aprendizado, ao contrário de se robotizarem, é de humanizarem-se mais e progressivamente. Verificamos que adquirem algumas habilidades e constroem alguns significados. Mesmo que bastante restritos, se comparados com outras pessoas, representam progressos em relação às suas condições anteriores ao trabalho com o método TEACCH.” (Mello, 2003, p.19)
2.4.2 - A Análise do Comportamento Aplicada (ABA)
“S Imagine chegar em um país onde você não entende a língua e não conhece os costumes – e ninguém entende o que você quer ou precisa. Você, na tentativa de se organizar e entender esse ambiente, provavelmente apresentará comportamentos que os nativos acharão estranhos.” “Imagine agora que você tenha sorte e consiga um professor, que seja paciente, organizado e motivado a gastar todo o tempo necessário para trabalhar individualmente com você e ajudá-lo a dominar a língua e aprender os costumes desse país estranho. É isso que um bom programa de ABA pode fazer.” (Windhotz, Vatavuk, Dias, Filho, Esmeraldo, 2006, S/P)
________________________ 1 O PEP-R será visto mais detalhadamente no Capítulo III.
Esta citação foi retirada do Manual de Treinamento em ABA, Análise do
Comportamento Aplicada, “termo advindo do Behaviorismo, que observa, analisa
e explica a associação entre o ambiente, o comportamento humano e a
aprendizagem” ((WIindhotz, Vatavuk, Dias, Filho, Esmeraldo, 2006). O
comportamento sendo analisado pode favorecer a implantação de um plano de
ação que modifique o comportamento.
Ivar Lovaas foi o primeiro a aplicar os princípios da ABA para ensinar
crianças com autismo. Seus estudos foram publicados em 1987. Mas foi
apenas em 1993, com Catherine Maurice escrevendo o livro “Quero Escutar
sua Voz: a Vitória de uma Família sobre o Autismo”, que o método ABA tornou-
se público.
A abordagem ABA pode ser utilizada em diferentes intervenções. A
intervenção com crianças autistas envolve instruções intensivas e estruturadas
em situações de um-para-um. A abordagem rejeita punições e concentra-se na
recompensa do comportamento desejado, objetivando a repetição do
comportamento.
É importante destacar que um bom programa ABA sempre inclui a
generalização do aprendizado. Assim,
“...Um bom currículo de ABA deve ter algum equilíbrio entre as atividades – trabalho de mesa, brincar, motora ampla, motora fina, etc.; uma variedade de locações – sala de terapia, casa da família, quarto de dormir, carro, etc.; e uma variedade de professores ou terapeutas. Tudo isso ajudará que a generalização das atividades fique mais fácil.” (WIindhotz, Vatavuk, Dias, Filho, Esmeraldo, 2006, S/P)
Há diversos estudos publicados que comprovam a eficácia da abordagem
ABA. Entre as críticas, assim como no método TEACCH, destaca-se a “robotização”
da criança. Segundo Mello (2003, p. 21), a crítica é infundada, “Já que a idéia é
interferir precocemente o máximo possível, para promover o desenvolvimento da
criança, de forma que ela possa ser maximamente independente o mais cedo
possível”.
2.4.3 - O Sistema PECS
O PECS (Picture Exchange Communication System) é um sistema de
comunicação alternativa através da troca de figuras. É um sistema de simples
aplicação por diferentes profissionais e pais e de fácil assimilação processual
pela criança. Muitas aprendem o aspecto fundamental do PECS no primeiro dia
de treinamento.
O aspecto fundamental do PECS é intercambiar uma imagem (ou
representação visual) por um objeto desejado. Assim, a criança é ensinada a
se aproximar e dar uma imagem de um objeto desejado a seu interlocutor, a
fim de obter tal objeto. Desta forma, é a própria criança quem inicia um ato
comunicativo – interação.
Aumentando-se progressivamente os níveis de dificuldades, o sistema
PECS logo ensinará a criança a criar enunciados simples como "Eu quero
biscoitos", usando uma combinação de imagens, e a diferenciar solicitações
(pedidos) de comentários simples como "Eu tenho..." ou "Eu vejo...".
A idéia básica no PECS é continuar expandindo o número de imagens
por enunciado e o número de conceitos com os quais a criança poderá se
comunicar. Estudos demonstram que, crianças que empregam entre 50 e 100
imagens, freqüentemente começam a falar enquanto manuseiam as imagens.
Outras precisam continuar fazendo uso de imagens para se comunicarem.
Segundo Mello (2003, p.21), o sistema PECS é bem aceito em diversos
lugares do mundo e apresenta resultados inquestionáveis na comunicação
mediante cartões para crianças que não falam e na organização da linguagem
verbal, para aquelas que falam, mas precisam organizar esta linguagem.
2.4.4 - Outras Intervenções
Existem outros tipos de intervenções a serem consideradas no campo do
autismo, a saber: psicanálise, psicopedagogia clínica, fonoaudiologia, equoterapia,
musicoterapia, etc. Não aprofundaremos estas intervenções, mas vale destacar a
importância do cuidado da família quanto ao profissional escolhido. O conhecimento
acerca da questão do autismo é fundamental para um bom exercício profissional.
A intervenção medicamentosa é necessária em muitos casos. Aqui a
palavra-chave também deve ser cuidado. Primeiramente, qualquer medicação só
deve ser prescrita por um médico especialista na temática. Secundariamente, é
importante que a família informe-se sobre os objetivos da medicação, o prazo para
início dos efeitos positivos e os possíveis efeitos colaterais adversos.
As medicações não tratam o autismo; mas visam combater efeitos
específicos. Assim, neurolépticos como o haloperidol e a tioridazina são utilizados
na minimização da hiperatividade, impulsividade, agressividade e auto-mutilação.
Já nas alterações de humor utilizam-se antidepressivos como imipramina,
clomipramina e fluoxetina. Enquanto, na desatenção utilizam-se a bupropiona e o
metilfenidato, por exemplo.
Considerando-se que cerca de 30% das pessoas do espectro autístico
apresentam crises convulsivas, é comum também o uso de anticonvulsivantes
como o ácido valpróico e a carbamazepina.
A inclusão da criança autista em escola regular é outra intervenção viável,
mas que deve considerar o grau de comprometimento e as dificuldades
apresentadas pela criança, objetivando uma reflexão acerca dos benefícios ou não
de uma inclusão. Não é toda criança autista que pode ser incluída.
Optando-se pela inclusão, é importante destacar ainda a necessidade de
um facilitador escolar junto à criança incluída. Segundo Gikovate e Mousinho,
“O papel do facilitador é funcionar como intermediário nas questões sociais e de linguagem. O objetivo é ensinar para a criança com sintomas do espectro autístico como participar das atividades sociais, como se relacionar com crianças da sua idade e o que se espera dela em cada situação.” (S/P)
Gikovate e Mousinho esclarecem que intervenções diárias do facilitador possibilitam
benefícios para a melhora do quadro de autismo – independente do grau. Entretanto, este
atendimento na modalidade 1:1 ainda é de difícil efetivação na educação pública. Enquanto
nas escolas privadas os pais custeiam estes profissionais, a rede pública poderia abrir
espaço para que universitários realizassem estágios como facilitadores.
No próximo capítulo abordaremos mais profundamente a inclusão
escolar da criança autista, tendo como foco as contribuições da
Psicopedagogia Institucional para uma efetiva inclusão.
CAPÍTULO III
CONTRIBUIÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS
Neste capítulo apresentaremos algumas contribuições da
Psicopedagogia Institucional na inclusão escolar da criança autista. Iniciaremos
abordando os focos do trabalho psicopedagógico – desenvolver a linguagem, a
interação social e minimizar os comportamentos estereotipados e bizarros – a
ser desenvolvido com a criança autista.
Na seqüência, enfocaremos dois momentos do trabalho
psicopedagógico: a avaliação psicopedagógica e a intervenção
psicopedagógica. Em ambos os momentos consideraremos perspectivas de
trabalho envolvendo a criança a ser incluída, a família e a instituição escolar.
3.1 - Os Focos do Trabalho Psicopedagógico com a Criança Autista
A atuação psicopedagógica com a criança autista tem como focos de
trabalho: desenvolver a linguagem, a interação social e minimizar os
comportamentos estereotipados e bizarros. A instituição escolar como um todo
precisa estar preparada para atender estes focos, cabendo ao psicopedagogo
orientar o processo.
Tais focos estão entrelaçados e influenciam-se mutuamente de forma
que, desenvolvendo-se a linguagem, aumenta-se a capacidade de interação
social e, conseqüentemente, a capacidade de imitação, favorecendo assim a
minimização ou eliminação de comportamentos estereotipados ou bizarros.
Na área da linguagem é importante promover atividades que incentivem
o aluno autista a olhar nos olhos, a apontar, a reconhecer e nomear objetos,
pessoas, emoções (expressões faciais) e sentimentos.
Como visto no Capítulo anterior, a linguagem está estreitamente
relacionada à simbolização. Assim, a criança autista precisa ser constantemente
incentivada a, por exemplo, copiar e recopiar desenhos, inserindo modificações e,
caso haja comunicação verbal, contar e recontar histórias, também as
modificando. Estas atividades desenvolvem a imaginação e a criatividade.
A socialização também precisa ser estimulada. A criança autista precisa ser
ensinada a iniciar, manter e finalizar o jogo social. “Bom dia!”, “Obrigado!” e “Tchau”
são formas de se envolver neste jogo social. Quando a linguagem verbal não foi
desenvolvida, gestos como aperto de mão, abraço, dar tchau podem ser utilizados.
A capacidade de imitação será desenvolvida a partir das atividades
socializadoras. Pode ser estimulada, por exemplo, através do brincar. Neste
sentido, uma abordagem interessante é a estratégia floor time, de Greenspan e
Wilder, que privilegia o brincar/interagir em sessões de pequena duração, a
partir dos interesses específicos da criança no momento.
As estereotipias servem como mecanismo de expressão, podendo
representar alegria, ansiedade, frustração, etc. Entretanto, o controle das
mesmas é fundamental, pois através delas a criança autista priva-se de
desenvolver formas mais adequadas de expressar-se e tende a manter-se
absorta em si mesma e alheia a outras experiências.
Portanto, cabe direcionarmos as estereotipias para outras atividades,
preferencialmente dando função àquelas. Exemplo: Se a criança apresenta
uma estereotipia que envolve bater as mãos, podemos de imediato cantarolar e
incentivar para que ela bata palmas junto com os colegas.
Sobre os interesses restritos cabe possibilitar ao autista uma aplicação
construtiva dos mesmos. Assim, se há uma fixação por portas, por exemplo,
podemos utilizá-las como recursos para a aprendizagem, trabalhando com a
criança noções como cores das portas, tamanhos, quantidade, etc.
Além disso, as “ilhas de conhecimento”, isto é, habilidades incomuns que
algumas crianças autistas possuem, podem ser utilizadas como meio de
impulsionar áreas defasadas, como a interação social. As demais crianças
mostram-se curiosas e interessadas em construir uma aproximação ao
perceberem um talento diferenciado.
Vimos até então as dificuldades gerais apresentadas pelas crianças
autistas e possíveis formas de trabalhar no sentido de minimizar tais
dificuldades. Na seqüência, veremos como particularizar estas dificuldades,
dadas as especificidades de cada criança.
3.2 - Avaliação Psicopedagógica
Antes de iniciar qualquer intervenção psicopedagógica, deve-se
observar e avaliar quais as particularidades e potencialidades da criança em
questão. No caso do autismo, uma avaliação mais detalhada das dificuldades
nas áreas da linguagem, interação social e comportamentos e interesses, é
imprescindível para a elaboração de intervenções adequadas.
Uma proposta para a avaliação psicopedagógica da criança autista é o
PEP-R (Perfil Educacional Revisado), desenvolvido pelo Centro de Tratamento
e Educação para Crianças Autistas e com Distúrbios Correlatos da
Comunicação (TEACCH), já apresentado anteriormente.
Segundo Leon, Bosa, Hugo e Hutz (2004, p. 40), o PEP-R é composto
por duas escalas: de desenvolvimento e de comportamento, fornecendo assim
a idade cronológica correspondente ao nível de desenvolvimento apresentado
pela criança e uma avaliação das dificuldades quanto ao comportamento.
Na escala de desenvolvimento são avaliadas 7 áreas: imitação,
desempenho cognitivo, cognição verbal, coordenação olho-mão, coordenação
motora grossa, coordenação motora fina e percepção. Já na escala de
comportamento, o PEP-R avalia 4 áreas: relacionamento e afeto, brincar e
interesse por materiais, respostas sensoriais e linguagem.
A aplicação do PEP-R permite uma compreensão mais detalhada da
criança, incluindo seus pontos fortes e de maior interesse, bem como suas
dificuldades, possibilitando ao psicopedagogo institucional definir apoios que
atendam as necessidades específicas de cada criança e elaborar junto ao
professor um programa de ensino individualizado.
É importante destacar que o programa de ensino individualizado precisa
ser reformulado periodicamente, permitindo uma reavaliação dos objetivos e,
conseqüentemente, a evolução do aluno. Neste sentido a participação do
professor é fundamental, sendo ele a figura mais adequada a estar checando
no dia a dia quais recursos e estratégias estão funcionando ou não.
A participação da família como parceira da escola é importante desde o
momento da avaliação psicopedagógica até a fase de intervenção,
independente da dificuldade apresentada pela criança. Mas, considerando-se a
peculiaridade de comunicação da criança autista, os familiares são portadores
de preciosas informações, podendo colaborar bastante com a avaliação.
Outras avaliações precisam ser realizadas pelo psicopedagogo.
Avaliações do ambiente físico e dos recursos materiais e humanos na escola,
bem como dos recursos comunitários, disponíveis para o acolhimento da
criança autista são pertinentes e necessários a fim de viabilizarmos uma real
inclusão.
3.3 - Intervenção Psicopedagógica
No âmbito da intervenção psicopedagógica, diversas ações podem ser
desenvolvidas pelo psicopedagogo a fim de viabilizar a efetiva inclusão escolar
da criança autista e favorecer o desenvolvimento desta.
Destacaremos aqui algumas destas ações, a saber: adaptações do
ambiente físico, do currículo e da avaliação da aprendizagem; mediação da
parceria entre a escola e a família; orientação aos demais alunos e pais de
alunos, a fim de evitar preconceitos; formação continuada de professores.
No caso da criança autista, a adaptação do ambiente físico faz-se
necessária a fim de minimizar algumas dificuldades próprias da criança autista
– como a desatenção – e evitar desestabilizações a nível comportamental,
como as que acontecem por conta da quebra de rotinas.
No tocante à desatenção é interessante, por exemplo, manter áreas
próprias para cada atividade (um espaço para as atividades pedagógicas, outro
para a recreação e um terceiro para as refeições), de forma que a criança autista
tenha um ambiente previsível e, portanto, mais organizador de seu
comportamento.
No que tange à tendência da criança autista em seguir rotinas e as comuns
desestabilizações comportamentais em virtude da quebra das mesmas, a execução
das atividades na escola pode ser facilitada se o aluno autista puder visualizar a
rotina escolar de forma prévia e visível. O MEC/SEESP (2004, p. 34) sugere uma
agenda ou caderno contendo o roteiro das atividades do dia em forma de fotos.
É indubitável que as demais crianças – especialmente as da Educação
Infantil, nas quais a abstração e a noção de tempo, por exemplo, ainda não estão
desenvolvidas – também são favorecidas com esta organização ambiental. A
flexibilidade também pode e deve ser trabalhada, porém apenas nos momentos
incidentais e adicionando-se uma informação prévia, como por exemplo: “Hoje
está chovendo e por isso não poderemos brincar no pátio”.
A criança típica aprende com facilidade atividades diárias básicas (como
comer, tomar banho, vestir-se). Já a criança autista possui dificuldade em
desenvolver estas atividades. Neste sentido, sobre a adaptação curricular,
Serra (2008, p. 47) esclarece que
“Para haver inclusão é necessário que haja aprendizagem, e isso traz a necessidade de rever os nossos conceitos sobre currículo. Este não pode se resumir às experiências acadêmicas, mas se ampliar para todas as experiências que favoreçam o desenvolvimento dos alunos normais ou especiais. Sendo assim, as atividades de vida diária podem se constituir em currículo e em alguns casos, talvez sejam “os conteúdos” que serão ensinados”.
Assim, a elaboração de um currículo funcional é tarefa do psicopedagogo
institucional. Tal currículo precisa ser desenvolvido com base na avaliação
psicopedagógica. Incluindo atividades diárias, privilegia o que precisa ser aprendido
em um determinado momento, partindo de uma tarefa de maior facilidade até o
domínio, de forma que a cada atividade alcançada demanda-se outra.
Quanto à avaliação da aprendizagem, considerando-se o desvio de
desenvolvimento que marca o autismo, o aluno autista precisa ter sua
aprendizagem checada segundo parâmetros particulares. Isto significa um olhar
sobre aquilo que a criança agora realiza; avaliar utilizando-se de critérios de antes e
depois e não de comparativos com a média de desenvolvimento da criança típica.
É também tarefa do psicopedagogo desenvolver ações junto às famílias,
de forma que estes se tornem co-autores do processo de inclusão de seus filhos.
Orientações precisam ser repassadas a fim de que determinadas estratégias
desenvolvidas na escola possam ter uma continuidade no ambiente de casa,
favorecendo assim o sucesso das intervenções e da educação do autista.
Assim, desde a maneira como a criança autista desenvolve atividades
básicas (como comer, tomar banho, vestir-se) até a estimulação que recebe para
desenvolver seu contato social, precisam ser consoantes nos dois ambientes.
Inclusive os brinquedos e materiais de desenvolvimento que são trabalhados na
escola podem ser utilizados no ambiente de casa.
Além disso, as próprias tarefas propostas pelas intervenções
comportamentais – métodos TEACCH, ABA E PECS –, já apresentadas no
presente trabalho, podem ser realizadas consoantemente na escola e na família.
No trabalho com as famílias cabe também ao psicopedagogo
conscientizar os pais ou responsáveis sobre os prejuízos da infantilização e os
benefícios do aprendizado da independência, visando desenvolver ao máximo
as potencialidades da criança autista.
Um trabalho junto aos demais alunos e pais de alunos também pode ser
necessário. Neste sentido o psicopedagogo poderá intervir a fim de evitar
preconceitos e favorecer a real inclusão do aluno.
No entanto, segundo o MEC/SEESP (2004, p.26), não é aconselhável
preparar o grupo de alunos, porque isto pode desencadear fantasias
imprevisíveis. As orientações devem ser passadas à medida que as questões
forem surgindo. Mas deve-se ser estar atento às possíveis situações de
rejeição seja pelas crianças ou pelo grupo de pais e responsáveis.
Nos momentos oportunos, as demais crianças podem ser esclarecidas
de que aquela criança não sabe falar muito bem, quer brincar com outras, mas
não sabe como fazer amigos, e por isto ela precisa de ajuda. Assim, caso
percebam que esta criança está sozinha – durante a recreação, por exemplo –
podem tentar pegá-la pela mão para levá-la até o grupo.
É importante que as demais crianças saibam como se aproximar.
Orientações como começar fazendo o que ela está fazendo para depois passar
para outra atividade, falar devagar e brincar falando o que está fazendo ou
pretende fazer, podem facilitar a interação. Além disso, as demais crianças
precisam ser orientadas a ignorar as estereotipias e gritos.
No campo da formação continuada de professores é importante
destacar que a atuação em classes inclusivas implica não apenas no
conhecimento sobre as especificidades da dificuldade com a qual será
desenvolvido o trabalho, “mas também uma reflexão crítica acerca do sentido
da educação e de suas finalidades” (Serra, 2004, p.32).
Ainda sobre esta questão, Cunha (2009) esclarece que:
“Não há como falar em inclusão sem mencionar o papel do professor. É necessário que ele tenha condições de trabalhar com a inclusão e na inclusão. Será infrutífero para o educador aprender sobre dificuldades de aprendizagem e modos de intervenção psicopedagógica se não conseguir incluir o aluno. E como se faz a inclusão? Primeiro, sem rótulos e, depois, com ações de qualidade. (...) é preeminente na educação um pensamento emergente que dê conta da complexidade da escola nos dias atuais. Necessário é olhar o homem como um ser integral, na sua estrutura biológica, afetiva e social. Com efeito, não podemos educar sem atentarmos para o aluno na sua individualidade, no seu papel social na conquista da sua autonomia”. (p. 101)
Assim, no processo de formação continuada de professores, cabe ao
psicopedagogo informar sobre as dificuldades e potencialidades da criança
autista, mas especialmente conscientizar sobre o ato de ser professor, suas
responsabilidades e potencialidades.
Esta conscientização pode ser alcançada favorecendo uma busca pelo
autoconhecimento pessoal e profissional. Como estratégias o psicopedagogo
pode utilizar-se de vivências, com a abertura de um espaço de escuta e
acolhimento ao professor, a fim de que este possa expressar suas angústias,
medos, decepções e refletir sobre suas práticas pedagógicas.
CONCLUSÃO
No artigo intitulado “Filho Ideal X Filho Real” (2004, p. 46), a psicóloga
Hildênia Nogueira Marques discorre sobre as expectativas e idealizações que
temos diante da gravidez e, conseqüentemente, para o desenvolvimento de
uma criança. É comum “sonhar com um “bebê-johnson”, sorridente, sempre
limpinho: o filho dos contos de fada”.
Ao adentramos as instituições escolares e utilizando-se de uma análise
mais minuciosa das relações ali encontradas, podemos visualizar que a
idealização quanto ao desenvolvimento infantil não é exclusiva das figuras
paterna e materna. Diversos são os docentes que buscam o “aluno ideal”,
frustrando-se ou amedrontando-se diante do “aluno real”.
No presente trabalho foram apresentadas algumas contribuições
psicopedagógicas para a inclusão escolar da criança autista. Dentre estas
citamos a formação continuada de professores, que acreditamos ser o ponto
central para a inclusão escolar de qualquer criança portadora de necessidades
especiais.
Especificamente no caso da criança autista, a formação continuada de
professores exerce um papel fundamental ao possibilitar um olhar sobre o
sujeito real (aluno real), com comportamentos por vezes bizarros, causadores
de estranheza e distantes dos comportamentos ideais socialmente aceitos.
A formação continuada de professores permite uma compreensão
sobre as particularidades do Transtorno Autista, favorecendo assim a
dissipação das construções sobre um sujeito ideal (aluno ideal), a abertura de
portas para a entrada na escola regular da criança autista e a reformulação de
práticas pedagógicas pelo professor.
Como visto neste trabalho, estas práticas necessitam de um
planejamento em função das necessidades, interesses e potencialidades da
criança autista. O PEP-R é apenas um dos instrumentos avaliativos possível de
ser utilizado; a Escala Portage é outro instrumento que pode ser considerado.
Um aspecto fundamental a ser compreendido para a efetiva inclusão da
criança autista é que este planejamento deve envolver não apenas a avaliação
realizada pelo psicopedagogo, mas também a família da criança e,
principalmente, a figura do professor, daí a importância de uma relação
empática, de respeito e acolhimento entre este e o aluno em questão.
Esperamos que este trabalho colabore para promover reflexões-críticas
e questionamentos aos diferentes atores envolvidos no campo educacional de
inclusão ao portador de necessidades especiais. O Transtorno Autista com
suas características peculiares pode ser considerado apenas como um
disparador de reflexões sociais sobre questões mais amplas.
Neste sentido, é interessante a reflexão instigada por Cleonice Bosa
(2002), no livro intitulado “Autismo e Educação”:
“Enfim, o autismo é uma síndrome intrigante porque desafia nosso conhecimento sobre a natureza humana. Compreender o autismo é abrir caminhos para o entendimento do nosso próprio desenvolvimento. Estudar autismo é ter nas mãos um “laboratório natural” de onde se vislumbra o impacto da privação das relações recíprocas desde cedo na vida. Conviver com o autismo é abdicar de uma só forma de ver o mundo – aquela que nos foi oportunizada desde a infância. É pensar de formas múltiplas e alternativas sem, contudo perder o compromisso com a ciência (e a consciência!) – com a ética. É percorrer caminhos nem sempre equipados com um mapa nas mãos, é falar e ouvir uma outra linguagem, é criar oportunidades de troca e espaço para os nossos saberes e ignorância. Se a definição de autismo passa pela dificuldade de se colocar no ponto de vista afetivo do outro (um comprometimento da capacidade empática, como diz Gillberg, 1990) é no, mínimo curioso, pertencer a uma sociedade em que raros são os espaços na rua para cadeiras de roda, poucas são as cadeiras escolares destinadas aos “canhotos” e bibliotecas equipadas para quem não pode usar os olhos para ler. Torna-se então difícil identificar quem é ou não “autista”.” (p.37)
Assim, considerando-se toda a evolução na temática da Educação
Inclusiva ao longo dos anos, mais do que aceitação da diferença, é necessária
a valorização das crianças com necessidades educacionais especiais. Dessa
forma, a inclusão precisa ser não apenas oferecida, mas batalhada, o que
envolve o compromisso da família, da Escola e da sociedade como um todo.
BIBLIOGRAFIA
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ÍNDICE INTRODUÇÃO ................................................................................................ 8
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DO DISCURSO À PRÁTICA ............................. 10
1.1- A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a
Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990) ................................................................................................ 10
1.2 - A Declaração de Salamanca (1994) e a LDB nº 9394/96 ................... 12
1.3 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(Resolução CNE/CEB nº 02/2001) ..................................................... 13
1.4 - Da Integração à Inclusão: Uma Análise Crítica ........................ 16
CAPÍTULO II
A CRIANÇA AUTISTA: LIMITES E POSSIBILIDADES ............................... 19
2.1 - Diagnosticando o Autismo ........................................................ 19
2.2 - A Criança Autista: Algumas Particularidades ............................ 21
2.3 - Autismo e Família ..................................................................... 23
2.4 - Diferentes Propostas de Intervenção ........................................ 24
2.4.1 - O Método TEACCH ....................................................... 25
2.4.2 - A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ............ 25
2.4.3 - O Sistema PECS .......................................................... 27
2.4.4 - Outras Intervenções .................................................... 27
CAPÍTULO III
CONTRIBUIÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS ................................................ 29
3.1 - Os Focos do Trabalho Psicopedagógico com a Criança Autista ......... 29
3.2 - Avaliação Psicopedagógica ....................................................... 31
3.3 - Intervenção Psicopedagógica .................................................... 32
CONCLUSÃO ................................................................................................ 36