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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
UMA DISCUSSÃO SOCIOPOLÍTICA DOS ASPECTOS
CONDICIONANTES DA PARTICIPAÇÃO DO MENOR NO
TRÁFICO DE ENTORPECENTES
Por: Alberto Avelino Frambach Neto
Orientador
Professor Francis Rajzman
Rio de Janeiro
Julho/2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
UMA DISCUSSÃO SOCIOPOLÍTICA DOS ASPECTOS
CONDICIONANTES DA PARTICIPAÇÃO DO MENOR NO
TRÁFICO DE ENTORPECENTES
Esta publicação atende a complementação didático-
pedagógica da metodologia da pesquisa e a
produção e apresentação de monografia à
Faculdade Integrada AMV como requisito parcial
para obtenção do grau de especialista em Direito
Penal e Processo Penal.
Por: Alberto Avelino Frambach Neto
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus, por me dar
essa oportunidade, a todos os autores,
ao corpo docente da Faculdade
Integrada AVM, aos meus colegas de
jornada, e pessoas que, direta ou
indiretamente, contribuíram para a
confecção desse trabalho acadêmico e
sua constante atualização.
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DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a minha filha, que
esteve ao meu lado nas horas difíceis e
nos momentos que algumas lágrimas
vieram aos nossos olhos.
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RESUMO
A inspiração na elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso decorreu
da experiência profissional no combate às drogas e na visão dos diversos
problemas que, neste universo, envolvem os menores e adolescentes. O
objetivo principal desta pesquisa é apresentar as discussões sociais e políticas
que buscam analisar e compreender os aspectos condicionantes da
participação do menor no tráfico de entorpecentes. Neste estudo, serão
tratados aspectos diversos sobre a criminalidade infantojuvenil, destacando-se
os sistemas de políticas criminais que estão em popularidade na atualidade, a
abordagem acerca da imputabilidade penal em seu contexto geral e as
políticas de Segurança Pública de prevenção e reabilitação do menor, as quais
notadamente geram debates doutrinários. Não há como negar que falta
preparo para discutir questões como drogas e violência com o público infanto
juvenil. A atuação de traficantes próximos as escolas é notória e
constantemente denunciada pela mídia que, somada a ausência da família no
cotidiano de seus filhos, só agrava o problema da influência e sedução ao
crime. É preciso uma maior conscientização por parte da sociedade,
autoridades e políticos para um problema que se agrava cada vez mais. É
preciso alertar para os riscos, lidar com a situação sem criminalizar; educar,
para que o menor não se torne um alvo precoce nas mãos dos traficantes.
Palavras chave: Infantojuvenil; Tráfico; Sociedade; Políticas; Prevenção
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METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica e documental, com
abordagem sociopolítica, com coleta de dados indireta, fundamentando-se na
sociologia, na Constituição Federal Brasileira, no Código Penal Brasileiro, no
Código Civil Brasileiro e Leis especiais, entre outras, o Estatuto da Criança e
do Adolescente, para análise e discussão do tema em foco.
Dentre os principais autores podemos citar: Pedro Scuro Neto (Sociologia
Geral e Jurídica), Carlos Eduardo Barreiros Rabelo (Maioridade penal e a
polêmica a cerca de sua redução), Mariângela Soares Marques Pereira
(Delinquência Juvenil: Abordagem sócio-jurídica sobre a redução da idade da
responsabilidade penal) e Silene de Moraes Freire (organizadora da obra
sobre: Direitos Humanos – Violência e Pobreza na América Latina
Contemporânea).
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 - CRIMINALIDADE INFANTOJUVENIL
1.1 . Questões Políticas
1.2 . O Crescimento dos Jovens na Participação Delituosa
1.3 . Fatores Condicionantes da Delinquência Infantojuvenil
1.4. Comentários Gerais
CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS LEGAIS
2.1. A Ausência da Responsabilidade Penal
2.2. A Maior Idade Infantil
2.3. Características Legais
2.4. Comentários Gerais
CAPÍTULO 3 – PROPOSTAS
3.1. A Prevenção, a Punição e a Repressão vistas pelas Políticas de
Segurança Pública
3.2. Natureza Jurídica das Medidas de proteção do Estatuto da Criança e do
Adolescente e a Teoria da Pena do Código Penal de 1940
3.3. Das Medidas de Proteção
3.4. Das Medidas Sócioeducativas
CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
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INTRODUÇÃO
Esta monografia tem como finalidade abordar a criminalidade infantil, expondo
opiniões de estudiosos e a visão da sociedade sobre o tema em foco, tendo
por base crimes cometidos por menores de idade ou com sua participação. A
legislação é analisada em sua evolução histórica, demonstrando o avanço da
lei no que se refere à proteção a criança e ao adolescente ao longo do tempo
até os dias atuais.
A violência e o crime têm se tornado um problema cada vez mais preocupante,
especialmente nos grandes centros. Para muitos, a solução desse problema,
estaria na reformulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de
Julho de 1990, ECA), no aumento da força policial, e na criação de mais
instituições prisionais.
Nesta pesquisa, não se questiona a idade do menor e se este tem ou não
capacidade de entender o caráter ilícito do seu ato. É notório que a grande
maioria dos adolescentes de hoje, possuem esse discernimento. A questão
deve ser enxergada em sua natureza política e social, consistindo em saber se
realmente deve-se reprimir e castigar ou, ao contrário, educar e proteger o
jovem e o adolescente que vive numa sociedade desigual e injusta, partindo da
realidade socioeconômica e cultural brasileira e, por isso mesmo, em diversos
aspectos tão violenta.
Considerando as responsabilidades da sociedade e do Estado na assistência e
cuidado ao menor, enfocando as estruturas familiares e diferenças sociais,
devem-se considerar as questões que tornam atrativas a participação do
menor no tráfico de entorpecentes. Dentre os principais atrativos destacam-se
o fácil acesso ao dinheiro, o poder exercido pelo domínio e uso das armas de
fogo, o “falso” controle sobre a vida e o destaque social na comunidade.
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Verdadeiramente, as causas reais da criminalidade entre os jovens, além das
desigualdades e exclusão social, que os impedem de gozar plenamente o
direito à vida, à habitação, à liberdade, à saúde, à educação e à busca da
felicidade, consistem, também, na ausência de referenciais éticos e morais, na
desestruturação familiar e na crise de valores. Desta forma, a resolução dos
fatores que tem origem na criminalidade infanto-juvenil não reside nas fórmulas
de redução da idade-limite, da imputabilidade penal e nem na internação
habitual dos jovens infratores. É necessário, desta forma, respeitar os direitos
básicos garantidos principalmente pela Constituição Federal da República
Brasileira, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelas Convenções
Internacionais subscritas e aceitas pelo Brasil.
É preciso buscar a compreensão para o fato de que em face da falta de
atendimento às suas necessidades básicas, o jovem tende a delinquência,
agindo instintivamente para sua sobrevivência e prazer, desvalorizando a vida
e conduzindo ao dilaceramento social. Compete aos Poderes Públicos, em
seus níveis, e à Sociedade Civil iniciarem um trabalho conjunto para a solução
deste problema.
Este trabalho, não possui pretensão de ser moralista ao tratar deste assunto,
mas sim demonstrar que o problema possui diversos olhares e propostas de
enfrentamento.
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CAPÍTULO I
CRIMINALIDADE INFANTOJUVENIL
Assistimos com certa freqüência nos diversos noticiários, demonstração do
envolvimento delinqüente em fatos criminosos sendo comum a prática
delituosa cometida por um menor de idade. Diversas questões são levantadas
quanto as medidas a serem tomadas, gerando expectativas e ansiedade da
sociedade na busca de soluções políticas a serem adotadas pelo poder público
e pela sociedade. (ARRUDA, 2008)
Existe violência em todo ser humano. O homem sempre foi violento ao longo
de sua história e continua fazendo isso até os dias de hoje. A expectativa é
que através da educação, seja possível controlar essa “carga hereditária”
violenta, inerente do ser humano. Há consenso de que, embora inerente ao
homem, a condição de “ser” violento é adquirida no decorrer do
desenvolvimento. Muitas famílias, pela condição infra-humana a que são
submetidas, são forçadas a conviver constantemente com situações violentas.
A isso, somam-se os brinquedos, em forma de armas em miniaturas,
colocadas facilmente ao acesso das crianças. Existe ainda a televisão, que
colabora com programas que divulgam imagens violentas e promíscuas que
findam por criar uma normalidade, considerando alguns aspectos comuns.
Alguns psicólogos, principalmente norte-americanos, têm concluído que a
criança se acostuma com a violência e que isso, não é benéfico. (AZEVEDO,
2004 / MORAIS, 2007)
Observando outra característica, notamos que a desigualdade social é um dos
fatores resultantes da violência, gerando graves problemas. Para poder
encerrar com tudo isso, são necessárias, medidas mais eficientes e não
simplesmente a tentativa de apontar culpados.
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Desta forma, a intenção com os fatos demonstrados, é que possamos
entender que não é suficiente simples a aplicação da lei ser mais severa para
castigar seus infratores, nem muito menos justificar as ações desses, com
suas misérias e patologias sociais, mas sim, saber a origem das causas que
incitam seus atos criminosos. Em face disto, é necessária uma aplicação da lei
em intensa afinidade com o sistema de políticas publicas de uma comunidade
mais atuante, pois os problemas desses menores ultrapassaram a esfera dos
laços familiares e pertencem agora a toda sociedade.
É essencial atender o processo de ajuste social, ou seja, reunir todos os meios
de controle social e por em prática as políticas públicas visando o progresso
social, honrando assim os direitos básicos que a Constituição assegura a
criança e ao adolescente. Desta maneira, tais questões devem ser examinadas
com precaução e estudos mais aprofundados para o estabelecimento, por
parte das autoridades, de medidas contra a violência, mais objetivas e que
beneficiem toda a sociedade e diminuam o problema dos menores infratores.
Não é suficiente, apenas aumentar o número de agentes policiais nas ruas e
dizer que o ladrão não presta. É também a efetividade da política de
atendimento sócio-educativo, a colaboração do poder público, reestruturação
das unidades de internamento, programas pedagógicos, capacitação
profissional aos jovens de baixa renda, aumentar o acesso a saúde (psicólogos
e psiquiatras), aperfeiçoamento do processo de execução das medidas
aplicadas aos menores, uma melhor sistemática judiciária no atendimento aos
menores, um aperfeiçoamento dos projetos que dizem respeito à liberdade
assistida, para reinserção social desse jovem e por fim, uma participação mais
efetiva da sociedade em parceria com governos e entidades não-
governamentais, buscando soluções com eficácia e conseqüências menos
danosas a sociedade e ao jovem infrator. (ARRUDA, 2008)
Tem que haver investimento real na educação para que a próxima geração
venha com pensamento na mudança e não a mudança no pensamento.
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1.1. Questões Políticas
A redução da maioridade e por conseqüência a responsabilidade penal, tem
sido abordada com determinada freqüência, e sempre que possível, por alguns
juristas, como Marques e Rabelo, que demonstram não ser suficiente,
responsabilizar os adolescentes pelo aumento da criminalidade, na tentativa de
induzir a opinião pública. Colocar a redução da maior idade como solução da
delinqüência juvenil, é simplesmente atender a interesses políticos, deixando
de enxergar e analisar outros fatores de maior complexidade e bem mais
importantes no combate a delinqüência juvenil.
A suposição de aprovação de projetos que tramitam no Congresso Nacional a
respeito da redução já provoca discussão. Ocorrendo a sanção, esta, atingirá
os menores que sofrem a falta de um sistema eficiente, oriundos da dissolução
familiar, da miséria instalada no país, que muitas vezes desvirtua crianças a
iniciarem o trabalho precocemente para ajudar seus pais na renda familiar,
quando deveriam está em escolas para garantir um futuro digno. Ao
observarmos o projeto, não devemos deixar de pensar nos problemas que
assolam o sistema penal brasileiro, ou seja, a falência de algumas de nossas
instituições: a legislação penal, o sistema prisional, a justiça e a polícia.
Vislumbrar a redução como uma solução apenas contribuiria para um futuro de
conseqüências catastróficas, como o aumento de presidiários nas
penitenciárias brasileiras, agravando ainda mais o problema da superlotação
carcerária e todos os males dela resultantes.
A grande pergunta que pode ser feita aos que sugerem a redução é a de
procurar saber o porquê de não cumprir o que determina o Estatuto da Criança
e do Adolescente, quando diz que é dever de todos (no sentido de poder
público, sociedade e família) assegurar os direitos fundamentais dos menores,
ao invés de discutir a proposta de redução.
O objetivo primordial deve ser compreender quais os fatores condicionantes
para que o jovem ingresse na criminalidade, seja o adolescente desprovido de
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uma vida digna como aqueles que vivem em situação de risco, seja ele
portador de condições econômicas favoráveis.
As mais freqüentes proposições se referem à cerca de que os jovens do século
XXI não são os mesmos daqueles jovens de 1940; na maturidade infanto-
juvenil, pois para os que propagam a redução, se valem na máxima de que os
jovens de hoje tem maior acesso à informação (política, técnico-científica,
social, econômica, etc.); o fato de que os maiores de idade se aproveitam da
inimputabilidade dos menores para cometerem crimes, jogando a autoria
desses delitos para esses jovens infratores, com a justificativa de que possuem
uma condição “privilegiada”, por que não são submetidos a um sistema
prisional e nem cumprem penas privativas de liberdade como aquelas impostas
pelo código penal brasileiro, outro fato pelo qual tenta se justificar tal tese é na
situação de que um adolescente com 16 anos de idade já poderá votar,
portanto deveria responder criminalmente. Nesse contexto, o menor de 16 e
18 anos precisa ser encarado como pessoa capaz de entender as
conseqüências de seus atos, vale dizer, deve se submeter às sanções de
ordem penal. Como exposto, o jovem nessa faixa etária possui plena
capacidade de discernimento. Sabe e consegue determinar-se de acordo com
esse entendimento. (Reale, 1990 / Jorge, 2002)
A ausência de informação e nitidez em algumas nomenclaturas jurídicas faz
com que a maior parte da população pense que esses menores infratores
ficam impunes perante a lei, não é todo cidadão que compreende o sentido de
inimputabilidade, para alguns é sinônimo de ausência da lei. Temos
conhecimento, de que tal compreensão, descobre-se em total
incompatibilidade com a realidade, pois a esses menores são ministrados
outros tipos de normas, que podem não ser as mais eficazes, mas buscam
responsabilizá-los dentro da legislação vigente. Contudo, essa posição ainda
cria certa incapacidade de reconhecer diferenças na sociedade brasileira e
enquanto isso os políticos anunciam soluções inocentes, pois não procuram
esclarecer ou analisar os fatores que condicionam esta específica
criminalidade.
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Na verdade o que se pretende com tais justificativas é não enfrentar as
verdadeiras causas geradoras da violência. Esses argumentos são ilusões
criadas para convencer a sociedade de que o problema se resolve por um
único caminho. Porém se compactuarmos com tal proposta as conseqüências
serão as mais variadas possíveis, pois se a atenuação da idade penal for a
solução chegará o dia em que o nascituro será punido mesmo estando dentro
da “barriga da mãe” por ser um possível delinqüente em potencial. (ARRUDA,
2008)
Ante, esta resumida análise dos argumentos acima mencionados, podemos
comprovar as fragilidades nas quais estão baseadas as justificativas para a
redução da maioridade penal.
1.1.1. Capacidade Política
Esta argumentação manifesta-se na possibilidade de que um jovem de 16
anos já pode votar, contudo não envolve o reconhecimento de sua plena
capacidade política. Não podemos esquecer de que a Constituição elenca
como uma faculdade o direito de votar aos maiores de 16 anos e menores de
18 anos (art. 14, inc II, a, da Constituição da República Federal). Uma vez que
se trata de um consentimento, apenas aos 18 anos, irão contrair o direito de
serem votados.
Todo ordenamento jurídico necessita de uma idade para a aquisição ou a
perda de um direito, como por exemplo, só é possível o casamento a partir de
16 anos e com autorização dos pais, incapacidade civil absoluta até os 16
anos e relativa dos 16 aos 18 anos, para exercer cargo público a partir dos 18
anos de idade, para ser Prefeito apenas quando contar com 21 anos de idade.
Portanto na jornada da vida deve-se respeitar o amadurecimento humano e a
formação do individuo, antes de puni-los como criminosos. (PEREIRA, 2006)
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1.2. O Crescimento dos Jovens na Participação Delituosa
Nos diversos meios de comunicação são propagadas imagens de menores
praticando delitos, o que nos faz refletir sobre a participação desses em
atividades criminosas. Contudo, se examinarmos com minúcia, entenderemos
que o porquê da análise na questão do menor, não se trata só de um possível
aumento de específica criminalidade, mas sim, de um induzimento da
população ao erro, novamente jogando a culpa na lei e esquecendo os fatores
sociais que matam a cada dia nossa juventude.
De acordo com a pesquisa realizada pelo ILANUD (Instituto Latino-Americano
das Nações Unidas), para a prevenção do delito e Tratamento do delinqüente,
os atos infracionais equiparados a crimes realizados pelos adolescentes não
atingem 10% do total de crimes praticados no Brasil e, de todos os atos
praticados, somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande
maioria desses atos, cerca de 75%, são crimes contra o patrimônio, destes
50% são de furto, ou seja, crime em que não há o elemento “violência”.
(ARRUDA, 2008)
Observando o estudo estatístico, não se pode deixar de constatar que o
número de adolescentes envolvidos com alguma espécie de “delito” não é para
ser desprezado, contudo, é inferior ao da população adulta que comete atos
criminosos.
O desprezo dos responsáveis (políticos) por campanhas e programas que
possibilitem a inclusão social e melhoras dos centros de internamentos
(superlotados e desestruturados, sem condições mínimas de ressocialização),
são alguns dos fatores condicionantes a não inclusão social do jovem infrator.
Não se cogita encobrir que o atual Estatuto da Criança e do Adolescente
precisa de mudanças (atualizações a globalização hoje existente e ao
conhecimento difundido). Contudo, não devemos privar o menor da proteção,
prevenção e ressocialização. Discorrer sobre o jovem delinqüente do mesmo
jeito que a um criminoso adulto e de pleno discernimento é na verdade não
respeitar a condição de desenvolvimento do adolescente. Podemos interpretar
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que se fosse fácil a aplicação de um tratamento mais severo aos criminosos, a
lei de Crimes Hediondos, Porte Ilegal de Armas e lei Maria da Penha, por
exemplo, seriam sinônimos de atenuação da violência em suas formas.
Ao comentar da reciprocidade e o jovem infrator, Oscar Vilhena, membro do
ILANUD afirma:
“não parece haver outra forma conseqüente de controle
da violência e do envolvimento de jovens com o crime,
que não o modelo de proteção integral, que agrega
educação e responsabilidade, conforme estabelecido pela
legislação infanto-juvenil”. (Delinquência Juvenil: Breve
Abordagem Sócio-Jurídica sobre a Proposta Reducionista
e o Jovem Infrator, 2010)
Baseado nessa abordagem constata-se o cuidado quanto ao desenvolvimento
e recuperação do jovem. Seria um desprezo social colocar os menores nas
maiores “universidades do crime” existentes no país, que são as nossas
penitenciárias.
1.3. Fatores Condicionantes da Delinqüência Infanto-Juvenil
Considerado por muitos, como um dos trabalhos de pesquisa comparativa,
realizado com jovens em situação de risco mais bem estruturado e elaborados,
já apresentados na doutrina criminológica, intitulado: Pesquisa Acerca da
Delinqüência juvenil, levado a cabo pelo professor Jorge Trindade, e publicado
em sua obra, Delinqüência Juvenil, compêndio transdisciplinar, representa
efetivo contributo científico para o debate, pois além de seguir os passos do
rigor teórico-metodológico, avança em diversos matizes do conhecimento, da
atualidade e realidade do tema. (TRINDADE, 2002)
Em pesquisa efetuada na data de 16 de setembro de 2010, George Laurindo
de Andrade, Professor universitário e Doutor em Direito, apresenta dados
sobre a delinqüência juvenil. Notas históricas e criminológicas (TRINDADE,
17
2002). Embora a pesquisa tenha sido realizada, há mais de uma década, e
tendo por objetivo específico comparar grupos de delinqüentes jovens do Brasil
e da Espanha, tomando por base de coleta, grupos de Porto Alegre e de
Sevilha, algumas informações levantadas são relevantes e bem atuais,
destacando-se:
1) A delinqüência juvenil predomina no sexo masculino em uma proporção de
4 para 1.
2) No âmbito das populações estudadas, a delinqüência juvenil polariza-se em
torno dos 15 anos de idade.
3) Os jovens delinqüentes de Porto Alegre procedem mais da periferia urbana
do que em Sevilha. Porém, a delinqüência é predominante mente urbana, tanto
em Porto Alegre, quanto em Sevilha.
4) Tanto em Porto Alegre, quanto em Sevilha, a delinqüência juvenil está
associada a uma renda familiar identificável com o nível de pobreza.
5) O fenômeno "meninos-de-rua é específico da amostra brasileira, onde um
(1) de cada cinco (5) delinqüentes juvenis é carente de residência, e um (1) de
cada cinco (5) não têm residência fixa.
6) O analfabetismo é maior nos jovens delinqüentes de Porto Alegre do que
nos delinqüentes de Sevilha.
7) Os delinqüentes juvenis, tanto em Porto Alegre quanto em Sevilha, provêm
de famílias numerosas.
8) A desestruturação familiar é um fator influente na delinqüência juvenil,
sendo a separação dos pais mais expressiva em Porto Alegre do que em
Sevilha.
9) A ausência e a privação da figura paterna são elementos importantes na
configuração da delinqüência juvenil, tanto em Porto Alegre, como em Sevilha.
18
10) O desemprego do pai parece ser um fator contributivo para a delinqüência
juvenil em ambos os grupos estudados.
11) A freqüência escolar dos delinqüentes, tento em Porto Alegre, quanto em
Sevilha, é consideravelmente inferior em relação aos não delinqüentes.
12) Os maus-tratos físicos e psíquicos parecem afetar, tanto em Porto Alegre
quanto em Sevilha, delinqüentes e não-delinqüentes.
13) O consumo de drogas alcança a totalidade dos delinqüentes, e
aproximadamente a terça parte dos não-delinqüentes.
É importante ressaltar que tais dados foram coletados, tratados e analisados
em 1998, e já decorridos mais de uma década, os resultados acima apontados,
parecem demonstrar a atualidade do tema mais e mais perceptível. Quando os
meios de comunicação expõe as cenas chocantes relacionadas à onda de
violência, mormente àquela relacionada à criança e ao adolescente, mais
confirmam-se estas e outras circunstâncias, primordialmente as condições nas
quais a família está inserida, e no "entorno" da delinqüência juvenil.
"Como se evidenciou, a tentativa de buscar relações de
causalidade entre a ausência da figura paterna e
delinqüência juvenil não constitui novidade.
(COHEN,1968) Estudos mais recentes, alguns
confrontados por decisões dos tribunais de menores
(Varas da Infância), procuram, com maior segurança,
demonstrar que a ausência paterna é muito mais
significativa em grupos de delinqüentes juvenis do que na
população jovem em geral." (TRINDADE, 2002)
Ora se é crível aceitar os resultados de dados e de observações colhidas nos
grupos de risco, objeto de estudo das pesquisas acima, tomando por base a
questão do pai, da escola, das drogas, como possíveis "variáveis"
intrinsecamente relacionadas com a questão da delinqüência juvenil, é
19
dedutível então apontar para a família, e ao Estado, como potenciais "loci" de
produção e reprodução da questão do menor. (ANDRADE, 2010)
Assegurando que a idéia principal apontada para a família como estrutura
responsável pela transferência de valores, que falha no delinqüente, e na
maioria das vezes, tal fracasso ou perda de tais referenciais guia a criança ao
desatino de perder sua identidade, ou não saber efetivamente quem ela de
fato é. Esse rompimento de valores e referências, aumentada pela crise das
estruturas sociais e políticas, num mundo cada vez mais diversificado, constitui
uma realidade de sérios riscos a criança e ao jovem adolescente.
Estes assuntos que demonstram não se prender diretamente ao mundo
jurídico, mas sim a tendência psico-social da família, e por consequência da
criança e do adolescente, acabam por encontrar o ambiente jurídico, vez que,
a conduta delitiva, ou melhor, o ato infracional, é preceitualmente, conduta
necessária das convivências familiares e sociais, assim como não há que
negar que a produção jurídica, e portanto, o Direito é um fato social.
Com o objetivo de salientarmos este conhecimento, recorro, novamente, ao
profundo trabalho de TRINDADE (2002), o qual, em ensaio criminológico,
demonstra a influência no aprendizado de teorias psicológicas e questões
sociais muito pertinentes, que encerram a noção de transgressão, falta, ilícito,
tão elucidativas no universo científico do menor não somente carente, mas
também, por conseqüente, via de regra delinquente:
"Para nós, além das teorias da transgressão, da
oralidade, do conteúdo narcisista marcado pelo 'eu faço',
e da teoria da falta, fica, de um lado, a idéia de que a
impossibilidade da aquisição da noção de lei decorre de
uma falha ou prejuízo no processo de internalização do
grande não paterno fundante da cultura e da ordem, que
a criança, não encontrando dentro de si, vai buscar fora,
no mundo exterior, pois é imprescindível um continente
para seus conteúdos; de outro, o fracasso do pai, aquilo
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que GRUNSPUNG (1997) denomina pai desertor, típico
de um pacto perverso, vivenciado como uma oceânica
falta de pai, em que se produz a convocação do pai-
ausente, que é chamado pela conduta transgressiva, na
qual se dá um pseudo-trunfo sobre um pseudo-objeto.
Primeiramente essa busca se dá dentro da família, mas
se ela também falhar, o caminho seguinte será buscar os
limites externos, heteronomicamente estabelecidos na
medida em que vêm de fora para dentro, na escola. Se
essa pauta acessória de educação por acaso também
não satisfizer os anseios da criança, ela recorrerá ainda a
instituições mais severas, conseqüentemente de
funcionamento mais primitivo, tais como a polícia, a
justiça ou o hospital. Porém, se nessa trajetória de
errâncias as deficiências se acumularem, a delinquência
se estabelece como um conflito de vida, como um grito de
socorro, um pedido de ajuda, uma tentativa desesperada
de contenção externa para impulsos incontroláveis.
TRINDADE destaca ainda questões que comprometem e agravam o
psicossocial, como a ausência de leis, ou seu cumprimento:
Não podendo suportar o sofrimento psíquico de um viver
mutilado pela ausência da lei, agora interna e já externa,
restará para a criança, inscrita num mundo que é social e
cultural, a alternativa inconsciente da delinquência como
sintoma. Em medidas extremas, encontrará o caminho da
loucura, enquanto a forma de se alienar do mundo para
aplacar o sofrimento a que a condenação de estar
marcado pela lei primeva o sentencia; ou, então, buscará
a via do suicídio, praticando diretamente a interrupção de
sua própria existência, carregada de uma dor psíquica
insuportável, ou, indiretamente, realizando atividades
21
perigosas de confronto com as forças punitivas
implacáveis; em qualquer das duas hipóteses, destruindo-
se a si mesma antes de ser destruída”. (TRINDADE,
2002)
Quando a verdade projeta-se num quadro diabólico de muitas causas, embora
o legislador, normalmente de formação positivista encare o problema
basicamente sob o olhar da condição da norma, a doutrina, combate de forma
crítica e radical para um complexo de fatores que ultrapassam, mas que
existem no âmbito jurídico.
É de tamanha importância a questão da criança e do jovem adolescente para a
vida em sociedade, que o alcance das idéias se ampliaram e se fortaleceram
no sentido da emergência e do fundamento da questão a nível dos princípios.
Elogiar o princípio da honestidade do homem sem afastá-lo da discussão
econômica e política, é um problema essencial no debate posto (delinqüência
juvenil). A falta de riquezas é uma das questões primordiais, oriunda de um
sistema econômico, que apresenta conseqüências na vida de uma sociedade.
Nos pensamentos do professor Ingo Wolfgang Sarlet, pobreza e exclusão
social são claras violações aos direitos humanos fundamentais. Passando
assim a mencionar:
"Nesse contexto, vale lembrar, ainda, que o ponto de
ligação entre a pobreza, a exclusão social e os direitos
sociais reside justamente no respeito pela proteção da
dignidade da pessoa humana, já que - de acordo com
Rosenfeld - 'onde homens e mulheres estiverem
condenados a viver na pobreza, os direitos humanos
estarão sendo violados'. (...) implica uma violação da
dignidade, que, no entanto, resta configurada sempre que
a pobreza resultar em exclusão e déficit efetivo de
autodeterminação, o que se verifica na pobreza e na
exclusão, em função de decisões tomadas por outras
22
pessoas no âmbito dos processos políticos, sociais e
econômicos." (SARLET, 2002)
Dada a circunstância de desprezo à família, seja pelo resultado acima descrito
(pobreza, exclusão social, etc.), ou por empregar, em grande proporção à
figura paterna à conseqüência da causa da tragédia juvenil, no que foi
declarado nessa abordagem criminológica (viés psíquico), o que dizer da
inércia das elites políticas dominantes, e em última análise, concluindo: qual a
parcela de culpa, ou responsabilidade do poder público no que se refere ao
menor em risco? Na procura de prováveis respostas para tais perguntas, é
necessário entendermos que é o Estado quem investiga e apura soluções para
o problema do menor abandonado, sabendo que este é principalmente em
face da realidade censurável, o agente que pratica atos infracionais.
O professor de Criminologia e defensor da Prevenção Criminal, Dr. João Farias
Júnior, afirma que a criminalidade é uma extensão da marginalidade e da
desagregação familiar do menor e, esse processo de marginalização apresenta
toda uma cadeia evolutiva, iniciando-se com a intenção do menor no mundo do
marginalismo e culminando com a sua integração no submundo da
criminalidade, que é o grau máximo da marginalização social. (ARRUDA, 2008)
Esta argumentação possui enorme valor no conhecimento das doenças
sociais, pois mostra um dos maiores fatores circunstanciais para o jovem
delinqüir que é a extensão da criminalidade dos pais para seus filhos, que na
verdade são muitas vezes os professores do crime, resultando em uma
desagregação familiar e de valores completamente distorcidos. Uma
demonstração dessa carência ética e educacional é quando um filho observa
seu pai, subornando de alguma forma (favorecendo a vantagem ilícita) um
guarda de trânsito com o objetivo de evitar a multa. Esta situação pode
aparentemente ser comparada a um fato sem importância. Mas será que o
provedor da educação básica não estará distorcendo a conduta de seu filho no
futuro?
23
O magistrado Romano Ricciotti (1992), esclarece em discurso pronunciado
pelo motivo da inauguração do ano judiciário em Bolonha, Itália, que a
delinqüência juvenil é motivo de particular alarme não só pelo crescente
número de infrações, mas também pelas circunstâncias perigosas das formas
com que se apresentam na sociedade moderna, e pelo alto índice de
reincidivismo. Reconheceu que inúmeros fatores estão contribuindo para o
incremento do fenômeno da delinqüência: a crise do consumo e a escassez de
bens materiais, a iniqüidade sócia, a quebra do modelo tradicional da família, a
crescente mídia, a insuficiência da ação educativa, a predominância da moral
hedonista e dos impulsos agressivos. (ARRUDA, 2008)
1.3.1. Fatores Familiares
A origem mais próxima a encorajar a delinqüência do menor é a falta de
instrução, a separação, o estrago da instituição familiar. Esta separação e
estrago familiar que muitas vezes tem ligação com o alcoolismo e falta de
conhecimento e educação dos pais.
Se entendermos, supostamente, que a família exerce um papel decisivo na
personalidade dos filhos desde os tempos antigos até hoje, a falta de
adaptação da instituição familiar, a ausência de unidade, são os fatores
sintomáticos de grande parte da criminalidade. Observando somente os casos
que aparecem na mídia, logo é possível notar que a grande maioria desses
menores são filhos de mãe solteira, órfãos, filhos de pais separados, filhos de
criminosos, constituindo dessa forma, um elevado índice desestruturação
familiar. Conseqüentemente, é possível em alguns casos que a separação
familiar esteja ligada a falta de amor entre os pais e a criança e a falta de
instrução dos pais. (MARCELINO, 2004)
A ausência da presença dos pais para o desenvolvimento da criança é outro
regulador para o comportamento delinquente. Um juízo aceito na doutrina, é
que as relações afetivas encorajam a existência adequada da criança, tanto
que seu desamparo psíquico e afetivo é considerado abandono material. Não
24
há receio de que a ausência de um deles converta-se na perda de um
referencial, que esses jovens tanto precisam na fase da adolescência para o
seu completo desenvolvimento.
O direito demonstra o tamanho da importância que possui a família, quando se
dedica a questões ligadas ao reconhecimento de filhos, por exemplo, e suas
distinções.
1.3.2. Fatores Econômicos
A maioria desses menores delinquentes são oriundos da pobreza vivida por
muitas famílias. Essas famílias sobrevivem nos viadutos, em casebres
sustentados por finas ripas de madeira e em tantos outros lugares privados
das qualidades necessárias para a vida do ser humano. A condição de
pobreza é originária da falta de emprego. Esta afirmação demonstra que o
fator econômico está diretamente ligado ao delinqüente juvenil, manifestando-
se como prova, que a grande parte dos delitos é cometida contra o patrimônio,
corroborada pelo elevado índice de furto, evidenciado pela pesquisa do
ILANUD (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas).
A maioria da população brasileira recebe menos de um salário mínimo. A outra
parte mais favorecida, que ganha um salário mínimo ou mais, desfruta das
garantias que a Constituição Federal elenca em seu artigo art. 6 inciso IV (o
salário mínimo deve atender as necessidades básicas e as de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social). Verdadeiramente, essa “fatia” da população vive na
pobreza e os seus filhos são as crianças ou jovens que vivem em condição
social, econômica, afetiva e social desfavorável em sua maioria, sendo um
atrativo potencial para o convencimento ao crime. A ausência de circunstâncias
favoráveis de trabalho cria uma violência sem tamanho, pois com a ausência
de comida, os filhos choram e os pais, muitas vezes em atitudes desesperadas
enxergam muitas vezes na criminalidade sua única saída.
25
1.3.3. Fatores Pedagógicos
O saudoso Rui Barbosa alertava a nação para o grave problema da falta de
educação, de formação moral e a ignorância (a falta de representação da
realidade), dizia:
“A nosso ver, a chave misteriosa das desgraças que nos
afligem é só esta: a ignorância popular, mãe
da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a
existência constitucional e livre da nação. Eis o formidável
inimigo e destino que se asila nas entranhas do País.
Para o vencer, releva instaurarmos o grande serviço a
cuja frente incumbe ao parlamento a missão de colocar-
se, impondo, intransigentemente, á tibieza dos nossos
governos, o cumprimento do supremo dever para com a
Pátria”.
Esse fator gira em torno da falta de educação que se encontra fundamentada
na evasão escolar da qual tem ligação com o trabalho forçado desses menores
em lavouras e outros tipos de trabalho, na falta de formação de professores e
de escolas estruturadas. Aquele que não possui educação e formação
dificilmente se sobressairá perante a sociedade, e quando menos esperar
estará nos horizontes da potencialidade criminal, e não se aperceberá da
verdadeira extensão do mal que o aflige, pois a realidade será sobreviver e
integrar-se a adaptação das ruas, logo esse adolescente aprenderá as
sutilezas, malicias e a violência das ruas, quando roubar será somente um
meio de sobrevivência. A falta de educação de grande parte da população
brasileira é um dos reflexos da criminalidade.
Portanto tem toda razão COSTA (1992) quando afirma “O adolescente de rua
é antes de mais nada um fugitivo: da miséria, dos maus tratos, da polícia, da
morte”.
26
1.3.4. Fatores Ambientais
O crescimento da população e a ocupação das áreas urbanas e rurais
apresenta uma grande capacidade de provocar anormalidades e combates
pessoais e interpessoais. O aumento demográfico mundial está próximo a um
estado de aglomeração humana, que dificulta uma convivência interpessoal
harmônica. Sabemos que as diversas variações de rendimentos, com a
enorme reunião das farturas de pequenos grupos da sociedade, intensificando
mais a pobreza daquelas pessoas que não possuem o mínimo exigido para a
sobrevivência. Um prático exemplo desse agrupamento humano são as
imigrações que formam as concentrações de miséria, indo morar em
comunidades carentes e passando a conviver com marginais e criminosos.
Para os países em desenvolvimento o gigantesco aumento da concentração
populacional nas grandes metrópoles com o atrativo de melhores
oportunidades de emprego, um enriquecedor convívio com diferentes
experiências de vida e acesso cultural vem desencadeando uma desenfreada
desordem urbanística tornando-se um centro irradiador de falta de moradia, de
poluição, de desemprego e da violência. Uma cidade má organizada pode ser
fonte direta do aumento da criminalidade, seja com o congestionamento do
trânsito, a inexistência de áreas de lazer, a inexistência de empregos dignos
para todos os cidadãos, todos esses distúrbios públicos acarretam
conseqüências nos índices da violência.
A afirmação de Enrico Ferri (professor de direito penal e criminologista italiano
referindo-se a sua obra Sociologias Criminais) de que o homem não nasce
delinquente, mas que ele se torna delinqüente, se adapta perfeitamente aos
argumentos expostos, uma vez que o homem torna-se criminoso durante a
jornada de sua vida, seja por causa do meio social ou do meio ambiente, tais
fatores tendenciam no propósito de que tal pessoa venha a ser um potencial
delinquente.
27
1.4. Comentários Gerais
A rotina de atos infracionais entre menores delinquentes está intimamente
relacionada com as situações de vulnerabilidade social vivida pelas famílias. A
ausência de bens materiais não é a única qualidade responsável pela
presença de adolescentes na criminalidade urbana, mas fator reunido à baixa
escolaridade, à fragilidade dos vínculos familiares e à violência social que
integra o cotidiano das pessoas. A família, paralelamente com outras
instituições, responde pelo desenvolvimento físico, cognitivo, social e afetivo. A
não superação das dificuldades enfrentadas pelas famílias, tanto do ponto de
vista financeiro quanto das relações sociais e afetivas, induzem o adolescente
a uma situação arriscada que pode estimular o seu ingresso na criminalidade.
A sociedade e mais especificamente, a escola e a família, concentram a
problemática ao redor da delinqüência juvenil. Nasce, portanto a idéia de que a
delinqüência é produto da impossibilidade da sociedade como um todo de
realizar as suas competentes funções sociais.
A delinqüência juvenil é analisada como uma ausência de domínio, uma
falência do mundo adulto e das suas responsabilidades em relação à geração
mais nova. A ausência de orientação ao longo do progresso infantil e juvenil
justifica a origem de atitudes que muito se distanciam daquelas, que aos
nossos olhos representam a concepção ideal de infância e de juventude.
Percebemos que existem resultados e condições para que o jovem ingresse na
delinqüência. Quer o jovem privado de uma vida honrada (como os que vivem
em comunidades carentes), quer seja ele portador de condições econômicas
favoráveis.
A escassez de riquezas e a exclusão social significam no Brasil, grandes
impulsionadores da delinqüência infanto-juvenil, a lançar nas vias públicas do
país um contingente cada dia maior e mais exposto à criminalidade adulta
tornando-se "parceira" e vítima da mesma.
Torna-se indispensável observar que a violência não se acha apenas nos
crimes, mas também nas desigualdades sociais que podem ser
28
manifestamente percebidas na má distribuição de renda e no salário mínimo
que não assegura os objetivos mais básicos de uma família.
São necessárias leis, programas e circunstâncias ideais para o seu
cumprimento, condições reais e adequadas de reintegração para o infrator,
fornecendo capacidade de convívio na sociedade, com a garantia de
educação, emprego, saúde, segurança e dignidade para atingir seus objetivos.
29
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTOS LEGAIS
A Constituição da República Federativa do Brasil recepcionou em sua redação
original, os direitos e garantias fundamentais. No campo do Direito
Internacional, a guarda ou resguardo dos ditos direitos infanto-juvenis, ganhou
enorme força, com os invocados movimentos internacionais de proteção à
infância, notadamente com a Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança, celebrada pela ONU, em 1989. O Brasil adotou, na totalidade, o texto
da referida Convenção, por ocasião do Decreto nº 99.710 de 1990.
De acordo com o Mestre e Professor Paulo Bonavides, em seu trabalho "Curso
de Direito Constitucional", as garantias constitucionais podem ser tanto da
Constituição, como "garantias dos direitos subjetivos expressos ou outorgados
na Carta Magna, portanto, remédios jurisdicionais eficazes para a salvaguarda
desses direitos."
Com a entrada em vigor da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA), foi demonstrada positivamente, uma notável alteração na
regra jurídica do Direito da Infância e da Adolescência, com nova legislação
infraconstitucional.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) optou pela chamada doutrina
da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Este conjunto de
princípios tem por intuito, determinar um grupo de modos, mecanismos e
instrumentos jurídicos de relação interna e internacional, com o intuito de
garantir e proteger os direitos destes.
A indicação primordial deste ensinamento é corroborado no aspecto de ser o
Direito das Crianças e dos Adolescentes, um direito universal. Não se usa mais
alusão à categoria em outro tempo mencionada, de menor, que possa ser
identificada como menor carente, abandonado, delinqüente ou infrator; a
extensão das regras escritas passa a dirigir-se à totalidade de crianças e
adolescentes (LIBERATTI, 2007).
30
Os Direitos e Deveres Individuais, oriundos dos Direitos e Garantias
Fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil não
sofrem efeitos de supressão, em face do modo que explicam as causas e
linhas mestras da Carta Constitucional, que dessa forma orientam todo o
conteúdo de seus preceitos. Baseado neste argumento, que está incluído o
artigo 228 da CRFB (Princípio da Inimputabilidade Penal - “São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial”). A superioridade dos preceitos constitucionais está publicamente
acautelada pelo artigo 60, parágrafo 4.º, ao estabelecer que os direitos e
garantias individuais, dentre outros, não poderão ser objeto de deliberação,
para a sua supressão, através de Emenda Constitucional. Analisando dessa
maneira, se o arigo. 228 não permite modificação, a proposição de redução da
idade-limite da responsabilidade penal, se assemelha, evidentemente, como
flagrante de inconstitucionalidade.
2.1. A Ausência da Responsabilidade Penal
Torna-se necessário eliminar a afirmação adulterada de que os adolescentes
(compreendidos entre os 12 e 18 anos incompletos, segundo o Estatuto da
Criança e do Adolescente), não são responsabilizados. Pois ao cometerem
atos que a lei declara puníveis, não ficam impunes. A inimputabilidade (que
não é a mesma coisa que irresponsabilidade) demonstra que apenas os
adolescentes serão punidos de acordo com legislação a eles destinada. Ainda
que esta discorde da legislação destinada aos maiores de 18 anos,
principalmente por ser oriundo do principio da proteção integral e de ter um
conteúdo pedagógico.
Conforme o Artigo 228 da Constituição da República Federativa do Brasil, o
Artigo 27 do Código Penal e o Artigo 104 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que subordinam o menor a uma legislação especial: Os menores
de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos ás normas
estabelecidas na legislação especial.
31
Essa fronteira no limite mínimo da idade para a imputabilidade penal é
ratificado na maioria dos países (Áustria, Colômbia, Dinamarca, Finlândia,
Holanda, México, Noruega, Peru, Uruguai, etc.).
O Estatuto da Criança e do Adolescente emprega as medidas sócio-educativas
para os que transgridem a norma jurídica, causando dessa forma uma
revelação do Estado em solução ao ato infracional, que tem a mesma
finalidade do Código Penal, isto é, proibir o cometimento e mostrar uma
medida que possui particularidade pedagógica e educacional, de forma que
torne possível o infrator a entender a natureza não lícita do fato.
Essa demonstração ao menor infrator, pelo Estado, equivale a uma imputação
de responsabilidade pelo delito. Merece consideração recordar que algumas
normas examinadas no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo
112, são equiparadas aquelas previstas no Código Penal para os adultos,
como por exemplo: a prisão que é semelhante à internação do menor.
Sabemos que o legislador ao estabelecer as medidas sócio-educativas, inseriu
um efeito legal diferenciado ao menor, observando nesses a forma especial de
indivíduos em desenvolvimento, com base na Proteção integral que guia toda o
conjunto de normas referentes ao menor.
Na opinião do Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, José Heitor do
Santos (Artigo sobre Redução da Maioridade Penal), a questão, não é reduzir
a maioridade penal, que é uma proposta com a intenção de encobrir as falhas
dos poderes, das Instituições, família e da sociedade. Deve-se buscar corrigir
as normas de execução das aplicadas aos menores, já que contém
determinadas falhas, como a ausência do real cumprimento de regras públicas
e desobrigar os culpados de responsabilidade pelo desrespeito aos direitos e
garantias fundamentais da criança e do adolescente, prevista na Constituição
Federal. Com o objetivo de buscar a reabilitação de jovens delinqüentes,
devemos corrigir, aperfeiçoar e por em funcionamento, um processo de
execução mais moderno, diferente do adotado para o maior, que é
reconhecidamente falido, e que apenas serve para depravá-los ainda mais.
32
A sociedade ao exigir imediatamente o cumprimento das medidas pelo poder
público, requerendo a redução da idade penal, tira de sua memória que esses
delinqüentes são frutos da carência social. Quantas crianças e adolescentes
permanecem nas ruas sem teto, sem alcançar o ensino ou a saúde, e outros
sendo vítimas da prostituição e do trabalho, seja em qualquer lugar, forçados a
trabalhar em lugares inapropriados para um jovem em crescimento.
2.2. A Maior Idade Infantil
Num grupo de indivíduos que vivem sob normas comuns, atualmente, investida
das mais diversas tecnologias, não se pode negar que um adolescente, tenha
um extenso discernimento e uma enorme condição de perspicácia sobre a
ilicitude de suas ações. Tal observação se justifica no acesso hoje existente e
na globalização dos meios de comunicação. Contudo, não saber distinguir as
informações fragmentadas como as da televisão ou da Internet é desvirtuar a
idéia, e o caráter das normas morais e éticas a serem ensinadas aos jovens,
uma vez que estes mecanismos não constituem a totalidade do ser humano. É
claro que qualquer jovem, consegue distinguir entre o certo ou errado,
entretanto isso não afirma que esse jovem esteja em completo
desenvolvimento físico e psicológico. É necessária a devolução da estrutura
das organizações públicas, da educação, das ofertas de empregos apropriados
que possuam uma função importante no confronto das irregularidades sociais,
produzindo dessa forma uma diminuição da criminalidade.
Ao discorrer sobre a Redução da Maioridade Penal, o Professor Julio Fabbrini
Mirabete (Autor do Manual de Direito Penal), comenta que: “A redução do
limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política
penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com
delinqüentes contumazes”.
Existe uma inclinação atual em diminuir o limite de idade para subordinar os
menores delinqüentes, às regras dos adultos. No artigo 33 do Código Penal
Brasileiro (Decreto-lei n.º 1.004/69), seguindo uma apreciação biopsicológica,
33
torna-se possível a obrigação de castigo ao jovem adolescente, se este
mostrasse considerável adiantamento psíquico para compreender o caráter
ilegítimo do fato de decidir-se conforme essa compreensão.
Alguns estudiosos demonstram os enormes obstáculos para se avaliar a
quantidade de culpa na adolescência, com o auxílio de uma sofisticada perícia
e de obscura funcionabilidade. Note-se que, em um país mergulhado em
formas inconsistentes quanto à saúde, segurança e educação seria inexequível
empregar-se de um exame tão complexo para confirmar se o adolescente teria
ou não qualidades requeridas de compreender o fato proibido por lei que
cometeu. Torna-se mais razoável, o governo investir em reformas sociais e
conhecimentos para interpretar os fatores condicionantes dessa criminalidade,
a fim de que se possa fazer valer os direitos e deveres de todos.
2.3. Características Legais
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) foi sancionado com a
serventia de atender ao disposto no artigo 227 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Esta Lei tem por objetivo principal, a proteção
integral à criança e ao adolescente, de uma forma mais dedicada as
necessidades, daqueles que são a base, a esperança e o futuro da nação.
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” (Artigo 227 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
Deve-se considerar o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n.º 8.069/90), que trata:
34
“Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade".
A Constituição Federal, no artigo 228 trata da inimputabilidade dos menores de
dezoito anos, deste modo, subordinados às regras da legislação especial (Lei
8.069/90) e não sujeitos às penas previstas no Código Penal.
Distingue-se que segundo o artigo 103 da Lei 8.069/90, o adolescente não
pratica crime, mas ato infracional, ficando sujeito às medidas sócio-educativas.
A criança comete desvio de conduta e fica sujeita normalmente às medidas
previstas no artigo 101 do mesmo Estatuto.
A adolescência delinqüente é mostrada como a surpreendente existência dos
hábitos violentos na sociedade, quando, verdadeiramente, é a maior vítima
desta. A pena é um conceito político que busca o desestímulo da reincidência.
A ressocialização (execução humanitária de um castigo) do delinquente é a
busca pela sua dignidade. Hoje, assistimos ao descrédito da pena de prisão,
pois são necessários programas claros, estruturados e duradouros. O Estado,
é o maior carrasco, seja por intermédio da vulgaridade, da violência oficial, ou
através da violência intrínseca.
Os preceitos proclamados no texto da Constituição Federal, mais precisamente
em seu artigo 227, anunciam um conjunto inédito de mudanças em favor da
infância e da juventude no Brasil. Estabelece uma forte ligação entre a
Constituição Federal e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas. O artigo 227 foi pensado
e escrito por muitas pessoas. Entre elas, pais, mães, professores, defensores,
promotores, juízes, deputados, senadores, padres, representantes da ordem
dos Advogados do Brasil, dentre tantos outros do povo. O ponto de vista
confirmado neste artigo é a Proteção Integral defendida pela ONU baseada na
Declaração Universal dos Direitos da Criança. Tal ensinamento é inerente da
criança como ser humano; a exigência de distinta obediência à sua condição
de pessoa em desenvolvimento.
35
O regulamento constitucional aplicado ao tema do menor protege e atribui
deveres, elevando a família, conforme o artigo 226, ao maior grau de base da
sociedade e impondo ao Estado seu amparo. Argumentado nos artigos 227 e
230, "forçando" a família como organização dirigente das árduas
responsabilidades, pertinentes ao menor e seus conflitos. Apropriadamente,
tão importante texto, de forma alguma deveria incumbir principalmente a
família, da enorme responsabilidade de lutar contra a delinqüência Juvenil.
Sobre o tema, observa-se a idéia, que embora prevista na Constituição Federal
de 1988, não alcança o objetivo imposto pelo Estado em seus artigos:
Artigo 226 - A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
§ 8º - O Estado assegurará assistência à família na
pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar
e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Baseado no exposto, assistimos a falta de técnica e a incompatibilidade de
normas, ou ainda desarmonia ante a realidade e a atribuição das obrigações
do Estado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) optou pela
preferência ao preceito da proteção integral da criança, especialmente, ao
jovem delinquente que conforma as normas comete os chamados Atos
Infracionais.
"As normas brasileiras anteriores à Constituição de 1988
emprestavam ao menor uma assistência jurídica que não
passava de legítimas sanções, ou seja, castigos
encobrindo as medidas de proteção; não relacionavam
nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência
36
religiosa; não traziam nenhuma medida de apoio à
família; cuidavam da situação irregular da criança e do
jovem, que, na verdade, eram seres privados de seus
direitos. Na verdade, em situação irregular estão a
família, que não tem estrutura e que abandona a criança;
o pai, que descumpre os deveres do pátrio poder; o
Estado, que não cumpre as suas políticas sociais básicas.
Nunca a criança ou o jovem." (LIBERATI, 2007)
A citação do Mestre e promotor de justiça Wilson Donizeti Liberati, é realmente
apropriada em conseqüência da falta de clareza, e da ausência das políticas
públicas sociais daqueles que todo o tempo possuem prerrogativa da
sociedade e do Estado até mesmo como instrumento a serviço de interesses
escusos dos grupos mais favorecidas do Brasil.
O preceito da proteção integral à criança e ao adolescente, realmente, é um
ensinamento repleto de excelentes idéias. Contudo, devemos considerar que o
direito não resolve o problema do menor apenas por suas normas escritas.
Necessitamos também, da vontade de agir da sociedade e do Estado. Este,
principal parte incumbida por meio da execução de suas políticas públicas,
através dos representantes do povo (vereadores, deputados, senadores,
prefeitos, governadores e presidente) não pode simplesmente "cruzar os
braços", e se omitir em realizar seus deveres constitucionais.
O tema do jovem adolescente e sua delinqüência é importante, integrante de
várias abordagens dentro da atualidade. A realidade da criança e do
adolescente no Brasil (a violência, o abandono, a insegurança, a criminalidade,
o descaso, etc.) é mostrada a todo instante para a sociedade através dos
canais de comunicação. Desta forma, o conhecimento passa a influenciar
atitudes e padrões de comportamento dentro da sociedade, que então reflete e
compreende o desafio jurídico, perante a realidade vista.
Os artigos 1º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente assim estabelecem
como objetivo principal da lei:
37
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança
e ao adolescente;
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e a convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos e ou
de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Conclui-se que a o caput do artigo 4.º também inspira uma ligação entre a
família, a sociedade e o Estado pelo compromisso dos direitos da criança e do
adolescente. Sustenta-se uma imputação recíproca na medida em que, a cada
um destes personagens, com diferentes funções, zelam pela aplicação da lei.
De tal maneira a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, estabelecem que atuações visando à proteção integral, precisam
existir com primazia. Esta ação tem por justificativa o conceito legal e principal
de que o respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento é a
prioridade (norma contida no parágrafo único do artigo 4.º). Ainda, analisando
este artigo, notamos a responsabilidade no cumprimento das políticas públicas
pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
38
O Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Doutor Eros Roberto
Grau, analisa que a alteração dos modelos existentes na lei que se refere à
Criança e o Adolescente considera a evidência dos direitos universais e
fundamentais para os jovens. Um dos maiores problemas é como garantir a
eficácia de tais direitos, numa sociedade cada vez mais complexa, e
globalizada.
Para o promotor de justiça e professor Doutor Valter Kenji Ishida, no seu livro
Estatuto da Criança e do Adolescente (doutrina e jurisprudência), ao
estabelecer observações sobre a doutrina do amparo integral da criança e do
adolescente no Brasil, manifesta a visão do sentido moral da sociedade e do
titular deste dever, o Estado:
"Existem direitos que são destacáveis da pessoa humana,
como a propriedade, e outros que são inerentes, ligados à
pessoa humana de modo permanente. São os
denominados direitos da personalidade, incluindo a vida,
a liberdade física e intelectual, o nome, o corpo, a
imagem e aquilo que crê como honra. O Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) prefere falar em
dignidade, não deixando, contudo, de se referir ao
tratamento condigno que esperamos dos outros."
(ISHIDA, 2006)
2.4. Comentários
Alegando o aumento da violência, algumas pessoas da sociedade, discutem e
estimulam debates sobre a redução da maioridade penal como regra para se
combater a criminalidade. É preciso saber que existe uma “cultura de
impunidade” do jovem delinquente, bem exemplificada na frase “eu sou di
menor”. Os elementos predominantes, as normas, os sistemas de regras, as
políticas públicas, não produzem os efeitos como precisam. As instituições não
são próprias para o adequado cumprimento das medidas de segurança. É
39
necessário refletir sobre o afastamento dos jovens infratores primários dos
reincidentes. Dentre as medidas sócio-educativas, a mais rígida é a medida de
internação. Apenas nos fatos mais graves e depois de ter tentado a
ressocialização por intermédio de outras medidas, a autoridade judiciária,
deverá aplicá-la. Aos jovens delinquentes praticantes de violações sérias, seria
necessário o cumprimento destas medidas em instituições máximas de
segurança, uma vez que muitos destes jovens já pertencem a organizações
criminosas ligadas, entre outras ao tráfico de drogas.
Ante a gravidade do panorama mostrado pelo jovem delinquente, talvez a
alternativa mais sensata seja modificar a lei para aumentar o tempo de
internação dos autores dos atos infracionais mais graves (aqueles cometidos
mediante violência ou grave ameaça à pessoa) de forma a permitir que a
internação possa transpor o limite máximo (21 anos de idade).
Não existe dúvida de que para esta medida alcançar o efeito desejado,
deveriam existir instituições com condições de ressocialização adequadas.
Torna-se necessário as medidas sociais (educação, assistência, etc.) previstas
no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.
A pena imposta pelo Estado de privação de liberdade tem demonstrado sua
ineficácia. O modelo prisional hoje existente tem contribuído para o aumento
da criminalidade, face às circunstâncias erroneamente aplicadas na
ressocialização que tem como principal objetivo a humanização da passagem
do infrator pela instituição carcerária, orientando-o de forma mais efetiva e
eficiente, para acrescentar dignidade humana.
Destaca-se que o projeto de redução da maioridade é inconstitucional, posto
que previsto no artigo 228, caput, da Constituição da República Federativa do
Brasil, o qual estabelece explicitamente: “São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
40
CAPÍTULO 3 - PROPOSTAS
“Se educarmos as crianças, não precisaremos punir os
homens.“ (ABRAHAM LINCOLM, advogado criminalista,
ex-presidente dos Estados Unidos)
O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90 estabelece dois
tipos de medidas a serem aplicadas em caso da prática de ato infracional,
conforme tenha sido praticado por criança ou por adolescente. Frise-se que foi
o próprio Estatuto quem definiu os limites do que seja criança e adolescente
para efeitos de lei. Desta feita, o art. 2º ECA dispõe: “Considera-se criança,
para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”
Ressalta-se que fundamentada pela psicologia e fisiologia, a adolescência é a
fase de constantes mudanças de comportamento e preparação definitiva da
personalidade, tornando o adolescente mais susceptível à influência de
terceiros.
A Lei n.º 8069/90 trabalha com as nomeadas Medidas de Proteção para as
crianças e com as Medidas Socioeducativas para os adolescentes que
cometem ato infracional análogo a crime. Sendo que as primeiras podem ser
aplicadas em casos de omissões do Estado, pais ou responsáveis pelo menor,
como será visto oportunamente.
As Medidas de proteção são estabelecidas no artigo 98, que é considerado o
coração do Estatuto, pois dá ampla proteção às crianças e aos adolescentes e
rompe com a situação irregular e aplica a proteção integral. As Medidas
Socioeducativas são instituídas no artigo 112, que são acatadas como sendo
uma sanção, ainda que reconhecendo nelas uma natureza jurídica complexa.
Embora sejam sanções, são, sobretudo, instrumentos pedagógicos.
41
3.1. A Prevenção, a Punição e a Repressão Vistas pelas Políticas de
Segurança Pública
A falência do sistema de contenção e punição de jovens infratores é evidente.
Muitos governantes ainda não aprenderam a lidar com o problema da
delinquência juvenil. Sistemas repressores, em que prevalece a visão de punir
o adolescente infrator, é regra em inúmeros países e demonstram a sua
ineficiência.
O jurista argentino, Emilio Garcia Mendez, ex-consultor autônomo do UNICEF,
perito na questão, reconhece que a estrutura repressora está falida, mas ainda
persiste em muitos países latino-americanos. O motivo seria a ligação feita,
inclusive pelos meios de comunicação, entre insegurança e delinquência
juvenil. Quanto mais violenta a cidade, mais se pensa em punir os jovens
infratores. "O problema não é ter um sistema duro ou brando. Tem de ser
severo e justo."
Mario Volpi, mestre em políticas sociais e oficial de projetos do UNICEF,
refere-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado uma das
legislações mais modernas do mundo, que não prega a internação com
privação de liberdade, possui as suas falhas. "Temos uma lei avançada para
um sistema punitivo-repressivo".
Verifica-se a necessidade e prioridade absoluta, no direito de frequentar a
escola, mesmo para os que estão presos. No currículo escolar precisam ser
inseridos cursos antiviolência. Para um caminho sério de inserção ou de
reinserção, no cumprimento da medida, devem aprender profissões úteis,
respeitando a orientação vocacional, como por exemplo, programador de
computador, e não costurador de bolas de futebol. A “Política de Segurança
Pública” precisa definir o ponto de vista com o foco na violência e
criminalidade.
O Governo Federal possui um Programa de Prevenção a Drogas e Violência
nas Escolas, dos Ministérios de Educação e da Saúde, em parceria com a
Secretaria nacional Antidrogas (SENAD) e a Universidade de Brasília (UnB),
mas que está presente em apenas 1.255 municípios, ou seja, em apenas 22%
42
dos municípios do Brasil. Uma das principais ações desse programa é a
formação específica de professores de escolas públicas. A preparação é feita
pro cursos realizados a distância, com duração de 120 horas. Infelizmente
qualificou apenas 2% do total de profissional que atendem ao ensino
fundamental e médio na rede pública do país. No Estado do Rio de Janeiro, a
Polícia Militar implantou o Programa Educacional de Resistência ás Drogas
(Proerd). Neste programa, policiais vão à escola para alertar sobre os riscos do
consumo de drogas, com a proposta de prevenir o consumo e a violência
contra crianças e adolescente. [O Globo (RJ), DEMÉTRIO WEBER –
26/06/2011]
Alguns especialistas, entre eles Orlando Soares, compreendem a prevenção
como principal e mais eficiente meio para o controle da violência e da
criminalidade. Não é suficiente adotar a rigorosidade e excesso de força no
controle das práticas criminosas. É mais eficiente a divulgação de idéias que
transmitam à elaboração e execução de ações preventivas: Educação
orientada para a prevenção à Violência e à criminalidade; Instrução técnica e
formação profissionalizante para garantir a subsistência digna ao cidadão; etc.
Se as políticas de segurança pública fossem pautadas em estudos mais
aprofundados, avaliações sistemáticas que permitissem um diagnóstico mais
condizente com a realidade, medindo mais fielmente os problemas de cada
comunidade e não apenas amparadas em ideologias e planos genéricos, com
a compreensão de que os ambientes de detenção não são a solução para os
problemas da violência e da criminalidade.
A repressão é o mecanismo de defesa que dispõe o Estado de deter; impedir;
reprimir e castigar um indivíduo, por uma ação, idéia, ou até mesmo um mero
desejo. No âmbito da Segurança Pública, a repressão figura como instrumento
essencial para as ações de controle da violência e da criminalidade.
Já a punição é um efeito através da qual se pretende impedir a reincidência de
determinado ato ou fato através da execução de um castigo desestimulando o
agente praticante desta conduta agressiva praticada contra a sociedade, ou
contra algum indivíduo ou mesmo um grupo deles, combatendo determinados
43
comportamentos que produzem mazelas e anomalias frente ao desejado
estado de equilíbrio da sociedade.
3.2. Natureza Jurídica das Medidas de proteção do Estatuto da Criança e
do Adolescente e a Teoria da Pena do Código Penal de 1940.
É conhecimento de todos que o Estado é o detentor do poder ou direito
subjetivo de punir (artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil – “Ninguém
se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”). Desta feita, a
pena é a conseqüência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica
uma infração penal. (GRECO, 2009).
Naturalmente, como o Brasil é um Estado Democrático de Direito, deve-se
haver um questionamento a cerca dos limites deste direito-dever de punir, uma
vez que nenhum poder num Estado Constitucional e Humanitário, pode ser
contaminado por uma autoridade sem limite (absolutista). Estes extremos
advêm de teorias, princípios e regras, a serem observadas pelo legislador
quando da previsão em abstrato e pelos operadores do Direito quando da
aplicação da pena em concreto.
Desta feita para que se entenda bem o tema do trabalho, é necessário tecer
algumas considerações a cerca da teoria da pena, e traçar as diferenças entre
a pena em si e as medidas de proteção e sócio-educativas, uma vez que há na
doutrina uma diferenciação entre elas.
Assim, pena é a privação total ou parcial de um bem jurídico imposta pelo
Estado, por meio da ação penal, em retribuição ao autor de uma infração, cujo
propósito é evitar novas violações. Desta premissa, a doutrina extrai algumas
características da pena, considerando-a aflitiva, retributiva e pública, conforme
veremos mais adiante.
Punir é castigar, aplicar correção, reprimir, impor a pena. Juridicamente a
punição pressupõe a condenação. A punição integra simultaneamente sentido
de ação e o efeito de punir, o que se concretiza pelo respectivo cumprimento
44
da pena imposta. A idéia de punir estaria, então, muito relacionada com a pena
em si, e a pena diretamente relacionada com uma repressiva por meio da qual
o Estado previne e combate a prática de fatos considerados infrações penais.
O Direito Penal nasceu devido a essa necessidade de punir e delimitar o certo
e o errado, sendo um dos ramos da ciência jurídica que mais intensamente
sofre com as oscilações dos regimes políticos, pois é ele justamente o
instrumento através do qual, as classes dominantes legitimam ou incriminam
as ações humanas, definindo e limitando os direitos fundamentais do cidadão,
impondo penas nas hipóteses de transgressão das normas que compõem o
direito penal positivo.
Em um Estado Constitucional de Direito, apesar de o Estado ter o dever de
aplicar a sanção penal àquele que, violando o ordenamento jurídico, praticou
determinada infração penal, a pena a ser aplicada deverá observar as regras
expressas ou implícitas na Constituição Federal, conforme já desenvolvido.
Um estado que busca ser garantidor deve, obrigatoriamente, encontrar limites
ao seu direito de punir, entretanto, merece ser dito que, embora se pense
dessa forma atualmente, nem sempre foi assim. O sistema das penas já foi
extremamente cruel, sendo que as pessoas se deleitavam em assistir as
execuções que ocorriam, na maioria das vezes, em praça pública.
A história da pena revela que a sua existência foi modelada por tabus que lhe
imprimiam contornos místicos, enquanto os diversos castigos corporais,
inclusive a morte, traduziam as expressões severas da defesa e da vingança.
Assim, é assente na doutrina especializada opinião no sentido de que a pena
tem origem no instituto de conservação individual. Verifica-se que desde a
Antiguidade até o século XVIII as penas tinham uma característica
extremamente aflitiva, uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal
por ele praticado. O período iluminista foi o marco para uma mudança de
mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas (GRECO, 2010).
Conforme a doutrina, a perda e a restrição de liberdade não existem nas
práticas antigas como expressões autônomas de punibilidade. A prisão se
45
aplicava no interesse de assegurar a execução das penas corporais,
especialmente a de morte, além de servir para a colheita de prova mediante
tortura.
Partindo da origem da prisão acima mencionada, chega-se à finalidade da
pena de prisão, que propõe a obtenção de vários objetivos, dentre eles pode-
se destacar a prevenção da prática de novas infrações através da intimidação
do condenado e a regeneração do preso no sentido de transformá-lo em um
“não criminoso”.
São várias as escolas que estudam a pena (MARCÃO E MARCON, 2009):
Escola Clássica: Após a contribuição de Cesare Beccaria,
nos últimos anos do século XVIII e na primeira metade do
século XIX, sob a efervescência das idéias iluministas,
desenvolvem-se os estudos da Escola Clássica Criminal,
também chamada idealista, filosófico-jurídica, crítico-
forense etc., que é livre-arbitrista, individualista e liberal,
considerando o crime fenômeno jurídico e a pena, meio
retributivo; Escola Positiva: Cesare Lombroso foi o
fundador da Escola Positiva. Teve como precursores
Bentham (Inglaterra, 1748-1832) e Romagnosi (Itália,
1761-1835), entre outros; Escolas Intermediárias e A
Terza Scuola: Em meio aos extremos bem definidos das
Escolas Clássica e Positiva, surgiram ao longo dos
tempos posições conciliatórias. A primeira dessas
correntes surge com a publicação, na Itália, de um artigo
de Manuel Carnevale, denominado "Una Terza Scuola di
Diritto Penale in Itália", em 1891, que assinala o início do
que se convencionou denominar positivismo crítico.
Comportam destaque, nesta fase, a obra de Bernardino
Alimena (Naturalismo crítico e diritto penale) e
Impallomeni (Instituizioni di diritto penale).Embora
46
acolhendo o princípio da responsabilidade moral, não
aceitam que a responsabilidade moral fundamente-se no
livre arbítrio, substituindo-o pelo determinismo
psicológico.[...]
[...]Nova Defesa Social: Depois da II Guerra Mundial,
reagindo ao sistema unicamente retributivo, surge a
Escola do Neodefensivismo Social, liderada por Marc
Ancel, na França, e por Filippo Grammatica, na Itália, que
segundo seus postulados não visa punir a culpa do
agente criminoso, apenas proteger a sociedade das
ações delituosas. Essa concepção rechaça a idéia de um
direito penal repressivo, que deve ser substituído por
sistemas preventivos e por intervenções educativas e
reeducativas, postulando não uma pena para cada delito,
mas uma medida para cada pessoa.[...]
Baseado na escola do Neodefensivismo é que hoje parece haver uma maior
preocupação com a integridade física e mental. Vários pactos são levados a
efeito por entre as nações, visando à dignidade da pessoa humana, buscando
afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e
cruéis.
A idéia de reabilitação do criminoso só passou a ter ênfase no século passado,
já que anteriormente, o confinamento carcerário era uma meta. “Em nenhum
lugar, em nenhum tempo, nem nos países mais ricos e nos momentos de
maior apogeu, sistema penitenciário algum exibiu um conjunto de recursos que
tivesse sido considerado como, pelo menos, satisfatório.” (THOMPSON, 1976).
O que se percebe ao ler críticas atuais sobre o tema é que tal doutrina
encontra-se mais presente do que nunca.
Desta forma, mesmo que ainda existam retrocessos, o sistema da aplicação da
pena é inclinado a eliminar a imposição das penas que atinjam a honra da
pessoa humana.
47
Existem três teorias que tentam responder a pergunta do motivo de se punir.
Uma primeira teoria é a absolutista, que teve como principais expoentes,
Carrara, Petrocelli, Maggiore e Bettiol na Itália, Binding, Maurach, Welzel e
Mezger na Alemanha, mas, principalmente, Kant e Hegel. Para as teorias
absolutas a pena é a retaliação e a expiação, uma exigência absoluta de
justiça, com fins aflitivos e retributivos, opondo-se a qualquer finalidade
utilitária. Fala-se aqui de uma teoria absoluta onde o fim da pena independe do
seu efeito social, tendo em vista que os efeitos preventivos são alheias a sua
essência. Como bem afirma Cezar Roberto Bitencourt:
"segundo o esquema retribucionista, é atribuída à pena,
exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a Justiça.
A pena tem como fim fazer Justiça, nada mais. A culpa do
autor deve ser compensada com a imposição de um mal,
que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no
questionável livre arbítrio, entendido como a capacidade
de decisão do homem para distinguir entre o justo e o
injusto". (BITENCOURT, 1999)
No que tange a esta finalidade, vê-se ser bastante aceita pela sociedade em
geral, vez que se apresenta como forma de pagamento feita pelo condenado
pelo mal praticado. Há estudiosos que criticam esta teoria sob o argumento
que feriria o princípio da dignidade da pessoa humana do delinqüente, já que
este seria utilizado como instrumento para melhorar todos os problemas da
sociedade, uma vez que tais problemáticas são de cunho mais profundos.
Assim, uma pena imposta a um criminoso não pode servir para suportar os
sofrimentos de toda uma sociedade.
Diuturnamente, a idéia de retribuição deve guardar proporcionalidade entre o
injusto e a pena aplicada. Exemplificando o retribucionismo é que o Código
Penal Brasileiro, ponderando a gravidade objetiva do fato, impõe uma pena
mais severa, por exemplo, ao homicídio (CP, art. 121) que ao aborto (CP, art.
124), ao roubo (artigo 157) que ao furto (art. 155); ao delito consumado (art.
48
14, I) que ao tentado (art. 14, II), ao delito que a contravenção correlata, ao
autor que ao partícipe de menor importância (CP, art. 29, § 1º), etc.
Uma segunda teoria é a relativa. Esta se fundamenta no critério da prevenção,
evitando-se assim, a prática futura de delitos, que tornariam instáveis as
relações sociais. Este fim preventivo se reverte em caráter geral ou especial,
que na lição de Rogério Greco ambas ainda se bipartem em negativas e
positivas (GRECO, 2010).
A precaução geral negativa se unifica na expressão prevenção por intimidação,
onde a pena aplicada ao autor da infração penal tende a refletir junto à
sociedade, de modo a evitar, que as demais pessoas pratiquem o mesmo ato
delituoso, por medo de ser igualmente punido. Já na prevenção geral positiva
ou integradora, a pena presta-se a infundir na consciência geral a necessidade
de respeitar a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito,
promovendo-se assim, a integração social. O ilustre doutor e professor Nélson
Hungria, afirmava que a pena por ser uma ameaça é "um poderoso meio
profilático da fames peccati" e "um freio contra o crime" que, se de um lado,
"reafirma o princípio da autoridade, que o criminoso afrontou", de outro
representa "um indireto contramotivo aos possíveis criminosos de amanhã".
(HUNGRIA, 1940)
De outro modo a prevenção especial também pode ser explicada em seu duplo
sentido, negativo ou positivo e é aquela aplicada diretamente à pessoa do
delinqüente. Será negativo quando houver uma neutralização daquele que
praticou a infração penal, ou seja, com a sua segregação ao cárcere. Será, por
outro lado, positiva, quando tiver um caráter ressocializador. Ressocializar não
é reeducar o condenado para que se comporte como deseja a classe detentora
do poder, mas sim, a efetiva reinserção social, a criação de mecanismos e
condições para que o indivíduo retorne ao convívio social sem traumas ou
seqüelas, para que possa viver uma vida normal não retornando assim à vida
criminosa.
49
Na lição de Maurach, “em seu conjunto, a prevenção especial está orientada a
desenvolver uma influência inibitória do delito no autor”. Ele afirma ainda que
esta finalidade se subdivide em três fins da pena: intimidação (preventivo
individual), ressocialização (correção) e asseguramento. (MAURACH, 1995)
A terceira teoria, e adotada pelo sistema penal brasileiro, é a teoria Unitária ou
Eclética. Isto se confirma com a mera leitura do artigo 59 do diploma penal que
conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime, assumindo
expressamente um duplo sentido para a pena: retribuição e prevenção. Este
artigo diz textualmente que "O juiz, atendendo à culpabilidade [...],
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e
prevenção do crime: as penas aplicáveis dentre as cominadas [...]".
Rogério Greco, citando Santiago Mir Puig afirma que “a luta entre as teorias
absoluta ou retribucionista e relativa, teve lugar na Alemanha em princípios do
século XX e acabou tomando uma direção eclética, iniciada por Merkel”. Aduz
Mir Puig, ainda em citação por Rogério Greco, que “a retribuição, a prevenção
geral e a especial são distintos aspectos de um fenômeno complexo da pena”.
(GRECO, 2010)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não se situou
expressamente sobre o assunto. Mas como considerou as vigas mestras de
um modelo Constitucional de Estado Democrático de Direito, não há dúvida
que dos seus princípios, regras e valores pode-se deduzir importantes limites à
intervenção penal, uma vez que a regra é a liberdade, restando a prisão como
ultima ratio legis (caráter de excepcionalidade) que se depreende do artigo 5º,
LXI CRFB, estabelecendo como preceito que ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita ou fundamentada da autoridade judiciária.
Portanto, são vários os princípios constitucionais que devem ser observados
no que tange a aplicação da pena, dentre eles pode-se destacar o Princípio da
legalidade (art. 5º XXXIX CR), Princípio da pessoalidade (art. 5º inc. XLV),
Princípio da individualização da pena (art. 5º XLVI), Princípio da humanidade
das penas (art. 5º inc XLVII).
50
Igualmente, por exemplo, pelo princípio da legalidade ou reserva legal,
compete ao poder legislativo federal não só determinar o crime através de lei,
como também cominar a pena. E para tanto o legislador deve considerar o
conteúdo de desprezo social daquela conduta hipotética que se quer evitar, e
com fulcro no princípio da proporcionalidade, escolhe a qualidade ou espécie
de pena, a quantidade (valores máximos e mínimos a ser cominado) e as
substituições possíveis.
Desta forma o Código Penal Brasileiro em seu artigo 32 estabelece como
sendo espécies de pena: penas privativas de liberdade, penas restritivas de
direito e multa. Importante salientar que as penas privativas de liberdade são
aquelas punidas com detenção ou reclusão. Já as penas restritivas de direito
conforme dispõe o artigo 43 do mesmo diploma legal são: prestação
pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a
entidades públicas, interdição temporária de direitos, limitação do fim de
semana. Estas penas restritivas de direito são autônomas e substituem as
privativas de liberdade quando preenchidos os requisitos legais.
Diante do que já foi explicitado pode-se afirmar, que o Estatuto da Criança e do
Adolescente não adotou a teoria da pena, bem como não adotou a pena em si
como coerção penal em caso de prática de um crime. Este fato se prova
principalmente no artigo 103 do ECA:
Considera-se ato infracional a conduta descrita como
crime ou contravenção penal.
Deduz-se do texto legal que criança e adolescente não cometem crime nem
contravenção. E baseado no Consagrado Princípio Constitucional da Reserva
Legal previsto no art. 5º, XXXIX, CRFB/88:
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal.
51
Pode-se afirmar que ao menor infrator não se aplica pena. Mesmo porque o
próprio artigo 32 do Código Penal não estabelece como espécies de pena as
medidas de proteção.
Já foi dito no presente trabalho que o Estatuto da Criança e do Adolescente
adota a Teoria da Proteção Integral, e esta previsão é inaugurada logo no art.
1º do referido. Tal teoria veio para substituir a Doutrina da Situação Irregular
que fora adotada expressamente no código de menores de 1979. MUNIR
CURY e ANTÔNIO FERNANDO DO AMARAL E SILVA ensinam que:
Ao romper definitivamente com a doutrina da situação
irregular, até então admitida pelo Código de Menores (L.
6.697, de 10.10.1979), e estabelecer como diretriz básica
e única no atendimento de crianças e adolescentes a
doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu de
forma coerente com o texto constitucional de 1988 e
documentos internacionais aprovados com amplo
consenso da comunidade das nações. (CURY E SILVA,
2002).
ANTÔNIO CARLOS GOMES DA COSTA elaborou conceito acertado e que
define bem o que seja a Teoria da Proteção Integral. Ele ensina que tal teoria:
Afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a
necessidade de especial respeito à sua condição de
pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da
infância e da juventude, como portadora da continuidade
do seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua
vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes
merecedores de proteção integral por parte da família, da
sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de
políticas específicas para promoção e defesa de seus
direitos (COSTA, 1992)
52
A Carta Magna, conforme já citado, em seu artigo 227, assegura uma gama de
direito à criança e ao adolescente, estabelecendo como responsáveis pelo
cumprimento dos mesmos tanto a sociedade, como os pais e até mesmo o
próprio Estado. Desta feita, a adoção da teoria da proteção integral, e o que se
depreende do já foi explicitado sobre a Teoria da Pena, é que às crianças e
aos adolescentes não se pode impor pena de prisão, restritiva de direitos, nem
penas alternativas como disciplina o Código Penal. A doutrina é toda própria
da legislação menorista.
O Estatuto da Criança e do Adolescente à partir do artigo 98 inaugura o Título
que trata das medidas de proteção. Estabelece que deverão ser aplicadas as
medidas relacionadas no título sempre que houver violação de qualquer direito
previsto em seu bojo, tais como a vida, saúde, educação, lazer, etc. Esta
violação pode partir de ação ou omissão da sociedade ou do Estado (inciso I);
ou por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável (inciso II); ou ainda,
em razão da própria conduta do menor (inciso III).
O artigo 98, III, que estabelece como forma de aplicação de medida protetiva o
comportamento do menor, é uma hipótese divergente das demais. Nessa
conjetura, que se referem dentre outros aos casos da prática do ato infracional,
não se visualiza uma omissão ou abuso por parte de terceiros.
3.3. Das Medidas de Proteção
Já fora mencionado que as medidas protetivas são aplicadas às crianças nas
hipóteses vistas no item anterior. Note-se que o art. 112 do ECA prevê a
aplicação de algumas medidas protetivas também ao adolescente, porém, vale
ressaltar que não se aplica as medidas sócio-educativas às crianças.
Tais medidas estão disciplinadas no art. 101 do ECA, in fine:
53
Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a
autoridade competente poderá determinar, dentre outras,
as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante
termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de
auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
O inciso I trata do encaminhamento aos pais ou responsável. Esta medida se
revela branda, sendo aplicada geralmente aos casos em que houver uma
omissão destes em relação às obrigações referentes á guarda do menor.
O inciso II trata da orientação, apoio e acompanhamento temporários, são
aplicáveis aos casos em que se verifica que o menor necessita de atendimento
psicológico e médico. Também nesta hipótese, deve haver uma omissão dos
pais ou responsáveis em relação às obrigações que justifiquem a aplicação de
outras duas medidas, que são as previstas nos incisos VII e VIII, por exemplo,
que tratam do acolhimento institucional e inclusão em programa de
acolhimento familiar. Haverá a presença do Conselho Tutelar, de algum serviço
de assistência social ou algum serviço específico do Poder Judiciário.
54
O inciso III fala da matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento
oficial de ensino fundamental e é aplicado especificamente aos casos em que
ocorre a evasão escolar. Socialmente falando, sabe-se que a uma das causas
da evasão escolar é devido ao trabalho infantil em conjunto com a omissão dos
pais.
O Conselho Tutelar ou os serviços de Assistência Social são muito importantes
para evitar a evasão escolar, pois geralmente são eles quem atuam dentro de
suas competências para a solução de problemas como estes, dentre as ações
praticadas está a conscientização dos pais ou responsável e muitas vezes do
próprio menor da importância da educação em sua vida. (SOUZA, 2003)
O inciso IV prevê a inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à
família, à criança e ao adolescente. Este inciso é aplicado geralmente quando
ocorre violações aos direitos previstos no Estatuto da Criança e Adolescente
resulta das situações de dificuldade financeira e econômica ou quando se
constata casos referente a desnutrição do menor, principalmente se for criança
tenra idade.
Falar-se-á dos incisos V e VI em conjunto, uma vez que ambas são
diretamente ligadas aos casos de saúde ou de dependência química ou
psíquica às substancias entorpecentes e ao álcool. As hipóteses dos incisos
em referência são requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico,
em regime hospitalar ou ambulatorial (inciso V) e inclusão em programa oficial
ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos
(inciso VI).
Estas medidas são concretizações da teoria da proteção integral da criança e
do adolescente. O Estado tem o dever de zelar pela saúde de seus cidadãos,
conforme mandamento do artigo 196 CRFB/88:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao
55
acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Para tanto o Poder Público deve conhecer bem a realidade que o cerca, suas
impossibilidades de atender as demandas de tal ordem, investindo
principalmente em prevenção. Este investimento passa desde a capacitação
de profissionais da área da saúde, como também a execução de programas
eficazes para o diagnóstico precoce e combate à dependência química e
psíquica que assola muitas crianças e adolescentes em todo o país.
Os incisos VII e VIII são medidas extremas, devendo por este motivo serem
pautadas na excepcionalidade. Trata-se do acolhimento institucional (inciso
VII) e inclusão em programa de acolhimento familiar (inciso VIII). São casos
em que há a privação de um dos direitos básicos conferidos pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, o convívio familiar. É medida de consequências
graves, por este motivo, a autoridade judiciária só deverá lançar mão da
mesma quando for comprovado que a convivência familiar lhe é mais
prejudicial que a adoção das medidas em tela.
Por último, tem-se o inciso VIII que prevê a colocação em família substituta.
Pelas mesmas razões evocadas para os incisos anteriores, esta medida deve
ser tomada com bastante cautela, uma vez que afeta a convivência familiar. A
situação de sua aplicação deve se apresentar bastante grave, uma vez que o
artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que tal medida será
feita mediante guarda, tutela ou adoção. Pela gravidade extrema que tal
medida peticiona, esta deve ser a ultima das alternativas a ser escolhida pelos
operadores do direito.
Salienta-se que o emprego das medidas de proteção até agora vistas, não
ocorre necessariamente no ambiente judicial. Assim, o próprio conselho tutelar,
tem dentro de suas atribuições o poder de aplicar algumas delas, como por
exemplo, as medidas previstas no artigo 101, incisos I a VII. Tal autorização é
previsto no artigo 136, inciso I do Estatuto em comentário que trata das
atribuições do Conselho Tutelar.
56
Outra hipótese da adoção de medidas sem a participação do Poder Judiciário
é o disposto no artigo 93 do referido Estatuto:
As entidades que mantenham programa de acolhimento
institucional poderão, em caráter excepcional e de
urgência, acolher crianças e adolescentes sem prévia
determinação da autoridade competente, fazendo
comunicação do fato em até 24 (vinte e quatro) horas ao
Juiz da Infância e da Juventude, sob pena de
responsabilidade.
Dentre o rol das medidas de proteção previstas no artigo 101 a única medida
que deve ser implementada a cargo exclusivamente do Poder Judiciário é a
colocação em família substituta.
A legitimidade para promover ações a fim de aplicar as medidas de proteção é
do Ministério Público. O fundamento legal é previsto no artigo 201 do ECA. E
no inciso VII há a possibilidade de o Ministério Público adotar ações de cunho
judicial ou extrajudicial para zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias
legais asseguradas pelo Estatuto. Ressalte-se que para a propositura de tais
ações, o Ministério Público poderá se valer das informações e elementos
colhidos pelo Conselho Tutelar ou demais órgãos.
Entretanto, saliente-se que a atuação do Ministério Público não exclui a
legitimidade concorrente dos pais do menor, do próprio menor ou dos seus
responsáveis legais, caso em que a intervenção do Parquet será obrigatória,
conforme preceitua o artigo 204 do ECA:
A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a
nulidade do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou
a requerimento de qualquer interessado.
57
3.4. Das medidas sócio-educativas.
As medidas sócio-educativas (examinadas no capítulo IV do Estatuto da
Criança e do Adolescente, são seis: advertência, obrigação de reparar o dano,
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e
internação) são ações repressivas com objetivos pedagógicas, pois só podem
ser ministradas em função da prática de conduta “antijurídica”, que infrinja as
leis ou convenções pré-estabelecidas (“atos infracionais” praticados pelos
adolescentes). Uma medida sócio-educativa é nitidamente punitiva, uma vez
que deixa esclarecido a censura de certa conduta e torna público uma
atividade compulsória a ser cumprida pelo infrator, retribuindo à este o mal que
produziu à sociedade. Contudo, estas medidas não são apenas reprovações;
sua finalidade principal é a de originar uma sócioeducação, ou seja, a
aplicação de um projeto pedagógico inevitável (artigo 123, § único do ECA)
que conduza o adolescente não apenas à reflexionar sobre o mal que causou
a sociedade, mas da mesma forma, através da ação do Estado, produza os
direitos de cidadania neste. O artigo 100 do Estatuto da Criança e do
Adolescente diz:
Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as
necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que
visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários.
Melhor esclarecendo, estas medidas possuem uma característica de sanção
numa modalidade pedagógica de espécies diferentes.
As medidas, previstas no artigo 112 e seguintes são também espécies de
medidas de proteção, porém, sua aplicação é voltada para o menor
adolescente, exclusivamente. Tais medidas são verificadas quando há
consequências dos atos praticados pelo menor adolescente que se enquadra
num tipo descrito como crime ou contravenção penal conforme dispõe o artigo
103 do ECA. Desta feita é no artigo 112 do ECA, que está elencado o rol de
medidas sócioeducativas:
58
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a
sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a
gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será
admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou
deficiência mental receberão tratamento individual e
especializado, em local adequado às suas condições.
Desta forma, o afastamento da regra, sempre que ocorrer uma das situações
elencadas anteriormente autoriza ao Conselho Tutelar, através da requisição
ao Ministério Público, através da representação em juízo, e à autoridade
judiciária, em decisão fundamentada, buscar os fins sociais a que o Estatuto se
destina
No início do capítulo, foi dissertado sobre a teoria da pena adotada pelo Direito
Penal Brasileiro. Nota-se que eles possuem todo um contorno doutrinário que
se baseia notadamente na Teoria do Crime. Ou seja, uma vez praticada a
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conduta penal, sendo o agente imputável, não estando o mesmo em
excludentes de ilicitude, o juiz, adotando o art. 59 CP aplica a pena em
concreto ao caso. No Estatuto da Criança e Adolescente, acontece de forma
diversa. Já foi exaustivamente comentado que tal dispositivo adota a Teoria da
Proteção Integral, como também já foi explicitado que o menor de 18 anos é
inimputável e que não comete crime ou contravenção, ele comete ato
infracional análogo a crime ou contravenção penal. Por este motivo, não se
pode dizer que as medidas aplicadas ao menor infrator têm caráter de pena.
Ou seja, não se trata de punição, uma vez que não está pautada na
culpabilidade, própria da noção de crime.
No Estatuto da Criança e do Adolescente não se busca proteger a vítima do
ato infracional, mas sim a figura do menor, que é o detentor de toda proteção
Estatal.
Logo, no artigo 112 inciso I do ECA, tem-se a advertência como a primeira das
medidas sócio-educativas. É uma medida suave, haja vista tratar-se de uma
mera leve repreensão dirigida ao adolescente, para que ele entenda as
conseqüências negativas de seus atos. Entretanto, a depender da prática
reiterada de atos com consequências danosas, tal medida se demonstra
inofensiva.
O inciso II prevê a obrigação de reparar o dano. É certo que tal medida
pressupõe que a infração seja do tipo que deixe um dano a ser reparado. É
uma medida bastante educativa, uma vez que deve ser aplicada
principalmente quando a reparação do dano possa ser feita pelo próprio
infrator. Se impossível fazê-lo é que a medida recairá sobre os pais ou
responsáveis do adolescente.
O inciso III prevê a prestação de serviços à comunidade. Esta certamente é
uma das medidas mais eficazes na educação do jovem infrator. Para sua
aplicação deve ser levada em conta a gravidade da infração cometida, e
partindo desta referencia, o magistrado poderá determinar um número de
horas e o período em que deve ser cumprida tal medida. O Estatuto determina
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que o período máximo de prestação de serviços a comunidade não deva
ultrapassar 06 (seis) meses, não devendo também causar ao infrator quanto
aos seus outros direitos. Desta feita, se o menor estuda na parte da manhã,
proporcional que se aplique a medida para ser prestada fora do horário
escolar, por exemplo. Jaqueline de Paula Silva Cardoso, em seu trabalho
Ineficácia da Internação como Medida Sócio-educativa, afirma que a aplicação
da prestação de serviços à comunidade faz com que o menor deixe de ter
contato com criminosos ou aliciadores de boas condutas e faz com o menor se
sinta útil e inserido dentro da sociedade. (CARDOSO, 2006)
O inciso IV fala da liberdade assistida. É necessário frisar que esta constitui
medida a ser aplicada apenas em casos em que medidas mais brandas sejam
ineficazes e que haja a concorrência da não periculosidade do menor infrator.
É medida que redimensiona as atividades cotidianas do adolescente, visando
mudanças de atitudes, valores e convivência familiar e comunitária.
(MARTINS, 2000)
O inciso V prevê a medida de sócio-educativa de semi-liberdade. Tal medida
poder ser aplicada de forma autônoma, ou como um modelo de transição para
futura internação do adolescente infrator. Neste caso será sempre obrigatória a
prestação de atividades escolares e profissionalizante do adolescente. Arthur
Luiz Carvalho de Sá preleciona que a medida de semi-liberdade:
Não tem tempo determinado, podendo durar até três
anos. No entanto pode o juiz a cada seis meses analisar,
com base em relatórios de equipes multidisciplinares,
reavaliar se convém ou não manter a semi-liberdade ou
substituí-la pela liberdade assistida. Nesta modalidade de
medida a reinserção social ocorre de forma gradativa,
além de não haver total privação de contato com os
familiares e com a própria comunidade o que vem a
diminuir os inconvenientes observados em medida de
total privação. (CARVALHO DE SÁ, 2009)
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O inciso VI trata da medida de internação. Ela nada mais é do que a privação
da liberdade do menor infrator, e como tal esta limitada aos mandamentos
Constitucionais já mencionados no corpo do presente trabalho. Assim, para
aplicação desta medida, é imperioso que se observe os preceitos ditados pelo
artigo 227, § 3º inciso V da Constituição da República Federativa do Brasil
combinado com o disposto no artigo 121 do Estatuto. Tais dispositivos fazem
referência a princípios como o da brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar do adolescente, que é sem dúvida uma pessoa em
desenvolvimento. Segundo ensina o ilustre professor e magistrado de Minas
Gerais, Dr. Moacir Rodrigues, a medida de internação, é imposta por prazo
indeterminado, baseado no fato de estabelecer o artigo 121 da referida Lei,
que “a medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser
reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses,
não excedendo em nenhuma hipótese, o prazo de três anos.” (RODRIGUES,
1995)
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CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito tem suas raízes legítimas expressas na Constituição Federal. Hoje a
marginalização reside além da visão de miséria coloquial, chegando a
ausências culturais, escolares, morais, entre outros.
O mundo se transforma a cada dia. As modificações sociais fazem com que a
mulher que anteriormente exercia o papel de mãe com a incumbência de
participar ativamente da educação do filho, agora, num mundo moderno, esteja
obrigada a tomar parte no mercado de trabalho.
Verifica-se que a questão do menor é bem mais complexa do que se
apresenta, tendo em vista que deverá englobar ações positivas advindas do
Estado, dos pais ou responsáveis e da sociedade como um todo, pois os
problemas desses menores ultrapassaram a esfera dos laços familiares, sendo
agora de toda a sociedade. Ao Estado compete a assistência e cuidado do
menor considerando sua estrutura familiar e diferença social, evitando assim,
através de políticas setoriais, o contato deste com o crime, especialmente com
o de tráfico de drogas. Aos pais cabe a orientação, o cuidado com a saúde e a
educação, e ainda, à sociedade, o dever de interagir para que o menor não
seja marginalizado.
Sem que haja essa união de esforços, para que ocorra um efetivo
cumprimento dos preceitos Constitucionais e Estatutários no que tange aos
direitos da Criança e do Adolescente, não adianta alterar a imputabilidade
penal, muito menos alterar o sistema que hoje se conhece de aplicação da
medida sócio-educativa de internação.
Apresentou-se no presente ensaio monográfico que não se pode conferir ao
jovem delinquente, os mesmos tratamentos quê são dados ao infrator adulto,
uma vez que o menor ou adolescente ainda se encontra em formação de
personalidade e muitas vezes também em formação física. Desta feita, pelo
que já se conhece do sistema penitenciário brasileiro, conhecimento este
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advindo de forma empírica ou científica, não se deve considerar a hipótese de
aplicar ao menor o mesmo procedimento, pois conforme já dito, o sistema
penitenciário brasileiro é na realidade uma “universidade do crime”.
O Estado, por meio do Poder Legislativo deve buscar uma alternativa para
atualizar a legislação pertinente ao menor, sem deixar de observar o cuidado
que se deve conservar com o desenvolvimento pessoal e recuperação deste
jovem infrator.
Desta forma, o que se tenciona com o demonstrado é que não é suficiente a lei
ser mais severa para castigar os seus infratores, assim como não é benéfico
apenas desculpá-los por suas atitudes delinqüentes, com suas misérias e
patologias sociais, mas sim, saber e realmente combater a origem das causas
que incitam seus atos delituosos.
Sendo assim, observa-se que, só com atitudes pensadas e tomadas pelo
Poder Público e sociedade civil, em conjunto, é que se pode vislumbrar uma
melhor qualidade de vida para as Crianças e Adolescentes deste país.
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