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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA
NO CAMPO DE INCIDÊNCIA DO ICMS
COM ÊNFASE NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Por: Carlos Augusto Pellegrini Barros
Orientadora
Profa. Claudia Tannus Gurgel do Amaral
Rio de Janeiro
2008
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA
NO CAMPO DE INCIDÊNCIA DO ICMS
COM ÊNFASE NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito Público
e Tributário
Por: Carlos Augusto Pellegrini Barros
2
AGRADECIMENTOS
A Deus pela oportunidade de vivenciar
estes momentos de crescimento intelectual;
À minha família, em especial aos meus
pais, pela confiança e oportunidade que me
deram de estudar, incentivando-me e auxiliando-
me durante o percurso;
Aos mestres e colegas do Projeto “A Vez
do Mestre” pela valiosa contribuição à minha
formação.
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 04
CAPÍTULO I - ORDENAMENTO JURÍDICO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 1.1 A Eficiência do Regime de Substituição Tributária 05 1.2 Princípios Constitucionais e Tributação 07 1.3 Princípios Constitucionais Tributários 09 1.4 Obrigação Tributária Principal e Acessória 11
CAPÍTULO II - ASPECTOS GERAIS SOBRE TRIBUTO 2.1 Tributo – Conceito e Classificação 13 2.2 Fato Gerador 14 2.3 Sujeitos da Obrigação Tributária 18 2.4 Sujeito Passivo da Obrigação Tributária 20 2.5 Responsabilidade Tributária 23 2.6 Capacidade Tributária 23
CAPÍTULO III – O ICMS 3.1 Antecedentes Históricos 25 3.2 Perfil Constitucional do ICMS 27 3.3 Operações Relativas à Circulação de Mercadorias 30 3.4 Princípio Constitucional da Não-Cumulatividade 33 3.5 Natureza da Não-Cumulatividade 35 3.6 Lei Complementar / Não-Cumulatividade 36 CAPÍTULO IV – ASPECTOS DO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA 4.1 Contribuinte do ICMS 39 4.2 Responsabilidade Tributária e Substituição 41 4.3 Substituição Tributária Passiva 43 4.4 Vantagens da Substituição Tributária 49
CAPÍTULO V – LASTRO JURÍDICO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA 5.1 Posição Hierárquica das Normas – Breves Considerações 50 5.2 A Lei Complementar nº 87/1996 54
CAPÍTULO VI – PRINCIPAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO TEMA 6.1 Princípio da Legalidade 66 6.2 Princípio da Capacidade Contributiva 69 6.3 Princípio da Isonomia 72 CONCLUSÃO 74
BIBLIOGRAFICA CONSULTADA 76
FOLHA DE AVALIAÇÃO 79
4
INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico objetiva analisar os principais aspectos
jurídicos referentes ao instituto da responsabilidade por substituição tributária,
em sua forma progressiva, no campo da incidência do Imposto de Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS). Com esse intuito, foi necessário examinar o
citado instituto, de maneira sistemática, desde seus aspectos históricos até as
abordagens atinentes aos princípios que permeiam os diversos diplomas legais
da matéria, principalmente aqueles relacionados à área tributária e,
particularmente, ao ICMS.
Este estudo, em sua parte inicial, busca analisar os aspectos do
mencionado imposto com ênfase nos diversos elementos da substituição
tributária, culminando com conclusões acerca do atendimento da sujeição
passiva tributária por substituição a determinados princípios constitucionais.
Como tema principal, analisa-se a legalidade da substituição tributária
em nosso ordenamento jurídico, bem como a sua importância para a
arrecadação e simplificação da tributação. O mencionado instituto é, nesse
estudo, tratado com a importância que lhe é devida, tendo em vista que
proporciona o aumento da arrecadação, simplifica a tributação e diminui o
custo da máquina fiscal dos entes tributantes.
Tal mecanismo de tributação firmou sua utilização entre os órgãos
exatores de todas as esferas públicas, por proporcionar benefícios tanto para o
poder público como também para os contribuintes. Os litígios entre o fisco e
contribuintes – atualmente com entendimento já pacificado pelo Supremo
Tribunal Federal – com relação ao fato gerador presumido e não realizado,
também são objeto do presente estudo.
Com base em posicionamentos doutrinários, em decisões reiteradas
nos Tribunais Superiores e, principalmente, no ordenamento jurídico pátrio e
nos princípios constitucionais, este trabalho monográfico evidencia a relevância
do instituto da substituição tributária progressiva, enfatizando a questão da não
infringência aos princípios constitucionais tributários.
5
CAPÍTULO I
ORDENAMENTO JURÍDICO
E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS -
NOÇÕES GERAIS
1.1 A Eficiência do Regime de Substituição Tributária
A sujeição passiva por substituição é uma figura diferenciada e,
apesar de posicionamentos doutrinários ainda hoje divergentes, consolida-se
compatível com o nosso ordenamento jurídico tributário.
O regime de substituição tributária encerra o ciclo de tributação,
antecipando um tributo que só seria devido quando da ocorrência concreta da
hipótese de incidência legalmente prevista em lei. Nesse contexto evidencia-
se, portanto, a questão do fato gerador presumido, agora albergado em nível
constitucional. Tal aspecto será pormenorizado em capítulo posterior nesse
estudo.
A obrigação tributária decorre, evidentemente, da lei. Ocorrendo
uma situação, nela prevista, como necessária e suficiente para concretização
do seu fato gerador, surge para o Estado (credor) o direito de exigir de um
sujeito passivo (devedor) o tributo (objeto da obrigação tributária).
Quando o sujeito passivo torna-se inadimplente, deixando de
satisfazer a prestação jurídica a que está obrigado, aflora a sua
responsabilidade tributária a ensejar a possibilidade de o credor constrangê-lo
ao cumprimento daquela prestação. Este, dessa forma, terá como garantia o
patrimônio do credor.
A substituição tributária inclui-se no que se costuma denominar
sujeição passiva indireta. De fato, ao lado do contribuinte, ou seja, daquele que
tem relação pessoal direta com o fato gerador, existe o responsável, isto é,
outra pessoa que não o contribuinte a que a lei impõe o cumprimento da
prestação tributária. O artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN),
expressamente, estabelece o conceito e as espécies:
6
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei.
É nesse contexto que deve ser examinada a "substituição tributária
para frente", que se apóia na figura do "fato gerador presumido", hoje
expressamente referido no § 7° do art. 150 da EC n° 3, de 17/03/93, nestes
termos: "A lei poderá atribuir a sujeito passivo da obrigação tributária a
condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato
gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial
restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido".
Consiste a substituição tributária para frente em obrigar alguém a
pagar, não apenas o imposto atinente à operação por ele praticada,- mas,
também, o relativo à operação ou operações posteriores. Tal instituto não é
novo no Direito Brasileiro, mas, a partir da sua "constitucionalização", passou a
receber ataques de alguns eminentes tributaristas (Geraldo Ataliba, Aires F.
Barreto, Hamilton Dias de Souza, Ives Gandra da Silva Martins, dentre outros).
Sustentam esses juristas que o regime de substituição tributária para frente
viola praticamente todos os princípios constitucionais basilares relativos aos
tributos, tais como tipicidade tributária, não-cumulatividade e capacidade
contributiva. Alegam, ainda, que este regime vulnera o princípio atributivo da
competência tributária aos Estados-membros e, até mesmo, que configura
autêntico empréstimo compulsório, só previsto nas hipóteses do art. 148 da
Constituição da República.
Juristas igualmente respeitados, em contrapartida, defendem sua
constitucionalidade (Sacha Calmon Navarro Coelho, Arthur José Faveret
Cavalcanti, Heron Arzua, dentre outros). Na verdade, sob o prisma radical
ortodoxo, não é possível visualizar o instituto como um mecanismo de
tributação fundamental para tomar efetivo, no atual estágio da civilização, o
princípio da praticabilidade (ou da praticidade) da tributação. Por comparação,
tal princípio pode ser equiparado, no campo processual, ao princípio da
7
economia processual. Assim, da mesma forma que o direito processual passa
por verdadeira revolução visando a concretizar o princípio da efetividade da
jurisdição, com a criação de diversos institutos novos (ampliação das
cautelares e antecipação de tutela, dentre outros), o Direito Tributário não pode
passar imune a essa evolução da sociedade, deixando de acolher a figura da
substituição tributária para frente, que, numa visão analógica, apresenta certo
caráter cautelar: objetiva tomar efetiva a responsabilidade tributária. Note-se
que o destinatário legal tributário, como o substituto, tem sempre assegurada a
possibilidade de recuperar o que dispender para pagamento do tributo gerado
por outrem.
É verdade que muito se discutiu a função, bem como as
conseqüências jurídicas de tal regime. Querelas infindáveis acerca da
inconstitucionalidade do instituto em analise chegaram às barras da Justiça.
Mas, hoje, pode-se asseverar que, em muitos Estados, a substituição tributária
já representa algo em tomo de 40% das receitas tributárias, abrangendo
mercadorias e produtos que, por peculiaridades do mercado, dificultam a
constatação da ocorrência do fato gerador, bem como do valor real da base de
cálculo do tributo devido.
Diante dessa realidade, constata-se a relevância dos efeitos
benéficos desse eficiente mecanismo de tributação, bem como da sua
praticidade também quanto ao controle e arrecadação de tributos. O operador
do direito, atualmente, tende a ser pragmático ao analisar tais aspectos.
1.2 Princípios Constitucionais e Tributação
O termo “princípio” (do latim principium, principii) consagra a idéia de
origem, começo, base. Em linguagem simples, configura-se, de fato, o
fundamento (causa) de um processo qualquer. Destarte, pela mesma razão,
em qualquer Ciência, “princípio” é ponto de partida, começo, alicerce. Por
conseguinte, não raro, é vislumbrado como “pedra angular” de algum sistema.
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Segundo Bandeira de Mello1, o princípio jurídico é, por definição:
[...], mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das 6iferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra.
Merece ser aqui colacionada a observação precisa de Geraldo
Ataliba2:
O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A essa composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema.
Sistema configura-se, portanto, como a reunião ordenada de várias
partes que formam o todo, de forma que elas se sustentam mutuamente e as
últimas explicam-se pelas primeiras (princípios).
Se os princípios mostram-se integrantes da realidade constitucional,
protagonizando uma atuação singular, com eles atuam as regras. Registre-se
que os princípios gerais apresentam caráter normativo e, como tal, demandam
estrita observância, pois estabelecem pontos de apoio normativo para a boa
aplicação do Direito.
1 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 545. 2 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.4.
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1.3 Princípios Constitucionais Tributários
Particularizando o conceito de princípio para o direito tributário
podemos dizer que os princípios relativos à 'tributação constituem as verdades
básicas, iniciais, tidas como certas nesse campo específico do direito. Tais
verdades iniciais servem de apoio ou alicerce para compreensão das demais
até do próprio sistema tributário.
Examinando os diversos princípios jurídicos, verifica-se que nem
todos possuem a mesma amplitude para a aplicação. Alguns se aplicam a
todos os campos do direito; outros, apenas a determinados ramos; terceiros,
são utilizados apenas para determinada espécie tributária. Portanto, podemos
concluir que nem todos os princípios jurídicos se acham num mesmo nível.
Alguns estão consigna, recebendo o nome de princípios constitucionais,
mesmo dentre esses princípios constitucionais podemos encontrar princípios
de maior valor ou dimensão do que outros.
Conforme podemos notar, os princípios jurídicos aplicados à
tributação são inúmeros. Contudo, nesse trabalho será enfatizado o respeito
aos princípios inerentes a Constituição da Republica.
Importante subsistema da Constituição da República é o subsistema
tributário, ou Constituição Tributária, que constitui fiscalmente o Estado Social
de Direito, sendo de interesse lembrar, ainda, que a relação jurídica tributária -
a par de se mostrar sempre ex Iege – é uma relação jurídica que se dá sob os
preceitos constitucionais e de forma direta.
O subsistema tributário, portanto, é formado pelo quadro orgânico
das normas que versam sobre matéria tributária em nível constitucional. Desse
modo, a subespécie normativa dos princípios aí incluída, merece ser alvo de
abordagem específica.
Ricardo Lobo Torres3, faz interessante análise oferecendo um
quadro amplo dos princípios, atrelando-os aos seus fatores fundantes e
listando o que seriam os sub-princípios deles derivados. Ao tratar do valor
3 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed.rev. atual. Rio de Janeiro - São Paulo: Renovar 2000, p. 26.
10
justiça, aponta, dentre outros princípios, o princípio da capacidade contributiva,
ligando a ele os sub-princípios da progressividade, da personalização, da
seletividade e da proporcionalidade.
Roque Antonio Carraza4 traça uma ligação entre os princípios
republicano, federativo, da autonomia municipal, da legalidade e da segurança
jurídica, todos eles na esfera tributária. No trato do princípio ida capacidade
contributiva, este emérito tributarista esclarece não ter dúvidas quanto ao fato
do princípio do não-confisco derivar daquele (capacidade contributiva). Para
Hugo Machado de Brito5
"O exercício do direito à compensação independe de autorização da Fazenda Pública. lndepende também de decisão judicial reconhecendo a liquidez do crédito a ser compensado, ou do próprio direito à compensação. O contribuinte faz a compensação e assume. a responsabilidade por seu ato"
Analisando o disposto nos artigos do Capítulo I (Do Sistema
Tributário Nacional), integrante do Título VI (Da Tributação e do Orçamento),
da Constituição da República, identifica-se uma série de princípios
constitucionais tributários que permeiam o regramento insculpido em seus
artigos 145 a 164 Tais princípios podem ser, resumidamente, assim
discriminados:
a) Princípio da legalidade: garante que nenhum tributo será
instituído, nem aumentado, a não ser através de lei;
b) Princípio da anterioridade: nenhum tributo será cobrado em
cada exercício financeiro, sem que a lei que o instituiu ou o aumentou tenha
sido publicada, haja vista que a Constituição Federal de 1988 veda,
expressamente, a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro em que
haja sido publicada a lei que o instituiu ou que o tenha aumentado (art. 150, III,
“b”);
c) Princípio da isonomia: a lei, em princípio, não deve dar
tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente;
4 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 39
5 MACHADO Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 2.ed., São Paulo: Editora RT, 1991, p. 161.
11
d) Princípio da irretroatividade: a lei tributária só vale em relação
a fatos geradores ocorridos depois do início da vigência da lei que o houver
instituído ou aumentado o tributo;
e) Princípio da capacidade contributiva: o tributo deve ser
cobrado de acordo com as possibilidades de cada um, devendo os desiguais
ser tratados de modo desigual;
f) Princípio da vedação do confisco: o tributo deve ser razoável,
não podendo ser tão oneroso ao ponto de representar um verdadeiro confisco;
g) Princípio da liberdade de tráfego: não pode a lei tributária
limitar o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas e bens, salvo o
pedágio de via conservada pelo Poder Público; e o
h) Princípio da uniformidade geográfica: o tributo deve ser igual
em todo o território nacional, sem distinção entre os Estados.
1.4 Obrigação Tributária Principal e Acessória
O artigo 113 do CTN, e seus parágrafos, assim dispõe:
A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1 ° A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto ti pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2° A obrigação acessória decorre da legislação tributária 'e tem por objeto as prestações, positivas ou; negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3° A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. Como se vê, o caput do art. 113 estabelece duas modalidades de:
obrigação, quais sejam, a principal e a acessória. Nos termos do § 1°, a
principal teria por objeto o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária,
enquanto a segunda teria por objeto o comportamento compreendido em
prestações positivas ou negativas, consoante prescreve o § 2° do referido
mandamento.
A obrigação tributária principal tem por objeto, o pagamento de
tributo ou penalidade pecuniária e apresenta sempre conteúdo patrimonial.
(art. 113, § 10 CTN).
12
A obrigação acessória, por seu turno, decorre da legislação tributária
e tem por objeto prestações positivas ou negativas, nela previstas por interesse
da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 20 do CTN).
A obrigação tributária principal corresponde a uma obrigação de dar
Dessa forma, seu objeto é o pagamento do tributo ou da penalidade
pecuniária. Já as obrigações acessórias correspondem a obrigações de fazer
(emitir uma nota fiscal), de não fazer (não receber mercadoria sem a
documentação legalmente exigida), de tolerar (admitir a fiscalização de livros e
documentos).
A penalidade pecuniária é um preceito bastante criticado na
doutrina, em razão de estar inserida como um dos objetos da obrigação
principal, o que poderia gerar a idéia de confusão entre tributo e multa, em total
desacordo com a disciplina contida no artigo 30 do CTN. Ela se mostra,
portanto inconciliável com a natureza do tributo. Nesse aspecto, Roque Antonio
Carraza6 afirma que "O tributo nasce da verificação, no mundo fenomênico, de
um fato qualquer, lícito e não voluntário, previamente descrito na hipótese de
incidência e, não, do descumprimento de deveres instrumentais".
6 CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 28
13
CAPÍTULO II
ASPECTOS GERAIS SOBRE O TRIBUTO
2.1 Tributo - Conceito e Classificação
Como o nosso país não é um Estado Unitário, mas um Estado
Federal, os tributos são divididos em espécies e subespécies. Em razão do
regime federativo, em nosso país a aptidão para instituir tributos é partilhada,
constitucionalmente, entre várias pessoas (União, Estados-membros, os
Municípios e o Distrito Federal), razão pela qual existem leis tributárias
federais, estaduais, municipais e distritais.
A Constituição da República conceitua tributo como gênero do qual
as prestações pecuniárias são espécies.
Seguindo as mesmas diretrizes, o artigo 3° do Código Tributário
Nacional, define assim o termo em questão:
"Art. 3°. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."
Segundo a classificação jurídica dos tributos, existem várias
espécies tributárias, apresentando cada uma delas um regime jurídico próprio,
além de peculiaridades inerentes ao respectivo tipo de tributo.
Tanto a Magna Carta como o Código Tributário Nacional classificam,
igualmente, as várias espécies tributárias. Preceitua o artigo 145 da
Constituição da República:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
Como se pode observar, a Constituição de 1988, faz uma
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classificação tripartida dos tributos, considerando suas três espécies: impostos,
taxas e contribuições de melhoria . Destarte, não se pode deixar de mencionar
duas subespécies tributárias enumeradas péla carta de 1988, que são as
contribuições sociais (art.149, CFRB) e os empréstimos compulsórios (art. 148,
CRFB).
O ordenamento pátrio classifica os tributos de acordo com seu fato
gerador. Desta forma, restam estabelecidos os aspectos fáticos que, quando
ocorridos, darão origem às obrigações tributárias (art. 4° do CTN)
Segundo Geraldo Ataliba7:
"A principal classificação dos tributos os denomina vinculados ou não vinculados, sendo feita a partir da análise da hipótese de incidência descrita em lei, sendo vinculados os tributos que têm por base uma atividade estatal e não vinculados àqueles que independem da atividade estatal."
Tendo como fulcro a classificação anteriormente exposta, pode-se
afirmar que os impostos consistem de uma espécie tributária não vinculada,
pois a constituição do seu fato gerador independe de atividade estatal. Por sua
vez, no caso das taxas e da contribuição de melhoria, exige-se a atividade
estatal para seu surgimento, sendo tributos vinculados. As subespécies
tributárias, empréstimo compulsório e contribuições sociais, de acordo com o
pressuposto fático previsto em lei, que as institui, podem ser também
classificadas como vinculadas ou não vinculadas, dependendo,
exclusivamente, da necessidade ou não da atuação estatal.
2.2 Fato Gerador
O legislador conceituou o fato gerador da obrigação tributária
principal (artigo 114 do Código Tributário Nacional), como sendo “a situação
definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".
No conceito de Amílcar Falcão8:
Fato gerador é, pois, o fato, o conjunto de fatos ou o Estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar
7 ATALIBA, op. cit., p. 139/140.
8 FALCÃO, Amilcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 6a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.
15
um tributo determinado. Em seu entender, para configurar-se concretamente a obrigação tributária, é necessário que ocorra o fato gerador. Quando esta se verifica diz-se juridicamente que houve a incidência do tributo.
Para o mencionado mestre, a doutrina tradicional define com a
mesma denominação, fato gerador, duas realidades distintas, ou seja, a
previsão hipotética do fato inserta na lei e a realização do fato no mundo
fenomênico. Depois dessa advertência assevera que sempre distinguiu a
hipótese de incidência, o conceito legal (descrição legal, hipotética de um fato,
estado de fato ou conjunto de circunstâncias de fato) do fato imponível, aquele
efetivamente acontecido num determinado tempo e lugar, configurando
rigorosamente a hipótese de incidência.
Adota-se neste trabalho a posição de doutrinadores, tais como
Marcos Bernardes de Mello9 e Alfredo Augusto Becker10. Nessa linha de
pensamento, compete à norma jurídica estabelecer a hipótese fática que
condiciona a existência do fato jurídico, o suporte fático. À previsão abstrata,
enquanto enunciado lógico da norma dá-se o nome de suporte fático hipotético
e ao suporte fático materializado, acontecido no mundo dos fatos, atribui-se o
nome de suporte fático concreto.
As normas jurídicas de tributação, por meio da incidência, tendem a
produzir um fato jurídico. Materializado o seu suporte hipotético, a norma de
tributação incide sobre ele para juridicizá-Io, produzindo o fato jurídico,
nascendo daí, como eficácia jurídica correspondente, a relação jurídica
tributária. Desta, decorrem, como consectário lógico, as categorias eficaciais
que encerram o seu conteúdo: direitos e deveres, pretensões e obrigações,
ações e exceções.
No âmbito da regra matriz de incidência do Imposto de Circulação
de Mercadoria e Serviços (ICMS), Paulo de Barros Carvalho11, descreve a
seguinte situação:
9 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da .existência. 7.ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 165.
10 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 79.
11 CARVALHO, Paulo de Barros .Cursos de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, p.58.
16
Hipótese: realizar operações relativas à circulação de mercadorias, dentro dos limites geográficos do Estado, reputando-se acontecido o fato no instante em que as mercadorias deixarem o estabelecimento. Conseqüência: aquele que realizou a operação relativa à circulação de mercadorias deverá pagar 17% do valor da operação à Fazenda do Estado.
Para analisar tal hipótese e sua respectiva conseqüência, merece
ser discriminada a classificação de critérios citada pelo mencionado
doutrinador. Quanto à hipótese:
a) critério material – refere-se à realização de operações relativas à
circulação de mercadorias (o verbo é realizar e o complemento é toda locução
"operações relativas à circulação de mercadorias");
b) critério espacial – tem-se como base qualquer lugar do território
do Estado que editou a lei;
c) critério temporal – relativo à saída das mercadorias do
estabelecimento.
Quanto à conseqüência:
a) critério pessoal - sujeito ativo é o Estado e sujeito passivo, aquele
que promoveu a realização do evento;
b) critério quantitativo - base de cálculo é o valor da operação que
ensejou a saída das mercadorias e a alíquota percentual fixa de 17%.
Neste estudo, a não-cumulatividade foi analisada sob a ótica do
conseqüente normativo, seguindo o entendimento de Sacha Calmon.12
Denota-se, com base na exemplificação colacionada, que a
aplicação da alíquota de 17% sobre a base de cálculo proporciona um
destaque do imposto que será levado a débito do vendedor e a crédito do
adquirente. Por si só, essa quantificação não representa uma prestação a
cumprir, mas um elemento a ser utilizado na liquidação (compensação) que se
fará com a atividade do particular no lançamento por homologação. Surge,
nesse ato, a força do regramento da não cumulatividade para integrar a norma
de tributação e permitir o real montante da prestação obrigacional, ou mesmo a
12 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário. 10ª ed., Forense, Rio de Janeiro: 2001, p.95
17
demonstração de que não há obrigação principal a cumprir diante do superávit
de saldo em favor do sujeito passivo (saldo credor).
No tocante à formulação dos critérios, teríamos a acrescentar que a
saída representa a formalização da operação de circulação de mercadoria
devendo figurar no critério material. A data em que ocorre a saída;, pensamos,
é que configura o elemento temporal. A hipótese que quando efetivada faz
gerar a obrigação tributária é a que reflete saída de mercadorias do
estabelecimento e não o ato de promover circulação, haja vista que esse ato
se reflete na própria operação de saída. A saída é a operação de circulação e
não apenas um elemento de tempo.
Para questionar esse raciocínio, levantam-se hipóteses de saídas
por caso fortuito ou força maior, a exemplo de enchentes. Tal situação fática é
capaz de revelar a inapropriedade da tese defendida.
É obvio que operações para efeito do mencionado imposto são as
que materializam o processo de circulação em etapas, sendo finalizada ao
chegar ao consumidor final. Nesse entremeio ocorrem operações de saídas de
um agente do processo de circulação para outro (contribuintes e responsáveis)
e também entre estabelecimentos do mesmo titular, umas sem incidência
como a remessa para depósito, outras com incidência com a saída de
estabelecimento do produtor para o industrial. O argumento, a toda prova, é de
pura exceção, pois não reflete operação de circulação e sim, de deteriorização,
de perda por parte do proprietário.
Diante disso, concebe-se que problema diverso é comparar a
incidência prevista na lei com a autorização constitucional para tributar as
operações de circulação de mercadorias. Por exemplo, se a saída prevista na
lei representa urna circulação no sentido constitucional.
A Lei Complementar nº 87/1996 procurou definir a saída como
elemento temporal preceituando que "considera-se ocorrido o fato gerador do
imposto no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do
contribuinte, ainda que para outro do mesmo titular” (artigo 12, I).
Para melhor explicar tal posicionamento dominante, é preciso ter em
mente que para se imputar a conseqüência prevista na norma, é preciso
18
promover uma operação de circulação prevista na lei (saída, entrada, aquisição
em leilão etc). Dessa forma, o fato jurídico tributário estará composto com o
acontecimento do fato hipoteticamente estipulado. O elemento material é
exatamente promover uma operação de saída ou de entrada de mercadoria·
importada etc.
Destarte não é possível cindir a operação da forma em que se
formaliza (saída, entrada), ,além do que, a forma de exteriorização de
circulação não pode ser tida como mero elemento de campo, porquanto da
análise desse critério é que se identificam os demais: o tempo e o lugar onde
ocorreu, quem promoveu a saída da mercadoria e o valor desta.
2.3 Sujeitos da ObrigaçãoTributária
Os sujeitos ativos são a União, os Estados e os Municípios os quais
detêm a competência tributária, podendo legislar sobre tributos e exigi-los.
Ainda são sujeitos ativos as pessoas públicas que, embora não possam
legislar sobre tributos, apresentam, contudo, capacidade tributária, que lhes
permite fiscalizar e arrecadar tributos por delegação.
A competência tributária é a aptidão inerente às pessoas
constitucionais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), no sentido de
legislar sobre matéria tributária.
Já a capacidade tributária ativa é a aptidão ínsita a qualquer pessoa
de direito público ou privado no sentido de exercer a condição de credor na
relação jurídica tributária.
A capacidade tributária ativa, portanto, se correlaciona exatamente
com o sujeito que ocupa a posição de credor dentro da obrigação tributária, e
que detém, portanto, a titularidade do direito subjetivo à prestação tributária.
Ela se situa no plano da atividade tributária em sentido secundário, sendo
logicamente posterior ao surgimento da obrigação de pagar o tributo.
A função tributária exercida pelo fisco, ao exigir do contribuinte, por
imposição da norma tributária, uma parcela do seu patrimônio para a
manutenção do Estado, apresenta, de fato, um caráter patrimonial. Esse
19
caráter patrimonial da relação tributária traz semelhanças com as obrigações
regidas pelo direito privado, sendo discutível, entretanto, que em decorrência
deste fator patrimonial, seja a relação tributária enquadrável como pertencente
ao gênero obrigacional.
Importante destacar, que tanto o lançamento tributário, como as
hipóteses de extinção do crédito tributário, são fenômenos jurídicos regidos por
normas jurídicas de direito público, em que o Fisco, como sujeito ativo da
relação tributária, não pode usar livremente de sua vontade, nem para
constituir o crédito tributário, nem para propor a sua extinção. A vontade das
partes na relação jurídica de natureza obrigacional, regida pelo direito privado,
é fundamental para a formação e extinção do respectivo vínculo.
O credor da relação jurídica obrigacional é dono de sua vontade,
podendo dispor da mesma livremente, inclusive para perdoar o devedor do
cumprimento da obrigação ou dever jurídico, enquanto a relação tributária
nasce e se forma independentemente da vontade dos sujeitos participantes da
mesma, que devem cumprir, isto sim, à vontade da lei.
A indisponibilidade do exercício da função do Fisco tem sido
amplamente apregoada, pois é uma qualidade própria da função
administrativa, não sendo demais reproduzir também a lição de John Raws
(Justiça e Democracia,1957, p.44), que afirma:
Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim", para o administrador público significa “deve fazer assim" .
A relação tributária funciona de forma diferente das obrigações de
direito privado, porque o seu regramento jurídico é todo de direito público,
especialmente com regência do direito administrativo e particularidades do
próprio direito tributário, sendo a sua principal característica a indisponibilidade
sobre o cumprimento dos deveres jurídico-tributários, impostos pela lei.
O sujeito passivo é a pessoa natural ou jurídica, obrigada ao
cumprimento da obrigação tributária tem o dever de prestar seu objeto. Este
pode ser (1) Direto (Contribuinte): é o que tem relação pessoal e direta com .o
20
fato gerador (artigo 121, I, do CTN) e (2) Indireto (Responsável): é aquele que,
sem ter relação direta com o fato tributável, está, por força de lei, obrigado ao
pagamento do tributo (art. 121,II, do CTN), que pode ocorrer por transferência
ou por substituição.
A substituição, de sua parte, caracteriza-se quando, por disposição
expressa de lei, a obrigação tributária surge desde contra uma pessoa
diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio
tributado: nesse caso, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por
outro indireto.
2.4 Sujeito Passivo da Obrigação Tributária
Nesse item, serão analisados os aspectos do regime de substituição
tributária partindo-se das características inerentes a um dos sujeitos da
obrigação principal no âmbito da relação tributária: o sujeito passivo.
Analisando o aspecto pessoal da hipótese de incidência tributária,
podemos observar os sujeitos da relação jurídica e, em especial, o sujeito
passivo. O artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN), como já
mencionado no capítulo 1, estabelece, expressamente, o conceito e as
espécies.
Ocorrendo o fato gerador do tributo, instaura-se a relação jurídica
tributário entre o sujeito ativo, pessoa Jurídica de Direito Público, titular da
competência para exigir o seu cumprimento, e o sujeito passivo obrigado a
satisfazer o crédito tributário. Como disposto nos incisos do parágrafo único do
citado artigo, são duas as espécies de sujeito passivo da obrigação principal: o
contribuinte e o responsável.
Quando esse sujeito passivo realizar por seus próprios atos o fato
gerador do tributo devido, ele é conhecido como contribuinte. A ação do
contribuinte está diretamente relacionada com o fato derivado da obrigação, de
vez que este poderá realizar ou se beneficiar de alguma maneira com tal fato.
O contribuinte, aquele descrito na hipótese de incidência de uma norma
21
tributária, é o devedor, aquela pessoa que, ao ter um determinado
comportamento objeto da relação jurídica, deverá com o seu própria patrimônio
pagar uma determinada quantia equivalente ao tributo para o sujeito ativo.
Contudo, quando o sujeito passivo não realizar o fato gerador e a Iei
conferir ao mesmo o dever de pagar o tributo, será denominado responsável.
O responsável pode substituir o que deveria ser contribuinte, por disposição
expressa em lei ou por ter recebido por transferência o dever de pagar tributo
devido por outrem que, por algum motivo, não pôde satisfazer a prestação
pecuniária, independentemente do vínculo com o fato gerador do tributo.
A principal diferença entre o contribuinte e o responsável é a sua
vinculação ao fato gerador. O contribuinte tem vinculação direta e a obrigação
de pagar o tributo pode vir implícita na lei; o responsável não tem vinculação
direta e sua obrigação decorre de disposição expressa em lei.
O responsável tributário é instituído, ou por transferência do dever,
ou por substituição daquele que deveria ser o sujeito passivo da relação
tributária. Podem ocorrer acontecimentos supervenientes ao nascimento da
obrigação tributária que impeçam o contribuinte de liquidar a dívida tributária.
Nos casos de responsabilidade tributária por transferência, existe
uma cláusula jurídica obrigando o responsável ao pagamento do tributo em
lugar daquele que deveria ser o contribuinte. Destarte, o dever jurídico de
pagar o tributo passa, de forma total ou parcial, para o responsável indicado na
lei. A transferência ocorre quando – depois da obrigação ter surgido com uma
determinada pessoa – um fato superveniente impede esta mesma pessoa de
cumprir a sua obrigação, transferindo para um terceiro (que será o suje!to
passivo indireto), a qualidade de responsável pelo pagamento do tributo.
São três as hipóteses de transferência: a solidariedade, a sucessão
e a responsabilidade.
Sobre a matéria Soares de Melo13 afirma:
[...] a) Solidariedade: é a hipótese em que duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela mesma obrigação. No caso de condomínio (imóvel com mais de um proprietário), o Município pode cobrar o imposto predial de qualquer dos proprietários. à sua escolha;
13 MELO, José Eduardo Soares de. & LIPO, Luiz Francisco. A não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 2002, p. 154.
22
b) Sucessão: é a hipótese em que a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do desaparecimento do devedor original; esse desaparecimento pode ser por morte do primeiro devedor (a obrigação se transfere aos herdeiros), ou por venda do imóvel ou do estabelecimento tributado (a obrigação se transfere ao comprador); c) Responsabilidade: é a hipótese em que a .lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto. No imposto da sisa (transmissão de propriedade inter vivos), o tabelião é responsável pelo imposto se não providenciar a sua cobrança no ato de passar a escritura. Transportando os conceitos para o âmbito do ICMS, podemos entender o seguinte: a) Solidariedade: o transportador é solidário em relação à mercadoria negociada durante o transporte; à mercadoria aceita para o despacho ou transporte sem documento; e àquela entregue ao destinatário diverso do indicado no documento. b) Sucessão: na incorporação, a incorporadora assume o imposto devido pela pessoa jurídica incorporada. c) Responsabilidade: o depositário se sujeita ao tributo referente às mercadorias depositadas sem nota fiscal.
Já nos casos de substituição tributária, aquele que pratica O fato
gerador do tributo não está, em nenhum momento, no lugar de contribuinte. A
lei configura diretamente ao responsável o dever de pagar o tributo. Trata-se,
portanto, de um terceiro que, mesmo não praticando o fato gerador, tem
responsabilidade com o pagamento do tributo por ter vínculo indireto com o
contribuinte. O legislador escolheu determinada pessoa para ser substituto
legal tributário, devendo tal sujeito ter uma vinculação com o fato imponível.
Este vínculo se torna necessário com o intuito de manter o mínimo de
segurança jurídica e atender aos princípios constitucionais como segurança,
certeza e propriedade.
Em resumo, o responsável tributário é a pessoa obrigada ao
pagamento de tributo devido pelo contribuinte. O pressuposto da obrigação é a
impossibilidade do sujeito ativo de exigir o cumprimento da obrigação principal
do contribuinte, devendo o responsável ter alguma relação com o fato gerador
da obrigação tributária. A lei poderá estabelecer responsabilidade pelo
pagamento da penalidade tributária decorrente de ilícito fiscal, ao responsável
e ao sucessor, desde que disponha expressa mente sobre isso. Por sua vez, o
substituto tributário é alguém obrigado ao pagamento de tributo sem ter
participado do fato que deu origem à obrigação tributária. O substituto tributário
paga a débito próprio e não de terceiro. É pessoa obrigada ao pagamento de
23
tributo decorrente de fato gerador que não participou. A relação .Jurídica
tributária instaura-se desde sempre vinculando o substituto tributário ao sujeito
ativo.
2.5 Responsabilidade Tributária
No entendimento doutrinário predominante impera a distinção da
sujeição passiva tributária por categoria direta e indireta. Como já explicitado,
na primeira categoria localiza-se o contribuinte e na segunda, os responsáveis.
Sustenta-se tal assertiva nas disposições legais dispostas nos
artigos 121 a 128 do Código Tributário Nacional (CTN).
Extrai-se da proposição legal que a lei ordinária poderá estabelecer
a responsabilidade pelo pagamento, do tributo a terceiro, não incluído nas
previsões contidas entre os arts. 129 a 138, que tratam da responsabilidade
por sucessão, solidariedade e prática de infrações.
Nesse espaço criador de regra geral, segundo a maioria da doutrina,
estaria a autorização do código para a instituição da responsabilidade por
substituição, em face da inexistência de norma expressa a esse respeito.
Essa norma geral descreve, assim, duas hipóteses de atribuição de
responsabilidade a terceira a pessoa vinculada ao fato gerador, a saber: (1) ao
atribuir a responsabilidade a terceira pessoa, exclui-se total e automaticamente
a responsabilidade do contribuinte. Neste ponto, resta caracterizada a
denominação substituição tributária; e (2) ao atribuir a responsabilidade a
terceira pessoa, o contribuinte permanece como mero responsável supletivo.
Surge, então, a interessante discussão pautada no questionamento se o
substituto legal é responsável ou é contribuinte.
2.6 Capacidade Tributária Passiva
A capacidade tributária, ou capacidade de agir, do sujeito passivo é
tanto de direito como de fato, haja vista que todos os direitos constitucionais e
legais inerentes à sua posição e decorrentes da relação obrigacional podem
24
por ele ser exercitados.
Já houve controvérsia na doutrina acerca da capacidade tributária
passiva. Uma corrente sustentava que a pessoa que não tem capacidade civil
para dispor de seu patrimônio não poderia ser sujeito passivo tributário, uma
vez que o ato de pagar tributos supõe a disponibilidade de seus bens por parte
do contribuinte. Tal ponto de vista encontra-se inteiramente superado, pois a
capacidade tributária é independente da capacidade civil das pessoas naturais.
Com efeito, o Código Tributário Nacional preceitua que a
capacidade passiva da pessoa física remota ao nascimento com vida
independentemente da idade, da sanidade ou de qualquer outro requisito.
Amplia esta visão ao dispor que atinge a pessoa jurídica até mesmo antes da
sua constituição legal, bastando que se configure, de fato, como uma unidade
econômica ou profissional.
25
CAPÍTULO III
O IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE
MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS)
3.1 Antecedentes Históricos
A primeira forma de tributação das mercadorias no Brasil surgiu da
necessidade dos comerciantes, em estabelecer uma maneira para criar um
documento capaz de facilitar o desconto de faturas nos bancos. A Lei 14625
de 31/12/1922 instituiu o Imposto sobre Vendas Mercantis, criado para atender
às solicitações de associações comerciais que desejavam um documento
líquido e certo, com força cambial semelhantes letras de câmbio e
promissórias. Tal documento tinha o objetivo de facilitar o desconto das faturas
de vendas dos comerciantes e industriais, nos bancos, quando reconhecidos e
assinados pelos compradores. Assim, o Congresso estabeleceu a emissão de
duplicatas da fatura em troca de um imposto de 0,3% em toda venda
registrada em livro próprio, tanto a prazo quanto à vista.
A Constituição Federal de 16 de julho de 1934 incluiu as
consignações na base de cálculo desse imposto, estendendo para vários
produtos, inclusive os agrícolas, a sua incidência. Surgiu então em 1936, ao
entrar em execução a discriminação de rendas da Constituição de 1934, o
Imposto de Vendas e Consignações (IVC). Este imposto, desde o período do
regime militar de 1964, vinha sendo duramente criticado por ter sido
considerado cumulativo, tecnicamente incorreto e fomentador da inflação.
Destarte, para evitar tais críticas, substitui-se esse imposto por outro, não
cumulativo, que teve como fato jurígeno as operações promotoras da
circulação de mercadorias, e não apenas os negócios jurídicos. Surgiu, assim,
o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), em substituição ao IVC. O
intuito era copiar os impostos europeus sobre valores agregados ou
acrescidos, incidentes sobre bens e serviços de expressão econômica, os
Impostos sobre Valores Adicionais (IVAs). Ocorre que os entes políticos,
26
acostumadas com um modelo já estabelecido, tiveram dificuldades em
aceitar idéias renovadoras, advindas das tentativas reformistas, que tinham
a intenção de copiar o modelo europeu dos IVAs.
Merece registro o fato de que nos países europeus não existiam
estados-membros e por isso mesmo a organização era unitária, o que
facilitava demasiadamente a cobrança do tributo que ficava concentrado na
mão de um Poder Central. O Brasil, por ser um Estado federativo, dividia a
competência entre os Estados-membros, a União e os Municípios. Os
primeiros tributavam o comércio das mercadorias (IVC); já a União tributava
a produção de mercadorias industrializadas (imposto de consumo); e os
Municípios tributavam os serviços (indústria e comércio). Dessa maneira,
para minimizar as perdas de receita que gerariam inúmeros problemas de
ordem política, social e econômica, houveram por bem fazer algumas
adaptações na proposta inicial, o que acarretou sérias anomalias no
sistema.
O imposto para atender a realidade de um país federativo foi
dividido entre os diversos estados-membros que o compunha. A
conseqüência foi a desestruturação da competência estatal com a
submissão desse imposto a regras da União através de leis
complementares e resoluções do Senado. E, a fim de evitar políticas
regionalistas, surgiram convênios entre os Estados-membros onde cada
qual só podia fazer o que os outros permitissem. Esse convívio forçado
evitava a utilização de políticas autônomas e objetivos extrafiscais dos
Estados-membros que ansiavam pelo desenvolvimento econômico de suas
regiões.
Em virtude de nossa diversidade econômica entre as regiões do
país, o ICM foi considerado por muitos como um poderoso instrumento de
planejamento e desenvolvimento. Mais uma vez, tal imposto se afasta da
sua idéia inicial, que tinha como base os IVAs do sistema europeu, a partir
do surgimento de alíquotas diferenciadas em contraposição da uniformidade
das alíquotas.
27
Diante dessa conjuntura, os Estados, na ânsia de crescimento e
para atender às diversas necessidades entre os estados industrializados e
os estados consumidores, criaram inúmeras alíquotas pouco contidas pelos
convênios. Surgiram, assim, as alíquotas internas, as alíquotas de
exportação e as alíquotas interestaduais.
Como já previsto, a União, através de diversas inserções, utilizou o
ICM como instrumento de política econômica, passando de tributo neutro
para tributo extrafiscal. Esse tributo, tornou-se também um atraente
instrumento de intervenção da economia, passando a encorajar
determinadas atividades e desencorajar outras, a depender dos interesses
políticos. Essas isenções geraram inúmeras perdas para as receitas
estaduais.
Em 1987 surgem grupos de pressão com anseios dos Estados por
independência e autonomia financeiras, através da descentralização do
Poder Central. Assim, a Assembléia Nacional Constituinte é formada e,
para atender aos desejos de descentralização, foi criado o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que engloba em sua
incidência a energia elétrica, combustíveis e lubrificantes líquidos gasosos,
bem como os minerais do país, que passam a integrar o fato gerador do
ICM sob o argumento de que são mercadorias e como tais circulam.
Resta apenas mantido o Imposto sobre Serviço (ISS), imposto
municipal que não foi englobado pelo ICMS.
3.2 Perfil Constitucional do ICMS
O Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) representa
a maior fonte de receita tributária dos Estados e do Distrito Federal. A sua
incidência direciona-se à circulação de mercadorias e à prestação de
alguns serviços, conforme estabelece o artigo 155, II, da Constituição da
República de 1988.
Analisando o Sistema Tributário Constitucional, percebe-se' que o
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ICMS, além de englobar os impostos únicos federais da Carta de 24 de janeiro
de 1967 (op. cit.) também acrescenta os serviços de transporte e de
comunicação em geral, tornando esse imposto um verdadeiro conglomerado
de vários impostos diversos. Tal sigla abriga, no mínimo, cinco impostos
diferentes, a saber: 1) imposto sobre operações mercantis; 2) imposto sobre
serviços de transporte interestadual e intermunicipal; 3) imposto sobre serviços
de comunicação; 4) imposto sobre produção, importação, circulação,
distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e
de energia elétrica; e, 5) imposto sobre a extração, circulação, distribuição e
consumo de minerais. As distintas hipóteses de incidência entre cada um
desses citados impostos evidenciam as suas respectivas diferenças, conforme
se pode verificar ao analisar os diversos elementos que compõem a norma
abstrata, como os critérios materiais, espaciais, temporais e quantitativos.
Na atual Constituição da República (op. cit), o ICMS foi posto na
competência dos estados-membros e do Distrito Federal, tendo o seu âmbito
ampliado para abranger os antigos impostos únicos federais sobre a energia
elétrica, combustíveis, lubrificantes e minerais do país, bem como as
prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de
comunicação.
A função do ICMS é predominantemente fiscal. Contudo, sua função
vem adquirindo uma faceta extrafiscal por ser utilizado, também, como
instrumento de política econômica e social. Este aspecto decorre do fato de o
ICMS ser seletivo em função da essencialidade do produto ou serviço.
Merece registro, nesse contexto, a certeza de que a seletividade é
facultativa e não obrigatória. Estabelecer o que é ou não é supérfluo torna-se
difícil, mesmo por meio de critérios técnicos e sociais, haja vista a pouca
definição desses critérios.
Assim, alíquotas de diversos valores são instituídas e muitos estados
concedem incentivos fiscais diferenciados com o intuito de atraírem
investimentos novos para as suas respectivas sub-regiões. O objetivo dessa
política de atração de empresas por meio de incentivos fiscais resta evidente.
A instalação de empresas, em seus territórios, atraídas uma multiplicidade de
29
alíquotas atrativas e, até mesmo, com a isenção de tributos, pode, de fato,
promover o desenvolvimento regional. Essa prática bastante comum vem
sendo conhecida como guerra fiscal. Necessário se faz, entretanto, distinguir
os incentivos concedidos pelos estados produtores (chamados “ricos”), e, de
outro lado, o tipo de incentivo, concedido por Estados consumidores (ditos
“pobres”), que propicia um desenvolvimento uniforme em todo território
nacional e atende aos princípios constitucionais.
A Constituição Federal descerra autorização para instituição e
cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal, produzindo, no decorrer do
seu texto, um disciplinamento do tributo de forma até certo ponto exaustivo.
Com isso, dotou os institutos implantados para o tributo da solidez das normas
constitucionais, limitando e condicionando a atuação das normas de caráter
inferior.
O interesse prático das questões em tomo do imposto referenciado
é muito grande. A todo instante estão a se realizar operações de circulação de
mercadorias envoltas nas mais diversas fórmulas que produzem efeitos
jurídicos e fazem nascer a obrigação tributária de efetivar o pagamento do
ICMS.
As relações de consumo na sociedade de massas em que vivemos
fazem emergir multifacetadas formas de relações contratuais e em boa parte
delas se configuram as relações de circulação de mercadorias voltadas
diretamente para o consumo ou para a satisfação de novos círculos
econômicos, como a comercialização ou a industrialização .
A circulação perfaz, destarte, um procedimento do dia-a-dia em
comunidade, gerando a incidência do tributo ao influxo das operações
realizadas e impõe à necessidade de tratamento legislativo especial e
minuciente, inclusive para concretizar função de extrafiscalidade .
O legislador constitucional achou por bem, com base na tradição de
nosso país, de conceder aos Estados a competência para cobrança do ICMS,
consignado detidamente o núcleo em tomo qual gravita a tributação outorgada.
Assim dispôs o constituinte originário:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
30
[...] II- operações relativas a circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Na sigla proposta, ICMS, fez juntar tributos que, no ordenamento
constitucional anterior, recebiam definição particular, ou seja, eram tributos
com natureza própria. Englobou os três impostos únicos federais sobre energia
elétrica, combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos e minerais; e mais os
impostos sobre transportes e de comunicações em geral.
A adaptação desses tributos aos princípios regentes do ICMS,
herdados do ICM com algumas introduções, oferta uma gama de dificuldades
que terão que ser superadas por meio da legislação e dos métodos de
interpretação.
3.3 Operações Relativas à Circulação de Mercadorias
Indaga-se, por primeiro, qual o sentido da acepção operações;
relativas à circulação de mercadorias na dicção constitucional.
Na opinião de Geraldo Ataliba14, lançada na vigência do diploma
constitucional de 1967:
A constituição, ao cogitar de operações, no art. 23, está fazendo referência a negócios jurídicos ou, como diz Amílcar Fa1cão- reproduzindo literatura alemã - ao núcleo da incidência de um imposto sobre atos jurídicos. E isto fica bem evidente, quando se leva em conta que só mediante este instrumento - o ato jurídico - é que se pode ter, como efeito de direito, uma circulação de mercadorias.! Portanto, o adjetivo circulação (sic), que qualifica, no texto, o substantivo operações, somente se pode configurar se essas operações revestirem natureza negocia!.
Paulo de Barros Carvalho15 é enfático ao se pronunciar sobre o
tema:
[...] a circulação de mercadorias, desde que promovida por força de negócio jurídico, de que título for, estará sujeita à incidência da lei. Esta a importância capital da palavra 'operações', inserta no Texto
14 ATALIBA, op. cit., p. 89.
15 CARVALHO, op.cit. p. 162
31
Supremo e lamentavelmente esquecida no nível da aplicação efetiva e prática do tributo. lnexistindo título jurídico para que a mercadoria circule, não haverá falar-se de acontecimento fático que se possa frisar com a previsão normativa. É o caso do ladrão que furta mercadorias do estabelecimento comercial, como refere o mestre Baleeiro ou ainda, hipótese de força maior, 'como a enchente que, ao inundar a loja, faz com que as peças exibidas na vitrine, ou guardadas no depósito, saiam à porta, perecendo ou danificando-se.
Em verdade, respeitadas as opiniões divergentes, as operações, do
ponto de vista constitucional, não querem significar negócio jurídico translativo
da propriedade da mercadoria, embora esta seja a forma mais comum. De
fato, as operações impulsionam a mercadoria desde a etapa inicial de
produção, com passagem pela comercialização até a sua finalização por meio
do consumo. Algumas dessas etapas podem ser realizadas pela mesma
pessoa, mas a legislação do ICMS promove uma nítida separação delas
quando define a ocorrência do fato gerador pela saída a qualquer título, ainda
que para outro estabelecimento do mesmo titular e impõe a regra da
autonomia dos estabelecimentos.
Operação, para efeito do imposto, pode também significar uma
única etapa quando a mercadoria for adquirida para o consumo ou para
integrar ativo permanente.
Numa outra vertente, o fato de a Constituição Federal preceituar que
o imposto incide sobre a entrada de mercadorias importadas, ainda que para o
ativo fixo, demonstra que a essência do tributo não é o negócio jurídico, mas
as etapas de circulação que o legislador resolveu eleger no campo de
tributação. Em tal hipótese, tanto pode haver um negócio jurídico subjacente
como uma transferência entre empresas do mesmo grupamento, sem ônus.
Entretanto, que a legislação interna não pode cogitar sobre tal operação, haja
vista ter sido efetuada em outro país. A parte que toca à lei interna é que
poderá ser atingida, o que se faz com absoluta coerência. Do contrário, a
circulação de mercadorias importadas deixaria de sofrer encargo tributário
similar ao enfrentado pela circulação interna. Tal situação levaria a uma
redução dos custos gerais da importação, instalando-se privilégio inaceitável,
mesmo para o juízo dos mais radicais defensores do livre mercado. A
circulação, nesse caso, começou com a saída do estabelecimento localizado
32
em outro país para desembocar no Brasil. Ocorrendo a continuidade do
processo de circulação, a mecânica de compensação será ativada. Mas, se
destinada a consumo ou ativo fixo de empresas, encerra-se a etapa de
circulação apenas com a entrada.
Na vigência da Constituição anterior não era possível emprestar à
expressão operações, no texto constitucional, o significado de atos e negócios
jurídicos mercantis.
Com efeito, se o legislador constitucional tencionasse o imposto
sobre atos e negócios jurídicos mercantis, teria mantido a discriminação
constitucional de rendas, advinda de 1891 até 1946, em que se outorgava
competência para tributar atos regulados por lei federal ou estadual, atos da
economia municipal e negócios das economias federal e municipal.
Em obra recente, Hugo de Brito registra mudança de
posicionamento quanto à exigência de transferência de propriedade para
caracterizar operação incidente do ICMS. Pondera que “não se exige que a
operação transfira a propriedade ou a posse da mercadoria, mas apenas que
seja relativa à circulação, vale dizer, capaz de realizar o trajeto da mercadoria
da produção até o consumo, ainda que permanecendo no patrimônio da
mesma pessoa jurídica”.
A questão da exigência do fato ou negócio jurídico para incidência
do imposto está ligada ao problema da transferência de propriedade.
Classificar as operações incidentes do ICMS como efeito do ato ou negócio
jurídico não resolve as questões das transferências entre empresas do mesmo
grupo em operações internas, interestaduais e internacionais.
Percebe-se, no esboço doutrinário explanado, a contrariedade de
posições. A constituição vigente, embora tenha aplicado a competência do
tributo em evidência, manteve redação similar à da carta anterior, retirando as
referências a produtores, industriais e comerciantes. Tal posicionamento não
restringe o significado dado a atos ou a negócios mercantis.
33
Agora, na hipótese de uma remessa de mercadorias entre
estabelecimentos do mesmo titular, a exemplo de estabelecimento industrial
para estabelecimento comercial, é evidente que acontece a incidência, pela
previsão da lei e pela natureza diversa da operação. Levada a efeito a
interpretação de que só a mudança de domínio provoca a incidência, tal
operação seria não-incidente, mesmo que houvesse transformação total do
produto originário.
Os defensores da tese de que somente atos de transferência fazem
incidir o imposto, curiosamente, deixam de assim pensar quando a remessa da
mercadoria de um mesmo proprietário destina-se a outro Estado da federação.
Argumentam que o imposto é de competência dos Estados e assim haveria
prejuízo para algum dos envolvidos e por isso se justificaria, excepcionalmente,
a incidência. No entendimento de Roque Antonio Carraza16:
"o princípio; federativo e o princípio da autonomia distrital inadmitem que Estados e Distrito Federal se locupletem às custas de outrem concedamos que tais estabelecimentos sejam considerados autônomos pelo menos para fins de tributação por meio do ICMS."
Percebe-se, destarte, que, se a norma pretendesse estabelecer a
incidência do imposto quando houvesse celebração de negócio jurídico, tê-lo-ia
feito expressamente, sem maiores rodeios.
Ademais, merece atenção ainda o preceito informador de que o fato
gerador incidente da natureza jurídica da situação que o constitua. Se o ato
configura ilícito para o direito civil ou para o direito penal, não deixará de fazer
incidir a norma de tributação. Isso é mais uma prova de que necessariamente
a circulação, para efeito do imposto, não está atrelada ao negócio mercantil.
Ressalte-se, nesse aspecto, que a doação também não inibe a incidência.
A regra, contudo, é que a circulação se faça por negócio jurídico
com transferência de propriedade.
3.4 Princípio Constitucional da Não-Cumulatividade
O princípio não-cumulatividade foi concebido junto com o ICM pela
Emenda Constitucional nº 18/1965 com o objetivo de estancar problemas
16 CARRAZA, op. cit., p. 115
34
tributários existente entre os Estados produtores e consumidores na época de
vigência do Imposto Sobre Vendas e Consignações (IVC).
Como o IVC funcionava em cascata, com incidência em cada
operação, havia excessiva oneração dos produtos alem de distribuição
irregular das receitas arrecadadas em face de ser um imposto de competência
estadual, exercitando-se um sistema federativo.
A solução encontrada naquele período histórico foi a instituição do
ICMS, estando os mentores do projeto cientes das dificuldades operacionais
de um imposto característico de países unitários.
Visando a assegurar um mínimo de unidade, estabeleceram-se
alguns contornos e limitações que Gilberto Ulhôa Canto noticia com a
autoridade de quem participou diretamente da elaboração:
A marca do seu caráter não cumulativo no próprio texto constitucional, a definição em lei complementar, do seu fato gerador, do seu contribuinte e sua base de cálculo, além de outras restrições destinadas a impedir o transbordamento do exercício da competência estadual para fora do seu campo próprio, a fixação de alíquotas máximas pelo Senado Federal e a sua subordinação de certas decisões a prévia aprovação em convênios de Estados, tudo isso visou a tomar possível a implantação de um imposto de vocação unitária num país de estrutura federativa.
No atual estágio, o princípio afigura-se inscrito no art. 155, § 2°,
inciso I da Constituição Federal:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2° O imposto previsto no inc. II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. A Constituição prescreve a exigência do abatimento e,
complementando a regra para conceder operacionalidade ao princípio, a
legislação infraconstitucional estabelece as modalidades de compensação.
Surgem, a partir daí, discordâncias quanto à natureza jurídica do
regime de compensação do imposto, entendendo uns que a sua conformação
35
é de natureza tributária e outros a inexistência dessa natureza na mencionada
conformação.
3.5 Natureza da Não-Cumulatividade
Quanto à natureza da não-cumulatividade, o doutrinador Gilberto
Ulhôa Canto17 defende o entendimento de que:
A não-cumulatividade do ICM não decorre do fato gerador, da base de cálculo ou do contribuinte do imposto. Ela é assegurada pela regra que prevê o abatimento, em cada operação, do montante pago nas anteriores, esta, que não incide sobre nenhum dos elementos da própria obrigação tributária, porque diz respeito ao modo pelo qual o tributo será recolhido. Por isso a relação introduzida é de índole financeira, pois tem o objetivo de impedir que o montante do imposto não ultrapasse em nível percentual a relação que existe entre a ali quota real e o preço de venda a consumidor, embora haja mais de uma etapa na circulação da mercadoria.
Uma outra corrente de pensamento opina pela natureza tributária
das normas de compensação. Apesar de não compor a regra matriz de
incidência, a não-cumulatividade resta posicionada na etapa de apuração do
quantum debeatur, circunscrevendo-se no âmbito da extinção do crédito
tributário. Segundo sustentam, parte do crédito tributário é liquidado por meio
de compensação e outra parte é satisfeita por meio de dinheiro.
Uma terceira corrente pondera que a não-cumulatividade integra a
norma de tributação do ICMS, estando dentro dele e não fora. Tem-se que a
norma faz parte do elemento quantitativo, já que, além da aplicação da
alíquota sobre a base de cálculo, é preciso que se façam as deduções
necessárias a quantificar o valor a pagar. Essa função de compensação
acontece no momento do lançamento e não posteriormente.
Este estudo monográfico identifica-se com o entendimento
defendido pela terceira corrente, apropriadamente lançada por Sacha Calmon.
A compensação prevista para a extinção do crédito tributário é uma
modalidade diversa da que opera a não-cumulatividade. A apuração do valor a
pagar é antecedente à fase de pagamento e somente se constata, no caso de
36
lançamento por homologação, com a atividade exercida pelo sujeito passivo
direcionada ao tributo a pagar. Antes disso não se pode falar em extinção de
obrigação por compensação, haja vista que a obrigação não existe, ela está a
depender da liquidação que se efetiva com a intromissão da cláusula de
inacumulatividade, elemento que se insere na quantificação juntamente com a
base de cálculo e a alíquota.
Como resultado da operação entre créditos e débitos do imposto, é
possível que não haja obrigação de pagar a cumprir, mas, sim, saldo credor
que deverá passar para o período seguinte. Nessa hipótese não há obrigação
e nem crédito constituído. Dizer que as obrigações são liquidadas por
compensação e pagamento em que dinheiro não parece refletir a melhor
interpretação do complexo sistema adotado pela legislação do ICMS. Entender
que compensar créditos com débitos para fins da não-cumulatividade de matriz
constitucional é a mesma coisa que extinguir crédito tributário por
compensação, implica desconsiderar o lançamento como constituidor desse
crédito ainda que por atividade do particular.
Destarte, parece imprópria e conflitante com o CTN a linguagem
utilizada no art. 24 da Lei Complementar nº 87/1996, no sentido de que "as
obrigações são liquidadas por compensação ou mediante pagamento em
dinheiro", se empregada por essa aceitação como regra. No entanto, se a
assertiva for para legitimar a possibilidade de compensação com créditos
oriundos, por exemplo, do excedente de crédito de operações destinadas ao
exterior ou para possibilitar a "compensação" em forma de créditos de
pagamentos indevidos, assim reconhecidos por decisões administrativas ou
judiciais, conclui-se que a compensação representa forma de extinção do
crédito tributário devidamente constituído,
3.6 Lei Complementar / Não-Cumulatividade
Instrumentalizar o modo de compensação é uma função da lei
complementar operada por disposição expressa na Constituição da Republica
17 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Direito Tributário Aplicado. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p. 251
37
(CRFB, art. 155, § 2°, XII, "c"). Apesar disso, alguns doutrinadores negam que
a legislação infraconstitucional possa opor qualquer restrição ao direito de
crédito, inclusive à própria lei complementar.
No cumprimento de sua tarefa, a Lei Complementar nº 87/1996
traçou as linhas mestras de como a compensação deveria ser constituída pela
lei ordinária estadual. Permitiu que fosse fixado período para apuração do
imposto, o que já tradicionalmente vem sendo colocado mensalmente (com
exceção de alguns Estados em que o período é quinzenal, além de admitir a
possibilidade de ser feito o confronto entre débitos e créditos por mercadoria
ou serviço dentro de um período determinado ou pela comparação,
considerando cada operação.
Na sistemática de apuração do ICMS, o imposto é recolhido depois
que o contribuinte efetua a mensal. Para satisfação dessa técnica, existe uma
conta corrente de débitos e créditos que recebe o registro formal no Livro de
Apuração de ICMS.
Os créditos são consignados pelos valores destacados no
documento fiscal em relação às mercadorias tributadas adquiridas pelo
estabelecimento. Já os débitos representam as saídas tributáveis do
estabelecimento e são lançados no mesmo livro de apuração. Se o saldo for
devedor, o contribuinte recolhe o imposto; se credor, esse saldo passa para o
mês seguinte. Apesar de o mecanismo de crédito e débito receber
processamento periódico, com aferição mensal (em regra), registra-se
individualmente cada entrada e saída de mercadoria.
Não parece que somente a descrição da não-cumulatividade
encetada na Constituição seja suficiente para conceder operacionalidade no
sistema. Resta evidente que o disciplinamento por legislação
infraconstitucional é indispensável, como de fato vem ocorrendo, assim com é
perfeitamente possível serem admitidos condicionamentos para exercício do
direito de usufruir créditos fiscais, a exemplo da norma que exige a idoneidade
do documento que formaliza operação de circulação de mercadoria ou a que
impede o creditamento para veículo de transporte pessoal (Lei Complementar
nº 87/1996, art.20, § 2°).
38
Cabe, agora, acrescentar que será neste trabalho oportunamente
demonstrado o atendimento ao princípio da não–cumulatividade pelo regime
da substituição tributária, sendo explicitado, inclusive, o entendimento já
pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesse sentido.
39
CAPÍTULO IV
ASPECTOS DO REGIME
DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
4.1 Contribuinte do ICMS
A Constituição Federal de 1988 traça o perfil das materialidades do
ICMS, devendo o legislador observar que os contribuintes deverão ser pessoas
que pratiquem as operações relativas à circulação de mercadorias, prestação
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os prestadores de
serviço de comunicação.
O Decreto Lei nº 406 de 31/12/1968 dispõe em seu art. 6°:
Contribuinte é o comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, o que a importa do exterior ou que arremata em leilão ou adquire, em concorrência promovida pelo poder público, mercadoria importada e apreendida.
Assim, o contribuinte guarda relação com o fato gerador do tributo.
São os comerciantes, industriais ou produtores que realizam algum tipo de
operação de circulação de mercadorias, promovendo a saída ou a importação
e ainda arrematando em leilão e adquirindo em concorrência promovida pelo
poder público.
No que diz respeito ao fornecimento de energia elétrica,
contribuintes são as concessionárias, distribuidoras, produtores independentes
e os autoprodutores.
Todos os participantes dessa atividade podem ser considerados
contribuintes, como o explorador, concessionário, permissionário e produtor
independente.
Em relação às instituições financeiras ocorreu o seguinte
pronunciamento:
[...] a atribuição de qualidade do contribuinte está vinculada, antes de mais nada, à prática habitual do fato gerador do imposto: os bancos, enquanto adstritos às operações de ordem financeira, creditícia e
40
afins que Ihes são próprias não se personificam como contribuintes do ICMS, ressalvados os casos de importação. O estabelecimento bancário que de algum modo incorporar atividades habituais de comércio ou indústria (ainda que restrito à fabricação de bens para uso próprio, como móveis ou equipamentos) deverá inscrever-se como contribuinte do imposto e cumprir as obrigações principal e acessórias que tal condição lhe virá impor. (Consulta nº 620/90 de 26/11/90, Boletim Tributário 443, série A, pp 43/48).
Dessa forma, deve-se observar o critério da habitualidade para se
estabelecer o contribuinte do ICMS. Esse critério deve ser observado a fim de
atender os princípios constitucionais da tipicidade e da não-cumulatividade. Por
conseguinte, o contribuinte deve ser alguém que, dentro de suas atividades
normais, realize operações mercantis de circulação de mercadoria ou serviços.
Caso não tenha essa habitualidade não poderá ser classificado como
contribuinte.
A Lei Complementar nº 87 de 13/09/1996 dispõe nos seguintes
termos:
Art. 4°. - Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: I - importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; . III - adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; IV - adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.
A Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001,
ampliou a incidência do ICMS na importação, ao estabelecer que será
contribuinte do ICMS a "pessoa física ou jurídica, ainda que não seja
contribuinte habitual do imposto".
Nesse contexto, qualquer pessoa que realize operações de
circulação de mercadorias com o intuito comercial está sujeito ao ICMS. Em
decorrência disso, o comerciante de fato ou irregular e mesmo o menor
incapaz que realize com habitualidade atos comerciais, estão sujeitos à
41
incidência desse imposto. Estabelece o artigo 126 do CTN de 25/10/1966:
Art. 126. A capacidade passiva independe: I - da capacidade civil das pessoas naturais; II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.
No mais, em se tratando de armazéns gerais, não devem pagar o
ICMS porque não realizam operações mercantis, não compram e nem vendem
as mercadorias, mas apenas as guardam durante determinado período.
4.2 Responsabilidade Tributária e Substituição
Para a devida compreensão do instituto da substituição tributária é
preciso primeiramente analisar alguns aspectos doutrinários e legais acerca do
tema.
A Constituição não estabelece especificadamente a pessoa
devedora do tributo, mas indica as materialidades que serão suscetíveis da
incidência, outorgando às pessoas públicas as suas respectivas competências.
Assim, conforme já analisado no capítulo anterior, compete à Lei
Complementar estabelecer normas gerais da legislação tributária. Essa lei
deve estabelecer as pessoas que têm o mínimo de ligação com o fato gerador
do imposto como contribuintes. Geralmente os tributos são cobrados dos
próprios contribuintes, que tem relação pessoal e direta com o fato gerador. No
entanto, em alguns casos, a lei permite que terceiras pessoas relacionadas
com os contribuintes paguem o tributo, caso o devedor original não cumpra a
sua obrigação.
A responsabilidade tributária por transferência é muito utilizada no
que se refere ao ICMS. Esta responsabilidade consiste na transferência da
obrigação de pagar tributo, por meio de lei, seja total ou parcialmente, para
outra pessoa que não o contribuinte que é o sujeito passivo direto. A
responsabilidade é estabelecida tendo por finalidade a garantia do
recolhimento do tributo para o fisco.
42
O professor Cassone18 assim entende:
[...] situações há em que, a fim de assegurar ou facilitar a percepção do tributo, a lei, com base na norma geral complementar (CTN), que por sua vez encontra fundamento no art. 146 da Constituição, elege uma terceira pessoa vinculada ao fato gerador para cumprimento da obrigação tributária, em lugar do contribuinte natural, hipótese em que se caracteriza a denominada responsabilidade tributária.
Em razão disso, a responsabilidade tributária é muito utilizada com a
finalidade de assegurar o cumprimento da obrigação tributária. Para tanto, se
elege um terceiro que de alguma forma esteja ligado ao fato gerador para
realizar o cumprimento da obrigação tributária em lugar da pessoa que,
naturalmente, seria o contribuinte do tributo. Entretanto, faz-se necessário
parcimônia na instituição da responsabilidade, haja vista que, conforme ensina
o professor Carrazza (2000, p.72), "o instituto da responsabilidade tributária
deve ser utilizado com grande cautela, para que não se atropele princípios
constitucionais".
Numa fase anterior à elaboração da lei, o legislador verifica a
pessoa que tenha ligação com a materialidade do tributo, além de observar o
mínimo de capacidade contributiva. Essa precaução visa a evitar as
arbitrariedades e inconstitucionalidades do Fisco na ânsia pelo recolhimento do
tributo.
O sujeito passivo deve ter uma ligação direta com o fato gerador do
tributo; a pessoa precisa ter uma relação econômica com o fato a ser tributado.
Essas cautelas, relacionadas à elaboração do aspecto pessoal da incidência
do tributo, objetivam assegurar ao sujeito passivo do tributo o mínimo de
direitos, observando-se sempre os princípios constitucionais.
Como mencionado, anteriormente, o Código Tributário Nacional
(CTN) define, no artigo 121, o sujeito passivo da obrigação tributária como a
pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. Mais
adiante, subdivide-o em contribuinte e em responsável. O primeiro, assim
classificado por ter uma relação pessoal e direta com o fato gerador; o
segundo – sem revestir a condição de contribuinte – quando sua obrigação,
18 CASSONE, Vittorio. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2005, p. 237.
43
decorre de disposição expressa em lei.
Em regra, a prestação imposta pela obrigação tributária recai sobre
a figura do contribuinte, ou seja, aquela pessoa que se realiza a situação
descrita hipoteticamente na lei como necessária e suficiente para ensejar o
nascimento da obrigação, perfazendo o fato jurídico tributário .
Destarte, a obrigação de pagar o tributo compete ao sujeito passivo
da ocorrência do fato jurídico, por força obrigacional inserta na lei que o conduz
a satisfazer a prestação ao sujeito ativo, representado pelo ente público dotado
de competência constitucional. A figura do contribuinte, portanto, traduz a
sujeição passiva direta.
O tributo deve ser cobrado da pessoa que está em relação
econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem à tributação. Por outras
palavras, o tributo deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem
econômica do ato, fato ou negócio tributado. Quando o tributo for cobrado
nessas condições, dá-se a sujeição passiva direta, que é a hipótese mais
comum na prática .
Contudo, em determinados casos, há interesse ou necessidade por
parte do sujeito ativo em exigir a obrigação tributária de pessoa diversa,
nascendo daí a sujeição passiva indireta que assume a compostura de
sujeição passiva por transferência e por substituição .
4.3 A Substituição Tributária Passiva
No âmbito do Direito Tributário, atualmente tem-se criado alguns
institutos jurídicos que refletem técnicas de tributação apartadas do sistema
tradicional de cobrança de tributos, produzindo significativa mutação na relação
obrigacional tributária especialmente quanto ao instante de nascimento da
obrigação e quanto a quem deve satisfazer a prestação de dar, o sujeito
passivo.
A legislação brasileira atinente ao ICMS é pródiga na aplicação de
técnicas inovadoras em matéria tributária. Primeiro aparece em sua
circunscrição o diferimento acompanhado da substituição intitulada de
44
“regressiva" ou "para trás". Essa modalidade ocorre quando o lançamento e o
pagamento 90 imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria são
transferidos para etapa ou etapas posteriores de sua comercialização, ao
tempo que a entrada ou posterior saída do destinatário o adimplemento da
prestação obrigacional.
Em outra face, surge a substituição progressiva ou "para frente".
Ocorre quando a lei indica urna pessoa como responsável pelo cumprimento
de obrigação tributária correspondente a fato físico a ser concretizado no
futuro, presumindo o seu acontecimento e exigindo a antecipação de
pagamento que ordinariamente apenas seria devido em razão da saída efetiva
do estabelecimento do substituído. Reside aqui urna gama enorme de
dissensões na doutrina e na jurisprudência.
No que tange à substituição originada quando o fato físico (;ex.
saída de mercadoria) já aconteceu, como no caso da substituição regressiva, a
aceitação parece tranqüila. Contudo, quando a abordagem perpassa para o
campo da substituição para frente, surgem as discordâncias.essencialmente
pela antecipação do recolhimento do tributo antes da ocorrência propriamente
dita do fato gerador, na sua concepção ordinária.
O objetivo da criação do substituto, como técnica de tributação,
reside na concentração de obrigações em um universo mais reduzido de
contribuintes, permitindo que a fiscalização e a arrecadação sejam facilitadas,
além de servir, evidentemente, como um fortíssimo mecanismo impedidor da
evasão fiscal.
O instituto da substituição tem encontrado vasta aplicação no âmbito
do ICMS e, mediante instrumentos legislativos recentes, firma sua atuação na
esfera da União, como é de se registrar as prescrições atinentes às
contribuições COFINS, Contribuição para a Seguridade Social e Imposto Sobre
a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
Na esfera do ICMS, entretanto, a sua utilização pelos entes dotados
de competência tributante é generalizada, sob a forma de lei ordinária, com a
discriminação estrita das operações que deverão ser submetidas ao sistema
45
de substituição, escolha normalmente feita em razão do tipo de produto
envolvido ou categoria de contribuintes.
Impõe-se reconhecer, portanto, que a introdução da substituição
tributária em níveis constitucionais e legais impõe um reestudo de figuras do
direito tributário, como é o caso da teoria do fato gerador e a da
responsabilidade tributária.
A revisão no âmbito tributário, guardadas as devidas proporções,
assemelha-se ao que atualmente se opera no campo do Direito Civil com a
instituição dos contratos de adesão. A autonomia da vontade, base da clássica
formação dos negócios jurídicos, especialmente dos contratos, deixa de ter a
importância que sempre lhe foi delegada, forçando um reestudo da teoria para
fins de enquadramento teórico da substituição tributária em face de sua
inadaptação ao modelo jurídico tradicional.
Expõe Alberto Xavier19 que:
A substituição tributária corresponde a um regime excepcional, que representa um desvio lógico no regime geral segundo o qual a mesma pessoa que tem capacidade contributiva em relação a dado tributo é referida na mesma hipótese da incidência como sujeito do fato gerador e é expressamente obrigada por lei à realização de prestação tributária, cujo ônus financeiro deve também suportar.
Com inteira pertinência, arremata o autor: "Através da substituição
tributária este esquema normal é subvertido pelo fato de a lei impor a
realização da prestação tributária a um terceiro, que passa a figurar na relação
jurídica tributária não ao lado do contribuinte mas em lugar dele."
A par da classificação da substituição tributária em regressiva e
progressiva, há quem aponte a divisão em objetiva e subjetiva. A primeira
(objetiva) configura-se pela eleição de determinados produtos, feita pela
norma, para submetimento ao regime de substituição (ex. farinha de trigo,
veículos); a segunda (subjetiva) acontece quando se impõe a substituição em
razão da qualidade do destinatário ou remetente i da mercadoria (ex.
19 XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do fato e do processo tributário. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
1998, p.116.
46
destinatário: comerciante ambulante, promotores de venda, e remetente,
produtores agropecuários - diferimento).
Convém enaltecer que a norma complementar fixou que a instituição
da responsabilidade por substituição deve ser produzida em relação a
mercadorias ou serviços, posição que informa a classificação posta quanto ao
critério subjetivista. Assim que o legislador estadual somente pede fazer uso do
critério objetivo, sendo que, na prática, poderá atingir por completo as
atividades econômicas de determinadas pessoas que realizam operações com
incidência do ICMS.
A substituição tributária em sua forma progressiva envolve a
problemática jurídica causada pela atribuição terceira pessoa da
responsabilidade tributária por substituição de fato gerador que só
presumivelmente irá ocorrer.
Diante da universidade de operações de produção e circulação, é
possível o controle de cada ocorrência idos fatos geradores. A máquina
administrativa necessária para apurar o nascimento de cada obrigação
tributária iria exceder a razoabilidade.
Destarte, diante de características bem peculiares do mercado, tais
como reduzido número de produtores e distribuidores (mercado oligopolizado)
e elevado número de varejistas, somente por meio do regime de substituição
tributária apresenta condições de promover a arrecadação de tributos nos
montantes cabíveis, haja vista possibilitar o alargamento da base de incidência
das operações tributárias.
A matéria em questão há muito desperta uma verdadeira celeuma
entre fiscos e contribuintes. Não é sem motivos que isto acontece, já que
antecipando o pagamento de determinado tributo cujo fato gerador só
presumivelmente irá acontecer, o regime de substituição tributária causa
dúvidas quanto à legalidade, à não-cumulatividade e à operacionalização dos
lançamentos fiscais, em especial no campo de incidência do ICMS.
Chega-se, então, ao cerne do problema: a atribuição a terceira
pessoa da obrigação de cumprir o crédito tributário, decorrente de fato gerador
efetuado por outrem, é figura jurídica extravagante?
47
A resposta vem sendo dada continuamente, à medida que a
legislação, a jurisprudência e a doutrina vão esclarecendo os elementos do
instituto à luz do sistema tributário nacional
É claro que o tema, por si só, traz aspectos relevantes para
contribuintes e administrações públicas, urna vez que só depois de longas
discussões doutrinárias e jurisprudências o instituto ganhou contornos bem
definidos juridicamente, sendo, finalmente, aceito como instituto capaz de
promover aumento das receitas tributárias, combater a sonegação e alargar a
base de incidência do ICMS sem, contudo, aumentar a carga tributária já
existente ou mexer na capacidade tributária dos contribuintes.
A substituição tributária é, portanto, um mecanismo de transferência
de responsabilidade de um contribuinte para outro em relação a um fato
gerador que vai ocorrer posteriormente. É a chamada substituição tributária
"para frente" ou progressiva. A substituição tributária tem que estar prevista em
lei, caso contrário não poderá haver a exigência do tributo de quem
efetivamente realizou a operação.
O diferimento também pode ser considerado uma substituição
tributária, existe uma postergação do lançamento e pagamento do imposto. A
administração fazendária prefere que haja um deslocamento no tempo para o
recolhimento do imposto, não podemos confundir esta modalidade tributária
com isenção. Entretanto, neste caso, o fato gerador do imposto já ocorreu, ou
seja, a saída da mercadoria. Este é o motivo de o diferimento ser classificado
como substituição tributária "para trás" ou regressiva. Outro exemplo: a saída
de mercadoria dos produtores rurais destinadas aos supermercados; neste
caso o imposto é diferido para o momento da entrada dos produtos no
adquirente.
Em resumo, pode-se dizer que a substituição tributária apresenta
três modalidades, a saber:
- Por diferimento: ocorre uma postergação no lançamento e no
recolhimento do imposto. Há hipótese de incidência. Não é isenção, é uma
procrastinação do momento do pagamento.
48
- Por retenção do imposto (substituição tributária propriamente dita):
o contribuinte ao efetuar venda, fica obrigado a reter o tributo que incidirá nas
operações posteriores;
- Por antecipação tributária: o contribuinte adquirente faz o
recolhimento antecipado do que incidirá nas operações que ainda realizará.
A substituição tributária pode ser classificada ainda como objetiva ou
subjetiva:
a) Objetiva - quando a substituição ocorre em razão do produto, ou
seja, quando é realizada uma operação com aquele produto indicado para ser
substituído, não importando a pessoa a quem se destine. Ex: Operações com
farinha de trigo, automóveis, medicamentos.
b) Subjetiva - quando a substituição é determinada em razão da
pessoa que realiza a operação.
Ex: o diferimento, os ambulantes, farmácias, drogarias e casas de
produtos naturais em relação aos demais produtos que esta é obrigada a
antecipar, exceto medicamentos
Caso os estados tenham a intenção de enquadrar determinado
produto no regime da substituição tributária, é necessário que os referidos
produtos atendam as seguintes premissas básicas:
• Mercadorias que sejam significativas para a arrecadação
• Poucos fabricantes e poucos Intermediários
• Muitos pontos de vendas (varejo pulverizado)
No aspecto espacial, a substituição tributária pode ser interna ou
interestadual. A substituição tributária interna, só se realiza dentro do território
dos estados. Neste caso, não acontece a operação interestadual com retenção
de imposto, ficando o adquirente responsável pela antecipação do tributo. Este
é um dos fatores prejudiciais aos estados que não possuem um controle
eficiente de fronteira. No caso da substituição tributária interestadual, é
necessário que haja um acordo entre as unidades federadas.
49
4.4 Vantagens da Substituição Tributária
A aplicação do instituto da substituição tributária pelos estados
apresenta significantes vantagens tanto para o contribuinte como para o Fisco,
em razão dos diversos benefícios tributários inerentes a este regime. Podem
ser citadas, entre outras, as seguintes vantagens:
- Simplificação da tributação;
- Combate à sonegação;
- Concentração da máquina fiscal do estado num universo menor de
contribuintes;
- Redução dos custos operacionais dos estados;
- Simplificação das operações subseqüentes;
- Possibilidade de troca de informações entre as unidades federadas
no sistema SIST (GT-52);
- Uniformização da legislação tributária quando os estados para a
substituição tributária interestadual.
O regime de substituição tributária atua – para o contribuinte
substituto e substituído – como um verdadeiro regulador de mercado. Os
contribuintes envolvidos terão a certeza que todos estarão no mesmo patamar
tributário, não havendo, destarte, sonegação e, por conseguinte, concorrência
desleal por parte daqueles que sonegam.
50
CAPÍTULO V
LASTRO JURÍDICO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
5.1 Posição Hierárquica das Normas – Breves
Considerações
O sistema jurídico é formado por um conjunto de normas, em que as
partes se harmonizam com o todo, e o todo com as partes. Neste sentido,
Francisco Ribeiro dos Santos20 ensina que "as normas do ordenamento
jurídico formam uma estrutura totalizadora, sendo o todo considerado como
unidade, por sintetizarem-se nele os conceitos de unidade e pluralidade".
No entanto, as normas que compõem o ordenamento jurídico não
possuem entre si a mesma hierarquia, mas estão dispostas em degraus
hierarquizados. Para explicar esse raciocínio, Hans Kelsen21 idealizou sua
pirâmide jurídica demonstrando que as normas são hierarquizadas e que o
fundamento da validade está em que a norma inferior extrai a sua validade na
norma superior.
Esta informação será de grande valia para compreendermos melhor
o raciocínio aqui aplicado acerca da Substituição Tributária pelas normas
atualmente impostas.
Em nosso sistema tributário a partir da Constituição Federal de
1988, de acordo com a hierarquia das normas em seu sentida exato, resultou
conseqüentemente a seguinte pirâmide segundo ensinamentos de Kelsen.
1°) Constituição
2°) Emendas à Constituição
3°) Leis Complementares
4°) Tratados e Convenções Internacionais
5°) Leis Ordinárias
20 SANTOS. Francisco Ribeiro dos. Curso de Introdução ao Direito. 2ª ed., Rio de Janeiro: Salesianas, 1978.
21 KELSEN, Hans. Teoria Geral d o Direito e do Estado. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001, p. 15
51
6º) Leis Delegadas
7º) Medidas Provisórias
8º) Decretos
9º) Normas Complementarias (portarias, resoluções, instruções,
circulares etc)
10º) Normais Judiciais (sentenças)
A Constituição, destarte, é o topo da hierarquia. Ela extrai e
fundamenta o seu conteúdo de validade do direito hipoteticamente
fundamental. Assim, somente pelo emprego do raciocínio jurídico, uma norma
válida ou inválida pode ser extraída da estrutura hierárquica das normas
objetivando um resultado positivo.
Adentrando-se ao âmbito do instituto da substituição tributária,
relevante consignar que o mesmo foi inserido no sistema positivo brasileiro por
intermédio da Lei nº 5.172 de 25/10/1966, o chamado Código Tributário
Nacional. o qual admitiu – nos termos do disposto no art. 58 , § 2°, incisos I, II
e IlI desse dispositivo legal – a atribuição da condição de responsável por
lei, com a seguinte descrição:
§ 2° A lei pode atribuir a condição de responsável: 1 - ao comerciante ou industrial, quanto ao imposto devido por produtor pela saída de mercadoria a eles destinadas, II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem não excedente de 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar; III - à cooperativa de produtores, quanto ao imposto relativo às mercadorias a ela entregues por seus associados.
Constata-se, da análise dos dispositivos transcritos, a presença da
substituição regressiva nos incisos I e lII e da substituição progressiva no inciso
II.
O Ato Complementar nº 34, de 30/01/1967, alterou a redação da
substituição progressiva, que tomou o seguinte teor: "II - ao industrial ou
comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista,
mediante acréscimo:
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- da margem de lucro atribuída ao revendedor, o caso de mercadoria com preço máximo de venda no varejo marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente; - de percentagem de 30 % (trinta por cento) calculada sobre o preço total cobrado pelo vendedor, neste incluído, se incidente na operação, o art. 46; nos demais casos.
Por força do artigo 13 do Decreto-Lei nº 406 de 31/12/1968, as
normas retromencionadas foram todas revogadas.
O instituto voltou a ser previsto com a edição da Lei Complementar
nº 44 de 07/12/1983 que, entre outras medidas, introduziu o § 3°, do art. 6° , do
Decreto-Lei nº 406/1968:
§3º A lei estadual poderá atribuir a condição de responsável: - ao industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte , quanto ao imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos; - ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista; ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo comerciante varejista; - aos transportadores, depositários e demais encarregados d{i guarda ou comercialização de mercadorias.
É relevante anotar que a Constituição de 1967, com a redação dada
pela Emenda Constitucional nº 01/1969, não fazia menção expressa à
substituição, mas outorgava à legislação complementar o poder de instituir
outras categorias de contribuintes do imposto, à época ICM ( art. 23 , II $ 4°).
Na Constituição da Republica de 1988, o instituto da Substituição
Tributária encontrava-se previsto no art. 155 § 2º, inciso XII, alínea ‘b’, o qual
estabelece que lei complementar deve sobre ele dispor. O legislador
constituinte difundiu, ainda que os Estados poderiam – caso não fosse editada
a mencionada lei – disciplinar a matéria por meio de convênios.
Ultrapassado, o período descrito na Constituição, a lei
complementar não foi editada. Diante desse quadro, os Estados-membros e o
Distrito Federal celebraram o Convênio nº 66/1988, discorrendo a respeito de
diversas matérias concernentes ao ICMS, e, especialmente, aquelas referentes
à substituição tributária. Por força do art. 34, § 8°,da ADCT (Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias) ficou concedida a esse instrumento,
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expressamente e em caráter transitório, eficácia sui generis de lei
complementar.
Mais adiante, tencionando decerto estancar as discussões
doutrinárias e jurisprudenciais sobre a substituição tributária progressiva,
introduziu-se pela Emenda Constitucional n° 03/1993, o §7° do art.150 da
Constituição Federal, que assim dispõe:
"A lei podei"á atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento fie imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente , assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido"
Até que, oito anos após a celebração do Convênio nº 66/1988 de
caráter provisório para regular o ICMS, editou-se a Lei Complementar nº
87/1996, cujo objetivo principal foi pacificar e legalizar não só a substituição
tributária progressiva como também o próprio imposto alvo de constantes
demandas jurídicas.
Os artigos 6º ao 10° estabelecem regras que normatizam
exclusivamente o instituto da substituição tributária.
O Código Tributário Nacional (CTN) em seus artigos 102, 128 e 199,
robustecem o instituto da substituição tributária:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham estas ou outras leis de normas gerais expedi das pela União. Art.199. A Fazenda Pública da União e a dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações ,na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.
Esse é, sumariamente, o quadro histórico da substituição em termos
de previsão constitucional e de legislações complementares à Magna Carta,
abstraídas as particularidades na esfera das respectivas legislações ordinárias
dos Estados.
54
5.2 A Lei Complementar nº 87/1996
As leis complementares, em regra, assumem a função de
complementar as disposições constitucionais, quando dispõem sobre conflito
de competência e limitações constitucionais ao poder de tributar, com registro,
noutra i passagem de traçamento de normas gerais no âmbito Tributário, que
visa a aumentar o grau de detalhamento dos modelos criados na Constituição.
Como tarefa atípica, tem a função de “criar” alguns tributos, incumbência que
normalmente não lhe é afeta.
No que tange ao ICMS, a exigência disposta no art. 153, § 2°, X, a e
XII, o citado doutrinador entende que tal atribuição serve para adensar o
modelo de tributo delineado na Constituição de 1988.
Essa complementação da moldura constitucional, em verdade, deve
ser vista em termos restritos, tendo em vista que, ao serem analisadas as
normas constitucionais do artigo 155, § 2°, XII, constata-se a notória atribuição
de competência da lei complementar para disciplinar as matérias ali arroladas,
acrescidas de alguns indicativos. Tais indicativos, imprecisos em sua maioria,
viriam a receber a respectiva conformação exatamente por meio de lei
complementar. O exemplo característico dessa afirmação está explicitado na
menção feita ao tema “substituição tributária”, objeto do presente estudo
monográfico.
A Constituição da República apenas dispôs que a lei complementar
deveria dispor sobre substituição tributária, sem qualquer outra referência,
exceto a introduzida posteriormente pela Emenda Constitucional nº 03/1993 (§
7°, do art. 150), quanto à figura do denominado fato gerador presumido. Ocorre
que, na ordem dos fatos, a Lei Complementar nº 87/1996 foi mais além do que
simplesmente disciplinar as matérias relatadas no preceito constitucional.
Apesar de a Constituição não ter consignado, literalmente, que a
regulamentação das normas gerais sobre ICMS seria uma função da
respectiva lei complementar, é possível aferir, partindo das matérias
discriminadas no texto constitucional que esse atributo também lhe é inerente.
O primeiro motivo que pode fundamentar tal afirmação é que os temas
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expressamente expostos são de caráter básico para implementação do regime
jurídico do imposto, ao mesmo tempo em que – colocados em âmbito nacional
– eliminam conflitos entre os entes estaduais dotados de competência
tributária.
Uma outra razão reside na natureza da competência fixada na
Constituição. Embora colocada no campo estadual, não se esgota no âmbito
territorial de cada ente tributante. Com o intercâmbio na circulação das
mercadorias nas variadas circunstâncias, ocorre um entrelaçamento de
operações de incidência do imposto envolvendo mais de um Estado de
relevante significação, especialmente quanto à mecânica de compensação do
ICMS, uma vez que influencia na outra em face dos registros de débitos e
créditos.
Resta evidente, destarte, que a compensação deve ser regulada por
norma de abrangência nacional que limite a atuação da legislação no espaço
interno dos Estados. Ressalte-se que isto não é suficiente. Outros aspectos
(referentes às hipóteses de fato que devem gerar a obrigação do tributo, à
base de cálculo e a outros temas) merecem tratamento por norma geral para
afastar desigualdades de tratamento e conflitos entre leis editadas pelos
Estados-membros.
Nesse contexto, os limites materiais de atuação da lei complementar
em contraposição com o espaço reservado à lei ordinária é, indiscutivelmente,
uma questão que oferece uma certa dificuldade.
Alguns doutrinadores entendem que a lei complementar apresenta
força de lei ordinária. Hugo de Brito Machado assevera, por outro lado, que a
lei complementar é uma “espécie normativa superior à lei ordinária,
independentemente da matéria que regula, e mesmo que disponha sobre
matéria a ela reservada pela Constituição, não deverá ser revogada por lei
ordinária”.
Numa outra vertente, José Souto Maior Borges22 pondera que lei
complementar possui limites de forma e de fundo, só podendo regular matéria
22 BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 76.
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prévia e exaustivamente delimitada na Constituição. No entender de Geraldo
Ataliba23, no cotejo a lei ordinária, esta somente se subordina à lei
complementar na matéria que seja de sua competência. Fora desse espaço,
ambas seriam absolutamente iguais. Souto Borges nega a utilidade teórica do
escalonamento normativo, já que os campos de competência seriam
materialmente distintos.
A referência doutrinária possui elevado interesse para a instituto da
substituição tributária no campo de incidência do ICMS. Seguindo o
entendimento. de que a lei complementar prevalece sabre a lei ordinária,
mesma quando extrapola as limites da competência outorgada
constitucionalmente, poderia admitir-se, por exemplo, a invasão pela União na
competência dos Estados sem que houvesse condições de sucesso em
impugnação. Tal condicionamento não parece, pois, viável pela caracterização
do vício de inconstitucionalidade. De outra parte, a doutrina que permite à lei
ordinária alterar norma de lei complementar que esteja fora de suas
atribuições, abre espaça para que certas questões de difícil solução sejam
suscitadas, como por exemplo o que se deve entender por normas gerais de
Direito Tributário.
Apesar desse tema comportar algumas dificuldades, o controle
sobre a competência material da lei complementar não deve ser renegado.
Não se deve afastar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos
por contas das dificuldades de percepção do desvio perante o ordenamento
superior. Neste ordenamento, há normas com conceitos abertos, princípios
expressos e implícitos que materializam valores às vezes antagônicos e que
devem ser sopesados por ocasião do juízo de constitucionalidade a ser
efetivado por autoridade competente.
Ao remeter para a lei complementar a função de dispor sobre
substituição tributária, percebe-se que a Constituição não fez qualquer
restrição, nem para mais nem para menos. Os limites de sua atuação material,
assim, são fixados em seu próprio texto. Tanto poderia a regulação tomar
forma detalhada na busca de conseguir esgotar as questões atinentes ao
23 ATALIBA, op. cit., p. 95
57
instituto como traçar as regras básicas, deixando a complementação para as
normas dos Estados. O que não deveria, como de fato não se fez, era deixar
de disciplinar e simplesmente delegar a atribuição para outro instrumento
legislativo, no caso, as leis ordinárias dos Estados.
Nessa linha de ação, embora tirando muita mobilidade do instituto
da substituição tributária, a lei complementar até poderia fixar literalmente
quais as mercadorias que estariam sujeitas à substituição, mas tal providência
estaria alojada no âmbito do poder discricionário do legislador, não
necessariamente vinculado ao comando atualmente firmado na Constituição
da República (art. 155, § 2º, inc. XII, “b”).
Os artigos 6º ao 10° da Lei Complementar nº 87/1996 tratam
exclusivamente da substituição tributária. Nessa etapa deste trabalho de
monografia serão explanados breves comentários sobre os citados
dispositivos.
Dispõe o artigo 6º da LC nº 87/1996:
Art. 6°. A Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que o contribuinte assumirá a condição de substituto "
Como já dito anteriormente, a substituição tributária é o instituto
jurídico que objetiva concentrar a arrecadação dos tributos em poucas
pessoas, haja vista ser, na sistemática normal, pulverizada em inúmeros
contribuintes. Com isso facilita-se a fiscalização e a arrecadação dos tributos
torna-se reduzido o número de contribuintes responsáveis diretos pelo seu
pagamento.
O caput do artigo 6°, autoriza que a responsabilidade por
substituição seja atribuída a contribuinte do imposto ou a depositário a
qualquer título. Quando atribuída a contribuinte do ICMS, ele tem a
possibilidade de descontar do preço que for pagar pela compra da mercadoria
o valor sob sua responsabilidade (substituição regressiva), ou incluirá no preço
cobrado do destinatário da mercadoria valor correspondente à sua obrigação
(substituição progressiva) .
A substituição pressupõe a possibilidade de transferência do ônus
tributário para o substituído. Destarte, só poderá ser atribuída a um depositário
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a qualquer título a condição de substituto caso ele possa transferir ao
substituído o ônus tributário da substituição.
Preceitua o § 1º do artigo 6º:
A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma e prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto"
O artigo 6º da LC nº 87/1996, em seu § 1º, portanto, prevê que a
responsabilidade poderá alcançar toda a cadeia de circulação de mercadoria
ou prestação de serviço ou apenas parte desse processo . Ao industrial poderá
ser atribuída a responsabilidade pela cobrança do imposto em relação à
operação efetuada pelo estabelecimento atacadista (substituição parcial) ou
até a saída a consumidor final.
Quando se refere a operações antecedentes podemos entender
como sendo o diferimento ou substituição tributária regressiva, como
subseqüentes, a substituição tributária progressiva, seja por retenção (cuja
responsabilidade pelo recolhimento do imposto é atribuída ao remetente), seja
na modalidade da antecipação (quando o recolhimento do tributo recai sobre o
adquirente).
Quanto às operações concomitantes, pode-se afirmar que tais
operações são aquelas em que o contribuinte faz o recolhimento antecipado do
imposto de sua própria operação, assim como das demais operações
subseqüentes à sua, a serem realizadas por outro ou outros contribuintes até o
consumidor final.
No caso das diferenças de alíquotas, a responsabilidade pela
retenção do imposto recai sobre o substituto tributário que realizar operações
destinadas a contribuintes do ICMS.
O § 2° do citado dispositivo legal prevê que “a atribuição de
responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias ou serviços previstos em
cada Estado”. Por conseguinte, a lei estadual deverá indicar, expressamente,
como sujeitas à substituição tributária as mercadorias eventualmente
comercializadas pelo contribuinte substituto.
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A questão da entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do
adquirente está prevista no artigo 7º da mencionada lei complementar que
assim dispõe:
Art. 7º. Para efeito de exigência do imposto por substituição tributária, inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado."
Não se tratando de uma substituição antecedente, concomitante,
subseqüente nem relativa ao diferencial de alíquotas, a entrada da mercadoria
ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado
contempla os casos de produtos sujeitos à substituição tributária imposta
âmbito interno do Estado em que não consta a previsão para a operação
interestadual. Dessa forma, o adquirente é obrigado a proceder ao pagamento
antecipado na entrada em seu estabelecimento ou no primeiro posto fiscal do
percurso da mercadoria.
O artigo 8º refere-se a um importante aspecto do instituto da
substituição tributária: a base de cálculo. Assim dispõe tal dispositivo:
Art. 8°. A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: I – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário, b) o montante dos valores de seguro de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço; c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações de prestações subseqüentes.
Em relação às operações ou prestações antecedentes ou
concomitantes, a base de cálculo da substituição terá que refletir a realidade
econômica do fato ocorrido. Como exemplo, pode ser ilustrada a situação de
um produtor rural realizando uma operação de venda de produtos agrícolas
para serem beneficiados por uma indústria. Usualmente, as legislações
estaduais atribuem a este último a condição de substituto. Na entrada ou na
saída do produto beneficiado, o destinatário é obrigado a recolher o tributo
calculado sobre o valor da mercadoria, salvo na hipótese da pauta fiscal.
Em relação aos fatos geradores subseqüentes, a base de cálculo da
substituição, pelas operações futuras, procura alcançar o preço final de venda
60
ao consumidor. Na impossibilidade de obter-se o preço, o legislador
preocupou-se em estabelecer regras para sua fixação.
Na realidade, a base de cálculo da substituição tributária sobre as
operações subseqüentes incide o custo da mercadoria, ou seja, se não
houvesse a retenção do imposto pelo substituto o adquirente da mercadoria
para estabelecer o valor final de revenda teria necessariamente que agregar ao
seu custo, necessariamente, aquilo que a onerasse (impostos, taxas, seguros,
fretes) e sobre esse aplicar uma margem de lucro. O parágrafo primeiro do
artigo 8º da lei complementar em análise dispõe:
§ 1°. Na hipótese de responsabilidade tributária em relação às operações ou prestações antecedentes, o imposto devido pelas referidas operações ou prestações será pago pelo responsável, quando: I – da entrada ou recebimento da mercadoria ou do serviço, II – da saída subseqüente por ele promovida, ainda que isenta ou não tributada; III – ocorrer qualquer saída ou evento que impossibilite a ocorrência do fato determinante do pagamento do imposto.
O parágrafo acima estabelece as hipóteses em que o tributo relativo
às operações ou prestações poderá ser exigido. O diferimento se encerra na
entrada ou na saída da mercadoria e que o imposto deverá ser recolhido.
Note-se que a regra contida no inciso III é clara quanto à ocorrência do
fato gerador. Nesta hipótese, o fato gerador já ocorreu e o imposto
deverá ser exigido do estabelecimento onde a mercadoria se encontrava
no instante em que o evento se produziu.
Na análise do parágrafo 2º do artigo 8º, percebe-se a determinação
do segundo critério, bem como uma possível preocupação do legislador em
relação a uma eventual retomada da crise inflacionária no período anterior à
implantação do plano real, a saber:
§ 2° Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido
O segundo critério, previsto neste parágrafo determina que seja
utilizado o preço único ou máximo de venda a consumidor final estabelecido
pelo órgão competente. Melhor explicando, na hipótese de fixação de preços
61
por autoridade competente, este será adotado como base de cálculo para a
substituição tributária, a venda da mercadoria por preço superior ao fixado,
constitui-se em infração contra a ordem econômica ficando sujeita às penas da
lei.
Atualmente não existem produtos enquadrados no regime da
substituição tributária, cujo preço seja fixado por órgão federal. Possivelmente,
como já afirmado,esta regra – estabelecida no parágrafo segundo – resguarda
a base de cálculo da substituição tributária para uma possível volta da espiral
inflacionaria que tanto nos atormentou no período pré-real. Nesse aspecto,
quem vivenciou aquele período deve, melancolicamente, lembrar de um órgão
púbico chamado SUNAB.
Ainda acerca da base de cálculo, a LC nº 87/1996, assim preceitua
em seu parágrafo terceiro do artigo 8º:
"§ 3°. Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço.
A diferença da regra contida no parágrafo anterior para este é que a
hipótese de preço final a consumidor – fixado ou sugerido pelo fabricante como
base de cálculo – é facultativa. A justificativa para esta faculdade decorre da
possibilidade do contribuinte substituído poder vender a mercadoria por preço
diferente daquele sugerido pelo fabricante, sem sofrer qualquer penalidade de
ordem legal
Os produtos enquadrados na substituição tributária cujos preços são
estabelecidos pelo fabricante ou importador são: automóveis de fabricação
nacional, medicamentos, cigarros e veículos de duas rodas.
"§4°. A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua. fixação ser previstos em lei"
A determinação da base de cálculo da substituição tributária sempre
foi objeto de polêmica entre o fisco e os .contribuintes. historicamente a fixação
do seu valor não levava em consideração as variáveis mercado lógicas dp
produto a ser pesquisado, a sua obtenção utilizava metodologia bastante
62
simples, as pesquisas eram constituídas de poucos elementos e portanto não
apresentavam complexidade ou dificuldade. Melhor dizendo, se o fisco
desejava enquadrar um produto no regime da substituição tributária apurava o
seu preço praticado ao consumidor final no mercado e dividia pelo custo de
aquisição na indústria , o resultado obtido espelhava um percentual
·denominado M.V.A. (Margem de Valor Agregado) que aplicado sobre o custo
da mercadoria resultaria na base de cálculo da substituição tributária. Essa
forma singela de pesquisa girou distorções no cálculo do imposto devido de
uma gama significativa de produtos e conseqüentemente os protestos dos
contribuintes por meios administrativos ou judiciais. É o "calcanhar de Aquiles"
do instituto da substituição tributária.
Com a finalidade de regulamentar a apuração da margem de valor
agregado e pacificar a questão, o legislador complementar estabeleceu as
regras contidas no parágrafo 4° que deu origem à celebração pelas unidades
federadas do Convênio ICMS nº 70/1997. Em linhas gerais, o referido acordo
preceitua que as entidades representativas de classes dos contribuintes serão
responsáveis, de modo preliminar, pela apuração da margem de valor
agregado desde que acompanhada de laudo técnico de instituto de pesquisa
idôneo e que o valor encontrado seja aprovado pelos estados.
Art. 9°. A adoção do regime de substituição tributária em operações; interestaduais dependerá de acordo específico celebrado\pelos Estados interessados.
O acordo pré-condição jurídica de validade da instituição do regime
de substituição tributária, a extraterritorialidade da legislação dos estados só
será válida se existir uma convenção entre os estados signatários, ou seja " a
legislação do meu estado e a atribuição de responsabilidade ao contribuinte"
substituto só será aplicada em outra unidade da federação se for celebrado um
Convênio ou Protocolo.
§ 1 °. A responsabilidade a que se refere o art. 6° poderá ser atribuída I - ao contribuinte que realizar operação interestadual com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, em relação às operações subseqüentes; II às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o
63
preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação. § 2°. Nas operações interestaduais com as mercadorias de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior, que tenham como destinatário consumidor final, o imposto incidente na operação será devido ao Estado onde estiver localizado o adquirente e será pago pelo emitente' .
As operações interestaduais c~m petróleo, combustíveis e
lubrificantes dele derivados e energia elétrica são imunes constitucionalmente
conforme preceitua a nossa Carta Magna no art. 155, inciso X, alínea “b”. O
imposto cobrado nessas operações pertence ao Estado para onde as
mercadorias e a energia elétrica forem destinadas, a carga tributária total
inclusive nas operações realizadas diretamente para o consumidor final
pertencem ao Estado destinatário.
Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito á restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.
O artigo 10 da Lei Complementar nº 87/1996 repete o § 7° da
Emenda Constitucional 3/93, quando garante ao contribuinte substituído o
direito de pleitear a devolução do imposto pago sob o regime da substituição
tributária quando o fato gerador presumido não se realizar.
O cerne da questão relativa a este artigo se refere a devolução do
ICMS retido pelo substituto quando a base de cálculo praticada pelo
contribuinte substituído nas vendas ao consumidor final for inferior à base de
cálculo do tributo originalmente pago.
A regra contida no referido artigo gerou uma grande controvérsia.
Inúmeros artigos foram publicados por eminentes juristas defendendo a tese
da restituição do imposto e outros contra argumentando esse direito. Como a
doutrina ainda não chegou a uma conclusão o Supremo Tribunal Federal (STF)
foi acionado para equacionar a polêmica, entretanto as súmulas publicadas
pelo STF não ajudaram a esclarecer o litígio produzindo uma jurisprudência.
Com efeito, algumas decisões são favoráveis ao contribuinte que pleiteiam a
restituição e outras são contrárias a essa demanda.
Após a edição da Lei Complementar 87/96, algumas
concessionárias de automóveis peticionaram administrativamente a diferença
64
do imposto pago por força do regime da substituição tributária às montadoras
quando participava um preço menor ao consumidor final, ou seja, a base de
cálculo para a retenção do imposto relativo ao veículo é o preço sugerido pelo
fabricante ao consumidor final conforme preceitua o Convênio ICMS nº
132/1992, supondo que o automóvel teve o seu imposto retido pela montadora
calculado sobre uma base de cálculo de R$ 30.000,00 e o veículo foi revendido
pela concessionária por R$ 28.000,00 teoricamente o contribuinte substituído
teria direito à restituição do imposto calculado sobre a diferença relativa a base
de cálculo.
Essa questão difundiu-se em todo o território nacional forçando os
Estados a celebrarem o Convênio ICMS nº 13/1997 com objetivo de interpretar
as normas contidas no mencionado artigo 10 e harmonizar procedimentos
referentes a aplicação da legislação pertinente. Abaixo a transcrição das duas
primeiras cláusulas:
Clausula primeira: A restituição do ICMS, quando cobrada sob a modalidade de substituição tributária, se efetivará quando não ocorrer operação ou prestação subseqüente à cobrança do mencionado imposto, ou forem as mesmas não tributadas ou 'não alcançadas pela substituição tributária. Cláusula segunda: Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade de substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no art. 8° da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996.
A citada convenção deixa claro que a restituição do ICMS cobrado
sob o regime da substituição tributária somente concretizar-se-á quando não
ocorrer operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, por
exemplo: perda, extravio, desaparecimento, inutilizarão, sinistro ou quebra
anormal.
A outra hipótese: se as mercadorias foram não tributadas ou não
alcançadas pela substituição tributária. Um exemplo dessa hipótese é a
incidência do imposto que recai sobre o veículo e que foi comercializado
posteriormente para utilização como táxi que tem o benefício da isenção.
A base de cálculo das mercadorias a serem enquadradas na
substituição tributária tem que ser obrigatoriamente negociadas com as
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entidades representativas de classe dos contribuintes conforme preceitua o
Convênio ICMS nº 70/1997, logo entendemos que não há que se falar em
restituição do ICMS quando o fato gerador presumido não ocorrer
considerando apenas a diferença aplicada na base de cálculo. Ora, a base de
cálculo estabelecida pode ser reduzida mesma forma por estar sofrendo um
ônus tributário inferior à margem praticada.
O já mencionado Convênio nº13/1997 deu origem a uma ação direta
de inconstitucionalidade (ADIN), movida pela Confederação Nacional do
Comércio do Estado de Alagoas, sendo seu mérito apreciado pelo STF em
08/05/2002, julgando improcedente a ação. Conseqüentemente, a polêmica foi
pacificada de forma peremptória, conforme decisão abaixo colacionada:
ADI-ED 1851/AL-ALAGOAS - EMB.DECL. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 19/03/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 25-04-2003 PP-00034 EMENTA VOL-02107-01 PP-00121 EMBTE.(S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO - CNC E GOVERNADOR DO ESTADO DE ALAGOAS EMBDO.(A/S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO – CNC E OUTROS EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO ICMS 13/97, CLÁUSULA 2.ª, QUE REGULAMENTOU O REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. PRETENDIDO ESCLARECIMENTO SOBRE SE A EFICÁCIA DO SISTEMA DEPENDE DA EDIÇÃO DE LEI ESTADUAL; QUAL SERIA O FATO GERADOR PRESUMIDO, CUJA NÃO-OCORRÊNCIA RENDERIA ENSEJO À APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO DA QUANTIA INDEVIDAMENTE PAGA; E SE O REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA É RESTRITO AO SETOR DE AUTOMÓVEIS. Recurso insuscetível de acolhida: no primeiro caso, por versar matéria estranha à ação, que teve por único objeto apreciar, sob o crivo da Constituição, a Cláusula 2.ª do Convênio; no segundo, por haver sido definido, pelo acórdão embargado, não apenas o modo de apuração da respectiva base de cálculo, mas também o aspecto temporal do fato gerador presumido; e, por último, por não ter sido afirmado, em nenhum momento, que o regime tributário sob enfoque tem aplicação restrita a veículos motorizados. Embargos rejeitados. Indexação - VIDE EMENTA. Legislação LEG-FED CF ANO-1988 Votação: unânime. Resultado: desprovido. N.PP.:(07). Análise:(DMV). Revisão:(FLO). Inclusão: 16/03/04, (MLR). Alteração: 18/03/04, (MLR).
66
CAPÍTULO VI
PRINCIPAIS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO TEMA
6.1 Princípio da Legalidade
O legislador, no Estado de Direito, detém a exclusividade de editar
normas jurídicas que fazem nascer para todos deveres e obrigações. Elas têm
a força de restringir ou condicionar a liberdade. Da mesma forma, o Poder
Público limita o seu agir limitado com tais normas, subordinando-se à ordem
jurídica e tornando-se, simultaneamente, autor e sujeito de direito.
A Constituição apresenta, nesse contexto, papel fundamental por
ser considerada a Lei das Leis. Nos países de Constituição rígida, ela é a
essência da lei, ato normativo que pode impor direitos e deveres às pessoas.
No Brasil, da mesma forma, somente a lei pode compelir pessoas a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa (art. 5º, II, da CRFB). Apenas ela poderá
definir direitos e penas, impor deveres administrativos, determinar tributos etc.
Na seara do Direito Tributário e, em especial, na análise do regime
de substituição tributária, o referido princípio é bastante citado quando se
discute a exigência antecipada do imposto. Pondera-se, ainda, que o instituto
da substituição tributária viola o princípio da tipicidade, tendo em vista que
importa na exigência de imposto antes da ocorrência do fato gerador.
O impasse gerado surge em função da dificuldade de assimilação
da antecipação do imposto. Ante a perplexidade causada pela peculiar figura
jurídica, convém lembrar que a antecipação de recolhimento de tributo não é
procedimento estranho no nosso ordenamento, haja vista existirem vários
regimes de tributação que se distanciam do esquema tradicional: fato gerador
– obrigação – lançamento. O que se exige sempre nesses sistemas é a
salvaguarda; a possibilidade de acertamento e ressarcimento do tributo pago
indevidamente, quando for o caso.
67
A título de exemplo, é possível citar a) o imposto de renda retido na
fonte que está condicionado a um acertamento ao ser apresentada a
declaração, sendo que a retenção do imposto é feita de imediato; b) o regime
de estimativa no qual o imposto é recolhido atendendo a valores previamente
fixados e que não correspondem necessariamente às operações efetivamente
realizadas; c) a própria técnica inerente ao regime de não-cumulatividade
presente no ICMS, onde o valor a ser recolhido não depende exclusivamente
da aplicação da alíquota sobre as operações de saídas com incidência do
imposto, mas fica condicionada ao cálculo dedutivo das operações de entrada
representativas ao crédito, sendo o saldo o valor a pagar.
Vários tributos são cobrados antes da ocorrência do fato gerador.
Costuma-se citar: a) o Imposto de Transmissão Intervivos -ITBI) que é pago
por ocasião da lavratura do contrato de compra e venda, antes do registro de
transferência que constituiria o fato gerador do tributo; b) o imposto de
exportação, cujo pagamento é exigido antes da saída, este sim o fato gerador
do imposto; c) a taxa Judiciária que, em regra, é exigida antes da prestação do
serviço público etc.
Nessa ordem de idéias, o fato gerador presumido também figuraria
entre tais regimes apartados da sistemática tradicional.
Segundo Becker24, a criação do substituto legal tributário é um
fenômeno jurídico perfeitamente normal e que constitui um processo técnico de
criação do direito utilizado com bastante freqüência em todos os ramos do
direito.
Cumpre asseverar, no entanto, que a instituição do fato gerador
presumido deverá atender aos princípios institucionais, como os da legalidade,
isonomia, segurança jurídica etc. Por outro lado, é preciso que as situações de
fato sejam justificadas e aplicadas com as respectivas medidas protetivas para
que o sujeito passivo não tenha prejuízo e não tão somente a sua aplicação
como forma de facilitar a fiscalização de tributos.
24 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 65.
68
Interessante a observação de Vitorio Cassone25 ao atentar para a
existência em nosso país de diversos estabelecimentos de pequeno porte que
são difíceis de serem fiscalizados e que também não suportam o ônus da
fiscalização e pensando no andamento da reforma constitucional em voga,
bem que se poderia pensar na possibilidade de o fato gerador futuro ser
aplicável a algumas situações especialíssimas - numerus clausus.
A Lei Complementar nº 87/1996, contudo, não limitou a aplicação da
substituição, mas prescreveu salvaguarda para os casos de não-ocorrência do
fato presumido.
Um problema que aparece com acentuada complexidade, na
utilização desse instituto, reproduz-se pelo confronto entre a base de calculo
estimada normativamente e a base de cálculo real da operação futura (quando
ela se concretiza). Isso acontece em face da autonomia das operações. Se o
imposto pudesse ser cobrado em uma só fase, sem considerar as demais, não
haveria maiores problemas. No entanto, como ele é plurifásico e, além disso,
possibilita o entrechoque de competências estaduais nas diversas etapas de
circulação, não se pode deixar de considerar o valor de base efetiva. Retoma-
se elo de ligação, caso haja provocação, administrativa ou judicial, para
apenas mensurar o valor do recolhimento, o quantum da prestação
obrigacional. Ao fazer isso, aciona-se um mecanismo de ressarcimento.
Destarte, não há impedimento constitucional para a antecipação
operada na substituição progressiva. A norma que determina a antecipação
afasta regra geral, originando um tipo de obrigação tributária com uma
conformação diversa da ordinária. Somente através de lei é que se pode
estruturar a obrigação com a roupagem da substituição tributária progressiva.
O fato típico, com modelagem especial, compõe-se de um fato concreto (a
saída de determinadas mercadorias do substituto e da presunção de saída
futura em relação ao substituído).
Não cabe aqui invocar a tipicidade geral para justificar o não
cabimento de presunção na esfera do Direito Tributário. A relação que se pode
instalar entre os dois ramos de direito mencionados, em verdade, é aquela de
25 Cassone, op. cit., p. 62.
69
que somente a lei pode descrever o fato gerador, assim como somente ela
pode ditar a ação ou omissão que configure crime. O fato típico criminal, sem
evidentemente, não pode ser presumido, mas o fato gerador de um tributo
pode. É claro que isso não é nem deve ser visto como regra, mas sim, como
exceção que pode assumir variadas justificações.
Compete frisar, no entanto, que constitui requisito fundamental para
a sobrevivência de qualquer presunção ou antecipação de recolhimento de
tributo, a introdução de mecanismo de acertamento que possa evitar eventual
excesso de tributação.
Em sede penal, todavia, é inviável qualquer tipo de antecipação de
pena ou, até mesmo, de atribuição de responsabilidade objetiva, sendo
descabida a similaridade no campo tributário, nesse particular inexistente.
6.2 Princípio da Capacidade Contributiva
Este princípio exige que a lei, tanto ao ser editada, quanto ao ser
aplicada: (1) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação
jurídica equivalente; e (2) discrimine – na medida de suas desigualdades – os
contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente.
O princípio da capacidade contributiva tem por destinatário imediato
o legislador ordinário das pessoas políticas. Destarte, é o legislador que deve
imprimir aos impostos que cria in abstracto, um caráter pessoal, graduando-os
em consonância com a capacidade econômica dos contribuintes.
Objetam alguns doutrinadores que somente pode figurar no pólo
passivo da relação tributária a pessoa que, explicita ou implicitamente, é
referida pelo texto constitucional como destinatária da carga tributária. Por
inferência do texto constitucional, apenas quem desencadeia ou produz a
materialidade da hipótese de incidência pode ser sujeito passivo ou,
impulsionado pelo CTN (art. 121, parágrafo único, I), aquele que tenha relação
pessoal e direta com essa materialidade.
Em se tratando do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), somente poderia aparecer no lado passivo da obrigação tributária
70
aquele que promove negócio jurídico mercantil, mesmo assim, em relação a
cada operação concretamente realizada, face à adoção explícita do princípio
da capacidade contributiva (CF, art.145, §1°). Tal pensamento restringe
inteiramente a liberdade do legislador para fins de eleição de sujeitos passivos.
Com propriedade, Alcides Jorge Costa26, aduz que a concepção
originária do ICMS está estruturada no IVA (Imposto sobre o Valor Acrescido),
implantado na Europa e que possui especificidades inexistentes em outros
impostos. Retrata que o imposto é concebido como um todo, mas cobrado
fracionadamente em cada operação, descontando-se do tributo a pagar o que
foi cobrado nas operações anteriores.
Por conta desse fracionamento e da ligação entre as diversas
operações pelo mecanismo do débito e crédito, o autor informa a perplexidade
da doutrina e traz alguns posicionamentos de autores estrangeiros que formam
genericamente duas correntes.
Uma conclama as operações provisórias as operações
intermediárias à final, enquanto a outra defende a definitividade e autonomia
de cada operação.
A distinção feita pelas correntes de pensamento, resumidamente
expostas, fornece elementos importantes para o enfrentamento da questão da
vinculação abordada neste tópico.
Pretende-se fazer prevalecer, a princípio, o argumento de que a
Constituição da República, ao enunciar que o tributo que deve ser cobrado
sobre a circulação de mercadorias, já teria sido indicado implicitamente o
destinatário da carga tributária, qual seja, o sujeito passivo da obrigação, nada
sobrando de espaço para a atuação do legislador ordinário. Reforçando essa
linha, extrai-se que somente o executor material da hipótese de incidência
poderia ser contemplado pela norma de estatura inferior na posição passiva.
Inicialmente, averigua-se que a função de eleger sujeitos passivos
de obrigações tributárias não é, em regra, atribuição de norma de cunho
constitucional. A Constituição Federal remete para a lei complementar,
genericamente, essa função ao dizer que a ela compete definir contribuinte
26 COSTA, Alcides Jorge. Direito tributário Atual nº 15. 3ª ed., Dialética, São Paulo: 2007, p.29
71
(quem define o contribuinte também define responsáveis). E, de modo
específico quanto ao ICMS, envia também para a lei complementar a tarefa de
definir os seus contribuintes e, textualmente, de dispor sobre substituição
tributária, tratada na Constituição como responsabilidade (art.150, § 7º).
Levada ao extremo a tese de vinculação material ao fato gerador,
como se quer, a responsabilidade de terceiros, em regra, estaria eliminada do
sistema tributário nacional. Diz-se que a descrição constitucional só admitiria o
executor material do fato jurídico tributário e, constituindo a responsabilidade a
inserção de um terceiro na relação tributária que não praticou o fato gerador,
esta não encontraria nenhum amparo na lei maior.
Observe-se que, tanto na substituição regressiva como na
progressiva, existe vinculação ao fato gerador para efeito de imputação de
responsabilidade. Na conformação do que ficou assentado anteriormente, a
circulação de mercadorias obedece a etapas até chegar ao consumidor final.
As operações, embora autônomas, apresentam conectividade por conta da
sistemática de débito e crédito.
Exatamente a natureza peculiar desse tributo, concebido para atingir
a capacidade contributiva do consumidor, nos leva a perceber que servirão de
intermediários da operação final aqueles que estão no meio da cadeia. A título
de exemplo, pode ser citado o instante em que se atribui a responsabilidade a
um distribuidor, relativamente a uma operação a ser realizada pelo varejista,
antecipando-se o recolhimento que seria feito na etapa subseqüente, mas que
se destinava ao consumo.
A norma de tributação, nessa hipótese, não visa a atingir a
capacidade contributiva do distribuidor, ou do varejista, mas sim, a do
consumidor final, que suporta, por fim, a carga tributária repassada no preço
do produto nas sucessivas operações de circulação.
Destarte, a substituição, como instituída no direito brasileiro,
antecipa ou difere o pagamento do imposto em fases, etapas, da circulação
das mercadorias, as quais se destinam a uma via final que é o consumo.
Desse modo, não há ofensa ao princípio da capacidade contributiva dos
substituídos.
72
6.3 Princípio da Isonomia
Questionamentos pairam acerca uma eventual ofensa que a
substituição tributária produziria em relação princípio da isonomia, face ao
tratamento diferenciado dado aos sujeitos passivos que se encontram em
situações de igualdade, principalmente na substituição progressiva, onde há o
prévio recolhimento do imposto baseado numa operação futura.
A indagação apresenta caráter relevante. A princípio, as regras de
tributação devem ser as mesmas para aqueles que se encontram em situações
idênticas ou semelhantes, para efeito do imposto. Os que comercializam
cerveja, por exemplo, a priori, devem ser tratados no mesmo nível tributário em
relação àqueles que comercializam vestuários. Contudo, ao intento de
assegurar uma arrecadação mais eficiente, concentrada num número reduzido
de sujeitos passivos, que permitia, até mesmo, uma distribuição mais justa do
encargo tributário embutido nas operações incidentes do imposto. O
ordenamento jurídico admite a convivência de tratamentos diversos, na medida
das desproporções. Uma coisa não exclui a outra.
Como é sabido de todos, os princípios coexistem harmoniosamente.
Evidentemente, num Estado de Direito, em que são vitais as relações de
tributação para que seja mantida a sobrevivência do sistema, não só existem
princípios que garantem os sujeitos passivos, mas também os que asseguram
à Fazenda Pública o direito de ter arrecadação correta dos tributos que lhe são
atribuídos, mediante meio diligente. Uma sistemática de erradicação pautada
em leis que garantam tal equilíbrio proporcionará, ao máximo possível, o
combate efetivo à sonegação, bem como a distribuição igualitária dos ônus
decorrentes dos tributos.
Desse modo, a substituição não ofende o princípio da isonomia, na
medida em que a discriminação é feita para todos que concretizam ou
industrializam produtos expressamente determinados na norma de tributação.
Atinge-se, dessa forma, todo o universo de contribuintes que estão
73
relacionados com o produto eleito, em total consonância com o princípio da
isonomia.
Todavia, um obstáculo que se tenta imprimir é que os demais
contribuintes do ICMS que comercializam ou industrializam os produtos não
sujeitos às regras de substituição teriam tratamento diferenciado, ou seja, não
estariam submetidos à substituição. Essa disparidade provocaria um
tratamento desigual e, conseqüentemente, uma ofensa ao princípio da
isonomia.
Em verdade, o princípio da isonomia poderia ser invocado para que
a legislação limitasse as hipóteses de cabimento da aplicação do citado
instituto, admitindo-o apenas nas situações que justifiquem sua
implementação, seja pela necessidade de uma maior presteza na arrecadação
ou pela dificuldade acentuada nessa tarefa. Nesse ponto de vista, tal atitude
configuraria o sopesamento dos princípios envoltos e a implementação da
igualdade na medida das desproporções.
74
CONCLUSÃO
O instituto da substituição tributária ainda será, por muito tempo,
tema para debates, tendo em vista as características do ICMS classificado
como um imposto indireto (existe um contribuinte de fato e outro de direito),
plurifásico e não cumulativo. Analisando-o sob o prisma do regime da
substituição tributária progressiva, vários doutrinadores entendem ser um novo
imposto, monofásico e que incide em uma única operação.
A Receita Federal, a exemplo dos estados, vem adotando cada vez
mais o regime da substituição tributária para os impostos de sua competência
como o IPI, PIS-COFINS e outros.
Apesar de a substituição tributária ser um instrumento poderoso
para fortalecer a arrecadação dos estados, é importante ressalvar que as
unidades federadas devem ficar atentas na celebração de Protocolos, bem
como a sua aplicação no que tange à substituição tributária interna. Na
perspectiva de não possuírem uma fronteira integrada e com a possibilidade
de desvios, a sistemática tributária ficaria muito fragilizada, pois as
mercadorias oriundas de estados não signatários circulariam em seu território
sem o pagamento do imposto e, conseqüentemente, sem a antecipação do
tributo pelo adquirente e com efeitos maléficos para a arrecadação.
Outra questão relevante a ser levada em conta é a cobrança e
fiscalização intensiva dos contribuintes substitutos localizados em outros
estados, sob pena de deslocar a sonegação dos impostos para outras
localidades. Tal fato dificultaria a atuação da Administração Fazendária no que
tange à cobrança dos tributos devidos, bem como o trabalho desempenhado
pelas respectivas Procuradorias das Fazendas Estaduais na execução dos
créditos tributários inscritos em dívida ativa.
Conclui-se, por fim, que a adoção do instituto da substituição
tributária progressiva é uma modalidade de tributação fundamental para a
segurança e para a certeza fiscal. Tal instituto apresenta-se em consonância
com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, sendo uma
exigência da sociedade contemporânea para evitar a evasão fiscal,
75
possibilitando assegurar recursos por meio de uma metodologia de
arrecadação com elevado grau de previsão e de praticidade.
Nesse contexto, o regime de substituição tributária progressiva
propicia um ganho para a sociedade como um todo, tanto na esfera pública
quanto na esfera privada.
76
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79
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição:
Universidade Candido Mendes – Instituto A Vez do Mestre
Título da Monografia:
O REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA NO CAMPO
DE INCIDÊNCIA DO ICMS COM ÊNFASE NOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
Autor:
Carlos Augusto Pellegrini Barros
Data da entrega:
20/10/2008
Avaliado por: Conceito: