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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Por: Liliane Barbosa Siqueira
Orientador
Prof. José Roberto
Rio de Janeiro
2010
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Direito e Processo do Trabalho.
Por: Liliane Barbosa Siqueira
3
AGRADECIMENTOS
À Deus, que na sua infinita bondade permitiu que eu
alcançasse meus objetivos. À minha família e meu
namorado que me incentivaram sempre, com
palavras de amor e carinho.
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, irmã e namorado pelo incentivo do
estudo.
5
RESUMO
O presente trabalho pretende apresentar algumas condutas praticadas pelo
empregador ou seus prepostos contra os empregados, entendidas como dentro
de seu poder de controle, que trazem conseqüências danosas na ordem moral,
psicológica e social do trabalhador. Visa introduzir no conhecimento jurídico
laboral a necessidade de se passar a perceber novas modalidades de condutas
que, apesar de mitigarem a integridade psíquica do trabalhador, não são por
vezes percebidas pela vítima e nem comumente tratadas pelos estudiosos do
Direito, exatamente por estarem blindadas pela ação entendida com estando
dentro dos limites do poder de direção do empregador, sendo face oculta e
danosa ao trabalhador que deve ser revelada para a efetiva responsabilização
do empregador, que resta impune apesar de sua atuação.
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METODOLOGIA
O trabalho será desenvolvido a partir da análise da palestra sobre assédio
moral nas relações laborais ministrada pelo Juiz Dr. Marcelo Moura, titular da
19 Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ, realizada em junho/09 na OAB/RJ,
jurisprudências, Livro “Anatomia do Assédio Moral no Trabalho”, publicado pela
editora LTR, de autoria do Juiz Dr. Marcelo Rodrigues Prata, titular da 4 Vara
do Trabalho de Salvador/BA, Revista LTR sobre legislação do trabalho, ano 74
de fevereiro/2010, além da Constituição da República de 1988 e da CLT.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
CAPÍTULO I ..................................................................................................... 12
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES .............................................. 12
I.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ......................................... 13
I.2 Princípio da igualdade da pessoa humana ......................................... 14
I.3 Direito à honra, à imagem, à privacidade e à liberdade de expressão 15
CAPÍTULO II .................................................................................................... 17
PANORAMA SÓCIO-ECONÔMICO DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO AO
LONGO DOS TEMPOS E SUA EVOLUÇÃO ................................................... 17
II.1 Conceito e natureza jurídica do assédio moral no trabalho ................. 20
II.2 Tipos de assediados em geral ............................................................ 21
II.3 Sentimentos e postura do assediador ................................................. 22
CAPÍTULO III ................................................................................................... 25
MÉTODOS DE ASSÉDIO MORAL UTILIZADOS COM FREQUÊNCIA ........... 25
III.1 Comportamentos dos colegas de trabalho em relação ao assediado . 27
III.2 Conseqüências do assédio moral para o assediado ........................... 29
III.2.1 Reflexos em âmbito profissional ...................................................... 29
III.2.2 Transtornos físicos e psicológicos ................................................... 30
III.2.3 Sentimentos do assediado, tais como: Dúvidas, solidão, estresse,
humilhação, revolta, ansiedade, depressão, dentre outros........................... 32
CAPÍTULO IV ................................................................................................... 34
MEDIDAS PREVENTIVAS DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO ............... 34
CAPÍTULO V .................................................................................................... 37
RESPONSABILIDADE CIVIL NA REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES
DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO ........................................................... 37
V.1 Aspectos processuais e penais do direito brasileiro como forma de
coibir a prática de assédio moral no trabalho ............................................... 40
CONCLUSÃO ................................................................................................... 44
8 BILIOGRAFIA CONSULTADA ......................................................................... 46
ANEXOS .......................................................................................................... 47
ÍNDICE ............................................................................................................. 54
9
INTRODUÇÃO
Segundo lição de Tercio Sampaio Ferraz Junior, “a atividade de laborar
é uma atividade extremamente isolada. Em termos de labor, compartilhamos
todos de um mesmo destino, mas não compartilhamos coisa nenhuma, porque
a sobrevivência acossa a cada qual individualmente e isola-nos uns dos outros.
O homem movido pela necessidade não conhece outro valor nem conhece
outra necessidade, senão sua própria sobrevivência. Na sociedade de
operários somos todos equalizados pela necessidade e voltados para nós
mesmos. Somos todos força de trabalho e, nesse sentido, um produto
eminentemente fungível. No mundo do animal laborans, tudo se torna
absolutamente descartável. Na sociedade de consumo confere-se à força de
trabalho o mesmo valor que se atribui às máquinas, aos instrumentos de
produção. Com isso, instaura-se uma nova mentalidade, a mentalidade da
máquina eficaz, que primeiro uniformiza coisas e seres humanos para, depois,
desvalorizar tudo, transformando coisas e homens em bens de consumo, isto
é, bens não destinados a permanecer, mas a serem consumidos e confundidos
com o próprio sobreviver, numa escalada em velocidade, que bem se vê na
rapidez com que tudo se supera, na chamada civilização da técnica.”
O assédio moral ou violência moral no trabalho não é um fenômeno
novo, podendo-se até dizer que é tão antigo quanto o trabalho. Em toda a
atmosfera na qual haja uma hierarquização excessiva e a obrigatoriedade de
convivência em um espaço concentrado é favorecido o surgimento do assédio.
Contudo, a novidade é a intensificação, gravidade, amplitude e banalização de
tal fenômeno, que tem ganhado força nos últimos anos e é cada vez mais
constante nos tribunais do país, tornando-se um dos grandes problemas do
trabalho na vida moderna.
Geralmente, o assédio moral no trabalho parte do superior hierárquico
imediato (assédio vertical), mas também pode advir dos colegas de mesmo
nível (assédio horizontal) ou até dos subordinados em relação à chefia (assédio
ascendente). Quaisquer que sejam as suas formas, pressupõe sempre a ação
10 ou omissão por um período prolongado, premeditado, que desestabiliza
psicologicamente a vítima.
Consiste, portanto, na exposição de um ou mais indivíduos por outra
pessoa ou por um grupo a situações humilhantes e constrangedoras,
repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas
funções, sendo muito comum nas relações hierárquicas autoritárias e
assimétricas, em que predominam condutas negativas e desumanas de longa
duração que desestabilizam o assediado, forçando-o muitas vezes a desistir do
emprego, dentre outras conseqüências.
Em outras palavras, o assédio moral no trabalho é determinado por um
conjunto de fatores, quais sejam, a repetição sistemática de práticas negativas
e que inferiorizam o trabalhador, fragilizando-o; a intencionalidade de causar tal
violência; a direcionalidade, no sentido de que uma pessoa do grupo é
escolhida como bode expiatório; a temporalidade, ou seja, durante a jornada de
trabalho, por dias e meses e a degradação deliberada das condições de
trabalho.
A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do
trabalhador diretamente, comprometendo a sua identidade, dignidade e
relações afetivas e sociais, ocasionando sérios danos à sua saúde física e
mental, podendo evoluir para a incapacidade laborativa, ansiedade, depressão,
desemprego e até morte. Isso se dá de várias maneiras: Por meio de críticas,
ironia, isolamento, desqualificação, grande aumento ou redução da carga de
trabalho, exigência de cumprimento de prazos impossíveis, etc.
Pode-se depreender, portanto, que o assédio moral no trabalho constitui
um risco invisível, porém concreto e que precisa ser combatido em suas
variadas formas. A relação de trabalho, cuja matriz filosófica está assentada no
respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o
dever de zelar pela dignidade do trabalhador, desestimulando comportamentos
que golpeiem sua auto-estima e firam o decoro e prestígio profissional.
E a respeito da dignidade, já dizia Kant que “o homem e, de uma
maneira geral, todo o ser racional existe como fim em si mesmo, não só como
11 meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade.” Assim, o que caracteriza
o ser humano e o faz dotado de dignidade especial é que ele nunca pode ser
meio para os outros, mas fim em si mesmo. Como fundamento supremo do
ordenamento jurídico brasileiro, a dignidade humana representa o valor que dá
unidade e coerência ao conjunto de direitos fundamentais e deve estar inserido
em qualquer relação de trabalho.
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CAPÍTULO I
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES
Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio é o
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico.” Nesse sentido, entende-se que os
princípios funcionam como critérios de interpretação e de integração, pois são
eles que dão coerência geral ao sistema.
O parágrafo primeiro do art. 5 da CRFB, ao preconizar que as normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata,
conferiu-lhes caráter cogente, o que significa dizer que devem ser observadas
em todos os ramos do direito, independentemente de norma infraconstitucional
regulamentadora, deixando de ser, por conseguinte, mera norma programática.
Os princípios constitucionais de direito fundamental têm um papel muito
importante para todos os ramos do direito e, para a legislação trabalhista
brasileira em especial, haja vista que o tema do assédio moral no trabalho
ainda não foi disciplinado de forma precisa. Atuam, portanto, como fundamento
de todo o sistema jurídico e figuram como norma das normas.
Reforçando o disposto constitucionalmente, o art. 8 da CLT expressamente
admite a aplicação dos princípios constitucionais no direito e processo do
trabalho ao dispor que “as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho,
na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais
de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os
usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum
interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
13
I.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela maioria das
Constituições modernas reza em seu art. 1 que todas as pessoas nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. São todas dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade.
Referendando o tema, a CRFB, em seu art. 1, inciso III estabelece como um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa
humana, o que significa que um dos fins do Estado é propiciar condições para
que as pessoas se tornem dignas.
O princípio da dignidade humana baseia-se na humanização do trabalho, ao
considerar o trabalhador como um ser humano e não mera mercadoria ou
elemento de produção, constituindo-se assim em valor indisponível.
É sabido que a relação entre empregado e empregador, dada a sujeição
hierárquica de um em relação ao outro, é a que mais propicia a violação à
dignidade da pessoa humana. Entretanto, em que pese o empregador deter o
poder de comando e direção da empresa, o qual encontra fundamento no
princípio da livre iniciativa e no direito de propriedade, não está autorizado a
fazê-lo de forma arbitrária ou ofensiva, de modo a colocar em risco a
integridade física e psicológica do empregado. Percebe-se assim, que o
princípio da dignidade da pessoa humana funciona como limite ao poder
diretivo do empregador sobre o empregado, visando evitar sua conversão em
um instrumento de tirania, tortura e humilhação.
Nesse aspecto, o assédio moral no ambiente de trabalho atenta contra os
direitos fundamentais do trabalhador porque consubstanciado em atos e
atitudes negativas que ocasionam prejuízos emocionais, diante da exposição
ao ridículo e a situações vexatórias, constitui ofensa à dignidade da pessoa
humana e enseja a quebra do caráter sinalagmático do contrato de trabalho e a
resolução deste por justa causa do empregador, conforme arts. 421 e 422 do
CPC, aplicados subsidiariamente ao direito do trabalho.
14
I.2 Princípio da igualdade da pessoa humana
O princípio da igualdade da pessoa humana está intimamente relacionado
ao da dignidade, corroborando para tanto o art. 2 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos ao estabelecer que não haverá distinção de qualquer
espécie para os direitos e liberdades estabelecidos neste diploma, o art. 5 da
CRFB ao assegurar que todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza, bem como o art. 7 da CRFB, incisos XXX, XXXI e XXXII , os
quais consagram, em síntese, a igualdade entre trabalhadores urbanos e
rurais. Cabe destacar, que o princípio da igualdade constitui, também, um dos
objetivos fundamentais do Estado brasileiro, conforme art. 3 da CRFB.
Amauri Mascaro Nascimento ensina que “o estudo da igualdade é a
verificação das desigualdades.” Sabe-se que a igualdade fundamental entre
todos os homens deve ser cada vez mais reconhecida, já que todos têm a
mesma natureza e origem. Entretanto, os homens não são todos iguais quanto
à capacidade física e forças intelectuais e morais, variadas e diferentes em
cada um, mas o objetivo do princípio da igualdade é superar e eliminar
qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos
fundamentais da pessoa. Partindo deste raciocínio, pode-se concluir que a
idéia é reparar o desvio das contingências humanas na direção da igualdade.
A respeito do tema, bem explica Ruprecht, ao admitir a relatividade do
princípio da igualdade: “Por esse princípio se estabelece que todo benefício
deve ser concedido aos que se encontram em igualdade de condições, mas
não aos que não se encontram nessa situação. Todos os trabalhadores são
iguais, mas há diferenças entre eles – de capacidade, atividade, condições
psicofísicas, etc. – que devem ser levadas em consideração. Não se trata de
medir a todos com o mesmo metro, mas apenas os que estão nas mesmas
condições. Os homens não são intercambiáveis, portanto a igualdade não pode
ser absoluta; é preciso ponderar, em cada caso, se se dão as mesmas
situações subjetivas e objetivas.”
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Dessa forma, o princípio da igualdade determina o tratamento igual ou
semelhante a situações iguais e desigual a situações desiguais, pois é preciso
que haja correlação lógica entre o critério desigualador e a desigualdade de
tratamento, em consonância com os valores fundamentais do ordenamento
jurídico.
I.3 Direito à honra, à imagem, à privacidade e à liberdade de
expressão
A liberdade de expressão é consagrada pela CRFB, nos arts. 5, incisos IV e
IX e 220 e serve como instrumento de controle da atividade estatal e do próprio
exercício do poder, de forma que a divergência de idéias e o direito de
expressar opiniões não podem ser restringidos ilimitadamente para que a
verdadeira democracia possa ser vivenciada.
Entretanto, o direito à liberdade de expressão não pode ser convertido em
abuso de direito. No direito do trabalho especificamente, a liberdade de
expressão e de divulgação do pensamento e opinião é reconhecida no âmbito
da empresa, desde que exercidos com respeito aos direitos da personalidade
do trabalhador e empregador, incluindo as pessoas singulares que o
representam, e do normal funcionamento da empresa. Assim, por exemplo, não
é legítima a postura do empregado que, utilizando-se de tal preceito, divulga
aspectos negativos da instituição a que pertence, com o objetivo vil de
prejudicar-lhe a imagem. Tal comportamento não se coaduna com o objetivo
maior de tal princípio.
Já os direitos à honra, imagem e privacidade estão intrinsecamente
relacionados porque dizem respeito tanto a aspectos objetivos quanto
subjetivos do sujeito e estão previstos no art. 5, incisos X e XII da CRFB.
Nesse diapasão, considera-se honra objetiva a reputação do homem
perante a sociedade e honra subjetiva o conceito havido pela própria pessoa,
relacionado ao seu amor-próprio, a sua dignidade. No assédio moral, a honra
16 do ofendido é comumente atacada através de atos de desqualificação capazes
de destruir sua auto-estima e o conceito de si mesmo.
A lesão à imagem do trabalhador ofendido também é muito frequente
quando ocorre o assédio moral no trabalho e, geralmente, implica na exposição
da vítima perante os demais colegas de trabalho, como alguém incompetente,
conflituoso e culpado pela própria situação de marginalização a que está sendo
submetido.
Já o resguardo ao direito de privacidade está previsto no art. 5, incisos X e
XII da CRFB e, como o próprio nome denota, abrange aspectos da vida privada
tais como o âmbito familiar, as amizades íntimas, os relacionamentos em geral
e as crenças religiosas e filosóficas. Mesmo dentro dos locais de trabalho, a
privacidade do empregado deve ser preservada, de modo que qualquer
inspeção ou observação não autorizada constitui arbitrariedade do
empregador.
Entretanto, o direito à intimidade não possui caráter absoluto, ficando sujeito
aos limites da ordem, segurança e saúde públicas. Assim, o empregador que,
utilizando-se do poder de fiscalização que lhe é conferido, tem como estratégia
a invasão justificada da privacidade dos seus empregados com a ciência
inequívoca destes, tais como a fundada suspeita de delito ou a preservação da
segurança das pessoas e bens situados no local de trabalho, age de forma
clara e respeitosa e não pratica ato ilícito. A título de exemplo, a instalação de
equipamentos de câmeras de filmagem no ambiente de trabalho desde que
usada de forma humana e sem abusos constitui método razoável e legítimo do
empregador.
Em suma, é necessário que se observe o princípio da proporcionalidade
entre o direito à segurança dos funcionários e bens da instituição e o direito à
intimidade pessoal do trabalhador, obedecendo-se aos juízos de idoneidade,
necessidade e razoabilidade concomitantemente.
17
CAPÍTULO II
PANORAMA SÓCIO-ECONÔMICO DO ASSÉDIO MORAL
NO TRABALHO AO LONGO DOS TEMPOS E SUA
EVOLUÇÃO
O desenvolvimento econômico não representa, necessariamente,
progresso social, cultural e político ideais. A globalização gerou uma
desenfreada criação de riqueza sem a respectiva geração de empregos, o que
levou à perda ou privação de direitos essenciais dos trabalhadores. A
economia, que tinha por finalidade reduzir a escassez de bens básicos e gerar
bem-estar social, passou a ser um fim em si mesma, ou seja, desvirtuou-se da
preocupação de garantir condições mínimas para os trabalhadores para
destinar-se a atender às necessidades consumistas de um grupo cada vez
mais reduzido de pessoas que detém o poder aquisitivo.
O desemprego estrutural foi gerado pela redução dos custos das
empresas, pela limitação das ofertas de emprego e pela diminuição dos direitos
sociais. Diante deste quadro, o trabalhador despreparado foi absorvido por
atividades menos qualificadas, sendo subjugado e condenado ao subemprego,
desemprego ou ao mercado informal sem as mínimas garantias sociais.
A necessidade de manutenção do emprego e a exigência cada vez mais
constante de alta produtividade inviabilizaram o modelo ideal de qualidade de
vida do trabalhador, fazendo surgir a gestão pelo medo. É o temor da
despedida que permite ao empregador a adoção de práticas abusivas e
atentatórias à dignidade da pessoa do trabalhador, as quais são hoje
repudiadas pelos valores tradicionais da ética no ambiente de trabalho. A
ameaça do desemprego implica várias conseqüências, que podem ser
resumidas na intensificação do trabalho, no aumento do sofrimento subjetivo,
na neutralização da mobilização coletiva contra o sofrimento, a dominação e a
alienação. E, além disso, serve de estímulo ao individualismo e à estratégia
defensiva do silêncio, onde se nega sofrimentos próprio e alheio.
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Em contrapartida, as estratégias utilizadas visando o aumento de
produtividade, fundadas na automação, informatização, no contrato de trabalho
temporário e na terceirização aliados às despedidas coletivas e redução dos
postos de trabalho, por exemplo, geraram a precarização das relações de
trabalho, fazendo instar um clima de tensão na classe trabalhadora, como será
demonstrado a seguir.
Uma prática muito comum reside no corte de custos das empresas, o
qual reflete na infração das normas de higiene e segurança do trabalho. O
empregador, buscando reduzir gastos, induz seus empregados a reutilizarem
equipamentos ou aparelhos de segurança sucateados, sem manutenção e
esterilização prévia. Dessa forma, os trabalhadores são levados a desrespeitar
os procedimentos de segurança básicos de modo a aumentar a produção da
empresa e, de outro lado expor sua saúde, bem-estar e até mesmo a própria
vida.
É inegável que a automação do trabalho trouxe grandes benefícios tanto
para a classe empregadora quanto para a obreira, na medida em que deu
celeridade na realização das tarefas, aumentando o fator de produção e
humanizando trabalhos que eram realizados com o sacrifício da força humana.
De outro modo, a automação possui aspectos negativos vez que, não raro
observa-se que não há identificação entre o trabalhador e seu trabalho, posto
que o resultado depende de máquinas sobre as quais ele pouco interfere.
Nesse sentido, faz surtir no trabalhador um sentimento de inutilidade que
rompe sua ligação com o mundo, com o ideal de ser necessário aos outros. É o
que se vê quando empresas demitem trabalhadores de meia-idade, por
exemplo. Esse processo corrompe os vínculos éticos inter-relacionais no
trabalho, na família e na comunidade.
Da mesma maneira, os avanços promovidos pela informática
possibilitaram o teletrabalho, ou seja, o trabalho prestado à distância por
intermédio de sistemas de computadores, o qual figura como meio de
libertação do trabalhador dos rígidos horários e da freqüência habitual ao local
de trabalho. Porém, esta nova modalidade de prestação de serviços deve ser
19 conduzida de forma cautelosa para não dar ensejo ao assédio moral, vez que
não autoriza o empregador a exigir do empregado volume de serviço que
implique trabalho demasiadamente excessivo.
Diante deste cenário, vários movimentos sociais humanistas e
direcionados à preservação da dignidade da pessoa do trabalhador surgiram
como forma de contrapeso aos efeitos do avanço desenfreado causado pela
globalização econômica. No tocante às preocupações sociais, destacaram-se
grandes avanços como a proibição do trabalho infantil, a limitação da jornada
laboral para oito horas diárias, a assistência à saúde e amparo do trabalhador,
dentre outras, as quais impulsionaram o crescimento econômico vinculado ao
desenvolvimento social sustentável, com ênfase na dignidade do trabalho
humano.
A opinião pública, as associações, sindicatos e ONGS exerceram
importante papel no cenário trabalhista ao acenarem contra a banalização da
injustiça social e ao impor limites aos abusos cometidos nas áreas econômica,
ambiental e social, fazendo surgir nos regulamentos internos das empresas
verdadeiros códigos de conduta, por meio dos quais regras de comportamentos
devem ser observadas em total respeito e comprometimento aos direitos
humanos trabalhistas.
Em que pese tais medidas, a busca desenfreada por índices de produção
elevados, alimentada pela competição sistemática e incentivada pelo
empregador, relega a saúde mental do trabalhador que se vê vitimado por
comportamentos agressivos aliados à indiferença ao seu sofrimento. Adotando-
se uma visão sistêmica sobre o caso, conclui-se que o processo de
globalização da economia criou para a sociedade um regime perverso e desleal
que não repercute apenas no ambiente de trabalho, mas gera também grande
desnível social. Ao trabalhador assediado pelo constrangimento moral, resta a
depressão, angústia e outros males psíquicos que causam danos sérios a sua
qualidade de vida. Pode-se dizer que elidir o assédio moral no trabalho é um
desafio a ser perseguido para a construção de uma sociedade menos injusta e
desigual.
20
II.1 Conceito e natureza jurídica do assédio moral no trabalho
Vulgarmente conhecido como perseguição psicológica, pode-se conceituar
o assédio moral como qualquer tipo de atitude hostil, individual ou coletiva
dirigida ao trabalhador por seu superior hierárquico, colega de trabalho do
mesmo nível, subalterno ou até mesmo terceiro relacionado com a
empregadora, que provoque degradação das condições de trabalho e seja
capaz de ofender sua dignidade ou causar-lhe danos físicos ou psicológicos
que o induzam à prática de atos atentatórios à própria ética laboral e que
gerem perigo em potencial de sua exclusão do ambiente de trabalho.
O assédio moral no trabalho não se confunde com outros conflitos
esporádicos ou mesmo com más condições de trabalho porque pressupõe um
comportamento, diga-se ação ou omissão, por um período prolongado,
premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vítima e a marginaliza no
ambiente de trabalho.
De fato, o dever de subordinação nos contratos de trabalho diz respeito à
atividade laborativa e, assim, não implica submissão da personalidade e
dignidade do trabalhador em face do poder patronal. O trabalhador é sujeito e
não objeto da relação de trabalho, não sendo possível impor condutas que
violem a sua integridade física, intelectual ou moral.
Quanto à natureza jurídica, o assédio moral no trabalho varia conforme a
visão de cada ramo do direito. Assim, do ponto de vista trabalhista o assédio
moral constitui falta grave, capaz de justificar a despedida indireta e a justa
causa para rescisão do contrato de trabalho, tanto por parte do empregador
como por parte do empregado, na forma dos arts. 482, 483 e 493 da CLT.
Já no âmbito da administração pública federal, o assédio moral no trabalho
constitui infração do dever do servidor público, conforme art. 116, incisos VI, IX,
XI e XII e art. 117, inciso V da Lei 8.112/90.
No âmbito penal, o assédio moral no trabalho representa crime contra a
liberdade pessoal e pode ser enquadrado no art. 146 do CP como
constrangimento ilegal ou até mesmo como excludente de culpabilidade
quando a vítima atua sob coação irresistível, de acordo com o art. 22 do CP.
21
Na esfera civil, o assédio moral no trabalho é considerado ato ilícito, nos
moldes dos arts, 186 e 187 do CC, sendo passível a reparação pelos danos
havidos.
Cabe ressaltar, que na ausência de norma específica para a disciplina do
tema, o julgador poderá recorrer aos instrumentos que o sistema jurídico
oferece, quais sejam, as regras e princípios de direitos fundamentais que
devem ser observadas em toda relação jurídica.
II.2 Tipos de assediados em geral
Da mesma forma como ocorre com o assediador, também não há um tipo
específico que caracterize o assediado. O que existe é um conjunto de fatores
pessoais que se agregam a situações determinadas e que tendem a tornar
determinado indivíduo mais exposto ao assédio moral no trabalho.
Existem pessoas extremamente competentes e que são vistas como
ameaça aos demais. Da mesma forma, há aqueles que são demasiadamente
espontâneos, que se deixam levar pelas emoções e manifestam-se
agressivamente quando se sentem injustiçados ou algo não lhes agrade. Há
tantos outros que resistem à padronização e têm uma capacidade criativa
brilhante, genial. Outros vivem para o trabalho, desenvolvendo um forte vínculo
psicológico com a profissão. Há, também, o tipo introvertido. Geralmente,
nesse caso, a atitude retraída e fechada do indivíduo faz com que pareça
esnobe e antipático e o seu silêncio poderá até ser mal interpretado pelos
colegas.
O assediador buscará mirar nos pontos mais frágeis da personalidade do
indivíduo de modo a desestabilizá-lo no ambiente de trabalho, seguindo o
critério que julgar mais conveniente. Não há, portanto, um perfil universal do
assediado para que faça surgir a marginalização pelo assédio moral, pois tudo
dependerá das circunstâncias em que se fundar cada caso concreto.
É importante realçar que a política organizacional da instituição, calcada na
organização da produção ou dos métodos de trabalho precisa estar bem
estruturada, de modo que o surgimento de conflitos interpessoais no ambiente
22 de trabalho possa ser rapidamente resolvido pela intervenção da gerência,
impedindo o aparecimento de futuras relações de assédio moral.
Por outras palavras, uma organização hierárquica estável representa um
entrave ao autoritarismo, vez que permite ao indivíduo identificar uma cadeia
de comando e, em conseqüência, ter a quem se reportar quando for vítima de
alguma arbitrariedade.
II.3 Sentimentos e postura do assediador
Não há um perfil específico do assediador. O que se fará nos parágrafos
posteriores é uma abordagem dos principais sentimentos que atingem o
indivíduo causador do assédio moral. Pesquisas já revelaram que as principais
causas que levam ao assédio moral no trabalho são: Má organização do
trabalho e falta de comunicação interpessoal; autoritarismo na resolução de
questões que comportam divergência de opinião; falta de diálogo no que diz
respeito à realização das tarefas e objetivos do trabalho e, por fim, as
possibilidades remotas de influência do trabalhador em assuntos de seu
interesse.
Max Gehringer, comentarista corporativo, em entrevista à Revista Época
(Editora Globo, n. 434, p. 51 de 11/09/06) pronunciou-se sobre o assédio moral
no trabalho com a seguinte frase: “Chefes que assediam são como bactérias
que precisam de condições específicas para sobreviver. E essas condições
ainda são proporcionadas por muitas empresas.” É importante ressaltar,
entretanto, que não são somente os chefes os grandes responsáveis pela
banalização desse mal, de modo que qualquer indivíduo pode ser levado pelas
circunstâncias a perseguir, por exemplo, um colega de trabalho, um subalterno
ou até mesmo o próprio chefe.
Dentre os sentimentos mais comuns do assediador estão o medo e a
insegurança de perder o emprego, um cargo de confiança ou até mesmo o
prestígio profissional. O assediador, almejando uma carreira de sucesso e
movido pela insegurança de fracassar nessa empreitada, persegue um colega
de trabalho que reputa tão bem ou mais qualificado quanto ele e, por meio de
23 críticas severas passa a sufocar qualquer tipo de contestação, a fim de que
apenas ele, o assediador, seja considerado competente.
O desejo de obter poder a qualquer custo, buscando o sucesso profissional
sem limites numa incessante luta pela superioridade pessoal, menosprezando
os demais colegas de trabalho, constitui uma completa desvalorização de
valores morais e configura, igualmente, um tipo de sentimento que assola a
figura do assediador.
Associado ao poder está a vaidade. O assediador precisa ser admirado ou
assim sentir-se pelos colegas de trabalho, pois, quando se depara com alguém
que se destaca por alguma virtude que não tenha ou seja maior que a sua,
volta-se contra a pessoa e deflagra o assédio moral no ambiente de trabalho.
Já o orgulho é observado toda vez que o perseguidor não consegue admitir
erros ou se desculpar pelo seu cometimento. O assediador orgulhoso tem
imensa dificuldade em aceitar críticas e falhas e, por isso, associa-se na
maioria das vezes àqueles que o bajulam, o que representa um entrave dentro
da instituição.
Quanto à inveja, esta por si só faz parte da natureza humana. A inveja tida
como competitiva é até saudável porque impulsiona os outros a lutar por ideais
semelhantes. O que prejudica é aquela inveja predatória, relacionada com a
baixa auto-estima e que tem como fim vingar-se do outro, de forma
dissimulada, camuflada, velada. É esse tipo de inveja uma das principais
causas de perseguição das vítimas do assédio moral no trabalho. Assim,
aquele que se destaca pela qualidade de sua produção e competência poderá
ser uma ameaça aos colegas tidos como inseguros e medíocres que, por sua
vez, no perfil de assediadores, poderão agir levianamente para buscar falhas
profissionais ou de caráter, tecer comentários que provoquem intrigas, enfim,
tudo o que puder ser feito para tornar hostil o ambiente de trabalho da vítima.
Há também os denominados transtornos da personalidade que, geralmente,
se manifestam por neuroses, dentre elas, a paranóia, a perversidade, o
narcisismo e o sadismo. Tais transtornos são vistos também como distúrbio de
24 personalidade anti-social. A seguir, será visto resumidamente como tais
transtornos se manifestam.
O assediador paranóico sofre de delírios de perseguição, levando o
indivíduo a se sentir sempre cercado de inimigos. Todas as atitudes dos seus
subordinados ou colegas de mesmo nível hierárquico são encaradas com
desconfiança e como uma manobra para ocupação do seu lugar, o que
acarreta uma genérica visão distorcida dos acontecimentos e atitudes dos
outros.
O assediador perverso é aquele que apresenta um ego aflorado e
manipulador, capaz de arrecadar esforços dos demais colegas para manter a
posição de líder na montagem de estratégias de perseguição das vítimas do
assédio moral no trabalho.
O assediador narcisista é um indivíduo emocionalmente imaturo e possui
uma auto-estima extraordinária. Considera-se o centro do universo, necessita
constantemente de aprovação alheia e vive a se vangloriar. Entende que todos
os demais lhe devem consideração especial e obediência sendo, portanto,
insusceptível às críticas.
O assediador sádico não sente culpa, remorso ou compaixão. Age mediante
sarcasmo, humilhação e desqualificação do trabalhador e obtém prazer na
sensação de causar sofrimento ao próximo.
É lógico que os assediadores, seja qualquer a modalidade em que figurem,
são pessoas causadoras de problemas e sofrimento em qualquer ambiente em
que estejam, principalmente no cenário trabalhista. Em verdade, qualquer
indivíduo por mais normal que seja pode se tornar um assediador, dependendo
das circunstâncias e do caso concreto. Nesse sentido, fica para reflexão o
entendimento de Alice Monteiro de Barros: “Apesar de, em geral, o assediador
ser um perverso, todos nós poderemos nos enquadrar no tipo legal quando nos
deixarmos vencer pelo ódio ou pela vaidade excessiva e pela tentação de
impor opiniões, como senhores absolutos da verdade.”
25
CAPÍTULO III
MÉTODOS DE ASSÉDIO MORAL UTILIZADOS COM
FREQUÊNCIA
O assédio moral no trabalho se inicia e desenvolve-se através de um
processo em escala progressiva. Num primeiro momento, percebem-se
conflitos entre grupos ainda não específicos, divididos. Num segundo
momento, a rejeição entre membros de um determinado grupo já constituído e
unificado é direcionada para uma pessoa específica, que não se adequa nesse
grupo, criando-se um estigma para a vítima.
Inúmeras são as maneiras de assédio moral no trabalho, de modo que a
abordagem que será feita é meramente exemplificativa, ou seja, não esgotará
todas as formas de assédio, o qual poderá se dar por qualquer meio, palavras,
silêncio, atitudes, omissões e comportamentos.
É sabido que qualquer método hostil dolosamente destinado a expulsar
o trabalhador do ambiente de trabalho, constitui prática de assédio. Assim, o
assédio moral no trabalho decorre, em regra, se situações adversas, tais como:
exigência de tarefas dotadas de sobrecarga, a ponto de ser tornarem
impossíveis de cumprimento; reiterados constrangimentos à pessoa do
trabalhador, de modo a colocar em dúvida a sua capacidade laborativa e ferir
sua auto-estima; exposição do trabalhador a escárnio, fofocas, bem como sua
sujeição a castigos físicos, palavras de baixo calão, ofensas pessoais e morais;
isolamento, desconsideração, humilhação, punições injustificadas; atribuições
de tarefas aquém da capacidade do trabalhador com a designação de serviços
inúteis ou sem as condições necessárias para realizá-las; incentivo da chefia
para a ridicularização do empregado; críticas destrutivas e reiteradas com rigor
excessivo; transferências abusivas de setor ou localidade de trabalho; recusa
ou cancelamento injustificados de férias; negativa de instruir o trabalhador em
suas tarefas; rejeição injustificável de trabalhos, projetos e opiniões do
trabalhador; desconsideração a limitações pessoais do trabalhador e desdém
no tocante a problemas pessoais; sonegação de informações úteis à atividade
26 profissional; perseguições, ameaças de violência física e intrigas envolvendo os
demais colegas; supressão de meios materiais de trabalho; ironia e
brincadeiras inoportunas e de duplo sentido, etc.
De todos os métodos de assédio citados acima, exemplificativamente,
pode-se inferir que a ausência de reconhecimento ao trabalho realizado leva a
um desestímulo inevitável. Quando a real competência do trabalhador não é
reconhecida e todo o seu empenho é ignorado, só recebendo críticas e
cobranças, certamente produzirá menos e desempenhará suas tarefas com
insatisfação.
De outro modo, a brincadeira no ambiente de trabalho, quando
destinada ao divertimento de todos e não ofensiva a ninguém, constitui prática
saudável para descontrair o ambiente e relaxar a tensão do dia-a-dia. É uma
forma, também, de promover a interação social. Havendo um clima
generalizado de brincadeiras, não há que se falar em assédio.
Entretanto, quando a ridicularização sistemática é utilizada como
ferramenta para desmoralizar alguém sob a falsa justificativa de descontração,
a brincadeira deixa de ser inocente. Aspectos subjetivos da pessoa objeto das
brincadeiras têm que ser observados. Assim, se a pessoa aceita bem a
brincadeira e está sempre a mexer com os colegas, deverá igualmente suportar
piadas do mesmo nível. O mesmo não ocorre quando o alvo é alguém sério e
retraído. Em todos os casos, deve-se analisar a gradação do nível da
brincadeira e o caso concreto.
Com relação à fofoca, pode-se inferir que não é qualquer comentário
espirituoso ou indiscreto sobre a vida alheia que pode ser considerado assédio
moral no trabalho. Faz-se necessária a intenção maldosa de denegrir a
imagem da vítima, de modo a degradar o ambiente de trabalho ao longo do
tempo, tornando insuportável o convívio com os colegas. Destaca-se, nessa
prática, a intenção de atingir a boa fama da vítima, apontando seus erros e
defeitos e comentando-se, negativamente, sua vida pessoal. Pode-se dizer que
a fofoca aumenta a desconfiança de todos contra todos no ambiente de
27 trabalho, já que se funda no anonimato, e proporciona um terreno fértil para se
iniciar o processo de assédio moral.
Já a intriga tem como finalidade criar discórdia entre as pessoas, de
forma que o intrigante age sorrateiramente e por inveja daqueles que detém
uma boa relação profissional. O indivíduo que se utiliza da intriga, age no
sentido de incutir dúvida na lealdade dos colegas de trabalho, confundindo-os.
Nesse mesmo sentido, as críticas destrutivas e realizadas constantemente têm
o objetivo de perseguir o trabalhador, diminuindo sua autoconfiança. Assim, o
assediado se sente inseguro e desmotivado e é levado, muitas vezes, a
cometer erros bobos que, por sua vez, servirão de munição para o assediador
propagar a sua saga.
Para concluir, cabe destacar que a dignidade constitucional representa a
garantia de proteção dos valores inerentes à personalidade humana. As regras
de boa conduta também devem ser observadas no âmbito do contrato de
trabalho, o que impõe o dever de respeito à pessoa, ainda que esta esteja
submetida ao poder diretivo do empregador.
III.1 Comportamentos dos colegas de trabalho em relação ao
assediado
Comumente, os efeitos do assédio moral no trabalho não são percebidos
somente pelo assediado. Pelo contrário, refletem também sobre os demais
colegas, como será visto a seguir.
Por vezes, cria-se um sentimento generalizado no sentido de evitar
envolvimento com problemas que não são afetos a si diretamente, mas que
prejudicam o grupo como um todo, em detrimento do espírito de equipe que
deve ser estimulado para o bom funcionamento das instituições.
É freqüente, também, a criação de um clima de indiferença e desconfiança
entre os colegas de trabalho, quando não de medo por assumir determinada
posição, seja favorável ou não sobre algum assunto da instituição ou até
mesmo em relação a algum colega do grupo. Assim, o convívio entre o grupo
28 passa a ter um ar artificial, o que gera um ambiente propício para as alianças
forçadas como forma de se adquirir uma ocupação melhor no posto de
trabalho, como uma promoção, por exemplo. As famosas panelinhas de
bajuladores ganham força e expressão e, em questão de pouco tempo, alguém
que não concorde com esse tipo de postura se tornará alvo de perseguições, o
bode expiatório.
O medo de perder o emprego é um fator que deve ser bem analisado, uma
vez que enseja posturas antagônicas dentro do meio de trabalho e até
justificáveis. Aqueles indivíduos que adotam uma postura de indiferença, de
despreocupação com os que estão próximos e vítimas do assédio moral,
colaboram para a disseminação do mal, seja por ação, seja por omissão. Os
que corroboram com a atitude do assediador e submetem-se ao autoritarismo,
em geral, temem pela perda do emprego e, numa tentativa de sobrevivência
são levados a concordar e repetir as atitudes tomadas pelo assediador, como
demonstração de apoio e obediência. Omitem-se, portanto, por não repudiar
tais práticas e aceitá-las no ambiente de trabalho como indiferença ao
padecimento dos colegas e ratificam a intenção do assediador ao reproduzi-las.
Assim, o medo de se comprometer, aliado ao egoísmo, é astuciosamente
utilizado pelo assediador, a fim de impedir a reação dos colegas do grupo do
assediado. Como bem escreveu Margarida Barreto, “em meio à degradação
das condições de trabalho, o medo é manipulado para aumentar a produção e
reforçar o autoritarismo, a submissão, a disciplina, a vergonha e o pacto do
silêncio no coletivo. São condições vivenciadas por todos os trabalhadores,
gerando um clima de instabilidade emocional coletiva, insegurança e
desconfiança entre os pares. O ambiente de trabalho transforma-se em campo
minado pelo medo, inveja, disputas, fofocas e rivalidades.”
De outro lado, o recurso à virilidade é um importante instrumento de
dominação masculina. É comum num ambiente de trabalho um colega reclamar
de dores físicas em decorrência do excesso de trabalho e, por conseguinte,
passar a produzir menos do que o almejado pelo chefe e, diante disso, ser
perseguido sob o pretexto de ausência de virilidade ou ter a sua masculinidade
29 questionada. O assediador que assim procede utiliza-se de um mecanismo de
manipulação que deveria ser repudiado pelos demais integrantes do grupo, os
quais deveriam enfrentá-lo e assumir a defesa do colega assediado.
Em resumo, cabe destacar que o poder de assediar só funciona e se
desenvolve em cadeia, ou seja, quando há aceitação e cooperação dos demais
integrantes do grupo. Em outras palavras, a perseguição sofrida por um colega
não é um problema exclusivo dele, de modo que a omissão do grupo reforça a
postura do assediador e o sentimento de impunidade.
É claro que a imagem do resultado do trabalho coletivo é refletida na auto-
estima do trabalhador e seu desempenho. O sentimento de culpa, a angústia
por não conseguir ajudar o colega, o medo de estar traindo seus próprios
valores constituem um sofrimento prejudicial a qualquer relação. Trabalhadores
determinados a criar uma atmosfera colaborativa, pautada num ambiente de
trabalho saudável, serão motivados a produzir mais e melhor. E isso só trará
benefícios, tanto para o lado do obreiro, como para o da instituição.
III.2 Conseqüências do assédio moral para o assediado
Inúmeras são as conseqüências do assédio moral no trabalho para o
assediado. Este capítulo destina-se apenas a enumerar algumas de suas
formas, de forma exemplificativa, tanto em âmbito profissional quanto pessoal.
III.2.1 Reflexos em âmbito profissional
Para que um quadro de violência psicológica venha a se caracterizar
como assédio moral, é indispensável a existência de um sujeito perverso e a
individuação da vítima, que será transformada no bode expiatório e
reiteradamente atacada e imobilizada pelo emprego de métodos que a
imaginação perversa é capaz de inventar, mas, de modo geral, pode-se
resumir em recusar a comunicação, desqualificar como pessoa e como
profissional, destruir a auto-estima, cortar as relações sociais, vexar e
constranger.
30
Essa estratégia, centrada na pressão psicológica para o cumprimento de
metas cada vez mais rigorosas, aliada a jornadas exaustivas e sob a constante
ameaça da perda do emprego, por exemplo, revela a face perversa do poder
das organizações, conhecida como administração por estresse e é causa do
profundo mal-estar daqueles que trabalham nessas condições. Com razão, o
assediado sente-se humilhado ante a ausência de reconhecimento do seu
esforço diário no trabalho. Estudos na área psicodinâmica do trabalho já
demonstraram que não há neutralidade do trabalho em relação às doenças
mentais, pois o trabalho participa do processo de formação da identidade do
ser humano; harmonia, equilíbrio e auto-estima dependem do reconhecimento
do esforço desempenhado.
Nesse processo, a vítima escolhida é impedida de executar suas tarefas,
de exercer sua profissionalidade, é rebaixada de função, segregada, confinada
e, por fim, forçada a uma inatividade moralmente destrutiva. Esse tratamento
discriminatório é reservado exclusivamente a essa pessoa. A falta de
comunicação, o silêncio, a indiferença dos colegas, contribuem para adensar o
clima de terror.
Por essas e outras razões, o rendimento profissional da vítima do
assédio começa a despencar e ela passa a cometer erros de todo o tipo, de
banais a estratégicos que o levarão, mais tarde, a sentir profunda vergonha.
Em conseqüência, o relacionamento interpessoal no trabalho se deteriora o
que ocasiona a chamada perda do patrimônio social. Tudo isso desencadeia
um processo vertiginoso, no qual o assediado não sabendo por que está sendo
perseguido, passa a duvidar da sua capacidade profissional e até mesmo da
própria sanidade mental. A longo prazo, a coação moral poderá incapacitar a
vítima para a atividade laborativa ou até mesmo levá-la ao suicídio.
III.2.2 Transtornos físicos e psicológicos
Por mais que seja psicologicamente estruturado o trabalhador, a prática
reiterada de atitudes hostis ao longo do tempo termina por desestabilizá-lo
emocionalmente. Inevitavelmente, o assédio moral no trabalho solapa as
31 resistências físicas e morais do funcionário que passa a sofrer de uma série de
problemas típicos do estresse pós-traumático.
O respeito por si mesmo, a crença no seu próprio valor como pessoa
humana é fundamental para a execução das tarefas na medida em que o ser
humano tem sede de conhecimento e se realiza à proporção em que supera
desafios. A auto-estima, por outro lado, também tem relação com o grupo
social com o qual interagimos. Por isso, a falta da auto-estima é algo
desastroso para o indivíduo, fazendo com que seja levado ao desestímulo, só
restando-lhe invejar a sorte dos bem sucedidos.
Quando se fala em assédio moral no trabalho, sabe-se que faz parte da
sua própria definição a idéia de que o agressor busca, de todas as maneiras
possíveis, minar a auto-estima da vítima, de modo que esta chegue ao
desencanto com a profissão, não confie mais em si mesma, na instituição da
qual faz parte, nos colegas, nem mesmo na humanidade e deixe de acreditar
nos seus próprios valores morais. Em suma, o sujeito tende a cair na apatia e
desespero, o que acarreta o seu suicídio profissional.
Estudos já demonstraram que as vítimas do assédio moral no trabalho
desenvolveram distúrbios psíquicos semelhantes aos encontrados em vítimas
de tortura e prisioneiros dos campos de concentração. O terror decorrente do
assédio moral leva facilmente à loucura, pois o que se pretende é a “morte”, o
desaparecimento simbólico da pessoa. O exercício de uma profissão contribui
decisivamente na construção da identidade da pessoa. Na medida em que a
pessoa não vê o seu esforço reconhecido, ou, o que é mais grave, é impedida
de expressar sua profissionalidade, seu próprio ser, surge uma crise de
identidade, cujo resultado é inevitavelmente a doença mental e até mesmo o
suicídio.
É claro que a depender do grau de pressão, a reação de cada indivíduo
varia de acordo com a estrutura emocional de cada um, do entorno social que
desfruta fora do ambiente de trabalho e da história pessoal de cada um.
32
III.2.3 Sentimentos do assediado, tais como: Dúvidas,
solidão, estresse, humilhação, revolta, ansiedade,
depressão, dentre outros.
Geralmente, as vítimas do assédio questionam-se obsessivamente no
sentido de entender o que fizeram para sofrer tamanha perseguição. A principal
pergunta que se fazem é: “O que foi que eu fiz?” Por vezes, o assédio se dá de
forma tão sutil que os demais funcionários não percebem que há alguém sendo
assediado e, nesse caso até mesmo a vítima fica em dúvida, não sabendo
como agir. Essas dúvidas passam a consumir as energias do assediado,
desviando suas forças para o trabalho e para a vida social. O processo da
dúvida é, certamente, um método de assédio pois, ao induzir o trabalhador a
cometer erros, o assediador consegue fazer com que o assediado passe a
duvidar de sua própria capacidade profissional e até mesmo do seu valor como
ser humano.
O isolamento, aliado à solidão, gera uma série de problemas, tais como,
pensamentos obsessivos, dificuldade de concentração e de atividade criativa,
ataques de pânico, medos irracionais, dentre outros. Essa é uma das
estratégias mais marcantes do assédio moral no trabalho. A vítima, isolada,
torna-se impotente, pois não tem como mobilizar os colegas em sua defesa e,
ao mesmo tempo, o isolamento a humilha fazendo com que se sinta inútil e
indesejada.
A solidão, por sua vez, não fica restrita ao ambiente de trabalho. No
núcleo familiar e nas relações com os amigos, a vítima também fica isolada
como conseqüência da perseguição no trabalho, o que faz tornar-se depressiva
e irritadiça, afugentando a companhia dos demais. A depender da origem e do
poder, o assédio assume formas diferenciadas, mas o resultado final é sempre
conseguir fazer com que o assediado se sinta estressado e constrangido no
ambiente de trabalho.
Os gritos, as palavras rudes, os gestos ameaçadores, as censuras
públicas e as punições injustas são estratégias infalíveis para desqualificar e
33 humilhar o assediado. A tática de designar tarefas completamente distintas das
que foi contratado para realizar, como por exemplo, o caso da professora
obrigada a limpar a escola, denota a intenção do assediador em humilhar a
vítima como forma de punição. O funcionário vocacionado para a profissão
sente-se totalmente desmotivado e frustrado quando é desviado de suas
atribuições originais para o cumprimento de tarefas muito aquém de sua
capacidade técnica e intelectual.
Normalmente, quando o trabalhador é perseguido, a reação natural é
também passar a odiar o seu assediador. A perda de prestígio, de credibilidade
e de contatos profissionais provoca na vítima imensa indignação, o que faz
encher-se de raiva. O desejo de vingança aparece como conseqüência e
qualquer espécie de reação raivosa só fazem agravar a situação do assediado.
O esforço desesperado de atender às exigências absurdas alimenta a
agonia da vítima e provoca ainda mais ansiedade. O trabalhador não mais
consegue raciocinar direito e, defrontado com as próprias falhas, a aflição lhe
apodera a alma diante da possibilidade de vir a sofrer uma punição severa.
Isso faz com que apareçam dificuldades de concentração e memória, sinais de
que a ansiedade e a tensão já atingiram uma proporção que tornou impossível
o desempenho normal das tarefas.
No caso do assédio moral no trabalho, a vítima é levada à depressão
pelos maus-tratos sofridos e pelas próprias conseqüências do assédio. Como a
sua auto-estima e autoconfiança estão solapadas, o sentimento de culpa, a
vergonha pelos erros cometidos, os comentários maliciosos e a desilusão são
ingredientes para que se funde a depressão.
34
CAPÍTULO IV
MEDIDAS PREVENTIVAS DO ASSÉDIO MORAL NO
TRABALHO
Dentre as várias causas do assédio moral na organização laboral,
podem ser citadas a forma autoritária de resolver diferenças de opinião, o que
denota falha no comportamento da chefia; a deficiência no plano de trabalho,
geralmente acompanhada de falta de diálogo a respeito das tarefas e objetivos
do trabalho; as reduzidas possibilidades da vítima do assédio influenciar
assuntos da unidade de trabalho, entre outras.
Em um primeiro momento, instituição alguma tem facilidade em admitir a
presença de assédio moral em seu quadro de pessoal e, por isso, há certa
resistência dos empregadores em estabelecer programas de prevenção desse
mal, já que a sua adoção implica em reconhecimento da existência de um sério
problema dentro da instituição.
Inicialmente, todo empregador deve planejar a organização do trabalho e
estruturar de forma sucinta os objetivos e regras da empresa, a política do
ambiente de trabalho e suas intenções com relação a seus empregados. Faz-
se necessário estabelecer rotinas de trabalho e divisão de tarefas que
assegurem um clima social e psicologicamente sadio. Assim, treinamentos
periódicos de superiores hierárquicos e subordinados orientando-os com
relação às normas trabalhistas devem ser uma constante de forma a evitar
tratamentos ou comportamentos ofensivos. A instituição deve deixar claro que
posturas que evidenciem a prática de assédio não serão toleradas na atividade
empresarial.
Além disso, detectar indícios iniciais de atritos entre colegas de trabalho
que indiquem condições insatisfatórias na realização das tarefas gerando
deficiências de cooperação dentro da instituição é um sinal para que o
empregador investigue se suas causas se devem à maneira pela qual o
trabalho está organizado e busque uma solução concreta e imediata para o
35 problema a tempo de evitar que um clima de trabalho pesado e desfavorável
aos objetivos da empresa se instaure.
É primordial, também, verificar quaisquer mudanças de comportamento
entre funcionários de um determinado setor da empresa. Por exemplo, os
processos de isolamento de uma pessoa, as atitudes maldosas, aparentemente
inocentes, de um funcionário que acabam por se multiplicar e contaminam o
ambiente, enfim, situações que detonem indício de exclusão social. É aí que
reside a importância de se restabelecer o diálogo, a conversa franca com os
integrantes do grupo, resgatando o espírito de equipe e a coesão dos projetos
da empresa.
De outro modo, as vítimas de assédio moral no trabalho devem contar
com um apoio emocional especial. Para isso, o empregador deve designar
consultores especializados no assunto, que sejam imparciais e capazes de
dirimir conflitos na área interpessoal, a quem as reclamações sejam dirigidas.
Dessa maneira, o empregado tem a oportunidade de expor suas angústias e
traumas e, detectada as suas causas o problema deverá ser debatido com o
grupo, visando estimular a cooperação entre todos e eliminar deficiências da
organização.
É claro que uma boa diretriz empresarial contra o assédio moral no
trabalho contribui para evitar ações judiciais, gastos potenciais em decorrência
da alta rotatividade, enfermidades e baixa produtividade, além da perda de
talentos para outras empresas e da publicidade negativa para a instituição
envolvida em casos de assédio moral no trabalho. A participação dos
sindicatos de classe na elaboração da política antiassédio e na conscientização
dos empregados a denunciar as práticas de assédio moral também constitui
fundamental estratégia para combater esse mal, fazendo com que os
empregados se sintam seguros.
Em contrapartida, o trabalhador consciente do que venha a ser assédio
moral no trabalho e suspeitando de que seja alvo dessa prática, terá meios de
adotar uma postura de defesa positiva, fazendo cessar os atos de vexação e
humilhação. Como alternativa, pode pleitear, judicialmente, a transferência do
36 local de prestação do serviço ou até mesmo o direito de se afastar do trabalho,
diante do perigo iminente de sofrer atentados à sua dignidade, saúde e
reputação.
Cabe ressaltar que não há ainda no Brasil uma legislação específica que
conceitue o assédio moral no trabalho. Não obstante, isso não impede que as
empresas, por meio de seus regulamentos internos, bem como as entidades
sindicais, através de acordo ou convenção coletiva de trabalho disciplinem o
tema da prevenção do assédio moral no trabalho. Com essa medida, reflexos
sensíveis serão percebidos, seja na diminuição de licenças médicas, no
aumento da produção e da eficiência dos trabalhadores, seja na redução de
despesas com indenização por danos morais e até mesmo gastos da
Previdência Social.
37
CAPÍTULO V
RESPONSABILIDADE CIVIL NA REPARAÇÃO DE
DANOS DECORRENTES DO ASSÉDIO MORAL NO
TRABALHO
A CRFB/88 dispõe no art. 114, inciso VI que compete à Justiça do
Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. Reforçando essa competência,
prevê a Súmula 392 do TST que “nos termos do art. 114 da CRFB/88, a Justiça
do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização
por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho.”
Há autores que apontam como uma das principais causas do assédio
moral no ambiente institucional a má organização do trabalho. Heinz Leymann,
pesquisador sobre o assunto, assegura que em todos os casos de assédio
moral no trabalho, as instituições têm em comum uma “organização da
produção ou métodos de trabalho muito ruins e gerentes quase desamparados
ou desinteressados.” Isso faz com que, num ambiente de trabalho estressante,
os empregados sempre busquem um culpado para os problemas e, o
trabalhador que se dintingua dos demais está, certamente, mais vulnerável a
carregar a culpa, ou seja, a servir de bode expiatório. Ressalte-se que, o fato
de a vítima ser tachada como problemática, seja por dificuldades de adaptação,
seja por sua personalidade forte e difícil, por si só, não justifica o assédio moral
no trabalho e, tampouco, reduz a responsabilidade da empregadora pela sua
prática.
Segundo Maria Helena Diniz, “o ambiente de trabalho deve ser tutelado
em benefício de toda a sociedade e não apenas no dos trabalhadores. Logo, o
empregador tem a obrigação de zelar pelo local de trabalho.” Visto como lesão
a um direito personalíssimo do trabalhador, que afeta a sua pessoa
diretamente e originado da relação de trabalho, o assédio moral representa
38 uma infração do contrato realizado entre as partes, não havendo aspecto da
tutela da pessoa do trabalhador que resida fora do contrato de trabalho.
Entende-se por dano moral a lesão a um bem jurídico, seja este
patrimonial ou não, ou seja, é o dano sofrido pelo ofendido atinente a atributos
valorativos e que são protegidos pelo direito, podendo ser relacionados tanto à
pessoa quanto a bens e direitos. Em outras palavras, o dano moral pode se dar
no plano valorativo da pessoa na sociedade alcançando aspectos íntimos,
como a intimidade e a consideração pessoal ou no plano da valoração da
pessoa no meio em que vive e atua, como a reputação e a consideração social.
Deriva, assim, de práticas que atentam contra a personalidade humana e
traduz-se num sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida.
A relação entre empregado e empregador, dada a indiscutível
submissão hierárquica de um sobre o outro, é a que mais propicia a violação à
dignidade da pessoa humana. Conforme bem ensina Arnaldo Sussekind, “o
cotidiano da execução do contrato de trabalho, como o relacionamento pessoal
entre o empregado e o empregador, ou aqueles a quem este delegou o poder
de comando possibilita, sem dúvida, o desrespeito dos direitos da
personalidade por parte dos contratantes. De ambas as partes, convém
enfatizar, embora o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada,
da honra ou da imagem do trabalhador.”
Sem dúvida, o assédio moral no trabalho gera dano moral, na medida
em que abala a auto-estima da vítima e sua reputação profissional, além de
minar a saúde física e mental do trabalhador. O efeito dessa prática dá ensejo
ao direito à indenização por dano moral, previsto nos arts. 5 da CRFB/88,
incisos V e X, bem como no art. 8 da CLT e art. 186 do CC, sendo da Justiça
do Trabalho a competência para o julgamento.
Um dos objetivos da reparação pecuniária é amenizar o sofrimento
psicológico da vítima, não apenas pela percepção de uma indenização em
espécie, mas também pela sensação de vitória moral revelada pela
condenação do assediador. Outro objetivo inegável é o caráter punitivo-
pedagógico, ou seja, pune-se o autor do assédio moral para desestimulá-lo a
39 cometer novas perseguições, além de servir de exemplo para intimidar outros
agressores. Para Theodoro Junior, “o mal causado à honra, à intimidade, ao
nome, em princípio é irreversível. A reparação, destarte, assume o feitio
apenas de sanção à conduta ilícita do causador da lesão moral. Atribui-se um
valor à reparação, com o duplo objetivo de atenuar o sofrimento injusto do
lesado e de coibir a reincidência do agente na prática de tal ofensa, mas não
como eliminação mesma do dano moral. Pode-se, em suma, afirmar que o
objetivo da teoria da responsabilidade civil pelos danos morais não é apagar os
efeitos da lesão, mas reparar os danos.”
Para a fixação do quantum devido alguns critérios têm que ser
considerados. A situação econômica do agressor individualmente considerado
e, principalmente da empregadora deve ser verificada, tendo em vista que esta
tem responsabilidade objetiva pelos danos causados por seus empregados.
Assim, uma indenização irrisória a ser paga por uma grande empresa
representaria uma afronta à vítima do assédio moral. Já a indenização a ser
paga por uma empresa de pequeno porte não pode ter por base o mesmo
critério econômico-financeiro, o que se traduz num dever de indenização
equitativa por parte do julgador.
A intensidade do sofrimento do ofendido também deve ser levada em
consideração para a determinação do valor dos danos morais decorrentes de
assédio no ambiente de trabalho. Varia de acordo com a gravidade e duração
da agressão, da personalidade da vítima, a sua posição social e profissional,
bem como a repercussão social do ato ilícito, além de características
personalíssimas do assediado, tais como, idade, sexo, saúde, temperamento.
Da mesma forma, a posição social e política do ofendido dentro da instituição
irão pesar para se apurar o valor do dano moral, pois quanto maior o conceito
do profissional mais grave será o dano.
Outro fator importante diz respeito à repercussão da ofensa. Há
determinadas agressões que ultrapassam os limites de um setor ou
departamento e alcançam toda a instituição, como o caso do chefe que dá
publicidade às falhas de um funcionário. É claro que, nesse caso, a atitude do
40 empregador causa um maior dano ao assediado e, naturalmente, a
indenização pelo dano moral deverá sopesar tal fato.
De outro modo, a retratação espontânea e cabal do agressor é
circunstância atenuante na mensuração do dano moral. Se o assediador
reconhecer plenamente que a vítima sofreu coação moral e lhe pedir desculpas
formais e publicamente, não se pode negar que houve uma tentativa de
minorar-lhe o sofrimento.
Em todas as hipóteses, a indenização pelos danos sofridos em decorrência
do assédio moral nas relações de trabalho não pode ser fonte de
enriquecimento. Deverá subordinar-se ao fundamento de restabelecer o
equilíbrio rompido pela prática do ato e limitar-se ao dano exclusivamente,
mantendo-se bom senso, moderação e coerência entre as decisões, sob pena
de se causar um mal social maior do que o que se visa evitar.
V.1 Aspectos processuais e penais do direito brasileiro como
forma de coibir a prática de assédio moral no trabalho
Dentre os aspectos processuais, destaca-se a importância do interrogatório
da vítima de assédio moral, vez que só ela é capaz de descrever as torturas
pelas quais passou. Porém, é claro que o valor de seu depoimento dependerá
de sua precisão, coerência e segurança em relação aos fatos narrados, o que
será determinante para a formação dos elementos de convicção do julgador.
Considerando, inclusive, que o assédio moral no trabalho raramente ocorre de
forma evidente, a prova dos atos atentatórios à dignidade do indivíduo é muito
difícil de ser produzida. Diante disso, as regras de presunção devem, em casos
especiais e com muita cautela, ser admitidas. Tal ocorre quando o magistrado
por si próprio e com liberdade fundamentada, realiza um raciocínio indutivo
para considerar efetivamente comprovado um determinado fato constitutivo do
direito postulado.
Os indícios, as presunções e as circunstâncias permitirão uma valoração
conjunta dos fatos que, isoladamente considerados, poderiam não configurar o
41 assédio moral no trabalho, dada a dificuldade intrínseca de se demonstrar um
sentimento, o elemento subjetivo do empregador ou seu preposto em solapar a
integridade psicológica da vítima do assédio. Logo, todos esses aspectos são
relevantes e, vistos em seu conjunto, serão determinantes para se
responsabilizar o agressor.
A capacidade crítica do julgador e a sua cultura jurídica, baseados no bom
senso e prudência farão com que seja extraída dos indícios, uma conclusão
segura e lógica de como o fato litigioso ocorreu. Para tanto, há de haver uma
conexão lógica, uma relação de causalidade entre os indícios para que o
julgador obtenha a suposição mais provável da realidade dos fatos. No entanto,
a conclusão final só será obtida após o exame do conjunto dos indícios, das
circunstâncias, do comportamento das partes e das provas produzidas nos
autos. Cabe ressaltar que o art. 335 do CPC prescreve que “em falta de
normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum
subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as
regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”
Além disso, a regra in dúbio pro operário, baseada no princípio da proteção
da parte mais fraca da relação contratual, é um critério de interpretação da
norma a ser utilizado quando esgotadas as demais possibilidades de
interpretação. Para uma parte da doutrina, o princípio protetivo deve ser
observado pelo juiz quando da valoração da prova sempre que a prova
produzida por ambas as partes tiver o mesmo valor. Assim, não se podendo
afirmar com quem está a verdade, o magistrado deveria, na dúvida, optar pela
versão do obreiro, em função de sua dependência hierárquica em relação à
empregadora e de sua condição socioeconômica inferior. Já para outra parte
da doutrina, tal regra não se aplica quando se tratar de matéria probatória
tendo em vista a disposição do art. 818 da CLT que estabelece que “a prova
das alegações incumbe à parte que as fizer”, aliado ao entendimento de que a
dúvida pertence ao juiz e não reside na prova conflitante.
Em resumo, diante da carência de regulamentação específica sobre o
assédio moral no trabalho, cresce a importância do papel do juiz no sentido de
42 garimpar no sistema jurídico fundamentos capazes de reprimir a violação da
dignidade humana, independentemente da existência de normas claras a
respeito. A gravidade da lesão, a extensão do dano e sua repercussão, as
condições das partes e o princípio da equidade deverão ser levados em
consideração pelo julgador. É o que recomenda o art. 765 da CLT: “Os Juízos
e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e
velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer
diligência necessária ao esclarecimento delas.”
Quanto aos aspectos penais, ainda não há no direito brasileiro a tipificação
do assédio moral no trabalho como crime. Existe um projeto de lei número
4.742/01 que introduz o art. 146-A no Código Penal com a seguinte disposição:
“Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho
de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica
funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo,
colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena- detenção
de um a dois anos.” Pela localização do artigo citado, percebe-se que a
intenção do legislador é a de enquadrá-lo no capítulo dos crimes contra a
liberdade pessoal, como uma variante do constrangimento ilegal.
Enquanto o referido projeto de lei não é aprovado, o delito que mais se
aproxima do assédio moral no trabalho é o de constrangimento ilegal, previsto
no art. 146 do CP – “Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a
capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela
não manda. Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa”. As críticas
constantes e severas, as humilhações e rebaixamentos são constrangimentos
que têm o potencial de provocar a auto-eliminação do mercado de trabalho da
vítima do assédio, uma vez que tende a provocar uma revolta e desgastes
físico e mental capazes de tirar-lhe o entusiasmo pelo trabalho.
A depender do caso concreto, há outros crimes relacionados com o assédio
moral no trabalho. Dentre eles estão a ameaça, a tortura, o seqüestro, o
cárcere privado, o estupro, o atentado violento ao pudor, a lesão corporal, o
43 induzimento a suicídio, a calúnia, a injúria, a difamação e o próprio
constrangimento ilegal, como já dito. Em todos esses casos, é a violação da
liberdade moral ou psíquica do homem, ou seja, a faculdade de determinar-se
livremente de acordo com seu entendimento que é atingida, o que revela ato
atentatório à dignidade humana.
44
CONCLUSÃO
Conforme visto em todo o desenvolvimento do presente tema, o assédio
moral no trabalho decorre, geralmente, de uma tortura psicológica atual e
continuada consubstanciada no terror de ordem pessoal e moral, praticada
contra o empregado no âmbito da empresa, podendo ser exercido pelo superior
hierárquico, por grupos de colegas do mesmo nível e pelos subordinados
contra o chefe, ou seja, pode ocorrer nos sentidos vertical, horizontal e
ascendente, respectivamente.
O objetivo é de tornar o ambiente de trabalho tão insuportável, ao ponto
de obrigar o empregado a tomar a iniciativa de desfazer o seu contrato de
trabalho. A conduta abusiva do ofensor manifesta-se por comportamentos,
palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer danos à personalidade, à
dignidade ou à integridade física ou psíquica do assediado, pondo em risco o
seu emprego e degradando o ambiente de trabalho.
A dignidade constitucional prevista no art. 7, inciso X da CRFB/88
representa uma garantia de proteção dos valores ali inseridos e impõe o dever
de respeito à pessoa, ainda que o empregado esteja submetido ao poder
diretivo do empregador. É certo que o empregador diretamente ou por seu
representante detém o poder potestativo e a liberdade de dirigir seus negócios
e a forma de administração da sua empresa, mas não pode abusar do seu
direito e nem exceder os limites da lei e do seu poder disciplinar.
Não se pode esquecer a dimensão dignificante e essencial do trabalho
para a auto-afirmação da pessoa humana. O reconhecimento do trabalho ou da
obra traduz-se na construção da identidade da pessoa e permite um
sentimento de elevação, leveza, fazendo com que o indivíduo se sinta útil e
inserido no meio em que vive. O trabalho não é apenas um bem útil, mas
digno. É, portanto, um bem que exprime dignidade e a aumenta, pois mediante
o trabalho o homem não somente transforma a natureza, mas também realiza a
si mesmo como pessoa.
45
Como já citado em linhas pretéritas, o assédio moral no trabalho traz
conseqüências funestas para a vida pessoal do trabalhador. Isso porque a sua
prática abrange situações implícitas que envolvem além da moral e da psique,
danos materiais, como o caso da perda do emprego, da necessidade de
tratamento médico e psicológico para recuperar a saúde física e mental do
assediado e resgatar sua auto-estima.
Pode-se dizer que a humilhação constitui um risco invisível, porém
concreto nas relações de trabalho, revelando uma das formas mais poderosas
e sutis nas relações organizacionais. As práticas repetidamente perversas e
arrogantes advindas de relações autoritárias tornaram-se costumeiras no
interior das empresas, predominando o menosprezo e indiferença pelo
sofrimento do outro. Todo esse mal, provoca sérios problemas à saúde mental
do trabalhador, dentre os quais se destacam: depressão, distúrbios do sono,
dores generalizadas, sentimento de inutilidade e fracasso.
O assédio moral no trabalho, como já demonstrado no Capítulo 2, não é
um fenômeno recente. Contudo, tem adquirido contornos mais nítidos e cruéis
na sociedade com o advento da globalização, do aumento da competitividade,
da busca incessante pela produtividade e celeridade dentro das empresas.
Muitos estudos sobre o assunto têm sido desenvolvidos nas diversas
áreas de conhecimento, em especial no campo do direito, da sociologia, da
medicina do trabalho e da psiquiatria, contribuindo expressivamente para a
identificação do assédio moral no trabalho, com o intuito de preveni-lo e até
coibi-lo, de modo a fixar suas conseqüências jurídicas em relação ao
assediador, à vítima e ao empregador, se for o caso.
Não restam dúvidas de que o assédio moral no trabalho traz danos
devastadores para o trabalhador e, portanto, passível é a reparação por danos
morais, desde que restem demonstrados o dano e seu nexo de causalidade. É
o que os tribunais têm decidido, numa tentativa de suprir a inexistência de
legislação específica, aplicando sanções para conter de forma incisiva os
ataques do assediador.
46
BILIOGRAFIA CONSULTADA
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.
BRASIL, Decreto- Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das
Leis do Trabalho.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed.
revista, aumentada São Paulo. Malheiros Editores. 2005.
RODRIGUES PRATA, Marcelo. Anatomia do Assédio Moral no Trabalho,
uma abordagem transdiciplinar. Editora LTR. 2008.
REVISTA LTR, Legislação do Trabalho. Publicação mensal de legislação,
doutrina e jurisprudência. Ano 74, fevereiro de 2010, Editora LTR, São
Paulo.
PALESTRA SOBRE ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES LABORAIS,
ministrada pelo Juiz do Trabalho, Dr. Marcelo Moura, titular da 19 Vara do
Trabalho do Rio de Janeiro/RJ, realizada em junho/09 na OAB/RJ.
47
ANEXO
“Dano moral - Vendedor que não atinge metas – Submissão a situação
vexatória no ambiente de trabalho. Demonstrando a prova testemunhal que o
empregado – vendedor - quando não atingidas as impostas metas de venda,
era obrigado a usar um chapéu cônico, contendo a expressão “burro”, durante
reuniões, na frente de todos – vendedores, gerentes, supervisores –
oportunidade em que era alvo de risadas e chacotas, indubitáveis o vexame e a
humilhação, com conotação punitiva. O aborrecimento, por certo, atinge a
saúde psicológica do empregado e, estando sujeito a tal ridículo e aflição, por
óbvio estava comprometido em seu bem-estar emocional. Tal procedimento
afronta diretamente a honra e a dignidade da pessoa, bens resguardados pela
Carta Maior. Iniciativas absurdas e inexplicáveis como esta têm que ser
combatidas com veemência, condenando o empregador ao pagamento de
indenização por dano moral” (TRT da 9 Região, Ac. Unânime, 2 T., Publ.
20/09/02, Rec. Ordinário número 1796/2002, Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther).
Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/35053,2
“TRIBUNAL: 2 Região. ACÓRDÃO NUM: 20060388646 DECISÃO: 30 05 2006.
TIPO: RO 01 NUM: 01346 ANO: 2004. NÚMERO ÚNICO PROC: RO 01 –
01346-2003-041-02-00. RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4 ÓRGÃO
JULGADOR – QUARTA TURMA. FONTE: DOE SP, PJ, TRT 2 Data:
09/06/2006. RELATOR: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS. EMENTA:
ASSÉDIO MORAL. ISOLAMENTO. AMBIENTE DEGRADADO. APELIDOS
HUMILHANTES. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. O
confinamento da empregada por meio ano num porão da instituição, local sujo,
mal iluminado, isolado e impróprio para o cumprimento do contrato de trabalho,
submetendo-a a gerência, ainda, a apelidos jocosos (“ratazana”, “gata
borralheira”, “cinderela”), ofensivos à sua dignidade, personalidade e imagem
perante os colegas, afetando-a no plano moral e emocional, pelas
características da discriminação e reiteração no tempo, configura assédio
moral. Justifica-se, assim, maior rigor na imposição de indenização reparatória
48 no importe mais expressivo que aquele fixado na origem: a uma, em face da
capacidade do ofensor, um dos maiores Bancos privados do país; a duas, pelo
caráter discriminatório, prolongado e reiterado da ofensa; a três, pela
necessidade de conferir feição pedagógica e suasória à pena, mormente ante o
descaso do ofensor, que insiste em catalogar a prática como “corriqueira”.
Recurso a que se dá provimento parcial para incrementar a condenação por
dano moral.” Disponível em : http://www.tst.gov.br/basesjuridicas
“TRIBUNAL: 3 Região. DECISÃO: 01 02 2006. TIPO: RO. NUM: 0084º. ANO:
2005. NÚMERO ÚNICO PROC: RO – 00840-2005-044-03-00-3. TURMA:
Terceira Turma. FONTE: DJMG DATA: 11-02-2006. PG: 7. RELATOR: Bolívar
Viegas Peixoto. EMENTA: ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. Passando o
reclamante, detentor de cargo de confiança, a subalterno daqueles que
deveriam auxiliá-lo, ficando destituído de qualquer função após ter sido
remanejado para outro setor, além de ficar impedido de participar das reuniões
de trabalho para as quais somente os outros colegas eram convocados, não se
pode ignorar a repercussão negativa ou abalo moral causado ao empregado
tido como indigno de confiança. Adotando o empregador tal atitude, sem
respaldo satisfatório em provas, ocorre a quebra das obrigações recíprocas
inerentes ao contrato, devendo responder pela indenização decorrente dos
danos morais causados ao trabalhador.” Disponível em :
http://www.tst.gov.br/basesjuridicas
“Acórdão Inteiro Teor. NÚMERO ÚNICO PROC: RR- 1315/2000-005-17-00.
PUBLICAÇÃO: DJ – 15/10/2004. PROC. NÚMERO TST- RR-01.315/2000-005-
17-00.1. 5 T. [...] O Regional manteve a condenação em danos morais em face
de discriminação contra o Reclamante por parte da empresa, o que resultou em
evidente contrato de inação, em que a empresa não só proibiu o empregado de
desenvolver as atividades para as quais fora contratado, como também proibiu
sua entrada no respectivo setor, humilhando-o e ferindo o seu decoro
profissional (fl. 364), fato que se configurou em flagrante assédio moral. [...]
Brasília, 29 de setembro de 2004. ROSITA DE NAZARÉ SIDRIM NASSAR –
49 Juíza Convocada- Relatora.” Disponível em:
http://www.tst.gov.br/basesjuridicas
“Acórdão do Processo 00394-2003-027-04-00-4 (RO). Data de Publicação:
14/10/2004. Fonte: Diário Oficial do estado do RGS – Justiça. Juiz Relator:
HUGO CARLOS SCHEUERMANN. EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL. A exposição do autor a escárnio pela chefia imediata, bem como sua
sujeição a castigos físicos, palavras de baixo calão e ofensas pessoais e
morais em reuniões de trabalho, torna evidentes o constrangimento e o abalo
moral sofridos pelo reclamante na vigência do pacto laboral, configurando o
dano moral de que tratam os incisos V e X do art. 5 da Constituição Federal e
autorizando a condenação da reclamada ao pagamento da indenização
respectiva. Recurso do reclamante a que se dá provimento. [...] De outro lado,
porém, a prova testemunhal deixou bem claro a atitude grosseira e até
humilhante adotada pelo superior do reclamante em relação não só a este, mas
a todos seus subordinados, utilizando-se dos termos e expressões citados
pelas testemunhas, ofensivos à dignidade de qualquer pessoa. Também
demonstrou a prova oral ser praxe na reclamada procedimentos agressivos
como expor os empregados a situações vexatórias como “pagar apoio” e
“chuva de papel”na frente dos colegas nos casos de não responder a algum
questionamento ou de não atingir as metas de venda, bem como passar pelo
denominado “corredor polonês”, situação na qual o empregado era submetido
inclusive a agressões físicas por parte dos colegas e de seus superiores,
mediante tapas e pés na “bunda”. Disponível em: http://www.trt4.gov.br
“TRIBUNAL: 3 Região. DECISÃO: 26 04 2004. TIPO: RO NUM: 00298 ANO:
2003. NÚMERO ÚNICO PROC: RO – 0028-2003-092-03-00-0 TURMA:
Primeira Turma. FONTE: DJMG DATA: 30-04-2004 PG: 05. Juiz Manoel
Cândido Rodrigues. EMENTA: USO DE POLÍGRAFO, COMO INSTRUMENTO
TÉCNICO DE AVALIAÇÃO, PARA FINS ADMISSIONAIS DE EMPREGO.
CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. Por certo que o uso de meios técnicos,
para fins de avaliação da idoneidade da pessoa, como critério inadequado e
50 evidentemente falho, só por si, acaba por representar um ato de
constrangimento pessoal- ainda que desprezado, aqui, o “modus procedendi”,
de acoplagem de aparelhos, capazes de identificar reações de sudorese,
batimentos cardíacos e reações emocionais. Comprimido pela necessidade de
um emprego, qualquer cidadão de melhor índole e sensibilidade, só pela
certeza da falha desse critério e pelo receio de não vir a alcançar o objetivo
perseguido, por certo que se encontra extremamente exposto a reações
daquela ordem - sem que, nem por isso, as mesmas guardem qualquer relação
com a meta da verdade perseguida. De tanto se pode concluir, pois,
inequivocadamente, tratar-se de método duplamente atentatório, contra a
dignidade da pessoa: em si, como ato vexatório; e, quanto ao seu resultado,
enquanto que eventualmente oposto à realidade examinada. A todos os títulos,
portanto, afrontoso à privacidade da pessoa e que fere, frontalmente, a sua
dignidade – substrato e fundamento do direito à reparação por “dano moral”,
melhor dito dano não patrimonial.” Disponível em: http://brs02.tst.gov.br/
“NÚMERO ÚNICO PROC: AIRR – 1926/2003-044-03-40 PUBLICAÇÃO: DJ –
22/03/2005 PROC. NÚMERO TST- AIRR-1926/2003-044-03-40.6 C:
ACÓRDÃO 3 Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.
DANO MORAL RECONHECIDO. RATIFICAÇÃO. Nos termos do eg. Regional,
revelando-se incontroversa a instalação de equipamentos de câmeras de
filmagem nas dependências dos banheiros de utilização dos empregados, mais
especificamente na porta de entrada dos vasos sanitários e mictórios, tal
situação, por si só, gera constrangimento moral e social, caracterizando o dano
moral. Incólumes, por outro lado, os artigos 818 da CLT e 333, I do CPC, eis
que o v. acórdão atacado, considerando o conjunto fático-probatório, decidiu
em conformidade com os referidos dispositivos legais. Por fim, inservíveis
arestos quando não traduzem o mesmo panorama fático-probatório do caso
sub examine (inteligência do Enunciado de número 296/TST). Agravo de
Instrumento a que se nega provimento. [...] Brasília, 23 de fevereiro de 2005.
JUIZ CONVOCADO RICARDO MACHADO – Relator.” (Disponível em:
http://www.tst.gov.br/basesjuridicas
51 “Processo: 00919-2002-005-10-00-0 RO. Origem: 5 VARA DO TRABALHO DE
BRASÍLIA/DF. Juiz Relator: PAULO HENRIQUE BLAIR. Julgado em
07/05/2003. Publicado em: 04/07/2003. Recorrente: CARREFOUR COMÉRCIO
E INDÚSTRIA LTDA. EMENTA: DANO MORAL. EMPREGADO SUBMETIDO A
CONSTRANGIMENTOS E AGRESSÃO FÍSICA, EM DECORRÊNCIA DE SUA
ORIENTAÇÃO SEXUAL, PRATICADOS POR EMPREGADOS OUTROS NO
AMBIENTE DE TRABALHO E COM A CIÊNCIA DA GERÊNCIA DA EMPRESA
DEMANDADA. IMPUTABULIDADE DE CULPA AO EMPREGADOR. Se a
prova colhida nos autos revela, inequivocadamente, que o autor sofrera no
ambiente de trabalho discriminação, agressões verbais e mesmo físicas por
sua orientação homossexual, mesmo que não pudesse o empregador impedir
que parte de seus empregados desaprovassem o comportamento do
reclamante e evitassem contato para com ele, não poderia permitir a
materialização de comportamento discriminatório grave para com o autor, e
menos ainda omitir-se diante da agressão física sofrida pelo reclamante no
ambiente de trabalho; mormente se esta agressão fora presenciada por
agentes de segurança do reclamado, os quais não esboçaram qualquer
tentativa de coibi-la. Se o reclamante, como empregado do demandado,
estando no estabelecimento do réu, sofre, por parte de seus colegas de
trabalho, deboche e até chega a sofrer agressão física, e se delas, tem pleno
conhecimento a gerência constituída pelo empregador, este último responderá,
por omissão, pelo danos morais causados ao reclamante (CCB então vigente,
art. 159 c/c art 5, X da CF). Sendo o empregador pessoa jurídica (e não física),
por óbvio os atos de violação a direitos alheios imputáveis a ele serão
necessariamente praticados, em sentido físico, pelos obreiros e dirigentes que
integram seus quadros. Recurso ordinário do reclamado conhecido e
desprovido.” Disponível em: http://www.trt10.gov.br/
“RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 30/09/2003. RELATOR:
RICARDO VERTA LUDUVICE. ACÓRDÃO NÚMERO 20030524797.
PROCESSO NÚMERO 00036-2003-902-02-00-0 ANO: 2003. TURMA: 5.
DATA DE PUBLICAÇÃO: 17/10/2003. EMENTA: Dano moral: Inserção do
52 empregado aeroviário em programa de reeducação alimentar para perda de
peso que recebeu dos trabalhadores a jocosa alcunha de Free Willy.
Descabimento de indenização em face da ausência de discriminação ou de
situação vexatória ao trabalhador. O fato da empresa de transporte aéreo
auxiliar seus empregados no combate da obesidade nada tem de ilícito ou
discriminatório. Ao contrário, é benéfico duplamente. Atende aos interesses
empresariais, mantendo o mesmo quadro de aeroviários, sem dispensar
aqueles que ficam acima do peso e contra os padrões internacionais de
atendimento aos usuários, que exigem rigorosos modelos de conduta e de
apresentação. Igualmente, atende também aos interesses dos empregados em
geral que, sem desembolso de qualquer montante e sem terem prejuízo de
forma alguma, ficam com melhores condições de saúde quando participam dos
programas de emagrecimento, inclusive em retiros alimentares programados.”
Disponível em: http://www.trt2.gov.br/
“TRIBUNAL: 3 Região. DECISÃO: 28 04 2000. TIPO: RO NUM: 5207. ANO:
1999. TURMA: Primeira Turma. FONTE: DJMG DATA: 19-05-2000 PG:08.
RELATOR: Juiz Washington Maia Fernandes. EMENTA: DISCRIMINAÇÃO
NAS RELAÇÕES DE TRABALHO – RAÇA NEGRA – Por direito e lei, é
firmemente repudiado em nosso país, qualquer ato de discriminação em função
de cor, raça, sexo, idade, religião ou condições especiais e individuais que
diferencie a pessoa. Nas relações de trabalho, especialmente, não se pode
tolerar atos discriminatórios e humilhantes impingidos ao empregado de raça
negra, com ofensas verbais assacadas contra sua pessoa em função exclusiva
da cor de sua pele. Fatos como tais devem ser denunciados, sempre, a fim de
que não se torne comum e usual a violação de um direito garantido
constitucionalmente, reforçando preconceito e prática discriminatória
inaceitável. RO a que se dá provimento para fixar indenização por danos
morais, em função da violação da honra e do sentimento de dignidade própria
do empregado, que, como qualquer outra pessoa, merece apreço e respeito de
sés superiores hierárquicos, não podendo aceitar ou resignar-se com frases
como “negro safado”, “crioulo”, ou “se voltasse a escravidão eu iria te colocar
53 no tronco”. O dano moral, íntimo, é irreparável, mas o ato discriminatório pode
e deve ser estancado por esta Justiça.” Disponível em:
http://www.tst.gov.br/basesjuridicas
54
ÍNDICE
ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO ....................................... 2
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
CAPÍTULO I ..................................................................................................... 12
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES .............................................. 12
I.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ......................................... 13
I.2 Princípio da igualdade da pessoa humana ......................................... 14
I.3 Direito à honra, à imagem, à privacidade e à liberdade de expressão 15
CAPÍTULO II .................................................................................................... 17
PANORAMA SÓCIO-ECONÔMICO DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO AO
LONGO DOS TEMPOS E SUA EVOLUÇÃO ................................................... 17
II.1 Conceito e natureza jurídica do assédio moral no trabalho ................. 20
II.2 Tipos de assediados em geral ............................................................ 21
II.3 Sentimentos e postura do assediador ................................................. 22
CAPÍTULO III ................................................................................................... 25
MÉTODOS DE ASSÉDIO MORAL UTILIZADOS COM FREQUÊNCIA ........... 25
III.1 Comportamentos dos colegas de trabalho em relação ao assediado . 27
III.2 Conseqüências do assédio moral para o assediado ........................... 29
III.2.1 Reflexos em âmbito profissional ...................................................... 29
III.2.2 Transtornos físicos e psicológicos ................................................... 30
III.2.3 Sentimentos do assediado, tais como: Dúvidas, solidão, estresse,
humilhação, revolta, ansiedade, depressão, dentre outros........................... 32
CAPÍTULO IV ................................................................................................... 34
MEDIDAS PREVENTIVAS DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO ............... 34
CAPÍTULO V .................................................................................................... 37
RESPONSABILIDADE CIVIL NA REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES
DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO ........................................................... 37
V.1 Aspectos processuais e penais do direito brasileiro como forma de
coibir a prática de assédio moral no trabalho ............................................... 40
55 CONCLUSÃO ................................................................................................... 44
BILIOGRAFIA CONSULTADA ......................................................................... 46
ANEXOS .......................................................................................................... 47