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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
MESTRADO EM DIREITO
CAMILA LEITE VASCONCELOS
MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI
MARIA DA PENHA:
UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE
Recife
2017
CAMILA LEITE VASCONCELOS
MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI
MARIA DA PENHA:
UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Direito da Universidade
Católica de Pernambuco – UNICAP, como
exigência parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marília Montenegro Pessoa de Mello
Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt
Recife
2017
MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI
MARIA DA PENHA:
UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE
CAMILA LEITE VASCONCELOS
Dissertação defendida em 10 de Março de
2017 como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Direito.
___________________________________________________________________
Presidente e Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marília Montenegro Pessoa de Mello (UNICAP)
___________________________________________________________________
Examinador externo: Prof.ª Dr.ª Carolina Costa Ferreira (UniCEUB)
___________________________________________________________________
Examinador interno: Prof. Dr. José Luciano Gois de Oliveira (UNICAP)
___________________________________________________________________
Examinadora interna: Prof.ª Dr.ª Érica Babini Lapa do Amaral (UNICAP)
Recife
2017
AGRADECIMENTOS
Não tem como iniciar os agradecimentos sem fazê-lo primeiramente a Deus. É a Ele quem
devo não só essa vitória como também todas as inúmeras outras que recebo todos os dias de
minha vida. Obrigada Senhor, porque nos momentos mais difíceis que passei ao longo desse
mestrado, nunca me abandonastes! Quando tudo era só escuridão, mostraste-me o caminho
que me levou a vencer, honrando com todas as vossas promessas.
Agradeço ao meu querido marido, Julierme, meu eterno príncipe! Amor, obrigada por estar
sempre ao meu lado me apoiando e embarcando comigo nas minhas travessuras acadêmicas.
Você é o meu maior exemplo de integridade, honestidade e compreensão. Sou a mulher mais
abençoada desse mundo porque Deus me deu o melhor presente da minha vida: VOCÊ! A
construção desse trabalho se tornou mais leve por ter você ao meu lado, ensinando-me a
compilar em planilhas os dados obtidos durante a pesquisa de campo e amparando-me nos
momentos de cansaço.
Pai, o senhor, mesmo com ideias e pensamentos tão seus sempre foi meu maior
impulsionador. Obrigada por todo carinho e orientação dada a mim não apenas durante o
mestrado, mas ao longo de toda minha vida. Muito obrigada por me fazer enxergar a vida
como ela verdadeiramente é, mostrando-me que é possível ser feliz mesmo com todas as
adversidades que possam surgir.
Também não posso deixar de agradecer a minha mãe, minha mainha! Mãe, por mais que a
senhora não se ache sábia, acredite que é no seu colo e nas suas palavras doces onde aprendo
as maiores e mais importantes lições. A senhora é para mim um exemplo de mulher, mãe,
guerreira, vitória e superação. Obrigada por ficar sempre ao meu lado. Eu te amo!
À minha irmã, Jamille. Jam, você é o meu maior orgulho! Você já é o que eu jamais serei,
sinônimo de generosidade, serenidade, integridade, fibra, beleza, inteligência, enfim, as
palavras não são suficientes para descrever o quanto você é maravilhosa. Obrigada por todas
as valiosas dicas que recebi para a elaboração dessa dissertação. Com certeza, esse trabalho
tem muito de você.
Ao meu irmão, João Victor. Mago, obrigada por ser essa pessoa sempre tão disposta a ajudar
o próximo. Obrigada por ter me servido tanto, principalmente no início do mestrado. Você foi
incrível comigo. Sei que não é qualquer irmão que faz o que você fez para mim. Minha eterna
gratidão.
Agradeço ainda aos meus sogros, pelo apoio e pelo carinho a mim despendidos. Obrigada por
me acolherem como uma filha. Eu aprendo todos os dias com vocês.
Não posso deixar de registrar o meu agradecimento à Marília, minha querida professora e
orientadora do mestrado. “Profa”, o meu marco teórico é a senhora. Até hoje não acredito que tive coragem de dizer isso durante a entrevista da seleção do programa de pós graduação.
Mas, de fato, chegando ao final desse ciclo, o meu ponto de partida e a minha referência de
conhecimento, profissionalismo e competência continua sendo a senhora! Obrigada por ter me
acolhido tão bem e com tanto carinho. Obrigada por me deixar fazer parte do seu Asa Branca.
Nunca achei que um dia faria parte dele. Não tenha dúvidas que a senhora cumpriu sua missão
comigo enquanto professora porque hoje eu termino esse mestrado certa do meu enorme
crescimento não só acadêmico como pessoal também. Quero muito poder continuar
desfrutando dos seus ensinamentos.
À minha co-orientadora, professora Fernanda Rosenblatt. Nem sei o quanto agradecer por ter
aberto as portas da sua casa para me orientar. Obrigada por cada momento dedicado a mim.
As suas colocações a respeito dessa dissertação, sempre tão intensas, foram de grande
contribuição. A senhora é um estímulo para nunca desistir dos meus planos, especialmente os
pessoais. A senhora e Marília deixaram muito de vocês em minha vida.
Agradeço a todos os meus professores do mestrado, em especial ao Professor Luciano
Oliveira por sempre nos fazer enxergar os problemas sociais sob outros olhares e à Professora
Érica Babini, minha professora também da graduação, responsável por plantar a sementinha
da vida acadêmica em meu coração.
À professora Carolina Ferreira que se dispôs carinhosamente a compor a banca da minha
defesa pública dessa dissertação.
Quero agradecer também a todos os colegas do mestrado que de várias formas me ajudaram a
sempre seguir em frente.
Também não posso deixar de agradecer ao meu colega de trabalho, Arthur Benvindo, por ter
me apresentado ao Programa de Pós Graduação em Direito da UNICAP, mostrando-me que o
sonho do ingresso era possível.
Por fim, agradeço a todos os servidores da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco e
do Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos por terem sido tão hospitaleiros e
solícitos durante a realização da pesquisa de campo.
RESUMO
A pesquisa trata da implementação da política de monitoração eletrônica nas ocorrências de
violência doméstica e familiar contra a mulher como meio de efetivar o cumprimento de
medidas protetivas de urgência deferidas com base na Lei Maria da Penha - Lei 11.340/2006.
Com o advento da Lei n° 12.403/2011, a qual admitiu a monitoração eletrônica como medida
cautelar diversa da prisão (Art. 319, inciso IX, do Código de Processo Penal), os magistrados
passaram a aplicá-la alternativamente ao artigo 20 da Lei n° 11.340/2006 que prevê a
possibilidade de prisão preventiva a qualquer momento da instrução penal, presentes os
requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, conferindo ao agressor uma liberdade
vigiada. Assim, para manter o agressor afastado da vítima, ele passa a ser monitorado
mediante a fixação de um dispositivo eletrônico em seu tornozelo, o qual através da
tecnologia GPS transmite em tempo real a sua exata localização. A vítima, por sua vez,
também passa a portar um equipamento, permitindo precisar a distância entre ela e o acusado.
Pesquisas empíricas realizadas sob o viés da Criminologia Crítica têm apontado a inaptidão
do sistema tradicional de justiça para solucionar os conflitos de natureza doméstica,
principalmente por ele não atender às necessidades das vítimas dentro do processo penal.
Sendo a monitoração eletrônica uma ferramenta a serviço do Direito Penal, procurou-se
investigar se a concessão das medidas protetivas a favor da mulher vítima atrelada à medida
cautelar de monitoramento eletrônico se apresenta como um instrumento efetivo de combate à
violência doméstica ou se seria uma maneira de punir prematuramente o acusado, colocando-
o em uma “prisão virtual” e estigmatizando-o perante a sociedade. Para desenvolver esse
estudo, buscou-se observar a prestação desse serviço na Secretaria da Mulher do Estado de
Pernambuco e no Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos, fazendo um recorte
dos casos relativos à cidade do Recife. Durante a pesquisa de campo foi possível captar as
diretrizes de funcionamento desses órgãos, traçar o perfil das vítimas que participaram da
política de monitoração eletrônica no ano de 2016, bem como entender a percepção delas
sobre a temática a partir dos diálogos ocorridos na Secretaria da Mulher e das conversas
realizadas por telefone. Das informações extraídas do campo, não há como afirmar que essa
medida se apresenta eficiente a todos os casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, tendo em vista que se de um lado não consegue atender aos anseios da vítima, de
outro é um potente instrumento de estigmatização para o agressor. Contudo, isso não é
suficiente para banir a utilização da monitoração eletrônica, pois se verificou situações em
que a medida se mostrou capaz de romper os ciclos de violência até mesmo após o fim do
monitoramento. Portanto, é importante avaliar o caso concreto para se aplicar a monitoração
eletrônica com prudência de modo a proteger a vítima, resguardando o máximo possível os
direitos fundamentais do agressor. O trabalho desenvolvido pelo Poder Judiciário em parceria
com uma equipe multidisciplinar pode auxiliar na identificação dos casos em que a medida se
mostre adequada. É preciso considerar ainda o investimento em técnicas de vigilância menos
invasivas à liberdade, intimidade e privacidade como o botão do pânico, como meio de
proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Palavras-chave: Monitoração Eletrônica; Violência Doméstica; Medidas Protetivas; Mulher.
ABSTRACT
The research deals with the implementation of the electronic monitoring policy in the
occurrences of domestic and family violence against women as a means of enforcing urgent
protective measures granted based on the Maria da Penha Law - Law 11,340 / 2006. With the
advent of Law No. 11,403 / 2011, which admitted electronic monitoring as a precautionary
measure other than imprisonment (Article 319, clause IX, of the Code of Criminal Procedure),
magistrates began to apply it in alternative to article 20 of the Law No. 11.340 / 2006 which
provides for the possibility of preventive detention at any time during the criminal
investigation, in compliance with the requirements of article 312 of the Code of Criminal
Procedure, granting the offender a probation. Thus, to keep the aggressor away from the
victim, it is monitored by attaching an electronic device to his ankle, which through GPS
technology transmits in real time its exact location. The victim, in turn, also carries an
equipment, allowing to specify the distance between her and the accused. Empirical research
carried out under the Critical Criminology bias has pointed to the inappropriateness of the
traditional justice system to resolve conflicts of a domestic nature, mainly because it does not
meet the needs of victims in criminal proceedings. Since electronic monitoring is a tool in the
service of criminal law, it was sought to investigate whether the granting of protective
measures in favor of women victims linked to the precautionary measure of electronic
monitoring is presented as an effective instrument to combat domestic violence or whether it
would be a way To prematurely punish the accused, placing him in a "virtual prison" and
stigmatizing him before society. In order to develop this study, it was sought to observe the
provision of this service in the Women's Secretariat of the State of Pernambuco and the
Electronic Monitoring Center of Reeducandos, making a cut of the cases related to the city of
Recife. During the field research, it was possible to capture the guidelines for the functioning
of these organs, to trace the profile of the victims who participated in the electronic
monitoring policy in the year 2016, as well as to understand their perception on the subject
from the dialogues that took place in the Women's Secretariat And telephone conversations.
From the information extracted from the field, there is no way to affirm that this measure is
effective in all cases of domestic and family violence against women, given that if on one
hand it fails to meet the victim's wishes, on the other hand it is a powerful Instrument of
stigmatization for the aggressor. However, this is not enough to ban the use of electronic
monitoring, as there have been situations in which the measure was able to break the cycles of
violence even after the end of the monitoring. Therefore, it is important to evaluate the
concrete case to apply the electronic monitoring with caution in order to protect the victim,
protecting to the maximum possible the fundamental rights of the aggressor. The work
developed by the Judiciary in partnership with a multidisciplinary team can help identify the
cases in which the measure proves adequate. It is also necessary to consider the investment in
less invasive surveillance techniques for freedom, privacy and privacy as the panic button, as
a means of protecting women victims of domestic and family violence.
Keywords: Electronic Monitoring; Domestic violence; Protective Measures; Woman.
LISTAS DE FIGURAS, FOTOS E GRÁFICOS
Figura 1 – Monitoração eletrônica de pessoas em situação de violência doméstica ............... 69
Foto 1 – Botão do pânico para vítimas de violência doméstica e familiar .............................. 71
Foto 2 – Dispositivo S.O.S. ...................................................................................................... 71
Foto 3 – PLP 2.0....................................................................................................................... 72
Foto 4 – Agentes Penitenciários em atividade de vigilância no Centro de Monitoramento
Eletrônico de Reeducandos. ..................................................................................................... 90
Foto 5 – Modelo de tornozeleira eletrônica (TZPR01) contratado pelo Estado de Pernambuco
para ser disponibilizado pela empresa terceirizada Spacecom. .............................................. 106
Foto 6 – Modelo da Unidade Portátil de Rastreamento utilizadas pelas mulheres no Estado de
Pernambuco ............................................................................................................................ 108
Foto 7 – Mapeamento do raio da área de exclusão com base nos pontos fixos ..................... 121
Foto 8 – Mapeamento dos pontos fixos a partir do local de trabalho da vítima .................... 122
Foto 9 – Mapeamento do raio da área de exclusão a partir da residência da vítima .............. 123
Gráfico 1 – Rendimento mensal das mulheres inseridas no programa de monitoração
eletrônica ................................................................................................................................ 105
Gráfico 2 – Ocupação/profissão declarada pela vítima ......................................................... 110
Gráfico 3 – Situação das vítimas no mercado de trabalho..................................................... 111
Gráfico 4 – Escolaridade das vítimas .................................................................................... 112
Gráfico 5 – Estado civil das vítimas ...................................................................................... 112
Gráfico 6 – Vínculo de parentesco das vítimas com o agressor ............................................ 113
Gráfico 7 – Faixa etária das vítimas que utilizaram a monitoração eletrônica ...................... 113
Gráfico 8 – Raça/Etnia das vítimas monitoradas eletronicamente ........................................ 114
Gráfico 9 – Religião das vítimas ........................................................................................... 115
Gráfico 10 – Filhos da vítima com o agressor ....................................................................... 115
Gráfico 11 – Tipo Penal para aplicação da monitoração eletrônica ...................................... 116
Gráfico 12 – Tempo da primeira agressão até a formalização da denúncia .......................... 117
Gráfico 13 – Tempo de convivência das vítimas com os agressores .................................... 117
LISTA DE ABREVIATURAS
CEMER - Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos
CIODES - Centro Integrado de Operações de Defesa Social
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
CPP - Código de Processo Penal
DEMUL - Delegacia de Polícia da Mulher
DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional
GPRS - Serviços Gerais de Pacote por Rádio
GPS - Sistema de Posicionamento Global
INFOPEN - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LED - Diodo Emissor de Luz
ONG - Organização Não Governamental
PLP - Promotoras Legais Populares
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SAC - Sistema de Acompanhamento de Custódia
SAC24 - Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 horas
SDS - Secretaria de Defesa Social
SERES - Secretaria Executiva de Ressocialização do Estado de Pernambuco
STF - Supremo Tribunal Federal
TZPR - Tornozeleira Eletrônica
UPR - Unidade Portátil de Rastreamento
VVDFM - Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1 O MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO MECANISMO DE CONTROLE
DO DELITO ALTERNATIVO AO CÁRCERE ................................................................. 14
1.1 A história da monitoração eletrônica como instrumento a serviço do sistema criminal . 14
1.2 Um olhar sobre vigilância eletrônica a partir de contornos criminológicos .................... 18
1.3 Os fundamentos do monitoramento eletrônico no Brasil ................................................ 27
1.4 Previsões legais do monitoramento eletrônico no Brasil ................................................. 32
1.5 Aspectos relacionados à tecnologia de monitoração eletrônica no Brasil ....................... 34
1.6 Modelo de gestão de monitoração eletrônica no Brasil ................................................... 40
2 MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PESSOAS NOS CASOS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ....................................................... 50
2.1 As mudanças processuais penais ocorridas com o advento da Lei nº 11.340/2006 e as
críticas sob o viés criminológico ........................................................................................... 50
2.2 Monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e as
implicações em torno dessa aplicação ................................................................................... 57
2.3 A medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada em decorrência de violação da
Lei Federal n° 11.340/06 ....................................................................................................... 64
2.3.1 O monitoramento eletrônico no âmbito do processo judicial ................................ 64
2.3.2 O monitoramento eletrônico a partir da instituição das audiências de custódia .... 66
2.4 Aparatos tecnológicos utilizados para prevenir e combater a violência doméstica ......... 68
2.5 Diretrizes para a Central de Monitoração Eletrônica para os casos de violência
doméstica ............................................................................................................................... 73
3 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER NA CIDADE DO RECIFE: RELATOS DA
PESQUISA EMPÍRICA......................................................................................................... 78
3.1 Metodologia ..................................................................................................................... 78
3.2 Ainda sobre algumas questões de método e do campo.................................................... 83
3.3 O monitoramento eletrônico nas circunstâncias da Lei Maria da Penha em
Pernambuco ........................................................................................................................... 85
3.4 O Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER) .............................. 88
3.4.1 Fluxo de funcionamento do CEMER ..................................................................... 91
3.4.2 A opinião dos operadores do CEMER sobre a monitoração eletrônica para os
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ................................................ 96
3.5 A Secretaria da Mulher de Pernambuco .......................................................................... 99
3.5.1 A opinião das técnicas da Secretaria da Mulher de Pernambuco a respeito da
monitoração eletrônica para os casos de violência doméstica e familiar ...................... 104
3.6 A Tornozeleira Eletrônica e a Unidade Portátil de Rastreamento ................................. 105
3.7 Dados relativos à aplicação do monitoramento eletrônico no contexto da violência
doméstica e familiar no ano de 2016 na cidade do Recife .................................................. 109
3.8 Breves comentários sobre as decisões de decretação e revogação do monitoramento
eletrônico prolatadas em 2016 pelo juízo das Varas de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher do Recife ................................................................................................... 117
3.9 O impacto da monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra
a mulher a partir da percepção das vítimas .......................................................................... 124
3.9.1 O problema da vítima e do agressor residirem e frequentarem a mesma
localidade ...................................................................................................................... 135
3.9.2 A possibilidade da revitimização da mulher mediante a aplicação da monitoração
eletrônica ....................................................................................................................... 138
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 143
ANEXOS................................................................................................................................ 147
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 160
11
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa surgiu da necessidade de investigar o fenômeno da monitoração
eletrônica de pessoas atrelada aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher
como medida de enfrentamento dos conflitos dessa natureza.
O monitoramento eletrônico de pessoas vem sendo utilizado pelo sistema de justiça
criminal desde a década de 1980 nos Estados Unidos como uma ferramenta para controlar a
criminalidade e reduzir a alta população carcerária. No entanto, é curioso o fato do país ter
desenvolvido a tecnologia eletrônica, fazer cada dia mais uso dela e mesmo assim permanecer
em primeiro lugar no pódio dos países que mais encarceram no mundo (OLIVEIRA, 2007, p.
15).
No Brasil, esse mecanismo teve sua discussão iniciada no ano de 2001, mas apenas
em 2010 foi que a medida passou a ser aplicada aos presos na fase de cumprimento de pena
nas hipóteses de saída temporária e prisão domiciliar, conforme previsão da Lei n°
12.258/2010.
Entretanto, por meio de pesquisas realizadas em torno da população carcerária
brasileira, verificou-se que a quantidade de presos provisórios nos estabelecimentos prisionais
era superior a daqueles que já estavam em fase de cumprimento de pena. Diante desse
cenário, surgiu no ano de 2011 a Lei n° 12.403, a qual ampliou as possibilidades de se aplicar
o monitoramento eletrônico, permitindo que ele fosse utilizado como medida cautelar diversa
da prisão (Art. 319, IX, do Código de Processo Penal).
Dois anos depois, no Estado de Pernambuco, a medida cautelar de monitoração
eletrônica já estava sendo empregada alternativamente a prisão nos casos relacionados à
violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo em vista que o Artigo 20 da Lei n°
11.340/2006 admite a prisão preventiva do agressor seja durante o inquérito policial ou
durante a instrução criminal.
Nesse contexto, buscou-se na presente pesquisa investigar a aplicação e o
funcionamento da monitoração eletrônica no âmbito da violência intrafamiliar na cidade do
Recife para verificar a contribuição daquela na prevenção e combate do problema vivenciado
pela mulher.
Essa problemática tem como pano de fundo o fato de haverem pesquisas empíricas,
desenvolvidas por Mello (2015), Vasconcellos (2015), Medeiros (2015), Ferreira (2016),
entre outras, as quais sugerem a ausência de aptidão do sistema tradicional de justiça criminal
para aplicar soluções capazes de dirimir o conflito e atender com os anseios das vítimas,
12
retirando delas toda a autonomia para participar ativamente na solução do seu problema e
penalizando as mesmas com um suposto discurso de proteção.
O monitoramento eletrônico, por sua vez, existem estudos (PIMENTA, 2015;
MACIEL, 2014; ZACKSESKI, 2015) relacionados à sua pouca capacidade desencarceradora,
na medida em que a sua aplicação vem sendo destinada com mais intensidade aos presos em
fase de cumprimento de pena e às pessoas que não teriam a prisão preventiva decretada. Além
disso, vem se mostrando um artifício com alto poder de estigmatização e exclusão social.
Sendo a monitoração eletrônica uma ferramenta a serviço do Direito Processual
Penal, procurou-se examinar se a concessão das medidas protetivas de urgência a favor da
mulher vítima atrelada à medida cautelar de monitoramento eletrônico se apresenta como um
instrumento efetivo de combate à violência doméstica ou se seria uma maneira de punir
antecipadamente o acusado, colocando-o em uma “prisão virtual” e estigmatizando-o perante
a sociedade.
Para desenvolver esse estudo, essa dissertação foi dividida em três capítulos. O
primeiro capítulo foi elaborado se utilizando do método bibliográfico e documental para
trabalhar o tema da vigilância eletrônica sob o viés da criminologia. Nele constam a origem,
os conceitos, as características e a natureza do monitoramento eletrônico como mecanismo de
controle do delito alternativo ao cárcere, através de equipamentos capazes de transmitir em
tempo real a sua exata localização. Procurou-se tratar sobre os fundamentos para a
implantação desse sistema tecnológico no Brasil, sua previsão legal e por fim como ele
deveria funcionar de modo a evitar danos de ordem física e psicológica ligados aos direitos
fundamentais dos indivíduos sujeitos à vigilância.
O segundo capítulo está voltado para a discussão em torno da monitoração eletrônica
nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e as implicações decorrentes
dessa aplicação sobre as partes envolvidas. O discurso para o emprego do monitoramento
eletrônico em sede desse tipo de conflito não está ligado apenas à ideia de desencarceramento,
mas, principalmente, ao fundamento de ter que se proteger a mulher vítima, de modo a
impedir a ocorrência de uma nova agressão. Assim, a monitoração surge nessas circunstancias
como sendo um reforço para o agressor cumprir as medidas protetivas de urgência deferidas
pelo juiz, independentemente dele ter passado pela experiência do cárcere. Esse aspecto
demonstra a importância dessa pesquisa porque a justificativa para aplicação do
monitoramento eletrônico nesses casos é bastante peculiar quando comparado o seu uso por
indivíduos que praticaram crimes de outras naturezas.
13
Destacam-se, ainda no segundo capítulo, os aparatos tecnológicos utilizados pelas
Unidades Federativas no monitoramento eletrônico de pessoas envolvidas no contexto da
violência doméstica, tais como a tornozeleira eletrônica, a unidade portátil de rastreamento, o
botão do pânico, o dispositivo S.O.S. e o PLP 2.0. Por fim, são tratadas algumas questões
relacionadas a um modelo de gestão de monitoramento eletrônico específico para as
ocorrências dessa natureza.
O estudo documental e bibliográfico realizado em preparação aos capítulos primeiro
e segundo teve a finalidade de conferir à pesquisadora bases teóricas para inferir seus
resultados, como também para auxiliar na extração das informações e dados colhidos na
pesquisa de campo, a qual será apresentada no terceiro capítulo.
Para atingir os objetivos do presente trabalho, foi desenvolvida uma pesquisa
empírica na Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco e no Centro de Monitoramento
Eletrônico de Reeducandos, situados na cidade do Recife/PE. Logo, no terceiro capítulo,
foram traçados os métodos e técnicas através das quais se coletou e interpretou os dados dessa
pesquisa de campo, bem como relatados os principais resultados.
Assim, o último capítulo descreve o funcionamento da Secretaria da Mulher do
Estado de Pernambuco e do Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER)
no tocante a aplicação da monitoração eletrônica nos conflitos de violência doméstica e
familiar contra a mulher e posteriormente expõe o impacto dessa política através da percepção
das vítimas colhida a partir dos diálogos ocorridos na Secretaria da Mulher e das conversas
realizadas por telefone.
Durante a passagem da pesquisadora na Secretaria da Mulher também foi possível ter
acesso aos dados relacionados à escolaridade da vítima, estado civil, renda mensal, filhos com
o agressor, raça/etnia, religião, orientação sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com
o agressor, tipo de violência sofrida, tipificação, tempo do relacionamento (nos casos em que
mulher e acusado eram parceiros íntimos), idade, etc. Todas essas informações permitem
entender o perfil da mulher envolvida na política de monitoração eletrônica na cidade do
Recife no ano de 2016.
Essa pesquisa teórica e empírica, que se utiliza de análises qualitativa e quantitativa,
permitiu, a partir do referencial da criminologia crítica, compreender que a monitoração
eletrônica, da forma como é concebida hoje, se por um lado consegue contribuir para
combater a violência doméstica em determinados casos, por outro se mostra uma potente
ferramenta capaz de causar consequências desumanas típicas do cárcere em todos os casos em
que é aplicada.
14
1 O MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO MECANISMO DE CONTROLE
DO DELITO ALTERNATIVO AO CÁRCERE
De acordo com Alceu Corrêa Junior (2012, p. 25) a vigilância não é algo novo, tendo
em vista que as pessoas sempre pretenderam controlar umas as outras, visando conferir,
organizar ou até mesmo cuidar umas das outras.
As concepções de controle foram se transformando ao longo do tempo, pois a tarefa
de registrar dados relacionados a pessoas e atividades se aperfeiçoavam na medida em que
aumentava a complexidade social.
A formação dos mecanismos de controle e fiscalização existentes na sociedade é
longa e bem diversificada1, por isso é preciso fazer um recorte acerca do conteúdo a ser
explorado nesse estudo, visando alcançar os objetivos delimitados na pesquisa.
Nessa perspectiva, a investigação nesse capítulo se atém ao recurso tecnológico de
vigiar e controlar eletronicamente os indivíduos, independente deles terem ou não vivenciado
a experiência do cárcere, através de equipamentos capazes de transmitir em tempo real a sua
exata localização.
Assim, o capítulo trabalha o tema da vigilância eletrônica sob um viés da
criminologia e depois aborda a respeito dos aspectos gerais e jurídicos desse método de
controle no Brasil. Antes, porém, segue alguns apontamentos acerca do surgimento dessa
nova concepção de vigilância atualmente tão expandida na sociedade.
1.1 A história da monitoração eletrônica como instrumento a serviço do sistema criminal
O controle eletrônico de pessoas aplicado no âmbito criminal foi desenvolvido
inicialmente nos Estados Unidos em 1964 pelo professor Ralf Schwitzgebel, o qual era
membro do Comitê Científico de Psicologia Experimental da Universidade de Harvard, em
Massachusetts, no referido país (KLEIN-SAFFRAN,1995, p 02-03).
Schwitzgebel tinha seus estudos concentrados na área da ciência comportamental e
nessa seara escreveu sobre um sistema eletrônico telemétrico, exposto e discutido dois anos
depois na Revista de Direito de Harvard. No ano de 1969, ele criou e registrou um modelo de
sistema de monitoramento eletrônico em Cambridge juntamente com William S. Hurd, o qual
também fazia parte do citado comitê.
1 Sobre a história da vigilância, vide Alceu Correa Junior (2012, p. 18)
15
Esse protótipo era composto por transmissores individuais portados por cada usuário
do sistema, por estações receptoras e uma estação base. Na medida que o transmissor
acionava a estação receptora, o sistema indicava a localização da pessoa em um mapa na
estação base. Esses testes foram feitos em jovens infratores a partir de áreas geográficas
determinadas que continham as estações receptoras (GABLE; 2005, p. 01).
Esses transmissores individuais eram formados por dois dispositivos, sendo um a
bateria e o outro o emissor responsável por enviar os sinais indicadores da localização do
indivíduo. O local onde o usuário estava aparecia em uma tela instalada na estação receptora
das informações. Cada aparelho pesava cerca de um quilo e enviava à estação base um sinal
único, diferenciando-se uns dos outros para individualizar cada sujeito que estava portando o
aparelho. Esse monitoramento eletrônico conseguia transmitir sinais a uma distância de até
quatrocentos metros (BLACK, SMITH; 2003, p. 01).
A partir de então, o Dr. Schwitzgebel passou a estudar sobre a mudança de padrões
comportamentais mediante a aplicação de equipamentos eletrônicos como meio de se obter
um comportamento socialmente aceitável (KLEIN-SAFFRAN,1995, p 25-26).
Nessas pesquisas sobre o “comportamento eletrônico”, Schwitzgebel defendia que o
sistema de monitoração eletrônica podia ser utilizado como uma ferramenta terapêutica para o
infrator, pois julgava a sua criação como uma medida que diminuiria a violação de direitos
individuais, proporcionaria mais privacidade, bem como uma reintegração social mais célere.
Além disso, também era um recurso eficiente na redução de crimes (DOHERTY, 1994, p. 05).
Assim, o mecanismo eletrônico criado por Schwitzgebel foi lançado a princípio como
uma medida alternativa à prisão, mas tinha aspirações futuras de substituir o cárcere de forma
definitiva.
(...) quando específicos comportamentos delinquentes puderem ser previstos com
exatidão e / ou controlados com os criminosos em seus próprios meios sociais, o
encarceramento não será mais necessário como um meio de controle
comportamental e de proteção social (SCHWTIZGEBEL; 1964, apud U.S.
CONGRESS; 1988, p. 33, tradução nossa)2.
Na década de 1970 nesse mesmo país onde tudo começou, o sistema de
monitoramento eletrônico já era utilizado para observar a localização de pessoas que se
encontravam em liberdade condicional, doentes mentais e voluntários adeptos à pesquisa
(KLEIN-SAFFRAN, 1995, p. 26).
2 when specific offending behaviors can be accurately predicted and/or controlled within the offender’s own environment,
incarceration will no longer be necessary as a means of controlling behavior and protecting society.
16
Relativamente aos infratores em liberdade condicional, tratava-se de 16 (dezesseis)
jovens voluntários reincidentes em práticas criminosas, os quais permitiram acoplar em suas
camisas o dispositivo eletrônico. Depois de instalado, o aparelho transmitia sinais para a
estação receptora situada na casa dos usuários, a qual era encarregada de redirecionar essa
transmissão à estação base apresentando os resultados em uma tela (OLIVEIRA, 2007, p. 14).
Schwitzgebel e os demais pesquisadores que trabalhavam com ele nessa pesquisa
avaliaram de forma muito satisfatória a experiência e por isso passaram os anos seguintes
tentando aprimorar o modelo de monitoração eletrônica. Até mesmo o irmão de Schwitzgebel,
Robert Schwiztgebel, ajudou nessa empreitada acrescentando ao protótipo inicial a
capacidade de transmitir sinais táteis e possibilitar duas formas de comunicação codificada
(GABLE; 2005, p. 01).
Outro aprimoramento feito por Ralph Schwitzgebel e demais pesquisadores no
sistema de vigilância foi à inclusão de sensores para o monitoramento fisiológico. Assim,
além do modelo permitir obter a localização do usuário, passou a informar as suas condições
fisiológicas, tais como a frequência cardíaca. O motivo de se criar essa comunicação
bidirecional era porque Schwitzgebel acreditava que a aplicação da vigilância eletrônica
conseguiria diminuir a reincidência não só em razão dos infratores saberem que estavam
sendo monitorados, mas também pelo sistema indicar a necessidade de uma intervenção das
autoridades quando fosse detectadas alterações dos níveis hormonais ou a presença de
álcool/drogas na corrente sanguínea (KLEIN-SAFFRAN, 1995, p. 26).
Em que pesem às inovações trazidas como instrumento para se prevenir a ocorrência
de novos comportamentos criminais e combater a reincidência, os modelos apresentados até
então apresentavam custos altos e demandava um agente fiscalizador para cada sujeito em
monitoramento. Esses obstáculos tornavam a implantação da tecnologia inviável
(DOHERTY, 1994, p. 05).
Apesar dos estudos de monitoramento eletrônico de pessoas terem se iniciado na
década de 1960, apenas em 1983 foi implementado pela primeira vez no sistema criminal por
determinação do juiz Jack Love, o qual buscou instituições tecnológicas, pedindo para
criarem uma pulseira capaz de monitorar o transgressor. Depois de criado, o juiz ordenou que
o aparelho fosse implantado na perna do infrator, o qual havia violado uma ordem de
proibição do Segundo Distrito Judicial de Albuquerque, no Novo México (OLIVEIRA, 2007,
p. 15).
Essa ideia do magistrado surgiu após ler uma história em quadrinhos do personagem
“Homem Aranha”, o qual foi monitorado pelo vilão ao ter um bracelete fixado no braço.
17
Segundo Edmundo Oliveira (2007, p.15), o desejo do referido magistrado foi evitar que os
indivíduos condenados por embriagues ou por delitos econômicos (crimes de colarinho
branco) fossem conduzidos a prisões superlotadas e violentas, tornando o cárcere
extremamente prejudicial e desproporcional à conduta praticada.
A medida proposta pelo juiz Jack Love teve que enfrentar diversas questões de
ordem ética, legal e econômica, tendo em vista que o bracelete seria utilizado para monitorar a
conduta de pessoas, as quais estavam submetidas ao controle do Direito Penal (DOHERTY,
1994, p. 09).
Mesmo com essas dificuldades, a experiência de monitoração eletrônica com a
instalação de braceletes evoluiu e ao final o Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos
concluiu que o equipamento operava corretamente, era viável como alternativa à prisão e
representava uma redução de despesas para o sistema penal quando comparado ao cárcere.
Após essa aprovação vários programas de monitoramento eletrônico começaram a surgir nos
Estados Unidos e diversos Estados-Membros desse país passaram a aderir o sistema
(DOHERTY, 1994, p. 08).
Dentre os fatores que possam ter estimulado a criação e a ampliação do programa de
monitoração eletrônica de pessoas no plano criminal nos anos 1980, identificam-se dois
bastante evidentes, quais sejam: o aumento da população carcerária decorrente da prática de
delitos mais simples e a expansão da infra-estrutura tecnológica de processamento de
informação (GABLE, 2005, p. 01).
Com a superpopulação de presos, as autoridades começaram a buscar meios
alternativos de cumprimento de pena. Paralelamente a isso a tecnologia avançava, tanto que
com a substituição do telefone analógico pelo digital, permitiu-se integrar com mais qualidade
as informações em computadores com melhor funcionalidade e menos dispendiosos (GABLE,
2005, p. 01).
Outro fator que só se tornou claro alguns anos depois foi a possibilidade de o
monitoramento eletrônico transformar a natureza do próprio homem, educando-o e
condicionando suas ações. Esse argumento era bem explorado na seara política (LILLY;
NELLIS, 2012, p. 02).
Assim, a utilização de uma tecnologia relativamente barata aliada a um discurso de
transformação de comportamentos inadequados e a necessidade de se encontrar medidas
alternativas à prisão construíram um cenário social e político favorável à evolução da
monitoração eletrônica nos Estados Unidos entre as décadas de 1980 e 1990.
18
No ano de 1998 no referido país, cerca de setenta e cinco mil pessoas que haviam
passado por prisões já estavam fazendo uso do monitoramento eletrônico. Também nesse
período, já existiam em torno de vinte empresas disponibilizando o equipamento (GABLE,
2005, p. 01).
Diante desse cenário, a vigilância eletrônica se expandiu rapidamente por todos os
Estados Unidos e posteriormente ganhou a simpatia de outros países que resolveram
recepcionar a criação norte-americana, adequando-a a realidade do seu sistema penal.
Atualmente, vislumbra-se a presença da monitoração eletrônica de pessoas em países
como França, Inglaterra, Bélgica, Escócia, Itália, Portugal, Noruega, Holanda, Coreia do Sul,
Nova Zelândia, Austrália, África do Sul, Israel, Singapura, Argentina, México, Canadá, Chile,
Colômbia e Brasil (PIMENTA, 2015).
Por outro lado, chama a atenção o fato que apesar do programa ter se firmado e
expandido a partir dos argumentos da necessidade de reduzir a população carcerária e os
custos do sistema penal, os números apresentados pelo International Centre of Prison Studies3
mostram os Estados Unidos como o país com a maior população carcerária do mundo,
sugerindo que o foco da medida são os interesses do Estado e não os objetivos utilizados para
alcançar a implantação da monitoração eletrônica.
1.2 Um olhar sobre vigilância eletrônica a partir de contornos criminológicos
Como mencionado, os Estados Unidos foram pioneiros na técnica da vigilância
eletrônica, tendo em vista a necessidade de se buscar soluções que atendessem aos clamores
sociais, políticos e culturais relacionadas à criminalidade pelas quais o país passava ao longo
do século XX.
Nesse período, o Estado, através do governo e do poder legislativo, buscando
alcançar objetivos políticos, passaram a aprovar leis cada vez mais severas, utilizando o
discurso de que os sujeitos descumpridores da lei não estavam sendo punidos suficientemente,
visto que a criminalidade e a ausência de segurança continuavam sendo fenômenos presentes
em todo lugar retirando a paz social. Esse discurso de injustiça e impunidade sempre se
acomodou bem com o sentimento popular, o que legitimava a necessidade de castigo e
controle.
Garland (2005, p. 277) analisou toda a mudança sucedida no âmbito do controle
social do crime durante as décadas de 70, 80 e 90, não só nos Estados Unidos como também 3 Informação disponível em <www.prisonstudies.org>, acessado em set. 2016.
19
no Reino Unido. Segundo o autor, “a arquitetura institucional da modernidade penal
permanece firmemente no lugar, como também o aparato estatal da justiça penal”. Entretanto,
ocorreu uma redefinição do papel das instituições ligadas à justiça penal, as quais passaram a
traçar novas metas e prioridades.
Os estudos de Garland (2005, p. 279) revelam que tanto nos Estados Unidos quanto
na Inglaterra, o sistema de justiça criminal se expandiu de maneira notória entre as décadas de
1980 e 1990, não apenas no diz respeito ao número de ocorrências penais como também aos
empregos e gastos relacionados com a construção de cárceres. Registrou-se ainda um
enrijecimento das penas privativas de liberdade em virtude do aumento de sua duração, o
crescimento das chances de se retornar ao presídio depois de concedida a liberdade
condicional e a ampliação da quantidade de execuções de pena de morte nos Estados Unidos.
Diante dessa atividade expansionista pautada na busca de se proporcionar proteção
aos cidadãos e punição aos infratores, o discurso que ganhou relevância pela sociedade e
pelos políticos sob os aspectos do delito e da pena nas três últimas décadas do século XX
foram os meios para se alcançar uma segurança efetiva, reduzir o hiperencarceramento, a
necessidade de prisões menos dispendiosas e a aplicação de outras medidas penais capazes de
apresentar melhores resultados na diminuição dos delitos.
Dessa forma, o foco passou a ser a aplicação de restrições para reduzir o delito,
evitando que pessoas se tornassem vítimas. Em outras palavras, o objetivo era gerenciar o
risco de acontecer o crime. Nesse sentido, as instituições de liberdade condicional
intensificaram a vigilância dos encarcerados que eram postos em liberdade, deixando à
margem as necessidades deles e ao mesmo tempo aumentando o controle sobre os mesmos
para diminuir os custos e potencializar a segurança. Em suma, não se priorizava mais a
reabilitação do ofensor, visto que o alvo era o delito, conforme explana Garland:
A probation se afastou de sua missão original, às vezes descrita como “assistir,
aconselhar e amparar” aos delinquentes que merecem isso, e fixou prioridades que
refletem o novo clima penológico: mudar a conduta dos delinquentes; reduzir o
delito e conseguir que as comunidades sejam mais seguras; proteger o público e
apoiar as vítimas. Os cursos de treinamento, os manuais de operações e os
indicadores de desempenho de funções e objetivos modificados continuam
avançando nesta direção, assim como as alterações legais que definiram a probation
como um castigo obrigatório para os tribunais penais mais que como uma medida
discricionária para substituir a condenação. A prática da probation inclui cada vez
mais novas formas de controle intensivo, incluindo o uso de pulseiras e rastreamento
eletrônicos, os toques de recolher e os testes sobre o consumo de drogas
(GARLAND, 2005, p. 290).
Em meio aos discursos políticos punitivistas e a necessidade de se conter o número
de crimes, crescia um setor que estudava alternativas para promover a prevenção do delito e a
20
segurança. Esse campo de estudo procurou atrelar o trabalho desenvolvido pela justiça penal
com as atividades desempenhadas pela comunidade para encontrar medidas capazes de
diminuir as possibilidades de se cometer um delito. Para tanto, o caminho para minimizar
essas oportunidades foram trilhados a partir da maximização do campo de controle formal do
delito a ser implementado de modo eficientemente organizado. Ressalte-se que a finalidade
desse setor de prevenção não buscava condenar, reprimir ou ressocializar pessoas, mas sim
aplicar medidas para evitar a ocorrência de fatos criminosos e consequentemente afastar
indivíduos de situações criminógenas, levando em consideração a relação entre custo e
benefício.
Diante dessa sensação de insegurança inseminado na sociedade aliado ao descrédito
do plano social pregado pela sistemática welfarista4, a qual já não apresentava resultados
práticos satisfatórios para os cidadãos, a nova tecnologia de vigilância estava à disposição,
apresentando-se como uma ferramenta adequada para combater os problemas da segurança
pública.
Paralelamente a esses movimentos havia também a influência das ideias da filosofia
a respeito da ciência penal sobre a formação da vigilância eletrônica como um mecanismo de
controle social. De acordo com Faustino Gudín Rodríguez-Magariños (2007, p. 95), não é
possível isolar as invenções tecnológicas para o exercício da vigilância do campo filosófico
por uma razão bem simples: a implementação da vigilância eletrônica foi favorecida pelos
pensamentos filosóficos empíricos utilitaristas.
Para demonstrar essa influência filosófica relativa ao controle social do crime
mediante técnicas de vigilância, o filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832) foi pioneiro
ao apresentar “O Panóptico” no ano de 1791, o qual propôs a implantação de vigilância
onipresente para se atingir o controle social sem precisar fazer uso da violência física sobre os
prisioneiros.
Nas cartas em que o autor explana os princípios utilitaristas no campo da imposição
da pena em face do cometimento de um delito, ele sustenta que para manter a ordem em
locais onde existe uma grande concentração de pessoas, tais como nas prisões, a ferramenta
mais indicada por ser eficiente é a coação psicológica. Com ela, não se necessitaria fazer uso
da violência física para conservar o bom funcionamento do ambiente. Percebe-se que diante
4 Garland (2005, p.297) argumenta que no âmbito penal uma característica básica do Estado de Bem Estar Social (Welfare
State) é a seguinte: as medidas penais, sempre que possível, devem ser intervenções destinadas à reabilitação e não castigos
negativos e retributivos. Ainda segundo o mesmo autor, a criminologia welfarista almejava estruturar de forma sólida a
ordem social por meio da integração social, reinserindo os infratores na sociedade através da educação moral e de técnicas
ressocializadoras capazes de adequar o comportamento de acordo com os padrões sociais. Contudo, reagindo a essa velha corrente criminológica surgiram novos pensamentos que se opõem a visão welfarista da modernidade penal.
21
da necessidade de se aplicar um castigo, Bentham procura aquele que seja mais útil, mas ao
mesmo tempo menos doloroso; tanto que ele imagina uma prisão com arquitetura anelar de
modo a colocar os encarcerados em uma condição em que se sentissem constantemente
vigiados, ainda que não estivessem sendo, pois os inspetores não seriam vistos. Em termos
concretos isso seria feito mediante a construção de uma estrutura física em forma de círculo
onde existiriam várias celas ao redor e no centro haveria uma torre capaz de conferir ampla
visibilidade ao observador sem ser visto pelos indivíduos (FOUCAULT, 2010, p. 191).
Em outras palavras, essa coação psicológica emergiria nos prisioneiros apenas a
sensação de estarem sendo inspecionados a todo momento, ainda que por um dado instante
não estejam. Quanto maior o tempo de efetiva vigilância, maior são as chances de se sentir
sempre em observação, inibindo assim comportamentos inadequados. Porém, o prisioneiro
não tem como saber se naquele exato momento está sendo observado, já que os vigilantes não
ficam expostos a ele. Por isso, a denominação dada por Bentham em sua obra faz alusão ao
núcleo da formação da ideia dele de “ver sem ser visto”, vigiando com apenas um olhar todos
os fatos que ocorrem dentro de um estabelecimento e fazendo com que a ordem seja mantida
(FOUCAULT, 2010, p. 191).
David Lyon (1994, p. 63) afirma que “o Panóptico” de Bentham representa uma
paródia secular da onisciência divina, em que o observador é, como Deus, invisível”.
Outros benefícios indicados por ele diz respeito à diminuição da quantidade de
vigilantes e um controle maior sob estes, uma vez que os guardiões passam a ser
inspecionados pelo público em geral. Para isso, Bentham aduz que o estabelecimento deverá
estar sempre com as portas abertas à visitação, permitindo o aumento do número de vigilantes
não apenas em relação aos encarcerados como também aos inspetores.
No âmbito do sistema carcerário, Foucault (2010, p. 165-185) analisa os meios de
vigilância e padronização de hábitos estabelecidos por várias instituições (escola, igreja,
fábrica, hospital e prisão), as quais utilizando os recursos da vigilância hierárquica, da sanção
normalizadora e do exame, conseguem controlar o corpo e a mente dos prisioneiros. Ao
utilizar essas técnicas, o referido autor narra à formação de uma sociedade disciplinar, a qual
está voltada para a correção e modificação da conduta humana, tornando-a dócil e
domestificada.
Para essa compreensão, Michel Foucault5 (2010, p. 186) faz sua análise sobre o
projeto criado por Jeremy Bentham não só descrevendo o Panóptico, mas examinando o
5 Michel Foucault aborda a estrutura panóptica em sua clássica obra Surveiller et Punir: naissance de la prison (1975).
22
pensamento dele através dessa “sociedade disciplinar”. Segundo ele, nos séculos XVII e
XVIII a sociedade vivenciou um permanente crescimento do alcance de normas disciplinares,
atingindo todo o corpo social. Para Foucault (2010, p. 198), o Panóptico seria um desenho de
uma estrutura composto por poderes onde se utilizaria técnicas de disciplinamento em
substituição a outros que já foram empregados, como meio para individualizar e apontar a
exclusão.
Ainda de acordo com Foucault (2010, p. 191), a arquitetura panóptica segue o
modelo da “visibilidade inverificável”, fazendo com que os olhos do detento enxerguem a
torre de vigilância, contudo sem ter a certeza se naquele exato momento está sendo realmente
vigiado. Mesmo havendo a dúvida acerca se está ou não sendo observado, ele precisa ter a
consciência de que pode sempre estar sob vigilância, pois essa fé gera um resultado essencial,
qual seja, provoca no prisioneiro um estado de constante monitoração de modo a garantir o
exercício e a eficiência do poder. Portanto, para o panóptico não é importante quem detém o
poder porque o interesse maior é fazer com que os indivíduos continuem submetidos à
estrutura panóptica. Sobre essas questões Michel Foucault ressalta a multifuncionalidade do
panóptico, lecionando que:
Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia. De modo que não é
necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o
louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância
das receitas. Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser
tão leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas: basta que
as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas. O peso das velhas “casas
de segurança”, com sua arquitetura de fortaleza, é substituído pela geometria simples
e econômica de uma “casa de certeza” (FOUCAULT, 2010, p. 192).
Em todas essas funções é possível aprimorar o funcionamento automático do poder
ao diminuir a quantidade de pessoas que o exercem e ao mesmo tempo aumentar o número
daquelas sobre as quais o poder é aplicado. A força do Panóptico repousa em jamais interferir,
visto que ela é exercida de maneira espontânea e silenciosa, devendo monitorar todos os
ambientes onde se deseja sustentar o domínio e o controle. Ainda quando ninguém esteja
vigiando, o controle continua sendo mantido, pois o que realmente importa é que os detentos
estejam submetidos a um poder, onde eles mesmos são detentores (FOUCAULT, 2010, p.
192).
Verifica-se que para o mesmo autor a arquitetura panóptica é um instrumento capaz
de tornar mais forte qualquer sistema de poder, uma vez que proporciona contenção de
pessoal, material e tempo ao passo que é eficiente por possuir natureza preventiva, andamento
constante e aparatos automáticos (2010, p. 195).
23
Além disso, ressalta-se a existência da fiscalização exercida pelo público sob as
instituições panópticas até mesmo nas prisões, onde existe a necessidade de se manter sempre
fechada. Em análise do esquema panóptico, Foucault (2010, p. 196) aduz a possibilidade
desses estabelecimentos serem inspecionados sem empecilhos ainda que de maneira eventual,
mas incessante, não apenas pelos controladores nomeados como também por qualquer
indivíduo, pois a sociedade tem o direito de averiguar ela mesma como se dá essa dinâmica
nas instituições. Em razão disso, Foucault afasta qualquer chance de se transformar o alto
poder decorrente do sistema panóptico em tirania, visto que ele estaria sempre disponível para
exame por parte do “grande comitê do tribunal do mundo” como meio de ser
democraticamente controlado. Na medida que se permite a sociedade vigiar os próprios
vigilantes, é ela quem controla o poder.
Inobstante os efeitos positivos que se pode extrair da proposta de Bentham, a
implicação mais interessante do Panóptico para Foucault seria:
induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o
funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em
seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a
tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma
máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o
exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que
eles mesmos são os portadores. Para isso, é ao mesmo tempo excessivo e muito
pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois
o essencial é que ele se saiba vigiado; excessivo, porque ele não tem necessidade de
sê-lo efetivamente (2010, p. 191).
Nessa linha, Foucault percebeu que a “alma” do indivíduo pode ser controlada com a
disciplina, pois esta é capaz de transformar o comportamento e a motivação do sujeito que
está exposto a uma área de plena visibilidade. A possibilidade de estar sendo observado faz
com que a pessoa se conscientize por ela mesma das suas limitações de poder, fazendo-as
funcionar automaticamente sobre si mesma. A submissão à vigilância seria uma espécie de
armadilha construída subjetivamente pelos próprios sujeitos.
Bentham enxerga o Panóptico como sendo uma maneira de se conseguir um
encarceramento perfeito, um projeto particular que não deixa brechas. No entanto, Foucault
parte de outra ótica, pois o compreende como uma forma de se estabelecer as relações de
poder com o cotidiano das pessoas, um modelo generalizável de funcionamento.
Michel Foucault vislumbra o sistema panóptico como um modelo ideal de poder
disciplinar, principalmente por este poder se encontrar presente nas instituições modernas,
tanto que ele suscita que não há motivos para se surpreender com o fato das prisões se
parecerem com as fábricas, escolas, quartéis e hospitais e todos esses se assemelharem as
24
prisões. “Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas,
com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?” (2010, p. 187). Por
isso, Foucault enxerga o poder panóptico nas mais diversas instituições da realidade social,
enquanto para Bentham esse sistema era apenas uma pretensão.
Feita essa relação entre a vigilância, o poder panóptico e a sociedade disciplinar,
cabe então interligar esses institutos com a vigilância na sua forma eletrônica. David Lyon
(1994, p. 68), buscou fazer essa análise demonstrando a partir da vigilância eletrônica a
função panóptica dela e assim apontou a segurança e o controle da criminalidade na sociedade
moderna como as áreas mais contempladas pela doutrina de Bentham6. Para ele, a criação de
técnicas avançadas proporcionadas pelo conjunto de computadores deu origem a uma nova
concepção de vigilância.
A partir das formulações de Stanley Cohen (apud LYON, 1994, p. 68) no tocante as
transformações relativas ao controle do crime desde as últimas décadas do século XX, é
possível verificar que as premissas panópticas são reais nas técnicas de observação e controle
tecnológicas. A principal prova disso é a promoção da vigilância eletrônica executada por
meio de tornozeleiras ou pulseiras eletrônicas instaladas nos indivíduos com baixa
periculosidade, os quais poderão obter uma liberdade vigiada a partir de qualquer lugar, tais
como, casa ou trabalho. Ao analisar a vigilância eletrônica sob a ótica panóptica, constata-se
uma estreita relação, tendo em vista que os infratores estão sob alto controle, contudo não
sabem precisar se naquele dado instante o monitoramento está acontecendo7.
Estabelecendo ainda conexão entre a vigilância eletrônica e o desenho do panóptico,
percebe-se que segundo Faustino Gudín Rodríguez-Magariños (2007, p. 98), o prisioneiro
está sempre visível ao olhar do monitorador, entretanto, sob o modo eletrônico essa vigilância
ultrapassa os muros do estabelecimento prisional, denominando esse novo espaço de
vigilância de ciberespaço. De acordo com a figura do panóptico, a única realidade concedida
ao infrator para receber disciplinamento é aquele espaço físico arrodeado de barreiras, porém
com o surgimento dos dispositivos eletrônicos esse lugar deixa de ser físico e ganha uma
característica virtual. Com efeito, as pessoas monitoradas são colocadas no meio social com
um dispositivo eletrônico instalado em seu corpo, o qual seria a sua prisão. Só que nesse caso
6 Dentro das sociedades contemporâneas, David Lyon identifica outras áreas para se encontrar a função panóptica a partir do
monitoramento direto realizado através de câmaras e computadores, tais como o local de trabalho no mercado capitalista em que se vigiam os subordinados e a utilização de informação transacional capaz de direcionar a conduta do consumidor. Para o
autor, essa expansão do poder panóptico de vigilância é decorrente do uso da tecnologia da informação. 7 Outros estudos mencionados por Lyon também relacionam práticas de vigilância ao Panóptico, como é o caso nos Estados
Unidos do Centro Nacional de Informação de Crimes e da base de dados de instituições como o Departamento de Defesa, a
Agência Central de Inteligência, a Agência Nacional de Segurança, o Departamento Federal de Investigação e a Receita Federal.
25
as grades são invisíveis para o monitorando, mas sempre observada pelos agentes
fiscalizadores.
Desse modo, esse sentimento de vigilância constante na arquitetura panóptica
também está presente na monitoração eletrônica ao utilizar mecanismos que permitem
controlar o indivíduo a todo instante e de várias as formas, pois esse controle não decorre
apenas de um dispositivo eletrônico em si com capacidade para rastrear a localização, mas
também da coação psicológica que o monitoramento eletrônico gera no usuário a ponto de
torná-lo vigiado pelo sistema criminal, pela sociedade e acima de tudo por ele mesmo. Por
isso, esse sistema não significa exatamente menos vigilância e mais liberdade para o vigiado.
Desse modo, restam evidentes as contribuições dessas premissas filosóficas na
construção das técnicas contemporâneas de controle e vigilância no âmbito do sistema penal.
No entanto, em que pese à presença dessa conexão entre o passado e o presente, afirmar que
esse modelo está apto a resolver os problemas relacionados à criminalidade e à segurança
pública remete a outro debate capaz de pôr em xeque não apenas o esquema atual de
monitoramento de infratores como também os fundamentos utilizados por Foucault para se
alcançar a ordem social com a sociedade disciplinar.
Apoiar o monitoramento eletrônico sob o argumento de que essa sistemática garante
a manutenção da ordem por condicionar comportamentos adequados pode acarretar uma série
de restrições e violações de garantias fundamentais e estabelecer uma relação de poder
sustentada e dominada tanto pelas pessoas vigiadas quanto pelo sistema criminal (Estado),
ocultando o papel de cada um ao tornar todos ao mesmo tempo vigilantes e vigiados.
Luciano Oliveira (2011, p. 324) ao escrever uma crítica sobre a obra de Foucault
retrata bem essa realidade quando cita a situação desmantelada do Complexo Penitenciário de
Bangu, no Estado do Rio de Janeiro, onde os atos praticados pelos encarcerados causaram
retração dos agentes penitenciários, os quais eram intimidados ao escutarem que eles ainda
cairiam na Avenida Brasil8. Ao invés da prisão instituída nos moldes de Foucault
proporcionar a obtenção de “corpos politicamente dóceis e economicamente produtivos”, o
caos tomou conta do lugar, pois a figura dos vigilantes e vigiados se tornou confusa a ponto
de se questionar quem realmente estava controlando e sendo controlado.
Ainda hoje a vigilância eletrônica apresenta receios e discussões acerca dos possíveis
efeitos colaterais que podem surgir com a sua utilização, especialmente quanto à violação de
direitos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana, intimidade, privacidade e
8 No mês de julho do ano de 2003, o coordenador de segurança do Complexo sofreu um atentado e foi morto a tiros em plena Avenida Brasil.
26
liberdade. Dessa forma, não se pode negar a existência de críticas e oposições a sua aplicação,
os quais, segundo Alceu Correa Junior decorre normalmente de fatores de natureza panóptica,
conforme ele explica:
Bentham utilizou uma lógica cartesiana ao considerar que o ser humano poderia ser
medido e controlado como uma máquina e, assim, propôs impessoalidade,
classificação abstrata e poder automático no Panóptico. De fato, tais características
podem ser encontradas com maior ênfase na vigilância eletrônica, mormente em
razão do uso da tecnologia da informação. Assim, os críticos dessa “nova” forma de
vigilância apontam a dispensa do conhecimento individual, o caráter instrumental, a
invasão de certas áreas da vida privada e que isso gera deterioração das liberdades
pessoais e democráticas. (2012, p. 43)
Não há como duvidar da presença das premissas utilitaristas e panópticas na
vigilância eletrônica de pessoas no plano criminal. Elas são claras, conforme explanado, e não
podem ser ignoradas. O Panóptico de Bentham não pode ser visto como um projeto que ficou
no passado sem qualquer efeito na atual conjectura social. Por outro lado, isso não pode ser
sinônimo de eficiência e eficácia do sistema de controle social no âmbito penal,
principalmente porque segundo Luciano Oliveira (2011, p. 324) a proposta de Foucault de se
instituir a prisão em substituição aos suplícios como método punitivo e ressocializador de
delinquentes se mostra fracassada, já que não conseguiu se formar de maneira satisfatória em
lugar nenhum do mundo.
Assim, é importante seguir o conselho dado pelo referido autor ao fazer sua crítica à
obra de Michel Foucault:
(...) para cada objeto sociológico, em determinado momento, há obras que são
incontornáveis. E seria impensável escrever sobre prisão depois de 1975 sem a
passagem obrigatória por uma obra paradigmática como Vigiar e punir. A questão
não é dela se servir, mas servir-se sem ser servil (OLIVEIRA, 2011, p. 322).
Apesar de existir na modernidade métodos punitivos e de controle do delito pautados
em técnicas panópticas, como a prisão e o monitoramento eletrônico, até que ponto eles são
suficientes para formar a “sociedade disciplinar” sustentada por Foucault?
Luciano Oliveira (2011, p. 313) parte da hipótese de que o Brasil não é uma
sociedade disciplinar porque a vigilância, o controle e o adestramento não serviram para frear
os altos níveis de violência. Ele fundamenta os seus argumentos citando algumas frustradas
tentativas brasileiras de se implantar prisões pautadas na sistemática apresentada por Foucault
que ao final só trouxeram o caos para dentro dos estabelecimentos prisionais, tais como
promiscuidade, superlotação e sujeira. Importante destacar que o objetivo de Oliveira não é
desmerecer a qualidade da obra de Foucault, mas sugerir uma leitura mais adequada,
especialmente com a realidade brasileira.
27
Outrossim, defender o monitoramento eletrônico de pessoas como uma técnica para
se domesticar e manter um grau aceitável da criminalidade é extremamente perigoso porque
ele pode se mostrar uma reforma alheia à racionalidade que se quer dotar a lei penal, levando
ao retorno dos tempos anteriores a prisão onde se punia através do corpo, se é que sempre não
foi assim.
1.3 Os fundamentos do monitoramento eletrônico no Brasil
Nas últimas décadas a sensação de medo e insegurança por parte da coletividade
aumentou sensivelmente a ponto de acarretar uma obsessão para se vigiar e controlar mais.
Esses sentimentos arraigados na sociedade conduzem a promoção do discurso de
enrijecimento da pena, recrudescimento do poder punitivo e encarceramento em massa,
amplamente divulgado pela mídia e defendido por alguns políticos.
Com o aumento do número de presos e a imposição de sentenças penais cada vez
mais longas, o Estado passou a enfrentar problemas com o excesso de pessoas encarceradas.
O Brasil, por exemplo, ocupa o quarto lugar no pódio dos países com maior população
prisional segundo o relatório do Infopen de 20149 (BRASIL, 2015a).
A legislação penal foi adaptada ao longo do tempo, onde diferentes métodos de
punição foram utilizados, desde a violência física até a aplicação de princípios humanitários
que visam a ressocialização e consequente recuperação de infratores. A prisão, mecanismo
disciplinar fundamentada em seu papel de aparelho transformador de indivíduo, através da
restrição de liberdade daquele, também foi, necessariamente, alvo de constantes estudos, os
quais visam a sua adaptação as novas necessidades sociais.
A superpopulação carcerária, os custos do encarceramento, a corrupção do aparelho
estatal, além de estruturas deficitárias e número insuficiente de profissionais envolvidos com
o sistema, são problemas que tornam imperiosa a necessidade de implantação de novas
formas de cumprimento de penas. É comum escutar que, ao invés de reinserir de forma
adequada o infrator na sociedade, os estabelecimentos prisionais são verdadeiras
“universidades para o crime”.
A problemática enfrentada pelo sistema prisional brasileiro, o qual é rotineiramente
caracterizado tanto pela violação de direitos, como pelo fracasso na recuperação e na
9 Ainda segundo International Centre for Prison Studies (ICPS), o Brasil permanece atrás apenas dos Estados Unidos (2,266 milhões de presos), China (1,640 milhões de presos) e Rússia (717 mil presos).
28
reintegração dos infratores, torna necessária a reformulação de políticas públicas aliadas aos
movimentos de controles sociais atuais.
A cobrança decorrente da “cultura do medo” existente na sociedade faz com que haja
a procura por mecanismos eficientes para implantar no sistema penal visando punir
rigidamente o infrator e conferir segurança. Meios de comunicação em massa, incentivados
por interesses de mercado, promovem uma falsa realidade social para se atingir êxito
comercial ou até mesmo aumento dos índices de audiência, fazendo com que o “medo do
crime passe a ser maior do que a possibilidade real de ser vítima de um delito” (SOUZA,
2013, p. 12).
A busca por soluções que atendam às novas necessidades impostas pela evolução
social faz com que diversas possibilidades de inovações sejam consideradas. A tecnologia é
cada vez mais utilizada como alternativa para a minimização de problemas sociais.
Surge então, caminhando ao lado da evolução tecnológica, o monitoramento
eletrônico, que consiste no uso de um dispositivo eletrônico por parte do indivíduo, o qual, a
partir de uma central, é monitorado via satélite, controlando a sua exata localização, e
evitando que o mesmo se distancie ou se aproxime de locais predeterminados.
Nesse sentido, o monitoramento eletrônico passa a ser visto como uma opção para
solucionar a questão da superlotação, deixando os estabelecimentos prisionais de serem os
únicos espaços de controle e vigilância de pessoas que infringiram a lei. Nos dizeres de
Tourinho Neto (2009) “num mundo altamente tecnológico, no qual a velocidade da
informação avança na luz do tempo real, não se pode mais pensar em prisão em termos de
masmorras e grades. As grades deverão ser virtuais”.
Portanto, a partir de 1983 nos Estados Unidos, deu-se início a expansão e a
consolidação dessa tecnologia eletrônica no âmbito da execução penal, especialmente nas
etapas de progressão do cumprimento de pena, por diversos países como África do Sul,
Alemanha, Andorra, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, China, Colômbia,
Dinamarca, Escócia, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino
Unido, Suécia, Suíça, Tailândia, etc (PIMENTA, 2015).
Posteriormente, esse controle eletrônico também passou a ser empregado não apenas
nos presos em fase de cumprimento de pena, como também nos indivíduos encarcerados
provisoriamente, pois pesquisas davam conta de que o número de presos provisórios era bem
maior quando comparado com aqueles já sentenciados (INFOPEN).
No entanto, apesar de o monitoramento eletrônico ter sido instituído para atuar no
problema do hiperencarceramento, pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
29
Aplicada (IPEA) acerca do excesso de prisão provisória no Brasil (BRASIL, 2015b),
demonstra que o monitoramento eletrônico pouco tem contribuído no desencarceramento e na
concretização dos direitos constitucionais de liberdade, presunção de inocência, devido
processo legal e ampla defesa.
Verificando o percentual da monitoração de acordo com os regimes de cumprimento
de pena ou medidas aplicadas, constatou-se que 82,86% das pessoas vigiadas eletronicamente
se encontram na fase da execução penal, seja em prisão domiciliar (25,91%), regime
semiaberto em trabalho externo (19,89%), regime semiaberto em prisão domiciliar (1,77%),
saída temporária (16,57%), regime fechado em prisão domiciliar (1,77%) ou livramento
condicional (0,17%). As medidas cautelares diversas da prisão e as medidas protetivas de
urgência para os casos de violência doméstica somam juntas 12,63%, indicativo que
demonstra a monitoração eletrônica servindo como instrumento de ampliação do controle
penal e recrudescimento do poder punitivo, já que vem sendo utilizado de maneira tão amena
nesse aspecto.
Desse modo, é possível ter se vendido a ideia de uma tecnologia com fins de
desencarceramento de presos provisórios, mas que na verdade só tem contribuído para
ampliar o controle penal.
A pequena aplicabilidade da monitoração eletrônica nas medidas cautelares diversas
da prisão evidencia que o objetivo declarado do desencarceramento até hoje não foi
alcançado, pois apresenta pouco efeito na redução do número de presos provisórios no país.
De acordo com os dados do mencionado diagnóstico, do total de 607.731 pessoas
encarceradas, 250.213 se tratam de presos provisórios. Em termos percentuais, 41% das
pessoas com sua liberdade restringida estão presas sem uma condenação (BRASIL, 2015a).
Números e tabelas contidas no relatório indicam que São Paulo é o Estado com o
maior número de pessoas monitoradas com os serviços voltados para a fase de cumprimento
de pena. Já o Espírito Santo, em termos proporcionais, é o estado que apresenta maior nível de
pessoas monitoradas que estão respondendo a processo criminal, correspondendo a um
percentual de 95,8% dentre aqueles que cumprem medidas cautelares diversas da prisão e
medidas protetivas de urgência.
13 Unidades da Federação, dentre elas: Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo,
Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e
Rondônia; informaram não concentrar os serviços de monitoração eletrônica apenas na
execução penal.
30
Para Carolina Ferreira (2011, p. 02), o debate que levou a aprovação do
monitoramento eletrônico no Brasil coaduna com a teoria do Direito Penal Simbólico, o qual
pressupõe que o enrijecimento das leis penais é capaz de alcançar os objetivos da prevenção
geral negativa. Nos dizeres da mencionada autora:
Quando se compara o argumento empregado – de que o uso da “pulseira” ou
“tornozeleira” reduzirá a criminalidade – quando, na realidade, seu uso se direciona
a, no máximo, 5% da população carcerária (considerando as estatísticas referentes ao
regime aberto e de prisões domiciliares), sem compromisso com a redução do
encarceramento, é difícil perceber a real necessidade do monitoramento eletrônico
de presos, a não ser para reforçar mecanismos de seletividade próprios do sistema
penal (FERREIRA, 2011, p. 02).
Percebe-se assim que a vigilância de pessoas em situação de cumprimento de
medidas judiciais se situa dentro de um debate maior acerca da descarcerização e da
construção de políticas públicas de racionalização do poder punitivo.
Outro fundamento utilizado para se implantar a monitoração eletrônica como um
artefato de “promoção da liberdade” estaria ligado à redução dos custos do Estado, pois o
acusado encarcerado representa em termos financeiros para a entidade pública uma despesa
superior quando comparado com o gasto do serviço de monitoramento eletrônico. Na pesquisa
realizada por Izabella Pimenta (2015) com a finalidade de contribuir com a formulação de um
modelo de gestão de monitoração eletrônica de pessoas no Brasil, esses valores variam entre
as unidades federativas de R$ 167,00 a R$ 660,00 por mês. A média do custo é de R$ 301,25
e a mediana é de R$ 240,95. Entretanto, explicando essa suposta diminuição de despesas, a
referida pesquisadora esclarece que:
Algumas defesas acerca da ampliação dos serviços de monitoração costumam se
pautar na ideia da redução de custos. Mesmo que a monitoração eletrônica possa
sugerir uma “economia” de recursos se comparada aos custos do sistema prisional,
como ela prevalece na execução, isso pode implicar uma duplicação nos gastos
(PIMENTA, 2015, p. 41).
Ora, se as pesquisas demonstram que a monitoração eletrônica está sendo muito mais
aplicada durante a etapa de execução de pena, então essa medida na verdade gera um aumento
de gastos com esses sentenciados, já que antes da implantação dela, os sujeitos ficavam presos
em suas residências e obtinham a saída temporária em regime semiaberto sem a instalação do
equipamento eletrônico. Portanto, somado aos dispêndios já existentes do sistema prisional, o
Estado passou a suportar também os gastos com o monitoramento eletrônico10.
10 Outro aspecto legal que enrijeceu a concessão do benefício da saída temporária em regime semiaberto foi a inserção dos §§
1º e 3º no artigo 124 da Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84), ocorrido com a criação da Lei 12.258/2010, a qual passou a exigir o cumprimento de algumas obrigações, fato que evidencia um aumento do rigor penal no deferimento da medida
31
Para exemplificar como o uso dessa técnica de vigilância aplicada na fase de
cumprimento de pena pode representar uma elevação dos custos por parte do Estado com o
indivíduo sentenciado, basta imaginar esse homem que está em regime semiaberto sendo
contemplado com o benefício de passar o dia das mães em sua casa. Antes do advento da lei
que autoriza o monitoramento eletrônico, ele iria obter a saída temporária sem fazer uso de
qualquer equipamento de controle. Ou seja, o sujeito saía para o espaço público e voltava para
o estabelecimento prisional sem qualquer gasto para o Estado. No entanto, a partir da
implementação da medida eletrônica, a saída temporária ficou condicionada a instalação de
um dispositivo eletrônico de modo que além dos dispêndios já existentes com o sentenciado,
somou-se também a despesa relativa à atividade de vigilância eletrônica.
Esse argumento da redução de custos poderia até ser utilizado, a princípio, para os
casos de aplicação do monitoramento eletrônico como medida cautelar substitutiva da prisão
processual, tendo em vista que nessas situações ao invés da prisão ocorreria a monitoração.
Mesmo apresentando uma diminuição de despesa, é preciso ter cautelar com a aplicação desse
recurso, pois não é em qualquer caso que a prisão preventiva poderá ser substituída pela
monitoração eletrônica. Além do mais, esse sistema de vigilância eletrônica poderá ter a
participação de pessoas, as quais não teriam a prisão cautelar decretada. Por isso, a
necessidade do cuidado para se aplicar o monitoramento eletrônico nessas circunstâncias de
modo a não gerar consequências sociais nefastas para o indivíduo relacionadas à
estigmatização, preconceito, discriminação e exclusão social.
Inobstante o fundamento da implantação do monitoramento eletrônico se justificar na
redução de custos, as pesquisas acima mencionadas demonstraram que o Brasil,
especificamente vem percorrendo o caminho contrário, uma vez que a medida acarretou o
aumento de despesas para o sistema de execução penal.
Portanto, alguns dos discursos favoráveis à implementação do monitoramento
eletrônico no Brasil foram o desafogamento do sistema carcerário, custos com o monitorando
menor que com um preso e ausência de qualquer processo de estigmatização em razão do
dispositivo eletrônico não ser ostensivo. Além disso, seria um instrumento capaz de efetivar
os direitos humanos, individualizar a pena, contribuir na reinserção social.
Entretanto, segundo as pesquisas apontadas acima, o modo como essa política vem
sendo empregada tornaram esses argumentos e as hipóteses legais dessa medida uma
ferramenta de controle alternativa à liberdade e não um instrumento alternativo à prisão
conforme se prega, pois vem sendo utilizado como um aparato jurídico a serviço da expansão
32
do controle penal que priva o indivíduo da sua liberdade e torna mais rigoroso a fase da
execução da pena.
Insta registrar que os objetivos da fase de cumprimento de pena devem ser
alcançados com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Assim,
durante a execução da pena é fundamental que as ações estejam voltadas a promoção da
ressocialização e garantia da integridade física, moral e social da pessoa submetida ao
monitoramento eletrônico.
Entretanto, seja pela ingerência estatal na vida privada desses cidadãos ou pelo efeito
estigmatizante ocasionado pelo uso de tornozeleiras no meio social, fato é que essa técnica de
controle da criminalidade vem violando o direito à intimidade por ser um mecanismo de
exposição pública das pessoas que respondem a processo criminal ou foram condenadas.
Nesse sentido, ao invés de manter a inclusão social daqueles indivíduos que respondem
processo em liberdade ou promover a ressocialização daqueles já sentenciados, na verdade a
medida contribui para aumentar o processo de estigmatização.
1.4 Previsões legais do monitoramento eletrônico no Brasil
Conforme explanado no tópico anterior, a possibilidade de redução da população
carcerária, aliada a aplicação de novas tecnologias, passou a ser vista como uma alternativa
para a gestão prisional, tornando a monitoração eletrônica peça fundamental na engrenagem
do sistema penitenciário.
Para estabelecer essa sistemática, no ano de 2001 começou a surgir no Brasil os
primeiros projetos de lei relacionados ao monitoramento eletrônico. Contudo, apenas em 2010
foi que a temática passou a ter previsão legal por meio da Lei n° 12.258, a qual alterou a Lei
de Execução Penal, passando a permitir a possibilidade de aplicação da medida em dois casos
específicos, quais sejam: saída temporária ao preso que estiver cumprindo pena em regime
semiaberto (art. 146-B, inciso III); e quando a pena estiver sendo cumprida em prisão
domiciliar (art. 146-B, IV).
O projeto da referida lei contemplava ainda outras possibilidades para se deferir o
monitoramento eletrônico, quais sejam: aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos
regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes; aplicar pena
restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados
lugares; conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena.
33
Contudo, esses pontos foram vetados pela Presidência da República, levando a crer
que a finalidade da medida se pautava em intensificar o controle comportamental daquelas
pessoas que já se encontravam em liberdade, apenas aumentando os custos da etapa de
cumprimento de pena.
Desse modo, a referida lei acrescentou no Capítulo I, do Título V da Lei de
Execuções Penais, a Seção IV, denominada “Da Monitoração Eletrônica”. Além das hipóteses
de aplicação previstas no Art. 146-B, incisos III e IV, incluiu-se também o Art. 146-C, o qual
prevê as obrigações do usuário do equipamento eletrônico, dentre elas destacam-se: receber
visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e
cumprir suas orientações; abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de
qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça; e
informar, de imediato, as falhas no equipamento ao órgão ou entidade responsável pela
monitoração eletrônica.
O parágrafo único do Art. 146-C contém as sanções processuais que podem ser
sofridas pelo monitorando caso ele descumpra as obrigações. A penalidade atribuída pelo juiz
pode ser desde uma simples advertência até a regressão do regime. Já o art. 146-D da Lei de
Execuções Penais traz as duas hipóteses de revogação da vigilância eletrônica: quando se
tornar desnecessária ou inadequada; se o acusado ou condenado violar os deveres a que fica
sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.
Questão curiosa é que a Lei n° 12.258/2010 não trouxe nada a respeito da
necessidade do consentimento do indivíduo em fase de cumprimento de pena em se sujeitar a
vigilância eletrônica. Sobre esse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça através do Plano de
Gestão para o funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal, destacou que
O mais importante, de toda sorte, é que o monitoramento eletrônico seja medida
condicionada à aceitação do acusado ou condenado, de modo que caberá ao próprio
interessado direto na questão, por sua livre e espontânea vontade, fazer a escolha
entre continuar o cumprimento da pena em estabelecimento carcerário ou em regime
domiciliar, condicionado, porém, a monitoramento eletrônico. É uma alternativa que
dependerá, sempre, da vontade do acusado ou condenado (BRASIL, 2009, p. 9).
Até então, a possibilidade de aplicação dessa alternativa eletrônica estava adstrita à
fase de execução penal. Contudo, no ano de 2011, a Lei n° 12.403 alterou o Código de
Processo Penal, admitindo a monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da prisão
(Art. 319, inciso IX) a ser imposta ao indivíduo que praticou crime como forma de evitar a
decretação da prisão preventiva quando a medida se apresentar suficiente e adequada ao caso
concreto.
34
Com o advento da mencionada lei, houve a ampliação das possibilidades de
aplicação da medida aos indivíduos não sentenciados, seja na fase do inquérito policial e/ou
durante a ação penal. Mais um vez, percebe-se uma tendência em recrudescer o controle sob
aqueles que deviam estar em liberdade. Quer dizer, como sugeriu Fernanda Rosenblatt11, “a
boa intenção parece ter sempre sido não prender ao invés de soltar”.
Essa lei não contemplou nada referente ao uso ou ao objetivo da monitoração
eletrônica para os presos provisórios, deixando a critério do juiz determinar as circunstâncias
de aplicação desde que em consonância com a possibilidade dela substituir a prisão cautelar.
Nesse interim, o monitoramento eletrônico passou a ser utilizado para as seguintes
finalidades: como detenção, o indivíduo é mantido em um lugar predeterminado, em sua casa
por exemplo; como forma de restrição de liberdade, o indivíduo é impedido de frequentar
áreas ou locais previamente estabelecidos, e aproximar-se de determinadas pessoas, muito
utilizado nos casos de violência doméstica; e por último, como meio de vigilância, o
indivíduo é constantemente monitorado, porém sem restringir a sua movimentação (BLACK,
SMITH; 2003, p. 01-02).
Também no ano de 2011, a Presidência da República publicou o Decreto n° 7.627, o
qual regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no Decreto-Lei n° 3.689, de 3
de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e na Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 –
Lei de Execução Penal.
Em que pese à boa intenção desse decreto no sentido de fazer com que todos os
atores envolvidos com essa política desenvolvam suas ações em respeito à integridade física,
moral e social da pessoa sob monitoramento, esse instrumento legal é incompleto porque
preveem apenas aspectos gerais sem adentrar especificamente na gestão do funcionamento do
programa. Assim, por si só essa regulamentação é insuficiente para inibir violações desses
direitos.
1.5 Aspectos relacionados à tecnologia de monitoração eletrônica no Brasil
O artigo 2º do Decreto n° 7.627, de 24 de novembro de 2011, contém a seguinte
definição: “Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância
de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado,
executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização”.
11 Em uma reunião de orientação.
35
Para Carolina Costa Ferreira (2011), trata-se da “possibilidade de utilização de
equipamento de vigilância indireta”, como a própria lei aponta. Na realidade, seria a
implantação de equipamentos eletrônicos, tais como tornozeleiras ou pulseiras colocadas no
corpo daquele que cometeu crime, para que os órgãos de execução penal possam fiscalizar os
seus movimentos.
Existe no mercado algumas opções técnicas de vigilância eletrônica, quais sejam:
uma pulseira, uma tornozeleira, um cinto e um microchip que é instalado no corpo humano,
mas este último ainda está em fases de testes nos Estados Unidos e na Inglaterra (OLIVEIRA,
2007, p. 24). No Brasil, a tornozeleira é a ferramenta que vem sendo utilizada para essa
finalidade e permanece instalada na perna do infrator durante o período determinado na
decisão judicial, não podendo ele próprio retirar em hipótese alguma sob pena de cometer
uma violação das regras impostas e ter decretada a sua prisão.
Constantemente a tornozeleira emite sinais luminosos que indicam se a bateria do
equipamento está descarregando, se está sem sinal, se o monitorado está em uma área de
exclusão, etc. Além de a bateria ser recarregável na energia elétrica, o dispositivo também é
composto por fibras óticas capazes de identificar qualquer tentativa de retirar o equipamento
ou dano provocado para alegar mau funcionamento. Nesses casos, sinais contendo essa
informação são transmitidos à Central de Monitoração para a adoção de providências cabíveis
para essa hipótese.
Entretanto, um artefato com qualidades funcionais seguras por si só não é suficiente
para ser fixado nas pessoas. É importante que se criem equipamentos avançados capazes de
evitar danos físicos e morais para cumpridor da monitoração. Para tanto, é necessário que o
governo do Estado disponibilize para a Central, tornozeleiras com peso leve e que causem o
menor desconforto possível.
Visando eliminar violações de direitos fundamentais do sujeito monitorado, é
pertinente levar em conta um formato discreto para o dispositivo com vistas a causar o menor
impacto possível seja para a pessoa em monitoramento, seja para as pessoas no seio social,
amenizando a discriminação ainda hoje muito presente nesses casos.
Para não causar lesões corporais, o material de confecção deverá ser anti alérgico por
se tratar de um dispositivo usado sem interrupções até o fim da medida. Logo, não se pode
admitir que a tornozeleira gere qualquer prejuízo a saúde daquele contra quem a medida foi
imposta.
Depois de instalada, apenas os operadores da Central podem retirar a tornozeleira
mediante determinação da autoridade judicial. Assim, o sujeito sob monitoração não pode
36
tirar o equipamento sequer para fazer sua higiene pessoal. Além disso, já foi visto que o
dispositivo não pode obstruir a rotina do indivíduo, como o lazer de tomar um banho de mar,
por exemplo. Por isso, a tornozeleira precisa ser resistente à água, ao ponto de ficar submersa
e continuar funcionando. O dispositivo eletrônico precisa ainda ter capacidade para suportar
impactos mecânicos e as variações climáticas de frio e calor.
Como dito, a tornozeleira funciona mediante uma bateria, a qual necessita ser
recarregada diariamente. Essa recarga dura em média duas a três horas, fazendo com que a
pessoa permaneça parada para que um cabo seja conectado a energia. Como meio de amenizar
esse inconveniente é recomendada a aquisição de equipamentos com baterias capazes de
diminuir a quantidade de recargas ou que admitam o carregamento sem restringir a
movimentação da pessoa monitorada através de dispositivos portáteis para renovar a bateria.
Para operacionalizar esse monitoramento, a tecnologia Global Positioning System -
GPS vem sendo utilizada por todos os estados da federação que implementaram o sistema.
Contudo, o surgimento da tecnologia de monitoração eletrônica ocorreu por meio da rádio
frequência, a qual não possui capacidade para monitorar toda a movimentação naquele exato
momento. Para esse tipo de tecnologia, a vigilância se restringe a constatar se a pessoa
monitorada está em um lugar permitido em um determinado tempo e por isso se adequava
melhor a situações voltadas para a detenção. (Black & Smith, 2003; John Howard Society,
2000 apud CSC, 2007). Por essa razão, buscou-se aprimorar o sistema visando à utilização de
uma ferramenta mais avançada com capacidade de indicar em tempo real toda a
movimentação do indivíduo, intensificando a vigilância na sociedade. O produto desse
aperfeiçoamento é o posicionamento global por satélite, mais conhecido como GPS.
Desse modo, esse artifício hoje permite fiscalizar o deslocamento do monitorado
durante 24 horas por dia em tempo real. Somado a isso, é possível estabelecer áreas de
inclusão e exclusão, de modo a determinar os locais que o indivíduo poderá frequentar nos
exatos termos da decisão judicial. As áreas de inclusão são aquelas onde o monitorado deve se
manter nos horários determinados na decisão judicial, enquanto que as áreas de exclusão são
aquelas proibidas para a circulação ou permanência do monitorado. Qualquer
descumprimento nesse sentido gera uma violação por parte do sujeito. Assim, essas áreas
podem ser programadas em total consonância com a determinação judicial mediante a
indicação dos lugares onde a pessoa pode ou não frequentar e permanecer. O mérito para se
concretizar isso é da tecnologia GPS, bastando que o sistema ativo esteja em funcionamento.
Apenas para fins de esclarecimento, o Sistema de Posicionamento Global (GPS)
possui formatos ativo e passivo. Eles funcionam de modo parecido, no entanto, enquanto o
37
sistema ativo monitora o sujeito por 24 horas no exato momento das suas ações, o passivo tem
o seu funcionamento reduzido, pois as informações são armazenadas durante um dia e
somente transmitidas quando o monitorado insere o equipamento em uma base situada em sua
casa, repassando as informações à central de controle. Só então o monitorador terá acesso aos
locais frequentados pelo usuário durante aquele dia, podendo identificar as violações de áreas
e em sendo o caso, adotar as providencias cabíveis para manter em ordem o funcionamento do
programa (OPPAGA; 2005, p. 02).
De acordo com a Correctional Service of Canada (apud PIMENTA, 2016, p. 20), seja
qual for o sistema utilizado (ativo ou passivo), a operacionalização do sistema GPS ocorre
mediante o recebimento de sinais transmitidos por diversos satélites, os quais irão triangular
uma posição e apresentar esse local para a central de monitoramento.
Depois que a medida é deferida na esfera judicial, o infrator é conduzido do
estabelecimento prisional até o centro de monitoramento para que o dispositivo seja instalado
em seu tornozelo. Também é possível que o sujeito seja conduzido da própria audiência de
custódia ou ainda seja intimado a comparecer a central para esse fim.
Após a fixação do equipamento, o monitorado é instruído das regras que precisa
seguir para não violar o sistema e consequentemente não sofrer punições por essas razões. Ele
também é cientificado que o aparelho emite sinais que são enviados constantemente ao centro
de monitoração capaz de precisar a sua geolocalização12. Assim, a pessoa sob vigilância tem
consciência de que a central sabe se ele está se movimentando nas áreas permitidas (áreas de
inclusão) e ao mesmo tempo se está se mantendo distante dos locais proibidos (áreas de
exclusão).
Os indivíduos submetidos à vigilância deverão obedecer a normas e procedimentos,
tais como: respeitar os limites e horários definidos pelo juiz, controlar a carga da bateria, ter
cuidado com a tornozeleira para não causar danos; pois qualquer violação nesse sentido pode
gerar descumprimento e motivar uma resposta da central de monitoramento como por
exemplo, uma notificação, advertência, comunicação ao juiz, lançamento de fuga e
acionamento da polícia, os quais serão adotados segundo os critérios de cada central.
12 De acordo com Izabella Lacerda Pimenta (2016, p. 21) “Geolocalização ou localização georreferenciada é um recurso
capaz de revelar a localização geográfica por meio de endereço IP, conexão de rede sem fio, torre de celular com a qual o
telefone está conectado, hardware GPS dedicado que calcula latitude e longitude da informação enviada por satélites
no céu. No caso da monitoração eletrônica, essa informação é compartilhada com as empresas que prestam serviços às Centrais ou as próprias Centrais de Monitoração Eletrônica”.
38
Destarte, o monitoramento eletrônico consiste em medida amparada pela tecnologia
para prevenir e intimidar a prática delituosa, ficando o agente em observação constante quanto
a sua localização, bem como seu deslocamento.
Nos ensinamentos de Izabella Lacerda Pimenta (2015, p. 24), a monitoração
eletrônica pode ser entendida da seguinte forma:
Em linhas gerais, a monitoração eletrônica que vem sendo desenvolvida no Brasil
combina soluções em hardware e software, consistindo na implantação de um
dispositivo eletrônico no corpo do indivíduo (indiciado ou condenado) que passa a
ter restrições em sua liberdade, sendo observado – monitorado – por uma central de
monitoração criada e gerida pelo governo do Estado.
Argumentando acerca da necessidade de se elaborar um modelo de gestão capaz de
servir como um direcionamento para os atores (juízes, promotores, defensores, operadores da
central de monitoração, etc) envolvidos nessa questão, a mesma autora conceitua monitoração
eletrônica como sendo:
(...) os mecanismos de restrição da liberdade e de intervenção em conflitos e
violências, diversos do encarceramento, no âmbito da política penal, executados por
meios técnicos que permitem indicar de forma exata e ininterrupta a geolocalização
das pessoas monitoradas para controle e vigilância indireta, orientados para o
desencarceramento (PIMENTA, 2017, p. 6).
A ideia ainda hoje propagada pelos meios de comunicação sobre o monitoramento
eletrônico é a de que essa medida foi criada com o fito de promover o desencarceramento e
assegurar direitos fundamentais daquele que praticou crime, evitando que o indiciado ou
condenado fosse retirado subitamente do seu meio social e fazendo com que o mesmo
mantivesse os vínculos sociais. Caso estivesse preso, a medida serviria também para restaurar
as relações do indivíduo com a sociedade.
Os funcionários das centrais de monitoração desenvolvem seu trabalho de fiscalização
através de grandes telas de televisão, as quais transmitem sistematicamente o conteúdo
registrado em um banco de dados que armazena informações exatas e instantâneas acerca do
comportamento e dos locais frequentados pelos monitorados. Devido à transmissão constante
de dados é evidente que a monitoração eletrônica pode se apresentar como uma ferramenta
poderosa de estigmatização e seletividade, principalmente se for usada de maneira desmedida,
pois se corre o risco de gerar perseguições e prisões injustas. Exemplo disso seria atribuir ao
sujeito monitorado a responsabilidade por uma prática criminosa ou torna-lo o principal
suspeito ao verificar que ele se encontrava nas proximidades do local da ocorrência. Além
disso, os críticos desse aparato tecnológico argumentam que esse sistema guarda dados
39
extremamente pessoais e o acesso a essas informações torna mais propícia a violação de
diversos direitos.
Relativamente à atividade de execução da monitoração eletrônica pelas Centrais de
Monitoramento, ainda não existe um protocolo de âmbito nacional contendo diretrizes de
fluxos com as medidas que devem ser adotadas diante de cada caso concreto de modo a
orientar uniformemente os agentes penitenciários e os funcionários terceirizados que
trabalham na central, o que por vezes, pode ocasionar violações de direitos fundamentais.
Atualmente, observa-se 19 unidades da federação com os serviços de vigilância
implantados, das quais 17 delas estão em pleno funcionamento e as duas restantes se
encontram em fase de testes. A propagação dessa política é tão evidente que 7 unidades
federativas já possuem projeto para aderir os serviços. Apenas o Amapá não possui projeto
nessa perspectiva (PIMENTA, 2015).
De acordo com o diagnostico publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, as
Unidades da Federação não trabalham com o total da capacidade prevista para a monitoração.
De acordo com o resultado apresentado no final de 2015, a nível nacional é possível
monitorar simultaneamente 40.431 pessoas, porém em todo Brasil apenas 45% desse total está
sendo utilizado.
Denota-se ainda do referido diagnóstico que a política de monitoração eletrônica no
tocante ao gênero é predominantemente voltada para os homens, pois 88% das pessoas
monitoradas são do sexo masculino. Comparando esse percentual com a pesquisa
desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Brasil, 2015) nas varas
criminais, concluiu-se que quanto maior o rigor penal, maior a presença do público
masculino.
No que diz respeito à equipe de profissionais que executam o serviço de fiscalização
eletrônica, dados demonstram que há uma prevalência de agentes penitenciários, seguida de
funcionários da empresa contratada. Constata-se ainda a pouca presença de profissionais
ligados à área psicossocial, tais como psicólogos e assistentes sociais, indicando que o objeto
da política de monitoramento não é o monitorado, mas sim o Estado.
As preocupações e pontos críticos da política de monitoramento eletrônico já foram
citadas ao longo do presente estudo, mas podem ser neste momento reafirmadas de forma
sintética por ser importante esclarecer que o seu cerne se encontra nas seguintes questões:
O monitoramento eletrônico não mantém os laços sociais dos monitorados, nem
tão pouco o exercício de atividades profissionais e educacionais;
40
A monitoração eletrônica não observa o seu elemento fundamental de construção
que é o princípio da dignidade da pessoa humana;
A condução da política não é pautada nos princípios da necessidade, adequação,
individualização da pena e da medida;
Por outro lado não se pode desprezar por inteiro a tecnologia, pois é preciso extrair
dela aquilo que convém. Além do mais, se a política de monitoramento eletrônico tiver
diretrizes de fluxos uniformes, de esfera nacional, talvez seja possível evitar ou pelo menos
amenizar os efeitos indesejados advindos do mau uso do sistema. Dessa forma, é essencial a
formulação de um protocolo acerca da aplicabilidade do monitoramento eletrônico, o qual
deverá conter a forma de trabalho dos operadores da central de monitoração, os atos a serem
adotados para cada caso de violação, dentre outros aspectos. Se devidamente regulamentada e
observada, a monitoração eletrônica pode coexistir com a proteção de direitos fundamentais
mínimos.
1.6 Modelo de gestão de monitoração eletrônica no Brasil
Uma razão da política de monitoramento eletrônico ser concebida hoje como uma
ferramenta a mais para acentuar o controle penal e consequentemente intensificar os
processos discriminatórios e estigmatizantes advindos da instalação da tornozeleira em um
indivíduo é justamente a ausência de diretrizes de funcionamento a ser utilizado
nacionalmente pelas Centrais de Monitoração Eletrônica, bem como pelo Poder Judiciário e
todos os demais órgãos ou instituições envolvidos com a temática.
Apesar do seu potencial desencarcerador, a monitoração eletrônica carece de normas
e protocolos claros e específicos sobre estes serviços, o que a torna passível de entendimentos
diversos do ponto de vista da legislação e dos direitos das pessoas que estão sendo
monitoradas.
Dessa forma, apesar da regulamentação legal da temática oferecer uma visão geral
acerca de como deve transcorrer a medida de monitoramento eletrônico, o Brasil ainda não
dispõe de um documento jurídico capaz de direcionar essa política de maneira padronizada
por todos os atores envolvidos nacionalmente, desde a preparação para a instalação do
dispositivo eletrônico até o momento da retirada dele, bem como o procedimento a ser
adotado para as hipóteses mais corriqueiras de incidentes (violações provocadas pelo sujeito
em monitoramento).
41
A importância de se uniformizar esse tipo de serviço é para que se possa “extinguir
ou minimizar, tanto os processos discriminatórios e estigmatizantes suscitados pelo uso do
equipamento, quanto pelo inadequado acompanhamento da medida, o que as tornam mais
vulneráveis a novos processos de criminalização” (PIMENTA, 2015, p. 46).
O fato de cada Unidade Federativa ter atualmente a liberdade para adotar os seus
próprios fluxos de funcionamento - o que obviamente acarretará tratamentos diferentes para o
mesmo tipo de incidente - demonstra um risco real e iminente de se violar direitos do
monitorado, o qual muitas vezes pode ter sua situação processual prejudicada ao ser punido
por problemas no equipamento. Uma simples descarga da bateria, por exemplo, poderá gerar
um alerta de que o monitorado está em situação de fuga, chegando ao acionamento da polícia
e à prisão do monitorado, enquanto na verdade pode se tratar apenas de um contratempo
enfrentado pelo usuário. Assim, observa-se que o uso da monitoração eletrônica, em muitos
casos, não consegue gerar consciência do erro praticado, apenas causa danos físicos,
psicológicos e limita a integração social do monitorado.
Nesse sentido, no caso de descarregamento da bateria da tornozeleira, como também
para outras situações semelhantes, não existe um procedimento estabelecido contendo as
providências que o operador deve adotar para que o monitoramento volte a ocorrer
normalmente antes de se acionar a polícia para recolher o indivíduo em vigilância a um
estabelecimento prisional. O que há é uma intensificação punitiva em decorrência do
excessivo controle disciplinar.
A ausência de estrutura adequada, além da falta de experiência e qualificação dos
operadores das centrais de monitoramento eletrônico, também são fatores que implicam no
necessário aprimoramento da gestão da informação no âmbito da política de monitoração
eletrônica de pessoas. Em decorrência disso, muitos estudiosos têm se posicionado contra a
implantação do monitoramento eletrônico ou o seu uso em casos extremamente restritos. Para
essa corrente, existe apenas o aumento de custos “sem retirar do cárcere quem nele não devia
estar”, pois a medida apenas estaria contribuindo para a seletividade do Direito Penal
(FERREIRA, 2011).
A ausência de um protocolo a ser seguido para o início, acompanhamento e fim da
medida cautelar acarreta a adoção de providências distintas em cada unidade da federação.
Essa característica favorece a ocorrência de uma série de violações legais relacionadas com os
direitos fundamentais da pessoa submetida ao sistema. Izabella Lacerda Pimenta (2015, p. 6)
afirma que existem muitos problemas relacionados aos dados pessoais e localização do
monitorado, principalmente quando as informações são compartilhadas com instituições de
42
segurança pública. Essa partilha de elementos termina por gerar formas abusivas de
tratamento, quando por exemplo, o monitorado passa a ser o primeiro suspeito pelo fato de
fazer uso do equipamento eletrônico, prática recorrente cometida pelas polícias brasileiras.
19 (dezenove) unidades da federação possuem centrais de monitoramento
implantadas, sendo que em 02 (dois) Estados, os serviços estão em fase de teste. Mesmo sem
protocolos claros sobre esse tipo de serviço, a monitoração tem se espalhado rapidamente.
Essa política de expansão se dá através de convênios firmados entre o Departamento
Penitenciário Nacional e as Unidades da Federação (PIMENTA, 2015, p.10).
Como o discurso de recrudescimento das penas ainda está bastante relacionado à
dinâmica do sistema de monitoramento eletrônico, uma das formas de garantir a sua adequada
aplicação é justamente quebrando essa relação através de um modelo de gestão padronizado.
A efetividade dessa medida cautelar só ocorrerá com a instituição de órgãos providos com
metodologias e profissionais capacitados para acompanhar de forma apropriada o
cumprimento da medida. Claro que a qualificação dos operadores do monitoramento precisa
ser voltada para a prática de atos compatíveis com a redução da exclusão social.
Esse manual metodológico precisa ser desenvolvido em parceria com os diversos
atores envolvidos nessa política e em observância dos fundamentos presentes no Decreto-Lei
n° 7.627/2011, o qual, como já dito, orienta a execução das Leis n° 12.258/10 e 12.403/11.
Assim, as práticas adotadas para o funcionamento da medida cautelar devem ser formuladas
especialmente com base nas seguintes orientações legais:
Art. 3º. A pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de forma
clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de
vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração.
Art. 5º. O equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a
respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada.
Art. 6º. O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo
dos dados e das informações da pessoa monitorada.
Art. 7º. O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos
servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhece-los em
virtude de suas atribuições (Decreto-Lei nº 7.627/2011).
Além da obrigação de seguir os dispositivos legais retro mencionados, os operadores
da política devem se nortear também pelas diretrizes lançadas pela Resolução 213/2015
expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual enfatiza os princípios que devem estar
presentes durante o procedimento de aplicação e acompanhamento da monitoração eletrônica
e demais medidas cautelares diversas da prisão. Dentre eles, destacam-se: reserva da lei ou da
legalidade, subsidiariedade e intervenção penal mínima, presunção de inocência, dignidade e
liberdade, individuação (respeito às trajetórias individuais e reconhecimento das
43
potencialidades), respeito e promoção das diversidades, responsabilização, provisoriedade,
normalidade e não penalização da pobreza.
Essa resolução também aborda diretrizes específicas para os procedimentos de
monitoração eletrônica que tratam não apenas da figura da pessoa em monitoramento como
também dos princípios próprios da política (Efetiva alternativa à prisão provisória,
Necessidade e Adequação, Provisoriedade, Menor dano, Normalidade) e da atuação das
Centrais de Monitoração Eletrônica.
Especialistas e representantes do sistema de justiça criminal do Brasil em parceria
com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estão desenvolvendo estudos
relacionados ao monitoramento eletrônico para apresentar um modelo de gestão de pessoas
visando orientar os procedimentos a serem adotados pelo Poder Judiciário e Executivo,
especialmente no tocante aos métodos de trabalho das Centrais de Monitoração Eletrônica
estruturadas nas unidades federativas que utilizam o sistema, as quais são responsáveis pelo
acompanhamento dessa medida cautelar.
A elaboração de um modelo de gestão foi anunciado por Victor Martins Pimenta,
Coordenador-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do
Departamento Penitenciário Nacional em entrevista concedida à EBC Agência Brasil, em 08
de dezembro de 2015, o qual na oportunidade enfatizou:
Estamos trabalhando em um modelo de gestão para a monitoração eletrônica, que
incorpore uma metodologia especifica para o acompanhamento desses cumpridores.
Isso envolve essencialmente a presença e o papel de equipe psicossocial no
acompanhamento, a definição de fluxos, de procedimentos, de forma como lidar
com evento-resposta em caso de incidentes de descumprimento de medidas. O grupo
vai trabalhar também questões como o uso e compartilhamento de dados obtidos
durante o monitoramento (PIMENTA, 2015a).
O referido coordenador também integra esse plano de trabalho estabelecido por um
Acordo de Cooperação Técnica, celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça e o
Ministério da Justiça em abril de 2015, com o propósito de “compor e estruturar as diretrizes e
a promoção da política de monitoração eletrônica de pessoas, em consonância com o respeito
aos direitos fundamentais” (BRASIL, 2015c).
A principal justificativa para se montar esse modelo é a necessidade de se
proporcionar mais dignidade e efetividade durante o cumprimento da pena ou de uma medida
cautelar, enxergando o monitoramento eletrônico a partir da perspectiva do
desencarceramento e não como uma ampliação do poder punitivo do Estado.
44
Para que o modelo de gestão de pessoas em monitoramento seja eficiente é
necessário identificar os procedimentos de funcionamento adotados pelas Centrais de
Monitoração Eletrônica nas Unidades Federativas executoras desse serviço de vigilância. Isso
permitirá detectar práticas passíveis de causar violação de direitos e consequentemente afastá-
las quando da produção de um procedimento padronizado.
Esse procedimento precisa contemplar as atividades que vão desde o momento em
que os operadores do sistema recebem a ordem judicial para a instalação do equipamento até a
retirada deste.
Assim, para preservar os direitos constitucionais do indivíduo a ser monitorado é
preciso se estabelecer como e por quem será feito o primeiro atendimento dele no
departamento responsável por executar o monitoramento eletrônico, se ele será avaliado por
psicólogos e assistentes sociais com o objetivo de verificar se o mesmo está apto para ter
fixado em sua perna uma tornozeleira, como ele será acompanhado ao longo do período em
que estiver monitorado e as providências a serem tomadas para cada hipótese de violação das
regras do sistema. Enfim, uma vez sendo a monitoração eletrônica algo já concreto dentro do
sistema de justiça criminal, é preciso traçar essas e outras diretrizes e fluxos de modo a torna-
la verdadeiramente uma medida desencarceradora, em especial de presos provisórios,
garantido a eles a proteção de seus direitos fundamentais.
Por meio das pesquisas desenvolvidas por Welliton Maciel (2014), Izabella Pimenta
(2015) e Maria Wedja Martins da Silva (2014) a respeito do monitoramento eletrônico, é
possível extrair da descrição do campo realizada por esses pesquisadores o funcionamento das
Centrais de Monitoração Eletrônica e consequentemente entender a dinâmica de outros
Estados apontando o que pode ser melhorado em prol da proteção de direitos, conforme se
comenta nas linhas abaixo.
Quando um juiz determina a medida da monitoração eletrônica contra um sujeito,
estando preso ou solto, ele é cientificado dessa decisão seja no momento da audiência ou
posteriormente através de mandado de intimação entregue por oficial de justiça.
Logo que a pessoa é cientificada da decisão do magistrado, ela deve comparecer a
Central de Monitoração Eletrônica para receber o primeiro atendimento e dar início ao
cumprimento da decisão judicial, oportunidade em que geralmente acontece a instalação da
tornozeleira, o cadastro no sistema, o recebimento de instruções e o conhecimento dos demais
serviços disponibilizados a ela. Normalmente, ocorre também nessa etapa o agendamento para
o sujeito em monitoramento ser atendido por uma equipe multidisciplinar formada por
45
psicólogo, assistente social e advogado. Entretanto, esse atendimento só acontece quando o
Estado disponibiliza profissionais para esse fim.
Quanto à implantação da tornozeleira, ela pode acontecer tanto na própria Central de
Monitoramento como também nas dependências do fórum ou do estabelecimento prisional. É
conveniente que haja a formulação de uma parceria entre os Poderes Executivo e Judiciário
no sentido de se proceder a instalação no próprio fórum, pois isso evitaria conduções
coercitivas ou escoltas, ao passo que possibilitaria o acoplamento do equipamento
imediatamente após a audiência.
No que diz respeito às instruções do sistema e de uso do dispositivo, o ideal seria o
monitorando as receberem na forma escrita e verbal para só depois o operador da Central
proceder com a entrega dos equipamentos composto por carregador e bateria portátil, e com a
coleta da assinatura do monitorando em um termo de uso e responsabilidade da tornozeleira
eletrônica, comprometendo-se a devolvê-la em perfeito estado de conservação ao final da
medida.
Como o monitoramento é eletrônico, existe um sistema criado para essa atividade.
Sendo assim, é preciso inserir as informações do monitorando, cadastrando-o no sistema. Esse
trabalho é feito por agentes penitenciários ou por profissionais da empresa terceirizada
contratada pelo Poder Executivo para prestar o serviço de vigilância e disponibilizar os
equipamentos necessários.
O funcionário responsável pelo cadastro do monitorando no sistema precisa seguir as
condições constantes na decisão judicial, uma vez que é o magistrado quem definirá as
proibições, os limites e as permissões. É no momento do cadastro que o sujeito poderá
fornecer dados pessoais (nome, endereço, telefone e tipo de relação) dos seus familiares ou
amigos, vizinhos, etc, para ser um meio a mais de contato e auxílio no procedimento de
incidentes casuais. Entretanto, é preciso que a entrega de informações de outras pessoas
vinculadas ao indivíduo sob monitoração seja entendida como uma faculdade dele, não
devendo ser o mesmo obrigado a repassar tais dados.
Ressalte-se ainda a necessidade de se proteger os dados pessoais coletados pela
equipe da Central e de se cientificar o indivíduo acerca da proteção que é dada a aqueles. É
importante que essa ciência seja feita de forma verbal como também mediante a assinatura de
um termo de tratamento e proteção de dados pessoais. Esse ato é uma forma de evitar a
estigmatização do indivíduo, visto que o compartilhamento de informações do monitorando
com outras instituições pode torná-lo suspeito da prática de outros crimes pelo simples fato
deles já terem sido presos ou estarem fazendo uso de um equipamento de vigilância.
46
Cumpridas essas etapas, o primeiro atendimento é finalizado com a liberação do
indivíduo, o qual só retorna a Central se for para ser acompanhado pela equipe
multidisciplinar, se houver; para a retirada do equipamento; ou a pedido dos operadores do
sistema para tratar sobre falhas dos dispositivos ou possíveis violações das regras, como será
tratado mais a frente.
A existência de um grupo multidisciplinar voltado para o acompanhamento dos
indivíduos monitorados eletronicamente se mostra bastante importante porque os
profissionais irão escutar a pessoa e analisar aspectos relacionados à condição física, social e
psicológica como meio de auxiliar na construção de uma rotina capaz de fazê-la cumprir
corretamente o período sob monitoração. Além disso, é verificado o grau de compreensão do
indivíduo acerca dessa vigilância e a necessidade de inseri-lo em programas ou tratamentos.
Isto posto, durante o atendimento essa equipe de apoio deve proporcionar ao
monitorando o direito de falar os seus anseios e dúvidas. Seria um espaço de escuta e não
apenas de orientação em torno da medida e do equipamento. Na medida que o indivíduo
encontra um espaço onde ele possa expressar o que sente, onde ele possa perguntar e não
somente ouvir regras para serem obedecidas, isso pode tornar a monitoração eletrônica menos
penosa.
Outro aspecto essencial desses atendimentos pelas equipes multidisciplinares é a
possibilidade de perceber se a medida cautelar de monitoração eletrônica é ou não adequada
para a pessoa em monitoramento, levando em conta a sua aptidão para o cumprimento das
regras do sistema. Pode acontecer, por exemplo, do sujeito trabalhar ou estudar em locais
onde não há sinais de GPS ou telefonia celular; ou restar comprovado que o monitoramento
causará nefastas lesões de ordem psicológica; ou do monitorando residir e ter uma rotina de
lugares muito próximo da vida da vítima nos casos de violência doméstica. Nesse último caso,
a medida precisa ser reavaliada, pois o sistema ficará sempre indicando a aproximação dos
envolvidos, pondo em xeque a proteção que a medida cautelar se propõe a conferir. Nessas
condições, a equipe multidisciplinar da Central de Monitoração informará a situação para o
juiz que proferiu a decisão, o qual analisará a possibilidade de se substituir a medida, pois
como já visto, a rotina do monitorando deverá ser resguardada ao máximo assim como a sua
integridade física e psicológica.
Nesse interim, não se pode admitir que a inadequação da medida de monitoramento
para um caso específico acarrete a piora da situação processual do sujeito a ponto de ensejar a
substituição da monitoração eletrônica pela prisão preventiva.
47
Um ponto que não pode deixar de ser abordado no momento de ser formular um
modelo de gestão é a adoção de medidas capazes de fazer o indivíduo permanecer na sua
rotina de vida, relacionando-se normalmente com outras pessoas. É fundamental que o
cumpridor interaja com a sociedade, seja no trabalho, no lazer, na escola, na igreja, no
esporte, enfim, em todos os lugares onde ele possa desfrutar dos seus direitos sociais.
Essa prática concede a minimização de vulnerabilidades e uma abertura maior para a
inclusão social, pois evita o enfrentamento de obstáculos no dia a dia que possam surgir como
efeito colateral do sistema de monitoramento. As normas relativas à política de monitoração
não proíbem os indivíduos de terem uma rotina sadia, mas para garantir isso não se pode
deixar de galgar meios de se reduzir as possíveis consequências, as quais podem ser nefastas
para uma vida em sociedade, principalmente no que diz respeito à possibilidade de se
intensificar a marginalização com novos processos de criminalização.
Como a rotina da pessoa sujeita ao monitoramento precisa ser preservada como
forma de garantir seus direitos, ela deve comparecer a Central de Monitoração com a menor
intensidade possível e quando estritamente necessário de modo a não atrapalhar o seu
cotidiano. Entretanto, o monitorando precisa ser orientado a comparecer à Central se houver
dúvidas quanto ao significado dos sinais emitidos pelo equipamento eletrônico ou se ele achar
que a tornozeleira apresenta problemas de funcionamento. Esse ato evita a configuração de
violação do sistema.
Durante o cumprimento da medida cautelar é comum ocorrer algum incidente, o qual
é entendido como sendo todo fato capaz de prejudicar o perfeito processamento da
monitoração eletrônica nos termos das normas pré-determinadas. Os incidentes podem ou não
ter necessidade de se comunicar ao juiz e esse ato dependerá das circunstâncias do caso
concreto.
Os incidentes são decorrentes do próprio indivíduo em monitoramento, o qual de
modo doloso ou culposo ocasiona a violação das regras da medida. Entretanto, esses fortuitos
também podem ser provenientes de interferências alheias à pessoa em monitoramento,
oriundas de falhas ou defeitos do dispositivo tecnológico, não cobertura do GPS em
determinada área, ausência de sinais de telefonia celular, como também aspectos ligados à
geografia do tipo mata fechada, material da construção de um imóvel, variações climáticas,
etc. Quando o indivíduo trabalha em local onde não há sinal de telefonia e/ou GPS, ou essas
ondas são instáveis, haverá a concretização do incidente.
Como apontado no início desse tópico, o modelo de gestão de pessoas em
monitoramento precisa abarcar pelo menos os incidentes mais corriqueiros experimentados
48
pelas Centrais de Monitoração Eletrônica como também traçar um protocolo para trata-lo com
a finalidade de reaver a normalidade do monitoramento. Esses planos de ação estão
relacionados ao tempo de espera, contato telefônico, advertência verbal, acionamento da
polícia, comunicação ao juiz, etc.
Por exemplo: se um indivíduo sob monitoração deixa a bateria da tornozeleira
descarregar, quanto tempo os técnicos da Central de Monitoramento devem esperar até adotar
a próxima medida? Qual a próxima medida a ser adotada? Supondo que seja o contato
telefônico, até quantas vezes se deve tentar ligar para o monitorando? Qual o intervalo entre a
realização de uma ligação e outra? É preciso fazê-lo comparecer a Central para receber uma
advertência verbal? Em quais circunstâncias? É preciso comunicar o episódio ao juiz? Em
quais circunstâncias?
Especificamente quanto à necessidade de comunicar o evento ao magistrado, pode-se
afirmar que quando a Central consegue solucionar o incidente fazendo com que a medida da
monitoração volte a fluir de acordo com os padrões estabelecidos, a comunicação não é
imprescindível. Por outro lado, se mesmo depois de seguido todo o protocolo, o incidente não
for sanado, o juiz precisa ser imediatamente comunicado, pois nesse caso estar-se-á diante de
uma violação.
No tocante ao contato telefônico feito pela Central com a pessoa em monitoramento
em face de um incidente, é prudente que os técnicos tentem ligar várias vezes com espaços de
tempo razoáveis, não sendo adequado tentar se contatar apenas uma vez ou várias vezes em
curto período, pois não se pode esquecer que apesar de ser uma tecnologia considerada segura
a monitoração eletrônica faz uso de dispositivos suscetíveis de defeitos, tais como ausências,
interrupções ou falhas de sinais.
Quando a Central de Monitoração não consegue falar com o indivíduo, ela pode
acionar outras pessoas relacionadas a ele, mas somente aquelas cujos dados tenham sido
prestados pelo monitorado de maneira espontânea.
Por fim, no que concerne a intervenção da polícia diante de um incidente, ela deve
está atrelada as peculiaridades de cada situação, as quais vão se demonstrando com o
acompanhamento ordenado da monitoração pelos operadores da Central. O mais importante
são as equipes terem a sensibilidade de adequar o protocolo ideal para cada tipo de incidente
buscando sempre a manutenção ou o restabelecimento regular da medida.
Da leitura dos estudos dos pesquisadores da monitoração eletrônica de pessoas,
verificou-se que os casos mais corriqueiros de incidentes e violações são: violação de áreas de
inclusão e/ou exclusão; detecção de movimentação sem sinal de GPS e/ou perda de sinal de
49
celular; falha de comunicação do equipamento ou detecção de falsa geolocalização; não
comparecimento da pessoa em datas agendadas ou em situações emergenciais para substituir
o equipamento de monitoração; descarga completa da bateria; não cumprimento de horários
e/ou de restrições a locais específicos; danificação do equipamento, ruptura/violação da tira de
fixação ou do invólucro do equipamento de monitoração eletrônica (MACIEL, 2014; SILVA,
2014; PIMENTA, 2015).
Portanto, para padronizar as providências a serem tomadas em cada um desses casos
e consequentemente conferir o mesmo tratamento a todos os monitorados de modo a observar
especialmente o princípio da presunção de inocência, faz-se necessário que especialistas
elaborem e divulguem um manual de procedimentos para os serviços de monitoramento de
pessoas. O que se buscou nesse tópico foi apenas trazer alguns pontos bases, os quais são de
suma importância que estejam contemplados nesse plano de funcionamento.
50
2 MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PESSOAS NOS CASOS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
2.1 As mudanças processuais penais ocorridas com o advento da Lei nº 11.340/2006 e as
críticas sob o viés criminológico
Não é novidade afirmar que a Lei n° 11.340/06, popularmente conhecida como Lei
Maria da Penha13, foi considerada por parte do movimento feminista brasileiro14
uma grande
conquista por ser um forte instrumento jurídico de combate à violência de gênero contra a
mulher.
Antes do advento da referida lei no Brasil, conflitos domésticos estavam submetidos
às práticas e tratativas previstas na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), especificamente
quando as agressões praticadas pelos agressores eram consideradas de menor potencial
ofensivo. Não há dúvidas de que, para aquele dado momento histórico, tratou-se de um
avanço, pois permitiu que a violência praticada dentro dos lares se tornasse evidente no meio
social pela grande quantidade de casos levados aos Juizados Especiais Criminais.
No entanto, apesar da atenção dada pelos Juizados ao contexto doméstico,
permitindo que esposas, irmãs, filhas, pudessem recorrer a algo que desse a esperança de fazer
cessar a violência sofrida dentro de casa, ao longo da aplicação da lei foi possível perceber
que esta não foi capaz de reprimir, prevenir ou mesmo diminuir as agressões. A possibilidade
de substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, por exemplo,
permitiu que a violência de gênero passasse a ser vulgarizada, fazendo imperar o sentimento
de impunidade em algumas mulheres, as quais passaram por diversas vezes pelos Juizados
sem que tenham obtido a solução para o seu problema. Além do mais, surgiu a crítica de que a
Lei 9.099/95 não compreendia as peculiaridades da violência doméstica.
Para efetivar os direitos fundamentais das vítimas de violência doméstica no Brasil, a
luta dos movimentos em defesa dessas mulheres foi delineada no sentido de intensificar a
punição no âmbito do Direito Penal, buscando-se retirar certas prerrogativas legais, como a
possibilidade de substituição das penas e a transação penal.
Aliado a esses movimentos, os meios de comunicação propagavam a sensação de
insegurança e a necessidade de implantação de medidas punitivas adequadas para coibir a
13 A Lei n° 11.340/2006 foi batizada com o nome de uma mulher chamada Maria da Penha Maia Fernandes em homenagem a
sua história de vida relacionada à violência doméstica que sofreu durante anos no casamento e a sua busca incessante para
concretizar o sentimento de justiça em face da violência vivenciada. 14 É possível falar em diferentes correntes ou em diferentes feminismos brasileiros (ANDRADE, 1999).
51
criminalidade, permitindo que se utilizasse do rigor penal como ameaça para evitar o
cometimento da violência.
Os episódios de violência doméstica sofridos por Maria da Penha passaram a ser
amplamente difundidos pela mídia, tendo esta passado a explorar o assunto do conflito
intrafamiliar e implantar equivocamente na consciência das pessoas que todas as mulheres
violentadas no plano doméstico possuíam histórias de vida semelhantes à de Maria da Penha.
Além do mais, a dramatização atribuída pela televisão, jornais e revistas ao discurso
sensacionalista acerca da dor, sofrimento e superação dessa vítima desencadeou sentimentos
de raiva e medo nos telespectadores/leitores, os quais passaram a aprovar a necessidade de
uma lei capaz de punir com rigor os conflitos dessa natureza. Sobre esse ponto, Carolina
Salazar de Medeiros afirma que:
Como efeito de tanta divulgação, portanto, as pessoas passaram a se compadecer
com o drama da violência de gênero; visualizavam-se como potenciais vítimas e
demonizavam os possíveis agressores. Ademais, paralelamente à história de Maria
da Penha, nos meios de comunicação, mais casos dramáticos que envolviam a
violência contra a mulher ganhavam espaço, as críticas que o Estado brasileiro já
recebia em razão do banal tratamento dado à violência contra a mulher no âmbito
dos JECrims eram potencializadas e as ações Estatais no que tange ao tratamento da
violência doméstica contra a mulher mais descreditadas (MEDEIROS, 2015, p. 34).
Foi diante desse clamor público aliado a um contexto político favorável a investidas
punitivo-repressivas que a Lei n° 11.340/2006 foi editada e colocada em vigor no
ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei Maria da Penha foi vista como uma grande vitória por ser um instrumento
normativo aparentemente sensível ao contexto da violência doméstica, principalmente por
afastar a dor da injustiça presente no seio social. Na medida em que o agressor passou a
receber uma punição rígida, houve a propagação da ideia de que caso cometesse o crime nas
circunstancias dessa lei, sanções mais severas como a prisão poderiam ocorrer, até mesmo
quando se tratasse de uma simples ameaça ou injúria.
Além do enrijecimento penal, por ter uma natureza também assistencialista e
protecionista, a Lei n° 11.340/2006 foi celebrada por ampliar às mulheres o acesso à justiça,
bem como por lhes facilitar a obtenção de medidas protetivas de urgência de maneira rápida.
A Lei Maria da Penha não trouxe novidades relacionadas com a criação de novos
tipos penais, mas descriminou as formas de violência doméstica contra a mulher, cujas
definições foram inseridas nos artigos 5º e 7º15 do referido instituto legal. Nesse liame, os
tipos penais inseridos no Código Penal quando cometidos nas circunstâncias da Lei n°
15 Esses artigos conceituam as formas de violência doméstica, as quais podem ser físicas, psicológicas, sexual, patrimonial e
moral.
52
11.340/2006, passariam a ser regulados por esta e não mais pelo disposto na Lei 9.099/95.
Essa amarração possibilitou a aplicação da Lei Maria da Penha a praticamente todos os
crimes, demonstrando-se uma estratégia de enrijecimento muito mais fácil do que impor uma
agravante específica para cada conduta criminal relacionada à violência praticada contra a
mulher.
Apesar da Lei n° 11.340/2006 não ter criado um novo tipo penal de modo a definir a
violência doméstica cometida em face da mulher, esse aparato legal tornou a punição mais
severa nos crimes preexistentes ao aumentar a pena-base em abstrato dos crimes praticados
nas suas formas previstas passando de seis meses a um ano, para três meses a três anos.
A referida lei em seu artigo 41 proibiu expressamente a aplicação da Lei n° 9.099/95
nas ocorrências de violência doméstica aplicada contra a mulher. Com o afastamento dos
Juizados Especiais Criminais nesses conflitos houve, por consequência, o desaparecimento da
crítica relativa à banalização desse conflito pela ausência de uma punição real. Além do mais,
juntamente com o advento da Lei 11.340/2006 nasceu à noção de que o Direito Penal seria a
tábua de salvação para prevenir e combater o problema social da violência doméstica.
Contudo, apesar de toda essa estrutura jurídica montada para prevenir a violência
doméstica contra a mulher, atualmente se vislumbra vários aspectos que dificultam a
concretização da finalidade da lei, impedindo que a mesma cumpra o seu papel originário, de
cunho e discursos nitidamente punitivistas, que na verdade se mostraram inadequados para
resolver conflitos de caráter doméstico.
Com efeito, a exploração midiática da narrativa de Maria da Penha inseriu no seio
social a mensagem de que todo o crime sofrido pelas mulheres no plano doméstico possuía
um caráter desumano e grave. Todavia, essa ideia se opõe as conclusões levantadas por várias
pesquisas16, as quais comprovam que a grande maioria dos crimes ocorridos nas circunstâncias
da Lei n° 11.340/2006 são leves e desprovidos de crueldade mesmo que praticados de forma
frequente, ou seja, as corriqueiras ocorrências dessa natureza são classificadas como sendo de
menor potencial ofensivo. Em razão disso, é incorreto afirmar que todas as mulheres vítimas
de um crime leve desejam a criminalização do seu respectivo agressor como igualmente quis
Maria da Penha.
As pesquisas desenvolvidas por Marília Montenegro ao longo da última década
revelam de forma clara que na maioria das vezes a solução apresentada pelo sistema
16 O Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça (2010) e os registros do Ministério Público do Rio Grande do Sul,
indicam que as lesões corporais de natureza leve e a ameaça são os crimes mais cometidos contra mulher no contexto da violência doméstica e familiar no Brasil (CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 163-165).
53
tradicional de justiça não coincide com a vontade da vítima (MELLO, 2015). Não parece
difícil concluir que na maioria dos casos tudo que a mulher deseja é quebrar o ciclo de
violência do qual é vítima. Isto é, o encarceramento do agressor não é o objetivo
primordialmente buscado. Não há intenção de retribuir o mal sofrido com uma punição
imposta pelo Estado, mas tão somente buscar meios de cessar com os ciclos de violência de
modo a manter a instituição familiar firme e em paz. Quando acontece do seu companheiro
ser preso, normalmente ela é a primeira a visitá-lo na penitenciária e a primeira a tentar tirá-lo
daquele lugar, sendo por isso mal interpretada e taxada como “mulher que gosta de apanhar”,
enquanto na verdade ela só gostaria de viver em paz na sua casa com o seu marido e com os
seus filhos. Até mesmo nos casos em que a mulher deseja a separação, inexistem dados
empíricos a sustentar como regra o desejo da vítima de violência doméstica pela persecução
criminal do agressor.
Esquece o sistema tradicional de justiça criminal que, diferentemente de outros
crimes, nos quais as partes não se conhecem, como é o caso do roubo, por exemplo; aqueles
cometidos nas circunstancias da Lei Maria da Penha trazem consigo uma relação de
afetividade entre a vítima e o imputado (MELLO, 2015). Ao mesmo tempo em que o crime
acontece, existe também uma relação doméstica integrada por pessoas que não somente
passam por problemas, mas também constroem afeto. Entretanto, o manuseio do Direito Penal
não é sensível a essa situação, ou seja, não contempla a relação afetiva presente no polo ativo
e passivo do crime.
Por isso, o resultado desses estudos leva a percepção de que a especificidade
objetivada pela Lei Maria da Penha não é sensível às particularidades da violência doméstica
ao conferir o mesmo tratamento jurídico a situações brandas e graves, mas que foram
generalizadas através do passado de Maria da Penha.
Dessa forma, vendeu-se para a sociedade a imagem de uma legislação voltada para a
emancipação feminina, mas que logo se mostrou perpetuadora da violência, especialmente
para aqueles casos que se enquadravam como sendo de natureza leve, servindo apenas para
amenizar os clamores da população induzidos por uma falsa sensação de insegurança e
impunidade. (WUNDERLICH; CARVALHO, 2010, p. 10-11). Assim, a vítima é quem passa
a sofrer com o caráter punitivista encruado na Lei n° 11.340/2006 na forma abaixo transcrita:
O resultado atinge não apenas o sujeito criminalizado mas transfere-se aos
familiares por vias diretas e indiretas. De forma direta, a criminalização em si já
resulta em pelo menos duas privações relevantes para a família do agente
criminalizado. A primeira delas é a privação da presença afetiva. O cárcere não
aparta apenas o indivíduo dos seus – esse afastamento é uma via de duas mãos em
termos de sofrimento, já que também a família fica privada do convívio do
54
encarcerado. A segunda é a privação da segurança econômica (...) vez que é ele,
encarcerado, na maioria das vezes, arrimo de família. Ademais, (...) resulta que a
exclusão que obsta a obtenção de trabalho e renda; que promove a rejeição em
grupos sociais de convivência (igreja, escola, clubes); que facilita a formação de
subculturas resultantes da criminalização também atinge os familiares do
encarcerado, durante e depois do cumprimento da pena (HERMANN, 2002, p. 56-
57).
A intenção do Estado pode até ser de “proteger” essa mulher por meio da aplicação
da legislação, mas a realidade empírica em torno da aplicação da Lei Maria da Penha revela
um cenário no qual a vítima é colocada diante de outras situações de vulnerabilidade, já que
muitas vezes é o agressor o responsável por prover as necessidades da casa, como também
poderá ser atribuída a ela a responsabilidade de ter colocado o pai dos seus filhos na prisão.
Com isso, ao invés de proteger, o sistema retributivo é quem passa a dar continuidade ao
processo de violência que a mulher terá que suportar.
A impossibilidade de utilizar a Lei dos Juizados no contexto da violência doméstica
altera significativamente o modo de resolução do problema, uma vez que as benesses de
caráter despenalizadoras não estão mais aptas para atuar na celeuma. Nesse diapasão, seja
qual for o crime praticado e a respectiva pena a ser aplicada já não cabe mais a elaboração do
termo circunstanciado de ocorrência. Em contrapartida, o inquérito policial será instaurado
nos moldes do Código Processual Penal, as partes serão ouvidas a termo e as provas
materializadas em um caderno investigativo. Ao final, tudo será encaminhado para o
Ministério Público para que o promotor avalie a presença dos requisitos necessários para a
promoção da ação penal.
Os principais crimes ocorridos no cotidiano doméstico se relacionam com a lesão
corporal leve e a ameaça, para os quais era possível a utilização da transação penal, como
também da suspensão condicional do processo e a composição civil de danos presentes na Lei
n° 9.099/95. Contudo, com a vedação mencionada na Lei Maria da Penha, tais institutos
deixaram de ser uma alternativa. Diga-se de passagem, que inobstante as críticas referentes à
banalização do conflito, por meio dessas medidas despenalizadoras era permitido a vítima
atuar de alguma maneira na decisão do seu conflito, especialmente na audiência preliminar,
onde a mesma tinha espaço para falar17.
Com a edição da Lei Maria da Penha houve a mudança da natureza da ação penal
para os crimes que envolviam a lesão corporal leve e apesar de toda a discussão em torno do
assunto a princípio permaneceu a possibilidade da vítima se retratar diante da ação penal,
condicionando o processamento à representação dela. Permitir a ação penal possuir natureza
17 Nesse sentido, vide MELLO, 2015.
55
pública condicionada a representação concedia a vítima um certo poder de decisão no
desfecho do seu caso, mesmo que fosse apenas durante uma etapa do processo. Além disso, a
vítima fazia da sua representação uma ferramenta para conseguir adequar, ainda que
minimamente, a solução aplicada pelo Poder Judiciário aos seus anseios. Sobre essa questão,
Carolina Salazar Medeiros pontua que:
Como a procedibilidade da ação penal estaria nas mãos das vítimas, e,
consequentemente, a possibilidade de condenação e prisão do agressor, abrir-se-ia,
pois, a oportunidade de uma espécie de “conciliação civil”, a qual, além de mais
eficaz para a solução dos problemas vivenciados nas relações domésticas –
seja para a separação, seja para reconciliação – melhor atenderia os interesses
da vítima, na maioria das vezes não voltados para a punição do agressor (2015, p.
38).
Entretanto, no ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 4424, proposta pela Procuradoria Geral da República, tornou a
natureza da ação penal para os casos envolvendo violência doméstica pública incondicionada,
retirando da vítima a decisão da procedibilidade da ação e consequentemente limitando ainda
mais a participação ativa dela dentro do seu processo, tornando-a uma figura inócua e sem
qualquer voz.
Dessa forma, o STF ao invés de impedir a ampliação do poder punitivo do Direito
Penal e a expropriação do conflito, terminou por intensificar o rigor para atender aos clamores
da população que naquele dado momento não vislumbrava (e talvez até hoje não vislumbre)
as consequências nefastas que essa decisão implicou na vida das mulheres vítimas da
violência doméstica.
A partir de então, a Lei Maria da Penha deixou de atender definitivamente com as
propostas apresentadas por ela quando da sua entrada em vigor porque deixou de
corresponder às expectativas de boa parte das vítimas (MEDEIROS, 2015, p. 37).
Segundo Marília Montenegro (2015, p. 219), é possível afirmar que apesar dos mais
variados argumentos relativos a essa insatisfação todos eles caminham para um mesmo
aspecto que é a apropriação por parte do Estado do conflito doméstico a ele apresentado. Em
outras palavras, na medida em que a mulher procura a delegacia de polícia para registrar a
ocorrência, principalmente se ela tiver sofrido uma lesão corporal ainda que seja de natureza
leve, o sistema penal retira dela o poder de decidir o destino do seu problema. Além disso,
minimiza a complexidade do conflito por não levar em conta as suas peculiaridades
subjetivas, refletindo apenas a uma resposta punitiva, qual seja: a aplicação de uma pena
privativa de liberdade.
56
Ainda sobre as alterações provocadas pela Lei n° 11.340/2006 cabe dizer que essa
medida viabilizou a decretação da prisão preventiva dos agressores domésticos, inclusive para
aqueles casos mais simples considerados de menor potencial ofensivo. Dessa forma, a prisão
preventiva passou a ser aplicada em qualquer situação de violência doméstica praticada contra
a mulher, não mais se destinando apenas a casos excepcionais de maior gravidade. Ademais, a
referida lei proibiu a prestação pecuniária ou o pagamento de multa a título de condenação,
banindo as hipóteses de se substituir as penas privativas de liberdade por restritivas de direito.
A ideia presente no seio social é de que essa rigorosidade encontrada na Lei n°
11.340/2006, a qual agrava significativamente a situação do agressor, levaria a redução da
violência praticada contra a mulher, já que ele fica passível a prisão. Assim, o medo de ser
encarcerado, em tese, intimidaria a prática da violência. Essa possível saída de prevenção e
punição encontrada para o problema da violência doméstica legitimou a inserção do Direito
Penal dentro das relações familiares mesmo com a existência do princípio da intervenção
mínima presente no sistema de justiça criminal.
Entretanto, conforme já mencionado, mesmo diante de tamanho enrijecimento
pesquisas empíricas vem a cada dia ratificando a incompatibilidade entre as soluções
oferecidas pela lei e os anseios das vítimas de violência dessa natureza (MELLO, 2015).
Os estudos de Elena Larrauri (2011, p.1-28) sugerem que também na Espanha o
sistema penal para prevenir e combater a criminalidade doméstica e familiar contra a mulher
não vem apresentando bons resultados, especialmente pela não redução dos números de
homicídios praticados contra as mulheres por seus companheiros mesmo diante da existência
da Lei Orgânica n° 11/2003, conhecida pela sua rigidez no trato das ocorrências de violência
doméstica e que também serviu de inspiração para a edição da Lei brasileira n° 11.340/06. A
pesquisa da mencionada autora remete à conclusão de que as mulheres vítimas de violência
doméstica não consideram o sistema tradicional de justiça capaz de resolverem os seus
problemas, visto que impõem soluções que não atendem as suas necessidades.
Portanto, por trás de todo o discurso pregado por movimentos sociais em busca de
uma legislação capaz de conferir autonomia e segurança para as mulheres, o que existe é um
recrudescimento da criminalização que só serviu para apaziguar os clamores, já que a
violência doméstica e familiar cometida contra a mulher ainda é algo tão presente no seio
social mesmo após dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.
Diante desse cenário, Marília Montenegro verificou ao longo da última década que
não será por meio do Direito Penal que a mulher encontrará a solução para a agressividade
cometida pelos seus maridos, companheiros, filhos e irmãos, já que a mudança de
57
comportamento almejada por ela (e pelo coro do senso comum) só será alcançada através da
educação, com a desconstrução do patriarcalismo arraigado na sociedade, bem como com a
aplicação de ações preventivas (MELLO, 2015, p.198).
Por outro lado, também seria incorreto afirmar que após dez anos em vigor, a Lei n°
11.340/06 trouxe apenas retrocessos na busca pelo respeito de direitos à mulher, já que nesse
instrumento legal existem medidas de proteção que se atrelados a outros meios (como a
monitoração eletrônica, por exemplo) podem impedir a prática de uma nova violência para
casos específicos. Entretanto, é preciso ter cautela quando se fala de medidas protetivas de
urgência e monitoramento eletrônico, pois nesse contexto existe uma série de aspectos que
precisam ser objeto de discussão e análise, conforme se fará mais a frente.
Por hora, é preciso concluir esse raciocínio afirmando que por mais bem intencionada
que sejam as medidas protetivas de urgência trazidas pela Lei n° 11.340/2006, elas podem
proporcionar uma sensação de proteção para a vítima, mas podem também ocasionar uma
punição mais rígida ao agressor antes mesmo do término da ação penal, uma vez que essas
medidas implicam limitações de direitos fundamentais a depender da forma de aplicação e do
tempo que o processo pode durar. Nesse aspecto, é preciso investigar se a concessão das
medidas protetivas a favor da mulher vítima atrelada à medida cautelar de monitoramento
eletrônico se apresenta como um instrumento efetivo de combate à violência doméstica ou se
seria mais uma maneira de punir prematuramente o acusado, colocando-o em uma “prisão
virtual” e estigmatizando-o perante a sociedade.
2.2 Monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e as
implicações em torno dessa aplicação
Como já explanado, a Lei n° 11.340/2006 foi concebida com a finalidade de
combater a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher. Nesse sentido,
modificou em vários aspectos o tratamento jurídico conferido as situações dessa natureza.
Dentre as diversas alterações cabe mencionar o afastamento da competência dos Juizados
Especiais Criminais, deixando esse tipo de violência de fazer parte dos crimes considerados
de menor potencial ofensivo; a possibilidade do agressor ser preso em flagrante delito e ser
mantido preso preventivamente; o impedimento do mesmo ser beneficiado com o instituto da
transação penal e a proibição de se imputar a ele uma pena de cesta básica. Portanto, a lei
58
prevê a implantação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e nessa
linha altera o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.
Em meio às dificuldades de concretização da finalidade da lei estudadas por diversas
pesquisadoras como Marília Montenegro (2009, 2010, 2012), Fernanda Bestetti (2014, 2015),
Carolina Salazar (2014) e Débora Ferreira (2015), as quais demonstraram que o papel
originário da Lei Maria da Penha se mostrou inadequado para resolver conflitos de caráter
doméstico, surge a monitoração eletrônica declarando ser mais um instrumento a serviço da
mulher capaz de combater e prevenir de forma efetiva a violência.
As inovações da Lei Maria da Penha foram além das transformações jurídicas de
âmbito penal e processual penal, pois se inseriu por meio desse instrumento legal a
possibilidade do juiz conceder a favor da vítima medidas protetivas de urgência quando ela se
encontrar nas condições previstas no Art. 5º dessa lei ou mesmo na iminência de sofrer a
violência18
.
Nessa linha, ao sofrer uma violência física ou psicológica ou estando prestes a ser
vítima, a mulher poderá se dirigir a uma delegacia de polícia e requerer a seu favor que a
autoridade policial solicite ao juiz o deferimento de medidas protetivas de urgência de modo a
protegê-la de seu marido, companheiro, filho ou irmão.
As medidas protetivas de urgência se propõem a garantir a mulher e aos seus
familiares uma proteção para evitar ser vítima de novas práticas de agressão. O
processamento para concessão deve ser célere para que seja capaz de cessar a violência. Por
essa razão, possui natureza de ação cautelar. O magistrado poderá concedê-las em qualquer
fase processual, seja durante o inquérito policial ou já no processo judicial. Essas medidas
estão previstas no Art. 22 da Lei n° 11.340/200619
, contudo o juiz poderá determinar outros
mecanismos de proteção não previstos nesta lei, não se tratando assim de um rol taxativo.
Além disso, a autoridade judicial pode determinar a aplicação de várias medidas ao
mesmo tempo, ou seja, de forma cumulativa. A concessão de uma ou muitas medidas
18 De acordo com o Art. 5º da Lei n° 11.340/2006, fica configurado como violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou tenha convivido com a agredida. Ressalte-se que essa lei também se aplica a violência ocorrida entre mulheres em
uma relação homoafetiva. 19 Dentre as medidas protetivas de urgência, vale destacar: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com
comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação
da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b)
contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados
lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos
dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
59
protetivas irá depender da análise e da necessidade do caso concreto. De qualquer forma, é
fundamental que ao conceder medidas protetivas de urgência ele respalde a sua decisão, tendo
em vista que se de um lado são garantidos direitos à vítima, de outro, o juiz restringe direitos
do agressor, como a liberdade de locomoção. Por isso, deve ser aplicada de maneira
excepcional e em caráter cautelar.
Um exemplo claro disso é quando o juiz defere as medidas protetivas de urgência
cumulativamente com a medida cautelar de monitoramento eletrônico em face do agressor.
Nessas circunstâncias, é importante ouvir as partes envolvidas no conflito para constatar a
necessidade de se monitorar o indivíduo, pois, por limitar direitos só deve ser utilizada em
último caso.
Na verdade, essa medida eletrônica foi um meio encontrado e já implantado em
quase todas as unidades federativas para efetivar o cumprimento de medidas protetivas
concedidas a favor da vítima de violência doméstica e familiar. Sob essa ótica, seria um
reforço para a concretização das medidas protetivas de urgência de modo a não torna-las
palavras inócuas dentro de uma decisão judicial.
Visando garantir a efetivação das medidas protetivas de urgência, os agentes
engajados nessa política de enfrentamento passaram a visualizar a utilização do
monitoramento eletrônico como uma alternativa capaz de conferir proteção as mulheres
vítimas sem ter que prender preventivamente o agressor, principalmente quando ele
descumpria a decisão que conferia medidas protetivas à mulher.
Com o advento da Lei 12.403/2011, o uso dessa tecnologia foi regulamentada como
medida cautelar anterior à condenação, sendo uma das medidas que devem ser privilegiadas
em detrimento da prisão preventiva. Assim, mesmo sem previsão legal específica nesse
sentido o juiz passou a aplicá-la alternativamente ao artigo 20 da Lei n° 11.340/2006 que
prevê a possibilidade de prisão preventiva a qualquer momento da instrução penal, presentes
os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Para a coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica
e Familiar, conselheira Ana Maria Amarante, em entrevista concedida a Regina Bandeira
(2015) para o Conselho Nacional de Justiça, “tornozeleiras eletrônicas, botões com
tecnologias sofisticadas e até aplicativos de celulares têm contribuído com o Judiciário para
salvar a vida de mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil”, pois segundo ela,
auxiliam no combate à violência, evitam novas agressões, aumentam o sentimento de
segurança das mulheres, reduzem as ocorrências letais e permitem a prisão em flagrante dos
agressores.
60
Mesmo sem dados científicos e empíricos que comprovem essa eficiência do
monitoramento eletrônico no combate a violência doméstica, esse tipo de discurso impregnou
o senso dos atores envolvidos nessa política de enfrentamento e atrelado a esses fundamentos,
vem se alastrando continuamente no Brasil e em outros países, como a Espanha, por exemplo
(GONZÁLEZ BANQUÉ; LARRAURI, 2008).
Por outro lado, a pesquisa realizada por Welliton Caixeta Maciel (2014) sobre os
mecanismos de vigilância nos episódios de violência doméstica em Belo Horizonte/MG
demonstrou que a utilização dos equipamentos eletrônicos também podem levar a processos
de estigmatização dos indivíduos a ela submetidos, tendo ou não passado pela experiência do
encarceramento em prisões comuns. O referido pesquisador constatou ainda que o uso da
monitoração pode contribuir para a (re)afirmação dos vínculos de afetividade e dependência
entre as partes envolvidas. Assim, ao invés do dispositivo desenvolver a função de garantir o
cumprimento da medida protetiva, colaborando com o rompimento do ciclo de violência
doméstica, ele poderia também ser um mecanismo de manutenção das relações por meio da
judicialização.
De acordo com a pesquisa feita por Izabella Pimenta (2015, p. 22) “a monitoração
eletrônica não é uma ferramenta capaz de resolver e extinguir violências no âmbito doméstico
e familiar porque não viabiliza a administração dos conflitos que são essencialmente
relacionais”. Para a referida consultora é preciso buscar a solução para o problema da
violência doméstica e familiar contra a mulher em um campo onde não se vislumbre apenas o
controle e a punição (2015, p. 40).
Não há como negar a existência do argumento de que a monitoração eletrônica pode
ser considerada como uma boa ferramenta de auxílio para proteger a mulher diante das
situações em que sua integridade física e psicológica se encontra vulnerável. Todavia, estudos
em torno da temática, dentre eles os desenvolvidos por Welliton Caixeta (2014) e Izabella
Lacerda Pimenta (2015), vem comprovando que o sistema de monitoramento ainda não é o
remédio ideal para curar o problema da violência de gênero, já que não se trata apenas do fato
do homem ser fisicamente mais forte que a mulher a ponto de conseguir impor a vontade dele
sobre a dela, mas algo que está intimamente interligado a posição que ela ocupa na arquitetura
social.
Por ser considerado um artefato utilizado para se estabelecer o controle penal, a
monitoração não consegue ser a solução para os conflitos domésticos cometidos contra a
mulher, pois o sistema tradicional de justiça criminal não está apto a resolver problemas dessa
natureza porque ao aplicar o método subsuntivo deixa levar em consideração os vínculos
61
afetivos existentes entre o autor e a vítima. Como consequência disso, vislumbram-se medidas
judiciais que não resolvem a celeuma e muito menos atendem as necessidades da mulher.
Nesse liame, o monitoramento está para ajudar na proteção em face de uma situação violenta,
contudo não atua nas causas da relação conflituosa. Portanto, o fato do homem se encontrar
sob monitoração não significa dizer que o conflito está dirimido.
O estudo desenvolvido por Welliton Caixeta Maciel (2014) demonstrou que essa
medida cautelar não sensibiliza o agressor no sentido de gerar sentimento de consciência do
mal praticado. Através dos depoimentos prestados a pesquisa dele pelos indivíduos que
estavam cumprindo medida de monitoração decorrente de práticas de violência doméstica,
percebe-se de maneira evidente que a visão deles é que o monitoramento eletrônico é
concebido como uma forma de se controlar e de se punir com mais rigor aquele que praticou
um crime, ou seja, é sinônimo de castigo, pois não é um equipamento que vai impedi-lo de
praticar uma nova violência contra a mulher, caso assim deseje.
Dessa forma, se utilizada de maneira ilimitada, ao invés de conter a violência, pode
até mesmo acentuar o problema doméstico. Coadunando com a pesquisa do referido autor,
Izabella Pimenta ressalta que:
Por se tratar de medida que impõe severas restrições e punições à pessoa monitorada
eletronicamente, ela pode, até mesmo, motivar outras formas e níveis de violência.
Determinadas condições impostas sem a devida análise individualizada podem
igualmente provocar ou acentuar vulnerabilidades, implicando, por exemplo,
restrições em tratamentos de saúde, no desenvolvimento de atividades laborais,
educativas, comunitárias, dentre outras (PIMENTA, 2017, p. 57).
Em Recife, por exemplo, se visualizam com clareza restrições capazes de colocar a
pessoa em monitoramento em uma situação vulnerável de mobilidade, visto que a área de
exclusão pode variar de um raio de 2000 a 5000 metros, conforme se verificou nas decisões
judiciais analisadas ao longo da presente pesquisa e que serão abordadas em momento
próprio. Pelo fato do Recife ter uma área territorial de 218 km² não é raro o sistema acusar
constantes violações de áreas, especialmente quando os pontos fixos que o agressor deverá se
manter afastado ficarem situados geograficamente em locais que perfazem praticamente toda
a área da cidade.
Como pontuado, o dispositivo utilizado para se observar o agressor é a tornozeleira, a
qual transmitirá informações para a Central de Monitoramento acerca dos lugares por onde ele
está transitando em tempo instantâneo. Para evitar um evento de violência, quase sempre, o
indivíduo fica impedido de se aproximar da residência da vítima, como também dos locais de
trabalho ou outros lugares de permanência dela, denominados de áreas de exclusão.
62
Qualquer aproximação desses lugares é imediatamente identificada pelos operadores
da Central, os quais entram em ação para que a situação retorne ao cumprimento da medida
nos exatos termos da decisão judicial. Com efeito, além das ferramentas para se constatar
violações de áreas de exclusão, a Central de Monitoramento precisa estar capacitada para
enfrentar esses incidentes de modo a garantir o afastamento do agressor respeitando direitos
fundamentais dele e ao mesmo tempo preservar a integridade física e psicológica da vítima.
Assim, é como se o indivíduo estivesse em uma prisão com grades, pois ele não pode
se locomover para qualquer local para não alarmar o sistema. Consequentemente, fica
impedido de desenvolver normalmente as suas atividades cotidianas e próprias de todo ser
humano como trabalhar, estudar, ir ao médico, praticar um esporte, ir à igreja, ter um lazer,
etc.
Nesse sentido, essa punição ainda é voltada para restringir a sua sociabilidade, pois
os impedem até de se relacionar intimamente com outra pessoa como se percebe com a leitura
do diálogo abaixo extraído da pesquisa de Welliton Maciel (2014, p. 194):
W: Mas depois que você tirar a tornozeleira, você acha que a sua vida vai mudar
muito?
Monitorado 3: Seguir minha vida, voltar para a sociedade de novo, quero seguir o
meu caminho de novo.
W: Quando você fala (Fulano) ‘voltar para a sociedade de novo’, você está falando
como se você não estivesse nela...
Monitorado 3: Eu não tenho liberdade nenhuma, eu não tenho liberdade no jogo,
não tenho liberdade num restaurante, entendeu? Se eu for num lugar que a pessoa
vai te revistar você fica constrangido com aquilo ali [a tornozeleira], o cara bate a
mão: ‘o que é isso aí?’ Você vai mostrar e tal e infelizmente... Peraí. Você não tem
direito de namorar. Se você está com uma menina, uma mulher, um exemplo, se vê
isso aqui [a tornozeleira] o que ela vai pensar? Como é que você vive desse jeito?
‘Peraí, esse cara é um agressor, esse cara é mau’. Sei lá, ‘um bandido’ entendeu?
Com isso aqui você não vive não, isso aqui é pior do que você estar preso. Você
anda pra tudo quanto é lugar, mas você anda, sabe como é que é... com aquele
negócio na cabeça e tal, sei lá, pra mim isso não funciona
Acontece também, do homem residir próximo à vítima, fazendo com que haja
constantes violações. É comum solicitar a ele que efetue a mudança do seu endereço para
outros bairros ou até mesmo outras cidades, obstaculizando a participação em atividades
laborativas e educacionais e até mesmo no processo de integração social, deixando de atender
os objetivos declarados quando da implantação da tecnologia.
Ora, é comum o agressor ter parentes, amigos ou um trabalho nas imediações onde
ele sempre habitou. É da natureza humana construir laços no local onde se fixa com fins
habitacionais. Nesse interim, quando ocorre o fim do relacionamento entre ele e a sua
companheira, geralmente ele tende a se manter nessa mesma região. Uma vez monitorado por
meio de tornozeleira eletrônica, surge o impasse das constantes violações de áreas,
63
dificultando não apenas a realização do monitoramento em si quanto também o objetivo de
manter o indivíduo incluso no meio social, já que as regras da monitoração eletrônica o
impede de viver com regularidade a sua rotina.
Para que a Central de Monitoração consiga prestar um serviço de maneira uniforme,
cumprindo não somente com a função de proteger a vítima, mas também de observar direitos
do sujeito sob monitoração, é preciso traçar diretrizes de funcionamento, prevendo as
providências que devem ser adotadas para cada violação praticada ou ao menos para aqueles
incidentes mais frequentes, tais como descarrego da bateria e aproximação das áreas de
exclusão.
Atualmente, verificou-se através das pesquisas de Izabella Pimenta (2015) que ficam
a cargo dos gestores das Centrais relacionarem as circunstâncias em que irão comunicar ao
magistrado uma determina violação. Isso permite que as Centrais de cada unidade federativa
adotem regras próprias, podendo acarretar decisões inadequadas com alto poder de gerar
estigmatização, discriminação, além de infrações de direitos fundamentais relacionados à
dignidade da pessoa humana, intimidade, devido processo legal e presunção de inocência.
A vítima, por sua vez, ainda que por um bem maior, também termina sofrendo
alguns efeitos advindos da monitoração, visto que ela também passa a ser monitorada através
da Unidade Portátil de Rastreamento (UPR) e de posse do equipamento precisa assumir o
compromisso de zelar pelo dispositivo, comprometendo-se a devolvê-lo em perfeitas
condições de uso. Além disso, também precisa transportar consigo e recarregar diariamente a
UPR. Portanto, a monitoração eletrônica só poderá ter pleno êxito se não apenas o agressor,
mas a ofendida também se submeter às regras do sistema.
Ocorre que não existe qualquer previsão legal que se exija perguntar a vítima se ela
gostaria de fazer uso de um equipamento eletrônico, o qual transmitirá a sua localização e lhe
acarretará o cumprimento de responsabilidades. Dessa maneira, não seria incorreto afirmar
que o magistrado para não encarcerar o indivíduo, pode impor a vítima sem o consentimento
dela uma medida cautelar de monitoração eletrônica, a qual não está suficientemente clara se
é para desencarcerar ou protegê-la mediante a imposição de ter que participar de um programa
de vigilância.
Nesse sentido, é possível vislumbrar essa ausência de permissão da mulher - não
dando a ela oportunidade para falar sobre o seu desejo de querer ver ou não o monitoramento
eletrônico atuando em seu conflito - uma forma de retirar a autonomia/empoderamento tão
defendida pela Lei n° 11.340/2006. Neste ponto, adentrar-se-ia novamente na discussão da
64
inaptidão do sistema de justiça criminal para resolver os problemas de natureza doméstica por
não ser sensível aos reais anseios das vítimas.
Para não incorrer nessa celeuma, basta que os juízes passem a questionar a vítima
sobre a medida e posteriormente acompanhar os efeitos advindos do monitoramento
eletrônico, pois só as experiências vão poder mostrar até que ponto essa tecnologia é útil para
os casos de violência doméstica e familiar.
Como se trata de uma realidade extremamente recente, visto que em Recife/PE, por
exemplo, o monitoramento eletrônico envolvendo casos de violência intrafamiliar contra a
mulher se iniciou no final do ano de 2013, é muito cedo para se extrair qualquer conclusão a
respeito. No momento, o que se pode fazer é descrever como esses processos vem se
desenvolvendo na atual conjectura e relacioná-los com as pesquisas já existentes em torno dos
dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.
Fato é que já existe uma vasta literatura referente à monitoração eletrônica.
Igualmente para a violência de gênero. Contudo, no âmbito acadêmico e institucional ainda
são poucos os estudiosos dedicados a fazer essa relação entre a monitoração eletrônica e a
violência doméstica.
2.3 A medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada em decorrência de violação da
Lei Federal n° 11.340/06
2.3.1 O monitoramento eletrônico no âmbito do processo judicial
Atualmente, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação específica
prevendo as hipóteses de aplicação do monitoramento eletrônico para os conflitos de
violência doméstica e familiar. Todavia, essa ausência legal não foi obstáculo para os
magistrados aplicarem a medida cautelar, respaldando suas decisões nos termos do Art. 20 da
Lei Maria da Penha c/c o Art. 319, IX, do Código de Processo Penal.
No entanto, não há um tratamento jurídico no plano nacional estabelecendo como
deverão ocorrer os procedimentos e nem as hipóteses de cabimentos em que se deve aplicar o
monitoramento eletrônico para situações dessa natureza. Em outras palavras, quais os
requisitos a serem preenchidos pelo caso concreto para conferir ao juiz a possibilidade de usar
a ferramenta tecnológica como meio de inibir novos ciclos de violência? Quanto tempo
poderá durar o monitoramento? Qual a distância mínima que o agressor deverá se manter
65
afastado da vítima para não causar violações? O agressor precisa ser reincidente nas
agressões? São questionamentos ainda sem resposta por parte do Poder Legislativo.
Assim, como esses parâmetros não foram estabelecidos caberá ao juiz avaliar o caso
concreto e ter a sensibilidade de impor medidas razoáveis, de modo a proporcionar a proteção
necessária à vítima e ao mesmo tempo sem restringir demasiadamente os direitos do agressor.
Para suprir essa abertura legal, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e
Pernambuco regulamentaram a monitoração eletrônica de pessoas no âmbito da Justiça
Criminal através de uma Instrução Normativa. Nesse documento criou-se uma seção
específica para tratar a medida cautelar na seara das condutas praticadas nas circunstâncias da
Lei Maria da Penha.
A autora desse estudo realizou uma consulta online em busca de instruções
normativas expedidas por Tribunais de Justiça de outros Estados adeptos do monitoramento
eletrônico, contudo nada foi encontrado.
Em análise das instruções normativas do Estado do Paraná e Pernambuco, tombadas
respectivamente sob os números 09/2015 e 15/2016, verificou-se que o monitoramento
eletrônico é visto como a necessidade de oferecer maior proteção à mulher vítima de violência
doméstica com aplicação de alternativas capazes de dar efetividade às medidas protetivas de
urgência previstas na Lei n° 11.340/06.
Nesse sentido, seja no início, no meio ou fim do processo, caso o agressor venha a
descumprir as medidas protetivas de urgência decretadas a favor da vítima, é possível ao
magistrado recorrer ao monitoramento eletrônico para forçar o agressor a cumprir os termos
da decisão judicial, sob pena de ter decretada a prisão preventiva.
Especificamente em Pernambuco, a instrução normativa trouxe mais duas hipóteses
de cabimento para a monitoração eletrônica nos incisos I e II do Art. 9º: risco iminente à vida
e à integridade física e psicológica da vítima; conduta contumaz e reincidente do agressor.
Trata-se de possibilidades alternativas, bastando que apenas uma delas esteja presentes para
ensejar a imposição da medida cautelar.
Se o agressor está respondendo o processo judicial em liberdade e a vítima informa
ao juiz que aquele não vem cumprindo com as medidas protetivas ou que sua vida está em
risco, o magistrado pode determinar a monitoração eletrônica como medida alternativa à
prisão preventiva, independentemente dele já ter vivenciado a experiência do cárcere.
Caso o autor da violência esteja preso, o juiz poderá conceder a sua liberdade
provisória, aplicando a medida cautelar de monitoramento eletrônico.
66
Tanto a instrução normativa do Paraná como a de Pernambuco regulamentam
questões relacionadas ao prazo de duração da medida, distâncias a serem respeitadas,
obrigações de cada órgão envolvido na política, as regras a serem seguidas pelos
monitorandos, etc. Contudo, constata-se mais uma vez a ausência de normas uniformes a
serem aplicadas igualmente para todos os usuários do sistema de vigilância e sem qualquer
estudo técnico desenvolvido por especialistas capazes de avaliar até que ponto os direitos dos
indivíduos estão sendo respeitados.
2.3.2 O monitoramento eletrônico a partir da instituição das audiências de custódia
Há muito tempo que a audiência de custódia se encontra prevista em tratados
internacionais ratificados pelo Brasil, dentre eles a Convenção Americana de Direitos
Humanos, a qual em seu art. 7º, 5., reza que: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser
conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer
funções judiciais...”
A audiência de custódia20
no Brasil é disciplinada pela Resolução 213, de 15 de
dezembro de 2015, criada pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual prevê que toda pessoa
presa em flagrante delito deverá ser apresentada a autoridade judicial no prazo de 24 horas,
seja qual for o motivo ou a natureza que gerou a prisão. Essa audiência permite que o
indivíduo preso seja ouvido pelo juiz antes deste deliberar se o autuado será ou não mantido
preso e consequentemente encaminhado para um estabelecimento prisional. Assim, a referida
Resolução regulamenta o processamento dessa audiência realizada pelo magistrado em
relação ao preso, levando-se em consideração as conjunturas que ocorreu a prisão21
.
No momento em que o preso for apresentado, a autoridade judicial caberá verificar a
prisão sob o viés dos princípios da legalidade, da necessidade e da adequação para ao final
decidir pela manutenção da prisão ou pela concessão da liberdade. Caso o juiz entenda pela
liberdade do indivíduo, ele ainda deliberará acerca da aplicação ou não de outras medidas
cautelares, dentre elas o monitoramento eletrônico. Portanto, o juiz possui três possibilidades
de decisão, quais sejam: converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, conceder a
liberdade mediante imposição de medida cautelar e por fim, conceder a liberdade sem
aplicação de medida cautelar.
20 Em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, lançou o projeto Audiência de Custódia. 21 Vide artigo 8º da Resolução 213, o qual elenca as atribuições do juiz em relação ao preso durante a audiência de custódia.
67
Entretanto, por ser uma medida “desencarceradora” que busca assegurar direitos
humanos e evitar uma eventual antecipação de pena, a autoridade judicial só deve decidir pela
permanência da prisão “quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”
(Art. 282, § 6º, CPP).
No ano de 2016 na região metropolitana do Recife, os juízes começaram a deferir
medidas protetivas a favor da vítima de violência doméstica atreladas com a medida cautelar
de monitoramento eletrônico durante a audiência de custódia. O objetivo é evitar a demasia da
prisão provisória para os casos menos graves, como forma de cumprir com os princípios
constitucionais e processuais penais ligados a liberdade, a presunção de inocência, o devido
processo e a ampla defesa.
Na prática, após a audiência de custódia, uma equipe se desloca até o fórum para que
o custodiado já saia de lá monitorado. No entanto, também é comum o indivíduo ser escoltado
à Central de Monitoração Eletrônica para se proceder com a instalação da tornozeleira.
Como geralmente a mulher não está presente na audiência de custódia, o juiz
determina que a vítima seja intimada para comparecer à Central com fins de pegar a UPR ou
outro equipamento disponibilizado pelo Governo do Estado. Em Recife, por exemplo, as
mulheres comparecem a Secretaria da Mulher para tomarem posse da Unidade Portátil de
Rastreamento, ou seja, o local onde se instala o dispositivo no homem não é o mesmo onde a
mulher se dirige para pegar o seu equipamento.
Um dos principais cuidados que deve ser observado pelo juiz é o deferimento da
monitoração eletrônica, de forma excepcional, ou seja, em último caso, visando à promoção
da liberdade, quer para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quer para
as demais ocorrências de maneira geral.
Outro ponto importante da Resolução 213/2015 é que ela traz regramentos
específicos e complementares que devem ser atendidos pelos atores diante das situações de
medidas protetivas de urgência, em especial quando a Unidade Portátil de Rastreamento
estiver com uso disponível pela mulher, pois nesses casos além das cautelas necessárias em
todo monitoramento para se prevenir violações de direitos, em se tratando de violência
doméstica deve-se ainda evitar que as áreas de exclusão possuam um dimensionamento
extenso, de modo que o raio não ultrapasse 300 metros, salvo se a realidade da situação
demonstre ser imperioso estabelecer áreas maiores como meio de prevenir incidentes. Por
vezes, até um raio com distância menor pode ensejar a mudança de endereço do indivíduo e
consequentemente a exclusão social, por isso não se pode deixar de analisar com muito
68
cuidado o caso concreto, pois é preciso aplicar a medida para proteger a mulher, mas ao
mesmo tempo proporcionando a inclusão social da pessoa sob monitoração.
A mulher, por outro lado, não pode ser obrigada a fazer uso do equipamento como
também não pode sofrer nenhum tipo de punição se optar por interromper a medida, ou seja, a
Resolução proíbe o atrelamento da monitoração ao uso da UPR por parte da mulher.
2.4 Aparatos tecnológicos utilizados para prevenir e combater a violência doméstica
No contexto da violência doméstica, várias técnicas e equipamentos de
monitoramento eletrônico podem ser aplicados. Dentre eles, encontra-se aquele que é de uso
exclusivo do homem, como também aqueles apropriados para a mulher em situação de
violência. O funcionamento e as especificidades de cada um deles serão expostas abaixo.
Nos Estados brasileiros prestadores do serviço de monitoramento eletrônico,
verificou-se por meio das publicações do Conselho Nacional de Justiça (2015) e pelo Canal
de Ciências Criminais (2015) que a forma mais corriqueira de se aplicar essa medida nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher é através da combinação de dois
equipamentos: a Tornozeleira Eletrônica e a Unidade Portátil de Rastreamento.
No caso da tornozeleira eletrônica o juiz determinará qual a área territorial que o
agressor deverá se manter afastado e o perímetro que ele poderá circular. São as áreas de
inclusão e exclusão que poderão variar de 250 a 5000 metros. O dispositivo fixado no homem
permitirá que os agentes de segurança detectem a aproximação dele de modo a intervir e
evitar o encontro com a vítima.
Já a mulher fará uso da Unidade Portátil de Rastreamento (UPR), um dispositivo
com as mesmas funcionalidades da tornozeleira eletrônica. Opera-se por sistema GPS,
contudo ainda não se encontra presente em todos os Estados que utilizam a monitoração
eletrônica. Em Pernambuco essa ferramenta já vem sendo disponibilizada às mulheres. No
ano de 2015, a pesquisadora verificou perante a Secretaria da Mulher do Estado de
Pernambuco a existência de 50 (cinquenta) UPR, as quais estavam sendo utilizadas no Recife
e Região Metropolitana. Já no ano de 2016 essa quantidade passou para 100 (cem) unidades.
Nesse caso, não apenas o agressor como também a vítima passam a ser monitorados
mediante a integração de várias tecnologias, como a localização GPS e a comunicação GPRS
(rede celular).
69
Segundo a Spacecom, empresa responsável por disponibilizar o sistema e os
equipamentos de monitoramento eletrônico, a UPR normalmente tem a finalidade de
assegurar o cumprimento de medidas protetivas de urgência deferidas a favor da vítima,
obrigando o agressor a permanecer afastado dela. Em termos práticos, o esquema de
monitoração é formado pela Central de Monitoração, de onde é feito o rastreamento das partes
envolvidas no conflito, bem como da Unidade Portátil de Rastreamento e da Tornozeleira
eletrônica, conforme se visualiza na figura abaixo:
Figura 1 - Monitoração eletrônica de pessoas em situação de violência doméstica
Fonte: Spacecom Monitoramento S/A.
De posse dos dispositivos, tanto a ofendida quanto o agressor possuem o dever de
seguir regras para proporcionar a eficiência do sistema. Quando eles cumprem corretamente o
disciplinamento do monitoramento, o sistema consegue identificar a localização dos mesmos,
de modo a indicar através de alarmes a possibilidade de qualquer encontro físico. Em outras
palavras, a UPR fornecida à vítima e a tornozeleira instalada no agressor consegue obter a
localização deles em tempo real, permitindo a Central evitar essa aproximação ao entrar em
contato com os atores e com as demais instituições de apoio.
Se apenas a mulher estiver portando o dispositivo não haverá como monitorar o
agressor, fazendo-se essencial que a tornozeleira esteja acoplada a ele para que a monitoração
se torne possível. Por outro lado, o cumprimento de medidas protetivas de urgência deferidas
cumulativamente com a monitoração eletrônica é possível de acontecer somente com o
70
agressor em monitoramento, uma vez que é essencial a vítima não ser obrigada a fazer uso da
UPR. Por vezes, esse equipamento também não está disponível para as mulheres, seja pela
pequena quantidade de unidades em relação à demanda, seja pelo fato do Estado ainda não ter
adquirido essa tecnologia. De qualquer forma, existindo a tornozeleira, já é admissível se
proceder à monitoração se baseando no cumprimento das áreas de exclusão.
Com efeito, é evidente que se tanto a vítima quanto o agressor estão sob
monitoramento é muito mais fácil mensurar a distância entre eles e evitar o contato, pois a
Central de Monitoração se comunica com ambos para informar a aproximação. No caso da
indisponibilidade do dispositivo ou da recusa da vítima em usá-lo, também existe a
possibilidade de se monitorar o agressor para fazê-lo se manter distante das áreas proibidas,
contudo é inviável verificar a distância entre eles. Nessa esteira, Izabella Lacerda Pimenta
enfatiza que:
Nessa direção, deve-se considerar que a UPR, quando disponível nos serviços de
monitoração, não é de uso compulsório pela mulher em nenhuma fase do processo.
A recusa em utilizá-la não pode gerar punições ou sanções à mulher em situação de
violência doméstica e familiar, sobretudo porque a Lei Maria da Penha, a Lei das
Medidas Cautelas, tampouco a Lei da Monitoração Eletrônica não obrigam-na a
utilizar esse tipo de equipamento para que seus direitos e proteção social sejam
acessados e garantidos. Assim, quando for identificada a necessidade de uso da
monitoração eletrônica como mecanismo de acompanhamento no cumprimento de
medidas protetivas de urgência, a medida deverá ser aplicada pelo Juiz e
acompanhada pela Central de Monitoração eletrônica, independentemente da mulher
utilizar, ou não, a UPR (2017, p. 57).
Outra tecnologia utilizada é o “Botão do Pânico”. De acordo com o Conselho
Nacional de Justiça (2016), ele é formalmente chamado de Dispositivo de Segurança
Preventiva, o qual também só é concedido à mulher mediante autorização judicial. Trata-se de
um microtransmissor com GPS e recursos para gravar som ambiente caso seja acionado pela
mulher. Apertando o botão por três segundos, um sinal será enviado a central de
monitoramento e uma equipe de policiais se desloca até o local mediante as coordenadas
dadas pelo equipamento.
Nesse caso, verifica-se que esse dispositivo está em consonância com o princípio da
liberdade, privacidade e intimidade, pois não se monitora a localização da mulher e nem do
agressor. A geolocalização só será obtida quando o equipamento é acionado pela vítima em
uma situação iminente de agressão.
Em matéria publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (2016) sobre esse aparelho,
a juíza Hermínia Maria Silveira Azoury afirmou que “O uso do botão resulta em dois efeitos:
inibidor para os agressores e encorajador para as mulheres voltarem às atividades rotineiras,
como trabalhar ou mesmo sair à rua”.
71
No Brasil, o botão do pânico já se encontra disponível em algumas comarcas dos
Estados do Espírito Santo, São Paulo e Maranhão. Em Pernambuco, a implantação está na sua
fase inicial na comarca da cidade de Jaboatão dos Guararapes/PE com 50 (cinquenta)
unidades.
Foto 1 – Botão do pânico para vítimas de violência doméstica e familiar
Fonte: g1.globo / EPTV
Já o Dispositivo S.O.S. vem sendo usado no Estado da Paraíba. De acordo com o
Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (2014), normalmente a mulher fica portando o
dispositivo pelo prazo de 180 dias, podendo esse período ser renovado mediante autorização
judicial. O aparelho funciona com três opções de botões, sendo um verde, para indicar que
tudo está bem; um vermelho para sinalizar uma iminência de agressão; e um amarelo para ser
acionado quando a mulher perceber que o agressor está próximo.
Foto 2 – Dispositivo S.O.S.
Fonte: Tribunal de Justiça da Paraíba
72
Interessante destacar é que essa tecnologia pode ser fornecida pela Justiça como
também pela Delegacia da Mulher. Atualmente, os demais dispositivos eletrônicos utilizados
como instrumento de combate à violência doméstica só são disponibilizados mediante
autorização judicial. Assim, o fato de uma delegacia de polícia poder entregar um
equipamento de proteção sem a necessidade de aguardar uma decisão judicial confere amplo
acesso a rede de proteção, desburocratizando o processo.
Por fim, existe ainda o PLP 2.0, conhecido por ser um sistema desenvolvido para
celulares que possuem Android, podendo ser acionado se a mulher se sentir ameaçada. Essa
tecnologia também consegue gravar som e imagem, podendo ser instalado a uma rede de
pessoas privadas para segurança pessoal e cadastrar até cinco telefones da rede de proteção. A
medida é concedida a vítima mediante autorização judicial. O pedido de socorro é feito
agitando o telefone ou com quatro toques no botão liga/desliga do aparelho.
A sigla PLP significa Promotoras Legais Populares. Trata-se de lideranças femininas
treinadas pela ONG Themis Gênero e Justiça, as quais possuem a missão de orientar as
mulheres das suas respectivas comunidades.
Esse aplicativo foi idealizado por essa Organização Não Governamental sem o uso
de recursos públicos. Quando a mulher faz o pedido de socorro, um sinal de aviso é enviado à
central do serviço 190 da Polícia Militar, contendo as informações pessoais dela, a localização
por meio do GPS e o nome do agressor. Assim, os operadores do serviço de emergência terão,
automaticamente, acesso a todo o histórico de violência da mulher, permitindo adiantar o
atendimento à vítima.
Foto 3 – PLP 2.0
Fonte: Sul 21
73
Essa tecnologia está sendo utilizada pelos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo,
segundo as matérias publicadas pela Sul 21 e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul.
2.5 Diretrizes para a Central de Monitoração Eletrônica para os casos de violência doméstica
Para que o acompanhamento do monitoramento eletrônico seja executado de maneira
qualificada, faz-se necessária a estruturação de uma Central de Monitoração Eletrônica por
parte do poder Executivo Estadual, a qual ficará incumbida da administração e controle dessa
medida cautelar.
Segundo as diretrizes de políticas nacionais de monitoração eletrônica encontradas
no Decreto Lei n° 7.627/2011 e na Resolução 213/2015, as atividades da Central de
Monitoração deverão ser desenvolvidas em um local específico para o seu fim. Ou seja, para
concretizar os termos das decisões judiciais em que se determinou o monitoramento
eletrônico, não é adequado ter no mesmo estabelecimento questões relacionadas a meios de
execução de pena, tais como Centros de Detenção Provisória, Prisões ou Penitenciárias, tendo
em vista que a monitoração deve ser entendida como uma medida de desencarceramento,
especialmente para os presos provisórios22
.
Além do mais, o prédio da Central deve ser instalado em um local onde o acesso seja
fácil, com diversidades de linhas de transportes públicos e se possível nas proximidades do
Fórum Criminal para evitar conduções coercitivas.
Como já mencionado, a Central deverá ser composta por profissionais
multidisciplinares com capacidade para executar suas atividades primando pela integridade
física, psicológica e social do indivíduo em monitoramento. Seja qual for a atribuição de cada
um, todos possuem a obrigação de enxergar o indivíduo vigiado como um ser dotado de
direitos e não somente de obrigações. O discurso deles na Central deve ser voltado para
extinguir a visão punitivista da monitoração eletrônica, prevenindo-se nesse sentido que a
medida seja executada como um castigo, praticando atos que afaste o isolamento social, a
segregação, a discriminação e a violação de direitos fundamentais relacionados à saúde,
educação, assistência judiciária, trabalho, renda e qualificação profissional, convivência
familiar e/ou comunitária. 22 Surge aqui mais uma problemática identificada por Izabella Pimenta (2015, p.), pois ela vislumbrou que atualmente o
monitoramento eletrônico está sendo muito mais utilizado na fase de execução da pena do que durante a fase processual, o que demonstra apenas a expansão do controle penal por parte do Estado.
74
Em caso de violações das regras da monitoração eletrônica cometida pela pessoa em
monitoramento, as Centrais devem adotar o procedimento fornecido pelo protocolo, não
podendo os operadores proceder de maneira distinta ao determinado na metodologia, sob o
risco de se praticar violações de direitos do monitorado. Ora, se já foi comprovado que a
ausência de fluxos e diretrizes de âmbito nacional tem alto poder para ensejar infrações de
direitos relacionados à pessoa23
, não há como permitir que os operadores das Centrais deixem
de seguir as normas estabelecidas nos planos de ação, os quais atualmente ainda estão em fase
de elaboração (PIMENTA, 2017).
É relevante também que a Central solicite a presença da pessoa monitorada apenas
em situações excepcionais e estritamente necessárias. Ela só deve fazer o encaminhamento do
monitorado para rede de proteção depois de esclarecido sobre o que se trata e de acordo com a
vontade dele. Ressalte-se ainda que todos os serviços prestados pela Central precisam conferir
ao sujeito sob vigilância, total confidencialidade e sigilo, de modo a proteger todos os dados
pessoais informados. Qualquer divulgação nesse sentido pode ser catastrófica para o
monitorando por poder ocasionar discriminação e outros prejuízos de ordem moral e
psicológica. Logo, é fundamental que os dados pessoais dos indivíduos sejam resguardados ao
máximo, sendo permitido o acesso apenas aos operadores das Centrais e quando necessário
para desenvolver as respectivas funções na forma estabelecida pelas diretrizes24
.
Além desses e outros aspectos gerais, o Decreto Lei n° 7.627/2011 e a Resolução 213
de 2015 do Conselho Nacional de Justiça apontam as seguintes atribuições para as Centrais de
Monitoração Eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher nas
situações em que ela também está sendo monitorada através da UPR:
Acompanhar as medidas protetivas aplicadas, efetuando acolhimento e
encaminhamentos das mulheres em uso de UPR para a rede de proteção da mulher
sempre de forma voluntária a partir das especificidades de cada caso, visando a
reversão de vulnerabilidades sociais.
Agendar procedimentos e encaminhamentos, evitando longos períodos de espera e
permanência das pessoas monitoradas na Central, sobretudo das mulheres em
situação de violência doméstica que optarem pela utilização da UPR.
Agendar procedimentos e encaminhamentos em dias e horários distintos para as
pessoas monitoradas e para as mulheres em situação de violência doméstica,
evitando eventuais descumprimentos das medidas protetivas de urgência.
Disponibilizar estruturas indispensáveis, antes, durante e após qualquer tipo de
atendimento/procedimento, como: banheiros feminino e masculino; sala de espera
com número suficiente de cadeiras para comportar demandas agendadas e
espontâneas, incluindo sala de espera reservada unicamente para mulheres em
23 Nesse sentido, vide Izabella Lacerda Pimenta no Relatório de Implementação da Política de Monitoração Eletrônica de
Pessoas no Brasil, ano 2015. 24 Vide “Diretrizes para Tratamento e Proteção de Dados na Monitoração Eletrônica de Pessoas”, em
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/monitoracao-eletronica-1/arquivos/diretrizes-para-tratamento-e-protecao-de-dados-na-monitoracao-eletronica-de-pessoas.pdf
75
situação de violência doméstica; bebedouros; iluminação adequada; ventilação
condizente com as condições climáticas locais; serviços de limpeza.
Garantir a compreensão acerca da utilização adequada do equipamento individual de
monitoração eletrônica e da UPR, visando minimizar os incidentes de violação e os
danos físicos, psicológicos e sociais às pessoas monitoradas.
Portanto, aspectos ligados à estrutura e ao funcionamento da Central de Monitoração
Eletrônica devem focar a preservação e garantia de direitos da pessoa em monitoramento seja
qual for a natureza da medida ou a etapa em que se encontre o processo.
A mulher em situação de violência doméstica também deve ser sujeito principal da
Central quando a decisão judicial disponibilizar a ela a Unidade Portátil de Rastreamento.
Nesses casos, a Central conscientiza a mulher da existência de programas de apoio e proteção,
pois havendo interesse por parte dela, procede-se ao encaminhamento. Quando da elaboração
de um modelo de gestão de pessoas de monitoração eletrônica, é recomendável que os
operadores das Centrais de Monitoração chamem as mulheres portadoras da UPR pelo seu
próprio nome e não de “vítima” ou qualquer outro substantivo que reafirme essa condição
retirando dela o empoderamento/autonomia contemplada na Lei n° 11.340/2006.
Assim, como o sistema de monitoração envolve diretamente a mulher é fundamental
que ela também tenha ciência de todos os efeitos práticos oriundos do seu processo e seja
orientada acerca do funcionamento da medida cautelar. Da mesma maneira que existem
procedimentos direcionados ao monitorando, há também processos específicos para as
mulheres protegidas por essa política, quais sejam: comparecimento ao Juizado ou Vara de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; primeiro atendimento na Central de
Monitoração Eletrônica, possíveis encaminhamentos; e, tratamentos de incidentes.
Quando o juiz defere medidas protetivas de urgência a favor da mulher juntamente
com a monitoração eletrônica, ela é solicitada a comparecer a Vara de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, pois é lá que a mesma tomará ciência da medida e receberá as
primeiras informações acerca dos procedimentos e da Unidade Portátil de Rastreamento. É
importante a formulação de uma parceria entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário para
que a mulher tenha um espaço para ser ouvida pela equipe multidisciplinar da Central de
Monitoramento na própria Vara. Logo após ser cuidadosamente inteirada, a mulher poderá
decidir se irá fazer ou não uso na UPR.
A decisão da mulher em não fazer uso do dispositivo eletrônico não pode ensejar
qualquer tipo de punição para ela, nem mesmo a revogação do deferimento das medidas
protetivas de urgência. Obrigá-la ao uso seria uma forma de violar a Lei Maria da Penha por
estar retirando dela o empoderamento e os direitos reconhecidos legalmente.
76
O primeiro atendimento da mulher pode ocorrer nas dependências do próprio fórum
quando existe um posto da Central de Monitoração Eletrônica instalado nas dependências
deste. É nesse momento que a mulher recebe orientações acerca do programa de vigilância,
permitindo que ela entenda por completo todos os aspectos das medidas protetivas de
urgência e da monitoração eletrônica. Esse primeiro atendimento acontece logo depois da
audiência que determinou a medida cautelar diversa da prisão ou assim que ela receber a
intimação da decisão decretando a medida.
Além das orientações prestadas à mulher, ela também deverá ser avaliada pela equipe
multidisciplinar. Os profissionais deverão levar em consideração a situação física da mulher,
bem como a sua condição social e psicológica, local de moradia e a necessidade de ter que
encaminhá-la para ser incluída em programas de proteção ou tratamentos específicos.
Ressalte-se que esses encaminhamentos só devem ser feitos de acordo com a vontade da
mulher, dando sempre a ela liberdade de escolha, não se podendo impor ou coagir a
frequentar qualquer tipo de programa ou tratamento.
Caso a mulher deseje utilizar a UPR, o equipamento deverá ser entregue logo após o
primeiro atendimento. Ela também é cadastrada no sistema de monitoramento e uma vez
inserida passa a ser monitorada.
É importante que antes da mulher receber o equipamento, ela assine um documento
que contenha as orientações a serem seguidas durante o tempo da medida. Os dados pessoais
dela não podem deixar de ser preservados, por isso é interessante que ela assine um
documento dando ciência desse direito.
A mulher só deve comparecer a Central de forma eventual e diante das seguintes
necessidades: reparos técnicos e substituições na unidade portátil de rastreamento; devolução
da unidade portátil de rastreamento no prazo final da medida; ou, caso opte por interromper o
uso da UPR (PIMENTA, 2015).
A Central de Monitoração Eletrônica e o Poder Judiciário precisam manter uma
relação constante capazes de trocar informações e adotar posicionamentos ágeis para que o
sistema funcione de forma ideal e consequentemente garanta a proteção eficiente e necessária
à mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Objetivando aprimorar cada vez mais a política de monitoração eletrônica
envolvendo situações de violência doméstica, recomenda-se a Central a realização de estudos
de casos periodicamente, visando estudar e definir o melhor tratamento a ser aplicado a
determinados casos, propiciando acompanhamentos e encaminhamentos mais adequados.
Entretanto, para se desenvolver essa atividade é fundamental uma gestão de informações, ou
77
seja, é preciso que todos os procedimentos executados pela Central de Monitoração estejam
atualizados e informatizados.
Portanto, o presente capítulo pretendeu propiciar uma compreensão a respeito da
monitoração eletrônica de pessoas, especialmente quando a situação real está relacionada com
a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher no Brasil. Buscou-se formar uma
compreensão acerca da vigilância e a sua inserção no sistema penal em face dos clamores por
mecanismos capazes de proporcionar resultados eficientes no combate à criminalidade.
Inobstante os estudos já realizados demonstrando a incapacidade da monitoração eletrônica no
enfrentamento da violência doméstica - por ser utilizada como uma ferramenta de manutenção
do controle penal - o ajustamento da política mediante a implantação de protocolos que
assegurem direitos fundamentais do agressor podem torna-la eficiente na função de proteger a
mulher vítima; sem no entanto, atuar nas causas do problema em razão da sua inaptidão.
Por isso, nesse tópico, procurou-se apontar algumas medidas mínimas com base nos
estudos desenvolvidos por pesquisadores da área para aplicar a monitoração eletrônica da
maneira mais adequada possível, ou seja, diminuindo ao máximo os processos de
estigmatização, seletividade, discriminação e novas criminalizações.
78
3 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER NA CIDADE DO RECIFE: RELATOS DA
PESQUISA EMPÍRICA
3.1 Metodologia
Com base no que já foi discorrido nos capítulos anteriores, a presente pesquisa tem
como objetivo explorar a contribuição da monitoração eletrônica para os conflitos envolvendo
violência doméstica e familiar cometida contra a mulher. De forma mais específica, como
vem ocorrendo à aplicação dessa medida cautelar diversa da prisão na cidade do Recife e
consequentemente o impacto provocado nas vítimas a partir da percepção delas.
É difícil se estabelecer hipóteses para esse tipo de pesquisa porque inúmeras são as
variáveis que podem ser encontradas no campo de observação, o que termina refletindo
diretamente no resultado do trabalho. Mesmo assim, a pesquisadora ousa estabelecer duas
hipóteses sem descartar a possibilidade de se obter um terceiro resultado que se coloque entre
elas, quais sejam: 1ª) A concessão das medidas protetivas a favor da mulher vítima atrelada à
medida cautelar de monitoramento eletrônico se apresenta como um instrumento efetivo de
combate à violência doméstica, por conferir a esta constante proteção e ao mesmo tempo ser
capaz de gerar senso de responsabilização para o agressor. Nesse sentido, as vítimas
enxergam o monitoramento eletrônico como uma medida altamente positiva por conseguir
retirá-la dos ciclos de violência sofridos na relação intrafamiliar. 2ª) Diante do fato do
monitoramento eletrônico estar sendo utilizado como uma ferramenta do Direito Penal e
Processual Penal, essa medida cautelar não serve para solucionar os conflitos domésticos e
familiares praticados contra a mulher, tendo em vista que já restou comprovado por meio de
outras pesquisas científicas que os referidos ramos do Direito não estão aptos a aplicar uma
solução ao problema de modo a satisfazer aos anseios da vítima. Assim, o monitoramento
eletrônico serviria apenas como mais uma maneira de punir prematuramente o acusado,
colocando-o em uma “prisão virtual” e estigmatizando-o perante a sociedade.
Para desenvolver corretamente essa investigação, evidentemente foi necessário
adotar um método que se adequasse as pretensões da pesquisadora. Na ideia de se elaborar
uma pesquisa de cunho científico, o conceito de método pode ser definido segundo Regis
(1995, p. 71) como sendo “a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários
para atingir um fim dado”. Já Abbagnano (1962, p. 641) vislumbra o método como o
“procedimento de investigação ordenado, repetível e auto corrigível que garanta a obtenção de
79
resultados válidos”. Com efeito, para se atingir resultados representativos de uma dada
realidade é necessário promover uma pesquisa criteriosa, devendo-se afastar qualquer fator
capaz de pôr em risco a credibilidade do estudo. Para isso, é fundamental determinar os meios
de investigação e a ordem da pesquisa.
Por outro lado, o pesquisador não deve abrir mão da liberdade de utilizar todos os
métodos que julgar necessários para alcançar o objeto da pesquisa, contudo sem desprezar o
rigor no momento de aplica-lo e ao mesmo tempo alinhá-lo com o problema em estudo. Nesse
contexto, vale a lição de Bourdieu (2012, p. 25-26) ao apresentar a diferença entre rigor e
rigidez, pois segundo o referido autor um “monoteísmo metodológico” exagerado
caracterizado por procedimentos planejados a serem seguidos fielmente pode se tornar um
verdadeiro obstáculo para obtenção da verdade. Assim, relativamente à construção de uma
pesquisa científica, enquanto a rigidez prega a execução de um único método a ser seguido à
risca, o rigor está voltado à ideia de que incumbe ao pesquisador escolher o(s) método(s) a
ser(em) aplicado(s) ao longo da pesquisa de acordo com as dificuldades e facilidades
vislumbradas no campo empírico, permitindo “modificar, sempre que necessário, os planos
de pesquisa abstrata e previamente pensados a fim de dar forma e adaptar o objeto de
estudo” (BOUDIEU, 2012, p. 27).
Esse conceito se adequa bastante com a presente pesquisa, uma vez que como o
objeto é algo pouco explorado no meio acadêmico, especialmente pelo recorte feito na cidade
do Recife, a pesquisadora não tinha qualquer noção do que iria encontrar na experiência
empírica, impossibilitando a eleição de uma técnica prévia para respaldar os processos de
exploração.
Becker (1999, p. 12-14) retrata bem essa questão ao defender que o pesquisador não
precisa se vincular as técnicas metodológicas pré-moldadas, tendo em vista que para o
referido autor é plenamente possível inovar o método com base nas orientações já existentes
de modo a criar fórmulas que atenda as necessidades das pesquisas desenvolvidas por cada
sujeito e combata os obstáculos que possam surgir ao longo dessa tarefa.
Inobstante esses argumentos, até mesmo pelo objeto declarado na pesquisa, fica
evidente que ela tem caráter exploratória-descritiva, tendo como finalidade identificar,
compreender e interpretar o fenômeno investigado. De acordo com Gil (1996), a pesquisa
exploratória tem por objetivo conferir familiaridade com o problema de modo a torná-lo
explícito. Para Zikmund (2000), os estudos exploratórios, geralmente, são úteis para
diagnosticar situações, explorar alternativas ou descobrir novas ideias. Esses trabalhos são
geridos durante o estágio inicial de um processo de pesquisa mais amplo, em que se procura
80
esclarecer e definir a natureza de um problema e gerar mais informações que possam ser
adquiridas para a realização de futuras pesquisas conclusivas.
Já a fase descritiva, descreve as características que envolvem o fenômeno a partir das
observações e levantamentos realizados (CERVO et. al, 2007). Esse tipo de pesquisa, segundo
Selltiz et al. (1965), busca descrever um fenômeno ou situação em detalhe, especialmente o
que está ocorrendo, permitindo abranger, com exatidão, as características de um indivíduo,
uma situação, ou um grupo, bem como desvendar a relação entre os eventos.
Inserindo esse argumento na presente pesquisa, a ideia no início era apenas observar
a aplicação do monitoramento eletrônico nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, entretanto ao adentrar no campo se encontrou um acervo de dados relacionados à
temática, os quais não puderam passar despercebidos aos olhos da pesquisadora. Assim,
passou a ser fundamental fazer uma pesquisa documental direta, tornando a mesma além de
qualitativa, quantitativa também.
No que diz respeito à natureza do método, percebe-se que a pesquisa é qualitativa e
quantitativa. A união dessas duas técnicas permite alcançar completamente a finalidade do
estudo, já que o método qualitativo busca, segundo Becker (2014, p. 186-188) descrever ou
mesmo demonstrar a dinâmica cotidiana de determinadas instituições, ao passo que o método
quantitativo centraliza o seu processo na descoberta e na explicação de certos fatos sociais
através de números e padrões estatísticos. Alinhando a teoria a presente pesquisa, percebe-se
que será descrito o funcionamento da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco e do
Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER) no tocante a aplicação da
monitoração eletrônica nos conflitos de violência doméstica e familiar contra a mulher e
posteriormente será exposto o impacto dessa política através de dados estatísticos
relacionados à escolaridade da vítima, estado civil, renda mensal, filhos com o agressor,
raça/etnia, religião, orientação sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com o agressor,
tipo de violência sofrida, tipificação, tempo do relacionamento (nos casos em que mulher e
acusado eram parceiros íntimos), idade, etc.
Em relação à técnica de coleta de dados esta pesquisa optou por observação e
conversas informais para se compreender a política de monitoração eletrônica a partir da
percepção da vítima, pois esses métodos permitiram entender com intensidade os fenômenos
sociais com base na interpretação dos significados atribuídos pelas atoras envolvidas. Em
outras palavras, através desses métodos foi possível se inserir em uma cultura, interpretar um
determinado comportamento e descrever as impressões da pesquisadora inserida naquele
ambiente.
81
A observação, segundo Cervo & Bervian (2002), é aplicar atentamente os sentidos
físicos a um amplo objeto, para dele adquirir um conhecimento claro e preciso. Para esses
autores, a observação é vital para o estudo da realidade e de suas leis. Sem ela, o estudo seria
reduzido a “[...] à simples conjetura e simples adivinhação”. A observação também é
considerada uma coleta de dados para conseguir informações sob determinados aspectos da
realidade. Ela ajuda o pesquisador a identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os
quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento (MARCONI
& LAKATOS, 1992). A observação também obriga o pesquisador a ter um contato mais
direto com a realidade.
Trabalhando nesse sentido, durante a passagem na Secretaria da Mulher do Estado de
Pernambuco, o diário de campo se tornou a melhor ferramenta para se registrar não apenas
fatos comuns como também inusitados, especialmente as impressões da pesquisadora em
torno dos acontecimentos.
Como a pesquisa de campo se desenvolveu na Secretaria da Mulher do Estado de
Pernambuco e era nesse local que a pesquisadora tinha contato com as mulheres em
monitoramento, optou-se por não entrevistá-las na presença das técnicas desse órgão, pois se
percebeu o alto risco de gerar respostas incompatíveis com os reais sentimentos delas e
consequentemente concluir algo não correspondente à verdade. Portanto, a ideia principal era
observar o ato e somente conversar informalmente com as mesmas quando a pesquisadora
percebesse que a mulher estava se sentindo muito a vontade para falar.
Como no local da pesquisa de campo, a pesquisadora normalmente sentia a inibição
das mulheres, tentou-se conversar com elas por telefone25 na tentativa de compreender
verdadeiramente o sentimento delas a respeito do monitoramento eletrônico. Logo de início,
não se acreditou no sucesso dessa técnica, mas no final surtiu o efeito desejado, como pôde
ser colocado ao longo desse capítulo.
Toda a descrição presente nesse capítulo é produto daquilo que foi registrado ao
longo de 4 (quatro) meses frequentando o local investigado e por isso se trata da interpretação
da pesquisadora acerca dos acontecimentos naturais do cotidiano. Por ser a visão da estudiosa
a partir da experiência vivenciada, procurou-se conferir precisão aos relatos para que eles 25 Judith E. Sturges e Kathleen J. Hanrahan, ambas de Universidades da Pensilvânia, Estados Unidos, publicaram uma nota
de pesquisa relatando os resultados de uma comparação de entrevistas presenciais com entrevistas telefônicas em um estudo
qualitativo. O estudo foi concebido para os agentes correcionais relatarem suas percepções das visitas realizadas aos presos
de uma determinada prisão. O desenho original do estudo exigia que todas as entrevistas fossem presenciais, mas as
contingências de trabalho de campo exigiram uma adaptação e metade das entrevistas foi feita por telefone. Bibliografia
anterior sugerida indicava que esses dois modos de entrevista podem produzir resultados diferentes. Contudo, a comparação
das transcrições das entrevistas não revelou diferenças seja nas presenciais, seja nas telefônicas. Portanto, concluíram que
entrevistas realizadas por telefone em uma pesquisa qualitativa podem ser utilizadas de forma produtiva (2004, p. 107).
82
sejam transparentes, respaldados em evidencias e consequentemente aceitáveis, ainda que
passíveis de contestação e controle (OLIVEIRA, 2000, p. 26-28).
Como frisado, ao longo da observação dedicada ao local do campo, vislumbrou-se a
possibilidade de se proceder a uma pesquisa documental na própria Secretaria da Mulher, pois
durante o funcionamento desse órgão, verificou-se que para cada caso relativo à aplicação do
monitoramento eletrônico para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, as
técnicas abriam uma pasta onde inseriam todo o histórico do procedimento. Não era apenas a
narrativa da violência sofrida pela mulher como também todas as informações capazes de
formar o perfil da mulher submetida a essa política de enfrentamento. Diante dessa ocasião, a
pesquisadora requereu acesso aos dados relacionados a todas as mulheres monitoradas no ano
de 2016 na cidade do Recife, não havendo qualquer tipo de objeção nesse sentido.
Durante a análise dos documentos que retratavam as vítimas, vislumbraram-se em
algumas pastas as decisões judiciais responsáveis por decretar o monitoramento eletrônico. E
mais uma vez, a pesquisadora se viu na necessidade de analisar os fundamentos utilizados
pelos juízes para a imposição da medida cautelar diversa da prisão.
Ao todo, no ano de 2016, foram monitorados eletronicamente 162 (cento e sessenta e
dois) casos de violência doméstica e familiar contra a mulher no Estado de Pernambuco, dos
quais 63 deles são referentes à cidade do Recife. Como o recorte da pesquisa foi a cidade do
Recife, todas as ocorrências dessa área foram analisadas e os resultados compilados em
planilhas demonstrativas, conforme se observa ao longo desse capítulo.
Relativamente às decisões judiciais, dentro da Secretaria da Mulher foi possível
estudar 36 (trinta e seis) decretações para a monitoração eletrônica, as quais também possuem
as percepções da pesquisadora realizadas a partir de conhecimentos técnicos jurídicos, mas
também sob o ponto de vista do referencial teórico da criminologia crítica. Também no citado
órgão, encontrou-se 14 (catorze) decisões revogando a medida cujos fundamentos também
foram apontados.
Visando compilar e examinar todos os resultados frutos da pesquisa para em seguida
alcançar os percentuais estatísticos, utilizaram-se planilhas e gráficos criados no Excel,
software específico para esse fim. Na medida que as variáveis (idade, religião, cor, renda
mensal, filhos com o agressor, etc) foram se apresentando à pesquisadora, buscou-se inseri-las
cada uma em planilha específica e em seguida passou-se a alimentá-la conforme os processos
pesquisados. Assim, quanto às técnicas de análise de dados esta pesquisa fez uma descrição
simples dos dados obtidos.
83
Verifica-se de maneira cristalina que essa coleta de dados desagua no método
indutivo, tendo em vista que a partir do estudo de casos particulares, buscou-se extrair
conclusões gerais. Ou seja, o exame do perfil de cada mulher monitorada no ano de 2016,
permite alcançar informações, as quais podem ser consideradas verdades universais.
Igualmente ocorre com a análise das decisões judiciais que decretou o monitoramento
eletrônico nos conflitos de ordem doméstica e familiar contra a mulher.
Como as incursões de campo da pesquisadora se iniciaram no mês de setembro de
2016, foi possível interagir com 17 mulheres na busca de se compreender o monitoramento
eletrônico sob a ótica delas, cujo conteúdo também foi exposto em tópico específico. Desse
quantitativo, 07 (sete) delas tiveram contato com a pesquisadora nas instalações da própria
Secretaria da Mulher, já as 10 (dez) demais fizeram suas colocações sobre o programa de
monitoração eletrônica durante as conversas realizadas por telefone. Ressalte-se que 17 foi o
número de mulheres com as quais a pesquisadora interagiu, pois durante a permanência no
local do campo, o fluxo de vítimas foi maior que esse.
Por fim, vale enfatizar que a presente pesquisa não necessitou de autorização do
Comitê de Ética em Pesquisa, visto que qualquer nome ou informação capaz de identificar os
atores envolvidos na investigação foram totalmente suprimidos dos resultados da pesquisa.
3.2 Ainda sobre algumas questões de método e do campo
De início, acreditou-se que o local da pesquisa de campo ocorreria no Centro de
Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER), situado na Rua Gervásio Pires, n° 850,
Santo Amaro, Recife-PE, responsável pela gestão do Monitoramento Eletrônico. Na verdade,
a denominação indica ser a Central de Monitoração Eletrônica, tão mencionada no segundo
capítulo dessa dissertação. Portanto, no dia 03 (três) de agosto de 2016, a pesquisadora se
dirigiu até o CEMER para verificar a possibilidade de se inserir naquele local de trabalho,
apenas para observar a dinâmica do serviço. Na oportunidade, já ficou evidente que apenas os
homens que praticaram violência doméstica e familiar frequentavam aquele departamento,
tendo em vista que as mulheres vítimas adquiriam o equipamento e recebiam instruções na
Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, situada na Rua Cais do Apolo, n° 222, Bairro
do Recife, Recife-PE.
Procurou-se ir apenas mais uma vez ao CEMER para entender as atribuições dessa
repartição, pois a proposta da pesquisa é estudar a monitoração eletrônica na cidade do Recife
84
a partir da percepção das mulheres que fizeram uso do sistema. A segunda visita aconteceu no
dia 21 de dezembro de 2016. Nesse dia, a pesquisadora sentiu a necessidade de frequentar
aquele local por mais alguns dias, não só para observar o desenvolvimento do serviço, como
também para conversar mais com os funcionários do local, visto que durante a passagem na
Secretaria da Mulher, verificou-se que algumas vítimas atribuíam ao CEMER a
responsabilidade pela pouca eficiência do monitoramento eletrônico. Nesses dias houve um
grande acolhimento da pesquisadora nesse local, em especial pela coordenadora que não
mediu esforços para explicar toda a dinâmica do sistema. Além da narrativa de diversos casos
reais, cujos discursos, adiantem-se, corroboram bastante com os aqueles presentes no trabalho
de Welliton Caixeta Maciel (2014), em Belo Horizonte; foram também repassados vários
dados relativos aos aspectos formais relacionados ao quantitativo de operadores e atribuições
dos setores, os quais serão apontados em tópico específico.
Em 12 de setembro de 2016, a pesquisadora começou a frequentar a Secretaria da
Mulher, pois é nesse órgão onde se encontram todas as informações relacionadas ao processo
de monitoração das mulheres. É por meio dessa Secretaria que as vítimas recebem a Unidade
Portátil de Rastreamento (UPR), o único equipamento disponibilizado às mulheres vítimas de
violência pelo Estado de Pernambuco, mediante decisão judicial.
A partir de então, a pesquisadora passou a frequentar a Secretaria da Mulher de duas
a três vezes por semana, perdurando até meados de janeiro de 2017. Nesse período, foi
possível entender como se dá o funcionamento desse órgão, especificamente no tocante ao
monitoramento eletrônico. Além disso, presenciou-se o atendimento das mulheres no
momento da entrega e devolução do dispositivo eletrônico, onde foi possível conversar com
as mesmas na tentativa de compreender o impacto da política na violência vivenciada por
elas.
Ainda na Secretaria da Mulher também se realizou o levantamento de dados relativos
à escolaridade, estado civil, renda mensal, filhos com o agressor, raça/etnia, religião,
orientação sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com o agressor, tipo de violência
sofrida, tipificação, tempo do relacionamento (nos casos em que mulher e acusado eram
parceiros íntimos), idade, etc.
Como as decisões judiciais que deferiram medidas protetivas cumuladas com o
monitoramento se encontravam anexadas na pasta de cada mulher atendida pela Secretaria,
tornou-se essencial analisar os fundamentos utilizados pelos juízes no momento da decretação
da medida.
85
Desde já, vale salientar a total colaboração de todos os agentes inseridos nesse
serviço, os quais não se mediram a fornecer qualquer tipo de informação solicitada pela
pesquisadora, acolhendo esta com empenho na rotina das atividades.
Ainda no início das incursões de campo, a pesquisadora também chegou a ir na 1ª
Delegacia de Polícia da Mulher (DEMUL), situada na Rua do Pombal, Praça do Campo,
Santo Amaro, Recife/PE, para compreender o fluxo da monitoração eletrônica na esfera
policial. Entretanto, conversando com a delegada de polícia titular, a mesma afirmou que uma
vez formalizado o inquérito policial e remetido para as Varas de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher (VVDFM), a delegacia não recebe informações do desfecho que foi
dado para o caso. Assim, verificou-se não existir uma troca de informações entre a DEMUL e
a VVDFM, de modo que se o juiz determinar medidas protetivas de urgência a favor da
mulher cumulada com a medida cautelar de monitoração eletrônica, a delegacia especializada
não toma ciência disso. Por essa razão, descartou-se qualquer possibilidade de continuar
frequentando esse órgão por não existir informações capazes de fomentar o núcleo da
pesquisa.
3.3 O monitoramento eletrônico nas circunstâncias da Lei Maria da Penha em Pernambuco
A possibilidade de se monitorar eletronicamente os indivíduos que cometem
violência doméstica e familiar contra a mulher no Estado de Pernambuco surgiu como uma
medida de enfrentamento para reduzir o número alarmante de feminicídios ocorridos na
região no ano de 2013. Trata-se de uma das ações do Programa Justiça para as Mulheres:
agora e sempre, cujo lançamento se deu em 23 de setembro de 2013. Em suma, o referido
programa visou fortalecer as táticas presentes no plano estadual para prevenir, punir e
erradicar a violência contra as mulheres, de modo a promover a integração entre todos os
atores envolvidos no combate a esse tipo de agressão.
Os órgãos responsáveis pela aplicação, administração, gestão e execução do
monitoramento eletrônico no Estado são: o Centro de Monitoramento Eletrônico de
Reeducandos, o qual faz parte da Secretaria Executiva de Ressocialização; a Secretaria da
Mulher de Pernambuco, através da Diretoria Geral de Enfrentamento da Violência de Gênero
e as Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ligadas ao Tribunal de Justiça
de Pernambuco.
86
O primeiro deferimento da medida cautelar de monitoração eletrônica em Recife
ocorreu em 10 de dezembro de 2013 por intermédio da decisão judicial proferida pela Dra.
Marylúsia Feitosa, juíza da 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da
Capital.
Objetivando regulamentar a monitoração eletrônica na proteção das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar no Estado de Pernambuco, em 05 de agosto de
2015, editou-se a Portaria Conjunta SJDH/SECMULHER – PE N° 050, a qual trata sobre a
atuação da Secretaria Executiva de Ressocialização – SERES, através do Centro de
Monitoramento Eletrônico de Reeducandos – CEMER, com fundamento no Art. 319, inciso
IX, do Código de Processo Penal combinada com a Lei n° 11.340/06.
De forma sucinta, a referida portaria, assinada pelo Secretário de Justiça e Direitos
Humanos e pela Secretária da Mulher de Pernambuco, disciplina a responsabilidade dessas
Secretarias relativamente ao monitoramento eletrônico, bem como as atribuições dos demais
órgãos envolvidos com a política (Anexo A).
Diante da necessidade de normatizar o uso da pulseira/tornozeleira eletrônica pelos
presos em saída temporária, em prisão domiciliar e pelos beneficiários da monitoração
eletrônica enquanto medida cautelar diversa da prisão (como é o caso da violência doméstica),
o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco publicou a Instrução Normativa
n° 15/2016, de 11 de julho de 2016, fundamentada entre outras questões, na necessidade de
conferir maior proteção à mulher vítima de violência doméstica, nos termos da Lei Federal n°
11.340/2006, com a aplicação de alternativas capazes de dar mais efetividade às medidas
protetivas de urgência previstas nessa lei (Anexo B).
Essa instrução normativa foi expedida pelo Tribunal de Justiça em razão da
utilização de monitoramento eletrônico ser disciplinada por decisão do Juízo competente, o
qual determinará as restrições impostas ao monitorado dentro do Estado de Pernambuco.
Dentre as seções inseridas do referido instrumento legal, a Seção I do Capítulo II, traz no Art.
9º as normas referentes ao cabimento da monitoração eletrônica em decorrência de violência
doméstica e familiar, o qual reza:
Art. 9º. A medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada em decorrência de
violação da Lei Federal nº 11.340/06 deverá ser determinada sempre que o juízo
competente constatar quaisquer das seguintes situações:
I - risco iminente à vida e à integridade física e psicológica da vítima;
II – conduta contumaz e reincidente do agressor;
III- descumprimento de medida protetiva de urgência.
87
§1º No ofício que encaminha a decisão de monitoramento eletrônico para os órgãos
responsáveis pelo monitoramento, a saber Centro de Monitoramento Eletrônico de
Reeducandos – CEMER e Secretaria da Mulher de Pernambuco, deverão constar:
I- os dados pessoais atualizados da vítima e do acusado, inclusive seus números de
telefone e endereço;
II- a área de inclusão, que corresponde ao raio em que o acusado deverá permanecer
durante um determinado horário, na forma estabelecida nesta instrução;
III- a área de exclusão, que corresponde ao local de circulação proibida ao acusado,
na forma estabelecida nesta instrução, e que deverá ser definida nos seguintes
termos:
a) área de exclusão fixa, que poderá variar de 2 (dois) a 5 (cinco) km (quilômetros)
de raio, a critério do juiz;
b) área de exclusão móvel, com 500 (quinhentos) metros de raio.
§2º Toda vítima contemplada com o Programa de Monitoramento Eletrônico deverá
ser encaminhada à Secretaria da Mulher de Pernambuco para atendimento
psicossocial, inclusive aquelas que não expressem o desejo de participar do referido
programa.
§3º Na hipótese de não ser possível disponibilizar imediatamente o dispositivo de
monitoramento eletrônico para a vítima de Violência Doméstica e Familiar, fica a
Secretaria da Mulher de Pernambuco juntamente com o Centro de Monitoramento
Eletrônico de Reeducandos – CEMER responsáveis pelo agendamento de nova data.
Da leitura desse dispositivo, vislumbra-se a possibilidade de se decretar o
monitoramento eletrônico para os casos de violência doméstica não apenas para assegurar o
cumprimento de medidas protetivas de urgência como também não precisa que a conduta seja
contumaz e reincidente. Alargou-se a hipótese de aplicação do monitoramento eletrônico para
o autor da violência quando este representar um risco iminente à vida, a integridade física e
psicológica da vítima.
Com efeito, o inciso primeiro do artigo nono torna extremamente ampla a viabilidade
da decretação dessa medida cautelar diversa da prisão, tendo em vista que se um homem
comete uma ameaça, por exemplo, pela primeira vez, já é possível ter contra si a monitoração
eletrônica, a qual deve ser vista como alternativa última antes da prisão buscando evitar a
limitação de direitos relacionados à pessoa humana, conforme já dissertado. Entretanto,
percebe-se que esse raciocínio não se coaduna com a citada hipótese legal.
Outra questão trazida pela Instrução Normativa diz respeito aos requisitos que
deverão estar presentes na decisão judicial para que a monitoração eletrônica se torne
concreta, já que cabe ao juiz determinar as restrições imputadas ao indivíduo a ser
monitorado, tais como se este está preso ou solto, o motivo da concessão do benefício, o
prazo da monitoração eletrônica, áreas de inclusão e/ou exclusão, os locais específicos cujo
88
acesso e permanência da pessoa monitorada sejam vedados, as rotas obrigatórias entre as
áreas permitidas, os horários de permissão ou proibição de acesso e permanência em cada
local bem como horário de recolhimento à residência, o endereço e horários de deslocamento
na hipótese de autorização para trabalho e/ou estudo, os locais e limites máximos de
aproximação de vítimas ou testemunhas, etc.
Quando o magistrado deixa de apontar questões dessa natureza na decisão judicial, o
monitoramento se torna inviável, tendo em vista que para que o Centro de Monitoramento
Eletrônico de Reeducandos consiga verificar se o indivíduo está respeitando as determinações
judiciais, os operadores do sistema precisam ter conhecimento delas, até mesmo para fazer o
cadastro das áreas e distâncias no Sistema de Acompanhamento de Custódia (SAC24)26
, o
qual é o programa utilizado para realizar o monitoramento.
Portanto, após o deferimento da medida, as Varas de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher encaminham uma cópia da decisão judicial, bem como um ofício à Secretaria
Executiva de Ressocialização e à Secretaria da Mulher, contendo os dados atualizados da
vítima e do acusado, a justificativa legal para a aplicação da monitoração eletrônica, a duração
da medida cautelar cujo prazo costuma variar entre 90 a 120 dias podendo ainda ser
prorrogado pela justiça pelo tempo necessário para garantir a segurança da vítima, as áreas de
exclusão para o agressor (casa, trabalho, escola e outros locais de circulação frequentes da
mulher), o tamanho dessas áreas de exclusão que poderão ter uma área fixa variando entre 2 a
5 quilômetros e uma área móvel que normalmente é de 500 metros.
3.4 O Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER)
Conforme já mencionado, a pesquisadora frequentou por alguns dias a Central de
Monitoração Eletrônica do Recife, especialmente no mês de dezembro de 2016. Mesmo a
passagem tendo sido curta, as visitas foram bastante enriquecedoras em termos de
conhecimento das diretrizes adotadas por esse órgão, visto que foi possível observar as
atividades desenvolvidas pelos funcionários do local, bem como conversar informalmente
com os mesmos.
26 O Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 Horas (SAC24) é uma solução completa de hardware e software para
monitoramento eletrônico de indivíduos, concebido e desenvolvido pela Spacecom. O sistema é composto de diferentes
modelos de dispositivos a serem portados pelas pessoas em monitoramento, que atendem a normas nacionais e internacionais,
e de um software de monitoramento disponível via interface web para a central de monitoramento responsável, que pode ser
da própria Spacecom. Permite o acompanhamento em tempo real dos sujeitos monitorados, criação de áreas de controle para
restrições comportamentais, além de várias outras opções que propiciam as autoridades responsáveis a vigilância e o controle dos acusados.
89
O Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos é vinculado a Secretaria
Executiva de Ressocialização do Estado de Pernambuco (SERES) e tem a responsabilidade de
administrar, executar e controlar o monitoramento eletrônico dos indivíduos que tiveram
decretado contra si essa medida cautelar diversa da prisão.
Conforme já mencionado, essa Central funciona na Rua Gervásio Pires, no bairro de
Santo Amaro, em Recife; dividindo-se internamente através dos seguintes setores:
permanência; operação e controle; e a ala de monitoração e gerência. Importante pontuar que
a denominação desses setores foi atribuída pela pesquisadora com o objetivo de explicar o
funcionamento do local, tendo em vista que no prédio do CEMER o único setor nomeado é a
permanência.
A arquitetura do Centro é composta por térreo e primeiro andar. Na parte de baixo se
encontra a permanência e a sala de operação e controle. É na permanência que os indivíduos a
serem monitorados ou já em monitoramento ficam esperando atendimento. A sala de operação
e controle é utilizada pelos funcionários da SpaceCom, empresa contratada pelo Estado de
Pernambuco para prestar o serviço de monitoração eletrônica, fornecendo os equipamentos e
mantendo o funcionamento do programa eletrônico. O CEMER conta com dois funcionários
da empresa terceirizada para atenderem a demanda. São eles quem procede com a instalação
da tornozeleira eletrônica e verificam se o sistema está funcionando corretamente. Também
são nesses dois setores onde os monitorandos tomam ciência das regras que precisam seguir
para a manutenção da medida, as quais serão explicadas oportunamente.
No primeiro andar funciona a ala de monitoração e a gerência. Tudo se situa em um
mesmo ambiente. A ala de monitoração possui quatro grandes telas acopladas em
computadores. Cada tela é observada por um agente penitenciário, o qual trabalha em regime
de plantão de 24/72 horas. Existe ainda nessa ala um funcionário de cada unidade prisional
que trabalha em regime de expediente e são responsáveis por compilar informações dos
respectivos monitorandos.
90
Foto 4 – Agentes Penitenciários em atividade de vigilância no Centro de Monitoramento Eletrônico de
Reeducandos.
Fonte: SERES/CEMER
Conectando todos os setores existe a gerência formada pelo gestor (normalmente um
agente penitenciário com função gratificada) e demais servidores contratados pelo Estado
através de uma seleção simplificada. São eles quem mantém contato com o Poder Judiciário e
demais órgãos envolvidos pela política de monitoração eletrônica, como a Secretaria
Executiva da Mulher, por exemplo.
Restou claro que no ambiente do CEMER não existe equipe multidisciplinar
composta por advogados, assistentes sociais e psicólogos para procederem com as etapas de
atendimento aos homens nas fases de início, durante e pós-monitoramento.
A pesquisadora também questionou se em Recife existia algum centro de
atendimento para acolher os indivíduos em monitoramento decorrente de violência doméstica
e familiar praticada contra a mulher, obtendo resposta negativa nesse sentido. Portanto, de
maneira sintética, quando o magistrado defere medidas protetivas de urgência a favor da
mulher cumulada com a medida cautelar diversa da prisão de monitoração eletrônica, o
atendimento para o agressor se resume a instalar a tornozeleira nele, orientá-lo sobre o
manuseio do equipamento e os lugares permitidos e proibidos.
De maneira bem objetiva, no que diz respeito ao monitoramento eletrônico oriundo
dos conflitos ocorridos nas circunstâncias da Lei Maria da Penha, é de competência do
CEMER cumprir o teor das decisões judiciais proferidas pelos juízes das Varas de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, proceder com o registro das vítimas e dos autores dos
fatos no Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 horas (SAC24), ligar e desligar a
91
tornozeleira eletrônica do agressor e a Unidade Portátil de Rastreamento da vítima, executar a
manutenção nesses aparelhos, construir as áreas de exclusão e/ou inclusão no SAC24 com
base na decisão judicial que deferiu a medida, acompanhar a locomoção dos envolvidos
através do referido sistema, comunicar ao juiz competente as violações das regras da
monitoração eletrônica como também para a Secretaria da Mulher, acionar o Centro Integrado
de Operações de Defesa Social (CIODS)27
em caso de violações cometida pelos agressores
com o objetivo de recolhê-los ao estabelecimento prisional e informar as Varas de Violência
Doméstica e a Secretaria da Mulher o cumprimento da medida cautelar ao término do uso dos
equipamentos eletrônicos.
3.4.1 Fluxo de funcionamento do CEMER
Considerando a necessidade de regulamentar a monitoração eletrônica no Estado de
Pernambuco, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco publicou a
Instrução Normativa n° 15, de 11 de julho de 201628
, a qual, dentre várias providências prevê
as atribuições de cada entidade envolvida nessa política. No que diz respeito especificamente
ao CEMER, o artigo 6º dispõe em seus incisos que fica sob a incumbência do citado órgão a
obrigação de verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na
decisão judicial que autorizou a monitoração eletrônica; enviar ao juiz relatórios
circunstanciados relacionados à pessoa em monitoramento no período estabelecido, a
qualquer momento determinado pelo juiz ou quando a situação exigir; adequar e manter
programas, bem como equipes de multiprofissionais com o objetivo de acompanhar e apoiar o
indivíduo monitorado; informar a pessoa monitorada as regras que precisa seguir para não
cometer violações e auxiliá-la na reintegração social; comunicar imediatamente ao juiz
competente sobre fato que possa ensejar a revogação da medida ou a modificação de suas
condições, ou seja, deixar o juiz ciente dos incidentes cometidos pelos monitorandos que
podem dar causa a decretação da prisão preventiva.
Inobstante as atribuições acima elencadas, verificou-se que o CEMER foi quem
estabeleceu seus próprios protocolos de funcionamento e procedimentos em casos de
violações praticadas pela pessoa em monitoramento. A pesquisadora solicitou acesso a esse
27 O Centro Integrado de Operações de Defesa Social é responsável por realizar a coordenação dos meios operacionais dos
órgãos operativos da Secretaria de Defesa Social (SDS), Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e Instituto de
Criminalística. 28 Esse documento pode ser vislumbrado no anexo B da presente dissertação.
92
protocolo visando estuda-lo, contudo o gestor negou esse pedido sob a alegativa de que nesse
documento continham diretrizes de funcionamento, as quais se publicadas e acessadas pelos
indivíduos em monitoramento, estes podiam encontrar brechas para driblarem o sistema e
acobertarem a autoria de práticas delitivas. Assim, por exemplo, quando o agressor da
violência doméstica adentra em uma área de exclusão, o protocolo reza que ele tem um
determinado espaço de tempo para sair daquela localidade. Só depois de ultrapassado esse
tempo é que o CEMER considera o incidente como uma violação e adota as providências
cabíveis para evitar a suposta tentativa de se praticar o delito. Nesse sentido, supondo que o
homem em monitoramento tem um prazo de 15 (quinze) minutos para se evadir da área
proibida e dentro desse tempo ele comete uma violência contra a mulher, a Central não vai
adotar as medidas necessárias para coibir esse ato. Foi com base nesse exemplo que se
fundamentou o indeferimento do pleito da pesquisadora.
Apesar da falta de acesso da pesquisadora ao protocolo do fluxo, não apenas o gestor
como também os demais integrantes do departamento afirmaram que uma simples violação de
área de exclusão ou mesmo um descarregamento da bateria da tornozeleira podem ensejar a
prisão do indivíduo. Essa possibilidade da revogação do monitoramento eletrônico para a
decretação da prisão preventiva pelos motivos ora aludidos também foi verificada quando da
análise dos documentos arquivados na Secretaria da Mulher, a serem explanados
posteriormente.
Conversando com a coordenadora do departamento, constatou-se que todo e qualquer
tipo de incidente é comunicado ao juiz competente, entretanto, procuram fazer as ressalvas
necessárias. Assim, se um homem está sendo monitorado em decorrência de violência
doméstica e mensalmente precisa ir a um consultório médico situado em uma área de
exclusão, essa violação é informada ao magistrado, contudo advertem que o monitorando
informou previamente o motivo de ter adentrado em um campo proibido. Nesses casos
excepcionais, os operadores do sistema procuram monitorar com mais intensidade a
movimentação do indivíduo quando ele precisa estar dentro da área de exclusão.
Um dos casos relatados à pesquisadora foi um monitoramento por violência
doméstica em que o agressor por causa da medida, mudou-se de Recife para uma chácara no
bairro de Aldeia, Camaragibe/PE (Região Metropolitana de Recife), visando evitar qualquer
tipo de violação, já que a juíza havia estabelecido uma distância com área fixa de 5 km. E em
determinados locais dentro da chácara, o monitorando entrava na área de exclusão. Diante
dessa situação, o CEMER informava o incidente à magistrada, entretanto deixavam claro que
o mesmo estava em sua casa. Esse caso retrata bem a inadequação e a má utilização do
93
monitoramento eletrônico, pois se percebe com clareza a medida servindo como instrumento
de castigo e exclusão social, ou seja, conferiu-se nesta situação uma natureza totalmente
oposta daquele ideal pregado pelos estudiosos da temática visto nos capítulos anteriores dessa
dissertação.
Ainda no tocante aos protocolos elaborados pelo CEMER, ficou evidente que toda
ação dos funcionários para casos de incidentes depende muito das circunstâncias do caso
concreto. Também restou nítido como os operadores do sistema passam a ter uma
familiaridade com cada história que chega ao Centro porque o sistema de monitoramento
eletrônico permite adentrar intensamente na intimidade das pessoas em vigilância, de tal
modo que passam a conhecer o comportamento dos indivíduos e nesse sentido identificar a
medida a ser adotada para restabelecer a normalidade da monitoração. Assim, se um indivíduo
não tem o hábito de violar as regras, mas em determinada ocasião entra em uma área proibida,
os operadores dão alguns minutos de tolerância antes de tomar alguma atitude. Mas, para
fazerem isso eles levam em conta às condições do caso concreto, quais sejam: o
comportamento habitual do indivíduo, o nível de periculosidade do agente, a história que o
levou a estar sendo monitorado, como também o local onde o sujeito está naquele dado
instante, já que se estiver na casa da vítima, por exemplo, a ação é imediata no sentido de
acionar o Centro Integrado de Operações de Defesa Social (CIODS), o qual proporciona
atendimento prioritário para as ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher
enviando viaturas da polícia militar para a localização apontada pelo CEMER.
Especificamente para as hipóteses de violência doméstica na cidade do Recife foi
notória a possibilidade de adoção de medidas por parte do CEMER objetivando prender o
agressor em casos graves de violação das regras estabelecidas judicialmente, ocasionando o
recolhimento do indivíduo em estabelecimentos prisionais. Ocorrendo a prisão, o juiz
competente é oficiado para decidir se revogará a medida com a decretação da prisão
preventiva ou se aplicará outra alternativa que julgar cabível. Diferentemente acontece na
cidade de Jaboatão dos Guararapes/PE, pois o Poder Judiciário dessa cidade orientou o
CEMER no sentido de não efetuar a prisão do agressor ainda que ele esteja na porta da vítima.
Nessas situações, o CEMER deverá apenas informar o incidente ao magistrado para ele
proferir a decisão acerca do caso.
Ressalte-se que quando o autor da violência doméstica de maneira dolosa ou não se
aproxima da vítima, os operadores do Centro envia mensagem de texto para o número do
celular fornecido pela mulher, como também procuram fazer contato telefônico com ela e em
sendo o caso acionam a polícia militar. Como já dito, toda ação vai depender das condições
94
concretas, tendo o programa de monitoramento capacidade para fornecer as informações
necessárias para se avaliar o nível de gravidade do caso. Com efeito, o sistema de
monitoramento consegue precisar o local e a distância exata entre os envolvidos, a velocidade
deles e até mesmo a altura em que estão em relação ao solo.
Ficou evidente ainda que o CEMER possui uma boa interação não só com o Poder
Judiciário como também com a Secretaria Executiva da Mulher. Existem acesso e
comunicação fácil e rápido entre os operadores do Centro e os magistrados, e com as
funcionárias da Secretaria da Mulher. Para tornar o serviço eficiente, esses órgãos
encaminham a documentação necessária para o monitoramento por e-mail, dispensando o
envio de ofícios de forma física.
Quando o juiz na própria audiência, seja de custódia ou não, defere medidas
protetivas de urgência cumulada com a medida cautelar de monitoração eletrônica, os
servidores da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital entram em
contato com o CEMER por meio telefônico, informando a decretação da medida e o envio da
decisão para o respectivo e-mail. Em seguida, o profissional da empresa terceirizada vai até o
fórum e instala a tornozeleira no agressor. Dessa forma, o autor da violência doméstica já sai
das dependências do Poder Judiciário monitorado, evitando a condução ou a escolta do
mesmo para o CEMER. No dia seguinte, ele precisa comparecer a Central para os operadores
fazerem o cadastro no sistema SAC24. Em Jaboatão do Guararapes, o juiz dá um prazo de 24
horas após a audiência para que o agressor compareça ao Centro para a implantação do
dispositivo, ou seja, uma equipe do CEMER não se desloca até o fórum dessa cidade e o
sujeito não sai de lá monitorado.
Conforme pontuado no primeiro capítulo, Izabella Lacerda Pimenta (2015) enfatizou
a possibilidade de violações de direitos fundamentais decorrentes da ausência de diretrizes e
fluxos de funcionamento de âmbito nacional, visto que cada Estado adota as suas próprias
regras procedimentais. Entretanto, percebe-se a falta de uniformização da política de
monitoração eletrônica até mesmo dentro da mesma Unidade Federativa, como o que ocorre
entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, por exemplo.
Já quando o infrator se encontra preso, os próprios agentes penitenciários são quem
promovem a condução dele até a Central de Monitoração, pois nesses casos a concessão da
liberdade está condicionada a instalação da tornozeleira eletrônica.
A Secretaria Executiva da Mulher também fica ciente de toda essa movimentação,
visto que todos os ofícios expedidos pelo Poder Judiciário e pelo CEMER são encaminhados
95
com cópias para ela em razão de caber a mesma o atendimento à mulher, conforme será
explanado em momento próprio.
No tocante a retirada da tornozeleira ao final do prazo da monitoração eletrônica
estabelecido pelo juiz, o CEMER tem adotado a seguinte sistemática: se o monitorando não
praticou qualquer incidente ao longo da monitoração, o dispositivo é retirado sem qualquer
determinação judicial nesse sentido e o magistrado é cientificado por meio de ofício. Por
outro lado, se o monitorando cometer qualquer violação, o CEMER pede autorização ao
magistrado para retirar o equipamento.
A pesquisadora pôde acompanhar alguns atendimentos feitos pelo CEMER aos
indivíduos que estavam presos e foram conduzidos até a Central para a instalação da
tornozeleira eletrônica. Na primeira visita, presenciou-se 03 (três) atendimentos, sendo 02
(dois) deles decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Na
segunda visita, foi possível observar o processo de implantação da medida em apenas um caso
relacionado a conflito doméstico.
Em todas as situações, o procedimento aconteceu da seguinte forma. Os agressores
foram levados a Central pelos agentes penitenciários. Como já escrito, quando a condução é
feita dessa maneira é porque os indivíduos se encontravam presos. Por isso, percebeu-se que
todos eles chegaram algemados. As algemas só eram retiradas no momento de se instalar a
tornozeleira e os agentes penitenciários só iam embora depois da fixação do dispositivo.
Antes da fixação do equipamento, um dos operadores do CEMER confere a documentação
apresentada pelos agentes penitenciários para só depois autorizarem o acoplamento do
equipamento. Após esses atos, o monitorando recebe as instruções a serem seguidas dali por
diante, assina o termo de uso e responsabilidade, recebe um pequeno papel contendo o
significado de cada luz que aparece na tornozeleira e depois vai embora.
A Central de Monitoração Eletrônica só faz contato telefônico com o monitorando e
se ele violar alguma regra. Caso isso não ocorra, o contato só ocorre no momento de se retirar
o equipamento.
Assim, não se identificou qualquer atividade por parte do CEMER ou outro órgão
para promover a reintegração do monitorando. Existe apenas a explicação dos deveres a
serem seguidos pelo indivíduo para usar o dispositivo, os quais destacam-se: permanecer em
áreas que transmitam o sinal para o satélite, recarregar diariamente a bateria da tornozeleira,
responder aos contatos da Central de Monitoramento, abster-se de remover, violar e danificar
o dispositivo, não frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos semelhantes, etc.
96
Nos casos de violência doméstica e familiar restou evidente uma sensibilização por
parte dos agentes penitenciários e dos demais operadores do CEMER com relação à situação
de vida desses homens em monitoramento, pois durante o atendimento é comum eles
relatarem o que os levou àquela condição (de terem ficados presos e agora vigiados
eletronicamente), principalmente quando há o cumprimento de vários meses de prisão. Em
outras palavras, como se não fosse suficiente o tempo vivido pelo sujeito na prisão, ele ainda
teria que fazer uso de um equipamento altamente potente em causar discriminação e
preconceito pela sociedade.
Assim, de acordo com os próprios acusados, depois de passar entre três a cinco
meses presos, agora teriam que ser vigiados através de um equipamento, alegando muitas
vezes sequer ter encostado na vítima.
Frise-se que essa solidariedade dos funcionários do CEMER para com os autores da
violência intrafamiliar advém do fato daqueles não enxergarem estes como criminosos e
também por já terem presenciado várias situações da mulher querer punir o homem ao
provocar violações das normas do monitoramento eletrônico de modo a atribuir a
responsabilidade ao monitorando.
3.4.2 A opinião dos operadores do CEMER sobre a monitoração eletrônica para os casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher
A pesquisadora não poderia deixar de dar enfoque a essa visão das pessoas que
trabalham no Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos acerca da aplicação dessa
medida cautelar para os casos de violência doméstica.
Diferentemente dos relatos das experiências de outras Unidades da Federação, em
Recife, verificou-se uma preocupação e um empenho por parte dos operadores do CEMER
para monitorar corretamente as partes envolvidas em um conflito de natureza doméstica
mesmo sendo corriqueiro os constantes alarmes de violações de áreas. A pesquisadora não
presenciou aquele discurso de dizer: “Ahh... quando é Maria da Penha a gente não dá tanta
importância, já que as violações acontecem direto!”
Entretanto, no dia a dia das atividades desse departamento ficou latente a inversão de
papéis entre vítimas e agressores nos discursos de diversos operadores, pois atribuem a
mulher a culpa pelas falhas na monitoração, como também por querer provocar
propositadamente uma punição mais rígida ao sujeito sob monitoração.
97
Os casos que efetivamente demandam um cuidado maior, onde a vítima precisa de
uma proteção intensa são, segundo sugestão dos funcionários, casos excepcionais. Não é que
os operadores afirmem isso expressamente. Trata-se da percepção da pesquisadora, pois
durante os diálogos não foi relatado um caso sequer em que a vítima foi salva de uma
violência em razão do monitoramento. Por outro lado, casos de violações ensejados pelas
mulheres e artifícios utilizados por elas para gerar a prisão do agressor foi pauta constante das
conversas. Dentre tantos narrados, uma situação tratava de um homem que estava sob
monitoração e trabalhava fazendo o marketing do clube de futebol do Santa Cruz. Durante um
dos jogos, a mulher vítima adquiriu bilhetes de todas as alas do estádio objetivando se
aproximar do monitorando e consequentemente acarretar a prisão do mesmo, pois ela sabia
que ele estaria lá e o tempo de duração do jogo de futebol seria o suficiente para ensejar a
ação policial. Já em outro caso, a vítima ficou esperando o monitorando em frente a Central
porque ele se aproximaria dela e na concepção desta o agressor seria imediatamente preso.
Conforme já mencionado, através da Unidade Portátil de Rastreamento os operadores
da Central de Monitoração conseguem observar a movimentação da mulher. Por isso, não raro
eles percebem imediatamente quando a vítima deixa de carregar o equipamento,
especialmente quando ela afirma trabalhar fora, mas a UPR não sai de dentro da residência
dela29
. Normalmente isso acontece quando a mulher já tem restabelecido o relacionamento
com o agressor.
Os técnicos do CEMER também sentem dificuldades para conseguir contato com a
vítima em caso de incidente causado pelo autor da violência. Segundo os mesmos, esse
problema ocorre pelo fato das mulheres não fornecerem um telefone pessoal que permita falar
com ela imediatamente.
Outra violação comum cometida pela vítima é deixar o equipamento descarregar.
Quando isso passa a ser uma constante, os operadores deixam de acreditar na necessidade da
monitoração eletrônica, tendo em vista que a pessoa que mais deveria zelar pelo
funcionamento do dispositivo, na verdade é a primeira a violar as regras do sistema. Por essa
razão, o CEMER passou a registrar os incidentes cometidos pela vítima e informar para o
respectivo juiz.
No pensamento dos técnicos do CEMER, a eficácia do monitoramento eletrônico
depende da real adesão da mulher ao programa. Ela precisa considerar a medida importante
para preservar a vida dela e consequentemente seguir corretamente as instruções de uso da
29 O SAC24 permite os operadores do CEMER visualizar a hora exata da última vez que a Unidade Portátil de Rastreamento foi transportada.
98
UPR, caso contrário o monitoramento se torna inviável. Frise-se que essa ideia destoa com os
argumentos da consultora Izabella Pimenta (2015), a qual conforme discorrido no capítulo
anterior prega que a vítima não pode ser obrigada a fazer uso do dispositivo sob pena de gerar
contra ela mais uma agressão, devendo-se em caso de recusa ou mau uso do equipamento por
parte da mulher, proceder-se ao monitoramento apenas do homem, vigiando-o através das
áreas de exclusão.
Também foram citadas várias situações, as quais a monitoração eletrônica se
mostrava inadequada. Alguns agressores não conseguem compreender corretamente o
significado das quatro cores de luzes (verde, azul, roxo e vermelho) que podem aparecer na
tornozeleira, causando nessa linha uma série de incidentes desprovidos de culpa. Em outros
casos acontece da própria profissão obstaculizar o uso do equipamento. Como exemplo foi
narrado o caso de um mergulhador, o qual adentrava no mar diariamente a uma profundidade
de mais de dois metros, causando a quebra do dispositivo. Foi visto no capítulo anterior que o
monitoramento eletrônico deve servir como ferramenta de inclusão social, de reintegração, de
modo a não obstruir a rotina cotidiana do monitorando. Contudo, para esse caso específico, a
única maneira disso não acontecer seria com a revogação da medida. O juiz responsável pelo
processo foi cientificado da situação, mas mesmo assim manteve o monitoramento.
Infelizmente, não existe uma equipe psicossocial em Recife para avaliar questões
desse gênero e elaborar relatórios para serem encaminhados aos respectivos juízes no sentido
de cientificá-los a respeito da impossibilidade da permanência da medida cautelar por causar
danos de ordem material e psicológica.
Dessa forma, não existe em Recife um órgão montado por profissionais das mais
diversas áreas com qualificação para acolher, acompanhar e prestar auxílio nos planos
jurídicos e sociais. Também não há grupos de apoio nesse sentido. A ausência de equipes
multidisciplinares impede que o juiz avalie com eficiência a possibilidade de revogar a
medida antes de findado o prazo determinado na decisão que decretou a monitoração
eletrônica, já que o magistrado não recebe informações do indivíduo relativas ao período em
que ele esteve monitorado. Ou seja, o juiz não sabe dizer se o sujeito se adaptou bem as regras
do sistema, se o monitoramento causou grandes transtornos no âmbito profissional, se a
medida cautelar gerou senso de responsabilização, se ele possui condições psicológicas para
suportar os efeitos negativos da medida relacionados ao preconceito e a discriminação, se a
rotina foi preservada, etc. Não havendo violações do sistema, presume-se que tudo transcorre
normalmente.
99
Portanto, durante os diálogos com os funcionários do CEMER, percebeu-se um
sentimento de solidariedade deles para com a situação do cidadão em monitoramento,
especialmente para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois acreditam
que o autor do fato termina sendo rotulado severamente como se tivesse cometido um crime
considerado de grande gravidade, conforme se vislumbra na fala abaixo:
Funcionário 1: O problema que ocorre perante a sociedade é o rótulo de quem usa a
tornozeleira é bandido, que é uma realidade para a grande maioria de que utiliza,
porém com a criação da lei Maria da penha também utiliza o monitoramento o
agressor e assim acaba recebendo um rótulo de bandido sendo que nunca matou,
roubou e etc. São vítimas de preconceito sim porque não é fácil arrumar emprego,
quando chegam e olham a tornozeleira não contratam.
Por outro lado, ficou perceptível a estigmatização sofrida pelos indivíduos em
monitoramento advinda dos próprios operadores do Centro ao explicarem a pesquisadora que
se ocorrer um assalto a uma agência bancária, por exemplo, é possível verificar se havia
algum monitorando nas proximidades do local para considerar a possibilidade dele ter sido o
autor do crime.
A discriminação institucional praticada pelos agentes do Estado foi perceptível,
demonstrando a falta de preparo para acompanhar respeitosamente os indivíduos que estão
passando pelo processo de monitoramento.
3.5 A Secretaria da Mulher de Pernambuco
Conforme mencionado logo no início do presente capítulo, o foco da pesquisa de
campo da presente dissertação se desenvolveu na Secretaria da Mulher de Pernambuco,
situada na Rua Cais do Apolo, no Bairro do Recife, Recife/PE. Entretanto, ao longo do
levantamento bibliográfico, acreditava-se que esse estudo ocorreria no Centro de
Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER), já que este é o órgão responsável pela
gestão da monitoração eletrônica. Mas, ao chegar no CEMER, verificou-se que a entrega das
Unidades Portáteis de Rastreamento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar se
dava na Secretaria da Mulher.
Como o objetivo dessa investigação se pautou em analisar a contribuição do
monitoramento eletrônico para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher na
cidade do Recife a partir da concepção da vítima, nada mais adequado do que mudar o local
do campo para a Secretaria da Mulher.
100
O ato de entregar a Unidade Portátil de Rastreamento em um local distinto de onde
se atende os agressores para a instalação da tornozeleira é visto como algo positivo por
propiciar a mulher vítima de violência um lugar em que a mesma possa se sentir mais
acolhida e segura, sem o temor de topar com o agressor.
A primeira visita a esse órgão aconteceu em 12 de setembro de 2016. Ele se encontra
instalado em três andares (3º, 4º e 5º andar) de um edifício empresarial e dentre as diversas
atribuições que possui, está à obrigação de realizar o atendimento àquelas mulheres
beneficiadas pela política da monitoração eletrônica.
A princípio a pesquisadora buscou entrar em contato com a Ouvidoria da Secretaria
da Mulher para saber como podia passar a frequentar aquele local. A surpresa foi grande em
virtude da imensa presteza e disponibilidade para atender a todas as demandas da
pesquisadora. Curioso é que a Ouvidoria desse órgão não se limita a receber chamadas de
denúncias, elogios, sugestões e críticas, como se costuma observar em outras repartições
públicas. O papel dela vai muito além, pois é quem compila e disponibiliza todos os dados
estatísticos relacionados à violência de gênero com fundamento na Lei da Transparência.
Assim, após apresentar os pleitos para desenvolver a pesquisa, logo na primeira
visita a pesquisadora foi encaminhada para a Diretoria Geral de Enfrentamento da Violência
de Gênero, departamento inserido na Secretaria da Mulher e responsável por estabelecer
contato com as vítimas com o intuito de proceder com a entrega dos aparelhos eletrônicos.
Além dessa tarefa, cabe ainda a essa Diretoria fazer o acompanhamento das mulheres
contempladas pela referida medida cautelar, encaminhá-las para atendimento no Centro
Especializado de Atendimento à Mulher mais próximo da residência delas, enviar as fichas
cadastrais das mesmas ao CEMER e transmitir os termos assinados pelas vítimas relativos à
entrega, devolução ou recusa dos aparelhos ao CEMER e as respectivas Varas de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Ressalte-se que a Secretaria da Mulher recebe as mulheres de todas as Varas de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Estado de Pernambuco, encaminhadas
para pegar a Unidade Portátil de Rastreamento. No entanto, logo nos primeiros dias
frequentando esse órgão, a pesquisadora constatou que a monitoração eletrônica só vem sendo
aplicada cotidianamente pelas varas das comarcas de Recife, Jaboatão dos Guararapes,
Camaragibe, Olinda, Igarassú e São Lourenço da Mata. A pesquisadora não encontrou
registros de monitoração eletrônica por violência doméstica nas cidades da Zona da Mata,
Agreste e Sertão.
101
A Diretoria Geral de Enfrentamento da Violência de Gênero se situa no 4º andar do
prédio onde se encontra instalada a Secretaria da Mulher. Esse departamento é composto por
uma diretora e quatro técnicas do Programa Justiça para as Mulheres: punição para os
agressores30
, sendo aquela ocupante de um cargo comissionado e estas contratadas mediante
uma seleção simplificada. Depois de apresentada a elas, estabeleceram-se os dias para que a
pesquisadora se inserisse naquele ambiente de trabalho visando explorar a política. Os dias
foram acordados nos moldes do agendamento feito para as mulheres comparecerem à
Secretaria, permitindo assim o contato com as mesmas. Dessa maneira, não era todo dia que
se fazia entrega de equipamento. Tudo dependia da demanda e por isso as técnicas foram
extremamente gentis ao ligarem para a pesquisadora com antecedência para dizer quando
aconteceriam os atendimentos. Não se presenciou mais do que quatro entregas e/ou
devoluções de dispositivos por dia. Além disso, é muito comum as mulheres não
compareceram no dia marcado, seja para pegar ou devolver o equipamento.
Quando as mulheres não compareciam, a pesquisadora aproveitava para investigar
melhor o cotidiano da Secretaria, além de explorar o arquivo contendo as especificidades de
cada caso relacionado ao monitoramento eletrônico.
Nos meses seguintes foram extraídas diversas informações relacionadas ao
funcionamento do monitoramento eletrônico dentro da Diretoria, bem como dados
relacionados às vítimas que lá frequentavam, tais como escolaridade, estado civil, renda
mensal, filhos com o agressor, raça/etnia, religião, orientação sexual, profissão/ocupação,
vínculo/parentesco com o agressor, tipo de violência sofrida, tipificação, tempo do
relacionamento (nos casos em que mulher e acusado eram parceiros íntimos), idade, etc.
Somado a isso, foi possível conversar com algumas mulheres no momento da devolução do
dispositivo eletrônico, o que permitiu entender melhor o impacto da monitoração eletrônica
diante da violência sofrida por elas. Todo esse conteúdo será abordado de forma específica em
um tópico próprio. Por ora, vale retornar aos aspectos gerais do monitoramento eletrônico sob
o viés da Secretaria da Mulher.
O trâmite da monitoração eletrônica no interior da Diretoria (Sec. da Mulher) se dá
da seguinte maneira: as técnicas desse departamento recebem por e-mail ofício da Vara de
30 O Programa Justiça para as Mulheres e Punição para os Agressores é um conjunto de ações articuladas entre diferentes
poderes e instituições para fortalecer e ampliar as medidas adotadas pelo Estado no enfrentamento da violência de gênero.
Trata-se de ações integradas entre os Organismos Municipais de Políticas para as Mulheres, o conjunto das Secretarias
Estaduais, e os sistemas de Segurança Pública e Justiça, pactuadas no âmbito da Câmara Técnica para o Enfrentamento da
Violência de Gênero contra as Mulheres do Pacto pela Vida. Reúne estratégias inovadoras que concorrem para a efetivação
da aplicabilidade da Lei Maria da Penha: (i) Patrulha Maria da Penha; (ii) 190 Mulher; e (iii) Monitoramento Eletrônico de
Agressores. As ações são desenvolvidas em parceria com a Secretaria de Defesa Social e com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.
102
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e cópia da decisão judicial que concedeu o
monitoramento eletrônico. Em seguida, a vítima é contatada por telefone para comparecer à
Secretaria da Mulher no dia e horário marcado.
Quando a vítima chega à Secretaria da Mulher, é encaminhada para a citada diretoria,
onde são colhidos todos os dados pessoais, bem como os endereços (residência, trabalho,
escola, etc), os quais serão cadastrados no SAC24 e servirão como área de exclusão fixa para
o agressor. Após ser instruída acerca de como funciona as regras do monitoramento
eletrônico, ela assina um termo de uso caso decida por aderir ao programa e em seguida
recebe o equipamento eletrônico. Esse termo de uso compromete a mulher não só a cumprir
as regras do sistema como também a zelar e devolver a UPR em perfeito estado de
funcionamento.
Entretanto, é comum as vítimas não desejarem portar a UPR. Nesses casos, a mulher
assina um termo de recusa, não sendo elas obrigadas a fazerem parte do monitoramento
eletrônico. Como já pontuado, obrigar a mulher a integrar a política seria o mesmo que
praticar contra ela mais uma violência, reprimindo a autonomia e o empoderamento defendido
pela Lei Maria da Penha. Independentemente de qual termo a mulher assine (termo de uso ou
recusa), todos eles são encaminhados pela Secretaria da Mulher ao CEMER e a respectiva
Vara de Violência Doméstica.
Geralmente quando a mulher recusa participar dessa política de enfrentamento, o juiz
revoga a medida cautelar por entender que se a mulher não quer portar o dispositivo é porque
a sua integridade física e psicológica não corre perigo, o que pode não ser verdade em
determinados casos concretos.
Findando o atendimento, as técnicas encaminham para o CEMER um ofício
contendo os endereços fixos informados pela mulher para que aquele faça a inclusão no
sistema informatizado de vigilância. Esses locais ficarão proibidos de serem frequentados
pelo agressor, o qual ficará obrigado a manter uma distância variável de 2 a 5 quilômetros. A
definição exata desse raio é determinada na decisão judicial.
Durante o processo de vigilância, as técnicas da Diretoria entram em contato com as
mulheres portadoras do dispositivo eletrônico para verificarem se a medida está transcorrendo
normalmente. Segundo as referidas técnicas, o ideal seria as mulheres comparecerem a
Secretaria da Mulher para serem questionadas a respeito. Contudo, muitas delas possuem
limitações financeiras para arcar até mesmo com a passagem de ônibus razão pela qual o
acompanhamento é feito por telefone.
103
Quase sempre, as técnicas encaminham as vítimas para receberem acompanhamento
psicológico e social nos Centros de Referências de Atendimento à Mulher do município
residente, tendo em vista que a Secretaria da Mulher não dispõe de equipe multidisciplinar
composta por psicólogos, assistentes sociais e advogados. Mesmo sendo devidamente
encaminhadas, as técnicas relatam que dificilmente as mulheres buscam auxílio nesse sentido.
Com o término do prazo estabelecido judicialmente para a monitoração eletrônica, as
operadoras agendam com as mulheres o dia para se dirigir a Secretaria com o fito de devolver
a UPR. Nessa oportunidade, elas também assinam um termo de devolução do equipamento e
respondem a uma pesquisa de satisfação.
No que diz respeito a essa pesquisa de satisfação, acreditou a pesquisadora que seria
possível compreender verdadeiramente a percepção das vítimas em torno dessa estratégia de
enfrentamento. No entanto, ao analisar as pesquisas, verificou-se que nem sempre as respostas
inseridas no questionário correspondiam com a realidade do caso concreto. Assim, por
exemplo, constava nas respostas que durante o processo de monitoração não haviam ocorrido
violações por parte do agressor, mas ao observar os registros contidos nas respectivas pastas,
vislumbrou-se a presença de incidentes.
Além do mais, normalmente a pesquisa se limitava a assinalar um “x” nas opções
disponibilizadas, não se registrando uma opinião clara e precisa em torno da política enquanto
garantidora do cumprimento de medidas protetivas. Outro fator que deixa a pesquisa sem
credibilidade diz respeito ao fato de ser a própria técnica quem lia e inseria as respostas das
perguntas no questionário. Esse método de aplicação do questionário pode constranger a
mulher a responder de maneira falsa. Por esses motivos, a pesquisadora sentiu a necessidade
de conversar com essas mulheres para compreender realmente se a monitoração contribuiu ou
não na prevenção e combate da violência doméstica e familiar.
Um dado contido nessa pesquisa e que foi confirmado pelas técnicas da Secretaria da
Mulher durante os seus discursos está relacionado a algumas mulheres considerarem a
eficácia do monitoramento eletrônico regular e não ótima, atribuindo essa culpa ao CEMER,
por ter permitido o acusado se aproximar da vítima sem adotar providências nesse sentido.
Assim, elas atribuem a relativa ineficácia do monitoramento eletrônico aos operadores do
sistema e não ao próprio monitoramento em si. Entretanto, conforme discorrido no tópico
3.4.2 (opinião dos operadores do CEMER), os operadores do CEMER impõem as vítimas a
responsabilidade pela não eficiência da monitoração, principalmente por não seguir
corretamente as instruções recebidas da Secretaria da Mulher.
104
Relativamente ao quantitativo das Unidades Portáteis de Rastreamento (UPR),
identificou-se que no ano de 2015 havia 50 (cinquenta) aparelhos disponibilizados para serem
utilizados como instrumento de reforço para o cumprimento de medidas protetivas de
urgência pelo agressor em todo o Estado de Pernambuco. Já no primeiro semestre do ano de
2016 esse número passou a ser de 100 (cem) unidades. No dia a dia do funcionamento da
Secretaria da Mulher, esporadicamente essa quantidade se apresentou insuficiente para
atender a demanda. Nessas hipóteses, a mulher ficou aguardando a devolução do equipamento
por outra vítima.
3.5.1 A opinião das técnicas da Secretaria da Mulher de Pernambuco a respeito da
monitoração eletrônica para os casos de violência doméstica e familiar
Analisando os discursos das técnicas da Diretoria Geral de Enfrentamento a
Violência de Gênero durante a permanência da pesquisadora nesse departamento, percebeu-se
que todas foram unânimes em afirmar que o monitoramento eletrônico é uma medida muito
eficaz de enfrentamento da violência doméstica porque ao saber que está sendo
constantemente vigiado o agressor procura se manter afastado da mulher por existir o risco
dele ser preso caso descumpra a medida.
O principal fundamento desse argumento está relacionado com o fato de não ter
havido feminicídios nos casos em que houve a vigilância eletrônica desde quando a política
foi implantada. De fato, a pesquisadora obteve a relação das mulheres vítimas desse crime
entre os anos de 2013 a 2016, e nenhuma delas estava na época beneficiada por essa estratégia
de enfrentamento.
Um obstáculo relatado por elas para a implantação do monitoramento eletrônico para
os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher diz respeito à dificuldade de se
colocar a tornozeleira no agressor quando o mesmo se encontra solto, pois é comum se
esquivar de receber a intimação judicial ou mesmo quando regularmente intimado deixar de
comparecer ao CEMER. Quando o imputado está preso ou quando a medida é decretada em
audiência não há incidentes, pois no primeiro caso ele é conduzido pelos agentes do sistema
penitenciário ao CEMER e no segundo os funcionários da empresa Spacecom se deslocam até
o fórum, permitindo que o indivíduo já saia dessas dependências monitorado.
Por outro lado, durante as explicações dadas a pesquisadora restou latente um
número razoável de recusas por parte das vítimas por acharem a medida desnecessária para os
105
0%
9%
35%
26%
24%
6%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%
Até 1/4 Sal. Mínimo
Maior de 1/4 até 1/2 Sal. Mínimo
Maior que 1/2 até 1 Sal. Mínimo
Maior que 1 até 2 Sal. Mínimos
Maior que 2 Sal. Mínimos
Sem rendimentos
Renda mensal das vítimas
seus casos. De acordo com as técnicas, muitas das mulheres não querem o monitoramento por
ter restabelecido o relacionamento, por causa dos filhos ou por não acreditarem correr o risco
de terem sua integridade física infringida. De acordo com os dados fornecidos pela Ouvidoria
da Secretaria da Mulher, no ano de 2016, das 78 (setenta e oito) mulheres, 15 não quiseram
adquirir o equipamento na cidade do Recife;
Também é muito comum as mulheres pegarem o equipamento, mas não enfrentarem
com seriedade as regras do monitoramento, guardando-o dentro de casa e consequentemente
deixando de transportar a UPR para onde forem.
As técnicas argumentaram ainda realizar o atendimento às mulheres das mais
diversas classes sociais, não se restringindo o monitoramento eletrônico a vítimas mais
carentes. Entretanto, analisando as informações prestadas pelas mulheres em monitoramento
no momento do primeiro atendimento pela Secretaria da Mulher, constatou-se que no que diz
respeito ao recebimento de renda mensal, das 63 (sessenta e três) mulheres beneficiadas pelo
programa no ano de 2016 na cidade do Recife, 35% delas possui renda mensal maior que
meio e até um salário mínimo. Ou seja, apesar de existirem mulheres com diferentes classes
sociais amparadas pela monitoração eletrônica, o maior número delas se concentra naquelas
economicamente mais necessitadas. Esse parâmetro pode ser visualizado com mais clareza no
gráfico abaixo:
Gráfico 1 – Rendimento mensal das mulheres inseridas no programa de monitoração eletrônica
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
3.6 A Tornozeleira Eletrônica e a Unidade Portátil de Rastreamento
106
A tornozeleira eletrônica utilizada pelo Estado de Pernambuco é fornecida pela
empresa terceirizada Spacecom. De acordo com as informações prestadas pela referida
companhia31
, trata-se de um equipamento a ser portado no tornozelo do indivíduo composto
por um único sistema com tecnologia 100% nacional e com características adequadas à
realidade brasileira.
Segundo a Spacecom, trata-se de um dispositivo capaz de transmitir e armazenar
com muita segurança as informações, além de ser de fácil manuseio, resistente e com
dimensões pequenas.
Foto 5 - Modelo de tornozeleira eletrônica (TZPR01) contratado pelo Estado de Pernambuco para ser
disponibilizado pela empresa terceirizada Spacecom.
Fonte: Spacecom
Os servidores da empresa recebem as informações de localização (GPS) por
intermédio da rede de telefonia celular (GPRS) e em seguida são disponibilizadas via
interface web. A partir de então, as Centrais de Monitoração passam a ter acesso a todos os
dados de monitoramento em tempo real de qualquer computador conectado a internet.
O referido aparelho apresenta ainda uma alta sensibilidade para identificar possíveis
fraudes cometidas pelo usuário por possuir diversos mecanismos capazes de inibir a conduta e
garantir a integridade do sistema. Dessa forma, o sistema de monitoramento eletrônico além
de transmitir as informações de posições e de diversos status, consegue também detectar
quando há ruptura da tira de fixação da tornozeleira, violação do invólucro e movimentação
sem sinal de GPS. Portanto, o aparelho identifica sinais mínimos de danificação e sua
integridade ou qualquer forma de manipulação imprópria32
.
No que diz respeito às especificações técnicas, a tornozeleira é construída com
material robusto e com condições para suportar altos impactos. A cinta de fixação possui
31 http://www.spacecom.com.br/?s=mon&ss=1p 32 Quando o indivíduo em monitoramento rompe a tornozeleira, o sistema SAC24 gera imediata e simultaneamente para as
telas dos computadores um alarme de violação, tanto para a unidade prisional quanto para a central de monitoramento
responsável. A central de monitoramento pode, adicionalmente, entrar em contato com o responsável pelo monitorando e
notificar a violação. Todas as informações do dele, inclusive sua última localização com coordenadas, ficam disponíveis on-line no sistema SAC24 e é possível fazer a busca pela última localização no mapa.
107
fibras ópticas em seu interior, as quais quando rompidas emitem sinal de alerta para o
CEMER. No momento da instalação do equipamento no indivíduo, a cinta é ajustada de
acordo com o tamanho do tornozelo dele. Os funcionários são orientados a deixar uma folga
equivalente à espessura do dedo indicador.
Quanto às dimensões, o objeto possui em média 10 (dez) centímetros de altura, 07
(sete) centímetros de largura e uma espessura de 02 (dois) centímetros.
Inobstante ser o dispositivo desenvolvido com materiais hipoalergênicos, a
pesquisadora verificou que principalmente no início do uso do equipamento, é comum
surgirem pequenos ferimentos no local onde a tornozeleira é instalada. Tanto que, os
funcionários da terceirizada orientam o sujeito a usar uma meia por baixo para evitar o
contato direto com a pele.
Visando preservar a rotina do usuário, a tornozeleira foi desenvolvida à prova
d´agua, suportando uma profundida de 2 (dois) metros, segundo relatado por um dos
funcionários da Spacecom. Pesa menos de 200 (duzentos) gramas e aguenta temperaturas
climáticas extremas (-5º C até 55º C).
Dependendo das condições de uso, a bateria possui durabilidade mínima de 1.000
recargas. Sobre esse aspecto, os monitorandos são orientados a recarregarem o equipamento
diariamente durante duas a três horas. Ou seja, o sujeito em monitoramento é obrigado a ficar
conectado a energia por esse período de tempo, o que não deixa de ser uma limitação dos
direitos fundamentais dele. É uma liberdade vigiada, mas que em determinados momentos,
torna o usuário prisioneiro onde as grades é a energia elétrica.
A tornozeleira também dispõe de LEDs33
de sinalização, os quais indicam para o
usuário a falta de sinal de GPS, tendo ele que se deslocar imediatamente para um local onde
há essa sinalização, caso contrário será gerada uma violação. O equipamento também aponta
sinal luminoso quando o usuário tiver que entrar em contato com o supervisor e quando o
nível da bateria estiver baixo.
Além das sinalizações luminosas, a tornozeleira também emite vibrações e alertas
sonoros para indicar movimento sem GPS, nível de bateria baixo, descumprimento das regras
de áreas de inclusão e exclusão e necessidade de chamada de contato para o supervisor.
Esses sinais luminosos, vibratórios e sonoros funcionam simplificadamente da
seguinte forma: LED azul e verde, tudo funcionando corretamente; LED vermelho, significa
que o nível da bateria está baixo; LED roxo, indica a necessidade de entrar em contato com o
33 O LED é um componente eletrônico semicondutor, ou seja, um diodo emissor de luz (L.E.D = Light emitter diode), mesma tecnologia utilizada nos chips dos computadores, que tem a propriedade de transformar energia elétrica em luz.
108
supervisor. Já um bip prolongado (facilmente distinguível dos demais bips) mais uma
vibração quer dizer que ocorreu violações de áreas de exclusão e/ou inclusão. Quando não há
sinal de GPS, houver requisição para contato com o supervisor ou a bateria estiver
descarregando, o dispositivo também emite três bips mais uma vibração a cada cinco minutos.
Por fim, registre-se que durante as visitas no CEMER foi verificado que a
tornozeleira eletrônica é compreendida pelos técnicos do CEMER como um instrumento
eficiente para indicar a distância, o horário e a localização do usuário, além de outras
informações úteis à fiscalização judicial do cumprimento da medida cautelar. Por outro lado,
vale ressaltar que a tornozeleira não consegue evitar uma fuga, contudo, conforme as
premissas de Bentham explanadas no capítulo anterior, é capaz de criar um poder sobre o
sujeito, deixando-o submisso as regras do sistema de monitoramento, seja por estar
constantemente em vigilância, seja pelo receio de retornar para as prisões físicas.
Na monitoração eletrônica de casos envolvendo violência doméstica, a Unidade
Portátil de Rastreamento é o dispositivo utilizado pelas mulheres vítimas, tendo como função
indicar para a Central de Monitoramento qualquer aproximação do agressor. Resolveu-se não
abordar a UPR em um tópico específico, tendo em vista que em termos de especificações
técnicas, a tornozeleira e a UPR possuem grandes semelhanças, diferenciando-se apenas no
modo de se transportar os equipamentos, pois enquanto a mulher possui a liberdade de se
locomover portando o referido objeto na mão ou na bolsa, o homem terá o seu dispositivo
fixado no tornozelo através de uma pulseira, não podendo retirá-lo em qualquer hipótese.
Foto 6 – Modelo da Unidade Portátil de Rastreamento utilizadas pelas mulheres no Estado de Pernambuco
Fonte: Spacecom.
As dimensões desse dispositivo são as mesmas da tornozeleira eletrônica,
diferenciando-se apenas na largura, a qual é de 06 (seis) centímetros, um centímetro a menos
por não ter a necessidade de um adaptador para afivelar a cinta que envolve o tornozelo.
109
Frise-se que em ambos os aparelhos eletrônicos existem dois tipos de emissões de
sinais, quais sejam: os luminosos e vibratórios. Cada emissão de luz e vibração possui o
mesmo significado para os dois equipamentos, conforme explicado em linhas acima.
3.7 Dados relativos à aplicação do monitoramento eletrônico no contexto da violência
doméstica e familiar no ano de 2016 na cidade do Recife
De acordo com os registros levantados pela pesquisadora na Secretaria da Mulher do
Estado de Pernambuco, no ano de 2016, 162 (cento e sessenta e duas) mulheres da cidade do
Recife e Região Metropolitana compareceram ao referido órgão para participarem do
programa de monitoração eletrônica. Em razão de o estudo possuir como recorte a cidade do
Recife, verificou-se que desse total, 63 (sessenta e três) representa a quantidade de mulheres
que foram monitoradas juntamente com seus algozes nessa localidade. Portanto, a
investigação se pautou nesses 63 (sessenta e três) casos.
Conforme já explanado, a pesquisadora pretendia apenas utilizar o método da
observação para desenvolver a pesquisa de campo. Entretanto, quando da imersão na
Secretaria da Mulher, surgiu a oportunidade de examinar os arquivos relativos a
procedimentos de monitoração eletrônica já findados. Para cada mulher envolvida no
processo, as técnicas abrem uma pasta para anexar documentos relativos ao seu caso.
Manuseando essas pastas, a pesquisadora concluiu de imediato a necessidade de traçar o perfil
dessas vítimas monitoradas, pois em cada unidade continha uma anamnese indicando
escolaridade, estado civil, renda mensal, filhos com o agressor, raça/etnia, religião, orientação
sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com o agressor, tipo de violência sofrida,
tempo do relacionamento (nos casos em que mulher e acusado eram parceiros íntimos), idade,
etc. Além desses dados, em 36 pastas foram encontradas as decisões judiciais que decretaram
a monitoração eletrônica, cujo conteúdo também foi objeto de análise da pesquisadora e será
descrito no próximo tópico. Por ora, vale se concentrar na demonstração do perfil da vítima
monitorada eletronicamente.
Carolina Medeiros (2015, p. 89) especificamente quanto ao perfil da mulher vítima
de violência doméstica e familiar que procura o Poder Judiciário na cidade do Recife, inferiu
da sua pesquisa de campo realizada em uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher da Capital que a grande maioria das mulheres pertence a classes sociais mais baixas.
Como pôde ser verificado no gráfico 1 (tópico 3.5.1), essa realidade também se confirmou nos
110
3% 3%
6% 6% 6%
3% 3%
6% 12%
21% 12%
3% 6%
12%
0% 5% 10% 15% 20% 25%
AgricultoraAtendente
Aux. AdministrativoCobradora de ônibus
ComercianteContabilista
Coord. De CursosCostureira
DiaristaDo lar
DomésticaOp. De Caixa
RecepcionistaVendedora
Ocupação das vítimas
casos monitorados eletronicamente. Inobstante a afirmação das técnicas da Secretaria da
Mulher no sentido de atenderem as vítimas de variadas classes sociais, o maior número delas
ainda se reporta a uma situação de carência econômica, significando um percentual de 41% se
somadas as que não auferem renda e aquelas percebendo até um salário mínimo. Além do
mais, mesmo aquelas que recebiam uma remuneração acima de dois salários mínimos, do
total de mulheres monitoradas em Recife no ano de 2016, nenhuma delas percebiam valores
de monta, tendo em vista não possuírem ocupação com grandes perspectivas de ascensão
profissional e econômica, como se vislumbra a seguir:
Gráfico 2 – Ocupação/profissão declarada pela vítima
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
Importante esclarecer que todas as profissões mencionadas pelas 63 (sessenta e três)
vítimas foram inseridas no gráfico 2, o qual demonstra que 45% das mulheres dedicam as
suas atividades a afazeres domésticos (do lar, diarista e doméstica), ratificando a informação
do baixo nível de rendimentos delas e consequentemente a ausência de independência
econômica.
Para não deixar dúvida quanto à reduzida independência financeira da mulher em
tempos modernos, foi traçada a situação das vítimas de violência doméstica no mercado de
trabalho, as quais passaram pelo processo de monitoração eletrônica cujo resultado revela que
32% delas se encontram desempregada e nenhuma delas representa a figura da mulher
empregadora dotada de autonomia. Ou seja, elas normalmente estão subordinadas
profissionalmente a outra pessoa, quase sempre, a um homem. Vale esclarecer que o fato de
111
35% delas terem declarado ser autônoma não significa dizer que todas possuem plena
independência financeira, pois conforme mencionado, as profissões declaradas pelas vítimas -
costureira, diarista, vendedora, por exemplo - não são valorizadas em termos financeiros.
Assim, de acordo com o disposto nos capítulos anteriores, a ausência de independência e
autonomia em vários aspectos, dentre eles a econômica, é em muitos casos um obstáculo para
se libertar do ciclo de violência.
Gráfico 3 – Situação das vítimas no mercado de trabalho
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
Ressalte-se ainda que esses dados corrobora com a realidade observada pela
pesquisadora, pois durante as visitas à Secretaria da Mulher era extremante corriqueiro as
mulheres relatarem dificuldades financeiras até mesmo para pagar o transporte público para
irem ao mencionado órgão objetivando pegar ou devolver o GPS.
A profissão declarada pela vítima durante o atendimento na Secretaria da Mulher é
reflexo do reduzido grau de escolaridade das mesmas, pois 69% delas não possuem o ensino
médio completo. O maior número de mulheres participantes da política de enfrentamento do
monitoramento eletrônico pararam os estudos durante o ensino fundamental I (1º ao 5º)34,
representando um percentual de 24% do total.
34 As variáveis do gráfico 3 foram elaboradas com base na anamnese criada pela Secretaria da Mulher do Estado de
Pernambuco, a qual aparentemente utilizou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996) para
identificar o grau de escolaridade das vítimas de violência doméstica inseridas no programa de monitoramento eletrônico. De
acordo com a referida lei a educação escolar é dividida em educação básica e educação superior. A educação básica é
formada por três estágios, quais sejam: a educação infantil, o ensino fundamental e ensino médio. O ensino fundamental
também pode ser repartido em dois ciclos, sendo um composto por cinco anos (1º ao 5º ano) e o outro pelos quatro últimos
anos (6º ao 9º ano). Depois de cursados esses nove anos, o aluno passa a cursar o ensino médio, o qual normalmente tem duração de três anos e é considerado o último estágio da educação básica (BRASIL, 1996).
21%
9%
0%
32%
0%
0%
35%
3%
0%
0%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%
Assalariada c/ carteira
Assalariada s/ carteira
Trabalhao Eventual/Biscate
Desempregada
Empregadora
Aposentada
Autônoma
Pensionsita
Estagiária
Estatutária
Situação das vítimas no Mercado de Trabalho
112
9%
21%
12%
3%
3%
21%
6%
24%
3%
0% 5% 10% 15% 20% 25%
Ensino Superior Completo
Ensino Fundamental 2 Incompleto
Ensino Fundamental 2 completo (6º ao 9º)
Não Alfabetizada
Ensino Profissional/Tecnológico
Ensino Médio Completo
Ensino Médio Incompleto
Ensino Fundamental 1 Incompleto
Ensino Fundamental 1 completo (1º ao 5º)
Escolariedade das vítimas
Gráfico 4 – Escolaridade das vítimas
Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco
Quanto ao estado civil das mulheres (Gráfico 5), mais da metade (56%) declararam
serem solteiras e 21% afirmaram ter uma relação conjugal concebida pelo casamento ou pela
união estável. Esses dados também demonstram concordância com as informações obtidas
pela pesquisadora Carolina Medeiros (2015, p. 94) na Vara de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher na cidade do Recife, comprovando assim a veracidade do presente
estudo. Especificamente quanto ao estado civil das mulheres, a referida pesquisadora
verificou que 52,5% eram solteiras e 35,1% mantinha uma relação conjugal, seja pelo
casamento, seja pela união estável.
Gráfico 5 – Estado civil das vítimas
Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco
Buscando ainda entender a relação da vítima com o agressor (Gráfico 6), identificou-
se que durante o monitoramento eletrônico 41% das mulheres monitoradas estavam sendo
afastadas dos seus respectivos ex-companheiros, 35% dos seus ex-maridos e 6% dos ex-
namorados. Irmãos e cunhados representam nessa ordem o percentual de 6% e 3%. Não se
15%
56%
21%
6%
0%
3%
0%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Casada
Solteira
Divorciada
União Estável
Separada de Fato
Viúva
Outro
Estado civil das vítimas
113
vislumbrou monitoração eletrônica no ano de 2016 decorrentes de violência doméstica e
familiar praticadas por pais, tios, filhos, avôs, sogros ou agregados.
Gráfico 6 – Vínculo de parentesco das vítimas com o agressor
Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco
Também se procurou analisar a faixa etária de maior incidência do monitoramento
eletrônico decorrente da violência doméstica e familiar contra a mulher (Gráfico 7). Os
números demonstraram que essa concentração se dá entre 30 e 35 anos de idade, totalizando
um índice de 26%.
Gráfico 7 – Faixa etária das vítimas que utilizaram a monitoração eletrônica
Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco
0%
6%
9%
15%
26%
12%
12%
15%
6%
0%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
< 18 Anos
entre 18 e 20 anos
entre 21 e 25 anos
entre 26 e 30 anos
entre 31 e 35 anos
entre 36 e 40 anos
entre 41 e 45 anos
entre 46 e 50 anos
entre 51 e 55 anos
acima de 55 anos
Idade das vítimas
3%
35%
3%
41%
0%
0%
3%
6%
0%
6%
0%
0%
0%
0%
3%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Conjuge
Ex-Conjuge
Companheiro/a
Ex-Companheiro/a
Filho/a
Concubinato
Namorado/a
Irmã/o
Agregado/a
Ex-namorado/a
Pai
Sogro/a
Avó/ô
Tio/a
Cunhado/a
Vínculo de parentesco das vítimas com o agressor
114
Entretanto, não se pode menosprezar os indicadores relativos às demais faixas, pois
eles são expressivos e comprovam a existência da violência doméstica e familiar e a utilização
da monitoração eletrônica pelas mulheres vítimas nas mais variadas idades. Importante
enfatizar que as faixas menor que 18 anos e acima de 55 anos se apresentaram zerados,
contudo isso significa apenas que no ano de 2016 não foram encontradas mulheres com essas
idades fazendo uso da monitoração eletrônica, pois é bem sabido que a violência doméstica e
familiar atinge as mulheres de todas as faixas.
No tocante a orientação sexual das vítimas que fizeram uso do monitoramento
eletrônico no ano de 2016 na cidade do Recife, os dados mostram que todas elas eram
heterossexuais. Não se registraram no citado ano casos de monitoração eletrônica envolvendo
relações homoafetivas.
O gráfico 8 apresenta os percentuais relativos a raça/etnia das mulheres inseridas no
sistema de vigilância. O destaque foi para a cor parda, com 47 pontos percentuais do total de
vítimas monitoradas. As mulheres que se declararam brancas foram de 35%, negras 12% e
indígena 3%.
Gráfico 8 – Raça/Etnia das vítimas monitoradas eletronicamente
Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco
Um dado que chamou a atenção da pesquisadora diz respeito à quantidade de
mulheres de religião evangélica monitoradas eletronicamente em razão de ter sofrido
violência doméstica e familiar. Curiosamente 41% das vítimas que passaram pelo processo de
vigilância eletrônica se declararam evangélicas. Esse percentual coincidiu com o número de
mulheres católicas (41%), conforme se visualiza no gráfico abaixo:
35%
12%
3%
47%
0%
3%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%
Branca
Preta
Indígena
Parda
Amarela
Outra
Raça e Etnia das vítimas
115
Gráfico 9 – Religião das vítimas
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
A presença de mulheres evangélicas participantes da monitoração eletrônica é
interessante porque normalmente elas recebem influência religiosa e bíblica de manter o
casamento sob qualquer circunstância. No entanto, esse percentual tão significativo demonstra
que essas mulheres não estão aceitando silenciar diante da violência sofrida mesmo que isso
acarrete o fim do matrimônio.
Relativamente à existência de filhos das vítimas com os indivíduos monitorados,
verificou-se a presença deles em 62% dos casos. Desse percentual, 57% possuía um filho,
29% das relações tinham dois filhos e 14% três filhos (Gráfico 10). Segundo os relatos das
técnicas da Secretaria da Mulher, a presença de filhos na relação é quase sempre suscitada
pelas mulheres como justificativa para se recusarem a participar do programa de monitoração.
Gráfico 10 – Filhos da vítima com o agressor
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
Outro aspecto que não podia deixar de ser observado diz respeito ao tipo de violência
sofrida pelas mulheres que ensejou a aplicação do monitoramento eletrônico. No momento do
Não Possui Filhos 38%
Dois Filhos 18%
Três Filhos 9%
Um Filho 35%
Possui Filhos 62%
Filhos da vítima com o agressor
41%
41%
0%
6%
0%
0%
12%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Católica
Evangélica
Ateia
Espírita
Matriz Africana
Agnóstica
Outra
Religião das vítimas
116
levantamento desses dados, a pesquisadora constatou não se tratar de um único tipo penal
específico, mas sim de um conjunto de crimes praticados pelos agressores. Claro que em
termos processuais normalmente se vê a combinação de dois ou três tipos penais, porém a
análise da vítima tem como marco aquilo que foi pronunciado por ela na Secretaria da
Mulher. Assim, na maioria das situações a mulher disse ter sofrido violência física, sexual,
patrimonial, moral e psicológica, representadas pelos crimes de lesão corporal, estupro, dano,
difamação, injúria, calúnia e ameaça. Mas, de forma excepcional, a pesquisadora também se
deparou com casos da vítima afirmar ter sofrido apenas ameaça ou lesão corporal. Essa fala
das mulheres vale ser destacada porque quando a monitoração eletrônica era decretada em
sede de audiência de custódia, algumas das mulheres ainda chegavam a Secretaria da Mulher
com os ânimos aflorados e falavam sofrer vários tipos de agressões. Entretanto, a
pesquisadora percebeu que esse discurso não era o mesmo no momento de devolver o GPS.
Algumas delas demonstraram estarem cansadas por terem que transportar o referido objeto e
felizes por se livrar dele.
Segue abaixo o gráfico 11 demonstrando os delitos de maior incidência para
aplicação da monitoração eletrônica a partir do relato das mulheres na Secretaria da Mulher:
Gráfico 11- Tipo Penal para aplicação da monitoração eletrônica
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
O tempo que leva da primeira agressão até a formalização da denúncia perante a
delegacia de polícia está representada pelo gráfico abaixo. Da análise dos números, constata-
se que em 26% dos casos a mulher leva de um a dois anos para registrar a denúncia contra o
agressor. No entanto, com menos de cinco anos mais da metade formalizam a agressão
perante a delegacia de polícia.
28%
2%
7%
17%
5%
15%
25%
1%
1%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Ameaça
Calúnia
Dano
Difamação
Estupro
Injúria
Lesão Corporal
Pertubação da Tranquilidade
Vias de fato
Tipo Penal
117
Gráfico 12 – Tempo da primeira agressão até a formalização da denúncia
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
Também se levantou as informações relativas ao tempo de relacionamento da vítima
com o agressor até o momento da aplicação da tornozeleira eletrônica (Gráfico 13),
evidenciando-se que em 32% dos casos a monitoração eletrônica é aplicada quando a
convivência se encontra entre 5 e 10 anos, conforme apresentado abaixo:
Gráfico 13 – Tempo de convivência das vítimas com os agressores
Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco
3.8 Breves comentários sobre as decisões de decretação e revogação do monitoramento
eletrônico prolatadas em 2016 pelo juízo das Varas de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher do Recife
Nesse tópico serão tecidos alguns aspectos identificados durante o exame das
decisões judiciais que decretaram o monitoramento eletrônico para os casos de violência
15%
26%
15%
9%
21%
3%
12%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Até 1 ano
Entre 1 e 2 anos
Entre 2 e 3 anos
Entre 3 e 4 anos
entre 5 e 10 anos
entre 10 e 20 anos
entre 20 e 30 anos
Há quanto tempo dura as agressões
9%
3%
12%
6%
32%
15%
24%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%
Até 1 ano
Entre 1 e 2 anos
Entre 2 e 3 anos
Entre 3 e 4 anos
entre 5 e 10 anos
entre 10 e 20 anos
entre 20 e 30 anos
Tempo de convivência das vítimas com o agressores
118
doméstica e familiar praticado contra a mulher. Conforme já introduzido, foram analisadas 36
decisões proferidas pelos juízes das três Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher da Capital e pelos magistrados da Central de Audiência de Custódia. Logo de início a
pesquisadora não tinha noção sobre o que exatamente iria avaliar. Contudo, nas primeiras
leituras restou claro que mereciam ser expostas as circunstâncias do caso para a imposição da
medida cautelar de monitoração eletrônica, os motivos utilizados pelos magistrados, o prazo
que perduraria a medida, as distâncias fixas e móveis a serem observadas pelo monitorado e
algumas outras questões pontuais.
Da 1ª Vara foram analisadas 10 (dez) decisões, enquanto da 2ª Vara se estudaram 8
(oito) decisões e por fim a 3ª Vara foram 3 (três). Já da Central das Audiências de Custódia,
encontraram-se 15 (quinze) decisões judiciais.
Além dessas 36 decisões judiciais, também foi possível extrair 14 (catorze) decisões
judiciais revogadoras do monitoramento eletrônico, cujos fundamentos também serão
apontados nas linhas a seguir.
No que diz respeito às circunstâncias em que se determinou a aplicação da
monitoração eletrônica, encontrou-se três momentos: a) quando é lavrado contra o autor da
violência o auto de prisão em flagrante delito, sendo ele conduzido para a audiência de
custódia; b) quando mesmo devidamente intimado das medidas protetivas de urgência o
agressor não as cumpre; e, c) quando o indivíduo se encontra preso preventivamente pela
prática de violência doméstica e o juiz pretende conceder a sua liberdade provisória.
Relativamente ao ponto “a”, quando o juiz presidente da audiência de custódia
recebe o flagrante, o primeiro aspecto avaliado por ele é a legalidade do ato formalizado pela
autoridade policial. Ultrapassada essa etapa e não havendo nenhum constrangimento ilegal, o
magistrado passa a analisar a possibilidade de concessão de liberdade provisória (com ou sem
fiança) ou a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva nos termos do artigo 310,
incisos II e III e parágrafo único do Código de Processo Penal. Assim, ausentes os requisitos
para decretar a prisão preventiva, o juiz concede a liberdade provisória. Entretanto, sob o
argumento da necessidade de se garantir a integridade física e psicológica da vítima, o juiz
determina juntamente com a liberdade o monitoramento eletrônico como medida cautelar
diversa da prisão respaldado no artigo 319, inciso IX, do Código de Processo Penal.
Os magistrados procuram fazer uma busca no sistema JUDWIN para identificar
possíveis ações penais tramitando contra agressor, bem como verificam a ausência de uma
contumácia de monta capaz de ensejar a decretação da prisão preventiva, ou ainda frisam a
primariedade do indivíduo, a ausência de antecedentes criminais e até mesmo a indicação de
119
ocupação lícita por parte do autor; mas, nada disso é suficiente para evitar a imposição da
monitoração eletrônica. Esses aspectos são fundamentos apenas para não converter a prisão
em flagrante em prisão preventiva, pois em nenhuma decisão se vislumbrou alguma
justificativa para não se decretar o monitoramento eletrônico ou aplicar qualquer outra medida
disposta no artigo 319 do Código de Processo Penal. Ou seja, para todos os casos de violência
doméstica e familiar praticado contra a mulher, ausentes os requisitos para a decretação da
prisão preventiva, concede-se a liberdade provisória sempre cumulada com a monitoração
eletrônica. Com efeito, percebe-se claramente essa medida cautelar sendo aplicada como
regra, enquanto na verdade deveria ser exceção, conforme prega os doutrinadores
mencionados no capítulo anterior. Além disso, a ordem do monitoramento eletrônico nessas
circunstâncias é extremamente perigosa, tendo em vista que - mesmo não encontrando em
nenhuma dessas decisões o fundamento legal contido no artigo 9º, inciso I, da Instrução
Normativa n° 15/2016 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, o qual prevê a
possibilidade de se determinar a medida cautelar de monitoramento eletrônico em decorrência
de violação da Lei Federal n° 11.340/2006 quando a situação demonstrar risco iminente à
vida e à integridade física e psicológica da vítima - é possível o magistrado impor a medida
cautelar diante da ocorrência de um ato isolado não representativo da realidade das partes
envolvidas, visto que como explanado no segundo capítulo, o Direito Penal aplicado nesse
caso pelo juiz não foi criado para contemplar as histórias de vida ou as relações de afetividade
existentes entre o autor e a vítima da violência doméstica e familiar.
Adentrando na circunstância “b”, vale destacar o seguinte dado: os processos de
violência doméstica e familiar podem se prolongar durante muitos anos e o motivo não é
apenas decorrente do abarrotamento judicial, mas sim porque a relação violenta pode persistir
durante muito tempo, o que demonstra mais uma vez a inaptidão do sistema criminal de
justiça para solucionar o conflito, já que mesmo diante da existência de um processo judicial,
novas violações não deixam de acontecer35
. Essa afirmação tem origem no fato da
pesquisadora ter encontrado decisões judiciais decretando o monitoramento eletrônico no ano
de 2016, contudo o processo se referia a 201336
. Enquanto as medidas protetivas urgência
estiverem vigentes, a vítima através da delegacia ou do seu advogado pode informar ao juiz o
não cumprimento delas por parte do agressor requerendo a decretação da prisão preventiva ou
a medida cautelar de monitoramento eletrônico. Essa é uma possibilidade legal prevista no 35 Ainda sobre esta questão, vale relembrar os ensinamentos de Welinton Caixeta Maciel (2014), o qual em sua dissertação de
mestrado em Antropologia questionou a judicialização de conflitos domésticos e familiar como meio de manutenção das
relações violentas. 36 Importante notar que o autor do fato pode viver por anos assombrado por um processo judicial em que figura na condição de réu.
120
artigo 9º, inciso III, da Instrução Normativa n° 15/2016 e em termos percentuais representa
41,67% do total das decisões analisadas para se deferir a monitoração eletrônica. Portanto,
quando o juiz é informado dentro do processo judicial que deferiu medidas protetivas de
urgência que o agressor continua infringindo a lei e/ou a ordem judicial, a decisão é no
sentido de se impor a monitoração eletrônica mediante uso de tornozeleira.
Por fim, a terceira circunstância encontrada para se determinar a monitoração
eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher acontece
quando o autor do fato se encontra preso preventivamente, seja em virtude de uma prisão em
flagrante ou por descumprimento de medidas protetivas de urgência ou ainda por não
atendimento de ordem judicial. Nessa situação, o juiz verifica a necessidade legal de colocar o
indivíduo em liberdade para a prisão não se tornar um constrangimento ilegal. Normalmente,
essa possibilidade ocorre quando o defensor/advogado do acusado atravessa uma petição nos
autos pedindo a liberdade provisória, fundamentando o pleito em excesso de prazo da prisão
ou na ausência de requisitos para se manter a custódia preventiva. Essa hipótese foi a que se
apresentou em menor número, com apenas 16,6% do total das decisões analisadas.
A hipótese de se aplicar o monitoramento eletrônico a um indivíduo que se
encontrava preso preventivamente transmite a ideia de continuidade da punição. Ora, muitos
agressores passam vários meses encarcerados porque sequer possuem condições financeiras
para contratar um advogado particular e mesmo depois de ter vivenciado as mazelas do
cárcere, em “liberdade” terá que fazer uso de uma tornozeleira eletrônica. Como se não
bastasse ter que enfrentar a discriminação e o preconceito de ser um ex presidiário, agora terá
que suportar também as consequências advindas do equipamento eletrônico.
Em análise do prazo da medida cautelar, a Instrução Normativa n° 15/2016, reza em
seu artigo 24 que o prazo máximo de uso do equipamento de monitoração eletrônica será de
120 (cento e vinte) dias, podendo ser renovado quantas vezes forem necessárias, aferindo-se a
necessidade e a adequação. Do total das decisões analisadas, na grande maioria delas o juiz
estabeleceu que a vigilância deveria durar o tempo mais elevado da medida, significando um
percentual de 52,8%. Contudo, ainda que de forma tímida foram encontradas decisões com
prazo de 60 e 90 dias. Ressalte-se também que em duas decisões o juiz estabeleceu o
monitoramento eletrônico por prazo indeterminado, o que afronta o procedimento previsto no
referido artigo da Instrução Normativa. Já em outras três decisões o prazo foi omitido,
deixando o magistrado de observar o disposto no artigo 17, inciso III, da IN n° 15/2016. Ora,
a ideia da citada Instrução Normativa é justamente regulamentar a monitoração eletrônica no
âmbito da Justiça Criminal do Estado de Pernambuco, normatizando o uso da tornozeleira de
121
modo a padronizar os procedimentos e consequentemente evitar violações de direitos
fundamentais do indivíduo, no entanto, percebe-se que em alguns casos não se adotou o
disciplinamento, não sabendo dizer a pesquisadora se é mais grave esquecer de inserir o prazo
na decisão ou estabelece-lo por prazo indeterminado.
De acordo com o artigo 9º, § 1º, inciso III, “a”, da Instrução Normativa 15/2016, a
área de exclusão fixa poderá variar de 2 (dois) a 5 (cinco) quilômetros de raio a critério do
juiz. Nas decisões averiguadas a maior parte delas continha área fixa de 2 (dois) quilômetros,
sendo 5 (cinco) uma determinação excepcional. Em termos percentuais isso significa 66,67%
e 16,67%, do total de decisões analisadas. Esse talvez seja o ponto mais crítico no momento
de se formular a decisão, visto que o juiz precisa estabelecer a distância de modo a não deixar
o monitorado impossibilitado de se locomover na cidade. O cuidado deve ser maior quando se
estabelecem várias áreas fixas, tais como residência da vítima, local de trabalho e residência
de familiares, por exemplo. A depender da localização desses lugares, a área de trânsito do
indivíduo poderá ser potencialmente restringida, prejudicando a preservação da rotina do
mesmo e consequentemente a inclusão social. De acordo com os operadores do CEMER é
comum haver constantes violações de áreas por excesso de fixação da distância, como foi o
caso do cidadão que foi morar em Aldeia, Camaragibe/PE, com o intuito de evitar invasão de
área proibida, mas mesmo dentro de alguns cômodos da sua residência ocasionava incidentes.
Para comprovar o alto grau desse risco de imobilidade, a pesquisadora escolheu
aleatoriamente um caso do ano de 2016, inseriu os endereços das áreas de exclusão fixa no
google maps e traçou o raio de cinco quilômetros sobre cada ponto, conforme estava
determinado na decisão judicial. O resultado se verifica no print das telas logo abaixo:
Foto 7 – Mapeamento do raio da área de exclusão com base nos pontos fixos
122
Constam na imagem acima quatro pontos marcados no mapa, os quais representam
os seguintes locais: residência da vítima, residência de familiares, trabalho da vítima e
residência do agressor. As partes em conflito residem no bairro do Alto Santa Terezinha,
Recife/PE. O local de trabalho da mulher se situa no bairro do Espinheiro da mesma cidade.
Na Rua Nossa Senhora de Fátima reside à mãe da vítima. A partir de cada um desses pontos,
o agressor precisa manter uma distância de um raio de 5 (cinco) quilômetros.
Foto 8 – Mapeamento dos pontos fixos a partir do local de trabalho da vítima
Fonte: Arquivo Pessoal
A pesquisadora traçou os raios das fotos 8 e 9 a partir do endereço da vítima e do
local de trabalho dela. De imediato, constata-se que o agressor ficará constantemente violando
a área de exclusão referente ao local de residência da vítima, visto que ele reside bem próximo
a ela. Percebendo isso, o juiz diminuiu a distância para o raio de 1 (um) quilômetro apenas
com relação a esse trecho entre os dois pontos. Em que pese essa decisão, verifica-se que o
indivíduo em monitoramento fica proibido de circular em todas as demais vias do bairro onde
reside, inviabilizando-o de se relacionar com a comunidade a qual ele rotineiramente convive.
Além do mais, observando o mapa encontram-se pelo menos seis bairros englobados pela área
de exclusão, tornando a monitoração eletrônica praticamente uma prisão domiciliar. De
acordo com essas rotas, é impossível o monitorando sair da sua residência sem transitar por
locais proibidos, acarretando violações do sistema.
123
Foto 9 – Mapeamento do raio da área de exclusão a partir da residência da vítima
Fonte: Arquivo Pessoal
Dialogando essa realidade com a teoria disposta no primeiro capítulo da presente
dissertação, fica evidente a presença de características de uma arquitetura panóptica podendo
esse tipo de vigilância ensejar processos de estigmatização dos indivíduos a ela submetidos,
independentemente deles terem vivenciado a prisão entre muros, pois por meio desses
mecanismos de observação se busca confinar o sujeito e não contribuir com a ressocialização
e inclusão social.
Já no que diz respeito à área de exclusão móvel, o artigo 9º, § 1º, inciso III, “b”, da
Instrução Normativa 15/2016 determina uma distância com 500 (quinhentos) metros de raio,
devendo o juiz indicar exatamente essa extensão. Inobstante a regra observada na maioria
maciça das decisões, também foram encontradas algumas com área de exclusão móvel de 600
(seiscentos) metros e 1 (um) quilômetro de raio, acarretando também nesses casos limitação
extrema da liberdade do monitorando.
Das decisões estudadas em nenhuma delas se encontrou fundamentos relacionados
aos supostos benefícios da tornozeleira eletrônica para justificar a sua aplicação, como por
exemplo, a necessidade de se garantir direitos fundamentais do acusado e gerar a inclusão
social dele. O foco dessas decisões é o controle e a proteção da vítima, os quais são
alcançados mediante a restrição de direitos do agressor.
Depois de analisar os aspectos das decisões que decretaram a monitoração eletrônica
mediante o uso de tornozeleira, a pesquisadora também procurou dar enfoque às razões
atribuídas pelos magistrados para revogarem a medida. As causas foram bem diversificadas,
124
dentre elas se encontrou a prescrição do delito, decorrido prazo da medida, excesso de prazo
da medida, acordo entre vítima e agressor em audiência, por não mais persistirem os
pressupostos da medida cautelar, comparecimento da vítima na Vara requerendo a revogação
da medida, requerimento formulado pelo advogado do monitorando pedindo a revogação da
medida com fundamento no compromisso assumido de observar as medidas protetivas de
urgência, arrependimento da vítima em ter registrado o boletim de ocorrência. Salvo na
fundamentação de prescrição do delito, em todas as demais decisões de revogação do
monitoramento eletrônico, manteve-se as medidas protetivas de urgência. Em alguns casos,
verificou-se a opinião da vítima acerca da revogação da medida, mas não foi a regra.
Dentre esses fundamentos o que mais se destacou foi o excesso de prazo da medida.
O juiz estabelecia prazo de 120 (cento e vinte dias), mas foi comum encontrar indivíduos
monitorados há seis meses. A pesquisadora esperava encontrar um número maior de
revogações decorrentes do requerimento da vítima, já que muitas delas rejeitam participar do
sistema de monitoração eletrônica, conforme pontuado anteriormente. Contudo, não foi o
caso. A maior parte delas se mantiveram firmes no programa de vigilância até a revogação
ocorrer por razões diversas. Dessa forma, para compreender esse e outros aspectos, no
próximo ponto serão analisados os discursos pregados pelas mulheres quando do
comparecimento na Secretaria da Mulher para a devolução do equipamento.
3.9 O impacto da monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher a partir da percepção das vítimas
Durante o período que a pesquisadora frequentou a Secretaria da Mulher do Estado
de Pernambuco, percebeu-se que o fluxo de mulheres naquele ambiente não era diário. Ou
seja, não era todos os dias que chegavam mulheres para receber ou devolver o GPS. Por
vezes, esses atendimentos aconteciam entre duas a três vezes por semana. E por dia, a
pesquisadora presenciou o número máximo de quatro mulheres. Nas demais horas do dia, as
técnicas se ocupavam em acompanhar a monitoração eletrônica, organizar os dados e arquivar
as informações de cada caso específico.
Para receber as vítimas no citado órgão, as técnicas agendavam por telefone o dia e a
hora do comparecimento e isso facilitava muito a observação da pesquisadora, pois permitia a
esta estar no ambiente no tempo marcado. Por isso, foi possível interagir com algumas delas,
conversando de maneira informal, principalmente aquelas que estavam devolvendo o
125
equipamento, pois era possível extrair delas a experiência da monitoração eletrônica. Primeiro
a pesquisadora observava todo o atendimento, deixando as técnicas desenvolverem o trabalho
delas e só ao final perguntava algo sobre o período em monitoramento quando encontrava
espaço para isso.
Apesar de ter conseguido captar todo o funcionamento da diretoria responsável pelo
programa do monitoramento eletrônico, bem como ter obtido contato com algumas das
mulheres inseridas nessa política, a pesquisadora sentiu a necessidade de contatar mais
algumas delas para tentar traçar as opiniões mais frequentes das mulheres em torno da
monitoração eletrônica. Esse acesso a um número maior de mulheres se tornou para a
pesquisadora fundamental porque não era em todos os atendimentos que existia espaço para
conversar com elas. Além do mais, como as mulheres e a pesquisadora sempre estavam na
presença das técnicas isso por vezes inibia de alguma forma tanto as perguntas quanto às
respostas.
Portanto, na medida que o prazo da pesquisa de campo estava chegando ao fim sem
que a pesquisadora estivesse satisfeita com as informações adquiridas no referido
departamento, a pesquisadora resolveu telefonar para algumas delas na tentativa de marcar um
encontro para conversar sobre a experiência delas. Entretanto, dois obstáculos tornaram essa
possibilidade inviável. A primeira dificuldade foi à falta de disponibilidade dessas mulheres.
Em alguns casos se percebeu que se tratava de uma desculpa para evitar o encontro. Já a
segunda dificuldade foi o acesso da pesquisadora a alguns bairros da periferia do Recife. O
receio de chegar a certos locais considerados perigosos desestimulou a seguir com o plano de
conversar pessoalmente com outras vítimas. Em razão desses fatores, procurou-se fazer esse
diálogo através de ligações telefônicas. Surpreendentemente as mulheres se mostraram bem
dispostas a responderem as perguntas formuladas, permitindo assim extrair alguns conceitos
sobre a monitoração eletrônica com base nas percepções das delas.
A pesquisadora entrou em contato com 10 (dez) mulheres. Antes de telefonar,
elaboraram-se algumas perguntas para serem dirigidas durante a conversa. Mas, optou-se por
não determinar a ordem das indagações. A ideia era fazer os questionamentos de acordo com
a oportunidade, ou seja, na medida que o diálogo estava fluindo. Essa técnica teve por
finalidade deixar que as mulheres se sentissem mais a vontade para falar segundo a
conveniência delas, evitando perguntas e respostas mecânicas. Foram conversas sem
formalidades a ponto de chegar a se falar sobre outros assuntos para só depois dialogar sobre
o monitoramento eletrônico propriamente dito, pois isso permitiu quebrar um pouco o receio
de falar com uma pessoa desconhecida. A pesquisadora se identificou como uma estudante da
126
temática e pediu a ajuda delas para discorrer a respeito. Importante destacar que nessa
pesquisa não foram inseridos qualquer tipo de informação capaz de identifica-las, até porque
o objetivo é compreender um pouco da experiência passada por elas relativamente ao
monitoramento eletrônico em face da violência doméstica e familiar enfrentada, sendo
irrelevante qualquer dado de identificação pessoal.
Depois de ouvir cada uma delas, não só após as ligações como também pessoalmente
na Secretaria da Mulher, de imediato a pesquisadora identificou a presença de quatro grupos
de mulheres em sede de monitoração eletrônica, quais sejam:
O primeiro grupo se caracteriza pela presença de mulheres plenamente satisfeitas
com o programa de monitoração eletrônica, pois essa estratégia de combate conseguiu pôr um
fim nos ciclos de violência. O segundo grupo se classifica pela boa avaliação feita pelas
mulheres a respeito do monitoramento eletrônico, mas que em seus discursos revelaram ainda
sofrer algum tipo de violência durante e/ou depois de cessada à vigilância. O terceiro grupo é
aquele cujas mulheres não acreditam na eficácia da política de enfrentamento ora estudada,
contudo demonstraram melhor qualidade de vida depois de ter passado pelo monitoramento
eletrônico. O quarto grupo nasceu da crença da ineficácia da monitoração eletrônica por esta
não ter proporcionado a saída dos ciclos de violência.
Adentrando nos argumentos utilizados pelas mulheres que afirmaram estar bastante
satisfeita com o programa de monitoração eletrônica (grupo1), elas alegaram que a medida
cautelar diversa da prisão foi decretada porque os respectivos agressores descumpriam
constantemente as medidas protetivas de urgência a ponto de a situação ficar insustentável. A
partir de então, as vítimas informavam ao magistrado a falta de obediência da ordem judicial e
este por sua vez decretava a monitoração eletrônica mediante o uso de tornozeleira eletrônica.
A pesquisadora identificou três formas dessas mulheres darem ciência do
descumprimento ao juiz: registrando outro boletim de ocorrência, indo pessoalmente à Vara
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para conversar com o juiz ou
peticionando nos autos através de advogado devidamente constituído.
De posse da Unidade Portátil de Rastreamento e tendo conhecimento de que o
agressor se encontrava com a tornozeleira eletrônica devidamente instalada, as vítimas desse
grupo falaram se sentirem seguras com o monitoramento eletrônico, como também satisfeitas
com todo o funcionamento do sistema, especialmente por terem sido contatadas nas eventuais
violações, momentos em que receberam instruções sobre as providências a serem adotadas,
tais como fechar a casa, procurar um lugar seguro, etc.
127
Em determinados casos, o homem chegou a ser preso por desobedecer às regras do
sistema mediante a ação rápida da polícia militar. Por isso, recomendam o monitoramento
eletrônico para outras mulheres, bem como passaria novamente pelo programa, já que desde o
início do monitoramento e mesmo após o seu término não houve mais intercorrências de
violência. Para exemplificar as mulheres que integram o grupo de defesa da monitoração
eletrônica pelo fato deste ter cessado a violência após o fim da medida, segue abaixo uma
parte da conversa ocorrida entre a pesquisadora e uma das vítimas:
C: A senhora se sentiu segura durante o tempo em que estava com o GPS?
Vítima 1: Com certeza! Porque aí ele não poderia chegar próximo de mim,
entendeu? E querendo ou não, deu para eu resolver bastante coisa porque era uma
situação bastante complicada. Eu já estava com a medida protetiva, aí quando ele
recebeu o papel para colocar a pulseira eu estava indo trabalhar que era na mesma
rua onde eu moro só que no final da avenida, ele esperou eu passar para dizer como
era que eu botava um negócio daquele nele porque aquilo ia prejudicar ele, que ele
podia perder o emprego. Aí depois que ele colocou, ele parou de me ameaçar.
C: Depois que o agressor tirou a tornozeleira, ele parou com as agressões?
Vítima 1: Parou, parou sim! Ele ficou mais calmo depois que eu abri mão do carro e
da loja. Durante os três meses da pulseira, ele teve que se mudar para a casa da irmã
dele. Não houve violação durante o período do monitoramento. Só que hoje ele
ainda quebra porque eu ainda tenho medida protetiva e a mãe dele mora na mesma
rua que eu. Mas, como ele não me incomoda e passa pouco tempo lá na casa da mãe
dele, eu deixo para lá.
C: A sua vida ficou melhor depois do monitoramento eletrônico?
Vítima 1: Com certeza, com certeza!
C: A senhora recomendaria o monitoramento?
Vítima 1: Com certeza, com certeza!
A ênfase no diálogo com a vítima 1 se justifica porque se tratou de um caso onde a
mulher estava sendo constantemente ameaçada de morte pelo fato dela ter colocado um fim
no casamento depois do marido ter lhe aplicado um golpe de mais de R$ 200.000,00
(duzentos mil reais) ao realizar um empréstimo em nome da vítima. Depois desse estopim,
vítima e agressor, mesmo separados, continuaram administrando um comércio, mas todas as
vezes que ela o impedia de levar todo o apurado do dia, terminava sendo ameaçada. Quando
não aguentou mais a situação, dirigiu-se à Delegacia da Mulher e registrou a ocorrência contra
o marido, o qual depois de descumprir diversas vezes a medida protetiva de urgência, teve
decretado contra si a cautelar de monitoração eletrônica mediante o uso de tornozeleira. O ex-
casal permaneceu monitorado até meados do mês de maio de 2016.
Desse pequeno trecho, é possível perceber que pelo menos até a data dessa entrevista
ocorrida em dezembro do ano de 2016, a monitoração eletrônica foi eficaz para combater a
violência sofrida pela vítima. Entretanto, para conseguir proteger a integridade física e
128
psicológica dessa mulher, o agressor teve que alterar o seu endereço e deixar de frequentar a
casa da sua mãe durante o período do monitoramento.
Outro grupo de opiniões semelhantes (grupo 2) foi formado quando algumas
mulheres alegaram estar muito satisfeitas com a política de monitoração eletrônica, pois
durante o período de monitoramento ou deixaram de sofrer todo tipo de violência ou tiveram
uma melhora significativa da qualidade de vida. Por isso, aprovam o programa e recomendam
a participação de outras mulheres.
Presenciando uma devolução do GPS na Secretaria da Mulher de Pernambuco, a
mulher expôs para a técnica - a qual realizava a pesquisa de satisfação feita ao final do
programa - que a monitoração foi muito eficaz na vida dela porque apesar de ainda conviver
sob o mesmo teto do companheiro, não sofreu mais agressões físicas. Mencionando as
mesmas palavras da vítima, “as pisas pararam de acontecer”, restando apenas às injúrias do
tipo “fulano é macho seu” e ainda as palavras relacionadas à atividade da prostituição. No
caso dessa vítima, ela sofria violência física de natureza doméstica e familiar desde os seus 14
(catorze) anos quando estava grávida de 8 (oito) meses do seu primeiro filho com o
companheiro. Em meio a um dos ciclos de violência, ela saiu fugida para a casa da mãe com
medo de morrer. Por essa ocasião, o juiz determinou a medida cautelar de monitoração
eletrônica e durante a medida ela resolveu voltar para a sua casa com medo de perder a
propriedade do imóvel para o agressor, motivo pelo qual ainda hoje se encontram os
envolvidos no conflito residindo no mesmo ambiente. Assim, apesar de ter sido ela a
responsável por ter quebrado as regras do sistema de monitoramento eletrônico, a mulher se
sente satisfeita com o programa por ter deixado de apanhar do companheiro. Por essa razão,
ela recomenda a política para outras mulheres como também passaria novamente por ela caso
fosse necessário. Essa última afirmação foi proferida quando a pesquisadora encontrou um
espaço para questioná-la sobre qual era a preferência dela entre o agressor ser preso ou usar a
tornozeleira, momento em que ela sem titubear respondeu dizendo preferir a tornozeleira, pois
aquele homem apesar de tudo era o pai dos filhos dela e seu único desejo se limitava à saída
dele de dentro da casa dela.
Nas entrevistas, também surgiram outras mulheres que aprovaram o monitoramento
eletrônico mesmo com marido/companheiro ter tentado agredi-las - de forma física, moral,
patrimonial ou psicológica - durante o processo de vigilância:
C: A senhora acha que o monitoramento eletrônico foi capaz de lhe proteger?
Vítima 2: Eu gostei do monitoramento porque ele achava na mente dele que eu
estava sendo monitorada pelo satélite, mesmo ele não estando com a tornozeleira,
ele achava que eu estava sendo vigiada. Então, muitas vezes ele deixou de me
esfaquear ou tentar me matar por esse motivo. Quando ele estava drogado, criava
129
coragem e vinha até o meu portão, eu mostrava o aparelho a ele e dizia: “venha,
venha!”, aí ele ia embora.
C: Depois do monitoramento eletrônico, a senhora deixou de ser agredida?
Vítima 2: Na verdade, ele se encontra preso porque ele não foi colocar a
tornozeleira e vivia rondando minha casa. Aí eu fui procurar a juíza e ela mandou
prender ele.
Entretanto, dentro desse mesmo grupo 2, também se encontraram mulheres
satisfeitas com a monitoração eletrônica porque durante a medida tudo transcorreu muito bem.
Não houve relatos de qualquer tipo de violência, mas após o fim da medida cautelar, o status
anterior ao período da monitoração voltou a predominar, em alguns casos em um nível mais
tênue, já em outros no mesmo grau de antes do monitoramento. No primeiro caso, quando
elas narraram como estava a vida depois da saída da monitoração eletrônica, revelaram que
não eram mais incomodadas pelos seus maridos ou ex companheiros, mas sempre percebiam
eles por perto como se estivessem vigiando-as quando estavam passando na rua, por exemplo.
Uma delas afirmou que todos os dias quando sai de casa para trabalhar, encontra o ex
companheiro sentado em um banco público. O mesmo acontece quando ela retorna no final do
dia. Quando ele a vê abaixa a cabeça e não diz nada, enquanto ela faz o mesmo gesto. Mesmo
os agressores não manifestando qualquer ato de violência, as vítimas afirmaram se sentirem
desconfortáveis com a situação, pois é como se a qualquer momento tudo pudesse voltar a
acontecer. Esses encontros, sejam eles voluntários ou a simples rotina/hábito do indivíduo,
acontecem pela mesma razão mencionada pelo gestor do CEMER: o fato dos envolvidos
habitarem na mesma localidade.
Conforme pontuado, dentro desse grupo 2 existem ainda os casos mais preocupantes
caracterizados pelo retorno da violência no mesmo patamar anterior ao início do período do
monitoramento eletrônico. Registre-se, mais uma vez que mesmo diante dessas
circunstâncias, as mulheres aprovam a monitoração eletrônica por terem vivenciado
momentos de tranquilidade durante os meses de vigilância. Várias mulheres apresentaram
uma fala semelhante ao diálogo abaixo:
C: A senhora considera que o monitoramento eletrônico foi útil?
Vítima 3: Sim, pois foi os 120 dias que eu tive sossego!
C: O monitoramento eletrônico conseguiu lhe proteger de novas violências?
Vítima 3: Conseguiu sim, porque eu consegui ter um pouco de liberdade. Foi 120
dias com ele distante de mim porque ele sabia que não podia se aproximar. Foi
realmente o único período que eu tive sossego nesses últimos três anos e meio. Foi
um descanso para mim. Saber que ele estava longe e eu podia chegar e conversar
com um vizinho ou uma pessoa na rua já era muita coisa.
C: Depois do monitoramento eletrônico sua vida ficou melhor:
Vítima 3: Não, voltou tudo ao que era antes. Deixei de ter sossego.
130
C: Mesmo com o retorno da violência, a senhora remendaria o monitoramento
eletrônico para outras mulheres?
Vítima 3: Com certeza! Recomendaria sim porque foi muito bom saber que eu
podia andar na rua sem que ele pudesse chegar junto de mim.
A história de vida da Vítima 3 é parecida com a grande maioria dos casos
vislumbrados pela pesquisadora enquanto agente de segurança pública37, pois é bastante
comum o autor da violência cessar temporariamente a prática de novas agressões físicas ou
verbais quando ele se encontra submetido a uma ordem judicial como é o caso das medidas
protetivas cumuladas com a medida cautelar de monitoração eletrônica. Todavia, após
ultrapassar os períodos críticos de âmbito processual, como a possibilidade de ser preso, por
exemplo, progressivamente a violência volta a acontecer e a vítima acaba retornando a
delegacia de polícia. Nesses casos, percebe-se que a vigilância eletrônica não foi capaz de
eliminar o conflito de natureza doméstica e familiar, pois serviu apenas como um paliativo, já
que baniu as práticas consideradas criminosas apenas enquanto vítima e autor estavam
portando os equipamentos de vigilância.
Portanto, apesar das mulheres do grupo 2 visualizarem a monitoração eletrônica
como um instrumento positivo, a medida não se mostrou eficiente no combate da violência
doméstica e familiar, uma vez que durante e/ou depois da vigilância eletrônica as vítimas
continuaram sofrendo ataques, especialmente relacionadas aos crimes de ameaça e injúria,
segundo os relatos.
Findada as entrevistas e a pesquisa de campo também foi possível formar o terceiro
grupo de mulheres (grupo 3), as quais não se sentiram seguras durante o período do
monitoramento eletrônico, bem como não viram mudanças ao comparar as suas condições de
vida antes, durante e depois da medida eletrônica. Apesar delas não reconhecerem uma
melhoria na qualidade de vida após o término do monitoramento eletrônico ou ao menos à
diminuição da violência decorrente do programa de vigilância, essa característica se encontra
implícita nos seus discursos. Em outras palavras, para esse grupo de mulheres o
monitoramento não foi e nem é eficaz para resolver o seu problema. Elas não reconhecem a
benesses no programa em suas vidas, no entanto em suas falas isso se encontra aparente.
Segue abaixo um exemplo do pensamento das mulheres do grupo 3:
C: A senhora acha que a monitoração eletrônica foi eficiente para o seu caso?
Vítima 4: Na verdade eu acredito que se ele quisesse fazer alguma coisa teria feito
porque isso é uma coisa que sei lá... assim sabe, se existisse a vontade dele fazer
37 A pesquisadora é servidora pública e ocupa o cargo de escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco desde o ano de
2012 e se encontra lotada na 46ª Circunscrição Policial até requerer o seu afastamento por curso, visando concluir a presente dissertação.
131
alguma coisa comigo isso (a monitoração eletrônica) não teria adiantado muito não
porque daqui que ligasse, chegasse, já teria acontecido qualquer coisa. Não acho que
é muito eficiente não. Mas, em nenhum momento ele tentou nada não, sabe?
C: Você se sentiu segura quando soube que ele estava com a tornozeleira?
Vítima 4: Não me senti segura. Na verdade, foi indiferente.
C: Depois da tornozeleira eletrônica a sua vida ficou melhor?
Vítima 4: Eu não sei te dizer ao certo. Mas, ele não me procurou mais. Ele me
deixou em paz. Eu acredito que a tornozeleira funciona psicologicamente, pois só o
fato da pessoa saber que está sendo monitorada, aí já não se aproxima porque sabe
que não pode, né? Sabe que está sendo rastreado.
Analisando essa entrevista, fica claro que após a monitoração eletrônica o sujeito
deixou a vítima “em paz”, o que demonstra uma melhoria na vida dessa mulher após a
participação dela no programa de vigilância. Mas, mesmo diante da afirmação dela, a mulher
não enxerga o rastreamento eletrônico como algo positivo porque não seria um aparelho o
obstáculo capaz de frear uma ação violenta do sujeito. A visão dessa vítima chama a atenção
porque ela está na faixa etária entre vinte e trinta anos, a escolaridade é mediana (ensino
médio incompleto), e mesmo assim teve uma percepção interessante a respeito do
monitoramento eletrônico ao dizer que “a tornozeleira funciona psicologicamente”. Com
efeito, para as vítimas desse grupo a ausência de eficiência e eficácia do monitoramento
eletrônico está relacionada não só com as atividades dos órgãos de gestão e controle do
sistema, como também com a falta de crença na vigilância em si como meio de combate da
violência doméstica e familiar cometida contra a mulher.
O último grupo identificado durante a pesquisa (grupo 4) é marcado pelas mulheres
que não acreditam na eficácia da monitoração eletrônica por esta não ter libertado as mesmas
dos ciclos de violência. Algumas vítimas atribuem essa culpa a própria Lei Maria da Penha, a
qual para elas deveria ser mais rígida, pois veem constantemente os seus agressores
descumpri-la e não receberem a punição correspondente. Já outras, aduzem que o problema
está nos órgãos gestores das medidas, os quais deixaram os agressores se aproximarem delas
sem adotar qualquer atitude nesse sentido. Esse grupo de mulheres chamou a atenção
especialmente pela revolta presente no tom de voz das vítimas. A simples leitura das
entrevistas abaixo por si só já transparece o sentimento dessas mulheres.
C: O monitoramento eletrônico foi útil para a senhora?
Vítima 5: Moça, é o seguinte. Esse negócio não serviu de nada pra mim, entendeu?
O pai da minha menina veio aqui atrás de mim. Ele torou a pulseira da perna dele e
não deu nada pra ele. Ele nem sequer foi preso. Ele torou a tornozeleira e disse que
caiu jogando bola. Ele disse ao povo que veio até aqui na casa da avó dele. Tudo
mentira porque nem parente ele tem aqui. Não deu em nada. Ele veio aqui perto da
minha casa quando ele tava com o aparelho no pé. O papel aqui tá dizendo que ele
violou três vezes esse negócio, mas ninguém ligou pra mim. Eu já fiquei sabendo
que ele tava por perto pela boca do povo lá de baixo.
132
C: Você se sentiu segura quando estava com o equipamento?
Vítima 5: Moça, eu vou ser sincera com a senhora. Pra mim não serviu de nada
porque o homem veio aqui em baixo na minha casa e não deu em nada pra o cara. A
polícia não chegou nem aqui. Eu fiquei presa sem sair de casa com medo dele.
C: Em algum momento ele lhe agrediu durante o período do monitoramento?
Vítima 5: Ele não conseguiu porque eu fiquei sem sair de casa. Mas, ele ficou me
ameaçando pelo telefone e ainda hoje ele me ameaça pelo WhatsApp. Tá tudo
gravado aqui no meu celular aí no dia 17 vai ser minha audiência aí eu vou levar
tudo pra o juiz.
C: Como ele fazia para ver os filhos durante o período do monitoramento
eletrônico?
Vítima 5: A senhora pensa que ele liga pras meninas, é? Ele não dá nem uma bolsa
de leite pras meninas quanto mais ligar pra elas.
C: A sua vida ficou melhor depois do monitoramento eletrônico?
Vítima 5: Pra mim ficou do mesmo jeito, viu moça? Porque depois que ele chegasse
e me matasse isso ia ficar por isso mesmo.
C: A senhora gostaria de passar novamente pelo monitoramento eletrônico?
Vítima 5: Queria, mas dessa vez eu queria que ele torasse a tornozeleira e fosse logo
pro COTEL.
C: A senhora gostaria então que ele fosse preso?
Vítima 5: Queria muito pra ele me deixar em paz!
C: Se ele se comprometesse a lhe deixar em paz, mesmo assim a senhora queria que
ele fosse preso?
Vítima 5: Queria, moça, porque eu vivi com ele e sei que ele não é de confiança.
O sentimento da vítima 5 é de total descaso do seu problema por parte do poder
público e o único motivo dela desejar a prisão do seu ex-companheiro é porque ela não
encontrou alternativa para se libertar das agressões dele. Na opinião dela, nem mesmo a
monitoração eletrônica foi capaz de evitar o medo vivenciado por ela durante as três vezes
que o agressor apareceu nas imediações da sua residência e nem tão pouco as ameaças que
continuou recebendo em seu celular durante a sua participação na política de enfrentamento.
Segundo ela, como nenhuma medida foi tomada, inclusive pelos órgãos de gestão, não há
como dizer que ela está satisfeita com a estratégia de combate à violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Outro caso de insatisfação que se insere no grupo 4, pode ser vislumbrado a seguir:
C: O juiz perguntou se a senhora gostaria de participar do monitoramento
eletrônico?
Vítima 6: A juíza me avisou que iria colocar ele em liberdade e iria colocar a
tornozeleira nele. Ela disse que era isso que podia fazer por mim porque ele não
poderia ficar preso não.
C: A senhora entendeu como funcionava o GPS? Explicaram isso para a senhora na
Secretaria da Mulher?
Vítima 6: Eu entendi como funciona, mas eu não entendi como isso iria impedir ele
de fazer alguma coisa contra mim porque mesmo que ele chegue perto e o
133
monitoramento mude de cor, não tem nenhuma polícia perto, você liga e ninguém
aparece.
C: A senhora precisou acionar o policiamento?
Vítima 6: Eu não precisei porque eu evitava sair de casa. Eu deixei de trabalhar, eu
deixei de ir na cidade, eu deixei de fazer muitas coisas com medo dele. Porque eu
tinha medo dele me ver e não respeitar o aparelho.
C: A senhora quis o monitoramento eletrônico?
Vítima 6: Eu quis o monitoramento eletrônico porque foi a única opção que o juiz
me deu.
C: Você se sentiu segura com o monitoramento eletrônico?
Vítima 6: Não, de maneira nenhuma. Porque eu vejo aí muitos que usam
tornozeleira eletrônica e mesmo assim mata a mulher, mata filho. E não empata de
fazer as coisas. Eu que me privei de muitas coisas. Eu deixei de sair, eu deixei de
trabalhar, eu mudei minha vida totalmente já pra não me bater com ele. Mas, ele
continuou com a vida dele normal, com a tornozeleira ou sem.
C: Ele tentou se aproximar de você durante o tempo em que ele estava usando a
tornozeleira?
Vítima 6: Eu o vi na rua uma vez, mas não deixei que ele me visse. Aí me afastei.
C: E o pessoal do CEMER não encontrou em contato com você para informar a
aproximação, não?
Vítima 6: Não. Depois que me deram o aparelho, não fizeram nenhum contato
comigo. E sobre descarregamento, já aconteceu do meu ficar três, quatro dias
descarregado sem ninguém ter ligado. Eu acho que se o meu ficava descarregado e
não entravam em contato, o dele também ficava e vice versa. Eu já deixei justamente
para ver se ia fazer alguma diferença o meu aparelho três a quatro dias descarregado
e depois eu botei pra carregar, mas não teve sinal nenhum.
C: Você acha que sua vida ficou melhor depois do monitoramento?
Vítima 6: Pra mim, ficou na mesma!
C: Se ele voltasse a lhe agredir, você gostaria de passar pelo monitoramento
novamente?
Vítima 6: Não. Eu queria que ele fosse preso para pagar pelo que ele fez. Se a
justiça não pode obrigar ele a pagar pelas coisas que ele quebrou na minha casa, pelo
menos que ele pague ficando preso.
C: Você recomendaria o monitoramento eletrônico para alguém que estivesse
passando por uma situação semelhante a sua?
Vítima 6: Não, de jeito nenhum. Eu acho que essa Lei Maria da Penha tá muito
vaga. Ela tinha que ser mais firme, mais rápida. Só eu sei o que eu passei! O povo da
delegacia só dão crédito a você se você chegar lá sangrando, morrendo com ele do
lado pra ser preso.
A fala da vítima 6 é muito presente entre as mulheres do grupo 4, pois muitas alegam
a necessidade de ter que mudar totalmente a sua rotina para não encontrar com o agressor.
Elas desaprovam o monitoramento eletrônico porque são punidas ao terem suas vidas
privadas, tendo que deixar de sair de casa ou trabalhar para não topar com o indivíduo na rua
e correr o risco dele desrespeitar as regras da monitoração eletrônica. Assim, como a própria
vítima 6 afirmou, ela entendeu o funcionamento do aparelho, contudo ela não sabe como
aquele equipamento impediria uma violência contra ela. Por isso, ela não se sentiu segura
134
durante o período em que portou o GPS e acha que a situação do seu problema continuou na
mesma após passar pelo programa eletrônico.
Esse grupo 4 é composto por espécies de vítimas, as quais todas elas ouvidas
desejam a punição do agressor. Elas têm o sentimento de vingança porque assistem os seus
algozes driblando as normas legais para continuarem ameaçando, injuriando e perturbando o
sossego das mesmas.
Na verdade esse desejo de ver os agressores punidos foi algo encontrado na grande
maioria das mulheres que participaram do monitoramento eletrônico. Algumas ficam
satisfeitas ao vislumbrarem esse tipo de vigilância como uma pena, já outras enxergam esse
método apenas como uma forma de garantir a sua integridade física.
Frise-se ainda que esses quatro grupos de mulheres, as quais passaram pela política
de enfrentamento ora estudada, foram formados de acordo com as percepções da pesquisadora
a partir dos discursos expostos pelas referidas vítimas, não sendo algo extraído de qualquer
órgão público ou literatura nesse sentido.
Outro ponto a ser esclarecido é que todas as mulheres, as quais a pesquisadora teve
contato só haviam passado pelo processo de monitoração eletrônica uma única vez.
Dizer que essa técnica de combate aplicada aos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher é uma medida eficaz para combater conflitos dessa natureza é
extremamente perigoso. Afirmar que essa medida cautelar é ineficiente para os problemas
doméstico e familiar contra a mulher também pode ser considerada uma visão muito
extremista. A partir da descrição feita pela pesquisadora quando do contato com as mulheres
no campo, percebe-se que cada caso é único. As circunstancias que permeiam uma
determinada situação de violência é peculiar. Portanto, em determinadas ocorrências o
monitoramento eletrônico pode até servir como uma estratégia de ação eficaz para garantir a
proteção da vítima e libertá-la dos ciclos de violência. Entretanto, não se pode desprezar a
ocorrência de processos de criminalização, estigmatização e discriminação comumente
vivenciado pelos homens em fase de monitoramento, com consequências que podem
ultrapassar esse período.
Já em outros casos, de acordo com a visão das vítimas a monitoração eletrônica se
apresenta totalmente ineficaz, pois independentemente das restrições e/ou violações de
direitos inerentes à figura masculina, as mulheres continuaram sofrendo diversos tipos de
práticas consideradas legalmente criminosas, bem como não se sentiram protegidas com a
referida política de enfrentamento em estudo. Conforme mencionado pela vítima 6, até sua
135
rotina teve que ser alterada para evitar se encontrar com o ex companheiro durante o período
de vigilância.
Se existissem equipes multidisciplinares específicas para o atendimento das partes
envolvidas no processo de monitoramento eletrônico decorrente de conflitos de natureza
doméstica e familiar capazes de avaliar os casos em que essa medida se mostrasse adequada a
ponto de garantir a integridade física e psicológica da mulher e ao mesmo tempo evitasse a
violação de direitos fundamentais do homem, talvez fosse possível ponderar com mais afinco
a respeito desse instrumento de reforço atualmente utilizado como combate ao problema.
Ocorre que, hoje não existem equipes psicossociais para essa finalidade na cidade do Recife,
acarretando com mais facilidade a violação de direitos ligados aos princípios da dignidade da
pessoa humana, liberdade, intimidade, privacidade, entre outros, em prol da proteção das
mulheres vítimas.
Portanto, feita essa separação entre as mulheres para melhor analisar a contribuição
do monitoramento eletrônico com base nas opiniões delas e compreender o impacto dessa
técnica na vida dessas vítimas, serão tratados nas linhas a seguir os principais problemas de se
monitorar eletronicamente as partes envolvidas em conflitos de ordem doméstica e familiar,
os quais foram identificados a partir das falas das referidas atoras e durante as visitas ao
CEMER.
3.9.1 O problema da vítima e do agressor residirem e frequentarem a mesma localidade
Nas incursões realizadas no CEMER no mês de dezembro de 2016, o diretor do
referido departamento relatou a existência de um sério problema a ser enfrentado para
monitoração envolvendo situações de violência doméstica, qual seja: o fato do monitorando
frequentar e ter uma rotina muito próxima das áreas de exclusão (residência da vítima e dos
familiares desta, local de trabalho, faculdade, etc), ou seja, dos locais proibidos. Esse
problema torna a monitoração extremamente difícil, pois o sistema fica indicando constantes
violações, acarretando a necessidade de o indivíduo ter que mudar o local de residência. O
referido gestor sugere aos monitorandos que procurem o juiz responsável pelo processo para
requerer a diminuição da distância dos pontos fixos, mas esse pleito raramente é atendido.
Normalmente, mesmo quando vítima e agressor já não estão residindo na mesma
casa, o homem continua frequentando locais próximos à residência da vítima, pois é muito
comum ele ter naquela localidade parentes e amigos habitando na área, afinal de contas foi
136
nessa região onde o indivíduo e a sua ex companheira estabeleceram relações sociais durante
o tempo da relação matrimonial.
Por essas razões, não raro, o homem possui familiares residindo no mesmo bairro da
vítima, emprego, relações de amizade, enfim, a rotina dele está atrelada aos mesmos locais
frequentados e habitados pela vítima. E, no momento de se fixar as áreas de exclusão, o
homem termina tendo o seu cotidiano diretamente afetado de modo a excluí-lo da
comunidade, a qual ele se encontrava inserida.
Assim, se de um lado é possível garantir a segurança da vítima através de uma
estratégia com técnicas panópticas, de outro a monitoração eletrônica peca por não honrar
com a sua proposta de proporcionar a reintegração mediante a inclusão social, já que lhe é
vedado ter um emprego nas áreas de exclusão estabelecidas judicialmente, bem como
frequentar a casa de familiares inseridas nas proximidades dos locais de passagem proibida, o
que é totalmente repudiado por muitos estudiosos da temática, dentre eles Izabella Pimenta
(2015), a qual enfatizou a preservação da rotina e o contato com a família como um dos
fatores que estimulam o monitorando a seguir corretamente as regras da vigilância eletrônica.
Analisando os diálogos entre as vítimas e a pesquisadora, verifica-se que o problema
da mulher e do autor da violência habitarem na mesma localidade é um ponto encontrado em
vários discursos das conversas, pois foi relatado pela própria vítima a necessidade do homem
ter que alterar a sua residência, mudando-se para casa de outro parente enquanto estava sendo
monitorado. A pesquisadora escutou casos até mesmo comoventes do monitorando ter
perdido oportunidade de emprego e ter sido preso em razão do local do trabalho se situar em
uma área de presença proibida. Nesse sentido, os trechos abaixo comprovam:
C: A senhora tomou conhecimento se ele sofreu algum tipo de constrangimento ou
teve problemas no emprego ou algo parecido por causa da tornozeleira eletrônica?
Vítima A: Ele foi preso porque ele arrumou um trabalho de pedreiro perto do meu
trabalho. Aí ele foi preso por ter descumprido o monitoramento. Ele não tentou fazer
nada comigo. Eu ainda fui lá na vara falar, mas ele continuou preso.
C: A senhora tomou conhecimento se o agressor teve que mudar de endereço?
Vítima B: Eu fiquei sabendo que ele foi para São Lourenço, o pai dele mora lá,
porque o aparelho não parava de apitar e ninguém pôde fazer nada para ajudar a ele.
Ele tinha pedido lá na Secretaria para diminuir a distância entre eu e ele, que o
espaço era grande e não tinha isso tudo. Por isso, não parava de apitar.
C: A senhora tomou conhecimento se ele sofreu algum tipo de constrangimento ou
teve problemas no emprego ou algo parecido por causa da tornozeleira eletrônica?
Vítima C: Eu não soube de nada não. Mas com certeza, sem dúvida ele deve ter tido
problema com isso. Porque as pessoas quando olharam... minha família mesmo
ficaram horrorizada, dizendo que eu tinha culpa por ele tá usando a tornozeleira. Eu
não tive culpa, ele que não obedeceu a primeira ordem: fique longe! Ele não
obedeceu. A minha família própria ficou contra mim, dizendo que ele não era
bandido para eu permitir que ele use. Eu dizia que era minha vida que estava em
risco.
137
Durante as visitas ao CEMER, ficou evidente que qualquer descumprimento
praticado pelos envolvidos na política são comunicados ao juiz competente mediante o envio
de ofício. Assim, quando a distância entre as residências do autor e da vítima é pequena
também é dado conhecimento à autoridade judicial, já que as violações do sistema são
constantes. Porém, de acordo com os operadores da Central de Monitoramento instalada na
cidade do Recife, esse aspecto nunca foi usado como argumento para revogar a medida
cautelar. No máximo e muito raramente o magistrado diminui a distância entre os pontos
fixos.
Portanto, mesmo quando o juiz tem ciência do alto risco do monitoramento
eletrônico não ser eficiente na sua função de garantir a proteção da vítima, ele mantém a
vigilância eletrônica, permanecendo ela a mercê de novas agressões. Esse posicionamento
reforça a ideia que as mulheres do grupo 3 tem a respeito da monitoração, qual seja: uma
ferramenta capaz de exercer um poder psicológico sobre o sujeito, fazendo emergir uma
sensação de medo de sofrer um mal maior (de ser preso, por exemplo) caso venha a se
aproximar da mulher. Esse argumento, por sua vez, desagua na conclusão de que não é uma
tornozeleira eletrônica o artefato responsável por gerar o reconhecimento ou senso de culpa
pela conduta praticada contra a mulher, mas sim o objeto utilizado para produzir
comportamentos virtuosos.
Ao invés de produzir sentimento de responsabilidade, a implantação do equipamento
no corpo do homem pode até emergir nele uma revolta maior. A pesquisadora presenciou uma
instalação do aparelho em um indivíduo na Central de Monitoramento, cujo motivo havia sido
o descumprimento de medidas protetivas de urgência. O homem não falava absolutamente
nada, apenas balançava a cabeça fazendo sinal de que havia entendido as explicações
repassadas pelo funcionário da empresa terceirizada. Porém, as feições daquele homem eram
extremamente claras e demonstravam o quanto ele estava inconformado com aquela situação.
Após a saída do monitorando, os próprios atendentes pediram que os agentes penitenciários
acompanhassem com mais cuidado o cliente.
Sobre essas questões vislumbradas no campo, Foucault (2007) analisa a vigilância
com base nos fundamentos da estrutura panóptica, como uma forma de inibir comportamentos
desvirtuados mediante a aplicação de um poder disciplinador ao conferir à punição um caráter
estratégico de dominação da alma capaz de gerar docilidade e domestificação.
No caso, a monitoração eletrônica, mencionada por Welliton Caixeta Maciel (2014)
como uma prisão virtual, seria utilizada como um poder disciplinador que atinge o
138
psicológico do sujeito e transforma o seu comportamento. Alinhando ainda as teorias de
Foucault com os resultados de campo da pesquisadora, verifica-se que a medida eletrônica
permite obter um controle sobre o interior do indivíduo e funcionaria no sentido de
transformá-lo. Uma prova simples disso para a pesquisadora foi quando a vítima relatou que
quando o agressor chegava à porta da sua casa e ela mostrava o GPS, ele ia embora mesmo
estando sob o efeito de drogas. Outro exemplo pôde ser extraído do trecho de uma das
entrevistas realizadas pela pesquisadora:
C: A senhora e o seu ex-marido se encontraram durante o período do monitoramento
eletrônico?
Vítima D: A gente sempre frequenta os mesmos locais, aí teve uma vez que a gente
se encontrou, mas quando ele me viu, ele saiu. Eu não precisei acionar nenhuma vez
a polícia. O sistema alarmava direto porque minha casa era bem próxima da dele.
Desse modo, essa transformação do sujeito é intensamente trabalhada por Foucault
(2010, p. 123) quando ele afirma que essa arquitetura de vigilância age sobre aquele que
abriga, dar domínio sobre o seu comportamento, reconduz até eles os efeitos do poder, oferece
a eles um conhecimento, modificando-os. Completando essa ideia, ele ensina:
“(...) importa estabelecer presenças e ausências, saber onde e como encontrar os
indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada
instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-los, sancioná-lo, medir as
qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar”
(FOUCAULT, 2010, p.123)
Ainda segundo Welliton Maciel, esse método tecnológico de dominação também é
considerado uma prisão, pois esta não se resume a um local físico com muros e grades, mas
sim todas as formas de punições organizadas pelos membros de uma sociedade. Relacionando
esse fundamento com a vigilância eletrônica, percebe-se que o debate dela não está adstrito ao
controle dos homens mediante o uso de equipamentos, mas inserido em algo muito mais
amplo que são as espécies de condutas que essa forma de observação pode produzir.
(MACIEL, 2014)
3.9.2 A possibilidade da revitimização da mulher mediante a aplicação da monitoração
eletrônica
Inobstante o desprezo relacionado às severas restrições dos direitos fundamentais dos
sujeitos monitorados, tais como a dignidade da pessoa humana, liberdade (ir e vir), intimidade
e privacidade; por vezes a mulher também passa a sofrer com os efeitos colaterais advindas do
programa de monitoração eletrônica decorrentes de violência intrafamiliar, pois termina tendo
alguns dos seus direitos limitados. Não que essa limitação seja provocada diretamente pelo
139
próprio Estado, mas vem se apresentando como um aspecto negativo oriundo da medida
cautelar em si.
Durante os diálogos com as vítimas participantes dessa política de enfrentamento,
verificou-se que as mulheres de alguma forma são penalizadas pela sua própria família ou
pelos parentes do agressor pelo fato deste está sendo obrigado a ter fixado em sua perna um
equipamento considerado apenas para uso de “bandidos”. Nesse sentido, o que era para ser
um instrumento de proteção física e psicológica à mulher, termina acarretando a promoção de
mais uma violência, só que agora praticada pela comunidade próxima das partes envolvidas.
Fazendo uma comparação entre a pesquisa desenvolvida por Marília Montenegro
(2009, 2010, 2012) e Carolina Medeiros (2015) acerca do fenômeno da revitimização da
mulher durante os processos judiciais decorrentes de violência doméstica e o estudo da
monitoração eletrônica aplicada aos conflitos dessa natureza, também é possível constatar a
presença desse efeito durante a aplicação dessa medida cautelar, tendo em vista que a mulher
é punida pela comunidade quando o seu marido ou ex companheiro passa a usar a tornozeleira
eletrônica, pois tentam fazê-la se sentir culpada pelo sofrimento enfrentado pelo autor da
violência.
Não raro, os familiares do autor do fato como também da própria vítima pedem para
a mulher recusar o monitoramento eletrônico. Conforme mencionado no início do presente
capítulo, 78 (setenta e oito) mulheres poderiam ter sido monitoradas juntamente com os
respectivos agressores na cidade do Recife no ano de 2016. No entanto, desse total 15
(quinze) mulheres recusaram a medida, restando 63 (sessenta e três) vítimas que aderiram o
programa e permanecerem nele até o final do prazo estipulado judicialmente.
Não há como afirmar que dessas 15 (quinze) mulheres, todas elas tenham recusado a
monitoração eletrônica por ter recebido algum tipo de influência de familiares e/ou amigos.
Porém, quando elas chegavam para devolver o equipamento antes do término do prazo
imposto pelo magistrado e respondiam a pesquisa de satisfação da assistência recebida
durante o programa, em várias situações essa questão ficava bem latente, pois era comum elas
relatarem que gostava muito da mãe do ex parceiro e esta havia conversado com vítima para
“deixar isso pra lá”, pois ele estava sofrendo muito preconceito com a tornozeleira.
Por outro lado, nada dentro do contexto da violência intrafamiliar contra a mulher
pode ser generalizado, pois também se constatou através da transcrição dos discursos
extraídos das entrevistas com as mulheres que nem todas estão absorvendo essa sensação de
culpa, predominando na consciência delas a necessidade de preservar as suas integridades.
140
C: A senhora tomou conhecimento se ele sofreu algum tipo de constrangimento ou
teve problemas no emprego ou algo parecido por causa da tornozeleira eletrônica?
Vítima C: Eu não soube de nada não. Mas com certeza, sem dúvida ele deve ter tido
problema com isso. Porque as pessoas quando olharam... minha família mesmo
ficaram horrorizada, dizendo que eu tinha culpa por ele tá usando a tornozeleira. Eu
não tive culpa, ele que não obedeceu a primeira ordem: fique longe! Ele não
obedeceu. A minha família própria ficou contra mim, dizendo que ele não era
bandido para eu permitir que ele use. Eu dizia que era minha vida que estava em
risco.
C: A família dele pediu para a senhora retirar a medida do monitoramento?
Vítima D: As meninas ainda pediram, mas não insistiram muito não. E eu não vou
fazer um negócio desse não porque quem passou pela situação e até hoje tá sofrendo
as consequências sou eu. A gente mulher fica com aquela paranoia de ter que passar
por uma delegacia, de ser humilhada, mas se eu tivesse tido essa atitude antes, logo
no começo, eu não tinha passado por nada disso.
Portanto, mesmo quando a vítima não recebe o apoio da comunidade, algumas delas
têm permanecido firmes com o seu propósito, seja de resguardar a sua vida, seja de punir o
agressor pelo mal causado. Entretanto, mesmo quando a vítima não sede as investidas das
pessoas do seu convívio a violência contra ela não deixou de ser perpetrada na medida em que
ela passa a ser alvo de críticas pelo seu posicionamento.
Apesar de todo esse aparato tecnológico ainda é difícil dizer até que ponto essa
tecnologia é eficiente na prevenção e combate da causa. Na pesquisa realizada por Welliton
Caixeta Maciel (2014), há relatos de vítimas narrando que a tecnologia salvou vidas ou
mesmo foi capaz de evitar novos ciclos de violência. Por outro lado, consta também registros
de situações em que as partes envolvidas em conflitos domésticos submetidas à monitoração
burlavam o sistema para ficarem juntos, já que havia restabelecido o relacionamento.
Observou-se ainda que na maioria dos casos a fixação da tornozeleira eletrônica não
gerou senso de responsabilização da conduta praticada, pois o sentimento que surge no
monitorado é o constrangimento em ter que fazer uso do equipamento. Há relatos de homens
no sentido de preferirem a prisão a terem que se submeter ao olhar de discriminação das
pessoas nas ruas.
Não há como negar que a tornozeleira inibe algumas práticas sociais como ir
à praia, relacionar-se intimamente com outra pessoa, forçando o indivíduo a usar calças
compridas para evitar ser alvo do preconceito da sociedade.
Além do mais, em muitas situações o monitorado reside no mesmo bairro da vítima,
fazendo com que a central receba sinais constantes de alerta, impedindo identificar quando de
fato se trata de situação que necessita de atuação, comprometendo a proposta da política.
Normalmente, é solicitado ao agressor que mude o local da sua residência, contudo a ausência
de condições financeiras é sempre apontada como motivo para não se atender ao pedido.
141
Welliton Maciel (2014) também registrou as opiniões dos operadores da central de
monitoramento eletrônico, os quais afirmaram que a monitoração eletrônica para os casos de
violência doméstica só são positivas na minoria das situações.
Portanto, é difícil dizer se a monitoração eletrônica cumpre o seu papel declarado
para enfrentar a violência doméstica, tendo em vista ser um mecanismo capaz de salvar vidas,
mas ao mesmo tempo um instrumento muito potente para estigmatizar o monitorado,
limitando a sua interação social e a continuidade das suas relações afetivas, onde envolve toda
a discussão do poder simbólico em cima da questão.
Independente de a vítima estar ou não portando a UPR é preciso que o atual sistema
de justiça pondere a necessidade de se aplicar a tornozeleira ao autor da violência de acordo
com o caso concreto, pois ao deferi-la para todos os casos, corre-se um grande risco de causar
o agravamento não apenas do conflito doméstico como também de gerar situações de
vulnerabilidade para a pessoa sob monitoração. Antes de decidir pela aplicação, é acertado
ouvir as partes e compreender o nível de gravidade do problema a partir do serviço prestado
por profissionais psicossociais, pois só assim será possível encontrar as medidas mais
apropriadas para conter a violência.
Portanto, o monitoramento eletrônico só deve ser aplicado depois de descartadas
outras medidas menos prejudiciais ao indivíduo. Em outras palavras seria dizer que a
monitoração é residual frente às demais hipóteses previstas em lei como preconiza a
Resolução nº 213 de 2015 expedida pelo Conselho Nacional de Justiça:
A aplicação da monitoração eletrônica será excepcional, devendo ser utilizada como
alternativa à prisão provisória e não como elemento adicional de controle para
autuados que, pelas circunstâncias apuradas em juízo, já responderiam ao processo
em liberdade. Assim, a monitoração eletrônica, enquanto medida cautelar diversa da
prisão, deverá ser aplicada exclusivamente a pessoas acusadas por crimes dolosos
puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos ou
condenadas por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o
disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal Brasileiro, bem como a
pessoas em cumprimento de medidas protetivas de urgência acusadas por crime que
envolva violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso,
enfermo ou pessoa com deficiência, sempre de forma excepcional, quando não
couber outra medida cautelar menos gravosa. (BRASIL, 2015)
Paralelamente ao monitoramento eletrônico é fundamental que tanto a mulher quanto
o autor do conflito doméstico sejam encaminhados para atendimento por equipes formadas
por psicossociais na tentativa de prevenir ou pelo menos minimizar os danos psicológicos.
Para o cumpridor do monitoramento esse acompanhamento é muito importante não só para
evitar traumas psicológicos oriundos do uso da tornozeleira como também para ajudar o autor
142
a ter senso de responsabilização pelo mal cometido. Já para a mulher esses profissionais
podem auxiliar a respeito de diversos aspectos, dentre eles na questão relacionada à
autonomia/empoderamento.
O oferecimento desses serviços permite que a política de monitoramento eletrônico
esteja voltada para o sujeito em monitoramento, deixando-se de lado as pretensões
expansionistas-punitivas estatais, as quais já demonstraram ser causadoras de danos físicos,
sociais e psicológicos, voltados para a tortura, estigmatização, seletividade e discriminação.
Com efeito, se o objetivo de se acoplar uma tornozeleira é meramente punitivo, o sujeito
deixa de ser o foco para dar lugar ao Estado enquanto responsável pelo controle penal.
143
CONCLUSÃO
A monitoração eletrônica de pessoas utilizada pelo sistema de justiça criminal é algo
ainda recente na realidade brasileira, já que ela só tem seis anos de previsão legal. Mesmo
assim, essa medida já apresenta resultados insatisfatórios como ferramenta de combate à
criminalidade. A prova disso é a permanência dos altos níveis de violência presente no meio
social mesmo após a implantação de alternativas tecnológicas dessa natureza.
As pesquisas empíricas dão conta de que o monitoramento eletrônico como meio de
controle social do delito assim como a prisão são mecanismos fracassados para promover a
ressocialização e comportamentos socialmente aceitáveis, o que desconstrói todo modelo
proposto por Foucault de uma sociedade disciplinar.
Diante do pouco tempo de sua aplicabilidade e emprego em quantidade moderada no
Brasil, o monitoramento eletrônico ainda caminha rumo a sua forma ideal de utilização. Por
isso, ainda é possível manuseá-lo na tentativa de minimizar os efeitos físicos e psicológicos
devastadores decorrentes das mazelas do cárcere. Não é que se defenda o monitoramento
eletrônico mediante a fixação de dispositivos eletrônicos no corpo daquele que praticou um
delito, pois como os estudos científicos em torno do tema sugerem, trata-se de um
instrumento capaz de gerar sérios problemas de estigmatização, novos processos
criminalizantes e exclusão social.
No entanto, a monitoração eletrônica é real, já está presente no meio social. Não há
mais como voltar atrás e bani-la do sistema. Além disso, por mais que seja compreendida
como uma prisão virtual, ela ainda se apresenta bem melhor que o cárcere na sua modalidade
física. Afinal, a prisão se mostra desumana demais como resposta a prática delitiva.
Da forma como a monitoração vem sendo utilizada hoje, fica nítido o caráter
expansionista do controle penal, a qual tem como foco punir e minimizar as hipóteses de se
cometer o delito, sem priorizar ou até mesmo levar em conta a pessoa do infrator.
Nesse sentido, já que a monitoração eletrônica é algo concreto na sociedade, é
preciso extrair dela as suas potencialidades, conferindo a mesma uma natureza diferente do
castigo, da humilhação, da estigmatização, da seletividade, do preconceito, da discriminação,
da exclusão, etc.
Ao longo da presente pesquisa foi discorrido que o início do monitoramento
eletrônico de pessoas no Brasil se deu com o advento da Lei n° 12.258 de 2010, a qual
permitiu que a tecnologia fosse aplicada no âmbito penal nas hipóteses de saída temporária e
prisão domiciliar. Em 2011, ocorreu uma ampliação dessas possibilidades ao se admitir
144
através da Lei n° 12.403 à aplicação da vigilância eletrônica nos presos provisórios como
medida cautelar diversa da prisão. A partir de então, os juízes passaram a empregar a
monitoração eletrônica aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
alternativamente ao Art. 20 da Lei Federal n° 11.340/2006, a qual permite a prisão preventiva
do agressor em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal.
Essa medida judicial foi instituída para forçar o agressor a cumprir com as medidas
protetivas de urgência, protegendo a mulher de sofrer novos ciclos de violência. Desse modo,
procurou-se através da presente pesquisa investigar se de fato a monitoração eletrônica podia
ser uma ferramenta de combate à violência intrafamiliar ou se seria mais um meio de se punir
prematuramente o agressor, visto que existem pesquisas empíricas comprovando a inaptidão
do sistema de justiça criminal para resolver conflitos de cunho doméstico, já que aplicam
soluções incompatíveis com os anseios das vítimas.
Para averiguar essa questão, a pesquisadora se inseriu nos órgãos do Estado de
Pernambuco responsáveis pela administração e execução da medida e fez um recorte dos
casos para estudar especificamente aqueles afetos a cidade do Recife. Das informações
colhidas do campo, verificou-se que mesmo sendo um artefato a serviço de um Direito Penal
incapaz de solucionar o problema da violência doméstica, não há como repudiar por completo
esse método, pois de acordo com as vítimas que participaram dessa política de enfrentamento,
existe um número significativo delas, as quais aprovam a sistemática por ter sido capaz de
cessar ou até mesmo amenizar a violência sofrida por anos no relacionamento.
Inobstante o fato dessa medida cautelar no âmbito da violência doméstica e familiar
contra a mulher está sendo aplicada com moderação - inclusive pelo Estado de Pernambuco,
já que no ano de 2016 só foram monitorados 162 casos, dos quais 63 foram do Recife -, se é
para utilizá-la que seja pelo menos em consonância com os direitos fundamentais do agressor.
Da análise das decisões judiciais identificaram-se situações em que o infrator passou meses
preso por descumprir as medidas protetivas de urgência e ao ser posto em “liberdade” foi
compelido a usar uma tornozeleira eletrônica, como se a prisão por si só já não fosse o castigo
suficiente para puni-lo e conferir a ele o rótulo de bandido.
Uma vez monitorado, constatou-se ainda o problema das constantes violações
indicadas pelo sistema de monitoração, já que é comum vítima e agressor frequentarem e
permanecerem na mesma localidade. Essas violações das áreas de exclusão são decorrentes da
grande distância estabelecida pelo magistrado na decisão judicial sem observar as
peculiaridades do caso concreto. Em outras palavras, antes de deferir a monitoração eletrônica
dentro de um processo de violência doméstica e familiar contra a mulher é preciso que o juiz
145
analise com cautela se para aquele caso específico a medida cautelar pode surtir o efeito
esperado, pois alarmes constantes apontados pelo sistema pode tornar a monitoração ineficaz
ao não ser possível identificar com veracidade quando se estará realmente diante de um
evento que precise de intervenção.
Além dessa insegurança funcional da monitoração eletrônica, surge a privação
extrema da liberdade de ir e vir do infrator, o qual fica impedido de ter uma rotina nos moldes
anterior à prisão e ao monitoramento.
Outra questão que precisa ser ajustada diz respeito à necessidade do governo do
Estado disponibilizar equipes multidisciplinares para acompanhar o processo de monitoração
eletrônica e cientificar o magistrado sobre o desenvolvimento da medida. Como enfatizado,
não é toda pessoa que se adequa a esse tipo de política de enfrentamento, seja por questões
psicológicas, físicas ou profissionais. Sem esses profissionais para prestar apoio às partes, o
cumprimento da medida se torna muito mais penoso e o juiz por sua vez não tem
conhecimento das inviabilidades que permeiam o caso concreto para revogar a decisão ou
adotar outra medida para tornar admissível o monitoramento.
Não há dúvidas que a monitoração eletrônica é um fenômeno capaz de retirar a
privacidade e a intimidade não só do agressor como da mulher também, já que ambos portam
dispositivos eletrônicos e por isso podem ser localizados a qualquer hora do dia em tempo
real. Nesse sentido, seria interessante investir em equipamentos tecnológicos menos invasivos
como o botão do pânico, por exemplo, o qual só transmite a exata localização da vítima
quando ela aperta o botão do aparelho em razão de uma ameaça iminente.
Se a tornozeleira eletrônica é aplicada também para surtir no indivíduo uma coação
psicológica, o botão do pânico também consegue desempenhar essa função porque ao ter
conhecimento de que a mulher está portando o dispositivo, ele sabe que ao se aproximar dela,
a vítima apertará o botão e consequentemente a polícia é acionada.
Portanto, são latentes as inúmeras violações de direitos fundamentais causadas pelo
uso de uma tornozeleira eletrônica, em especial por não haver uma aplicação padronizada
para extinguir ou minimizar esses efeitos. No entanto, seria incoerente concluir se tratar de
uma ferramenta de todo ruim, inclusive para o enfretamento da violência doméstica, uma vez
que como visto, várias mulheres aprovaram a sistemática.
Destarte, o ajuste da medida é fundamental para proporcionar a proteção à vítima
sem desrespeitar os direitos do infrator, pois da forma como ela vem funcionando hoje pode
até proteger vítima, mas em compensação traz uma punição desproporcional à conduta
praticada e não gera senso de responsabilização do mal cometido.
146
Uma maneira de fazer essa adequação seria através da implantação de um modelo de
gestão de monitoramento eletrônico de pessoas contemplando todas essas questões de modo a
direcionar as atividades de todos os atores envolvidos com essa política por meio de um
protocolo a ser seguido uniformemente no plano nacional.
A implantação de técnicas menos invasivas aliada ao trabalho de profissionais
multidisciplinares capacitados para aturem no acompanhamento da medida e somado a um
modelo de gestão de pessoas em monitoramento contendo diretrizes de fluxos e
funcionamento, podem contribuir para tornar a vigilância eletrônica menos desumana e talvez
mais aceitável por aqueles que são contrários à medida.
147
ANEXO A – Portaria Conjunta SJDH/SECMULHER – PE N° 050, DE 05 DE AGOSTO
DE 2015
148
ANEXO B – INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 15/2016
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