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UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ Curso de Pós-Graduação, lato sensu Simone Raquel Bernieri AS DEFORMAÇÕES NA TRADUÇÃO DOS COLOQUIALISMOS EM THE COLOR PURPLE

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UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓCurso de Pós-Graduação, lato sensu

Simone Raquel Bernieri

AS DEFORMAÇÕES NA TRADUÇÃO DOS COLOQUIALISMOS EM THE COLOR PURPLE

Chapecó – SC, abr. 2009

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SIMONE RAQUEL BERNIERI

AS DEFORMAÇÕES NA TRADUÇÃO DOS COLOQUIALISMOS EM THE COLOR PURPLE

Monografía apresentada à Unochapecó como parte dos requisitos para obtenção do grau de especialista em Estudos da Tradução.

Orientadora: Professora Dr. Andréia Guerini

Chapecó – SC, abr. 2009

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RESUMO

A Cor Púrpura de Alice Walker é um romance epistolar escrito em 1983 cuja maior

particularidade é a maneira com que a autora cria a fala da protagonista:

coloquialismos, erros ortográficos e sintáticos, aproximando o texto muito mais da fala

do que à língua escrita, tornando a narrativa ainda “mais viva”. Devido à forma peculiar

de como a autora constrói a linguagem da personagem principal, procurei analisar a

tradução para o português brasileiro deste aspecto. O objetivo principal dessa

monografia foi investigar a tradução dos coloquialismos presentes no romance The

Color Purple com base nas formulações de Berman sobre as tendências deformadoras

nas traduções e investigar seus efeitos no texto alvo. O trabalho foi desenvolvido

através de leitura e análise do original, do texto traduzido e de textos teóricos do campo

dos Estudos da Tradução.

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ABSTRACT

The Color Purple by Alice Walker is a novel from 1983 written in letters, which main

particularity is the way the author creates the character Celie’s speech: colloquialisms,

spelling and sentence construction mistakes. This way, the text becomes closer to the

oral language giving “more life” to the narrative. Due to the particular way the author

“builds the language” and the main character, it was done a study focused on the

translation of such text to Portuguese focused on this aspect. This way, the main goal of

this monograph was to analyze the translation of colloquialisms in the novel “The Color

Purple” based on Berman theory about deformation in translated texts and to investigate

this affect on the target text. The work was developed through the reading and analysis

of the source text and target one and reading of theoretical texts from translation

studies.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 6

2 ASPECTOS TEÓRICOS DA TRADUÇÃO LITERÁRIA............................................. 9

2.1 Tradução de textos literários ................................................................................ 9

2.2 Tradução: do conceito de arte para atividade científica e categorização de procedimentos em sua realização .............................................................................14

2.3 Deformações na Tradução ................................................................................... 19

2.4 Tradução de dialetos ............................................................................................ 22

3. ALICE WALKER E A COR PÚRPURA ....................................................................24

4 AS DEFORMAÇÕES NA TRADUÇÃO DOS COLOQUIALISMOS DE A COR PÚRPURA PARA A LÍNGUA PORTUGUESA .............................................................28

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 35

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................37

7 ANEXOS ....................................................................................................................39

,

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1. INTRODUÇÃO

Alice Walker, autora de A cor púpura, é uma escritora norte-americana nascida

na Geórgia, Estados Unidos, em 1944. Filha de agricultores de origem africana

graduou-se em artes pelo Sarah Lawrence College, em 1965. Alice Walker é ativista do

direito dos negros e das mulheres, destacando-se na luta contra o apartheid e contra a

mutilação genital feminina em países africanos.

Iniciou sua carreira literária com um volume de poesias denominado Once, e

publicou também uma obra de vários contos sobre mulheres negras do sul dos Estados

Unidos e seus temores, desafios e sonhos, intitulado: De amor de desespero. Foi,

porém, com The color purple (1982) que conquistou fama como escritora, tendo seu

romance traduzido em 24 línguas. No Brasil, o livro foi publicado pela Editora Marco

Zero em abril de 1986 e traduzido por Peg Bodelson, Betúlia Machado e Maria José

Silveira.

Walker se auto-intitula womanista, pois seu trabalho literário representa a raça

dos “de cor” em uma perspectiva feminista. O enredo da prosa de Walker respalda-se

na dignidade, igualdade, e acusa a violação de tais direitos essenciais às pessoas. Os

dramas humanos movem-se em um forte realismo constituído pelos cenários,

personagens, mas principalmente pela maneira com que a autora escreve a fala dos

mesmos; com coloquialismos e erros ortográficos e sintáticos que nos aproximam muito

mais da fala do que à língua escrita, tornando a narrativa ainda “mais viva”, delineando

a caracterização os personagens.

Devido aos fatores sociais, ideológicos e especialmente ao uso peculiar que a

autora faz da linguagem, chama-nos a atenção o trabalho de tradução de tal romance.

Pois, se a consoladora resposta do que seja traduzir é dizer a mesma coisa ou quase a

mesma coisa em outra língua, de que maneira a tradução se opera em tal narrativa que

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não usa a linguagem apenas para comunicar, descrever; mas para construir sentidos e

registrar a identidade da personagem?

Quando investigamos o campo da teoria da tradução esta pode ser pensada

através de distintas abordagens culminando em diferentes produtos, dependendo da

maneira com que o tradutor trabalha seu texto. De modo geral a busca é pela

“equivalência” ou “adequação”, mas isso nem sempre traz um resultado satisfatório.

Antoine Berman (2007) desenvolve uma reflexão e examina as alterações

encontradas em prosa apresentando um conjunto de tendências deformadoras a qual

todo tradutor está exposto: racionalização, clarificação, alongamento, enobrecimento,

empobrecimento quantitativo e qualitativo, homogeneização, destruição dos ritmos,

destruição das redes de significantes subjacentes, destruição da sistemática, destruição

ou exotização das redes de linguagem vernacular, destruição das locuções e

apagamento das superposições de línguas.

Para o autor estas deformações são decorrentes de traduções etnocêntricas,

cujo objetivo é produzir textos fluentes, tornando invisível o elemento estrangeiro na

obra. A analítica bermaniana opõe-se a esse etnocentrismo, pois priva o texto traduzido

e cultura que o recebe do caráter estrangeiro.

Porém, nem sempre o(s) tradutor(es) estão conscientes das teorias que

embasam seus trabalhos que é objeto de investigação de estudiosos e críticos da

tradução; não para apontar erros, mas considerar fatos implícitos, e auxiliar no

constituição de uma crítica tradutória mais consistente.

Por isso, o objetivo principal dessa monografia é analisar a tradução do romance

The Color Purple com base nas formulações de Berman sobre as tendências

deformadoras nas traduções e investigar seus efeitos no texto alvo.

A análise servirá como material de pesquisa para tradutores de textos literários

que se deparam com circunstâncias afins e contribuirá para o desenvolvimento da

crítica da tradução.

O trabalho foi desenvolvido através de leitura e análise do original, do texto

traduzido e de textos teóricos do campo dos Estudos da Tradução.

A pesquisa está organizada em três capítulos: o primeiro trata de aspectos

teóricos da natureza da tradução literária e a apresentação da teoria das deformações

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de Antoine Berman. O segundo apresenta o livro/autor, e o terceiro faz um

levantamento e análise da tradução do romance à luz da teoria das deformações de

Berman.

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2 ASPECTOS TEÓRICOS DA TRADUÇÃO LITERÁRIA

2.1 Tradução de textos literários

Assim como pintura é uma arte cuja matéria-prima é tinta, cores imagens e

formas, àaa música os sons, ritmos e melodia, a matéria-prima da literatura são as

palavras e o que autor/leitor faz delas e dos aspectos ideológicos e culturais que

carregam em si. Segundo Egleton (2001), em seu capítulo de introdução denominado:

“O que é literatura?” o texto literário “excede” a linguagem pragmática e emprega a

língua de forma peculiar, no entanto literatura não cabe em um conceito. Através do

jogo da linguagem que constitui a literatura, ela permeia contextos históricos, sociais e

culturais.

Face à percepção da complexidade acerca do texto literário, voltemos o foco à

tradução dessa tipologia textual que está longe de ser mera transposição textual de

uma língua para outra. Maria Cândida Rocha Bordenave, (1991, p. 48-49) propõe que a

tradução é encontro de linguagens, porém também pode ser o encontro e desencontro

de ideologias. Este movimento de observar a linguagem no “extra lingüístico”; em seu

social, abriu amplas perspectivas relevantes para o campo da tradução, pois se fez

notar que o fator ideológico é tão relevante quanto às estruturas lingüísticas.

Toda a permuta e compartilhamento de textos literários entre diferentes culturas,

nações e mais precisamente línguas ocorre graças aos trabalhos de tradução. Porém,

cada escritor escreve sob seu ponto de vista, tem valores, idéias que constituem a sua

ideologia. E, considerando-se a língua não apenas como instrumento de veiculação,

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mas a materialização da ideologia, o texto em sua estrutura, forma, sintaxe, são tão

relevantes à tradução quanto à sua temática.

Assim, o tecido em que se desenvolve a tradução constitui-se de uma atividade

intelectual lingüística banhada de ideologia. Bordenave (1991, p. 52) apresenta três

prismas de observação sob os quais analisa a questão ideológica na tradução de

textos literários: O primeiro refere-se ao confronto que se situa na relação tradutor

versus obra original. É uma questão de ponto de vista individual, pois se coloca em

discussão a fidelidade lingüística e ideológica, uma vez que a ideologia vai influir na

interpretação do significado. Assim, a leitura do texto é o resultado da construção dele

feita por cada leitor e diferentemente não será essa relação com o tradutor.

Outra instância do conflito habita nas situações em que a ideologia/cultura de

uma comunidade lingüística diverge parcial ou totalmente à de outra comunidade

lingüística para a qual uma obra deve ser traduzida. Assim o tradutor depara-se em um

conflito que se situa entre interpretar a mensagem original sob a ótica da cultura do

outro e não comunicar eficazmente a mensagem a seus leitores ou interpretar com a

ótica de sua comunidade lingüística/cultural/ideológica.

O terceiro prisma refere-se ao fato de considerar a linguagem como a

materialização da ideologia e de considerar todas as partes do texto: organização,

estrutura temática, formas sintáticas, lexicais, presença ou não de formas dialetais, os

registros e variações lingüísticas.

Bordenave (1991, p. 53) ainda afirma sobre as questões ideológicas da tradução

que:

A tarefa é vasta e as perspectivas fascinantes. Estamos uns poucos e aos poucos – começando a arranhar a superfície dessa realidade complexa que esconde um tesouro de revelações não só para nós, os trabalhadores da tradução, como para todos os trabalhadores da linguagem.

Bassnet (2003) também abordou a tradução sob esse aspecto ideológico quando

analisou a tradução de obras literárias para mostrar como a escolha de critérios por

parte do tradutor pode dar azo a problemas específicos de tradução.

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A primeira acepção que apresenta é que o tradutor não deve trabalhar a partir de

preceitos gerais, mas olhando a cada estrutura individual, o que volta ao terceiro prisma

descrito por Bordenave. Os textos literários compõem-se de um complexo conjunto de

sistemas, e o fato de muitos tradutores não perceberem isso, leva-os, freqüentemente,

a concentrar-se em aspectos particulares de um texto em detrimento de outros.

Entrelaçando com a idéia do primeiro prisma, Barthes (apud Bassnet 2003, p.

134) afirma que “um dos maiores avanços nos estudos literários do século XX foi a

revalorização do leitor [...]”. Ele vê a obra literária como o lugar em que o leitor se torna

não tanto um consumidor como um produtor do texto.

E, neste processo está incluso o tradutor que pode, assim como qualquer

outro destinatário, centrar-se no conteúdo, apreender a complexidade da estrutura da

obra e a forma como os vários níveis interagem, extrapolar deliberadamente um nível

da obra, ou descobrir elementos não essenciais à gênese do texto e usá-lo para os

seus próprios fins. Recaindo-se desta maneira no terceiro prisma apresentado

anteriormente. Dentre estes diferentes sistemas que compõe o texto e que o tradutor

pode concentrar-se mais em um que a outro, há uma outra dicotomia que ocorre

quando o tradutor desenvolve o texto com o foco no leitor ou no autor. Nas palavras de

Eco (2007, p. 199) uma tradução pode ser target ou source oriented, vale dizer que

pode ser orientada para o texto fonte (de partida) ou para o texto (e para o leitor) de

destino ou de chegada.

Essa dicotomia também é conhecida pelas expressões de “domesticar ou estrangeirizar

os textos”, usadas por Friederich Schleiermacher (1813) e por Lawrence Venuti um

século e meio mais tarde. Para Schleiermacher cada língua possui um espírito e a

tarefa do tradutor seria unificá-los. Para que os leitores possam compreender, eles deve

apreender o espírito da língua que era natural ao autor, e pode intuir sua forma

particular de pensar e sentir. No desespero de atingir esse objetivo, por necessidade

espiritual e intelectual segundo Schleiermacher (1813) travou-se duas formas: paráfrase

e imitação. Na primeira, se o tradutor não encontrar uma palavra que corresponda à

língua original deve buscar encontrar possivelmente seu valor mediante acréscimo de

complementos limitadores e ampliadores. É a reprodução do contexto de uma forma

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limitada. Na imitação o intuito é reunir ambos, o autor e o leitor da imitação porque não

é considerada possível uma relação direta entre eles, mas se quer somente produzir

sobre o último uma impressão semelhante à que os contemporâneos falantes da língua

do modelo receberam este. A paráfrase é mais usada no âmbito das ciências e a

imitação no das artes. Porém, ambos os movimentos, (domesticar ou estrangeirizar)

têm o tradutor como o meio que propicia a comunicação entre autor e leitor e em meio a

esta tarefa ele passa em nossa cultura desapercebido. Deparamo-nos dessa maneira,

no que Lawrence Venutti (1995) denominou de invisibilidade do tradutor, que se refere

à reação dos leitores à tradução e os critérios segundo os quais elas são produzidas e

avaliadas. Para muitos a boa tradução é a que deixa os significados dos textos

deslizantes, agradáveis à compreensão, e isso realça o nome do tradutor e do texto, e

torna ainda mais invisível o trabalho do tradutor.

Atendo-se mais diretamente ao texto literário, Bassnet (2003) apresenta algumas

questões em contraponto à tradução de outras tipologias textuais, especialmente à

poesia.

Uma delas é a errônea noção que muitos têm que entre um texto narrativo e um

poético, ambos ricos em fatores lingüísticos e ideológicos, a tradução do primeiro deles

é mais fácil. Isto se deve ao fato, segundo a autora, de que no poema a forma é tão

importante quanto o conteúdo. E na narrativa, parece que é mais fácil, para o incauto

tradutor de prosa, considerar a forma e o conteúdo como instâncias separáveis. E, por

isso, correr o risco de acentuar o conteúdo em detrimento da forma. Desta maneira, um

problema é traduzir frases, parágrafos, até mesmo capítulo cada um para si, e não

como partes integrantes de uma estrutura global.

Pautados nesses erros que podem ser cometidos na tradução de textos literários,

mais especificamente de gênero narrativo, Hilaire Belloc (apud Bassnett 2003, p. 183)

delineou seis regras gerais para o tradutor de textos narrativos:

1. O tradutor não deve “arrancar” palavra por palavra ou frase

por frase, mas deve “proceder sempre por blocos” Deve

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considerar a obra como uma unidade integral e traduzi-la por

secções [...];

2. O tradutor deve traduzir expressão idiomática por expressão

idiomática, “e as expressões idiomáticas requerem, por

natureza, uma tradução para uma forma diferente da do

original”;

3. O tradutor deve traduzir “intenção por intenção” tendo em

mente que “a intenção de uma frase numa língua pode ser

menos ou mais enfática do que a forma da frase [...];

4. [...] Alerta contra os falsos amigos, aqueles vocábulos ou

estruturas que parecem ter correspondência nas duas línguas,

mas que realmente não têm. [...];

5. O tradutor deve “transmutar ousadamente”, sugerindo que a

essência da tradução é: “a ressurreição de um objeto estranho num corpo nativo”.

Porém, a primeira regra de Belloc, levanta uma questão de saliente dificuldade

que é delimitar; identificar as unidades de tradução. E, nas palavras de Bassnett, (2003,

p.186) “a estrutura de um texto narrativo não é de modo nenhum tão linear como a

divisão em capítulos pode levar a pensar”.

Assim, tradução, como José Paulo Paes (1990) intitula seu livro, é uma

ponte necessária e sua arte tem aspectos e problemas, em qualquer tipologia textual,

porém ressaltamos aqui os aspectos do texto literário, principalmente o narrativo que

além dos fatores lingüísticos é carregado de fatores ideológicos.

2.2 Tradução: do conceito de arte para atividade científica e categorização de procedimentos em sua realização.

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A partir da metade do século XIX, devido à digitalização e plurilingualismo a

tradução enfrenta novos desafios. Neste momento a tradução se converteu em um

produto de mercado e o tradutor (que normalmente traduzia textos literários) transpôs o

papel de mediador cultural e, os interesses dos mesmos, se ampliaram à medida que

se especializavam. Surgiu nesse período o conceito de tradução como arte e como

atividade científica.

No início do século XX a tradução se ligou à corrente hermenêutica e adquiriu

valor de mediador na tentativa de reflexionar sobre uma linguagem universal. Admitia-

se que o máximo e necessário a ser feito era criarem-se pontes entre um texto e outro,

pois a total equivalência entre duas línguas não existe. Nas décadas de cinqüenta e

sessenta nasceu a teoria moderna de tradução. O objetivo foi torná-la uma ciência ou

uma área da lingüística aplicada, pretendia preparar profissionais para atender as

demandas da sociedade.

Com os canadenses Nida, Newmark e Catford apresentaram-se até aquele

momento as soluções mais pragmáticas do processo de tradução, deixando em

segundo plano a reflexões técnico-teóricas, dentre suas idéias referentes ao processo

de tradução estão que a ênfase deve dar-se ao leitor e à convenção. Pedem pela

consciência de que não só se traduzem cultura e ciência, mas também publicidade

atualidade, há também variedade dos formatos, criação de grupos de tradução e

equipes. Devemos ler segundo a intenção, observar o estilo, a poética da recepção, o

contexto, a tradição, a qualidade da escritura, as conotações, denotações, a tipologia

textual em dependência das funções da linguagem. Mas, devido a isso o tradutor

depois de uma reflexão sobre os problemas tipológicos, se enfrenta de novo ante as

dificuldades de decidir sozinho. Que decisões tomar, que procedimentos empregar.

Dentre estas idéias Vinay e Darbelnet descreveram procedimentos usados por

tradutores.

Heloísa Gonçalves Barbosa, (2004) elaborou uma proposta de recaracterização

de tais procedimentos. Em sua pesquisa a autora identificou unidades de tensão que se

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estabelecem em torno da tradução: a possibilidade e impossibilidade, a divergência

entre tradução livre versus literal e a posição entre tradução técnica e literária. Revisou

os modelos de Vinay e Dalbernet, Nida, Catford e Newmark e a partir de estudos

destes, elaborou uma proposta de caracterização dos procedimentos técnicos de

tradução, em que procurou:

[...] combinar as visões dos autores examinados, acrescentado procedimentos aos listados por Vinay e Dalbernet (1997) e, ao mesmo tempo reagrupando e eliminando alguns dos procedimentos descritos posteriormente, por considerar que estão, na realidade, embutidos em outros (2004, p. 63).

Barbosa, em sua recategorização organiza os procedimentos técnicos

classificando-os em 14. Cada um deles será definido e exemplificado conforme as

palavras da autora:

1. TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA é aquela em que o texto traduzido

possui as mesmas categorias, numa ordem sintática, que o texto de partida.

Exemplo: He wrote a letter to the mayor.

Ele escreveu uma carta para o prefeito.

2. TRADUÇÃO LITERAL é a que se mantém uma fidelidade semântica estrita,

adequando porém a morfo-sintaxe da língua de chegada.

Exemplo: It is a known fact.

É um fato conhecido.

3. TRANSPOSIÇÃO consiste na mudança de categoria gramatical.

Exemplo: She Said reproachfully (advérbio)

Ela disse censurando (verbo)

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4. MODULAÇÃO consiste em reproduzir a mensagem na língua de chegada sob

um ponto de vista diferente.

Exemplo: It’s easy to demonstrate.

Não é difícil demonstrar.

5. EQUIVALÊNCIA consiste em substituir um segmento de texto na LO por outra na

LT que não traduz literalmente, ma que é equivalente.

Exemplo: God bless you!

Saúde!

6. OMISSÃO X EXPLICITAÇÃO a omissão consiste em omitir elementos do TLO

que, do ponto de vista da LT, são desnecessários ou excessivamente repetitivos.

Na tradução do inglês para o português, este procedimento é usado, por

exemplo em relação aos pronomes pessoais. Em inglês ocorre aquilo que, em

português, seria considerada uma repetição excessiva deles,já que o português,

auxiliado pelas desinências verbais deixam claro a que pessoa o verbo se refere.

Na tradução do inglês para o português seria usado, para o mesmo caso, o

procedimento inverso, a explicitação do pronome, pois sua presença é

obrigatória em inglês.

7. COMPENSAÇÃO consiste em deslocar um recurso estilístico por um outro de

efeito equivalente.

Exemplo: It was White Rabbit, trotting slowluy back again, and looking anxiously

about as it went[...]

Era o Coelho Branco que lá vinha, aos saltos, devagar e às voltas como

quem perdeu alguma coisa [...]

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7. RECONSTRUÇÃO DE PERÍODOS consiste em redividir ou reagrupar os

períodos e orações do original ao passa-los para a LT.

8. MELHORIAS consistem em não se repetir na tradução os erros de fato ou outros

tipos de erros cometidos na TLO .

EXEMPLO: O trabalho será desenvolvido em 04 etapas a 1a etapa do trabalho

consta da sensibilização dos professores [...]

The work will be developed in four stages. The first is to make teachers

aware of the issues.

9. TRANSFERÊNCIA consiste em introduzir material textual da LO no TLT. Ela

pode assumir as formas de: estrangeirismo, nota de rodapé, diluição de texto. O

estrangeirismo consiste em transcrever para o TLT vocábulos ou expressões da

LO que seja desconhecido para os falantes da LT. O empréstimo são vocábulos,

que se iniciam como estrangeirismo, mas que com o passar do tempo é aceito,

adaptando-se à morfologia e fonologia da língua de chegada.

10.TRANSLITERAÇÃO consiste em substituir uma convenção gráfica por outra.

Como procedimento de tradução, ocorre em casos de extrema divergência entre

duas línguas, que nem sequer têm um alfabeto comum.

10.ACLIMATIZAÇÃO é o processo através do qual os empréstimos são adaptados à

língua que os toma.

11.TRANSFERÊNCIA COM EXPLICAÇÃO é a condição necessária para o emprego

da transferência na tradução é que o leitor possa apreender seu significado através

do contexto.

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12.EXPLICAÇÃO ocorre quando há a necessidade de eliminar os estrangeirismos

para facilitar a compreensão.

13. DECALQUE consiste em traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais do LO

no TLT.

Exemplo: Task force grupo tarefa

Case study estudo de caso

Workbook Livro de exercícios

13.ADAPTAÇÃO é o limite extremo da tradução: aplica-se em casos em que a

situação toda a que se refere a TLO não existe na realidade extralingüística dos

falantes da LT. Esta situação pode ser recriada por uma outra equivalente na

realidade extralingüística.

Os objetivo da recategorização da autora era facilitar a tarefa do tradutor, que terá à

sua disposição uma série de procedimentos que efetivamente recobrem o que acontece

no ato de tradução. Dar uma clareza terminológica a estudantes e professores de

tradução que não mais se verão diante de discrepâncias entre diversos autores, e

poder este material ser utilizado para pesquisa no campo dos estudos da tradução.

2.3 Deformações na Tradução

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Outros aspectos que perpassam os processos tradutórios são descritos na

tradutologia de Antoine Berman, cuja ambição dessa disciplina, nas palavras do autor

(2007, p.21) não é estruturar uma teoria geral da tradução, mas meditar sobre a

totalidade de formas existentes nessa teoria. Berman (2007 p. 48/62) apresenta treze

tendências deformadoras: a racionalização, a clarificação, o alongamento, o

enobrecimento e a vulgarização, o empobrecimento qualitativo, o empobrecimento

quantitativo, a homogeneização, a destruição dos ritmos, a destruição das redes

significantes subjacentes, a destruição dos sistemas textuais, a destruição (ou

exotização) das redes de linguagens vernaculares, a destruição das locuções e

idiotismos e o apagamento das superposições de línguas.

Essas deformações, segundo Berman, (2007, p. 48) trabalham em benefício do

sentido e forma dos textos traduzidos. Elas concernem a toda tradução, qualquer que

seja a língua, pelo menos no espaço ocidental. Quando muito se pode dizer que certas

tendências agem mais em tal ou tal área-de-língua. As deformações definidas por

Berman, são expostas a seguir:

A racionalização é processo em que seqüências de frases são

reordenadas de maneira que uma certa idéia da ordem do discurso seja obtida. Heloísa

Gonçalves Barbosa (2004) em uma recategorização de procedimentos técnicos de

tradução inicialmente descritos por Vinay e Dalbernet em 1958, denomina esta busca

de fidelidade semântica adequando a morfo-sintaxe de tradução literal, ou adequando a

categoria gramatical de transposição. A autora cita os seguintes exemplos: A

clarificação é o processo que visa tornar claro algo que está entre linhas no original. Ela

pode ocorrer de diferentes modos; da passagem da polissemia para a monossemia ou

através da tradução parafrásica ou explicativa. E isso leva a uma terceira tendência que

é a do alongamento.

O alongamento é uma deformação extremamente vinculada à prática da

tradução, pois todo texto traduzido tem uma tendência de ser mais explicativo,

alongado, devido a um desdobramento do original (quando o tradutor opta em

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domesticar). Esta tendência, segundo Berman (2007, p. 51) não acrescenta em nada,

apenas “aumenta a massa bruta do texto, sem aumentar sua falância ou significância”.

Barbosa (2004, p. 68) apresenta idéia com o conceito de explicitação, porém ela refere-

se apenas ao uso de elementos gramaticais em uma sentença na TL que não está

explicito na LO.

O enobrecimento é uma recriação, uma reescritura. Diz respeito à construção de

frases elegantes utilizando o texto original como matéria-prima.Tendência que poderia

comparar-se ao procedimento que Barbosa (2004, p.70) denomina de melhoria.

Empobrecimento é o processo inverso ao enobrecimento. É marcado pelo uso da

linguagem oral, como gírias e pseudogírias. Esta tendência pode ser qualitativa ou

quantitativa:

O empobrecimento qualitativo remete à substituição do termo,

expressões, modos de dizer que não tem nem sua riqueza sonora,

nem sua riqueza significante. [...] O empobrecimento quantitativo

remete a um desperdício lexical. [...] é atentar contra o tecido lexical

da obra, o seu modo de lexicalidade, a abundância. Este

desperdício pode perfeitamente coexistir com um aumento da

quantidade ou da massa bruta do texto, com o alongamento. Pois

este consiste em acrescentar uns “o”, “a”, “os”, “as” um “quem” e

uns “que”, ou ainda significantes explicativos e ornamentais que

não têm nada a ver com o tecido lexical de origem (2007, p. 55).

Homogeneização ocorre quando o tradutor tem tendência a unificar,

homogeneizar o que é da ordem do diverso. A destruição dos ritmos ocorre

principalmente ao alterar-se a pontuação. Eco (2007, p. 83) atesta que o tradutor não

pode eximir-se da tarefa de criar em seu próprio leitor o mesmo efeito do original nem

que para isso precise abrir mão de outros aspectos (como se eximir de uma observação

literal do texto fonte) para manter-se fidelidade ao ritmo do texto. O tradutor deve fazer

ouvir, trabalhar também com a sonoridade que o texto traz.

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A destruição das redes significantes subjacentes é a não observação e cautela

de que toda obra comporta textos subjacentes, em que determinados significantes se

correspondem e se encadeiam. A destruição dos sistematismos ultrapassa o nível dos

significantes: estende-se ao tipo de frases utilizadas. Isso ocorre via uso de

racionalização, clarificação e alongamento.

Outra das treze deformações é a Destruição ou exotização das redes de

linguagens vernaculares. Destruição consiste no apagamento de expressão vernacular.

Pode se tratar da supressão dos diminutivos, da substituição dos verbos ativos por

verbos com substantivos ou da transposição dos significantes. Exotização propõe o

estrangeiro de fora para o de dentro; é a passagem de um vernáculo estrangeiro para

um local.

Destruição das locuções ocorre na destruição de imagens, locuções e

provérbios, quando estes são traduzidos sob o ângulo da equivalência; mas, as

equivalências de uma locução ou provérbio não o substituem; a última tendência

deformativa é o apagamento das superposições de línguas. As superposições ocorrem

quando há uma relação de tensão e de integração entre a língua subjacente e a língua

de superfície.

Cabe ressaltar que em seu texto Berman questiona se as traduções não seriam

traições, pois se considerarmos que as essências das mensagens estão vinculadas à

letra, alterações, (deformações) da pontuação, signo e estrutura, e ritmo são

necessárias para se obter a então transposição de sentidos, o tradutor não seria um

traidor?!

2.4 Tradução de dialetos

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Segundo Belén Hernandez (2007) diante da digitalização e do plurilingualismo, a

tradução se converteu em um produto de consumo e passou de arte à atividade

científica. Face à transformação social, instrumentos da era da informática e contexto

pós-colonial, a diversidade amplia-se.

Dentro de um mesmo gênero essas diversidades habitam. A exemplo temos o

texto literário que além de sua riqueza natural pode prover de uma língua dialetal o

desafio é maior. E este fenômeno vem tornando-se mais comum, pois atualmente os

falantes mais periféricos estão em contato direto com a língua veicular e internacional;

podem cruzar o espaço nacional e comunicar valores rurais, folclóricos, e pensamentos

de uma cultura marginal. Seguindo sugestões de Hernandez, o tradutor nesses

contextos deve decidir quais a funções do dialeto; se for um uso de jargões, se é

marcador de contrastes entre distintas classes sociais ou se tem a função de refletir

uma cultura local.

Estudos lingüísticos dos dialetos propõe que aquele não é meramente um desvio

da linguagem padrão, mas uma variedade lingüística independente que sem na qual

elementos como erro gramatical, pronúncia e ortografia são relevantes ao tradutor. Por

essa razão, simplesmente cortar o final das palavras para dar um tom mais coloquial ao

texto não é satisfatório para tradução de dialetos. Atualmente propõe-se substituir um

dileto por outro; produzir uma linguagem jargão natural à língua de chegada. O tradutor

assume assim o papel de mediador cultural e para melhor desempenho de sua tarefa,

deve revisar com certa freqüência questões de história da língua e dialetologia, na

tentativa de avaliar melhor os conjuntos lexicais e de significado de palavras. Deve

haver a consciência de que os elementos dialetais são parte do conteúdo cultural de

uma obra literária.

Assim, para uma boa qualidade profissional e textual, os passo do tradutor ao

trabalhar com textos que envolvam dialetos: é despir-se de preconceitos, não vê-lo

como uma língua menor; identificar a característica e função de tal dialeto que pode ser

dentre as citadas acima uma variação geográfica, social, estilística... e estabelecer

estratégias tendo consciência do peso social, histórico e cultural que o dialeto pode

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representar e que sua tarefa será uma ponte entre uma cultura “marginalizada” e outra

aceita como “de maior valor”.

3. ALICE WALKER E A COR PÚRPURA

Alice Walker, uma escritora estadunidense é filha de agricultores de origem

africana. Com dificuldades e através de sua dedicação e bolsas de estudos graduou-se

em artes. É uma pessoa ativista pelo direito dos negros e das mulheres.

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A autora iniciou sua carreira de escritora com Once, um volume de poesias.

Escreveu também o livro "De amor de desespero", uma obra composta pelas vozes de

várias mulheres negras do sul dos Estados Unidos - o livro é uma coletânea de contos

nos quais apresentam mulheres diferentes com seus temores, desafios e sonhos. Mas

Walker alcançou fama mundial com A Cor Púrpura, escrito em 1982 e traduzido para

linguagem cinematográfica em 1985 por Steven Spielberg.

Walker se auto-intitula womanista, pois seu trabalho literário representa a raça

dos “de cor” em uma perspectiva feminista. Ao apresentar a existência negra, e as

mulheres em sua produção literária, a autora pertence ao grupo da literatura das

minorias, que floresceu nas décadas de 70 e 80. Para Eagleton (2003, p. 322) as

teorias feminista, marxista e pós-colonialista são as que ocupam espaço na teoria da

literatura a partir de tal momento histórico, e estão diretamente arraigadas no momento

social, histórico e político que se vivenciava: colapso dos grandes impérios europeus,

exploração de grupos étnicos no Ocidente e nas sociedades “periféricas”. É importante

ressaltar que foi também o momento de conquista de espaços, principalmente no

mercado de trabalho, para as mulheres.

Além da ideologia feminista, inclusa na literatura de minoria, o enredo da prosa

de Walker respalda-se na dignidade, igualdade, e acusa a violação de tais direitos

essenciais às pessoas. Os dramas humanos movem-se em um forte realismo

constituído pelos cenários, personagens, mas principalmente pela maneira com que a

autora escreve a fala dos personagens; com coloquialismos e erros ortográficos e

sintáticos que nos aproximam muito mais da fala do que a língua, tornando a narrativa

ainda “mais viva” delineando a caracterização dos personagens.

“Ele me bateu hoje porque disse queu pisquei prum rapaz na igreja. Eu podia ta com uma coisa no olho, mas eu num pisquei. Eu nem olho pros homem. Essa é que é a verdade”. (pag.14)

A crítica ao romance é polêmica. Enquanto alguns elogiam a narrativa

envolvente, considerando-a uma história brilhante, uma saga de alegria e dor, trabalho

de notável força e expressão; outros criticam a prosa por ser muito didática e ideológica

e também questionam os efeitos da imagem sob os negros dos Estados Unidos, sendo

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esta também uma forma de discriminação aos brancos. Em meio a debates

divergentes, há um ponto de comum percepção: o romance problematiza questões

pessoais de indivíduos negros, que se refletem socialmente, pois aborda raça e gênero.

O enredo de A Cor Púrpura investiga a história de uma mulher, o poder das

relações e a submissão feminina dentro de uma sociedade patriarcal. A estória

desenvolve-se nos primeiros anos do século XX, quando a sociedade patriarcal gozava

de poder absoluto e era tida como modelo de manutenção da família e dos valores dela

decorrentes. Muitos homens acreditavam ser e se portavam como donos de suas

mulheres e filhas, regendo poder sob seus corpos e mentes. Havia uma grande

diferença em nascer homem ou mulher; eles eram superiores e elas objetos.

A personagem principal é Celie, uma mulher quase analfabeta, vivendo nos

campos ensolarados do sul dos Estados Unidos, que convive com opressão, pobreza,

desamor, e é brutalizada pelos homens. Ela foi uma criança nascida em um lar

patriarcal. Desde a doença da mãe, aos 14 anos, passou a ser estuprada pelo

padrasto, violência que se estendeu durante muitos anos. O padrasto, não podendo ter

relações sexuais com a mulher, gozava disso com a enteada e a ameaçava caso

contasse algo:

[...] só falava você vai fazer o que sua mãe não quis. Primeiro ele botou a coisa dele na minha coxa e cumeçou a mexer. Depois ele agarrou meus peitinho. Depois impurrou a coisa dele dentro da minha xoxota. Quanto aquilo dueu, eu gritei. Ele começou a me sufocar, dizendo é melhor você calar a boca e acostumar. Mas eu num acustumei. (pág. 9)

Como um refúgio, Celie começa a escrever a Deus e através de epístolas

desenvolve-se a estória com intrigantes personagens em um fantástico jogo de

palavras que enriquecem o texto. Trata-se de um romance epistolar, ou seja, escrito em

forma de cartas, grande parte delas dirigidas a Deus e é no mínimo interessante a

forma na qual a autora constrói a identidade da protagonista através da escrita. As

adjetivações que cabem a ela a tornam desvalorizada: praticamente analfabeta, negra,

e pobre, como podemos ver no seguinte trecho do romance.

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“He say Why don’t you look decent? Put on something. But what am I supposed to put

on? I don’t have nothing”. (p.16). “She ugly. He say. But she ain’t no stronger to hard

work. And she clean. And God done fixed her. You can do everything just like you want

and she ain’t gonna make you feed or clothe it.” (p. 18) “us both be hitting Nettie’s

school’s book pretty hard, cause us know we got to be smart to git away. I know I’m not

as pretty or as smart as Nettie, but she say I ain’t dumb. (1983 p. 19) Quando a mãe

estava no leito de morte Celie teve que suportar ainda o ódio e rancor dela. A mãe de

Celie morreu praguejando contra a filha, pois ela havia engravidado duas vezes do

padrasto.

“Minha mãe morreu. Ela morreu gritando e praguejando. Ela gritou comigo. Eu to de

barriga” (p.11).

Celie tinha um vínculo afetivo bastante forte com sua irmã Netie, e não tardou a

perceber que o padrasto passara a olhar a irmã mais nova com desejo. Na tentativa de

protege-la aguentava os abusos calada e incentivava muito celie a estudar.

Depois de um tempo Celie foi separada da irmã quando obrigada a casar com o

Senhor_________, casamento no qual viveu momentos de grande solidão, nos

intervalos em que organizava a casa, cuidava dos filhos e atendia ao seu proprietário.

Como válvula de escape, ela começou a escrever cartas a Deus, até que uma

cantora de blues (Shug Avery), por quem o marido de Celie era completamente

apaixonado e tinha um caso, aparece na fazenda. Entre ambas nasce uma grande

amizade e Shug ajuda Celie criar coragem e libertar-se de seus medos.

O texto desencadeia-se com temáticas subjacentes que apontam os papéis

sociais dos gêneros masculino e feminino, a relação de desigualdade entre eles; ou

melhor; uma relação de bem X proprietário que é quebrada com a entrada de Shug no

romance que desestrutura a condição absoluta de “família” patriarcal.

E através desta personagem de grandiosa e independente força feminina que

Celie transformou sua vida. Precisou de um modelo para sentir-se capaz de superar o

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substancioso machismo da obra, sine quan non ressalta em seu final a força da

ideologia feminista.

Em 1995, o diretor Steven Spielberg traduziu o romance à linguagem

cinematográfica. Classificado como drama, o filme foi distribuído pela Warner Home

Vídeo. O filme obteve diversas indicações ao Oscar: melhor filme, melhor roteiro

adaptado, melhor atriz e melhor canção.

4. AS DEFORMAÇÕES NA TRADUÇÃO DOS COLOQUIALISMOS DE A COR PÚRPURA PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Para Eco (2007, p.10) é difícil dizer qual é a coisa que um texto quer transmitir, e

como transmiti-la. Para ele, os estudos acerca de tradução seguem-se no sentido de

tentar compreender como, mesmo sabendo que nunca se diz a mesma coisa, se pode

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dizer quase a mesma coisa. Nesse jogo com o texto, nessa mediação entre original e

tradução, deformidades podem ocorrer no percurso à elaboração e busca do conceito

de “um bom texto”, que normalmente avalia-se pela equivalência e/ou adequação.

Berman (2007) realiza um percurso teórico e propõe uma analítica possível de

apresentar deformações em traduções que podem ser treze ou mais, pois algumas se

convergem ou derivam de outras: racionalização, clarificação, alongamento,

enobrecimento, empobrecimento qualitativo, empobrecimento quantitativo,

homogeneização, destruição dos ritmos, destruição das redes de significantes

subjacentes, destruição da sistemática, destruição ou exotização das redes de

linguagem vernacular, destruição das locuções e apagamento das superposições de

línguas.

Para o autor elas deveriam ser evitadas porque deformam a letra que justamente

é o que precisa ser traduzido: “A letra insiste, inspira o tradutor. Ela não é a palavra,

mas o lugar habitado onde a palavra perde sua definição e onde ressoa o ser-em-

línguas” (2007 p.10-11).

A primeira das tendências apresentadas é a clarificação que segundo o autor é

inerente à tradução, pois todo ato de traduzir é explicitante em movimento que pode ser

tanto em tornar explícito algo que está oculto no original ou tornar mais explicativo no

texto de chegada através da paráfrase, por exemplo.

Ao longo do romance não há o uso de paráfrase ou notas de rodapé. As

sentenças são elaboradas de maneira curta, assim como o original, e objetiva promover

uma aproximação do leitor à mente da personagem bem como no texto de origem.

As palavras e suas construções têm como referentes personagens, lugares,

acontecimentos e sentimentos relacionados a cada evento. A tradução traz

primordialmente o leitor ao encontro do texto como ele foi escrito primeiramente, e não

o direciona para que este seja claro ao mesmo, através da leitura, salvo em algumas

situações, como a tradução do nome Shug por Docí, que à primeira vista busca um

equilíbrio entre a essência do termo original e amenização do estranhamento ao leitor

estrangeiro (Shug, com um som próximo ao som da palavra inglesa “sugar” que

traduzida para o português é açúcar e, remetendo o nome então a Docí, que é também

próximo à palavra portuguesa doce).

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Como um breve exemplo, dessa “despreocupação” que prevalece na obra temos

no primeiro fragmento a referência nada explicativa de Monticello (uma cidade localizada no Estado americano de Illinois, no Condado de Piatt) que para maioria dos

leitores brasileiros certamente é um lugar desconhecido. E no segundo fragmento, a

menção de uma moça que “vem dos lado dos Gray”, não esclarecendo quem seriam os

mesmos. Conseqüentemente por não haver clarificações não há alongamentos que

consiste em um desdobramento do texto,

“He took my other little baby a boy this time. But I don’t think he kilt it. I think he

sold it to a man an his wife over Monticello. (p.12)

Ele levou meu outro nenê também, um minino dessa vez. Mas eu não acho que

ele matou não. Acho que ele vendeu prum homem e a esposa dele lá em

Monticello.” (p.12)

“He come home with a girl from round Gray. She be my age but they married. He

be on her all the time. She walk round like she don’t know what hit her. I think she

thought she love him but he got so many of us. All needing something”. (p.14)

“Ele veio pra casa com uma moça dos lado de Gray. Ela é da minha idade mas

eles casaram. Ele fica com ela o tempo todo. Ela fica zanzando como se num

soubesse que coisa mordeu ela. Eu acho eu ela pensou que gostava dele. Mas

nó0s somo tantas criança. Todas precisando de alguma coisa”. (p.13)

Observa-se nos fragmentos expostos acima que a tradução é realizada

literalmente, e isso se mantém ao longo de todo o romance, cuja fidelidade semântica é

estrita, porém com algumas adequações morfo-sintáticas. O trabalho tradutório

direciona-se a reproduzir o mesmo efeito, similaridade de significados e equilíbrio do

“fazer ouvir” que de acordo com Bruni (apud ECO 2007, p. 78) é o trabalho de

confiança que o tradutor deve ter no juízo do ouvido para não arruinar e alterar aquilo

que (em um texto) é expresso com elegância e sentido do ritmo. Os erros ortográficos

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devido às marcas da oralidade na narrativa são reproduzidos com mesmo “peso” na

tradução.

No primeiro par de sentenças abaixo temos “never love me”, com tempo verbal

inadequado considerando-se o ponto de vista gramatical em contraponto ao “tem vez

queu” também escrito de maneira “incorreta” no segundo.

“Sometimes I think Shug never love me” (p. 229)

“Tem vez queu acho que a Docí nunca me amou” (p. 284)

“Every once in a while I git a postcard from Shug” (p. 229)

“Tem vez queu recebo cartão postal da Docí” (p.285)

Devido à preservação do tom coloquial, rebelde e oral da narrativa, não

encontramos o enobrecimento, pois enquanto esta tendência busca embelezar o texto

criando harmoniosas construções sintáticas, vocabulário rebuscado, frases elegantes

com escrita formal, a tradução realiza um percurso oposto.

Enquanto algumas traduções podem apresentar um enobrecimento, outras se

deformam através do empobrecimento que pode ocorrer de forma qualitativa e

quantitativa.

Segundo Berman (2007, p. 53) quando ocorre na tradução uma perda na

qualidade sonora e na riqueza significante (icônica) há o empobrecimento qualitativo.

Porém, como discutido anteriormente, a tradução de “A cor púrpura” a todo o momento

se debruça em manter o tom coloquial e a sonoridade da obra, como se pode verificar

no trecho abaixo:

“He say: Why don’t you look decent? Put on something. But what I’m sposed to

put on? I don’t have nothing” (p.13)

Ele falou: Por que você num se veste direito? Bota alguma coisa. Mas que é queu tenho

pra botar? Eu num tenho nada “.(p. 12)

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Neste fragmento observamos como o oral prevalece num processo de

“encurtamento/facilitação” dos vocábulos “sposed” proveniente de supposed e “queu”

da fusão das palavras “que eu”.

Nas sentenças abaixo, destacamos os vocábulos que marcam o coloquialismo

da obra, tanto no texto original quanto no traduzido, e destacamos como o número de

incidência dos mesmos são semelhantes em ambos os textos.

“Mr. _____ talk to Shug a lot lately by telephone. He say as soon as he told her

my sister and her family was missing, she and Germaine made a beeline for the state

department trying to find out what happen.” (p.245)

“ Sinhô fala muito com a Docí no telefone ultimamente. Ele falou que logo que

contou pra ela que minha irmã e a família dela tinham desaparecido, ela e Germaine

conseguiram um contato direto com o Departamento do Estado, tentando descobrir o

que tinha acontecido.” (p. 306)

“Do her peoples know? I ast. They know, say Sofia. They carrying on just like

you know they would”.

“O pessoal dela tá sabendo? Eu perguntei eles sabem, Sofia falou. Eles tão fazendo como a gente sabia que eles iam fazer”

Além de manter a sonoridade, a tradução também privilegia o icônico,

reproduzindo as imagens criadas no texto, como se percebe abaixo:

“I got breasts full of milk running down myself” (p. 13)

“Eu fiquei com os peito cheio de leite iscorrendo emcima de mim” (p.12)

“He beat me today cause he say I winked at a boy in church” (p.15)

“Ele me bateu hoje porque disse queu pisquei prum rapaz na igreja” (p.14)

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Na tradução de “A cor púrpura” também não ocorre o empobrecimento

quantitativo, pois a massa bruta do texto é equiparável, o léxico é cuidadosamente

dosado. Isso é facilitado pelo texto ser constituído predominantemente de sentenças

curtas e de discurso direto. Porém, no corpus analisado o livro traduzido possui um

número maior de páginas, mas este falso alongamento ocorre devido ao tamanho da

letra com que o material foi impresso.

Como na obra original/traduzida ocorre a condução do leitor à mente da

personagem, respeitando-se a estilística do texto/autor, não há um reordenamento;

uma reorganização das frases em prol de uma racionalização, de uma linearidade de

idéias. Cabe ressaltar também que os conteúdos presentes em cada parágrafo do texto

original se equivalem aos do texto traduzido e respectivamente a pontuação do texto,

buscando uma similaridade no ritmo do romance, observe:

“Dear God. Dear stars, dear trees, dear sky, dear peoples. Dear everything. Dear

God”. (p.249)

“Querido Deus. Queridas estrela, queridas árvore, querido céu, querida gente.

Querido tudo. Querido Deus” (p.312)

“Me and him and Shug sitting out on the porch after dinner. Talking. Not taliking.

Rocking and fanning flies. Shug mention she at Harpo’s. Think maybe she retire. Albert

say he want her to try on his new shirt. I talk bout Henrietta. Sofia. My garden and the

sotre. How things doing generally. So much in the habit of sewing something I stitch up

a bunch of scraps, try to see what I can make. The weather cool for the last of June, and

sitting on the porch with Albert and Shug feel real pleasant. Next week be the fourth of

July and us plan a big family reunion outdoors here at my house. Just hope the cool

weather hold”. (p. 249)

Eu e ele e a Docí sentados na varanda depois do jantar, conversando. Não

conversando. Balançando na cadeira e espantando os mosquito. A Docí fala que ela

num quer mais cantar em público-bom, quem sabe uma ou duas noite no Harpo’s. ta

pensando quem sabe em aposentar. Albert fala que quer que ela experimente a nova

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camisa dele. Eu falo da Henrietta. Sofia. Meu jardim e a loja. Como tão indo as coisa. O

hábito de custurar tão grandequeu vou alinhavando uns retalho, vendo o queu posso

fazer com eles. O tempo ta fresco pra fim de junho e sentar na varanda com o Albert e

a Docí é muito agradável mesmo. A semana que vem vai ser o 4 de julho e a gente

planejou uma grande reunião da família ao ar livre aqui em casa. Só espero que esse

tempo bom num vá embora. (p.312)

Todos esses aspectos apontados até então não são típicos de uma tradução

etnocêntrica, mas, isso não ocorre ao longo de toda a obra.

Por mais que a tradução trabalhe em preservar o texto o mais próximo ao que foi

escrito, preservando seu estrangeirismo, há momentos em que a tradução mostra-se

em prol da produção de um texto fluente, como se tivesse sido originalmente escrito na

língua de chegada. Para que este efeito fosse reproduzido em alguns momentos da

narrativa há a presença de algumas das deformações apontadas por Berman. Elas

estão diretamente ligadas ao propósito de preservar os coloquialismo e sonoridade da

obra.

A primeira delas é a destruição da sistemática das frases. Para manter na obra o

tom coloquial, enquanto em português os verbos conjugam-se no passado, em inglês

eles estão no presente: I say / Eu disse. Outro evento freqüentemente encontrado em

inglês, era em uma frase no presente, o verbo estar apenas na sua forma base; não

devidamente conjugado. Para fazer este contraponto em português foi traduzido com

marcação tipicamente oral, e não o deixando no infinitivo, o que acarretaria em um

grande estranhamento: The water be warm /“A água ta morna. Por conseqüência, uma

rede vernacular é mantida, mas ocorre uma modificação, exotização daquela presente

no texto original devido às adequações dos coloquialismos na tradução. Prevalecendo,

no entanto, a superposição das variedades da língua. Ao final do romance, em que a

personagem está com auto-estima, é independente, e está feliz, ocorre uma melhora

em sua ortografia e sintaxe.

Outra deformação é a destruição das locuções, pois algumas frases são

traduzidas sob um diferente ponto de vista. Como exemplo, destacamos:

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“Just hope the cool weather hold”.

“Só espero que esse tempo bom num vá embora”.

Assumindo, dessa maneira uma postura em que o que prevalece é a intenção.

Todo o trabalho tradutório concentrou-se em preservar além da intenção, a ideologia,

mas principalmente o ritmo e sonoridade da obra e as inevitáveis deformações que

ocorreram ao longo do texto foram em prol desse objetivo.

5 CONCLUSÃO

A tradução é uma atividade que exige muitas habilidades, e para realização de

tal tarefa muitos tradutores não têm claras quais teorias refletem em suas traduções.

Segundo Wanessa Gonçalves Silva (2008) para ressaltar quais as teorias vigentes no

trabalho de tradução, podemos recorrer às anotações pessoais do tradutor no texto de

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partida em relação ao de chegada ou a uma análise crítica, acadêmica do source text e

target text (texto de origem e chegada, respectivamente).

A análise de tal aspecto tem sua importância para a promoção de uma reflexão

sobre o fazer da prática tradutória e seu consequente aprimoramento.

Assumir o trabalho de tradução é um constante desafio, em texto literário de

característica bem particular como The color Purple é no mínimo além de desafiador um

pouco curioso.

Através da análise do original e respectiva tradução para o português é

perceptível a busca dos tradutores na reprodução do mesmo efeito ao leitor. Isso

aconteceu entre o limiar do domesticar e estrangeirizar a tradução.

Na comparação e análise de ambos os textos, não foi visto o não-dito e nem

feito ver o dito. As dosagens tanto da massa lexical e de informação ao nível de

sentenças e parágrafos foram homogêneas.

Porém a tradução sofreu algumas adaptações, deformações e elas de certa

forma privaram o leitor da língua portuguesa do caráter estrangeiro da obra, embora

seria ousado considerar que esta tradução tenha sido domesticada.

Embora o texto literário seja de prosa, uma de suas características marcantes foi

o ritmo imposto pela pontuação e cunho oral, fortemente mantido no processo

tradutório.

Além da preservação da oralidade e ritmo o texto manteve o dialeto da obra com

adequações à língua de chegada cujas funções foram uso jargão da linguagem que

representa classes sociais e é espelho que reflete uma cultural e a identidade de uma

personagem.

Além dissoOutro aspecto a se salientar é que, a tradução manteve algumas

diferenças com o original, mas soube preservar a energia do seu imaginário, ativando-a

num contexto histórico específico, [...] produzindo aquela emoção que deriva do diálogo

tornado possível entre indivíduos diversos, línguas, culturas, épocas e povos.

Diversos procedimentos de tradução apresentados por Barbosa (2004) foram

utilizados sem priorizar um ou outro, mas o que melhor desempenha-se o tom natural à

obra no contexto textual em questão.

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Os tradutores idubitavelmente valorizaram a força expressiva do dialeto,

mediando e preservando uma cultura “marginalizada”. Houve uma fidelidade ideológica,

lingüística, mas sem esta última causar estranhamento à cultura receptora. A tradução

trabalhou em equilíbrio entre autor e leitor deixando os dois o mais a vontade possível,

no entanto, para que isso fosse ocorresse de fato ao leitor, algumas deformações foram

inevitáveis.

O trabalho tradutório não contemplou em sua totalidade o texto de partida

através de paráfrase e imitação, os tradutores trabalharam em prol da conexão entre

autor e leitor de outra língua.

Embora haja um famoso jogo de palavras em italiano que diz "Traduttore,

Traditore", cuja tradução é "Tradutor, traidor", não consideramos ser traição o fato de o

texto ter sido ser lapidado de maneira equilibrada à cultura de chegada.

Por fim, pode-se dizer que a tradução foi feliz, cuja qual, nas palavras de Alba,

(2009) é aquela que, embora mantendo inevitáveis diferenças com o original, preserva

a energia do seu imaginário, ativando-a num contexto histórico específico, vencendo o

tempo, a distância ideológica, epistêmica e cultural, produzindo aquela emoção que

deriva do diálogo tornado possível entre indivíduos diversos, línguas, culturas, épocas e

povos.

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ANEXOS

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