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Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para
Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal
Monografia Final de Curso
“A DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
ANTES, DURANTE E DEPOIS DE CALAMIDADES PÚBLICAS
SANITÁRIAS”
Cândido Alfredo Silva Leal Júnior
Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Souza Júnior
Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix
Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Souza Júnior e Prof. Márcio
Iorio Aranha
Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende
Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal
Consultora de Ensino à Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Sousa
Consultora de Metodologia e Monografia Final: Profa. Loussia Musse Felix
Brasília, 24 de janeiro de 2003.
A Ana Luisa e ao tesouro que traz consigo,
por seu carinho e por sua existência.
Aos meus pais,
por serem como são.
Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário
Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
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ÍNDICE
1. APRESENTAÇÃO................................................................... 4
2. PRESSUPOSTOS FÁTICOS E TEÓRICOS ........................... 9
3. CALAMIDADES PÚBLICAS SANITÁRIAS ...................... 18
4. “ANTES” DA CALAMIDADE ............................................. 36
5. “DURANTE” A CALAMIDADE .......................................... 46
6. “DEPOIS” DA CALAMIDADE ............................................ 61
7. CONCLUSÃO ........................................................................ 69
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Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
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1. APRESENTAÇÃO
Embora muitas gerações não tenham presenciado a ação de flagelos da
natureza, a possibilidade de sua ocorrência, os relatos de tempos passados e a lembrança
de experiências de outros povos, sempre aterrorizaram as pessoas comuns. A idéia da
“Peste” (e a impotência do homem diante dela) sempre assolou a história da
humanidade, assombrando a vida dos povos.
Não vivemos mais numa época em que o homem esteja impotente
diante da natureza, mas habitamos um mundo em que os limites do universo conhecido
se expandem diariamente e aumenta consideravelmente nossa interferência sobre os
mecanismos da natureza.
Paradoxalmente, entretanto, esse avanço humano não traz mais
segurança nem permite um maior domínio sobre o desconhecido. Por mais que
tenhamos caminhado em direção ao conhecimento, maiores se tornaram nossas
possibilidades. Mas também maiores se tornaram as fronteiras do desconhecido. O
conhecimento não fez o homem bom ou mau, apenas lhe deu maiores possibilidades
para ser bom ou mau. O mesmo aconteceu com o avanço nas fronteiras da ciência, que
não trouxe necessariamente maior tranqüilidade para o homem, mas apenas ampliou
suas possibilidades e suas preocupações. Possibilidades de encontrar soluções para seus
problemas. Possibilidades de causar prejuízo a si próprio e ao seu semelhante.
Embora a ciência e a tecnologia tenham modificado muitas coisas, o
homem continua essencialmente o mesmo ser, com seus medos e suas limitações diante
do desconhecido, mas também com sua curiosidade e suas esperanças em relação ao seu
futuro.
No mundo de hoje, talvez não exista mais espaço para flagelos
causados por pragas creditadas a bruxas ou castigos derivados da ira divina. Mas
certamente existe espaço para as ameaças decorrentes de acidentes nucleares, do
bioterrorismo, da guerra química e biológica, entre outros tantos exemplos que povoam
os noticiários internacionais e assombram os indivíduos em todos os lugares. Os medos
sofisticaram-se. As ameaças vestem novas roupas. Mas viver continua sendo muito
perigoso.
Pensando nisso, a proposta da monografia é examinar como o vigente
ordenamento jurídico brasileiro dá conta dessas situações de risco sanitário. Ou seja,
examinar os mecanismos jurídicos de que dispõem governo e cidadãos brasileiros para
enfrentar, sem ruptura da ordem institucional, uma situação de calamidade pública
sanitária de grandes proporções, em que fossem necessárias providências urgentes e
excepcionais para garantir o Estado, as Instituições Democráticas e, principalmente, a
convivência social.
A monografia tentará responder à questão de como a atual
Constituição vigente dá conta dessas situações de calamidade pública sanitária no
Brasil, quando se fazem necessárias providências urgentes e excepcionais para garantia
do Estado, das Instituições Democráticas e da convivência social. Mas é importante
salientar que muitas vezes nossa preocupação não está centrada apenas em encontrar
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respostas para os difíceis e intrincados problemas morais que o enfrentamento (e a
preparação para o enfrentamento) de uma calamidade pública sanitária suscita, mas
apenas lançarmos algumas questões para reflexão sobre tais problemas, evidenciando a
dificuldade teórica e prática para se lidar com tais questionamentos. Ou seja, muitas
vezes não é possível uma resposta pronta e acabada para uma determinada questão,
sendo muito mais proveitoso que se saliente o que parece importante para que, numa
situação de calamidade, os cidadãos e os governantes tenham condições de encontrar a
resposta mais apropriada, que atenda aos interesses do momento e, principalmente,
mostre-se adequada à preservação da vida individual e da convivência social.
Então, examinando as normas constitucionais e legais, procuramos
mostrar que existem diversas possibilidades normativas para enfrentamento de uma
calamidade sanitária. O direito não se preocupa apenas em enfrentar a calamidade, mas
também evitá-la, prevenindo-se e adotando mecanismos redutores dos riscos inerentes à
vida social e ao progresso científico-tecnológico. Diversos órgãos estão envolvidos
nesse trabalho de prevenção e enfrentamento (vigilância epidemiológica, vigilância
sanitária, vigilância ambiental, defesa civil, corpo de bombeiros, segurança pública,
serviços de saúde, etc). Mas o que vai interessar no curso dessa monografia é o
tratamento jurídico dessas questões a partir da perspectiva do direito sanitário. Mais
especificamente, vai interessar o tratamento da questão como capítulo do direito
sanitário constitucional.
O que se espera demonstrar é que a leitura da Constituição permite
identificar três princípios norteadores da atuação de governantes e administradores
públicos diante de calamidades públicas que possam abalar as instituições democráticas
ou colocar em risco a democracia, a saber: (1º) essas situações de calamidade pública
devem ser evitadas e prevenidas, tomando-se todas as providências necessárias para isso
antes de que ocorram; (2º) essas situações devem ser enfrentadas, tendo-se em vista a
preservação das instituições democráticas e dos indivíduos envolvidos, com o menor
dano individual possível; (3º) assim que superada a situação excepcional, é preciso
voltar imediatamente à normalidade, cabendo a todos prestarem contas das providências
que adotaram e responderem por elas.
O tema foi escolhido, primeiro, porque é recorrente na história da
humanidade, existindo muitas situações históricas em que a ocorrência de fatos
imprevistos da natureza colocaram em risco a ordem social então vigente (por exemplo,
as pestes da Idade Média), ou então provocaram a adoção de medidas de proteção social
(por exemplo, o isolamento dos portadores de hanseníase e tuberculose, a vacinação
obrigatória quanto à varíola e febre amarela, os acidentes nucleares de Chernobyl e de
Goiânia). Na atualidade, a epidemia de HIV/AIDS ameaçava ganhar proporções
semelhantes, mas felizmente tem conseguido ser enfrentada com uma nova mentalidade
sanitária, ao menos nos países que contam com recursos disponíveis para tanto1. Por
tudo isso, é importante analisar como o direito vigente daria conta de uma situação de
calamidade pública sanitária de grandes proporções, afirmando assim o primado do
direito também em situações de exceção.
Segundo, o tema foi escolhido porque se mostra presente nas
discussões que ocorrem no mundo contemporâneo, especialmente quanto às questões de
biossegurança, bioterrorismo, utilização de armas químicas e biológicas, e acidentes
1 RIOS, Roger Raupp. Respostas jurídicas frente à epidemia de HIV/AIDS. Direito Federal: Revista da
Associação dos Juízes Federais do Brasil, Brasília, nº 70, p. 351-68, 2002.
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nucleares2. Os atos terroristas de 11 de setembro de 2001, embora não tenham sido
cometidos com a utilização de armas químicas, nucleares ou biológicas, provocaram
fortes debates mundiais sobre as novas possibilidades de atos de hostilidade contra
grupos ou etnias, e até mesmo contra a população civil, tornando mais concretas as
possibilidades de utilização de forças da natureza com intenção de ruptura de
instituições políticas vigentes. Deixando de lado qualquer comprometimento ideológico
ou preconceito que pudesse influenciar a abordagem dessas questões, não há como
negar que hoje o mundo percebe que é vulnerável e os Estados passam a se preocupar
com sua proteção frente a essas questões3. Hoje, as calamidades públicas sanitárias não
são causadas apenas pela natureza, mas cada vez mais se torna palpável a possibilidade
de que venham a ser causadas (intencionalmente) pelo próprio homem.
Terceiro, porque é importante afirmar-se o primado do direito mesmo
num momento de exceção sanitária, em que direitos e garantias individuais tenham de
ser restringidos. A história mostra uma tendência daqueles que governam em se
utilizarem dessas situações de risco ou calamidade para aumentar seu próprio poder e
assim legitimar sua atuação, ascensão ou permanência no poder. As medidas de exceção
(estado de defesa ou estado de sítio) podem ser necessárias para a manutenção da ordem
pública e institucional numa dada ocasião, mas o “remédio” utilizado em excesso pode
tornar-se um perigoso veneno. A exceção, utilizada sem o devido controle num
momento de calamidade pública, pode resultar num desvirtuamento das instituições
democráticas e prestar-se a justificar a instauração de um regime ditatorial (o
desvirtuamento das exigências da “segurança nacional” ou das “razões de estado”). É
oportuno, pois, examinar com atenção as possibilidades constitucionais de exceção de
que dispõem os governantes num caso de calamidade pública sanitária e,
principalmente, os respectivos limites e controles para que se encontre o retorno à vida
institucional ordinária, assim que possível.
Quarto, o tema é atualíssimo na pauta de discussões dos Poderes
Públicos no Brasil. Basta ver que recentemente o Poder Executivo editou a Medida
Provisória 33, de 19 de fevereiro de 2002, que tratava da “emergência epidemiológica”
(arts. 32-36), definida como “a ocorrência de casos de doenças ou de outros agravos
2 Basta ver, por exemplo: (a) HEYMANN, David L. Strengthening global preparedness for defense
against infectious disease threats. Washington: Committee on Foreign Relations of United States
Senate, 2001; (b) LAW COMISSION OF CANADA. In search of security: the roles of public police
and private agencies (discussion paper). Ottawa: Law Comission of Canada, s/d; (c) WORLD
HEALTH ORGANIZATION. Depleted uranium: sources, exposure and health effects. Geneva:
WHO, 2001; (d) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for iodine prophylaxis following
nuclear accidents. Geneva: WHO, 1999; (e) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Health aspects of
biological and chemical weapons (unofficial draft of projected second edition). Geneva: WHO, 2001;
(f) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for the deliberate use of biological agents: a
rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002; (g) WORLD HEALTH
ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance.
Second edition. Geneva: WHO, 2001; (h) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Strengthening
national preparedness & response to biological weapons (meeting report). Rome: WHO, 2002; (i)
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Users’ manual for the IPCS health and safety guides. Geneva:
WHO, 1996.
3 O tema não é novo na filosofia política, e Thomas Hobbes já havia dedicado um capítulo de suas
maiores obras para tratar das causas de dissolução e enfraquecimento do Estado: “das causas internas que
tendem à dissolução do governo” (HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1998,
cap. 12, pp. 181-95) e “das coisas que enfraquecem ou levam à dissolução de um Estado” (HOBBES,
Thomas. Leviathan. São Paulo: Editora Abril, 1983, cap. XXIX, pp. 192-99).
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inusitados de etiologia conhecida ou desconhecida, de alto grau de transmissibilidade,
patogenicidade e letalidade” (art. 32 da MP 33/02). Nesses casos, o Ministro da Saúde
poderia declarar “estado de quarentena federal”, ocasião em que poderia: (a) dispor
sobre o isolamento de indivíduos, animais e comunidades em situação de risco; (b)
dispor sobre a interdição de ambientes ou meios de transporte; (c) determinar o
acompanhamento médico de indivíduos e a necessidade destes se reportarem,
periodicamente, à autoridade de epidemiologia (art. 33 da MP 33/02). Embora essa
medida provisória tivesse sido rejeitada pelo Congresso Nacional, suas disposições
foram novamente apresentadas, como Projeto de Lei 6.952, de 30 de abril de 2002, que
atualmente se encontra em tramitação no Congresso Nacional. Ou seja, tramita no Poder
Legislativo um projeto de lei versando sobre essa “emergência epidemiológica”, entre
outras questões, evidenciando a atualidade e relevância do tema proposto.
Finalmente, quinto, porque o tema escolhido tem relação com o direito
sanitário, especialmente com o direito sanitário constitucional (estado de defesa e estado
de sítio). Tanto a Medida Provisória 33/02 quanto o Projeto de Lei 6.952/02
pretenderam subtrair do Sistema Único de Saúde as questões relativas ao Sistema
Nacional de Epidemiologia, ao Sistema Nacional de Saúde Ambiental e ao Sistema
Nacional de Saúde Indígena. Entretanto, essas questões dizem respeito à saúde pública
e, segundo os termos claros das normas constitucionais, não podem ser separadas do
sistema único de saúde. A definição das competências do SUS, conforme o art. 200 da
CF/88, não deixa dúvidas sobre a unicidade do sistema e o fato dele englobar não
apenas aquela parte relativa aos cuidados médicos e hospitalares, mas também aquelas
medidas pertinentes à saúde pública. As questões pertinentes à “emergência
epidemiológica” e ao “estado de quarentena federal”, caso implementadas, devem estar
inseridas nas atribuições do sistema único de saúde, porque é assim que quis a
Constituição ao estabelecer que “ao sistema único de saúde compete (...) executar as
ações de vigilância sanitária e epidemiológica” (art. 200-II da CF/88). Ou seja, o
exame dos mecanismos de defesa do Estado e das Instituições Democráticas frente a
calamidades públicas sanitárias é questão que interessa – e muito – ao direito sanitário e
por isso a pertinência de sua escolha como objeto dessa monografia.
Assim justificada a relevância do tema para o direito sanitário, antes
de abordar os aspectos jurídicos da questão, nos pareceu conveniente explicitar os
“Pressupostos Fáticos e Teóricos” (capítulo 2) da pesquisa, o que fizemos a partir do
exame de tensões que se concretizariam em dois planos, a saber: (1º) a tensão entre o
individual e o coletivo, decorrente dos conflitos do indivíduo com aquele modelo de
conduta que é idealizado e desejado numa dada sociedade, e decorrentes dos conflitos
entre liberdade e livre-arbítrio de cada um com essas mesmas faculdades dos outros que
ocupam o mesmo espaço; (2º) a tensão entre fatos e normas, decorrente da disparidade
entre aquilo que a norma prevê que possa acontecer e aquilo que efetivamente acontece
na realidade.
Essas tensões estão presentes na análise de regramentos de exceção,
previstos para serem aplicados num instante de crise, em que as regras ordinárias não
bastam e é preciso recorrer a uma legalidade excepcional. Servem como justificação
geral para as normas que serão editadas e para as decisões que serão adotadas durante a
exceção, legitimando-as teórica e faticamente.
A seguir, é tornada explícita a questão das “Calamidades Públicas
Sanitárias” (capítulo 3), quando procuramos examinar na pouca literatura jurídica
existente quais os elementos definidores do núcleo desse conceito constitucional. Era
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preciso delimitar o significado com que o constituinte utiliza-se do conceito de
calamidade pública, o que foi feito a partir do uso do termo na Constituição de 1988, do
uso lexical dos termos “calamidade” e “catástrofe”, e da sua ocorrência na doutrina
constitucional brasileira.
Disso foi possível concluir que a opção constitucional por
“calamidade pública” tem razão de ser na sutil distinção semântica apurada entre os
verbetes “calamidade” e “catástrofe”, evidenciando-se que a preocupação constitucional
não foi apenas com o instante em que os agentes danosos atuam, mas com a
permanência e consolidação dos efeitos desses agentes, perdurando no tempo e
permanecendo o prejuízo por muito mais tempo do que aquele instante da causação
danosa.
Para que não ficássemos apenas na especulação teórica sobre o
significado das palavras, nos pareceu oportuno concretizar o conceito, apresentando
algumas situações de calamidade pública sanitária que, pela ocorrência histórica ou
periculosidade presente, merecem destaque, a saber: (1º) as epidemias; (2º) o
bioterrorismo e a guerra química ou biológica; (3º) os acidentes nucleares.
Passamos então ao núcleo da monografia, examinando os três
momentos da calamidade: o antes, o durante e o depois.
Quanto àquilo que acontece “Antes da Calamidade” (capítulo 4), o
ordenamento jurídico não está preocupado apenas com o enfrentamento de situações já
concretizadas, mas também procura de todas as formas possíveis prevenir e evitar essas
situações de calamidade, estabelecendo mecanismos de controle e de prevenção, que
objetivam impedir que ocorram. Aqui importa ao máximo evitar sua ocorrência e criar
condições para minorar suas conseqüências. Entre os instrumentos jurídicos
examinados, incluem-se a vigilância sanitária, a vigilância ambiental, a vigilância
epidemiológica, a vigilância internacional e o papel da Organização Mundial da Saúde,
a educação sanitária e a educação ambiental, a prevenção pela biossegurança e o
princípio da precaução, o prévio estudo de impacto ambiental e o direito penal sanitário.
Quanto àquilo que acontece “Durante a Calamidade” (capítulo 5),
interessam as medidas previstas pelo ordenamento jurídico para enfrentamento da
situação de calamidade, quando falha a prevenção. A forma como se dá o combate à
situação de calamidade depende da gravidade de sua ocorrência e do alcance de suas
conseqüências e efeitos. Mas nos pareceu importante examinar: a competência
constitucional para o combate dessas situações, o instituto da requisição de bens e
serviços particulares para fazer frente ao perigo, o empréstimo compulsório, a dispensa
de licitação, as medidas provisórias. Também examinamos as propostas legislativas
sobre a disciplina de um “estado de emergência epidemiológica” e “estado de
quarentena federal”, recentemente propostos em medida provisória e projeto de lei do
Poder Executivo, apontando àquilo que nos pareceu inconstitucional e inadequado
frente à Constituição vigente.
Mereceu destaque a abordagem dos mecanismos de defesa do Estado
e das Instituições Democráticas previstos nos artigos 136 a 141 da Constituição Federal
de 1988 (estado de defesa e estado de sítio), que constituem um regramento de
legalidade excepcional para ser aplicado em tempos de crise institucional, havendo
expressa previsão da calamidade pública como hipótese de sua adoção. Essa seria a
resposta extrema que o direito prevê para aquelas situações de exceção, e por isso
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pareceu oportuno um tratamento mais amplo da questão, dentro dos limites da
monografia.
Finalmente, quanto àquilo que acontece “Depois da Calamidade”
(capítulo 6), nos pareceu importante ressaltar o princípio da temporariedade que
caracteriza o sistema constitucional das crises: findo o motivo que justifica a exceção,
deve-se retornar ao regramento ordinário o mais breve possível. Isso porque as medidas
de exceção são acompanhadas do respectivo incremento de poder para a autoridade
pública impor as medidas coercitivas necessárias ao enfrentamento da calamidade. Esse
incremento somente se justifica enquanto estiverem presentes os motivos determinantes
de sua adoção. Cessado o motivo justificante da legalidade de exceção, também ela
cessa. Procuramos também abordar os mecanismos de controle da exceção, que
asseguram o retorno à normalidade institucional e, principalmente, permitem a
responsabilização daqueles que tenham cometido excessos ou abusos durante a crise. As
medidas de exceção são da responsabilidade do Poder Executivo, que por sua vez é
controlado pelos Poderes Legislativo e Judiciário. É importante essa partilha de
atribuições quanto à fiscalização e controle das medidas excepcionais, porque assim são
diminuídas as possibilidades de abuso ou excesso.
2. PRESSUPOSTOS FÁTICOS E TEÓRICOS
2.1. O homem e os outros homens:
A vida de cada pessoa humana é algo único, singular, precioso. Para
alcançar sua felicidade, o ser humano busca obter dessa vida o melhor resultado
possível, ocupando um espaço no mundo e usufruindo da melhor forma possível os
recursos desse mundo. Para conseguir isso, dispõe de liberdade e livre-arbítrio, que de
um lado lhe permite fazer as escolhas quanto à sua forma de vida, e de outro o torna
responsável por essas suas escolhas.
Entretanto, como o homem não está só no mundo (e a vida não teria
sentido se o homem estivesse só), a presença das outras vidas é inafastável da condição
humana. O outro importa porque ele é, ao mesmo tempo, diferente e semelhante a nós.
É diferente porque ele tem seu próprio livre-arbítrio e sua liberdade, que lhe permitem
seguir seus caminhos tão livremente quanto nós poderíamos seguir os nossos. É
semelhante porque também é ser humano, dotado das mesmas prerrogativas e do
mesmo desejo por felicidade de que somos dotados.
Como a dimensão do outro existe e é relevante por dar sentido à nossa
existência, como existência humana, é impossível conceber a humanidade sem que os
indivíduos convivam em espaços próximos, mas num mundo de recursos limitados. Os
desejos humanos seriam, em princípio, ilimitados, enquanto os recursos para satisfazê-
los são limitados. Daí surgem conflitos entre sujeitos humanos e a premente necessidade
de regulação desses conflitos e da própria vida social, evitando que a busca pela
felicidade e o gozo das liberdades individuais acabe destruindo a própria vida que
ambiciona preservar-se.
Surgem então na organização humana diversos mecanismos e formas
de controle das liberdades individuais, inclusive a noção de bem comum, que procuram
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conciliar, da melhor forma possível, os diferentes desejos humanos, permitindo assim
que pessoas com concepções distintas de mundo e com desejos muitas vezes
concorrentes consigam sobreviver num espaço comum, buscando uma harmonia e um
equilíbrio entre suas concorrentes formas de vida. O direito é o instrumento por
excelência desse controle das liberdades individuais nas sociedades que se dizem
civilizadas, estabelecendo regras que devem ser obedecidas e observadas para que se
alcancem aqueles condições minimamente necessárias para a sobrevivência comum. A
adoção desses mecanismos, muitas vezes impostos pela força ou por situações históricas
que se perdem na lembrança dos povos, cobram um preço caro às liberdades
individuais, tendo implicações profundas na vida de cada um: estabelecem limites ao
livre-arbítrio e exigem um preço para aqueles que não seguem o que é socialmente
esperado de cada um.
Não é nosso objetivo analisar com minúcia esses processos e
mecanismos, que há séculos ocupam as páginas da filosofia política e da história da
humanidade. Mas para compreendermos o que está por trás dos mecanismos jurídicos
de controle social nas calamidades públicas sanitárias, é conveniente examinar o que
justifica a adoção de estados de exceção e a limitação das liberdades individuais,
examinando-se: (1º) os conflitos entre o indivíduo e a coletividade, que conduzem à
limitação das liberdades para que elas próprias possam ser gozadas por todos; (2º) as
tensões entre fatos e normas, que algumas vezes chegam a autorizar a ruptura da
normalidade com a adoção de um estado de exceção.
2.2. A tensão entre individual e coletivo:
Sendo cada vida humana única, singular, insubstituível e irredutível, e
dependendo a plena realização dessa vida da interação com as outras individualidades,
disso surgem conflitos entre os indivíduos e daí a necessidade de meios
institucionalizados para solução desses conflitos. O homem politiza-se. Civiliza-se. É
esse o tema por excelência da filosofia política: como podem os indivíduos viver
juntos? A história e a filosofia dão mostras de que não é fácil a resposta para essa
questão, variando as respostas conforme as épocas e os povos. Às vezes, procurando
essa resposta, os homens cometem erros brutais.
Não obstante algumas desastradas experiências totalitárias, o mundo
ocidental contemporâneo tem procurado suas respostas na construção de Estados
democráticos de Direito, onde os conflitos individuais e coletivos podem ser resolvidos
por meio de mecanismos institucionais próprios, assegurando a todos – muitas vezes, no
mínimo, nominalmente4 – a condição de pessoa humana e de sujeito de direitos, com as
4 Aqui nossa idéia que a democracia não é necessariamente um sistema acabado, não sendo necessário
que a justiça social e a representação política tenham sido definitivamente alcançados para que se pudesse
falar num Estado Democrático de Direito. Dificilmente encontramos Repúblicas perfeitas, onde impere
sempre e acima de tudo a justiça. Muitas vezes, principalmente nas democracias incipientes, os Estados
Democráticos ainda estão em construção, caminhando cidadãos e governantes em direção a uma situação
adequada de representatividade política e justiça econômica. Os extremos são fáceis de descaracterizar
como Estados Democráticos de Direito, isto é, facilmente concluímos que estados em que impere a
miséria, o arbítrio, a anarquia, a fome, a corrupção, a impunidade, etc, não se caracterizam como tais. Mas
dificilmente encontramos no mundo situações perfeitas, em que os direitos dos cidadãos são plenamente
assegurados de forma igualitária e sem exclusão, ou então em que os governantes estejam sujeitos a um
controle perfeito, não havendo um mínimo espaço para impunidade, nem sendo possível a eles fugirem da
responsabilização por seus atos. A maioria das Repúblicas parece situar-se numa zona cinzenta,
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inerentes conseqüências: universalidade do voto, valorização do trabalho humano,
reconhecimento da cidadania, proteção do pluralismo político, tolerância com as
diferenças, promoção do bem de todos, busca da liberdade, da justiça e da solidariedade,
ausência de discriminação, etc.
Mesmo numa democracia, todavia, não é fácil encontrar o ponto de
equilíbrio e a medida de todas as coisas. As diferenças individuais, as distintas
aspirações de cada um e, principalmente, situações historicamente geradas e
consolidadas fazem com que muitos dos objetivos constitucionais encontrem
dificuldade para se concretizarem no cotidiano. A igualdade fica sendo apenas
meramente formal, a justiça se perde em discussões meramente semânticas, a
solidariedade não surge espontaneamente, o respeito mútuo cede lugar à cobiça
individual. A sociedade e suas instituições não conseguem satisfatoriamente dar conta
dos conflitos que surgem entre os indivíduos, e acaba prevalecendo a vontade de alguns
em detrimento daquilo que seria o bem de todos. As instituições passam a ter donos e
estes donos definem qual o ideal social a ser alcançado, que pode não refletir
necessariamente as aspirações de pluralismo, de tolerância e de não-discriminação que
permitiriam a felicidade nas vidas individuais.
Esses conflitos às vezes são latentes ou velados. Outras vezes estão
dissimulados nas práticas cotidianas ou então legitimados pelas próprias instituições ou
agentes de poder que os produzem e impõem, fazendo com que não sejam questionados
por terem uma origem desde tempos imemoriais. Outras vezes, a diferenciação é
explícita e adotada com objetivo de pretensa preservação social, não sendo aceita a
diferença e até mesmo sendo perseguida na tentativa de exterminá-la e assim garantir a
hegemonia de um determinado grupo, de uma determinada concepção ou de uma certa
forma de vida. O documentário “Homo Sapiens 1900”5, construído a partir de arquivos
de fotos e filmes, dá uma exata noção do que se está falando. Documentos oficiais
revelam idéias e teorias envolvendo a eugenia e a limpeza racial como formas de
“aperfeiçoar” a espécie humana e criar um novo homem, seja no totalitarismo de direita
(nazismo, onde a eugenia procurava o corpo perfeito), seja no totalitarismo de esquerda
(stalinismo, onde procurava a mente perfeita). O documentário mostra como, na
Alemanha, a limpeza racial passava pelo corpo, pela perfeição e beleza física, enquanto
na União Soviética, a eugenia tinha como foco o cérebro e o intelecto. O documentário
mostra como a manipulação biológica pode ser usada como arma para eliminar todos os
que não se adaptam ao “padrão racial” imposto por um modelo totalitário de ideal
humano.
Também Michel Foucault examina com minúcia esses mecanismos de
controle do indivíduo, apresentando o corpo como uma realidade biopolítica, a ser
implantando em seus ordenamento uma série de regras que, ao menos nominalmente, tendem para um
Estado Democrático de Direito. Isso não significa, entretanto, que tenham atingido aquela justiça social e
representatividade política que seria ideal, mas apenas que tendem para isso, que estão buscando construir
seus caminhos nessa direção, fazendo suas opções em busca de algum dia conquistarem um lugar assim.
Até lá, é preciso muita luta e muita vigilância por parte dos cidadãos e da sociedade, através de seus
órgãos e instituições, controlando o exercício do poder e buscando a responsabilização daqueles que não
cumpram, na prática, os mandamentos normativamente previstos quanto à observância de princípios
democráticos. Por isso, nossa ressalva quanto ao “mínimo nominal”...
5 HOMO SAPIENS 1900. Direção, Roteiro e Montagem: Peter Cohen. Fotografia: Peter Östlund e Mats
Lund. Suécia, Arte Factum, Swedish Television, The Swedish Film Institute, 1998. 1 filme, son., col., 85
min.
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controlado e moldado a um modelo ideal construído por alguns ou por muitos6. Sandra
Jathay Pesavento analisa como se dá a criação desses quase universos paralelos, entre
cidadãos e excluídos, nas cidades7 e na própria literatura
8.
No caso brasileiro, por exemplo, historicamente a higiene e a
sexualidade foram controladas e a medicina social era utilizada como instrumento
político, buscando aquilo que foi definido oficialmente como o ideal perfeito. Os
higienistas e a Igreja produziam um discurso que justificava as práticas adotadas e
criava papéis sociais para homens e mulheres, que deveriam ser desempenhados sob
pena de se ter uma indesejada situação de anomalia, que devia então ser medicada,
curada ou extirpada9.
A necessidade desse controle fez com que surgissem então os
anormais, os excluídos, os marginais, os loucos, os doentes, que eram aqueles que não
se enquadravam naquelas cômodas expectativas oficiais10
. Algumas vezes será preciso
combatê-los, mas noutras bastará segregá-los para longe, isolá-los e assim afastar o
perigo. Os exemplos históricos são muitos, alguns bastante recentes. A Inquisição
Católica destruía os elementos nocivos que punham em risco a fé oficial. Os índios
tinham que ser convertidos para serem salvos, destruindo-se assim sua forma de vida
para que ganhassem uma nova religião e o verdadeiro Deus. Os ritos religiosos dos
negros africanos eram proscritos e proibidos. O nazismo germânico procurou
exterminar as raças “inferiores” para purificar a humanidade. O stalinismo soviético
aniquilou os que poderiam ter idéias diferentes, como aliás sempre foi próprio de
qualquer ditadura ou totalitarismo, de esquerda ou de direita. Na época das epidemias e
pestes medievais, os doentes eram segregados e amaldiçoados. Também os portadores
de tuberculose e da hanseníase tinham seus dias de segregação e maldição, assim como
os loucos de todo o gênero e aqueles que eram assim classificados pela ciência então
6 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 3 vols. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, 1990 e
1985. _____. Microfísica do Poder. 11ª reimpressão. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1995. _____.
História da loucura. 4ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995. _____. Vigiar e Punir. 9ª edição.
Petrópolis: Vozes, 1991. _____. O Nascimento da clínica. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001.
7 É a situação da distinção, que recentemente ganha força nos estudos humanos, entre “cidadãos” e
“excluídos”, que é tratada em PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos
no final do século XIX. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. Para ela, “se, metaforicamente,
Deus tomara a iniciativa de instaurar a diferença, como nos revela o Antigo Testamento, os homens
foram de uma eficácia extraordinária na perseguição de tal tarefa, sofisticando as partilhas, delimitando
os espaços, dividindo os grupos, instituindo normas e conformando as práticas” (op. cit., pp. 7-8).
8 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. 2ª edição. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
9 BONATO, Nailda Marinho da Costa. Educação [sexual] e sexualidade: o velado e o aparente.
Dissertação de mestrado em educação. Rio de Janeiro, 1996.
10 Nesse sentido, “a cidade que se estrutura e constrói não o faz somente pela materialidade de suas
construções e pela execução dos serviços públicos, intervindo no espaço. Há um processo concomitante
de construção de personagens, com estereotipia fixada por imagens e palavras que lhes dá sentido
preciso. Os chamados indesejáveis, perigosos, turbulentos, marginais, podem ser rechaçados e
combatidos como o inimigo interno, ou, pelo contrário, podem se tornar invisíveis socialmente, uma vez
que sobre ele se silencia e nega a presença. Esses excluídos, não-cidadãos, formam os selvagens, ou
bárbaros de dentro. Eles se opõem à cidade que se quer e que deve se aproximar, em maior ou menor
grau, da matriz civilizatória desejada” (PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos
excluídos no final do século XIX. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001, p. 12-3).
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13
vigente. Em outros casos, percebe-se um tratamento diferenciado entre o cidadão e o
excluído, entre quem pode ser socialmente útil (o recém-chegado imigrante europeu) e
aquele que é apenas um fardo social (o recém-liberto escravo africano)11
.
Tudo isso traz problemas no âmbito individual e, principalmente, dá
origem a conflitos praticamente insolúveis entre os envolvidos, se consideradas apenas
as regras aplicáveis às situações de normalidade. Esses conflitos existem e são
inevitáveis. Alguns foram criados por situações históricas que se perdem no tempo (o
problema da escravidão africana na América; a destruição das culturas indígenas da
América; os conflitos entre israelenses e palestinos; a política exterior norte-americana e
os interesses dos outros povos autodeterminarem-se e buscarem as soluções mais
apropriadas; os imigrantes que buscam trabalho na Europa e a resistência dos europeus
à mão-de-obra estrangeira; os nacionalismos; o terrorismo, etc). Mas não importa mais
as origens nem as causas desses problemas e conflitos. O que agora é essencial é
buscarem-se soluções. Como dar conta dessas situações? Como resolver ou, ao menos,
diminuir esses conflitos?
A abordagem das situações de anormalidade institucional, provocadas
por calamidades públicas sanitárias, coloca questões que estão presentes no
equacionamento dessas questões. As situações não são idênticas, mas há uma
semelhança entre elas, porque todas se originam do conflito havido entre pretensões
individuais de felicidade, chocando-se indivíduo e coletividade.
Por exemplo, no caso de uma epidemia altamente contagiosa, será
preciso equacionar o direito do doente à vida e à liberdade (indivíduo), e o mesmo
direito dos ainda não-contaminados (coletividade)12
. São necessários instrumentos
jurídicos capazes de, num quadro de grave emergência sanitária, sem tempo para as
deliberações próprias do processo democrático, assegurar a vida e a dignidade dos
11 Nesse sentido, “a febre amarela, flagelo dos imigrantes que, esperava-se, ocupariam o lugar dos
negros nas lavouras do Sudeste cafeeiro, tornou-se o centro dos esforços de médicos e autoridades.
Enquanto isso, os doutores praticamente ignoravam, por exemplo, uma doença como a tuberculose, que
eles próprios consideravam especialmente grave entre a população negra do Rio. A intervenção dos
higienistas nas políticas públicas parecia obedecer ao mal confessado objetivo de tornar o ambiente
urbano salubre para um determinado setor da população. Tratava-se de combater as doenças hostis à
população branca, e esperar que a miscigenação – promovida num quadro demográfico modificado pela
imigração européia – e as moléstias reconhecidamente graves entre os negros lograssem o
embranquecimento da população, eliminando gradualmente a herança africana da sociedade brasileira”
(CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996, p. 8-9).
12 José Saramago explorou essas possibilidades, numa obra literária, mostrando como seria uma
quarentena e as conseqüências disso para a vida social e individual. No início da quarentena, quando os
primeiros contaminados são confinados, é preciso decidir por um líder: “Disse a rapariga, O melhor seria
que o senhor doutor ficasse de responsável, sempre é médico, Um médico para que serve, sem olhos nem
remédios, Mas tem a autoridade. A mulher do médico sorriu, Acho que deverias aceitar, se os mais
estiverem de acordo, claro está, Não creio que seja boa idéia, Porquê, Por enquanto só estamos aqui
estes seis, mas amanhã de certeza seremos mais, virá gente todos os dias, seria apostar no impossível
contar que estivessem dispostos a aceitar uma autoridade que não tinham escolhido e que, ainda por
cima, nada teria para lhes dar em troca do seu acatamento, e isto ainda é supor que reconheceriam uma
autoridade e uma regra, Então vai ser difícil viver aqui, Teremos muita sorte se só for difícil. A rapariga
dos óculos escuros disse, A minha intenção era boa, mas realmente o senhor doutor tem razão, cada um
vai puxar para o seu lado” (SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 14ª reimpressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 53).
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14
indivíduos envolvidos, e ainda permitir o mais rápido retorno à normalidade, mesmo
que às vezes isso implique alguns sacrifícios.
2.3. A tensão entre fatos e normas:
Como geralmente acontece, as regras constitucionais e legais tratam
prioritariamente das situações de normalidade institucional. Aquilo que ordinariamente
acontece (e deveria acontecer) é a matéria-prima que constituintes e legisladores
utilizam na sistematização das regras de uma determinada coletividade.
Entretanto, só isso não basta13
. É preciso também tratar de situações
excepcionais, onde medidas excepcionais serão permitidas justamente para evitar a
ruptura completa da normalidade e assim preservar aquele curso de vida, que se entenda
necessário para satisfação dos anseios humanos. Muitas vezes, os fatos mostram-se
rebeldes à generalidade das regras e, por isso, as regras precisam alcançar também esses
fatos anormais (exceções)14
, sob pena de perderem sua função de reguladoras das
condutas humanas. Se a regra não previsse o espaço para sua exceção, haveria vácuo
normativo no momento - de extrema gravidade - em que a esperada normalidade (a
regra geral) não basta15
. Assim, quando a regra prevê também sua exceção, evita-se
13 Nesse sentido, “a Constituição deve afirmar-se não só em tempos normais, mas também em situações
de emergência e de crise. Se ela não providencia para o vencimento de tais situações, então aos órgãos
responsáveis, no momento decisivo, não resta outra possibilidade que esta, de passar por cima da
Constituição” (HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da
Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 528). Por isso, “a Constituição deve, por
conseguinte, por um lado criar a possibilidade de opor-se, no caminho do direito, às situações de
exceção que podem ser predeterminadas só dificilmente em particular, que não se deixam vencer com
meios jurídico-constitucionais normais; ela deve, por outro lado, proteger contra isto, que a
concentração de poder, que o estado de exceção requer, não seja mantida mais além da duração da
situação de exceção e abusada para isto, eliminar a ordem constitucional normal” (HESSE, Konrad.
Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1998, pp. 528-529).
14 Nesse sentido, tratando das estruturas de exceção, diz-se que elas incorporam o direito de necessidade
ao ordenamento constitucional: “Qualquer que seja o enunciado lingüístico e qualquer que seja a pré-
compreensão dos autores relativa ao „direito de exceção‟, o leque de questões subjacente à
constitucionalização do regime de necessidade do Estado reconduz-se fundamentalmente ao seguinte:
previsão e delimitação normativo-constitucional de instituições e medidas necessárias para a defesa da
ordem constitucional em caso de situação de anormalidade que, não podendo ser eliminadas ou
combatidas pelos meios normais previstos na Constituição, exigem o recurso a meios excepcionais.
Trata-se, por conseguinte, de submeter as situações de crise e de emergência (guerra, tumultos,
calamidades públicas) à própria Constituição, „constitucionalizando‟ o recurso a meios excepcionais,
necessários, adequados e proporcionais, para se obter o „restabelecimento da normalidade
constitucional‟” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra:
Livraria Almedina, 1987, p. 851).
15 Nesse sentido, “incorporação constitucional de uma disciplina extraordinária para situações de
emergência significa que se pretende não apenas uma causa de justificação eventualmente excludente de
culpa por fatos ou medidas praticadas para defender a ordem constitucional (o que pressupõe a sua
„ilicitude constitucional‟) mas uma causa justificativa que exclua a idéia de ilicitude dos mesmos fatos ou
medidas (o que implica, desde logo, o reconhecimento do direito e dever das autoridades
constitucionalmente competentes para recorrer a meios excepcionais, necessários, adequados e
proporcionais para afastar perigos graves ou situações de crise que ameaçam a ordem constitucional
democrática). A „constitucionalização‟ do direito de necessidade estadual considera-se a solução mais
conforme com a „idéia constitucional‟, porque é preferível ser a Constituição a consagrar e a definir os
pressupostos dos estados de exceção, a ter de recorrer-se a princípios de necessidade extra ou
supraconstitucional, susceptíveis de manipulação a favor de uma qualquer „razão de Estado‟ ou de
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15
dispêndio desnecessário de energia em momentos de crise e instituem-se mecanismos
normativos, dentro do próprio sistema, para sua preservação e higidez16
. Como dito em
obra clássica sobre o tema, “essa ordem especial se caracteriza por uma concentração
temporária do poder sem que haja ruptura da legalidade. Antes uma legalidade
excepcional se substitua à legalidade ordinária, por tempo certo”17
.
Para compreender a distinção entre a legalidade ordinária e a
legalidade de exceção, é preciso compreender que ambas não estão num mesmo plano
lingüístico. A legalidade ordinária é como uma linguagem natural, considerada como
aquela que dá conta das situações de normalidade institucional. Já o discurso sobre uma
legalidade de exceção, embora inserido dentro das próprias regras da legalidade, está
num plano metalingüístico, porque dá conta de situações excepcionais, que não são
aquelas propriamente previstas pela legalidade ordinária. Ou seja, quando se diz que as
“regras” são de regras de exceção, não se está deixando de dizer que elas são regras,
porque afinal estão previstas. Apenas se está afirmando que elas atuam num plano
distinto daquele da legalidade ordinária, que dá conta de situações ordinárias. Previstas
no mesmo ordenamento, essas regras de exceção alcançam situações específicas (onde
as regras ordinárias não foram suficientes), não atuando como regras gerais para os
casos gerais, mas como regras específicas para situações específicas normativamente
„segurança e ordem pública‟, invocada por „chefes‟ ou „governos‟ (a idéia clássica de ditator anda
precisamente associada a situações de necessidade) sem qualquer arrimo normativo constitucional”
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Livraria Almedina,
1987, pp. 851-852).
16 Aqui cabe utilizar a lição de Carl Schmitt, que comparava a exceção na política ao milagre na teologia,
o que permitirá aqui compreender a distinção lógica existente entre uma regra geral e as regras de sua
exceção, permitindo que se perceba a distinção metalingüística envolvida quando se trata de evidenciar a
insuficiência da regra geral para dar conta dos fatos reais, o que evidencia essa tensão entre fatos e
normas que agora é tratada. Para esse autor, é soberano quem pode ditar a regra da exceção, abrindo uma
brecha na normalidade das leis jurídicos, da mesma forma que o santo era aquele que era capaz de
produzir um milagre, abrindo uma brecha na normalidade das leis físicas. Tratando do estado de exceção,
Carl Schmitt refere: “Assim que essa condição se instala, torna-se claro que o Estado continua existindo,
enquanto o direito recua. Como o Estado de exceção ainda é algo diferente da anarquia e do caos, no
sentido jurídico a ordem continua subsistindo, mesmo sem ser uma ordem jurídica. A existência do
Estado mantém, nesse caso, uma indubitável superioridade sobre a validade da norma jurídica. A
decisão liberta-se de qualquer ligação normativa e torna-se, num certo sentido, absoluta. No caso da
exceção o Estado suspende o direito em função de um, por assim dizer, direito à auto-preservação. Os
dois elementos do conceito „ordem jurídica‟ chocam-se entre si e provam sua independência conceitual.
Como no caso normal, em que o momento independente da decisão pode ser reduzido a um mínimo, no
caso da exceção a norma é eliminada. Mesmo assim, o caso de exceção continua acessível ao
reconhecimento jurídico, porque ambos os elementos, tanto a norma quanto a decisão, permanecem no
âmbito jurídico. (...) A exceção é o que não se pode acrescentar; ela subtrai-se à constituição geral, mas
ao mesmo tempo revela um elemento formal jurídico específico, em sua pureza absoluta, que é a decisão.
O caso excepcional só entra em sua forma absoluta quando, primeiro, é criada uma situação na qual as
normas jurídicas possam ser validadas. Toda norma geral exige uma condição normal das relações de
vida, nas quais ela tem que encontrar a sua aplicação tipificada e submetê-la à sua regulamentação
normativa. A norma precisa de um meio homogêneo. Essa normalidade efetiva não é só uma
„pressuposição externa‟ que pode ser ignorada pelo jurista; ela pertence à sua validade imanente. Não
existe norma aplicável no caos. A ordem deve ser implantada para que a ordem jurídica tenha um
sentido. Deve ser criada uma situação normal, e soberano é aquele que decide, definitivamente, se esse
Estado normal é realmente predominante” (SCHMITT, Carl. A crise da democracia parlamentar. São
Paulo: Scritta, 1996, pp. 92-3).
17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1964, p. 22.
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16
delimitadas. Essa natureza eminentemente metalingüística do discurso sobre os dois
tipos de legalidade não pode ser esquecida, sob pena de ser obscurecida a distinção de
planos lógicos existentes entre uma regra e suas exceções.
Essa distinção entre regra e exceção fica bem caracterizada no
tratamento da exceção sanitária em nosso ordenamento jurídico, onde a regra geral é a
democracia. A Constituição é democrática. O Estado é democrático e quer se manter
democrático. Numa democracia, as mudanças se dão de forma gradual, com amplo
debate público, com possibilidade de exercício das prerrogativas da liberdade de cada
um, com direito à participação e opinião. Conseqüentemente, democracia exige tempo,
esforço, paciência, tolerância, construção. Os espaços públicos precisam ser criados,
nutridos e consolidados. É preciso o pluralismo de idéias, evitando-se
fundamentalismos. Precisa haver espaço para acomodação individual diante do social e
do coletivo. Isso não se consegue pela força, mas através da discussão, esclarecimento,
deliberação, tolerância.
Mas a complexidade crescente do mundo contemporâneo faz com que
o tempo seja escasso. As tecnologias surgem e tornam-se obsoletas em pouco tempo. Os
produtos já nascem descartáveis. A globalização faz tudo muito veloz: comunicações,
transportes, moda, economia, consumo, fluxo de capitais e idéias, etc. O avanço
genético e as descobertas da ciência colocam nas mãos do homem a possibilidade de
manipular a natureza e buscar nessas combinações soluções para seus problemas, quase
como se brincasse de ser um Criador de mundos e de criaturas.
O homem não é, todavia, um Criador onipotente e onisciente, porque
muito ainda é desconhecido e os avanços no seu conhecimento fazem cada vez maiores
suas dúvidas e suas possibilidades, e com isso maiores suas responsabilidades e maior o
risco a que expõe a si, seus semelhantes e seus descendentes. Ao mesmo tempo em que
manipula a vida e os processos biológicos, o homem ainda não sabe exatamente aonde
isso pode conduzi-lo e que efeitos trará para as gerações de amanhã. Aumenta cada vez
mais o risco de perder o controle desses processos, acontecendo uma situação como
aquela poeticamente retratada no filme infantil “Aprendiz de Feiticeiro”, um desenho
animado de Walt Disney, baseado num poema de J. W. Goethe18
.
Esse descontrole quanto à realidade pode ocorrer por acidente (os
acidentes nucleares de Goiânia e Chernobyl; a talidomida), ou por deliberada intenção
de utilizar os fenômenos químico-biológicos como armas (o agente laranja nas guerras
na Ásia; o gás sarin em Matsumoto e Tóquio19
; o anthrax nos Estados Unidos)20
.
18
Nesse desenho animado (FANTASIA 2000: O Aprendiz de Feiticeiro. Edição: Jessica Ambinder
Rojas e Lois Freeman. Walt Disney Home Video, 2000. 1 filme, 75 min, son., color), Mickey Mouse
interpreta um incauto aluno das artes mágicas que, aproveitando a ausência do mestre, resolve aplicar um
feitiço às escondidas. Faz com que uma vassoura crie pernas e braços, pegue um balde e vá buscar água
no rio, desempenhando assim a tarefa que competia ao aprendiz. Tudo corre bem até que o aprendiz
percebe que não sabe as palavras mágicas para fazer com que a vassoura pare. A cada momento, mais
água ela traz para casa. Tentando evitar uma inundação, o rapaz tem a infeliz idéia de destruir a vassoura
com um machado, e parte-a ao meio. Agora as duas metades vão buscar água, duplicando a quantidade
trazida e cada vez mais piorando a situação. No último momento, o mestre reaparece e resolve a situação,
evitando que Mickey Mouse fosse afogado pelas forças sobrenaturais que pôs em movimento mas,
infelizmente, não sabia controlar.
19 Nesse sentido, “on 20 March 1995, a terrorist group launched a coordinated attack with the nerve gas
sarin on commuters on the Tokyo subway system. This highly publicized attack killed 12 people and
caused over 5 000 to seek care. Without the prompt and massive emergency response by the Japanese
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17
Portanto, nem sempre os fatos vão deixar espaço e tempo para aquela
acomodação que a normalidade institucional exige. Não se conhece a existência de uma
“válvula de segurança” na natureza, que garantisse o homem contra seus erros e sua
ganância. Poderão ocorrer situações em que os homens percam o controle dos fatos
diante da natureza modificada, que então não é mais conhecida nem previsível em seus
efeitos, porque manipulada. Aqui, um controle posterior da atuação humana se mostrará
inviável e inútil. As causas já terão sido produzidas e os efeitos não poderão ser
evitados. A observância integral dos processos democráticos, próprios da normalidade
institucional, estará inviabilizada. Não haverá tempo para discussão pública das
questões, nem espaço para mudanças legislativas.
Nessas situações de anormalidade e emergência, as alternativas serão
ou perecer ou defender21
. Quando ocorrem essas mudanças bruscas e imprevistas, o
melhor resultado será aquele que reduza ao máximo as perdas e devolva o caminho à
normalidade institucional. Isso somente poderá ser retomado com a adoção de medidas
excepcionais, que aparentemente suprimem direitos e garantias individuais, mas o
fazem de forma justificada, proporcional e razoável. A Constituição reconhece que a
democracia é o melhor caminho, mas nem sempre ela conseguirá sozinha manter o
curso da normalidade institucional. A democracia quer preservar a si própria, e isso
significa preservar os indivíduos e suas vidas, porque a democracia não basta em si
mesma, nem é fim único ou supremo. Ela somente se justifica no instante em que
assegura a dignidade da pessoa humana e garante a cada indivíduo o máximo possível
de condições para alcançar uma situação de felicidade individual e de bem coletivo. A
democracia só se justifica porque ela é a forma mais efetiva que temos acesso para (ao
authorities, and some fortunate mistakes by the terrorist group, the incident could have been much more
devasting. While this is the most widely publicized incident of this type, it is not the first nerve-gas attack
in Japan. In June 1994, 7 people were killed and over 300 injured in an attack by the same group on a
residential apartment building in Matsumoto” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health
response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001,
p. 52).
20 Nesse sentido, “na maioria dos casos, a aquisição de capacidade nuclear exige um gigantesco
investimento financeiro: há dificuldades para se obter os componentes e as técnicas e as instalações
precisam ser imensas – e, por isso, logo são identificadas. Por outro lado, uma arma biológica pode ser
preparada com poucos recursos, em instalações pequenas (até mesmo na carroceria de um caminhão) e
transportada com facilidade”, sendo que “a guerra biológica é especialmente conveniente para os países
menos desenvolvidos e os grupos terroristas. No dia em que uma dessas armas for usada, os mortos
certamente serão contabilizados na casa das dezenas ou centenas de milhares – sobretudo se o agente for
a varíola ou alguma forma de peste” (SIMONS, Lewis M. Armas de destruição maciça: Um novo e
sinistro capítulo do pior legado do século 20. In: Revista National Geographic (edição brasileira), São
Paulo, Editora Abril, ano 03, nº 31, p. 47, novembro de 2002).
21 Nesse sentido, “os fatos têm (...) forçado a edição da norma jurídica. Nem seria possível que, em face
da necessidade, da crise, da urgência, da emergência, para atender a situações excepcionais, o regime se
mostrasse incapaz de agir. Daí a teoria das emergências constitucionais, que embora apresente riscos
graves, não pode deixar de ser elaborada, sob pena de possibilitar o risco ainda mais grave da
subversão do regime. Nessa perplexidade – entre a hipótese de prever a emergência e vê-la utilizada com
ou sem real necessidade e conveniência, o que será sempre difícil distinguir, na realidade, e correndo o
risco de não retornar, facilmente, à normalidade; e a hipótese de não a prever, com o risco da subversão
e dissolução do regime, pela vitória, sobre ele, das forças, internas ou externas, que o enfrentam e
minam; claro que a democracia só poderia optar pelo risco menor da primeira alternativa” (CORRÊA,
Oscar Dias. A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de Janeiro: Presença,
1980, p. 24).
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menos) tentar assegurar a vida individual de todos. A democracia não se confunde com
a aplicação pura e simples da regra da maioria22
.
Diante da emergência, o Estado tem que se preservar, não porque seja
um fim em si mesmo, mas porque é meio para preservar outro fim: a vida social, que
permite a manutenção das vidas individuais da melhor forma possível23
.
3. CALAMIDADES PÚBLICAS SANITÁRIAS
3.1. O uso do termo “calamidade” na Constituição de 1988:
Antes de examinarem-se as possíveis respostas constitucionais às
calamidades públicas sanitárias, é conveniente precisar o significado desse conceito, o
que será feito a partir do texto constitucional e da linguagem ordinária.
No texto da Constituição Federal de 1988, a idéia de “calamidade
pública” está presente nos arts. 21-XVIII, 136 e 148-I, onde há explícita menção àquela
hipótese.
No art. 21-XVIII da CF/88 é atribuída competência à União para
“planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas,
especialmente as secas e as inundações” (grifou-se). Embora sejam enumeradas as
secas e as inundações como exemplos específicos de calamidades públicas, o conceito
fica aberto a outras situações que constituam calamidade pública, havendo então espaço
para o intérprete constitucional incluir outras situações fáticas no conceito
constitucional de calamidade pública, como seria o caso dos acidentes ou desastres
sanitários. O texto constitucional não traz aqui nenhuma indicação do que seria
necessário para a configuração de uma situação de calamidade pública, apresentando
apenas duas hipóteses que pretende ressaltar no texto constitucional, provavelmente
22 Nesse sentido, é dito que a simples regra da maioria, à semelhança do princípio da legalidade e demais
princípios fundamentais à plenitude e legitimidade do Estado de Direito, é parte de uma conflitiva e
jamais acabada ordem democrática, porque “a democracia exige a vigilância constante de suas formas e
seus princípios” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2ª edição. São Paulo:
Editora Max Limonad, 2000, p. 123). Daí sua conclusão de que “o maior número tem sempre essa
característica: suplantar a autoridade, abater a tirania. Mas também representa, de outra parte, ele
mesmo a autoridade e a opressão à minoria. Por isso, compatibilizar a regra da maioria com os
princípios da democracia significa ver nela apenas um dos elementos para a busca do consenso. O passo
preliminar para a democracia mais ampla” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia.
2ª edição. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000, p. 124).
23 Não se pense, entretanto, que é fácil o caminho da legalidade de exceção. Existem muitos riscos na sua
adoção, que somente se justificam porque são maiores os perigos da ausência completa da legalidade nas
relações estatais. Sobre os riscos dessa legalidade excepcional, já foi dito que “a defesa da constituição
por métodos drásticos, que se opera com maior ou menor eficiência pelo estado de sítio, pela lei marcial
ou por qualquer outro sistema, não vai sem perigos. O recurso à força gera reação pela força que pede
mais força. Um círculo vicioso pode então ocorrer que aprofunde as dissensões em lugar de reduzi-las.
Por outro lado o poder embriaga e o fortalecimento do poder decorrente do arsenal de medidas
excepcionais desacostuma o governante da rotina e dos entraves da vida normal. Há, pois,a tentação de
transformar o recurso excepcional em meio de rotina. Servir-se da garantia contra o garantido”
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1964, p. 25).
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pela ocorrência freqüente desses fatos da natureza (secas e inundações), que são comuns
em algumas regiões do País, trazendo sérios danos à população civil24
. Basta
acompanhar os noticiários da imprensa, que periodicamente divulgam situações de
calamidade pública em razão de chuvas intensas ou de seca prolongada. A menção a
essas situações, cuja ocorrência chega a ser previsível em determinadas regiões do País,
dada sua ocorrência histórica frequente, evidencia que a previsibilidade do evento não é
fator determinante para identificação da matriz do conceito constitucional de
calamidade pública, tanto que se fala em “defesa permanente” contra essas calamidades
públicas. Daí a conclusão de que não é a imprevisibilidade do evento que o faz uma
“calamidade pública”, mas o seu alcance: os efeitos que o evento produz, os danos que
causa, sejam previsíveis, previstos, imprevisíveis ou imprevistos. Além disso, o que se
pode extrair dessa menção constitucional é a qualificação de “pública” que acompanha a
situação de calamidade. Não está o constituinte precipuamente preocupado com a
situação pessoal dos atingidos pela calamidade, mas com seu caráter “público”, isto é, o
fato de extrapolar os interesses individuais e privados de determinado grupo de pessoas,
alcançando a coletividade como um todo, tendo um alcance de “calamidade pública”.
Então, da norma do art. 21-XVIII da CF/88 podemos extrair dois elementos relevantes
para a identificação da matriz constitucional do conceito: (a) não importa para a
definição de “calamidade pública” que ela seja imprevisível ou imprevista, não sendo
relevante sua previsibilidade para sua caracterização; (b) ela tem uma dimensão
“pública”, alcançando suas conseqüências não apenas os interesses individuais ou
privados de uma determinada pessoa ou coletividade.
No art. 136 da CF/88 é atribuída ao Presidente da República a
possibilidade de “decretar estado de defesa para preservar ou prontamente
restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social
ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por
calamidades de grandes proporções na natureza” (grifou-se). Nesse artigo, a menção à
calamidade é feita de forma mais específica, indicando os elementos pertinentes à sua
identificação. Novamente aqui não interessa a possibilidade de previsão da situação de
calamidade, mas sua efetiva ocorrência. O que importa são os efeitos que podem ser
produzidos ou que efetivamente foram produzidos pelos fatos, que são graves a ponto
de perturbarem a ordem pública ou a paz social. As conseqüências que os fatos da
natureza podem trazer é o que vai importar para a configuração da hipótese
constitucional, estando explícita que a calamidade é um fato de “grandes proporções na
natureza”. Não é necessário que ela alcance todo o território nacional, sendo possível
ser localizada e determinada, desde que exista com suficiente força para provocar um
abalo na ordem institucional, seja pela sua gravidade, seja pelos riscos iminentes de sua
expansão a outras regiões e outras pessoas. A norma constitucional não prevê o estado
24 Nesse sentido, referindo-se à dispositivo semelhante na ordem constitucional anterior, diz-se que o
destaque a essas situações tem “sua razão histórica nas condições ambientais em que se processou o
desenvolvimento populacional brasileiro: de um lado, a persistência sertaneja no vencer a adversidade
climática do Nordeste; e de outro, a frequência dos surtos de moléstias tropicais, grassando em muitas
regiões, desde os tempos do Brasil-Colônia. O princípio evolui a partir de uma fórmula mais ampla, a
dos „socorros públicos‟, garantidos expressamente na Constituição do Império (art. 179, XXXI), jurada a
1824. Nota-se, a princípio, nesse tipo de auxílio, o comportamento fatalista religioso diante dos males da
natureza, castigos de Deus para porem à prova o espírito de solidariedade e liberalidade. A Carta de Lei
Imperial é mandada observar „em nome da Santíssima Trindade‟ e, nas falas do Trono, Dom Pedro II dá
graças à Divina Providência pela volta da tranqüilidade, após as secas, e por não haverem sido „das
mais mortíferas‟ as epidemias” (OLIVEIRA, Moacyr. Calamidade: seu regime constitucional. Revista
de Informação Legislativa, Brasília, a. 20, n. 80, outubro-dezembro de 1983, p. 114.
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de defesa apenas como situação de repressão a fatos já ocorridos (reparar conseqüências
já causadas), mas também há preocupação com a ameaça, com a iminência da
ocorrência das conseqüências prejudiciais. Embora não se fale em “calamidade pública”
no art. 136 da CF/88, essa qualificação é implícita dadas as conseqüências que podem
advir desses fatos da natureza para as pessoas e para a própria ordem institucional.
Então, da norma do art. 136 da CF/88 podemos extrair os seguintes elementos,
relevantes para a definição da matriz constitucional do conceito: (a) não importa que ela
seja imprevisível ou imprevista; (b) ela tem uma dimensão ampla, importando que suas
consequências danosas colocam em risco a ordem pública ou a paz social; (c) não é
necessário que ela esteja efetivamente causando danos ou prejuízos (caráter repressivo
do conceito), mas é suficiente que exista uma grave e fundada ameaça de que esses
danos ou prejuízos venham a ser causados (caráter preventivo do conceito), sendo
suficiente a iminência de suas conseqüências para sua configuração constitucional.
Obviamente, é preciso que os eventos já estejam se manifestando, que já tenha atingido
a coletividade, o que não significa que seja necessário já ter iniciado a produção de
danos.
Por fim, no art. 148-I da CF/88 é atribuída competência tributária à
União Federal para instituir empréstimos compulsórios “para atender a despesas
extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência”. Aqui vai interessar o alcance das conseqüências que a calamidade pública
está causando, mas se reduz a possibilidade dessa tributação para atender despesas
decorrentes da iminência de uma calamidade pública. Ao contrário das demais
situações, em que as medidas tomadas pelo Poder Público envolvem não apenas o
enfrentamento imediato de uma situação de calamidade, mas também sua iminência, no
caso do empréstimo compulsório a autorização constitucional limita-se àquelas
situações em que efetivamente ocorra a calamidade pública e sejam necessárias
“despesas extraordinárias” para justificá-la. A menção constitucional à situação de
iminência é limitada à guerra externa, não alcançando as situações de calamidade
pública. O empréstimo compulsório só pode ser instituído quando existam efetivamente
despesas extraordinárias decorrentes da calamidade pública, afastando-se a tributação
“preventiva”. Isso ocorre provavelmente porque aquelas calamidades públicas que são
previsíveis ou previstas não necessitam de uma tributação extraordinária e excepcional,
como é o caso do empréstimo compulsório. O constituinte quer aqui forçar o
administrador a incluir essas situações (previstas ou previsíveis) no próprio orçamento
ordinário das despesas públicas, prevendo ali as respectivas receitas, sem necessidade
de instituição de tributação excepcional para tal cobrança, limitando assim a fúria fiscal
dos Poderes Públicos e evitando que a tributação excepcional fosse utilizada para
atender despesas ordinárias perfeitamente previsíveis dentre as atribuições dos Poderes
Públicos. O que interessa do conceito, entretanto, para a fixação da sua matriz
constitucional, é que a calamidade continua tendo aqui aquela dimensão pública, que
extrapola interesses privados e localizados, alcançando uma dimensão coletiva, cujas
dimensões e consequências não poderão ser enfrentadas tão-somente pelas receitas
tributárias ordinárias, sendo necessárias providências excepcionais e temporárias para o
enfrentamento das despesas e da situação de calamidade. Há também menção à
“calamidade pública” no art. 167-§ 3º da CF/88, que estabelece que “a abertura de
crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública,
observado o disposto no art. 62”. Essa possibilidade de abertura de crédito
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extraordinário, é menos drástica que o empréstimo compulsório, e por isso não se
necessita de lei complementar para tanto, bastando a utilização de medida provisória.
Ainda é conveniente mencionar o art. 5º-XXV da CF/88, que permite
à autoridade competente usar de propriedade particular “no caso de iminente perigo
público”, assegurando ao proprietário ulterior indenização no caso de causação de dano.
Embora não exista na referida norma constitucional menção à situação de calamidade
pública, verifica-se que a situação de “iminente perigo público” contém aquelas
relativas às calamidades públicas, sendo obviamente mais extensiva que esta. Toda a
calamidade pública envolve uma situação de “iminente perigo público”, mas nem toda
situação de “iminente perigo público” pode ser configurada como calamidade pública.
Há uma escala crescente, indo do menor (iminente perigo público) para o maior
(situação de calamidade pública), sendo relevante para determinação das duas situações
o alcance das conseqüências que os fatos da natureza podem causar no âmbito coletivo e
social (público). A requisição de propriedade particular do art. 5º-XXV da CF/88 serve
como um mini-estado de defesa, para situações emergenciais em que há risco para a
coletividade e então a autoridade pública deve intervir, preventivamente, para evitar a
ampliação das conseqüências dos fatos.
3.2. O significado do termo “calamidade” nos dicionários:
Deixando de lado o texto constitucional e procurando na linguagem
natural o significado do termo “calamidade”, com vistas à definição do seu conceito,
percebe-se que há um conceito paralelo à calamidade, que deve também ser
considerado. É a idéia de “catástrofe”. É conveniente destacar os significados das duas
expressões (calamidade e catástrofe), porque isso vai ser relevante depois para se
precisar as razões pelas quais a Constituição Federal optou por “calamidade”, e não
“catástrofe”.
Dentre os dicionários disponíveis para a língua portuguesa, os dois
mais completos parecem ser o Aurélio e o Houaiss, que contam com reconhecida
aceitação na comunidade acadêmica, como repositórios da língua vernácula. O
Dicionário Aurélio25
assim apresenta os dois verbetes:
“CALAMIDADE. [Do lat. Calamitate.] S. f. 1. Desgraça pública;
catástrofe, flagelo: “É a Guerra aquela calamidade composta de
todas as calamidades, em que não há mal algum, que ou se não
padeça, ou se não tema” (Pe. Antônio Vieira, Sermões, XIV, p. 9). 2.
Grande desgraça; infelicidade, infortúnio: A morte do pai foi para ela
uma calamidade. 3. Fam. Coisa ou pessoa caracterizada por
defeito(s) ou inconveniente(s); desgraça: O tráfego no Rio é uma
calamidade; Rubião, com aquela verborragia, é uma calamidade”.
“CATÁSTROFE. [Do gr. Katastrophé, „desordem‟, „ruína‟, desenlace
dramático‟, pelo lat. Tard. Catastrophe.] S. f. 1. Acontecimento súbito
de conseqüências trágicas e calamitosas. 2. Fig. Grande desastre ou
desgraça; calamidade. 3. Teatr. Na tragédia clássica, conclusão ou
consumação da ação trágica; acontecimento principal, decisivo e
25 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI (O Dicionário da Língua
Portuguesa). 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
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culminante da tragédia, no qual a ação se esclarece inteiramente, e se
estabelece o equilíbrio moral. [CF/88. catástase.] 4. Teatr. P. ext. O
fim funesto decorrente da ação trágica”.
Já o Dicionário Houaiss26
assim os apresenta:
“CALAMIDADE. s.f. (1585 JLemH fº 8v) 1 grande perda, dano, desgraça,
destruição,esp. a que atinge uma vasta área ou grande número de
pessoas; catástrofe 2 fig. grande infortúnio ou infelicidade pessoal a
perda do filho foi uma c. para ele 3 fig. iron. algo ou alguém que
aflige ou incomoda por ter graves defeitos ou inconvenientes o
ensino público está uma c. o elenco do filme é uma c. c. pública
1 JUR interrupção da vida normal de uma coletividade, por efeito de
desgraça pública, catástrofe ou desastre decorrentes de fenômenos
naturais ou de lutas armadas 2 fig. joc. algo ou alguém que perturba
ou transtorna a vida dos outros tinha uma sogra que era uma c.
pública ETIM lat. calam tas, tis 'calamidade, desgraça, desastre;
perda das colheitas causada pela geada'; ver calam(i/o)-; f.hist.
c1596 calamjdade SIN/VAR ver sinonímia de catástrofe”.
“CATÁSTROFE. s.f. (1679 cf. AVSerm) 1 acontecimento desastroso de
grandes proporções, ger. relacionado a fenômenos naturais, que
provoca morte e destruição as últimas tempestades no Rio causaram
uma c. sem igual 2 p.ana. qualquer acidente de grandes proporções
c. aérea 3 p.ext. acontecimento de conseqüências graves a falência
da firma foi uma c. 4 ECO grande distúrbio, único ou raro, ao qual a
comunidade não se encontra adaptada, e que ger. envolve grande
mortalidade e destruição; ecocatástrofe cf. desastre ( ) 5 GEOL
m.q. 6 TEAT acontecimento funesto e decisivo que, na
tragédia clássica, provocava o desenlace da ação cf. catástase
ETIM gr. katastroph ,ês 'agitação, transtorno, ruína, desastre', lat.tar.
catastr pha,ae 'mudança de fortuna para o bem ou para o mal,
desenlace, solução; desfecho no fim de um poema ou de uma
composição teatral', prov. pelo fr. catastrophe (1552) 'fim, desenlace,
desfecho, final feliz ou infeliz'; hist. 1679 catastrophe, 1698 catastrofe
SIN/VAR açoite, calamidade, cataclismo, desastre, estrago, flagelo,
funestação, hecatombe, praga, tragédia”.
Embora a distinta etimologia dos verbetes (um é latino e outro grego)
e a menção a serem sinônimos, é possível perceber-se uma sutil distinção semântica
entre ambos os verbetes, que dá uma pista segura sobre a opção constitucional por
“calamidade”, em detrimento de catástrofe. O verbete “catástrofe” está mais associado
ao aspecto emocional da ocorrência, à dimensão temporal do evento. Uma catástrofe
geralmente se concentra num instante, num momento único. Embora seus efeitos e
conseqüências possam ser duradouros, quando se diz de algo que é uma “catástrofe”,
geralmente o que se quer enfatizar é o instante em que ocorrem os fatos, o momento em
que os danos, a morte, a destruição, muito intensos, estão sendo causados. Já o verbete
“calamidade” tem uma carga emocional que se prolonga no tempo, fazendo com que se
26
INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. [CD-
rom]. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.
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23
enfatize não apenas o instante em que ocorreram os eventos causadores dos prejuízos,
mas sua principalmente sua duração no tempo, o fato de perdurarem depois de passada a
fonte causadora da desgraça. Embora ambos os verbetes sejam utilizados para descrever
uma mesma realidade, eles trazem embutida em si uma carga semântica distinta. O
verbete “calamidade” parece enfatizar a idéia de permanência posterior das
conseqüências, ressaltando assim não propriamente o agente ou instante causador dos
prejuízos, mas a efetiva ocorrência dos prejuízos e sua permanência temporal. Enquanto
isso, o verbete “catástrofe” enfatiza o instante em que se dá a atuação do agente
causador das conseqüências, enfatizando esse instante em que forças muito poderosas se
conjugam para causar danos de grande dimensão.
3.3. O termo na doutrina constitucional:
A doutrina constitucional ainda não se empenhou na busca de uma
definição adequada para o termo “calamidade”, cabendo aqui transcrever algumas que
foram propostas:
“O âmbito normativo de calamidade pública é muito mais fácil de
precisar do que o de „grave ameaça ou perturbação da ordem
constitucional democrática‟. Por calamidade pública entendem-se as
catástrofes naturais (terremotos, vulcões, tempestades, inundações e
epidemias), as „catástrofes tecnológicas‟ e os „acidentes graves‟
(acidentes ferroviários, náuticos, aéreos, incêndios, explosões, etc)”
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª
edição. Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 863).
“Situação de emergência, provocada por fatores anormais e adversos,
que afetam gravemente a comunidade, privando-a, total ou
parcialmente, do atendimento de suas necessidades ou ameaçando a
existência ou integridade de seus elementos componentes”
(CRETELLA, José. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo:
Editora Saraiva, 1978, volume 12, pp. 477-478, apud BASTOS, Celso
Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do
Brasil. 5º volume. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 144).
“Calamidade pública é uma situação gravosa de emergência que
aflige repentinamente e de forma inesperada um grande número de
habitantes de uma comunidade ou região” (FERREIRA, Pinto.
Comentários à Constituição Brasileira. 5º volume (arts. 127 a 162).
São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p. 290).
“Calamidade pública é, portanto, a desgraça que atinge, de repente,
grande número de pessoas, como inundações, peste, fome, guerra,
incêndio, terremoto, vendaval, devastação ciclônica” (CRETELLA
JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Vol. III (arts.
18 a 22). 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p.
1426).
É relevante mencionar que o conceito de calamidade pública chegou a
ser explicitado em expediente do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, de 22 de
março de 1897 (DOU de 24/03/1897, p. 1.354), através de circulares em que o Governo
Federal procurava identificar o núcleo do conceito, que então era relevante para que os
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24
Estados recebessem auxílio da União na ocorrência daquelas situações. O texto da
circular era o seguinte:
“SECRETARIAS DE ESTADO
Ministério da Justiça e Negócios Interiores
Expediente de 22 de março de 1897
Gabinete – Ministério da Justiça e Negócios Interiores – Capital
Federal, em 22 de março de 1897.
Circular – Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais – Depois da
promulgação da Constituição de 24 de fevereiro de 1891, recebeu o
Governo Federal diversas requisições dos governos dos Estados no
sentido de lhes ser prestado, na conformidade do art. 5º, o auxílio da
União, a fim de satisfazer despesas reclamadas por perturbações das
condições sanitárias ocorridas nos respectivos territórios, e a que
atribuíram o caráter de calamidade pública.
Tendo-se suscitado dúvidas acerca da inteligência de dito artigo,
resolveu o governo, após detido exame da matéria, significar-vos o
modo por que, definidas as circunstâncias em que aquelas e outras
eventualidades constituem o caso de calamidade pública ali previsto,
entende dever ser executado o preceito constitucional, enquanto não
deliberar definitivamente o Congresso Nacional a este respeito.
Como calamidade pública só pode ser considerada, em tese,
além das secas prolongadas e devastadoras, dos grandes incêndios e
inundações e de outros flagelos semelhantes, a invasão súbita do
território de um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial,
suscetível de grande expansão epidêmica, de disseminação rápida e
de alta letalidade, diversa daquelas que só se desenvolvem ao favor
da ausência de providências adequadas e do descuido no emprego
dos meios conhecidos de profilaxia usual.
Mas, atentos os limites das atribuições dos poderes da União e
dos Estados e a própria acepção dos dois vocábulos, para ter lugar a
intervenção da União não basta apenas que se manifeste e desenvolva
em algum dos Estados um dos flagelos aludidos. No ponto de vista de
que se trata, a calamidade pública é relativa. Assim, pode assumir
esse caráter qualquer daqueles acontecimentos, quando se dê em
Estado que disponha de poucos recursos; outro tanto, porém, não terá
cabimento afirmar se o caso se der em território de Estado cuja
administração esteja aparelhada com os meios necessários para
socorrer eficazmente a população.
Torna-se, pois, preciso que previamente demonstre o governo
respectivo terem sido já tomadas, quer por ele, quer pela
administração local, se o serviço for de natureza municipal, todas as
providências que a situação exigia, e, ainda mais, haverem-se
exaurido todos os recursos disponíveis, sem que, entretanto, se
conseguisse debelar o mal.
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25
Tal demonstração é tanto mais necessária quanto, uma vez que
tem de ser levada, provisoriamente, à verba – Socorros Públicos – a
despesa resultante do auxílio, imprescindível será justificar o crédito
suplementar que à mesma verba houver de ser aberto.
Se o Governo Federal reconhecer que se verificam as condições
em que, de acordo com o que se acha resolvido, deva ser prestado o
auxílio da União, este se efetuará na forma prescrita no título IV do
Regulamento da Diretoria-Geral de Saúde Pública, anexo ao Decreto
2.458, de 10 de fevereiro próximo findo, de que vos envio exemplares
impressos.
Saúde e fraternidade. – Amaro Cavalcanti. (Idêntico aos
presidentes a aos governadores dos demais Estados”27
.
Embora antiga, essa definição é atual por evidenciar o caráter aberto
do conceito de calamidade pública sanitária, sujeito à interpretação e integração de
acordo com os fatos ocorridos e suas conseqüências públicas. Fica evidente a
necessidade de fatos que, qualitativamente, possam ser inseridos no conceito de
calamidade pública (secas e inundações de grandes proporções, doença contagiosa, etc).
Mas isso não basta, porque há um caráter relativo nisso tudo, decorrente da forma como
as autoridades e a população estão preparadas para enfrentamento do flagelo ou da
situação de calamidade. Pode ser que em determinada comunidade o flagelo possa ser
contido com medidas ordinárias e usuais, quando então não está caracterizada a situação
de calamidade pública. Mas, não acontecendo isso, surge então um indicador
quantitativo das proporções do flagelo, que devido à sua gravidade, intensidade, risco
ou impossibilidade de controle, transforma-se em calamidade pública. O caso de um
agente biológico patogênico, por exemplo, permite que se compreenda não bastar
apenas o risco abstrato da disseminação dessa doença para que seja caracterizada a
situação de calamidade pública, mas é necessário também que as conseqüências dessa
situação sejam gravosas e de difícil enfrentamento: “a invasão súbita do território de
um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial, suscetível de grande expansão
epidêmica, de disseminação rápida e de alta letalidade”. A presença desses elementos
mostra que as providências usuais de profilaxia e combate ao flagelo poderão não surtir
resultados, sendo então urgente o emprego de outras providências para efetiva e
eficazmente combatê-la e impedir a propagação, ampliação ou manutenção de seus
efeitos nocivos. É isso que caracterizaria a calamidade pública: conseqüências de tal
gravidade que as autoridades públicas não tenham como enfrentá-las a partir dos
instrumentos ordinários de administração.
3.4. A opção constitucional por “calamidade”:
A Constituição Federal de 1988 não faz menção a “catástrofes”, mas a
“calamidades”. Essa opção constitucional parece fundada na sutil distinção semântica
apontada entre os dois verbetes, evidenciando-se que a preocupação constitucional não
foi apenas com o instante em que os agentes danosos atuam (“catástrofe”), mas com a
permanência e consolidação dos efeitos desses agentes (“calamidade”), perdurando no
27
Transcrito de MELLO, Humberto H. de Souza et al. O auxílio da União aos Estados nos casos de
calamidade pública. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 2, n. 7, setembro de 1965, pp. 252-
253. Grifou-se.
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26
tempo e permanecendo o prejuízo e o dano por muito mais tempo do que aquele instante
da causação danosa. O interesse do constituinte não está na causação da desgraça em si,
mas naquilo que vem depois, nos efeitos e conseqüências nocivos que podem perdurar
no tempo. A opção constitucional aponta para o enfrentamento dessas situações, que
trazem prejuízo às populações e podem colocar em risco a ordem institucional. Daí a
opção constitucional por “calamidade pública”, evidenciando não interessar se os fatos
eram ou não previsíveis ou previstos, mas importando sua dimensão pública, sua
dimensão social e seu alcance coletivo, em decorrência dos riscos que isso pode trazer
para a vida coletiva e o equilíbrio institucional da vida social.
3.5. As calamidades públicas sanitárias:
As calamidades públicas sanitárias são fatos da natureza, de grandes
proporções, que trazem prejuízos ou colocam diretamente em risco a saúde da
população ou de parte da população. Têm causas naturais (por exemplo, uma epidemia
de grandes proporções, como um vírus que se transmite por contágio) ou humanas (por
exemplo, um acidente biológico, um acidente nuclear, um ato terrorista). Alcançam uma
determinada população, de forma intensa e grave, de modo que suas conseqüências
adquirem caráter público, seja pelo risco de rápido contágio ou transmissão, seja pelas
conseqüências que isso pode trazer para cadeias alimentares, contaminação da água,
danos à saúde, etc. Não estão limitadas a indivíduos e interesses particulares, atingindo
uma dimensão pública, coletiva, social, decorrente do risco de ampliação de seus efeitos
(pelo contágio, por exemplo) ou da gravidade de suas conseqüências (um vírus letal, por
exemplo).
Pela ocorrência histórica ou pela periculosidade presente no mundo
contemporâneo, é conveniente aqui mencionar três situações que podem configurar
calamidades públicas sanitárias, a saber: (a) as epidemias; (b) o bioterrorismo e a guerra
química ou biológica; (c) os acidentes nucleares.
As epidemias são recorrentes na história da humanidade, variando
apenas o agente patogênico. As doenças infecciosas acompanham o homem desde o
início de sua história. Esporadicamente, surtos de peste, cólera, varíola, tifo e sarampo
assolavam populações inteiras28
. Basta recordar a “Peste Negra”, que assolava
periodicamente o continente europeu durante a Idade Média e a Moderna29
, ou então a
febre amarela30
e a varíola31
, que atormentaram as autoridades sanitárias brasileiras no
28 WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, pp. 89-106, novembro de 2000.
29 Nesse sentido, “in AD 541, the first recorded plague pandemic began in Egypt and swept across
Europe with attributable population losses of between 50% and 60% in North Africa, Europe, and central
and southern Asia. The second plague pandemic, also known as the black death or great pestilence,
began in 1346 and eventually killed 20 to 30 million people in Europe, one third of the European
population. Plague spread slowly and inexorably from village to village by infected rats and humans or
more quickly from country to country by ships. The pandemic lasted more than 130 years and had major
political, cultural, and religious ramifications. The third pandemic began in China in 1855, spread to all
inhabited continents, and ultimately killed more than 12 million people in India and China alone Small
outbreaks of plague continue to occur throughout the world” (INGLESBY, Thomas V. [et alii]. Plague
as a Biological Weapon. Journal of American Medical Association, vol. 283, nº 17, 03 de maio de 2000.
Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).
30 Sobre a febre amarela, por exemplo, “a estimativas indicam que mais de um terço dos 266 mil
habitantes do Rio contraíram febre amarela no verão de 1849-50. O número oficial de mortos nesta
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27
fim do século XIX e início do século XX. As epidemias são provocadas por doenças
geralmente infecciosas, de caráter transitório, que atacam simultaneamente grande
número de indivíduos em uma determinada localidade32
. Geralmente se caracterizam
pela rápida propagação através de contágio, com possibilidades de abalarem a vida
econômico-social de uma determinada comunidade33
. Ao contrário de outras
calamidades públicas, como um terremoto, por exemplo, as epidemias prolongam-se no
tempo e afetam a todos, inclusive aos não-contaminados, porque esses passam a viver o
medo do contágio e da contaminação. Um dos personagens do romance de Albert
Camus explicitou, com precisão, a especificidade de uma calamidade sanitária desse
tipo: “Ah, se fosse um terremoto! Uma boa sacudidela, e não se fala mais nisso...
Contam-se os mortos, os vivos, e pronto. Mas esta porcaria de doença [a peste]! Até os
que não a apanham parecem trazê-la no coração”34
. Infelizmente, as epidemias não são
primeira epidemia chegou a 4160 pessoas, mas tudo indica que o total indicado foi consideravelmente
subestimado. Houve quem falasse em 10 mil, 12 mil, 15 mil vítimas fatais. A febre amarela reapareceu
regularmente nos verões seguintes, provocando sempre a fuga apressada dos habitantes mais abastados
da capital. (...) Além disso, em 1855 e 1856 uma devastadora epidemia de cólera finalmente atingiu o Rio
de Janeiro e diversas outras localidades do Império. Nas décadas seguintes, a febre amarela causou
embaraços constantes às atividades comerciais do país e, mais tarde, às propostas de implementação de
políticas imigrantistas” (CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 61-62). O capítulo 02 dessa obra examina as epidemias de
febre amarela no Brasil Imperial e como foram enfrentadas.
31 A varíola também esteve presente na história do Brasil, principalmente pela tentativa de introdução da
vacinação obrigatória, que resultou na “Revolta da Vacina” no Rio de Janeiro: “Rio de Janeiro, novembro
de 1904. A divulgação do projeto de regulamentação da lei que tornara obrigatória a vacinação
antivariólica transforma a cidade em praça de guerra. Durante uma semana, em meio a agitações
políticas e tentativa de golpe militar, milhares de pessoas saem às ruas e enfrentam as forças da polícia,
do exército e até do corpo de bombeiros e da marinha. O saldo da refrega, segundo os jornais da época:
23 mortos, dezenas de feridos, quase mil presos” (CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e
epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 97). O capítulo 03 dessa obra
examina a varíola e sua vacina, bem como as origens daquilo que o autor chama “tradição
vacinophobica”, apresentando subsídios importantes para exame de uma situação de calamidade pública
sanitária em decorrência de epidemia, e as implicações políticas e sociais que isso importa. A “Revolta da
Vacina” também é retratada num recente filme (Sonhos Tropicais. Direção: André Sturm. Brasil,
Pandora Filmes, 2001. 1 filme, 120 min, color), baseada no livro homônimo de Moacyr Scliar, mostrando
as políticas higienistas do início do século XX e sua implantação no Brasil.
32 Nesse sentido, “a ocorrência das doenças transmissíveis, como o próprio nome expressa, tem como
elemento essencial o contato entre agente infeccioso ou seu subproduto e o potencial doente, chamado
hospedeiro. Isso pode acontecer de várias formas, variando conforme a doença; diretamente de uma
pessoa a outra, pelo consumo de alimentos, por contaminação ambiental, por vetores etc. O tamanho da
população reunida em uma localidade é fator importante para que haja exposição ao agente. A
aglomeração, ao lado de más condições de vida, faz crescer a possibilidade desse encontro”
(HENRIQUES, Cláudio Maierovitch Pessanha. Regulação sanitária sem fronteiras. Revista de Direito
Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 114).
33 Nesse sentido, “the microbial world is complex, dynamic, and constantly evolving. Microbes proliferate
rapidly, mutate frequently, and adapt with relative ease to new environments and hosts. They will also
eventually develop resistance to the drugs used to treat them. Numerous factors, including those linked to
human activities, can accelerate and amplify these natural phenomena, as has happened in recent years.
Moreover, when a complacent world relaxes its vigilance and lets down its defenses, the consequences
can be dramatic as well as rapid. Microbes are quick to exploit new opportunities to spread, adapt, and
resist” (HEYMANN, David L. Strengthening global preparedness for defense against infectious
disease threats. Washington: Committee on Foreign Relations of United States Senate, 2001, p. 2).
34 CAMUS, Albert. A Peste. 13ª edição. São Paulo: Editora Record, 2002, p. 104.
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28
coisas do passado, estando presentes ainda hoje entre nós35
, bastando ver o caso recente
da dengue no Brasil e da AIDS no continente africano36
. A Organização Mundial da
Saúde destaca também febre amarela, peste, cólera, “african trypanosomiasis”,
meningite, influenza e leishmaniose37
. O que torna uma epidemia perigosa é a
dificuldade para o controle de sua propagação, seja pela facilidade do contágio, seja
pela inexistência de vacina eficaz, seja pela dificuldade da população ter acesso às
medidas profiláticas ou terapêuticas38
. O incremento do comércio internacional e a
facilidade das viagens aéreas internacionais podem contribuir para rapidamente
disseminar um determinado agente epidêmico39
. A epidemia é personagem constante na
35
Nesse sentido, “the emergence of new infectious diseases, and the re-emergence of others, combined
with the increased speed and volume of international travel, have alerted countries to the ease with which
infectious diseases can cross national borders. The emergence of AIDS, and its rapid progression to
endemicity in particular, convinced the world that a previously unknown pathogen can cause social and
economic upheaval on a scale that threatens to destabilize whole regions. In developing countries, the
destabilizing effect of endemic diseases, including AIDS, TB and malaria, is amplified by emerging and
epidemic-prone diseases. Outbreaks and epidemics disrupt routine control programmes and health
services, often for extended periods, due to the extraordinary resources and logistics required for their
containment. The interruption of trade, travel and tourism that can follow news of an outbreak places a
further burden on already fragile economies. In industrialized countries, infectious diseases can
represent a security issue for several reasons: if domestic populations need protection from diseases
originating abroad, if deteriorating health trends abroad lead to instability and violence, or if biological
agents are deliberately used to cause harm. Growing recognition of the power of emerging and epidemic-
prone infectious diseases to disrupt and destabilize has led to inclusion of their control in foreign policy
agendas that seek to build a more secure world” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness
for the deliberate use of biological agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO,
2002, p. 3).
36 Nesse sentido, “during the last two decades, this opinion [de que as doenças infecciosas haviam sido
controladas] has been reversed, and there is now a renewed appreciation of the importance of
communicable disease. The spread of new diseases such as HIV/AIDS, hepatitis C, and dengue
haemorrhagic fever, and the resurgence of diseases long since considered under control such as malaria,
cholera, and sleeping sickness, have drawn considerable attention. Infectious diseases cause 63% of all
childhood deaths and 48% of premature deaths. Many of these deaths are caused by epidemic infectious
diseases such as cholera, meningococcal disease, and measles. There are continuing threats of large
epidemics with widespread mortality like the „Spanish flu‟ epidemic in 1918-1919 which killed an
estimated 40 million people worldwide, or the HIV/AIDS epidemic which has caused widespread
morbidity and mortality, and reversed hard-won gains in life expectancy in Africa” (WORLD HEALTH
ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone Infectious Diseases.
Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02).
37 WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone
Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02.
38 Nesse sentido, embora referindo-se à sua utilização como armas biológicas, convém destacar aqui as
características que tornam os agentes biológicos perigosos: “The Working Group on Civilian Biodefense
previously established a list of key features that characterize biological agents that pose particularly
serious risks if used as biological weapons against civilian populatios: (1) high morbidity and mortality;
(2) potential for person-to-person transmission; (3) low infective dose and highly infectious by aerosol
dissemination, with a commensurate ability to cause large outbreaks; (4) effective vaccine unavailable or
available only in limited supply; (5) potential to cause public and health care worker anxiety; (6)
availability of pathogen or toxin; (7) feasibility of large-scale production; (8) environmental stability;
and (9) prior research and development as a biological weapon” (BORIO, Luciana [et alii].
Hemorrhagic Fever Viruses as Biological Weapons. Journal of American Medical Association, vol.
287, nº 18, 08 de maio de 2002. Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).
39 Nesse sentido, “the phenomenal recent increase in global travel and trade has given microbes multiple
opportunities to spread around the global in novel ways and with unprecedented speed. Microbes can
incubate in apparently healthy travellers, hide in food, animals, or cargo, or be carried by insects stowed
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literatura e na ficção científica, tendo sido escritas verdadeiras obras-primas sobre a
vida humana em tempos de epidemia. Apenas a título ilustrativo, é conveniente
mencionar as obras de Albert Camus40
, Daniel Defoe41
, Andrzej Szczypiorski42
e José
Saramago43
, tratando dessas questões a partir de uma perspectiva literária, mas nem por
away in the cabin and luggage holds of jets or in the pots of exotic plants. In the UK alone, 1,128 cases of
malaria were imported into the country by travellers in 2000. Cases of „airport malaria‟, in persons who
live or work near international airports yet have not travelled, are detected regularly in cities such as
London, Paris, Brussels, Geneva, and Oslo as well as in the United States and Canada. In just the past
two years, unexpected outbreaks of relatively new or previously rare diseases have taken populations on
every continent by surprise. Legionellosis and leptospirosis in Australia, Lassa fever, yellow fever,
hantavirus, listeriosis, and new variant CJD in Europe, and yellow fever, West Nile fever, cryptococcosis,
and E. Coli O157 in the US are just some examples. In the face of such highly mobile, microscopic, and
easily disguised threats, national borders are porous. An outbreak anywhere in the world must now be
considered a threat everywhere else” (HEYMANN, David L. Strengthening global preparedness for
defense against infectious disease threats. Washington: Committee on Foreign Relations of United
States Senate, 2001, p. 3).
40 CAMUS, Albert. Estado de sítio. São Paulo: Abril Cultural, 1977; CAMUS, Albert. A Peste. 13ª
edição. São Paulo: Editora Record, 2002. Essa última obra mostra a ocorrência de peste bubônica e
pulmonar numa determinada cidade, que acaba sendo isolada do restante do mundo em razão da
epidemia. Embora as descrições não sejam tão detalhadas quanto em Daniel Defoe, a preocupação de
Camus parece ser mais apresentar a luta dos indivíduos pela preservação de sua história pessoal. A peste,
aos poucos, vai aniquilando essa individualidade, construindo uma história comum, sem passado e sem
futuro, onde apenas importa o presente. Assim, a peste surge e progride. A cidade passa a viver a peste,
tentando os indivíduos resistirem. Os indivíduos parecem vencidos, não havendo mais consideração pelos
destinos individuais e suprimindo a peste os juízes individuais de valor. Nisso, Camus mostra como ela é
organizada, metódica e sistemática: o problema é de todos e os sentimentos pessoais tornam-se
inutilizáveis, principalmente o amor, porque o amor precisa de futuro e a peste é só instantes presentes.
Então, depois de progredir, ela se estabiliza e domina, então passando a exaurir-se. Os dois grandes
personagens do livro não são pessoas, mas são a cidade e a peste.
41 DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2002. Quando a grande
peste assolou Londres, em 1665, Daniel Defoe contava com cinco anos de idade. A obra é a vívida,
inquietante e inconformada reportagem (reconstituição histórica mais de 50 anos depois) acerca da
epidemia de peste bubônica que dizimou grande parte da população londrina naquele período. Ele
empenha-se na exemplificação da irracionalidade dos homens frente a um inimigo incontrolável e
invisível.
42 SZCZYIORSKI, Andrzej. Uma missa para a cidade de Arras. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
Na contracapa do livro, está dito que “o enredo é medieval e o cenário, obscuro, fatalista e permeado de
intolerância. A destruição causada pela peste, os excessos da fé e a violência étnica são, entretanto, uma
parábola da essência de todos os crimes da história. Na primavera de 1458, Arras, cidade do ducado do
Brabante, foi vítima de uma terrível epidemia de peste. A fome, a mortandade e o pânico deram vazão a
sentimentos e atos extremados que uma quarentena total aguçaria: devassidão, assassinatos, estupros,
caça às bruxas e condenação de supostos hereges para a redenção das almas dos mortais pecadores.
Pois, na penumbra medieval, que elementos têm os cidadãos para explicar um fenômeno que dizimou
partes inteiras da população local, senão a crença no irracional e em castigos divinos?”.
43 SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 14ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras,
2000. José Saramago explorou essas possibilidades, numa obra literária, que “é uma visão das trevas,uma
viagem ao inferno, e a história de uma resistência possível à violência de tempos escuros”. Nela, “um
motorista, parado no sinal, subitamente se descobre cego. É o primeiro caso de uma „treva branca‟ que
logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos vão se descobrir reduzidos à
essência humana, numa verdadeira viagem às trevas” (SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira.
14ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000). O livro vai tratar disto: como as autoridades
vão tratar da epidemia e como os doentes, segregados na quarentena, vão reagir, até chegarem ao extremo
de sua condição humana. Que regras podem regular essa convivência entre sãos e contaminados, e mesmo
entre estes?
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30
isso deixando de oferecer preciosos subsídios para que se compreendam as necessidades
e comportamentos humanos em tempos sombrios dessa calamidade pública sanitária.
O bioterrorismo e a guerra química ou biológica44
são também
ocasiões de calamidade pública sanitária, que atualmente vem recebendo um tratamento
minucioso por parte das autoridades e das nações. Embora o uso dessas armas apresente
dificuldades no tocante ao seu desenvolvimento e manutenção, e sua utilização tenha
sido rara na história, a magnitude de um possível impacto sobre populações civis pelo
seu uso e a ameaça de sua utilização obrigam que os governos procurem a prevenção e
tenham planos emergenciais para enfrentamento dessa ameaça45
. A discussão das armas
44 É importante definir o que são consideradas armas químicas e biológicas. Nesse sentido, “biological
weapons are those that achieve their intended target effects through the infectivity of disease-causing
microorganisms and other replicative entities, including viruses, infectious nucleic acids and prions.
Some of these biological agents may owe their pathogenicity to toxic substances that they themselves
generate. Such toxins can sometimes be isolated and used as weapons. Since they would then achieve
their effects, not as a result of infectivity, but of toxicity, they will fall within the definition given below of
chemical weapons, even though there would still be grounds for regarding them as biological weapons.
(…) Chemical weapons are those that are effective because of their toxicity, i.e. their chemical action on
life processes capable of causing death, temporary incapacitation or permanent harm. Weapons in which
chemicals are used, e.g. as propellants, explosives, incendiaries or obscurants are not regarded as
chemical weapons, even though the chemicals used in them may also have toxic effects. Only if producing
such toxic effects is the main purpose of the weapon concerned can it be regarded as chemical weapon.
Some toxic chemicals, such as phosgene, hydrogen cyanide and tear gas, may be used for both civil and
peaceful, and for hostile purposes. In the latter case, they, too, are chemical weapons” (WORLD
HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO
guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, p. 3).
45 Nesse sentido, “in fact the development, production and use of biological and chemical weapons
present significant difficulties. Resort to the weapons, particularly biological weapons, has been rare.
Even so, the magnitude of possible impacts on civilian populations of their use or threatened use obliges
governments both to seek prevention and to prepare response plans. Such response plans can and should
be developed as an integral part of existing national emergency plans” (WORLD HEALTH
ORGANIZATION. Health aspects of biological and chemical weapons (unofficial draft of projected
second edition). Geneva: WHO, 2001, p. ii). Felizmente, “the greater and more assured the mass-
destructive power sought for the weapon, the greater the practical difficulties of achieving it. There are,
in short, inherent technical limitations to take into account. Consider, for example, some of the problems
of conveying an agent to its intended target. Toxic or infective materials can be spread through drinking-
water or foodstuffs but (…) their effects would then be expected to remain localized unless the
contaminated items were themselves widely distributed or unless any biological agent that had been used
succeeded in initiating contagious disease. Otherwise, large-scale effects are possible if the materials can
be dispersed in the form either of vapour or of an aerosol cloud of liquid droplets or solid particles that
can then be inhaled. This mode of attack is subject to uncertainty. The movement of the vapourized or
aerosolized agent towards and across its target would be by possibly large fraction of it to miss the
target. (…) the rate of this dispersion will vary greatly depending on the stability of the athmosphere at
the time, and the direction of travel will depend both on local meteorological conditions and on the local
topography. If aerosol or vapour is released inside enclosed spaces rather than in the open, the situation
will, of course, be different. In addition, some agents may be unstable in the atmosphere and decay over
time following their dissemination in airborne form, which process may itself also stress the agent to the
point of substantial degradation or complete inactivation. Furthermore, for the agent to be retained after
inalation and to exert its intended pathological effects, other technical requirements must be satisfied. In
the case of particulate material, for example, larger particles may not be able to penetrate far enough
into the respiratory tract, while smaller ones may not be retained there. The optimal size range is,
moreover, a narrow one, and subject to a variety of difficulties, not least the processes of evaporation or
condensation that will be taking place as the cloud travels. These considerations apply to the aerosol
dissemination of agents of both contagious disease and non-contagious disease, though an attacker might
hope to rely on epidemic spread to compensate for poor aerosol presentation. That spread, too, is subject
to unpredictabilities and therefore uncontrollabilities (…). These technical factors operate to render such
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31
químicas ou biológicas não é nova para as nações, inclusive já tendo as mesmas sido
utilizadas em conflitos entre nações ditas civilizadas46
. Desde cedo, os Estados têm
procurado disciplinar a guerra e impedir a utilização dessa espécie de armamento letal,
mesmo que outras vezes tenham feito uso desse meio de destruição do inimigo. Existem
tratados internacionais que procuram disciplinar a questão (“Biological and Toxin
Weapons Convention”, em vigor desde 1975, e “Chemical Weapons Convention”, em
vigor desde 1997). Atualmente, entretanto, o risco não reside tão-somente utilização de
agentes químicos ou biológicos por nações beligerantes, em situações típicas de conflito
armado. O risco reside na utilização desses instrumentos de destruição por parte de
grupos terroristas, que não se submetam a uma ordem internacional e procurem
justamente a subversão dessa ordem, atingindo populações civis ao invés de alvos
unicamente militares47
. A causação de uma tragédia de grandes proporções, até mesmo
large-scale forms of attack more demanding in terms of materials and skills than is commonly supposed.
Large amounts of agent will need to be disseminated to be sure that a sufficient proportion will reach the
target population for a period of time sufficient to cause the desired effect. Several uncertainties will
affect the outcome. Micrometeorological variation in the atmosphere could result either in the agent
becoming diluted to harmlessness or in the cloud missing the target due to some veering of the wind. Such
attacks are bound, therefore, to be indiscriminate, the more so if agents of contagious diseases are used.
Nor are these difficulties of delivery the only or even the most demanding technical problems. In the case
of biological agents, there are, for example, the difficulties of selecting the appropriate strain in the first
place and then of maintaining its virulence throughout culturing, harvesting, processing, storing,
weapon-filling, release and aerosol travel” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health
response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001,
p. 9). Por isso, “the conclusion to be drawn is that, although the probability of an attack with the weapons
may be low, if it nevertheless happened with, improbably, all the many imponderables and uncertainties
favouring the attacker, then the consequences of the event could be great. In considering strategies for
national preparedness against such attacks, therefore, the possibility of a low-probablility catastrophic
outcome must be wighed against that of public health hazards of higher probability but smaller
magnitude. It would certainly be irresponsible to be complacent about the possible effects of deliberately
released biological or chemical agents, but it would also be prudent not to overestimate them. Given the
emotional shock of even an alleged threat of a biological or chemical release, it will therefore be wise for
governments at least to consider how to address such dangers, should they occur, as an integral part of
the national responde to other threats to public health and well-being” (WORLD HEALTH
ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance.
Second edition. Geneva: WHO, 2001, p. 10).
46 Nesse sentido, “the event that most clearly marked the emergence of this for of warfare from its pre-
history took place near Ypres in Belgium on 22 April 1915, eight months into what was becoming the
First World War. Alone among the belligerents, Germany possessed large industrial capacity for the
liquefaction of chlorine gas, and, as the war progressed, it turned to this comparative advantage as a
possible way out both of the trench-warfare that was immobilizing its armies in the field and of the
shortage of explosives brought about by enemy naval blockade. These military necessities were accorded
precedence, in keeping with the (since disavowed) German legal doctrine of Kriegsraison, over the
ancient prohibition of poison warfare that had been reaffirmed at The Hague less than a decade
previously. Starting on the late afternoon of that day, 180 tonnes of liquid chlorine contained in 5,730
pressure cylinders were released into the breeze that would carry the resultant cloud of asphyxiating
vapour towards enemy lines. The available records are sparse, but some say that as many as 15,000
French Algerian and Canadian soldiers fell casualty to this onslaught, a third of them dead. The actual
numbers may have been different, but, whatever they were, here was the world‟s first experience of a
weapon of mass destruction” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health response to
biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 5-6).
47 Há uma distinção quanto aos meios utilizados pelo terrorismo: “Algumas vezes, aqueles que erguem
armas contra o Estado não terão interesse algum em seguir quaisquer regras dos direitos humanos
codificadas no Direito Internacional aplicáveis ao conflito armado, achando que nenhuma atrocidade
será chocante demais – e os medos atuais sobre a disseminação em mãos não-oficiais de armas químicas
ou biológicas ou até mesmo nucleares são pertinentes aqui. Mas outros procurarão anuir com o Direito
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32
uma calamidade pública sanitária, passa a ser o alvo dos grupos terroristas, que podem
pretender se utilizar de agentes químicos ou biológicos para isso. Embora a ocorrência
histórica de uso deliberado de agentes químicos ou biológicos com intenção de causar
danos faça a probabilidade ser pequena, as conseqüências que podem advir de tal
utilização são potencialmente grandes, e isso faz com que seja prudente que as
autoridades públicas se preocupem com essa questão48
. O advento das novas
tecnologias, principalmente no campo da engenharia genética, aumenta as
possibilidades de utilização de organismos geneticamente modificados para finalidades
destrutivas49
. Os recentes acontecimentos no cenário mundial das nações fez com que o
medo da ameaça biológica ou química novamente ressurgisse, sendo discutidos em
âmbito internacional os mecanismos para prevenção e controle desses atos terroristas50
.
humanitário internacional, em uma dimensão que possa ser totalmente segura a respeito do
levantamento de armas” (RODLEY, Nigel. Terrorismo: segurança do Estado. Revista do Centro de
Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, Brasília, ano IV, número 18, setembro de 2002, p.
18). Embora esses últimos continuem sendo passíveis de serem classificados como “terroristas”, os
primeiros é que causam maior preocupação e que podem se valer do bioterrorismo e das armas químicas
ou biológicas para provocar violência e desestabilização da ordem constituída.
48 Nesse sentido, “the risk that biological agents will be used deliberately to cause harm has historically
been low. While the probability may be low, the consequences are potentially so great as to make it
prudent for governments at least to consider how to address this danger as an integral part of the
national response to other challenges to public health and well-being. Given the emotive force of even an
alleged threat of a biological release, preparedness plans can reassure the public and reduce panic
should genuine threats or hoaxes occur. Historical precedent further suggests that the risk of a deliberate
release is considerably reduced by the existence of an effective ability to respond to and manage an
incident” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for the deliberate use of biological
agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002, p. 6).
49 Nesse sentido, “the advent of genetic engineering offers opportunities for the improvement of human
health and nutrition, yet in the principle it could also be used to produce novel and perhaps more
efficacious biological agents and toxins as compared with those used in earlier weapons programmes.
Ability to modify more or less at will the genetic properties of living organisms could allow the insertion
of new heritable properties into microorganisms that will make them more resistant to the available
defences, more virulent or pathogenic, easier to produce, better able to withstand the stresses of an
unnatural environment, or more other valued characteristic of the microorganism would be lost, but
eventually even this drawback might be overcome. Still other aggressive possibilities may exist, e.g.
weapons may be developed that could be used to harm human populations by disrupting cell signalling
pathways, or by modifying the action of specific genes. Given the range and variety of pathogens already
present in nature, the advantages of basing a weapons programme on a modified organism are not
immediately obvious, nor is it always true that the new biotechnologies necessarily favour the offence
over the defence. Vulnerability to biological agents exists chiefly because of the current inability to detect
their presence in time for prompt masking or sheltering. Rapid detection methods based on modern
molecular techniques are now being brought into service, although the extent to which they have the
necessary sensitivity and whether they can produce results quickly enough and exclude false positives is
not clear. Moreover, the need to detect certain agents at concentrations equivalent to one organism per
breath of air continues to impose an enormous air-sampling requirement, even when polymerase chain
reaction (PCR) or other amplifying methods are used. Other new biotechnologies are transforming the
development of vaccines, while still others are thought to promise non-specific alternatives to vaccines.
Yet there can be little doubt that the spread of advanced biotechnology and the new accessibility of
information about it offer new tools to any country or hostile group intending to develop a biological
weapon” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical
weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 8-9).
50 O assunto não é novo na Organização Mundial da Saúde, que já em 1970 publicava a primeira versão
de um estudo com recomendações sobre as questões pertinentes à utilização de armas químicas e
biológicas. O texto foi recentemente revisado e atualizado, surgindo uma segunda edição em 2001, onde
constam as seguintes recomendações: “1) Public health authorities, in close cooperation with other
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33
A ironia disso tudo está em que foram as nações desenvolvidas que primeiro
desenvolveram e utilizaram armas biológicas em guerras que travaram na metade do
século XX, e agora são elas que mais temem a utilização desse monstro que ajudaram a
criar51
. Recente artigo publicado na edição brasileira da Revista National Geographic dá
conta de um exercício simulando as conseqüências de um ato de bioterrorismo,
ilustrando assim uma calamidade pública sanitária:
“Você talvez tenha perdido esta: pouco mais de um mês antes do
Natal, três pessoas adentraram um shopping em Oklahoma City.
Vestidos como funcionários da manutenção e carregando
borrifadores de plantas, cuidaram dos vasos de plantas que
decoravam os corredores. Concluída a tarefa, eles se encaminharam
para as saídas do shopping e desapareceram na noite. Na mesma
government bodies, should draw up contingency plans for dealing with a deliberate release of biological
or chemical agents intended to harm civilian populations. These plans should be consistent or integral
with existing plans for outbreaks of disease, natural disasters, large-scale industrial or transportation
accidents, and terrorist incidents. In accordance with World Health Assembly resolution WHA54.14
adopted in May 2001, technical support is available to Member States from WHO in developing or
strengthening preparedness for, and response to the risks posed by biological agents, as an integral part
of their emergency-management programmes. 2) Preparedness for deliberate releases of biological or
chemical agents should be based on standard risk-management principles, starting with an assessment of
the relative priority that should be accorded to such releases in comparison with other dangers to public
health in the country concerned. 3) Preparedness for deliberate releases of biological or chemical agents
can be markedly increased in most countries by strengthening the public health infrastructure, and
particularly public health surveillance and response, and measures should be taken to this end. 4)
Managing the consequences of a deliberate release of biological or chemical agents may demand more
resources than are available, and international assistance would then be essential. Sources of such
assistance are available and should be identified. 5) Attention is drawn to the international assistance
and support available to all countries that are Member States of specialized organizations such as OPCW
(e.g. in cases of the use or threat of use of chemical weapons, and for preparedness planning), and to
States Parties to the 1972 Biological and Toxin Weapons Convention (e.g. in cases of violation of the
treaty. Countries should actively participate in these multilateral regimes. 6) With the entry into force of
the 1972 and 1993 Conventions and the increasing number of states that have joined them, great strides
have been made towards „outlawing the development and use in all circumstances of chemical and
biological agents as weapons of war‟, as called for in the 1970 edition of the present report. However, as
the world advances still further into the new age of biotechnology, Member States are reminded that
every major new technology of the past has come to be intensively exploited, not only for peaceful
purposes, but also for hostile ones. All Member States should therefore implement the two Conventions
fully and transparently; propagate in education and professional training the ethical principles that
underlie the Conventions; and support measures that would build on their implementation” (WORLD
HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO
guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. iii-iv). Esse estudo é acompanhado por anexos, onde
estão contidas informações técnicas sobre ação e defesa relativamente a agentes biológicos (anexo 01),
toxinas (anexo 02), e agentes químicos (anexo 03).
51 Nesse sentido, “jusqu‟à ce jour, Washington nie l‟existence d‟une doctrine offensive dans ce domaine.
Pourtant, les archives dévoilées parcimonieusement prouvent le contraire et conferment que l‟état-major
a mis la guerre bactériologique au sommet de ses priorités stratégiques, à égalité avec lê nucléaire. Le
gouvernement a financé massivement cette recherceh, mobilisant au maximum les ressources militaires et
civiles. Dans le cadre d‟um programme urgent (crash program) développé entre 1950 et 1952 et
généreusement financé, les Etats-Unis étaient em passe de devenir la première nation au monde à
incorporer les armes bactériologiques dans um système et dans une doctrine d‟armements modernes”
(ENDICOTT, Stephen e HAGERMAN, Edward. Les armes biologiques de la guerra de Corée. Le
Monde diplomatique, julho de 1999, p. 05. Obtido na Internet, no site www.monde-
diplomatique.fr/1999/07/ENDICOTT/12209, em 29/11/02).
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34
hora, duas outras equipes fizeram exatamente o mesmo em shoppings
nas cidades de Atlanta e Filadélfia.
Às 7 da noite do dia 9 de dezembro, o Presidente dos Estados
Unidos convoca uma reunião secreta dos membros do Conselho de
Segurança Nacional. Todos ficam atônitos ao saber que „os Centros
de Controle de Doenças (CDC) registraram pelo menos um caso de
varíola – que talvez cheguem a 20 – entre civis, em Oklahoma City.
(...) É bastante provável que a epidemia tenha sido desencadeada de
propósito, como parte de um ataque terrorista nos Estados Unidos‟.
As autoridades federais e estaduais entram em ação e, em 24
horas, agentes do FBI vasculham as ruas de Oklahoma City. Na Casa
Branca, o vice-secretário de Saúde afirma que os dois únicos locais
onde se armazenam vírus de varíola são um depósito de segurança
máxima do CDC em Atlanta e o laboratório Vector, nas cercanias de
Novosibirsk, na Rússia. Os serviços de inteligência revelam que um
ex-cientista da Vector, especialista em varíola, deixou a Rússia e
provavelmente está no Iraque.
Uma semana depois existem 16 mil casos em metade dos estados
americanos, e mil vítimas, 200 das quais por causa de reações à
vacina. As cidades entram em colapso quando milhões de pessoas
tentam fugir da epidemia. Ao fim, acabam os suprimentos de vacina e
a violência toma conta das ruas. Segundo previsões das autoridades
de saúde, até fevereiro serão cerca de 3 milhões de casos de varíola
nos Estados Unidos. Um milhão de cidadãos americanos acabará
morrendo, e isso é só o começo. FIM DE JOGO”52
.
Finalmente, mesmo superado o período de Guerra Fria e a ameaça da
guerra nuclear total, a utilização da energia atômica ainda pode causar calamidades
públicas sanitárias, através dos acidentes nucleares. Esses acidentes podem ser fruto de
falhas da alta tecnologia53
, como foi o caso do vazamento do reator nuclear de
52 SIMONS, Lewis M. Armas de destruição maciça: Um novo e sinistro capítulo do pior legado do
século 20. In: Revista National Geographic (edição brasileira), São Paulo, Editora Abril, ano 03, nº 31,
pp. 40-41, novembro de 2002). Sobre esse exercício, ver também: JOHNS HOPKINS CENTER FOR
CIVILIAN BIODEFENSE [et alii]. Dark Winter: Bioterrorism Exercise Andrews Air Force Base
(final script). Obtido na internet, no site www.hopkins-biodefense.org/DARK%20WINTER.pdf, em
22/12/02. A varíola, embora seja considerada erradicada, ainda apresenta sérios riscos à população
mundial caso venha a ser utilizada como arma biológica: “If used as a biological weapon, smallpox
represents a serious threat to civilian populations because of its case-fatality rate of 30% or more among
unvaccinated persons and the absence of specific therapy. Although smallpox has long been feared as the
most devastating of all infectious diseases, its potential for devastation today is far greater than at any
previous time. Routine vaccination throughout the United States ceased more than 25 years ago. In a now
highly susceptible, mobile population, smallpox would be able to spread widely and rapidly throughout
this country and the world” (HENDERSON, Donald [et alii]. Smallpox as a Biological Weapon. Journal
of American Medical Association, vol. 281, nº 22, 09 de junho de 1999. Obtido na Internet, no site
http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).
53 Nesse sentido, “despite rigorous safety systems, there remains a finite probability that na accident can
occur in a nuclear reactor that can lead to the fuel in the core overheating or melting. If such an event
were to occur, there is a chance that radioactive fission products may be released to the environment. The
potential radiation exposure of the population will be influenced by the amounts of varios radionuclides
released, by the meteorological conditions affecting the dispersion and deposition of the released
radioactive material, by human and environmental factors, and by the effectiveness of any protective
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35
Chernobyl54
, quanto podem ser resultado da imprudência humana, como foi o caso do
césio de Goiânia, onde várias pessoas foram atingidas pelo manuseio inadequado de
uma “sucata” de ferro-velho. Uma descrição do que aconteceu em Chernobyl dá a
dimensão de um acidente dessas proporções e suas conseqüências para as populações
envolvidas:
“On 26 April 1986, reactor No 4 at Chornobyl (Chernobyl in
Russian) nuclear power station, 100km north of Kyiv, blew up during
the testing of a generator. Nearly nine tonnes of radioactive material
– 90 times as much as the Hiroshima bomb – were spewed into the
sky. Winds over the following days, mostly blowing north and west,
swept fallout into Belarus, as well as Russia, Pland and the Baltic
region. Fallout affected 23% of Belarus, with 7% of Ukrainian
territory and 0.5% of Russian land exposed. Thirty-one people died
during the explosion, but exactly how many thousands perished due to
the ensuing acute radiation sickness is unknown. A report issued by
the Ukrainian Health Ministry in 1999 put the figures of those who
died or suffered fatal diseases from being involved in the clean-up at
4365 and 167,653 respectively.
Immediately after the explosion, some 135,000 people were
evacuated from a 30km radius around the plant. The 10km exclusion
zone centred around the dead town of Prypyat remains at a high risk
of exposure today. The reactor was hastily enclosed in a concrete-
and-steel sarcophagus. Over the following years about 600,000
people – popularly known as „the liquidators‟ – worked on clean-up
operations inside the 30km zone. Although scientists agree that there
is no risk of the sarcophagus exploding, the status of the estimated
180 tonnes of radioactive material still smouldering beneath the
concrete is unclear. More recently, the deteriorating condition of the
actions taken” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for iodine prophylaxis following
nuclear accidents. Geneva: WHO, 1999, p. 1).
54 Nesse sentido, apenas para que se tenha uma idéia das conseqüências a médio e longo prazo que
resultam de um acidente dessas proporções, evidenciando assim a necessidade de prevenção e precaução,
basta referir a alta incidência de câncer em crianças na área do acidente de Chernobyl: “The World Health
Organization and Sasakawa Memorial Health Foundation have been carrying out a number of projects
aimed at humanitarian assistance in belarus, Rússia and Ukraine, the countries most affected by the
Chernobyl accident, to alleviate medical consequences of this disaster. Medical examinations of about
210 000 children performed within the framework of the WHO International Programme on the Helath
Effects of the Chernobyl Accident (IPHECA) and Chernobyl Sasakawa Project in the three countries
since 1991, have shown a significant increase in the incidence of childhood thyroid diseases including
thyroid câncer. It is, in particular, evident for the Gomel region, Belarus, where thyroid cancer incidence
is 100 times higher than before the accident” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Medical relief for
children affected by the Chernobyl accident through the development and implementation of health
telematics. Geneva: WHO, 2002. Obtido na internet, no site
www.who.int/peh/Radiation/Healthteleproject.htm, em 26/08/02). Também nesse sentido: “Now it is
clear that a population of roughly 2.3 million children living in southern Belarus, northern Ukraine and
the most easterly regions of the Russian Federation was exposed to significant amounts of radioactive
iodine. The result, less than fifteen years after the accident, is more than 1000 cases of thyroid cancer,
most probably solely attributable to this single release of radioactivity to the environment” (WORLD
HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for iodine prophylaxis following nuclear accidents. Geneva:
WHO, 1999, p. i).
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36
concrete sarcophagus which is allegedly crumbling has become a
major cause for concern.
The major effects of the explosion only became clear gradually.
An estimated 4.9 million people in northern Ukraine, southern
Belarus and the south-western corner of Russia were affected to some
degree. Many continued to live on contamined land and produced
contaminated meat, milk and vegetables, which found their way into
local markets.
Today, Ukraine has evacuated most of the highly contaminated
areas, although a number of resettlers, anxious to return to their
villages such as Opachichi and Koupovatoye, have moved back within
the forbidden zone, a practice the government mainly ignores.
Workers at the Chornobyl plant today live in the new town of
Slavutych, created following the 1986 disaster, and an international
team of scientists has set up a 24 hour monitoring station at the plant.
Over 15% of Ukraine‟s annual budget is consumed by Chornobyl-
related clean-up and maintenance operations, an amount the
government argues is nowhere close to sufficient, but all it can
possibly afford. Agricultural and production losses, especially in
Belarus, have also crippled the economy.
Despite huge pressure from the international community, the
Ukrainian government opted to reopen the remaining three reactors
at Chornobyl to help solve its energy crisis. A fire in 1991 prompted
the closure of reactor No 2, followed by reactor No 1 in 1996. Only
reactor No 3 is on line today and has been temporarily shut down
several times for urgent safety repairs to be carried out. This last
reactor, the government says, will be shut down for good in 2000
providing the West drums up the financial aid for Ukraine to construct
two replacement nuclear plants in Khmelnytsky and Rivne in western
Ukraine. The estimated cost is US$ 1.2 billion. On both sides, there
are increasing fears that this will not happen”55
.
4. “ANTES” DA CALAMIDADE
O exame do texto constitucional e da legislação sanitária vigente
permitem concluir que não se está preocupado apenas com o enfrentamento das
calamidades públicas sanitárias, uma vez ocorridas. Pelo contrário, a ordem jurídica
vigente procura de todas as formas prevenir e evitar essas calamidades, estabelecendo
mecanismos de controle e de prevenção, que objetivam impedir que tais situações
ocorram56
. O ponto de partida é a idéia de que a prevenção é a melhor solução,
55 BERKMOES, Ryan [et alii]. Russia, Ukraine & Belarus (travel guidebooks). 2ª edição. Victoria:
Lonely Planet Publications, 2000, pp. 752-753.
56 Nesse sentido, no âmbito internacional, “when a Member State is concerned and wants to be prepared,
WHO advises strengthening public health surveillance and response activities, with an emphasis on:
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37
principalmente porque algumas situações dificilmente poderiam ser controladas uma
vez ocorridas (por exemplo, um acidente nuclear, onde a contaminação é irreversível), e
em outros casos não há uma reparação suficiente para minorar os prejuízos acarretados
aos indivíduos (por exemplo, a contaminação por um vírus letal)57
.
A seguir, são examinados alguns mecanismos da legislação sanitária,
que tratam das situações preventivas de calamidades públicas sanitárias. O objetivo da
monografia não é exaurir o tratamento dessas questões, mas apenas abordá-las
sucintamente, evidenciando a relação de sua previsão normativa com a idéia de
prevenção, indicando assim que a ordem jurídica preocupa-se com aquilo que acontece
“antes da calamidade”, procurando ao máximo evitar sua ocorrência e criar condições
para minorar suas consequências.
A vigilância sanitária é, por excelência, o instrumento de que dispõem
os Poderes Públicos para evitar que fatos do homem ou da natureza possam desencadear
efeitos nocivos à saúde humana58
. A execução de ações de vigilância sanitária está
incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde59
. Controlando e fiscalizando
more effective national surveillance of outbreaks of illness; better communication between responsible
agencies (public health, water supply, food safety, veterinary, radiological, nuclear safety, poison-control
and related services), and better coordination of their responses; improved assessments of vulnerability,
and effective communication about risks to both professionals and the public; preparation for handling
the psychosocial consequences of the deliberate use of pathogens and chemical to cause harm; and
contingency plans for an enhanced response capacity (with the ability to enlist additional resources for
public health, such as civil defense, security, law-enforcement authorities and other bodies, and the
preparedness to work together, spelt out through cooperative agreements)” (FIFTY-FIFTH WORLD
HEALTH ASSEMBLY. Deliberate use of biological and chemical agents to cause harm. Report by
the Secretariat, em 16/04/02, A55/20. Geneva: WHO, 2002).
57 Nesse sentido, “preparedness plans should follow the established principles of risk assessment and
management and should draw on existing plans for dealing with disasters or emergencies, including
natural outbreaks of disease, natural disasters, and terrorist incidents. Planning principles will also
overlap with plans for responding to large-scale industrial or transportation accidents in which health
care facilities will be required to deal with a surge of casualties and emergency admissions. Every
outbreak should be treated as a natural outbreak until demonstrated otherwise. Such an approach frees
the health system to concentrate on the first priority: the reduction of morbidity and mortality and
prevention of further spread. For all outbreaks, whatever the cause, the window of opportunity for
effective intervention closes quickly” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for the
deliberate use of biological agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002, p.
6). Para prevenção, também é importante a introdução de estratégias de redução de riscos (WORLD
HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO
guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 33-34).
58 A vigilância sanitária “constitui um subsetor específico da Saúde Pública, cujo objeto é a proteção e
defesa da saúde individual e coletiva; compõe-se de um conjunto de saberes – de natureza
multidisciplinar – e práticas que visam interferir nas relações sociais produção-consumo para prevenir,
diminuir ou eliminar riscos e danos à saúde relacionados com os objetos historicamente definidos como
de interesse da saúde, tendo por objetivo a crescente qualidade de vida. (COSTA, Ediná Alves.
Vigilância sanitária: proteção e defesa da saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1999, p. 65).
59 É o que dispõe o art. 6º-I-a da Lei 8.080/90, assim definindo-a o art. 6º-§ 1º dessa Lei: “entende-se por
vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de
intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da
prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I- o controle de bens de consumo que, direta ou
indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos da produção ao
consumo; e II- o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a
saúde”. Sobre vigilância sanitária, entre outras, ver também as Leis 6.437/77, 7.967/89, 9.695/98 e
9.782/99.
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38
as atividades humanas, especialmente aquelas que envolvam as relações de produção e
consumo de alimentos, bebidas, medicamentos, produtos correlatos, serviços de saúde,
etc, procura-se estabelecer um padrão mínimo a ser observado, precavendo-se contra os
efeitos não-desejados ou não-previsíveis desses processos de produção e consumo60
. O
Estado estabelece normas a serem seguidas e fiscaliza sua observância, impondo assim
aos particulares a obrigação de se submeterem a esses princípios jurídico-
administrativos que limitam as respectivas liberdades, fazendo então com que os
interesses coletivos (saúde da população, segurança nas relações de produção-consumo,
etc) não sejam expostos a riscos previsíveis ou desnecessários (contaminação de
alimentos, inocuidade de medicamentos, má-qualidade do serviço hospitalar, etc)61
. A
vigilância sanitária se apresenta como manifestação do poder de polícia do Estado, mas
não se esgota nisso, envolvendo ações de saúde de caráter coletivo e preventivo, no
campo de regulação das relações sociais de produção e consumo62
. Alcançando vários
60 Nesse sentido, é conveniente mencionar a “doença da vaca louca”, que tantas conseqüências têm
trazido para as populações e mercados europeus: “Em 1986, foi identificada na Inglaterra uma epidemia
de doença neurológica desconhecida, acometendo rebanhos de gado em diversas regiões do país. Essa
doença recebeu a denominação de encefalite espongiforme bovina ou doença da vaca louca, cujo agente
etiológico é um agente infeccioso ainda não descrito, os prions. As investigações dessa epidemia
verificaram que a contaminação desses rebanhos bovinos estava associada à introdução na ração dos
animais de proteína de carneiros, cujos rebanhos, na Inglaterra, sofrem endemicamente de doença
neurológica semelhante. Na década de 90, surgem na Europa casos humanos de uma doença neurológica
semelhante à síndrome de Creutzfeldt-Jacob, associados ao consumo de carne bovina originária de
rebanhos atingidos pela referida encefalite bovina (...). As repercussões dessa questão em termos de
saúde pública e de relações econômicas internacionais têm sido amplamente discutidas na imprensa”
(WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 102).
61 Como exemplo, bastaria lembrar o caso da talidomida, “a maior tragédia médica do século XX”: “É
provável que todos já tenham visto um dia pessoas com membros atrofiados. Braços e ou pernas curtos,
às vezes um dedo onde deveria haver um braço, mãos coladas diretamente no tronco e outras diferenças,
como ausência de orelhas e certos órgãos internos. Os leigos não sabem a causa, mas a classe médica,
sim. O fenômeno é tristemente conhecido pelo termo desumano de FOCOMELIA – membros de foca -,
cuja causa foi o uso, durante a gravidez, da droga denominada TALIDOMIDA. Esta substância, a „Imida
N-ftática do ácido glutâmico‟ foi a partir de 1956 amplamente vendida e distribuída no mundo todo pelo
laboratório alemão Chemie Grunenthal, como calmante, sob a denominação de Contergan. A droga não
havia produzido efeitos colaterais em experiências com animais, o que fazia supor, então, que não
carecia de maiores estudos para sua introdução no mercado, além disso, seus efeitos benéficos foram
bastante divulgados, razão pela qual foi muito consumida, inclusive sem receita, no mundo todo (...).
Após intensos debates, não restaram dúvidas de que aqueles efeitos teratogênicos deviam-se ao uso da
Talidomida durante o primeiro trimestre de gravidez. Calcula-se que no período de 1958 a 1962 a droga
produziu cerca de 20 mil vítimas. Tais vítimas espalhavam-se por 51 países no mundo todo. Note-se que
nos Estados Unidos a droga não foi posta à venda oficialmente, porque o National Food and Drug
Administration, por entender que o produto carecia de base experimental, não autorizou a venda”
(FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Talidomida: a maior tragédia médica do século XX (trabalhos
forenses). Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 2, julho de 2001, pp. 143-144).
62 Nesse sentido, “não obstante insuficientemente teorizada em termos doutrinários e conceituais, a
Vigilância Sanitária surge como conceito inovador que abarca e ultrapassa o conceito de poder de
polícia ou – pelo desgaste deste termo – o equivalente ao poder atribuído pela sociedade ao Estado para
interferir nas liberdades individuais em favor dos interesses públicos (...). Atuando diretamente no
conjunto de bens materiais e imateriais, meios de circulação de bens e sobre o indivíduo em situação
específica (imigrante-portador de mercadoria força de trabalho) e em aspectos do ambiente, a Vigilância
Sanitária ocupa-se de riscos atuais ou potenciais – para preveni-los, diminuí-los, eliminá-los ou reduzir
efeitos previstos ao mínimo possível; atuando indiretamente, deve desenvolver atividades educativas e de
informação à coletividade de pessoas, incluindo os produtores e prestadores de serviços e organizações
sociais. A Vigilância também se ocupa da qualidade porque deve estabelecer meios para assegurá-la,
deve verificá-la, monitorá-la, e articular-se com o desenvolvimento, em especial o científico e
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39
objetos, suas competências administrativas são divididas entre vários órgãos e
instituições de distintos setores estatais63
, sendo precipuamente atribuição do sistema
único de saúde, tanto que o art. 200 da CF/88 estabelece que compete ao sistema único
de saúde, entre outras atribuições: (a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e
substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos,
equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; (b) executar as ações
de vigilância sanitária; (c) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle
de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; (d) participar
do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e
produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Resumidamente, a vigilância sanitária
abrange os seguintes campos de atuação64
: (a) normalização e controle de bens, da
produção, armazenamento, circulação, transporte, comercialização e consumo de
produtos de interesse da saúde, suas matérias-primas, coadjuvantes de tecnologias,
equipamentos e processos; (b) normalização e controle de tecnologias médicas,
equipamentos, procedimentos; (c) normalização e controle de serviços direta ou
indiretamente relacionados com a saúde, prestados pelo Estado e modalidades do setor
privado; (d) normalização e controle de portos, aeroportos e fronteiras, alcançando
veículos, cargas e pessoas; (e) normalização e controle de aspectos do ambiente e da
saúde do trabalhador. A vigilância sanitária é permeada pelo conceito de nocividade,
porque é este que fundamenta aquela: “quando o Estado intervém em atividades
particulares visa evitar que possível nocividade de produtos e serviços (...) prejudique a
saúde individual, coletiva e ambiental”65
.
A vigilância ambiental também é instrumento de controle e prevenção
de calamidades públicas sanitárias, evitando que atividades humanas possam escapar ao
controle e causar prejuízos à saúde pública e ao meio-ambiente. Ao sistema único de
saúde é atribuída competência para “colaborar na proteção do meio ambiente” (art.
200-VIII da CF/88), havendo atribuição específica de competência aos Poderes Públicos
para “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
tecnológico, para obter elementos que contribuam na elevação de padrões técnicos, na realização ética e
no aumento da qualidade de vida” (COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária: proteção e defesa da
saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1999, pp. 415-416).
63 É recomendado que exista essa especialização, evitando a confusão dos interesses econômicos e
sanitários, que é apontado com um dos fatores responsáveis pela reincidência de crises sanitárias. Nesse
sentido, “é inconcebível que a segurança sanitária possa ser confiada a uma autoridade que tenha como
incumbência a função de garantir a boa saúde econômica de um setor. Assim sendo, convém evitar os
conflitos entre as duas questões em jogo, procedendo a uma separação funcional entre as
responsabilidades de gestão de um setor e as funções de controle ou aquelas que regem os preços”
(DURAND, Christelle. A segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O sistema de
Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p.
65). Ao mesmo tempo, entretanto, também é causa daquelas crises a fragmentação do processo de decisão
e sua falta de coordenação. Nesse sentido, “as agências e outros protagonistas implicados na decisão em
saúde pública dependem de ministérios diferentes. (...) Uma tal fragmentação das competências torna
difícil toda tomada de decisão eficaz e aplicável. (...) Além disso, a falta de coordenação entre esses
vários interventores aumenta o disfuncionamento da gestão de riscos” (DURAND, Christelle. A
segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O sistema de Segurança Sanitária na
França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 66).
64 COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária: proteção e defesa da saúde. São Paulo: Editora Hucitec,
1999, pp. 56-5.
65 COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária: proteção e defesa da saúde. São Paulo: Editora Hucitec,
1999, p. 405.
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substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”
(art. 225-§ 1º-V da CF/88). O homem vive transitivamente, isto é, vive num
determinado lugar. É preciso um espaço físico para que se dê a vivência humana, e esse
espaço é seu meio-ambiente. Mas não basta apenas o espaço físico, é preciso que o
homem possa interagir com esse meio, dele obtendo o que necessita para sua
sobrevivência. O ser humano não é autônomo e depende, para sobreviver, das relações
com o meio (alimentos, água, oxigênio, etc). É importante então que esse meio
ambiente seja resguardado e protegido, minorando os danos que a ação humana possa
causar e assegurando-se aos homens de hoje e aos de amanhã que possam obter desse
meio aquilo que necessitam para viver. Práticas nocivas ao meio ambiente devem ser
controladas e, dentro do possível, impedidas, preservando-se assim a qualidade de vida
e a própria vida, que depende intimamente de relações harmônicas e saudáveis com seu
meio. Todas aquelas atividades ou práticas que colocam em risco o meio ambiente,
estão colocando em risco também a vida humana, e por isso devem estar submetidas a
rigoroso controle e fiscalização por parte dos Poderes Públicos, o que se dá através da
vigilância ambiental. Também aqui se busca prevenir que uma conduta humana
desastrada ou imprevidente possa causar dano ao meio ambiente e assim desencadear
uma calamidade pública sanitária66
.
A vigilância epidemiológica envolve “um conjunto de ações que
proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos
fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a
finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou
agravos” (art. 6º-§ 2º da Lei 8.080/90). Mesmo com o desenvolvimento das tecnologias,
o ser humano continua ainda sendo frágil, exposto às doenças, que diminuem sua
capacidade laborativa, dificultam sua qualidade de vida e podem causar sua
incapacidade ou morte. É importante compreender e controlar as mudanças do meio
ambiente, e a forma que isso influencia sobre a saúde dos indivíduos e coletividades,
porque assim se ganha em previsibilidade quanto às situações de fragilidade do homem,
podendo ser enfrentadas as situações adversas67
. No que interessa às calamidades
66
Nesse sentido, quanto a agentes químicos, por exemplo, a prevenção é importante: “once chemicals
have been released into the environment, little or nothing can be done to remove them. Many chemicals
will continue to damage animals and plants and poison food and water for years or decades. Therefore, it
is essential that chemical pollution of the environment be prevented at its source – i. e., wherever
chemicals are manufactured or used. Good occupational hygiene principles should always be applied
when using or handling any chemicals at work. Chemicals must be controlled not simply in order to
ensure compliance with government standards (exposure limits, etc), but to prevent chemical
contamination – to the maximum extent possible – of the general environment. In the first instance, this
means judicious use of less toxic and/or more readily degradable chemicals and the use of more selective
pesticides. Chemical processes should be enclosed as far as possible to prevent release of chemicals as
dust, fumes or gas. Dust, fumes and gas that are generated during a process such as grinding or welding
should be captured by local exhausted ventilation. Contamined air from such processes, together with
contamined air from ventilation of closed systems and general ventilation, should not be allowed to
escape to the atmosphere inside the workplace, or outside, without first having had the contamination
removed” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Users’ manual for the IPCS health and safety
guides. Geneva: WHO, 1996, pp. 66-67).
67 Nesse sentido, “a utilização de instrumentos adequados para a identificação precoce de doenças
infecciosas ainda desconhecidas ou que por diferentes mecanismos alteraram seu comportamento clínico
e/ou na forma de atingir populações humanas, tornando ineficientes as estratégias de controle até aqui
aplicadas, é essencial para minimizar as taxas de morbi-mortalidade, diminuir o período e a freqüência
de incapacidade e as perdas econômicas decorrentes das doenças infecciosas emergentes”
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41
públicas sanitárias, é importante mencionar que muitas dessas doenças podem ocorrer
na forma de epidemias, atingindo grandes populações e, principalmente, disseminando-
se entre os indivíduos, através de contágio natural ou provocado. Exemplo disso são
vírus e bactérias que se proliferam e transmitem entre os indivíduos em determinadas
situações. O conhecimento desses processos é importante para se estabelecer formas
possíveis de controle, evitando-se que outras pessoas sejam alcançadas68
. Daí a
importância da vigilância epidemiológica como forma de realizar-se essa prevenção de
calamidades públicas sanitárias69
. A coleta e interpretação de informações sobre a
ocorrência dessas doenças também é importante, servindo para vários propósitos:
“First, the data are used to alert health officials when there is na epidemic of infectious
disease. For diseases that spread rapidly, and that have high case fatality rates if left
untreated, timeliness is of utmost important. Since the data are collected over a long
period of time, they can also be used to provide general picture of long-term trends in
incidence and case fatality rates”70
.
A vigilância internacional e a Organização Mundial da Saúde
desempenham relevante papel na prevenção de calamidades públicas sanitárias, porque
propiciam a difusão do conhecimento entre seus estados-membros, permitindo que o
conhecimento seja difundido além das fronteiras nacionais71
. Os riscos à saúde não
(WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, pp. 103-104).
68 Nesse sentido, o conhecimento científico permitiu que o controle das doenças infecciosas não fosse
feito apenas por medidas coercitivas como isolamento, quarentena ou cordão sanitário: “Por volta de
1880, as pesquisas de Pasteur e de Koch permitem o desenvolvimento da microbiologia e de disciplinas
afins, criando condições para a ampliação do conhecimento científico e tecnológico que permitirá
avanços no campo da saúde pública, ampliando o conhecimento a respeito dos mecanismos de
transmissão das doenças infecciosas e propiciando a descoberta de novos instrumentos aplicados no seu
controle (...). O acesso a esse novo elenco de conhecimentos permite, no final do século passado, o
desenvolvimento de um quarto instrumento, a vigilância, definida, em seu conceito clássico, pela
específica mas limitada função de, sem restringir a liberdade de locomoção, observar, pelo período
máximo de incubação da doença sob suspeita, os indivíduos que tenham tido algum contato com
pacientes atingidos pela moléstia ou que tenham transitado por regiões por ela atingidas. Seu propósito é
detectar precocemente os primeiros sintomas da doença para, só então, instituir rapidamente o
isolamento” (WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a
segurança sanitária. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 93).
69 Nesse sentido, “pelas suas implicações econômicas, políticas e militares, o controle das doenças
infecciosas volta, na última década, a constituir preocupação do Estado, ganhando atualidade a busca
de instrumentos adequados ao seu controle, nessa nova realidade. Com tal propósito, torna-se imperiosa
a perfeita delimitação do conceito de controle a ser adotado e a identificação e aperfeiçoamento dos
instrumentos a serem utilizados com essa finalidade, entre os quais poderíamos apontar: as tecnologias
médicas (vacinas e antibióticos, entre outras); a vigilância de doenças infecciosas, oferecendo subsídios
para a fundamentação técnica das estratégias aplicadas nas ações de controle; assim como as normas e
regulamentos que fundamentam a ação da fiscalização sanitária” (WALDMAN, Eliseu Alves. O
controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária. Revista de Direito Sanitário, São
Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 91).
70 WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone
Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02.
71 Nesse sentido, “WHO has the mandate to lead and coordinate global surveillance. This includes setting
international epidemic surveillance standards, providing technical assistance to Member States in
surveillance activities, training in field epidemiology, strengthening laboratory capacity and laboratory
networks. WHO also maintains international collaborating networks like the WHO Network of
Collaborating Centers for Influenza Surveillance which monitors strains of influenza, the cholera task
force which coordinates preparedness and response to cholera outbreaks, and the International
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respeitam as fronteiras nacionais, alcançando muitas vezes dimensões mundiais, já que
cada vez mais as atividades humanas estão inter-relacionadas e globalizadas72
. Em razão
da intensidade do comércio internacional e da facilidade de trânsito das pessoas entre as
nações, a noção de fronteiras nacionais não é mais barreira à propagação de doenças, à
difusão de medicamentos inócuos ou à comercialização de alimentos contaminados, por
exemplo. É importante então que existam mecanismos internacionais de controle e
prevenção das calamidades públicas sanitárias, evitando a difusão de práticas nocivas ou
produtos perigosos. Por isso, a importância da Organização Mundial da Saúde quanto a
isso, permitindo a integração internacional e o esforço conjunto de seus estados-
membros para prevenção de doenças e calamidades sanitárias73
. Entre essas medidas
internacionais, está a adoção do Regulamento Sanitário Internacional, que em resumo
obriga os estados-membros a: (a) comunicar ao Secretariado da OMS os casos de
doenças de notificação internacional e outras informações epidemiológicas de interesse;
(b) oferecer serviços de saúde nos portos e aeroportos de trânsito internacional; (c)
editar documentos internacionais de saúde; (d) aplicar medidas sanitárias ao tráfego
internacional que não sejam mais rigorosas do que aquelas previstas no texto74
.
Também a manutenção e alimentação de um sistema global de vigilância quanto às
doenças infecciosas, alcançando o constante acompanhamento de todos os aspectos da
ocorrência e disseminação de doenças cujo controle é pertinente, realizando coleta,
análise, interpretação e disseminação de informações relativas a essas doenças75
. Isso
permite que sejam logo detectadas e prevenidas as epidemias, evidenciando a
necessidade da vigilância epidemiológica internacional para conhecer as doenças
contagiosas que tenham potencial epidêmico, para detecção prematura de novas
doenças, e para monitorar a resistência de seus agentes às drogas profiláticas e
terapêuticas76
.
Coordinating Group (ICG) on Vaccine Provision for Epidemic Meningitis Control. In addition, WHO
ensures international coordination of epidemic response, particularly for diseases of international public
health importance or when countries lack the capacity to respond to an epidemic themselves. Responses
can vary form investigating the cause of an epidemic, to verifying and disseminating information, and to
providing needed equipment and laboratory supplies” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO
Report on Global Surveillance of Epidemic-prone Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido
na internet, no site www.who.int, em 23/07/02).
72 Nesse sentido, HENRIQUES, Cláudio Maierovitch Pessanha. Regulação sanitária sem fronteiras.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, pp. 113-126, março de 2001.
73 Nesse sentido, “a necessidade de colaboração entre os países salienta a importância de regulamentos
internacionais, especialmente a partir da tendência de globalização dos mercados e da contínua
introdução de novas tecnologias de comunicação e na produção de insumos, produtos e serviços”
(WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 100).
74 Nesse sentido, HENRIQUES, Cláudio Maierovitch Pessanha. Regulação sanitária sem fronteiras.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 119.
75 Nesse sentido, “surveillance systems must detect new communicable diseases as well as recognize and
track diseases that currently are, or have the potential to become, of major public health importance”
(WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone
Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02).
76 Nesse sentido, em 18/05/02, a Assembléia da Organização Mundial da Saúde recomendou aos seus
estados-membros: “(1) to ensure they have in place national disease-surveillance plans which are
complementary to regional and global disease-surveillance mechanisms, and to collaborate in the rapid
analysis and sharing of surveillance data of international humanitarian concern; (2) to collaborate and
provide mutual support in order to enhance national capacity in field epidemiology, laboratory
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43
A educação sanitária e a educação ambiental também são
instrumentos de prevenção de calamidades públicas sanitárias, atuando de um modo
muito preventivo e sutil, através da educação das populações e conscientização dos
indivíduos para os riscos que a saúde coletiva e o meio ambiente podem estar expostos
se determinadas práticas nocivas, perigosas ou desconhecidas foram desenvolvidas, sem
o necessário cuidado e controle. O risco sempre foi uma inevitável realidade da vida,
não sendo possível ao homem suprimi-lo totalmente. É necessário conviver com um
certo risco, porque isso é condição do progresso humano e da própria vida humana,
afinal “viver é perigoso”. Mas é preciso que todos estejam conscientes dos riscos e
minimamente preparados para enfrentá-lo. A educação sanitária, tornando as pessoas
conscientes de seus direitos e deveres enquanto cidadãos, contribui para que isso seja
alcançado. Na área da saúde, também é importante que o Poder Público controle
adequadamente a formação de recursos humanos (art. 200-III da CF/88 e art. 6º-III da
Lei 8.080/90), não apenas instruindo-os com conhecimentos técnicos apropriados ao
trabalho que desempenham, mas também criando neles consciência do papel que
desempenham e sensibilidade aos riscos a que estão expostos e a que podem expor o
restante da população77
. Na área ambiental, é importante a promoção da educação
diagnoses, toxicology and case management; (3) to treat any deliberate use, including local, of biological
and chemical agents and radionuclear attack to cause harm also as a global public health threat, and to
respond such a threat in other countries by sharing expertise, supplies and resources in order rapidly to
contain the event and mitigate its effects” (FIFTY-FIFTH WORLD HEALTH ASSEMBLY. Global
public health response to natural occurrence, accidental release or deliberate use of biological and
chemical agents or radionuclear material that affect health. Ninth plenary meeting, em 18/05/02,
WHA55.16. Geneva: WHO, 2002).
77 Nesse sentido, a adequada formação do pessoal da saúde é importante, por exemplo, para identificação
das doenças infecciosas e comunicação de sua ocorrência aos órgãos nacionais e internacionais de
vigilância epidemiológica: “one of the mainstays of communicable disease surveillance is the reporting
and confirmation of cases seen in health facilities. This is known as passive reporting (in contrast to
active case-finding methods where cases cases are actively looked for). For passive reporting to be
successful, primary health care providers must be able to recognize the clinical manifestations of
reportable diseases. This involves having clear, uniform case definitions available at the peripheral
level” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-
prone Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02,
grifou-se). Além disso, “the covert release of a biological agent will, in most cases, take several days or
even weeks to become apparent. Suspicious that an attack has occurred will emerge only when patients
begin appearing in health care facilities or emergency rooms with unusual symptoms or an inexplicable
disease. For this reason, public health workers, including nurses, physicians, and hospital accident and
emergency personnel, will be the first to respond to a deliberately caused outbreak. Prompt detection
depends on their vigilance: their alertness to clusters of unusual symptoms and immediate reporting to
the appropriate authorities. Public health workers are also at the front line throughout the response and
should have first call on protective equipment, vaccines, and drugs. Most health personnel will have
littler or no experience of several of the illness that could be deliberately caused. Training is therefore
needed in the recognition and initial management of biological casualties, and for a rapid
communication that allows real-time sharing of information as an unusual event unfolds. First
responders also need training in barrier nursing techniques, safe handling of samples, and
decontamination procedures. Of great concern is the generally acknowledged fact that few countries will
ever have the surge capacity, in staff and facilities, to manage either a very large and lethal outbreak or
simultaneous attacks with different agents” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for
the deliberate use of biological agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002,
pp. 6-7). Também é importante para uma eficiente resposta às primeiras manifestações, por exemplo, de
um ataque com armas químicas ou biológicas: “the first to respond to an attack with a toxic substance
having immediate effects are likely to be the police, fire departments and emergency medical personnel
on or near the scene. In contrast, the first to respond to an initially undetected attack with an infective or
toxic agent having only delayed effects are more likely to be regular health-care providers, including
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ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para preservação do
meio ambiente (art. 225-VI da CF/88). Com isso, investindo na educação e
conscientização, assegura-se a todos acesso à informação sobre a importância da
atuação profissional e social de cada um, contribuindo para minorar e evitar acidentes
ou práticas nocivas à saúde e ao meio ambiente.
Embora o avanço tecnológico e as descobertas da ciência, o homem
ainda é pequeno diante da natureza e provavelmente sempre continuará a sê-lo, porque o
homem sempre será dependente do seu meio ambiente para sobreviver. Mesmo que
desenvolva novas tecnologias, não teria sentido pensar-se em seres humanos que
pudessem viver completamente isolados e independentes do seu meio. A graça da vida
está na incerteza que nos faz pequenos diante do futuro, e na fragilidade que nos faz
minúsculos diante do restante do mundo. O esforço humano consegue controlar doenças
e epidemias que antigamente matavam muitas pessoas (varíola, peste, etc), mas vê-se
impotente diante de novas doenças (câncer, AIDS, etc). Por isso, a ordem jurídica exige
do homem humildade frente à natureza e ao desconhecido. Da mesma maneira que
ainda conhecemos muito pouco do universo sideral e das origens da vida, também
conhecemos pouco sobre as conseqüências que muitas de nossas práticas cotidianas
podem trazer para nós próprios, para as gerações futuras e para o meio ambiente. A
ciência e o direito discutem hoje a engenharia genética, a reprodução controlada, os
alimentos geneticamente modificados, a utilização de novas tecnologias de
comunicação, etc, e ainda sabemos muito pouco sobre tudo isso. Por isso, a importância
nurses, physicians and hospital accident and emergency personnel, who may be located in widely
separated places. (…) Because victims of a chemical attack may be affected immediately, a rapid
response will be required, in which the main emphasis will be on contamination control and early
medical treatment. Emergency personnel will have to locate and identify the contaminated area
immediately (the „hot zone‟) and may have to act within minutes if lives are to be saved. On the other
hand, a covert release of a biological agent will be more likely to become apparent over a longer period
of time, e.g. days or even weeks, and will probably take the form of the appearance of cases of infectious
disease. Because victims are likely to move around in the symptom-free incubation period after exposure,
cases of the disease might appear in different parts of the country (or world), and the full picture might
become evident only after information, medical reports, and surveillance data from many areas have
been combined. Biological agents that are transmissible from person to person can also generate clusters
of secondary outbreaks. Depending on the nature of the organism involved, the attack might initially
appear to be a natural outbreak of disease. These differences need to be borne in mind in planning public
health preparedness for biological and chemical incidents. However, in the early phases of an incident, it
may not be clear whether the causative agent is biological or chemical, or possibly a mixture of the two.
As a result, first responders may find themselves needing to manage both types of incident before the
relevant specialists for biological or chemical incidents become involved. In order to prepare for
biological or chemical attack, the authorities concerned should be encouraged to make maximum use of
existing emergency-response resources, and to adopt an approach that is consistent with the principles
on which the management of any other type of public health emergency is based. While attacks with
biological and chemical agents will have some special features, they do not necessarily require the
formation of completely new and independent response systems. A well designed public health and
emergency-response system is quite capable of responding to a limited biological or chemical attack and
can take the measures necessary to mitigate its effects. An attack with a chemical agent will be very
similar to a major hazardous materials accident. A community‟s existing capability to respond to such an
accident is therefore an essential component of preparedness for such an attack. A biological agent
attack will generally have the characteristics of a disease outbreak, so that city, state and regional public
health authorities must be involved in the respond, which will have much in common with the infection-
control strategies used in any outbreak of disease” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public
health response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO,
2001, p. 30).
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45
da prevenção pela biossegurança e a defesa do princípio da precaução78
relativamente a
certas atividades humanas, cuja totalidade das conseqüências futuras ainda é
desconhecida ou incerta. Aliás, “atuar o princípio de precaução significa (...) conduzir
uma ação política que obriga a prudência. É necessário certificar-se do melhor estado
da arte a respeito e analisar as repercussões socioeconômicas e culturais do problema,
estabelecendo-se um adequado e eficaz sistema de vigilância, de alerta, e contando-se
com a participação ativa das pessoas para que se possa firmar a correta relação
custo/benefício, indispensável à tomada da decisão política”79
.
A exigência de prévio estudo de impacto ambiental para instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente (art. 225-IV da CF/88) está inserida dentro das garantias de que as surpresas
da natureza serão, dentro do possível, minimizadas e reduzidas àquilo que efetivamente
não possa ser controlado. A exigência constitucional significa um reconhecimento pelo
constituinte das limitações humanas e da necessidade de que o progresso se dê com
observância da ordem natural das coisas. Mesmo o cientista, que altera a natureza,
quanto o empresário, que explora os recursos naturais, devem se mostrar humildes
diante da natureza e do desconhecido, procurando conhecer e discutir com os demais
cidadãos as práticas e as conseqüências de suas práticas, antes de implantá-las
definitivamente. Essa exigência constitucional de prévio estudo do impacto que
determinada obra ou atividade poderá trazer para o meio-ambiente e para a vida de uma
coletividade nada mais é do que uma tentativa cautelosa e prudente de prevenção e
precaução diante do que ainda não se conhece totalmente, evitando que esses processos
fujam de nosso controle e machuquem outras pessoas ou outras gerações.
Finalmente, o direito penal sanitário também é importante instrumento
de que dispõem os Poderes Públicos para a prevenção das calamidades públicas
sanitárias, criminalizando condutas lesivas ou perigosas, e assim motivando as pessoas a
afastarem-se daquelas atividades ou não se omitirem de acordo com a vontade ou
necessidade social positivada na norma penal. Por isso, a legislação penal prevê crimes
contra incolumidade pública (arts. 250-285 do Código Penal), crimes contra o meio-
ambiente (Lei 9.605/98), crimes contra a segurança nacional (Lei 7.170/83), etc,
tutelando direta ou indiretamente a saúde pública e procurando afastar os indivíduos de
condutas perigosas ou nocivas para o interesse social e coletivo. As Leis 9.677/98 e
9.695/98 transformaram alguns crimes contra a saúde pública em crimes hediondos,
categoria que agrava a punição e restringe direitos do criminoso, evidenciando assim
sua relevância social em razão da nocividade das condutas criminosas80
. A lei penal
78 Nesse sentido, “obrigando os agentes a refletir quanto ao risco, a aplicação do princípio da precaução
exige ultrapassar as simples medidas de prevenção contra os riscos conhecidos. Em relação aos novos
riscos, ligado a exposição de doses fracas, convém agir ainda quando a prova científica faça falta ou que
seja insuficiente para afirmar a existência ou ausência de risco” (DURAND, Christelle. A segurança
sanitária num mundo global: os aspectos legais. O sistema de Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 70).
79 DALLARI, Sueli Gandolfi. A Justiça Frente à Revolução Cientítico-Tecnológica no Campo da
Reprodução Humana. Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,
Brasília, ano VI, número 16, março de 2002, p. 67.
80 Não obstante isso, as referidas leis receberam crítica no tocante a impropriedades e
inconstitucionalidades nelas contidas (DIAS, Cláudia R. Cilento. Crime hediondo em saúde pública:
discussão sobre as Leis 9.677/98 e 9.695/98. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 2, pp. 09-
30, julho de 2001).
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46
ainda estabelece que é circunstância que sempre agrava a pena, quando não constitue ou
qualifica o crime, ter o agente cometido o crime “em ocasião de incêndio, naufrágio,
inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido”
(art. 61-II-j do Código Penal), evidenciando assim a maior lesividade da infração penal
cometida por ocasião de calamidade pública.
5. “DURANTE” A CALAMIDADE
Falhando os mecanismos preventivos de calamidade pública
sanitária81
, e havendo ameaça ou ocorrência efetiva dessas situações, o ordenamento
jurídico disciplina como se dá o enfrentamento da calamidade, procurando debelar ou
minorar suas conseqüências para a população e assim assegurar o retorno à normalidade
institucional. É importante que o direito se preocupe com essas situações de exceção,
disciplinando com antecedência o enfrentamento da questão, que muitas vezes exige a
restrição de direitos e diminuição de garantias que, de outra forma, os cidadãos teriam à
sua disposição numa democracia. Obviamente, a forma como se dá o combate à
situação de calamidade pública vai depender da gravidade de sua ocorrência e do
alcance de suas conseqüências e efeitos82
.
81 Nesse sentido, “no sistema de segurança sanitária, a resposta institucional vem a posteriori, quando o
fenômeno da crise começou ou terminou, deixando pouco espaço para uma lógica coerente de
prevenção” (DURAND, Christelle. A segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O
sistema de Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março
de 2001, p. 63).
82 Por exemplo, no caso de ocorrência de um ataque biológico (isto é, utilização de agentes biológicos
com intenção destrutiva num determinado local), a resposta a tal ataque deveria envolver pelo menos as
seguintes ações: “(a) identify the hazards (determine that a release has occurred, or an outbreak is taking
place; identify the nature of the agent involved; develop a case definition that follow up the distribution of
cases; define the population at risk; develop an initial hypothesis as to the exposure that is causing
disease; test the hypothesis with clinical, laboratory or environmental data; conduct field investigations
and apply analytical epidemiology tools in comparing subgroups of the population); (b) evaluate the
hazards to determine the probability and severity of the initial risk (evaluate the potential outbreak
spread, and assess current and delayed case-management requirements, having regard to the possibility
that the infection may be contagious); (c) introduce risk-reduction strategies (implement a risk-
communication programme for the affected population that conveys information and instructions as
needed; order the necessary supplies and provide the personnel required; protect responders and health-
care workers; introduce infection-prevention and control procedures; conduct case triage; ensure
medical care of infected cases); (d) quantify the residual risk, and decide what risk is acceptable (decide
whether local and national resources are adequate, and whether international assistance should be
sought); (e) monitor the risk-management programme, and repeat the process as required (implement
active surveillance to monitor the effectiveness of the prevention and control procedures, and adjust
response activities as need; implement follow-up activities)” (WORLD HEALTH ORGANIZATION.
Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva:
WHO, 2001, pp. 40-45). Já um ataque com agentes químicos demandaria as seguintes providências: “(a)
identify the hazards (use rapid chemical detection techniques to determine and/or improve immediate
operational response measures; bring in specialists for the definitive identification, needed for forensic
and legal purposes); (b) evaluate the hazards to determine probability and severity of the initial risk
(evaluate the nature and magnitude of the chemical release detected, and how it may affect response;
predict the spread of the hazard, and assess current and delayed casualty-management requirements); (c)
introduce risk-reduction strategies (implement a risk-communication programme for the affected and
surrounding population, conveying information and instructions as required; protect responders; control
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47
A competência para o combate às calamidades públicas sanitárias
cabe precipuamente à União Federal, dispondo o art. 21-XVIII da CF/88 que “compete
à União ... planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas,
especialmente as secas e as inundações”. A atribuição de competência administrativa
não envolve apenas o planejamento da defesa, mas também a promoção dessa defesa,
que a Constituição quer permanente83
. A menção a secas e inundações é apenas
exemplificativa, com intenção de especificar uma situação que é historicamente
ocorrente no Brasil. Não impede que essa defesa permanente envolva outras situações
de calamidade pública, como aquelas decorrentes de agentes sanitários (epidemias,
doenças contagiosas, bioterrorismo, acidentes nucleares, etc). A atribuição da
competência à União Federal decorre da necessidade de centralização do planejamento
e promoção da defesa, concentrando-a na autoridade federal e assim otimizando os
recursos disponíveis, bem como da necessidade de enfrentamento da calamidade
pública a partir de uma visão federativa, evitando qualquer possibilidade de competição
entre os Estados-membros quanto a isso, afastando assim os riscos de tensão ou
rompimento do equilíbrio federativo. A coordenação e execução de ações e serviços
ordinários de vigilância sanitária e epidemiológica está distribuída entre as três esferas
do Sistema Único de Saúde (arts. 16-III, 17-IV e 18-IV da Lei 8.080/90). Entretanto, o
art. 16-§ único da Lei 8.080/90 dispõe que “a União poderá executar ações de
vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência
de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do
Sistema Único de Saúde ou que representem risco de disseminação nacional”. Ou seja,
quando a ocorrência epidemiológica ou sanitária corre o risco de transformar-se em
calamidade pública sanitária, de grandes proporções ou com risco de atingir todo o
território nacional, então estabelece-se a competência da União para o respectivo
enfrentamento, porque será ela quem terá melhores condições materiais e financeiras de
contamination: establish „hot-zone‟ scene control to limit contamination spread, conduct immediate
operational decontamination on-site, and decontamination of all persons leaving the „hot-zone‟, conduct
casualty triage, ensure medical care and evacuation of casualties, conduct definitive decontamination of
the site); (d) quantify the residual risk, and decide what risk is acceptable (decide whether local and
national resources are adequate, and whether international assistance should be sought); (e) monitor the
risk-management programme, and repeat the process as required (continuously monitor the residual
hazard level on the site, and adjust response activities as needed; implement follow-up activities)”
(WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons:
WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 45-49).
83 É interessante mencionar que recentemente foi divulgado na imprensa nacional que “o Brasil conta
com um plano nacional de emergência para o caso de um atentado terrorista, incluindo orientações que
vão desde como sepultar as vítimas até como evitar erros de identificação dos eventuais atacantes. O
documento foi apresentado ontem, em Porto Alegre, durante uma reunião de representantes dos países
do Mercado Comum do Sul (Mercosul) (...). O „Plano de Contingência – Hipótese: Ataque
Terrorista‟está condensado em 60 páginas, (...).As orientações do documento são didáticas e estão
divididas em dois grandes blocos. O primeiro é direcionado para a área de segurança pública –
policiais, basicamente – e explica, de maneira simples, como um terrorista atua. (...) Ainda nessa parte, o
plano ensina os tipos de atentados que podem ocorrer: com explosivos, com armas químicas e com
biológicas. O segundo bloco de orientações é dedicado ao pessoal da área de saúde e outros serviços. É
muito semelhante aos cuidados que devem ser tomados logo após um vendaval. Mas traz recomendações
específicas, com a necessidade de organizar o enterro adequado das vítimas, que deve ser feito seguindo
as orientações técnicas sanitárias. Ou seja: evitar que cadáveres entrem em deterioração ao ar livre,
pois poderiam transmitir doenças, principalmente no caso de um atentado com armas biológicas. (...) –
Existe um plano nacional de emergência para o caso de atentado, e cada Estado tem um próprio. No
nacional há orientações gerais e os estaduais descem às minúcias de cada procedimento” (WAGNER,
Carlos. Brasil tem plano para caso de atentados. Jornal Zero Hora, 30/08/02, p. 28).
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fazer frente àquela situação, utilizando-se do instrumental que o ordenamento jurídico
coloca à sua disposição. Além disso, quando se fizerem necessários recursos
extraordinários para enfrentamento do problema, foi atribuída à União Federal a
competência tributária para instituição de empréstimos compulsórios (art. 148-I da
CF/88), o que também justifica a manutenção da competência privativa da União no
tocante à defesa permanente contra as calamidades.
A Constituição também autoriza a requisição de bens e serviços
particulares para fazer frente a perigo público iminente, permitindo assim que a
autoridade pública se utilize urgentemente da propriedade particular para enfrentar essas
situações: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar
de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver
dano” (art. 5º-XXV da CF/88). No plano infraconstitucional, o art. 15-XIII da Lei
8.080/90 regulamentou a norma constitucional no âmbito da saúde, autorizando à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, no seu âmbito de atuação
administrativa, a possibilidade dessa requisição da propriedade particular, nesses
termos: “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias,
decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de
epidemia, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá
requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como jurídicas, sendo-lhes
assegurada justa indenização” (art. 15-XIII da Lei 8.080/90). No caso de decretação de
estado de defesa, há previsão constitucional específica para que as autoridades possam,
em caso de calamidade pública, ocupar e usar temporariamente bens e serviços
públicos, respondendo então a União pelos danos e custos decorrentes (art. 136-§ 1º-II
da CF/88). A União ainda tem competência privativa para legislar sobre “requisições
civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra” (art. 22-III da
CF/88). No caso de doenças infecciosas, que sejam transmitidas por contágio direto ou
indireto84
, é possível que as autoridades sanitárias se utilizem dessa norma para
determinar a destruição de objetos contaminados ou que possam significar facilidade de
contágio, desde que sejam indenizados os proprietários.
O enfrentamento da calamidade pública interessa a toda a coletividade
e muitas vezes pode demandar recursos financeiros que não estão disponíveis no
orçamento público, nem podem esperar o processo legislativo pertinente à questão
orçamentária. Por isso, a Constituição atribui competência para que a União institua
empréstimo compulsório para “atender a despesas extraordinárias, decorrentes de
calamidade pública” (art. 148-I da CF/88). Nessa hipótese, o empréstimo compulsório
não fica submetido ao princípio da anterioridade da lei fiscal, podendo o mesmo ser
84 Nesse sentido, “the mechanisms of transmission involved may be direct or indirect. Thus transmission
may, for example, result from direct contact between an infected and an uninfected person, or it may be
mediated through inanimate material that has become contamined with the agent, such as soil, blood,
bedding, clothes, surgical instruments, water, food or milk. There may also be airbone or vector-borne
secondary transmission. Airbone transmission can occur through coughing or sneezing, which may
disseminate microbial aerosol. Vector-borne transmission can occur via biting insects, other arthropods,
or other invertebrate hosts. The distinction between types of transmission is important when methods for
controlling contagion are being selected. Thus, direct transmission can be interrupted by appropriate
handling of infected persons, while the interruption of indirect transmission requires other approaches,
such as adequate ventilation, chlorination of water, or vector control” (WORLD HEALTH
ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance.
Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 24-25).
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exigido imediatamente, porque assim é próprio da natureza extraordinária da despesa85
.
O texto constitucional é explícito em vincular a aplicação dos recursos provenientes do
empréstimo compulsório à despesa que fundamentou sua instituição (art. 148-§ único da
CF/88). Antes da instituição de empréstimo compulsório, o art. 167-§ 3º da CF/88 abre
a possibilidade de remanejo dos recursos orçamentários disponíveis, através de abertura
de crédito extraordinário, nos casos de calamidade pública, e o art. 36-§ 2º da Lei
8.080/90 permite a transferência de recursos para financiamento de ações excepcionais,
em situações emergenciais ou de calamidade pública sanitária. Aquela possibilidade de
abertura de crédito extraordinário é menos drástica que o empréstimo compulsório, e
por isso não se necessita de lei complementar para sua adoção, bastando a utilização de
medida provisória.
Além disso, os casos de emergência ou calamidade pública podem ser
hipóteses de dispensa de licitação para compra de bens ou contratação de serviços no
âmbito da Administração Pública, desde que preenchidos os requisitos legais do art. 24-
IV da Lei 8.666/93, isto é, “quando caracterizada urgência de atendimento de situação
que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços,
equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens
necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas
de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e
oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou
calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos”86
. Também a ocorrência
85 Embora não submetido ao princípio da anterioridade tributária, o Supremo Tribunal Federal já decidiu
que a instituição de empréstimo compulsório, mesmo em caso de calamidade pública, está sujeito ao
princípio da irretroatividade da lei tributária: “EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. CALAMIDADE
PÚBLICA. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. O Supremo Tribunal Federal, ao definir a disciplina
jurídico-constitucional do empréstimo compulsório, não obstante tenha estatuído a sua plena submissão
às normas gerais de direito tributário – corretamente repelindo, desse modo, a artificiosa dicotomia
entre o denominado empréstimo compulsório excepcional (CF/69, art. 21, § 2º, II), -, afastou, com base
na cláusula final do § 29 do art. 153 da Carta Política de 1969, a incidência do princípio da
anterioridade nas hipóteses de empréstimos compulsórios motivados por situações emergenciais
decorrentes de calamidades públicas. O Decreto-lei 2.047/83, que criou empréstimo compulsório
destinado a atender situação de calamidade pública, transgrediu o princípio constitucional da
irretroatividade das leis em matéria tributária ao estabelecer a incidência dessa exação sobre ganhos e
rendas auferidos em exercício financeiro anterior ao da sua instituição” (STF, RExt 118.482, rel. Min.
Celso de Mello, j. 28/04/95, Revista de Direito Administrativo, vol. 203, pp. 171-173, janeiro a março de
1996).
86 Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Contas da União: “4. Questões envolvendo dispensa de certame
licitatório em situações de emergência ou calamidade já foram alvo de deliberações por parte desta
Corte, a saber: Decisão 347/94 (Plenário), Acórdão 300/95 (2ª Câmara), Decisão 820/96 (Plenário),
Acórdãos Sigilosos 172/97, 173/97 e 174/97 (Plenário), Decisão Sigilosa 459/97 (Plenário). Tais
deliberações convergem ao entendimento de que a situação emergencial ou calamitosa que legitima a
dispensa de licitação é aquela cuja ocorrência refuja às possibilidades normais de prevenção por parte
da Administração, ou seja, a que não possa ser imputada em razão da desídia administrativa, da falta de
planejamento ou da má gestão dos recursos disponíveis. 5. Das deliberações citadas, cabe destacar a
Decisão 347/94-TCU – Plenário, de caráter normativo, que , além de ter firmado o entendimento acima
exposto, ainda relaciona outros pressupostos para a dispensa de licitação preconizada pelo inciso IV,
artigo 24, da Lei 8.666/93. Consoante a mencionada Decisão, é preciso que se configurem ainda a
urgência do atendimento à situação calamitosa, ou de emergência, e o risco advindo daquela situação;
necessário se faz também que a contratação direta se mostre o meio adequado, efetivo e eficiente para
afastar tal risco. (...) 7. A idéia central que permeia toda a ausência de licitação fica às vezes eclipsada
por espessas nuvens de detalhes técnicos e processuais (e tais detalhes são, sem dúvida, relevantes),
firmados no sentido de bem caracterizar essas situações de não-ocorrência do certame licitatório. Essa
idéia, que jamais pode ser esquecida ou relegada a segundo plano, reflete o espírito mais elementar, não
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50
de situação de calamidade pública cria exceções no tocante aos motivos e às
formalidades para rescisão dos contratos administrativos (art. 78-XIV e XV da Lei
8.666/93).
As medidas provisórias são um instrumento legiferante que pode ter
grande valia para o enfrentamento de uma calamidade pública sanitária, permitindo que
o princípio da legalidade seja preservado mesmo numa situação de emergência (art. 5º-
II da CF/88)87
. Os requisitos da “relevância” e da “urgência” podem se fazer presentes
em situações de calamidade pública sanitária, desde que os instrumentos jurídicos
existentes não tenham condições de fazer frente àquela situação, permitindo assim que o
Presidente da República se utilize da faculdade constitucional do art. 62 da CF/88 para
estabelecer as regras jurídicas necessárias para o enfrentamento da situação. A simples
ocorrência de uma calamidade pública sanitária não evidencia, por si só, a relevância e
urgência para edição de medida provisória, mas fornece um indício de que talvez se
esteja diante de uma situação dessas, devendo as instâncias constitucionais apropriadas
exercerem o devido controle sobre tais requisitos de produção legislativa por parte do
Poder Executivo. Também devem ser observadas as demais limitações constitucionais à
atividade legislativa, como a inafastabilidade do controle jurisdicional e a
irretroatividade da norma legal (art. 5º-XXXV e XXXVI da CF/88). A situação de
emergência não autoriza o Poder Executivo a dispensar o devido processo legislativo
para edição e aprovação da medida provisória (art. 62 e parágrafos da CF/88, com a
redação da Emenda Constitucional 32/01). O processo legislativo das medidas
provisórias permite que o Presidente da República tome a decisão rapidamente, como o
momento está a exigir, submetendo-a à tramitação legislativa, onde haverá ratificação
ou rejeição pelo Congresso Nacional, como a democracia exige.
Utilizando-se dessa prerrogativa de edição de medidas provisórias em
casos relevantes e urgentes, o Poder Executivo tentou editar a Medida Provisória 33/02,
em cujos artigos 32-36 disciplinava o “estado de emergência epidemiológica” e instituía
o “estado de quarentena federal”. A medida provisória foi rejeitada pelo Congresso
Nacional, sendo então a proposta apresentada pelo Poder Executivo através do Projeto
de Lei 6.952/02, que se encontra atualmente em apreciação no Congresso Nacional.
Pretende-se com isso criar o “Sistema Nacional de Epidemiologia”,
que consistiria no conjunto de ações e serviços de saúde, relativo à epidemiologia,
prestado por órgãos e entidades públicas federais, estaduais, distritais e municipais, e
apenas da lei, mas da própria Constituição Federal: „a licitação é a regra‟. A ausência da mesma
constitui, pois, exceção. Logo, é sob o caráter de exceção que devem ser interpretados, analisados e
avaliados tanto os dispositivos legais que admitem a ausência de certame, como os procedimentos
advindos da aplicação daqueles” (Tribunal de Contas da União, Plenário, TC 929.114/1998-I, rel.
Marcos Vinicios Vilaça, j. 15/09/99, Revista de Direito Administrativo, vol. 218, outubro a dezembro de
1999, p. 324).
87 Nesse sentido, “na sociedade industrial moderna, porém, a extrema complexidade das relações que a
constroem, faz com que suas crises não possam ser convenientemente solucionadas, sem recurso a
modificações legislativas. Não basta pôr em ação um mecanismo de restrições e coerções para que elas
se deslindem; é necessário, no calor da ação e com a presteza do sopro vital, erguer, ajustar, corrigir um
maquinismo intrincado destinado a canalizar todo o esforço de um país no encalço da vitória”
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1964, p. 104). Existem várias técnicas legislativas empregadas para assegurar ao Presidente da República
a edição da legislação necessária para dar suporte às suas decisões de exceção, inclusive durante um
estado de sítio (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1964, pp. 104-116).
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que procuraria o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos
fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade
de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos, das
doenças e de outros agravos à saúde (art. 1º do Projeto de Lei 6.952/02). Como dito na
respectiva exposição de motivos, “o atendimento a esta demanda é de vital importância
para a saúde pública do Brasil, principalmente pela necessidade de possuirmos um
órgão capacitado a responder rapidamente às emergências epidemiológicas e, em
especial, nas seguintes situações: (a) epidemias que ultrapassem os limites de uma
unidade federada; (b) epidemias de doenças emergentes; (c) introdução de vetor e/ou
agente infeccioso erradicado ou não existente no País; (d) expansão de epidemias para
áreas sem ocorrências anteriores; e (d) enchentes, secas e outras calamidades e/ou
desastres relevantes em saúde pública, quando demonstrada a insuficiência da ação do
município e/ou do estado”88
.
As competências administrativas seriam distribuídas entre todas as
esferas federativas, criando-se no âmbito federal uma “Agência Federal de Prevenção e
Controle de Doenças”, que atuaria ao lado do Ministério da Saúde quanto ao Sistema
Nacional de Epidemiologia (arts. 3º e 15-17 do Projeto de Lei 6.952/02).
Um ponto importante e polêmico do referido projeto de lei é a
disciplina da “emergência epidemiológica”, entendida como “a ocorrência de casos de
doenças ou de outros agravos inusitados de etiologia conhecida ou desconhecida, de
alto grau de transmissibilidade, patogenicidade e letalidade” (art. 32 do Projeto de Lei
6.952/02).
Na ocorrência dessas situações, o Presidente da Agência Federal de
Prevenção e Controle de Doenças poderia propor e o Ministro de Estado da Saúde
poderia declarar “estado de quarentena federal” (art. 33-caput do Projeto de Lei
6.952/02). Esse ato declaratório poderia estabelecer uma série de restrições à liberdade
individual e coletiva, com vistas ao combate da situação de epidemia, entre as quais: (a)
dispor sobre o isolamento de indivíduos, animais e comunidades em situação de risco;
(b) dispor sobre a interdição de ambientes ou meios de transporte; (c) determinar o
acompanhamento médico de indivíduos e a necessidade destes se reportarem,
periodicamente, à autoridade de epidemiologia (art. 33-§ 2º do Projeto de Lei 6.952/02).
O estado de quarentena federal é explicitamente tido como estado de calamidade
pública (art. 36 do Projeto de Lei 6.952/02).
Felizmente a medida provisória que tratava desse estado de
emergência foi rejeitada89
, porque a proposta do Poder Executivo apresenta aspectos
polêmicos, que merecem um maior debate legislativo, corrigindo-se as diversas
inconstitucionalidades e equívocos que apresenta. Apenas naquilo que interessa ao
objeto da presente monografia, menciona-se que as restrições que introduz à liberdade
individual, ausente declaração de estado de defesa ou estado de sítio, são passíveis de
88 BRASIL. Ministério de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, e Ministério da Saúde.
Exposição de Motivos Interministerial nº 042/MP/MS. Exposição de Motivos ao Projeto de Lei que
dispõe sobre os Sistemas Nacionais de Epidemiologia, de Saúde Ambiental e de Saúde Indígena e cria a
Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças. TAVARES, Marcus; SERRA, José. Obtido na
internet, no site www.planalto.gov.br/ccivil_03/Exm/2002/42-MPO-02.htm, em 09/12/02.
89 A rejeição consta do Ato de 24 de abril de 2002 (DOU 25/04/02), através do qual o Presidente da
Câmara dos Deputados faz saber que, em sessão realizada no dia 17 de abril de 2002, o Plenário da Casa,
rejeitou essa medida provisória.
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52
questionamento frente ao que prevê a Constituição Federal, que não deixa espaço para
outros mecanismos de defesa do Estado e das instituições democráticas que não aquelas
duas previstas nos arts. 136-141 da CF/88. Se existem fatos graves que justificam a
restrição de direitos e garantias individuais, o caminha constitucional é um só: aquele
dos arts. 136-141 da CF/88. Se não existem os fatos graves, não há necessidade de
disciplinar a exceção constitucional e as garantias individuais devem ser observadas90
.
Também é grave o fato de não existir previsão legal quanto à duração
e ao alcance da declaração do estado de quarentena, ficando delegado à própria
autoridade federal a definição desses prazos (art. 33-§ 1º do Projeto de Lei 6.952/02),
estabelecendo-se apenas que “o Estado de Quarentena Federal terá prazo e área de
abrangência definidos, podendo, se necessário, ser estendidos”. A norma não especifica
os limites temporais e espaciais da medida, mas permite sua extensão além do
inicialmente previsto, de acordo com a decisão da própria autoridade federal. Em
algumas situações de calamidade pública, não há dúvida, os respectivos efeitos
perduram no tempo e a intervenção estatal da autoridade sanitária deve também
perdurar. Mas é preciso que os limites sejam especificados em lei. Se não se indicar o
tempo máximo de duração da medida, ao menos deve-se fornecer ao intérprete da
norma as diretrizes e princípios que norteariam sua decretação, evitando que somente a
vontade da autoridade federal fosse o fator relevante para a duração e limites da medida.
Se o estado de quarentena atingir gravidade tal, que importe em perdurar por muito
tempo, talvez se esteja diante de uma hipótese de decretação de estado de defesa e
estado de sítio, e não de um paliativo infraconstitucional de duvidosa
constitucionalidade. Por isso, o mínimo que se esperaria do projeto de lei é que
estabelecesse claramente um período máximo de tempo para sua vigência, evitando que
pudesse ocorrer desvio de finalidade na sua manutenção ou que as medidas restritivas
perdurassem indefinidamente no tempo ou fossem reeditadas ao sabor dos governantes
da ocasião.
Também parece inapropriado atribuir-se competência a outras
autoridades, que não o Presidente da República, para decretação do estado de
quarentena federal. A medida é grave e sua decretação deve ser extraordinária,
principalmente pelas restrições que importa à liberdade individual. Não é possível que
uma medida dessa gravidade, com tais conseqüências, não esteja vinculada diretamente
ao Presidente da República, ao Conselho da República e ao Conselho de Defesa
Nacional, nos mesmos moldes que o estado de defesa e o estado de sítio. Mas o projeto
de lei atribui competência ao Presidente de uma autarquia federal para propor e ao
Ministro de Estado da Saúde para declarar o estado de quarentena federal (art. 33 do
Projeto de Lei 6.952/02), surpreendentemente subtraindo do Presidente da República a
responsabilidade política pela decretação da medida.
90
Nesse sentido, “evidente que não se pode admitir a adoção de uma terceira hipótese de exceção – que
é reservada à previsão constitucional – por Medida Provisória. Somente uma Emenda Constitucional
teria o condão de inserir em nosso Ordenamento tal dispositivo. Em suma, o que o legislador constituinte
pretendeu, inequivocamente, é que os direitos e garantias individuais e coletivas, mormente àqueles que
dizem respeito a direitos difusos, portanto indisponíveis, não são passíveis de flexibilização, suspensão e,
muito menos, revogação. Quaisquer dessas hipóteses significa violação ao mandamento constitucional.
Daí a inconstitucionalidade flagrante de todo o capítulo V da Medida Provisória nº 33 de 2002”
(REZENDE, Conceição et al. Nota técnica: sobre a Medida Provisória nº 33, de 19 de fevereiro de
2002. Obtido na Internet, no site www.pt.org.br/assessor/NotaMP33.doc, em 15/10/02).
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53
O único mérito do projeto de lei é trazer para a discussão legislativa e
debate social o tema da “emergência sanitária”, o que se faz urgente diante do quadro
mundial e da evolução das biotecnologias e respectivos riscos, sendo importante que
sejam previstas medidas para que as autoridades públicas possam enfrentar situações de
calamidade pública sanitária que não tenham ainda atingido o grau de instabilidade que
autoriza a decretação de estado de defesa ou de estado de sítio91
. Mas a forma como a
questão foi disciplinada, especialmente no tocante às respectivas competências
administrativas, parece de todo inapropriada, porque subtrai do Presidente da República
essa importante decisão política, o faz juridicamente irresponsável pela decretação da
medida e, principalmente, atribui demasiados poderes ao Presidente da Agência e ao
Ministro de Estado da Saúde, sem o respectivo respaldo constitucional.
Por fim, se a calamidade pública sanitária atinge proporções que
coloquem em risco a ordem pública ou a paz social, é possível a decretação do estado de
defesa e do estado de sítio92
. Ambos são mecanismos constitucionalmente previstos
para a defesa do Estado e das instituições democráticas (arts. 136-141 da CF/88)93
,
constituindo situações excepcionais de atuação estatal, em que há possibilidade de
restrição a alguns dos direitos constitucionalmente assegurados e adoção de medidas
necessárias para o enfrentamento da calamidade pública e retorno à normalidade
institucional94
. O equilíbrio é o elemento que caracteriza a ordem constitucional, sendo
que a competição entre os distintos grupos sociais só é tolerável na medida em que esses
91 A própria regulamentação detalhada do estado de defesa ainda se faz necessária, para que se
estabeleçam os limites e termos para as providências a serem adotadas pelo Presidente da República e
seus executores, como consta do art. 136-§ 1º da CF/88: “o decreto ... indicará, nos termos e limites da
lei, as medidas coercitivas ...” (grifou-se).
92 Nesse sentido, “com a expressão „Estado de sítio‟ se quer geralmente indicar um regime jurídico
excepcional a que uma comunidade territorial é temporariamente sujeita, em razão de uma situação de
perigo para a ordem pública, criado por determinação da autoridade estatal ao atribuir poderes
extraordinários às autoridades públicas e ao estabelecer as adequadas restrições à liberdade dos
cidadãos. As circunstâncias perturbadoras que costumam dar lugar a tal situação são, em geral, de
ordem política, mas podem também ser acontecimentos naturais como terremotos, epidemias, etc; neste
caso, o perigo para a ordem pública não está nas circunstâncias perturbadoras que ocasionaram o
Estado de sítio, mas em seus efeitos” (BALDI, Carlo. Estado de sítio. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário
de Política. 4ª edição. 1º vol. Brasília: Editora da UnB, 1992, p. 415).
93 Para um apanhado histórico da previsão e utilização desses instrumentos excepcionais no Brasil e nas
Constituições Brasileiras, recomenda-se ver: (a) NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (1ª parte).
Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02, n. 05, pp. 134-180, março de 1965; (b) NAUD, Leda
Maria Cardoso. Estado de sítio (2ª parte: 1910-1922). Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02,
n. 06, pp. 61-88, junho de 1965; (c) NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (3ª parte: 1922-1930).
Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02, n. 07, pp. 121-148, setembro de 1965; (d) NAUD,
Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (4ª parte: 1930-1937). Revista de Informação Legislativa, Brasília,
a. 02, n. 08, pp. 49-74, dezembro de 1965; (e) NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (5ª parte:
1946-1965). Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02, n. 09, pp. 119-164, março de 1966; (f)
NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio e suspensão das liberdades individuais. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, a. 03, n. 12, pp. 227-238, outubro-dezembro de 1966.
94 Mas a invocação do estado de necessidade está sujeito a dupla exigência: “(1) em primeiro lugar, não
há qualquer fonte de legitimidade para regimes de exceção a não ser a própria lei fundamental (...),
donde resulta a inadmissibilidade do recurso a „princípios‟ ou „razões‟ extraconstitucionais para
introduzir legalmente regimes de excepção; (2) o direito de necessidade simples tem de conformar-se
formal e materialmente com as normas constitucionais, podendo, com base nestas, justificarem-se
restrições (nunca suspensões) a direitos, liberdades e garantias para salvaguarda de outros bens
constitucionalmente protegidos” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª
edição. Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 865).
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mesmos grupos estejam subordinados aos procedimentos constitucionais95
. No instante
em que uma calamidade pública sanitária acontece e expõe à risco esse equilíbrio na
ordem pública e na paz social, acontece a atuação de regramento constitucional próprio,
apto a lidar com essa situação extraordinária de desequilíbrio, garantindo a higidez das
instituições democráticas mesmo em tempos de crise96
. Não é fácil a decisão pela
decretação do estado de exceção, que vai permitir a passagem de uma legalidade
ordinária para aquela excepcional. Para essa passagem, duas avaliações devem ocorrer:
“a verificação da situação de perigo para a ordem pública e a determinação da
necessidade de reagir com medidas excepcionais”97
.
O estado de defesa é cabível para enfrentamento de “calamidades de
grandes proporções na natureza”, como previsto no art. 136 da CF/88. Para que seja
decretado nessas situações, não basta apenas a ocorrência da situação objetiva da
calamidade natural de grandes proporções, mas é preciso que essa situação seja tão
grave a ponto de ameaçar a ordem pública ou a paz social em locais determinados do
País98
. Um dos princípios que rege o sistema constitucional das crises é a necessidade
das medidas, isto é, a decretação do estado de exceção é condicionada à ocorrência do
respectivo pressuposto fático e os meios de resposta têm sua executoriedade restrita e
vinculada a cada anormalidade em particular99
.
A decretação do estado de defesa não está submetido a juízo arbitrário
do Presidente da República (art. 84-IX da CF/88), havendo expressa previsão
constitucional dos respectivos requisitos e limites da medida, sendo que o respectivo
decreto especificará o tempo de duração (não superior a trinta dias, prorrogável uma vez
por igual período), as áreas abrangidas e as medidas coercitivas a vigorarem enquanto
estiver vigente (art. 136-§§ 1º e 2º da CF/88)100
. Obviamente, isso não significa retirar o
95 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1990, p. 635.
96 Nesse sentido, “a legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege
o estado de exceção” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 635).
97 E isso traz dificuldades e riscos graves: “Estas avaliações, embora não tenham um valor peculiar do
ponto de vista formal, constituem elementos assaz delicados; do seu completo e equilibrado cumprimento
depende o afastamento ou não dos perigos que ameaçam a estabilidade do sistema constitucional. Isto
porque, normalmente, os órgãos aos quais compete a constatação e a avaliação da situação de perigo
são os mesmos que estão habilitados a pôr em prática as medidas extraordinárias prevista para o Estado
de sítio, com a conseqüência de que pode ocorrer – como de fato tem ocorrido na prática de vários
ordenamentos – que a avaliação dos perigos para as instituições seja feito em função do comportamento
de grupos de oposição” (BALDI, Carlo. Estado de sítio. In: BOBBIO, Norberto [et alii]. Dicionário de
Política. 4ª edição. 1º vol. Brasília: Editora da UnB, 1992, p. 413).
98 Nesse sentido, “a calamidade é sempre um fato de desajuste no âmbito de sua verificação, mas, nos
termos do texto constitucional [art. 136 da CF/88], ela terá que ser de grandes proporções e ainda gerar
uma situação de séria perturbação à ordem pública ou à paz social para servir de base à decretação do
estado de defesa” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 636).
99 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1990, p. 635.
100 Nesse sentido, embora examinando a Constituição anterior à de 1988, mencionou-se que “Não há
negar (...) que se impõe preveja o regime democrático, instaurado em estado de direito, para sua
segurança, os processos e instrumentos de defesa, criando mecanismo excepciona, que possa ser
acionado imediatamente, em caso de crise que ponha em risco as instituições. Há, contudo, de,
respeitada aquela margem de discricionariedade, na qual é impossível avaliar exatamente os motivos
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caráter político do ato, que envolve um certo grau de discricionariedade no exercício do
poder governamental, no tocante àquilo que os governantes podem e devem realizar
para cumprirem seus deveres constitucionais: “a intervenção do Governo não se
reconduz a uma simples função consultiva, de caráter neutro, interno e preparatório
(com o objetivo exclusivo de dar parecer, esclarecer ou estudar a declaração do estado
de exceção). O ato de pronúncia do Governo é um ato de juízo com relevância
autônoma, em que o Governo exprime a sua opinião sobre os pressupostos
legitimadores da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, avalia
discricionariamente o mérito da eventual decisão e aprecia as possibilidades e limites
das medidas que a ele pertencerá adotar (como órgão encarregado da defesa nacional,
da manutenção da ordem e segurança em tais situações)”101
.
A Constituição Federal não traz uma conceituação precisa e fechada
do que fosse uma “calamidade pública” capaz de autorizar a decretação das medidas de
exceção. É certo que das regras constitucionais é possível extrair que não é qualquer
desastre da natureza que pode ser classificado como tal, nem pode o Presidente da
República se utilizar livremente do conceito, segundo sua vontade, para recorrer à
legalidade de exceção. Ao contrário, as medidas excepcionais de salvaguarda
constitucional somente podem ser invocadas pelo Presidente da República quando se
está diante de uma situação grave, que desafie o próprio Estado e suas Instituições.
Então, diante daquelas hipóteses constitucionalmente previstas, caberá ao Presidente da
República ouvir seus Conselhos e decidir, segundo os juízos (políticos) de oportunidade
e conveniência que fizer, se deve ou não recorrer às medidas excepcionais, estando sua
decisão sujeita a controle pelos demais Poderes da República, seja na via política (Poder
Legislativo), seja na via jurisdicional (Poder Judiciário). Tanto é verdade que não há
absoluta margem de arbítrio para o Presidente da República aplicar as medidas
excepcionais, que o art. 8º da Lei 1.079/50, que define e sanciona os crimes de
responsabilidade do Presidente, inclui entre as figuras delituosas o “decretar o estado de
sítio, estando reunido o Congresso Nacional, ou no recesso deste, não havendo
comoção interna grave nem fatos que evidenciem estar a mesma a irromper ou não
ocorrendo guerra externa”. Ou seja, não é qualquer situação fática que se presta para
justificação das medidas de exceção que venham a ser determinadas pelo Presidente da
República, que não goza de liberdade política absoluta para fazê-lo. Ao decidir pela
implantação das medidas excepcionais (ou ao não implementá-las), o Presidente da
República está decidindo politicamente, com uma certa margem de discrição no tocante
à conveniência e oportunidade das providências, submetendo-se então aos controles
próprios do Estado Democrático de Direito, inclusive à eventual cassação ou
responsabilização, como adiante será melhor examinado.
Também não há liberdade do Poder Executivo na adoção de medidas
coercitivas, devendo observar os termos e limites da lei, somente podendo estabelecer
que caracterizam a situação que exige a excepcionalidade, examinar as condições ocorrentes, tendo em
vista, além do ensinamento da doutrina, as peculiaridades nacionais. (...) Vários são os riscos, de toda
ordem, das emergências constitucionais: o primeiro, é que excedam o alcance que lhes é previsto,
alargando as medidas autorizadas; o segundo, é que se prolonguem mais do que o necessário, quando
não indefinidamente; o terceiro, que não haja correção possível para os excessos cometidos, difícil como
é a caracterização destes, quando se trata de atos discricionários” (CORRÊA, Oscar Dias. A Defesa do
Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de Janeiro: Presença, 1980, pp. 31-32).
101 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Livraria Almedina,
1987, p. 869.
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restrições aos direitos de reunião, de sigilo de correspondência e de sigilo de
comunicações telegráfica e telefônica (art. 136-§ 1º-I da CF/88), e a ocupação e uso
temporário de bens e serviços públicos, respondendo a União pelos danos e custos
decorrentes (art. 136-§ 1º-II da CF/88)102
. Afinal, “o direito de necessidade
constitucional não é um direito fora da Constituição, mas um direito normativo-
constitucionalmente conformado”, porque “o regime das „situações de exceção‟ não
significa „suspensão da Constituição‟ ou „exclusão da Constituição‟ (exceção de
Constituição), mas sim um „regime extraordinário‟ incorporado na Constituição e
válido para situações de anormalidade constitucional”103
. Isso não afasta, entretanto, o
problema decorrente da imprecisão e vaguidade próprias da disciplina constitucional das
situações de exceção, já que não seria possível ao constituinte antecipar normativamente
todas as possibilidades fáticas que talvez venham a exigir a adoção de providências
específicas104
.
Não tendo a decretação de estado de defesa conseguido enfrentar a
calamidade pública sanitária de modo satisfatório, havendo “comoção grave de
repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida
tomada durante o estado de defesa”, é possível ao Presidente da República solicitar ao
Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio (art. 137 da CF/88). A
solicitação do Presidente da República está vinculada aos motivos determinantes do
pedido, que devem ser relatados e explicitados ao Congresso Nacional (art. 137-§ único
da CF/88). O princípio da necessidade continua vigorando também no estado de sítio.
Aqui também existe vinculação do Presidente da República às
hipóteses constitucionais, devendo o respectivo decreto indicar a duração (não pode ser
decretado por período superior a 30 dias, podendo ser sucessivamente prorrogado, desde
que em prazo não superior a 30 dias, de cada vez), as normas necessárias para sua
execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas (art. 138 da CF/88).
A vigência do estado de sítio permite à autoridade executiva a adoção
das seguintes medidas contra as pessoas: (a) obrigação de permanecer em localidade
determinada105
; (b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por
102 Nesse sentido, “a expressão „bens e serviços públicos‟ não pode nem deve ser entendida como
vinculada apenas a bens públicos, mas a qualquer espécie de bens. O adjetivo „públicos‟ vincula-se
apenas aos serviços. Qualifica-os, mas não está restringindo o substantivo „bens‟. A dicção a ser
entendida é de bens públicos e privados e serviços públicos‟” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives
Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5º volume (arts. 136 a 144). São Paulo: Editora Saraiva,
1997, p. 31).
103 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Livraria Almedina,
1987, p. 852.
104 Nesse sentido, “o que tem caracterizado a fixação nos textos constitucionais das emergências e
poderes excepcionais, tem sido, precisamente ... a imprecisão, o vago, o indefinido. O texto francês, por
exemplo, refere-se a „les mesures exigées par les circonstances‟ numa indefinição, imprevisão e
vaguedade que autorizam todas as interpretações, usos e ampliações, ao sabor de quem é destinatário
delas” (CORRÊA, Oscar Dias. A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de
Janeiro: Presença, 1980, p. 32). Por isso, a importância do controle e fiscalização dos demais Poderes da
República quanto às decisões do Presidente da República no tocante aos estados de defesa constitucional.
105 Guardadas as proporções históricas, é interessante transcrever um comentário sobre a ordem de
fechamento das casas contaminadas pela Grande Peste, em Londres, no ano de 1665: “É verdade que
trancar as portas das casas das pessoas e colocar um vigia noite e dia para impedir que saíssem ou que
alguém viesse visitá-las, quando muitas pessoas saudáveis talvez tivessem escapado se fossem afastadas
das pessoas doentes, parecia muito duro e cruel. Muitos morreram nesse miserável confinamento quando
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crimes comuns; (c) restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo
das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e
televisão, na forma da lei; (d) suspensão da liberdade de reunião; (e) busca e apreensão
em domicílio; (f) intervenção em empresas de serviços públicos; (g) requisição de bens
(art. 139 da CF/88).
Numa situação de calamidade pública sanitária, algumas dessas
medidas podem se fazer necessárias, por exemplo, para que uma doença contagiosa
tenha sua propagação dificultada, ou para que as medidas terapêuticas necessárias sejam
adotadas para debelar ou minimizar os efeitos da contaminação106
. Pode ser o caso de
restringir-se o direito de reunião ou obrigar-se o confinamento de pessoas em
determinada localidade, para evitar o contágio e propagação da moléstia107
. No caso de
um acidente nuclear ou de contaminação biológica, pode ser necessário limitar o
trânsito de pessoas numa determinada região, ou então instituir uma espécie de
quarentena alcançando aqueles suspeitos de estarem contaminados, inclusive
impedindo-se a realização de reuniões e encontros. Pode ser também necessária a busca
e apreensão de bens em domicílios, para que sejam destruídos aqueles objetos e bens
suspeitos ou que possam estar de alguma forma contaminados. A violação do sigilo da
correspondência pode ser necessário por estarem as cartas e tráfego postal sendo
utilizados como instrumentos para a transmissão do agente químico ou biológico
causador de moléstia, como aconteceu recentemente no caso do anthrax, em várias
partes do mundo108
. Ou então pode ser imperioso que as autoridades públicas ocupem e
faz sentido crer que não teriam se contaminado se tivessem liberdade, embora a peste estivesse em suas
casas. No começo, a população ficou muito revoltada e inquieta e muitos atos de violência se cometeram
em agressão aos homens designados para vigiar as casas fechadas. Muita gente também saiu à força em
diversos lugares (...). Mas isso era para o bem comum, justificando-se o sacrifício individual, e não havia
como obter benevolência para os apelos dirigidos às autoridades ou ao governo da época, pelo menos
que eu tenha ouvido falar” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios,
2002, p. 63).
106 Nesse sentido, em se tratando de doenças infecciosas e respectivas epidemias, historicamente se
adotam instrumentos como a quarentena, o isolamento e o cordão sanitário. Refere-se que “a quarentena,
juntamente com o isolamento, talvez sejam os primeiros instrumentos aplicados sistematicamente no
controle das doenças infecciosas. Ambos determinam a separação de indivíduos de seus contatos
habituais, assumindo caráter compulsório, visando defender as pessoas sadias, separando-as das
doentas ou daquelas que potencialmente poderiam vir apresentar essa condição (...). Um terceiro
instrumento, que surge por extensão dos dois já citados, é o de cordão sanitário, dirigido a bairros,
cidades ou áreas delimitadas e não a indivíduos. Tinha por objetivo isolar as zonas afetadas para
defender as „áreas limpas‟ da contaminação pelas doenças epidêmicas” (WALDMAN, Eliseu Alves. O
controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária. Revista de Direito Sanitário, São
Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 92).
107 Por exemplo, no caso da varíola, é recomendado que “patients diagnosed with smallpox should be
physically isolated. All persons who have or will come into close contact with them should be vaccinated.
As hospitals have proven to be site of epidemic magnification during smallpox outbreaks, patient
isolation at home is advisable where hospitals do not have isolation facilities. Whatever the policy,
isolation is essential to break the chain of transmission” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Who
Fact Sheet on Smallpox. Geneva: WHO, 2001. Obtido na internet, no site
www.who.int/emc/diseases/smallpox/factsheet.html, em 26/08/02).
108 Nesse sentido, WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for the Surveillance and Control
of Anthrax in Humans and Animals (WHO/EMC/ZDI/98.6). Geneva: WHO, 1998. Obtido na internet,
no site www.who.int/emc-documents/zoonoses/docs/whoemczdi986_nofigs.html, em 26/08/02. Também:
INGLESBY, Thomas V. [et alii]. Anthrax as a Biological Weapon. Journal of American Medical
Association, vol. 287, nº 17, 01 de maio de 2002. Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em
11/12/02.
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intervenham em determinadas empresas de serviços públicos, direcionando os
respectivos recursos para o combate da calamidade pública e minoração de suas
conseqüências danosas. Ou então adotem medidas para preservação da ordem pública,
evitando saques e danos ao patrimônio público e privado109
. O que importa é que as
medidas estejam dentre aquelas constitucionalmente previstas, que exista uma situação
de risco e necessidade que justifique a restrição da garantia ou a adoção da medida
coercitiva, e que o decreto do Presidente da República, com a respectiva autorização
congressual, seja devidamente fundamentado e explícito no tocante a isso, permitindo
assim o ulterior controle das práticas adotadas e providências empreendidas na defesa
contra a calamidade pública. Além disso, “uma medida excepcional somente é
admissível se ela serve àquela reparação e corresponde ao princípio da
proporcionalidade”110
.
Quanto ao direito à vida, não parece possível que possa ser suprimido
durante o estado de sítio, por exemplo, determinando-se o sacrifício de pessoas que
estejam contaminadas por alguma moléstia incurável, altamente contagiosa, ou
inevitavelmente letal, como se vê em filmes de ficção científica. Pensando mais em
termos de situações de guerra, responde a doutrina negativamente à pergunta sobre a
possibilidade de sacrificarem-se vidas humanas numa situação de calamidade pública:
“Ainda com referência às medidas contra pessoas, pode-se
indagar se, admitindo de modo geral a forma qualificada do estado de
sítio a suspensão de qualquer das garantias individuais, o direito à
vida pode ser suspenso. Ou, em outras palavras, se nesse caso podem
109 Nesse sentido, descrevendo os comportamentos humanos durante a Grande Peste que atingiu Londres
em 1665, Daniel Defoe apresenta um relato de extraordinária atualidade: “Embora pudesse ser uma coisa
maravilhosa dizer que ninguém teria um coração tão endurecido por tal calamidade para assaltar e
roubar, a verdade é que todas as formas de vilanias, canalhices e libertinagem foram praticadas tão
abertamente como sempre na cidade” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes
& Ofícios, 2002, p. 28). A mesma obra apresenta, misturando o tom jornalístico ao ficcional, uma relação
das “ordens concebidas e publicadas pelo Lorde Prefeito e Vereadores da City de Londres referentes à
epidemia de Peste, 1665” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios,
2002, pp. 52-61), que dão idéia da alteração na vida social e na estrutura administrativa durante um
período de calamidade pública sanitária. Embora alguns séculos já se tenham passado desde então, o texto
guarda uma incrível atualidade, provavelmente porque “as epidemias mudaram, mas os povos continuam
os mesmos”. Também Albert Camus examina o comportamento individual num quadro de calamidade
sanitária, mostrando as possibilidades da violência entre os indivíduos: “a doença, que aparentemente
tinha forçado os habitantes à solidariedade de sitiados, quebrava ao mesmo tempo as associações
tradicionais e devolvia os indivíduos à sua solidão. Isto causava tumultos. (...) As portas da cidade foram
atacadas de novo durante a noite, repetidamente, mas desta vez por pequenos grupos armados. Houve
troca de tiros, feridos e algumas fugas. Os postos de guarda foram reforçados e estas tentativas cessaram
com certa rapidez. No entanto, isso bastou para levantar na cidade um sopro de revolução que provocou
algumas cenas de violência. Casas incendiadas ou fechadas por motivos sanitários foram saqueadas. A
bem da verdade, é difícil supor que estes atos tenham sido premeditados. Na maior parte das vezes, uma
oportunidade súbita levava pessoas até então respeitáveis a ações repreensíveis que eram logo imitadas.
Encontraram-se, assim, indivíduos furiosos capazes de se precipitarem numa casa ainda em chamas na
presença do próprio dono, imbecilizado pela dor. Diante da indiferença do morador, o exemplo dos
primeiros foi seguido por muitos espectadores e, nessa rua obscura, à luz do incêndio, viram-se fugir por
todos os lados sombras deformadas pelas chamas moribundas e pelos objetos ou móveis que carregavam
nos ombros. Foram incidentes que forçaram as autoridades a assimilar o estado de peste ao estado de
sítio e a aplicar as leis decorrentes” (CAMUS, Albert. A Peste. 13ª edição. São Paulo: Editora Record,
2002, p. 152).
110 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 529.
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os tribunais militares aplicar a pena de morte. A afirmação de que a
forma qualificada do estado de sítio admite a suspensão de todas as
garantias individuais [na vigência de ordem constitucional anterior
àquela de 1988], tem de ser compreendida em termos.De fato, essa
suspensão só pode atingir aquelas garantias que por sua natureza
disso são suscetíveis. Ora, a pena de morte não suspende o direito à
vida, suprime-o. Nem é suscetível de reparação, em termos rigorosos,
cessado o sítio. Logo, a resposta tem de ser negativa”111
.
Entretanto, no caso de calamidade pública sanitária gravíssima, a
resposta não poderia ser dada apenas com o recurso à vedação do art. 5º-XLVII-a da
CF/88 (que impede a pena de morte), porque não se trata de aplicação de sanção
criminal, mas se está cogitando da adoção da morte de indivíduos como meio de defesa
contra a propagação de uma peste ou epidemia, por exemplo. Obviamente, se está
falando apenas de casos extremos, gravíssimos, quase beirando à ficção científica, e não
daquelas situações em que o Estado ou os governantes considerem esse ou aquele
indivíduo ou classe de indivíduos nocivos e prejudiciais (o extermínio de grupos raciais
e ideológicos pelo nazismo e stalinismo, por exemplo). Não há possibilidade, no
âmbito dessa monografia, de responder à pergunta de se o Estado estaria autorizado a
determinar o aniquilamento físico de determinados indivíduos que apresentassem risco
de contágio aos demais, por exemplo, sem que tivesse cometido um crime ou pudesse
ser subjetivamente responsabilizado por sua atual condição de perigo. Não seria
possível uma resposta superficial, dizendo que o direito à vida não pode nunca ser
suprimido, porque a própria Constituição faz opção, num determinado instante, pelo
aniquilamento de indivíduos, quando permite que o Estado adote a pena de morte em
tempo de guerra, segundo a legislação militar (a ressalva da parte final do art. 5º-
XLVII-a da CF/88). Então, se no caso de guerra externa, é possível ao Estado matar um
criminoso de guerra e se os soldados do Estado são obrigados a matar os indivíduos do
Estado inimigo, as decisões sobre vida e morte são próprias dos negócios estatais, não
podendo causar surpresa que algumas vezes a vida individual seja sacrificada pelo
Estado em favor das demais vidas individuais. Não se está aqui defendendo a
possibilidade de supressão do direito à vida em situações de gravíssima e incontrolável
calamidade pública sanitária (uma espécie de estado de necessidade coletivo). Apenas
se está apontando a dificuldade de solução duma questão desse tipo a partir das
estruturas de vida cotidiana e normalidade institucional em que se está acostumado a
viver, criticando então aqueles que ingenuamente invocam a vedação constitucional da
pena de morte como argumento suficiente para uma resposta definitiva àquela questão.
Não são fáceis as respostas para as situações em que as leis, ordinárias ou excepcionais,
não bastam.
Embora não seja constitucionalmente prevista medida específica
quanto a isso, pode se fazer presente a necessidade de adoção de medidas excepcionais
no tocante à destruição dos corpos das vítimas que, por exemplo, tenham falecido em
decorrência de uma epidemia, evitando assim o contágio. É o caso, por exemplo, da
febre hemorrágica causada pelo vírus Ebola, em que há risco de contaminação quando
da manipulação dos cadáveres nas práticas funerárias e na própria autópsia112
. Também
111 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1964, p. 156.
112 Nesse sentido, “POSTMORTEM PRACTICES. In the event of an outbreak of VHF, special provisions
will be required for burial practices. Contact with cadavers has been implicated as a source of
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aqui a literatura retratou os possíveis horrores de uma calamidade pública sanitária,
quanto à inviabilidade da manutenção de práticas funerárias e religiosas ordinárias em
tempos de epidemia, sendo de mencionarem-se alguns trechos das obras de Daniel
Defoe113
e de Albert Camus114
, que são suficientes para que se possa pensar sobre o
transmission in the Kikwit Ebola outbreak of 1995 and in Uganda in 2000. We recommend that trained
personnel, using the same infection control precautions as those used to transport ill patients, handle the
bodies of patients who die of VHF. Autopsies should be performed only by specially trained persons using
VHF-specific barrier precautions and HEPA-filtered respirators (N-95 masks or PAPRs) and negative-
pressure rooms, as would be customary in cases in which contagious biological aerosols, such as
Mycobacterium tuberculosis, are deemed a possible risk. We recommend prompt burial or cremation of
the deceased, with minimal handling. Specifically, no embalming should be done. Surgery or postmortem
examinations are associated with increased risks of transmission and should be done only when
absolutely indicated and after consultation with experts” (BORIO, Luciana [et alii]. Hemorrhagic Fever
Viruses as Biological Weapons. Journal of American Medical Association, vol. 287, nº 18, 08 de maio
de 2002. Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).
113 Nesse sentido, “esta cena foi realmente muito triste e me tocou tanto quanto o resto, ou quase, pois
tudo era medonho e cheio de terror. O carro trouxe dezesseis ou dezessete cadáveres, alguns envoltos em
lençóis de linho, outros em trapos, quase nus ou tão mal cobertos que os panos se soltavam enquanto o
carro jogava os corpos, que caíam seminus entre os outros. Isto não tinha muita importância e ninguém
se incomodava com a indecência, pois estavam todos mortos e tinham que ser enterrados juntos na vala
comum da humanidade, como poderíamos chamá-la. Ali não havia diferença, pobres e ricos iam juntos.
Não havia outra maneira de enterrá-los, nem poderia haver, pois não se conseguiriam caixões suficientes
para a prodigiosa quantidade de gente que sucumbiu naquela calamidade” (DEFOE, Daniel. Um diário
do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2002, pp. 78-79). Mais adiante, refere-se que “é aqui,
entretanto, que se deve observar que, depois, os enterros se tornaram tantos que não havia mais tempo
para tocar o sino, velar e chorar ou se vestir de preto pelos outros como antigamente. Não, nem podiam
fazer caixões para os mortos” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes &
Ofícios, 2002, p. 194).
114 Nesse sentido, embora longa a citação, ela dá um panorama completo das necessidades e
possibilidades humanas em tempos sombrios: “o que caracterizava no início as nossas cerimônias
[fúnebres] era a rapidez! Todas as formalidades haviam sido simplificadas e, de uma maneira geral, a
pompa fúnebre fora suprimida. Os doentes morriam longe da família e tinham sido proibidos os velórios
rituais, de modo que os que morriam à tardinha passavam a noite a sós e os que morriam de dia eram
enterrados sem demora. Naturalmente, a família era avisada, mas, na maior parte dos casos, não podia
deslocar-se por estar de quarentena, se tinha vivido perto do doente. No caso de a família não morar
com o defunto, apresentava-se à hora indicada, que era a da partida para o cemitério, depois de o corpo
ter sido lavado e colocado no caixão. Suponhamos que esta formalidade se tenha passado no hospital
auxiliar de que se ocupava o doutor Fieux. A escola tinha uma saída por trás do edifício principal. Numa
grande peça que dava para o corredor, amontoavam-se os caixões. No próprio corredor, a família
encontrava um único caixão, já fechado. Passava-se logo ao mais importante, quer dizer, fazia-se o chefe
da família assinar papéis. Em seguida, colocava-se o corpo num carro que podia ser um verdadeiro
carro funerário ou uma ambulância adaptada. Os parentes tomavam um dos táxis ainda autorizados e, a
toda a velocidade, os carros dirigiam-se ao cemitério por ruas exteriores. À porta, os guardas faziam
parar o cortejo, davam uma carimbada no salvo-conduto oficial, sem o qual era impossível ter o que os
nossos concidadãos chamam de última morada, desapareciam, e os carros iam colocar-se perto de um
quadrado onde numerosas covas esperavam que as enchessem. Um padre acolhia o corpo, pois os
serviços fúnebres tinham sido suprimidos na igreja. Tiravam o caixão para as preces, passavam-lhe uma
corda, era arrastado, deslizava, batia no fundo, o padre agitava o seu hissope e já a primeira pá de terra
caía sobre o esquife. A ambulância partira um pouco antes para se submeter a uma desinfecção e,
enquanto as pás de terra ressoavam cada vez mais surdas, a família metia-se no táxi. Quinze minutos
depois, chegava em casa. Assim, tudo se passava na verdade com o máximo de rapidez e o mínimo de
riscos. E, sem dúvida, no princípio, pelo menos, é evidente que o sentimento natural das famílias se
ofendia. Em tempo de peste, porém, não é possível levar em conta semelhantes considerações: tinha-se
sacrificado tudo à eficácia. Além disso, se a princípio, o moral da população se ressentira com estas
práticas, porque o desejo de ser enterrado decentemente é muito mais profundo do que se supõe, pouco
depois, por felicidade, o problema do abastecimento tornou-se delicado e o interesse dos habitantes
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alcance do direito à liberdade religiosa em tempos de calamidade pública sanitária,
quando a manutenção dessas práticas religiosas e ritos funerários tragam possibilidade
de risco sanitário para a vida das demais pessoas. Até que ponto vai o direito do
indivíduo e da sua família para prestarem o devido culto aos seus mortos? Parece-nos
que esse direito, em conflito com o direito à vida, tem de ser relativizado e adequado às
circunstâncias da ocasião, impedindo por exemplo a propagação de uma epidemia
altamente contagiosa.
6. “DEPOIS” DA CALAMIDADE
Uma vez ocorrida a calamidade pública sanitária, deverá existir um
momento em que terá diminuído a intensidade de seus efeitos, sendo então possível o
retorno à normalidade institucional, já que não estão mais presentes os motivos
determinantes do estado de defesa e do estado de sítio. Não obstante possa variar em
grau e intensidade o alcance das medidas de defesa adotadas, alcançando parte ou a
totalidade do território nacional, é certo que a previsão da exceção constitucional,
rigidamente elencada na Constituição, evidencia a pretensão do constituinte de que, uma
vez superada a crise institucional e afastada a ameaça sanitária, as coisas voltem ao
estado de normalidade institucional. É o princípio da temporariedade que caracteriza o
sistema constitucional das crises.
derivou para preocupações mais imediatas. Absorvidas pelas filas que era preciso fazer; pelas
providências a tomar e pelas formalidades a cumprir caso quisessem comer, as pessoas não tiveram
tempo de se ocupar da maneira como se morria à sua volta e como elas próprias morreriam um dia.
Assim, estas dificuldades materiais que deviam ser um mal revelaram-se depois um benefício. E tudo
teria ocorrido bem, se a epidemia não se tivesse alastrado, como já vimos. Pois os caixões escassearam,
faltou pano para as mortalhas e lugar nos cemitérios. Foi necessário tomar algumas precauções. O mais
simples, e ainda por razões de eficácia, pareceu agrupar as cerimônias e, quando a coisa era necessária,
multiplicar as viagens entre o hospital e o cemitério. Assim, no que diz respeito ao serviço de Rieux, o
hospital dispunha neste momento de cinco caixões. Uma vez cheios, a ambulância os transportava. No
cemitério, eram esvaziados, os corpos cor de ferro eram colocados em macas e esperavam num local
preparado para esse fim. Os caixões eram regados com uma solução anti-séptica e levados novamente
para o hospital, onde a operação recomeçava tantas vezes quantas fossem necessárias (...). Apesar destes
êxitos de administração, o caráter desagradável de que se revestiam agora as formalidades obrigou a
prefeitura a afastar os parentes da cerimônia. Tolerava-se apenas que viessem até a porta do cemitério e
até isso não era oficial. Porque, no que se refere à última cerimônia, as coisas tinham mudado um pouco.
Num extremo do cemitério (...), tinham sido abertas duas enormes fossas. Havia a fossa dos homens e a
das mulheres. Sob este aspecto, as autoridades respeitavam as conveniências e foi só muito mais tarde
que, pela força das circunstâncias, este último pudor desapareceu e se enterraram de qualquer maneira,
uns sobre os outros, sem preocupações de decência, os homens e as mulheres. Felizmente, esta confusão
extrema marcou apenas os últimos momentos do flagelo. No período de que nos ocupamos, a separação
das fossas existia e as autoridades eram muito exigentes em relação a isso. No fundo de cada uma delas,
uma espessa camada de cal viva fumegava e fervilhava. Nas bordas do mesmo buraco, um montículo da
mesma cal deixava suas bolhas arrebentarem ao ar livre. Depois de acabadas as viagens da ambulância,
levavam-se as macas em cortejo, deixavam escorregar para o fundo, mais ou menos ao lado uns dos
outros, os corpos desnudos e ligeiramente retorcidos que, nesse momento, eram recobertos de cal viva e
depois de terra, mas só até uma certa altura, a fim de poupar espaço para os futuros hóspedes. No dia
seguinte, os parentes eram convidados a assinar um registro, o que mostra a diferença que pode haver
entre os homens e, por exemplo, os cães: a verificação era sempre possível” (CAMUS, Albert. A Peste.
13ª edição. São Paulo: Editora Record, 2002, pp. 153-156).
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Uma prova evidente dessa intenção constitucional é a previsão de
período determinado e limitado de tempo em que pode persistir o estado de defesa (o
máximo de trinta dias, prorrogável uma vez por igual período, conforme art. 136-§ 2º da
CF/88), que já deve vir fixado no respectivo decreto do Presidente da República (art.
136-§ 1º da CF/88). Também no estado de sítio há essa preocupação do constituinte,
exigindo que a autorização do Congresso e o decreto do Presidente da República
indiquem sua duração (art. 138-caput da CF/88), que no caso de calamidade pública não
poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo
superior (art. 138-§ 1º da CF/88). É o princípio da temporariedade que também
caracteriza o sistema constitucional das crises, impedindo que a legalidade
extraordinária dos estados de exceção acabe se transformando em algo definitivo ou
permanente115
.
Com isso, o constituinte evidencia que a adoção das medidas
coercitivas e restritivas que a Constituição permite só podem durar o quanto for
necessário para o restabelecimento da ordem institucional e superação da calamidade
pública, evitando assim os riscos e a tentação autoritária de protelar indefinidamente tais
medidas116
. Essas medidas de exceção são acompanhadas do respectivo incremento de
poder para a autoridade pública, que passa a dispor de autorização para restringir
garantias constitucionais dos cidadãos e para impor medidas coercitivas contra as
pessoas que se encontrem na área de abrangência das medidas117
. Por isso, somente se
justificam enquanto estiverem presentes os motivos determinantes de sua adoção, sendo
preciso evitar a todo custo que a ordem democrática seja desnaturada pela adoção
definitiva e ilimitada do estado de exceção. Nunca se pode perder de vista que os
estados de exceção nada mais são do que mecanismos constitucionais para “defesa do
Estado e das Instituições Democráticas”, e por isso é preciso retornar-se, assim que
possível, à normalidade institucional. Do contrário, não se está defendendo as
Instituições Democráticas118
.
115 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1990, p. 635.
116 Nesse sentido, “sem que se verifique a necessidade, o estado de exceção configurará puro golpe de
estado, simples arbítrio; sem atenção ao princípio da temporariedade, sem que se fixe tempo limitado
para vigência da legalidade extraordinária, o estado de exceção não passará de ditadura” (SILVA, José
Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1990, p. 636).
117 Nesse sentido, “o fato de que o Estado de sítio seja ocasionado por situações de exceção não
previsíveis a priori e destinado a enfrentá-las faz com que não seja fácil determinar-lhe o regime a priori
e que este deva ser normalmente decidido, em cada caso, pelo órgão que resolveu instituí-lo. É a ele que
incumbe a obrigação e o poder de predispor os instrumentos extraordinários adaptados às necessidades
que a excepcionalidade da situação criou. Tais instrumentos são mais ou menos complexos e evidentes
na medida em que consistam em inovações de caráter orgânico ou em atribuições de poder que,
mantidas as organizações do público poder ordinário, sirvam para reforçar o executivo com o
alargamento das suas faculdades normais ou com a concessão de novas funções. Na situação de exceção
ocasionada pelo Estado de sítio, estabelecem-se novas relações entre indivíduos e autoridade,
concretizadas na limitação das liberdades fundamentais” (BALDI, Carlo. Estado de sítio. In: BOBBIO,
Norberto [et alii]. Dicionário de Política. 4ª edição. 1º vol. Brasília: Editora da UnB, 1992, pp. 413-414).
118 Não se pense que é fácil o caminho da legalidade de exceção. Existem muitos riscos na sua adoção,
que somente se justificam porque são maiores os perigos da ausência completa da legalidade nas relações
estatais. Sobre os riscos dessa legalidade excepcional, já foi dito que “a defesa da constituição por
métodos drásticos, que se opera com maior ou menor eficiência pelo estado de sítio, pela lei marcial ou
por qualquer outro sistema, não vai sem perigos. O recurso à força gera reação pela força que pde mais
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Em democracias incipientes e frágeis, como aquelas próprias dos
países da América Latina, há sempre o risco de grupos sociais que constitucionalmente
detenham o poder pretenderem se utilizar de medidas de exceção para manutenção
inconstitucional de uma situação de poder, deixando então de observar as regras
democráticas119
. Para que essa tentação autoritária não seduza governantes e autoridades
públicas, a Constituição estabelece uma série de mecanismos de controle do poder no
estado de defesa e no estado de sítio, que fazem com que ele não se confunda com uma
situação de exceção totalitária ou com um governo puramente de força. Ao contrário,
mesmo durante o estado de exceção, a Constituição se preocupa com a disciplina
jurídica das medidas permitidas às autoridades públicas, que visam evitar desvios de
finalidade, impedir excessos ou abusos de poder, e principalmente garantir o retorno à
normalidade institucional assim que possível. Existe uma legalidade, que deve ser
observada, ainda que excepcional. O Estado continua sendo “de direito” e
“democrático”.
Dentre esses mecanismos de controle da exceção, destaca-se:
(a) a existência da prévia possibilidade de decretação do estado de
defesa, antes do estado de sítio, para tentar enfrentar a calamidade pública de uma forma
menos incisiva, quando isso for possível, havendo assim uma gradação na exceção
constitucional, que faz o estado de sítio ser a última possibilidade constitucional para o
enfrentamento da crise (progressividade nas medidas de exceção);
(b) a disciplina rígida das hipóteses de estado de exceção e a
vinculação das autoridades e governantes a esses requisitos e procedimentos120
, que não
dependerão de decisões puramente discricionárias da autoridade pública, nem estarão
sujeitas exclusivamente ao seu puro arbítrio, mas encontram previamente previstas e
estabelecidas no próprio texto constitucional121
, inclusive com limites e tempo de
duração previamente determinados;
força. Um círculo vicioso pode então ocorrer que aprofunde as dissensões em lugar de reduzi-las. Por
outro lado o poder embriaga e o fortalecimento do poder decorrente do arsenal de medidas excepcionais
desacostuma o governante da rotina e dos entraves da vida normal. Há, pois,a tentação de transformar o
recurso excepcional em meio de rotina. Servir-se da garantia contra o garantido” (FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p. 25).
119 Nesse sentido, “é dele [do Poder Executivo] que provém, quase sempre, o maior perigo, ao lado das
graves insurreições militares golpistas. Nesses casos, os estados d exceção visam especialmente criar
condições para a implantação de ditaduras, antes que para defender a Constituição. Quase sempre o
estado de exceção funciona como instrumento de preservação do domínio de uma classe dominante”
(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1990, p. 636).
120 Nesse sentido, “publicado o decreto, o Presidente da República designará o executor das medidas
específicas e as áreas abrangidas. Esses condicionamentos visam situar o estado de sítio em limites
estritamente necessários ao restabelecimento da normalidade, para que não se sirva dele como
instrumento para obter resultado diametralmente contrário a seus objetivos” (SILVA, José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.
641).
121 Nesse sentido, “a instauração do estado de sítio pressupõe determinadas condições de fato, sem as
quais constituiria ele um abuso injustificável” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de
Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p. 121). Entretanto, nem todos pensam assim,
mencionando-se o voto do Min. Francisco Rezek: “ocorre-me que a avaliação da grave ameaça à ordem
pública pressuposto das medidas a que se refere o art. 155 da Constituição Federal [refere-se à EC
01/69] – configura juízo estritamente político, confiado, em alguns casos, à discrição exclusiva do
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(c) a exigência de prévia manifestação do Conselho da República e
opinião do Conselho de Defesa Nacional antes do decreto dos estados de exceção122
,
assegurando prévio aconselhamento técnico e político ao Presidente da República (arts.
90-I, 91-§ 1º-II, 136 e 137 da CF/88);
(d) a exigência de justificação ao Congresso Nacional do decreto de
estado de defesa e das providências adotadas, para sua aprovação, em prazos exíguos,
inclusive com convocação extraordinária se isso for necessário (art. 136-§§ 4º a 7º da
CF/88);
(e) a exigência de que o estado de sítio seja decretado pelo Presidente
da República somente se tiver autorização do Congresso Nacional para fazê-lo,
assegurando assim um controle político da decisão (art. 137 da CF/88), inclusive com
convocação imediata e extraordinária do Congresso Nacional se isso for necessário (art.
138-§ 2º da CF/88), mantendo-se em funcionamento o Congresso Nacional até o
término das medidas coercitivas (art. 138-§ 3º da CF/88), evidenciando-se assim que “o
estado de sítio (...) não altera a relação de poderes entre legislativo e executivo”123
;
(f) a atribuição de competência exclusiva ao Congresso Nacional para
aprovar o estado de defesa, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma
Governo, como sucede, entre nós, com as emergências; e noutros, como no do sítio, submetido ao juízo
igualmente político do Congresso Nacional. O que não acontece, seguramente em país algum, é de esse
alvitre político, entregue em variável medida distributiva aos poderes políticos do Estado, encontrar-se
subordinado ao juízo de legalidade do Poder Judiciário. Estou certo de que essa realidade elementar não
escapa à compreensão do notável jurista que patrocina o mandado de segurança” (BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Constitucional. Medidas de emergência (Constituição, art. 155). Decreto nº 89.566, de
18-4-84. Mandado de segurança requerido contra o ato do Presidente da República, por Deputados e
Senadores. Ausência de detrimento à atuação dos impetrantes. Mandado de segurança inviável, porque
requerido simplesmente contra a norma em tese (Súmula 266). MS nº 20.445-DF. Ulysses Silveira
Guimarães e outros, e Presidente da República. Relator: Min. Décimo Miranda. 25/04/84. Revista
Trimestral de Jurisprudência, Brasília, volume 109, p. 927).
122 Nesse sentido, a opinião e manifestação dos conselhos da República e da Defesa Nacional é
obrigatória, mas meramente consultiva, “o que vale dizer que sua opinião é sempre de ser levada em
consideração, mas não será vinculativa. Portanto, se opinarem contra a decretação da medida, o
Presidente da República ficará com a grave responsabilidade de, desatendendo-os, assim mesmo
decretá-la, se assim entender indispensável. Se o fizer e o Congresso a aprovar nos termos dos arts. 49,
IV, e 136, §§ 4º e 6º, tudo fica conforme com a Constituição. Se o Congresso rejeitar a medida, poderá
surgir hipótese de crime de responsabilidade do Presidente da República” (SILVA, José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.
638). Também, nesse sentido, “os dois conselhos são, todavia, apenas conselhos consultivos. Opinam,
mas não decidem. O Presidente da República não é obrigado a seguir sua orientação. A Constituição
impõe-lhe apenas a oitiva dos dois organismos, mas nunca a obrigação de seguir seus conselhos”
(BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5º volume
(arts. 136 a 144). São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 05). Também, nesse sentido, “Tais Conselhos (...)
são órgãos de consulta do Chefe de Estado, o qual está obrigado a ouvi-los, embora não se vincule ao
seu conselho” (SLAIBI FILHO, Nagib. Estado de defesa e estado de sítio. Revista Forense, Rio de
Janeiro, vol. 306, abril-junho de 1989, p. 338). Entretanto, alguns defendem que essa consulta é
vinculativa para o Presidente da República (DANTAS, Ivo. Da Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas na Nova Constituição (Direito Constitucional de Crise ou Legalidade Especial). Rio
de Janeiro: Aide Editora, 1989, pp. 43-44), o que não nos parece a melhor interpretação do texto
constitucional, porque nada indica que o parecer desses Conselhos seja vinculante. A decisão política é do
Presidente da República.
123 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1964, p. 64.
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dessas medidas (art. 49-IV da CF/88), partilhando assim a competência entre os dois
Poderes da República, porque “a consagração da emergência constitucional conduziu,
inevitavelmente, ao fortalecimento do Executivo, que, como tal, é o responsável pela
tomada das decisões de execução; o que não implica nem impede que o Legislativo seja
chamado a colaborar efetivamente no exame das condições de sua decretação, ainda
que, „a posteriori‟”124
;
(g) a exigência de designação de Comissão, pelo Congresso Nacional,
composta por cinco membros, com prévia audiência dos líderes dos partidos, para
acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa e ao
estado de sítio (art. 140 da CF/88), assegurando assim o controle daquelas decisões e
medidas;
(h) a existência do dever da União indenizar os danos e prejuízos que
tenha causado durante o estado de exceção (arts. 5º-XXV e 136-§ 1º-II da CF/88),
partilhando com toda a sociedade o custo e as despesas necessárias para o
enfrentamento da calamidade pública, sem que isso constitua exceção à
responsabilidade objetiva do Estado e sem que exista qualquer imunidade no tocante à
atuação estatal (art. 37-§ 6º da CF/88)125
.
Além de tudo isso, existe ainda a expressa previsão constitucional de
que, “cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos,
sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou
agentes” (art. 141 da CF/88)126
. Está constitucionalmente previsto que esse estado de
exceção não autoriza a quebra das regras constitucionais, estando submetidos todas as
autoridades, executores e agentes ao controle ulterior da legalidade e juridicidade de
seus atos, sujeitos inclusive à responsabilização pelos ilícitos que tenham cometido, nos
planos político, administrativo, cível e criminal. Ou seja, “o estado de defesa não é, e
não pode ser, situação de arbítrio, mas situação constitucionalmente regrada. Por isso,
124
CORRÊA, Oscar Dias. A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de Janeiro:
Presença, 1980, p. 28.
125 Tratando dos da responsabilidade civil do Estado nos casos de terrorismo e violência, é proposta a
abordagem do problema da responsabilidade do Estado a partir de uma outra perspectiva: “O problema da
responsabilidade civil do Estado não terá de ser pensado de uma outra forma, estabelecendo que ela
ocorra não nos moldes da responsabilidade clássica da necessidade, mesmo quando objetiva,
considerando-se a natureza jurídica dessa responsabilidade objetiva independentemente de qualquer
laivo de culpa, mas permitindo a excludência desde o momento em que se demonstre a inexistência do
nexo de causalidade? Em legislação futura, não virão a ser adotados princípios outros que vão além
dessa responsabilidade, saindo propriamente do campo da responsabilidade tradicional para que, com
base nos fundamentos, principalmente, da solidariedade social, toda a sociedade seja responsável pela
composição dos danos pessoais ou patrimoniais daqueles que foram alcançados por atos dessa natureza
que, como se vê, pelo menos nesse início de século, cada vez mais se multiplicam e se tornam produtores
de danos, cuja extensão só Deus sabe a que ponto chegará?” (ALVES, José Carlos Moreira. O
terrorismo e a violência: responsabilidade civil do Estado. Revista do Centro de Estudos Judiciários
do Conselho da Justiça Federal, Brasília, ano IV, número 18, setembro de 2002, p. 15).
126 No célebre discurso proferido na sessão do Supremo Tribunal Federal em 26 de março de 1989, Rui
Barbosa defendeu regra semelhante a essa: “A jurisprudência que ao estado de sítio atribui efeitos
sobreviventes ao estado de sítio, hipertrofia esse órgão de opressão, dando-lhe proporções imprevistas
ao legislador constitucional, proporções incompatíveis com as instituições constitucionais, proporções
desconhecidas em toda a parte a essa lei de exceção, ainda nos países onde ela apresenta catadura mais
severa” (BARBOSA, Rui. O habeas corpus, o estado de sítio. Termo de seus efeitos. In: Escritos e
Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997, p. 503)..
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66
fica sujeito a controles político e jurisdicional”127
. A própria decretação dos estados de
exceção deve estar afeta ao controle jurisdicional, porque “a falta de qualquer desses
requisitos inquina de inconstitucionalidade o ato declaratório, inconstitucionalidade
que não só o judiciário pode como deve declarar, se chamado a manifestar-se”128
.
O controle jurisdicional dos atos praticados durante o estado de
exceção não está excepcionado129
, sendo passíveis tais atos de controle jurisdicional, na
forma do art. 5º-XXXV da CF/88, que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Se houvesse intenção do constituinte em
tornar imunes os atos praticados durante a exceção, então teria explicitamente permitido
que fosse restringida a garantia de acesso ao justiça, como acontecia por exemplo com o
art. 170 da Constituição de 1937: “Durante o estado de emergência ou o estado de
guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os juízes e
tribunais”. Aliás, não causa surpresa o tratamento da matéria nessa Constituição de
1937, que foi caracterizada por uma concepção totalitária de poder, capaz inclusive de
suprimir a vigência do ordenamento constitucional. Francisco Campos, em entrevista
127 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1990, p. 639.
128 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1964, p. 140. Entretanto, poderá o Judiciário examinar se os fatos justificam a decretação do estado de
exceção ou se trata de decisão política, não passível de controle jurisdicional? Mesmo que na vigência de
outra ordem constitucional e contrariamente a precedente do Supremo Tribunal Federal (acórdão 3.556 de
10 de junho de 1914, onde afirmou que “tratando-se de ato de natureza essencialmente política, o
judiciário não pode entrar na apreciação dos fatos que o motivaram”), a doutrina constitucional traz
importantes subsídios para responder aquela questão: “A verificação da legalidade ou constitucionalidade
tanto do ato declaratório como das medidas adotadas em seu seguimento constitui questão evidentemente
judiciária. Isso, porém, não responde à nossa indagação, já que esta substancialmente se preocupa em
saber se a existência de comoção grave ou guerra não se inclui na verificação da constitucionalidade da
declaração. No caso de estado de sítio declarado sob fundamento de guerra externa, em nossa opinião
não há dúvida de que o judiciário pode e deve verificar, se provocado, a existência desse pressuposto. De
fato, (...) o pressuposto do sítio em tal caso não é um estado fático mas um estado jurídico, nascido da
declaração de guerra. Verificando se houve esta ou não, o judiciário não penetra o domínio estrito da
política, apenas comprova se algo nasceu juridicamente. No caso de fundar-se em comoção intestina
grave, ou em sua previsão, bem como no de alegar-se insurreição armada, a apreciação da gravidade da
situação de fato é, sem dúvida, política, dizendo respeito como diz à responsabilidade do governo para
com o povo e seu destino, em geral. Prevalecem, aí, considerações de conveniência que escapam ao crivo
estritamente jurídico. Não pertence aos tribunais, por isso, o conhecê-las e sim aos órgãos políticos.
Todavia, pode e deve o judiciário verificar, se da situação de fato declarada pelo decreto – comoção
intestina grave, previsão de comoção intestina grave, comoção intestina grave qualificada por
insurreição armada, guerra externa – se podem tirar as conseqüências extraídas. Ou seja, dosando a
Constituição a suspensão de garantias e as medidas que enseja segundo a situação de fato
reconhecida, o judiciário tem o dever de anular tudo o que ultrapassar essa dosagem. Assim, se,
declarado o sítio com fundamento em previsão de comoção intestina grave, forem decretadas medidas só
admitidas pela constituição em caso de guerra civil, o judiciário está obrigado a anulá-las, pois aí estará
examinando estritamente sua legalidade e constitucionalidade” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.
O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, pp. 142-143, grifou-se).
129 Nesse sentido, “o caráter político da decisão que decreta o estado de defesa ou o estado de sítio não
significa que o ato fique completamente imune à apreciação jurisdicional, nos casos em que perante os
tribunais forem postas pretensões à liberdade individual. Tais medidas excepcionais não representam
nenhuma autorização ao Poder Público em exorbitar da esfera própria de atribuições que lhe foi dada
pela ordem constitucional. Observe-se que o princípio adotado em nossa Constituição não é o da
instituição da ditadura constitucional, mas, sim, o de vigência temporária e responsável, de uma situação
excepcional, mas constitucionalmente delimitada” (SLAIBI FILHO, Nagib. Estado de defesa e estado
de sítio. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 306, abril-junho de 1989, p. 336).
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concedida ao “Correio da Manhã”, em 03/03/45, assim se manifestava sobre os estados
de exceção nessa carta constitucional:
“Essa situação [refere-se à supressão da liberdade de opinião] que
tantos malefícios trouxe, não só à imprensa como ao povo do Brasil,
perdura atualmente, uma vez que não há no Ato Adicional qualquer
esclarecimento quanto aos efeitos do art. 171 da Constituição, o qual
declara que, na vigência do estado de guerra, deixará de vigorar a
Constituição nas partes indicadas pelo presidente da República. O
ponto é de capital importância. Pela interpretação que se deu a esse
artigo, anula-se pela raiz o regime constitucional em toda a sua
plenitude. Fundado nesse artigo, o chefe do Governo chegou mesmo a
prorrogar o seu mandato. E, servindo-se dele, com a amplitude do
sentido que se lhe atribui, o que fica à discrição do Governo é a
Constituição inteira. A inteligência, porém, que se atribui ao artigo
em questão é absolutamente infundada. O estado de guerra é criação
da reforma constitucional de 1935. Pelas emendas feitas à
Constituição de 1934 foi, com efeito, criado o estado de guerra e
autorizado o Governo a suspender a Constituição nas partes
indicadas no ato da declaração do estado de guerra. Que efeitos,
porém, decorrem da suspensão da Constituição? Poderá ela ser
suspensa em qualquer das suas partes ou suspensa em sua totalidade?
São questões que permanecem sem resposta. Conferir, porém, ao
Presidente da República a faculdade de suspender a Constituição nas
partes por ele indicadas no decreto de declaração do estado de
guerra é autorizá-lo a suspender todo o regime constitucional e,
portanto, o funcionamento dos demais poderes. Poderá, portanto,
haver um interregno em que deixe de existir qualquer regime jurídico,
abrindo-se ao presidente o ilimitado campo de discrição política,
legislativa e administrativa. Não haverá limites ao seu poder pessoal.
Será a mais totalitária das ditaduras, pois mesmo nos regimes
totalitários subsistiam certas formas, processos e limites ao poder do
ditador. Uma vez, porém, suspensa a Constituição, não haverá mais
limites ao exercício do poder. Será o „naked power‟, o poder
inteiramente nu ou absoluto, sem contrastes, formalidades e limites.
Poderá o presidente fechar as câmaras e os tribunais, confiscar a
propriedade, destruir ad libitum a vida e os bens dos cidadãos. Será
este o pensamento que se contém no artigo relativo à suspensão da
Constituição? Se é, não poderia ser concebida mais crua negação do
regime jurídico na sua própria substância, ficando facultado ao
presidente, sem autorização do Poder Parlamentar, investir-se na
totalidade dos poderes do governo, e, mais do que isto, investir-se na
totalidade desses poderes para exercê-los além dos limites que a
Constituição põe ao seu exercício, pois, por hipótese, não haveria
Constituição e os poderes do Governo seriam poderes absolutos. Não
pode ser este, evidentemente, o pensamento do artigo que autoriza a
suspensão da Constituição. Que efeito, porém, terá o estado de
guerra, e o que significa a suspensão da Constituição? Que diferença
existe entre o estado de emergência e o estado de guerra? O que
distingue o estado de emergência do estado de guerra é apenas o
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emprego das Forças Armadas para a defesa do Estado. O estado de
emergência se destina a evitar a comoção intestina. O estado de
guerra se declara quando a comoção intestina se manifesta,
tornando-se necessário o emprego das Forças Armadas para suprimi-
la. A suspensão da Constituição se torna, portanto, necessária apenas
nas zonas de operações militares para que o comando militar possa
agir com o desembaraço necessário às operações de guerra. A
Constituição se suspende apenas na porção do território em que a
comoção intestina torna impossível o exercício da autoridade civil.
Somente nesta porção do território em que existe realmente o estado
de guerra é que a Constituição se suspende, para dar lugar ao pleno
exercício da autoridade militar e à vigência das leis de guerra
aplicadas pelos tribunais militares. O domínio da lei marcial não
significa, porém, a abolição do regime jurídico; ao passo que a
suspensão da Constituição de maneira ilimitada, como tem sido
entendida em todo o território nacional, sem que em nenhum ponto
dele ocorra o emprego das forças armadas em operações de guerra,
significa, pura e simplesmente, o colapso total da ordem jurídica.
Convém que fique bem esclarecido que este não pode ser o
pensamento da Constituição, que este estado de absoluta negação da
ordem jurídica não se concebe em país algum, em nenhum tempo e em
qualquer circunstância, mesmo no caso de guerra externa e em
relação às pessoas e bens do inimigo”130
.
Mas não há restrição possível ao art. 5º-XXXV da CF/88, que não
esteja constitucionalmente prevista. Nada prevendo a Constituição, os atos praticados
durante o estado de defesa ou o estado de sítio são passíveis de controle jurisdicional
preventivo ou repressivo, na forma do devido processo legal131
. Aliás, a própria
Constituição estabelece situações expressas de atos praticados durante o estado de
exceção, como a comunicação à autoridade judiciária da prisão efetuada na vigência de
estado de defesa (art. 136-§ 3º da CF/88).
Há também possibilidade de que as autoridades públicas e seus
agentes respondam pelos crimes que tenham praticado durante o estado de exceção,
130 CAMPOS, Francisco. Entrevista de Francisco Campos ao Correio da Manhã do Rio de Janeiro,
em 3 de março de 1945. In: PORTO, Walter Costa. Constituições Brasileiras. Volume IV, 1937.
Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, pp. 45-47.
131 Nesse sentido, “o controle jurisdicional é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições
autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio cometerem abuso ou excesso de poder
durante sua execução, é lógico que seus atos ficam sujeitos à correção por via jurisdicional, quer por via
de mandado de segurança, quer por habeas corpus, quer por outro meio judicial hábil. Mesmo depois de
cessado o estado de sítio e seus efeitos, poderá ocorrer hipóteses de responsabilização jurisdicional de
seus executores ou agentes por atos ou condutas ilícitas cometidos durante a execução da medida,
conforme estatui o art. 141. Mais uma vez se vê que o estado de sítio, como o estado de defesa, está
subordinado a normas legais. Ele gera uma legalidade extraordinária, mas não pode ser arbitrariedade.
Por isso, qualquer pessoa prejudicada por medidas ou providências do Presidente da República ou de
seus delegados, executores ou agentes, com inobservância das prescrições constitucionais não
excepcionadas e das constantes do art. 139, tem o direito de recorrer ao Poder Judiciário para
responsabilizá-los e pedir a reparação do dano que lhe tenha sido causado” (SILVA, José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.
643).
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sejam eles previstos como crimes comuns ou crimes de responsabilidade132
. Não
obstante exista um cunho político na decisão do Presidente da República em decretar os
estados de exceção, ele pode vir a ser responsabilizado tanto pela sua atuação abusiva
como pela sua omissão na adoção de medidas excessivas ou necessárias para a
preservação da ordem institucional e retorno à normalidade. A previsão de que uma
Comissão de membros do Congresso Nacional acompanhe e fiscalize a execução de
todas as medidas de exceção (art. 140 da CF/88), e a exigência de que, finda a exceção,
as medidas aplicadas em sua vigência sejam relatadas pelo Presidente da República, em
mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências
adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas (art.
141-§ único da CF/88), evidencia que existe também um controle político ulterior do
ato, submetendo-se o Presidente da República e demais executores das medidas à
possibilidade de responsabilização, própria de um Estado democrático de Direito133
.
7. CONCLUSÃO
Em conclusão, pelo que foi examinado no tocante ao devido processo
constitucional pertinente à disciplina dos estados de exceção em decorrência de
calamidades públicas sanitárias, ficam evidenciadas e comprovadas as premissas de que
partiu a presente monografia, a saber:
(a) as situações de calamidade pública sanitária devem ser prevenidas
e evitadas, devendo os Poderes Públicos adotarem todas as
providências necessárias e suficientes para tanto antes que as
calamidades ocorram, como evidenciam os institutos da vigilância
sanitária, da vigilância ambiental, da vigilância epidemiológica, da
vigilância internacional, da educação sanitária e ambiental, do prévio
estudo de impacto ambiental e o próprio direito penal sanitário;
(b) entretanto, uma vez ocorrentes, essas situações de calamidade
pública sanitária devem ser enfrentadas, tendo-se em vista a
preservação das instituições democráticas e a causação do menor dano
individual possível às pessoas envolvidas e atingidas, inclusive com a
decretação de estado de defesa e estado de sítio, nas hipóteses em que
132 Nesse sentido, “tanto assim é que a lei 1.079, de 10 de abril de 1950, que define e sanciona os crimes
de responsabilidade do Presidente e dos ministros, inclui, por exemplo, entre as figuras delituosas „tomar
ou autorizar durante o estado de sítio medidas de repressão que excedam os limites da Constituição‟
(art. 7, nº 10) e „decretar o estado de sítio, estando reunido o Congresso Nacional, ou no recesso deste,
não havendo comoção interna grave nem fatos que evidenciem estar a mesma a irromper ou não
ocorrendo guerra externa‟ (art. 8, nº 3)” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p. 137).
133 Nesse sentido, se o Presidente da República não teve a decretação do estado de defesa aprovada pelo
Congresso Nacional, ele será passível de condenação por crime de responsabilidade: “E se o Congresso
não aceitar a justificação dada pelo Presidente da República; se ele chegar à conclusão de que houve
arbítrio, excesso? Parece-nos que, em tal caso, ficará caracterizado algum crime de responsabilidade do
Presidente, especialmente o atentado a direitos individuais, pelo que pode ser ele submetido ao
respectivo processo, previsto no art. 86 e regulado na Lei 1.079/50” (SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 639).
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a grande proporção da calamidade assim recomendar, como
evidenciam os institutos da competência para combate às calamidades
permanentes, a requisição de bens e serviços particulares, o
empréstimo compulsório, a abertura de créditos orçamentários
extraordinários, a dispensa de licitação, as medidas provisórias, o
estado de defesa e o estado de sítio;
(c) assim que superada a situação de exceção, devem cessar os efeitos
restritivos do estado de defesa e do estado de sítio, voltando-se
imediatamente à normalidade institucional, cabendo a todos prestarem
contas das providências que adotaram ou deixaram de adotar,
respondendo pelas mesmas e estando sujeitos às sanções decorrentes
das eventuais ilicitudes em que tenham incorrido, como evidenciam os
institutos do controle político e jurídico das medidas adotadas durante
um estado de exceção sanitário.
Afinal, ao contrário da ordem constitucional anterior, a Constituição
Federal de 1988 deixou explícita a vinculação do Estado e de suas estruturas à “defesa
do Estado e das instituições democráticas”134
. Da democracia se partiu, à democracia se
deve retornar. Sempre e sem exceção, o mais rápido possível. É assim que se garante a
vida social. É assim que se faz possível a vida individual digna.
134
A Emenda Constitucional nº 11/78, dando nova redação aos arts. 155-159 da Emenda Constitucional
nº 01/69, trazia como rubrica do capítulo V do título II apenas “Das medidas de emergência, do estado de
sítio e do estado de emergência”. A rubrica do título V da CF/88 é clara nessa vinculação, constando
como “Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. A organização do Estado e dos Poderes da
República deve, assim, observar uma finalidade constitucionalmente explicitada. Nesse sentido, “A
constituição de 5 de outubro apresenta importante inovação ao situar os institutos do estado de defesa e
do estado de sítio no Título V, denominado „Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas‟,
diferentemente da Constituição anterior, a qual, em seu Título II, sob a denominação „Da Declaração de
Direitos‟, no Capítulo V, previa as medidas do estado de sítio e as similares das medidas de emergência
– antes, as salvaguardas constitucionais representavam um capítulo de suspensão das garantias
individuais. No novo texto constitucional, as salvaguardas são colocadas em posição topográfica mais
correta, em título específico, juntamente com os capítulos das Forças Armadas e da Segurança Pública,
infirmando o anterior caráter repressivo em favor da declaração da garantia do exercício do poder
democrático. O que se pretende com as medidas excepcionais ali previstas não é, teleologicamente, a
suspensão dos direitos e, sim, a defesa do Estado Democrático de Direito” (SLAIBI FILHO, Nagib.
Estado de defesa e estado de sítio. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 306, abril-junho de 1989, p.
333).
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