universidade de lisboa faculdade de letras departamento de...

770
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA A CASA REAL PORTUGUESA AO TEMPO DE D. PEDRO II (1668-1706) Joana Leandro Pinheiro de Almeida Troni DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA MODERNA

Upload: others

Post on 19-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

    A CASA REAL PORTUGUESA AO TEMPO DE D. PEDRO II (1668-1706)

    Joana Leandro Pinheiro de Almeida Troni

    DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA MODERNA

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

    A CASA REAL PORTUGUESA AO TEMPO DE D. PEDRO II (1668-1706)

    Joana Leandro Pinheiro de Almeida Troni

    Tese para obtenção do grau de Doutor em História Moderna, orientada pela Prof.ª Doutora Maria Paula Marçal Lourenço

    2012

  • 5

    Índice

    Índice Tabelas .......................................................................................................................................... 9

    Resumo .................................................................................................................................................. 11

    Abstract ................................................................................................................................................. 11

    Abreviaturas .......................................................................................................................................... 13

    Introdução ............................................................................................................................................. 15

    1ª PARTE – A CASA REAL PORTUGUESA AO TEMPO DA ENTRONIZAÇÃO DOS BRAGANÇA ................. 41

    1. «O ser Príncipe de um Reino, vale o mesmo que ser Pai de uma Família […]»: os conceitos de Corte e Casa na Idade Moderna. .............................................................................................. 41

    2. Os regimentos dos oficiais e do serviço da pessoa régia ao tempo de D. João IV ........................ 59

    3. Os cargos-mores da Casa Real Portuguesa no século XVII ............................................................ 83

    3.1 Mordomo-mor ......................................................................................................................... 83

    3.2 Camareiro-mor ........................................................................................................................ 91

    3.3 Estribeiro-mor ......................................................................................................................... 97

    3.4 Guarda-mor ........................................................................................................................... 103

    3.5 Vedor da Casa ........................................................................................................................ 105

    3.6 Porteiro-mor .......................................................................................................................... 111

    3.7 Mestre-sala ............................................................................................................................ 114

    3.8 Reposteiro-mor ..................................................................................................................... 115

    3.9 Copeiro-mor .......................................................................................................................... 117

    3.10 Trinchantes .......................................................................................................................... 118

    3.11 Os Capitães da Guarda e a Guarda Real .............................................................................. 119

    3.12 A Capela Real ....................................................................................................................... 126

    3.12.1 Capelão-mor ............................................................................................................. 131

    3.12.2 Deão .......................................................................................................................... 132

    3.12.3 Sumilher da cortina ................................................................................................... 133

    3.13 Esmoler-mor ........................................................................................................................ 133

    3.14 O aio..................................................................................................................................... 137

    3.15 Confessor ............................................................................................................................. 149

    3.16 Monteiro-mor ...................................................................................................................... 152

    3.17 Caçador-mor ........................................................................................................................ 152

    3.18 Aposentador-mor ................................................................................................................ 154

  • 6

    3.19 Armador-mor ....................................................................................................................... 155

    3.20 Alferes-mor .......................................................................................................................... 157

    3.21 Meirinho-mor ...................................................................................................................... 158

    3.22 Almotacé-mor ...................................................................................................................... 158

    3.23 Condestável ......................................................................................................................... 159

    3.24 Outros oficiais-mores do reino .................................................................................... 160

    4. A Casa Real no centro da dinâmica política nos reinados de D. João IV e de D. Afonso VI ........ 162

    4.1 A constituição da casa do infante D. Pedro ........................................................................... 183

    2ª PARTE – A CASA REAL PORTUGUESA AO TEMPO DE D. PEDRO (1668-1706) ................................. 197

    1. Afastar o rei: D. Pedro a caminho do poder ................................................................................ 197

    1.1 O juramento do príncipe D. Pedro no Paço da Ribeira ......................................................... 205

    1.2 Uma nova ordem política no reino e as mudanças na Casa Real (1668-1706) ..................... 209

    1.3 O sustento da Casa Real ........................................................................................................ 212

    2. As Casas dentro da Casa Real ...................................................................................................... 220

    2.1 Os espaços Régios da Dinastia de Bragança .......................................................................... 220

    2.2 As Casas de Angra e de Sintra ............................................................................................... 229

    2.3 A Casa das Rainhas e a Casa dos Príncipes e Infantes ........................................................... 238

    2.4 A Casa Real portuguesa em 1704 .......................................................................................... 246

    3. Os cargos-mores de D. Pedro II: continuidades e ruturas ........................................................... 250

    3.1 O camareiro-mor e os gentis-homens da câmara ................................................................. 278

    4. Os gentis-homens na Casa Real portuguesa ............................................................................... 296

    4. 1 Os gentis-homens na Casa do príncipe D. Teodósio ............................................................ 300

    4.2 Os gentis-homens na Casa de D. Afonso VI ........................................................................... 304

    4.3 Os gentis-homens na casa de D. Pedro ................................................................................. 307

    4.4 Os gentis-homens da câmara na Regência e Reinado de D. Pedro II .................................... 312

    4.4.1 D. Rodrigo de Meneses ................................................................................................ 317

    4.4.2 D. António Luís de Meneses, 1º marquês de Marialva ............................................... 320

    4.4.3 D. Pedro António de Meneses, 2º marquês de Marialva ............................................ 324

    4.4.4 D. Luís da Silva Telo de Meneses, 2º conde de Aveiras ............................................... 325

    4.4.5 D. João Mascarenhas, 2º conde da Torre, 1º marquês de Fronteira .......................... 325

    4.4.6 D. Luís Álvares de Távora, 3º conde de S. João e 1º marquês de Távora .................... 330

    4.4.7 D. Manuel Teles da Silva, 2º conde de Vilar Maior e 1º marquês de Alegrete ........... 333

    4.4.8 D. José de Meneses, 1º conde de Viana ...................................................................... 335

  • 7

    5. Dinâmicas e redes de poder na corte de D. Pedro II ................................................................... 337

    6. O bom governo do Príncipe ......................................................................................................... 371

    7. O governo do reino através da Casa Real (1668-1706) ............................................................... 395

    3ª PARTE - A IMAGEM DA CASA REAL PORTUGUESA AO TEMPO DE D. PEDRO (1668-1706) ............ 445

    1. Uma corte «temerosa»: tempos da regência ............................................................................. 445

    1.1 Um «rei preso inimigo da conservação de Sua Alteza» ........................................................ 448

    1.2 As conspirações contra D. Pedro ........................................................................................... 451

    2. De regente a rei: o título e a coroação de D. Pedro II ................................................................. 459

    2.1 D. Pedro rei. A renúncia à coroa? .......................................................................................... 475

    3. A imagem de D. Pedro, regente e rei .......................................................................................... 482

    4. Codificação da vida áulica ........................................................................................................... 500

    4.1 As disputas de precedências no espaço da Corte e da Casa Real ......................................... 509

    5. Festas e cerimónias da Família Real ............................................................................................ 549

    5.1 Celebrar as etapas da vida: do nascimento à morte ............................................................. 549

    5.2 Casamentos e Alianças .......................................................................................................... 583

    5.3 Representação portuguesa no Estrangeiro ........................................................................... 593

    5.4 Receções em Portugal ........................................................................................................... 597

    5.5 Receção ao arquiduque Carlos de Áustria ............................................................................. 602

    5.5.1 Dúvidas no recebimento do arquiduque ..................................................................... 606

    5.5.2 A chegada do pretendente ao trono espanhol a Portugal .......................................... 613

    CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 625

    ANEXOS ............................................................................................................................................... 625

    FONTES E BIBLIOGRAFIA………………………………………………………………………............................................737

  • 9

    ÍNDICE TABELAS

    Tabela 1 – Comparação das notas à margem do documento do reposteiro-mor (ANTT) com o texto do Regimento de 1641 (BGUC)

    p. 70

    Tabela 2 – Lista dos textos produzidos pós-Restauração com vista à disposição do serviço da Casa e Ofícios Régios

    p. 78

    Tabela 3 – Da constituição da Casa do Infante às primeiras modificações p. 189 Tabela 4 – Das primeiras alterações à Casa do Infante até à nomeação de

    D. Simão de Vasconcelos e Sousa como governador da Casa de D. Pedro, 12 de janeiro de 1664

    p. 191

    Tabela 5 – Casa do Infante D. Pedro entre 1664 e 1666 p. 193 Tabela 6 – gentis-homens da câmara da casa de D. Pedro desde as últimas

    nomeações em 1666 até 1668, enquanto infante, e depois de 1668, como regente e governador de Portugal

    p. 196

    Tabela 7 – Senhoras inglesas e irlandesas ao serviço de D. Catarina de Bragança em Portugal

    p. 244

    Tabela 8 – Mordomos-mores da Casa Real p. 254 Tabela 9 – Porteiros-mores da Casa Real p. 256 Tabela 10 – Capitães da Guarda p. 258 Tabela 11 – Aposentadores-mores da Casa Real p. 260 Tabela 12 – Monteiros-mores do reino p. 261 Tabela 13 – Copeiros-mores da Casa Real p. 262 Tabela 14 – Reposteiros-mores da Casa Real p. 263 Tabela 15 – Trinchantes da Casa Real p. 265 Tabela 16 – Mestres-Sala da Casa Real p. 267 Tabela 17 – Vedores da Casa Real p. 269 Tabela 18 – Capelães-mores da Capela Real p. 273 Tabela 19 – Estribeiros-mores da Casa Real p. 277 Tabela 20 – Gentis-homens da Câmara durante a Regência e Reinado de

    D. Pedro II p. 317

    Tabela 21 - Querelas de precedência no século XVII p. 548

  • 11

    Resumo

    É o principal objetivo deste trabalho o estudo da Casa Real portuguesa ao tempo de D. Pedro II englobando dois momentos distintos: entre 1668 e 1683, durante o período em que é príncipe-regente de Portugal, e quando se torna rei, após o falecimento do seu irmão, D. Afonso VI, até 1706, data em que D. Pedro morre. Não obstante, considera-se igualmente o processo de construção da Casa Real portuguesa após a Restauração, analisando, em especial, o Regimento da Casa Real, do reinado de D. João IV, e as funções dos cargos-mores.

    A dinâmica da Casa Real de D. Pedro II é estudada através dos detentores dos ofícios maiores, como sejam o mordomo-mor e o estribeiro-mor, identificam-se continuidades e ruturas, examinando-se com detalhe o esvaziamento da função do camareiro-mor, cargo detido pelos condes de Penaguião/marqueses de Fontes, e a entrada dos camaristas na estrutura do serviço e da casa, alteração que se mantém no reinado de D. João V. Privilegia-se ainda o estudo do governo do reino através da Casa Real, com particular enfoque no papel dos gentis-homens da câmara.

    Continuando a acompanhar o processo de estruturação da Casa Real, privilegia-se o estudo da imagem de D. Pedro como governante de Portugal. Neste passo, destaca-se a codificação da vida áulica e abordam-se momentos de representação no exterior, mas também dentro do próprio reino, com especial atenção para a receção ao arquiduque Carlos de Áustria no contexto da participação portuguesa na Guerra da Sucessão de Espanha e o que isso significou para D. Pedro II.

    Palavras-chave: Estado Moderno; Restauração; Casa Real portuguesa; sociedade de Corte; D. Pedro II (1668-1706)

    Abstract

    The main purpose of this work is the study of the Portuguese Royal Household at the time of D. Pedro II including two distinct moments: firstly, between 1668 and 1683, during the period that D. Pedro was Prince Regent of Portugal; and, in second place, when he becomes king of Portugal after the death of his brother, D. Afonso VI, until 1706, the year of his death. Nevertheless, it is also considered the process of construction of the Portuguese Royal Household after the Portuguese Restoration, in particular through the detailed analysis of the Regiment of the Royal Household, dated from D. João IV’s reign, and of the household higher offices.

  • 12

    We address the political dynamic of D. Pedro’s II Royal Household through its major officers, such as the mordomo-mor (Lord Steward) and the estribeiro-mor (Master of the Horse), identifying continuities and ruptures. Among the latter, we analyze in detail the loss of meaning and importance of the camareiro-mor (Lord Chamberlain), a position that was held by the Counts of Penaguião / Marquis of Fontes, and the entry of the camaristas (gentlemen of the privy chamber) in the structure and the royal household, a change that remains throughout King João’s V reign. We also study the government of the kingdom through the Royal Household, emphasizing the role of the gentlemen of the privy chamber.

    Continuing to follow the process of the Royal Household structuring, we focus on the image D. Pedro as ruler of Portugal. In this stage, we stress the increasing complexity of court life and highlight moments of Portuguese representation abroad, but also within the limits of the kingdom, giving special attention to the reception of the Archduke Carlos of Austria in the context of the Portuguese participation in the War of Spanish Succession and what it meant to D. Pedro II’s image.

    Keywords: Modern State; Portuguese Restoration; Portuguese Royal Household; court society; D. Pedro II (1668-1706)

  • 13

    Abreviaturas

    1. Arquivos e Bibliotecas

    AGS – Archivo General de Simancas, Espanha

    AMAE – Archive du Ministères des Affaires Étrangers, França

    ANTT – Arquivo Nacional Torre do Tombo

    BA – Biblioteca da Ajuda

    BGUC – Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

    BL – British Library, Reino Unido

    BNF – Bibliothèque Nationale de France, França

    BNP – Biblioteca Nacional de Portugal

    BPE – Biblioteca Pública de Évora

    NA – National Archives, Reino Unido

    2. Coleções

    PBA – Coleção Pombalina dos Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal

    SP – State Papers Foreigner, coleção do National Archives do Reino Unido

  • 14

    3. Outras

    Cf. Confrontar

    Cód. Códice

    Coord. Coordenador

    Ed. Editor

    Fl. Fólio

    Ms. Manuscrito

    pp. páginas

    rs. reis

    ss. seguintes

    Quanto às normas de transcrição adotadas, optou-se pela uniformização das variantes i/j/y e u/v, pela separação de palavras e pela sua modernização (por ex.º, em vez de «he», colocamos «é»), sempre que tal não alterou o significado. Esta decisão prende-se com a dimensão do trabalho e para maior clareza na leitura.

    No que às citações bibliográficas respeita, segue-se a norma NP 405 do Instituto Português de Qualidade, à exceção, contudo, dos manuscritos para os quais se considera que a norma não facilita a apresentação dos dados. Neste sentido, cita-se Arquivo/Biblioteca, coleção, cota, fólios e, sendo conhecidos, também o título e data.

    Para citações de manuscritos e textos contemporâneos utilizam-se as aspas angulares, reservando as aspas curvas para o nosso uso, em caso, por exemplo, de expressões que julgamos necessitarem de algum esclarecimento adicional em nota de rodapé ou se usadas por algum autor em frases por nós transcritas.

    Por fim, assinale-se que o texto foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990.

  • 15

    INTRODUÇÃO

    Em 1640, Lisboa voltou a ser Corte, pondo fim a um longo período em que a cidade

    esteve «adormecida», «sozinha e «viúva»1. A nova dinastia reinante era uma antiga família

    da nobreza ducal que encerrava em si uma já longa tradição de memórias e usos dos estilos

    régios que adotara no seu quotidiano.

    Com D. João IV, o primeiro monarca brigantino, recuperou-se o serviço da Casa Real

    através do Regimento que regulava o seu modo de funcionamento. Foi logo a seguir à

    Restauração que se deu início à recolha das competências e responsabilidades dos oficiais

    desta instituição, trabalho que, todavia, não veio a ser concluído. Apesar disso, havia textos

    orientadores e que serviam de guia às dúvidas que frequentemente assomavam e que

    continuaram a emergir pelas décadas seguintes.

    Ao reinado do Restaurador, seguiu-se a regência de D. Luísa de Gusmão que, de um

    modo geral, se limitou a manter a estrutura da Casa Real, clarificando pontualmente dúvidas

    que despontavam, como a das precedências entre o mordomo-mor e o estribeiro-mor, em

    1662, no dia do embarque de D. Catarina de Bragança para Inglaterra.

    Pouco tempo depois, D. Afonso VI assumiu o governo de Portugal e algumas alterações

    começaram a verificar-se. Alguns dos detentores dos ofícios régios viram parte das suas

    responsabilidades serem limitadas pelo 3º conde de Castelo Melhor, um jovem que se

    impunha no governo e que ocupava o recém-recuperado cargo de Escrivão da Puridade, cuja

    esfera de ação acabou por se estender ao governo doméstico da Casa Real.

    Os anos do reinado pessoal do Vitorioso ficaram marcados pelo descontentamento de

    parte da nobreza contra as medidas de Castelo Melhor que desequilibraram a relação entre

    a coroa e os diversos corpos do reino, o que conduziu, por fim, ao golpe de estado de 1667,

    com a consequente substituição do rei pelo irmão, D. Pedro.

    D. Pedro não adotou, porém, o título de rei. Foi jurado regente do reino nas Cortes de

    1668 e foi nessa qualidade que assumiu o governo da Casa Real portuguesa. É deste período

    de que nos ocupamos de forma mais detalhada nesta dissertação. São trinta e oito anos que

    se dividem em dois momentos distintos: o primeiro, de 1668 a 1683, que abarca o período

    1 Alegorias usadas no período filipino.

  • 16

    da regência que apenas termina com a morte de D. Afonso VI, a 12 de setembro; o segundo,

    de 1683 a 1706, altura em que D. Pedro se tornou rei até à data da sua morte, ponto de

    viragem para um novo reinado, o do seu filho, D. João V.

    O trabalho que se apresenta não é um estudo sobre D. Pedro II, mas sim sobre a Casa

    Real ao seu tempo. Contudo, sendo o rei a primeira figura desta Instituição, é inevitável que

    a sua presença seja uma constante ao longo destas páginas. É que compreender a Casa Real

    é entender o monarca, apreender a composição da Corte e, enfim, tentar perceber a

    articulação da monarquia.

    O despertar do interesse pelo tema da Corte na historiografia europeia teve, sem

    dúvida, génese nos trabalhos de Norbert Elias, com destaque para as obras O Processo

    Civilizacional2 e a A Sociedade de Corte3.

    A tese do sociólogo alemão baseava-se na ideia de Corte como um espaço social onde

    se desenvolveram específicas formas de estar. Elias considerava-a como uma instituição

    disciplinadora do comportamento cortesão, impondo o autocontrolo e a contenção da

    violência e dos instintos.

    Assim, a Corte surgia como o centro do processo civilizador, através do qual se podia

    observar como este se desenrolou desde a Idade Média até à época Contemporânea no

    contexto da construção do Estado. Por outras palavras, observando e estudando o espaço da

    2 Na sua versão original Über den Prozeβ der Zivilisation. Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen publicada pela primeira vez em 1939. As traduções para outras línguas surgiram décadas mais tarde. A francesa, de 1973, dividiu a obra em dois volumes, o que também sucedeu na versão portuguesa. ELIAS, Norbert – O processo civilizacional: investigações socio genéticas e psicogenéticas. 2 volumes. Lisboa: Edições D. Quixote, 1989-1990.

    À primeira parte intitulou de «La Civilisation des Mœurs» e à segunda «La Dynamique de l’Occident». Em português os títulos foram traduzidos para «Transformações do Comportamento das Camadas Superiores Seculares do Ocidente» e «Transformações da Sociedade». Esta obra debruça-se mais sobre a evolução da relação do homem com o seu próprio corpo e com as necessidades fisiológicas (do assoar, do cuspir, do comportamento no quarto, etc.), bem como relativamente ao comportamento humano em diversas áreas.

    Em Portugal, a obra Sociedade de Corte (original de 1969) foi publicada primeiro do que esta que lhe antecede cronologicamente.

    3 Publicado em 1969 com o título Die höfische Gesellschaft. ELIAS, Norbert – A Sociedade de Corte. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.

    Norbert Elias publicou uns anos mais tarde a obra Sociedade dos Indivíduos, no original Die Gesellschaft der Individuen de 1987. ELIAS, Norbert – A Sociedade dos Indivíduos. 2ª ed. [1ª de 1993]. Lisboa: Publicações D. Quixote, 2004. Obra em que o autor explora as correlações existentes entre indivíduo e sociedade que por vezes surgiam como antagónicos.

  • 17

    Corte, podia-se compreender e interpretar os processos históricos, do ponto de vista

    sociológico, tomando como protagonistas o rei e os nobres que em seu torno gravitavam,

    recorrendo, sobretudo, ao exemplo da monarquia francesa.

    Volvidos tantos anos de esquecimento, foi o trabalho de Norbert Elias que fez incidir

    uma nova luz sobre a Corte e que teve o mérito de a recuperar como campo de estudo,

    afastando-a de ideias feitas que a reduziam apenas a um lugar de vícios, paixões, intrigas e

    de historietas sem relevância. Não obstante, o tema permaneceu na sombra e foi preciso

    aguardar mais algumas décadas para se assistir ao seu retomar enquanto área de interesse.

    Na realidade, os estudos áulicos tinham caído em desuso. Os motivos que conduziram

    a uma depreciação desta temática foram vários, muitos deles relacionados com os próprios

    contextos históricos e nacionais.

    Com efeito, uma historiografia romântico-liberal, pretendendo construir o passado em

    função do presente, ou seja, tentando ler o passado a partir de estruturas e moldes da

    segunda metade do século XIX, desvalorizou a área da Corte5. Por outro lado, a luta contra

    as monarquias fora uma das batalhas do Liberalismo, pelo que explorar o poder do rei na

    sociedade era algo quase contraditório à luz do «estado burguês».

    Em Inglaterra, a historiografia Whig privilegiava a ideia de que o seu país era exemplar

    pela liberdade, pela tolerância religiosa, e, em especial, pelo parlamentarismo. O estudo da

    5 Para todo este percurso historiográfico ver a introdução de José Martínez Millán na obra MARTÍNEZ MILLÁN, José e FERNÁNDEZ CONTI, Santiago (dirs.) – La Monarquía de Felipe II: La Casa del Rey. volume I. Madrid: Fundación MAPFRE Tavera, 2005; VÁZQUEZ-GESTAL, Pablo – El espacio del poder. La Corte en la historiografía modernista española y europea. Valladolid: Univ. de Valladolid (Colección Estudios y Documentos), 2005. Infelizmente, para o panorama português, este livro revela-se algo incompleto, ao não citar os principais estudos de autores como Mafalda Soares da Cunha – A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares. Lisboa: Editorial Estampa, 2000 (ainda que na p. 362 faça menção ao trabalho da autora), ou de Nuno Gonçalo Monteiro – O Crepúsculo dos Grandes. A Casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-1850). 2ª ed. revista. Lisboa: Imprensa Nacional, 2003, fazendo referência apenas a alguns dos seus trabalhos mais pequenos, ainda que importantes. Também não cita o de Maria Paula Lourenço – A Casa e o Estado do Infantado (1654-1706). Formas e práticas administrativas de um património senhorial. Lisboa: JNICT, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1995 e Casa, Corte e Património das Rainhas de Portugal (1640-1754). Poderes, Instituições e Relações Sociais. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1999. Dissertação de doutoramento.

    Ver também MOZZARELLI, Cesare – Principe e Corte. Porquê e como Estudar, Hoje, a Corte? in Penélope. Fazer e Desfazer a História. Nº 9/10, 1993, pp. 225-229; ÁLVAREZ-OSSORIO ALVARIÑO, Antonio – La Corte: Un espacio abierto para la Historia Social. In CASTILLO, Santiago (coord.) – La Historia Social en España. Actualidad y Perspectivas. Actas del I Congreso de la Asociación de Historia Social. Madrid: Siglo XXI de España Editores, S.A., 1991, pp. 247-260.

  • 18

    Corte não tinha, pois, cabimento, sendo vista quase como «un-English»6. Em França,

    enveredar por esta temática seria como que negar o significado e o papel da Revolução

    Francesa. Em Itália, significava acentuar ainda mais as divisões existentes no território –

    principados, ducados, reinos – quando se tentava criar um espírito de nacionalismo. Na

    Alemanha, era difícil conciliar a ideia de um estado nacional com a herança do Sacro-Império

    Romano-Germânico e com a ineficácia da governação Habsburga. Em Portugal, o discurso

    legitimador da Revolução Liberal e todo o processo que desde então decorreu e que levou

    ao 5 de outubro de 1910 e à proclamação da República, condicionaram as perspetivas sobre

    a aristocracia, o rei e a monarquia7.

    Também a historiografia marxista, no período do pós 2ª guerra mundial, contribuiu

    para a desvalorização do estudo da Corte e das elites. Apostada em redimir o papel das

    «classes» sociais desfavorecidas, atribuía uma carga negativa ao soberano numa lógica de

    «luta de classes». Estudar a Corte, que era o lugar do rei e dos príncipes, era, pois, contrário

    aos objetivos da corrente do marxismo histórico.

    Por seu turno, para a escola dos Annales a Corte era encarada como superfície da

    história. Além disso, consideravam-na como uma área muito próxima da História Positivista,

    da qual procuravam distanciar-se8.

    O panorama começou finalmente a mudar nos anos 70, do século XX. Por um lado,

    com a receção à obra de Elias à medida que esta foi sendo traduzida para outros idiomas9.

    6 Expressão utilizada por STARKEY, David – Foreword. In CRUICKSHANKS, Eveline (ed.) – The Stuart Courts. Stroud: Sutton, 2000, p. XII.

    7 Veja-se, apenas a título ilustrativo: MELLO, Antão de – A imbecilidade e a degenerescência nas Famílias Reais. Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho, 1908. No subtítulo da obra é possível ler: «A hereditariedade, as suas taras físicas, os estigmas intelectuais da degenerescência, perturbações nutritivas, a educação, o problema sexual, a loucura mística, etc.».

    8 À exceção de Emannuel Le Roy Ladurie, historiador da escola dos Annales, que publicou o artigo Auprès du Roi, La Cour. In Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 38e année, N. 1, 1983. pp. 21-41.

    9 Em França, La civilisation des mœurs. Paris: Calmann-Lévy, 1973; La société de cour. Paris: Calmann-Lévy, 1974 [Tradução do original Die höfische Gesellschaft, mas não na sua totalidade. Faltam, por exemplo, os dois apêndices, sendo que no primeiro o autor propunha algumas semelhanças nas estruturas de poder de Luís XIV e do regime Nazi].

    Em Inglaterra, The Civilizing Process: The History of Manners. vol. 1. Oxford: Blackwell/New York: Urizen Books, 1978; The Court Society. Oxford: Basil Blackwell/New York: Pantheon Books, 1983.

  • 19

    Por outro, com a crise dos modelos historiográficos e com a revisão de conceitos como

    Absolutismo, Monarquia, Política e Poder. Chegava-se à conclusão de que ao tentar

    encontrar as origens do Estado Moderno em épocas recuadas, desvalorizavam-se

    importantes formas de poder tais como a Corte, que não se enquadravam em moldes de

    leituras pré-estabelecidos, assim permitindo uma revisão dos limites do poder do rei e a

    novas leituras do poder da nobreza e das elites.

    De Inglaterra começaram a chegar relevantes incursões pelo tema da Corte, mais

    especificamente na área da Casa Real. O trabalho de Geoffrey Elton foi pioneiro neste

    campo e marcou o início de um intenso debate sobre a definição e a importância destas

    temáticas.

    Para Elton, a Corte inglesa do século XVI congregava «all those who at any given time

    were within ‘his grace’s house’; and all those with a right to be there were courtiers to

    whom the fact, and the problems, of the Court constituted a central preoccupation in their

    official lives and in the search for personal satisfaction»10.

    Neste sentido, considerava que a Corte dos Tudor era um «point of contact» entre rei

    e súbditos, e, consequentemente ter acesso ao monarca era fundamental para os cortesãos

    atingirem os seus objetivos. Assim, era neste espaço que o jogo político se concretizava,

    sucedendo-se as lutas entre os nobres pelo favor régio11.

    O trabalho de Elton inspirou David Starkey, seu aluno, a prosseguir os estudos nesta

    matéria. Foram os contributos deste historiador que trouxeram uma nova luz à análise da

    Casa Real. Para Starkey, era na Casa Real, em conjunto com a Corte, que se desenvolviam

    redes de poder informais que, pela intimidade e acesso que alcançavam junto do monarca,

    se tornavam indispensáveis instrumentos de influência política e de governo. Isto é, a

    Em Itália, La società di Corte. Bologna: Società editrice il Mulino, Saggi, 1980; La civiltà delle buone maniere. La trasformazione dei costumi nel mondo aristocratico occidentale. Bologna: Società editrice il Mulino, Saggi, 1982.

    10 ELTON, G. – Tudor Government: the points of contact. III The Court. (consultámos a versão integrada na colectânea de trabalhos do prof. Elton – Studies in Tudor and Stuart Politics and Government: Volume 3, Papers and Reviews 1973-1981. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, pp. 38-58 [1ª edição de 1983]. P. 45.

    Note-se nesta afirmação a influência dos trabalhos de Norbert Elias.

    11 IDEM – ibidem, «The Tudor Court was the centre of politics not only in the sense that those seeking power needed to pursue it there, but more significantly still in the sense that the battle of politics was there fought out.», p. 56.

  • 20

    governação do reino estava intimamente ligada à Corte e à Casa Real. Mas, ao contrário do

    que o seu mestre defendia, para Starkey, a câmara, a Casa Real e a Corte mantiveram a sua

    importância política no século seguinte.

    Com efeito, G. Elton defendia que, por volta de 1530, durante o reinado de Henrique

    VIII, ocorrera uma «Revolução»12 sob a administração de Thomas Cromwell que alterara as

    estruturas administrativas medievais da governação. Neste âmbito, a Casa Real deixara de

    ocupar com a dinastia Stuart o papel relevante que tivera durante o reinado dos Tudor.

    Starkey não concordava com este argumento, defendendo nos seus trabalhos que a Casa

    Real e a Corte conservaram a sua valência política após 1530, inclusive durante o reinado de

    Henrique VIII14.

    A partir deste momento, o estudo da Corte como local de exercício de poder começou

    a ganhar consistência e as investigações que se foram desenvolvendo neste domínio

    passaram a contemplar diferentes perspetivas e ângulos.

    Convém, pois, assinalar algumas das obras pioneiras que surgiram neste contexto e

    que ainda hoje ocupam um lugar importante na historiografia sobre a Corte europeia: The

    Courts of Europe: Politics, Patronage and Royalty, 1400–180015, editado por Arthur

    Geoffrey Dickens; de Linda Levy Peck, Court Patronage and Corruption in Early Stuart

    England16; a obra Courts, Patronage and the Nobility at the Beginning of the Modern

    12 ELTON, Geoffrey – The Tudor Revolution in Government: Administrative Changes in the Reign of Henry VIII. Cambridge: Cambridge University Press, 1953.

    Apenas aqui citamos o seu estudo inaugural, com a ressalva de que muitos outros se seguiram. Para a controvérsia que entretanto se gerou entre Elton e Starkey vejam-se os vários artigos de ambos, em especial, na revista Past and Present, que no seu sítio na Internet disponibilizam grande parte do seu arquivo, quase desde a fundação da revista em 1952. http://past.oxfordjournals.org/ .

    14 STARKEY, David – The King's Privy Chamber, 1485-1547. Cambridge: University of Cambridge, 1973. Dissertação de Doutoramento; IDEM – Court and Government. In COLEMAN, C. e STARKEY, D. (eds.) – Revolution Reassessed. Revisions in the History of Tudor Government and Administration. Oxford: Clarendon Press, 1986, pp. 29-58; IDEM – Intimacy and innovation: the rise of the Privy Chamber, 1485-1547. in AAVV. – The English Court: from the Wars of the Roses to the Civil War. London and New York: Longman, 1987, pp. 71-118;

    15 DICKENS, Arthur Geoffrey – The Courts of Europe: Politics, Patronage and Royalty, 1400–1800. New York: McGraw-Hill, 1977.

    16 PECK, Linda Levy – Court Patronage and Corruption in Early Stuart England. Boston: Unwin Hyman, 1990.

    http://past.oxfordjournals.org/

  • 21

    Period, 1450–165017, editado por Adolf Birke e Ronald Asch; ou o trabalho The Princely

    Courts of Europe, 1500–1750. Ritual, Politics and Culture under the Ancien Regime, 1500-

    1750, editado por John Adamson18.

    Gradualmente, as historiografias congéneres foram retomando os trabalhos sobre o

    mundo áulico. Em Itália surgiram as primeiras obras sobre o tema19, nomeadamente as de

    Cesare Mozzarelli, e assistiu-se à criação, ainda em 1976, do instituto Europa delle Corti.

    Centro studi sulle società di Antico Regime20, por Giancarlo Mazzacurati e Amedeo

    Quondam, dedicado, sobretudo, ao universo de valores e de atitudes da vida cortesã.

    Em França despontaram trabalhos que permanecem hoje uma referência obrigatória,

    como o de Jacqueline Boucher, La Cour de Henri III21; Jean-François Solnon, La Cour de

    France22 ou o de Emmanuel Le Roy Ladurie, Saint-Simon ou le système de la Cour23.

    17 BIRKE, Adolf; ASCH, Ronald (ed.) – Courts, Patronage and the Nobility at the Beginning of the Modern Period, 1450–1650.Oxford: Oxford University Press, 1991.

    18 ADAMSON, John (ed.) – The Princely Courts of Europe, 1500–1750. Ritual, Politics and Culture under the Ancien Regime, 1500-1750. London: Weidenfeld & Nicolson, 1999.

    19 PROSPERI, Adriano e OSSOLA, Carlo (eds.) – La Corte e il “Cortegiano”. 2 vols. Roma: Bulzoni, 1980. MOZZARELLI, Cesare – Corte e amministrazione nel Principato gonzaghesco. In Societá e storia. Nº 16, 1982, pp. 245-262; MOZZARELLI, Cesare e OLMI (ed.) – La Corte nella cultura e nella storiografia: immagini e posizioni tra otto e novecento. Roma, Bulzoni, 1983; MOZZARELLI, Cesare – L' Europa delle corti alla fine dell'Antico Regime. Roma: Bulzoni, 1991; MERLIN, Pierpaolo – Il tema della Corte nella storiografia italiana ed europea. In Studi Storici. Ano 27, nº 1, 1986, pp. 203-244.

    20 Integrado neste instituto constam-se inúmeras publicações pela Bulzoni Editori (Roma), das quais destacamos apenas algumas: ROMANI, Marzio A. e QUONDAM, Amedeo (eds.) – Le corti farnesiane di Parma e Piacenza 1545-1622. 2 vols., 1978; PROSPERI, Adriano e OSSOLA, Carlo (eds.) – La Corte e il “Cortegiano”. 2 vols. 1980; PAPAGNO, Giuseppe e QUONDAM, Amedeo (dirs.) – La Corte e lo spazio. Ferrara estense. 3 vols., 1982; FRIGO, Daniela – Il padre di famiglia. Governo della casa e governo civile nella tradizione dell'economica tra Cinque e Seicento. 1985; FANTONI, Marcello – La Corte del Granduca: Forma e simboli del potere mediceo fra Cinque e Seicento. 1994; FOSI, Irene – All’ombra dei Barberini. Fedeltà e servizio nella Roma barocca. 1997.

    21 BOUCHER, Jacqueline – La Cour de Henri III. Rennes: Ouest France, 1986.

    22 SOLNON, Jean-François – La Cour de France. Paris: Fayard, 1987.

    23 LADURIE, Emmanuel Le Roy – Saint-Simon ou le système de la cour. Avec la collaboration de Jean-François Fitou. Paris: Fayard, 1997. Consultámos a versão brasileira Saint-Simon ou o sistema da Corte. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

    O autor publicou ainda um artigo mais curto mas já ele baseado nas informações de Saint-Simon e em que assinala a importância de se estar perto do rei e de o servir publicamente. Refere ainda a importância da hierarquia, destacando os bastardos régios num contexto de puro/impuro e do que isso significava na representação da sociedade. IDEM – Auprès du roi, la Cour. In Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 38e année, N. 1, 1983. pp. 21-41.

  • 22

    Em Espanha também esta temática colheu grande interesse. Relembrem-se somente

    alguns dos especialistas que, desde os finais dos anos 80, inícios dos anos 90, se dedicaram a

    esta área: Feros24, Menéndez25, Rodríguez Gil26, Alvar27, Begoña Lolo28, Bouza Álvarez29 e

    Martínez Millán30, sem esquecer os trabalhos de Yves Bottineau31, de John Elliott32, de Mia

    24 FEROS CARRASCO, A. – Gobierno de Corte y patronazgo real en el reinado de Felipe III. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, 1986; IDEM – Capítulo 1. Felipe III. Gobierno de Corte. «Gobierno de hechuras». In DOMÍNGUEZ ORTIZ, A. – Historia de España. t. 6: La crisis del siglo XVII. Barcelona: Planeta, 1988, pp. 22-37.

    25 MENÉNDEZ REXACH, A. – La separación entre la casa del rey y la administración del estado. In Revista de Estudios Políticos. Nº 55, 1987, pp. 55-121.

    26 RODRÍGUEZ GIL, M. – La nueva planta de la Real Casa. Los oficios de Contralor y Grefier General. Madrid: Universidad Complutense, 1989.

    27 ALVAR EZQUERRA, A. – Aspectos de la vida diaria en la Corte del rey de España. In La vida cotidiana en la España de Velázquez. Madrid: Temas de Hoy, 1989, pp. 91-108.

    28 LOLO HERRANZ, Begoña – La música en la Real Capilla de Madrid, José de Torres y Martínez Bravo (h. 1670-1738). Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, 1990; IDEM – Phelipe Falconi, maestro de música de la Real Capilla (1721-1738). In Anuario musical: Revista de musicología del CSIC. Nº 45, 1990, pp. 117-132.

    29 BOUZA ÁLVAREZ, F. – Locos, enanos y hombres de placer en la Corte de los Austrias. Oficio de burlas. Madrid: Temas de Hoy, 1991; IDEM – Cortes festejantes y ocio en el cursus honorum cortesano. In Manuscrits. 13, 1995, pp. 185-203; IDEM – El Rey y los cortesanos. In Torre de los Lujanes. 32, 1996, pp. 77-88.

    30 Numa lista que não pretende ser exaustiva: MARTÍNEZ MILLÁN, José – Las elites de poder durante el reinado de Carlos V a través de los miembros del Consejo de Inquisición (1516-1558). In Hispania: Revista española de historia. Vol. 48, Nº 168, 1988, pp. 103-168; IDEM – Elites de poder en tiempos de Felipe II (1539-1572). In Hispania: Revista española de historia. Vol. 49, Nº 171, 1989, pp. 111-149; IDEM – Grupos de poder en la Corte durante el reinado de Felipe II: la facción ebolista, 1554-1573. In MARTÍNEZ MILLÁN, José (ed.) – Instituciones y élites de poder en la monarquía hispana durante el siglo XVI. Madrid: Universidad Autónoma, 1992, pp. 137-197.

    Vejam-se ainda MARTÍNEZ MILLÁN, José (dir.) – La Corte de Felipe II. Madrid; Alianza Editorial, 1994; MARTÍNEZ MILLÁN, José (dir.) – La Corte de Carlos V. Madrid: Sociedad Estatal para la Conmemoración de los Centenarios de Felipe II y Carlos V, 2000; MARTÍNEZ MILLÁN, José e VISCEGLIA, María Antonietta (coord.) – La monarquía de Felipe II: la Casa del Rey. Madrid: Fundación MAPFRE Tavera, 2005; MARTÍNEZ MILLÁN, José (coord.) – La monarquía de Felipe III: la Casa del Rey. Madrid: Fundación MAPFRE Tavera, 2005-2008.

    Para lá da coordenação e direção destas obras, vejam-se os artigos específicos de Martínez Millán.

    31 BOTTINEAU, Yves – L’art de cour dans l’Espagne des lumières. 1746-1808. Paris: De Boccard, 1986; El arte cortesano en la España de Felipe V (1700-1746). Madrid: Fundación Universitaria Española, 1986 (original em francês de 1962); IDEM – L'Alcázar de Madrid et l'inventaire de 1686. Aspects de la cour d'Espagne au XVIIe siècle. In Bulletin Hispanique. Tome 58, N°4, 1956, pp. 421-452 (continuado nos nº 60).

    Anos antes, o autor começara a estudar aspetos da Corte portuguesa, nomeadamente ao tempo de D. João V. Cite-se um dos seus mais conhecidos trabalhos. IDEM – Le gout de Jean V: art et gouvernement. Braga : [s.n.], 1974.

  • 23

    Rodriguez-Salgado33 e de Glynn Redworth34. Um pouco mais recentes35, mas de menção

    obrigatória, são os trabalhos de Carlos Gómez-Centurión36, de Juan Sánchez Belén37 e de

    Antonio Álvarez-Ossorio38.

    32 ELLIOTT, John – Philip IV of Spain. Prisioner of ceremony. In DICKENS, A. G. (ed) – The Courts of Europe. Politics, Patronage and Royalty, 1400-1800. London: Thames and Hudson, 1977, pp. 169-189.

    33 RODRIGUEZ-SALGADO, Mia – The Court of Philip II of Spain. In ASCH, R. G., e BIRKE, A. M. (eds.) – Princes, Patronage and the Nobility. The Court at the beginning of the Modern Age, c. 1450-1650. Oxford: Oxford U. P., 1991, pp. 205-244; Honour and profit in the court of Philip II of Spain. In AYMARD, M. e ROMANI, M. A. (dirs.) – La cour comme institution économique. Paris : Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme, 1998, pp. 67-88.

    34 REDWORTH, Glynn em co-autoria com CHECA, Fernando – The kingdoms of Spain: the courts of the Spanish Habsburgs, 1500-1700. in ADAMSON, J. (ed) – The princely courts of Europe: Ritual, politics and culture under the Ancien Régime, 1500-1700. London: Weidenfeld & Nicolson, 1999, pp. 42-65.

    35 Sublinhe-se que esta lista dos estudos realizados pela historiografia espanhola apenas se atende aos trabalhos realizados até finais da década de 90.

    36 GÓMEZ-CENTURIÓN JIMÉNEZ, Carlos María – Etiqueta y ceremonial palatino durante el reinado de Felipe V: el reglamento de entradas de 1709 y el acceso a la persona del rey. In Hispania. Revista Española de Historia. 194, 1996, pp. 965-1005; IDEM – Al cuidado del cuerpo del Rey: los sumilleres de corps en el siglo XVIII. In Cuadernos de Historia Moderna. Anejos. Nº 2, 2003, pp. 199-239; IDEM – La reforma de las casas reales del Marqués de la Ensenada. In Cuadernos de historia moderna. Nº 20, 1998, pp. 59-83.

    Mais recentes, IDEM – La Corte de Felipe V: el ceremonial y las casas reales durante el reinado del primer Borbón. In SERRANO MARTÍN, Eliseo (coord.) – Felipe V y su tiempo: congreso internacional. Vol. 1, 2004, pp. 879-914; IDEM – La Corte de Carlos III. In Enciso Alonso-Muñumer, Isabel (coord.) – Carlos III y su época: la monarquía ilustrada. 2003, pp. 271-294.

    37 SÁNCHEZ BELÉN, Juan – El cortesano. Historia 16, Nº 259, 1997, pp. 10-15; IDEM – La Capilla Real de palacio a finales del siglo XVII. In GARCÍA GARCÍA, Bernardo José e CARRERAS ARES, Juan José (eds. lit.) – La capilla real de los Austrias: música y ritual de Corte en la Europa moderna. 2001, pp. 411-448; IDEM – Corte, fiesta y diplomacia: la embajada española del Conde de Mansfel al Ducado de Lorena en 1569. In por RIBOT GARCÍA, Luis Antonio e Belenguer Cebrià, Ernest (coords.) – Las sociedades ibéricas y el mar a finales del siglo XVI: Congreso Internacional. Vol. 1, La Corte. Centro e imagen del poder. Sociedad Estatal Lisboa '98, 1998, pp. 239-255; IDEM – Los capellanes de honor de la Capilla Real (1701-1757): aproximación a su estudio. In SUÁREZ GRIMÓN, Vicente J.; MARTÍNEZ RUIZ, Enrique; LOBO CABRERA, Manuel (coords.) – III Reunión Científica de Historia Moderna. Asociación Española de Historia Moderna. Vol. 1, Iglesia y sociedad en el Antiguo Régimen, 1995, pp. 177-186; GÓMEZ-CENTURIÓN JIMÉNEZ, Carlos María e SÁNCHEZ BELÉN, Juan Antonio – La herencia de Borgoña. La hacienda de las Reales Casas durante el reinado de Felipe V. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Institucionales, 1999. SAAVEDRA ZAPATER, Juan Carlos – La Capilla Real de Felipe V durante la Guerra de Sucesión. In Homenaje a Antonio de Béthencourt Massieu. Vol. 3, 1995, pp. 367-402.

    38 ÁLVAREZ-OSSORIO, Antonio – La Corte: un espacio abierto para la historia social. In CASTILLO, Santiago (coord.) – La historia social en España: actualidad y perspectivas: actas del I Congreso de la Asociación de Historia Social: Zaragoza, septiembre 1990. Madrid: Siglo XXI de España, 1991, pp. 247-260; IDEM – Virtud coronada: Carlos II y la piedad de la Casa de Austria. In FERNÁNDEZ ALBALADEJO, Pablo, PINTO CRESPO, Virgilio e MARTÍNEZ MILLÁN, José (coord.) – Política, religión e inquisición en la España moderna: homenaje a Joaquín Pérez Villanueva. Madrid: Universidad Autonoma, 1996, pp. 29-58; IDEM – El cortesano discreto: itinerario de una ciencia áulica (SS. XVI-XVII). In Historia social, Nº 28, 1997, pp. 73-94; IDEM – La discreción del cortesano. In Edad de oro, vol. 18, 1999, pp. 9-45; IDEM – Rango y apariencia: el decoro y la quiebra de la

  • 24

    Em Londres, no Reino Unido, foi fundada, em 1995, a The Society for Court Studies46,

    em pleno funcionamento nos dias de hoje, por David Starkey, Robert Oresko47, Simon

    Thurley48 e Philip Mansel49, com o objetivo de estimular e coordenar o estudo da Corte a

    partir do século XVI. Além de se dedicarem à organização de vários seminários sobre a

    temática da Corte, publicam a revista The Court Historian. Deste grupo destacam-se

    estudiosos como Andrew Barclay50, Clarissa Campbell Orr51, Anna Keay52, Charles Curties

    Noel53, Dries Raeymaekers54 e Jonathan Spangler55.

    distinción en Castilla (siglos XVI-XVIII). In Revista de historia moderna: Anales de la Universidad de Alicante, nº 17, 1998-1999, pp. 263-278.

    46 Ver http://www.courtstudies.org/

    47 ORESKO, Robert – Royal and Republican Sovereignty in Early Modern Europe: Essays in Memory of Ragnhild Hatton. Cambridge: Cambridge University Press, 1997; IDEM – Power and Politics in Early Modern Italy. In History Today. Vol. 39, nº 9, 1989; IDEM – The Duchy of Savoy and the Kingdom of Sardinia. The Sabaudian Court 1563-c. 1750. In ADAMSON, J. (ed) – The princely courts of Europe: Ritual, politics and culture under the Ancien Régime, 1500-1700. London: Weidenfeld & Nicolson, 1999, pp. 231-253.

    48 Entre vários trabalhos de Simon Thurley, ver – Whitehall Palace: an architectural history of the royal apartments 1240-1648. Yale University Press, 1999; Somerset House, The Palace of England's Queens 1551-1692. London: Topographical Society Publication 168, 2009. The King’s Privy Garden at Hampton Court Palace, 1689-1995. Apollo, 1995; Henry VIII and the Building of Hampton Court: A Reconstruction of the Tudor Palace. In Architectural History, 31, (1998), pp. 1-57; The Tudor Kitchens at Hampton Court. In Journal of the British Archaeological Association, CXLIII, (1990), pp.1-28; The Stuart Kings, Oliver Cromwell and the Chapel Royal 1618-1685. In Architectural History, 45, (2002), pp.238-274; A Country House fit for a King Charles II, Winchester and Greenwich. In CRUICKSHANKS, Evelyne (ed.) – The Stuart Courts. Stroud: Sutton, 2000, pp.214-239.

    49 MANSEL, Philip – Dressed to Rule: Royal and Court Costume from Louis XIV to Elizabeth II. New Haven and London: Yale University Press, 2005; IDEM – Prince of Europe: The Life of Charles-Joseph de Ligne (1735-1814). London, Weidenfeld & Nicolson, 2003 [edição alargada da versão de 1992]; IDEM (ed.) com RIOTTE, Torsten – Monarchy and Exile: the Politics of Legitimacy from Marie de Medicis to Wilhelm II. London: Palgrave Macmillan, 2011.

    50 BARCLAY, Andrew – The inventories of the English royal collection, temp. James II. In Oxford Journals, Volume 22, nº 1, 2010, pp. 1-13; Charles II’s failed Restoration: administrative reform below stairs, 1660-4. in CRUICKSHANKS, Eveline (ed.) – The Stuart Courts. Stroud: Sutton, 2000. IDEM – Mary Beatrice of Modena: the “Second Bless’d of Woman-kind?. In ORR, Clarissa Campbell (ed.) – Queenship in Britain 1660-1837. Royal patronage, court culture and dynastic politics. Manchester and New York, Manchester University Press, 2002, pp. 74-93.

    51 ORR, Clarissa Campbell (ed.) – Queenship in Britain 1660-1837. Royal patronage, court culture and dynastic politics. Manchester and New York, Manchester University Press, 2002; IDEM – Queenship in Europe 1660-1815: the role of the consort. Cambridge, Cambridge University Press, 2004.

    52 KEAY, Anna – The Magnificent Monarch: Charles II and the Ceremonies of Power. London and New York: Continuum, 2008.

    53 NOEL, Charles Curties – Madrid: City of the Enlightenment. In History Today, Vol.45, nº 10, 1995.

    http://www.courtstudies.org/

  • 25

    Três anos depois, foi instituída uma filial nos Estados Unidos da América, país onde,

    note-se, a publicação de livros sobre o mundo áulico tivera início em 1977 com a já citada

    obra editada por Arthur Geoffrey Dickens. A internacionalização da rede The Society for

    Court Studies passou a incluir especialistas como Lawrence Bryant56, Robert Bucholz57,

    George Gorse58, Linda Levy Peck59, Magdalena Sanchez60, Malcolm Smuts61 e Richard

    Wortman62.

    54 RAEYMAEKERS, Dries – The Court and Household of the Archdukes Albert and Isabella in Brussels (1598-1621). Antwerp: University of Antwerp, 2009. Dissertação de Doutoramento. HOUBEN, Birgit e RAEYMAEKERS, Dries – Changing Formats. Court and Household in the Habsburg Netherlands, 1598-1641. (Paper for the second Low Countries Conference, Antwerp 2006), disponível em http://www.lowcountries.nl/papers/2006-1_raeymakers.pdf – último acesso em fevereiro de 2012.

    55 SPANGLER, Jonathan – The Society of Princes: The Lorraine-Guise and the Conservation of Power and Wealth in Seventeenth-Century France. London: Ashgate, 2009; IDEM – Aulic Spaces Transplanted: the design and layout of a Franco-Burgundian court in a Scottish palace, Court Historian, vol. 14, no. 1 (Summer, 2009).

    56 BRYANT, Lawrence – Some Observations on the Staging of Royal Entries (1450-1600): From Ritual to Spectacle. in RUSSEL, Nicolas e VISENTIN, Hèléne (eds.) – French Ceremonial Entries in the Sixteenth Century: Event, Image, Text. Toronto: University of Toronto/Centre for Reformation and Renaissance Studies; IDEM – ‘What Face to Put On?’ Splendid Extravagances, Royal Authority, and Louis XI’s Ceremonies. In CASCIANI, Santa e CONTRENI, John J. (eds.) – Word, Image, Number: Communication in the Middle Ages. Sismel-Edizioni del Galluzzo, 2002, pp.319-350; IDEM – Making History: Ceremonial Texts, Royal Space, and Political Theory in the Sixteenth Century. In WRITE, Michael (ed.) – Changing Identities in Early Modern France. Dunham: Duke University Press, 1997, pp. 46-47; IDEM – The King and the City in the Parisian Royal Entry Ceremony: Politics, Art, and Ritual in the Renaissance. In Travaux d'Humanisme et Renaissance. Geneva : Librairie Droz, 1986, entre outros.

    57 Robert Bucholz é autor em co-autoria com J. C. Sainty da obra Officials of the Royal Household 1660-1837. 2 vols. Londres: Institute of Historical Research, 1997-98, parte do texto disponível para consulta em http://luc.edu/history/fac_resources/bucholz/DCO/DCO.html . LEVIN, C. e BUCHOLZ, R. (eds.) – Queens and Power in Medieval and Early Modern England. University of Nebraska Press, 2009.

    58 GORSE, George – Agricultural Practice and Garden Design in Renaissance Genoa. In Design and Construction in the Middle Ages and Early Modern Era: Essays in Honor of Bradford Blaine. Ottawa: Institute for Medieval Music, 1998; IDEM – Genova: repubblica dell'Impero. in CONFORTI, C. e TUTTLE, R. (eds.) – Storia dell' architettura italiana: il secondo Cinquecento, 240-265. Milano: Electa, 2001.

    59 Para lá do trabalho já citado no corpo do texto, vejam-se: PECK, Linda Levy – Consuming Splendor: Society and Culture in Seventeenth Century England. Cambridge: Cambridge University Press, 2005; IDEM (ed.) – The Mental World of the Jacobean Court. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

    60 SANCHEZ, Magdalena – The Empress, the Queen and the Nun. Women and Power at the Court of Philip III of Spain. Baltimore and London: The John Hopkins University Press, 1998.

    61 Além do já citado no corpo do texto, ver, entre muitos, SMUTS, Malcolm – Court Culture and the Origins of a Royalist Tradition in Early Stuart England. University of Pennsylvania Press, 1987 (paperback edition 1998); IDEM – The Stuart Court and Europe: Essays in Politics and Political Culture. Cambridge University Press, 1996; IDEM –The Court and the Emergence of a Royalist Party. in MCELLIGOTT, Jason e SMITH, David (eds.) – Royalists and Royalism during the English Civil War. Cambridge University Press, 2007, pp. 43-65;

    http://www.lowcountries.nl/papers/2006-1_raeymakers.pdfhttp://www.lowcountries.nl/papers/2006-1_raeymakers.pdfhttp://luc.edu/history/fac_resources/bucholz/DCO/DCO.html

  • 26

    Já no século XXI, os temas da Corte e da Casa Real continuam a reunir grande interesse

    enquanto campos de estudo, sendo de assinalar, nestes últimos 30 anos, uma notória

    modificação e renovação do panorama historiográfico. É certo que se procura demonstrar

    que estas duas realidades faziam parte do Estado Moderno, contudo, o enfoque é diferente

    daquele que foi inicialmente proposto por Norbert Elias, principalmente no que toca à

    natureza das relações entretecidas nestes locais entre monarca e cortesãos. Para o sociólogo

    alemão, a nobreza fora domesticada pelo rei. Atraindo-a à Corte, obrigara-a a endividar-se

    de forma a manter o estatuto e um estilo de vida cortesão, anulando assim o seu poder e

    contribuindo para a construção do Estado Moderno63. Esta perspetiva quase unilateral tem

    sido colocada de lado pela maior parte dos historiadores.

    As propostas renovadas de abordagem metodológica nestas duas áreas, levadas a

    cabo, em especial, pelas historiografias inglesa, francesa e espanhola, no seguimento, quer

    por afinidade como por oposição das formulações teóricas de Elias, têm conduzido a uma

    consolidação e maturidade destes domínios, onde se realça o contributo da

    interdisciplinaridade.

    Instituição de complexa definição conceptual, a Corte é hoje estudada enquanto

    realidade física, mas também como espaço social, cultural, político e económico.

    Afonso X, o Sábio, nas suas célebres Siete Partidas – texto que, como teremos

    oportunidade de demonstrar, estará sempre muito presente nas definições das palavras

    ligadas ao universo cortesão em Portugal – descrevia a Corte como «el logar do es el rey, et

    sus vassalos et sus oficiales com él, que le han cotianamente de consejar et de servir»64.

    Assinalava ainda o duplo significado da palavra Corte, tanto significando «cohors», como

    «curia», ou seja, um grupo de pessoas específico e um lugar físico.

    FANTONI e SMUTS (co-eds.) – The Politics of Space: European Courts, ca. 1500-1750. Rome: Bulzoni Editori, 2009.

    62 WORTMAN, Richard – Scenarios of Power: Myth and Ceremony in Russian Monarchy. Volume One: From Peter the Great to the Death of Nicholas I. Princenton: Princeton University Press, 1995.

    63 Neste ponto em específico, Elias baseou-se mormente nas Memórias de Saint-Simon, filho de um favorito de Luís XIII que viu todas as suas pretensões e objetivos saírem frustrados. Partindo destas, naturalmente amarguradas, anotações sobre a Corte e o rei, Elias concebeu a ideia da Corte como local onde monarca e nobres se encontravam em lados opostos, quase como inimigos.

    64 Las Siete Partidas del Rey Don Afonso el sabio, cotejadas con varios códices antiguos por la Real Academia de la Historia. Madrid: Imprenta Real, 1807, tomo II, Partida Segunda, Lei XXVII.

  • 27

    A Corte era igualmente espaço onde se produzia e consumia cultura. Esta tem sido

    uma das correntes historiográficas mais privilegiada nos últimos anos, em especial os

    trabalhos de cultura política, dando-se particular atenção às manifestações artísticas. Estas

    representavam, de forma singular, uma imagem da monarquia e dos seus comportamentos,

    linha de investigação que tem vindo a ser desenvolvida, por exemplo, por Malcolm Smuts65.

    Lugar onde o rei vivia e governava, a Corte era, portanto, um local doméstico, mas

    também de atuação política. Não era, porém, o único centro de poder no Antigo Regime.

    Neste âmbito, a historiografia mais recente tem vindo a salientar a importância da dimensão

    policêntrica da Corte.

    As casas das rainhas, dos príncipes e dos infantes, seguindo uma matriz idêntica à da

    casa do rei, tinham administração, oficiais e Corte, em torno das quais as suas próprias redes

    cortesãs se formavam. Mas também as Cortes senhoriais66 e as vice-reinais eram

    configurações que geravam importantes oportunidades a nível político e cortesão.

    A vertente económica da Corte parece ser o campo menos explorado pelos

    historiadores. Na obra publicada em 1998, resultante do 12º Congresso de História

    Económica realizado nesse ano em Espanha, Aymard e Romani67 procuraram dar um

    impulso significativo neste sentido, relevando o papel económico de grande relevância que

    esta instituição alcançou. Receitas e despesas da coroa, padrões de consumo cortesãos,

    65 SMUTS, Malcolm – Art and the material culture of majesty in early Stuart England. In The Stuart court and Europe: essays in politics and political culture. Cambridge: Cambridge University Press, 1996; IDEM – Court culture and the origins of a royalist tradition in early Stuart England. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1999; IDEM – Culture and power in England, 1585-1685. Basingstoke: Macmillan, 1999.

    Ver também GENDZEL, Glen – Political Culture: Genealogy of a Concept. In The Journal of Interdisciplinary History. Vol. 28, No. 2 (Autumn, 1997), pp. 225-250.

    66 A título de exemplo, ver CUNHA, Mafalda Soares da – Cortes Señoriales, Corte Regia y Clientelismo. El caso de la Corte de los Duques de Braganza. In Espacios de Poder: cortes, ciudades y villas (S. XVI-XVIII). Madrid: Universidad Autónoma de Madrid. Vol. 1, 2002, pp. 51-68. IDEM – Nobreza, Rivalidade e Clientelismo na primeira metade do século XVI. In Penélope, nº 29, 2003, pp. 33-48. A autora chama a atenção de para o caso português no século XVI as casas senhoriais serem estruturas de poder que intermediavam periferias sociais e territoriais com o centro político, a Corte. Ou seja, acabavam por ser polos autónomos de redes sociais e criadores de espaços sociais alternativos.

    67 AYMARD, M. e ROMANI, M. A. (dirs.) – La cour comme institution économique. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 1998.

  • 28

    mobilização de exércitos pelo rei, entre outros aspetos, originavam importantes circuitos

    económicos promovidos pela própria orgânica da Corte e que urgem ser estudados68.

    Na historiografia francesa69, as investigações no domínio áulico ganharam um novo

    fôlego, mesmo para períodos cronologicamente mais recuados 71. Em 2006, tomou forma o

    Centre de Recherche du Château de Versailles, reunindo uma variedade de especialistas no

    estudo da Corte europeia dos séculos XVII e XVIII. Para lá do Boletim que publica com

    regularidade, o Centro organiza também seminários subordinados a esta temática sob

    perspetivas variadas.

    Neste sentido, não se pode deixar de lembrar o trabalho que em Espanha tem vindo a

    ser desenvolvido pelo Instituto La Corte en Europa, criado em 2006, e pela rede de

    investigação Solo Madrid es Corte72, principalmente no que respeita às Casas de Carlos V73,

    Filipe II e Filipe III.

    Para outras zonas geográficas têm, de igual modo, surgido diversos contributos,

    nomeadamente para a Suécia74, para o Sacro-Império Romano Germânico75, para Bruxelas e

    para a Corte Papal76.

    68 Como assinala CHAVINEAU, Hélène – Entre le prince et la cour. L’administration financière sous les grands-ducs de Toscane (XVIe-XVIIe siècle). In Hypothèses, 2000/1, pp. 221-230 : «Il est vrai que cette association courtisan-argent étonne, à cause d’un lourd historiographique qui condamne l’entité curiale à ne pas être un espace économique digne d’intérêt. […] D’où une vision assez paradoxale de la cour : l’espace aulique serait à la fois lieu de contrôle des élites à l’attraction financière certaine, Norbert Elias oblige, et lieu de dépenses irrationnelles s’opposant à un État moderne en voie de construction», p. 221.

    69 LE ROUX, Nicolas – La faveur du roi: mignons et courtisans au temps des derniers Valois (vers 1547-vers 1589). Seyssel: Éditions Champ-Vallon, 2000 ; Les cours d’Espagne et de France au XVIIe siècle. Études réunies et présentées par Chantall Grell e Benoît Pellistrandi. Madrid : Casa de Velázquez, 2007, em que se reúnem artigos de Nicolas Le Roux, Bartolomé Bennassar, Fanny Cosandey, entre outros.

    71 GAUDE-FERRAGU, Muriel, LAURIOUX, Bruno e PAVIOT, Jacques – La cour du prince. Cour de France, cours d’Europe, XII-XVe siècle. Paris: Champion, 2011.

    72 Para sermos justos, teríamos que mencionar toda equipa de historiadores que tem vindo a trabalhar com Martínez Millán em obras como La monarquía de Felipe II: la Casa del Rey, que já citámos, e que, na sua maioria, integram estas redes de investigação. Ao longo do trabalho faremos essas referências.

    73 Sem esquecer o trabalho desenvolvido pela extinta Sociedad Estatal para la Conmemoración de los Centenarios de Felipe II y Carlos V, como o de RIBOT, L. (comissário) – Felipe II: un monarca y su época. Las tierras y los hombres del rey. Madrid: 1998; IGLESIAS, C. (comissário) – Felipe II: un monarca y su época. La monarquía Hispánica. Madrid: 1998; CHECA CREMADES, F. (comissário) – Felipe II: un monarca y su época. Un príncipe del Renacimiento. Madrid: 1998.

    74 Para o caso sueco, ver PERSSON, Fabian – Servants of Fortune. The Swedish court between 1598 and 1721. Lund: Wallin and Dalholm, 1999.

  • 29

    Apesar da valorização historiográfica dos estudos relacionados com o mundo áulico

    faltam, ainda hoje, no caso português, trabalhos monográficos neste âmbito, em especial, no

    que respeita à Casa Real Portuguesa no período moderno.

    Se é certo que para a época em estudo, a da dinastia de Bragança, não existem

    análises sistemáticas, há, contudo, alguns contributos fundamentais dentro da área de

    história político-institucional que se devem salientar, nomeadamente para a Época

    Medieval. Neste contexto, destaque-se a obra de Rita Costa Gomes, A Corte dos Reis de

    Portugal na Idade Média77, assim como o trabalho de Leontina Ventura sobre A nobreza de

    Corte de D. Afonso III78 e os estudos de Ivo Carneiro de Sousa sobre o património, a casa e a

    Corte da rainha D. Leonor79. Mais recentes são o livro de Humberto Baquero Moreno e de

    Isabel Vaz de Freitas para a Corte ao tempo de D. Afonso V80 e o de Maria Alegria Marques e

    75 DUINDAM, Jeroen – Vienna and Versailles. The Courts of Europe’s Dynastic Rivals, 1550-1780. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

    76 Para a época medieval, GUILLEMAIN, Bernard – La cour pontificale d’Avignon: (1309–1376). Étude d’une société. Paris: De Boccard, 1962. Para a época moderna, HURTUBISE, Pierre – Familiarité et fidelité à Rome au XVIe siècle: les ‘familles’ des cardinaux Giovanni, Bernardo et Antonio Maria Salvati. In DURAND, Y. (ed.) – Hommage à Roland Mousnier. Clientèles et fidelité en Europe à l’époque moderne. Paris : PUF, 1981; IDEM – La “familia” del cardinale Giovanni Salviati (1517–1553). In MOZZARELLI, Cesare (ed.) – “Familia” del Principe e famiglia aristocratica. Roma: Bulzoni, 1988; FRAGNITO, Gigliola – “Parenti” e “familiari” nelle corti cardinalizie del Rinascimento. In ibidem; FERNÁNDEZ, Henry Dietrich – The Patrimony of St. Peter. The Papal court at Rome c. 1450-1700. In ADAMSON, J. (ed) – The princely courts of Europe: Ritual, politics and culture under the Ancien Régime, 1500-1700. London: Weidenfeld & Nicolson, 1999, pp. 141-163.

    Mais recente, VISCEGLIA, Maria Antonietta – The Pope’s household and Court in the Modern Age. In DUINDAM, Jeroen – Royal Courts in Dynastic States and Empires. A global perspective. Leiden: Brill, 2011, pp. 239-264.

    77 GOMES, Rita Costa – A Corte dos Reis de Portugal na Idade Média. Lisboa: Difel, 1995.

    Recorde-se também PAPAGNO, Giuseppe – La Virtuosa Bemfeitoria. In MOZZARELLI, Cesare (dir.) – “Familia” del Principe e famiglia aristocratica. Roma: Bulzoni, 1988, vol. 1, pp. 181-211.

    78 VENTURA, Leontina – A Nobreza de Corte de Afonso III. 2 volumes. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1992. Dissertação de Doutoramento.

    79 SOUSA, Ivo Carneiro de – Introdução ao Estudo do Património, da Casa e da Corte de D. Leonor. In Espiritualidade e Corte em Portugal, séculos XVI-XVIII. Porto: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1993, pp. 23-52; IDEM – A Rainha D. Leonor (1458-1525): poder, misericórdia e espiritualidade no Portugal do Renascimento. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2002.

    80 MORENO, Humberto Baquero e FREITAS, Isabel Vaz de – A Corte de Afonso V: o tempo e os homens. Gijón: Trea, 2006.

  • 30

    de João Soalheiro para a Corte dos primeiros reis de Portugal81, ambos inseridos numa

    coleção espanhola.

    Para a idade Moderna, referências obrigatórias são os trabalhos de Nuno Gonçalo

    Monteiro sobre a aristocracia no Antigo Regime português82, os de Mafalda Soares da Cunha

    sobre a Casa de Bragança83 e os de Maria Paula Marçal Lourenço84 sobre a Casa do

    Infantado e a Casa das Rainhas de Portugal entre 1640 e 1754.

    Neste âmbito, se excetuarmos o trabalho preliminar de Pedro Cardim85 sobre a Casa

    Real no período considerado, ou o incontornável estudo de Félix Labrador Arroyo para a

    época da monarquia dual86, e algumas análises parcelares e de circunstância87, a nossa

    historiografia carece de um estudo aprofundado sobre esta temática crucial para a

    compreensão do funcionamento institucional da Monarquia em Portugal, após a

    Restauração de 1640.

    81 MARQUES, Maria Alegria e SOALHEIRO, João – A Corte dos primeiros reis de Portugal: Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II. Gijón: Trea, 2009.

    82 MONTEIRO, Nuno Gonçalo – O Crepúsculo dos Grandes. A Casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-1850). 2ª ed. revista. Lisboa: Imprensa Nacional, 2003 (dissertação de 1995); Elites e Poder. Entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa: Imprensa das Ciências Sociais, 2003 (obra em que autor reúne alguns dos principais artigos).

    83 CUNHA, Mafalda Soares da – A Casa de Bragança 1560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares. Lisboa: Editorial Estampa, 2000 (dissertação de 1988).

    84 LOURENÇO, Maria Paula Marçal – A Casa e o Estado do Infantado (1654-1706). Formas e práticas administrativas de um património senhorial. Lisboa: JNICT, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1995 (dissertação de 1988); IDEM – Casa, Corte e Património das Rainhas de Portugal (1640-1754). Poderes, Instituições e Relações Sociais. 2 volumes. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1999. Dissertação de doutoramento.

    85 CARDIM, Pedro – A Casa Real e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade de Seiscentos. In Tempo. Rio de janeiro. nº 13, Julho de 2002, pp. 13-57; IDEM – O Poder dos Afetos. Ordem amorosa e dinâmica política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2000. Dissertação de Doutoramento. Em especial o capítulo intitulado A Corte régia e o sistema político do Antigo Regime, pp. 477-565.

    86 Consideramos o trabalho de Félix Labrador Arroyo uma verdadeira exceção no panorama historiográfico nacional, ainda que para anos anteriores aos que tratamos, já que se trata verdadeiramente de um trabalho aprofundado e de grande fôlego. LABRADOR ARROYO, Félix – La Casa Real Portuguesa de Felipe II y Felipe III: la articulación del reino a través de la integración de las elites de poder (1580-1621). Madrid: Universidad Autónoma, 2006. Dissertação de Doutoramento [publicado com o título Corte y casa real en Portugal durante los reinados de Felipe II y Felipe III (1580-1621). Madrid: Polifemo, 2009].

    87 HESPANHA, António Manuel – Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: 1984; IDEM – Un autre paradigme d’administration: la Cour en Europe du Sud à l’époque modern. In Annuaire d’Histoire Administrative Européene. nº 4, Baden Baden, 1992, pp. 1-21; PIMENTEL, António Filipe – Absolutismo, Corte e palácio. Em torno dos palácios de D. João V. In Arqueologia do Estado. Comunicações. 2º tomo. Lisboa: 1988.

  • 31

    Em todo o caso, é de assinalar a criação de um seminário de Mestrado em História

    Moderna e Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa dedicado à

    «Monarquia e Casa Real», no ano letivo de 2008/2009.

    Ora, ao escolher a Casa Real portuguesa ao tempo de D. Pedro II como tema central

    da minha investigação no Doutoramento em História Moderna, mais não fiz do que partilhar

    do interesse pela redescoberta historiográfica destas áreas de estudo.

    Já em 2004, aquando da inscrição no Mestrado em História Moderna na Faculdade de

    Letras, esta temática aliciava-me. Nessa altura estudei a figura de D. Catarina de

    Bragança102, filha de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, procurando salientar e

    contextualizar o seu contributo político, social e económico no contexto da emergência e

    afirmação da dinastia brigantina.

    Ao analisar os apoios e as resistências que se constituíram face à participação política

    de D. Catarina enquanto regente de Portugal (1704-1705), substituindo no poder, por duas

    vezes o seu irmão, D. Pedro II, fiquei com vontade de prosseguir os estudos sobre este

    reinado.

    A esta escolha não foram alheias as enriquecedoras conversas com a minha

    orientadora científica, a Profª Dr.ª Maria Paula Marçal Lourenço, que em 2006 se encontrava

    a concluir uma biografia sobre o rei Pacífico, estando particularmente sensibilizada para a

    importância que a Corte e a Casa Real tinham alcançado neste período. Incentivou-me, pois,

    a trilhar este caminho que, como já acima apontado, se encontrava ainda por explorar, com

    um estímulo que confesso ter sido contagiante.

    Um projeto inicial de um trabalho de investigação dificilmente corresponderá ao

    produto final. O texto que se apresenta não é exceção. À medida que a pesquisa avançava,

    novas pistas, ideias e diferentes interrogações foram surgindo, tornando-se por vezes

    necessário reorientá-la, assim como a análise e a forma de trabalhar a informação. Noutros

    casos, a documentação revelou-se estéril quanto aos dados que eu esperava encontrar, o

    que me obrigou a adequar o plano traçado originalmente.

    102 TRONI, Joana Pinheiro de Almeida – Catarina de Bragança (1638-1705). Lisboa: Edições Colibri, 2008. [dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005].

  • 32

    Desde que comecei a desenhar o plano de trabalho tinha plena consciência de que

    precisava de dedicar umas breves páginas à contextualização do tema da Casa Real com D.

    João IV e com D. Afonso VI.

    Tratava-se, naturalmente de um recuo cronológico que teria por objetivo fornecer

    uma imagem alargada do assunto, enquadrando-o no contexto da dinastia brigantina e que

    ia de encontro à necessidade de dar resposta a algumas perguntas que formulei

    inicialmente, tais como se a estrutura da Casa Real se mantivera ao longo destes anos; se

    todos os cargos tinham sido conservados; se as suas competências e responsabilidades

    sofreram alguma alteração; se nasceram novas formas de chegar ao serviço da Casa Real; se

    houve integração de influências estrangeiras; ou onde se ia buscar inspiração para as

    cerimónias portuguesas e ritualizações da monarquia.

    Ao analisar com detalhe o Regimento da Casa Real produzido ao tempo de D. João IV,

    ao confrontar várias fontes e após já alguns meses de trabalho, comecei a perceber que a

    data deste regimento não poderia ser aquela que é sugerida na Coleção Cronológica da

    Legislação Portuguesa, compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva, o que me

    levou a alargar o investimento que originalmente planeara fazer para o intervalo cronológico

    entre 1640 e 1667, desenvolvendo uma primeira parte dedicada à construção da Casa Real

    nos primeiros tempos da dinastia de Bragança. É certo que a investigação para estes 27 anos

    não tem a mesma profundidade da que foi feita para a regência e reinado de D. Pedro, mas

    acabei por perceber que era fundamental desenvolver mais este assunto, sobretudo porque

    é um trabalho que ainda se encontra por fazer.

    Outra matéria cujo alcance foi subavaliado no esboço do projeto da tese, e que me

    surpreendeu pela vasta documentação e impacto na estrutura da Casa Real, foi a questão

    dos gentis-homens da câmara. Estes, como em diferentes obras era enunciado, tinham

    substituído o camareiro-mor ao tempo de D. Pedro II. Porém, a importância desta alteração,

    a par da forma como o processo foi conduzido, surgiu com maior clareza a partir de uma

    carta do próprio camareiro-mor e na qual o detentor deste ofício reuniu diversa e minuciosa

    informação sobre a matéria.

    Ter localizado estes dados levou-me a estudar com maior profundidade cada um dos

    camaristas, bem como o seu papel e influência junto do regente e, mais tarde, rei D. Pedro II,

    o que me levou a perceber que estes oficiais domésticos tentaram “governar o reino”. Por

  • 33

    outras palavras, a abordagem da Casa Real como lugar onde se fazia política foi largamente

    privilegiada.

    Face a estas opções metodológicas, deixou de ser exequível a reconstituição de todos

    os cargos e ofícios inferiores o que, dada a dispersão documental e em face de este ser um

    estudo inicial, considerei que só teria cabimento numa segunda fase. Neste sentido, houve

    que demarcar de modo mais consciente as minhas prioridades. Assim, os instrumentos que

    permitiam uma articulação entre o rei e os seus súbditos para lá do espaço limitado do

    reino, como nas cortes vice-reinais dos domínios imperiais, mas também os da restante

    administração do reino, partes integrantes da estrutura da monarquia, ficaram arredados do

    nosso horizonte. Na realidade, este estudo que se apresenta é uma etapa num processo de

    investigação que ainda tem muito terreno por explorar. Foi necessário delimitar os assuntos

    a abordar, deixando outros para desenvolver num trabalho que se espera vir a continuar.

    O texto está dividido em três partes. Na primeira, após estas páginas introdutórias,

    apresenta-se um capítulo de contextualização dos conceitos de Corte e casa, no qual se

    realça a dimensão pessoal e familiar do governo e a conceção patriarcal do poder no período

    Moderno.

    Em seguida, dedicam-se algumas páginas ao enquadramento e inventariação do

    regimento da Casa Real portuguesa feito ao tempo de D. João IV. Este, como já assinalei, não

    me parece ser de 1643, pelo que neste passo explico detalhadamente o raciocínio que me

    levou a essa conclusão.

    Em seguida descrevo os ofícios-mores e as suas competências. Uma vez que, para os

    séculos anteriores, tal foi levado a cabo no recente trabalho de Félix Labrador Arroyo103,

    tentei focar apenas os textos pós-restauração, tanto quanto me foi possível, recorrendo, por

    exemplo, ao esboço de um regimento dos ofícios-mores da Casa de 1641 ou ao regimento

    do estribeiro-mor de 31 de janeiro deste mesmo ano.

    Os primeiros tempos dos Bragança como nova dinastia ocupam as páginas seguintes

    nas quais se acompanha as mudanças políticas privilegiando a perspetiva da Casa Real. Para

    finalizar a primeira parte deste trabalho, dá-se particular enfoque à chegada de D. Pedro à

    regência do reino.

    103 LABRADOR ARROYO, Félix – La Casa Real Portuguesa de Felipe II y Felipe III […].

  • 34

    É na 2ª parte que se concretiza o título da dissertação, explorando a Casa Real ao

    tempo de D. Pedro em duas fases distintas: no período da regência e no do reinado.

    Sendo a Corte um espaço policêntrico, estuda-se a casa de D. Afonso VI – em Angra e

    em Sintra –, a Casa das Rainhas D. Maria Francisca e D. Maria Sofia, bem como a casa da

    rainha-viúva, D. Catarina de Bragança, e ainda, a casa de 1704, altura em que D. Pedro II se

    ausentou da Corte para ir à Beira levando consigo grande parte da sua casa, mas deixando

    alguns elementos em Lisboa para assistirem à regência do reino.

    Identificam-se ainda os espaços régios usados pela dinastia de Bragança, analisando,

    em seguida, aqueles que ocuparam os cargos-mores ao tempo de D. Pedro, dando relevo às

    inovações introduzidas, como os gentis-homens da câmara, e assinalando continuidades.

    Dá-se, neste ponto, grande destaque aos camaristas, tentando perceber como surgem

    e com que objetivos ao serviço da Casa Real.

    Envereda-se depois pelas dinâmicas e redes de poder e pela governação do reino

    através da Casa Real, isto é, procuro identificar de que modo os oficiais da Casa fizeram

    parte do processo governativo. Neste capítulo, contudo, destaco igualmente outras figuras

    importantes para a governação do reino e que não faziam parte do serviço doméstico. É o

    caso, por exemplo, do 1º duque de Cadaval, peça-chave no Portugal seiscentista e

    setecentista que nunca ocupou um cargo na Casa do Rei, mas sim na Casa das Rainhas, além

    de importantes cargos políticos. Considerei que era referência incontornável, bem como os

    confessores que, durante este período, não tinham um lugar bem definido na estrutura da

    Casa. Ou seja, faz-se uma sondagem inicial, e por isso mesmo necessariamente incompleta, à

    Corte enquanto espaço de governo.

    Neste sentido, as disputas, as rivalidades, as amizades, as afinidades e fidelidades

    ganham vida nestas páginas do trabalho, tentando reconstituir, o melhor que foi possível, o

    pulsar da vida política seiscentista.

    Finalmente, a 3ª parte, incide na imagem da monarquia. Uma vez que se estava

    perante uma nova dinastia que enfrentava desafios tão importantes como a guerra e o

    reconhecimento diplomático, interessa perceber que imagem se construiu, tanto interna,

    como externamente, em particular a de D. Pedro, que chegou à regência do reino após o

    afastamento do irmão, D. Afonso VI.

  • 35

    Além das conspirações contra D. Pedro, estuda-se também o assunto da coroação e a

    suposta ideia de renúncia à coroa por parte do Pacífico, epíteto atribuído, como se sabe, ao

    filho de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão.

    A Corte não era só local de representação do poder régio. Neste sentido, dedico

    algumas páginas às lutas dos nobres e oficiais da casa pelos melhores lugares nestes espaços

    no contexto da crescente codificação da vida áulica portuguesa do século XVII.

    Concluo o texto com uma das ocasiões mais relevantes do reinado, a receção ao

    arquiduque de Áustria, em 1704, na ocasião da Guerra de Sucessão de Espanha e da adesão

    de Portugal aos Aliados contra França.

    Relativamente ao corpo documental que sustenta este trabalho, há que referir que o

    fundo da «Casa Real» existente na Torre do Tombo revela-se pouco profícuo para o período

    em estudo. Se a amplitude das datas de acumulação é grande – séculos XIV a XIX – a verdade

    é que parece existir uma lacuna para os anos de que me ocupo.

    Assim, senti a necessidade de completar a investigação com outros fundos e outras

    coleções. Uma das primeiras tarefas que levei a cabo foi a de fazer pesquisa sistemática nas

    Chancelarias Régias de D. Afonso VI (por aqui ficar incluído o período da regência de D.

    Pedro) e de D. Pedro II.

    Neste arquivo, a investigação focou-se também no Fundo do Registo Geral de Mercês,

    na Matrícula dos Moradores da Casa Real, nas Coleções São Vicente, Miscelâneas do

    Convento da Graça, Miscelâneas manuscritas, Manuscritos da Livraria, Corpo Cronológico,

    entre outros.

    Na Biblioteca Nacional de Portugal, pesquisei nas Coleções do Fundo Geral e na

    Coleção de Reservados, com destaque particular para a Coleção de Manuscritos, entre os

    quais a Coleção Pombalina e os Manuscritos Avulsos.

    A riqueza da documentação depositada na Biblioteca da Ajuda não deixa de

    surpreender e também entre os manuscritos da Biblioteca Geral de Coimbra recolhi

    relevantes informações.

    Não posso deixar de registar as Bibliotecas Municipais de Lisboa, em particular a

    Central no Palácio Galveias, a Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e

    a Biblioteca do Instituto de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, todas com

    importantes acervos facilmente acessíveis.