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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS SOBRE
CULTURA E COMUNICAÇÃO CURSO DE MÍDIA, INFORMAÇÃO E CULTURA
ALINE MACHADO
A INFLUÊNCIA DA MÚSICA SOBRE O SER HUMANO
SÃO PAULO 2014
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS SOBRE
CULTURA E COMUNICAÇÃO CURSO DE MÍDIA, INFORMAÇÃO E CULTURA
ALINE MACHADO
A INFLUÊNCIA DA MÚSICA SOBRE O SER HUMANO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Estudos Latino-Americanos Sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo, para obtenção de grau de Especialização do Curso de Mídia, Informação e Cultura, sob a orientação do Prof. Vinicius Souza.
SÃO PAULO 2014
ALINE MACHADO
A INFLUÊNCIA DA MÚSICA SOBRE O SER HUMANO
Banca Examinadora: ______________________________ Profº. ______________________________ Profº ______________________________ Profº Apresentado em:____/____/____ Conceito:___________________
SÃO PAULO 2014
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço à força superior que nos rege e que me mantém em
equilíbrio. À minha família que me inspira e com muita compreensão dorme de
acordo com os horários em que não estou em meio ao processo criativo.
Aos queridos amigos que são também críticos dos meus estudos e
experiências e contribuíram de maneira relevante para o presente projeto.
Aos professores do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e
Comunicação da Universidade de São Paulo, por contribuírem para a expansão da
minha capacidade intelectual de analisar os conflitos sociais que nos circundam.
RESUMO
A música faz parte do desenvolvimento do ser humano, inserida em diversos
momentos de sua evolução. Fragmentos da transformação do objeto de estudo, a
música, serão aqui apresentados, bem como sua relevância social para o indivíduo e
técnicas de composição e execução musical, como modos gregos e mantras,
estruturadas para estimular propositalmente determinadas reações. As influências
que ela pode causar sobre o ser humano, seja intelectualmente, emocionalmente,
fisicamente ou espiritualmente serão pontuadas de acordo com estudos científicos e
análises subjetivas para melhor entender este fenômeno.
Palavras - Chave: Música; Influência; Ser humano; Emocional; Espiritual; Modos
gregos.
ABSTRACT
The music is part of human development, placed at different points in their evolution.
Fragments of the transformation of the object of study, the music will be presented
here, as well as their social relevance to the individual and compositional techniques
and musical performance, as Greek modes and mantras, purposely structured to
stimulate certain reactions. The influences that it can cause on the human being,
whether intellectually, emotionally, physically or spiritually will be scored according to
scientific studies and subjective analyzes to better understand this phenomenon.
Key Words: Music; Influence; Human being; Emotional; Spiritual; Greek modes.
RESUMEN
La música hace parte del desarrollo humano, inserida en diferentes puntos de su
evolución. Fragmentos de la transformación del objeto de estudio, la música, se
presentarán aquí así como su relevancia social para el individuo y técnicas de
composición y ejecución musical, como los modos griegos y mantras, estructurados
para estimular intencionalmente ciertas reacciones. Las influencias que puede
provocar en el ser humano, ya sea intelectual, emocional, física o espiritualmente se
marcarán de acuerdo a los estudios científicos y subjetiva análisis para comprender
mejor este fenómeno.
Palabras - Clave: Música; Influencia; El ser humano; emocional; Espiritual; Modos
griegos.
“A música exprime a mais alta filosofia numa
linguagem que a razão não compreende”.
Arthur Schopenhauer
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10
2. O QUE É MÚSICA ..................................................................................... 12
3. UMA BREVE HISTÓRIA DA MÚSICA ...................................................... 14
4. DO CORPO À EMOÇÃO ........................................................................... 16
5. DA EMOÇÃO À ESPIRITUALIDADE ........................................................ 18
6. ENTREVISTAS SENSORIAIS ................................................................... 21
6.1. Os entrevistados ................................................................................. 22
6.2. Músicas X Entrevistados .................................................................... 24
6.2.1. Música I ................................................................................................ 24
6.2.2. Música II ............................................................................................... 25
6.2.3. Música III .............................................................................................. 26
6.2.4. Música IV .............................................................................................. 28
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 30
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 31
ANEXOS ........................................................................................................... 34
10
1. INTRODUÇÃO
Utilizada para diversos fins, dentre eles como forma de celebração em rituais
religiosos, meio de expressão de ideias e sentimentos, delimitação de poder,
entretenimento, auxílio no processo educacional e no tratamento de doenças, a
música não somente acompanha como faz parte da evolução do ser humano desde
que se têm registros.
Percebe-se que ela consegue estimular reações no ser humano até mesmo
quando não tem palavras e as causas deste fenômeno serão analisadas pela
presente pesquisa.
Além de estudos sobre seus efeitos estéticos e sociais, pesquisas científicas
avaliam sua influência física, mental, emocional e espiritual1. Este último ainda deixa
muitas dúvidas, pois não há estudos aprofundados sobre o tema, por este motivo
terão destaque neste artigo.
Iniciará com a significação de ‘música’ através da análise do escritor J. Jota
de Moraes (1983) e reflexões do filósofo Arthur Schopenhauer (2005) e do psiquiatra
e músico Claudio Naranjo (1991).
Discorrerá por uma breve história da evolução do objeto de estudo, partindo
da época das cavernas, passando pela descoberta e a sistematização de estruturas
musicais feita pelo filósofo e matemático Pitágoras e seus aperfeiçoamentos
posteriores, incluindo os modos gregos e demais sistemas de composição musical
com explicações do músico, compositor e professor José Miguel Wisnik (1999).
Apontará como a música atua no sistema neurológico e como pode auxiliar no
tratamento de doenças de acordo com o neurologista Oliver Sacks (2007).
Irá se referir à sua relevância no processo de aprendizado do ser humano
pela reflexão do filósofo Platão e sua atuação na sociedade como forma de
delimitação de poder de acordo com estudos de José Miguel Wisnik (1999).
A maneira como os modos gregos podem ser utilizados para estimular
determinadas emoções e o poder de transcender dos mantras também serão
discutidos.
Refletirá sobre os resultados de entrevistas sensoriais semi - estruturas para
aprofundamento da presente pesquisa, realizadas com quatro pessoas diferentes
1 Que transcende à matéria, sobrenatural.
11
entre si e quatro músicas de não circulação massiva com o intuito de avaliar como
as músicas são percebidas pelo ouvinte e quais reações podem causar.
12
2. O QUE É MÚSICA
O ser humano, na dimensão histórica social, se modifica e modifica o meio
onde vive. Suas expressões culturais, tal como o objeto principal deste artigo, a
música, podem ser cumulativas devido às modificações que transcendem de uma
geração para outra e também transformada pela influência de novas ações do ser
humano inerentes ao desenvolvimento do mesmo.
Assim como o ser humano, a música ‘vive’ em constante mutação dentro de
sua composição, execução e percepção sonora sensorial, intelectual, emotiva e
espiritual.
Sobre a definição de música, Moraes (1983, p.7 e 8) aponta:
Tudo pode ser música: o movimento mudo das constelações em contínua expansão, a escola que passa sambando [...] o misturar-se às ondas do mar ou à multidão reunida na praça [...] Pois música é, antes de mais nada, movimento. E sentimento ou consciência do espaço-tempo. Ritmo; sons, silêncios e ruídos; estruturas que engendram formas vivas.
Esse pensamento, de que ‘tudo pode ser música’, pode ser associado à
compreensão dos intercalados elementos sonoros e silenciosos que nos circundam,
mas não à sua significação.
O crítico musical Eduard Hanslick formulou a ideia de que “música é
essencialmente forma pura que nada significa” (apud NARANJO, 1990 apud
FREGTMAN, 1990, p.12), ou seja, não há como significar, de maneira que possua
em si mesma seu significado.
Schopenhauer (2005, p.336 e 337) atribuía à música superioridade em
relação às demais artes por entendê-la como a única com capacidade de exprimir a
essência do mundo e de nós mesmos e não somente reproduzir a realidade, como
as outras:
Trata-se da música [...] Conhecemos nela não a cópia, a repetição no mundo de alguma Ideia dos seres; no entanto é uma arte tão elevada e majestosa, faz efeito tão poderosamente sobre o mais Íntimo do homem, é aí tão inteira e profundamente compreendida por ele, como se fora uma linguagem universal, cuja distinção ultrapassa até mesmo a do mundo intuitivo [...] temos de reconhecer-lhe uma significação muito mais séria e profunda, referida à essência íntima do mundo e de nós mesmos.
Assim, é difícil a significação única de “música”, seja por uma perspectiva
estética, ou sócio - antropológica. A definição pela perspectiva estética iria limitá-la a
uma dimensão politicamente restrita, pois a busca de significações através de uma
13
visão estética, a busca pelo belo, fica reduzida à ideia apenas válida em âmbito
acadêmico e dificilmente há abertura para mudanças, o que não representa seu
dinamismo.
Uma análise pela perspectiva sócio-antropológica possibilita amplificar
conceitos, pois não delimita, não impõe fronteiras e se torna dinâmica no sentido de
aceitação a mudanças, porém faz referência a ações humanas e para alguns a
música transcende aos limites da humanidade alcançando a espiritualidade como,
por exemplo, descreve Naranjo (1990 apud FREGTMAN, 1990, p.12)
[...] música não só expressa algo como também, além de refletir prazer, dor e os vários estados da mente cotidiana, serve (na melhor das hipóteses) de veículo à expressão de vivências espirituais [...] a verdadeira música [...] e também o que faz da música um verdadeiro alimento sutil, têm natureza implicitamente espiritual.
Por tanto, o questionamento ideal para compreensão deste fenômeno que
transcende épocas, fronteiras e linguagens, seria não quanto à sua significação e
sim sobre qual a sua funcionalidade e qual influência ou efeito pode causar no ser
humano?
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3. UMA BREVE HISTÓRIA DA MÚSICA 2
A música se faz presente no desenvolvimento do ser humano desde a pré-
história, porém os registros da prática musical efetivamente são a partir da Grécia
Antiga por reflexões filosóficas como as de Pitágoras.
O filósofo e matemático identificou que havia relações entre notas musicais,
consideradas por ele, belas e harmoniosas e os intervalos matemáticos mensurados
entre elas. Declarou que as leis científicas por trás disso seriam as mesmas que
governam o movimento das estrelas e dos planetas.
Pitágoras sistematizou estruturas musicais através da matemática e
determinou medidas exatas utilizadas para afinar instrumentos e organizar escalas
musicais. Esse sistema, atualmente chamado ‘modos’ ou ‘escalas’, foi utilizado pelos
gregos e posteriormente aperfeiçoado pelos músicos da Idade Média. (MÚSICA
SACRA, 2008, cap.1).
Na época medieval, segundo Naranjo (1990 apud FREGTMAN, 1990, p.12), a
música fazia parte do quadrivium3 junto com a aritmética, geometria e astronomia.
Período em que predominava a música sacra, a voz humana a serviço do sagrado e
da elevação da consciência.
Foi nessa época também, de acordo com Isaacs (1985, p. 242), que São
Gregório Magno adaptou as estruturas teorizadas por Pitágoras e os modos
passaram a ser conhecidos como modos eclesiásticos e em seguida modos gregos,
quando lhes atribuídos, pelo monge suíço Henricus Glareanus, nomes de
civilizações da Grécia Antiga.
Após diversas transformações, a denominação dos modos que permanece
até os dias atuais é: Jônio, Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio, Eólio e Lócrio.
A composição de músicas através do sistema modal, ou seja, com a utilização
dos modos, esteve presente na música profana medieval e renascentista, como por
exemplo, o Trovadorismo, mas a maior expressividade de sua aplicação foi em ritos
religiosos da Igreja Católica, onde unidos aos salmos judaicos compunham o Canto
Gregoriano, música monofônica e a princípio sem acompanhamento de
instrumentos, somente a voz humana. O único ritmo era determinado pela frase
cantada e pelo fôlego dos cantores. (MÚSICA SACRA, 2008, cap.1).
2 História da música baseada na evolução da música cristã ocidental.
3 Parte do currículo orientada para os assuntos universais.
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Com o passar dos anos, novas técnicas, como a polifonia - mais de uma linha
melódica - e outros sistemas de composição se desenvolveram, o tonal e o serial,
que assim como o sistema modal, serão aqui apresentados panoramicamente
apenas para retratar a evolução histórica do objeto de estudo, pois a compreensão
de ambos necessita de aprofundamento tecnicamente musical, o que não é o foco
da presente pesquisa.
A utilização do sistema tonal se inicia no período Barroco aplicado, por
exemplo, nas obras de Monteverdi e Bach. Foi estendido ao Classicismo através de
Mozart e Beethoven, chegou ao Romantismo por Schumann e Wagner, dentre
outros músicos eruditos.
O sistema serial, de acordo com Wisnik (1999, p.10) “compreende as formas
radicais da música de vanguarda no século XX, representadas por Schoenberg e
Webern e pelos seus desdobramentos”.
Atualmente, sobre o sistema modal, predomina a utilização dos modos Jônio
e Eólio, popularmente conhecidos como Escala maior e menor respectivamente. Já
o sistema tonal é aplicado constantemente em músicas populares e o sistema serial
é presente principalmente na música eletrônica.
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4. DO CORPO À EMOÇÃO
A percepção auditiva é captada principalmente pelo ouvido. As vibrações
chamadas de som ou ondas sonoras chegam aos ouvidos, fazem o tímpano vibrar e
posteriormente enviá-las para a cóclea, responsável por detectar a frequência do
som e repassá-la ao tronco cerebral que por sua vez, após processar os estímulos,
os distribui aos variados centros cerebrais.
No córtex - local que, em conjunto com demais partes do cérebro, também
responde ao controle da atenção, construção de lembranças e ao estímulo de
emoções - o som é reconhecido, concretizando assim a sensação auditiva.
Além disso, os nervos do ouvido, de acordo com o músico Sognefest (2012)
“são distribuídos mais amplamente e tem conexões mais extensas do que os de
qualquer outro nervo [...] dificilmente existe uma função no corpo que possa não ser
afetada pelas pulsações e combinações harmônicas de tons musicais”. Ou seja,
além da possibilidade de expor o interior de cada indivíduo transmitindo os
sentimentos e conhecimentos, a música influencia diversos estímulos cerebrais,
como cognitivo, emocional e motor.
Considerada um elemento muito eficaz no processo de aprendizado do ser
humano pelo fato de potencializar todas as áreas do pensamento, a música e a
educação musical para jovens foi defendida por Platão (1997, p. 94), que apontou
sua extrema importância na formação do caráter do indivíduo e pontuou seus efeitos
sobre o mesmo:
A educação musical é a parte principal da educação, porque o ritmo e a harmonia tem o poder de penetrar na alma e tocá-la fortemente, levando com ele a graça e cortejando-a, quando se foi bem-educado. E também porque o jovem a quem é dada como convém sente muito vivamente a imperfeição e a feiura nas obras de arte ou na natureza e experimenta justamente desagrado. Louva as coisas belas, recebe-as alegremente no espírito, para fazer delas o seu alimento, e torna-se assim nobre e bom; ao contrário, censura justamente as coisas feias, odeia-as logo na infância, antes de estar de posse da razão, e, quando adquire esta, acolhe-a com ternura e reconhece-a como um parente, tanto melhor quanto mais tiver sido preparado para isso pela educação.
Acredita-se também no tratamento de doenças através da música e muitas
técnicas são aplicadas atualmente através da musicoterapia. Como afirmam
especialistas do Instituto de Neurologia de Londres ao relatar a diminuição do ritmo
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de progressão de doenças neurológicas através de uma experiência realizada
especialmente com a sonata K448 para dois pianos de Mozart. Afirmam que “a zona
do cérebro que recebe e processa a música é a mesma da percepção espacial” e os
estímulos provocados pela música atuam de forma benéfica no córtex “organizando
e estimulando células nervosas precárias, em um processo comparável a impulsos
elétricos”. Acreditam, nesse caso, que as composições de Mozart são providas de
técnicas especiais. (FOLHA DE S. PAULO, 2008).
Dentre algumas comprovações de sua contribuição para a saúde mental,
Sacks (2007, p.12) afirma que “para pacientes com várias doenças neurológicas ela
pode ser ainda mais poderosa e ter imenso potencial terapêutico. Essas pessoas
podem responder intensamente e de maneira específica à música (e, às vezes, a
mais nada)”. Por que ela consegue nortear o indivíduo no ambiente (tempo e
espaço) onde vive, através do estimulo da concentração além de possibilitar o
equilíbrio das emoções.
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5. DA EMOÇÃO À ESPIRITUALIDADE
De acordo com a obra de Jourdain (1998, p. 389) “a música evoluiu, de início,
para fortalecer os laços da comunidade e resolver conflitos” e por isso “deve sua
existência às emoções”.
Quer dizer que a música necessita da emoção para existir, porque o papel da
música é equilibrar e estimular a emoção. Este estímulo permite ao individuo
conhecer a si mesmo, conhecer o ambiente onde vive e consequentemente buscar a
harmonia entre os dois universos.
Na China por muito tempo a música já foi usada como delimitações de forma
de poder e governo, associada à escala musical
Segundo um tratado cerimonial clássico, a nota kong (fá) representa o príncipe; chang (sol) os ministros; kio (lá) o povo; tché (dó) os negócios e yu (ré) os objetos[...] Cada uma das notas (ou cada parte integrante da realidade natural e social) deve contribuir para o bom funcionamento (perpetuamento mutável) de um todo imutável. “Se kong é perturbado, o som é desordenado; é que o príncipe é arrogante. Se Chang é perturbado, o som é pesado; é que os ministros se perverteram. Se kio é perturbado, o som é ansioso; é que as fortunas estão esgotadas. Se os cinco estão perturbados, as categorias interferem umas sobre as outras; e é o que se chama insolência. Se assim for, a queda do reino intervirá em menos de um dia. (WISNIK, 1999, p. 75 e 76).
Mais uma comparação a respeito da influência da música sobre o ser humano
é feita por Wisnik quando se refere à utilização dos modos pelos gregos, que
acreditavam na capacidade dos modos de “inspirar o ânimo e intensificar virtudes do
corpo e do espírito”. Nas sociedades pré- modernas, o autor aponta que os modos
não eram apenas uma comum estrutura musical, a sua aplicação era ritualizada e
consumada em uso sacrificial ou solenizador
As notas reunidas na escala são fetichizadas como talismãs dotados de certos poderes psicossomáticos, ou, em outros termos, como manifestação de uma eficácia simbólica (dada pela possibilidade de detonarem diferentes disposições afetivas: sensuais, bélicas, contemplativas, eufóricas ou outras).[...] geralmente codificado pela cultura, onde o seu poder de atuação sobre o corpo e a mente é compreendido por uma rede metafórica maior, o modo pode estar relacionado, por exemplo, com um deus, uma estação do ano, uma cor, uma animal,um astro. (WISNIK, 1999, p. 75).
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Estudiosos atribuem a cada modo uma sonoridade que remete a
determinadas sensações e que geralmente são percebidas coletivamente (PORTAL
MÚSICA, 2012 e LOBO, s.d.), sendo:
Jônio: Feliz
Dórico: Sofisticado e espirituoso
Frígio: Sombrio e misterioso
Lídio: Hipnotizante e fantasioso
Mixolídio: Tenso
Eólio: Sério
Lócrio:Áspero e sinistro
Essas associações, de acordo com Lobo (s.d., p. 3) também eram utilizadas
através do canto gregoriano, os modos eram aplicados de acordo com a sensação
que se desejava manifestar nos fiéis no decorrer da cerimônia.
Os modos unidos à forma de entonação das vozes têm impacto táctil devido à
vibração e a frequência (hertz) provocada, o que potencializa a percepção da música
e a extração de emoções.4
Como refere Schafer (2011, p.29) “A audição e o tato se encontram no ponto
em que as mais baixas frequências de sons audíveis passam a vibrações tácteis
(cerca de 20 hertz). A audição é um modo de tocar a distância”.
Por tanto, a intervenção da frequência também possui grande influência
nesse processo da percepção sonora. Outro exemplo de sua relevância é entonação
de mantras.
O mantra é uma estrutura mística e ritualística emanada de maneira repetitiva
originada por devotos de certas correntes budistas e hinduístas.
O termo, de acordo com Mingrone (2013), é uma palavra em sânscrito que
significa “controle da mente”. Acredita que tanto a pronúncia quanto a propriedade
da vibração atuam sobre o indivíduo auxiliando na concentração para entrar em
meditação e alcançar estados elevados de consciência. Além disso, podem intervir
na cura de doenças despertando canais energéticos do corpo.
4 A arquitetura das igrejas também contribuía para o processo, devido à ressonância que a estrutura do ambiente
pode resultar em resposta à vibração sonora.
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Cada som obtido ao recitar ou cantar o mantra propicia uma vibração
peculiar que atua numa parte do corpo correspondente - associado a demais
elementos como respiração, junção de sílabas específicas, repetições, aromas e
cores, mas para este estudo, somente a questão harmônica será enfatizada.
Em suas diversas adaptações devido à ultrapassagem de fronteiras, no
ocidente há técnicas relacionas à forma de recitar o mantra relacionando notas
musicas de acordo com a parte do corpo que se deseja estimular, segundo Maier
(2010) a nota fá está relacionada ao coração e a nota sol à garganta. Ou seja,
quando a nota fá é recitada de acordo com a estrutura do mantra, sua vibração
surtirá impacto no coração de quem recita.
Serra (2014) refere que “cada música tem um determinado ‘estado energético’
e pode influenciar os elementos ao seu redor. Alguns músicos acreditam que
estejam conectados a algo maior quando recebem inspiração para compor”. Esse
fato pode ser evidenciado pelos de devotos da religião do Santo Daime através, por
exemplo, do relato sobre o primeiro hino da religião, “recebido” por Raimundo Irineu
Serra, o fundador da mesma. Nascimento (2014) descreve: “a Rainha5 apareceu ao
Mestre Irineu. Ele, nessa época, só sabia uns chamados, assoviado e solfejado [...]
Ele abriu a boca e disparou cantando Lua Branca, o primeiro hino, recebido na selva
do Peru”.
Sobre essa relação espiritual através da música, tanto pelo processo de
interiorização quanto pelo de exteriorização, é pouco comprovada cientificamente,
sua analogia é subjetiva. Com o intuito de analisar sua coerência, foram realizadas
entrevistas sensoriais para compor esta pesquisa.
5 No sincretismo religioso, a Rainha corresponde à Virgem Maria.
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6. ENTREVISTAS SENSORIAIS
Para analise das influências e efeitos da música sobre o ser humano, foi
realizada uma pesquisa sensorial com quatro pessoas diferentes entre si.
A entrevista foi composta primeiramente por questões para simples
identificação do perfil dos participantes, por um processo de experimentação de
audição de quatro músicas pré-selecionadas e posterior relato da percepção sonora.
As questões que se referem à percepção dos entrevistados foram elaboradas com
base no esquema de audição citado por J. Jota de Moraes, que aponta três
maneiras de ouvir, denominadas pelo escritor como dominantes: ouvir com o corpo,
ouvir emocionalmente, ouvir intelectualmente:
Ouvir com o corpo é empregar no ato de escuta, não apenas os ouvidos, mas a pele toda, que também vibra ao contato com o dado sonoro [...] É ministrar o pulsar do som com as batidas do coração, é um quase não pensar [...] Ouvir emocionalmente, se da em outro plano, sai-se da sensação bruta e entra-se no campo dos sentimentos, da emotividade. [...] No fundo, não deixa de ser ouvir mais a si mesmo do que propriamente a música. É usar da musica a fim de que ela desperte ou reforce algo já latente em nós mesmos [...] Ouvir intelectualmente: É dar-se conta de que ela tem, como base, estrutura e forma. Estrutura seria a maneira de organizar os elementos tendo em vista o conjunto geral dessa ordenação; forma seria exatamente esse aspecto geral – soma de estruturações particulares, locais - tomado em si mesmo. (MORAES, 1983, p.63, 65 e 68).
Para aplicar a entrevista, este esquema foi adaptado da seguinte maneira:
percepção sonora fisicamente, emocionalmente e espiritualmente. Visto que, de
acordo com os temas discorridos até o momento, a percepção da música pelo ser
humano tem como base a captação neurológica das ondas sonoras e posterior
interpretação que ativa a sensação física, a memória, a emoção e pode ter relação
espiritual. Este último faz analogia a um estado transcendental à matéria,
sobrenatural, abordado aqui para averiguar qual a relação entre música e
espiritualidade, pois a carência de estudos científicos sobre o tema deixa muitas
dúvidas a respeito de sua relevância.
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6.1. Os entrevistados
As músicas foram apresentadas aos participantes como música I, II, III e IV,
sem descrição alguma do nome da música ou do compositor a fim de que a literatura
e a referência não influenciasse a análise auditiva.
A seleção das músicas deste estudo tem como base a reflexão de Reich,
onde:
A música carece de palavras. Apesar disso é uma expressão de movimento e cria no ouvinte a sensação de ser com-movido. A falta de palavras da música é considerada como sinal de espiritualidade mística ou a mais profunda emoção, incapaz de ser expressa em palavras. [...] O que se define como ‘espiritualidade da grande música é, pois, uma descrição adequada do simples fato de que a seriedade de sentimento é idêntica ao contato com o vivo [...] O vivo opera de maneira autônoma, transcendendo os domínios do intelecto e da volição. (apud FREGTMAN, 1990, p. 61, grifo do autor).
Por tanto, compostas apenas por instrumentos e idiomas de difícil
compreensão com o intuito de analisar a possível relação espiritual.
A identidade dos entrevistados será preservada e os mesmos serão
apresentados aqui como: ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘D’:
O participante ‘A’ é bombeiro civil e nos momentos livres gosta de descansar,
ouvir música, sair com os amigos e ir à igreja. É solteiro, tem 28 anos, frequenta o
Santo Daime e seu gênero musical preferido é MPB.
Ele diz: “música expressa todos os meus sentidos e sentimentos. Minha ‘visão
de mundo’ se deve principalmente ao que aprendi com música. Todos os
sentimentos podem ser expressos na música e no silêncio que também é uma
música. Além de ser uma forma de passar conhecimentos e tradições proporciona
alegrias, tristezas, encontros e desencontros. É uma forma de se harmonizar,
conectar com o ‘eu’, com os outros e com o divino”.
O participante ‘B’ é vídeomaker, estuda música, audiovisual, toca
instrumentos musicais e gosta de ir ao cinema nas horas vagas. O jovem de 29 anos
é agnóstico e seu gênero musical preferido é música brasileira.
Segundo o entrevistado: “música é a expressão sem palavras, é
transformação de energia cinética em energia sonora de forma a tocar
emocionalmente um indivíduo”.
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A participante ‘C’ é educadora, participa frequentemente das atividades da
igreja e nos momentos de lazer gosta de frequentar parques, cinemas, teatro e
clubes com seu marido, filhos e amigos.
Evangélica de 34 anos informa que gosta de ouvir música gospel e dentro
dessa vertente os gêneros que mais lhe agradam são rock e MPB. Para ela: “a
música é a expressão de um sentimento, uma mensagem utilizando instrumentos
musicais e também a voz”.
A participante ‘D’ é designer de interiores e apresenta um eclético gosto
musical, que inclui o forró, reggae, maracatu, MPB, samba e pop rock.
Jovem solteira de 27 anos aproveita os momentos de lazer para assistir
filmes, ouvir música e sair para dançar. Se diz umbandista não praticante e define
música como: “algo que faz parte da personalidade de alguém, a música (letras ou
ritmo) transmite o que você sente ou pensa, pode nos deixar feliz ou fazer a gente
chorar. Desde pequenos ouvimos músicas, logo, elas fazem parte de nossas
lembranças”.
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6.2. Músicas X Entrevistados
As músicas pré-selecionadas para a pesquisa, têm em comum o tema voltado
à espiritualidade, tema escolhido para avaliar qual a percepção dos ouvintes, se
iriam associar à inspiração do compositor. Outra característica em comum é a não
massificação veicular das músicas, ou seja, desconhecidas aos ouvidos dos
entrevistados, para que não relacionassem diretamente a alguma lembrança.
6.2.1. Música I
Trata-se de uma composição de Hermeto Pascoal, artista que classifica seu
gênero como música universal e tem como característica forte em seu trabalho unir a
reprodução do som de objetos e sons da natureza a instrumentos musicais
inusitados e também convencionais.
Intitulada Religiosidade, faz parte do álbum Cérebro Magnético lançado em
1980 e possui em sua execução, de acordo com a ficha técnica, elementos de
percussão, apitos, berrante, piano e saxofone. É notável também a reprodução do
canto de pássaros, mas acompanha demais ruídos comumente não distinguíveis.
Não há registro por parte do compositor sobre a real mensagem a ser
transmitida, inclusive afirma no encarte do CD: “não gosto de explicar nada do som
que crio”.
O que é possível identificar é que o músico quis transmitir a sua percepção
sobre religiosidades num universo em que há diversas crenças e religiões que se
cruzam e muitas vezes não concordam entre si.
Essa mistura das religiosidades foi retratada com a mistura de sons e ruídos e
provocou associações distintas entre os entrevistados, onde:
‘A’ associou à religiosidade indígena. Referiu uma “viagem astral”, lembrança
de ancestrais. Sentiu-se calmo e tranquilo.
Entende-se que foi associado dessa maneira devido à sua própria crença, o
Santo Daime, possuir tais raízes e a sensação de tranquilidade também, pois
acredita ser algo benéfico pra o seu interior. Quanto à “viagem astral”, podemos
interpretar de acordo com a afirmação de Lindstrom, (2012, p. 76) “a música cria
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novas memórias, evoca o passado e pode nos transportar instantaneamente para
outros lugares e outras épocas”.
Nos demais participantes causou desconforto:
‘B’ Sentiu-se desconfortável e tenso, movimentou involuntariamente as mãos,
ficou impaciente e ansioso até que a música acabasse.
‘C’ Ao ouvir movimentou involuntariamente as mãos, ficou incomodada com a
mistura de sons e ansiosa para saber como seria o final da música.
‘D’ Identificou o som de pássaros e esquilos, onde os animais e toda a floresta
estavam sendo atormentados pelo som do saxofone: os pássaros gritavam
assustados – refere. Sentiu um “desconforto espiritual” que se trata do oposto à “paz
espiritual”. Ficou inquieta, com raiva e ansiosa para que a música acabasse o
quanto antes.
Esta sensação de ansiedade referida pela maioria dos entrevistados,
podemos analisar de acordo com a reflexão de Schopenhauer (2005, p.342) que
relaciona a distancia de um desejo humano e sua realização ao desdobramento de
compassos musicais onde “melodias lentas, entremeadas por dissonâncias
dolorosas, retornando ao tom fundamental apenas muitos compassos além, são
tristes e análogas à satisfação demorada, penosa”.
6.2.2. Música II
A música sacra com utilização da polifonia foi composta pelo sacerdote e
músico Tomás Luis de Victoria, em 1572. Glória faz parte da Missa O Magnum
Mysterium proveniente de sua obra O Magnum Mysterium.
O canto é em latim e sua tradução para a língua portuguesa é:
“(Glória a Deus no mais alto), e na terra, paz aos homens de boa vontade.
Nós te louvamos. Nós te abençoamos. Nós te adoramos. Nós te glorificamos. Nós
vos damos graças por tua grande glória. Senhor Deus, rei dos céus, Deus Pai
onipotente. Senhor, o Filho unigênito, Jesus Cristo. Senhor Deus, Cordeiro de Deus,
26
filho do pai. Quem leva o pecado do mundo, tende piedade de nós. Quem leva o
pecado do mundo, escutai a nossa prece. Quem está sentado à direita do Pai, tende
piedade de nós. Para você só são santos, só é o Senhor, você é só mais alto, Jesus
Cristo, com o Espírito Santo, na glória de Deus, o pai. Amém”. (CHOIR PARTS'S,
2013).
Esse Canto Gregoriano se aproxima da região do modo grego Dórico, que
tem como característica, como referido anteriormente, proporcionar uma atmosfera
sofisticada e espirituosa, mas nem todos os participantes tiveram essa percepção:
O entrevistado ‘A’ se sentiu mais relaxado ao ouvir o canto, sentimento de
paz, lembrou-se de igreja, como se deus estivesse falando, referiu “elevação
espiritual”, e “conexão com o divino”.
‘B’ Tentou desvendar quantas vozes havia e que o diziam, ficou concentrado
e se surpreendeu ao ouvir a palavra “demônio”.
‘C’ Refere que ouvir esta música foi muito agradável, naturalmente o corpo
ficou relaxado, com uma sensação de tranquilidade e tentou entender o que as
vozes diziam. Teve a impressão de ser um coral e associou ao apocalipse onde
afirma “que os anjos são adoradores 24h formando um grande coral”.
‘D’ Ficou tensa, desconfortável, sensação de medo. Associou à “música de
igreja”, que além de não fazer parte do seu gosto musical, lembra a imagem de
Jesus Cristo pregado na cruz, uma imagem com sangue, que remete à dor.
Mesmo sem conhecimento ou informações sobre a obra, foi associada a
elementos da Igreja e religiosos por todos os entrevistados independente da crença
religiosa ou a falta dela. Podemos entender essa percepção coletiva como
conhecimento comum de dados religiosos e resgate do dogma pela memória no
momento da audição, porém, como aponta Sacks (2007, p.329) “A percepção da
música e as emoções que ela pode despertar não dependem exclusivamente da
memória, e a música não tem de ser conhecida para exercer poder emocional”.
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A tentativa de identificação das vozes é o ato inerente ao ser humano de
querer significar e não apenas sentir. Onde significar, saber o que é, traz a sensação
de segurança e não saber o que significa pode se tornar uma ameaça, se trata de
uma manifestação instintiva.
6.2.3. Música III
Vamos ver Santa Efigênia é o nome da faixa 9 do álbum Nos quintais do
Mundo – My community is Humanity, produzido por DJ Tudo e sua gente de todo
lugar.
Foi inspirada e gravada durante a Festa de Santa Efigênia do Congado de
Niquelândia –GO que existe, aproximadamente, há 240 anos.
De acordo com os congadeiros, em Niquelândia, a tradição da congada
nasceu no quilombo Xambá, onde viviam negros fugidos das senzalas de Vila Boa
(Cidade de Goiás), Meia Ponte (Pirenópolis) e São Félix (Cavalcante).
O grupo homenageia Santa Efigênia, a protetora do município. Registros apontam
que a santa era uma negra, foi escravizada e, depois, atirada em uma fogueira. Para
os devotos e participantes da congada, ela é uma rainha. (ENCONTRO DE
CULTURAS, s.d.)
A ficha técnica especifica os elementos utilizados na produção : Irmandade de
Santa Efigênia (Congos) de Niquelândia gravados em Niquelândia-GO, em julho de
2008 e julho de 2009. Bateria,baixo, Rhodes (piano elétrico) cavaco, guitarra, korg
(teclado), sanfona e trompetes gravados em ambientes internos e estúdios.
‘A’ Diz que a sensação foi de alegria, agitação e vontade de dançar.
“comungar a alegria”, “união para se alegrar com o divino” foram palavras utilizadas
pelo entrevistado.
Subjetivamente, pode se- se dizer que a essência da melodia foi captada pelo
entrevistado, pois se trata de uma homenagem solene, realizada por um grupo
unido.
‘B’ Movimentou a cabeça de acordo com o ritmo, referiu se tratar de uma
junção agradável de ritmos. Tentou identificar quais instrumentos compunham a
música.
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O movimento involuntário se dá em resposta do “ouvir fisicamente”. Moraes
(1983, p.64) afirma que “é bastante frequente, nesse estágio da escuta, que haja um
impulso em direção ao ato de dançar” diz ainda que “a música ouvida é
transformada em movimento que pode ser visto, em ritmo visual, criação de espaço
tridimensional”. Como aconteceu com a entrevistada ‘C’.
‘C’ Relata que ouvir a música despertou a vontade de dançar, durante a
experiência mexeu os pés e mãos, o momento mais envolvente foi onde percebeu o
saxofone, pensou numa dança com seu esposo.
‘D’ Se sentiu relaxada, sensação de leveza, ritmo agradável. “Me senti em
casa”, ou seja, confortável. Teve vontade de dançar, vontade de chorar de saudade
(de nada e ninguém específico). Imaginou uma chuva no sertão e crianças
brincando na chuva. Aguçou a vontade de conhecer o nordeste.
A associação ao nordeste, pela entrevistada ‘D’ se fez pelo reconhecimento
da sanfona, instrumento tipicamente utilizado para execução do forró, ritmo
tradicional da região nordestina e gênero de sua preferência, por isso a sensação
confortável. Sacks (1999, p.327) explica “A música familiar [...] faz aflorar emoções
e associações esquecidas há tempos, reabre [...] o acesso a estados de espírito e
memórias”.
A sensação agradável percebida por todos os participantes também pode ser
interpretada pena análise de Schopenhauer (2005, p.342), assim como associa
músicas lentas à angústia da satisfação demorada de um desejo, refere que
“melodias rápidas, sem grandes desvios, são alegres”, pois permitem a realização
rápida de uma vontade.
6.2.4. Música IV
O violinista, pedagogo e compositor italiano Giuseppe Tartini, compôs no
período barroco a polêmica obra Il Trillo del Diavolo, no português O Trinado do
Diabo (Trinado é um ornamento de composição e execução musical).
De acordo com Miranda (2012) o músico erudito, relata que a ideia da sonata
surgiu em um sonho, em suas palavras:
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Uma noite sonhei que tinha feito um pacto com o diabo, o qual se dispôs a me obedecer, em troca de minha alma. Meu novo servo antecipava meus desejos e os satisfazia. Tive a ideia de entregar-lhe meu violino para ver se ele sabia tocá-lo. Qual não foi meu espanto ao ouvir uma Sonata tão bela e insuperável, executada com tanta arte. Senti-me extasiado, transportado, encantado; a respiração falhou-me e despertei. Tomando meu violino, tentei reproduzir os sons que ouvira, mas foi tudo em vão. Pus-me então a compor uma peça – Il Trillo del Diavolo – que, embora seja a melhor que jamais escrevi, é muito inferior a que ouvi no sonho.
Sobre a resposta à sonata:
‘A’ Sentiu tranquilidade no início e posteriormente agitação. Associou também
à sensação de estar orando.
‘B’ Referiu sentimento de melancolia.
‘C’ Aponta que não conseguiu se “conectar” com a música, não conseguiu se
concentrar e não se sentiu estimulada para dançar. Remeteu a um funeral, velório,
morte, sentimento mórbido até o momento de maior animação da música, no final,
mas no geral sentimento de tristeza.
‘D’ Reportou sensação de tensão e ansiedade. Criou uma cena imagética de
Lancelot6 trotando no cavalo, uma batalha com espadas onde alguém é ferido e
quem feriu foge. Sentimento de tristeza, morte, sangue e dor, sentimento parecido
com o da música II.
À todos participantes, a sensação foi negativa, devemos considerar a região
do o modo que se enquadra, o Mixolídio, que desperta a sensação de tensão.
Subjetivamente, pode-se relacionar à negatividade associada ao símbolo
“diabo” e a reação do indivíduo, como ‘A’ remeteu a oração, ato realizado
religiosamente para afastar os símbolos e os males que possam estar próximos.
Cognitivamente, ‘D’ relacionou à época medieval e estendeu-se a uma
batalha. Ao senso comum a música clássica está associada a séculos passados.
6 Personagem lendário da época medieval, cavaleiro mais habilidoso do Rei Artur.
30
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela falta de conhecimento a respeito dos efeitos e influências sobre o
equilíbrio mental e social, a música nos dias atuais é tratada pela maioria das
pessoas apenas como um objeto de consumo, determinada pela impressão de
gostar ou não da obra musical. Impressão reforçada pela indústria cultural por
motivos de interesses mercadológicos.
Para uma análise da percepção musical, não é necessário ser um especialista
em música, mas atenção no momento da experiência e sensibilidade são fatores
relevantes para os resultados.
É claro que a percepção varia de um indivíduo para outro, pois depende do
conhecimento, experiência, crença, memória, gosto musical e capacidade física
auditiva. É capaz de variar até para o mesmo individuo em momentos diferentes,
pois seu estado psicológico e emocional podem alterar a percepção. Mas na maioria
dos casos provoca estímulos similares em todas as pessoas. Isso pode ser
evidenciado por trilhas sonoras de produções de filmes, que ultrapassam fronteiras e
conseguem provocar estímulos parecidos em pessoas de regiões geográficas
diversas.
Podemos afirmar que uma pessoa com conhecimentos teóricos e técnicos
musicais tem capacidade de elaborar uma obra que pode levar propositalmente o
ouvinte a relaxar, a chorar e a qualquer outro tipo de emoção e reação.
É notável que os efeitos e a influência da música sobre o ser humano estão
relacionados à subjetividade contida na mente do ouvinte que pode ser objetivada e
corporificada através da audição, mas a relação espiritual, pouco se pode afirmar
com precisão. O tema é amplo e contraditório e os estudos científicos são escassos.
Por tanto, não serão desvendados aqui, pois ultrapassam os limites deste
estudo, porém a fim de contribuir para o esclarecimento desse fenômeno, os
estudos serão continuados posteriormente.
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REFERÊNCIAS
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