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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL DANIEL FONSECA DE ANDRADE O LUGAR DO DIÁLOGO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL

DANIEL FONSECA DE ANDRADE

O LUGAR DO DIÁLOGO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SÃO PAULO 2013

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DANIEL FONSECA DE ANDRADE

O LUGAR DO DIÁLOGO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da Universidade de São Paulo para a obtenção

do título de Doutor em Ciência Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Sorrentino

Versão Corrigida Versão original disponível na Biblioteca da Unidade que aloja o Programa e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP

SÃO PAULO 2013

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA

FICHA CATALOGRÁFICA

Andrade, Daniel Fonseca de. O lugar do diálogo nas políticas públicas de educação ambiental./ Daniel Fonseca de Andrade; orientador: Marcos Sorrentino. – São Paulo, 2013.

226 f.: il.; 30 cm.

Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental ) – Universidade de São Paulo

1. Educação ambiental. 2. Política pública. 3. Democracia. Título

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Nome: ANDRADE, Daniel Fonseca de

Título: O lugar do diálogo nas políticas públicas de educação ambiental.

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da Universidade de São Paulo para a obtenção

do título de Doutor em Ciência Ambiental.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ______________________________.

Julgamento: _________________________ Assinatura: _____________________________.

Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ______________________________.

Julgamento: _________________________ Assinatura: _____________________________.

Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ______________________________.

Julgamento: _________________________ Assinatura: _____________________________.

Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ______________________________.

Julgamento: _________________________ Assinatura: _____________________________.

Prof. Dr. ___________________________ Instituição: ______________________________.

Julgamento: _________________________ Assinatura: _____________________________.

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Dedicatória

A meus pais, José Ascânio de Andrade e Maria Guilhermina Fonseca de Andrade, pela vida e

pela luz incidida sobre toda ela. Algumas das referências contidas neste texto me foram

sugeridas por eles enquanto eu era ainda um estudante de graduação, e ficaram na estante até

que eu tivesse maturidade o suficiente para compreendê-las.

A minha mulher, Andressa Thais Sirino, que me acompanha e incentiva desde a decisão de

iniciar mais este projeto. Com ela experimentei os mais profundos diálogos, que continuamos

a exercitar no nosso dia a dia.

A todos aqueles e aquelas que empenharam e empenham suas vidas na proteção e melhora do

meio ambiente e no alcance da justiça social e ambiental no Brasil e no mundo.

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Agradecimentos

A meu orientador Prof. Dr. Marcos Sorrentino, que me abriu as portas da Oca, o Laboratório

de Educação e Política Ambiental da ESALQ/USP de Piracicaba, e aceitou me acompanhar

ao longo deste projeto. Agradeço-o pela presença, a presteza e a gentileza. Também, pelos

comentários tranquilos e simples com os quais solucionou minhas mais obscuras confusões.

Aos colegas e amigos que desenvolvi na Oca e em Piracicaba, e outros com quem fortaleci os

laços ao longo do período que passei por lá. Em especial Ana Paula Coati e Leandro Carmo,

pelas acolhidas, e Edna do Sim, pelos milhares de quilômetros compartilhados.

Aos amigos que fiz no PROCAM, alguns dos quais com quem mantive contato próximo

apesar da distância.

À Maria Castellano, Cabeto e Alanís, pelo compartilhamento da casa, e da vida, em um

momento único da minha (e da nossa) história em Toronto.

Ao meu amigo Eric Andueza Machado, o “Quindim”, que não poupou esforços para me trazer

livros dos E.U.A. no início do meu período de doutoramento e em um momento que eu tanto

precisava. Consegui acesso rápido a algumas das obras fundamentais deste trabalho, e seus

autores, graças a ele.

À professora Dra. Patrícia Elaine “Ellie” Perkins, pela acolhida na Faculdade de Estudos

Ambientais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Graças a ela desenvolvi o

período “sanduíche” do meu doutorado, que teve uma importância enorme para a minha

formação com diálogo e participação e meu desenvolvimento como pesquisador.

À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão da

bolsa de estudos PDSE (Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior) que viabilizou a

experiência no Canadá.

À banca de qualificação deste trabalho, Profa. Dra. Eda Tassara e Prof. Dr. Pedro Jacobi,

pelos valiosos comentários que muito me auxiliaram na composição desta versão.

A todos que colaboraram comigo ao longo do trabalho de campo desta pesquisa, que me

abriram as portas de suas instituições e me concederam entrevistas.

À equipe da secretaria do PROCAM, Luciano de Souza, Julia Ferrarese e Adriana Fátima

Pelege, pelo suporte dado desde o dia da minha matrícula no programa.

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Por fim, agradeço minha mulher, Andressa Thais Sirino, pelo companheirismo nos últimos

nove anos, meus pais José Ascânio de Andrade e Maria Guilhermina Fonseca de Andrade, e

minha irmã e irmãos Thais, Victor e Renato, e todos os outros que torceram por mim durante

essa empreitada.

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RESUMO

ANDRADE, Daniel Fonseca de. O lugar do diálogo nas políticas públicas de educação ambiental. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM). Universidade de São Paulo, 2013.

Políticas públicas em âmbito nacional no Brasil estimulam o envolvimento de educadores e educadoras ambientais nos processos de elaboração e implantação de políticas públicas no campo por meio de processos dialógicos. A justificativa é a transcendência dos processos brutais de construção do bem comum por pequenas elites “iluminadas” com o envolvimento das diversidades nos processos de construção de seus próprios futuros. Isso demanda o desvelamento desse conceito bem como melhor entendimento sobre métodos e práticas dialógicas. O objetivo deste trabalho é compreender a ocorrência do diálogo em um processo de construção de política publica em educação ambiental em um município do interior do estado de São Paulo, SP. Para tal, utilizou quatro técnicas de levantamento de dados: a observação participante, análise de documentos, entrevistas e um grupo focal. Os resultados encontrados demonstram que há barreiras que se colocam nas dimensões institucional, política, intersubjetiva e individual. Em geral, tais barreiras são heranças da cultura ocidental fragmentada que considera as partes mas não as relações entre elas. Do ponto de vista institucional, não há mecanismos que garantam encontros entre os diferentes atores que lidam com a EA no município, pressupondo que ocorrerão naturalmente. Também, que a condição de trabalho de muitos dos atores envolvidos os colocam em situações de fragilidade e vulneráveis aos interesses político-partidários que cercam seus postos, que também se interpostarão entre os atores envolvidos. Ao contrário do esperado, o trabalho não verificou conflitos epistemológicos explícitos relativos à educação ambiental que pudessem ser centro de divergências. Apesar de tendências diversas terem sido detectadas, há um consenso aparente quanto à primazia da prática em relação ao planejamento e à reflexão, o que também é uma forma de se negar o diálogo. Por fim, que grande parte dessas questões acabam por recair sobre as esferas intersubjetivas e individuais, de forma que o sucesso dos trabalhos conjuntos depende basicamente da qualidade das relações pessoais pre-estabelecidas entre os envolvidos. Esta pesquisa constatou, todavia, condições potenciais para a construção do diálogo neste contexto. Seja por percepções intuitiva, por princípio ou ainda por incentivo teórico, foram várias as ocasições de evocação da necessidade do trabalho coletivo dialógico. Também, o trabalho verificou, no grupo focal, que um processo coletivo, quando facilitado para esse fim, por meio do desvelamento de questões individuais e coletivas pode permitir a construção de um espaço em que os participantes se sintam seguros para se colocar sem restrições, ponto considerado fundamental na propiciação do diálogo.

Palavras-chave: Políticas públicas. Diálogo. Emancipação. Democracia. Educação ambiental.

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ABSTRACT

ANDRADE, Daniel Fonseca de. The place of dialogue in environmental education public policies. Doctorate Thesis. – Graduate Program of Environmental Science. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

Brazilian national environmental education public policies encourage the involvement of environmental educators in processes of design and implementation of public policies in the field through dialogical processes. Their aim is to transcend the current elitism and brutality in the construction of common good by small “enlightened” elites with the involvement of diversities in processes of building their own futures. This demands the unveiling of this concept as well as a better comprehension of dialogical methods and practices. Within this context, the objective of this piece is to understand the occurrence of dialogue in a process of construction of an environmental education public policy in a city in the countryside of the state of São Paulo. To such an end, the research used four techniques of data collection: participatory observation, document analysis, interviews and a focal group. The outcomes demonstrate that there are barriers in institutional, political, inter-subjective and also individual dimensions. On the whole, such barriers are heir to western fragmented culture which considers the parts but not the relations between them. In the institutional point of view, there are no mechanisms to guarantee that meetings with actors who work in the field of environmental education in the city be held, which presupposes that they will occur spontaneously. Also, that the work conditions of many of the subjects involved placed them in a fragile situation and vulnerable to the several political interests which surround their posts, which is something that will also be placed between them. On the contrary to what was expected, epistemological conflicts which could be the core of divergences were not found. In spite of the several trends found, there is an apparent consensus as to the primacy of practices in relation to planning and reflecting, which is also a way to deny dialogue. Finally, this work found that many of such questions end up being placed on inter-subjective and individual spheres so that the success of collective work depends basically on the quality of the personal relations existing among those involved. But it also found potential conditions for the construction of dialogue in the context. Be it due to intuitive perceptions, to principles or yet to theoretical incentives, the need of collective work was evocated in several situations. Also, during the focal group, it was highlighted that a collective process, when facilitated to such an end (that of dialogue) through the unveiling of individual and collective matters, can lead to the construction of a space in which participants feel safe to express themselves with no restrictions, an aspect that is considered as core for the operationalization of dialogue.

Key words: Public Policies. Dialogue. Emancipation. Democracy. Environmental Education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – As três dimensões da interação humana

Figura 2 – Campos de conversa

Figura 3 – O novo escopo da pesquisa

Figura 4 – A qualidade multidimensional do diálogo

Figura 5 - O CEA conforme proposta do ProNea

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LISTA DE SIGLAS

CEA – Coletivo Educador Ambiental

DEA – Departamento de Educação Ambiental

EA – Educação ambiental

EEA – Escola de Educação Ambiental

HTPC – Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística

ONG – Organização não governamental

PET – Polietileno Tereftalato

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SEA – Setor de Educação Ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente

SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente

SMA – Secretaria Municipal do Meio Ambiente

SME – Secretaria Municipal de Educação

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SUMÁRIO

1. A PRIMEIRA EMERGÊNCIA: INTRODUÇÃO 13

1.1. Apresentação 13

1.2. A metáfora 22

1.2.1. Compreendendo as emergências 23

1.2.2. Da epistemologia científica à política 34

1.3. O advento das políticas públicas 35

1.3.1. As políticas públicas 39

1.3.2. A educação ambiental como política pública 43

2. SEGUNDA EMERGÊNCIA: O DIÁLOGO 50

2.1. O pano de fundo 50

2.2. A teoria do diálogo 55

2.2.1. O diálogo em processos de políticas públicas 65

2.2.2. As críticas ao diálogo 67

2.2.3. Obstáculos ao diálogo 76

2.2.4. O espaço de diálogo 79

2.2.4.1. Os três níveis de ação do diálogo: o grupo como unidade 81

2.2.4.2. Os três níveis de ação do diálogo: a dimensão interpessoal 85

2.2.4.2.1. Papéis desempenhados pelos participantes de um grupo 85

2.2.4.2.2. Linguagens 86

2.2.4.2.3. Forma de organização do poder e das relações no grupo 87

2.2.4.3. A dimensão individual 89

2.2.5. Indicadores de diálogo 92

3. A TERCEIRA EMERGÊNCIA: A PESQUISA 97

3.1. O contexto da pesquisa 97

3.2. As atividades acompanhadas em campo 101

3.3. O acompanhamento do trabalho de bastidor da DEA 104

3.4. Objetivos do trabalho 105

3.5. Metodologia 105

4. A QUARTA EMERGÊNCIA: RESULTADOS 112

4.1. Caracterização do município 112

4.2. A EA no arcabouço legal do município 114

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4.3. A EA nos documentos oficiais e de educadores ambientais 115

4.3.1. O Setor de EA da Secretaria do Meio Ambiente 115

4.3.2. A Escola de Educação Ambiental 116

4.3.3. O departamento de EA da Secretaria Municipal de Educação 117

4.3.4. Projetos de educadores/as do município 118

4.3.5. Comentários iniciais sobre os resultados dos documentos 119

4.4. Resultados da observação participante 121

4.4.1. A espinha dorsal contextual da pesquisa 122

4.4.2. A forma de trabalho, o mapa e as condições das relações 124

4.4.3. Comentários iniciais sobre os resultados da observação participante 129

4.5. Resultado das entrevistas 133

4.5.1. Diretora do DEA 134

4.5.2. Diretora do departamento técnico ambiental da SMA 142

4.5.3. Secretário do Meio Ambiente 145

4.5.4. Diretora da Escola de EA 148

4.5.5. Secretária da Educação 155

4.6. Comentários iniciais sobre os resultados das entrevistas 159

4.7. Resultados da técnica de grupo focal aplicada a participantes do CEA local 173

4.7.1. Comentários gerais sobre os resultados do grupo focal 183

5. A QUINTA EMERGÊNCIA: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 187

6. A SEXTA EMERGÊNCIA: CONCLUSÕES 198

7. A SÉTIMA EMERGÊNCIA: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 213

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1. A PRIMEIRA EMERGÊNCIA: INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação

O primeiro semestre do ano de 2013 foi marcado por uma série de protestos populares no

Brasil, com causas difusas e reivindicações diversas. O acúmulo histórico de

descontentamentos e desconfiança da população sobre políticos e seus movimentos e a

percepção do distanciamento entre estes e a população foi paulatinamente levando à erupção

de movimentos aqui e ali, que se retroalimentavam e se uniam por meio de redes sociais. Da

mesma forma, as contradições percebidas entre o que ocorria nas ruas (e era divulgado nas

redes) e a cobertura pelos grandes veículos de comunicação de massa promoveu um grande

movimento de questionamento sobre as estruturas instituídas do país e sua lógica, exclusora,

corporativista e violenta.

Em meio a esse descontentamento geral, temas específicos surgiam, alimentavam os ânimos

daqueles que protestavam e traziam novos contrariados para as ruas: a existência de uma

Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que retirava o poder de investigação criminal do

Ministério Público; o desvio das atenções políticas para a organização da Copa das

Confederações no país e dos custos associados a ela (em detrimento de investimentos em

áreas prioritárias, como saúde, educação, mobilidade urbana e etc.); o tratamento dados às

nações indígenas historicamente e, mais recentemente, a questão da construção da Usina de

Belo Monte e a retirada de representantes do Museu do Índio; o uso absurdo, por políticos de

vários partidos, estados e posições, de aviões da FAB para usos não oficiais; e finalmente, o

tratamento dado por alguns estados, São Paulo em específico, aos protestos, com violência

policial e criminalização de métodos de exercício da democracia.

Apesar da diversidade de causas que trouxeram as pessoas para as ruas, a questão subjacente

era a necessidade de reapropriação, pelo povo, dos processos de definição sobre os seus

próprios futuros. Os protestos de 2013, e outros nascentes em anos anteriores, demonstram

que o modelo representativo de democracia alcançou seus limites e não mais é capaz de fazer,

de forma satisfatória, o que propõe: representar. O que se anseia, por parte dos interventores, é

uma ampliação nos próprios canais da democracia de forma a incorporar mais diretamente e

participativamente as demandas do povo.

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É dentro deste contexto que se insere o presente trabalho, “O lugar do diálogo nas políticas

públicas de educação ambiental”. Não relacionado diretamente com nenhuma dessas causas,

visa a aprofundar o conhecimento relativo à ampliação das dimensões política e democrática

da vida, com ênfase na inserção desses novos participantes em processos de delineamento e

implementação de políticas públicas na área da educação ambiental, mediadas por uma forma

de relação que seja radicalmente inclusiva e capaz de reconhecer e considerar diversidades de

vozes e atores, o diálogo. Mais especificamente, o seu objetivo é compreender a ocorrência do

diálogo em um processo de construção de política pública em educação ambiental em um

município do interior do estado de São Paulo, SP.

Desde 2003, políticas públicas de âmbito federal, inseridas em um movimento político e

epistemológico mais amplo, estimulam o envolvimento de educadores e educadoras

ambientais em processos deste tipo, o que enseja não só uma melhor compreensão acerca do

conceito do ponto de vista filosófico, mas dos meios para sua incorporação nas políticas

públicas de Educação Ambiental existentes e nos processos de formulação e implantação de

novas políticas públicas.

Estudar o diálogo e sua ocorrência em processos de políticas públicas é, no entanto, um

desafio. Desafio por ser ele um conceito multidimensional, que abarca aspectos filosóficos,

sociológicos, psicossociais e psicológicos, em movimento, misturados. Coloca, assim,

questões sobre como se promover a análise do que ocorre no momento e sobre como fazer

recortes em contextos que são permeáveis à indefiníveis pressões externas.

Essas foram algumas das questões com que esse trabalho lidou, fundamentalmente aceitando

a presença da contradição em todos os momentos: contradição entre a filosofia (e sua

necessidade incessante de reflexão) e o contexto político (e sua necessidade de prática, de

movimento e de execução); entre a herança moderna (que domina a organização do nosso

pensamento) e o contexto “pós-moderno” ou “hipermoderno” com o qual estamos aprendendo

a nos acostumar (e seus desafios a nossa noção de tempo e espaço); entre o diálogo como

meio e o diálogo como fim; entre o permanente e o emergente; e entre o concreto e a

interpretação.

Estudar o diálogo em políticas públicas foi uma decisão que surgiu a partir do momento que

vivenciávamos na Oca, o Laboratório de Educação e Política Ambiental da ESALQ/USP de

Piracicaba. O laboratório, em pleno processo de reabertura (e, portanto, de criação de

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significados próprios compartilhados), se dedicava a compreender coletivamente conceitos

que julgávamos essenciais para se fazer educação ambiental: diálogo, identidade,

comunidade, potência de ação e felicidade1. Dentro deste contexto, e vindo de uma

experiência coletiva de EA malograda justamente por questões internas do grupo, considerei o

aprendizado sobre o tema fundamental. Se desejamos mesmo construir políticas públicas de

forma mais justa e inclusiva, precisamos aprender a dialogar, e tudo o que esse exercício

enseja.

Assim, mesmo diante das dificuldades conhecidas e de outras inimagináveis que surgiram no

caminho a decisão foi por levar essa ideia adiante, com a esperança de colaborar com as luzes

que já incidem sobre o tema e também de criar novos pontos de iluminação.

O presente trabalho está dividido em 7 emergências, que no conjunto delimitam os

pressupostos teóricos da pesquisa, explicitam os detalhes metodológicos, apresentam e

discutem os resultados e oferecem uma conclusão geral para o trabalho.

A opção por não dividir o texto em capítulos, mas em emergências, decorre da intenção de

incorporar nesta obra a própria lógica de realidade que ela propõe no texto (e que fundamenta,

inclusive, a teoria do diálogo), que indica a existência de uma fluidez subjacente que conecta

todas as partes do mesmo, que por sua vez “emergirão” desse fluxo em determinados

momentos com forma e conteúdos definidos, e que influenciarão as emergências seguintes.

Essa opção visa a reafirmar uma visão de mundo que, no momento, faz mais sentido para

mim na tarefa de compreender a realidade.

O texto está construído de forma a inserir o leitor paulatinamente no objeto de estudo - o lugar

do diálogo nas políticas públicas de educação ambiental. Inicialmente, na primeira

emergência do trabalho, esclareço os seus pressupostos epistemológicos, que como se verá

justificam a própria existência das emergências e preparam o campo para a compreensão do

caráter emergente como uma das qualidades fundamentais do diálogo.

Estabelecidas as bases epistemológicas, levo o leitor a uma transposição que tem como

objetivo demonstrar como que a organização do pensamento de uma determinada era acaba

por definir o seu arranjo social, e consequentemente fornece os moldes dentro dos quais são

1 Esse processo levou cerca de dois anos e culminou na composição de um texto coletivo que estabeleceu os fundamentos conceituais dos trabalhos da Oca e dos Oqueanos, publicado em duas versões diferentes, uma resumida (ALVES, et al, 2010) e uma completa (SORRENTINO et al, 2013).

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produzidas as políticas públicas. Essa parte do texto liga pensamento e ação, e destaca a

importância da atenção primordial aos pensamentos – não apenas aos seus conteúdos, mas

também aos processos subjacentes a eles - para que possamos compreender as ações, que são

suas manifestações concretas.

A justificativa de se relacionar pensamento e políticas públicas deriva do fato de que qualquer

tipo de mudança de lógica das segundas obrigatoriamente leva a uma ressignificação do

primeiro. Assim, diferentes visões de mundo ou conjunto de pressupostos levarão a diferentes

maneiras de se conceber, delinear e implantar políticas públicas. Como as propostas federais

de educação ambiental a partir de 2003 se colocam em uma dimensão inovadora, portanto

rompendo com as maneiras tradicionais de se produzirem políticas públicas, elas vão

demandar uma compreensão diferente em relação a seus pressupostos e métodos, o que por

sua vez remeterá às formas de pensamento daqueles envolvidos.

A partir desse arcabouço teórico que relaciona formas de pensar com diferentes formas de se

fazerem políticas públicas, o trabalho focará especificamente neste universo, explicitando sua

história e conceitos e demarcando diferentes correntes epistemológicas existentes.

Finalmente, essa emergência abordará a história da educação ambiental como política pública

no país, culminando no Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), de 2003, de

onde a proposta da construção participativa de políticas públicas de educação ambiental

permeadas pelo diálogo provém. Além disso, também remeterá essa proposta ao arcabouço

mais amplo das políticas públicas demonstrado anteriormente.

A segunda emergência do texto estabelece os pressupostos, o marco teórico, filosófico e

metodológico do diálogo. Se existe uma demanda, por parte do ProNEA, de que políticas

públicas sejam construídas dialogicamente, é necessária a demarcação do conceito e também

de questões que revolvem a sua prática.

A parte se inicia com a contextualização das demandas por “mais diálogo” nos dias atuais, por

meio da composição de um breve histórico do século XX até hoje e das transformações

sociais pelas quais o mundo, e seus habitantes, têm passado, fundamentalmente com a

intensificação das tecnologias da informação e suas consequências para comunidades e

identidades. Como se verá, a facilidade da comunicação e a maior exposição das privacidades

individuais não foram acompanhadas pela maior proximidade entre as pessoas. Pelo contrário,

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o que se vê é uma tendência ao afastamento e à dificuldade de compreensão entre pessoas,

gerações, “tribos” e povos.

Da mesma forma, em muitos cantos do mundo o processo de “desenvolvimento” dá

continuidade à conversão de culturas iniciada séculos atrás pelos jesuítas com a expansão

europeia. Identidades “menores” do que a pretensa identidade nacional são desconsideradas e

aniquiladas em nome de uma homogeneização cultural, agora sob a égide do deus do

consumo.

Ao mesmo tempo, novas identidades lutam por direito à existência e ao respeito. Não aceitam

mais o esconderijo ou o ostracismo. Por fim, pedem a revisão das categorias criadas ao longo

da modernidade para organizar a sociedade, que funcionaram justamente por deixarem uma

grande parcela da realidade ausente e por serem capazes de incluir apenas uma pequena

fração do “normal”.

Ampliar, ou revisar categorias implica, no entanto, em colocar os antes divergentes em

contato e produzir novas interpretações, o que gera resistências, tensões e novos conflitos.

Dependendo da maneira como for operada, pode levar à perpetuação da violência anterior, só

que desta vez afligida sobre outros sujeitos.

Neste contexto o diálogo surge como uma das alternativas possíveis, que se fomentado pode

levar a horizontes diferentes daqueles produzidos por outros pressupostos. O que, entretanto,

o diálogo oferece como novo? Por que, atualmente, tantas pessoas e grupos enfatizam o

diálogo para as relações que se dão no cotidiano (os insatisfeitos que movimentam o Brasil no

momento reiteram que querem “dialogar” com os poderes públicos instituídos; alguns grupos

religiosos sugerem mais “diálogo” dentro e entre religiões; em visita ao Brasil, até o Papa, em

seu discurso de despedida, sugeriu que as pessoas “dialoguem mais”)?

A parte seguinte da segunda emergência está destinada ao desvelamento do conceito de

diálogo. Aqui serão abordados os pressupostos filosóficos, conceituais e metodológicos do

diálogo. Também, será feita uma relação mais específica do diálogo com processos de

políticas públicas, ou seja, feita a conexão desta com a emergência anterior e levantado o

questionamento de que “se já há tantas iniciativas conhecidas de construção de políticas

públicas de forma participativa, porque propor agora que elas sejam também dialógicas?”.

Quais as justificativas que são postas para tal? Nesta parte, veremos que há um movimento

crescente que propõe o diálogo como pressuposto e método de políticas públicas e que a

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educação ambiental pode e deve se aproveitar deste contexto. A inserção do diálogo como

pressuposto e método pode trazer inovação para os processos de construção de políticas

públicas.

Um desses pressupostos do diálogo é a busca por aquilo que nos desconfirma. Assim, longe

de considerá-lo uma saída para todos os momentos e questões, é importante a atenção àqueles

que criticam suas propostas. A crítica e os críticos, entre outras coisas, colaboram com a

melhor compreensão da questão e também de seus limites. A segunda emergência do texto

também os inclui. Proferidas a partir de diferentes níveis de recusa do termo e da prática, a

parte aborda algumas dessas críticas, oferece argumentos organizadores e, por fim, demarca

suas limitações.

Será visto que algumas dessas críticas, bem fáceis de serem intuídas e comuns de serem

ouvidas, são na verdade superficiais e decorrentes de confusões terminológicas e

epistemológicas. Outras são mais precisas filosófica e teoricamente falando, e levam ao

estabelecimento das limitações às propostas dialógicas. Mesmo assim, não invalidam o

diálogo como possibilidade, apenas indicam a necessidade de se incorporarem mais variáveis

em suas considerações.

Algumas das críticas que são colocadas ao diálogo compõem aquilo que será abordado no

texto como obstáculos ao diálogo. Se foi visto acima que o próprio conceito de diálogo é

multidimensional, então também os obstáculos serão encontrados em diferentes dimensões de

análise: filosófica, social, intersubjetiva e psicológica. Tais obstáculos foram inicialmente

compilados de diferentes autores e trabalhos e oferecem consigo sugestões de procedimentos

e ações para serem tomadas, antes, durante e depois de uma prática dialógica com o intuito de

evitá-los e contorná-los sempre que possível.

A justificativa do diálogo em políticas públicas, tendo como base pressupostos que levam em

consideração as críticas e os obstáculos, vai compondo os elementos que dão forma aos

espaços de diálogo. Espaços de diálogo são espaços/momentos em que esforços são

investidos no sentido de se reduzirem ou evitarem aquelas questões que se interpõem entre

participantes de diálogo. São considerados espaços seguros de expressão e, portanto, são

permeados pelo respeito à diferença e pelo reconhecimento à exclusividade do outro. Como se

verá adiante, no espaço de dialogo as pessoas podem ser em conjunto, e o seu acontecimento

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depende não só da disposição dos participantes em dialogar como também do uso de métodos

ou estratégias que valorizem a multivocalidade.

Para se compor um espaço de diálogo é necessária atenção à chamada “arquitetura invisível”

da conversa, que são as forças que incidem sobre ela (e o grupo que conversa) em um

determinado momento. Como já colocado, tais aspectos são multidimensionais. Assim, o

esclarecimento sobre o espaço de diálogo incluirá questões que se referem ao grupo que

participa como uma unidade, à intersubjetividade (às relações entre as pessoas) e aos

indivíduos em si.

Por fim, a segunda emergência discorrerá sobre indicadores de diálogo, ou seja, sobre

comportamentos dos participantes ou do grupo que podem demonstrar, naquele instante, que

o diálogo emergiu ou que há potencial para que ele emerja. Conhecer tais indicadores pode

colaborar para que facilitadores de diálogo sejam capazes de investir nesses momentos, que

podem ser muito fugazes, de modo a valorizá-los, perdurá-los e potencializá-los.

Espera-se, com as duas emergências iniciais do trabalho, demarcar o seu referencial teórico e

justificar a pertinência da escolha do “diálogo em políticas públicas” como objeto de estudo.

O percurso “pensamento” → “organização social” → “políticas públicas” → “o diálogo nas

políticas públicas ambientais brasileiras”, oferece os elementos de análise dos resultados da

pesquisa de campo que foi realizada e que será apresentada em seguida. A intenção com essa

organização do texto é de inserir o leitor paulatinamente nas várias dimensões pertinentes ao

diálogo e guiá-lo por um percurso que vai do amplo (do pensamento predominante) ao

indivíduo.

A terceira emergência detalha a pesquisa de campo que foi realizada para este trabalho. Para

tal, em primeiro lugar explicita o contexto geral no qual municípios do país e em especial do

estado de São Paulo, sobremaneira aqueles de porte mediano (a exemplo do objeto de estudo

deste trabalho), têm sido incentivados a criar uma infraestrutura institucional e burocrática

ambiental e especificamente de educação ambiental. Se tal condição, por um lado, os estimula

a criarem políticas públicas de EA, por outro cria um contexto no qual tais políticas públicas

podem acabar sendo produzidas apressadamente e sem o envolvimento de educadores e

educadoras ambientais. É dentro desse momento histórico que o desafio dos Coletivos

Educadores Ambientais (CEA) se coloca. Ao propor o diálogo como meio, assume que os

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processos devem respeitar a sua necessidade e, portanto, o seu desenho deve se dar de

maneira coerente.

É dentro dessa problemática que se insere o problema da pesquisa, ou seja, como o diálogo

perpassa o CEA que tem como função a criação de políticas públicas. Ele emerge

espontaneamente ou são necessários arranjos de contexto para fomentá-lo? Como (e se) ele

ocorre na dimensão individual dos participantes do CEA e também na das instituições que

representam e que influenciam não só o seu andamento como também a implementação das

políticas que cria? Foram essas as questões iniciais que animaram esta pesquisa e que

pautaram a escolha do método e das técnicas utilizadas.

Visando explicitar o contexto em que a prática de campo se desenrolou, a terceira emergência

estabelece ainda as atividades que foram acompanhadas por mim ao longo do ano de 2011 e

início de 2012, tanto dentro do CEA como nos bastidores dele, a partir do Departamento de

Educação Ambiental (DEA) do município. Com essa finalidade é feita uma espécie de uma

linha do tempo com as principais “ocupações” do coletivo no período e que dão sentido para

as ocorrências que foram verificadas em um contexto mais amplo. Por fim e dentro desse

contexto, delineia os objetivos geral e específicos do trabalho, o método e as técnicas de

levantamento de dados utilizadas no trabalho (pesquisa documental, observação participante,

entrevistas abertas e um grupo focal).

A quarta emergência apresenta os resultados do trabalho. Inicialmente, ela traz uma

caracterização do município em que o trabalho prático de pesquisa foi desenvolvido. Além de

oferecer uma noção histórica e geográfica geral, estabelece também o arcabouço legal do

município relativo à EA, que como se verá começou a ser criado em meados dos anos de

1990. Por uma questão de confidencialidade, entretanto, e pela disposição dos sujeitos deste

trabalho em colaborar, o nome do município e os detalhes dos documentos que poderiam

identificá-lo foram excluídos do texto.

Após essa caracterização, os resultados práticos do trabalho começarão a ser demonstrados.

Primeiro, serão demonstrados detalhes da análise de documentos e do histórico das

instituições de EA e de educadores e educadoras ambientais do município. Pela ordem, serão

apresentados os resultados da pesquisa com a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e de seu

Setor de Educação Ambiental (SEA), da Escola de Educação Ambiental (EEA), do

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Departamento de Educação Ambiental (DEA), e finalmente de educadores e educadoras

filiados ou não a outras instituições.

Em segundo lugar, o trabalho demonstrará os resultados da observação participante,

desempenhada a partir do Departamento de Educação Ambiental (órgão que teve a iniciativa

de formar o Coletivo Educador Ambiental no município). Foi a partir do ponto de vista desse

departamento que foi feito o estabelecimento da rede de relações pessoais e institucionais que

influenciavam o CEA e as ações construídas por ele.

Para facilitar a compreensão do trabalho de observação o texto apresenta uma espinha dorsal

contextual composta pelas atividades desempenhadas pelo DEA ao longo de todo o tempo da

pesquisa de campo, do início de 2011 até o início de 2012. Os resultados, posteriormente, são

apresentados por meio das categorias “formas de trabalho”, “mapa” e “condições das

relações”, que explicitam respectivamente aspectos dos comportamentos da diretora do DEA,

o mapa das relações com outras instituições e pessoas, e as condições dessas relações. A partir

desse mapeamento é possível começar a compreender o contexto no qual o CEA foi instalado.

O terceiro item da quarta emergência é justamente os resultados das entrevistas realizadas

com sujeitos que foram localizados em função do mapeamento. Tais sujeitos foram vistos

exercendo influência sobre o DEA e por consequência o CEA, e seus pontos de vista acerca

do contexto precisaram ser buscados, de forma a se construir uma narrativa mais completa. Os

sujeitos entrevistados foram, pela ordem de apresentação no texto, a diretora do DEA, a

técnica da SMA responsável pelo SEA, o secretário do meio ambiente, a diretora da EEA e a

secretária da educação.

A quarta e última técnica de levantamento de dados cujos resultados serão apresentados na

sequência é o grupo focal, por meio do qual os membros do CEA foram abordados

coletivamente em uma única oportunidade, ao final de 2011.

Com a finalidade de facilitar a apreensão das informações que foram produzidas pelas

técnicas de pesquisa, ao final da apresentação dos resultados de cada uma delas um texto com

comentários iniciais foi tecido. Tais comentários começaram a dar forma aos resultados e

depois, na quinta emergência, foram combinados de forma a estabelecer os nexos entre as

técnicas. Neste momento, as percepções levantadas com a observação participante, a partir do

contexto do DEA, foram comparadas com as visões dos diferentes sujeitos a partir de outros

pontos de vista e dos documentos analisados. A triangulação das técnicas permitiu a

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construção de uma única narrativa a partir do preenchimento das lacunas que foram deixadas

por técnicas ou pela colaboração de um ou outro sujeito. Ao final, pode-se vislumbrar o lugar

do diálogo na construção de políticas públicas de EA a partir do exemplo deste determinado

município.

A sexta emergência traz as conclusões do trabalho. Para tal, retoma as questões fundamentais

da pesquisa e aborda o diálogo em várias dimensões: institucional, político-epistemológica,

intersubjetiva e subjetiva. Nesta parte, reforça a importância das duas últimas como

componentes fundamentais dos macroprocessos institucionais.

Posteriormente, o texto demarca o diálogo como um espaço que contém um cerne Buberiano,

que é o local do diálogo espontâneo, e uma área mais ampla, que apresenta sua dimensão

operacionalizável e, portanto, de fundamental importância em iniciativas de construção de

políticas públicas dialógicas. Neste contexto, o trabalho sugere a criação de espaços de

diálogo nos territórios para a composição de políticas públicas de EA, a exemplo de

comissões interinstitucionais e inter-setoriais que têm sido experimentadas já em algumas

localidades. Ressalta, no entanto, que o puro contato entre os diferentes não basta para que o

diálogo emerja. É necessária a criação de condições de fomento, que levem em consideração

todas as dimensões do diálogo e o exercício da prática dialógica, inclusive com a

incorporação de métodos e técnicas que valorizem a multivocalidade. Educadores e

educadoras, gestores e gestoras envolvidos em processos de construção de políticas públicas

por meio do diálogo devem, assim, aprender sobre os pressupostos, os indicadores, os

obstáculos, os métodos e os instrumentos de avaliação do diálogo, para constantemente

aperfeiçoar suas próprias experiências individuais e coletivas.

Por fim, a sétima emergência demonstra para o leitor as influências teóricas deste trabalho,

nas referências bibliográficas. Ela expõe a lista de obras que foram referenciadas em busca de

insight e organização para o tema estudado. A exemplo desta obra, pautam-se também no

trabalho de outros e se colocam como um objeto acabado. Entretanto, também como esta, são

apenas emergências momentâneas de um fluxo que segue o seu caminho.

1.2. A metáfora.

Imagine um rio, descendo lenta e caudalosamente seu curso. Imagine as margens, que ao

definirem sua forma têm seus contornos constantemente delineados por ele. Atente-se agora à

lâmina d’água. Perceba que sua superfície, aparentemente lisa, é na verdade riscada

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delicadamente por padrões e formas diversas que surgem, aqui e ali, formando figuras e

redemoinhos.

O cenário descrito acima é utilizado pelo físico David Bohm como uma metáfora da

realidade, em que as coisas percebidas como entidades ou fenômenos isolados, representados

pelas figuras e os redemoinhos na água são, na verdade, emergências, interligadas por um

fluxo subjacente, o rio, que nelas interfere e que recebe suas influências.

Deseja-se aqui fazer com que este trabalho seja percebido tal qual a metáfora, como um

conjunto de emergências que se manifestam ao longo de um fluxo contínuo e que, por

surgirem, permitem a revelação de um significado maior. Ao término da leitura, ao fechar

derradeiro da contracapa do volume em mãos, que se o perceba não como um

empreendimento com limites bem definidos e finalizado, mas também como uma emergência,

inserida dentro de um outro fluxo, maior, que continua seu curso...

1.2.1. Compreendendo as emergências.

As noções de ordem e de organização do universo mudam ao longo do tempo, refletindo o

espírito de cada época e exercendo um enorme poder sobre indivíduos e sociedades (BOHM,

1999). Como entendemos o mundo, ou nossas visões de ordem da realidade, são fundamentais

para o funcionamento da mente (BOHM, 1995), pois é a partir delas que nos compreendemos,

encontramos segurança e nossas ações são empreendidas.

Para Morin (1990), a definição de visões de mundo se dá por meio do estabelecimento de um

conjunto de “princípios supralógicos de organização do pensamento” (p. 15), que ele chama

de paradigmas, que operam de forma inconsciente e determinam a nossa percepção da

realidade. Tais princípios selecionam aquilo que é e não é significativo por meio de processos

de separação, união, hierarquização e centralização de dados.

Assim, diante da visão de mundo predominante na época e, por consequência, da

compreensão do funcionamento da realidade, tudo aquilo que é observado é condicionado por

ela e, também, a ela precisa se acomodar (BOHM, 1995). Dessa forma, a visão de mundo se

reforça e se perpetua, gerando a percepção de que é única, imutável e permanente. Em

momentos em que o processo de acomodação e adaptação do que é observado dentro da visão

de mundo posta não é mais possível, ocorre uma ruptura radical e o estabelecimento de uma

nova visão de mundo (Ibid.).

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Historicamente, a ciência física tem participação relevante na determinação das visões de

mundo das diferentes épocas, de forma que “mudanças revolucionárias na física sempre

envolveram a percepção de uma nova ordem” (BOHM, 1995, p. 111, tradução nossa). Morin

(1990) traz um exemplo desse tipo de mudança quando aborda a passagem da visão

ptolomaica geocêntrica para a coperniciana heliocêntrica de mundo. Com essa mudança

conceitual aparentemente pequena, o ser humano perdeu o planeta e posteriormente o sol

como centro do universo. De fato, também o universo perdeu um centro, e com o

conhecimento sobre sua expansão, a previsibilidade determinista de seus ciclos (MORIN,

2001a).

Nas ciências, o processo de adaptação e acomodação, muitas vezes forçada, daquilo que é

observado à visão de mundo predominante forma o que Kuhn (1998) chama de tradição

científica. E quando essa tradição não é mais capaz de se manter legítima diante da existência

de fenômenos não adaptáveis tem-se uma revolução científica, que são “aqueles episódios de

desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou

parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior” (p. 125).

Conforme colocado por Capra (1997), a noção de ordem predominante na cultura ocidental

atual foi delineada a partir dos séculos XVI e XVII e passou a caracterizar a era moderna. Ela

foi formada a partir de ideias de pensadores e cientistas da física e da astronomia que

acabaram por determinar um conjunto de princípios de funcionamento da realidade, do qual

decorreu um método científico ou forma de análise dessa realidade. Nascia a ciência

conforme a concebemos hoje. Ao longo dos séculos subsequentes, a racionalidade clássica

moderna, a partir da física, “colonizou” (GREIG, PIKE, SELBY, 1989, p. 7, tradução nossa)

outras áreas do pensamento ocidental, as ciências biológicas e sociais, que se adaptaram a ela

em busca de legitimidade e legitimando-a (BOHM, 1999), e se tornou de tal forma permeada

na vida, cultura e no pensamento do ocidente que um de seus proponentes, René Descartes,

tornou-se uma espécie de símbolo de seu tempo ao ser considerado por muitos o fundador da

filosofia moderna (CAPRA, 1997). Aspectos importantes do pensamento moderno são,

portanto, atribuídos ao legado que deixou, principalmente no campo da filosofia.

Em seu “Discurso do Método”, Descartes define quatro preceitos que se tornaram a base da

ciência moderna clássica, aplicados até os dias atuais e, portanto, a base de nosso pensamento:

O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a

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meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir. (DESCARTES, s.d, p.6-7).

Tais preceitos, no entanto, se assentam sobre um princípio fundamental, que o autor

considerou o primeiro da filosofia que procurava:

Havia bastante tempo observara que, no que concerne aos costumes, é às vezes preciso seguir opiniões, que sabemos serem muito duvidosas, como se não admitissem dúvidas, conforme já foi dito acima; porém, por desejar então dedicar-me apenas a pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como totalmente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com o intuito de ver se, depois disso, não restaria algo em meu crédito que fosse completamente incontestável. Ao considerar que os nossos sentidos às vezes nos enganam, quis presumir que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, por existirem homens que se enganam ao raciocinar, mesmo no que se refere às mais simples noções de geometria, e cometem paralogismos, rejeitei como falsas, achando que estava sujeito a me enganar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. E, enfim, considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorrem quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos, sem que exista nenhum, nesse caso, que seja correto, decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos. Porém, logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava. (DESCARTES, s.d, p. 11).

Ponto fundamental da proposta de racionalidade por Descartes é a separação entre mente e

corpo e também entre o pensamento e a matéria:

[...] compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente distinta do corpo... (DESCARTES, sd, p. 11).

Habermas (1995a) aborda esse período histórico em seu trabalho e o associa a um processo de

desencantamento da vida, no qual a unidade ontológica do pensamento religioso e tradicional

é “descentrado” em distintas esferas culturais de valor (as dimensões objetiva, subjetiva e

intersubjetiva da realidade), com consequente valorização da primeira e desvalorização das

demais. Esse processo teria exercido influência não só sobre os conceitos fundamentais de

interpretação da realidade (as visões de mundo), mas também na formação e estabilização das

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identidades individuais e coletivas. A natureza é dessocializada e a sociedade é

desnaturalizada, os fatos do mundo são objetificados cognitivamente e as relações

interpessoais por códigos legais e morais.

Para Ardans (2005), tal diferenciação teria sido promovida pela busca de um saber validado

por normas e na verdade que propiciasse uma compreensão precisa sobre o mundo e para o

enfrentamento da morte, impossibilitadas pelo pensamento tradicional mágico.

O advento da racionalidade científica se deu, portanto, em um contexto de emancipação da

ciência dos poderes mitológicos, religiosos e também do conhecimento filosófico, repletos de

subjetividade (NICOLESCU, 1999; MORIN, 2001a). A fragmentação do pensamento, o uso

da linguagem matemática e o distanciamento entre sujeito e objeto visavam à garantia do

estabelecimento da verdade indubitável saneada de qualquer tipo de ruído ou contaminação,

ou seja, a localização do fato puro inconteste.

Consequentemente, em decorrência do pensamento moderno nascente, o delineamento de

uma realidade precisa e objetiva se tornou uma função direta do distanciamento entre sujeito e

objeto, de forma que quanto maior o afastamento entre eles, maior a realidade do último.

Surge assim um antagonismo irreconciliável entre o próximo e o real, que vai exercer grande

influência sobre o fazer do cientista (SANTOS, 2003), que se transforma em um especialista

no distante, e o próximo é excluído no universo da ciência.

Assim, formou-se o paradigma científico clássico, ou “ideologia cientificista” (NICOLESCU,

1999, p. 16), caracterizado pela busca de ordem geral em um universo determinado pela

aplicação da racionalidade objetiva, que por sua vez, operava (e opera) por meio da

fragmentação, do reducionismo, da linearidade, da separação do sujeito em relação ao objeto

e da formalização (MORIN, 2001a), formando o que foi denominado pelo autor de

“paradigma da simplificação” (Ibid, p. 330).

Em linhas gerais, nesta noção de ordem, o mundo é considerado como constituído por

conjuntos de partículas elementares separadas, indivisíveis e imutáveis, que são os blocos

fundamentais do universo inteiro. Essas partículas estão fora umas das outras, no sentido de

que existem independentemente em diferentes regiões do espaço e do tempo e interagem por

meio de forças que não trazem mudanças em suas naturezas essenciais (BOHM, 1995), como

ladrilhos em uma parede (MORIN, 2007). Por essa razão, considera-se que sua interação se dá

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de forma mecânica, como engrenagens de uma máquina (BOHM, 1995; 1999; CAPRA,

1997).

Como uma tradição científica, conforme colocado acima, demarca o que permanece dentro de

seus domínios e, portanto, também o que está fora, o paradigma ocidental nascente excluiu da

legitimidade científica tudo aquilo que causou algum tipo de constrangimento metodológico,

a dúvida, o desvio e a contradição (MORIN, 2001a), relegando assim a uma segunda

importância a ética, a estética, e o que não poderia ser reduzido e acomodado a seus métodos

e princípios, deixando uma larga porção da realidade de fora do “real” científico (MORIN,

2001a). Como coloca Morin em outro contexto (1990, p. 17-18), “desintegraram os seres e os

existentes para apenas considerarem como únicas realidades as fórmulas e equações que

governam as entidades quantificadas”.

Portanto, no ocidente, a partir da revolução científica do século XVII, a visão de mundo

predominante se tornou mais e mais influenciada pela fragmentação, que ao ser aplicada à

leitura da realidade nada mais fazia do que reforçar suas certezas e excluir qualquer

possibilidade alternativa. Não só a mente foi separada do corpo e o homem da natureza

(GREIG, PIKE AND SELBY, 1989), mas também as separações entre países, religiões,

etnias, grupos políticos e econômicos (BOHM, 1995), disciplinas (MORIN, 1990) e egos

(BOHM, 1999) concretizaram-se, escondendo a ilusão intrínseca que carregam e se tornando

cada vez mais fonte de conflitos ambientais, sociais e psicológicos.

Outro aspecto proveniente da visão fragmentada de mundo, que é apontado por Bohm (2005)

como fundamental e que terá grande relevância para o presente trabalho, é a separação que se

opera entre o conteúdo e o processo ou o funcionamento do pensamento. Segundo o autor,

essa percepção, de que o conteúdo do pensamento se dá independentemente de um processo

de pensamento, traz a noção de que eles surgem do nada, independentemente de uma

intenção. Esse tema é muito abordado em sua obra diante do que considera ser a importância

do pensamento: tudo o que foi e é construído pela humanidade decorre do pensamento, que

por sua vez nasce de uma intenção subjacente, já que os conteúdos pensados não surgem do

nada. Assim, para o autor, o problema do pensamento é, justamente, “que ele faz as coisas e

depois diz ou deixa implícito que não as fez” (Ibid, p. 61).

A linguagem também é um componente cultural que carrega consigo e, ao mesmo tempo,

reforça a visão de mundo predominante, por delimitar as possibilidades de expressão bem

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como de articulação cognitiva de um povo, já que o pensamento se dá através dela (BOHM,

1995). De acordo com o autor, por exemplo, o formato sujeito-verbo-objeto, presente na

gramática da maioria das línguas modernas, é uma estrutura que colabora com a conservação

e o maior enraizamento da visão fragmentada de mundo, pois implica em uma ação que

necessariamente nasce em um sujeito e caminha até um segundo ente, separado do primeiro, o

objeto.

Assim, um(a) ocidental, ao compreender o mundo, automaticamente o faz por meio da

fragmentação aplicada a si e ao entorno, sem se dar conta, no entanto, que ela é uma

adequação artificial apropriada a contextos limitados. Ao contrário, ela(e) sente a si e ao

mundo como constituídos de partes separadas. Não é capaz de perceber que as divisões são

criadas e estão em seu pensamento, que não existem autonomamente na realidade (BOHM,

1995; 1999). Como consequência, ao agir, reproduzirá a fragmentação “externa” e a reforçará

em sua mente, em um processo de autoperpetuação (Ibid.). Como coloca Morin (1990, p. 22),

“um pensamento mutilador conduz necessariamente a ações mutiladoras”. Pode-se ainda

concluir que as ações mutiladoras produzirão novos e reforçarão os pensamentos mutiladores

pré-existentes.

Este é o problema da pretensão moderna de se separar o sujeito do objeto na busca pela

objetividade. A percepção consequente de que o conteúdo do pensamento é uma “descrição

do mundo tal como ele é” (BOHM, 1995, p. 3, tradução nossa), como se o pensamento fosse

capaz de encerrar a totalidade da realidade em si, ou seja, como se estivesse em

“correspondência direta com a realidade objetiva” (Ibid., p.3, tradução nossa).

O século XIX foi, entretanto, o período em que o absolutismo da ciência clássica começou a

demonstrar os seus limites, com o surgimento de novos campos de pesquisa e também de

fatos e teorias que não poderiam ser explicados ou formulados a partir dos pressupostos

clássicos vistos acima. Assim, a eletrodinâmica, a termodinâmica, a cosmologia e a teoria da

evolução começaram a minar os robustos alicerces da ciência clássica (CAPRA, 1997). Com

isso a humanidade, que já tinha perdido o planeta e o sol como centro do universo e a própria

percepção de que o universo tem um centro, conforme abordado acima, viu o homem deixar

de ser o apogeu da criação, a partir das ideias de Darwin e uma espécie separada das demais,

com o advento do genoma. Finalmente, viu também, com Freud, que a razão não é uma

entidade soberana no indivíduo (PEÑA, 2007).

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No entanto, a primeira “indicação significativa” da necessidade de se questionar a ordem

mecanicista da física clássica proveio da teoria da relatividade de Einstein (BOHM, 1995, p.

173, tradução nossa). Segundo o autor, as noções de ordem e medida apresentadas por essa

teoria não mais faziam sentido a partir da ideia de corpos rígidos e indivisíveis. Ao contrário,

elas traziam a noção de campos, que são contínuos e, nos quais, as partículas são consideradas

como abstrações, como padrões de movimento, correspondentes às regiões de intenso campo,

que concentrados formam as singularidades. Distanciando-se dessas singularidades, os

campos vão se tornando menos concentrados, até gradativamente se misturarem a campos de

outras singularidades. Portanto, como visto, essa nova noção de ordem não concebe a

separação total, a atomização, mas sim a existência de uma “totalidade indivisiva” (Ibid, p.

125, tradução nossa) na qual aquilo que se é percebido como singularidades são apenas áreas

de maior concentração nos campos.

Mais recentemente, adentro ao século XX, a compreensão do funcionamento da mecânica

quântica produziu uma percepção ainda mais radical de ordem e medida do que a decorrente

da teoria da relatividade, em relação à noção de ordem clássica. A despeito das diferenças

entre as duas teorias (relatividade e quântica), elas compartilham um pressuposto comum, que

é o da indivisibilidade da totalidade (BOHM, 1995).

Vários são os aspectos que decorrem dessa mudança na percepção da ordem e do

funcionamento da realidade. A primeira delas, que a realidade passa a ser compreendida como

um processo em que os componentes são interligados por um fluxo e as singularidades que

reconhecemos, “objetos, eventos, entidades, condições e estruturas são apenas formas

abstraídas desse processo” (BOHM, 1995, p. 48, tradução nossa). Portanto, a busca pela

objetividade, sugerida por Descartes de forma “muito clara e distintamente” (DESCARTES,

s.d., p. 12) começa a ser percebida como limitada e aplicável a determinados contextos

espaço-temporais. Assim, a noção de que o pensamento corresponde diretamente à realidade,

conforme colocado acima, dá lugar a outra, de que o mundo é traduzido e interpretado de

determinada maneira (MORIN, 2007). O significado da interpretação e a determinação do

fato, por sua vez, serão feitas sobre uma noção subjacente de ordem pré-estabelecida por

conceitos teóricos já existentes, mesmo que inconscientemente (BOHM, 1995) e será

influenciado por interesses, motivações e o conhecimento disponível (BOHM, 1999).

Mudanças nesses aspectos levarão a novos modos de experimentação e novos tipos de

instrumentos, o que por sua vez produzirão novas ordens e fatos (BOHM, 1995). Mais uma

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vez, a neutralidade do sujeito e a separação entre esse e o objeto é impossibilitada, pois a

partir de agora o objeto se torna o significado atribuído a ele (Ibid.).

Ao fazer isso, ao reconhecer que a realidade que concebemos é uma forma de tradução ou

interpretação, admite-se por sua vez que ela possui muito mais em si do que jamais seremos

capazes de acessar, por meio dos sentidos e instrumentos, e conceber pelo pensamento, dando

sempre margens para ainda novas abordagens (BOHM, 1995). Assim, parte do significado da

realidade continuará implícita, intangível e o significado atribuído a ela será limitado, “[o] que

uma pessoa percebe não é a coisa em si, que é desconhecida e desconhecível, mas aquilo que

ela significa naquele momento” (BOHM, 1999, p. 81, tradução nossa).

E se a realidade não é acessível plenamente ao pensamento, a descrição do que foi

compreendido acaba por limitar ainda mais a sua totalidade. Compreendemos apenas

tacitamente grande parte da nossa existência (BOHM, 1999): “[...] qualquer coisa que

dizemos ou fazemos, nós não podemos possivelmente descrever em detalhes mais do que uma

pequena parte do significado total que percebemos em um determinado momento” (Ibid., p.

80, tradução nossa). Portanto, os limites daquilo que foi compreendido em um determinado

momento possibilita-nos responder a certas questões feitas à realidade e não à totalidade das

questões (MORIN, 2001a).

Em segundo lugar, como não é mais possível se conceberem entidades isoladas, o foco passa

a ser colocado também na relação, que apesar de invisível, se torna fundamental, abrindo-se

assim espaço, na realidade, para a ambiguidade (BOHM, 1999). Dessa forma, ordem e

desordem, vida e morte, autonomia e heteronomia, determinação e indeterminação, dentro e

fora e outras contradições passam a ser consideradas não como antagonismos excludentes,

mas como relações na realidade (MORIN, 1990), já que em um universo “povoado” apenas

pela ordem, “não haveria inovação, criação, evolução. Não haveria existência viva nem

humana” (Ibid, p. 129). Com a aceitação do caráter dual da realidade, a noção de certeza se

desfaz (PRIGOGINE, 1996).

Esta nova percepção de ordem, na qual as coisas não podem ser consideradas como separadas,

mas relacionadas em algum nível, é denominada por Bohm (1995) como ordem “implicada”.

Ela se diferencia da ordem ocidental que ele denomina de “explicada”, segundo a qual cada

coisa ocupa a sua própria região no tempo e no espaço.

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Comparando-se, então, a visão de mundo ocidental predominante com aquela que decorre das

deduções da física quântica, introduzida acima, considera-se que o que a primeira concebe

como realidade, o universo mecânico formado por partes atomizadas, independentes - a

ordem explicada -, deriva da segunda, o fluxo subjacente – implicada-, que é considerada por

Bohm (1995) como primária. Assim, as formas separadas perceptíveis aos sentidos e

instrumentos são emergências de outra ordem, fluida, indivisível, implicada, mais profunda,

como os redemoinhos formados na superfície do rio, no início deste texto. Essa ordem

implicada pode, por conveniência de compreensão, ser organizada e representada de forma

singularizada, explicada, mas a limitação dessa representação não pode ser ignorada, ou seja,

sem que se perca de vista a indivisibilidade. Como coloca Isaacs (1999a, p. 34, tradução

nossa), “dividir as coisas não é o problema. E sim esquecer a conexão”. Daí decorre a ideia de

complexidade.

Segundo Morin (1990, p. 20), a complexidade é “um tecido de constituintes heterogêneos

inseparavelmente associados [...], o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,

determinações, acasos, que constituem nosso mundo...”. Na realidade complexa, propriedades

emergem das relações, que não seriam encontradas nos indivíduos singularizados e que não

são redutíveis à simples soma dessas últimas (MORIN, 2007; PEÑA, 2007). Começa-se a

perceber o todo como sendo muito mais do que a soma de suas partes. Quando partes se

juntam, algo de novo surge (ou desaparece), como a própria vida emerge da matéria:

[...] a vida é constituída de elementos estritamente físico-químicos que não se diferenciam em nada, em termos de substância e de materialidade, do resto do mundo físico-químico; o que faz a diferença é a organização desses elementos, a maneira pela qual as moléculas e macromoléculas que as constituem são organizadas, e é essa organização que tem qualidades emergentes (reprodução, movimento, auto-organização capaz de tratar seus próprios elementos e de tratar o meio no qual se encontra) (MORIN, 2001b, p. 563).

A relação, a influência, portanto, aparece como uma nova zona de fronteira que se abre como

um universo de novas possibilidades para o conhecimento (MORIN, 2001b).

Um holograma é um objeto que metaforiza e ilustra essa nova noção que se tem desejado

demonstrar. Nesse tipo de figura, cada uma das partes é capaz de reproduzir a imagem

completa, obviamente com diferentes níveis de nitidez. Assim, de acordo com a colocação de

Bohm (1995, 1999), cada região do holograma traz informações do todo implicada nela, de

forma que quando uma luz é incidida sobre ela, a forma ou estrutura do holograma completo é

explicada.

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Dentro desse contexto as partes são vistas como inseridas no todo. São, portanto, sistemas

abertos que, ao mesmo tempo em que são alimentados pelo sistema maior, fazem parte dele,

tornando impossível que se tracem nitidamente as distinções entre eles. Assim, passa-se a

perceber a realidade como um conjunto de sistemas e subsistemas - cada sistema é

considerado, ao mesmo tempo, um sistema completo e um subsistema de um sistema maior, e

assim sucessivamente para o macro e para o micro (CAPRA, 1997); de multidimensões

(ARDOINO, 2001); de diferentes níveis de realidade (NICOLESCU, 1999); ou de totalidades

e subtotalidades (BOHM, 1995). Essa característica de um sistema de conter ao mesmo tempo

as propriedades independentes dos todos e as dependentes das partes foi denominada Holon

(KOESTLER, 1981, p. 41): “subordinam-se como partes aos centros mais elevados da

hierarquia, mas ao mesmo tempo funcionam como todos quase autônomos”.

Forma-se então uma “unidade múltipla” ou unitas multiplex: uma unidade ao mesmo tempo

constituída e constituidora de uma multiplicidade, que por sua vez forma uma unidade

múltipla maior (MORIN, 1990, P. 18), abrindo espaço então para o plural e o heterogêneo,

reconhecendo, portanto a existência legítima do conflito. Ademais, reconhece-se também

“importância do tempo e da história para a compreensão dos fenômenos” (ARDOINO, 2001,

p. 552), já que leva em conta que cada uma dessas unidades múltiplas transforma-se ao longo

do tempo e influencia sistemas internos e externos, que estão, portanto, em constante processo

de mudança. Assim, qualquer representação objetiva da realidade torna-se a fotografia de um

momento, que traz luz, mas não pode definir o momento seguinte.

Bohm (1995) aborda vários exemplos que ilustram a realidade descrita acima: células que, ao

mesmo tempo em que são individualidades e formadas por conjuntos de outras

individualidades (suas organelas), trabalham conjuntamente na constituição de tecidos, que

por sua vez trabalham em conjunto para compor órgãos, que em relação compõem indivíduos,

que formam sociedades. Em um segundo exemplo, cita os átomos, ao mesmo tempo formados

por subpartículas e formadores de sólidos, líquidos e gasosos que, por sua vez, são

componentes de estruturas como planetas, estrelas, galáxias, galáxias de galáxias etc. Por fim,

propõe também que uma língua funciona da mesma maneira, pois em muitos casos o

significado de uma palavra pode mudar, ou emergir, em função do contexto (BOHM, 1999).

Da mesma forma, uma palavra não pode ser considerada como uma unidade elementar, já que

sua constituição também influencia em seu significado (BOHM, 1995). Assim, o que se tem

são subpartes (prefixos, sufixos, que possuem um significado próprio) que formam palavras,

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em orações, sentenças, textos etc., em que o significado de cada uma dessas partes dependerá

do contexto em que estão inseridas.

Os exemplos acima demonstram a relação entre o conteúdo especificável e o contexto maior

do qual é abstraído, de forma que o sentido do contexto não é propriamente definido sem o

seu conteúdo e o conteúdo, por sua vez, não pode ser definido sem o contexto (BOHM, 1999).

No entanto, é importante que o processo de compreensão da realidade a partir da noção da

totalidade inseparável não seja enfatizado, tal qual foi colocado acima, como uma leitura final

da realidade, pois nesse caso o que se criará é mais uma categoria individualizada e, portanto,

desconexa do contexto (BOHM, 1999). O todo virará uma unidade vazia e simplificada, um

conjunto homogêneo sem devir (ARDOINO, 2001), “uma espécie de névoa generalizada” que

encobre e ofusca as particularidades (MORIN, 2001c, p. 491).

Da mesma forma, é necessário não perder de vista que a visão de mundo complexa é também

uma visão de mundo e, assim sendo, possui limitações para capturar a realidade (BOHM,

1999). A diferença em relação ao paradigma clássico é que a complexidade reconhece essa

ignorância inatingível e que, ao fazer, dialoga com ela, o que é muito diferente de ignorá-la ou

pretendê-la inexistente. É como coloca Morin (2001a, p. 232), “o objetivo do conhecimento

não é descobrir o segredo do mundo numa equação mestra da ordem que seria equivalente à

palavra mestra dos grandes mágicos. O objetivo é dialogar com o mistério do mundo”.

Ainda, o reconhecimento das limitações de uma visão de mundo constrói o sentido da

abertura para outras, para a heterogeneidade, para a pluralidade de olhares, a

multirreferencialidade (ARDOINO, 2001). O autor aborda em seu trabalho a importância de

se “iluminar a heterogeneidade” (Ibid., p. 554), no sentido de se permitir a investigação do

objeto a partir não só de diferentes lógicas, mas também que elas se questionem, alterem-se e

formem “significações mestiças em favor de uma história” (Ibid., 554).

Com essa postura, busca-se não apenas a adaptação ao rápido processo de mudança ao qual o

mundo está submetido, mas, além disso, a construção de racionalidades alternativas, que

gerem diferentes conjuntos de valores e que possibilitem novas formas de ação (LEFF, 2001),

contribuindo com a lida de questões que não foram satisfatoriamente abordadas pelos

mecanismos científicos e lógicas predominantes (LEFF, 2006).

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Como se vê, a visão de mundo complexa não pode e não se vê como universal, onipresente e

eterna. Como coloca Morin (2001b), ela é um desafio e não uma resposta. E é importante que

continue como tal e não se torne uma “receita” (MORIN, 2001a, p. 176) ou solução para todas

as coisas postas, “um instrumento ou máscara da simplificação” (Ibid., p. 337). Enfim, Bohm

(1999, p. 4) argumenta que “há um perigo na complacência sobre a nossa visão de mundo que

torna evidente quão necessário é que tenhamos uma atitude provisional e inquisitiva em

relação a ela”. E isso vale para todas elas.

1.2.2. Da epistemologia científica à política.

Foi colocado acima que o pensamento possui um enorme poder, muitas vezes não

reconhecido, por ser o lócus de origem nossas ações. Por sua vez, que o pensamento é

orientado por um paradigma, ou, como coloca Kuhn (1998, p. 137), uma “rede conceitual” ou

forma de ver o mundo. Foi visto também que, uma vez estabelecido, o paradigma de uma

cultura reproduz e perpetua essa cultura como se fosse única, e assim também se

autorreproduz e se autoperpetua. Consequentemente, que existe uma relação direta e “muito

profunda” entre o modo como o conhecimento é organizado e o modo como uma sociedade é

organizada, pois o paradigma controla não apenas as teorias, mas também a “organização

técnico-burocrática da sociedade” (MORIN, 2007, p. 79). Assim, para as sociedades

ocidentais, a organização social é extremamente marcada pelas principais características do

paradigma científico predominante: os princípios de disjunção, distinção e oposição.

Consequentemente, o processo de expansão científico-tecnológico europeu pelo mundo foi e é

também um processo de dominação ideológica de uma visão de mundo, a ocidental, sobre

outras (MORIN, 2001a), trazendo a reboque a dominação econômica e social, e a

universalização de uma forma de pensar, de “uma visão limitada e parcial de mundo e de uma

prática conquistadora, destruidora de culturas não ocidentais” (Ibid., p. 165). Para Santos

(2001), a racionalidade científica é uma nova forma de totalitarismo, por negar o caráter

racional de todas as formas de conhecimento que não têm como base seus princípios

epistemológicos e regras metodológicas. Assim, onde a lógica ocidental se instala, os

dominados, para se libertarem, adotam o mesmo modelo, sacramentando-o e legitimando-o

(MORIN, 2001a). Por essa razão, o desafio aos pilares da lógica científica moderna, feita

pelos autores utilizados neste trabalho e também outros autores é, igualmente, um

questionamento das bases sobre as quais essas sociedades foram construídas e funcionam

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atualmente, que reforçam, reproduzem e ampliam o conjunto de valores atuais que legitimam

essa dominação (LEFF, 2006).

Este trabalho, na próxima seção, abordará de forma mais específica como que o pensamento

moderno se concretizou nas práticas sociais do ocidente e formatou os processos hegemônicos

de elaboração e implantação de políticas públicas, práticas essas que têm sido desafiadas por

algumas políticas públicas de educação ambiental brasileiras.

1.3. O advento das políticas públicas

Foi colocado anteriormente como a forma de pensar de uma época determina a sua própria

organização social. A era moderna, iniciada no século XVII a partir da revolução científica

(CAPRA, 1997), teve como um dos seus elementos constituintes o mito do progresso. Como

mostra Abbagnano (2007), a ideia de progresso como a crença de que os fatos históricos

evoluem para um horizonte desejável e realizam uma melhora contínua surge no século XVII,

alegadamente a partir de Francis Bacon e sua comparação do desenvolvimento do mundo ao

desenvolvimento de uma pessoa: assim como um idoso possui mais conhecimento e juízo do

que um jovem, espera-se que as eras mais atuais, mais velhas ao mundo do que as antigas,

disponham de muito mais experiências acumuladas. A percepção otimista do futuro como um

“lugar” melhor do que o agora veio a substituir noções anteriores, de decadência,

característica da antiguidade (a percepção de um passado glorioso que ficou para trás), e de

ciclo, em que a história humana é repetitiva, presente na antiguidade grega. Para o autor, a

ideia de progresso “designa não só um balanço da história passada, mas também uma profecia

para o futuro” (Ibid, p. 799).

Segundo Giannetti (2007), a promoção do progresso se deu de forma atrelada a uma

combinação de vetores emergentes da ““tripla revolução” (científica, industrial e francesa)”

(Ibid, p. 22), ou seja, a uma combinação entre o avanço do saber científico, o domínio da

natureza pela tecnologia, o aumento da capacidade produtiva e a riqueza material, a

emancipação das mentes frente à opressão, superstição e servilismo religiosos, a

transformação das instituições políticas em bases racionais e o aprimoramento intelectual e

moral dos homens.

O apogeu dessa crença ocorreu no século XIX quando ofereceu suporte ideológico ao

movimento do romantismo, na justificativa de que o progresso material seria o caminho para a

superação da imobilidade social. Até meados do século XX, a promoção do progresso esteve

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basicamente ligada aos mecanismos de mercado sob o comando da economia política,

praticamente sem a participação do Estado. Assim, “o tamanho da liberdade individual era

diretamente proporcional ao tamanho da esfera privada e vice-versa” (HEIDEMANN, 2009,

p. 25).

Todavia, essa liberdade quase absoluta dos indivíduos deixou para trás aspectos comunais da

vida humana e, assim, propiciou o surgimento de problemas (HEIDEMANN, 2009). A

ocorrência de duas guerras mundiais e da crise de 1929 somou-se à impossibilidade de

manutenção dos princípios do progresso dentro do campo metodológico da Ciência da

História, que culminaram com a decadência da força da noção de progresso (ABBAGNANO,

2007).

Assim, o século XX assistiu a uma relativa redução das liberdades individuais acima referidas

pela imposição de limites pelas comunidades políticas, o que diminuiu a importância de um

mercado autorregulado e aumentou a do Estado sobre as regras de convivência social. Aos

poucos, o progresso (entendido como processo setorial industrial pouco orquestrado, difuso e

sem diretriz definida) foi sendo substituído por outro, o desenvolvimento, que se diferencia do

primeiro por derivar de uma atuação conjunta entre Estado e mercado e ter um esforço mais

planejado (HEIDEMANN, 2009). Portanto, a ideologia do progresso não desaparece como

um todo, mas é absorvida pela ideia de desenvolvimento (FURTADO, 1996), principalmente

como uma forma de “esperança ou empenho moral para o futuro” (ABBAGNANO, 2007,

p.800).

Sachs (1995) narra em seu texto o processo de exportação da ideologia do desenvolvimento

no final da década de 1940 para praticamente todo o mundo, e sua exclusiva relação com

critérios econômicos de análise e avaliação. Apoiada em teorias como a de Rostow (1990) -

que categorizou a diversidade de sociedades em termos econômicos em cinco estágios

lineares evolutivos, partindo das sociedades tradicionais, baseadas “na ciência e tecnologia

pré-Newtonianas e em atitudes pré-Newtonianas para com o mundo físico” (p. 4, tradução

nossa), até a era do consumo de massa, considerada como o ápice evolutivo de uma

civilização - a ideia de desenvolvimento nasceu e ainda se mantém predominantemente sob o

pressuposto básico da implantação de uma economia de mercado que inclua, se não todos

pelo menos a maior parte dos cidadãos de um país (HEIDEMANN, 2009). Assim, a

organização social da era moderna se transformou em uma espécie de “estágio de perfeição”

(SALM, 2009, p. 84) social, um modelo para ser buscado e copiado por outras sociedades

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independentemente de seu passado e história até então. O processo de modernização, por sua

vez, se tornou uma espécie de “lei de necessidade histórica” (RAMOS, 2009), uma

possibilidade única de futuro que nega alternativas e traz a inevitabilidade do futuro

determinado (REZENDE, 2009). Portanto, sociedades “desenvolvidas” tornaram-se

arquétipos para as demais, que naturalmente devem alcançá-las ao final de seu processo de

“desenvolvimento”.

Ramos (2009) aborda em seu texto a existência de um continuum de compreensões acerca do

processo de modernização, que ele designa de Teorias N e P.

A Teoria N se assenta sobre o postulado de que existe uma “necessidade histórica que

compele toda sociedade a procurar alcançar o estágio em que se encontram as chamadas

sociedades desenvolvidas ou modernas” (RAMOS, 2009, p. 43), como visto acima. Esse

postulado é a herança da ideia do progresso e predomina ainda nas sociedades atuais. A

Teoria P, no outro extremo,

Pressupõe que a “modernidade” não está localizada precisamente em algum lugar no mundo; que o processo de modernização não tem de se orientar segundo algum arquétipo platônico; 2) sustenta que toda nação, qualquer que seja sua configuração atual, sempre terá possibilidades próprias de modernização, cuja efetivação pode ser perturbada pela sobreposição de um modelo normativo rígido, estranho a suas possibilidades (Ibid, p. 43).

A Teoria P, por conseguinte, dá início a um novo modelo de se pensar o futuro, contrário aos

pressupostos da Teoria N, o modelo de possibilidade. Esse modelo assume a presença da

liberdade dentro do determinismo impedindo assim o fatalismo (quando qualquer

possibilidade de liberdade está ausente) e o niilismo (quando qualquer possibilidade de

determinismo está ausente). O modelo de possibilidade, portanto, reconhece a pertinência da

existência de rumos, “uma concepção de realidade histórica e social que a vê como o

resultado permanente de uma tensão entre possibilidades objetivas e escolhas humanas” (Ibid,

p. 49), onde a Teoria N vê apenas um caminho possível.

Rezende (2009), ao comentar o modelo de possibilidades apresentado por Ramos (2009),

destaca que a concepção linear de futuro que naturalizou conceitos e dicotomias sociais como

““primeiro mundo”, “atrasado”, “pobre” e “periférico” (Ibid, p. 82), criou instrumentos de

“aceitação do fator inercial da história como prevalente sobre o fator de deliberação pessoal”

(Ibid, p. 82) e reduziu os indivíduos a meros componentes “duma estrutura social abrangente

e determinística” (Ibid, p. 83). Em um contexto desse tipo, a coletividade é compreendida

como um corpo homogêneo e organizado, a sociedade, que para tal “ignora as diferentes

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subjetividades que constituem uma sociedade verdadeiramente humana” (Ibid, p. 83). As duas

concepções, N e P, abordadas por Ramos (2009) acima e suas consequências práticas terão

influência sobre os processos de elaboração e implantação de políticas públicas, como será

visto mais tarde.

O meio determinado para a concretização dos pensamentos predominantes à época e que

consolidou ao longo do tempo como a forma mais eficiente para a construção do bem comum

foi a burocracia (SALM, 2009). A exemplo dos mecanismos utilizados anteriormente, a

burocracia também tolhe a liberdade daqueles que produzem o bem público.

No final do século XX uma nova crença surgiu como possibilidade de construção do bem

público, alternativa à burocracia pública: a privada. Consequentemente, se antes o cerceio à

participação provinha da burocracia pública, agora ela passaria a vir da privada. Ao se

questionar se existiria alguma “alternativa para a produção do bem público que transcenda o

fatalismo entre a estatização e a privatização” (Ibid., p.88), Salm conclui que, dentre elas,

haveria o “auxílio de estratégias que permitam articular forças da sociedade” (Ibid, p. 89), nas

quais seria possível o exercício do “caráter multidimensional do ser humano” (Ibid, p. 89) e

de se produzir o bem público a partir da perspectiva do bem comum.

Para Keinert (2000), a clivagem demonstrada acima reflete uma mudança na percepção sobre

a ideia de “público” que, ocorreu, no Brasil, ao longo da segunda porção do século XX2.

Segundo a autora, durante o primeiro período contemplado na sua pesquisa (1937 até 1979), o

conceito de público se referia a um “espaço institucional restrito e delimitado - o Estado”

(Ibid, p.67). Após esse período, se ampliou, se tornou mais complexo do que o primeiro e

passou a se referir a um valor a ser compartilhado pela sociedade.

Essa ressignificação da noção do que é “público” passou a relacionar o conceito intimamente

a valores públicos que são, por sua vez, ligados à moral, à ética, à visibilidade e à

transparência, à democracia, à equidade, à participação popular e controle social e à cidadania

ativa.

A partir daí “espaço público” foi se delineando cada vez mais um espaço dialético de conflitos

cujas resultantes precisam ser construídas no cotidiano. Essa condição influenciará na

2 Apesar do trabalho da autora ter sido realizado com foco no Brasil, as reflexões que traz podem ser expandidas para outros contextos.

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emergência de novos direitos, sobretudo aqueles considerados difusos, e moldará uma nova

percepção de democracia, agora atrelada à ampliação da ideia de cidadania.

Em suma, ainda segundo Keinert (2000), o que se viu foi uma transição da percepção

estadocêntrica de público, na qual o “público” é delimitado pelo estado, que pensa suas ações

para a sociedade; para uma matriz sociocêntrica, na qual a ideia de público transcende a de

estado e passa a envolver uma série de atores, formas jurídicas e gerenciais. Essa nova

percepção de público vai demandar e gerar, por sua vez, novas instituições que sejam capazes

de institucionalizar esse valor, ou seja, de considerar a participação pública em processos de

concepção e execução de políticas públicas.

Essa nova forma de relação entre estado e sociedade não é isenta de conflitos e também não

significa a perda de importância ou relevância do primeiro perante o segundo. A questão não

pode ser vista como uma relação quantitativa entre estado e sociedade, mas qualitativa.

Portanto, ela reconhece a sua fundamental importância no sentido de preservar o espaço

público em contexto institucional mais complexo e contraditório.

Isso significa, entre outras coisas, uma transformação na percepção da própria função de

estados e governos. Diante das claras contradições que são postas pelo alargamento do

conceito de público e envolvimento da iniciativa privada na construção e gestão do bem

comum, que ameaçam “minar valores democráticos e constitucionais como justiça,

representação e participação” (Denhardt e Denhardt, 2000, p. 550, tradução nossa), os autores

sugerem que estados e governos incorporem, em seu rol de prioridades, a de “servir e

empoderar cidadãos enquanto gerenciam as organizações públicas e implementam políticas

públicas” (Ibid, p. 549, tradução nossa).

1.3.1. As políticas públicas

Segundo Heidemann (2009) as políticas públicas surgiram na primeira metade do século XX.

Elas estão ligadas às necessidades que emergiram, após a quebra da bolsa de valores de Nova

York em 1929, de uma maior atuação do Estado na regulação da vida social e da economia.

Essa atuação se deu então, de forma crescente, de duas maneiras principais: por meio da

criação de leis para direcionar as iniciativas econômicas e a participação direta do Estado na

economia, através da criação de empresas governamentais. Assim começaram a surgir as

primeiras políticas governamentais, mais tarde denominadas de políticas públicas.

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Dentro deste novo contexto, o papel do Estado deixou de ser limitado à mera gestão da sua

própria estrutura administrativa e passou a se direcionar também para a solução ou mitigação

de problemas da sociedade. Com isso, o funcionamento das repartições públicas mudou e

abarcou também a tarefa de prestação de serviços, o que por sua vez passou a demandar uma

maior eficiência dos governos quanto a sua eficácia social. Assim, a relação entre políticas

públicas e instituições governamentais é muito próxima (DYE, 2008). Para muitos, que

consideram que o Estado é capaz sozinho de administrar o bem comum e oferecer os serviços

demandados de forma satisfatória, ela deve continuar dessa maneira (HEIDEMANN, 2009).

Na prática, por outro lado, não é isso que é percebido em vários lugares, como no Brasil.

Como posto acima, o que se viu na segunda metade do século XX foi o surgimento e

multiplicação de outros atores que passaram a compartilhar esse universo com o Estado e

governos: instituições privadas com ou sem finalidade lucrativa que atuam cada vez mais com

o comprometimento de construção do bem comum, seja em parceria com eles (SALM 2009;

RAMOS, 2009) ou ainda de forma individualizada (KEHRING, 2006; HEIDEMANN, 2009).

Esses atores observam a incapacidade do Estado de cumprir com essas funções de forma

satisfatória e veem no seu envolvimento para a coprodução do bem comum, uma

possibilidade de saída (HEIDEMANN, 2009). Como visto anteriormente, isso não deve ser

compreendido, entretanto, como uma tentativa de substituição do Estado em suas funções,

mas de ação complementar ou incremental, já que mesmo naquelas iniciativas cuja natureza

ou dimensão não envolvam o Estado diretamente, continua-se considerando a sua participação

como mediador das relações sociais, como central (SOUZA, 2006). Portanto, não se espera,

por exemplo, que governos desapareçam, mas que se reconfigurem com o tempo para

incorporar a sociedade civil cada vez mais nos processos de construção do bem público

(KEINERT, 2000; HEIDEMANN, 2009). Além disso, a centralidade do Estado é também

considerada pelo fato de que só ele pode atribuir legitimidade, universalidade e capacidade

coercitiva às políticas públicas.

A legitimidade que o Estado atribui a uma determinação está relacionada à obrigatoriedade

legal que ele pode incorporar a ela por meio de leis e a necessidade de lealdade dos cidadãos.

Assim, as pessoas podem viver também governadas por políticas de outros grupos e

associações da sociedade, que podem por iniciativa própria tomar como obrigatórias, como

aquelas existentes em igrejas e empresas, mas apenas as políticas governamentais podem se

tornar obrigações legais.

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A universalidade, ao fato dela se referir a todos, sem exceção, enquanto que políticas de

outros grupos ou organizações referem-se à apenas uma parte da sociedade e a setores

específicos. Por fim, a capacidade coercitiva está relacionada com a competência que o

Estado possui de punir aqueles que as violam. Nesse caso, sanções de outros grupos são mais

limitadas. Por fim, essa condição legitimadora perante todos, exclusiva do Estado, justifica a

busca de vários grupos de interesse para transformar suas preferências em políticas públicas

(DYE, 2009). Para Rodrigues (2010), é justamente essa condição mandatória e impositiva das

políticas públicas que confere a elas seu caráter público.

A diversidade de compreensões vista acima acerca da relação entre o Estado e as políticas

públicas demonstra a complexidade do campo. Complexidade essa que, conceitualmente

falando, se transforma em uma polissemia. Assim, vários são os conceitos atribuídos às

políticas públicas, como é demonstrado, por exemplo, por Heidemann (2009), Bernardoni,

Souza e Peixe (2008) e Souza (2006). Para Heidemann (2009) e Rodrigues (2010), essa

diversidade é justificada pela adoção de diferentes enfoques ou recortes às políticas públicas

pelos diferentes autores. Rodrigues (2010) a associa também ao contexto político e social ao

qual se aplica.

Por exemplo, Bernardoni, Souza e Peixe (2008) consideram política pública como o

“conjunto de ações que traduzem a orientação estratégica e política do Estado, em atividades

diretas de produção de bens e serviços pelo próprio Estado, como também, em atividades de

regulação de outros agentes econômicos com vistas ao atendimento do bem comum” (p. 384).

Rodrigues (2010) considera uma política pública como “o processo pelo qual os diversos

grupos que compõem a sociedade – cujos interesses, valores e objetivos são divergentes –

tomam decisões coletivas, que condicionam o conjunto dessa sociedade” (p.13).

Já para Dye (2008, p.1, tradução nossa), “políticas públicas é aquilo que os governos decidem

fazer ou não fazer”, e justifica que, não importa quão elaborada seja uma definição, no final

das contas é a isso que ela vai se resumir.

Para Heidemann (2009), uma definição de políticas públicas vai sempre conter dois elementos

fundamentais: uma ação e uma intenção. O autor ressalva ainda que pode até haver uma

política pública sem uma intenção manifesta, mas nunca ocorrerá uma política pública sem

uma ação que materialize o propósito enunciado, mesmo que a ação seja uma omissão de ação

(para o caso de Dye, acima). Assim, para o contexto deste trabalho, a noção de política

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pública partirá da visão ampla oferecida por Heidemann (2009), ou seja, de uma intenção de

construção do bem público que se desdobra em uma ação ou um conjunto de ações.

Todavia, o conceito conforme definido acima não esclarece por completo o que são políticas

públicas. Outra alternativa que pode ser utilizada e que colabora na compreensão do que é

uma política pública é o esclarecimento de alguns conceitos importantes para o seu processo

de análise. Como coloca Arretche (1998), a análise de políticas públicas visa à reconstituição

das ações públicas em um todo “coerente e compreensível” (Ibid, p. 2), ou seja, de organizar

minimamente o “caráter errático da ação pública” (Ibid., p. 2). Exatamente com esse objetivo,

Frey (2000) aborda conceitos analíticos que organizam as políticas públicas em três

dimensões, visando à melhor compreensão sobre elas. Obviamente, a categorização discreta

oferecida por ele deve ser encarada como tendo valor heurístico, já que na realidade elas são

entrelaçadas e interdependentes. As dimensões trazidas por ele são: polity, politics e policy3:

A dimensão polity é a institucional, a politics refere-se aos processos políticos e a policy aos

conteúdos das políticas.

Assim, uma política pública não é um documento, uma lei ou um programa com objetivos,

metas e formas de implantação. Essa é apenas uma de suas dimensões (a policy). Ela refere-se

também aos arranjos institucionais (a dimensão polity) e aos processos políticos, os conflitos,

os grupos de interesse, as alianças etc. que se dão ao longo de todo o processo da política (a

dimensão politics).

Portanto, conforme colocado acima uma política pública enseja um processo. Por

conseguinte, é necessário também que se inclua a variável do tempo na compreensão daquilo

que é uma política pública. Para tal, Frey (2000) oferece o conceito de ciclo da política, que

traz para a análise da política o viés do tempo e das transformações que ocorrem nas três

dimensões acima ao longo do processo. Assim, os processos de políticas públicas podem ser

divididos linearmente em fases temporais, ou “sequência[s] de elementos do processo político

administrativo [qu]e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder, às

redes políticas e sociais e às práticas político administrativas que se encontram tipicamente

em cada fase” (Ibid, 2000, p. 226).

Dependendo do grau de detalhamento do processo adotado, cada autor reconhecerá um

número específico de fases. Heidemann (2009), por exemplo, descreve o processo em quatro

3 Por uma questão de acurácia decidiu-se manter os nomes conforme indicados pelo autor, em Inglês.

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fases distintas: a decisão política de se agir em função de uma determinada questão, a

implantação, a satisfação das demandas e a avaliação. Frey (2000), por sua vez, aborda o

processo em cinco fases: percepção e definição de problemas; agenda-setting; elaboração de

programas e decisão; implementação; e avaliação; e Souza (2006), em seis: a identificação do

problema e definição de agenda, a formulação, a legitimação, a gestão, a implementação e a

avaliação da política. Frey (2000), entretanto, reconhece no geral a existência de três fases

comuns a todos, que são a formulação, a implantação e a avaliação das políticas.

Como visto, portanto, as políticas públicas resultam de mais de uma decisão política, e

requerem estratégias com a finalidade de se implantar os objetivos desejados (RODRIGUES,

2010).

Combinando-se então a questão das dimensões das políticas públicas com os seus ciclos

conclui-se que uma política em andamento possui uma propriedade dinâmica que demanda

que aqueles envolvidos com ela atentem-se constantemente a todos os seus elementos

constitutivos. Assim, a totalidade de um processo de implantação de política pública deve

levar em consideração constantemente os fatores institucionais relativos àquela política, os

políticos e, finalmente, os conteúdos produzidos ao longo do processo.

1.3.2. A educação ambiental como política pública.

O histórico de criação de políticas públicas de educação ambiental (EA) em âmbito federal no

Brasil se iniciou em 1973 com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA),

que tinha como uma de suas atribuições “o esclarecimento e a educação do povo brasileiro

para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente”

(BRASIL, 2005, p. 22).

Foi apenas em 1981, no entanto, que a EA apareceu pela primeira vez em um marco legal

federal, inserida como um princípio (o princípio X do Artigo 2º) da Política Nacional do Meio

Ambiente (BRASIL, 1981), segundo o qual deve haver “X - educação ambiental a todos os

níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para

participação ativa na defesa do meio ambiente” como forma de se possibilitar “a preservação,

melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,

condições ao desenvolvimento sócio econômico, aos interesses da segurança nacional e à

proteção da dignidade da vida humana”.

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Posteriormente, em 1988, a EA teve a sua importância reforçada ao ser destacada na

Constituição Federal como uma forma de se assegurar o direito de todos ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado e também de defesa e preservação ambiental para as gerações

presentes e futuras (BRASIL, 1988).

Na década de 1990, com as influências pré e pós Eco-92, a EA passa a se fazer mais presente

em diferentes instâncias governamentais, como no Ministério da Educação (MEDINA, 1997)

e no nascente Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2005). Em 1994, apoiando esse

fortalecimento, o governo federal cria o Programa Nacional de Educação Ambiental.

Ao mesmo tempo em que ocorreu a incorporação da EA na dimensão governamental e no

arcabouço legal brasileiro, houve um envolvimento maior dela tanto junto à academia quanto

à sociedade civil, com consequente multiplicação de educadores e educadoras ambientais,

aumento do número de trabalhos acadêmicos, ocorrência de encontros e fóruns (REIGOTA,

1998) e multiplicação das redes4.

E foi no contexto da sociedade civil, no Fórum das ONGs realizado no âmbito da Rio-92, que

nasceu o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade

Global, documento construído a muitas mãos no âmbito da Eco-92 e que até os dias atuais é

referência fundamental para as políticas públicas de EA do Brasil (SORRENTINO et al.,

2007).

Este novo arranjo da EA no país, caracterizado pelo surgimento e multiplicação de diferentes

atores, pela ampliação de seu espaço dentro de instituições públicas e a existência de um

Programa Nacional culminou, na década de 90, com a criação e sanção da Política Nacional

de Educação Ambiental - PNEA (BRASIL, 1999), que trouxe uma nova condição para as

práticas de educação ambiental. A PNEA tem como intenção legitimar o acesso de todos à EA

e promover o alcance de todo tecido social brasileiro aos princípios da sustentabilidade.

(BRASIL, 2006a). A regulamentação da Política, por meio do Decreto 4.281 de 2002

(BRASIL, 2002), por sua vez, definiu a composição e as competências de seu órgão gestor e

comitê assessor, garantindo os sustentáculos para a sua execução no país, que iniciou em

junho de 2003 (BRASIL, 2005).

4 Aspectos da história da EA tanto no mundo quanto no Brasil que embasam as afirmações feitas acima podem ser encontrados em textos como Medina (1997), Dias (1998) e Czapski (1998). Já o desenvolvimento das redes de EA no país é analisado e demonstrado na edição número 0 da Revista Brasileira de Educação Ambiental (2004) e em Czapski (2008).

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Em 2005 foi publicada a terceira versão do novo Programa Nacional de Educação Ambiental

(agora sob a sigla ProNEA), documento que apresenta as “diretrizes, os princípios e a missão

que orientam as ações do Programa Nacional de Educação Ambiental, [...], a delimitação de

seus objetivos, suas linhas de ação e sua estrutura organizacional” (BRASIL, 2005, p.15). O

ProNEA consolida a estruturação da educação ambiental brasileira à luz do Tratado de

Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que coloca

uma ênfase muito grande na importância da descentralização e da participação social nos

processos de tomada de decisão, princípios esses que permearão todos os programas

derivados do ProNEA (BRASIL, 2005).

Portanto, a essência do ProNEA se dá sob a premissa de que a pluralidade social encontrada

no país deve ser expressa nos processos de educação ambiental locais, impossibilitando assim

prescrições generalizadoras impostas pelos órgãos federais, estaduais ou municipais às

dimensões menores. Com isso, o ProNEA estimula a articulação de educadoras e educadores

ambientais e instituições, coletivos e redes no sentido de se produzirem políticas públicas

capilarizadas, que atinjam a totalidade da população do país (BRASIL, 2006b).

Um desses subprogramas, ProFEA (Programa Nacional de Formação de Educadoras(es)

Ambientais: por um Brasil Educado e Educando Ambientalmente para a Sustentabilidade)

explicita tal intencionalidade em várias passagens, como por exemplo em sua introdução,

quando afirma que a pretensão do documento é de:

qualificar as políticas públicas federais de educação ambiental para que exijam menos intervenções diretas e ofereçam mais apoio supletivo às reflexões e ações autogeridas regionalmente, no sentido de desenvolver uma dinâmica nacional contínua e sustentável de processos de formação de educadoras(es) ambientais a partir de diferentes contextos (BRASIL, 2006b, p. 5).

Consequentemente, a primeira década dos anos 2000 foi marcada por um aumento de

organização local no sentido de se produzirem políticas públicas de educação ambiental, a

exemplo do que ocorreu no estado de São Paulo com a criação da Lei de Política Estadual de

Educação Ambiental (SÃO PAULO, 2007), cujo projeto foi construído coletivamente por

meio de consultas públicas envolvendo universidades, ONGs e representantes das secretarias

estaduais do meio ambiente e da educação5, e cuja regulamentação esteve em curso, também

com um esforço voltado à participação, no primeiro semestre de 2012.

5 Informações disponibilizadas no sítio da Rede Paulista de Educação Ambiental (www.repea.org.br).

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Essa decisão, explícita no ProNEA, de envolver a sociedade na discussão, delineamento e

implementação de políticas públicas remete à várias questões, da quais duas, uma teórico-

epistemológico e outra prática, serão melhor detalhadas a seguir.

i) Primeiro, do ponto de vista epistemológico, que ela se alinha à teoria P explicitada por

Ramos (2009) no item acima, ou seja, é pautada por pressupostos que se contrapõem àqueles,

tradicionais, que regem o funcionamento das sociedades modernas e que tendem a excluir o

cidadão de suas escolhas de futuro.

Como visto, os fundamentos da teoria P consideram o futuro da sociedade não como um

percurso linear inevitável, gerador de um estado de imobilização, um fluxo histórico

necessário, mas o “resultado permanente de uma tensão entre possibilidades objetivas e

escolhas humanas” (RAMOS, 2009, p.49).

Este conflito epistemológico estabelecido opõe dois extremos de visões de mundo que

convivem atualmente e que se colocam presentes nos processos de delineamento e

implementação de políticas públicas, inclusive de EA: a primeira delas, hegemônica,

caracterizadora da modernidade, parte de uma avaliação reducionista da realidade (Ramos,

2009), baseada no cogito cartesiano (Rezende, 2009), que segundo Morin (2001a), leva à

fragmentação e à linearização do pensamento, à simplificação da realidade, à separação entre

sujeito e objeto, à busca por leis gerais e ordem no universo, pressupondo assim o seu

determinismo e ignorando as diferentes subjetividades que constituem uma sociedade; a

segunda, por sua vez, considera a complexidade da realidade e “afirma o valor intrínseco de

cada forma concreta e objetiva da vida humana, individual e associada” (REZENDE, 2009, p.

80).

Na prática, essa oposição é demarcada, de um lado, por aquilo que Ferraro Júnior (2013)

chama de uma “EA como nova Educação Moral e Cívica”, ou seja, concentrada na

“alfabetização ecológica, na instrução do povo para seguir determinadas normas consideradas

corretas” (Ibid, p. 453) que pede políticas de caráter moralista e normalizador, com conteúdos

prontos para serem executados pelas pontas; e de outro por propostas que colocam ênfase na

importância da dialogicidade e da participação como formas de se abrandar a brutalidade nos

processos de políticas públicas, aumentar sua relevância e sua pertinência para a localidade e

para os atores inseridos neste território.

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Este conflito opõe também, como comentado por Heidemann (2009), as percepções de que o

estado é capaz, sozinho, de continuar sua autoadministração, e os que consideram que o

estado não tem mais condições para oferecer os serviços que deve. No último caso, que o

fortalecimento da sociedade civil, por meio de processos dialógicos de políticas públicas, é

um caminho de resistência contra a completa cooptação do estado pelas forças de mercado e,

portanto, de fortalecimento do próprio estado, posição tomada neste trabalho. Tal decisão,

como comenta Rodrigues (2010), decorre da percepção da carência de sentido cívico por parte

daqueles tradicionalmente relacionados à função de elaboração de políticas públicas e gestão

do estado no país e da necessidade de envolvimento de outros atores com a finalidade de se

reequilibrar esses processos.

Assim, cabe a outros atores, pessoas e organizações de vários tipos, assumir algumas funções

ligadas às questões de natureza comum, estabelecendo então uma relação de

corresponsabilidade com os governos na gestão do bem público (HEIDEMANN, 2009),

delineando uma sociedade multicêntrica e constituída por diferentes enclaves (SALM, 2009).

Finalmente, que o caminho proposto pelo ProNEA demanda, portanto, a construção de

espaços que garantam a participação dialógica da sociedade, evitando-se assim que os

processos de políticas públicas de EA continuem praticamente limitados às burocracias,

pública ou privada.

ii) O contexto trazido pelo ProNEA, que pressupõe o estabelecimento de espaços de diálogo

que alimentem os processos de delineamento e implantação de políticas públicas em EA de

forma participativa, insere educadores e educadoras ambientais em um novo universo de

atuação, com o qual, em geral, não estão familiarizados (SORRENTINO e NASCIMENTO,

2010): mais do que o desenvolvimento e a execução de projetos pontuais, é necessário pensar

a EA como política pública, ou seja, como a organização de um conjunto de intenções,

recursos, instrumentos e ações de forma que ela atinja a totalidade de um determinado

território. Esse é um passo por si desafiador, justamente pela carência de formação de

educadores e educadoras ambientais (e mesmo dos gestores públicos) em aspectos ligados à

administração pública e também em decorrência de uma cultura executora (de planos e

projetos) que predomina no campo, cujos atores tendem a se “emsimesmar” em suas próprias

ações e não perceberem a necessidade de medidas estruturantes de largo alcance espacial e

temporal.

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A necessidade de políticas públicas de EA parte justamente desse ponto, ou seja, de que os

desafios que a insustentabilidade coloca para homens e mulheres no mundo de hoje e de

amanhã não serão resolvidos por um somatório de ações individuais desconexas umas das

outras no espaço-tempo. Da mesma forma, a responsabilidade pela solução dos problemas

ambientais também não pode ser colocada sobre os ombros desses homens e mulheres

sozinhos e de suas iniciativas ambientais, a despeito da boa vontade de muitos, que em geral

acabam por agir, de forma assimétrica, na contramão de várias políticas que o próprio

governo estabelece6.

Assim, é necessária a construção de mecanismos que formem uma “cola” entre essas

iniciativas individuais e que sejam capazes de ir além, transbordando os muros das ações

pontuais (das escolas, das empresas, das ONGs, dos indivíduos etc.) e atingindo também os

espaços públicos, o bem comum. Portanto, pensar em EA como política pública é reconhecer

que as questões pedagógicas e ambientalistas consideradas importantes por educadores e

educadoras ambientais não devem continuar estancadas nos vários bons exemplos pontuais,

que pouco contribuem para a lida das questões como um todo, mas que devem ser levadas a

todo o território. Como se sabe, a Constituição Federal reza que “todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASIL, 1988, grifo nosso). Já a Política Nacional de

EA (BRASIL, 1999, grifo nosso) assegura que todos têm direito à EA. Uma das formas de se

fazer isso é por meio de políticas públicas.

Nesse caso, os objetivos da EA automaticamente transcendem aqueles da “EA como moral e

cívica” de Ferraro Júnior (2013), com a incorporação de questões que remetem ao fomento da

democracia, da participação e ao exercício da cidadania. No entanto, pensar a EA como

política pública demanda todo um rol de conhecimentos epistemológicos, teóricos e

metodológicos que precisam ser ainda aprofundados em muitos casos por educadores.

Outra questão fundamental aqui e que complementa o que foi colocado acima é que, para que

processos de políticas públicas sejam levados a cabo de forma participativa e dialógica, é

necessário que seus participantes, e sobremaneira os responsáveis pela facilitação desses

6 Por exemplo, o período final do primeiro semestre de 2012 viu os juros do país serem reduzidos a um patamar inédito na história, o que levou a uma consequente redução da remuneração da poupança. Ao mesmo tempo, o governo reduziu o IPI de automóveis. Ou seja, qual é legitimidade social de um processo educativo sobre “consumo responsável”, por exemplo, que se dá em meio a medidas históricas que desfavorecem a poupança e incentivam o consumo, para muitos de supérfluos (como o de carros)? Em termos de resultados ambientais, qual é a relevância desse processo educativo em meio às políticas opostas?

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processos (seu estímulo, gestão etc..), sejam também familiarizados com teorias e práticas de

diálogo.

O ProNEA e suas políticas subsequentes têm a intenção justamente de promover um processo

no qual todas essas questões estejam combinadas, ou seja, a necessidade de ir além das ações

privadas limitadas tempo-espacialmente; envolvimento de educadores e educadoras

ambientais nos processos voltados ao bem comum; a promoção da participação cidadã em

políticas públicas em geral (começando-se com as próprias políticas públicas de EA); a

radicalização da dimensão democrática da vida; e a difusão da prática do diálogo como forma

de mediação de relações sociais.

O diálogo, que remete a uma compreensão conceitual e uma prática a primeira vista óbvias,

em uma análise mais atenciosa descortinará um universo muito mais amplo, com pressupostos

filosóficos, teóricos e desdobramentos práticos específicos. Assim, uma proposta de se

delinear e implantar políticas públicas de EA por meio da dialogicidade deve se aprofundar

nessas especificidades, se o que se deseja é que ele realmente seja propiciado e emerja nesses

contextos. A próxima emergência, a seguir, será destinada à decupagem desse conceito.

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2. A SEGUNDA EMERGÊNCIA: O DIÁLOGO

Antes mundo era pequeno, porque Terra era grande hoje mundo é muito grande, porque Terra é pequena,

do tamanho da antena parabolicamará Antes longe era distante, perto só quando dava,

quando muito ali defronte, e o horizonte acabava, hoje lá trás dos montes dende casa, camará.

(Parabolicamará, Gilberto Gil).

2.1. O pano de fundo.

A necessidade fundamental do diálogo nos dias atuais está subentendida no trecho da música

Parabolicamará, descrito acima. Nas primeiras linhas, percebe-se claramente a referência a

um passado idílico, comunitário, quando o que predominava nas pessoas de todos os cantos

era a sensação de pequenez diante da vastidão e da inatingibilidade do mundo. O perto era o

“ali defronte”, às vistas, bem conhecido, experimentado e provavelmente distinto de outros

lugares, por sua vez não visitados, curiosos e, às vezes, assustadores. A clara separação entre

o aqui e o lá produzia uma percepção de pertencimento definida, uma sensação de segurança,

familiaridade e conforto. Outras noções de identidade concorrentes com essa, mais amplas,

por mais óbvias que fossem, como a própria identidade nacional, não carregavam sentido para

muitos, há pouco mais de sessenta anos. Até muito pouco tempo a atuação social de homens e

mulheres se dava na proximidade (BAUMAN, 2005).

A última linha do trecho aponta, no entanto, para uma mudança radical nessa paisagem.

Principalmente a partir da segunda metade do século XX, com a emergência e difusão

crescentes das tecnologias de comunicação e da informática, novas formas de conexão

tornaram as pessoas e as coisas, inicialmente, mais próximas, depois, quase fundidas. “Lá trás

dos montes, dende casa”. Foi praticamente o início do fim do “de lá”. Hoje, espaço e tempo

são noções em redescoberta.

O processo cantado por Gilberto Gil, de ampliação em âmbito mundial de uma rede de

contatos, de aumento da interdependência de diferentes regiões umas com as outras, de

expansão dos mundos e possibilidades pessoais e diminuição, portanto, dos tempos e das

distâncias, é a globalização (BAUMAN, 2003), que acentuada no período em questão,

provocou uma ruptura com as formas de organização social em vigor até então desde o final

do século XIX (SANTOS, 2003).

Segundo Santos (2003), o período histórico compreendido entre os anos 60 do século XX até

o final desse século foi marcado, entre outras coisas, pela desregulamentação da vida

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econômica, social e política. Caracteriza esse momento histórico a perda da capacidade de

regulação da economia pelos Estados, decorrente do avanço das empresas multinacionais, a

precarização das relações de trabalho, a digitalização e mercantilização da informação,

abrindo um horizonte infinito para a reprodução do capital, a retração das políticas sociais, o

enfraquecimento dos laços de classe, do sentimento de lealdade nas organizações operárias

etc.. Enfim, foi um tempo no qual as categorias e instituições que definiam muito bem a fase

anterior começaram a perder sentido.

Um aspecto com grande influência nessas transformações foi que a própria noção de tempo

começou a passar por uma mudança de significado. Ao lado do tempo cronológico,

“caracterizado pela sequência cronológica de eventos e pela disciplina do comportamento

humano em função de um cronograma predeterminado” (CASTELLS, 1999, p. 157) e do

tempo glacial, que descreve a relação entre o homem e a natureza como um processo de longo

prazo, emerge no período o tempo intemporal, “uma perturbação sistêmica na ordem

sequencial dos fenômenos, voltados à instantaneidade” (Ibid, p. 157.). O tempo intemporal é o

tempo de transações comerciais e financeiras instantâneas, que elimina a “continuidade das

sequências e dá origem a um timing não diferenciado, destruindo assim o conceito de tempo”

(Ibid, 157.). Como coloca Bauman (2008), esse novo tempo não é cíclico e nem linear,

significados atribuídos a ele por outras sociedades, mas “pontilhista” (o autor aqui toma

emprestado a terminologia de Michel Maffesoli, 2000), marcado por rupturas e

descontinuidades, que são pulverizadas em multiplicidades de “instantes eternos”

(BAUMAN, 2008, p. 46), com um “potencial infinito para se expandir e uma infinidade de

possibilidades esperando para explodir” (Ibid, p. 46.). Se por um lado elimina a noção de

projetos de longo prazo, por outro abre as possibilidades da emergência do acaso e do não

pré-determinado.

Do ponto de vista do indivíduo, para Lipovetsky (2004) esse período testemunhou também a

conquista da liberdade em relação aos caminhos já traçados pela tradição e pelas instituições e

a busca por suas escolhas, um tipo de emancipação em relação a seus papéis sociais, “uma

nova forma de sedução ligada à individualização das condições de vida, ao culto do eu e das

felicidades privadas” (Ibid, p. 64). Aos poucos, o mundo se tornou mais plural, diverso e

complexo, e novas demandas surgiram e precisam ser levadas em conta. Para o autor,

entretanto, a vida próxima ao século XXI já não mais permitia essa sensação de

“descontração” (Ibid, p. 64), de carpe diem, diante da insegurança que veio a reboque da

autonomia, e da solidão e abandono nas quais a emancipação se transformou. As

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responsabilidades de construção de um ambiente seguro para se viver, antes compartilhadas

com diversas instituições (o Estado, Religiões, empresas etc.), foram agora relegadas

exclusivamente aos indivíduos, resultando em incerteza, medo, ansiedade e isolamento. À

medida que tentam construir segurança para si, se concentram na autopreservação, encontram

como caminho a separação em relação aos outros (a proteção do eu em relação ao outro),

alimentando o ciclo vicioso de individualização, desconfiança e autoproteção (BAUMAN,

2003). Com isso, a sensação resultante é de que a capacidade de conversa entre pessoas de

países, classes sociais e econômicas, grupos políticos e gerações diferentes está diminuindo

(BOHM, 2005). Elas trancam-se em suas comunidades, suas casas, seus carros, seus quartos,

suas mentes e se tornam cada vez mais e mais isoladas (YANKELOVICH, 2001).

O que se tem como resultado desse processo é uma contradição: a possibilidade de expansão

ilimitada dos horizontes pessoais, trazida pelas novas tecnologias, resultou na tendência ao

isolamento e à contração dos indivíduos para dentro de si, uma espécie de força gravitacional

individual que se opôs à dilatação do universo para manter a integridade da unidade e não

explodir. Como resultado possível para esse jogo vislumbra-se, em geral, ou o

entrincheiramento de resistência ou a abertura anuladora de si, a explosão.

De acordo com Isaacs (1999a), esse panorama se dá porque o aumento das conexões

tecnológicas não promoveu o aumento dos contatos, de uma comunicação genuína e de

afetividade. Como consequência, há mais troca de informações, tanto em âmbito pessoal

quanto profissional, mas não compartilhamento de “compreensões, insight, sabedoria, ou

nossos corações” (Ibid., p. 389, tradução nossa). Ainda que esse contato genuíno brote aqui e

ali, os obstáculos colocados pelas circunstâncias estão tornando-o cada vez mais raro

(YANKELOVICH, 2001). Conversas familiares ou entre amigos são em geral superficiais, e

quando dificuldades aparecem, ou são evitadas ou não são sanadas, persistindo ao longo do

tempo (ISAACS, 1999a).

Diante desse cenário, pelo menos duas questões podem ser suscitadas: primeiramente, se

existem alternativas para essa situação, ou seja, se há espaço para que se diminua o

distanciamento entre as polaridades postas, de um lado a segurança e do outro a autonomia.

Em segundo lugar, como o diálogo se insere dentro desse contexto. Essa última questão será

abordada na análise que se dará abaixo.

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Como visto acima, o pluralismo no mundo conectado é uma característica recente e também

crescente na atualidade e trouxe transformações para a vida no âmbito individual, social,

político e econômico. A possibilidade de emancipação dos indivíduos em relação a seus

papéis sociais produziu o surgimento de novas identidades, expectativas e demandas, novos

papéis, que por sua vez trouxeram consigo novas tensões, que passaram a ter de ser

reconhecidas e lidadas nos relacionamentos pessoais, nas famílias, no ambiente de trabalho,

na política e etc.. Ao mesmo tempo, mudanças culturais e no arcabouço legal que favorecem

processos democráticos passaram a criar condições e oferecer maior respaldo àqueles que

desejam participar mais ativamente nas decisões sociais que os afetam (YANKELOVICH,

2001).

Da mesma forma, o surgimento de temas globais, transnacionais (meio ambiente, saúde,

imigração, crime organizado etc.) praticamente condiciona os processos de tomada de decisão

ao envolvimento de vários atores, provenientes de heranças culturais diversas e, portanto,

carregando pontos de vistas diferentes.

Do ponto de vista das políticas públicas, a busca pelo envolvimento dialógico e participativo

se justifica por pelo menos duas razões:

i) A primeira é por um imperativo ético, a urgência de se romper com a brutalidade da lógica

que exclui a maioria das pessoas do acesso a conhecimentos técnicos e científicos e que,

consequentemente, atribui a intermediários a determinação dos rumos de suas vidas. Isso

remete ao projeto de “futuro único” abordado por Ramos (2009) e Rezende (2009), entre

outros, já mencionados acima, que desconsidera a pluralidade social existente e rejeita todas

as opções culturais alternativas, conforme dela nos fala a sociologia das ausências de Santos

(2002).

Nesse sentido, o que se denomina de “modernização” (ao que esse caminho único, no final

das contas, se reduz) se transforma na continuação do processo de colonização, só que por

outros modos, por ora mais sutis. Mesmo assim continua demandando sacrifícios das pessoas

e justificando a destruição de culturas, povos e ambientes em nome da imposição de um

conjunto de valores, o do “desenvolvimento” (FURTADO, 1996). Como coloca Bauman

(2010), com referência a Rosa Luxemburgo, o capitalismo necessita constantemente de novas

pastagens para se alimentar, para então levá-las à exaustão. Por isso a necessidade obstinada

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de se “incluir” pessoas e espaços nesse “desenvolvimento”, são eles as “terras virgens” (p. 27)

a serem explorados, os novos “recursos”, como hospedeiros para serem parasitados.

Assim, o processo de colonização continua em andamento, de forma perspicaz e ardilosa mas

não menos violenta, não mais pelas palavras dos jesuítas, mas dos “desenvolvimentistas” ou

“progressistas”. Para piorar, esse processo se apropriou das estruturas e instituições que

deveriam intermediar relações sociais democráticas e as transformou em agentes de seus

planos, covardemente legitimando, pela força, seus interesses.

Exemplos desse tipo de conduta abundam no Brasil recente, sendo o de maior destaque a

discussão acerca das mudanças do Código Florestal: desde a formação do que deveria ser uma

comissão mista se viu um enviesamento da questão pesando para o lado ruralista. A exclusão

quase completa da comunidade científica nos vários pareceres e propostas emitidos desde

então, o que levou a uma resposta desses (SILVA, 2011), ilustra bem o que foi colocado

acima: uma decisão predefinida que deve ser implementada a qualquer custo a despeito das

várias vozes dissonantes que, como reclamaram a Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, jamais foram ouvidas, apesar de se colocarem

para o diálogo. Como eles reivindicam em seu documento, a “formulação de uma política

pública sobre um bem de interesse coletivo, como o patrimônio florístico brasileiro, deve

resultar de um acordo consensual entre todos os níveis de governo e todas as partes

interessadas, incluindo a comunidade cientifica” (Ibid, p. 20).

Diante desse cenário, é extrema a necessidade de se resgatar ou fortalecer a autoestima e a

capacidade de diálogo entre pessoas e grupos sociais, de forma que sejam capazes de se

incluir e interferir nos processos decisórios cujos resultados influenciarão seus próprios

futuros (SORRENTINO E NASCIMENTO, 2010). Políticas públicas participativas podem

levar à emancipação e ao fortalecimento da dimensão política da vida.

ii) A segunda se remete a um aspecto mais técnico que se mistura com a questão ética acima:

há um crescente reconhecimento das limitações das políticas públicas produzidas de forma

excludente e não dialógica, tanto em âmbito internacional, como demonstra amplamente a

obra de Olsson e Wohlgemuth (2003), que organizam um livro inteiro de análises sobre os

processos e resultados das políticas públicas suecas de ajuda internacional; quanto nacional,

como aborda Castellano (2013), na análise de uma política pública que supostamente deveria

ter sido realizada a partir do diálogo entre diferentes instituições públicas estatais e ainda o

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público receptor. Em ambos os casos, a ausência de diálogo não só ilustrou o caráter

impositivo dos casos de políticas públicas que abordaram, como também impediu que os

próprios objetivos predefinidos para os projetos fossem alcançados plenamente.

Como todas as situações acima demonstram, em todas as dimensões da vida, privada,

profissional e pública, nacional ou internacionalmente, há uma demanda para que as pessoas

sejam capazes de estabelecer relacionamentos mais próximos com as outras, de

desenvolverem suas capacidades para pensar colaborativamente e agir de forma organizada

(ISAACS, 1993). Como coloca o autor em outro espaço (Id, 1999a, p. 329, tradução nossa),

“se não podemos conversar juntos, não podemos trabalhar juntos”. Isso, no entanto, ocorre

simultaneamente à tendência de afastamento entre elas.

Da mesma forma, percebe-se uma capacidade muito limitada de se manter conversas com

profundidade em contextos delicados. Em geral, o que ocorre com os participantes enquanto

conversam é a ativação inconsciente de vários dispositivos de proteção para defender suas

opiniões e atacar, banalizar ou desacreditar as dos outros, ou ainda forçar consensos. E nesses

âmbitos quando a tensão aumenta, a conversa tende se tornar uma batalha (ISAACS, 1999a).

A situação descrita no parágrafo acima remete a dois aspectos importantes e que precisam ser

considerados. Primeiro, independentemente do resultado da conversa em si para os

participantes, seu alcance dentro da situação foi limitado, pois não carregou consigo nenhuma

forma de aprendizado, apenas demarcou os pontos de vista e reforçou as diferenças. Segundo,

que a consequência provável de uma experiência do tipo é a diminuição, para os participantes,

da crença na conversa como forma de construção, ou seja, da retroalimentação da

desmotivação para participar de novas situações e propostas de conversas, o que reforça o seu

isolamento.

É possível, no entanto, ir além desse tipo de situação, promover encontros que levem ao real

enfrentamento das questões em seu cerne, sem que as dificuldades sejam evitadas e com outro

tipo de desfecho que não a sensação de ter participado de uma briga? É possível criticar e não

desertar? Ao mesmo tempo, é possível aceitar sem se anular?

2.2. A teoria do diálogo

Se és sincero e buscas a verdade

e tentas encontrá-la como podes, ganharei

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tendo a honestidade e a modéstia

de completar com o teu meu pensamento,

de corrigir enganos, de aprofundar a visão

(Dom Hélder Câmara, O deserto é Fértil)

A indicação é que sim. Apesar de o diálogo ter feito parte da cultura de nossos ancestrais e ter

sido promovido por religiões, pela diplomacia, na resolução de conflitos e desenvolvimento

do conhecimento ao longo do último milênio (OLSSON E WOHLGEMUTH, 2003) - ser

portanto uma ideia antiga - ele não é praticado com frequência e aparece como uma

habilidade nova no mundo atual (ISAACS, 1999a).

Segundo Yankelovich (2001), por muito tempo o diálogo foi considerado como uma forma de

conversa como outra qualquer. De fato, não é um conceito que em geral remete a profundas

investigações acerca de seu significado, o que leva a uma diversidade de entendimentos. Por

exemplo, Lysén (2003, p. 97, tradução nossa) vê o diálogo como uma “troca interpessoal com

o objetivo de aumentar a compreensão, o aprendizado e a troca de ideias, por meio da

comunicação”. Para Ringström (2003, p. 152, tradução nossa), é uma “troca de visões. Não é

informar sobre visões, mas trocar visões, o que necessita de mutualidade e

compartilhamento”.

Como coloca Yankelovich (2001), o diálogo como conceito foi abordado por alguns

pensadores no século XX, mas foi a partir do início da década de 80 (século XX) que “o

tópico ganhou um momentum surpreendente” (Ibid, p. 36, tradução nossa), com a implantação

de iniciativas de trabalho em comunidades e a criação de projetos específicos de pesquisa

sobre o tema em diversos países. Um desses projetos foi desenvolvido no Centro para

Aprendizagem Organizacional7 do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o Projeto

Diálogo (ISAACS, s.d.), com o objetivo de colaborar com o desenvolvimento de uma teoria

operacional para o diálogo, nos anos de 1993 e 1994. Essas experiências começaram a

demonstrar a importância do diálogo em diferentes contextos (YANKELOVICH, 2001).

Segundo Isaacs (1993) e Scott (2009), a orientação ontológica do conceito de diálogo remete,

inicialmente, ao filósofo Martin Buber. Em seu livro Eu e Tu (Buber, 1979), o autor defende

que a única possibilidade de encontro entre as totalidades dos homens é a relação, o diálogo.

Isso, explicitamente, contraria o cogito cartesiano como definição da existência humana,

7 Center for Organizational Learning.

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atribuindo-a a relação. Para ele, a relação é que constitui a realidade do eu, que não existe sem

um mundo (ZUBEN, 1979).

O filósofo, então, define duas formas possíveis de existência da relação, que segundo ele

podem se dar entre três esferas, a vida com a natureza, a vida com os homens e a vida com os

seres espirituais. Essas duas formas, que dependem da atitude do homem face ao mundo, são

descritas pelo o que ele chama de palavras-princípio, Eu-Tu e Eu-Isso (BUBER, 1979).

A palavra-princípio Eu-Tu, como o próprio autor coloca, “só pode ser proferida pelo ser na

sua totalidade” (BUBER, 1979, p. 13). É a forma de relação que ocorre quando há

reciprocidade no encontro, que se dá, por sua vez, entre as essências dos seres, quando nada

se interpõe, nenhuma finalidade, “nenhum jogo de conceitos, nenhum esquema, nenhuma

fantasia” (Ibid, p. 13), quando há “suspensão de todas as ações parciais, bem como dos

sentimentos de ação, baseados em sua limitação – deve assemelhar-se a uma passividade”

(Ibid, p. 12-13). Essa palavra-princípio é proferida quando no outro é reconhecida a sua

exclusividade, sua distinção e sua humanidade ilimitada (BUBER, 1991). É o que Brandão

(2007, p. 4) chama de “aura”, ou seja, a “absoluta singularidade”, quando se reconhece o ser

em si-mesmo, “até quando é uma flor entre outras de uma árvore entre milhares, de uma

floresta [...]”.

Ao mesmo tempo, ao reconhecer a humanidade em Tu, o Eu tem a sua própria reconhecida,

“o Eu se realiza na relação com o Tu: é tornando Eu que digo Tu” (BUBER, 1979, p. 13).

Para Zuben (1979), a palavra Eu-Tu, em Buber, “é o esteio para a vida dialógica” (Ibid, p. li).

A palavra-princípio Eu-Isso, por outro lado, descreve a relação de finalidade, quando o outro

(e por consequência o eu) é objetificado, reduzido exclusivamente as suas qualidades, seus

papéis sociais e valores utilitaristas. Da mesma forma, a relação Eu-Isso é generalista, não

localiza o essencial de cada um, o despersonifica e “desessencializa”. O Tu é muito mais do

que o conjunto de qualidades que possam o descrever e qualquer concepção pelo Eu será

reducionista, coisificadora:

Assim como uma melodia não se compõe de sons, nem os versos de vocábulos ou a estátua de linhas – a sua unidade só poderia ser reduzida a uma multiplicidade por um retalhamento ou um dilaceramento – assim também o homem a quem eu digo Tu. Posso extrair a cor de seus cabelos, o matiz de suas palavras ou de sua bondade; devo fazer isso sem cessar, porém ele já não é mais meu Tu (BUBER, 1979, p. 10).

O exemplo que o autor traz para a relação Eu-Isso é o das possibilidades que podem ser

estabelecidas na relação com uma árvore: ela pode ser apreendida como uma imagem, como o

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movimento de suas funções fisiológicas, como um tipo de classificação, como um número em

uma coleção etc.. Todas elas decorrem de uma atitude distanciadora que se mantém da árvore.

Como coloca Zuben (1979), a palavra Eu-Isso “instaura [...] o lugar e o suporte da

experiência, do conhecimento, da utilização” (Ibid, p. li). Mesmo em situações desse tipo, a

relação Eu-Tu pode emergir: “Entretanto, pode acontecer que simultaneamente, por vontade

própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela

já não é mais um Isso. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim” (BUBER, 1979, p.

8).

A relação Eu-Tu é marcada pelo encontro no presente, “não no sentido de instante pontual

que não designa senão o término, [...] mas o instante atual e plenamente presente” (BUBER,

1979, p. 14). É a “disponibilidade” necessária ao diálogo abordada por Freire (1998, p. 152).

A relação Eu-Isso, por sua vez, se dá com objetos, com conteúdos que só tem passado, que

estão cristalizados na utilidade que representam para nós em nossa memória. Como ressalta o

autor, “[p]resença não é algo fugaz e passageiro, mas o que aguarda e permanece diante de

nós. Objeto não é duração, mas estagnação, parada, interrupção, enrijecimento, desvinculação,

ausência de relação, ausência de presença”. (BUBER, 1979, p. 14).

Quando o Eu experiencia o outro como objeto, ele não se aproxima ou participa dele, o

explora, manipula, coloca-se diante dele como que com uma lupa objetivante, o coloniza

(SANTOS, 2001). A experiência se dá no objeto e não na sua relação com o mundo, em um

fluxo de ação recíproca. “A experiência é distanciamento do Tu” (BUBER, 1979, p. 10). Ao

mesmo tempo, o Eu que experiencia ao outro como um Isso também toma consciência de si

como um Isso, não como um ser mas como um “modo de ser” (Ibid., p. 74), que o cristaliza

em um passado e o incapacita de ser atualizado. Por isso, a atuação do homem já acostumado

com o mundo do Isso pouco faz senão garantir a reprodução desse mundo.

Como visto acima, as palavras-princípio descrevem duas formas com as quais o homem pode

realizar sua existência. Entretanto, conforme coloca o autor, essas duas possibilidades não são

fruto de escolhas e nem estados perpétuos. Ao contrário, se alternam em uma dualidade de

forma entrelaçada e confusa (Ibid.).

[...] a grande melancolia de nosso destino é que cada Tu em nosso mundo deve tornar-se um Isso. Por mais exclusiva que tenha sido a sua presença na relação imediata, tão logo esta tenha deixado de atuar ou tenha sido impregnada por meios, o Tu se torna um objeto entre objetos [...], submisso à medida e à limitação. [...] A contemplação autêntica é breve (BUBER, 1979., p. 19).

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O autor então chama a atenção para o fato do mundo do Isso, mensurável e qualificável,

inspirar certa confiança, justamente por ser coerente no espaço e no tempo, apresentar

densidade, duração e poder ser retomado, como um objeto qualquer, um mundo que “oferece

toda espécie de atrações e estímulos de atividades e conhecimentos” (Ibid., p. 38). Já no

mundo do Tu coerência, medida e comparação desaparecem, o mundo perde a ordem, não

mais inspira confiança, se torna confuso, pois “não se pode viver unicamente no presente”

(Ibid., p. 39). O Tu deverá tornar-se necessariamente um Isso, após o final da relação, e o

Isso, por sua vez, pode entrar na relação e se tornar um Tu.

Para Zuben (1979), a relação Eu-Isso não é, em si, um mal. Ela pode se tornar um mal se o

homem se tornar subjugado por ela e construir sua existência fundamentalmente a partir dos

valores presentes nesse tipo de experiência, se fechando em relação ao outro e perdendo seu

poder de decisão e sua responsabilidade. Como coloca Buber (1979, p. 39), “o homem não

pode viver sem o Isso, mas aquele que vivem somente com o Isso não é homem”.

Outra importante referência sobre o diálogo, já a partir da segunda metade do século XX é o

físico David Bohm, cuja contribuição provém, em grande parte, de sua origem como físico e

de sua atuação com a física quântica. Na primeira emergência deste trabalho, foi demonstrado

como esse ramo da física, nascente nas primeiras décadas do século passado, trouxe novos

elementos a serem considerados na configuração da noção de ordem predominante no

universo, até então baseada na fragmentação do pensamento, e, portanto, no reducionismo e

na simplificação da realidade. A física quântica, por outro lado, construiu a percepção da

totalidade indivisiva da realidade, de fluxo subjacente, que o autor chamou de ordem

implicada, que seria a ligação entre todas as manifestações percebidas como únicas e

independentes, a ordem explicada.

De acordo com Bohm (1999), da mesma forma que não é possível que se concebam as

entidades e fenômenos existentes na realidade como separados uns dos outros, apenas em

contato mecânico, externo, como ladrilhos em uma parede (MORIN, 2007), não se pode

considerar o diálogo como um processo que se dá externamente às pessoas, superficialmente,

sem transformações internas significativas. Pelo contrário, a ocorrência do diálogo depende da

existência da compreensão do fluxo subjacente que une as essências das pessoas, a relação

recíproca de Buber, em uma totalidade.

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Para Bohm (2005), a palavra diálogo carrega um significado diverso daquele geralmente

atribuído a ela, na qual é concebida como sendo uma conversa entre dois. Sua concepção

decorre da análise etimológica da palavra, que aponta para a origem grega dialogos: logos

significa “palavra”, ou, por meio da aproximação que ele próprio faz, “significado da

palavra”. Já dia, que é o indutor inconsciente ao erro pelo senso comum atribuído ao

significado da palavra, “através” (Ibid., p. 33, tradução nossa). Dessa análise resulta que

diálogo significa, para o autor, “uma corrente de significados que flui entre nós e por nosso

intermédio; que nos atravessa, enfim” (Ibid, p. 33, tradução nossa). O diálogo é, para Bohm, a

possibilidade de fluxo de significados entre aqueles envolvidos na conversa.

Isaacs (1999a) vai um pouco além. Ele reconhece o significado atribuído à palavra por Bohm

a partir da análise etimológica feita, mas sugere também que em seu significado mais antigo, a

palavra logos significava reunir, o que pode remeter, em Inglês, ao significado de

relacionamento. Ambas as definições, de Bohm (2005, p. 33, tradução nossa) como “fluxo de

significados” e de Isaacs (1999a, pg. 19, tradução nossa), “fluxo na relação”, carregam em si

um pouco daquilo que a palavra diálogo enseja, a necessidade de se suplantar as formas de

conversa tradicionais e de se colocar a importância naquilo que está entre (a relação, o fluxo)

e não nas extremidades. Nesse ponto, concordam com o proposto por Buber, visto

anteriormente.

Como Bohm (1999) metaforiza, o diálogo deve ser imaginado como um rio que corre entre

dois barrancos e que é comum, ao mesmo tempo, aos dois barrancos, que apenas dão formas a

ele. A visualização do diálogo deve se dar como uma conversa com centros, na qual o foco do

olhar é justamente o centro (o que está entre, o que é comum) e não com lados (o que é

individual e parcial) (ISAACS, 1999a).

Desta forma, o diálogo se diferencia claramente de outras formas de conversa com as quais

tem, em geral, um significado atribuído intercambiável: debate, consenso, discussão ou

negociação. Uma análise comparativa mais aprofundada, quando pertinente remetendo às

raízes etimológicas das palavras, demonstrará as diferenças fundamentais que se colocam

entre o diálogo e essas demais formas de conversa.

Para começar, Isaacs (1993) traz os resultados de uma investigação sobre o conceito de

debate, que demonstram que a raiz da palavra, “bater”, já carrega o sentido do tipo de

conversa que o conceito descreve: uma forma de conversa em que os participantes se

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debatem, ou seja, participam de uma batalha na qual o único resultado satisfatório é a vitória.

Para tanto, fazem uso, conscientemente ou não, de uma série de assunções e estratégias

visando o alcance de seus objetivos.

No mesmo trabalho, o pesquisador aborda também o conceito de consenso, cuja raiz significa

“se sentir junto” (Ibid, p. 26, tradução nossa). Neste caso, o que se busca são formas racionais

para se limitar o número de opções existentes e colocar o foco naquelas que se demonstram

aceitas para a maior parte do grupo presente.

Já discussão é um conceito cuja raiz significa divisão. Para Bohm (2005), é o tipo de conversa

em que os diferentes pontos de vista presentes, relativos a um determinado tema, são

analisados. A visão que o autor cria para esse conceito é a de um jogo de pingue-pongue, no

qual as ideias são rebatidas em um jogo, como no debate, com a intenção da vitória. Uma

discussão é o tipo de conversa comum que pode evoluir e se transformar em um debate, ou

seja, na batalha em si. Alternativamente, pode ganhar outro rumo e se transformar em um

diálogo. Finalmente, a negociação é o processo em que é feito um ajuste nas partes de cada

um de forma que o resultado final satisfaça a todos.

Apesar de importantes, as modalidades de conversa abordadas acima, como já indicado,

apresentam todas, uma diferença fundamental em relação ao diálogo. Todas são conversas

polarizadas, com “lados”, ou seja, nas quais os participantes possuem interesses próprios em

jogo e o processo se dá com a intenção de fazer com que o seu interesse prevaleça, a despeito

dos demais, por meio do convencimento, da sedução ou da inibição. Em alguns casos, pode

até haver concessões periféricas estratégicas, feitas com a intenção de se proteger o núcleo

central da ideia, que é inegociável. Ao final, não há aprendizado ou criação nova, e em geral

os participantes saem da conversa da mesma forma que chegaram, no máximo com um apego

ainda maior aos seus pontos de vista. Para Bohm (1990), isso ocorre porque nenhum desses

tipos de conversa permite que os participantes do processo vislumbrem e questionem o que

ele chama de pressuposições de raiz, que são os

pressupostos a respeito do sentido da vida; a respeito dos seus interesses próprios; a respeito do interesse do seu país; a respeito do interesse de sua religião; em suma, a respeito do que você considera que é realmente importante (p. 3).

Para o autor (1999; 2005), com o diálogo é diferente. O diálogo é uma forma de conversa que

busca a construção de uma condição para que os envolvidos sejam capazes de perceber e

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desafiar suas pressuposições de raiz (Bohm 1999; 2005), ou seja, a natureza de seus

paradigmas individuais e coletivos (ISAACS, 1993).

Morin (1990) ressalta que um paradigma é um conjunto de “princípios ocultos que governam

a nossa visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência” (Ibid, p. 15).

Assim, as pressuposições de raiz são e atuam, portanto, inconscientemente. Porém, estão tão

arraigadas aos sujeitos que se confundem com suas próprias identidades. São dessa forma

defendidas energicamente quando desafiadas, engatilhando o que Mariotti (s.d.) chama de

“automatismo concordo-discordo”, ou o processo de se “comparar o que está sendo dito com

nossas ideias e referenciais prévios” (Ibid, p.3). Essa resposta se dá instantaneamente à fala e

impossibilita que se ouça o que está sendo dito na totalidade. Nesse momento já há uma

sensação de entrincheiramento e preparação para uma batalha (ISAACS, 1999a; BOHM,

2005).

Assim, quando as pressuposições de raiz não são localizadas, explicitadas e analisadas em

uma conversa, não há uma compreensão melhor sobre elas. As origens dos problemas, das

discordâncias e, por muitas vezes, do clima de tensão, portanto, permanecem (BOHM, 2005;

ISAACS, 1999a). Consequentemente, as raízes de entraves ficam plantadas e a estratégia para

evitar a eclosão de novas situações embaraçosas ou desgastantes é a manutenção das

conversas futuras em níveis cada vez mais superficiais.

A melhor compreensão das pressuposições de raiz, individuais e coletivas, bem como dos

processos que estão por trás delas é justamente o cerne da ideia do diálogo (BOHM, 2005). É,

portanto, uma forma de investigação compartilhada (ISAACS, 1999a), com o objetivo de

construir uma comunicação coerente e verdadeira (BOHM, 2005). Não há vencedores ou

perdedores, sedução, convencimento ou colonização. Ao contrário, quando um vence, todos

vencem (Ibid.). Como coloca Freire (1987, p. 45), “a conquista implícita no diálogo é a do

mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro”.

O diálogo ocorrerá, então, quando os participantes forem capazes de localizar as

pressuposições de raiz, individuais e coletivas, e colocá-las em suspenso (BOHM, 1999;

2005). Para o autor, isso quer dizer simplesmente analisar as ideias e ver o que elas

significam, sem colocá-las em prática, suprimi-las ou julgá-las (BOHM, 2005), e sem acionar

o mecanismo concordo-discordo de Mariotti (s.d.). Na prática, a suspensão de pressupostos de

Bohm é similar à tematização de Habermas (1995 a e b), e ambos os processos podem

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promover importantes mudanças nos sentidos que as pessoas atribuem ao mundo (BOHM,

1999), repercutindo, consequentemente, em suas ações. Assim, como coloca Isaacs (1999a), a

prática do diálogo não visa apenas à conversa, mas também a ação, e especificamente a ação

coletiva. O diálogo é, portanto, uma práxis, em que o encontro genuíno dos homens promove

a transformação do mundo, “um caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto

homens” (FREIRE, 1987, p. 45).

O ato de suspensão de pressupostos sugerido por Bohm (1999; 2005) para o alcance da

condição dialógica encontra paralelos muito próximos com o ato de tematização sugerido por

Habermas (1995a e b) em sua teoria da ação comunicativa. Nessas obras, o autor tece uma

crítica ao processo de iluminismo e suas “patologias” (MCARTY, 1995, p. viii, tradução

nossa) e propõe, por meio da racionalidade comunicativa, o seu redirecionamento.

Para o autor, tal racionalidade emerge da busca de “consensos racionalmente construídos

através de interações sociais mediadas e constituídas pela linguagem” (TAVOLARO, 2005, p.

19), com foco principalmente na “socialização, ressocialização, a construção e transformação

da identidade e os processos democráticos de participação” (ARDANS, 2005, p. 12).

A racionalidade comunicativa está ligada à busca de entendimento (que o autor define como

sendo, minimamente, a mesma compreensão de uma expressão linguística) entre sujeitos que

falam e agem por meio da comunicação. Entretanto, não qualquer comunicação, mas aquela

que se dá livre de coações, com a formação de uma intersubjetividade compartilhada

harmônica (McCARTY, 1995) na qual os atores “buscam suas metas ilocucionárias sem

reservas, sem coação, com o objetivo de chegar a um acordo que fornecerá as bases para uma

coordenação consensual dos planos de ação individualmente buscados” (HABERMAS,

1995a, p. 294, tradução nossa).

Por meio da racionalidade comunicativa os participantes transcendem suas visões meramente

subjetivas e produzem convicções mútuas sobre o mundo objetivo e sobre a intersubjetividade

que compartilham. Assim, a prática da argumentação se torna mais e mais um foro de lida

com as discordâncias que não podem mais ser contornadas pelas ações cotidianas ou pelo uso

da força.

O que Habermas (1995, a e b) propõe então é o estabelecimento de processos cooperativos de

interpretação da realidade, nos quais nenhum dos participantes possui o privilégio da certeza.

Uma interpretação intersubjetiva deve emergir da incorporação da interpretação do outro pelo

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primeiro e vice-versa, para então ser colocada diante do mundo objetivo. Surge então a

percepção de um mundo abstrato que é fundamental para o alcance do entendimento mútuo.

Esse mundo abstrato forma, por sua vez, um pano de fundo conceitual compartilhado que é

difuso e consensual, que é o seu mundo da vida (os pressupostos de raiz coletivos de Bohm,

1995, 2005). O mundo da vida oferece, então, os moldes (ou o referencial) dentro dos quais a

comunicação ocorrerá e os acordos serão feitos.

Da mesma forma que os pressupostos de raiz, o mundo da vida é, segundo Habermas (1995b),

intuitivo e tácito. Assim sendo, em geral não é criticado e, por isso, possui características de

dogma. Seu desafio apenas ocorrerá em situações que questionem tais pressupostos e que

obriguem sua explicitação e análise. Como coloca o autor, “é necessário um terremoto para

nos tornar conscientes de que nós sempre consideramos o solo onde pisamos todos os dias

como intremível” (Ibid., p. 400, tradução nossa).

A contestação, que é a base da ação comunicativa, dá-se, então, quando uma expressão

linguística é considerada não um mero som ou ainda dados a serem processados, mas como

algo que pode ser confirmado ou refutado. Desta forma, quem ouve estará inserido no

contexto de comunicação em processo, e não fora dele, e ao promover o questionamento,

leva-o a um nível mais profundo. Por isso a valorização da participação na construção da

condição dialógica.

Este processo de racionalização não fica limitado ao universo objetivo, mas se expande e

alcança também os mundos subjetivos e intersubjetivos. Portanto, o que se tem como

consequência é não apenas a formação de um entendimento sem coações entre os sujeitos,

mas também um melhor entendimento de cada um dos participantes sobre si mesmos. Assim,

o desafio da validez daquilo que foi colocado leva não só a uma reinterpretação do mundo

objetivo, mas a uma revisão das identidades individual e coletiva (reformulação do mundo da

vida), o que remete ao desvelamento do objeto que leva ao desvendamento dos sujeitos, como

proposto por Tassara e Ardans (2005), e leva à emancipação.

Mais uma vez o processo argumentativo proposto por Habermas (1995a) exige, daqueles que

se relacionam, abertura e disposição para a crítica, cujos resultados podem levar à

“reestruturação do mundo da vida, como um processo que exerce influência na comunicação

diária por meio da diferenciação dos sistemas de conhecimento, e que então afeta as formas

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de reprodução cultural, integração social e socialização” (HABERMAS, 1995a, p. 341,

tradução nossa).

Assim, o que se visa no processo dialógico ou comunicativo é uma reconfiguração dos

mundos da vida (ou pressupostos de raiz) individuais e coletivos que permitirá novos níveis

de entendimento entre os participantes, inexistentes a eles antes do processo e emergente em

meio ao contexto (ISAACS, 1999a). Tal condição associada ao diálogo, processual e

emergente, é um aspecto comum à maioria das tradições de abordagem do conceito, apesar de

outras variações que possam ocorrer entre elas (ANDERSON, BAXTER E CISSNA, 2004).

Para dialogar, então, é necessário que os participantes reduzam o apego as suas certezas,

baixem suas armas e estejam dispostos a se comunicar para além das superficialidades das

conversas anteriores (YANKELOVICH, 2001). Para que isso ocorra, no entanto, é necessário

que os envolvidos estejam seguros de si, de sua incompletude e da possibilidade do

aprendizado a partir da discordância (FREIRE, 1987), e estejam disponíveis para a realidade e

para o outro (FREIRE, 1998).

2.2.1. O diálogo em processos de políticas públicas.

Tendo esclarecido as questões relativas aos aspectos conceituais do diálogo, a pergunta que

emerge é porque trazer o diálogo para os processos de políticas públicas? Processos

participativos para se pensar políticas públicas já existem em diversas áreas. Há diferenças

entre eles, meramente, e processos participativos dialógicos? Quais seriam elas?

Enquanto as demandas por participação cidadã nos processos públicos são bastante

reconhecidas e abordadas, como demonstram, por exemplo, os trabalhos de Rowe e Frewer,

(2004; 2005) e Abelson e Gauvin (2006), a preocupação com a necessidade da construção do

diálogo como a forma de relação entre os que participam é mais recente, e está associada tanto

a aspectos epistemológicos quanto psicossociais.

Conforme coloca Escobar (2009), a tendência de se considerar a língua como um mero

instrumento, neutro, que representa realidades objetivas ainda predomina. Isso impede a sua

compreensão como algo que é constitutivo dessas realidades e suas relações. Línguas

atribuem significado ao mundo e estruturam a compreensão e a construção da realidade por

meio de processos complexos de criação de sentido (PEARCE E PEARCE, 2004). Como será

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demonstrado por Derrida (2001) a seguir, os significados dos símbolos, nunca são inerentes a

eles, mas são construídos em interação (ESCOBAR, 2009).

Pearce e Pearce (2004) sugerem que a comunicação, além de ser constitutiva, tem

consequências. Assim, segundo Escobar (2009) atenção deve ser devotada não apenas àquilo

que é feito através da comunicação, mas também o que é feito por ela e o que é feito dela

(Ibid, p. 47, tradução nossa, itálico do autor). As consequências das conversas são, entre

outras coisas, as influências que exercem sobre quem conversa durante e depois das relações,

consequências essas que podem ser carregadas por muito tempo e determinar as interações

futuras.

Esse atributo das interações, as suas consequências, demanda então que mais atenção seja

colocada sobre a qualidade das relações interpessoais daqueles em conversa, um aspecto que

raramente é levado em consideração em processos participativos. Esses, como demonstram

Rowe e Frewer, (2004; 2005) e Abelson e Gauvin (2006), centram-se exclusivamente nos

processos em si e nos seus resultados.

Como consequência, muitos processos participativos públicos, por exemplo aqueles que

objetivam a construção de políticas públicas, se dão fundamentalmente por meio de formatos

que são polarizadores e que colocam uma porção dos membros presentes contra os demais.

Um processo no qual uns estão contra outros terá, inevitavelmente vencedores e perdedores.

Se a comunicação for compreendida como um instrumento neutro, tal resultado será

comemorado por uns e lastimado por outros. Caso ela seja compreendida como um processo

relacional as avaliações podem ser, de todos, que o processo foi negativo (ESCOBAR, 2009).

A crítica então se relaciona não à existência de posições opostas ou diferentes em um

processo, mas à forma como essas questões são lidadas, em geral de forma contraprodutiva e

autoperpetuadora (ESCOBAR, 2009). Como coloca Tannen (1999), a oposição é “ritualizada”

(Ibid., p. 6) e os antagonismos são valorizados.

A condição defendida por Escobar (2009), que é coerente com os pilares do diálogo e da ação

comunicativa, atribui portanto grande importância à comunicação interpessoal. Para o autor,

“os micro-processos de interação pessoal constituem o centro dos macro-processos

institucionais deliberativos. Em outras palavras, a qualidade democrática desses processos

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dependerá da qualidade das práticas interpessoais nas quais eles cristalizam” (ESCOBAR,

2009, p. 45, tradução nossa).

Para o autor, assim como para Innes e Booher (2004), a aproximação do universo do diálogo

como o da participação pode trazer essa diferença, gerando a criação de instâncias que são

centradas na construção coletiva com “centro”, que são mais criativas e agradáveis, ao invés

de manter os processos com foco “nos lados”. Como as autoras colocam, métodos

participativos efetivos envolvem colaboração, diálogo e interação, não oposição.

2.2.2. As críticas ao diálogo

Apesar de instigarem um sentimento de abertura e boa vontade, as propostas de diálogo estão

longe de receberem aceitação unânime. Abordagens sobre os limites, as (im)possibilidades,

ou ainda sobre a (in)desejabilidade do diálogo partem de diversas frentes. Por exemplo, Singh

(2001) e Jones (1999) analisam a questão do diálogo a partir de diferenças culturais e étnicas.

Taylor (2010) devota seu trabalho ao desenovelamento do diálogo diante das diferenças de

aptidões físicas. Kaufmann (2010) o relaciona com questões de gênero, raça e classe social, e

Ellsworth (1989) centra sua análise nas mesmas categorias de Taylor (2010) e Kaufmann

(2010) acima, e a expande para incluir também questões de preferências sexuais, religiosidade

e padrões estéticos.

Embora os enfoques dados por esses autores em seus textos sejam diferentes, todos

compartilham preocupações e tecem críticas às sugestões de diálogo. Algumas dessas

questões abordadas são mais específicas aos seus contextos de análise e outras são mais

subjacentes e generalizadas. Todas, no entanto, assentam-se sobre um aspecto fundamental: a

ausência de senso crítico com a qual as propostas de diálogo são feitas e analisadas por

diferentes entusiastas da prática.

Para os autores citados acima, cujos julgamentos demarcam diferentes níveis de resistência

em relação às práticas dialógicas, a retórica que normalmente as acompanha, que em geral

pressupõe emancipação, abertura à diferença, enfoque na igualdade e reciprocidade, nada

mais faz do que esconder a dominação hegemônica que ele (o diálogo) reproduz. Isso se dá

em decorrência da pretensa dimensão de universalidade que a prática tomou, que acaba por

subjugar culturas que possuem outras formas e pressupostos de conversa e compreensão

coletiva. Diante de contextos do tipo, ocultam “as vozes e preocupações de grupos que se

sentem fora do diálogo, ou compelidos a participar ao custo de restringir sua auto expressão

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aos canais de comunicação aceitáveis” (BURBULES, 2000, p. 251, tradução nossa). Como

coloca Hill (2004), nem todo mundo se sente à vontade para se expressar publicamente.

Assim, dialogar seria uma maneira do outro se conformar a uma forma de comunicação que

não necessariamente é sua (Ibid.).

Consequentemente, para os críticos, as propostas de diálogo carregam consigo uma faceta

sombria: a boa vontade de uns, demonstrada nos convites ao outro para dialogar, os coloca (os

outros) em uma situação constrangedora da qual, a partir de agora, não podem se excluir, sob

pena de rotulações negativas e insinuações de ausência de cooperatividade. Mesmo antes da

conversa conversar, o diálogo já opera uma relação de opressão (BURBULES, 2000).

Da mesma forma, aceitar o convite para uma conversa significa acatar um conjunto de regras

que definem a maneira como ela se dará, os conteúdos de interesse, o tempo necessário, as

formas de expressão, o que pode e o que não pode, e etc., tudo isso em geral pré-definido a

partir de um arranjo de dominação que inclui, mas também expõe a uns mais do que a outros

(TAYLOR, 2010).

O que esses autores sugerem é que muitas formatações que se pretendem dialógicas,

empoderadoras e até emancipatórias são, na verdade, a continuação da mesma forma de

exclusão e opressão de outras, só que agora sob uma diferente dinâmica. Argumentam que o

diálogo não considera as diferenças de poderes existentes entre os participantes da conversa,

que determinam o desempenho de suas próprias participações. E essas diferenças de poder

decorrem, como abordado acima, de questões culturais e étnicas, de gênero, raça e classe

social, aptidões físicas, orientações sexuais, religiosidade e padrões estéticos, além de outras.

No final das contas, intenções libertárias apenas reificam as posições de poder e não são

suficientes para desmitificar as ideologias opressivas (KAUFMANN, 2010).

As críticas aos pressupostos do diálogo não param por aí. Burbules (2000) destaca posições

que defendem que as práticas dialógicas não são capazes de abarcar a diversidade em

profundidade, ou seja, não conseguem respeitar as formas de comunicação, objetivos e

valores de diferentes grupos culturais, bem como seus conflitos e histórias de opressão. Jones

(1999), por sua vez, alega que as propostas de diálogo são, na verdade, uma forma dos grupos

dominantes de se aproximar e ter acesso aos “pensamentos, culturas e vidas dos outros”

(JONES, 1999. p. 308, tradução nossa). Seria a continuação da índole colonizadora ocidental

de se atribuir o direito de ter tudo e saber de tudo sobre o colonizado, já que na verdade o

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convite ao diálogo é uma abertura para os silenciados, as minorias, aqueles que nunca têm

espaço, finalmente falarem (Ibid).

Assim, como coloca Taylor (2010, p. 47, tradução nossa), “o diálogo então parece encontrar

um problema fundamental, que mesmo quando os participantes estão igualmente participando

do diálogo, eles podem não ser participantes iguais”. Portanto, a perpetuação da dominação,

da repressão e do silenciamento dos oprimidos pode ocorrer através de propostas bem

intencionadas (ELLSWORTH, 1989). E, para aqueles casos de diálogos mal sucedidos, a

solução oferecida para a questão é que mais esforço seja colocado sobre ele, desconsiderando

que ele pode ser, simplesmente, inviável (BURBULES, 2000).

Outra crítica de cunho geral apontada para as propostas dialógicas decorre do enfoque

geralmente racional que atribuído a elas, como visto em Bohm e Habermas, que por sua vez

resulta da proposta moderna ocidental que se assenta sobre um valor eurocêntrico – a

racionalidade, e que portanto é opressivo para povos não modernos/ocidentais ou para aqueles

grupos ocidentais que não se encaixam no ideal eurocêntrico: branco, masculino, classe

média, cristão, fisicamente apto, esteticamente incluído e heterossexual (ELLSWORTH,

1989; REIGOTA, 2006).

Diante desses posicionamentos, muitos dos quais resultados de experiências empíricas que

tiveram como objetivo justamente testar os fundamentos do diálogo, como ficam as propostas

e os princípios dialógicos?

Burbules e Rice (1991) abordam em seu texto essas e outras críticas e propõem uma tipologia

que colabora para a compreensão das mesmas. Para os autores, críticos do diálogo misturam

argumentos de diferentes categorias e isso os torna confusos e por ora contraditórios. Segundo

os mesmos, o diálogo presente nas críticas decorre de uma análise do conceito e das práticas a

partir de princípios modernos, especificamente o de criar leis gerais para o universo que

posteriormente se tornam metanarrativas exclusivas para a explicação da realidade. Tais leis

gerais direcionam o que pode ser visto e escondem as divergências, as dissonâncias e os

pontos “fora da curva”.

Assim, a partir de princípios modernos, os pressupostos do diálogo são também

generalizados. Uma das consequências disso é a homogeneização dos seus participantes, o

que é a base das críticas acima. Como resultado prático, o que se compreende (e o que muitos

promovem) como diálogo é simplesmente uma intervenção na qual várias pessoas são

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convidadas para expor seus pensamentos. Considera-se, portanto, que todas são iguais nas

condições necessárias para a auto expressão em um determinado momento. Não há história,

conflitos pendentes, interesses, imposições, inibições ou hierarquias. O que se pressupõe é um

grupo saneado de tudo isso com o objetivo de produzir um consenso, que representaria a

resultante do processo. Desde ponto de vista, a crítica é portanto mais do que justificada: o

diálogo “moderno” é mais um valor “universal” (assim como outros, democracia, liberdade e

etc.) que opera na perpetuação da subjugação dos divergentes, daqueles que não se encaixam

no ideal ocidental. O consenso dialógico (também um valor moderno), no final das contas,

legitima a autoridade do poderoso e a manutenção do status quo. O próprio ritual envolvido

em uma proposta dialógica, o convite, o formato (em roda, em geral), a pretensa

horizontalidade, a boa vontade, o estímulo para que todos falem, a atribuição igualitária de

tempo de fala, etc., reproduz de forma muito refinada a dominação, a violência.

Para abordar tais questões, Burbules e Rice (1991) dividem os críticos ao diálogo em dois

grupos, que diante das confusões e contradições de suas falas, mencionadas acima, servem

muito mais para organizar os argumentos do que as pessoas que os proferem, que, como

dizem os autores, deslizam de um lado para o outro.

Em comum entre esses dois grupos está a crítica aos valores, princípios e conceitos modernos:

a recusa dos absolutos, da racionalidade e da moral única e da exclusividade de abordagens

interpretativas para a análise de questões sociais e políticas. Para os críticos dos princípios

modernos, qualquer metanarrativa “é uma expressão parcial a partir de um ponto de vista

particular” (BURBULES e RICE, 1991, p. 395), e qualquer clamor por certeza se torna uma

forma de desencorajar formas de interpretação divergentes a partir de outros princípios.

Assim, os “pós-modernos”, [nome utilizado por Burbules e Rice (1991) para identificar os

críticos contemporâneos da modernidade] criticam as generalizações modernas justamente por

esconderem as peculiaridades, as diferenças e as dissonâncias.

De diferente entre os dois grupos estão as propostas que provêm de suas discordâncias dos

princípios, metanarrativas, conceitos e valores modernos: de um lado se sugere a sua completa

rejeição, sob a alegação de que eles são todos engodos – posição que os autores nomearam de

anti-modernos; e do outro a sua resignificação, reapropriação, redefinição e reembasamento -

posição na qual os autores se inseriram e para a qual continuaram utilizando a palavra “pós-

moderno” para identificar.

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Estabelecida essa diferença torna-se necessário situar como esses dois grupos – os

antimodernos e os pós-modernos - veem a questão do diálogo. Há críticos do diálogo cujos

discursos predominantes se colocam na tendência anti-moderna e outros na posmoderna.

Do ponto de vista anti-moderno, as alegações se afinam com as críticas ao diálogo “moderno”

colocadas acima: que o diálogo não é capaz de lidar com as diferenças subjacentes de poder

presentes dentro de um grupo, justamente por querer homogeneizar o que não é

homogeneizável. Não é possível, dentro dessa lógica, a existência de um círculo de conversas

contendo pessoas de diferentes classes sociais, gêneros, raças, preferências sexuais, aptidões

físicas, e etc., que seja considerado um círculo de pessoas iguais ou onde haja simetria de

poder. Nesse mesmo contexto, a conversa estaria sendo operada a partir de um conjunto de

valores que privilegiam alguns grupos em detrimentos dos outros. Portanto, qualquer proposta

de diálogo é, a princípio, uma proposta de subjugação.

Burbules e Rice (1991) e Burbules (2000) indicam então que para que ocorra uma

compreensão mais profunda sobre a prática do diálogo, e também da posição pós-moderna

sobre o mesmo, é necessário um entendimento mais crítico sobre a questão da diferença. Para

tanto, se remetem a Jacques Derrida, que dedica parte de seu trabalho à decodificação do

termo a partir do campo da linguística.

Segundo o autor, a palavra diferença, quando relacionada com suas raízes gregas e latinas,

permite três significados distintos. O primeiro deles, o mais comum e que em linhas gerais

passou a identificar o conceito, o “não ser idêntico, de ser outro, de ser discernível, etc.”

(DERRIDA, 2001, p. 39). Portanto, a regra geral é a compreensão da diferença

exclusivamente a partir da oposição.

Entretanto, em seu trabalho, o autor vai além e resgata, das raízes etimológicas, as outras

possibilidades: a segunda delas, o significado de “deixar para depois”, e a terceira,

“polemizar”. A partir disso, então, ressalta a existência de uma dimensão temporal à

diferença, que ele chama de “temporização” (DERRIDA, 2001, p. 39). Também, de uma

dimensão espacial, exatamente aquela que se coloca entre os diferentes. E é aí que surge a

grande questão da diferença: se o que demarca os diferentes é um espaço entre eles, e se esse

espaço está submetido à temporização, então se conclui que a diferença não é arbitrária, ou

seja, não esteve sempre lá da mesma forma. Ela é construída e, portanto, histórica.

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Mais ainda, se esse espaço é histórico, é porque não é estático. Ou seja, ele sofre modificações

com o tempo, que interferirão também nos diferentes. Assim, como diz o autor, a diferença

está inserida em um “jogo” (DERRIDA, 2001, p. 36), ela é dinâmica e alternável no espaço e

no tempo. A esse “processo de cisão e divisão de que os diferentes e as diferenças seriam os

produtos ou efeitos” (DERRIDA, 2001, p. 39) o autor deu o nome de diferança8. Assim, como

diz o autor, “A diferança nos leva mais próximos da ação de diferir que está em progresso,

mesmo antes dela produzir o efeito considerado como o diferente ou resulte em diferença”

(Ibid).

Há, portanto, um “movimento gerativo no jogo das diferenças” (Derrida, 1991, 33), que a

partir de então não podem se deixar “pensar a partir da oposição presença/ausência. A

diferança é o jogo sistemático das diferenças [...], do espaçamento pelo qual os elementos se

remetem uns aos outros. Esse espaçamento é a produção, ao mesmo tempo ativa e passiva,

dos intervalos sem os quais os termos “plenos” não significariam, não funcionariam””(Ibid,

33).

Burbules e Rice (2001) se apropriam então da ideia de temporização e espaçamento da

diferença e a trazem para o campo das teorias sociais e políticas. Nesses casos, portanto, a

contribuição de Derrida acima permite a localização de autores para quem a diferença é uma

característica objetiva, externa, oposicional e, portanto, arbitrária; e para outros, é dinâmica e

influenciada pelo contexto, que por sua vez influencia o espaçamento que existe na relação,

que é também dinâmico. Nestes casos, proximidade e distinção estariam em constante

interação e mudança.

Ainda de acordo com Burbules e Rice (2001), aqueles que analisam as (im)possibilidades do

diálogo a partir especificamente de questões como raça, classe social, gênero, orientação

sexual, habilidade física e etc., podem ser inseridos no primeiro grupo. Ou seja, se baseiam

meramente em características externas para atribuir às pessoas, de fora, participação em uma

categoria sociológica ou posição na estrutura social. Neste caso, as pessoas não possuem

qualquer controle sobre sua identificação com grupos.

Já no segundo grupo estão aqueles que advogam que a composição das identidades é múltipla

e que sua redução a um único componente, objetivo e externo, é limitada. Primeiro de tudo,

reconhecem a importância das alianças subjetivas que são estabelecidas pelos sujeitos e que 8 Ele criou essa palavra diferança, com um “a”, para atribuir a ela essa percepção de jogo histórico-temporal das diferenças e diferenciá-la da ideia estática decorrente da palavra diferença.

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extrapolam suas condições objetivas. Suas identidades são constituídas multiplamente e, por

isso, são filiadas a vários grupos ao mesmo tempo (BURBULES e RICE, 1991). Em segundo,

reconhecem que mesmo tais características objetivas possuem “pesos” diferentes que são

contexto-dependentes e cujas significações sociais podem se transformar ao longo do tempo.

Assim, concluem que pessoas não podem ser reduzidas as suas características, e menos ainda

a apenas uma delas. Para os autores, essa redução é que significa a aplicação das categorias

dominantes nas análises (Ibid).

Isso posto, Burbules e Rice (1991) indicam que o diálogo não pode ser visto a partir do olhar

pluralista, que parte de princípios modernos e considera a todos, em uma roda, como iguais

(uma posição, como visto, generalizadora que é central nas críticas à prática). Entretanto, os

autores que se apoiam nesse tipo de argumento incorrem no mesmo erro que criticam:

enquanto reprovam o diálogo por sua característica generalizadora, o fazem por meio da

imposição absoluta de outras categorias também arbitrárias e generalizadoras (como raça,

gênero etc.).

Pelo contrário, é necessário que o diálogo seja visto em um contexto complexo, no qual as

diferenças são reconhecidas e consideradas mas que, mesmo assim, a utopia dialógica, ou a

capacidade de comunicação e compreensão entre diferentes, seja buscada. Esse é o cerne da

abordagem de Spink (2003), quando propõe o diálogo não como ponto de partida, mas como

de chegada.

Assim, em um fórum culturalmente diverso, a questão que se coloca não é a das diferenças

objetivas simplesmente, mas nesse determinado caso, como se identificar as diferenças que

realmente estão operando, inibindo falas ou oprimindo participantes. Reduzir as pessoas a

uma homogeneidade baseado em uma característica objetiva significa assumi-la onde ela não

necessariamente existe (BURBULES E RICE, 1991)

Portanto, adotar a diferença como valor nos leva então e construir outros pressupostos para o

diálogo: primeiro, de que essa diferença pode ser levada ao seu nível mais radical, aquele no

qual qualquer possibilidade de comunicação e compreensão é impossível. Isso estabelece que

pode haver limites para o diálogo ontológico. No entanto, a incompreensão e a limitação

comunicativa não ocorrem apenas em contextos de conflitos explícitos, como em interfaces de

contato entre opiniões completamente opostas ou divergentes, como propõem Jones (1999) e

Ellsworth (1989). Ocorrem também no reconhecimento das suas limitações entre condições

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diferentes (SINGH, 2001; BURBULES, 2000; BURBULES e RICE, 1991): por exemplo,

nunca um homem será capaz de compreender fielmente a opressão do machismo sentida pela

mulher, pelo simples fato de ser homem; ou um branco sentirá o que é o racismo contra um

negro, e assim por diante.

Entretanto, se a diferença radical9 deve ser considerada, também se deve a proximidade

radical. Ou seja, a possibilidade de diferença radical não deve excluir o seu oposto, a de

compreensão intersubjetiva. Pessoas não são caracterizadas apenas pelo que as separa, mas

também pelo que as une. Assim, o foco das análises não deveria recair unicamente sobre o

primeiro. Quando diferentes se encontram, nem sempre um deles está tramando impingir seus

valores sobre os outros.

Assim, há uma necessidade de compreensão da diferença que seja multidimensional e que a

reconheça, bem como a comunalidade, como em interação cuja resultante é circunstancial. É

necessário também que se considere que deve haver fóruns nos quais o estabelecimento de

compreensão entre diferentes é possível, bem como pessoas que estão dispostas a enfrentar

esses processos, cujos resultados podem ser de sucesso ou fracasso completo, ou ainda parcial

e provisório. Também, que a persistência nem sempre levará ao esperado (BURBULES e

RICE, 1991).

Uma questão mais difícil de ser abordada se relaciona ao caráter racional em geral associado

ao diálogo, como visto na proposta de operacionalização. Como já abordado, essa

racionalização está intrinsecamente relacionada ao processo de modernização por meio da

desvalorização das dimensões subjetivas e intersubjetivas da vida. Assim sendo, não pode ser

vista como um valor universal, já que não se coloca como tal para todas as formas de cultura

que coexistem. O desafio recai então sobre como promover espaços de diálogo que sejam

capazes de incorporar outros métodos dialógicos que valorizem essas duas dimensões e que,

portanto, façam mais sentido para aquelas culturas ou modos de vida que se remetem a essas

outras duas dimensões para os processos de tomada de decisão.

Por fim, fosse a diferença apenas absoluta e arbitrária, como advogam alguns, não haveria

jamais qualquer espaço para compreensão e convivência entre diferentes e, em última análise,

o ser humano não seria um ser social, cujas relações são conflituosas por essência. Nesse

9 Nos textos em Inglês que serviram de base para essas reflexões, a diferença radical é descrita pela palavra incommensurability, que significa a incapacidade de medição pela impossibilidade da comparação completa. Os textos nos quais aparece com esse sentido são Singh (2001) e Burbules e Rice (1991).

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contexto, a liberdade não pode ser considerada exclusivamente como a absoluta inexistência

de barreiras, e os conflitos devem ter seu caráter pedagógico reconhecido (MALAGODI,

2007). É preciso que se aceite que alguns espaços oferecem mais liberdade para a expressão

do que outros (Ibid), que há maneiras de se interferir nos espaços para a ampliação dessa

liberdade, e que convivemos a despeito das diferenças. É necessário que se perceba, então,

com modéstia, as possibilidades de alcance dos esforços comunicativos e as nossas limitações

na geração da compreensão humana ontológica. Isso não deve, entretanto, desmotivar as

iniciativas dialógicas.

Assim, é importante que se ressalte neste momento que, ao contrário do que apontam alguns

críticos à proposta do diálogo, a prática não visa à formação de consensos, a resolução de

conflitos ou ainda ao alcance de uma condição harmoniosa de convivência, na qual todos

concordam. Ao contrário, um diálogo legítimo pressupõe a externalização do confronto

(Buber, 1991; Silva, 1996) justamente como forma de demonstração de posições, liberdade,

respeito e segurança. Como bem coloca Wood (2004, p. xvii), “a tensão é inerente ao diálogo.

[...] tensão entre as perspectivas de um e de outro em um determinado momento; tensão entre

possíveis visões e versões do “eu”; tensões entre modos alternativos de ordenar e agir no

mundo”.

Também, o diálogo não pode ser considerado a priori. Não basta que pessoas presentes

“abram suas bocas, fazendo sons e gestos” (SPINK, 2003, p. 176, tradução nossa). É

necessário que elas busquem a conversa, a con-versa, no sentido de versar juntos (Ibid.) ou,

como coloca Isaacs (1999a), pensar juntos. Portanto, o diálogo deve ser visto como uma

práxis a ser desenvolvida dentro do grupo (SCOTT, 2009) que tenha como princípio a

multivocalidade, ou seja, a “recusa em privilegiar uma única voz, perspectiva ou ideologia”

(WOOD, 2004, p. xx, tradução nossa).

Como consequência, o resultado de uma prática dialógica pode ser, por exemplo, uma melhor

compreensão das discordâncias e dos conflitos, uma demarcação mais clara dos pontos de

vista presentes (YANKELOVICH, 2001) ou então uma melhor visualização da “importante

zona intermediária da dúvida, da incerteza, e a percepção de temas que precisam ainda ser

trabalhados ou ser deixados para mais tarde” (SPINK, 2003, p. 182, tradução nossa). O

importante é o desenvolvimento do respeito entre os envolvidos, que permita a convivência

genuína na diferença (ISAACS, 1999a).

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No entanto, um questionamento que se levanta aqui é sobre quantas oportunidades de

construção conjunta e aprendizado são perdidas porque diferenças, muitas vezes superficiais,

não resolvidas, evoluem e transformam-se em impedimentos para a convivência, para o

contato genuíno? E isso não se refere apenas às divergências radicais cristalizadas pelo tempo,

mas também aos círculos de maior proximidade ideológica. Não são apenas as diferenças

extremas de interesses que bloqueiam a comunicação, como Kaplan (2010) induz em seu

trabalho, mas também conflitos entre culturas ou subculturas (pessoas de países, profissões,

departamentos, “tribos” diferentes etc.) ou ainda questões mais próximas, cotidianas, como a

simples falta de afinidade entre pessoas, decorrente de infinitas questões. Quantos processos

participativos não deixaram consequências negativas para os participantes, meramente porque

os métodos utilizados não permitiam outro formato que não a oposição?

Assim, é importante que fique claro, a proposta do diálogo não visa à negação do conflito,

mas à construção de uma condição de convivência na qual os envolvidos não fiquem reféns

dele (ALVES et al, 2010). Ao contrário do que parece, esse caminho não é simples e são

vários os obstáculos que emergem ao longo do processo.

2.2.3. Obstáculos ao diálogo

Bohm (1995; 1999; 2005) considera que um importante obstáculo ao diálogo e que subjaz a

vários outros provém da fragmentação do pensamento, mencionada nas partes iniciais deste

texto. Para o autor, a fragmentação artificial da realidade, sua posterior naturalização e a

consequente separação entre sujeito e objeto criaram a percepção de que é possível que se

tenha uma visão da realidade em sua totalidade e de que é possível, para o pensamento,

encerrar todos os aspectos do real em si. Disso deriva a noção de certeza sobre as coisas e a

dificuldade de perceber que visões de mundo são socialmente construídas (SPINK, 2003), a

partir de espaços histórico-culturais diferentes (FREIRE, 1983). Também, decorre a

incapacidade de percepção do potencial complementar e de aprendizado das discordâncias.

Daí a dificuldade de convivência entre diferentes certezas ou opiniões, o que tende a levar

para a condição de combate, de imposição de valores, de entrincheiramento, de foco na parte

e busca de deslegitimação do outro. Esse outro, por sua vez, se torna progressivamente suas

opiniões, é “sloganizado” (FREIRE, 1983), e como não há espaço para um aprofundamento

das raízes dessas opiniões, elas são tomadas de forma estereotipada e superficiais. O processo

dialógico visa, entre outras coisas, ultrapassar esses estereótipos e os papéis sociais de cada

um, no encontro das “pessoas de carne e sangue” (YANKELOVICH, 2001, p. 105, tradução

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nossa). Mergulhar nos estereótipos, individuais e coletivos, em processos de grupo também

não é uma tarefa simples de se empreender, já que ao longo dos anos foram eles que

permitiram a edificação da compreensão de ordem das coisas. Tocar neles é, portanto, um

desafio que pode desestruturar toda uma vida de certezas, sem que se saiba, por trás delas, o

que se encontrará (ISAACS, 1999a).

Por outro lado, se a opção é pelo reconhecimento dos limites das próprias percepções e,

portanto, a legitimidade do outro, do potencial criativo da discordância, isso pressupõe a

necessidade de inclusão das diferenças nos processos, o que traz, por sua vez, maiores

dificuldades para o “funcionamento” de um grupo, já que desafia o modelo hierárquico com o

qual as pessoas, em geral, estão acostumadas.

Por fim a cultura da fragmentação, que leva às conversa com “lados”, impede que atenção

seja direcionada para os próprios processos subjacentes de pensamento que, segundo Bohm

(2005), operam estratégias e bloqueios que, por sua vez, tendem a fazer com que as pessoas se

alinhem aos pontos de vista que confirmam seus paradigmas e se afastem daqueles que os

desafiam. Para o autor, a inconsciência quanto aos processos de pensamento de onde seus

conteúdos emergem, leva a essa dificuldade de autoanálise.

Outro fator que se coloca, ao mesmo tempo em que o anterior, no caminho para a emergência

do diálogo, está relacionado aos papéis sociais que as pessoas carregam e que acabam por

defini-las, para si e para os outros, determinando sua forma de pensar e as ações a serem

empreendidas. Tais papéis impedem o alcance da “absoluta singularidade” abordada por

Brandão (2007) e também que a pessoa se situe no “tempo presente” de Buber (1979), já que

há uma definição prévia do que se esperar de tais papéis e de quem os representa. Além disso,

as assimetrias de poder carregadas pelos papéis sociais são geradoras de insegurança nas

partes envolvidas e, com isso, impedem a reciprocidade. Como coloca Buber (Ibid.), os papéis

sociais fazem parte das pessoas mas não são as pessoas, a sua humanidade (grifo nosso).

Schein (1993) destaca em seu texto a dificuldade de se construir um espaço genuinamente

dialógico devido a uma espécie de acordo social pelo qual questões desestabilizadoras da

harmonia do grupo não devem ser explicitadas e trazidas para a mesa. Se, por um lado, isso

possibilita o convívio social imediato, por outro fomenta a superficialidade das relações e

impede, de fato, que se saiba o que de fato está ocorrendo com o grupo. Para o autor,

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eventuais crises são importantes porque ao permitirem uma melhor compreensão da realidade,

tendem a melhorar a coesão do grupo em longo prazo.

Spink (2003) chama a atenção para o fato de que o diálogo não pode ser considerado como

algo que será alcançado em uma única reunião. Não pode, como visto anteriormente, ser

tomado como um ponto de partida, “como algo que está instantaneamente disponível quando

um encontro começa ou quando alguém pergunta ‘alguma questão’ após uma apresentação de

vinte e cinco minutos” (Ibid., p. 182, tradução nossa). É, na verdade, uma condição a ser

construída ao longo do tempo e que não precisa estar restrito a um tempo e espaço

específicos.

Ainda em relação ao tempo, Freire (1983) demonstra em seu texto como que, na relação entre

extensionistas agrônomos e camponeses, o diálogo é muitas vezes considerado “inviável” por

conta da lentidão dos resultados. Essa é uma questão fundamental na formação de um

processo dialógico, e a abordagem de Freire pode ser expandida para qualquer situação. A

questão do tempo ou da sua economia é importante, no entanto, para aqueles que chegam ao

processo com uma agenda pronta e um conjunto de resultados pré-definidos para serem

alcançados e que almejam que isso seja realizado com ‘eficiência’. Para o autor, tempo

perdido é o do “blá-blá-blá [...] ou do puro ativismo, pois que ambos não são tempos da

verdadeira práxis” (Ibid., p. 33). Ainda, que a demora possa significar “um tempo que se

ganha em solidez, em segurança, em autoconfiança e interconfiança” (Ibid.), que são alguns

resultados intangíveis dos processos dialógicos (YANKELOVICH, 2001).

Um último aspecto que se coloca como entrave à ocorrência do diálogo é trazido por

Yankelovich (2001), que aponta para a simples inexistência de abertura ao diálogo por parte

de algumas pessoas. Várias razões podem ser trazidas para explicar um contexto deste tipo,

entre elas a recusa para a conversa entre pontos de vista irreconciliáveis. Como coloca Bohm

(1999), o ponto de partida crucial para a ocorrência do diálogo é a disposição dos envolvidos

em participar, em compartilhar críticas, em ouvir, em ver o mundo e ser visto pelos olhos dos

outros. É, portanto, fundamental que as pessoas queriam fazer parte do processo e estejam

abertas para resistir às dificuldades que possam surgir. Segundo Freire (1983), como o

diálogo é um encontro amoroso, ele não pode ser um encontro entre inconciliáveis.

Esse ponto, novamente, remete diretamente aos críticos do diálogo abordados acima. Alguns

destacam ingenuidade dos propositores do diálogo nos encontros entre os irreconciliáveis.

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Kaplan (2010), por exemplo, sugere ironicamente a promoção do diálogo entre latifundiários

e representantes do Movimento dos Sem Terra, que seria impossibilitado pela distância entre

os valores de um e de outro e da história de confrontos entre eles.

A questão que se coloca, então, é se é possível que se determine e que se elejam os contextos

de irreconciliabilidade a princípio, antes que os processos, de fato, se deem. Isaacs (s.d), por

exemplo, demonstra em seu relatório o resultado do sucesso de processos dialógicos em

situações de tensão históricas consideradas, inicialmente pelo envolvidos, como insolúveis.

Além dele, Gordon (1986) narra em seu livro o projeto que empreendeu por três anos visando

ao desenvolvimento de relações dialógicas entre Israelenses e Árabes, e que se não foi

completamente bem sucedido (no sentido de promover relações dialógicas entre todos os

participantes e também posturas duradouras e resistentes às influências externas), conseguiu

envolver parte de seus participantes em relações dialógicas.

Da mesma forma, enquanto se tecla estas linhas, sabe-se de um processo de aproximação em

andamento no estado da Bahia, entre um movimento de trabalhadores sem terra com uma

grande empresa (em âmbito mundial) de celulose e papel. O que se conclui, a partir desses

exemplos, é que não é possível que se decrete a irreconciliabilidade a priori.

Nos quatro estudos de caso divulgados no relatório de Isaacs (s.d.), as partes envolvidas foram

capazes de colocar em suspenso seus pressupostos de raiz e suas inferências acerca do outro e

conviverem, e no caso de Israel, o que foi buscado foi a construção de espaços de diálogo, ou

seja, espaços seguros para a emergência e a expressão da diversidade em sua genuinidade.

Assim, conclui-se aqui que o diálogo não significa o abandono dos pontos de vista ou

ideologias pelas partes. Também, que as dificuldades que se interpõem à consecução de

práticas dialógicas não podem justificar sua exclusão como possibilidade coletiva. Assim,

torna-se necessário o refinamento teórico-prático acerca de processos que possam reduzir a

letalidade dos obstáculos colocados acima, e de outros não abordados, no sentido de se

consolidar essas práticas.

2.2.4. O espaço de diálogo.

Se, por um lado, não existe a garantia de que o diálogo vá ocorrer em uma ação coletiva, por

outro, é possível a organização de um contexto em que ele fique potencializado, reconhecendo

e lidando com os obstáculos que possam se interpor. Embora não existam modelos a serem

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seguidos, para Isaacs (1999a), há um conjunto de aspectos que podem ajudar a determinar se

as condições para o diálogo estão ou não presentes. O autor então levanta os seguintes

questionamentos: como podemos, enquanto indivíduos, agir de forma a promover o diálogo?

Como envolver pessoas reticentes a princípio? Como ampliar os processos existentes de

forma a se inserirem mais pessoas? Como evitar que elas se fechem novamente?

Foi a partir dessas questões fundadoras que o autor delineou o que ele chama de teoria

operacional do diálogo, ou seja, uma teoria que encerra os aspectos considerados por ele

como essenciais para que o diálogo seja proporcionado em um determinado espaço. A teoria

operacional de Isaacs (1999a) brota da combinação de pressupostos de outras teorias

relacionadas ao funcionamento de grupos, gerais ou específicas, e da contribuição das suas

próprias experiências práticas (ISAACS, s.d.) a essa combinação. Sua teoria e, portanto, todas

aquelas que a alimentam, partem da aplicação da teoria de sistemas sobre o funcionamento de

grupos. Portanto, veem o funcionamento de grupos por uma percepção multidimensional e

identificam e analisam cada uma das várias dimensões dos coletivos, levando-se em

consideração ainda o caráter dinâmico e também a semipermeabilidade de cada uma dessas

dimensões às demais.

Como resultado, a teoria operacional do diálogo de Isaacs (1999a) organiza os aspectos

importantes para a promoção de um espaço de diálogo em três níveis de ação, ou dimensões

concêntricas: 1) o grupo como unidade; 2) as relações estabelecidas por seus membros e 3) o

nível individual. Essas dimensões serão apresentadas abaixo, em um mapa construído pelo

autor deste trabalho que organiza conceitualmente cada uma delas e as relações entre elas.

O substrato comum de análise para as três dimensões é o da teoria de campos proposta por

Lewin (1951). De acordo com o autor, qualquer situação presente, individual ou coletiva, é

mantida como tal por um determinado conjunto de forças que são próprias do indivíduo ou

grupo em um determinado momento. Tais forças constituem o que o autor chama de “espaço

de vida” (Ibid., p. 240, tradução nossa) das pessoas ou grupos, ou seja, uma constelação de

fatores interdependentes psicológicos e ambientais conforme percebidos por eles em um

determinado momento, incluindo-se aí suas visões reais e irreais de passado e futuro.

Para Lewin (Ibid.), as ações sociais ocorrem dentro desse campo ou atmosfera social, que por

sua vez retroalimenta os sentimentos e comportamentos das pessoas. Assim, o contexto

interfere na maneira como as pessoas sentem e agem em uma determinada situação. Essa

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conclusão decorre de uma série de experimentos realizados por ele nos quais o

comportamento de crianças é analisado em dois contextos diferentes, um democrático e um

autocrático. Como comenta o autor, cada um dos casos apresentou uma estrutura dinâmica

diferenciada (LEWIN, 1989): as crianças inseridas no contexto autocrático desenvolveram, ao

longo do tempo, um comportamento de hostilidade, de dominação uns sobre os outros, de

crítica, de individualismo, de baixa originalidade, de agressão mútua, de inimizade, de

insegurança, de baixa moral, de apatia, de subordinação, submissão e dependência em relação

ao líder. Já as crianças submetidas ao contexto democrático, por outro lado, demonstraram

cordialidade, cooperatividade, espontaneidade, proatividade, organização, solidariedade e

independência maior em relação ao líder. Quando os contextos foram invertidos, ou seja,

quando o grupo autocrático foi transferido para o contexto democrático e vice e versa, em

pouco tempo os comportamentos também se inverteram.

Os resultados dessa experiência demonstram claramente, como comenta Allport (1989), a

influência do contexto e do grupo sobre as percepções, ações e sentimentos de um indivíduo,

bem como a importância fundamental do papel do líder na composição da atmosfera de um

grupo.

Ainda de acordo com a teoria de campo, Lewin (1951) considera que as ações observáveis,

“fenotípicas” (Ibid., p. 241, tradução nossa) desempenhadas pelas pessoas ou grupos revelam

apenas superficialmente o que se passa no campo ou em sua atmosfera social. Como coloca o

autor quando comenta a experiência acima, a aparência de tranquilidade e ordem do grupo

submetido à situação autocrática não explicita o grau de tensão interna compartilhado pelo

mesmo. Faz-se necessário, portanto, que se tenha uma melhor compreensão desse mundo

invisível, porém presente e importante, na determinação dos comportamentos sociais de

pessoas e grupos. E como coloca Isaacs (1993), o diálogo é uma das práticas que lida com

esses campos subjacentes. Para tal, é necessário que se conheçam os aspectos relativos aos

três níveis de ação do diálogo descritos por ele em outra obra (1999a) e dispostos abaixo

(considerando que a categorização a seguir é um modelo e, como tal, não tem a pretensão de

abarcar toda a complexidade dos processos de grupo).

2.2.4.1. Os três níveis de ação do diálogo: o grupo como unidade.

A abordagem da dimensão de grupo na teoria de Isaacs (1999a) (ver a parte 1 da figura 1) se

dá a partir daquilo que o autor chama de “arquitetura invisível” da conversa. Essa noção

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decorre diretamente da ideia de campos de Lewin, citada acima, de que as associações entre

pessoas formam campos compartilhados com estruturas ou “arquiteturas” diversas (coerentes

ou incoerentes, estáveis ou instáveis etc.), que influenciam as capacidades de compreensão e

ação coletivas (ISAACS, 1993). Isaacs (1999a) faz uma analogia entre a arquitetura invisível

dos campos sociais com o arranjo de um espaço físico qualquer: da mesma forma que um

ambiente sagrado, por exemplo, produz uma série de sensações devido a sua arquitetura, ao

arranjo físico e estético de suas peças, aos símbolos presentes etc., uma conversa também

possui uma arquitetura, formada pela energia e memória das pessoas em interação.

Reconhecer essa arquitetura permite que se influenciem os rumos de uma conversa, no

sentido de se estimular os aspectos ausentes, fomentar os presentes e promover a evolução das

condições nas quais ela se dá.

O autor então se apóia em trabalhos de Scharmer (2001), que coloca que a evolução de um

grupo rumo ao desenvolvimento do diálogo genuíno passa por quatro campos diferentes, nos

quais as pessoas envolvidas se relacionam em níveis diferentes da “complexidade

conversacional” (SCHARMER, 2001, p. 146, tradução nossa). Os quatro campos estão

dispostos no item 1 da figura 1 e sua dinâmica demonstrada na figura 2.

Um aspecto a ser ressaltado inicialmente é a diferenciação que Isaacs (1999a) faz entre campo

e container. O campo é o campo social descrito acima por Lewin, ou seja, o conjunto de

forças invisíveis atuante em um determinado contexto. O container, por sua vez, é uma

metáfora que o autor criou a partir de uma experiência que teve em uma metalúrgica, em que

havia contêineres de metal fundido (ISAACS, s.d.). O container social é a dimensão visível e

expressa do grupo, o fenótipo de Lewin. Como se vê no esquema da figura 1, nem sempre as

características expressas do grupo, o seu container, refletem seu campo social, o que está

implícito e vice-versa.

O primeiro campo, quando ocorre a formação do grupo, é caracterizado pela predominância

do comportamento cortês dos participantes. Há, portanto, um investimento inconsciente no

grupo (primazia da totalidade), quando as pessoas estão desempenhando suas habilidades

sociais no sentido de se evitar um confronto. É um momento não reflexivo porque, segundo o

autor, os participantes da conversa estão representando os papéis esperados para momentos do

tipo, acessando seus repertórios conhecidos e mapeando a situação existente.

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Apesar do container aparentemente tranquilo, esse é um campo instável, pois se mantém

graças ao não aprofundamento de ideias e a não externalização de conflitos. É um espaço de

civilidade, mas de uma civilidade que oprime o indivíduo em nome do grupo. Essa condição

se mantém até que alguém no grupo traz algum incômodo que quebra esse estado e gera a

percepção de que o diálogo não pode ser imposto por uma vontade ou um decreto. É dessa

crise que nasce a oportunidade para que se promova o avanço para o segundo campo.

Figura 1: As três Dimensões da Interação Humana. Fonte: Mapa mental construído pelo autor deste trabalho a partir de Isaacs (1999a).

O segundo campo emerge quando os participantes começam a dizer realmente o que pensam e

os conflitos, pessoais e sociais, surgem. Inicia-se aqui o que Scharmer (2001) chama de

primazia das partes. O container “esquenta” e a instabilidade do campo, escondida na fase

anterior, emerge. Em muitos casos, a conversa não avança além desse nível. Participantes se

remetem a lembranças de situações parecidas no passado e se desestimulam a continuar. Em

outros, a única opção possível é retornar à cortesia superficial instável do campo anterior.

Entretanto, o conflito é uma condição importante para o grupo, pois se ele não aparecer jamais

as questões mais profundas poderão ser trabalhados. Nesse ponto, não há ainda uma

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investigação sobre o que está em andamento e os participantes, em geral, desempenham

atitudes defensivas.

s

Figura 2: Campos de conversa Fonte: Figura adaptada de Scharmer (2001, p. 147, tradução nossa).

Esse estado pode avançar, no entanto, se a atmosfera criada demonstrar que os participantes

podem afrouxar o apego a suas certezas e olhá-las, assim como a dos outros, com um objetivo

de investigação. Essa é a suspensão de Bohm (2005). Se isso ocorrer, a tensão presente no

container diminuirá, assim como as velocidades e ansiedades. No terceiro campo, portanto,

não há a necessidade de concordância ou resposta e os participantes começam a perceber que

as posições individuais são calcadas em uma história que as justificam e legitimam. É aqui

que os participantes começam a explorar e refletir sobre suas assunções e perceber o quão

pouco entendimento há sobre elas. Também, ao desenvolverem uma melhor compreensão

acerca das raízes de seus próprios pensamentos, se tornam mais aptos a reconhecer que seus

Atos de conversa auto-reflexivos Self-reflective Speech Acts

Atos de conversa não auto-reflexivos

Non-Self-reflective Speech Acts

Primazia do todo

Primazia das partes I - Fala legal

- Primazia da educação - Linguagem reprodutora de regras: re-encenação de antigos jogos; - Não dizer o que você pensa.

II - Fala áspera - Primazia do conflito e do choque - Linguagem reveladora de regras; - Intervenção tipo: diga o que você pensa

III -Diálogo reflexivo - Primazia do levantamento de modelos mentais e assunções; - Linguagem de reflexão sobre as regras; - Intervenção tipo: faça o que diz e diga o que pensa

IV - Diálogo Gerador Auto-presenciamento e busca pelas fontes da realidade emergente; - Linguagem de geração de regras; - Intervenção: veja o que você faz, faça o que você diz e diga o que você pensa.

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pontos de vista são limitados e, mais ainda, que podem ser mudados, sem que isso signifique

uma espécie de suicídio da identidade. A primazia ainda é das partes mas, aqui, o processo

passa a permitir e incentivar melhor reflexão.

O quarto campo é o mais raro de todos e é caracterizado pela acomodação de vários pontos de

vista diferentes sem a necessidade de que eles mudem. Aqui haverá, segundo Scharmer

(2001), uma melhor coesão entre as pessoas do grupo, um compartilhamento tácito de forma

que “uma pessoa pensará em algo e a outra dirá” (ISAACS, p. 280, tradução nossa). Os

participantes sentem-se livres para valorizar seus pensamentos e não escondê-los, por medo

de julgamentos. Começam as construções coletivas e novos significados começam a surgir,

inesperadamente. A primazia retorna ao grupo, no entanto em um contexto bem diferente

daquele do campo 1. Para Isaacs (1999a), é neste momento que se alcançou o diálogo gerador.

Essa é a contribuição de Scharmer (2001) que Isaacs (1999a) traz à teoria do diálogo, que

colabora com a visão do processo relativa especificamente à dimensão do grupo como um

todo. Abaixo as outras duas dimensões, interpessoal e individual serão abordadas.

2.2.4.2. Os três níveis de ação do diálogo: a dimensão interpessoal.

Além do conhecimento sobre os fatores que influenciam o grupo como um todo e sua

evolução ao longo do tempo, a teoria do diálogo pede também que os aspectos relativos às

outras duas dimensões, interpessoal e individual, sejam considerados.

Isaacs (1999a) compõe as questões importantes relativas à dimensão interpessoal de sua teoria

a partir do trabalho de Kantor e Lehr (1976), cuja obra oferece referências para a

compreensão dos processos familiares à partir da teoria sistêmica. Segundo os próprios

autores, apesar de sua teoria se relacionar especificamente às famílias, que são coletividades

com características únicas, pode ser aplicada em outros sistemas sociais.

Os aspectos da teoria de família de Kantor e Lehr (1976) abordados por Isaacs (1999a)

referem-se: 1) aos papéis desempenhados pelos participantes de um grupo quando dentro do

grupo; 2) às linguagens diferentes faladas pelos participantes de um grupo e; 3) às maneiras

de organização do poder e das relações no grupo. Esses aspectos podem ser visualizados de

forma organizada acima, no item 2 da figura 1.

2.2.4.2.1. Papéis desempenhados pelos participantes de um grupo.

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Segundo Isaacs (1999a), em uma conversa cuja dinâmica parece aleatória, os participantes

tendem a desempenhar papéis a partir de duas percepções: i) de como se inserem na conversa

e ii) do que está faltando na conversa. Dentro desse contexto, a teoria de Kantor e Lehr (1976)

reconhece quatro tipos de papéis desempenhados pelos participantes de um processo de

grupo: eles podem ser movedores, seguidores, opositores ou espectadores10. Os movedores

são aqueles que geralmente iniciam a conversa e são foco de atenção temporária. Os

seguidores são os que concordam com os primeiros e, com isso, tornam-se mais próximos

dele, formam alianças. Com relação ao esquema de Scharmer (2001) acima (figura 2),

movedores e seguidores terão papel preponderante no primeiro campo.

Os opositores são aqueles que desafiam o que está sendo colocado, trazem novas perspectivas

e podem ampliar a conversa. No esquema de Scharmer (Ibid..) opositores surgem

primeiramente no momento de crise, em que a cortesia superficial presente no grupo será

substituída por uma necessidade de se colocar o que se realmente pensa. Oposições e

polarizações surgem e o nível de tensão pode subir. É o momento da crise que pode levar à

uma transformação na forma de relacionar e agir do grupo, ou não, ao retrocesso à

superficialidade anterior ou, finalmente, à deserção. Por fim, os espectadores são os

participantes que se mantém afastados da conversa e não costumam tomar partido, podendo

emitir opiniões gerais, mas que não permitem a formação de alianças. Segundo os autores,

uma boa conversa provém da existência desses quatro perfis de forma balanceada (Ibid.).

Cada um desses comportamentos gera, no entanto, percepções positivas e negativas pelos

demais, que podem ser diferentes das intenções da pessoa que os pratica. Por exemplo, a

postura de um movedor, de tomar iniciativa e falar de forma mais desinibida pode ser

traduzida, por outro participante da conversa, como onipotência ou impaciência. A lealdade

do seguidor pode ser interpretada como acomodação, a postura do opositor como crítica

desnecessária e, por fim, a paciência do espectador, como falta de interesse. É importante que

se ressalte que esses papéis não são das pessoas, mas dos momentos, e podem portanto variar

ao longo de uma conversa ou convivência.

2.2.4.2.2. Linguagens.

Além dos quatro papéis desempenhados pelos participantes de um grupo, é importante

também que se reconheçam as três diferentes dimensões de interação (KANTOR E LEHR, 10 Aqui se optou pela tradução dos nomes atribuídos pelos autores, respectivamente movers, followers, opposers e bystanders.

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1976) possíveis de ocorrer dentro de um grupo, o que Isaacs (1999a) traduz como linguagens:

a linguagem do sentimento, do significado e do poder.

A linguagem do sentimento é falada por aqueles cujas preocupações principais centram-se em

como as pessoas estão se sentindo dentro do grupo e atentam-se não só aos conteúdos

conversados, mas também na forma como são conversados; na linguagem do significado, o

interesse se dá nas ideias, valores, teorias e filosofias subjacentes ao que está acontecendo ou

sendo dito. Por fim, a linguagem do poder é proferida por aqueles centrados na ação.

Para o autor, é importante que se reconheçam essas três formas de linguagens e percebam

suas ocorrências em um grupo. Caso contrário, a conversa poderá se desenvolver de forma

confusa, com os participantes tendo dificuldade em se fazerem entender pelos demais.

Ênfases diferentes, no sentimento, no significado e no poder, por diferentes atores podem

impedir que o entendimento se estabeleça entre os participantes. Como o próprio autor coloca,

para que haja comunicação, é necessário que todos falem a mesma língua.

2.2.4.2.3. Forma de organização do poder e das relações no grupo.

Kantor e Lehr (1976) descrevem em seu trabalho três ideais homeostáticos que, segundo eles,

podem ser encontrados em diferentes sistemas familiares. São eles sistemas abertos, fechados

e aleatórios. Tais sistemas se relacionam aos ideais de equilíbrio e desequilíbrio que as

famílias possuem e com os quais mantém e alcançam seus propósitos e determinam os tipos

de respostas às ocorrências do dia a dia. Cada um dos sistemas oferece um repertório próprio

com o qual questões internas e externas são processadas e através do qual mudanças podem

ocorrer para retroalimentar positivamente o ideal homeostático.

Famílias abertas são aquelas que valorizam a participação, as diferentes opiniões e cujos

movimentos são determinados por consenso. Afirmam ao mesmo tempo a coesão coletiva e a

individualidade, no entanto com os interesses coletivos à frente dos indivíduos. Estão abertas

para o mundo exterior e às contribuições que pode trazer para a família, e seus planos de vida

são evolucionários, ou seja, evoluem e se adaptam às condições encontradas.

Famílias fechadas valorizam a tradição, a disciplina e a autoridade. Seus espaços internos são

claramente separados dos externos, como forma de manutenção da privacidade, de

preservação do território, dos valores e autoproteção. Nesse tipo de família os interesses

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individuais devem se submeter aos do grupo e o plano de vida é predeterminado pela tradição,

como forma de destino.

Famílias aleatórias são aquelas que valorizam a individualidade e cujos padrões territoriais

são agregados de estilos individuais, sem haver uma unidade aparente. Da mesma forma, não

existe demarcação clara entre a unidade familiar e o mundo exterior. Nesse tipo de famílias os

conflitos são comuns e são responsabilidade dos indivíduos resolvê-los ou não. Da mesma

forma, compromissos são assumidos com a mesma facilidade com que são cancelados e o

plano de vida é marcado pela espontaneidade.

Isaacs (1999a) estende as características desses conceitos, de formas de organização do poder

e das relações do grupo, para qualquer tipo de coletividade. Assim, grupos quaisquer podem

ser organizados de forma aberta, fechada ou aleatória. Para o autor, tal qual nas famílias,

grupos abertos são aqueles que valorizam e respeitam os indivíduos e incentivam o

aprendizado, o pluralismo e a colaboração, partindo do princípio que um senso de

responsabilidade emergirá desse respeito. Um sistema aberto, como o próprio nome diz, está

aberto à chegada de novos integrantes (e, portanto, opiniões) e à saída de outros.

Grupos fechados valorizam a tradição, a hierarquia, a formalidade, o coletivo, e colocam o

indivíduo em segundo lugar. Possuem mais regras e há uma maior regulação da vida de seus

indivíduos. Em grupos aleatórios, por sua vez, a cultura é individualista e não há muito

comprometimento dos participantes com o grupo em si.

Tais quais os papéis desempenhados pelos participantes de grupo, descritos acima, os

diferentes ideais homeostáticos possuem aspectos positivos e desenrolares que podem ser

inesperados ou indesejados. Por exemplo, o sistema aberto, onde se preserva os indivíduos e

valoriza a participação, pode gerar uma confusão na delimitação entre o público e o privado e

ainda ficar eternamente preso ao que Isaacs (1999a) chama de “tirania do processo”, ou seja,

como há uma grande valorização dos indivíduos e dos diferentes pontos de vista, decisões

coletivas nunca são tomadas ou o são para depois não serem respeitadas. No caso do sistema

fechado, se há uma grande estabilidade, por um lado, há uma grande dificuldade de se

considerarem e de se responderem às mudanças emergentes, às inovações. Por fim, sistemas

aleatórios, onde se valorizam a improvisação, a criatividade e a capacidade de inovação, pode

ocorrer uma forma de aprisionamento pela anarquia.

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Em processos em grupo, o conhecimento dessas formas de organização de poder é importante

porque permite uma melhor compreensão da organização do próprio grupo. Também, a noção

de que diferentes participantes do grupo possam estar acostumados a diferentes arranjos em

suas famílias e locais de trabalho pode colaborar com o direcionamento do processo de

formação do grupo para que ele ocorra de forma mais informada.

2.2.4.3. A dimensão individual

A última dimensão abordada e a contribuição de Isaacs (1999a) para sua própria teoria

operacional do diálogo é a individual, e refere-se às contradições vividas no cotidiano entre

aquilo o que as pessoas têm a intenção de fazer ou dizer e o que fazem, e as limitações que

essas contradições trazem para o diálogo genuíno. Para o autor, uma das possibilidades de

lidar com essas incoerências está numa atenção maior direcionada a quatro habilidades que,

mais conscientes e melhor desenvolvidas, poderão permitir a emergência de comportamentos

mais dialógicos: as habilidades de ouvir, respeitar, suspender (os pressupostos) e falar. O item

3 da figura 1 traz a esquematização desse tema.

Para o autor, a capacidade de ouvir é o coração do diálogo. Não apenas ouvir aos outros, mas

também a si e às próprias reações. Apesar de ser uma ação considerada natural, é na verdade

algo difícil de fazer e precisa ser praticado. Ouvir é desenvolver um silêncio interior e prestar

atenção às palavras e aos silêncios entre as palavras. A dificuldade disso é que, em geral,

nossas reações aos outros provêm da memória, ou seja, de experiências passadas, do

automatismo concordo-discordo de Mariotti (s.d), abordado acima, e não do presente. Assim,

ao invés de ouvir plenamente, participantes de conversas comparam instantaneamente o que

estão ouvindo com os seus próprios repertórios e preparam uma réplica, para ser colocada no

menor indício de possibilidade. Com isso não se ouve, não há disponibilidade, condição

fundamental ao diálogo colocada por Buber (1979). Como Issacs (1999a, p. 18, tradução

nossa) cita em seu texto, “as pessoas não ouvem, recarregam11”.

Outra dificuldade para ouvir provém da centralidade da visão na cultura ocidental. Issacs

(1999a) aborda, em seu texto, essa questão, salientando a diferença de velocidade entre os

estímulos visuais (velocidade da luz) e sonoros (velocidade do som), e conclui que para

dialogar é necessária a capacidade de reduzir a velocidade das percepções para operar na

velocidade do som (ISAACS, 1999a).

11 “People don´t listen, reload”. No caso a palavra reload remete ao carregamento de uma arma.

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Por fim, o autor cita a tendência de se selecionar aquilo que dá suporte as nossas conclusões e

desconsiderar o que as contraria. Tal qual a fala de Dom Helder Câmara sugere na introdução

desta parte, Isaacs (Ibid.) recomenda atenção exatamente àquelas questões que desconfirmam

as certezas, pois que aí estão os potenciais de aprendizado.

Em suma, o desafio para ouvir é ser capaz de reconhecer e deixar de lado as resistências e

reações que são sentidas diante do que está sendo dito, e ouvir. Quando ouvimos, somos

capazes de compreender realmente como as pessoas entendem as coisas. Quando não

ouvimos, a nossa própria interpretação ou desejo do entendimento alheio é a única coisa que

resta (ISAACS, 1999b).

A segunda habilidade abordada pelo autor é o ato de respeitar, que segundo ele é uma postura

que muda a qualidade da oposição (ISAACS, 1999b) de forma a se permitir a “ver os outros

como legítimos” (ISAACS, 1999a, p. 111, tradução nossa) e reconhecer o potencial que

carregam consigo. Mesmo a discordância sobre determinado tema não pode levar à negação

da legitimidade do outro como ser, e nem da sua razão para pensar como pensa. Ao mesmo

tempo, respeitar significa proteger e não invadir o espaço do outro, não querer “corrigi-lo” em

suas colocações e crenças, mas reconhecer que ele tem algo a ensinar. Obviamente, o respeito

não enseja a negação dos erros alheios, autoanulação ou subserviência.

O ato de suspender já foi abordado neste texto. Ele significa “reconhecer e observar nossos

pensamentos e sentimentos à medida que surgem sem sermos compelidos a agir” (Ibid., p.

135, tradução nossa). Não suprimimos e nem defendemos nossos pensamentos com convicção

unilateral (ISAACS, 1999b), mas os colocamos em perspectiva para nós e para os outros e os

vemos a partir de um ponto de vista diferente. Para que a suspensão seja possível, é necessário

que os participantes, individualmente ou coletivamente, estejam cientes de sua incompletude

diante do mundo e da limitação de suas certezas, e percebam que mais importante do que as

respostas, são as perguntas, pois elas que permitirão um mergulho investigativo nos

pressupostos presentes. A suspensão e análise dos pressupostos podem fazer com que aqueles

argumentos inscritos nos e esperados dos papéis sociais se esgotem e levem a conversa para

um ambiente menos preparado, no qual outros caminhos, mais criativos, possam surgir

(YANKELOVICH, 2001).

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Para Tassara e Ardans (2005), a investigação, ou o esclarecimento maior sobre o objeto

analisado (seu desvelamento), pode levar a uma revisão instantânea dos pontos de vista e

formas de agir (o desvendamento) do sujeito, permitindo assim sua ação mais consciente.

Isaacs (1999a) operacionaliza a suspensão e em duas etapas, que são a disponibilização dos

conteúdos do pensamento para si e para os outros e a investigação sobre os processos que

geraram esse pensamento. Ao se suspender, a necessidade de se consertar ou corrigir coisas e

pontos de vista, de se chegar às conclusões ou acordos, é substituída pela disposição para

compreendê-las.

Finalmente, a última habilidade importante para a construção de uma disposição mais

dialógica de vida é a arte de falar, de exprimir a voz própria a despeito de forças de

impedimento, oriundas de si e também do entorno. Segundo o autor (Ibid.), são várias as

influências que impedem que as pessoas se expressem genuinamente. Assim, para falar, de

fato, as pessoas precisam se sentir confiantes o bastante a respeito da validade daquilo que vai

ser dito, da sua importância no contexto e, também, reconhecer que nem sempre saberão o

que dizer ou fazer. Essa habilidade implica também na percepção de que nem tudo aquilo que

se quer dizer precisa ser expresso. Ou seja, nem tudo o que se diz contribui de alguma forma

para a conversa. Dessa forma, o ímpeto para falar deve ser controlado. Como coloca Isaacs

(1999a),

Geralmente eu me coloco ‘em espera’ nos encontros, como um caçador procurando por sua presa, pronto para agir no primeiro momento de silêncio. Minha arma está carregada com pensamentos preestabelecidos. Eu miro e atiro, o contexto é irrelevante, minha bala e sua liberação são tudo o que importa para mim (p. 165, tradução nossa).

Por fim, aprender a habilidade de falar requer perceber que, ao mesmo tempo em que não se

deve ficar calado o tempo todo, deve-se tomar cuidado para não dominar as conversas e

preencher os espaços dos outros (Ibid.).

Obviamente, as dimensões e categorias descritas acima não são estanques e nem devem servir

como rotuladoras. São, na verdade, estereótipos que têm como serventia a orientação e a

organização do olhar daquele que lida com grupos de quaisquer tipos, ou seja, são modelos.

Conhecer esse universo invisível, os campos sociais, pode colaborar com a lida das variáveis

presentes na dinâmica do grupo, aparentemente aleatórias, no sentido de se aumentarem as

chances de sucesso de diálogo. Um último aspecto, no entanto, fundamental nesse sentido, é a

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capacidade de perceber elementos que indicam que o diálogo está a emergir em um

determinado contexto, o que será abordado abaixo.

2.2.5. Indicadores de diálogo

Como visto acima, diálogo é um conceito/prática que tem recebido atenção e importância

crescentes. No entanto, a ampla gama de significados com os quais tem sido relacionado

permite que a terminologia descreva, basicamente, qualquer tipo de conversa (ISAACS,

2001). Isso leva à pertinência de se deixar claro o que se quer dizer quando se alude a ele.

Também, de se sugerirem mecanismos práticos que colaborem com o reconhecimento, dentro

de um determinado processo em curso, de que o diálogo emergiu ou está para emergir. Para

isso é fundamental a identificação de indicadores de diálogo.

Apesar da polissemia do termo, pode-se encontrar uma ampla gama de autores que

consideram que o diálogo é uma forma de conversa que se dá dentro de uma condição de

simetria ou igualdade (BUBER, 1979; FREIRE, 1983; 1987; 1998; ISAACS, 1993; 1999a;

1999b; 2001; s.d; BOHM, 1999; 2005; OLSSON e WOHLGEMUTH, 2003; SPINK, 2003;

EDGREN, 2003, SUZUKI, 2003; OUATTARA, 2003; YANKELOVICH, 2001). Assim,

indicadores de diálogo serão aqueles que demonstrarão que, em um determinado contexto, a

igualdade está sendo construída. Isso significa, na prática, que esforços conscientes estão

sendo feitos para que os obstáculos que se colocam ao diálogo sejam lidados e suplantados.

O primeiro indicador a ser abordado aqui e o mais destacado por proponentes do diálogo

(BOHM, 1999; 2005; YANKELOVICH, 2001; ISAACS, 2001; 1999a; 1999b; 1993; s.d) é o

da suspensão de pressupostos.

Dentro da teoria dos campos de conversa de Isaacs (1999a), esquematizada na figura 1, acima,

a situação na qual se estimula a suspensão de pressupostos se dá nos contextos que ele

categoriza como campos II e III. O campo II é caracterizado pela polarização na conversa e

emergência da tensão no grupo, conforme descrito acima, quando a cortesia inicial não se

sustenta mais e quando o foco no grupo é substituído pelo foco no indivíduo. Para o autor,

esse é um momento crucial, pois a conversa pode caminhar para uma discussão (conversa

fragmentada, focada nos lados) e se transformar em um debate (na batalha), ou ser

direcionada para o exercício de investigação, ou seja, para a análise dos pressupostos que

estão impedindo a conversa de avançar (ISAACS, 2001). A centralidade desse momento em

um processo de construção de diálogo se dá justamente porque o estado de conflito em

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processos de grupo é uma experiência comum para os participantes, que não estão

acostumados a ir além desse estágio. Para Isaacs (1999a), as tentativas de conversa, em geral,

param aí, deixando para trás um grande trauma e resistência para outras experiências ou

retornam para a fase inicial, a da superficialidade.

Ainda segundo o autor, a suspensão é o momento da mudança de direção na conversa, uma

parada ou passo atrás no sentido de se olhar para o que está ocorrendo com novos olhos

(Ibid.). Alguns autores que lidam com o tema do diálogo conforme abordado aqui descrevem,

em suas obras, situações coletivas que vivenciaram e que evidenciam a ocorrência da

suspensão de pressupostos. As conclusões e os princípios de algumas dessas situações serão

abordadas abaixo:

Um primeiro exemplo de suspensão pode ser observado em uma situação em que a ênfase da

conversa se desloca de respostas pré-programadas e de argumentos inscritos nos papéis

sociais para uma situação menos preparada. Isso pode ocorrer porque os argumentos prontos

terminaram ou porque é levantada uma questão para a qual ninguém tem uma resposta pronta.

Nesse momento, inicia-se realmente uma conversa mais equitativa e investigativa em torno da

questão, pois surge uma possibilidade para a construção criativa que, por sua vez, é capaz de

aproximar os participantes (YANKELOVICH, 2001).

A suspensão pode ocorrer também quando, em uma determinada situação específica que

alcançou um ponto recorrente, se faz uma alusão a algum aspecto incoerente mais geral que

sempre vai produzir os mesmos resultados incoerentes nas questões específicas. Ou seja,

quando os princípios de operação ou funcionamento de algo são trazidos para a conversa e

debatidos ao invés da questão específica em si, geradora do conflito. Isso reduz o foco da

tensão e distancia os participantes da conversa de suas obsessões (que são relativas aos temas

específicos) para colocá-los em uma situação em que serão capazes de analisar as causas do

conflito de forma mais criativa (Ibid.).

O terceiro exemplo de suspensão abordou a demonstração de atenção e de cuidado na

compreensão das razões que levam os participantes a pensar e agir de determinado modo.

Como coloca Bohm (1999), pensamentos e ações das pessoas decorrem de sua história de

vida e farão sentido para os demais se esse contexto for exposto.

Isaacs (1999a) destaca a ocorrência do levantamento, entre os participantes da conversa, de

prós e contras acerca de um determinado assunto. Para o autor, a busca pela solução conjunta

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valoriza a participação e a produção coletiva em detrimento das posições individuais, além de

fomentar o sentimento de coautoria, que por sua vez colabora para a coesão do grupo. Ainda,

o autor ilustra o processo de suspensão ocorrendo a partir da externalização, por parte de um

participante, de seus pensamentos e dilemas sobre um assunto, o que pode levar também ao

envolvimento do grupo.

Uma última demonstração de suspensão, abordada por Isaacs (1999a), diz respeito ao

questionamento das categorias fundamentais e rótulos que são aplicados uns aos outros e que

carregam consigo o histórico das relações entre os papéis sociais. Como coloca o autor,

muitas das nossas opiniões decorrem de inferências feitas e não comprovadas a respeito dos

outros. Tais inferências acabam por tornar-se realidade e, com o tempo, podem ainda inflar. É

necessário então que elas sejam desafiadas e que essas percepções superficiais sejam

complementadas por outros elementos que vão sendo adicionados à medida que conhecemos

melhor uns aos outros. Por exemplo, para um facilitador de diálogo, receber um depoimento

de algum membro do grupo surpreso com a diferença na comparação daquilo que percebeu do

comportamento de alguém com o que esperava desse comportamento a partir do que tinha

ouvido falar, de seu comportamento em outros contextos ou ainda do que esperava por sua

posição social, demonstra o processo de suspensão.

Outros indicadores de diálogo são gestos que explicitam o desejo de se humanizar a conversa,

torná-la uma relação sujeito-sujeito, ao invés da manutenção dos papéis sociais e hierarquias:

nos casos citados por Yankelovich (2001), aparecem demonstrações de compreensão e

atribuição de legitimidade das preocupações alheias, o desempenho de gestos de ajuda, de

colaboração, solidariedade e de ações que visem facilitar a horizontalidade nas relações

(principalmente quando o que se espera é justamente o contrário), a ocorrência de pedidos de

desculpas e também expressões emotivas, quando cabíveis. Nesse contexto, o autor ressalta a

importância do “primeiro passo” (Ibid., p.88, tradução nossa), dificultado pela sensação de

fraqueza e de derrota que pode ensejar para os demais participantes.

Freire (1998) e Isaacs (1999a) abordam, por sua vez, comportamentos que demonstram a

disponibilidade ao outro, à escuta. De fato, a presença genuína dos participantes de um grupo

pode ser percebida por meio de seus comportamentos, a concentração no que está sendo feito,

a disponibilidade de tempo, a presença nos encontros etc.. Uma estratégia utilizada por Spink

(2003) em um conjunto de reuniões com atores de diversas instituições para se discutir a

pobreza, visando aumentar as chances de disponibilidade dos participantes, foi a de permitir a

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participação à apenas aqueles que pudessem garantir a presença ao longo de todo o encontro.

Isso impede, por exemplo, posturas comuns como a de dar o seu recado e, logo depois, sob

algum pretexto, deixar o evento, o que pode ser recebido como um anúncio de falta de

comprometimento ou de respeito, e realmente minar a legitimidade do evento.

Da mesma forma, escutar é muito mais do que ouvir a voz do outro, como está implícito na

questão que intitula o texto de Emiliani (2003), “o diálogo na cooperação internacional: quem

ouve?”. Ouvir de fato é se importar, levar em consideração o que é dito e inserir o dito nos

processos de tomada de decisão. Assim, a inclusão das reivindicações feitas nos documentos

ou nos procedimentos seguintes dos processos em questão pode ser considerada como um

indicador de diálogo.

Freire (1983; 1987; 1998) cita também as demonstrações de humildade, que caminham pari

passu com a autopercepção de incompletude e, portanto, da importância do outro, do diferente

como alguém que tem algo a ensinar, o respeito de Isaacs (1999a). Há ainda demonstrações de

segurança individual e confiança (FREIRE, 1987; OLSSON E WOHLGEMUTH, 2003), que

ocorrem, por exemplo, quando participantes expõem questões pessoais publicamente, quando

aqueles mais quietos se expressam ou ainda quando alguém admite algo que estava relutante

(YANKELOVICH, 2001).

Um exemplo disso ocorreu no projeto descrito por Andrade, Croisfelts e Laguna (2004),

desenvolvido com professores de em uma escola pública. O projeto teve dois módulos, um de

formação dos próprios professores e um segundo no qual um projeto, ou mais, seriam

desenvolvidos pelos mesmos em conjunto com os alunos. No momento do levantamento de

temas para a realização dos projetos com os alunos, várias ideias surgiram e passaram a

competir umas com as outras. Todas elas direcionadas aos alunos. Até que uma professora se

colocou: “não é possível se trabalhar a questão de valores com alunos se não há harmonia

entre os professores e os demais profissionais da escola” (Ibid., p. 98). Essa intervenção

mudou os ânimos e os rumos da conversa, que passou a ser direcionada aos próprios

professores e à escola como um todo. Os professores concordaram, a competição por temas

diminuiu e uma nova busca se iniciou. O resultado visível foi a realização de um projeto com

ênfase em “meio ambiente e valores humanos” e os invisíveis, tácitos, foram vários outros,

como a mudanças didáticas e pedagógicas no cotidiano dos professores, uma percepção mais

abrangente do tema “meio ambiente” e a formação de um vínculo antes inexistente entre eles.

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Ao contrário do que se pode esperar, um indicador de que um diálogo saudável está em curso

é a emergência de confrontos (Buber, 1991; Silva, 1996). A externalização de diferenças

demonstra que o espaço atingiu um nível de segurança que o coloca além da cordialidade

superficial abordada acima. Da mesma forma, o surgimento do confronto demonstra que os

participantes estão confiantes o bastante para colocar as suas posições em um contexto

adverso. O importante nesses casos é que o enfoque o confronto seja nas ideias e não nas

pessoas que as proferem, ou seja, no centro e não nos lados.

Por fim, Yankelovich (2001) destaca, como um indicador de diálogo, quando surgem

afinidades entre pessoas do grupo que, inicialmente, percebiam apenas que tinham fortes

discordâncias, se viam e se tratavam a partir dos estereótipos pré-concebidos.

Essas são algumas situações que podem indicar momentos de transição em que a conversa vai

passar de uma condição polarizada para, de fato, uma construção coletiva, que a confiança e o

respeito estão sendo formados e que o grupo está se tornando, de fato, um grupo. Obviamente,

os exemplos de indicadores não se exaurem aqui. Várias outras demonstrações de suspensão

de pressupostos, de humildade, da capacidade de ouvir etc. podem ocorrer. Ao mesmo tempo,

a ocorrência das situações descritas aqui, ou outras, não garante que a condição dialógica está

sendo alcançada. É importante, assim, que promotores de espaços de diálogo atentem-se a

esses e também outros indicadores e sejam capazes de, no momento em que emergem,

aproveitá-los no sentido de potencializar a condição dialógica emergente.

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3. A TERCEIRA EMERGÊNCIA: A PESQUISA

3.1. O contexto da pesquisa

Como foi abordado nas emergências inicias desta pesquisa, há um movimento no campo da

educação ambiental brasileira no sentido de se ampliar o alcance dos processos que pensam,

constroem e implantam políticas públicas para incluir atores que, via de regra, não são

contemplados. Tal movimento visa à incorporação, nas políticas públicas, de valores

tradicionalmente ausentes e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento do exercício cidadão nos

atores que participam. Também, visa à construção de políticas públicas com maior pertinência

territorial e legitimidade diante dos educadores e educadoras da região onde se aplica: que

pedagogias e políticas estabeleçam uma relação dinâmica de alimentação e retroalimentação

constantes e que esse ciclo colabore para a apropriação das mesmas pelos envolvidos, sejam

eles gestores/gestoras ou educadores/educadoras (ANDRADE, et al, 2013).

O Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), lançado em 2005, sugere um

método para que esse processo se dê, a formação de coletivos de educadores ambientalistas

que construam políticas públicas por meio do diálogo. Essa proposta, inovadora no campo da

educação ambiental em âmbito federal, chama a atenção por focar não apenas nos resultados

obtidos (os conteúdos das políticas públicas) como também nos processos pelos quais são

feitas. Mais do que isso, demarca a insuficiência dos processos meramente participativos. Para

o ProNEA não basta a participação, o meio pelo qual tais relações devem se estabelecer é

mais radicalmente inclusivo, o diálogo.

O arcabouço teórico deste texto teceu as diferenças entre participação e participação

dialógica. Demonstrou que embora enovelados em muitos momentos (os momentos referentes

à participação), as propostas dialógicas trazem uma novidade para as dinâmicas: além de se

preocupar com os processos, atentam-se também às consequências do mesmo para as práticas

interpessoais daqueles que participam.

Neste contexto, o diálogo para ser fomentado demanda métodos ou dinâmicas apropriadas

para enaltecer a multivocalidade e a construção coletiva. Mas mais do que isso, precisa ser

reconhecido e institucionalizado nos documentos que resultam de tais práticas. Em outras

palavras, o diálogo como pressuposto precisa ser enunciado como um valor nos conteúdos

que são produzidos através dele (ANDRADE et al, 2013).

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A proposta do ProNEA, portanto, se coloca como inovadora no universo das políticas

públicas de EA no sentido de que sugere lógicas e métodos não ortodoxos (até então) nesse

campo no Brasil. Neste contexto, qualquer território onde é incorporada é transformado,

assim, em um laboratório a ser estudado, o que é o caso do objeto de estudo deste trabalho.

Esta pesquisa de campo se deu ao longo de 2011 e início de 2012, em um município de porte

médio situado no interior do estado de São Paulo, à nordeste da capital. Há, no país, 145

municípios com população entre 80.000 e 121.000 habitantes, dos quais 32 estão localizados

neste estado12. Do ponto de vista ambiental, tais municípios têm passado por demandas

provenientes de iniciativas mais amplas que têm levado a criar modificações em suas

estruturas burocráticas e institucionais. Exemplos dessas mudanças advêm do Programa de

Descentralização da Gestão Ambiental, previsto em resolução CONAMA (237/97) desde

1997 e sendo paulatinamente incorporado nos municípios e, no estado de São Paulo, o

Programa Município VerdeAzul, que pontua e estabelece um ranking das cidades em função

da performance ambiental que desempenham em relação a um conjunto de critérios

desenvolvidos pela própria secretaria.

Em ambos há uma demanda para os municípios criarem, dentro de suas administrações,

instituições (secretaria ou outra estrutura, e conselho) que lidem especificamente com a

questão ambiental.

Embora o Programa de Descentralização da Gestão Ambiental esteja ganhando cada vez mais

adeptos (segundo a página da CETESB há atualmente 45 municípios que realizam

licenciamentos e expedem licenças ambientais desde 2009, e outros 10 em preparação13), o

Programa Município VerdeAzul é mais ostensivo ao colocar os municípios em competição

consigo mesmo (ano a ano) e com os demais (por meio do ranking), recebendo atenção da

mídia. Além disso, a boa pontuação do município é pré-requisito para que seja elegível para

obter recursos do Fundo Estadual de Controle da Poluição14.

Neste programa, a EA é uma das 10 diretivas e recompensa aqueles municípios que, entre

outras coisas, criarem uma lei, diretrizes pedagógicas e um programa de educação ambiental

formal e/ou não formal.

12 Fonte: IBGE Cidades, senso de 2010. http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 13 http://www.cetesb.sp.gov.br/institucional/descentraliza%C3%A7%C3%A3o-da-gest%C3%A3o-ambiental/90-descentraliza%C3%A7%C3%A3o-da-gest%C3%A3o-ambiental 14 http://www.ambiente.sp.gov.br/municipioverdeazul/files/2011/11/criterios_2012.pdf

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Ativo desde 2007, tal programa tem oferecido um incentivo para que municípios não só

instalem uma burocracia para atender às questões ambientais como também criem um

arcabouço legal e administrativo relativo especificamente à EA. Isso gera uma grande

demanda, principalmente nos municípios de menor porte, devido ao desaparelhamento dessas

instituições, à “competição” que a EA sofre dos outros quesitos ambientais (como o

licenciamento municipalizado), e também à maior probabilidade de imaturidade da EA nessas

localidades e, portanto, de inexistência de uma massa crítica organizada que possa colaborar

com a construção de tais políticas.

Neste contexto, se por um lado a demanda do Município VerdeAzul coaduna com outras,

como o estímulo proveniente do ProNEA para que localidades criem suas próprias políticas

públicas de EA, por outro o atrelamento dela com uma “competição” e uma condição para

elegibilidade a recursos pode levar à construção apressada e exclusivamente burocrática de

tais políticas, sem muita relevância para as condições ambientais do município e sem

aderência aos educadores e educadoras locais. Um exemplo de texto legal que pode ilustrar tal

pressa é o da lei que dispõe sobre a instituição da política de educação ambiental no

município de Monte Alto, no interior do estado de São Paulo. Apesar de distar cerca de 500

km do litoral mais próximo, apresenta como um dos objetivos fundamentais “o

desenvolvimento de programas, projetos e ações de Educação Ambiental integrados [...] ao

gerenciamento costeiro [...]” (MONTE ALTO, 2010)15. O texto repete claramente o presente

nos objetivos da política estadual de educação ambiental do estado de São Paulo (SÃO

PAULO, 2007). A lei paulista provavelmente serviu de moldes para o da localidade, que

buscou fazer alterações consideradas pertinentes, mas um resquício do original permaneceu.

Imagina-se, aqui, quanto do restante do texto também ficou, mas que não ganha destaque por

se referir a questões ambientais generalistas que fazem sentido em qualquer localidade do

país. Mesmo que o município tenha pretendido manter o texto como está, sob uma eventual

alegação sistêmica (mesmo um município interiorano influencia e é influenciado pelas zonas

costeiras), não teria ele questões mais íntimas a serem destacadas na política?

Foi dentro deste contexto de institucionalização da questão ambiental nos municípios, e

sobremaneira no estado de São Paulo, que se decidiu pela organização de um Coletivo

15 O objetivo com o destaque desse fato não é o de criticar os responsáveis pela lei ou o município. Imagino que o processo de gestação da mesma tenha se dado pela contratação de uma empresa de consultoria ou a partir de alguns poucos “heróis” que se empenharam visceralmente para que ela fosse produzida. O contexto da produção e da sanção da lei, entretanto, que é entrecortado por vários atores e interesses, nem todos com aderência à EA e portanto familiares com seus conteúdos, pode levar a ocorrências do tipo.

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Educador Ambiental no município objeto desta pesquisa. Na ocasião, no início de 2011, a

recém contratada diretora do Departamento de Educação Ambiental municipal (DEA)

começou a organizar a formação de um coletivo educador ambiental (CEA), que segundo ela

tinha como função dialogar sobre a educação ambiental para o município e, a partir daí,

produzir políticas públicas de educação ambiental. Sabendo de minha condição de estudante

de doutorado, solicitou a minha cooperação técnica.

A constituição deste CEA e suas construções coletivas tornaram-se, então, o foco principal

desta pesquisa, de analisar em linhas gerais o diálogo em processos de delineamento e

implementação de políticas públicas. Embora este estudo não tenha como objetivo criar leis

gerais ou teorias que possam ser aplicadas a outros contextos, insights sobre o contexto

podem colaborar com movimentos de criação de políticas públicas em outras localidades,

principalmente aquelas em cidades de porte semelhante.

O problema da pesquisa, então, se coloca em como o diálogo perpassa a constituição do CEA.

Se há a intenção do ProNEA para que coletivos educadores sejam permeados pelo diálogo nos

processos de construção de políticas públicas, como ele se dá? Ele surge espontaneamente ou

há questões contextuais que são manipuláveis e que precisam ser desempenhadas de forma a

fomentá-lo? Como ele se dá dentro do grupo e também entre as instituições municipais que

podem exercer influência sobre ele. Dentro da sua multidimensionalidade, a pesquisa buscou

o diálogo em documentos de educadores e educadoras, nos discursos proferidos, nas ações

promovidas pelo CEA e também nas práticas interpessoais, nas relações que se estabeleceram

entre indivíduos e instituições.

As técnicas de pesquisa, que serão detalhadas a seguir, pressupuseram o acompanhamento

deste grupo ao longo do ano (foram 16 encontros) e ainda um acompanhamento do trabalho

desempenhado pela diretora da DEA (foram outros 14 encontros “formais” e várias outras

conversas que se deram em ambientes “informais”, por telefone e e-mail).

A importância dessa convivência com a diretora do DEA, para além dos encontros do CEA,

foi que ela propiciou uma percepção melhor sobre a teia de relações na qual estava inserida, e

os pontos ou “nós” que exerciam maior ou menor pressão em determinados momentos sobre

ela e sobre a proposta do CEA. Dentro desse contexto, tal convivência permitiu localizar os

potenciais ou não para o diálogo dentro desse processo.

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A partir desse mapeamento de “nós” importantes nessa teia de relações, do ponto de vista do

DEA, tais sujeitos foram buscados com a finalidade de se verificar como se inseriam na

narrativa que estava sendo formada. Isso justifica as entrevistas com esses sujeitos, colegas da

diretora na dimensão pública e também com participantes do CEA.

Ao mesmo tempo em que constituía o cenário de bastidor do trabalho da diretora da DEA e

das demais instituições públicas responsáveis pela EA no Município, eu conhecia, também,

educadores e educadoras ambientais nas reuniões do coletivo. Ao longo de 16 reuniões em

2011, tive contato com aproximadamente 120 educadores e educadoras que vieram conhecer

o grupo. A grande maioria veio e se foi. Vários vieram, ficaram um pouco e também se foram.

Outros vieram, foram e voltaram. E outros se tornaram progressivamente cativos. Com esses

últimos, com o tempo, um vínculo foi se formando, em parte pelas reuniões em si e em parte

pelo desempenho conjunto em algumas tarefas que fomos nos atribuindo como grupo (falarei

mais delas, abaixo). Ao final deste ano fiz a primeira intervenção com o grupo (um grupo

focal) a fim de verificar como os participantes sentiram suas vivências ao longo do ano e

como achavam que a dinâmica das relações entre os participantes tinha se dado.

O CEA se formou com os objetivos iniciais de, simplesmente, reunir educadores e educadoras

do município que têm suas práticas perpassadas pela dimensão ambiental. Também, de

compartilhar e mapear suas práticas. O horizonte futuro era o de constituir políticas públicas

de EA para o município.

Surgiram, para o grupo, vários “tipos” de educadores e educadoras, como professores e

professoras, ambientalistas ativistas, educadores e educadoras comunitárias, representantes de

instituições etc. Obviamente, provavelmente porque a liderança do grupo foi estabelecida pela

Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SME), abundaram professores e professoras de

escolas municipais, principalmente depois que a diretora conseguiu negociar para que eles

cumprissem seus horários de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) no grupo.

3.2. As atividades acompanhadas em campo.

Para que o leitor compreenda as instâncias de formação de laços de relação com os

participantes do coletivo e o desenvolvimento do grupo, as principais atividades vivenciadas

por mim serão listadas abaixo.

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Primeiro, ao longo dos encontros do coletivo, aqueles participantes que demonstravam maior

interesse e passaram a conviver mais no grupo foram sendo mapeados (quem são, o que

fazem, como a EA se insere em suas vidas, que tipo de atividade de EA desenvolvem etc.).

Alguns deles chegaram a fazer apresentações para todo o grupo de suas atividades. Essas

dinâmicas foram interessantes porque trouxeram os temas do coletivo para bem próximo dos

educadores e educadoras, e vários vínculos de familiaridade foram sendo formados entre os

participantes.

Próximo ao final do primeiro semestre de 2011, a diretora foi convidada pelo secretário do

meio ambiente para participar da 1ª Conferência de Meio Ambiente do município. Na

verdade, o secretário solicitou a ela que fizesse um levantamento de temas ambientais para

serem trazidos para a conferência. Sugeri então que essa tarefa (o levantamento dos temas)

não fosse dela, mas do próprio coletivo, que já estava ficando cansado da repetição das pautas

dos encontros (todo encontro com a apresentação de algum projeto de um ou mais

participantes). O grupo então aceitou o convite e se engajou na realização de uma pré-

conferência do meio ambiente, na verdade se tornou um fórum de levantamento de questões

ambientais do município com cerca de 60 educadores e educadoras, além de munícipes e

interessados presentes.

O processo de planejar e realizar a pré-conferência, além de levar os resultados para a própria

conferência, trouxe ao grupo grande ânimo. Houve algumas reuniões específicas, leitura e

conversa sobre um texto acadêmico e a definição de um roteiro para a oficina. Foi como se a

atividade tivesse trazido sentido para aquilo que estavam fazendo e conversando no coletivo.

E foi um trabalho coletivo. A avaliação de todo o processo relativo a este evento foi muito

positiva, e foi com essa sensação que o primeiro semestre chegou ao fim.

O segundo semestre se iniciou com a diretora trazendo novas demandas para o grupo. Ela

tinha recebido, assim que contratada (mais ou menos em agosto de 2010), a tarefa de

desenvolver um jogo ambiental para o município. Segundo ela, o prefeito da cidade tinha

presenciado uma dinâmica que ela tinha desenvolvido com crianças utilizando um jogo do

SENAC, uma espécie de jogo de tabuleiro só que com grandes dimensões (com o tabuleiro

medindo 6x6m no qual as peças são os próprios participantes) e com pontos de importância

ambiental na cidade de São Paulo. O prefeito, então, solicitou para ela construir um jogo igual

contendo pontos do município. Seguindo a ideia da conferência, realizada no semestre

anterior, ela trouxe a tarefa para o coletivo, dessa vez sem a minha sugestão.

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Assim, os primeiros encontros do segundo semestre foram destinados a fazer um

levantamento de pontos de importância ambiental no município e colocá-los em um mapa,

bem como criar questões para serem respondidas pelos usuários. O ponto alto dessa atividade

foi a percepção que muitos dos participantes tiveram de que não conheciam o município e

muito menos vários pontos ambientalmente relevantes (locais de nascentes, áreas preservadas

e degradadas etc..). E dessa percepção emergiu a sugestão de que o grupo deveria ir visitar

alguns desses pontos, o que seria ao mesmo tempo educativamente relevante e traria bons

frutos para o próprio jogo. Tais visitas foram realizadas em duas oportunidades, dois

domingos pela manhã, em datas escolhidas pelo próprio grupo.

Em levantamento realizado ao final do ano de atividades do coletivo, em 2011, essas visitas

foram o grande destaque do ano. Realmente trouxeram para o grupo a percepção de

desconhecimento de seu território e também estimularam conversas sobre os processos

educativos, que se dão sobre o desconhecido, sem respaldo com a realidade. Nos dois passeios

o grupo passou por trechos dos quatro principais cursos de água da cidade, desde suas

nascentes até locais com apelo ambiental (em geral, com problemas ambientais). Essa

atividade propiciou reflexões, trouxe indignação e motivou o grupo para continuar e agir.

Ao final do desenvolvimento do mapa ambiental, devido a novas demandas recebidas na

diretoria de educação ambiental, por quase dois meses o grupo não se encontrou, voltando

apenas no final de novembro, novamente por sugestão minha, diante da necessidade de se

estabelecer um fechamento para o ano. Nesta nova reunião, definida pela diretora como a

última do ano, foi realizada a avaliação do grupo e iniciado o planejamento para 2012, que

acabou ocorrendo em ainda outras duas outras reuniões, em dezembro.

Os vários planos coletivos estabelecidos, assim como a ansiedade pela retomada do grupo em

2012 começou a esmorecer à medida que as diferentes datas estabelecidas para reencontro do

grupo passaram a ser postergadas pela diretora do DEA. A razão para tal foi sua nomeação

como a nova diretora da escola de educação ambiental. A partir deste ano a diretora passara a

acumular suas funções, em consequência da transferência da ex-diretora para a secretaria do

meio ambiente.

Aos poucos, as demandas da escola tornaram-se tão grandes que praticamente levaram todo

seu tempo, deixando os afazeres do DEA, coletivo inclusive, em latência. Com o tempo, essa

latência também sucumbiu, principalmente com a saída da mesma de ambas as posições no

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início do segundo semestre de 2012. Essas mudanças acabaram também por restringir a

pesquisa de campo ao ano de 2011, com o CEA, e se manter apenas com as entrevistas com

os sujeitos selecionados.

Recapitulando, os principais momentos do CEA se deram com as apresentações dos

participantes e de seus projetos de educação ambiental, o planejamento e realização da pré-

conferência, a sistematização dos dados e participação na conferência municipal do meio

ambiente, o desenvolvimento do mapa ambiental do município e as visitas, uma avaliação

final e planejamento para 2012. Tais atividades, e parte de seus bastidores, foram

acompanhadas por mim, na perspectiva de localizar como que o diálogo, ou sua ausência,

diretamente ou em um ambiente mais amplo, perpassava os afazeres do CEA e dos “produtos”

derivados dele.

3.3. O acompanhamento do trabalho de bastidor da DEA.

Acompanhar o bastidor dos trabalhos da diretora do DEA no município me permitiu vivenciar

não só o seu dia a dia nos momentos formais, mas estar presente nas conversas de corredor

(dentro das secretarias), em alguns deslocamentos, em algumas ligações telefônicas

comentadas por ela, em refeições etc.. Dessa forma, pude compreender melhor as suas

funções institucionais - ela tinha outros projetos, ideias e demandas além do coletivo - e

dificuldades inerentes, e estabelecer um mapeamento de suas relações e os vínculos

importantes relativos à consecução deles. Também, pude acompanhar os bastidores da

formação do projeto do coletivo, CEA em si e seu trabalho.

Essa condição favoreceu bastante o desenvolvimento de uma pesquisa-intervenção, que era a

intenção desde o início. Munido de um caderno de campo, teci anotações sempre que

pertinente, do que era visto e também daquilo que eu sentia. Sempre que um fio de meada

interessante levava a um ator específico (ou grupo de atores) que eu julgava importante, ele,

ela ou eles se tornavam sujeitos para uma abordagem mais próxima, feita por meio de

entrevistas individuais ou ainda coletivas, conforme será visto na metodologia.

Um aspecto desse formato de pesquisa de campo que foi delineado e que merece destaque é a

condição na qual eu me estabeleci por ter como referência principal no município o

acompanhamento do CEA, que por sua vez era uma ação do DEA. Se é natural que um sujeito

pesquisado veja o pesquisador com desconfiança, talvez essa posição aumentasse a

desconfiança dos sujeitos de outras instituições e interferisse nos processos de coleta de dados

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(por me interpretarem como um aliado do DEA). Como indica Patton (2002), um pesquisador

qualitativo precisa refletir, lidar e reportar fontes potenciais de enviesamento em seu trabalho,

e essa minha posição certamente teve uma influência sobre senão todos alguns dos atores

incluídos no escopo da pesquisa.

Minha postura diante disso foi, a todo o momento, de deixar claras minhas intenções (de

construção de conhecimento acerca de processos de construção coletivos dialógicos de

políticas públicas), a confidencialidade dos dados levantados e de suas identidades (em nome

disso, sequer o nome do município será revelado aqui). Também, que meu interesse era de

colaborar com a EA no município como um todo. Finalmente, do ponto de vista metodológico

da pesquisa, explicitar essa possibilidade de interferência e considerá-la ao longo de todo o

processo.

3.4. Objetivos do trabalho

Dentro do contexto descrito acima, os objetivos deste trabalho são:

Objetivo Geral:

1. Compreender a ocorrência do diálogo em um processo de construção de política pública em

educação ambiental em um município do interior do estado de São Paulo, SP.

Objetivos específicos:

1. Fazer um levantamento de abordagens de educação ambiental promovidas por atores do

município e se e como o diálogo está incorporado nelas;

2. Reconhecer estratégias utilizadas pelos sujeitos envolvidos no escopo da pesquisa para

fomentar a emergência e incremento da dialogicidade de suas práticas individuais e

coletivas;

3. Fazer um levantamento de possíveis conflitos entre os sujeitos envolvidos no escopo da

pesquisa, que possam compor a construção dialógica de políticas públicas de educação

ambiental;

4. Localizar pontos-cegos na demanda por dialogicidade na relação entre os sujeitos

envolvidos no escopo da pesquisa.

3.5. Metodologia

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Este trabalho é uma pesquisa de natureza qualitativa. Segundo Patton (2002), a pesquisa

qualitativa é um tipo de estudo que visa à compreensão da realidade à medida que ela se

desenrola. Estudos desse tipo se diferenciam dos quantitativos justamente por não promover a

manipulação do objeto de estudo e pela maior dificuldade (e crítica quanto à adequação) de se

preestabelecer os seus cursos metodológicos, já que mudanças operam ao longo do trabalho

de investigação e demandam adaptações. O que se tem a princípio é um foco inicial e uma

ideia de método(s) a ser(em) utilizado(s), que vão se delineando mais concretamente à medida

que o trabalho se dá. Dentro desse contexto, flexibilidade e abertura são fundamentais.

Estudos qualitativos produzem categorias ou dimensões de análises a partir das observações,

que colaboram com a compreensão de possíveis padrões existentes no objeto. Como as

variáveis que emergem não são conhecidas de antemão e as relações entre elas nem sempre

são lineares, eles não pedem a delimitação de uma hipótese formal a ser testada. De fato, para

Patton, a especificação de variáveis operacionais e a formulação de uma hipótese a ser testada

são “impossíveis e inapropriadas” (Ibid, p. 44, tradução nossa).

O objetivo fundamental de uma pesquisa qualitativa é de conhecer o objeto de estudo com

profundidade. Por não ter a intenção de promover generalizações, permite a criação de

escopos que envolvam pequenas “amostras”, suficientes para o interesse do estudo. Mesmo

assim, trabalhos qualitativos trazem possibilidades de aprendizado que podem iluminar outras

circunstâncias e até gerar novos campos de pesquisa (Ibid).

Dentro desse contexto, a função do pesquisador é “ir para o campo” (PATTON, 2002, p. 48,

tradução nossa) e participar sempre que possível dos acontecimentos envolvendo seus

sujeitos, conhecendo-os em nível pessoal e experimentando o ambiente afetivamente e

cognitivamente (Ibid). Em campo, documenta o processo por um determinado tempo e inclui

em suas anotações todos os dados relevantes para a compreensão do objeto, sem exclusões a

priori.

O universo da pesquisa qualitativa não é monolítico, mas abriga vários tipos de tendências

epistemológicas. Tais classificações não são, entretanto, consensuais e as fronteiras entre as

várias vertentes não são bem definidas. Para aumentar a complexidade, diferentes tendências

podem ser utilizadas em combinação. Da mesma forma, pesquisas qualitativas apresentam

diferentes graus de liberdade em relação ao controle do objeto. Assim, não se pode esperar

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uma forma de “pureza” dentro das propostas qualitativas, mas diversos graus de aderência a

uma ou outra vertente ou perspectiva epistemológica (Ibid).

Para Becker (1993), os pressupostos da pesquisa qualitativa permitem que pesquisadores

“inventem” (p.12) métodos para estudar os problemas de pesquisa em foco. Como o autor

coloca, isso não significa ignorar o repertório teórico e prático existente, ou regras gerais de

pesquisas, mas considerar que há questões únicas em seu trabalho que podem não se adequar

aos métodos existentes. Para o autor, neste caso, o importante é a descrição cuidadosa dos

passos tomados e do contexto em si, que por sua vez justificará outros passos e trará

elementos para a compreensão dos dados levantados. Neste trabalho, a descrição contextual

que se iniciou nos itens anteriores (3.1, 3.2 e 3.3) faz parte deste processo, e será

complementada a seguir, já nos resultados.

A partir dos pressupostos metodológicos abordados acima o presente trabalho considerou

diferentes métodos de pesquisa como referências, e se aproximou de um deles, a pesquisa-

intervenção, como inspiração epistemológica. Isso significa que as intenções políticas de uma

pesquisa-intervenção foram apropriadas no trabalho, sem, no entanto, que exigências

metodológicas estritas fossem incorporadas.

Como colocam Rocha e Aguiar (2003), a pesquisa-intervenção é um tipo de pesquisa

participativa que tem como objetivo promover um processo investigativo qualitativo na vida

de uma comunidade. Ela se afirma como um ato político que propõe uma intervenção de

dimensão micropolítica no cotidiano social visando à transformação da realidade

sociopolítica.

A pesquisa-intervenção, enquanto tendência de pesquisa, se iniciou no Brasil na década de 70

do século XX, questionando os pressupostos das pesquisas tradicionais relativos à relação

entre o investigador e o investigado, entre sujeito e objeto, teoria e prática (ROCHA, 2006), o

fracionamento da vida social, a dicotomização entre ciência e política e, assim, a

impossibilidade da inclusão de atores “excluídos” na delimitação dos seus próprios futuros

(ROCHA; AGUIAR, 2003).

Dentre a proposta de pesquisa-intervenção levada a cabo neste trabalho, optou-se pelo uso de

técnicas que permitissem, ao mesmo tempo, ter-se uma visão ampla do escopo estudado como

um todo e também, sempre que relevante, “descer” a âmbitos mais profundos ou particulares,

que iluminariam melhor o contexto e também traria explicações sobre posições individuais

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dos sujeitos pesquisados. Sendo o diálogo um conceito multidimensional, o escopo

metodológico da pesquisa exigiu, assim, a abordagem de várias dimensões. Os passos

metodológicos e as técnicas utilizadas para o levantamento de dados utilizadas foram:

1. Análise de documentos oficiais (leis, programas e projetos) das secretarias municipais que

desempenham a EA em suas funções e também de outros atores envolvidos com a EA no

município (programas, projetos, materiais didáticos, apresentações etc..) e verificação de suas

orientações epistemológicas e também de como o diálogo está inserido nestes documentos.

De acordo com Robson (1998), a análise de documentos é uma técnica indireta de

levantamento de dados por abordar materiais feitos para outros propósitos. Apesar dos

inconvenientes dessa técnica levantados por Valles (1997), especialmente no que se refere a

sua natureza secundária, às possibilidades de múltiplas e variáveis interpretações do material

dependendo do contexto e do tempo desprendido entre sua feitura e análise e também,

dependendo do tipo de documento e da instituição que o produziu, o fato dele poder ser

enviesado, “tendendo a ocultar os dados que a prejudicam e a difundir os que a favorecem...”

(ALMARCHA Y OTROS, 1969, apud VALLES, 1997), ela foi utilizada aqui como um ponto

de partida para o estabelecimento da história e compreensão das atividades de EA no

município, bem como de suas orientações epistemológicas. Com esse mapeamento foi

possível saber quais atores cidade que eram, de alguma forma, envolvidos com EA e,

também, como se dava tal envolvimento. O levantamento de documentos permitiu também a

análise dos referenciais teóricos de EA utilizados para um determinado fim por aquele ator.

2. Observação participante: essa técnica complementou os dados levantados pela análise de

documentos dos atores que atuam com a EA no município e estabeleceu a rede de relações

que influenciava o trabalho de EA no município, com enfoque para a influência sobre a

implantação e o desenvolvimento do CEA. Ocorreram nas reuniões formais com a diretora de

EA, encontros nos corredores das secretarias, nos deslocamentos conjuntos com atores de EA

do município, em ligações telefônicas, mensagens pela Internet etc.. Também, a observação

participante aconteceu durante os encontros do coletivo educador. Assim, cobriu tanto os

bastidores da política do CEA e sua concretização prática.

Segundo Valles (1997), técnicas de observação participante são aquelas em que o investigador

presencia diretamente o fenômeno que estuda não se atendo apenas às informações indiretas

fornecidas por entrevistas ou documentos, na busca de realismo e construção de significado,

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contando com o ponto de vista dos sujeitos estudado. Ela diferencia-se da observação comum

por ser orientada e focada nos objetivos concretos da investigação, definidos previamente (no

caso desta pesquisa, o diálogo na política pública), por ser planejada em fases, aspectos,

lugares e pessoas, por ser controlada e relacionada com proposições e teorias sociais e por ser

submetida a controles de veracidade, objetividade, confiabilidade e precisão

(OLABUÉNAGA & ISPIZUA, 1989, apud VALLES, 1997).

Os dados das observações participantes foram coletados por meio de um caderno composto

por notas de campo, que é “o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e

pensa no decurso da coleta e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo” (BOGDAN

& BIKLEN, 1994, p. 150). Aí se incluem “a descrição de pessoas, objetos, lugares,

acontecimentos, actividades e conversas. Em adição e como parte dessas notas, o investigador

registrará ideias estratégias, reflexões e palpites, sobre como os padrões emergem” (Ibid, p.

150.). De acordo com os autores, as notas de campo possuem um componente descritivo, em

que a preocupação é “captar uma imagem por palavras do local, pessoas, acções e conversas

observadas” (p. 152) e um componente reflexivo, que apreende mais o “ponto de vista do

observador, suas ideias e preocupações” (Ibid.).

3. Entrevistas individuais: atores de EA importantes no município localizados por meio tanto

das análises de documentos quanto da observação participante foram abordados mais

proximamente, através de entrevistas não estruturadas. De acordo com Fielding (1998),

entrevistas não estruturadas são aquelas nas quais o entrevistador tem uma lista de tópicos que

quer abordar com o entrevistado e não se preocupa com a ordem das palavras e nem das

questões, que são feitas em função do andamento da entrevista. Assim, os caminhos e os

resultados das entrevistas estão abertos a princípio e podem trazer aspectos inesperados. O

objetivo de uma entrevista não estruturada é oferecer uma condição para que a conversa seja a

mais franca possível e que os entrevistados sejam capazes de comunicar não apenas

superficialmente, mas de trazer as atitudes, valores e crenças subjacentes as suas opiniões.

Apesar de não estruturadas, as entrevistas feitas seguem um roteiro que tem como objetivo

criar um contexto tranquilo e mais confiável para o entrevistado (partindo do princípio que

todo entrevistado se sente pelo menos um pouco desconfiado a respeito dos reais interesses do

entrevistador, e considerando também que eu possa ser recebido como um “representante” ou

“espião” de outra secretaria) para depois, alcançar tópicos mais delicados. Caso estes últimos

passassem a ser percebidos como indesejáveis, a entrevista poderia tomar outro rumo ou até

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ser interrompida. Na percepção do conforto dos entrevistados diante das questões, outras mais

profundas foram feitas.

O roteiro de entrevistas começa com a apresentação pessoal do entrevistado, suas origens, sua

formação e como foi “parar” na sua posição profissional atual. Depois, as questões

direcionam-se para o funcionamento de suas instituições e para a relação delas com a EA.

Finalmente, foram feitas questões sobre como veem a EA atualmente no município (virtudes e

problemas) e quais suas sugestões para lidar com esses problemas. O objetivo dessas

entrevistas não estruturadas foi compreender a história da EA no município a partir de pontos

dos entrevistados, compreender a inserção de suas instituições nessa história e de como

vislumbram o futuro da EA no município Também, levantar como o diálogo está inserido nas

suas ideias e como se consolida na prática de suas instituições. Nas diferentes entrevistas

questões específicas foram colocadas visando confirmar ou refutar aspectos levantados pela

observação participante e que diziam respeito diretamente ao entrevistado. Da mesma forma,

questões colocadas nas entrevistas de outros que pediam confirmação ou refutação foram

também trazidas. Todas as entrevistas foram gravadas em equipamento digital e transcritas na

íntegra pelo autor da pesquisa.

4. Composição de grupos focais: visando coletar as visões dos participantes do CEA do

município sobre o processo de funcionamento do próprio grupo, a técnica de grupos focais foi

escolhida.

Segundo Neto, Moreira e Sucena (2002), o grupo focal é “uma técnica de pesquisa na qual o

pesquisador reúne, num mesmo local e durante certo período, uma determinada quantidade de

pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a

partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca de um tema específico”

(p.5). Ainda segundo os autores, a principal característica da técnica é o fato dela

trabalhar com a reflexão expressa através da “fala” dos participantes, permitindo que eles apresentem, simultaneamente, seus conceitos, impressões e concepções sobre determinado tema. A “fala” que é trabalhada nos GF não é meramente descritiva ou expositiva; ela é uma “fala em debate”, pois todos os pontos de vista expressos devem ser discutidos pelos participantes. Exatamente por isso, as questões aventadas pelo pesquisador devem ser capazes de instaurar e alimentar o debate entre os participantes, sem que isso equivalha à preocupação com a formação de consensos. Logicamente, algumas opiniões causam mais impacto e polêmica que outras, gerando reações que ora convergem ora divergem. O importante é que todos tenham possibilidades equânimes de apresentar suas concepções e que elas sejam discutidas e refinadas (p. 5, 6).

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Para o levantamento de dados propostos pela a pesquisa, foram sugeridas a realização de dois

grupos focais, um ao final do primeiro ano de existência do CEA e outro um período após

essa primeira intervenção, que pode se estender de seis meses a um ano. Entretanto, com a

descontinuidade do CEA em 2011, este segundo encontro não aconteceu. Os componentes do

grupo focal foram escolhidos aleatoriamente entre os participantes do CEA, a partir de suas

disponibilidades e desejos. O grupo focal realizado teve o acompanhamento de uma segunda

pesquisadora e foi gravado em aparelho digital e transcritos na integra pelo autor da pesquisa.

Análise dos dados

Como a metodologia proposta prevê a coleta de dados em quatro passos, análise de

documentos, observação participante, entrevistas e grupos focais, as análises dos dados

coletados foram feitas por meio, primeiramente, dos mesmos em separado e então, como

forma de possibilitar uma maior credibilidade, por triangulação, ou seja, quando os mesmos

são verificados de duas maneiras, de acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999).

A análise por triangulação parte do pressuposto de que não há uma técnica de levantamento

de dados que é capaz de explicar um fenômeno isoladamente, já que cada uma se direciona a

diferentes aspectos da realidade. Assim, o emprego de uma diversidade de técnicas e também

de análises deixa o trabalho menos vulnerável a erros provenientes de técnicas específicas

(PATTON, 2002).

Nesta pesquisa, dois tipos de triangulação foram realizadas, a de técnicas e a de fontes. A

triangulação de técnicas é o cruzamento dos dados gerados por diferentes técnicas de

levantamento. Assim, os dados levantados pela análise de documentos, entrevistas,

observação participante e grupo focal foram combinados e, sempre que discordâncias foram

verificadas, foram analisadas de forma mais profunda. A triangulação de fontes é a

combinação dos resultados dos dados de diversas fontes usando-se a mesma técnica (Ibid).

Neste caso, o trabalho focou principalmente na combinação dos resultados das entrevistas

com os diferentes atores, que colaboraram com o preenchimento de lacunas nos depoimentos

dos demais e também na compreensão de contradições e discordâncias que emergiram.

A seguir, a quarta emergência demostra os resultados das técnicas de levantamento de dados

e, por meio de comentários iniciais tecidos após cada uma delas, inicia o processo de análise,

que será complementado na quinta emergência, onde ocorrerá uma discussão mais

aprofundada sobre os resultados em geral.

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112

4. A QUARTA EMERGÊNCIA: RESULTADOS

Como foi visto anteriormente, foram propostos para esta pesquisa quatro diferentes técnicas

de levantamento de dados: análise de documentos, observação participante, entrevistas e

grupo focal. Abaixo, os resultados alcançados serão demonstrados.

Primeiramente, será feita uma breve caracterização do município e serão apresentados os

resultados da pesquisa no seu arcabouço legal, demonstrando como a EA tem sido

considerada legalmente. Em segundo lugar, serão apresentados os resultados de levantamento

de outros documentos públicos oficiais ou de outros educadores do município (programas,

projetos, materiais didáticos, apresentações etc.). A intenção, a partir da análise desses

documentos, é o estabelecimento de aspectos da história da EA, dos pressupostos

epistemológicos presentes nos documentos públicos oficiais e de demais educadores e

educadoras ambientais, o que permitirá posteriormente um mapeamento das convergências e

divergências que possam existir (e gerar alianças e conflitos) e, finalmente, de como cada um

deles trata o diálogo em seus conteúdos. Posteriormente, serão apresentados os resultados

referentes ao processo de observação participante. Como a minha participação de pesquisador

se deu a partir da DEA do município e minha convivência maior foi neste setor, os resultados

serão apresentados a partir desta perspectiva, reconhecidamente parcial. De qualquer forma, a

teia de relações relevantes para a ocorrência do CEA e as hipóteses importantes para os

propósitos da pesquisa foram estabelecidas deste ponto de vista, e foram posteriormente

confirmadas ou refutadas nas entrevistas com outros atores de EA. Por fim, serão dispostos os

resultados da primeira intervenção junto ao grupo focal. Ao final de cada uma dessas seções,

comentários iniciais sobre os resultados encontrados serão tecidos, que servirão de base para

as ponderações que se darão em seguida.

4.1. Caracterização do município.

Para que se tenha uma dimensão do território no qual esta pesquisa se desenvolveu, uma

breve caracterização do município será feita a seguir. Entretanto, para que essa

contextualização mantenha os atores envolvidos no processo de pesquisa na

confidencialidade, qualquer tipo de referenciamento a eles ou ao município em si foi omitido.

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O município em questão está situado a nordeste do estado de São Paulo, distante cerca de 330

km da capital, em uma região anteriormente ocupada pela tribo Caiapó16. Foi criado

oficialmente por Lei Estadual em 1896 e atualmente possui uma população de pouco mais de

cem mil habitantes (Ibid.). Sua colonização se deu a partir da vinda de lavradores,

provenientes de Minas Gerais, e cafeicultores, do vale do Paraíba, atraídos pelas notícias

acerca da qualidade das terras da região para o plantio de café, a “terra roxa”. (Ibid.).

A cidade se localiza, segundo o IBGE (Ibid.), no domínio do cerrado, em um divisor de águas

de bacia hidrográfica, de forma que parte de sua hidrografia se direciona ao Rio Pardo e outra

ao Rio Mogi-Guaçú. Coloca-se também sobre a formação geológica conhecida por Serra

Geral, de origem basáltica, que recobre o Arenito Botucatu, onde se encontra o Aquífero

Guarani, maior jazida de água doce potável do mundo (Ibid.).

Apesar de ser uma cidade com um grande parque industrial, sua projeção nacional se dá pelo

fato de ser uma das cidades mais importantes no que se refere à produção de açúcar e álcool,

contando com sete usinas de álcool e destilarias. Isso traz ao município uma condição

socioeconômica beneficiada, um Produto Interno Bruto per capta17 de 43.297,09 com um

Índice de Desenvolvimento Humano18 (2010) igual a 0,761 (município de alto índice de

desenvolvimento humano). Na composição desse índice, para o ano de 2010, segundo o

PNUD, destaca-se o índice Longevidade, 0,855, que se sobrepõe sobre os outros dois, Renda

e Educação, respectivamente 0,768 e 0,67219. Possui 12,01% da população vivendo em

situação de vulnerabilidade à pobreza20, o que atribui ao município um índice de Gini de

0,4621. Como já dito, desempenha como principal atividade econômica a produção de açúcar e

álcool, que se iniciou timidamente ainda no final do século XIX e que, com o benefício da

isenção de impostos se desenvolveu e se tornou predominante a partir da década de 1970 do

século posterior, com o declínio do café (Ibid.). 16 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 17 O Produto Interno Bruto per Capta (ou PIB per capta) é um indicador econômico que demonstra a totalidade, em moeda econômica, da produção auferida em um determinado espaço de tempo, em uma região, dividida pelo número de habitantes. Desde o final da segunda guerra mundial se consolidou como indicador único de desenvolvimento de países e regiões (VEIGA, 2005). 18 O Índice de Desenvolvimento Humano foi criado na década de 90 do século XX na tentativa de se reduzir as contradições do uso do PIB como indicador de desenvolvimento. O IDH é um índice composto por três dimensões, renda, longevidade e nível educacional, medido pela diferença entre a quantidade de crianças em idade escolar e a quantidade de crianças de fato na escola (VEIGA, 2005). 19http:// http://www.atlasbrasil.org.br. 20 http://atlasbrasil.org.br/2013/consulta/ 21 Segundo consta na página do PNUD, o Índice de Gini Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula) - http://www.atlasbrasil.org.br

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De acordo com as próprias informações da prefeitura, durante esses dois ciclos econômicos as

matas primitivas foram devastadas, restando apenas uma reserva biológica como fragmento

significativo, com aproximadamente 320 alqueires. Algumas espécies botânicas que

compunham a paisagem original são pau-d'alho, jangada-brava, peroba, cedro, canela preta,

canela vermelha, cangerana, aroeira, bálsamo, guaiuvira, uarita, angico, carrapateiro,

jacarandá, guatambú, pereira, batalha, flamboiant e açoita-cavalo.

4.2. A EA no arcabouço legal do município.

O arcabouço legal do município prevê educação ambiental desde 1992, quando foi criada a

Política do Meio Ambiente, que aborda a EA como um princípio (o princípio IX), a ser

ministrada, em caráter multidisciplinar, “em todos os estabelecimentos municipais de ensino”.

No mesmo artigo, o parágrafo único deixa claro que “além do currículo básico da matéria [...],

a educação ambiental compreenderá a exposição e a análise das questões municipais e

microrregionais”, demonstrando uma preocupação específica com a relevância local para as

abordagens educativas.

Após 1992, a EA aparece em todas as diretrizes orçamentárias do município desde 1995.

Entretanto, de forma generalista e pontual, visando à “implantação do centro de educação

ambiental”, “oferecer estrutura física para EA” e “manutenção dos programas de EA”. Em

alguns casos, a verba aprovada é posteriormente cancelada por decreto.

Além dessas, outras leis que abordam a EA determinam a sua ocorrência nas escolas

municipais, sejam elas de cunho “ambiental”, como o Código de Proteção Ambiental ou o

Plano Diretor de Saneamento; ou de origem na educação formal, como o Plano Municipal de

Educação. Esta última, inclusive, prevê em seus planos de metas a inserção da EA no ensino

formal, de forma transversal, da educação básica até o ensino médio em um prazo de dez anos

(até 2017).

Entretanto, apesar da existência dessas leis, que determinam a execução da EA pelo

município, foi apenas a partir de 2009 que se iniciou a criação de uma estrutura administrativa

municipal específica para a EA, com a instituição do Departamento de Educação Ambiental

na Secretaria Municipal de Educação e Cultura, inauguração da Escola de Educação

Ambiental, também ligada à Secretaria Municipal de Educação e Cultura, em 2009 e, em

novembro de 2010, com a implantação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMA),

que tem em seu departamento de Prevenção e Conservação Ambiental um Setor de EA

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(SEA). Esse último, entre outras coisas, é responsável por “desenvolver trabalho de EA em

conjunto com o departamento de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Educação e

Cultura”. A SMA iniciou suas funções em janeiro de 2011.

4.3. A EA nos documentos oficiais e de educadores ambientais.

A demonstração da EA dos documentos oficiais municipais necessita de uma

contextualização. Primeiro de tudo, o que é chamado de instituições oficiais de educação

ambiental no município são as instituições ligadas à administração pública, mais

especificamente o Departamento de Educação Ambiental (DEA) e a Escola de Educação

Ambiental (EEA), da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SME), e o Setor de

Educação Ambiental (SEA) do Departamento de Prevenção e Conservação Ambiental da

Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMA). Apesar de terem sido identificadas outras

instituições oficiais, como por exemplo, o Setor de Zoonoses da Secretaria da Saúde ou a

Secretaria de Esportes, apenas as anteriores demonstraram desempenhar relações

complementares e suplementares ao longo do tempo, enquanto que as últimas, ou ainda

outras, relacionam-se esporadicamente com a EA, em campanhas pontuais (dengue,

campanhas de promoção de saúde, entre outros).

Segundo, como visto anteriormente, as estruturas municipais de EA foram criadas muito

recentemente. Diante disso, as responsáveis pelo SEA e pela EEA alegaram que não possuíam

projetos sistematizados que pudessem ser disponibilizados para o contexto da pesquisa. Que o

pouco tempo das instituições e a existência de várias outras demandas tinham impedido a

sistematização de projetos. No entanto, nas entrevistas realizadas com estes atores, elas

exemplificaram um pouco do que era feito sob as suas competências. Assim, nesta parte de

apresentação dos resultados dos documentos, serão aproveitados também dados sobre projetos

das instituições coletados durante as entrevistas com seus representantes.

4.3.1. O Setor de EA da Secretaria do Meio Ambiente

A responsável pelo SEA da SMA citou, como primeiro projeto desenvolvido pelo seu Setor, o

Concurso Literário da Água, feito em parceria com a Escola de Educação Ambiental. É um

concurso no qual os estudantes das escolas fazem redações sobre o tema e submetem para as

duas instituições para correção e uma pontuação. O projeto é anual, realizado na semana da

água, mobiliza professores e estudantes e gera, ao final, uma premiação.

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Outra atuação citada foi a realização, por dois anos seguidos (2010 e 2011), de um simpósio

de EA em conjunto com um dos Comitês de Bacia ao qual fazem parte, direcionado para

gestores públicos e professores. Tal projeto consistiu na realização de 2 palestras de manhã

(bacia hidrográfica e educação ambiental) e uma oficina no período da tarde (2010); e duas

palestras no período da manhã (Educação Ambiental e Florestas) (2011). Segundo a

entrevistada, esses dois eventos permitiram a constatação da carência do público no que diz

respeito à questão ambiental e à educação ambiental.

Em terceiro lugar, foi citado um projeto aprovado pelo Setor no FEHIDRO, em 2011. O

projeto prevê um processo educativo para a comunidade de um distrito do município sobre

reciclagem e coleta seletiva, e foi escrito diante da intenção de se iniciar a coleta de materiais

recicláveis nessa região. Segundo a responsável pelo setor, o projeto se dará por meio de

exposições públicas sobre o tema.

4.3.2. A Escola de Educação Ambiental

A responsável pela Escola de Educação Ambiental também não disponibilizou nenhum

projeto impresso ou em arquivo digital, mas exemplificou na entrevista a atuação da sua

instituição por meio do detalhamento do roteiro de recepção do público na escola:

Então elas [as crianças] chegam, é apresentada a escola, fala um pouco do [cita ambientalista local que dá nome à escola], e depois eles falam, eles vão nos latões de lixo da coleta seletiva, fala a respeito da coleta seletiva, da importância da separação, ah, como que a [cidade] lida com a questão de resíduos, do aterro, da, da estação de tratamento, da cooperativa, né, e tudo isso é comentado. Depois eles falam da captação da água da chuva, né, que a escola [...] reutiliza a água, da importância disso, eles vão prá sala verde, assistir um vídeo, debate algumas questões [...]. E essas visitas duram uma hora e meia, por aí, né, mais ou menos, depois eles passam pela sementeira [...]. Aí a gente mostra também [...] as sementes que [são] utilizadas na horta, né, depois eles vão para a estufa de germinação, eles conhecem um jardim de plantas medicinais, lá eles podem tocar, podem sentir o cheirinho, podem levar mudinha prá casa, aí eles vão no minhocário, a gente fala da função do minhocário, né, a importância das minhocas para a produção do húmus, passa[m] pela compostagem, [...] vão na horta, ver como que funciona uma horta orgânica,[...] agora tem o pomar também lá eles fazem uma dinâmica, das crianças colocarem uma plaquinha nas plantas se eles conhecerem, “qual que é o pé de limão?”, ah, eles conhecem, “ah esse eu não conheço”, é o pé de, sei lá, de lichia, e aí vai indo. E tem um jardim que a gente tá tentando estruturá-lo, um jardim dos sentidos, a gente recebe muitas crianças aqui com deficiências, né, e então lá eles podem apalpar, sentir o cheiro das plantas, das flores...

De acordo com o levantado, a escola recebe duas turmas diariamente, uma no período da

manhã e outra à tarde, com cerca de 35 crianças cada. Além da recepção de alunos, a Escola

de Educação Ambiental recebe também públicos diversos, como projetos sociais, empresas e

até alunos de cidades vizinhas. A entrevistada ressaltou, no entanto, que começou a sentir uma

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certa relutância das escolas do próprio município de ir à escola diante do que ela interpretou

como sendo uma certa monotonia do roteiro de recepção do estudantes, que ela estava

disposta a mudar em 2012.

4.3.3. O departamento de EA da Secretaria Municipal de Educação.

Como já adiantado no item 2.1 deste trabalho, a razão principal para a posse da diretora no

DEA foi a necessidade de organização da Cooperativa de Catadores de materiais recicláveis

do município. Portanto, ao discorrer sobre os projetos que desenvolvia na diretoria na ocasião

da entrevista, iniciou por aí.

A diretora colocou que seu trabalho inicial, em 2010, esteve ligado em grande parte à

organização dessa instituição, de aspectos burocráticos, financeiros e também sociais.

Segundo ela, no momento do começo de seu trabalho, a cooperativa estava em processo de

extinção, e sua recuperação, feita exclusivamente por ela, demandou quase que a totalidade de

seu tempo. Entretanto, à medida que sentia a possibilidade de expandir suas funções, começou

a colocar em prática outros projetos.

A segunda atividade citada na entrevista e que está ligada com a primeira foi o

direcionamento dos resíduos recicláveis das escolas do município para a cooperativa, que de

acordo com ela demandou apenas a organização do processo de logística reversa já que,

surpreendentemente, as escolas já separavam os materiais recicláveis dos orgânicos, que eram

direcionados para composição de lavagem.

O terceiro projeto citado foi a implantação do coletivo educador ambiental na cidade,

seguindo a proposta do Ministério do Meio Ambiente, que se iniciou no começo de 2011,

atravessou todo o ano para ser retomado em 2012 (detalhes sobre o andamento deste projeto

serão explicitados abaixo).

Finalmente, o quarto foi o Natal Ecológico, demanda que recebeu da Câmara Municipal do

Município que a obriga a organizar, em conjunto com o Departamento de Cultura da

Secretaria Municipal da Educação, enfeites de natal com o uso de materiais recicláveis. Tal

projeto é anual, foi realizado pela primeira vez em 2010 e se inicia em meados de outubro,

demandando um tempo grande com alocação de materiais, organização de artesãos e

preparação das peças.

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Em paralelo com esses quatro projetos, outras iniciativas mais pontuais são desempenhadas

pela diretoria.

4.3.4. Projetos de educadores/as do município.

Durante parte do desenvolvimento do Coletivo Educador Ambiental, mais especificamente no

primeiro semestre de 2011, educadores e educadoras do município tiveram a oportunidade de

apresentar, para os demais, os projetos que desenvolviam. Ao todo foram cinco educadores/as

que se dispuseram a contar suas experiências:

A primeira apresentação ocorreu logo no primeiro encontro do coletivo e foi proferida por um

educador musical, que expôs o projeto “Lixofonia”, de construção e uso de instrumentos

musicais a partir de materiais recicláveis. Segundo o apresentador, o seu objetivo no Coletivo

era o de conhecer outros educadores e com isso ampliar suas possibilidades de captação de

recursos para o seu projeto. Após conhecer melhor a proposta do coletivo, não compareceu

mais às reuniões.

O segundo projeto apresentado foi de uma faculdade técnica do município, cuja representante

expôs sobre as ações ambientais que desenvolviam desde a sua chegada na instituição, que

existe desde 2008. Segundo a própria, foram realizados trotes solidários nos estudantes

iniciantes, com plantio de árvores no pátio, a implantação de canecas retornáveis para os

professores, de lixeiras seletivas para a coleta de resíduos da instituição (algumas adquiridas e

outras reformadas pelos próprios alunos), de coleta de garrafas PET para o Natal Ecológico do

município e, finalmente, uma gincana de recolhimento de entulhos na cidade, por conta da

ocorrência da dengue. A exemplo das experiências anteriores, também não existia nenhum

tipo de sistematização dessas ações que pudessem servir de base para intervenções ou

avaliações futuras.

A exposição seguinte foi promovida por uma escritora local que se apresentou como

educadora holística, estudante de especialização em “Sustentabilidade Integral”. Sua fala foi

sobre “educação integral”. Na sua apresentação, cujos diapositivos foram depois

disponibilizados, a palestrante ressaltou a importância da visão holística para a percepção da

conexão entre o homem generalizado e a natureza, entre a razão, a espiritualidade, a emoção e

o corpo físico. Citou, ao longo de sua palestra, Leonardo Boff, Dalai Lama, Pierre Weil,

Susan Andrews e Daniel Goleman. Em um determinado momento, deu uma atenção especial

ao diálogo e à importância do diálogo, que considerou a forma de conversa na qual é

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necessário que se saiba ouvir, “esvaziar o monólogo interno” e falar, “sem julgamentos” e

reconhecendo a alteridade (BOLÇONE, 2011). No dia a dia, a palestrante faz apresentações

para educadores e atua voluntariamente em uma instituição de caridade do município. Sua

fala teve uma grande repercussão entre os presentes. Em uma segunda ocasião, a mesma

educadora fez uma exposição sobre resíduos sólidos e o funcionamento de uma composteira.

Outro educador que apresentou um relato de suas atividades foi um ambientalista local,

conhecido por suas ações e protestos em prol do meio ambiente e por já ter plantado, no

município e arredores, mais de 15 mil árvores, o que lhe rendeu o apelido de “homem

natureza”.

Para a sua apresentação, levou uma série de equipamentos de construção própria que utiliza

em suas ações: fantoches, bonecos, painéis e fantasias, fez um varal contendo recortes de

jornais e fotografias, e mostrou dois vídeos com cobertura pelos jornais locais de suas

atividades. O educador atua por meio de pequenas palestras e encenações públicas que

desenvolve em situações específicas, datas comemorativas e eventos, quando é convidado.

Como é um ativista, reclamou por não receber a atenção e o reconhecimento da administração

pública e de outros educadores.

Por fim, o último projeto apresentado para os educadores/as do coletivo local foi de uma ação

de coleta de cadernos usados implantada em uma escola municipal por duas professoras de

ensino fundamental. O projeto é, na verdade, uma iniciativa de uma empresa que recebe os

cadernos recolhidos e os direciona para reciclagem. Posteriormente, implantaram também um

projeto análogo direcionado para embalagem de salgadinhos. A apresentação girou em torno

da implantação dos projetos em si, dos obstáculos que enfrentam na instituição, do

envolvimento dos alunos e das contradições e questionamentos que emergiram ao longo de

seu desenvolvimento. Ambas as professoras ficaram muito animadas com o convite para a

apresentação e suas iniciativas foram recebidas com entusiasmo pelos demais.

4.3.5. Comentários iniciais sobre os resultados dos documentos.

A justificativa para a realização da análise de documentos como técnica de levantamento de

dados neste trabalho é iniciar um mapeamento epistemológico a partir das narrativas presentes

e como o diálogo se insere dentro dessas correntes. Considerando aqui os resultados dos

documentos como sendo aqueles encontrados nas análises das leis, das exposições feitas por

educadores e representantes das instituições oficiais, bem como das sistematizações realizadas

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por eles para suas exposições (aqueles que o fizeram), alguns primeiros comentários podem

ser tecidos.

Primeiro de tudo, que existe no município um movimento no sentido de se institucionalizar a

EA, principalmente a partir das iniciativas de se criar o DEA e a EEA, na Secretaria

Municipal de Educação e Cultura, e o SEA na SMA. Entretanto, na esfera pública, apesar da

citação da EA em um conjunto de leis, principalmente como destinação orçamentária ou ainda

pela obrigatoriedade de sua implantação nas escolas municipais, não há qualquer tipo de

diretriz que oriente tais ações.

Mesmo entre os órgãos criados acima, à exceção do Setor de EA, que prevê sua atuação em

conjunto com os demais da Secretaria de Educação e Cultura, não há uma determinação de

como devem atuar ou de suas competências. Assim, o que se viu durante as análises de

documentos e também entrevistas, é que não há um estímulo institucionalizado à ação

integrada entre eles e entre eles e outros educadores, o que terá implicações importantes que

serão abordadas adiante.

Em segundo lugar, que existe também, atuando em geral de forma isolada e por iniciativa

própria, um conjunto de educadores/as e outras instituições desempenhando intervenções de

EA no município. Como foi visto nas apresentações, tais iniciativas se dão principalmente por

meio de ações pontuais, não sistematizadas, e com um foco comportamental, a partir da

execução de ações. Mesmo assim, indicam pontos de interesse espalhados pela cidade que

podem ser inseridos em processos de reflexão mais amplos. Dentre eles, o diálogo foi

ressaltado teoricamente na apresentação da educadora holística como meio importante de

promoção da educação integral e, na prática, foi incentivado pela diretora de EA com a

criação do coletivo educador ambiental.

A partir desse mapeamento inicial das ações de EA no município, tanto do ponto de vista

público quanto privado, foi possível começar a se ter uma visão sobre a diversidade de

iniciativas desenvolvidas e a fazer inferências epistemológicas sobre elas. Apesar de não ser o

propósito deste trabalho inserir tais iniciativas em tipologias, principalmente diante da

escassez de material acessado, pode-se relacionar as experiências apresentadas a diferentes

correntes de EA.

Há, portanto, iniciativas que expressam características que as aproximam do que O’riordan

(1989) chama de corrente ambientalista tecnocêntrica, ou seja, que coloca ênfase nos aspectos

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de gestão do ambiente e da execução das ações, e que partem da orientação vocacional/neo-

clássica de educação (KEMMIS, COLE e SUGGETT, 1983, APUD FIEN, 1993), sendo

portanto transmissoras de informações e pouco reflexivas; há iniciativas com enfoque mais

ecocêntrico (O’RIORDAN, 1989), que evocam a importância da visão holística e do

reconhecimento da interdependência entre humanos e o restante do planeta, que carregam

elementos espirituais e se utilizam de métodos mais liberais ou progressivos de educação

(KEMMIS, COLE e SUGGETT, 1983, APUD FIEN, 1993); e há iniciativas que buscam

incentivar construções coletivas de ação, sugerindo o exercício teórico e prático de

coparticipação do munícipe nas decisões que influenciarão seu próprio futuro, característica

que as direcionariam para uma tendência de crítica social (KEMMIS, COLE e SUGGETT,

1983, APUD FIEN, 1993).

Apesar das diferenças encontradas, a questão epistemológica em nenhum momento se

colocou como fonte de conflitos entre os diferentes atores. Na seara pública, a ausência de

intercâmbio entre as instituições de EA impede o contato com conteúdos de propostas,

anulando, assim, qualquer possibilidade de confrontação nesse sentido. Nos encontros do

coletivo educador, onde houve exposições públicas dos projetos e seria um local mais fértil

para a emergência de contendas, essas também não ocorreram.

Tão caras nos debates científicos no campo da EA como demonstram, por exemplo, Ferraro

Júnior, (2013) e Ferraro Júnior et al (2009), as discussões22 epistemológicas não se fizeram

presentes no contato entre diferentes experiências de EA. Apesar de inesperado, várias são as

hipóteses que podem explicar essa circunstância: o fato do espaço (o encontro do coletivo) ser

um momento de mero compartilhamento de experiências, visando ao estímulo de ações e não

sua inibição, que poderia decorrer de críticas; também, diante do “contrato” velado de

harmonia social abordado por Schein (1993) acima, que tende a manter as conversas na

superficialidade; da pouca valorização de reflexões coletivas mais profundas sobre as práticas;

o desconhecimento, por parte dos participantes, dos pressupostos ou implicações

epistemológicas de suas propostas; ou, simplesmente, para finalizar, a capacidade dos

participantes de conviver na diferença.

4.4. Resultados da observação participante.

22 Discussão, aqui, deve ser compreendida como demonstrado na exposição da teoria do diálogo, item 2.2, como sendo a forma de conversa fragmentada, “com lados”, da qual, em geral, os participantes saem como vieram, só que mais apegados as suas certezas.

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Como colocado acima, a observação participante foi a segunda técnica utilizada para

levantamento de dados da pesquisa. Ela se deu a partir do dia a dia da DEA e visou à

complementação das informações levantadas nas análises de documentos e ao

estabelecimento da rede de relações que exercem influência sobre o trabalho da diretora de

EA, com enfoque maior para a implantação e o desenvolvimento dos coletivos educadores.

Assim, a observação participante se deu a partir do dia a dia da diretoria de EA, e envolveu

tantos espaços “formais”, como as reuniões com a diretora (14, em 2011) e os encontros com

o coletivo educador ambiental (16, em 2011), como também os bastidores do dia a dia da

diretora e da diretoria, nos encontros de corredor, nos deslocamentos, nos telefonemas, nas

trocas de e-mail e outros. As falas, observações e impressões eram prontamente anotadas em

caderno de campo que me acompanhou ao longo de todo o processo, e foram depois

transcritas e digitalizadas.

Para a descrição dos resultados encontrados, serão retomados os projetos e atividades que

ocorreram ao longo dos dois semestres de 2011 e início de 2012, de forma a se estabelecer

uma espinha dorsal contextual sobre a qual os aspectos ligados aos objetivos dessa pesquisa,

ou seja, ao diálogo no processo de delineamento e implementação de uma política pública,

serão destacados.

Conforme colocado no item 3.1, o objeto da pesquisa foi o coletivo educador ambiental no

município, mais especificamente, o diálogo no processo de delineamento e implantação dessa

política pública a partir das intenções da diretora de educação ambiental. À medida que as

observações ocorriam, duas dimensões de análise foram constituídas, uma delas com atenção

ao ambiente de trabalho e ao estabelecimento da rede de relações e influências sobre a

diretora e a diretoria de EA; e a outra com direcionamento para as formas de trabalho da

diretora.

4.4.1. A espinha dorsal contextual da pesquisa

O foco da pesquisa foi a implantação, no município, de um coletivo educador ambiental, o

que ocorreu ao longo de todo o ano de 2011 e início de 2012. Entretanto, a minha observação

não ficou restrita e essa iniciativa e se estendeu a outras, listadas a seguir.

Como mencionado, a diretora do DEA tinha atividades desde meados de julho de 2010,

período em que se concentrou de forma mais específica na organização burocrática, gerencial

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e financeira da cooperativa de catadores de materiais recicláveis do município, razão principal

de contratação da diretora para o cargo. Essa função continuou a ser desempenhada em 2011.

A partir de fevereiro de 2011, quando as atividades de campo desta pesquisa se iniciaram, fui

me familiarizando com a atuação da diretora do DEA na cooperativa, com a organização do

coletivo e com outras de suas ideias, além de projetos que surgiriam pontualmente. Os

principais temas trabalhados na diretoria nesse ano e que foram acompanhados por mim

foram:

• A necessidade de implantação de coleta seletiva em todas as escolas municipais: ideia

proposta pela diretora do DEA no início de 2011 como algo que ela “tinha que fazer”.

Tal iniciativa decorria de seu envolvimento com a cooperativa e da necessidade de, ao

mesmo tempo, implementar estratégias que levassem ao aumento da renda para os

cooperados e inserissem nas escolas práticas mais coerentes com seus discursos;

• Desenvolvimento de um projeto: elaboração de projeto para o FEHIDRO, que se deu

entre março e maio de 2011;

• Organização da pré-Conferência Municipal do Meio Ambiente: na primeira quinzena

de maio o secretário do meio ambiente convidou a diretora de EA para fazer um

levantamento de temas para serem trabalhados na Conferência Municipal do Meio

Ambiente, a ser realizada em junho pela sua secretaria. O convite foi estendido ao

coletivo educador por sugestão minha e decidiu-se, em reunião, organizar uma pré-

Conferência, um fórum com munícipes onde questões poderiam ser levantadas. A pré-

Conferência foi realizada no dia 04 de junho, e a Conferência no dia 08 de junho;

• Implantação do programa Agenda Ambiental na Administração Pública: no início do

segundo semestre a diretora de EA retomou uma solicitação feita diretamente a ela

pelo prefeito de implantar esse programa, em conjunto com a SMA. Por sugestão da

secretária da Educação e Cultura, diante das circunstâncias do momento, o processo

foi descontinuado;

• Construção do jogo “o Roteiro das Águas”: Tendo como referência um jogo com a

cidade de São Paulo, a proposta era a de construir um jogo de tabuleiro de perguntas e

respostas destacando os principais pontos de importância ambiental e hídrica do

município. A proposta, a exemplo da organização da pré-conferência, foi também

levada ao e desenvolvida pelo Coletivo Educador, entre os meses de agosto e

setembro;

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• Natal ecológico: incumbência legal que a diretoria de EA tinha recebido em 2010 de

organizar anualmente a construção e implantação de enfeites de natal utilizando

materiais recicláveis. Tal ação envolve a organização da coleta de materiais recicláveis

(fundamentalmente garrafas PET), a formação de um grupo de artesãos/ãs, a definição

de um local para a construção das peças e sua instalação e desinstalação na cidade.

Essa atividade inicia-se em meados de outubro e termina no final de dezembro, com a

retirada dos enfeites.

• Planejamento do CEA para o ano de 2012. Ocorreu em novembro e dezembro de

2011, onde foram colocados em pauta aspectos funcionais e práticos do coletivo.

Dentre as novidades que surgiram estavam uma necessidade maior de autonomia em

relação ao DEA e aproximação da SMA.

Nos interstícios dessas ações e atividades acompanhei a diretora e suas funções na diretoria, e

pude ir construindo ao mesmo tempo, um mapeamento tanto das relações importantes quando

das condições dessas relações; e conhecendo a sua forma de trabalho.

4.4.2. A forma de trabalho, o mapa e as condições das relações.

No início da pesquisa de campo, em meio às conversas sobre o CEA a ser implantado, a

diretora comentou sobre a ideia que tinha tido de implementar um programa de coleta seletiva

de materiais recicláveis em todas as escolas do município. Disse que essa era uma função sua

e que ela “tinha que fazer”. Imediatamente foi marcada uma visita para conhecermos as

escolas.

Destaco esse fato por conta dele ilustrar um princípio de trabalho da diretora que fui

percebendo aos poucos e que se repetiu várias vezes ao longo do tempo: um jeito assertivo e

imperativo de falar e fazer as coisas, mesmo que com delicadeza. Também, de colocar suas

ideias prontas, com as estratégias de implementação definidas (como aconteceu com a questão

da coleta seletiva nas escolas, quando salientou que queria envolver as comunidades dos

entornos e os alunos, que deveriam trazer os materiais de casa, ideia que manteve mesmo

diante da hesitação de algumas diretoras de se envolverem em mais uma responsabilidade).

Apesar de comumente solicitar opiniões para suas ideias, e acatá-las prontamente, a forma

como seus planos eram expostos levava a um constrangimento sempre que se tinha uma

sugestão diferente de percurso. Em certo momento cheguei a comentar com ela que uma

qualidade sua era seu perfil empreendedor, de alguém que quando quer algo, se movimenta e

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faz acontecer. A própria secretária da educação disse, em determinada ocasião, que ela não

devia ser diretora, mas secretária, justamente por esse comportamento. Segundo ela, tinha

sempre tido essa forma de agir, que tinha ficado mais incisiva após as suas experiências de

consultoria e na iniciativa privada.

A medida que o trabalho foi se desenvolvendo, fui tomando contato com a rede de relações

profissionais dela dentro da diretoria. Em geral, no começo do meu contato com esse

universo, a participação de outros atores no seu campo de trabalho foi apresentada em falas

que indicavam um mau relacionamento entre ela e os demais, nas quais reclamava de posturas

ou conflitos que tinham ocorrido em passados mais distantes ou recentes, ou em questões

ainda em andamento.

Logo após o início da pesquisa, ainda em fevereiro, a diretora comentou sobre uma carta que

tinha recebido do recém empossado secretário do meio ambiente (essa secretaria tinha sido

criada e iniciado suas atividades em janeiro do mesmo ano). Segundo ela, a carta, em tom

grosseiro, respondia sobre a sua solicitação para que a cadeira do município no Comitê de

Bacias fosse transferida para a DEA da SME (a cadeira, historicamente, tinha sido da

autarquia que cuidava da questão ambiental no município, e foi transferida automaticamente

para a SMA). Tal solicitação tinha sido feita diretamente para a representante da SMA no

Comitê que, de acordo com diretora, a respondera de forma rude, o que teria a motivado então

a enviar uma carta ao próprio secretário, deflagrando o conflito. Ao final da conversa,

comentou que tinha dificuldades de se relacionar com outros setores do município com o qual

tem ações em comum, se referindo à SMA e à EEA.

Outra reclamação que fez foi sobre a sua forma de contratação. Disse que o fato de ter sido

contratada por sugestão da primeira-dama do município, por conta da cooperativa de

catadores de materiais recicláveis, descontentava a própria secretária da educação, que

segundo ela era contra sua presença na diretoria. Por várias ocasiões, comentou sobre a

grosseria com que era tratada pela secretária, e que achava que isso era um indício de que não

iria continuar no cargo por muito tempo.

Em uma ocasião seguinte, a diretora de EA veio comentar que tinha problemas de

comunicação com a diretora da EEA, que apesar de ser uma estrutura da SME, não se remetia

a ela, criando uma sensação de concorrência, sentimento que é acirrado pelo fato de serem, as

duas, cargos de confiança e poderem ser demitidas a qualquer momento.

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Outra figura pública que foi percebida como exercendo uma influência sobre seu trabalho foi

o diretor do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura, que é seu primo.

Foi observado, por várias vezes o diretor, que é também uma pessoa assertiva, cobrar

incisivamente resultados de suas ações, que segundo ele precisavam ser mostrados. Essa

demanda externa por resultados, pude perceber nas observações, se tornava uma autocobrança

e gerava uma contradição com a própria percepção da diretora de que não ia ficar para sempre

no cargo e de que necessitaria fazer com que as suas ações enraizassem. Neste período inicial

de minha vivência, a percebia constantemente dividida entre o foco nos processos e nos

resultados.

O primeiro semestre foi o período de demarcação dessa rede de relações e de percepção de

como ela caminhava. Vários outros conflitos ocorreram até o meio do ano, principalmente

envolvendo a diretora de EA e o secretário do meio ambiente. Além da questão da cadeira no

Comitê de Bacias, narrada acima, sobre a qual a diretora “não se conformava por não ser sua”,

outra pior emergiu.

Com a criação da SMA a cooperativa de catadores, por muito tempo órfã de atenção pública e

desde agosto de 2010 sob responsabilidade da diretora do DEA, passou a ter parte das suas

funções coordenadas por essa secretaria. Apesar desse compartilhamento de competências, na

qual essa secretaria ficou com parte das funções até então desempenhadas pela diretora de EA

(que ficaria com a organização da coleta seletiva nas escolas e parte da questão burocrática,

agora sob coordenação da SMA), não foi quebrado o vínculo entre os catadores e a diretora,

construído há muito tempo e intensificado no ano anterior. Assim, os próprios, em casos de

necessidade, se remetiam a ela por uma questão de maior confiança.

Essa situação se desenvolveu até o ponto de ficar insustentável. O secretário do meio

ambiente fazia solicitações à diretora do DEA sobre questões burocráticas da cooperativa com

prazos reduzidos sem uma razão específica para tal, o que foi deixando-a cansada até que

começou a contemplar deixar por completo suas funções lá. Ao comentar sobre isso com a

secretária da educação, teria recebido o seu apoio na decisão que, ainda assim, teriam muito

trabalho no DEA. O que ainda a segurava lá era o laço afetivo com os catadores. A sua saída

acabou ocorrendo no meio de abril de 2011. A partir daí, ela teria ficado proibida de ir à

cooperativa.

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Mas a tensão com a SMA atingiu o ápice em uma ocasião pouco mais de duas semanas após a

sua saída da cooperativa. Disse que tinha sido convidada pelos cooperados para ir a um

evento lá sobre uma mudança de estatuto e que, logo após, teria recebido uma ligação do

secretário em uma sexta-feira à noite. O secretário teria gritado com ela e a acusado de ter

soltado o rumor de que a função de coleta seletiva do município seria terceirizada sob sua

gestão.

Esse ocorrido gerou uma tensa reunião entre o secretário do meio ambiente, a secretária da

educação e cultura e a diretora do DEA, quando essa última, em determinado momento,

colocou seu cargo à disposição, o que foi negado prontamente pela secretária. Na ocasião,

contou-me a diretora do DEA posteriormente, a secretária da educação teria dito ao secretário

do meio ambiente que sua secretaria não era cabide de empregos e que as pessoas que

trabalhavam lá o faziam por mérito e qualidade. Mesmo assim, após essa reunião a diretora de

EA comentou mais uma vez que não deveria durar muito tempo em seu cargo.

Passada cerca de uma semana do fato, foi organizada uma reunião com a secretária da

educação para apresentar-lhe os detalhes do projeto do FEHIDRO, que já tinha sido finalizado

e seria submetido. A secretária então sugeriu que a apresentação incluísse o secretário do

meio ambiente. A apresentação ocorreu, foi tranquila e o projeto foi elogiado por ambos. À

noite, pela primeira vez, o secretário compareceu também no encontro do CEA, que

esporadicamente recebia representantes de sua secretaria. Logo em seguida, o secretário teria

entrado em contato direto com a diretora do DEA para solicitar um levantamento de questões

ambientais para serem tratadas na I Conferência Municipal do Meio Ambiente que seria

realizada por sua secretaria. Esse fato, e uma reunião com o secretário sobre a implantação de

gestão ambiental na administração pública, fizeram a diretora do DEA comentar que estava se

sentindo mais respeitada pelo secretário. Com isso o seu humor e o seu comportamento

começaram a se transformar: de um negativismo e cansaço em relação ao cargo (por vezes,

até de arrependimento), para uma condição de motivação, que foi ainda mais elevada diante

da notícia de aprovação do projeto da diretoria de EA no FEHIDRO, com a melhor avaliação

entre todos submetidos, inclusive um escrito pelos próprios gestores do comitê.

Se o início do semestre foi do estabelecimento de conflitos e tensões, o final trouxe frutos

daquilo que estava sendo plantado. Além da aprovação do projeto, que transformou o

semblante da diretora do DEA, a pré-Conferência Municipal do Meio Ambiente foi um

sucesso, tanto do ponto de vista de processo, pois o coletivo a organizara, quanto de

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resultados, que foram apresentados em uma esvaziada Conferência Municipal do Meio

Ambiente. Assim, sem querer o CEA tornou-se o foco das atenções e impressionou pela

seriedade na condução do procedimento de levantamento das questões realizado na pré-

Conferência. Segundo diretora do DEA, ao final da Conferência a secretária da educação, pela

primeira vez desde o início de suas atividades na diretoria de EA (quase um ano), fez um

elogio público sobre seu trabalho. Para a diretora, foi como se ela estivesse sido finalmente

empossada. Para elevar ainda mais o seu astral, logo após o evento teria recebido um

telefonema da diretora da Escola de EA do município se desculpando por seu comportamento

centralizador e se colocando para um diálogo e construções conjuntas.

Assim, o primeiro semestre de 2011 terminou com uma sensação de conquista e leveza,

condição que, todavia, não demorou muito para se inverter. Logo na nossa primeira reunião

após as férias de julho, a diretora do DEA veio comentar que tinha se “metido em uma saia

justa”. Que a secretária da educação teria se aproximado dela e a convidado para se filiar ao

seu partido, e que ela, sentindo-se constrangida e diante de sua situação (cargo de confiança)

aceitou. O que ela não esperava, entretanto, era que na semana seguinte a primeira-dama

fizesse a mesma coisa, ou seja, a convidasse para se filiar ao seu partido (que é diferente do da

secretária da educação). Mais do que isso, a convidou para sair vereadora pelo seu partido.

Com a mesma lógica em mente (a da empregabilidade e diante do fato do Prefeito ser o seu

“patrão”), aceitou o convite. Posteriormente, foi esclarecer as coisas com a sua secretária, que

concordou com a sua atitude.

Após esse fato, comentou que tinha começado a sentir um pouco de hostilidade por parte da

secretária. Para a diretora, entretanto, a filiação ao partido do prefeito trazia uma sensação de

mais segurança e longevidade no cargo. Interessante que após essas ocorrências ela passou a

dar prioridade àqueles projetos que eram solicitações diretas do prefeito.

As ações iniciais do semestre ficaram por conta da continuação do coletivo, que agora se

empenharia na construção do jogo “Percurso das Águas”. Essas atividades duraram cerca de

dois meses e levaram ao que foi considerado posteriormente como o ponto alto das suas

ações: no início do levantamento dos pontos de relevância ambiental e hídrica do município,

educadores e educadoras ressaltaram o seu desconhecimento acerca dos aspectos ambientais

locais, e sugeriram visitas em loco, que ocorreram em dois domingos sucessivos. Foram

visitados os percursos dos quatro cursos de água que cortam a cidade, suas nascentes e pontos

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de destaque, em geral porque estavam bem preservados ou muito degradados. A atividade foi

surpreendente no impacto que trouxe para eles e animou o restante da construção do jogo.

No final de setembro, quando a elaboração dos pontos já tinha sido realizada bem como as

questões para cada um deles elaboradas, o coletivo entrou em um processo de pausa não

avisada. O que ocorreu é que o projeto natal ecológico estaria em fase de organização e isso

estava tomando todo o tempo da diretora do DEA. Como ela tinha a função de “convocar” os

participantes para as reuniões (esse era o verbo que ela utilizava nas mensagens por e-mail),

os encontros pararam, sem qualquer tipo de justificativa, e só foram retomados na última

semana de novembro, por uma forte insistência minha, como uma forma de respeito ao grupo.

Na sua mensagem de convocação dessa reunião, comunicou que seria a última do ano. Não

foi, durante o encontro, no qual foi feita uma avaliação da atuação do Coletivo ao longo do

ano, o grupo definiu por mais duas reuniões de planejamento para 2012. Definiu também,

com o acordo da diretora, que deveria funcionar de forma mais próxima em relação à SMA e

mais autônoma em relação ao DEA sem, no entanto, prescindir dele.

Finalmente, na última reunião do ano, quando o grupo já tinha definido o retorno de suas

atividades para fevereiro de 2012, apesar da combinação da autonomia, a diretora do DEA,

que chegara atrasada e após essa deliberação, disse que o grupo “precisava” fazer um ato em

uma lagoa local (um dos pontos visitados, que tem três nascentes em área degradada)

envolvendo a comunidade local e que isso precisava ser logo, em janeiro de 2012. Em

seguida, expôs a forma que esse ato deveria ter, que ela ia providenciar camisetas para os

participantes etc. Os demais participantes da reunião, apesar do combinado, permaneceram

em silêncio.

4.4.3. Comentários iniciais sobre os resultados da observação participante.

Como colocado ao final do item 4.4, com as observações foram sendo constituídas duas

dimensões diferentes de análise, ou seja, dois universos diferentes que interferem na questão

do diálogo no delineamento e implementação da política pública: um relacionado ao

estabelecimento da rede de relações e influências sobre a diretora e a diretoria de EA; e o

outro à forma de trabalho da diretora. Aspectos sobre ambos foram observados tanto nos

encontros do Coletivo quanto nas reuniões formais com a diretora e no dia a dia de suas

funções.

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Embora o foco desta pesquisa tenha sido inicialmente colocado sobre o diálogo no

delineamento e implantação do coletivo educador no município, processo visto como uma

política pública23 de onde outras viriam a ser criadas, aos poucos se foi percebendo que

restringir a análise ao Coletivo deixaria de fora outros aspectos importantes contidos em uma

esfera mais ampla, dentro da qual está a rede de relações que exerce influências sobre a

diretora e a diretoria, e que por assim fazer interferem no desenvolvimento do próprio

coletivo.

Essa ampliação de escopo coaduna com Abelson e Gauvin (2006), para quem processos

participativos podem ser altamente influenciados por seus contextos, que no entanto são

raramente retratados em pesquisas.

Da mesma forma, tornou-se visível que o coletivo, enquanto uma política pública, emerge e

depende de outras políticas públicas que são subjacentes, mais estruturantes e que garantem

sua estabilidade. De maneira mais específica, que o Coletivo, enquanto uma iniciativa da

diretoria de EA, está atrelado à organização da própria diretoria de EA que, como se viu, é

recente e ainda se configurando e construindo seu espaço. Assim, novos elementos passaram a

constituir esta pesquisa, alargando o objeto inicial para considerar também essa esfera mais

ampla.

Como consequência, o alcance das análises passou a se dar sobre o conjunto das instituições

que exercem uma influência sobre a diretora do DEA. Dentro desse novo espaço, mantém-se

o destaque ou enfoque sobre a rede de relações e a forma de trabalho estabelecidas sobre ela.

A seguir, serão comentados aspectos observados sobre a rede de relações e forma de trabalho

estabelecidos dentro do coletivo educador, e também as mesmas questões no dia a dia de

trabalho da diretora de EA, mais especificamente relacionado à seara pública de atuação.

Como já comentado acima, participaram do coletivo ao longo de 2011 cerca de 120

educadores/as de várias origens, professores, ambientalistas, empresários, gestores públicos,

voluntários, escoteiros e outros. Ao longo do tempo, o grupo foi se tornando mais estável com

cerca de 15 participantes, com poucas instituições e participações esporádicas de outros

agentes públicos.

23 Fazendo-se aqui referência ao conceito amplo de política pública definido para este trabalho, a partir de Heidemann (2009), de uma intenção de construção do bem público que se desdobra em uma ação ou um conjunto de ações.

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Entretanto, ao longo dos encontros, um perfil foi sendo criado. As datas das reuniões (e as

alterações de datas, os cancelamentos), os temas a serem tratados, a facilitação, a lista de

presenças, e ainda outras questões, eram basicamente centralizadas nas mãos da diretora de

EA. Esse aspecto, já observado no dia a dia das reuniões, ficou patente quando houve a

paralisação das mesmas, no segundo semestre de 2011, sem qualquer tipo de aviso ou

justificativa, por praticamente dois meses, para serem apenas retomadas no final de novembro

por consequência de insistência minha. Mesmo quando reiniciadas, a “convocação” por e-

mail já anunciou que seria a última reunião do ano, trazendo para o grupo uma decisão

individual.

De acordo com o ProFEA (BRASIL, 2006b), os coletivos educadores são

grupos de educadoras(es) de várias instituições que atuam no campo da educação ambiental, educação popular, ambientalismos e mobilização social. [Tais grupos] planejam, implementam e avaliam processos de formação de educadoras(es) ambientais [...] participativos e continuados. (p. 33).

Um fundamento de um coletivo educador é que ele se baseia na “liderança democrática ou

vanguarda que se autoanula” (p. 13), ou seja, que deflagra processos educativos mas que, com

o tempo, busca a perda da sua posição central propiciando a emergência de outras lideranças.

No primeiro ano de existência do Coletivo Educador, o que se viu não foi um processo que

caminhou nesse sentido. Apesar de nas falas da diretora isso ficar claro, que o coletivo tinha

que ser mais autônomo, não havia a movimentação com a finalidade de se criarem condições

para que essa autonomia começasse a ser construída imediata e paulatinamente.

Apenas no final do ano, com a retomada das reuniões e em meio as suas atividades com o

natal ecológico (ou seja, apenas quando houve falta de tempo para ela para atuar junto ao

coletivo) é que isso foi colocado com mais ênfase. Nesse momento, entretanto, deixou a

percepção de que ela mesma não mais faria parte do grupo, o que também não respeita o

amadurecimento necessário para que isso ocorra.

Destaco essas questões pois elas ilustram um aspecto, chamado aqui de “forma de trabalho”,

que interfere diretamente na questão do diálogo. Conforme colocado por Kantor e Lehr

(1976), para que um grupo funcione é necessário um acordo sobre a sua forma de

organização, que pode ser aberta, fechada ou aleatória. A proposta de um coletivo educador

prevê um grupo com tendência mais aberta, com menos controle e maior incentivo à

participação inclusiva. Isso pressupõe, porém, disciplina e auto-organização. O grupo precisa,

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assim, de tempo para que tal condição amadureça e para ser capaz de assumir e desempenhar

responsabilidades. Apesar da proposta ser essa, o que se acompanhou foi um grupo com

características mais fechadas e de decisões centralizadas, gerando uma contradição que pode

ter acomodado os participantes. Vários fatores propiciam essa ocorrência: primeiro, a

rotatividade de participantes, que dificulta a continuidade de conversas e ações; segundo, a

falta de cultura participativa, que nos leva a assumirmos papéis esperados – de apresentador

ou de audiência – e de nos acomodarmos neles; terceiro, como coloca Lewin (1951), pelo fato

de nos adaptarmos rapidamente a ambientes autoritários; Quarto, pela não incorporação

completa pelos participantes da ideia do Coletivo, inclusive pela própria diretora de EA.

Isso não deve ser entendido, entretanto, como uma declaração de fracasso do grupo. É

necessário que se leve em consideração, como dito acima, que ele precisa ser amadurecido e

que isso é um processo e que leva tempo. Mas é necessário que se ressalte que um

amadurecimento nesse sentido é em parte dependente de iniciativas, pessoais e coletivas, que

direcionem o grupo para esse rumo. Fundamentalmente, é essencial que o articulador do

grupo, a liderança, tenha se apropriado de tais valores e os inserido nas suas práticas.

Quanto à seara pública da EA no município, com o tempo foi-se estabelecendo uma rede de

relações que exercem influência sobre a diretoria e a diretora de EA, e basicamente todas as

suas ações. Tal rede é composta principalmente pela secretária da educação e cultura, “chefe”

imediata da diretora e a quem ela se remete, pela diretora da EEA e pelo diretor de Cultura,

submetidos à mesma secretaria e, na SMA, pelo secretário e funcionária do SEA.

O que se percebeu com as observações foram relações que mudaram de estado entre esses

atores. Iniciaram, em geral, ruins (quando comecei a observar) e, com o tempo e com os

acontecimentos, foram se tornando pelo menos mais respeitosas e mais estáveis, às custas

talvez de maior superficialidade ou, no caso da diretora da Escola de EA, do seu novo

afastamento em relação à diretora de EA. Entretanto, mantiveram-se comportamentos que

demonstram a continuação do distanciamento entre elas (as instituições e as pessoas), como

por exemplo quando se encontram em eventos e encontros em cidades vizinhas (sobremaneira

relativos ao Comitê de Bacia) para os quais se deslocaram, em geral em veículos oficiais,

separadamente.

Sobre a diretora de EA percebeu-se uma variedade de pressões, algumas externas e outras

internas, que interferiram sobre a sua atuação. Obviamente, tais interferências reverberaram

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na sua atuação dentro do coletivo educador. O que foi observado foi que questões

político/partidárias (a oferta do secretário do meio ambiente de incluir alguém do seu partido

na cooperativa de catadores), institucionais (a indefinição de competências para a atuação

junto à cooperativa; a quantidade de demandas que recaem sobre a diretora de EA proveniente

de outros órgãos, como secretarias ou mesmo a câmara de vereadores; a sua condição em um

cargo de confiança), psicossociais (as questões que emergiram dentro do coletivo e

dificuldades de comunicação com outros representantes da EA municipal, em especial do

SEA da SMA e a diretora da EEA) e também individuais (basicamente o que foi descrito

como a “forma de trabalho” da diretora), possivelmente interferiram não só na sua atuação

junto ao coletivo, mas também na consolidação da sua própria diretoria. A ausência

sistemática de qualquer um desses atores das reuniões do coletivo, que é uma iniciativa que

visa colaborar com a EA do município de forma dialógica, pode ser um sintoma disso.

Tais aspectos confirmam a importância não só da consideração das dimensões polity, policy e

politics das políticas públicas, conforme colocado por Frey (2000) e abordadas no item 1.3.1.

deste trabalho, como também reforçam a necessidade de se adicionar ou de se explicitar, ao

lado dessas, outras duas dimensões, que dão conta dos aspectos psicossociais (relativos ao

grupo de participantes nos processos de políticas públicas) e individuais (cognitivos e

psicológicos), conforme proposto por Andrade e Sorrentino (2013a).

4.5. Resultado das entrevistas

A partir das observações e do estabelecimento da rede de relações que exerce influência sobre

a diretoria e a diretora do DEA, e por consequência o CEA, foram selecionados atores

específicos que atuam no campo da EA no município para entrevistas.

A razão para a inclusão dessa técnica de coleta de dados na pesquisa é que, até agora, o que

foi percebido o foi a partir ou dos olhos da diretora do DEA, quem acompanhei por conta do

CEA, ou a partir de sua diretoria, ou seja, sob a influência dos interesses ligados a essa

diretoria. Assim, com as entrevistas, a narrativa construída acima passa a ser formada por

hipóteses que podem ser confirmadas ou, pelo menos, consideradas válidas, ou refutadas. Os

atores escolhidos para a aplicação da técnica foram: a própria diretora do DEA, a diretora da

EEA, a técnica da secretaria do meio ambiente responsável pelo SEA, o secretário do meio

ambiente e a secretária da educação.

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Como colocado no item metodologia, foi escolhida para esta pesquisa a forma de entrevista

não estruturada, que contou, todavia, com um roteiro orientador. Em geral, era pedido que o

entrevistado comentasse sobre suas origens, sua formação e seu itinerário até o posto

profissional atual. Em seguida, as questões focavam as instituições que representavam e suas

relações com a EA. Por fim, como que tais atores viam a EA no município e quais seriam

sugestões que eles trariam para sanar eventuais questões negativas que levantassem.

Obviamente, postos profissionais diferentes ensejavam também questionamentos específicos,

levantados pela observação participante, pelo levantamento de dados documentais ou ainda

que eram específicos a suas pessoas ou funções. Tais questionamentos eram também

realizados. Os resultados dessas entrevistas serão dispostos na seguinte ordem: diretora do

DEA, representante do SEA na secretaria do meio ambiente, o secretário do meio ambiente, a

diretora da EEA e a secretária da educação. Ao final, serão tecidos comentários iniciais sobre

os resultados das entrevistas.

4.5.1. Diretora do DEA.

A entrevista com a diretora do DEA do município foi realizada no dia 10 de agosto de 2011,

por escolha dela, em um café localizado dentro de um supermercado da cidade, por ser um

lugar neutro que permitia a ela maior liberdade. A entrevista se alongou por cerca de uma

hora e vinte minutos e foi gravada em aparelho MP3 GT DIGITAL®. Posteriormente, seu

conteúdo foi transcrito na íntegra. Os resultados estão dispostos abaixo.

Quanto à sua formação, é pedagoga com especialização em gestão ambiental. Segundo ela,

seus primeiros trabalhos com EA ocorreram em uma usina de cana-de-açúcar da região, onde

ficou por quatro anos e implantou coleta seletiva, recuperou um lixão, gerenciou resíduos das

dependências e das residências e foi encarregada pela recuperação da APP e de

reflorestamentos.

Foi por meio do seu trabalho na usina que conheceu, aos poucos se aproximou e se tornou

parceira voluntária da cooperativa de catadores de materiais recicláveis, especialmente após a

sua inserção no Departamento de Responsabilidade Ambiental de uma associação patronal do

setor de açúcar e energia, quando conseguiu estabelecer uma ligação entre a cooperativa e

algumas indústrias da cidade.

Após essa experiência, constituiu uma empresa de consultoria na área ambiental e trabalhou

com outras oito indústrias da cidade, com gerenciamento de resíduos, além da própria

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prefeitura do município, onde em um contrato de seis meses, elaborou o memorial descritivo

da obra para a construção da Escola de Educação Ambiental, situação que a aproximou mais

da função de EA e do funcionamento de centros de EA. Pouco antes da inauguração da

escola, foi contratada por mais dez dias pela prefeitura do município para colaborar com esse

processo.

De acordo com a diretora, foi no período pré-inauguração da Escola de EA que se começou a

sentir, dentro da esfera pública, a necessidade de “recursos humanos” para a gestão da EA no

município. Foi quando surgiu a iniciativa de criação do Departamento de EA, que ocorreu em

2008 junto com a criação do cargo de diretoria da Escola de EA. Ambos os cargos seriam

ocupados somente em 2010.

Sobre a sua inserção no setor público, após a experiência como consultora, voltou a ocorrer

em 2010, como diretora do DEA da SME. Sua contratação se deu, na verdade, diante da

necessidade constatada pela primeira-dama do município (e secretária do Bem Estar Social)

de se reerguer a cooperativa de catadores, então com dificuldades de gestão, burocrática e

financeira. Mas não foi a primeira-dama, a secretária ou o prefeito que teriam a procurado:

[...] eu vi ele [o prefeito] na televisão dando uma entrevista na TV local, eu me lembro muito bem, e ele se emocionou na entrevista que ele deu, falando de vários problemas da cidade, inclusive o problema dos catadores e eu tava no meu horário de almoço. E como a TV é perto da minha casa eu peguei meu carro e fui na porta da TV esperar ele sair. Aí eu esperei ele sair e disse que eu também me emocionei pela preocupação dele e sabia que esse cargo tinha sido descrito pensando na minha pessoa, na gestão passada, e que eu tava ali esperando para ocupar esse cargo para mostrar o resultado do meu trabalho. Foi na calçada, foi na rua. Em 2009, em janeiro de 2009.

Após essa aproximação em 2009, recebeu o contato da primeira-dama em março de 2010 para

a contratação, e assumiu em julho do mesmo ano. Quando o fez, tinha entre seus sonhos...

Bom, quando eu entrei, eu achava que o departamento tinha condições de tocar vários projetos. [...] Um dos projetos que eu sempre pensei, que de certa forma está dando certo [...] é o gerenciamento de resíduos das escolas. Eu acho assim, que peca muito você fazer um discurso bonito e não praticar nada [...]. Então eu pensava muito assim. De coordenar sim a cooperativa, eu tinha, eu achava assim, que o Departamento de Educação Ambiental tinha condições não de 100%, a parte contábil, a parte financeira, mas a parte de gestão de pessoas e a parte de educação da cooperativa. Então isso caberia sim à diretora do Departamento de Educação Ambiental. Eu imaginava isso que eu acabei de dizer [...]. [Em seguida, conta sobre um projeto de visitação de viveiros e de nascentes que implantou quando na usina] Então, no departamento, eu imaginava assim, que o departamento está ali para trabalhar as ações de educação ambiental além dos limites da escola.[...] Todo o bairro tem escola, se toda a escola vai além dos limites, não fica difícil a gente atingir a cidade toda [...], a cidade é pequena, tem 110.000 habitantes.[...] é uma cidade do tamanho perfeito para trabalhar a educação ambiental [...] não só ensinar economia de água, ensinar a descartar de forma correta os resíduos, não só pela

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obrigatoriedade da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, não é isso, é como cidadão mesmo.

Entretanto, como ela mesma colocou, as condições para sua entrada não foram as melhores:

[...] foi muito complicado porque a minha convocação não se deu pela secretária da educação, a secretária da educação não enxergava a necessidade de um departamento de educação ambiental.[...]. E aí foi meio que imposto, pelo prefeito e pela secretaria de desenvolvimento social, que é a primeira dama. Então foi assim, foi um ano muito difícil de trabalho, eu querendo constituir, consolidar algumas ações, e não tendo espaço.

A medida que iniciou os seus trabalhos e passou a tomar mais contato com a rede de relações

pertinente ao seu posto, começou também a sentir dificuldades de atuação junto a outras

instituições públicas do campo da EA no município:

O que me deixa também muito entristecida, é que eu não tenho acesso à escola [de Educação Ambiental, ligada à SME]. Eu não consigo, eu imaginava que tinha que ser a diretora do departamento com a diretora da escola de educação ambiental trabalhar juntas [...]. E isso não acontece, nunca aconteceu. Então tem uma distância muito grande [...] da diretoria do departamento de educação com a diretora da escola [...] Então não existe, como que fala, não tem ligação, são coisas soltas, e isso me deixa muito triste.[...]. Por várias vezes eu já tentei...já aconteceu várias oportunidades de aproximação e não acontece. Pode até ser um defeito meu, uma falha minha, mas não era assim que eu esperava.

Na sua opinião, esse distanciamento da escola de EA decorre de diferenças de personalidade

entre ela e a diretora da escola.

A diretora da escola [de EA], eu percebo que ela tem um pouco de receio em relação a eu me aproximar dos trabalhos dela. Ela é insegura, eu causo isso nela. Eu causo insegurança dela pensar “o meu projeto que eu estou desenvolvendo não quero abrir para ninguém porque o projeto é meu”. Então um individualismo e uma insegurança muito grande. Então que isso para mim, no meu modo de ser como pessoa, como filha, esposa, mãe, eu não tenho isso, se eu não posso ajudar, atrapalhar eu não vou. Mas o meu jeito de ser, eu acho que quando as pessoas não têm segurança dos próprios passos, quando a pessoa se aproxima de mim o negócio fica pior. [...]. Eu acho que eu espanto a pessoa. A pessoa fica com medo da minha presença. E já aconteceu um fato que eu nem te contei, que foi um fato que a secretária de educação disse: “você poderia ficar mais na escola de educação ambiental”. E disse para a diretora da escola: “não tem uma sala que a [diretora do DEA] pode se instalar?”. E aí eu percebi que ela ficou em pânico, a diretora da escola, ficou em pânico, quando a secretária da educação sugeriu isso. Eu fiquei quieta, não falei nem que sim nem que não. E logo em seguida ela me disse: “olha [diretora do DEA], eu tenho medo de você ir para a escola e a gente não se dar bem”. Então, eu nunca pensei de ser um território meu, nenhum lugar que eu trabalhei. Então eu me distancio, eu me distancio porque eu vejo que estou sendo ameaça e a pessoa tá ficando, como eu te digo, descontrolada, em pânico e acaba me atrapalhando, meu trabalho também.

Outro “nó” de relação institucional com o qual o departamento de EA da Secretaria Municipal

da Educação tem dificuldades é a Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Segundo a

entrevistada, tal situação é anterior ao próprio nascimento dessa secretaria, quando a questão

ambiental no município era gestada por uma autarquia. A então diretora dessa autarquia,

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engenheira ambiental, era agora diretora técnica da secretaria do meio ambiente. A relação

entre as duas teria se dado nos momentos de consultoria da diretora do DEA para a prefeitura

e, portanto, antes de sua contratação. Na ocasião, a então consultora teria se encontrado com a

diretora da Escola de EA e com a então diretora técnica da autarquia e estavam planejando um

projeto de EA para as escolas do município. A resposta abaixo proveio da questão se ela já

tinha passado por alguma situação de hostilidade explícita por parte dos atores que

compartilham com ela a EA no município.

Muitas vezes. [Eu tenho o] clássico exemplo. Quando eu ainda era consultora, no comecinho de 2010, que antes de eu assumir o cargo eu fui consultora de novo, e não é uma situação confortável você ser consultora porque você não tem autonomia para nada, então você tá ali como um quebra galho.[...] E nesse momento, nessa reunião, eu tava em reunião com a [...] diretora da escola e com a [...] engenheira ambiental. Na época não era secretaria ainda, era uma autarquia, [...] engenheira ambiental diretora técnica ambiental, é o cargo dela, e nós três conversando, programando o concurso literário e no fim da reunião acabamos de acertar, eu coloquei as minhas ideias e elas colocaram as delas, foi uma reunião até que boa, fluiu muito bem. No final da reunião eu pedi para as duas me darem uma oportunidade de mostrar um projeto, de apresentar um projeto para o prefeito, para que eu conseguisse esse cargo [de diretora do departamento de EA na Secretaria Municipal de Educação e Cultura], que nenhuma das duas estava ocupando, não tava tirando lugar de ninguém. Só não estava ocupado. E elas disseram que não! Que era para deixar quieto, que esse trabalho ia ser terceirizado, que a cooperativa ia ser terceirizada, e que não era para eu entrar em detalhes sobre isso. Então essa hostilidade foi sempre assim: nós podemos dificultar! Facilitar nós não vamos! Então isso foi muito claro e não é segredo para ninguém. Isso o departamento, a Secretaria do Meio Ambiente, a Secretaria da Educação, a Secretaria da Indústria, a Secretaria do Desenvolvimento Social, eles percebem essa hostilidade.

E as dificuldades de antes da criação da secretaria continuaram depois (em 2011) de seu

surgimento.

Bom, é, a minha relação com a Secretaria do Meio Ambiente é muito delicada. É muito delicada [...] por conta de ter uma pessoa na secretaria que me hostiliza demais, [...] que é diretora de departamento técnico.[...] Já tive experiências assim dela confeccionar um documento errado, especificamente um documento da cooperativa, e eu nem sabia se tava errado ou não. Aí foi quando eu fui procurar o porque que não foi registrado e descobri que estava errado e aprendi a fazer o certo. Esse foi o problema maior e que não é aceito. Eu não tinha a malícia de que o meu jeito de colaborar não é oferecendo ajuda. E aí eu criei também uma distância entre o Secretário de Meio Ambiente e eu, também por conta da cooperativa. Então algumas coisas que aconteciam na cooperativa que eu acabei tomando as dores e defendendo aquele pessoal, que são carentes, são humildes e têm um respeito muito grande por mim, então eu acabei tomando as dores deles, e nem pensando no meu salário e no meu emprego e enfrentando...defendendo mesmo porque eles estavam sendo enganados novamente.[...] Pela Secretaria de Meio Ambiente. Então, os funcionários que tinham a obrigação de tocar o que eu tinha parado, porque eu me afastei da cooperativa a pedido do secretário do meio ambiente em abril de 2011. Em abril de 2011 tinha um resultado de números, de salário, que é isso que é importante para eles. Quanto que eles estavam fazendo, produzindo e recebendo pelo trabalho. Quem ganhava mais era R$817,00, quem trabalhou mais ganhou R$ 817,00. Hoje, em agosto, eles estão recebendo R$517,00, então assim, não foi um ganho para a cooperativa o meu afastamento. E eu não consigo me aproximar do secretário para que ele enxergue aonde que eu posso ajudar, qual é o viés...porque

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assim, a cooperativa precisa de ajuda de todo mundo, da Secretaria de Educação, da Secretaria de Desenvolvimento Social, da Secretaria de Meio Ambiente, de todo mundo, agora o que eu esperava que o secretário enxergasse, delegasse, era assim, “secretaria tal, me ajuda de tal forma. [você], me ajuda dessa forma. Você, deu certo de fazer a documentação, então segue com a documentação, a parceria, o contato...”. E isso não aconteceu, então essa distância da Secretaria de Meio Ambiente com o Departamento, com a Diretoria de Educação Ambiental é muito grande.

E continuou por conta da gestão da cooperativa de catadores de materiais recicláveis:

[Q]uando ele assumiu eu estava na cooperativa a pedido da Secretaria de Desenvolvimento Social. Continuei, da entrada dele até abril eu continuei na cooperativa e quem encampou a responsabilidade de aluguel, caminhão, saquinhos, a parte operacional, foi a Secretaria de Meio Ambiente. Então a gente trabalhou junto, de janeiro a abril. Quando chegou abril, ele pediu que...porque na verdade eu pensava assim, que a cooperativa tinha que ter pernas próprias. Que não tinha que ficar dependendo e nem onerando os cofres públicos. E ele não, ele achava que....foi aí que a gente se desentendeu, que a cooperativa tem sim cada vez mais que depender do poder público. Para amanhã ou depois também, serem cobrados. Então foi nesse ponto que a gente divergiu e ele pediu o meu afastamento pro prefeito. [Mas teve uma situação ruim, uma ligação...]. Sim, aí foi o que ficou pior mesmo, foi quando ele disse, já depois do meu afastamento, eu já não estava mais, na cooperativa. Aí ele disse que conversou com uma pessoa da imprensa em um evento e que eu estava desestabilizando a equipe dele, que eu havia tecido um comentário que ele ia terceirizar a cooperativa. Ele me ligou às seis e meia da tarde de uma sexta-feira, eu tava no balcão do McDonalds, sem poder reagir, sem poder responder e a única ação que eu tive foi dizer a ele que essa conversa não tinha que ser por telefone, mas pessoalmente na frente da minha secretária. Ele gritou, ele foi muito sem educação. Ele disse “quem eu imaginava que eu era” e que isso não ia ficar assim e foi muito grosso, muito sem educação e extremamente sem ética profissional. Aí eu passei uma mensagem para a minha secretária que eu precisava falar com ela pessoalmente, que era uma situação muito desconfortável. No sábado pela manhã ela me ligou, ela pegou a mensagem me ligou, eu conversei com ela, ela disse que a gente ia tratar tudo isso juntos, nós três, ela a secretária, minha chefe, eu diretora de departamento e o secretário de meio ambiente. Que nós íamos conversar tudo na segunda-feira. E foi o que aconteceu. Na segunda-feira ela chamou ele na sala dela, na Secretaria da Educação, foi exatamente 11:30 da manhã, eu passei tudo para ela o que tinha acontecido, e ela começou a conversar com ele e na hora que ele foi falar de mim ela me chamou. [...]. E ela disse “se você for falar [...], se você for falar da pessoa d[ela] você vai falar na frente dela”. E foi o que aconteceu. Ela me chamou na sala, ficamos frente a frente, ele me chamou de mentirosa e eu chamei ele... eu disse a ele que ele faltou a educação comigo e eu falei tudo o que eu tinha que falar, falei do poder político que ele tem, e que eu estava ali por capacidade profissional e não por política, que eu não tinha costa quente, que eu não sou apadrinhada politicamente e que para ele fazer o que ele achava que tinha que ser feito.[...] Aí eu disse a ele que se fosse para trabalhar assim que ele podia pedir o meu afastamento, só que também era uma falta de respeito porque a minha secretária é que estava ali, então quem tinha que decidir isso era a minha secretária com o prefeito.[...] Ela disse que ela não tinha que avaliar e que o meu trabalho tava sendo bem sucedido, que tava tendo retorno do meu trabalho, e que não tinha que ter a experiência nada disso e que esse conflito houve e que não ia ter mais. E que era realmente para eu não ter mais ligação nenhuma com a cooperativa e com a Secretaria do Meio Ambiente.

Pouco tempo à frente, novamente diante de uma questão da cooperativa com a qual a diretora

de EA tinha se envolvido, a pedido dos próprios catadores, nova situação extrema se colocou,

e novamente o secretário do meio ambiente mencionou solicitar a sua saída. Desta vez,

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entretanto, ao saber do novo conflito e da razão da sua ocorrência (a diretora teria

descumprido a solicitação de não mais participar da cooperativa), a secretária “lavou as mãos”

e que não a defenderia diante do prefeito.

Outra influência percebida sobre o trabalho da diretora de EA é exercida pelo diretor de

cultura da mesma secretaria, que é seu primo. Apesar de mais distante, principalmente no

início da gestão da diretora ele se fazia bastante presente, e constantemente a cobrava por

resultados. Mesmo que eu tenha percebido esse fato e a pessoa dele como uma fonte de

confusão (pois ele não reconhecia a importância das ações estruturantes dela no cargo, apenas

da execução de funções), para ela as questões com ele tinham menor importância:

Na verdade eu falava demonstrar resultado, mas não era bem isso que eu queria....eh, o resultado do meu trabalho efetivamente, assim, a coleta seletiva nas escolas acontecer mesmo, ter um aumento para a cooperativa, e as crianças nas escolas verem que tá indo para o caminho certo, que tá indo para o destino correto, esse é um resultado. O reconhecimento do meu trabalho não para o prefeito, não para a secretária, mas para comunidade, para as pessoas que eu lido, os professores, e todos os professores da rede municipal conhecem o meu trabalho, então isso para mim é o reconhecimento profissional, então a minha preocupação era de realmente eu passar por esse tempo e mostrar resultado do meu trabalho, mostrar assim, efetivamente estar acontecendo. [...]. Então essa é a minha preocupação. Do que eu começar, ter continuidade. [T]ambém a minha preocupação de resultado também financeiro. Igual, da gente ter sido contemplado pelo FEHIDRO. [E]ntão essa preocupação do meu primo de mostrar resultado, ele é uma pessoa muito determinada, e que a Cultura [...], isso eu ouvi duas vezes pelo prefeito e pela secretária, que a Cultura, as ações, os eventos, acontecem depois que ele chegou. Então eu penso que ele quer, que ele espera que eu seja, na educação ambiental, o que ele é na cultura, só que ele tá há doze anos, e eu faz um ano.

Como colocado no item 4.4.2, no final do primeiro semestre a situação da diretora de EA

começou a passar por uma transformação, de negativa diante dos vários conflitos

experimentados, para positiva. Segundo ela, a sensação de que estaria começando a merecer o

respeito dessa rede de relações teve uma enorme influência nisso.

É aí que eu acho que assim começou a tomar uma forma de respeito. Ele [o secretário do meio ambiente] começou a reconhecer o meu trabalho. Aí a gente fez a apresentação do projeto o FEHIDRO [e ele foi, na mesma noite, pela primeira vez, a uma reunião do coletivo]. Aí mais um mês, um mês e pouco foi contemplado o nosso projeto....aí teve a semana do meio ambiente, a conferência, e que o público do evento no dia foi o coletivo, a participação do coletivo ele citou por várias vezes, inclusive o questionamento, as solicitações da comunidade foi pauta da reunião dele, foi elogiado pelo gerente da CETESB, pelas autoridades presentes, e que as autoridades presentes eram eu, a secretária, ele e a diretora do Departamento Técnico Ambiental. Que foi um evento para nós mesmos, e o coletivo participou, perguntou e então eu acredito que ele percebeu a importância do meu trabalho.

Outra mudança inesperada de comportamento, segundo a diretora de EA, proveio da diretora

da Escola de EA. O fato teria ocorrido após a primeira ter colaborado, em um momento de

muito trabalho e tensão, com a segunda em um projeto da mesma. O dia do evento teria sido

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estressante para a diretora da Escola de EA devido à quantidade de trabalho e a diretora de EA

teria voluntariamente se oferecido para ajudar. Entretanto, mesmo com a ajuda, erros teriam

ocorrido na exposição com a inversão do anúncio dos ganhadores do concurso, o que teria

gerado um constrangimento público no momento, e elevado o estado de tensão para e entre

elas.

Alguns dias após o fato, a diretora da Escola de EA ligou para a diretora de EA para agradecer

por sua ajuda e para assumir o erro, por ter sido muito centralizadora ao longo de todo o

processo, reconhecendo que não poderia fazer tudo sozinha. Segundo a diretora do DEA,

Aí [...] ela me ligou [...]. Eu achei muito bacana, conversei com a Secretária [da Educação] junto com ela. Elogiei a iniciativa dela, falei que eu tava esperando por isso fazia um ano, exatamente um ano que eu tava esperando por essa atitude, e que muito obrigado e que ela não ia se arrepender que eu ia ajudar e que a gente ia formar uma equipe. É, nesse momento, durante mais ou menos uns quinze dias eu percebi mesmo que ela aceitou que não dá conta de fazer tudo sozinha e que a imagem que ela tinha de mim era errada e que a gente ia poder trabalhar junto.

Entretanto, essa motivação em relação à diretora da Escola de EA não durou muito.

Apresentei um novo projeto, que era da trilha, pegada da natureza, um jogo de trilha ecológica em cima do mapa da cidade que eu chamei ela para desenvolver junto comigo. Aí já deu errado. Exatamente nesse mesmo local a gente fez uma reunião e eu comecei a colocar algumas ideias e que ela não acreditava e muito pessimismo e muito negativa, e eu percebi que de novo que eu tava de uma maneira ou de outra ameaçando ela. E todo momento eu dizia: “é importante para a nossa carreira, é um trabalho legal é um trabalho fundamental” e aquilo que foi uma notícia muito boa do reconhecimento dela ter errado, dela aceitar a minha ajuda, em quinze dias desapareceu. Vamos ser até mais, vamos supor que em um mês. Em um mês durou isso e já acabou e a distância, se não tiver igual, tá maior.

Em determinado momento da entrevista perguntei para a entrevistada, qual seria na opinião

dela a origem de tanto conflito pessoal. A sua resposta:

Eu, [...], prá falar a verdade, eu não tenho preguiça, e eu vou até o fundo para resolver a situação. Eu não tenho perfil de me acomodar, de “ah, não consegui então deixa”, então isso eu acho que acaba atrapalhando muito. E eu busco alternativas. Eu sei que, vamos supor, eu sei que uma pessoa sabe o melhor caminho, como aconteceu, um escritório de contabilidade, eu procurei cinco escritórios de contabilidade, o sexto escritório que abriu as portas e falou “eu te ensino o caminho prá resolver a documentação da cooperativa”. Então eu acho que essa questão de procurar alternativa, essa questão de assumir “eu não sei, eu preciso de ajuda”, não são todas as pessoas. E aí que eu crio, que eu tenho dificuldade, não que eu crio, que eu tenho dificuldade. Porque eu não tenho vergonha de falar “não sei, me ensina”.

E ela destacou por mais de uma vez o fato de ter contemplado o recurso no FEHIDRO, que a

teria acalmado. É como se a aprovação do projeto não só demonstrasse a sua capacidade, mas

também justificasse, até para ela mesma, as suas ações (como o coletivo) e seus

investimentos, e que ela estaria no caminho certo.

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Por que é resultado, é dinheiro, e para o ano que vem a gente tem condições de renovar esse convênio. A gente tem condições de fazer o curso de formação de educadores ambientais em recursos hídricos e já começar a descrever um próximo para a gente nunca mais perder esse recurso. Então isso já, já como você diz, consolidou o departamento.

O final da entrevista foi devotado ao tema das filiações aos partidos, primeiro a convite da

própria secretária da educação, e depois da primeira-dama, já demonstrado no item 4.4.2.

Disse que quando recebeu o convite da secretária, se sentiu constrangida:

Eu me senti muito acuada, muito assim, ela é minha secretária. [...]. Ela é minha secretária, tinha poder, tinha passado por tudo o que eu tinha passado, de demissão, tal, de uma vez defesa e de outra vez não, e aí ela podia muito bem, “não vai se filiar eu vou mandar você embora. O prefeito disse para eu avaliar o seu trabalho eu posso dizer que o seu trabalho não está sendo suficiente, não está atendendo minha expectativa” e que eu ia perder meu emprego. Então foi por isso que eu decidi.[...]Aí eu me senti obrigada senão eu ia perder o meu emprego

Quatro dias depois ela teria sido então contatada pela primeira-dama que fez o mesmo

convite, só que para outro partido. A diretora tinha sido chamada por ela para uma conversa

sobre o seu trabalho e, ao final, fez uma convocação de filiação, que seria assinada no

gabinete do prefeito. Ao saber do convite anterior da Secretária da Educação, teria sutilmente

indicado que “o patrão da minha secretária e meu patrão era o prefeito”. E diante disso ela

teria aceitado esse novo convite.

Ao ser questionada como tinha se sentido após esse segundo convite, ao contrário do que

tinha anunciado antes, disse que se sentiu aliviada:

[P]rá falar a verdade, agora discutindo isso aqui longe de tudo, eu me senti aliviada, porque quem me deu a oportunidade de mostrar o meu trabalho foi a Primeira-Dama. Não foi a minha secretária, não foi a Secretária de Educação. Eu não imaginava que o prefeito ia me convidar. E não só me convidou para filiar como para me candidatar a vereadora. Então isso eu não vou me iludir. Política não é uma coisa limpa, não é uma coisa transparente, mas é um reconhecimento. Ele reconheceu que eu tenho um potencial. [...P] ara mim eu lavei a alma, porque se ele não me convidasse eu ia ficar amarrada numa situação [...] na verdade eu devo isso a ele, ao prefeito e à Primeira-Dama, eles acreditaram, eles olharam nos meus olhos e acreditaram na minha capacidade, e não a Secretária da Educação.[...] Ela [a Primeira-Dama] me disse, “quando você precisou eu estiquei a mão para você”. E é verdade, não é mentira. Então, nada mais justo do que eu contribuir. Eu, como que eu digo, eu retribui o que ela fez para mim. Então eu tou sinceramente aliviada.

Sobre como sentia a sua condição após esses acontecimentos:

E só que também, essa minha filiação com o prefeito me abriu portas. Então agora eu tenho acesso a ele, antes eu não tinha, eu devia, eu tinha que passar por ela primeiro [a Secretária da Educação], e agora não....não que agora eu vou passar por cima da minha chefe, não é nada disso. E também eu ficava muito na ansiedade de garantir o meu emprego. E eu achava todo o tempo que ela podia me trocar. E eu me filiando ao partido dela, a todo o tempo eu ficava preocupada em mostrar resultado para eu também garantir o meu emprego, não só consolidar o departamento mas também garantir o meu emprego. Quando eu me filiei ao partido da secretária da

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educação, eu não tinha 100% de garantia, que eu me filiando eu ia garantir o meu emprego. A única coisa é que eu ia ter um pouco mais de abertura e um pouco mais de respeito. E aí quando veio o convite da filiação do prefeito, eu percebi que além de garantia de emprego eu ia ter mais respeito da secretária de educação. E outra coisa, tem o lado hostil de travar um pouco o meu trabalho, mas também eu fico um pouco mais relaxada. Se travou, não é por minha culpa. [...] a única coisa que ficou muito claro foi o respeito. [...] Então eu vou manter, é uma maneira que eu tenho de manter o respeito. E eu vou ver se eu consigo.

4.5.2. Diretora do departamento técnico ambiental da SMA.

A entrevistada iniciou a sua carreira no setor ambiental público antes de existir a secretaria do

meio ambiente no município, no ano de 2007, quando o tema era ainda de responsabilidade de

uma autarquia. Entrou, cerca de dois anos após formada e após um período de estágio, como

diretora. À época da entrevista, estava locada na diretoria técnica de meio ambiente. A

justificativa para entrevistá-la é justamente o destaque atribuído a ela pela diretora do

departamento de EA, visto acima.

A entrevista foi realizada em um dia normal de trabalho, em sua sala (por indicação sua), que

divide com o próprio secretário do meio ambiente e com outra técnica. A entrevista foi

oficialmente marcada por e-mail, mas combinada alguns dias antes quando nos encontramos

em um evento do Comitê de Bacia local.

Quando cheguei, no início da manhã, estava sozinha, mas outras pessoas, inclusive o

secretário, iam e vinham durante o procedimento, interrompiam a entrevista, telefones

tocavam, enfim, foi um dia comum. O encontro durou cerca de uma hora e a entrevista se

estendeu por aproximadamente 50 minutos, e foi gravada com aparelho MP3 GT DIGITAL®.

O conteúdo foi posteriormente transcrito.

De acordo com a entrevistada, no início de sua experiência era sozinha, tinha que lidar com

uma série de questões que não tinham estado presentes na sua formação, e então que passou

um bom tempo estudando e tentando compreender a questão ambiental no município e

também a sua função na totalidade.

Com o tempo, também, foi desenvolvendo “malícia” a respeito da sua forma de agir dentro da

prefeitura, diante dos vários interesses políticos e partidários invisíveis a priori, presentes.

Chegou, inclusive, a se filiar a um partido, o que desfez em seguida:

É, nem todo mundo tá no mesmo lado que você assim, em relação a trabalho, é nem todo mundo pensa em relação ao coletivo, ao município, nem todo mundo tem a mesma filosofia. E aí envolve muitos interesses políticos, nem só quanto ao prefeito, não, é o entorno mesmo que você acaba....no começo, eu cheguei, eu não conhecia,

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eu não sabia quem era político, quem não era, quem era do partido A, o partido B, eu não sabia, então você, então às vezes você acaba cometendo algum erro, acaba falando coisas que não deve, até você começar a ter certa malícia. Então, assim, é difícil, você tem que estar sempre pisando em ovos, né, então é complicado. Mas hoje, [...] eu não tenho problemas com questões políticas, não tenho interesse de me envolver com essa questão, eu sou técnica e pretendo continuar só na área técnica. Não pretendo me filiar a partido algum. Até em um período eu acabei me filiando por um engano. Acabei me filiando a um partido, né, mas hoje já desfiliei, não, porque realmente eu não tenho nada a ver com política, então tou desfiliada, não tenho partido, não tenho interesse de ir para partido algum, eu quero mesmo é trabalhar na parte técnica mesmo

Quando a Secretaria do Meio Ambiente foi criada, em janeiro de 2011, em grande parte

devido ao Programa Município Verde-Azul da Secretaria do Estado do Meio Ambiente,

tornou-se diretora do departamento técnico ambiental. Apesar do Setor de Educação

Ambiental não estar situado, a rigor, dentro dessa diretoria, continuou desempenhando essa

função, em meio as suas atribuições normais que o cargo lhe demandava, especificamente

relacionadas ao desenvolvimento de projetos, análise técnica e licenciamento ambiental.

Em determinado momento da entrevista, após a contextualização da sua história de vida, de

sua entrada no setor público e, finalmente, das funções que exerce na secretaria, direcionei a

conversa para a EA, para a sua inserção e da secretaria no campo da EA.

Sua atuação com a EA se dava, principalmente, por meio da sua participação no grupo de

trabalho de EA nos dois Comitês de Bacias Hidrográficas dentro dos quais os município se

insere (por ter território dividido em duas bacias, está inserido em dois comitês) e na

participação e organização de projetos e eventos em EA. Ressaltou que mesmo antes da

criação da secretaria, ainda na época da autarquia, já desenvolvia projetos em cooperação no

município:

Tinha bastante projetos que a gente fazia em parceria, né, quando era o departamento [a autarquia]. Até teve o ano passado [2010], eu com a [diretora da Escola de EA] fizemos o concurso literário da água juntas, então muita coisa, muito evento que tinha na escola [de EA] ou no meio ambiente, por exemplo tinha uma data comemorativa, sempre tava envolvendo as escolas, né a [Secretaria da] educação, então até para inaugurar a escola [de EA], né, eu ajudei, para conseguir terminar de estruturar, para a inauguração...é, por exemplo eu participo dos comitês na parte de educação ambiental.

Entretanto, conforme colocado no item 4.3.1., não disponibilizou projetos para análise sob a

argumentação da inexistência de processos de sistematização. Com suas próprias palavras:

[E]ssa é uma coisa assim que na prefeitura e que às vezes eu acho que é falho ainda, que a gente precisa assim, talvez às vezes por falta de estrutura, a gente acaba fazendo e não pondo no papel. É, e então isso ainda é muito falho. Então porque falta muito planejamento aí. Ainda, prá gente conseguir fazer no papel e depois por em prática.

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Quando perguntada sobre as suas impressões a respeito das condições de trabalho conjunto

entre as duas secretarias (de educação e do meio ambiente), após a criação da segunda, se

existiria um “muro” entre elas, comentou, ao meu ver, com certo nível de constrangimento,

sem, no entanto, levantar detalhes:

Técnica: Olha, ó, é, não, não mu.... mais ou menos...mais ou menos, tem um pouco. Tem um pouco de dificuldade nisso (rs). Tinha menos, acho que hoje tem mais.

Daniel: É, porque que você acha que hoje tem mais?

Técnica: Ah, já teve muitos atritos, muitas coisas, aí, e não sei, então...

Daniel: Mas qual que é a origem disso? Qual é o ponto disso? É a questão de projeto, de não estar concordado com projeto?

Técnica: É, de não concordar com condutas.

Daniel: Ah, então não é um negócio que fica na esfera mais técnica, assim.

Técnica: Não, não. Então é assim. É assim...é que eu tenho, é que eu sou suspeita em falar (rs) então sei lá. Eu não quero influenciar em nada. Eu sinto assim, que daria para ser muito, ter muito mais parceria, entendeu, muito mais, ser muito mais envolvido, muito mais unido.

Daniel: O que que falta?

Técnica: O que que falta? Então, eu acho assim, por exemplo, ah é que (rs), eu acho assim, mais vontade de fazer, é, mas é o que eu sinto, não sei se todo mundo tem essa sensação. De que falta ter mais vontade de fazer o trabalho pensando na comunidade, no envolvimento, não na questão pessoal, entendeu, então eu acho que...

Daniel: A questão pessoal é, tipo a valorização pessoal, assim...autoenaltecimento?

Técnica: Isso, é, eu sinto isso. E às vezes a questão até de, por exemplo, de secretarias, questão de poder, sabe, de secretário para secretário.

Daniel: Essa é uma dificuldade?

Técnica: É, hoje eu acho que rola um pouco. Porque antes, por exemplo, antes eu era diretora. E na verdade que o secretário era, digamos assim, omisso. Prá ele tanto fazia se fizesse alguma coisa ambiental ou não, tanto fazia. Então eu trabalhava muito mais à vontade, apesar de não ter muito apoio, ter pouca estrutura, eu trabalhava muito mais à vontade. Então eu tinha a liberdade, de por exemplo, de ir lá e conversar com a secretária de educação e eu e ela acordávamos alguma coisa, ela pedia a minha ajuda e eu ajudava, entendeu.

Daniel: Tinha um intercâmbio.

Técnica: É, hoje não é assim, que sempre que ó, tem que passar, o caminho é diferente. Então assim que eu sinto isso. E às vezes achar que tá ruim, de querer passar por cima um do outro, então não, então acaba distanciando um pouco...

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Por fim, ressaltou a dificuldade que tem de angariar participação para os projetos, ações e

eventos que realizam:

Questão também de você conseguir fazer um envolvimento, né, que as pessoas participem. Por exemplo, a nossa dificuldade nesse curso [que o Comitê de Bacias pretende realizar], a nossa preocupação, não é a nossa dificuldade, mas a nossa preocupação, é, qual será o melhor dia, o melhor horário, prá que realmente as pessoas possam participar, mesmo, porque tem gente que quer participar mas não tem condições, não conseguem, né. Então essa é, acho que é a dificuldade.

4.5.3. Secretário do Meio Ambiente

A entrevista com o secretário do meio ambiente, a exemplo de sua técnica, também ocorreu

em seu escritório (que divide com outras duas técnicas), em uma quinta-feira normal de

trabalho, no período matutino, cedo. Na ocasião eu perguntei a ele se não queria que fosse em

outra sala, por conta da privacidade, mas ele respondeu que aquela era a única disponível, e

riu. Isso me deixou receoso, obviamente, porque imaginei que o trânsito de pessoas poderia

gerar constrangimentos em determinados momentos. Mas isso não foi percebido, pelo menos

diante dos temas que eu considerava mais problemáticos.

De qualquer forma a entrevista se iniciou antes do expediente, e foi apenas à medida que se

desenrolou que sua atenção passou a ser dividida com outros afazeres e pessoas. Na mesma

manhã haveria uma inauguração no município na qual vários funcionários da secretaria

deveriam estar presentes, e a medida que o horário se aproximava, a tensão aumentava.

Mesmo assim, o entrevistado ficou a minha disposição pelo tempo que eu julguei necessário e

em nenhum momento sugeriu a interrupção ou o apressamento da entrevista.

Embora tenha ocorrido mais de um mês após a de sua técnica, foi combinada naquele dia, e

confirmada posteriormente por telefone. Desde o início o secretário se colocou, de forma

gentil, à disposição para o processo. Em uma ocasião marcada em que teve que cancelar, o fez

pessoalmente e sugeriu uma segunda data, na qual a entrevista foi realizada. Os conteúdos da

entrevista, de aproximadamente 45 minutos, foram gravados com aparelho MP3 GT

DIGITAL® e ulteriormente transcritos.

O secretário do meio ambiente é economista, com pós-graduação em economia regional,

finanças empresariais e MBA em administração de empresas e administração rural, “Isso não

por eu estudar muito, é o tempo, é a idade, vai fazendo a gente fazer cursos....(rs)”.

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É natural do município, de onde saiu apenas para cursar a faculdade. Foi militante estudantil

(presidente de diretório acadêmico e do diretório central dos estudantes) e é militante do

Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação na cidade. Por duas ocasiões já concorreu às

eleições municipais para a prefeitura. Nas últimas eleições, apoiou o candidato de oposição e,

no final de 2010, foi contemplado pelo prefeito para assumir uma secretaria, a princípio da

saúde, mas foi posteriormente convidado para assumir a Secretaria do Meio Ambiente.

Sobre essa situação (ter apoiado a oposição, ser de outro partido e, ainda, ter planos

embrionários de estar presente de alguma forma no próximo pleito – ou seja, ter interesses

pessoais), explicou que há uma ligação de seu partido com o prefeito desde que ele apoiou a

candidata do PT à presidência. Além disso, que para o seu partido, que está no “ostracismo”

político no município por quatro anos, por não conseguir eleger nenhum representante, é uma

forma de demonstrar trabalho para a população. Por fim, falou que deixou claro para o

prefeito que seu apoio seria até abril de 2012 e que, sob essas condições, ele poderia decidir.

Mencionou que por ter vivido em fazenda até os dezessete anos, sentia sua função como

natural, apesar de assumir sua falta de experiência (tanto na administração pública quanto no

meio ambiente) e que, portanto, assumiria diante da possibilidade de compor uma equipe

técnica competente.

Como a sua secretaria está em processo de estruturação (pois foi criada em janeiro de 2011),

está ainda construindo condições para ser a responsável no município pela implantação da

política municipal do meio ambiente, que segundo ele também está em elaboração. Assim, há

duas linhas de ação paralelas, a criação de medidas estruturantes e o cumprimento das

atividades para as quais foi criada (licenciamento de atividades de baixo impacto, revisão e

criação de programas, de leis e outros, arborização, educação ambiental, dentre outros). Para

ele, “o nosso trabalho, em síntese, é o olhar ambiental na administração municipal”, o que o

coloca em contato direto com outras secretarias, tanto na parte operacional (por ter poucos

recursos, conta com outras) quanto de planejamento, pois agora as ações com implicações

ambientais precisam passar por sua secretaria.

De forma espontânea, ao falar das ações que a secretaria tinha desempenhado em 2011, trouxe

à tona a EA:

E por isso que eu friso que a atuação da secretaria ambiental, nesse primeiro momento é a revisão das leis nossas que eram bastante antigas, e a partir, e também o processo educacional. A educação ambiental que não é educação formal, é

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educação da comunidade como um todo. E aí passa pelo funcionalismo, passa pelas empresas e passa também pelo cidadão comum.[...] Como eu disse, é recente a secretaria, entramos sem um programa, na medida do possível nós fomos atuando, fazendo palestras, em, nos temos sendo convidados, é, prá falar em semana de prevenção de acidente de trabalho, as CIPATs nas empresas, nós realizamos a semana de meio ambiente, realizamos a conferência, a primeira conferência de meio ambiente[...] realizamos palestras [...] mostrando a legislação, no Centro das Indústrias [...], mostrando a legislação [...] de trato de resíduos, processos de licenciamentos, [...] a gente sempre que possível tá explorando os canais de comunicação, TV, rádio, nos colocando, nos posicionando....

Sobre a ação coordenada com outras secretarias...

O que nós fizemos esse ano? Estreitar esse relacionamento com a Secretaria de Educação, a gente discutir programas, e agora nós vamos, [es]tamos caminhando pro próximo ano, e nós já fizemos ações conjuntas durante esse ano com a Secretaria da Educação. Tanto na semana do meio ambiente como na realização, da Conferência, nas campanhas de coleta de lixo eletrônico, todas as ações nós temos feito em parceria. É, porque eles são nosso primo rico, né? (rs). Então dentro desse quadro aí, a gente tem estreitado, não só pelo aspecto econômico mas também pela importância da gente entrar. Mas eu devo confessar que isso é fruto até da secretaria ser nova, nós não temos um programa formal de ação das duas secretarias, né. A Secretaria da Educação já vinha desenvolvendo os seus programas e nós entramos, apresentando algumas sugestões e seguindo, agora para o próximo ano, [...] a partir do ano que vem, não, ano que vem nós já aprovamos o orçamento, já temos uma linha de ação e já estamos conversando com a Educação Ambiental, com a Escola [de Educação] Ambiental, ou seja, com a Secretaria de Educação das ações que nós vamos desenvolver.

Quando perguntado sobre as possibilidades de um desenvolvimento conjunto de um programa

de EA entre várias secretarias e ainda outros atores não públicos...

Esse é o caminho, aliás nós estamos trabalhando com essa...ontem mesmo eu tive uma reunião com o pessoal aí do, da Secretaria de Indústria e Comércio, e logo depois com representantes do Centro das Indústrias. Ou seja, as ações que nós fazemos, nos distritos industriais, nós sempre estamos em conjunto com a Secretaria da Indústria e Comércio. Agora, nós precisamos formalizar, tornar o negócio, porque tem uma coisa, se troca o secretário, troca a linha de ação, então esse é o próximo passo que nós vamos [es]tar trabalhando.[...] [Mas] [i]sso não é nem questão de cultura da formação da população. Cê fala, cê chamar uma reunião hoje, sem oferecer nada, prá se discutir um orçamento da cidade não aparece ninguém. Se você faz uma reunião hoje, para se discutir questão de resíduos de empresas, vai aparecer três, quatro empresas, tem que convidar, isoladamente. [I]sso nós temos que construir[...] esse é o desafio da sociedade brasileira. [A] constituição de 88, de 89, a constituição de 89 a constituinte de 88, ela criou uma série de instrumentos para a participação popular, né, por isso que ela é chamada de constituição democrática. Mas você não vê a população. [...]. Então as reuniões dos conselhos são esvaziadas. E apesar de ter esse poder a população não enxerga...

Neste momento da fala somos interrompidos pela Técnica de Meio Ambiente que explica que,

no dia anterior, tinha marcado uma reunião no Conselho Municipal do Meio Ambiente, mas

que ninguém tinha aparecido.

É falta de participação. É reflexo dos trinta anos de ditadura. Nós criamos uma sociedade, nós criamos não, foi uma sociedade que foi formatada prá não participar.

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Com as abertura política, o que que houve, houve um processo de democratização, e nesse processo de democratização, é, as instituições não estavam fortalecidas para desempenhar os seus papéis, e foram, começaram a ser aparelhadas por grupos, sendo ocupadas, né. Ocupadas por quem tinha um interesse, não um interesse global, interesse de todos, pessoais. Fora isso, nós pegamos um período da história, não só do Brasil[...], mas um período de descrença na questão do estado, que vem da onda neoliberal da Europa de 80 que chegou aqui em 90, e você desconstruiu o estado, ou seja, os canais que a população tinham de ser interlocutor com o estado foram esvaziados, mas eles estão aí. Fora isso tem a decepção com a sucessão de governos e...[...] Então o que sobra? Uma parte da sociedade se afasta, os espertos ficam, e os que lutam têm vergonha de falar que tá lutando. Então é um processo histórico, tá certo...isso vai ser vencido, a população vai chegar com o tempo.

E voltando para a questão da comissão interinstitucional de EA...

Eu só tenho medo de você criar esses instrumentos e esvaziar o Conselho [Municipal do Meio Ambiente]. Eu acho que o conselho tem que puxar isso. Que aí você fortalece o Conselho Municipal, leva prá dentro, atribui responsabilidade para outras pessoas que não tão participando do conselho e aproveita esse momento, eu acho que é excelente, mas eu não puxaria pela secretaria.[...] [V]ocê vai fragmentando. Eu acho que, por exemplo, o Conselho Municipal, uma das saídas, pensando rapidamente, não tá amadurecido, você colocou agora, mas uma das propostas que eu inicialmente proporia para amadurecer é que o Conselho Municipal criasse essa comissão, e ele indicasse membros para participar junto com a Secretaria, junto com a indústria, junto com todos os segmentos da sociedade. Aí, aí eu acho que encaminharia bem.

4.5.4. Diretora da Escola de EA.

Fiquei animado quando recebi o e-mail da diretora da Escola de EA respondendo

positivamente ao convite que eu havia feito para a entrevista. Na sua mensagem se mostrou

motivada com a possibilidade e me ofereceu uma data na qual receberia duas escolas (uma de

manhã e uma à tarde), de forma que eu pudesse também acompanhar um processo de visita.

Acabei marcando a visita para o período da tarde, numa quarta-feira (07/12/11) às 14h, na

escola de Educação Ambiental.

Quando cheguei lá ela não estava e as visitas do dia tinham sido canceladas por falta de

transporte para os estudantes. Após uns vinte minutos de sua chegada começamos a conversar

sobre a escola, sobre as dificuldades que tinha etc.. Essa conversa foi, na minha opinião,

surpreendente pela vontade dela de falar, comparada à percepção que eu tinha, de quieta,

introspectiva e até desanimada. Só após uns vinte minutos que eu compreendi que, na

verdade, a entrevista já tinha começado, e iniciei a gravação em um equipamento MP3 GT

DIGITAL®, cujo conteúdo foi posteriormente transcrito.

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Durante a entrevista, a diretora da escola demonstrou muita segurança a respeito do seu

trabalho, do que faz, do que não dá para fazer, das dificuldades etc.. Ela transpareceu também

muita clareza e precisão nas suas análises, o que foi muito interessante.

Outro aspecto que me chamou a atenção foi o fato de, passados cerca de 30 minutos de

entrevista gravada, ela pedir para que o equipamento fosse desligado. No momento, a

conversa se encaminhava pra os conflitos específicos com a diretora de EA da SME, o que a

deixou claramente constrangida, porque na percepção dela, eu era “muito amigo dela”.

Expliquei então o caráter confidencial das entrevistas, tanto no conteúdo da tese em si quanto

com comentários que poderia vir a fazer com os demais entrevistados ou ainda outros atores.

Garanti a ela que meu interesse era com a compreensão do processo de EA no município e

que ela podia ser sincera. Eu tentei por duas vezes permissão para religar o aparelho, diante da

quantidade de coisa que ela tava falando, em detalhes, que eu não conseguia acompanhar

anotando. Mesmo assim, levou um tempo para que ela se sentisse segura novamente e

permitisse que eu o ligasse.

O aparelho ficou desligado por cerca de 10 minutos, mas nada foi dito que não tenha sido

retomado posteriormente. Ela apenas ilustrou algumas situações de conflito com a diretora de

EA, o que realmente não vinha ao caso para o contexto desta pesquisa. Nesse período de

tempo, todavia, continuei normalmente com as anotações que fazia em caderno de campo.

Depois que a entrevista terminou oficialmente e eu desliguei o aparelho, começamos a

conversar mais informalmente sobre projetos que eu tinha desenvolvido cujos princípios

poderiam ser implantados na escola. Daí, a conversa se animou novamente e novos dados

surgiram, importantes, e eu retomei as anotações. No final de todo o processo, a entrevista

durou cerca de duas horas. Por todo o tempo ela se demonstrou animada e transpareceu uma

motivação que eu nunca tinha presenciado. Talvez porque tinha recebido a proposta para se

transferir para a SMA. Os conteúdos da entrevista, retirados das gravações e das anotações,

estão dispostos abaixo.

A diretora da Escola de EA é bióloga, especialista em educação, professora e mestre em

biologia molecular, na área de melhoramento de plantas.

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Seu primeiro contato com a secretária da educação do município se deu quando residia em

São Carlos e a acompanhou em visita para conhecer o parque ecológico, justamente para

embasar o funcionamento da Escola de EA que estava em plano.

Como tinha participado de grupos ambientalistas em Ribeirão Preto e “sempre” trabalhara

com EA como professora, fez sugestões para o funcionamento da estrutura.

Em 2009, por conta da vinda ao município do então secretário de estado do meio ambiente,

foi necessário colocar alguns setores da EEA “para funcionar”. Foi quando foi contratada

como assessora e colaborou na formação do pomar, horta, minhocário etc.. Depois da

inauguração da Escola de EA e do término do contrato, prestou processo seletivo para

professora temporária e foi aprovada, vindo desempenhar sua carga horária na Escola.

Quando a então responsável pela Escola se desligou, ficou com a função, até que fosse

finalmente nomeada Diretora, e assumisse no dia primeiro de fevereiro de 2010.

A Escola de EA tinha sido criada, pelo que disse, por iniciativa do diretor de cultura e da

secretária de educação e cultura. Quando chegou, a Escola constava da estrutura construída

(em forma de árvore), um galpão, uma estufa e um grande espaço livre e gramado. Seu

desafio ao chegar foi, assim, trazer funcionalidade, dar vida a essas estruturas, além de tornar

a Escola conhecida para o público.

Assim, criou um roteiro no qual o público tivesse oportunidade de vislumbrar aspectos sobre

coleta seletiva/resíduo, captação de água de chuva, sala verde com os vídeos, sementeira,

estufa de germinação, plantas medicinais, minhocário, compostagem, horta, pomar, jardim

dos sentidos e estufa de plantas ornamentais (detalhes das visitas já foram passados nos

resultados de documentos). Para tal, contava com uma equipe formada por três estagiários e

dois professores de carreira, que vêm desempenhar suas cargas horárias na Escola.

Sua ideia era que as experiências vivenciadas na Escola de EA pudessem incentivar

professores/as e estudantes a produzir os seus próprios materiais nas suas escolas, ou seja, que

virasse uma espécie de referência, mas que diante da precariedade estrutural não conseguia

desempenhar esse papel, que ultrapassasse as fronteiras da sua Escola.

Além do ensino formal, seu público constava também de participantes de projetos sociais,

empresas e até grupos de cidades vizinhas.

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Quanto a relação da Escola de EA com a SME (a qual está submetida), comentou que existe

um distanciamento, que vai além do aspecto físico (a Escola de EA está localizada na zona

rural, distante do centro da cidade onde fica a secretaria).

É, porque assim, a Escola de Educação Ambiental [...], ela existe pela Secretaria da Educação [e Cultura], mas ela tem uma ligação muito forte com a Secretaria de Meio Ambiente. E ao mesmo tempo ela não está introduzida, pedagogicamente, no sistema educacional formal, né. Ela é um ambiente informal de ensino, é, então é, eu acho que as diretrizes do ambiente formal não contemplam aqui. Então até, tem reunião para todos os diretores de escola e eu não sou chamada, porque a minha escola é diferente, eu não tenho planejamento de aluno, eu não tenho que fechar bimestre, essas coisas, então o meu foco é, às vezes, até mais ambiental, sabe, então a parte pedagógica, às vezes eu [es]tou falhando um pouco, falhando não, mas eu [es]tou deixando, acho que um pouco a desejar na parte pedagógica, mesmo por isso. Porque a Escola, ela não tem um suporte pedagógico.[...] [E]xiste um Departamento Pedagógico [na Secretaria Municipal de Educação], e existe a diretoria do Departamento de Educação Ambiental. É, só que assim, pelo departamento pedagógico, é difícil, porque lá eles trabalham com a educação formal, então não tem um profissional que fala, “vamos fazer, vamos linkar isso. A escola ambiental tem que ser inserida aqui no departamento pedagógico”. [...] [E]u não posso ficar só fechadinho, nesse caso, apesar de ter muita coisa para fazer aqui eu não posso ficar só fechada aqui, eu tenho que criar braços prás escolas.

No curso da conversa o contexto foi, naturalmente, se afunilando da sua relação com a SME

para a sua relação com a diretoria (e a diretora) de Educação Ambiental da mesma secretaria.

Nesse instante, abaixou o tom de voz para comentar sobre como os trabalhos dessas duas

instituições (a EEA e a diretoria do DEA) estavam se organizando.

Aí eu pensei em implantar isso no ensino infantil. E aí talvez até, buscar mais o infantil prá vir até aqui. Fazer um trabalhinho aqui. O ensino fundamental, ah, eu acho que é até mais de responsabilidade da [Diretora de Educação Ambiental], né, de algumas, de algumas coisas lá que ela faz, é, mas assim.

Daniel: Mas não tem essa...não tem essa divisão oficialmente, né, você, isso tá virando, tá sendo natural? [...] Você trabalha com a molecadinha e a [Diretora de EA] fica com o público mais velho. É isso né?

Hum, não necessariamente. É, não ficou, não ficou dividido. Eu fiz essa proposta, né, pro Departamento Pedagógico, mas não ficou dividido assim “ah, a [diretora da Escola de EA] fica com o infantil e a [diretora de EA] fica com o fundamental. A gente realiza algumas ações independentes, assim. Eu sou bem, eu sou bem independente do departamento dela. [...] É, bem independente das coisas que ela faz. A gente já tentou trabalhar algumas coisas juntas...

Daniel: Não funcionou?

Não. Pode desligar um pouquinho?

O conteúdo abaixo provém de anotações que fiz com o aparelho desligado enquanto ela

falava. Apesar de solicitar o desligamento do equipamento de gravação, a diretora da Escola

não se opôs a eu continuar a anotar aspectos de sua fala. Por cerca de dez minutos ela deu

exemplos de questões que interferiam no seu trabalho com a diretora de EA. Ao longo de sua

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fala vários assuntos emergiram e se repetiram, e após uma análise, puderam ser organizados

em temas. Nesse período sem gravações, a diretora da Escola de EA falou sobre como vê a

EA no município, sobre a questão das competências de cada uma das instituições municipais

de EA, as questões políticas, as diferenças entre as formas de trabalho suas e da Diretora de

EA e, finalmente, sobre a sua motivação.

Em relação à EA no município, comentou que ocorre de forma pontual e, nas escolas,

dependente da iniciativa individual de professores, que as instituições públicas de EA do

município (Escola de EA, diretoria de EA e setor de EA) deveriam ser mais participativas e

próximas das escolas.

O que acontece, entretanto, é que não existe uma definição de competências entre essas

instituições, que não foram estabelecidas com a criação dos cargos. A própria diretora do

DEA, por exemplo, teria sido contratada com a finalidade de captar recursos e organizar a

cooperativa.

Assim, no seu caso, que não sabe a quem está subordinada, e que por razão da sua forma de

trabalhar tem mais relação com a SMA do que com a SME, a quem recorre apenas quando há

questões de alunos para serem resolvidas. Também, não sabe como a Escola deve se

relacionar com a Diretoria de EA. Comentou, por exemplo, que pelo fato da diretora do

Departamento de EA ser pedagoga, que ela não possui conhecimentos técnicos sobre meio

ambiente, o que justifica então sua relação com a secretaria do meio ambiente.

Sobre a questão das competências, que não consegue trabalhar junto com a diretora de EA

para defini-las, mas que isso deveria ser feito, pois que na teoria (ela mostra um livro sobre

centros de EA), um centro de EA (ela equipara a EEA com um centro de educação ambiental)

tem possibilidade para fazer muita coisa, mas em parceria com a diretoria.

Ressaltou, entretanto, que há potencial para o trabalho conjunto, que em algumas ocasiões,

nas quais as funções ficaram claras (como na organização da Conferência do Meio

Ambiente), o processo e o resultado tinham sido positivos. Que era necessária então essa

criação das competências.

No entanto, deu evidência para as dificuldades pessoais que tem para trabalhar com a diretora

de EA, que elas são muito divergentes na forma de atuar. Que ela “fala pouco” (indicando que

a diretora de EA faz o oposto). Nesse momento, contou um exemplo de tentativa de

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aproximação. Que tinha chamado a Diretora de EA para conversar e para mostrar os seus

projetos, mas que, na ocasião, a diretora não teria mostrado os dela e, ainda, teria mostrado

“hierarquia”, o que teria sido compreendido por ela como falta de respeito. Como ela mesma

colocou, “tem que somar, mas com respeito!”.

Outra dificuldade nesse processo era a existência das divergências políticas entre as duas

secretarias (do Meio Ambiente e da Educação e Cultura), além dos conflitos políticos e

pessoais que a própria Diretora de EA tinha com a Secretaria de Meio Ambiente, que segundo

ela fecha as portas para ações conjuntas.

Por fim, comentou que está desmotivada, que no ano de 2011 não teria conseguido “dar 50%”

do que tinha dado no ano anterior. Que tinha as ideias, mas não tinha mais a vontade de

implementá-las. Que, além de tudo, estava submetida a uma enorme demanda administrativa e

para a manutenção da infraestrutura da Escola e exercia pouca função pedagógica, e que tinha

recebido uma proposta para ir para a Secretaria do Meio Ambiente e que estava

contemplando.

Quando então a Diretora da Escola permitiu a ligação novamente do gravador, continuamos

normalmente com a entrevista. Nesse momento, assuntos conversados em off foram

retomados por ela.

[E]ntão, a questão da divisão de competências mesmo, não está bem estipulado. Principalmente. Não tá, não foi estipulado a questão de quem faz o que, né, ficou meio assim perdido, e a gente vai abraçando tudo o que vem vindo e a gente vai fazendo os projetos e, por exemplo, nesse feriado que teve aí, em novembro, ficaram acampados aqui, na frente da escola, no parque, 2.500 crianças, do proje...da igreja [tal]. E eles vieram prá cá, ficaram aqui os cinco dias, nós trabalhamos os cinco dias, eu fiquei responsável da infraestrutura da escola, essas salas, ficou tudo prá igreja. Só que infelizmente deu uma chuva muito forte, passaram, teve gente que passou mal, ou ficaram, tudo as coisas molhadas aqui embaixo, a fossa estourou, teve alguns problemas. Aí eu fiz um relatório, entreguei para a [Diretora do Departamento de EA], entreguei para a [Secretária da Educação] e fizemos uma reunião com o [prefeito], porque no ano que vem eles querem 12 mil pessoal aqui, e não tem infraestrutura, né, ali cozinha ligada à rede de esgoto....

Mesmo assim, ressaltou que a experiência teve pontos positivos, inclusive no que concerne ao

trabalho conjunto ao Departamento de EA:

[E]u fiquei aqui prá ficar organizando, de olho em tudo, e a [Diretora do Departamento de EA] ficou responsável, por exemplo, de fazer um projeto educativo junto com a dengue. Né, ela fez, ela levou as crianças todas prá um bairro, fizeram um, um, passaram de casa em casa à respeito da dengue, conscientização, então isso foi legal, então ela fez essa parte e eu fiquei aqui, entendeu? [...]

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Mas que mesmo nas experiências positivas os princípios de trabalho diferentes se

mantiveram:

[É], mas assim funciona diferente, às vezes eu falei assim, “olha, não tem infraestrutura”, aí a [Diretora de EA] “não, vamos conversar com o pastor, que consegue não sei o que do estado, dinheiro para montar as cozinhas piloto...”. Eu falei “[N]ão tem infraestrutura aqui e prá conseguir isso vai anos, a gente não consegue às vezes um dinheiro de um projeto prá...demora, peraí...calma, não faz isso, pelo amor de Deus”. A gente tá tentando, assim, mostrar para o prefeito que precisa de infraestrutura, e outra, olha o problema que gerou, agora as outras igrejas querem vir também. Então tem que ter muita cautela, muito cuidado com isso né? [...] Mas é claro que ele tem que [es]tar ligado à Diretoria [de EA], ligado à Secretaria da educação, e ligado à Secretaria do meio ambiente. O meio ambiente [a secretaria] vem aqui direto, e as campanhas, por exemplo, educação ambiental do meio ambiente tá ligado à escola, tá ligado à secretaria, então isso não tá muito determinado, sabe, e por alguns problemas políticos não consegue unir as duas secretarias.

Daniel: É, então uma divergência política atrapalha esse contato?

É.

Daniel: Divergência partidária, assim?

Não, acho que de.....(silêncio)...olha, cê sabe que eu não sei te falar, talvez de ideias, de autonomias, de quem toma conta...apesar que eu tenho uma relação bem legal, sabe assim, e a gente consegue....às vezes a secretaria [do Meio Ambiente] vem aqui porque o picador de galhos fica ali, e eles querem fazer uma compostagem lá, quer a ajuda da gente, é, trouxe umas mudas aqui porque não tinha que, praí, a gente fez uma ligação de doar as mudas prás escolas, aí eu liguei nas escolas prá ver qual elas precisavam, aí a gente encaminhou, só que aí já tem que encaminhar quem vai plantar também que vai cuidar, se for...se deixar. Então a gente faz algumas parcerias. No ano passado nós fizemos essas palestras, o...a questão do concurso literário, é, então, eu já participei das reuniões do coletivo educador, é, dei umas sugestões mas eu não consigo ir todas as reuniões também. (silêncio). Eu fui na naquele dia lá prá conhecer a proposta, você estava, do coletivo....

E retomou também as experiências que tinham ocorrido ao longo do ano reunindo várias

secretarias:

Na semana do meio ambiente. Então nessa semana teve fórum, teve, é, o concurso literário, teve a caminhada ecológica que uniu com a Secretaria de Esporte, sabe, então nesse momento eu achei que uniu todo mundo que tava ligado à educação ambiental e fizeram uma ação. [...] [T]em a caminhada, então peraí, tem que envolver a Secretaria de Esportes. Tem a cor, o negócio do lixo, lá, tem que envolver a Cooperativa. Ah, mas tem também não sei o que, então tem que envolver a Dengue. Ah, mas aí a gente vai fazer tal atividade lá, eu fiz a exposição de orquídeas, [...] o pessoal da associação dos orquidários, eles me procuram sempre prá poder expo...e aí eu falei “ah, vai ter a semana do meio ambiente vamos colocar a exposição de orquídeas”. [...] A Secretaria da Cultura. Porque é a Secretaria da Cultura que faz o evento, que fala, que vai, que me arruma tenda, então assim, nós fomos unindo as secretarias de acordo com as necessidade e foi legal que todo mundo se envolveu.[...] Então o ca...o som, por exemplo, prá colocar na caminhada, veio aqui da Secretaria do ó, de obras, né, que tinha um pessoal responsável, prá levar a água, é, e aí a gente fez alguns pontos estratégicos, a caminhada ia parar aqui e ia ter, por exemplo, um café aqui, né, ou então ia parar no parque e ia ter showzinho no parque. Ia ganhar camiseta...então assim, não foi bem assim “olha

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gente vamos fazer isso em prol do meio ambiente”, não foi bem assim, mas todos fizeram sem....participaram dessa ação unindo, né, todo mundo.

Em uma dessas ações conjuntas, o concurso literário, ressaltou, no entanto, as dificuldades

que está enfrentando com a desmotivação dos professores. Que este trabalho de EA e água

tinha se tornado uma lei, que portanto tinha que cumprir, mas que a repetitividade do tema

estava tornando-o cansativo.

Não, foi uma ideia que surgiu há sete anos trabalhar a água. E, e fizeram até uma lei, lá. Prá trabalhar a água, é um...entra no planejamento. Então desde...março é o lançamento do concurso e escolhe um tema. Por exemplo: água e saúde, água e paz, igual um tema que a gente trabalhou. Então vai trabalhando água em [...] vários sentidos. Só que as professoras falaram “Ah, [...], a gente tá meio cansada de trabalhar a água todo ano”, eu falei “então vamos trabalhar meio ambiente”...muda esse concurso literário...concurso literário do meio ambiente, e aí a gente trabalha o que mais tá em evidência no ano. Por exemplo, as florestas, né, que é o tema da bacia, o tema internacional, tal, então, então as florestas...então todo mundo vai trabalhar as florestas...o ano que vem vai trabalhar, a, é, aquecimento global, então vamos trabalhar com aquecimento global. São temas diferentes que vai trazer conhecimento. E dentro do aquecimento tem a água. Dentro das florestas tem a água, né, só que ainda não consegui implantar essa ideia.

Reafirmando o potencial que existe para o trabalho em conjunto, citou mais um último

exemplo, que embora não tenha sido levado adiante, demonstra o bom relacionamento que

tinha com a SMA:

[No dia da árvore], eu liguei para a Secretaria do Meio Ambiente e falei “[Diretora], o dia da árvore é amanhã, nós vamos ter que fazer uma ação” (rs). Aí ela falou “e agora?”, eu falei “olha, nós temos quase cinquenta árvores para plantar, que tá aqui. E eu vou ter duas visitas de escolas aqui amanhã, então eu vou fazer o plantio simbólico aqui na escola”.[...] E aí a gente pensou na hora. Vamos fazer, vamos unir as secretarias, vamos fazer um plantio aqui, grande, é, aqui no parque, e aí a gente chama não sei quem prá filmar, tal, e fala da importância, tem o projeto da bacia do comitê que cê tá fazendo também, do desenho, que é o próximo, também, né, aí você já lança, já fala, já reforça, ah, vamos, vamos, aí ligou pra ...não, tá em cima da hora, não dá tempo...”. “Ah, quer saber..., cê vai bater de frente não sei com quem, e blá, blá, blá....”, ah, então tá sem planejamento, então vamos deixar.

4.5.5. Secretária da educação.

A entrevista se deu após o expediente da secretária, marcada para às 17h, no dia 26 de março

de 2012. O processo de marcar a entrevista foi longo. No início, tentei a intermediação da

diretora do DEA. Por várias vezes ela ficou de marcar a entrevista mas dizia que nunca

conseguia. Então, cerca de duas semanas antes da entrevista eu contatei a secretaria

pessoalmente. A pressa estava relacionada ao fato de que, após muito tempo, a secretária

deixaria a função no inicio de abril.

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Sua secretária foi muito solícita e por várias vezes se comprometeu a marcar a entrevista para

mim, que por dias não ocorreu. Até que no dia 20 de março, agendou a visita para o dia 22, às

17h, na própria secretaria da educação.

Cheguei lá pontualmente às 17 horas junto com a secretária, que também chegava, e fui

anunciado. A secretária tinha ainda alguns compromissos e pediu para eu esperar. Quando

veio para a sala da diretora do DEA me encontrar, já eram quase 18h. Ainda, disse que teria

que sair para ir ao médico e perguntou se eu podia esperar.

Em função de outros compromissos pré assumidos, preferi remarcarmos para outra ocasião,

então no dia 26. De qualquer forma, a secretária me pediu que eu adiantasse o tema da

entrevista, e diante das minhas colocações começou a comentar sobre a história da criação da

escola de EA. Falou por uns 20 minutos, quando eu interrompi confirmando o assunto e

dizendo que deveríamos esperar a reunião em si, quando a conversa seria gravada.

No dia 26 cheguei novamente pontualmente às 17h. A diretora do DEA me anunciou e me

levou para a sua sala para esperarmos. Como estávamos conversando sobre outras questões,

fiquei absorto e praticamente desisti da entrevista naquele dia. Em certo momento diretora do

DEA foi até a sala da secretária e retornou, dizendo que não tinha interrompido a reunião que

estava em andamento lá porque o clima estava tenso. Segundo ela, vereadores do município

estavam vindo negociar a sua substituição na secretaria. Três vereadores de três partidos

diferentes.

Por volta das 18h, então, a secretaria veio até a sala do DEA, sentou-se do meu lado e

perguntou: “Vamos lá?”.

Mesmo diante do adiantado da hora e, novamente da existência de pré agendamentos, resolvi

dar sequencia à entrevista com receio de perder uma oportunidade que seria difícil de ser

encontrada novamente. Prontamente me preparei com o gravador e o caderno de campo.

Durante a entrevista a secretária foi muito espontânea e solícita. A entrevista durou pouco

mais de uma hora, foi gravada em um aparelho MP3 GT DIGITAL® e seus conteúdos foram

posteriormente transcrito. Os resultados dessa entrevista estão disponíveis abaixo.

A secretária da educação é formada em Educação Física e, antes de se tornar secretária, foi

diretora de escola estadual no município. Na ocasião da entrevista, vivia seus últimos dias no

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cargo que ocupara por 12 anos, ao longo de três mandatos subsequentes de dois partidos

diferentes.

A entrevista se iniciou com a secretária relembrando o processo que levou à criação da

infraestrutura pública de EA na secretaria de educação do município (a Escola de EA e o

departamento de EA na Secretaria da Educação). Esta história está relacionada à

transferência, no início dos anos 2000, de famílias instaladas irregularmente em uma área de

preservação permanente do município, que se situava em frente a uma escola pública. O

prefeito da época decidiu, então, transferir a área desocupada para a secretaria da educação

para que promovessem a manutenção da área e seu uso para atividades educativas.

Assim, em 2003, com a atribuição de horas para um professor de geografia lecionar aulas no

local, iniciaram-se as atividades do que seria o embrião da escola de educação ambiental. A

execução de atividades de campo no local logo demandou a construção de uma infraestrutura

maior, tanto física (a construção de um galpão) quanto humana (a presença de funcionários

permanentes). O então prefeito, diante da proposta do projeto que estava sendo apresentada,

sugeriu que fosse feito algo mais “grandioso”, diferente do que já existia em termos

arquitetônicos e coerente com a proposta ambiental (ou seja, que fizesse o que se propunha a

ensinar, coletar água de chuva, fazer uso de materiais recicláveis e reciclados em sua estrutura

e etc).

Foi então que a prefeitura local ganhou uma grande área na zona rural da cidade de uma

empresa local e o prefeito sugeriu a construção da escola de educação ambiental em uma

parcela dessa área. Ela foi assim construída a partir de um projeto arquitetônico em formato

de árvore e com algumas outras estruturas educativas, como sala de aula, viveiro de mudas e

etc. Quando construída, uma professora concursada foi transferida para geri-la, e começou a

dar funcionalidade para a escola, e ao longo do tempo novas estruturas foram sendo

implantadas.

Entretanto, foi apenas em 2008 que a escola foi oficialmente entregue, com tantas falhas que

ainda em 2009 não havia atividades práticas lá. Foi quando uma consultora foi contratada

(que viria a ser a diretora da escola na ocasião dessa pesquisa) para “rechear” o “esqueleto”

dela com outras estruturas, pois havia a deliberação de inaugurar a escola no aniversário da

cidade, no final daquele ano, e iniciar suas atividades no início do ano seguinte.

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Neste mesmo período de tempo, em que a escola estava finalmente ficando pronta para atuar,

entre 2008 e 2009, que surgiu o pensamento de se criar um departamento de educação

ambiental na cidade. O DEA seria um órgão com a função de

regulamentar a vida dessa escola [...], que haja um diretor, diretor de departamento de educação ambiental, que vai cuidar da educação ambiental como um todo, nas escolas, e que vai ser responsável por levar essa ideia que gerou a escola. Vai fazer o elo entre a escola, a escola comum, né, regular, e a escola de educação ambiental, a ideia foi essa.

Portanto, dentro do organograma da secretaria da educação, o DEA foi concebido em 2009

com a escola de EA submetida a ele. Quase ao mesmo tempo foram nomeadas diretoras tanto

para a escola quanto para o DEA, que começaram a atuar em 2010. Apesar da vinculação

dessas duas instituições (a primeira submetida à segunda) elas atuavam independentemente,

de forma que aos poucos, embora com ações comuns, nichos de atividade foram sendo

delineados.

A secretária comentou anda que, com a criação da secretaria do meio ambiente, em janeiro de

2011, outro órgão de EA foi estabelecido, o setor de EA, com quem poderiam atuar de forma

conjunta mas que, para ela, as duas secretarias tinham competências bem distintas.

Ela [a secretaria do meio ambiente] trata das ações ambientais, os programas, os convênios, né, eu acho que a secretaria, eu vejo assim, ó, educação ambiental, ela é papel do departamento de educação ambiental e da escola de educação ambiental. A secretaria [do meio ambiente] ela lida mais com a legislação, né, ela faz as legislações, fiscaliza para o cumprimento disso, mas nada impede que ela trabalhe em conjunto aqui para fazer educação ambiental mesmo.

Sobre a contratação das duas diretoras (da escola de educação ambiental e do DEA), os

comentários da secretária foram os seguintes:

Ela [a diretora da escola de EA] veio, porque ela tinha um irmão que trabalhava comigo aqui, que trabalhava com o prefeito, é irmã do motorista do prefeito. E ela veio, ela me trouxe o currículo, até porque ela tava com intenção de vir prá cá, de mudar prá cá, porque a mãe dela era daqui....a mãe dela faleceu, já. Mas a família toda é daqui, ela morava em São Carlos. Ela falou que quando pegasse aula aqui ela viria prá cá, então ela trouxe um currículo. Aí eu olhando o currículo dela, eu tentei com a [ex. diretora da escola], não deu muito certo, e a [ex. diretora da escola] também casou nesse interim, mudou pro norte, e ela pediu até exoneração do cargo de professor. E aí, na realidade, na realidade...nós pagamos pro, prá [diretora da escola] e o marido dar uma recheada na escola na questão de ações, né, dar um outro visual. E, e a, e a, então, já sabia desse perfil dela.

Sobre a diretora do DEA, os detalhes foram trazidos em meio à conversa abaixo:

quando formou o departamento, mas não lotou,[...], foi quando o prefeito falou. Ó, vamo, vamo acertar a situação da [diretora da escola], vamo acertar, e a gente precisa dividir os serviços aí, né, preencher pelo menos o departamento, a diretora

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do departamento. Foi aí então que veio a [a diretora do DEA]. E é das duas que eu mais conhecia aí, eu tive vários currículos, mas que eu conhecia o trabalho... Daniel: Mas ela entrou principalmente com um trabalho direcionado para a cooperativa, né? Que não tinha nada a ver com.... Secretária: Isso, ele [o prefeito] me ligou e disse “eu preciso por alguém para coordenar a cooperativa”. Prá ter uma pressão do promotor, né, do... Daniel: Ministério público [...]. Secretária: [...] Ele [o prefeito] falou “como é”, ele falou “vamo colocar a [diretora do DEA] aí mas ela vai ter que cuidar da educação ambiental e vai ter que cuidar da cooperativa”.

Por fim, quando questionada sobre o que sentia que ainda estava faltando para o bom

desempenho das estruturas de EA que tinha criado e que ia deixar para seu sucessor, a diretora

apontou para os seguintes aspectos:

O que mais pega ainda, que eu não consegui, é fazer realmente esse, essa ligação, do regular com a atividade prática lá, que é o objetivo principal. Não existe uma fala, que assim que que eu falo você me entende, ou eu te completo, você me procura....são ações que ainda não são, comuns...não são comuns sabe.[...] Não são comuns, sabe? Não tem uma intenção, que eu vou lá. Vai na escola visitar a escola mas não tem a intenção, já não vai com aquela intenção que a professora já trabalhou aquilo, vamos fazer aquilo. Não existe aquela educação ambiental intencional.

E como uma possível solução para essa situação, apontou a importância das capacitadoras

pedagógicas, que são figuras criadas pelo MEC (Ministério da Educação), são da secretaria de

educação do município e atuam diretamente com as coordenadoras pedagógicas das escolas.

Atualmente tais capacitadoras foram designadas para as disciplinas regulares, mas com tempo

devem também passar a incorporar outros temas, destinando tempo individualizado aos

professores e professoras e as disciplinas que ministram. Para a secretária, em algum

momento as capacitadoras irão trazer para o escopo das ciências a questão da educação

ambiental, e a aproximação maior entre a secretaria de educação e a escola estará maior.

4.6. Comentários iniciais sobre os resultados das entrevistas.

As entrevistas, cujos conteúdos foram demonstrados acima, permitem uma melhor

compreensão e organização de alguns pontos destacados anteriormente e também

proporcionam elementos novos que são pertinentes para serem inseridos aqui.

Para comentar os resultados das entrevistas, o farei seguindo em parte a categorização

sugerida por Frey (2000) para a análise de políticas públicas, ou seja, analisando as dimensões

(a) institucional e (b) política.

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(a) Do ponto de vista institucional, as entrevistas demonstraram a fragilidade da situação da

EA no município desde o seu início. Alguns aspectos podem ser ressaltados a esse respeito.

Primeiro, da ocupação de um cargo (a diretoria do departamento de EA) a partir de uma

indicação externa à secretária da educação e, como parece, contrária a ela, oriunda de uma

força política local significativa (a primeira dama). Não houve uma conversa, um acordo, uma

definição de perfis desejados para o desempenho das funções imaginadas. Essa condição

demonstra a vulnerabilidade com a qual o cargo de confiança foi ocupado e possivelmente

inseriu a ocupante do cargo em um ambiente, a princípio, hostil.

Segundo, como resultado de pressão por parte da promotoria do meio ambiente, a ocupação

de uma posição de EA para o desenvolvimento de funções que não estão, a rigor, envolvidas

com a tarefa de institucionalização da EA no município ou com o desenvolvimento da EA per

se, como a gestão de uma cooperativa de catadores e a implantação de um sistema de coleta

de materiais recicláveis nas escolas. Nesse sentido, é possível se inferir que houve um desvio

da função para outra próxima daquela que se espera dela.

Além disso, o fato dessas funções para o cargo terem sido estabelecidas por alguém que não

esteve envolvida com a idealização do cargo em si e, assim, não considerou o que tinha sido

pensado para ele a princípio (imaginando-se que, quando criado, quem o fez atribuiu, a ele,

pelo menos de forma pouco estruturada, uma função específica). Sequer o organograma das

secretarias, definindo competências, era conhecido pelas diretoras.

Assim, deixa-se a impressão de que o cargo, após criado, se manteve vazio de sentido, a ser

preenchido pelos desígnios do momento, e cargos vazios de sentido são então abertos para

ações de quaisquer naturezas, o que aparentemente ocorreu.

Mais do que isso, tendo a diretoria do departamento de EA como ponto inicial de focalização,

percebeu-se que nem só essa diretoria não estava organizada, preenchida de sentido, mas que

as demais instituições municipais de EA (entende-se, aqui, a diretoria DEA, a EEA – ambos

da SME -, e o Setor de EA da Secretaria Municipal do Meio Ambiente), também não estavam.

Imagina-se assim que, em todos eles, o processo tenha sido parecido com o que ocorreu com a

diretoria de EA: o contexto encontrado foi de ausência de diretrizes mínimas apontando, para

cada um, um rumo a seguir. Assim, sem um rumo para cada uma das instituições, o que se viu

foi uma concentração dos esforços dos atores na execução de ações, criadas internamente ou

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impostas, e na manutenção de infraestrutura e gestão burocrática do cargo. Como a diretora da

Escola de EA ressaltou na entrevista, “a gente vai abraçando tudo o que vem vindo e a gente

vai fazendo os projetos”.

Em uma dimensão mais ampla, foi também percebido que as instituições públicas de EA não

estabeleciam, entre elas, um funcionamento acordado. Não havia um plano de ação que, ao

mesmo tempo, estabelecesse objetivos e princípios comuns e discernisse competências. Por

exemplo, as falas do secretário do meio ambiente (e o texto da lei que estabeleceu essa

secretaria) de que a EA do município deve ser feita em conjunto pelas duas instituições

contrasta com a da secretária da educação, para quem cabe à SMA lidar com as leis e outras

coisas do município enquanto que as práticas de EA devem ser desempenhadas pela sua

secretaria.

Em outras palavras, o que se encontrou foi um contexto em que cada uma das instituições

desempenhava as funções que acreditava serem as mais importantes para o município,

transpondo para esse último os seus valores e crenças, ao invés de fazerem o movimento

contrário, de partir de um conjunto de valores compartilhados e definir a forma para o seu

enraizamento a partir das especificidades das instituições. Colocando-se ainda de outra forma,

a instituição se via como um todo com a função de ampliar-se para todo o município, e não ao

mesmo tempo como um todo inserido em um todo maior.

A indefinição quanto a princípios e objetivos comuns de ação, de competências de cada uma

das instituições de EA recém criadas no município, somadas às condições de trabalho de suas

líderes (cargos de confiança que podem ser tirados a qualquer momento24), produziu um

contexto de atuação no qual as mesmas se sentem constantemente obrigadas a demonstrar

resultados. Como não possuem uma fundamentação clara estabelecida para a ação, por um

lado ficam mais expostas às propostas que são impostas (algumas das quais, para elas, são

sem sentido – como o Natal Ecológico para ao departamento de EA e o Concurso literário

para a Escola de EA). Por outro, no entanto, aceitam-nas, assim como outros eventos e

comemorações, como uma forma de mostrar atuação, de preencher espaços, de satisfazerem e

de receberem a legitimação de seus secretários.

24 Coincidentemente, no momento em que este trecho estava sendo tecido, em uma conversa por telefone, a diretora de EA mencionou que, em uma conversa recente com a secretária de educação e cultura na qual ambas discordavam sobre um determinado assunto, a última teria dito “eu vou te mandar embora”. A diretora, por sua vez, respondera “em respeito ao meu cargo e ao seu, eu não quero ouvir mais isso. Se quiser me mandar embora me mande de uma vez, mas não fique me fazendo ameaças”.

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Com isso, vão acumulando funções de execução que, ao mesmo tempo, as oprime (pela

quantidade e pela falta de sentido) e as recompensa (por atestarem suas importâncias e as

darem visibilidade). Por sua vez, a exposição positiva de uma aumenta a sensação de

competição entre elas, e assim o ciclo vicioso se retroalimenta, e também suas distâncias.

Internamente, a ausência de um rumo gera uma sensação de insegurança que se reflete na

constante insatisfação sobre suas ações, que não estão fazendo o suficiente, em quantidade e

em qualidade. Essa sensação, aparentemente, decorre da inexistência de uma utopia que, ao

mesmo tempo, dá o horizonte para a caminhada e os parâmetros para avaliações ao longo do

percurso. Colocado de outra forma, para aqueles que não sabem onde querem chegar, a

sensação constante é de estar andando em círculos. É, também, uma sensação de solidão e de

impotência.

O que é pior e que se adiciona a isso tudo, é que ao executarem ações desconcertadas,

isoladas, acabam por invadir searas percebidas como alheias de trabalho, gerando ainda mais

atritos que, no caso específico do município, colaboram para a piora das relações pessoais

existentes.

A ausência de definição de competências gera também uma competição entre as próprias

secretarias, que, capitaneadas por secretários que ocupam suas funções por razões diferentes,

podem vir a piorar o contexto de conflitos descrito acima, o que ocorreu no caso específico.

Como seus cargos são permeados pela questão política, várias dessas questões podem ser

dissipadas diplomaticamente. Dependendo da dimensão que tomam, entretanto, podem

aumentar o isolamento entre elas, como ocorreu no caso da gestão da cooperativa de catadores

de materiais recicláveis.

Ainda, na situação de vulnerabilidade encontrada, a busca por segurança pode se dar com a

filiação a um ou outro partido, mesmo que de forma sumária e sem sequer a leitura do estatuto

e da comparação de sua ideologia com as próprias. Ao fazer isso, mais um item é interposto

entre os participantes do campo. Assim, por outro lado, retribui-se o “favor” pela contratação.

Em suma, o que se viu no que concerne à dimensão institucional do campo da EA no

município foi que a ausência de direções de ação tanto para o município como um todo

quanto para cada uma das instituições públicas de EA gera um contexto de vulnerabilidade e

interposição institucional, e de insegurança profissional, que acabam por alocar todo o peso

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sobre os atores individuais e suas relações pessoais, o que forma um substrato rico para

conflitos.

Como foi constatado, não há um rumo definido para a EA do município e nem para as

instituições participantes. Não há, da mesma forma, uma organização de competências e de

relações entre elas. Assim, atuam de forma isolada, fragmentada e a partir de suas próprias

convicções. Mesmo dentro da mesma prefeitura, as secretarias de educação e de meio

ambiente nutrem uma relação entre elas que vai de, no melhor momento, cordial, para

apartada. Nenhuma das duas sabe a sua função dentro da EA municipal. Mesmo dentro da

mesma secretaria, o departamento de EA e a Escola de EA não se conversam. Também, não

sabem qual é o seu nível de autonomia, sua posição no organograma institucional, não

participam de suas definições de orçamento e apenas parcialmente controlam as ações que

desempenham. Mais ainda, nenhuma das duas possui inserção ou respaldo de outros órgãos

da mesma secretaria, fundamentais para o funcionamento de ambas, como a diretoria

pedagógica. E em meio a isso, continuam suas ações.

(b) Do ponto de vista político, que para efeitos de compreensão neste trabalho será

subdividido em (i) questões epistemológicas e político-partidárias e (ii) pessoais, alguns

aspectos fazem-se importantes de serem ressaltados, que colaboram para o distanciamento das

instituições e dos atores envolvidos.

(i) Também nas entrevistas questões epistemológicas não se colocaram como centrais para a

formação de alianças ou surgimento de conflitos entre os atores envolvidos.

Primeiro de tudo, é importante a constatação de que existe, praticamente nas instituições

investigadas, um consenso sobre EA que, na verdade, confunde educação ambiental e gestão

ambiental. Há uma tendência, destacada nas narrativas dos entrevistados, de se considerarem

os dois como intercambiáveis ou, ainda, de se considerar funções (ou questões) de gestão

como de educação.

A diretora do DEA demonstrou isso, por exemplo, quando logo no início da sua entrevista

disse que entre os seus projetos iniciais para a diretoria de EA estava a coleta de materiais

recicláveis nas escolas, o que ocorreu. O secretário do meio ambiente, por sua vez, quando

ressaltou a função do seu departamento de informar industriais sobre destinação de resíduos.

A técnica da sua secretaria, quando expôs sobre o projeto de palestras sobre coleta seletiva

para implantarem a prática em um distrito do município, e a Diretora da EEA quando cria um

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programa em sua escola que é baseado na visitação, pelo público, em estruturas de gestão

ambiental da escola (coletor de água da chuva, sistema de coleta seletiva de lixo, simulação de

área de preservação permanente e etc.).

Sem querer banalizar ou ainda destituir suas ações de importância, essa é uma confusão

comum que decorre da nossa visão positivista de mundo. Como colocado em outro espaço25,

considero importante o desvelamento dessa percepção, que enfatize a relevância do aspecto

pedagógico e da sua “hipercomplexidade”, como diz Cambi (1999, p. 598), e que permita a

extração de questões políticas, científicas e filosóficas das ações de gestão ambiental. Do

ponto de vista operacional, entretanto, a percepção gerencial da EA transforma a instituição,

seja ela qual for, numa grande ONG, cuja função é simplesmente executar ações, onde o

aspecto reflexivo desaparece (FERRARO JÚNIOR, 2013).

De uma maneira velada mas como fomentadora de conflitos, a questão epistemológica

emergiu entre a diretoria do DEA e a SMA, tendo a forma de gestão da cooperativa de

catadores como objeto.

De acordo com o depoimento dado pela diretora de EA, a cooperativa deve ser independente

do setor público (constantemente, a diretora de EA mencionava que sua atuação não pode

onerar os cofres da prefeitura), posição contrária à do secretário do meio ambiente. Esse

conflito ilustra as questões colocadas por Heidemann (2009), Salm (2009) e Ramos (2009)

anteriormente, ou seja, de qual deve ser o papel do estado no exercício da gestão do bem

comum (se exclusivo, em parceria ou ainda se o estado deve ser excluído de tais processos).

Essa questão foi ressaltada aqui por duas razões, que se entrelaçam. Primeiro, por ser fonte de

um conflito e por piorar as relações entre as secretarias. Segundo, e mais importante, para que

se questione sobre o quanto dessas posturas é realmente embasado em pressupostos que são

tão claros aos dois ao ponto de se iniciar e manter um embate. Se ambos teriam claras as

fundamentações para tal escolha e as suas consequências. Pode ser que sim. Também, pode

ser que não, ou ainda qualquer posição intermediária entre os dois extremos. Nos dois últimos

casos, o tema estaria apenas justificando e alimentando mais ainda um conflito cujas origens

estão em outros lugares. É necessário, portanto, que se deixe claro se tais posturas possuem

lastro ou se são mantidas por outras razões, como a luta pelo território (no caso, a

25 Motivado por essa experiência e outras similares, escrevi em conjunto com o Prof. Dr. Marcos Sorrentino, um artigo (ANDRADE; SORRENTINO, 2013b) que aborda exatamente essa questão e onde advogamos pela necessidade de se extraírem as questões pedagógicas das ações de gestão ambiental.

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cooperativa), intimidação do outro, manutenção de posição ou, ainda, se são simplesmente

obsessões pessoais a serem defendidas a qualquer custo.

É importante que se ressalte que essa afirmação (da diferença) foi feita apenas pela diretora do

DEA sem maiores aprofundamentos do outro lado. Se essa diferença é um fato real ou

consequência de suas próprias interpretações, é uma segunda questão que também pede

aprofundamento.

A exemplo das observações de campo, nas entrevistas, questões epistemológicas não foram

ressaltadas explicitamente como geradoras de conflitos. No máximo, compunham e acirravam

conflitos deflagrados por outras questões. Emergiram como no exemplo da questão da

cooperativa, em depoimentos rápidos no dia a dia para serem depois deixadas para outro

momento.

Quanto às questões político-partidárias, apesar de terem sido enunciadas nos depoimentos

tanto das diretoras da SME (do departamento e da Escola) e da técnica do setor da SMA, não

puderam ser por completo delineadas. Tais questões ganharam um contorno mais concreto ao

longo do primeiro semestre de 2012, ano eleitoral e em que tanto a secretária da educação

quanto o secretário do meio ambiente tiveram interesses pessoais específicos (a secretária

deixou o seu cargo para se candidatar à vereadora e o secretário para apoiar um candidato de

seu partido). De qualquer forma, é improvável que questões partidárias tenham se interposto

às ideias ou ações de EA desempenhadas. Mesmo com a questão da filiação da diretora do

departamento de EA ao partido do prefeito, não foram observadas claras demonstrações da

secretária da educação de retaliação (que seria esperada pela oposição) e nem de

favorecimento (que seria esperada pela condição de intimidação). Solicitações da diretora do

departamento de EA continuaram a ser, algumas vetadas e outras contempladas, como vinha

ocorrendo ao longo do tempo.

Outra questão que foi cerne de conflitos e que separa as duas secretarias disse respeito à

ocupação de posições nos comitês de bacias locais. Como ressaltado acima, por fazer parte de

duas bacias, o município tem direito a assentos nos dois comitês respectivos. Como

historicamente quem desempenhou essas funções foi a autarquia e como com a criação da

SMA elas foram transferidas diretamente para ela, a diretoria do DEA não tem direito a

qualquer assento. Por alguma razão isso incomoda profundamente a diretora do departamento

de EA:

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Pode ser uma postura agressiva minha, [...], mas eu quero a cadeira da câmara técnica do [nome do rio da bacia] para mim. Nós conseguimos o pleito do [nome do rio da bacia] e eu acho que eu mereço. Eu acho que a cadeira do [nome do rio da bacia] é minha. Do [nome do rio da outra bacia] para eles e do [nome do rio da bacia] para mim. Pronto.

Apesar de ser compreensível o desejo da diretora do departamento de EA de ter direito a voto

em pelo menos um dos comitês de bacias aos quais o município pertence, da justiça dessa

divisão entre secretarias, é difícil entender sua postura obsessiva em relação a isso, a ponto de

fazer deste um cerne de conflito. O fato de não ter assento não a proíbe de participar das

reuniões e opinar, e, o que é mais importante para ela, de participar e ser contemplada nos

pleitos. Aliás, pode-se até dizer que a participação traria a ela a obrigação de estar presente

em reuniões cujas justificativas e resultados são, em várias situações, discutíveis. De qualquer

forma, esse é um tema delicado para ela e, tal qual a cooperativa, e alimenta parte dos

conflitos com a SMA e seus representantes.

Para finalizar, é difícil que se saiba ao certo o quanto que as ações dos dois secretários, e dos

demais ouvidos, ao longo do período de análise foram pautadas por interesses político-

partidários ou eleitorais. Ao que parece, as posições tiveram mais coerência com a demanda

por criar uma identidade de ação e para resguardar potenciais para o futuro para a sua

instituição do que por questões eleitorais. Talvez, por trás do esforço por fazer a sua

secretaria, de fato, aparecer, exista um interesse eleitoral, de se colocarem como figuras fortes

e competentes política e administrativamente no município.

(ii) O contexto de indefinição institucional de ação para a EA no município transferiu toda a

responsabilidade de iniciativa e organização de ação para os indivíduos ocupantes de cargos.

Como foi visto acima, pior do que a mera condição de isolamento institucional (em relação às

demais) é a atuação interposta entre esses atores, o que os coloca em um contexto de atrito

cuja lida dependerá, basicamente, de suas afinidades ou interesses pessoais.

As entrevistas demonstraram que a diretora de EA, ponto de vista desta pesquisa, foi inserida

em seu posto contrariando sua secretária e também, a rigor, compartilhando um universo (o da

EA) com outras representantes com quem já existia uma história de dificuldades pessoais. E

essas visivelmente interferiram nas suas práticas. Na verdade, as entrevistas demonstram que

muitas das ações interinstitucionais desempenhadas dependeram basicamente da afinidade

existente entre a diretora da EEA e a diretora do SEA da SMA. Isso ficou visível tanto na fala

do secretário do meio ambiente (que quando fala de ações interinstitucionais e da

aproximação com a SME, se refere basicamente à EEA), da diretora da EEA (quando fala da

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sua maior proximidade com a secretaria do meio ambiente e da organização de ações com

essa secretaria) e da diretora do SEA, quando se refere a ações desenvolvidas em parceria

com a SME, mas menciona especificamente a EEA. É como se existisse entre os três um

acordo de afinidades pessoais que restringe os contatos e as atuações a eles e, pelo menos

espontaneamente, exclui a diretoria do DEA.

Esse contexto justifica a inclusão das dimensões psicossocial (isto é, relativa ao coletivo) e

individual (psicológicas e cognitivas) ao lado das dimensões institucional, de conteúdos e

política, nos modelos de análises de políticas públicas, questão já defendida anteriormente.

Apesar da dimensão política, a rigor, contemplar tais aspectos, quando inseridas nessa

categoria ficam escondidas por trás de outros assuntos que são mais diretamente inferidos,

induzidos pelo próprio título da categoria, ou seja, as questões político-partidárias e os

arranjos políticos de bastidores.

Assim, a explicitação dessas categorias é importante para que, diante da relevância que

demonstram nos processos de políticas públicas, sejam consideradas com uma atenção

compatível ao seu valor. Como coloca Cline (2000), problemas nos processos de implantação

de políticas públicas derivados dessas questões pessoais, relativas à formação de ambientes

colaborativos, costumam atrapalhar esses processos antes mesmo que as questões mais

gerenciais se tornem obstáculos. E esse pareceu bem ser o caso em análise e, por isso, tais

categorias merecem uma atenção mais específica.

O que se manteve, basicamente, entre os atores envolvidos na arena da EA no município foi

uma condição de, primeiro, isolamento, percebido e criticado por eles em suas falas. Todos

ressaltaram, nas entrevistas, a necessidade de trabalhar conjuntamente e ressaltaram essa

condição como um ideal utópico. De alguns, foi visível a sensação de esperança. Em outros,

de desmotivação diante do peso imaginário da tarefa de promover a aproximação entre eles.

O trabalho conjunto a partir de uma condição inicial de hostilidade não depende apenas da

boa vontade dos participantes. São necessárias, para tal, como demonstra Isaacs (1999a),

habilidades que concernem aos participantes (são intersubjetivas) e aos indivíduos

especificamente.

Primeiro, existe a necessidade de se discernir uma conversa com lados (discussão, debate, e

negociação) de uma conversa com centro (um diálogo). Uma conversa com lados é aquela na

qual os participantes mantêm-se presos as suas ideias iniciais, que por extensão, muitas vezes

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inconscientemente, tentam impor ao grupo. Neste caso, um eventual trabalho coletivo, é

necessário então que se forme um acordo entre os participantes, que será alcançado pela

escolha de uma das alternativas presentes, com ou sem pequenas modificações, a despeito das

demais.

Uma conversa com centro, por outro lado, é uma construção conjunta. Os resultados emergem

dos encontros e não carregam “marcas registradas” de um ou outro. É resultado de uma

subjetividade compartilhada, na qual os participantes estão cientes da transitoriedade e da

fugacidade das suas expectativas, em nome do potencial criativo do coletivo.

Como demonstrado nas entrevistas, as tentativas de aproximação entre pontos conflituosos no

município se deram por meio de propostas que mantiveram as conversas com lados. Em

algumas delas (por exemplo, quando a diretora do DEA colaborou com a diretora da EEA na

execução do Concurso Literário, ou quando a diretora da EEA colaborou com a diretora do

DEA na organização da pré-conferência municipal do meio ambiente, que foi na EEA) o que

ocorreu foi a inclusão da outra como uma “prestadora de serviços”, como mão de obra que

desempenhou acriticamente (em nome da sociabilidade) as funções sugeridas pela outra.

Nesses casos, uma manteve-se em um grau mais alto de hierarquia. Essa foi uma forma que

encontraram para trabalhar “juntas”, sem atritos; em outras situações, como na execução do

projeto com os participantes de uma igreja, na qual as duas instituições foram envolvidas, ou

ainda na própria semana do meio ambiente, quando várias outras secretarias participaram, a

participação se deu com cada um dos atores realizando as ações que normalmente lhe

concernem (a Secretaria de Esportes organizou a caminhada, a Secretaria de Obras emprestou

o som e etc.). Como se vê, as atuações permaneceram fragmentadas e isoladas. Nesses casos,

o todo era visto mecanicamente, como a justaposição de funções, ou como colocado por

Morin (2007) acima, como ladrilhos em uma parede.

Assim, parte do sucesso dessas ações foi atribuída à clara definição de competências entre os

envolvidos, que garantiu a justaposição e a ausência de interposição de funções. Repetindo as

palavras da diretora da Escola de EA sobre um dos eventos.

[E]u fiquei aqui prá ficar organizando, de olho em tudo, e a [Diretora do Departamento de EA] ficou responsável, por exemplo, de fazer um projeto educativo junto com a dengue. Né, ela fez, ela levou as crianças todas prá um bairro, fizeram um, um, passaram de casa em casa à respeito da dengue, conscientização, então isso foi legal, então ela fez essa parte e eu fiquei aqui, entendeu? [...]

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Assim, abre-se a hipótese de que a compreensão de trabalho conjunto com competências bem

definidas é nada mais do que a condição na qual nenhuma instituição avança suas funções

sobre as de outra instituição. Em não se havendo contatos, o risco de atritos é menor. O

isolamento, entretanto, permanece.

Outra questão levantada confirmada nas entrevistas que se coloca em meio à ocorrência de

diálogo entre os atores envolvidos foi nomeada acima como “forma de trabalho”. Diferentes

pessoas e instituições operam em tempos e a partir de princípios diferentes e isso precisa ser

conhecido e levado em consideração no caso de uma ação conjunta.

Como colocado por Kantor e Lehr (1976), participantes em interação desempenham

diferentes papéis (movedor, seguidor, opositor, espectador) e interagem em diferentes

dimensões (ou falam diferentes linguagens, como apropriado por Isaacs, 1999a) – da ação, do

significado e do sentimento.

Conforme verificado nas entrevistas, a diferença na forma de trabalho entre os atores foi uma

questão que levou ao e nutriu conflitos. O comportamento imperativo da diretora do

departamento de EA, descrito inicialmente por mim positivamente como empreendedor,

posteriormente confirmado por ela mesma, “[...] eu não tenho preguiça, e eu vou até o fundo

para resolver a situação. Eu não tenho perfil de me acomodar [...]. E eu busco alternativas

[..]”, foi explicitamente citado pela diretora da Escola de EA como sendo uma barreira ao

trabalho conjunto. Quando mencionou sobre a ocorrência do evento com a igreja na Escola de

EA, ilustrou a dificuldade de se chegar a acordos:

[É], mas assim funciona diferente, às vezes eu falei assim, “olha, não tem infraestrutura”, aí a [Diretora de EA] “não, vamos conversar com o pastor, que consegue não sei o que do estado, dinheiro para montar as cozinhas piloto...”. Eu falei “[N]ão tem infraestrutura aqui e prá conseguir isso vai anos, a gente não consegue às vezes um dinheiro de um projeto prá...demora, peraí...calma, não faz isso, pelo amor de Deus”.

O que se vê ocorrendo nesse caso é um confronto, ao mesmo tempo, entre dois papéis e duas

dimensões de interação (ou linguagens, conforme apropriado por Isaacs, 1999a) descritas por

Kantor e Lehr (1976).

A diretora do departamento de EA se coloca como o que os autores descrevem como

movedora, que é focada na ação, e fala a linguagem do poder (que também é a linguagem da

ação). A segunda, por sua vez, tem seu papel oscilando entre espectadora (enquanto as coisas

estão mais calmas) e opositora (nos momentos de tomada de decisões repentinos, quando se

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sente contrariada por alguma questão), e profere mais a linguagem do significado, quando o

planejamento precisa ser feito de forma mais cuidadosa etc..

Como colocam os autores, cada um desses comportamentos gera percepções positivas e

negativas nos demais, em diferentes ocasiões. “Movedores”, por exemplo, podem ser

interpretados como arrogantes, prepotentes, onipotentes e impacientes. Para ilustrar, foi o que

aconteceu na ocasião em que a diretora da Escola de EA procurou a diretora do departamento

de EA para se desculpar. Segundo a primeira, apesar de sua disposição para a procura, foi

tratada com desrespeito, diante da resposta hierárquica demonstrada pela segunda. O próprio

depoimento da diretora do departamento de EA sobre o ocorrido, pela sua forma de falar, dá

margem para essa interpretação:

Aí [...] ela me ligou [...]. Eu achei muito bacana, conversei com a Secretária [da Educação] junto com ela. Elogiei a iniciativa dela, falei que eu tava esperando por isso fazia um ano, exatamente um ano que eu tava esperando por essa atitude.

Já o opositor pode ser traduzido como negativo, e o espectador como desinteressado. Quando

a diretora do departamento de EA disse, ao responder ao questionamento sobre a origem dos

conflitos pessoais, que “eu não tenho preguiça”, ela relacionou o comportamento aos demais.

Da mesma forma, quando explicou o fracasso de sua aproximação com a diretora da escola de

EA, “a gente fez uma reunião e eu comecei a colocar algumas ideias e que ela não acreditava

e muito pessimismo e muito negativa”, o que ocorreu foi justamente a atribuição da percepção

negativa dos perfis destacados à diretora da escola de EA, negatividade e falta de

envolvimento.

Já quanto às linguagens, a do poder está relacionada à ação e a do significado, à melhor

compreensão de ideias. Essa diferença de comportamento fica clara primeiro, quando a

diretora do departamento de EA se descreve como alguém que não tem preguiça, que vai

atrás. Segundo, quando a diretora da escola de EA narra a questão do evento com a igreja. Em

ambos os casos fica clara a determinação da primeira em agir, em cumprir a solicitação

recebida, sem na verdade destinar muito tempo para a reflexão dos pressupostos e

consequências dessa ação. Já para a diretora da Escola, o que transparece é exatamente esse

pedido de tempo para pensar, para refletir sobre a ação, para compreender melhor os

processos, antes de se colocar em uma situação irreversível que pode ser desastrosa. Apesar

de não ser parte do escopo deste trabalho promover uma análise dos discursos, é a isso que o

trecho “[...] peraí...calma, não faz isso, pelo amor de Deus”, remete.

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Pode-se chegar à conclusão, então, que esses dois atores, quando em relação, não falam a

mesma língua, o que acaba, como aconteceu, os levando novamente ao entrincheiramento.

Por fim, Isaacs (1999a) ressalta que para que ocorra o diálogo, é necessário que os

participantes possuam habilidades específicas para tal, que ele lista como as capacidades para

falar, ouvir, respeitar e suspender (os pressupostos). Essas atitudes, conforme descritas no

item 2.2.5, podem ser identificadas por meio da observação de situações “indicadoras” de

ocorrência ou de predisposição ao diálogo.

Durante as entrevistas, indicadores de diálogo, ou seja, demonstrativos de que um ou alguns

dos participantes estavam se colocando em uma situação de abertura para a reciprocidade,

emergiram. Exemplos dessas situações são a sugestão, pela secretária da educação, que o

projeto a ser submetido ao FEHIDRO deveria ser apresentado também para o secretário do

meio ambiente, a presença do próprio secretário, no mesmo dia, no encontro do CEA

(interpretado como uma forma de retribuição); no oferecimento da diretora do DEA à da

EEA, de ajuda na ocasião da organização do concurso literário; e, por fim o convite do

mesmo secretário para que a secretaria da educação participasse da organização da

Conferência Municipal do Meio Ambiente.

De todas, entretanto, a demonstração mais explícita de busca por aproximação e diálogo foi a

ocasião em que a diretora da Escola de EA entrou em contato com a diretora do departamento

de EA para se desculpar por seu comportamento centralizador, e para dizer que estaria

disposta a trabalhar coletivamente.

Foi abordado acima que para que o diálogo possa ser estimulado em uma determinada

situação, é importante que se reconheçam indicadores, quer dizer, ocorrências que sinalizem

uma possibilidade para que o diálogo emerja em uma determinada situação. Tais indicadores,

em geral, provêm de um dos lados da conversa, mas podem também ser também advindos de

uma situação externa. Nem sempre são explícitos e demarcados como o episódio da ligação

(uma situação na qual a diretora pensou, telefonou, conversaram e tiveram tempo, depois,

para agir ainda mais), podem se dar em situações passageiras (ou seja, são oportunidades que

nem sempre permanecem por dias, como no exemplo acima) e, se não acolhidos, podem ser

perdidas (as oportunidades).

Isso significa que uma ocorrência que indica diálogo precisa ser acolhida e tratada com

delicadeza. Essa abertura de um participante ao diálogo (que pode ser percebido, pelo próprio

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e pelos demais, como colocado acima, como um rebaixamento), precisa ser recebida de forma

recíproca. Caso isso não ocorra, pode trazer novamente aos participantes, principalmente ao

que se dispôs, a sensação de desconfiança que gerou os conflitos inicialmente e remetê-lo

mais uma vez à condição de isolamento.

Aparentemente o que ocorreu nesse caso da ligação foi justamente isso. A abertura de um

lado não encontrou ressonância do outro, ou até encontrou, mas essa ressonância não foi

explicitada da maneira que transparecesse esse sentido. Foi (a forma de expressão) então

interpretada como arrogância. Como se vê, realmente para que o diálogo ocorra é necessário

que seus participantes possuam capacidades para tal, que podem ser inerentes às pessoas ou

que, segundo os propositores da teoria operacional do diálogo, podem ser aprendidas.

Quando a diretora da EEA se desculpa e se coloca disponível para construções conjuntas, está

buscando reciprocidade. Por outro lado, quando ela é recebida com a proposta de elaboração

de um jogo, ou seja, com uma proposta individual pronta, retorna-se à relação com lados. É o

retorno do antigo comportamento apesar da tentativa de um novo. O resultado disso é a nova

retração e um reforço da ideia de que não há soluções possíveis para tal questão.

Entretanto, apesar deste contexto aparentemente negativo construído a partir dos resultados

das entrevistas, foi localizada também a demanda por espaços de participação e diálogo. Seja

em relação ao que se esperava quando se iniciou no cargo (no caso da diretora do

departamento de EA), “eu imaginava que tinha que ser a diretora do departamento com a

diretora da escola de educação ambiental trabalhar juntas”; sobre experiências passadas (no

caso da diretora do Setor de EA da secretaria do meio ambiente):

Tinha bastante projetos que a gente fazia em parceria, né, quando era o departamento [a autarquia]. Até teve o ano passado [2010], eu com a [diretora da Escola de EA] fizemos o concurso literário da água juntas, então muita coisa, muito evento que tinha na escola [de EA] ou no meio ambiente, por exemplo tinha uma data comemorativa, sempre tava envolvendo as escolas, né a [Secretaria da] educação[...];

Sobre a lógica teórica e prática do trabalho (no caso da diretora da Escola de EA), “[m]as é

claro que ele tem que [es]tar ligado à Diretoria [de EA], ligado à Secretaria da educação, e

ligado à Secretaria do meio ambiente”; ou ainda sobre a organização de trabalhos para o

futuro (no caso do secretário do meio ambiente, quando comenta sobre as possibilidades de

criação de uma comissão interinstitucional de EA):

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Esse é o caminho, aliás nós estamos trabalhando com essa [perspectiva]. [...] Mas eu devo confessar que isso é fruto até da secretaria ser nova, nós não temos um programa formal de ação das duas secretarias, né. [...] Agora a partir do ano que vem, não, ano que vem nós já aprovamos o orçamento, já temos uma linha de ação e já estamos conversando com a educação ambiental, com a escola ambiental, ou seja, com a secretaria de educação das ações que nós vamos desenvolver.

Desses depoimentos infere-se que, pelo menos, existe uma percepção sobre a importância e a

necessidade lógica e prática de se atuar coletivamente. Essa percepção se sobressai também

nas “denúncias” de desamparo, isolamento e incapacidade encontradas nas entrevistas, e do

desgaste de energia proveniente dessa situação de conflitos. Consequentemente, que o

trabalho coletivo, de certa forma, poderia colaborar com a melhora dessas sensações, além de

dirimir a percepção de competitividade que se nutre entre elas a medida que o tempo passa.

4.7. Resultados da técnica de grupo focal aplicada a participantes do CEA local.

O grupo focal foi realizado na noite do dia 21 de dezembro de 2011, cerca de uma semana

após a última reunião oficial do coletivo local. A escolha dos participantes ocorreu de forma

parcialmente aleatória. Na última reunião do grupo, comentei sobre a necessidade de fazer

essa “entrevista coletiva” e que precisaria que ela ocorresse ainda em 2011. No entanto, diante

das circunstâncias cercando a data (início de férias para a maioria, preparação de festas,

necessidade de descanso, além de outros), o convite foi feito para verificação de

disponibilidades. Alguns se colocaram à priori sua disponibilidade de participação. Outros

dependeriam de algumas condições a serem verificadas, e outros já adiantaram suas

impossibilidades. Uma das participantes cuja participação estava incerta se prontificou a

contatar ainda outros participantes ausentes no dia e repassar o convite. Expliquei para eles,

todavia, minha preocupação em não ampliar demais o número de presentes.

A reunião para o grupo ficou definida, por sugestão de um dos participantes, na sede do

SENAI local, onde trabalha, às 20h00min.

Para a realização do grupo, convidei uma colega, pesquisadora em Psicologia da Família, para

me auxiliar. A ideia inicial é que a reunião se desse em um círculo e ela se colocasse do lado

de fora, tomando nota de aspectos que julgasse importantes acerca dos participantes durante a

conversa. A entrevista foi gravada com dois aparelhos, um MP3 GT DIGITAL® e um

Panasonic RR-US550® e foi posteriormente transcrita. Os conteúdos anotados pela psicóloga

foram entregues na forma de um relatório.

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Chegamos lá em torno das 19h45min e não havia ninguém. Aos poucos os participantes

foram chegando. Um pouco antes das 20h00min, o funcionário da instituição chegou e nos

convidou para fazermos uma visita às instalações do prédio. Quando voltamos, os demais já

estavam esperando na sala.

Ao todo, o grupo focal foi realizado com 6 sujeitos, um dos quais chegou após cerca de 20

minutos de conversa. À medida que se expunham pela primeira vez, iam sendo identificados.

Para que se tenha uma ideia do perfil dos participantes, serão brevemente apresentados

abaixo.

Sujeito 1: Professora municipal;

Sujeito 2: Educadora holística local;

Sujeito 3: Funcionário do SENAI local;

Sujeito 4: Funcionário em metalúrgica local e responsável pelo grupo de escoteiros. Casado

com a sujeito 5.

Sujeito 5: Estudante de pedagogia e responsável pelo grupo de escoteiros. Casada com sujeito

4.

Sujeito 6: Professora municipal temporária.

O objetivo do grupo focal foi de verificar como que o diálogo ocorreu no CEA. A partir das

observações feitas ao longo do ano, formatei duas dimensões de análise no coletivo, a

primeira delas durante as reuniões em si, com a participação de todos, e a segunda na relação

entre o grupo e a diretora do departamento de EA, que desempenhou a dupla função de

membro e também estimuladora.

A entrevista ocorreu como uma conversa aberta, na qual questões eram colocadas e os

participantes tinham a liberdade de intervir a qualquer momento. Apesar de abrir o espaço

para o surgimento de questões inesperadas, duas questões foram centrais: quais eram as

expectativas dos participantes quando vieram para o grupo e como foram acolhidas pelo

grupo; e o que acharam da forma como o grupo foi organizado. A primeira se referiria

diretamente à relação dos participantes com os demais e, a segunda, do grupo com a diretora

de EA e idealizadora do grupo. A ideia por trás dessa segunda abordagem foi a de se verificar

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como que os participantes do grupo viram a diretora na sua atuação como organizadora do

mesmo, e se suas impressões coadunavam com as minhas, de que ela manteve uma postura

centralizadora que impediu a geração de maior autonomia do grupo e, ao mesmo tempo, o

estabelecimento de uma relação mais simétrica, e para os interesses deste trabalho, dialógica

com o grupo e seus participantes. Os resultados encontrados estão abaixo.

Em relação às expectativas e como elas teriam sido atendidas, as respostas foram as seguintes:

[Sujeito 1] Como a minha área era educação e como educação ambiental é uma coisa muito assim, recente, a gente tinha uma parte teórica, e era muito difícil de trabalhar com as crianças, então a minha expectativa era informações para eu poder lidar com isso. Como eu fui recebida, como que foi...[...]. Valeu todas as experiências por que o grupo passou, acho que deu para eu desenvolver um trabalho na escola, facilitou mais, as minhas expectativas foram...[...]. Atendidas.[...] Eu fui obrigada a participar do grupo [por conta do HTPC]. E o dia que eu fui você tava dando uma.... (apontando para sujeito 2)...você foi o motivo de eu continuar no grupo. Assim, as suas palavras, o que você falou, foi a razão por eu ter ficado no grupo.

[Sujeito 2] [...E]u vim com uma expectativa de somar, né, de agregar o que eu poderia passar do que eu aprendi e do que eu poderia receber do grupo, e fazer alguma coisa mais concreta, né, mais ou menos isso.[...] [E]u encontrei um grupo que passou a buscar a realidade ambiental, pesquisar, prá daí achar, né, espero que esse ano a gente consiga fazer já alguns roteiros daquilo que a gente conseguiu levantar. [...] [A]chei que houve receptividade, do grupo.

[Sujeito 3] A minha inclusão no grupo, porque eu me interesso pela questão ambiental, estar fazendo alguma coisa para melhorar, né, o meio ambiente. Também, eu fiz alguns treinamentos no SENAI, na parte ambiental, e a gente gosta também de estar trabalhando aqui com os alunos, sensibilizando, então qual que era o objetivo, era estar aprendendo [é interrompido por funcionária do SENAI] e também estar aplicando aqui né, a gente aplica muita coisa, tem várias ações aí que é feita, mas era de estar aplicando aqui da melhor maneira essa sensibilização. [...] Olha, eu senti muito bem, porque assim, em algumas reuniões, eu não fui em todas, e cada vez era um grupo, né, nem sempre estava todo mundo na mesma, nas reuniões sempre as mesmas pessoas, né. Então teve alguns trabalhos que nós fizemos no grupo, em grupos, né, eu achei legal, acolheram bem, fui bem aceito, né, pelo grupo, eu senti isso, pelo menos.

[Sujeito 4]: A minha vinda para o grupo foi por conta do grupo de escoteiros, né. A gente tentou associar essa parte ambiental com o trabalho que a gente faz com os meninos [...], a receptividade que, que foi, assim, foi legal porque é uma interação que você tem com pessoas, com ideias diferentes. Eu acho que foi bem legal e deu prá conhecer bastante a parte ambiental, não só da cidade, nas visitas que a gente fez, mas as ideias, os trabalhos que tem pelas escolas da cidade. [...] [V]árias apresentações que foram bem interessantes, inclusive a gente aplicou algumas coisas no nosso...aliás algumas coisas não, todas as palestras foram aplicadas no grupo de escoteiros. [...]. Então, o que a gente veio buscar, que nós viemos buscar através do grupo de escoteiros, conseguimos levar, então eu acho que foi bem legal essa troca.

[Sujeito 5] E eu acho assim que muito que ensinou a gente foi a palestra da [sujeito 2], que ensinou essa parte prá gente, porque todo mundo imaginava, eu, eu imaginava, no entanto eu comentei isso a [sujeito 2] que, prá mim meio ambiente é um todo, só que nem todo mundo pensava assim.Meio ambiente era plantar árvores. Meio ambiente era proteger rios, né, e a partir da palestra da [sujeito 2] eu me

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encontrei naquilo que eu imaginava, naquilo que eu pensava, e foi onde eu, foi realmente onde eu comecei a aplicar [...].

Após cerca de 20 minutos de conversa uma sexta pessoa chegou para participar do grupo. Era

uma professora temporária que tinha tido a experiência de, a partir da visita do coletivo às

áreas de importância ambiental do município, levar os seus próprios alunos, e tinha ficado

deslumbrada. Sobre sua vinda para o coletivo comentou.

[Sujeito 6] Eu vim através da escola. Eu não sabia do grupo, não tinha conhecimento nenhum, não sabia do que eu ia, o que eu ia fazer ali, né, a primeira visita mesmo, e como foi o pessoal, e como o pessoal disse, eu fui poucas vezes, né [...].

Como colocado acima estávamos organizados em um círculo. Nessa primeira parte de

participações, por alguma razão eles responderam as questões em ordem, ou seja, a partir do

primeiro sentado à minha direita, passando pelos demais, até o primeiro sentado à minha

esquerda (à exceção da sujeito 6, que chegou atrasada). Colocaram-se dessa forma como se

fossem questões para serem respondidas por cada um individualmente. Da mesma forma, as

falas se deram como em uma entrevista individual, ou seja, foram monólogos, e apenas a

sujeito 2 foi interrompida por outra (a sujeito 1) na sua fala. À medida que o encontro foi

acontecendo, todavia, esse padrão foi se diluindo e a conversa ficando mais fluida. Em um

determinado momento, no qual o grupo já estava mais desinibido e a conversa mais informal,

comentaram sobre o funcionamento do grupo:

Sujeito 5: depois que se consolidou um grupo realmente, que realmente tava interessado, assim, tinha pensamentos em comum, aí foi onde aconteceu. Foi quando aconteceu. Enquanto isso não acontecia, é, enquanto não havia pessoas com o mesmo objetivo, porque houveram, assim, como a [sujeito 6] foi, como a [sujeito 1] foi, que a escola convocou, né, é, foram por obrigação. Que a escola....a partir do momento em que entraram no grupo e viram “não, realmente esse é o que eu quero prá mim, é, o meu pensamento também é esse, o meu objetivo também é esse, é aprender para repassar, é realmente colocar pessoas do bem, dentro de um mundo melhor”, eu falo sempre e já falei para a [sujeito 2] também, não adianta a gente querer um mundo melhor se não tiver pessoas melhores. Então aí então consolidou um grupo real, e aí deu continuidade, que aí todas as nossas reuniões, é, tinha sempre o mesmo número de pessoas, as mesmas pessoas, com os mesmos objetivos. Então a partir do momento em que se consolidou um grupo com o mesmo pensamento, foi aonde fluiu, e aí foi aonde nós fizemos a visita, fizemos as, nós conhecemos as, algumas áreas de [cidade], da cidade. A partir daí, penso eu.

E sobre as relações que foram se estabelecendo no grupo:

[Sujejto 5] Existia uma harmonia, né, entre o grupo todo. Então essa harmonia que fazia o aconchego dos outros. Quem faltava não se sentia deslocada, né?

[Sujeito 6] [C]omo o pessoal disse, eu fui poucas vezes, né, e parecia que eu já era da família. Me senti totalmente a vontade, prá palpitar, sabe? Mesmo sabendo ou não, sabe, total liberdade, prá mim foi muito boa essa experiência[...].

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[Sujeito 4]Apesar da, de não ter tido a frequência de todos, né, era difícil, né, as datas que eram marcadas não davam para um, não davam para outro, mas todo mundo que chegava, independente de ter faltado na reunião anterior se adaptava naquela reunião daquele dia, não tinha aquele negócio “ah, eu faltei a outra e tou perdido”. Dava para se interagir. O [Sujeito 3] mesmo que, foi algumas, faltou outras, mas a reunião que ele chegava ele se interagia, que eram assuntos que não, que davam prá acompanhar, o legal foi isso, que mesmo você faltando, retornando você conseguia acompanhar. Diferente de um grupo, de repente você fica duas, três semanas fora, quando você volta você ta perdido, você vai ficar lá isolado porque você não acompanha mais o bonde que já andou. E o grupo do [Coletivo] foi diferente que dava prá acompanhar.

E sobre as diferenças de opiniões que emergiam no grupo e como o mesmo lidava com elas:

Sujeito 4: [M]as um outro ponto também legal foi a situação do [ambientalista participante do grupo] quando ele chegou, a visão que ele tinha era simplesmente a ideia de [plantar árvores]. Lembra? Teve até um certo atrito no início que a gente teve que ir lá, aparar umas arestas, né, mas hoje ele mudou, ele engajou nisso, né, ele até comentou: “pô, eu tou num grupo de meio ambiente, e não se fala em plantar árvore. Como?[...] Como, meu, que meio ambiente é esse que não planta árvore?” A ideia, a visão dele pro meio ambiente seria só plantar árvore. E ele mudou isso, hoje ele não tem mais esse discurso ferrenho, “não, nós temos que plantar árvore”, não, já abriu os leques dele de imaginar outras coisas. Né, mas no começo ele chegou, a ideia dele era plantar árvore, eu lembro,[...] mas hoje ele já tem uma outra visão, né, porque, você está num grupo que tem outras visões, então você começa a ter uma ideia diferente, ele é um modelo que eu pego assim, de imediato, para lembrar, porque ele chega....né, como a gente comentou, é um professor da vida, que tem uma visão de meio ambiente e se engajou num mundo, que não é só aquilo que ele pensava, tem outras ideias também.

[...]

Sujeito 2: E com o grupo, ele ampliou.

Assim, em determinado momento a característica do grupo de respeitar o diferente emergiu.

Faziam sempre referência a essa passagem do ambientalista [em praticamente todas as

reuniões ele ficava falando que o grupo deveria plantar árvores] que, com o tempo, passou a

conviver com os demais colegas em uma demonstração de maior respeito a eles e ao grupo. O

trecho abaixo traz uma passagem da conversa em que isso ficou explícito, que será

reproduzida na integra visando a melhor construção do contexto. Quando perguntados sobre

qual seria a principal potencial do grupo, responderam:

Sujeito 3: Acho que o potencial é a diversidade do grupo.

Sujeito 4: De ideias.

Sujeito 3: De ideias. Se ter pessoas de várias áreas aqui. Então é aí que está o grande, assim, às vezes, é, existe os potenciais individuais que com certeza juntando isso o grupo tem uma condição enorme de assim, fazer, de várias ações, de vários espaços, né. De estar trabalhando.

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Sujeito 4: Inicialmente, as primeiras reuniões na [local das reuniões iniciais], foram 4 semanas ali, praticamente ali, com palestras, de temas diferentes, de ideias diferentes ali, né, [fala os nomes dos palestrantes], então cada um, cada um tinha a sua, a sua ideia ali, o seu diferencial, que apresentou pros demais, e foi o que atraiu todo mundo.

[...]

Sujeito 3: É um grupo de pessoas de diversas áreas preocupadas com o meio ambiente.

[...]

Sujeito 5: É um grupo que aprende ensinando, ou ensina aprendendo. Eu acho que esse foi o diferencial desse grupo. Ninguém chegou lá e disse “eu sou o dono da verdade”.

Sujeito 6: É, isso é verdade.

Sujeito 5: Todo mundo aprendeu o que ensinou e ensinou o que aprendeu. Eu acho que foi meio por aí que aconteceu com nós.

Sujeito 6: E eu acho que o grupo também, assim, ele é acolhedor. Isso é importante. Cativar o outro.

Sujeito 5: Ninguém....Isso, ninguém foi lá com a ideia, que nem usou o [ambientalista], mesmo ele tendo aquela ideia fechada, de que meio ambiente é plantar, e outros, como eu mesma, e eu não tinha essa visão, de que meio ambiente não é só plantar árvore, nem por isso eu menosprezei a ideia dele, e nem por isso ele se fechou e não quis ouvir essas pessoas. Então eu acho que é a par...eu acho que é meio por aí. Não é, é o que eu falei, é o grupo que aprende ensinando e que ensina aprendendo.

Daniel: É um grupo que respeita?

Sujeito 1: É, teve trocas, né. Trocas de conhecimentos

Sujeito 5: Trocas de pensamentos, trocas de conhecimentos, trocas de tudo, né.

Sujeito 4: A minha ideia não é melhor que a sua e nem a sua é melhor que a minha.

Sujeito 5: Exato.

Daniel: Pô, vocês sentiram isso tudo mesmo ao longo desse ano, é?

Sujeito 5: Verdade.

Sujeito 1: Tanto é que nós estamos aqui ainda. (rs).

Sujeito 6: Vinte e um de dezembro!!! (risos gerais).

[...]

Sobre a forma de organização do grupo pela diretora do departamento de EA, apesar da

criação do grupo ter sido motivada por ela, que também sugeriu a sua pauta inicial (os

encontros com palestras dos participantes) e seus trabalhos seguintes (o envolvimento com a

preparação da pré-conferência municipal do meio ambiente, a confecção do jogo) e inclusive

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sugeria mudanças de datas das reuniões por conta de limitações suas (por ora, datas

individuais e, em setembro de 2011, de todo um mês, diante de um curso que ia fazer), sua

atuação foi percebida como sempre positiva. Quando perguntados como se sentiam diante do

fato da agenda do grupo ter sido trazida de fora, se em algum momento tinham se sentido

desconfiados ou desmotivados, responderam:

Sujeito 5: Não, pelo contrário.

Sujeito 1: Não, eu acho que isso que incentivou...

Sujeito 4: Que motivou, porque? Era um trabalho que você tinha que iniciar até o fim dele.

Sujeito 1: Ela direcionou, é, ela direcionou o trabalho [...].

Sujeito 6: Até pro professor. Igual no meu caso, porque eu não conhecia nada, a nascente, nada, então prá mim ia ser um...

Sujeito 2: Um acréscimo...

Sujeito 6: Muito grande. Muito mesmo.

Sujeito 2: Agora, não adianta a gente ser um grupo fechado, com as nossas ideias, todos aqui, e ficar entre nós. Então quando a gente sai que você acolhe alguma coisa que vê. Né, por exemplo a conferência. Sabe, então vem algo novo no grupo, uma necessidade e o que que nós precisamos conhecer? Como [a cidade] está trabalhando meio ambiente. Mesmo a parte da Secretaria do Meio Ambiente que tem, tem que haver essa conexão. Ao mesmo tempo, então essas sugestões que foram aparecendo no grupo e o grupo teve assim a flexibilidade de lidar com elas. Porque se a gente se engessa também, então as suas ideias, quando você falou do [ambientalista citado anteriormente] eu achei muito legal, porque? Por que ele...

Sujeito 4: ele tinha uma ideia praticamente engessada, na árvore.

Sujeito 2: Isso. E com o grupo, ele ampliou. E o grupo não pode ser engessado também, né, então o que chega, o que dá prá fazer, é legal, são experiências novas.

E sobre as mudanças repentinas das datas:

Sujeito 5: E aí tem o respeito do grupo todo com os outros que não podiam. Eu acho que isso nós lidamos dessa maneira. Né, foi um respeito, porque que nem, prá mim eu podia qualquer dia, menos na segunda, pro outro, podia qualquer dia menos na terça, então aí, qual dia era, o ideal para todos, e houve um respeito, houve uma modificação de agenda de um, de agenda de outro, “ó, eu posso ir mas eu vou chegar um pouco mais atrasada, né, um pouco mais tarde, tem problema?”, “não, não tem problema”, então foi um respeito mútuo, que chegou assim num denominador comum.

E quando a diretora, sem aviso, parou de convocar para as reuniões por quase dois meses, por

conta do surgimento de uma demanda específica sobre ela (a realização do Natal Ecológico),

suas percepções foram:

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Sujeito 2: É, eu percebi que a [diretora do departamento de EA] estava sobrecarregada. Eu também estava, dei graças a Deus. Deu uma folga! (risos gerais).

Sujeito 5: é, coincidentemente ou não, foi uma fase meio atropelada prá todos, né.

Sujeito 1: Prá nós [professores], era a prova do SARESP, relatório, um monte de coisas, então a gente ficou sobrecarregada, não dava....

Sujeito 5: Na verdade, o segundo semestre é um período difícil, prá quem lida com isso, com criança, né. Que quem lida com os maiores, é a questão de auxiliar nos pré-vestibulares, nos cursinhos, que aí no meu caso, são apresentações de final de ano, tem que elaborar a data, nos menores, às vezes é saindo de um ciclo, mudando para outro ciclo, então o segundo semestre é complicado.

Daniel: Foi encarado como umas férias, mais ou menos, um feriado?

Sujeito 6: Não, mas sempre tinha aquela preocupação “será que eles não vão entrar em contato”?

Sujeito 4: E foi interessante que a gente se encontrava na rua...

Sujeito 5: A gente se encontrava na rua e daí um perguntava pro outro: “e daí, vai ter reunião, não vai ter mais reunião, eu não recebi email, ta sabendo de alguma coisa?”.

Sujeito 1: Aí eu ficava “alguém mandou algum email?”

Sujeito 5: Ahã. Rsrsrs

Sujeito 1: Porque...

Sujeito 4: O [ambientalista] ligava sempre...sempre ligando.

Sujeito 5: Assim, nós estávamos ocupados com nós mesmos mas preocupados com o coletivo...risos.

Quando retomei com eles os resultados da avaliação feita por eles sobre o funcionamento do

coletivo, em uma das últimas reuniões do ano (dia 23 de novembro de 2011), na qual

destacaram a necessidade do grupo se tornar mais autônomo em relação à diretoria municipal

da educação e cultura, questionei se eles tinham pensando nas implicações que isso traria para

o próprio grupo. Suas reflexões foram:

Daniel: O que significa o grupo ter mais autonomia?

Sujeito 6: Ter mais iniciativa.

Daniel: ter mais iniciativa, que mais?

Sujeito 4: Não depender de uma pessoa só.

Daniel: Não depender de uma pessoa só. E como é que a gente faz para não depender de uma pessoa só?

Sujeito 3: Junta uma comissão. Rs

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Daniel: A gente se organiza prá isso, né, a gente se organiza pra isso. É, tudo bem? Né, quer dizer, o grupo vai poder ser mais autônomo de qualquer um se ele conseguir se organizar para fazer aquilo que ele tá....como é que vocês veem isso? Isso é um desafio né?

Sujeito 5: A partir de um momento em que você tem uma pessoa, uma que seja, ou duas ou três pessoas que comandam um grupo, ela tem uma pauta a ser programada, a medida que tem várias pessoas pensando, aí você já vai ter uma pauta, né, acontece lá. Então é um grande desafio.

Daniel: Então é um grande desafio. Mas isso passou pelas cabeças de vocês, não?

Sujeito 1: Eu prefiro um grupo que alguém, tem um comando.

Sujeito 6: A gente sempre espera um líder.

Sujeito 1: É. A gente sempre espera um líder.

Sujeito 3: Teria que ter, eu vejo assim, um grupo de empresas é mais ou menos igual ao coletivo, alguém reuniu as empresas e falou “olha, vamos fazer um grupo de RH nas empresas”. “Então vamos fazer!”. Então a pessoa que articulou isso, ela vem duas ou três reuniões. Depois disso o grupo elegeu o coordenador, elegeu o secretário, né, ou alguém, tesoureiro, porque às vezes arrecada dinheiro, tem que arrecadar, né, por causa de despesa, e aí eles votaram, quem ia ser o quê. E começou. Tem, acho que 29 representantes de empresa e as pessoas ficavam aqui representando as empresas, discutindo problemas comuns, e o grupo ta indo muito bem, sabe.

Daniel: O grupo aprendeu a se autogerir.

Sujeito 3: Exatamente.

Sujeito 1: Precisa alguém para coordenar isso.

Sujeito 3: Mas aí o próprio grupo desenvolveu essa cultura, esse domínio.

[...]

Sujeito 3: [...] Cada encontro eles trazem uma palestra, os problemas assim de PME, de liderança, alguma coisa trabalhista mesmo, negócio de cartão....

Daniel: E essa demanda nasce dentro do grupo.

Sujeito 3: Do grupo.

Daniel: É o que a [...] falou, a demanda vai nascer dentro do grupo.

Sujeito 3: E aí vai se fortalecendo, por que aí eles começam a ter uma, uma parte da reunião ele fala assim, o que fez na empresa? A empresa fez isso, fez isso, fez aquilo, cada um tem um espacinho para falar, uma parte comum, né, e é legal, eu acho que, realmente o, se você falar assim, ó. Ah, deixa aí o grupo várias pessoas conduzem, se eu tiver ó, o coordenador já é o [sujeito 4] (rs), mas realmente precisa, né, porque se não, acaba né, um vai deixando, deixando e acaba. O grupo vai acabar né....

Sujeito 1: é.

Daniel: Vira um cachorro de muito dono. Ninguém alimenta, ninguém dá comida.

Sujeito 5: Exatamente.

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Sujeito 4: um deixa pro outro, que deixa pro outro....

Sujeito 3: É, exatamente. Então teria que se organizar, né, pensar que todo mundo tem afazeres, mas temos que criar alguma, um mecanismo assim para estar trazendo, para manter os que tão vindo e prá poder conseguir trazer mais, né. Acho que o grupo, é importante vim gente, né.

Sujeito 1: De outras áreas também.

Sujeito 3: Agora, o que que faz alguém vir pro grupo e permanecer no grupo? Tem o ideal de, mas tem que ser alguma coisa que...a pessoa que vem ela quer sentir que a coisa vai caminhar, vai funcionar, que ela vai absorver algo daqui, vai dar alguma coisa vai levar alguma coisa, né.

Por fim, outro aspecto que surgiu espontaneamente na entrevista relacionou-se à forma como

as reuniões foram lideradas, em geral por mim na função de consultor. Os comentários abaixo

emergiram em dois momentos distintos da conversa:

Sujeito 2: Agora tem uma coisa que eu achei interessante na sua [se referindo a mim] personalidade, ou na a sua técnica de conduzir o grupo, é você retirar do pessoal, tá, em nenhum momento eu senti que você chegou com uma teoria, um conceito, e disse “ó, nós vamos ver isso”. Não, você jogou pro grupo, uma pergunta, um questionamento, e foi colhendo. Você sempre foi um grande ouvinte do grupo, e o grupo foi caminhando conforme a necessidade do próprio grupo. Isso foi muito importante. Não sei se vocês concordam?

[Todos mais ou menos ao mesmo tempo]

Sujeito 6: Totalmente

Sujeito 4: Sim, sim, sim.

Sujeito 5: Grau, gênero e número. (rs)

Sujeito 4: Tanto é que a reunião que aconte...que ocorreu lá no parque ecológico (a pré-conferência do meio ambiente) foi voltada nisso também. A gente ouviu todo mundo que não participava, nem todos estavam lá, tinham vindo nas reuniões do [Coletivo], e foi ouvir o que o pessoal disse, né.

Sujeito 2: O levantamento das dificuldades, né.

[...]

Sujeito 3: Antes de você finalizar deixa eu falar um negócio. Que às vezes pode ser que você sente isso, é a condução, que muitas vezes, a maior parte das reuniões foi você quem conduziu [se referindo a mim], né, e, e assim a tranquilidade da condução, e a liberdade de deixar as pessoas, não aquela que nem você falou “vai ser assim ó”, a reunião é assim, eu falei assim e é o que eu falei”, entendeu? Então eu vi assim na tua participação, essa espontaneidade de deixar os outros participar, os outros falarem, né. E às vezes cê que ia conduzir uma reunião, boa parte das reuniões que eu fui, você que conduzia elas e direcionava.

Daniel: Minha expectativa é parar com isso...(risos).

Sujeito 3: Não, mas aí é que tá o lance...é às vezes cê vai numa reunião e ninguém fala, né, e boa. Você não tem espaço.

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Daniel: É, tem uma diferença.

Sujeito 4: A diferença é que você fomentava o assunto.

Sujeito 3: Exatamente, fomentava, e buscava a participação, entendeu? Não era só eu dirigia, eu falo e pronto.

Sujeito 1: É, o que eu falo é verdade.

Sujeito 3: Eu senti isso, é o gostoso da reunião. Então você vê aí o cara pensar, se você não pode ir lá participar, eu ia fazer o que aqui?

Sujeito 1: Eu não posso colocar a minha reunião.

Sujeito 3: E, então isso é que eu senti de gostoso no grupo. Às vezes você tinha, conduzia mas todo mundo tinha oportunidade de falar, participar, né. E até às vezes a pessoa tinha dificuldade de falar, e acabava....acabava

Sujeito 1 (rindo): Que não gostava de falar, era obrigada a falar....rsrsrsrsrs. [Ela está se referindo a ela mesma]

Daniel: Porque eu ficava chamando.

Sujeito 1: É. (risos gerais). Toda hora....(rs).

4.7.1. Comentários gerais sobre os resultados do grupo focal.

Os resultados levantados com a prática do grupo focal demonstraram quatro aspectos

diferentes importantes de serem destacados aqui. Dois deles foram direcionados pelas

questões iniciais colocadas, sobre as expectativas dos participantes e seu acolhimento pelos

demais no grupo; e sobre a forma de organização do mesmo pela diretora do departamento de

EA do município. As outras duas foram inesperadas e surgiram em meio à conversa, sendo a

primeira relacionada à continuação do grupo, ao seu futuro, e a segunda, abordando a forma

como que as reuniões foram facilitadas, ou seja, sobre o meu comportamento enquanto

liderança.

Como visto acima, as falas dos participantes do grupo focal indicam que o coletivo educador

foi se constituindo, ao longo de 2011, como um grupo de fato, ao sobreviver a conflitos e

desenvolver, com o tempo, uma capacidade de compartilhamento de ideias, e compreender e

respeitar diferenças, como abordado no item 2.2.4.1 deste trabalho. Como o Sujeito 5

comentou, foi se delineando uma certa “harmonia” naquele espaço, que era “acolhedora”

(Sujeito 6) mesmo para aqueles que ficavam longe por um período. E parte desse acolhimento

foi oferecido pelo fato de o coletivo ter se construído como um espaço seguro para que os

participantes se expressassem, como é demonstrado na fala, novamente, da sujeito 6: “Me

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senti totalmente a vontade, prá palpitar, sabe? Mesmo sabendo ou não, sabe, total liberdade

[...]”.

Essa recepção da diferença de opiniões como uma qualidade do coletivo foi demonstrada,

durante a entrevista, nas várias vezes em que o episódio com o ambientalista local foi

evocado. Esse ator é conhecido na cidade por suas atuações pelo meio ambiente, algumas das

quais, como a de se acorrentar em árvores para protegê-las de corte, populares e incômodas

para a classe política local. Por isso, tem um grande respeito por parte da população, inclusive

no coletivo, que o considera um “professor da vida”.

Entretanto, por seu temperamento determinado e sua desinibição para falar o que pensa, pode

trazer conflitos para um grupo, como fez quando deu entrevista para uma rádio local

insinuando que fazia parte de um grupo ambientalista que “não fazia nada, só falava”. Tal

ocorrência gerou um mal estar não apenas internamente, mas também externamente, pois

chegou até a secretária da educação do município que, por sua vez, questionou sobre a sua

permanência no grupo.

Com o tempo, todavia, e com o processo descrito pelo sujeito 4 como um “corte de arestas”,

que foi uma conversa que alguns dos membros do coletivo tiveram com ele, sobre quais

seriam suas reais intenções com aquela ação, colaboraram para que ele aceitasse a conviver

mais com a diversidade de visões do grupo, e também de rever suas próprias percepções:

[sujeito 4] “E ele mudou isso, hoje ele não tem mais esse discurso ferrenho, “não, nós temos

que plantar árvore”, não, já abriu os leques dele de imaginar outras coisas”. Da mesma forma,

o grupo passou a conviver melhor com ele e a compreender e respeitar seus pontos de vista.

Sobre a forma de organização do grupo pela diretora do departamento de EA (a liderança

exclusiva na proposição de temas e agendas, a liberdade para mudar datas de reuniões apesar

das combinações prévias feitas por ela mesma, as convocações para e cancelamentos de

reuniões sem aviso prévio, justificativa ou satisfação) foi considerada pelo grupo como uma

parte normal do processo com a qual o mesmo teria que lidar. Que, na verdade, sua atitude de

trazer constantemente desafios manteve o grupo motivado para trabalhar e deu sentido para as

reuniões, que o grupo precisa ser flexível, assim como seus membros, para receber propostas,

que são também novas experiências para os indivíduos e a coletividade.

Entretanto, salientaram também a necessidade do grupo ter que se organizar para enfrentar o

futuro. Como estavam demandando mais autonomia em relação à diretoria de EA, teriam

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então que se estruturar a fim de assumirem essas e outras funções, presenciais e de bastidor,

até então desempenhadas pela diretora.

Essa questão da forma de organização do grupo remete aos autores Kantor e Lehr (1976),

quando detalham os grupos abertos, fechados e aleatórios. Cada um deles apresenta um

conjunto de características que vão, por sua vez, exercer influência sobre o próprio grupo e

seus participantes individualmente. Para os autores, é importante que se compartilhe com

clareza sobre o tipo de organização que se deseja, a fim de que os direcionamentos

individuais, muitas vezes inconscientes, não promovam conflitos que acabem por inviabilizar

o funcionamento do coletivo.

Dois questionamentos importantes que emergem são, então, como construir uma forma de

gestão que, ao mesmo tempo, mantenha a coesão interna e respeite a diversidade de vozes

presentes, considerada por alguns dos participantes como a maior qualidade do grupo? Em

segundo lugar, como transpor essa ideia para os procedimentos práticos do dia a dia sem que,

novamente, se chegue a um nível de “burocracia” ou dispersão de funções tão grande que a

gestão do coletivo se torne, no final das contas, uma tarefa maior do que os objetivos iniciais

pelos quais foi constituído?

Talvez parte da resposta para isso esteja no próximo e último item colocado pelos

participantes. Surgiu durante duas ocasiões diferentes na entrevista coletiva o assunto da

minha forma de facilitação das reuniões do grupo, que o tempo todo eu tentava estimular os

presentes a expor suas questões e opiniões e não impunha as minhas. Para o sujeito 3, isso

teria tornado os encontros “gostosos”, porque garantia que todos teriam um espaço para serem

ouvidos. Aliás, essa foi outra questão que teria chamado a atenção do grupo, ou seja, o

desenvolvimento da capacidade de ouvir, característica das reuniões que foi transposta,

posteriormente, para as próprias ações externas do grupo, quando organizaram a pré-

conferência do meio ambiente com o objetivo de ouvir o outro sobre o que consideram

problemas ambientais do município.

“Ouvir” é uma importante habilidade para o desenvolvimento das capacidades para o diálogo,

colocada por Isaacs (1999a). Ao mesmo, tempo, gera espaço para a expressão individual e

fomenta a formação da intersubjetividade e da convivência do grupo, já que são todos os que

ouvem ao que está sendo dito (ou seja, as mensagens são compartilhadas) e são todos que são

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inseridos nesse processo de ter liberdade para falar e, por outro lado, permitir o tempo para

ouvir.

Meu comportamento enquanto facilitador do grupo derivou do conceito de liderança que se

autoanula, proposto pelo ProFEA (BRASIL, 2006b). As minhas preocupações com o grupo

foram muito mais focadas na formação do grupo em si, de uma subjetividade coletiva que

construísse uma coesão entre os participantes e que aumentasse as chances de permanência e

existência do grupo, do que com os rumos dos conteúdos trabalhados. Ao problematizar

questões relativas ao coletivo, como suas percepções com relação à forma de trabalho da

diretora de EA, minha intenção era tanto de levantar os dados quanto de promover reflexões

individuais e coletivas acerca do tema.

As questões sobre as formas de facilitação das reuniões e a gestão do grupo são fundamentais

para um coletivo, pois dependendo de como são definidas podem promover o distanciamento

entre os participantes, com estratégias mais lineares e hierárquicas, ou aproximá-los em

possibilidades mais simétricas de poder e, portanto, mais dialógicas, conforme propostas aqui

neste trabalho e nos documentos que o fundamenta.

Com o episódio do grupo focal, realizado em dezembro de 2011, o coletivo educador, ou pelo

menos aqueles que participaram da dinâmica consideraram o ano terminado para eles, com a

promessa de retorno em fevereiro de 2012, conforme definido em reunião anterior.

Infelizmente, mudanças nos quadros da prefeitura, fundamentalmente a nomeação da diretora

do DEA também como diretora da EEA acabou por desviar seu foco de ação, o que

inviabilizou o retorno do grupo.

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5. A QUINTA EMERGÊNCIA: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A partir dos resultados produzidos com as quatro técnicas de levantamento de dados aplicadas

pela pesquisa, é possível a construção inicial do histórico do campo da educação ambiental no

município até o final do ano de 2011 e inserir, dentro desse contexto, uma abordagem acerca

da questão do diálogo em processos de construção de políticas públicas em EA, objetivo

principal deste trabalho.

Como foi visto acima, a medida que as observações participantes foram ocorrendo, foi-se

delineando um contexto lógico que terminou por ampliar o escopo de análise da pesquisa, em

relação à proposta inicial, que era de concentrar o foco apenas no diálogo dentro do processo

de formação do coletivo educador local.

A partir da teoria das emergências de Bohm (1995; 1999), citada no início deste texto,

constatou-se que a intenção e a ação de se implantar o coletivo educador no município, como

tais vistas como uma política pública sob a perspectiva Heidemanniana (2009), poderiam ser

consideradas uma emergência que se dava, por sua vez, sobre outra, mais subjacente, que era

a da constituição do próprio departamento de EA no município, e que, portanto influenciaria e

seria influenciada por ela.

Mais ainda, que o próprio DEA nascia de um movimento ainda mais profundo, de

institucionalização da EA como um todo dentro da SME, o que envolveu também a criação da

EEA.

Portanto, com o tempo o contexto de análise da pesquisa foi se alargando e se tornando

multidimensional, ou seja, tendo que incorporar aspectos que extrapolavam os limites de

competência do coletivo, da diretoria de EA e da própria SME, e também temporais, inserindo

a intenção e a ação de implantar o coletivo dentro da compreensão histórica que envolve a

própria criação dessas instituições e, depois, o seu aparelhamento. Tudo isso foi

compreendido como exercendo influências sobre o diálogo ao longo desses processos.

Tal abertura coaduna com Abelson e Gauvin (2006), quando abordam a importância da

contemplação dos contextos nos quais as políticas públicas são produzidas e que exercem uma

grande influência sobre elas.

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A figura 3 abaixo demonstra os novos limites do escopo da pesquisa, sendo que cada sistema

completo (cada figura fechada) deve ser interpretado, ao mesmo tempo, como um sistema

completo e um subsistema de um sistema maior, a partir da definição de Capra (1999). As

linhas demarcadoras, portanto, devem ser consideradas semipermeáveis e os conteúdos dentro

de cada uma delas, evolutivo, seguindo-se, então, Ardoino (2001).

Nela, vê-se que o sistema maior que a pesquisa compreendeu é representado justamente pelo

escopo de ação da prefeitura municipal, dentro do qual se inserem as diferentes secretarias.

Na figura, foram destacadas aquelas com maior atuação com a EA municipal, ou seja, a SME

e a SMA, cada uma respectivamente, com seus subsistemas de ação. Assim, para a primeira, o

DEA, a EEA e o Departamento de Cultura e, para a segunda, o SEA. Finalmente, sob o

domínio do DEA, destaca-se a existência do CEA como um de seus subsistemas.

Figura 3: O novo escopo da pesquisa. Fonte: Construída pelo autor

Consequentemente ao estabelecimento da rede de relações entre a diretora do DEA do

município com outros atores que exercem influência sobre ela (demonstrados na figura),

foram sendo reconhecidas questões institucionais, políticas, intersubjetivas e individuais que,

de alguma maneira, interferem na ocorrência do diálogo ao longo do processo, que serão

comentadas abaixo.

Sec. Municipal do Meio Ambiente DEA

Sec. Municipal de Educação e Cultura

Depto de Cultura

EEA

SEA

Coletivo educador

Prefeitura Municipal

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a) A dimensão institucional: institucionalmente falando, o que se constatou por meio das

observações, das entrevistas e da análise de documentos é a existência de um contexto de

vulnerabilidade entre e dentro das instituições do campo da EA no município. Várias questões

encontradas colaboram para tal: primeiro, a inexistência de diretrizes gerais para o

desenvolvimento da educação ambiental no município como um todo, que atribuam um

sentido orgânico para cada uma delas e que as permitam se pensar como inseridas em um

movimento que é maior do que elas. Segundo, a ausência de direcionamentos gerais para cada

uma dessas instituições individualmente. Dessa maneira, ficam vazias de propostas e sentidos,

expostas aos desígnios instáveis do momento e se tornam, praticamente, executoras de ações.

Um exemplo prático dessa condição de vulnerabilidade das instituições foi observado no caso

da ocupação do cargo de diretor do DEA da SME: se deu por uma indicação sumária que não

levou em consideração nem as funções iniciais para as quais o cargo em si foi originalmente

criado (a vaga da Diretoria de EA foi ocupada para o desempenho de trabalhos em searas – na

cooperativa e coleta de resíduos seletiva nas escolas - que, estritamente falando, não são da

alçada da EA); e nem a opinião da própria secretária, a quem o cargo está subordinado,

gerando consequentemente uma condição desfavorável de trabalho e aumentando as chances

de desvirtuamento do imaginado, a priori, para a posição.

A consequência desse vazio de sentido tanto para a EA do município como um todo quanto

para cada uma das instituições que a compõem promove, por sua vez, a condição na qual as

ações desempenhadas por cada uma delas, primeiro, não serão concertadas e, segundo,

variarão a partir das percepções da liderança no momento. Assim, como instituições

independentes e desligadas, se entrincheiram em seus objetivos intramuros.

A ausência de diálogo e combinações de ação entre as diferentes instituições e a falta de uma

visão panorâmica por parte de suas líderes promove uma situação ainda pior: ao

desempenharem suas funções, projetos e ações que, como o pensamento sistêmico pressupõe,

possuem zonas comuns, por ora são percebidas como invadindo os espaços alheios, ou ainda

sentem-se invadidas, acirrando os constrangimentos iniciais e gerando elementos que podem

transformá-los em conflitos.

Mais ainda, sistemas, como colocado por Ardoino (2001) evoluem. No caso das instituições,

isso significa que as atuações de cada uma delas muda ao longo do tempo, de forma que uma

ação não invasiva hoje pode se tornar amanhã, como se deu com o caso da cooperativa de

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catadores a partir da criação da SMA. Portanto, novos contextos deveriam pressupor novas

conversas, o que também não ocorre. A operacionalização dos ajustes fica dependente de

momentos de crise que acontecem quando o incômodo da nova situação atinge um ápice,

insustentável para os envolvidos. Os desdobramentos dessa situação, se são bem sucedidos na

promoção da nova acomodação, deixam em geral, sequelas.

Assim, a falta de determinação de objetivos comuns e individuais, além de definição de

competências, produz um substrato fértil para conflitos cuja ocorrência, em grande parte,

dependerá ou não da afinidade preexistente entre os envolvidos.

b) A dimensão política: soma-se a esse contexto de vulnerabilidade institucional a questão

política, entendida neste trabalho, por uma questão de delineamento, como envolvendo

aspectos epistemológicos e também político-partidários.

Em nenhum momento das entrevistas, das observações e do grupo focal a questão

epistemológica foi colocada explicitamente como sendo uma fonte de conflitos. Tanto a

análise de documentos quanto as entrevistas (e o grupo focal) localizaram diferenças

epistemológicas entre os atores mas que, em geral, não foram aprofundadas a ponto de

gerarem contendas. Na verdade, o que foi constatado foi uma situação diferente: apesar das

várias tendências epistemológicas encontradas a partir das análises de documentos,

observações e entrevistas, categorizadas rapidamente acima em tradições tecnocêntricas e

tradicionais, holísticas e liberais e socialmente críticas, um consenso percebido foi na

centralidade da execução de tarefas como método. Ou seja, aparentemente existe um senso

comum que valoriza o agir (as visitas a campo, o plantio de árvores dentre outros) em

detrimento (implícito) do planejamento, da reflexão sobre os processos e suas avaliações.

Uma hipótese levantada para tal é que o agir, ao ser lúdico, possibilita o acionamento de

dimensões de compreensão da realidade que vão além da cognitiva. O resultado do processo

é, entretanto, tácito, ou seja, compreensível mas não explicável, é intuitivo.

Apesar de não se visar a diminuir a validade do conhecimento tácito e intuitivo aqui neste

trabalho, muito pelo contrário, justamente por considerar que ele pode ser uma importante via

de entrada para a reconexão das três dimensões ontológicas da vida, reconhece-se que ele não

é suficiente, justamente por ser racionalmente superficial ou, pelo menos, difuso. E se o

processo de educação tem como base uma intenção, essa precisa ser esclarecida! Então, há a

necessidade de imersão sob as superfícies, o processo de desvelamento proposto por Tassara e

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Ardans (2005), que pode ser arriscado por justamente explicitar as contradições, as

incoerências, as dificuldades e os limites de nossas teorias e crenças. E conforme proposto

neste trabalho, esse desvelamento deve ocorrer por meio da tematização (com referência à

Habermas, 1995, a e b) ou a suspensão (em referência à Bohm, 2005) das questões.

Pode-se inferir que o consenso sobre o agir encontrado no estudo é, na verdade, decorrente da

cultura ocidental, influenciada por uma tradição científica que, ao mesmo tempo em que

suplantou o conhecimento tradicional por sua falta de capacidade autorreflexiva, se delineou

seguindo o mesmo caminho (HABERMAS, 1995, a e b). Consequentemente, a reflexão é

desvalorizada como processo social.

A premência da ação (e daquilo que ela enseja, a ludicidade, etc..) e o detrimento da reflexão

foram observados em vários momentos da pesquisa. Um caso explícito emergiu no grupo

focal, quando relembraram sobre o episódio no qual foi proposto ao coletivo a leitura do

ProFEA. Na ocasião, o objetivo trazido pela Diretoria do DEA era que o grupo iniciasse um

processo de apropriação dos princípios que animavam o próprio coletivo. A leitura

compartilhada do documento foi iniciada em um encontro e parou por aí, no desânimo e

relutância de participação dos presentes. Na ocasião, cheguei a considerar o fato da leitura

demandar pré-requisitos inexistentes no momento, o que a tornaria sem sentido. Quando o

fato foi comentado no grupo focal, a sujeito em questão o colocou da seguinte maneira:

[Sujejto 2] [N]o momento em eu utilizo da teoria, da legislação [ela confundiu o ProFEA com uma legislação], é um estudo maçante, então nós sabemos, no fundo, o que que tem que ser feito. É, quando estabelecemos conhecer [ou seja, ir para as visitas de campo], ficou muito mais atrativo, porque, porque falou mais profundamente a nossa necessidade, tanto é que a [sujeito 1]coloca, né, eu vi, eu experienciei, você, fui, né, entrei em contato. Então, eu acho que fornece, né para a gente, né, uma bagagem muito maior, mas muito maior mesmo, de interesse. Sabe? Eu vou, eu vou buscar o novo, porque legislação, tudo bem ela é necessária, é necessário conhecer, mas nós ficarmos duas, três horas estudando legislação, é uma coisa que não é atrativo.

Uma questão que surge a partir desse assunto, é se uma atividade lúdica (como uma visita a

nascentes) é capaz, per se, de incitar um aprofundamento e permitir para os envolvidos a

compreensão sobre aquilo que estão sentindo. Outra, é se e como que os sentimentos

percebidos (que são subjetivos) são capazes de promover uma articulação entre o grupo. Por

fim, como que os sensações emergentes podem vir a interferir nas estruturas que regem o

funcionamento social, como as leis, por exemplo, cujo próprio conhecimento está sendo

negado diante da falta de atração que exercem para o grupo.

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Como trazido por Habermas (1995 a e b), as relações sociais se dão a partir de um pano de

fundo conceitual compartilhado difuso e consensual, que ele chama de mundo da vida. Sobre

esse mundo da vida ocorrem os entendimentos e os acordos do dia a dia. E que é o desafio

sobre ele, sobre as bases de tais acordos, que pode permitir uma reestruturação do mesmo, que

trará consequências não só no âmbito objetivo (uma melhor compreensão conceitual, por

exemplo), mas também subjetivo (maior esclarecimento sobre as visões de mundo pessoais) e

intersubjetivo (o estabelecimento de bases de acordos em outros níveis).

Assim, supervalorizar a ação em detrimento da reflexão é também uma forma de se negar o

diálogo, já que a convivência decorrente não demandará um nível que aprofundamento que

leve à externalização das diferenças (e das bases dos acordos) e, portanto, a uma compreensão

melhor delas. Os pressupostos individuais e coletivos das relações são mantidos intactos e por

isso também não há uma coesão maior entre os participantes do grupo. Os resultados da ação

e tudo aquilo subjetivo que eles propiciaram, continuam com os indivíduos. Se para Isaacs

(1999a) o diálogo está fortemente relacionado ao processo de investigação desses

pressupostos, então se não há investigação, tematização ou suspensão, não há diálogo, ao

menos decorrente de uma intenção. A questão que emerge, é como aproveitar melhor essas

ações como pontos de partida de dinâmicas que possam levar ao desafio de pressupostos e ao

diálogo, ou como deixar o diálogo mais lúdico, o que atende àqueles aspectos colocados por

críticos que o associam exclusivamente com práticas racionais.

Voltando à questão epistemológica, no caso do conflito entre o secretário do meio ambiente e

a diretora do DEA acerca da função do estado sobre a cooperativa de catadores, a diferença

ficou evidenciada. Não se sabe, porém, se os aspectos subjacentes ao conflito são ou não

conscientes para os participantes, ou se ainda eles possuem noção das dimensões e

consequências de suas posições.

Ainda dentro desse tema, foi interessante constatar que dentre todas as tendências de

educação ambiental verificadas neste processo de pesquisa, a única que fez um destaque

específico da importância do diálogo nos processos educativos foi justamente aquela que se

auto-intitulou “educadora holística”, portanto que reconhece dentro de seus pressupostos

educacionais a questão da emergência de novos elementos, qualidade que já foi aqui atribuída

ao diálogo.

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A questão partidária, por outro lado, foi identificada como agindo em alguns momentos

interpondo-se as suas relações. O mais evidente deles na ocasião dos convites, tanto da

secretária da educação quanto da primeira-dama, para a filiação da diretora de EA aos seus

respectivos partidos políticos. Obviamente, essa é uma mensagem que traz, consigo, velada, a

necessidade de ampliação de poderes dentro de uma arena, o que se dá, por sua vez, com a

formação de uma aliança ao mais forte, o que é também uma questão de momento.

Se a filiação da diretora do DEA ao partido do prefeito trouxe, de fato, alguma percepção de

maior poder por parte dos demais, como mencionado pela própria, ou se propiciou uma

espécie de “efeito placebo” para ela, é uma questão sem respostas. Se de fato provocou uma

alteração no comportamento dos outros atores relativos a ela, de maior respeito ou se gerou

alguma forma de retaliação objetiva, não é possível de se afirmar. O que foi visualizado, por

outro lado, foi a sua imediata disponibilidade e atenção para o cumprimento das demandas

diretas dele, ou seja, foi uma mudança no seu próprio comportamento. Mesmo que isso tenha

sido simplesmente consequência de um placebo, a questão da filiação certamente foi mais

uma que surgiu e se colocou entre as relações presentes.

c) A dimensão intersubjetiva: Olhando-se do ponto de vista sistêmico, as questões

institucionais e políticas participam do delineamento dos espaços nos quais as pessoas

transitam, ou seja, constituem parte do “espaço de vida” (LEWIN, 1951) delas, compondo a

constelação de fatores ambientais percebidos por elas em determinado momento que se

somarão aos e retroalimentarão os psicológicos. Tornam-se aspectos importantes na

composição da “arquitetura invisível” da conversa conforme colocado por Isaacs (1999a). No

caso analisado não foi diferente.

O que se constata com o cruzamento dos dados provenientes das observações com os das

entrevistas é que aquela condição de vulnerabilidade institucional, abordada anteriormente, se

soma às condições de trabalho dos indivíduos. Juntas, elas configuram o contexto onde o

compartilhamento das subjetividades (as relações pessoais) ocorre, e para onde os resultados

das questões anteriores são canalizados.

Assim, à fragilidade institucional, decorrente da ausência de objetivos comuns e competências

estabelecidas, que por si só já promove um ambiente propício ao conflito, será adicionada a

precariedade das condições de trabalho das líderes das instituições mencionadas (em cargos

de segundo escalão). Foi repetidamente verificada a ansiedade das lideranças dos cargos em

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relação à manutenção de suas posições, o que as coloca em uma situação de exposição

constante.

Então, como não possuem direcionamentos de ação, como disse a diretora da escola de EA,

vão “pegando e fazendo”. Isso está relacionado a uma estratégia de autopreservação. Se

“pegar e fazer” demonstra por um lado a ausência de planos e objetivos definidos que tragam

para o trabalho um horizonte de atuação, um percurso a seguir e um sentido, pelo lado da

conveniência, no entanto, ilustra a necessidade de mostrar resultados, que está diretamente

ligada a sua justificativa de permanência no cargo. Consequentemente, ficam muito

permeáveis às ideias externas, nem sempre pertinentes para elas, mas que serão importantes

para cobrir eventuais lacunas de ação.

Portanto, na lógica que vai se criando dentro dessas condições estabelecidas, é preciso que se

faça para que se satisfaça, e quando essa obsessão encontra obstáculos representados pela

atuação do outro, que também está fazendo, então aí a tensão pode se elevar. E ainda mais se

uma espécie de guerra armamentista de reconhecimento for (mesmo que inconscientemente)

deflagrada entre elas.

Assim, o contexto verificado é o do fazer sempre mais, como já indicado por Ferraro Júnior

(2013), que pode ser positivo do ponto de vista do reconhecimento alheio mas que, somado às

tarefas cotidianas de gestão da burocracia e da infraestrutura, vai deixando para trás um

cansaço, um desânimo no cumprimento da função, plenamente justificado pelo volume de

trabalho, que promove ainda mais o esvaziamento de sentido (visível na sensação do que o

que está sendo feito não está bom e nem o suficiente) e leva ao entrincheiramento.

d) A dimensão individual: seguindo-se a linha de pensamento induzida por este texto, recai

sobre a dimensão individual a tarefa (mesmo que inconscientemente) de equilibrar e ajustar as

questões colocadas acima, cujos conteúdos são apenas conhecidos pelos atores a partir de seu

ponto de vista (ou seja, são incompletos) e da sua posição na arena (ou seja, são enviesados

por seus próprios valores e interesses). Assim, a construção de pontes com outras instituições

para trabalhos conjuntos fica praticamente dependente de afinidades preexistentes na esfera

pessoal, ou na coincidente formação de laços entre os envolvidos. Se a herança dessas

relações não é boa, por outro lado, a convivência atritosa pode levar a um contexto “bola de

neve” de distanciamento contínuo que, novamente, se reverterá também em um afastamento

institucional.

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Como ressaltado por Isaacs (1999a) a partir dos trabalhos de Kantor de Lehr (1976), o diálogo

demanda a compreensão (consciente ou inconsciente) de uma série de condições que se

colocam tanto em âmbito intersubjetivo quanto individual: dos papéis desempenhados pelos

participantes, das linguagens faladas por eles, dos tipos de grupos que podem ser

estabelecidos e, ainda, do domínio de habilidades individuais.

No caso do presente trabalho foram localizadas questões que puderam ser apresentadas a

partir dessa categorização. Tanto nas observações (nas suas relações comigo, com o coletivo –

mesmo que não percebido como tal pelos participantes - e com outros) quanto nas entrevistas,

a questão do papel assumido pela diretora do DEA se ressaltou e foi abordada sob o conceito

de forma de trabalho: uma postura assertiva, proativa e articuladora. Junto com ela, uma

linguagem predominantemente de poder, ou seja, ligada a ação. Tais comportamentos são

reconhecidos por ela, como levantado em seu depoimento, que inclusive pondera sobre as

dificuldades que enfrenta decorrentes deles, quando comenta sobre as dificuldades de

aproximação com outros atores: “[p]ode até ser um defeito meu, uma falha minha”.

Como também trazido pelos autores acima, os comportamentos “movedores” e a linguagem

do poder podem (em linhas gerais) e foram (no caso) traduzidos de várias formas negativas,

como uma pessoa dominadora, intolerante, impaciente, apressada e impetuosa. Assim, mesmo

de forma indesejada, gerou (ou aumentou) distâncias.

E quando as oportunidades de aproximação real se colocaram, geraram diferentes respostas.

Primeiro, como colocado por Schein (1993), podem ter levado a relações apenas superficiais,

de cordialidade institucional, o que ocorreu entre as secretarias da educação e do meio

ambiente (para depois se romperem novamente).

Em outros momentos, o trabalho conjunto foi possível com a instalação de uma assimetria de

funções que garantia a convivência, ou do não completo envolvimento dos atores com as

propostas desenvolvidas.

Finalmente, em alguns casos não enraizaram diante da ausência de habilidades pessoais para

tal fomento. Mesmo quando ouve sensibilidade para se perceber abertura para o diálogo, ou

um indicador de diálogo, que por si só já é uma habilidade desejável, as respostas para as

oportunidades geraram sensações que mantiveram as relações nos mesmos patamares

anteriores. Ou seja, não se conseguiu acolhê-las e, através delas, compartilhar novas

subjetividades. A resposta dada não carregou o respeito ensejado pela ocasião, e, talvez, nem

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o desejado pela respondente. O resultado foi uma nova insurgência do velho conflito e,

consequentemente, a retração dos lados.

Tais ocorrências mostram que o diálogo, para se dar, não depende exclusivamente da vontade

dos participantes para ocorrer. São necessárias habilidades (nas palavras de Isaacs, 1999a)

para tal.

No final, o que se viu foi que os desgastes das relações entre as instituições de EA da

prefeitura levaram ao encolhimento individual, à recorrência do pensamento e da ação

solitários. Nesse contexto, mesmo as concepções de trabalho coletivo propostas se dão a partir

da ação isolada dos atores, de forma que não haja maiores contatos e, principalmente,

interposição de funções. Assim, o próprio grupo de trabalho é considerado a partir de uma

visão fragmentada na qual a ação é dividida entre os atores (que se autopercebem apenas

como sistemas completos – que têm funções específicas e as cumprem independentemente

das ocasiões), ao invés de ser compartilhada (quando os participantes se veem como sistemas

completos, porém ligados por questões que compartilham – ou seja, há uma “cola” entre eles

que é oferecida pela percepção da existência de um sistema maior, no qual estão inseridos, no

caso formado por um conjunto de valores predefinidos coletivamente).

Ao mesmo tempo, há a percepção da necessidade do trabalho conjunto em todas as instâncias

verificadas. Seja a partir de indicações teóricas, de percepções intuitivas ou idealizações,

todos os participantes indicaram a necessidade do trabalho conjunto. Como demonstrado

acima, no entanto, isso não garante um compartilhamento do que um “trabalho conjunto”

significa. Entretanto, isso mostra claramente uma demanda, um potencial latente no

município.

Também, os resultados levantados inesperadamente no processo de grupo focal indicam a

possibilidade de criação de espaços nos quais, apesar das diferenças, o diálogo possa emergir

(desde que haja disposição dos envolvidos para tal). No grupo focal, foi levantado por duas

vezes por atores diferentes que o ambiente criado por mim favoreceu a formação do grupo e

tornou o ambiente “gostoso”. Os participantes perceberam que teriam espaços para falas

espontâneas e que o ambiente seria seguro mesmo para a emergência de contradições.

Formar um grupo “seguro” foi um dos princípios que nortearam a minha forma de

intervenção com o CEA. Que a minha função não fosse a de estabelecer conteúdos ou os

rumos dos mesmos, mas de organizar os participantes para que eles pudessem, a partir das

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dinâmicas internas, decidir sobre os seus próprios conteúdos. Minha função foi de

organização (do grupo e dos resultados) e mediação dos encontros para garantir espaços para

a participação, principalmente daqueles com menor aptidão para a exposição pública ou maior

timidez. Ao mesmo tempo, da provocação dos mesmos acerca do aprofundamento das

questões quando essas eram colocadas e acordadas de forma superficial.

A principal referência para a minha forma de atuação no grupo proveio de Lewin (1951) e

também do ProFEA (BRASIL, 2006b). O primeiro ofereceu a reflexão sobre a importância e

a capacidade do facilitador de um grupo de interferir e influenciar na qualidade de um

ambiente. Nesse caso, minha função foi a de construir um ambiente seguro que permitisse a

participação democrática e que, ao mesmo tempo, se tornasse um ambiente de aprendizado de

participação democrática (já que o autor, com os resultados de sua pesquisa, percebeu a

facilidade com a qual nos acostumamos a ambientes autoritários e a dificuldade com a qual

nos inserimos de fato em ambientes democráticos). O ProFEA, por sua vez, a partir do

conceito de liderança que se autoanula, no desejo de propiciar a emergência de outras

lideranças.

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6. A SEXTA EMERGÊNCIA: CONCLUSÕES

Os resultados demonstrados parecem corroborar o ceticismo daqueles que se opõem ou

banalizam o diálogo dentro de processos de políticas públicas de EA. Como visto, o peso dos

obstáculos institucionais, políticos, intersubjetivos e individuais seria grande demais para

considerarem e permitirem a ocorrência do diálogo.

O objetivo geral da presente pesquisa foi de compreender a ocorrência do diálogo em um

processo de construção de política pública em educação ambiental em um município do

interior do estado de São Paulo, SP. Para tal, foram buscados, mais especificamente, i)

construir um mapeamento de atores / educadores ambientais e de suas abordagens

epistemológicas e de como elas abordam o diálogo; ii) fazer um levantamento de possíveis

conflitos entre esses atores, de quaisquer naturezas, que possam compor a construção

dialógica de uma política pública de educação ambiental; iii) reconher estratégias utilizadas

pelos atores para a emergência e o incremento da dialogicidade; e iv) localizar pontos-cegos

na demanda por dialogicidade na relação entre eles.

O percurso bibliográfico do trabalho partiu do questionamento da organização fragmentada da

realidade, caracterizadora da era moderna, a partir das referências oferecidas pela ciência da

complexidade, que por sua vez encontra ancoragem intuitiva em tradições culturais não

ocidentais. Como visto nessa parte, existe uma relação muito forte entre o modo como o

conhecimento e uma sociedade são organizados, e que portanto a predominância dos

princípios das ciências tradicionais (da fragmentação, da disjunção e da oposição)

embasariam a conformação das diferentes instituições nessa região do mundo.

A força do paradigma científico como delineador do modo de pensar e da organização social

se exerce também sobre o tema das políticas públicas. Como visto, existe um conflito de

pressupostos acerca das políticas públicas que encerra, mais subjacentemente, essa questão

epistemológica. Assim, se um estado deve ser exclusivo na escolha daquilo que deve ser

transformado em política pública, no seu delineamento e execução, ou não, é uma questão

foco de divergências. Este texto limitou-se a abordar uma oposição nessas divergências, entre

as visões de mundo que consideram que o estado é capaz e deve ser o único ator a atuar na

construção do bem comum – percepção que atribuiu a uma tradição cultural positivista; e

outra que considera a importância do reconhecimento e inclusão da diversidade de atores

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presentes na sociedade hoje nesses processos – que relacionou com uma interpretação

complexa da realidade, postura que foi adotada aqui.

Obviamente, apesar da abordagem ter se limitado a essa oposição, não se considera aqui que

ela é capaz de explicar o tema na totalidade. Vários outros meandros e variáveis podem, ser

levados em consideração e trarão novos elementos de análise que levarão a uma organização

diferente do assunto.

De qualquer forma, a construção de políticas públicas por meio de caminhos que reconheçam

a importância do envolvimento de diferentes setores da sociedade leva em consideração

vários aspectos relevantes, como a necessidade de se criarem mecanismos de se gerar mais

pertinência e legitimidade para elas (diante da falta de confiança nos responsáveis pela

construção de políticas públicas e nos processos que utilizam), além de, ao mesmo tempo,

promover processos de radicalização das dimensões políticas e democráticas das vidas das

pessoas.

É nesse conjunto de princípios que se insere o “espírito” das políticas públicas de EA federais

produzidas no Brasil entre 2003 e 2008, destacadas aqui principalmente por meio da evocação

do ProNEA e do ProFEA, documentos que, por sua vez, derivaram dessa mesma postura

construída nos Princípios da EA para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global.

Tais políticas públicas possuem em comum a intenção de reunir os diferentes atores do país

em processos de criação de medidas estruturantes para a EA em diferentes âmbitos, e

propõem que as instituições públicas devam se ater predominantemente ao papel de

incentivar, propiciar, deflagrar e apoiar tais processos do que em serem executores finais de

ações.

Assim, essas políticas públicas incentivam o encontro: entre o público e o privado, entre o

gestor, o planejador e o executor (o educador), entre o ativista e o cientista, o técnico e o

intuitivo, e entre o objetivo, o subjetivo e o intersubjetivo. E propõem que esse encontro deva

ocorrer por meio do diálogo.

Propor o diálogo como pressuposto de encontros é assumir, de pronto, sua viabilidade, a

ausência de questões que possam se interpor entre o desejo e a prática, ou ainda reconhecer a

existência delas a necessidade seu enfrentamento. E foi visando compreender melhor esse

conceito e seu lugar nas políticas públicas de EA que surgiu o objeto para essa pesquisa.

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O processo de análise desse objeto demonstrou, desde a sua fase bibliográfica, uma diferença

a priori existente entre o conceito conforme abordado pelos autores estudados e o senso

comum. Como mostrou Bohm (2005), o diálogo é uma forma de conversa geralmente

associada a duas pessoas, induzidas pelo “di”, que se assume como um prefixo. O autor veio

desfazer esse engano. Por meio das análises etimológicas, apontou que o prefixo é, na verdade

“dia”, como em diapasão, ou diapositivo, e carrega a noção de “através”. Logos, por sua vez,

foi traduzida pelo autor como “palavra”, ou “significado da palavra”. A partir dessa

perspectiva, a compreensão acerca de um diálogo muda: de uma conversa comum entre

“duas” pessoas, para uma conversa na qual a palavra se coloca “através”.

O aprofundamento filosófico para essa compreensão foi buscado, no percurso, em Buber

(1979) e na relação entre Eu e Tu: a relação que reconhece a exclusividade, que enxerga a

pessoa por trás dos papéis sociais que representa e que só se dá na reciprocidade (quando

todos os envolvidos são capazes disso) e no tempo (a rigor, no instante) presente. A

dialogicidade seria, assim, o encontro humanizador, em oposição aos encontros objetificantes

que ocorrem cotidianamente, perpassados por interesses e obstáculos.

Apesar das várias correntes que abordam o diálogo e das diferenças que possam existir entre

elas, Anderson, Baxter e Cissna (2004) ressaltam o seu aspecto comum, que é a concepção do

diálogo como uma condição emergente.

Entretanto, como coloca Buber (1979), “a contemplação autêntica é breve” (p.19). Isso a

priori levanta um questionamento acerca das propostas de políticas públicas construídas por

meio do diálogo. Se a condição dialógica é “breve”, espontânea, imprevisível em sua

emergência e alternante e confusa com a objetificante, como ligá-la a processos de políticas

públicas que a princípio definem agendas e necessitam do envolvimento objetivo dos

participantes? É possível que o diálogo seja fomentado, propiciado ou racionalizado? A partir

de uma certa compreensão de Buber (1979), e de educação, parece que não! O diálogo não

pode ser produzido artificialmente. Ele pode emergir nos momentos mais hostis e inesperados

e, simplesmente, não ocorrer quando todas as variáveis estiverem objetivamente propícias

para tal. Apesar do mesmo autor deixar claro em outro espaço que o diálogo pode ser

aprendido (BUBER, 1991), não é possível que se controle, porém, a sua emergência. Como

indicam Deetz e Simpson (2004), o diálogo se mantém como uma esperança.

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Essa questão do fomento ou não do diálogo é paradigmática e paradoxal. Para outros, ele pode

ser fomentado, como longamente explicitado acima. Duas hipóteses podem ser levantadas

para explicar essa contradição: (i) que as diferentes perspectivas dão o mesmo nome, diálogo,

a coisas diversas; (ii) que elas (as perspectivas) dão diferentes dimensões para o que chamam

de diálogo. Neste caso, que parece o mais próximo da realidade, Buber atribuiria o nome a

uma ocorrência extremamente específica e restrita no tempo e no espaço, exatamente o

momento da emergência da reciprocidade. Já os “operacionalizadores” incluiriam esse cerne

Buberiano nas suas compreensões [alguns deles, como Isaacs (1999a) e Yankelovich, (2001),

se apoiam também em Buber], mas ampliariam o conceito para incluir também questões

presentes em uma dimensão maior, externa à interpretação de Buber, mas ainda considerada

por eles como o diálogo. É nessa condição mais ampla que se colocariam as possibilidades de

facilitação, que por ora (e inesperadamente) poderiam até atingir o cerne Buberiano, mas que

não necessariamente tivessem que fazê-lo para que uma determinada condição ou momento

fosse considerado dialógico. Essa esquematização do diálogo como condição

multidimensional composta pelo cerne filosófico Buberiano e uma dimensão maior,

operacionalizável, seria representada como na figura abaixo:

Figura 4: A qualidade multidimensional do diálogo Fonte: Construída pelo autor.

A dimensão operacionalizável contempla todos os pressupostos e propostas feitas pelos

diferentes atores para a construção do espaço de diálogo, que nada mais é do que um espaço

onde o esforço é feito para que os obstáculos ao diálogo sejam removidos: a busca pela

simetria de forças entre os participantes da conversa, a construção de espaços seguros de

O cerne Buberiano, o

encontro recíproco entre as

essências dos seres

A dimensão operacionalizável

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expressão, a necessidade de compreensão e incorporação das habilidades para o diálogo etc..

Nada disso garante, entretanto, a ocorrência de fato do diálogo.

Assim, Bohm (1999; 2005), Isaacs (1993; 1999a; 1999b; 2001; s.d) e Yankelovich (2001)

indicam que há, portanto, uma dimensão operacionalizável do diálogo. Isso significa que,

como colocam também Gordon (1986) e o próprio Buber (1991), que o diálogo pode ser

aprendido e ensinado.

Isaacs (1993; s.d) demonstra resultados de experiências nas quais clama que a condição de

diálogo foi fomentada e alcançada, fazendo referência ao atingimento da condição do quarto

campo de conversa indicado na figura 2. Se os resultados que encontrou remetem exatamente

ao encontro recíproco de Buber, é difícil saber. Não foram, entretanto, provenientes de

espontaneidade, ou o foram de uma espontaneidade que emergiu em meio a uma agenda, o

que Buberianamente falando, se o que se assume é que o diálogo pode ocorrer mesmo nas

situações mais impensadas, é filosoficamente possível. Uma defesa que pode ser feita aos

operacionalizadores do diálogo, é que para que ele ocorra entre pessoas elas precisam estar

minimamente em contato, se encontrar, e que a construção de um espaço de diálogo garantiria

tal contato. De qualquer forma, fica a proposta heurística do diálogo como condição

multidimensional, na qual parte de suas condições são operacionalizáveis e um cerne, o

diálogo Buberiano, pode ou não ser atingido, ou emergir.

Do ponto de vista da construção das políticas públicas de EA por meio do diálogo, como

propõe alguns programas federais brasileiros, essa condição multidimensional precisa ser

considerada. Ou seja, chega-se à conclusão de que o diálogo pode ser buscado entre os

participantes. No entanto, se ocorrerá ou não no sentido Buberiano, essa é uma condição

incontrolável. O que pode ser manipulado é, justamente, o espaço de diálogo, ou a dimensão

mais externa que visa oferecer um ambiente seguro e onde as discrepâncias de poder possam

ser racionalizadas e induzidas à diminuição.

A operacionalização do diálogo, conforme sugerem os autores, se dá por meio da suspensão

dos pressupostos individuais e coletivos na conversa (Bohm, 2005; Isaacs, 1999a). Suspender

os pressupostos é, basicamente, ao se localizá-los (e isso pode ocorrer quando uma fala ou

situação promove uma reação, por exemplo, de raiva extrema), analisá-los, desafiá-los,

compreender o que significam, de onde provêm etc.. Nesse sentido, a suspensão de

pressupostos Bohmiana (2005) se assemelha à tematização Habermasiana (1995a e b), ou

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seja, é um processo no qual “diferentes participantes suplantam suas visões meramente

subjetivas” (HABERMAS, 1995a, p. 10) com a formação de uma “convicção racionalmente

motivada” (Ibid.). Quando feita em grupo, são capazes de desafiar e rever suas próprias

convicções individuais e coletivas e estabelecerem um novo “pano de fundo” [o mundo da

vida de Habermas, (1995a), ou paradigma no sentido Moriniano (1990)], para a compreensão

da realidade, a convivência e os acordos futuros, já que “por conta da mutualidade de sua

convicção racionalmente motivada, se asseguram da unidade do mundo objetivo”

(HABERMAS, 1995a, p. 10, tradução nossa)

Assim, o processo de suspensão ou de racionalização, teria uma função dupla. A primeira

delas, explicitada acima, de permitir um melhor entendimento sobre os princípios individuais

e coletivos que pautam opiniões e acordos. Segundo, o estabelecimento de um vínculo

paradigmático entre os participantes, que por sua vez representaria também a construção da

condição dialógica de relação.

A noção de diálogo, seja na dimensão Buberiana, seja na dimensão operacionalizável, não é

possível a partir da cosmologia moderna. No primeiro caso, porque se refere a uma condição

entre sujeitos (e não entre um sujeito e um objeto) e, no segundo, porque promove o

surgimento de algo novo, inexistente nos lados, como na lógica do terceiro incluído

(OLIVEIRA, 2005). Assim, epistemologicamente falando, a proposta de construção de

espaços para o diálogo não demanda apenas uma revisão comportamental, mas nas visões de

mundo que embasam os comportamentos individuais e coletivos.

Conforme demonstrado anteriormente, para Bohm (2005) o maior obstáculo ao diálogo

provém justamente desse conflito epistemológico entre o mundo estabelecido a partir da

herança fragmentadora e a proposta do diálogo, que se encerra muito bem nos princípios da

complexidade. A análise dos dados levantados com as diferentes técnicas de pesquisa

corrobora essa afirmação.

Nas relações observadas durante o processo de pesquisa e também na construção da história

do surgimento e operacionalização das instituições de EA no município, verificou-se que não

há uma valorização do que está “entre”, das construções comuns e, portanto, do diálogo.

Assim, as próprias instituições são pensadas em isolamento, ou seja, para funcionarem de

forma individualizada. Portanto, existe um pressuposto de que as relações pessoais se

estabelecerão naturalmente. Como visto, não é como os processos ocorrem.

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As instituições, como consequência, operam reduzindo a percepção do todo à sua (que é

parcial e enviesada), intuitivamente esperam encontrar valores idênticos nas demais e, diante

da surpresa negativa, tentam transferi-los a elas. Isso está ligado às várias ações observadas

em que uma instituição tentou angariar o apoio de outras para um projeto que era seu. A

forma de se fazer isso poderia ser mais ou menos delicada, mas o objetivo era exatamente o

mesmo. Convencer o outro e trazê-lo para uma boa ideia. Não parecia haver espaço para o

questionamento se o outro teria ideias também ou, menos ainda, se elas poderiam ser

construídas coletivamente.

Da mesma forma, a construção física das instituições e a provisão das condições para que

funcionassem em momento algum contemplou a institucionalização de um momento de

compartilhamento, de contato, de conversa. Assim, faz-se um investimento vultoso legal,

administrativo e de infraestrutura (no caso da EEA) e ele não é acompanhado por diretrizes ou

determinações de funcionamento para cada uma delas que defina a ação conjunta e formalize

um espaço de encontro. Novamente, pressupõe-se que eles ocorrerão naturalmente.

O resultado desse arranjo foi amplamente explicitado: as instituições “emsimesmam-se” e, a

cada dia que passa, enrijecem-se como tal e perpetuam a lógica mecânica de atuação.

Ensimesmadas, despossuídas de rumos predefinidos e de lógicas que embasem suas ações

com um sentido maior, que transcendam sua instituição ou ainda sua permanência no cargo,

constroem planos de ação individuais a partir de suas percepções sobre as necessidades. Vez

ou outra, para aumentar a visibilidade ou satisfazer demandas, aceitam outras.

O arranjo fragmentado das instituições, entretanto, é incompatível com a interdependência

filosófica de se trabalhar a EA no município. Ou seja, mesmo separadas (em uma dimensão),

compartilham funções, (em uma dimensão maior, que as une, ou seja, a de trabalhar a EA

para o município e com outros municípios). Assim, de tempos em tempos ocorrem os atritos

dos encontros inesperados, das percepções de invasão e etc. Nem as competências, o “quem

faz o quê”, foram definidas e conversadas. Não existia sequer clareza quanto ao organograma

dessas instituições, quanto a quem está submetido a quem e como essa relação deveria se dar

na prática. Ao contrário, são lapidadas, entre outros, com os resultados dos conflitos, após os

quais os atores restringem seu campo de atuação às searas em que a garantia de não encontro,

ou isolamento, é maior. Fazendo-se uma analogia com o mundo animal, é como se houvesse

uma demarcação ou remarcação de território após cada contenda, por meio das quais as

instituições vão definindo a amplitude da sua atuação. Desta forma, não são objetivos ou

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princípios que determinam suas ações. Em parte, são os conflitos, ou o desejo pela ausência

deles.

Entretanto, durante o processo de pesquisa foram percebidas algumas tentativas de

aproximações ou pontos cegos para o diálogo, demonstrando a existência de uma dimensão

humana dentro disso tudo e do desejo pelo trabalho conjunto. Como visto acima, nessas

situações a boa vontade não basta. Elas precisam ser acompanhadas por um espaço que possa

promover o diálogo entre eles.

Em sua obra, Isaacs (1993a) argumenta que o objetivo do diálogo não é o de se resolver

conflitos. Não é, portanto, uma espécie de terapia, pois não tem como foco a dimensão

psicológica dos participantes (BUBER, 1991). O que se espera é a construção de um espaço

permeado pelo respeito à diversidade, em que as conversas e os pontos de vista possam ser

livremente expressos e desafiados a despeito das diferenças. Assim, também um espaço em

que as diferenças possam ser exercitadas.

O contexto encontrado no município estudado, se por um lado enseja um sentimento

fatalístico, por outro abre um potencial enorme para a promoção do diálogo entre os

participantes dessa arena.

Como visto, as instituições foram criadas recentemente e não possuem um sentido intrínseco.

Nasceram com um vazio de funções, decorrente da inexistência de documentos ou ainda de

uma conversa entre aqueles que as conceberam, aqueles que participaram dos processos de as

ocuparem, e aqueles que as ocuparam. Em outras palavras, os motivos que levaram as suas

criações não foram compartilhados.

Ficaram assim dependentes e vulneráveis aos desígnios do momento, às decisões de suas e

seus gestores. Mas essa ausência de rumos pode ser invertida. A necessidade de construção de

sentido para essas instituições pode ser uma oportunidade para que o que se propõe pelo

ProNEA venha a cabo: a construção participativa e dialógica de políticas públicas de

educação ambiental para o município. Todavia, conforme colocado acima, não basta a

vontade e a boa vontade.

Os resultados bibliográficos e da pesquisa de campo indicaram uma série de dificuldades que

foram organizadas também (considera-se aqui que a dimensão institucional foi lidada acima)

nas dimensões política, intersubjetiva e individual. Diante do histórico dos conflitos

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encontrados e dos resultados malogrados das tentativas de aproximação, propõe-se que esse

processo seja facilitado por um ator que tenha ao menos um domínio parcial sobre as questões

relacionadas ao diálogo.

Assim, no contexto de concretização das instituições de EA no município, sugere-se a reunião

dos atores da arena da EA (não só os públicos) para a construção de um programa municipal

de EA, idealmente por meio de uma comissão gestora que cuide dessa EA maior. O objetivo

dessa ação será duplo: primeiro, de se ter um documento que demarque os princípios,

objetivos, instrumentos e recursos para a EA municipal. Segundo, do processo ser também um

propiciador da aproximação desses atores, visando à construção de uma intersubjetividade a

partir da suspensão ou tematização das teorias e crenças individuais e coletivas e das

inferências sobre os demais. Algumas cidades do estado de São Paulo, como Suzano, já

caminham neste sentido, da construção de uma Comissão Interinstitucional de Educação

Ambiental (SUZANO, 2012). Assim, considera-se que a interinstitucionalidade e a

intersetorialidade são passos importantes no sentido de se construírem políticas públicas

dialógicas. Como se verá a seguir, no entanto, não será suficiente se as suas instituições não

garantirem o diálogo interno, e se esse diálogo não envolver outras instituições e os

movimentos sociais.

Há várias razões que justificam a formação de um grupo ou comissão com representantes

também de fora da esfera pública. Primeiro, porque traz maior legitimidade para o processo,

já que envolve uma diversidade maior de interesses. Segundo, porque olhares outros podem

remeter a aspectos importantes que ficariam de fora caso não estivessem presentes. Terceiro,

porque despolarizaria a conversa e a convivência e tiraria uma grande pressão dos poucos

agentes públicos presentes, que teriam uma função mais destacada de mediar o processo.

Quarto, porque a seara de atuação não ficará confinada ao espectro público, sendo, portanto

imprescindível envolver os recipientes dos resultados das ações públicas nos processos.

Quinto, como visto acima, como parte dos cargos envolvidos são aqueles considerados de

confiança, ocupantes variam e cadeiras podem ser ocupadas, por outro membro do grupo.

Sexto e finalmente, porque é um direito do cidadão participar dos processos que dizem

respeito a construção do bem comum, ou seja, a participação em um grupo do tipo está ligada

ao exercício e fortalecimento da democracia. Ao mesmo tempo, é papel da EA fomentar

espaços para que a brutalidade com a qual políticas públicas são construídas e implementadas

seja diminuída e o exercício cidadão praticado.

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Sugere-se também que esse espaço propicie condições não só para conversas objetivas sobre

um programa em si, mas abra espaço para a autorreflexão, para que o conjunto de pessoas

possa se compreender melhor enquanto um grupo de indivíduos que compartilha e ao mesmo

tempo diverge em valores, crenças e funções. Nesse caso, seria fundamental o entendimento

sobre o diálogo, sobre a “arquitetura invisível” presente no grupo (Isaacs, 1999a) e a

necessidade de um esforço ativo para a criação de um espaço seguro desejado de expressão, o

espaço de diálogo. Tal esforço contemplaria a compreensão dos pressupostos, dos

indicadores, dos obstáculos e de mecanismos de avaliação do diálogo. Também, dos aspectos

intersubjetivos que se colocam sobre o coletivo e das habilidades individuais necessárias para

dialogar.

Além disso, em tal espaço devem ser usados métodos e dinâmicas que têm a função de reduzir

as diferenças entre os participantes e que se colocam como obstáculos entre eles. Técnicas de

construção coletiva como as vistas em Teixeira, Duarte e Morimoto (2007) ou ainda outras,

como as oferecidas pelo “café mundial” e os “espaços abertos”, permitem interações que não

são pautadas na oposição e na rivalidade. Da mesma forma, técnicas para a expressão

individual segura em espaços coletivos, como a sugerida por Diceman (2010), podem dar

mais conforto àqueles que se sentem intimidados pelo contexto. Além delas, esforços devem

ser feitos, a partir dos indicadores de diálogo, para a construção de instrumentos de avaliação

do(s) processo(s).

Nesta pesquisa, os dados levantados espontaneamente com o grupo focal dão suporte às

pesquisas de Lewin (1989), que enfatizam a importância do tipo de facilitação de um grupo

em relação aos resultados desejados. No caso, o que se desejou foi propiciar um espaço para a

emergência de lideranças e, portanto, as reuniões foram desenroladas com ênfase nos

questionamentos e não nas respostas ou nos imperativos. Como visto nos resultados, o grupo

se tornou um espaço prazeroso e aberto aos desejos de expressão dos participantes, de respeito

às diferenças etc. Mais ênfase, no entanto, poderia ter sido atribuída aos momentos de

confronto que o grupo viveu, alguns dos quais lidados na dimensão coletiva e outros, por

razões específicas, mantidos na oposição. Novamente, um processo de autorreflexão que fosse

capaz de instituir uma espécie de código de conduta onde questões do tipo e a suas lidas

pudessem ser definidas em grupo, poderia ter encaminhado tais conflitos por outros rumos e

estabelecido pressupostos de atuação para o grupo.

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É quase que intuitivo considerar que esse trabalho conjunto, a construção de sentido para a

EA municipal que desse orientação para as ações desempenhadas por cada um dos atores

isoladamente e também colaborativamente vá reduzir a sensação de isolamento e solidão

desses atores. A formação dessa “cola” de sentido compartilhado, invisível, representa o salto

da configuração fragmentada das instituições, na qual não há nada entre elas, para a

complexa, na qual há um “plexo” que as une. Também, esse acordo de fundo pautaria tanto as

ações individualizadas quando colaborativas e, assim, as instituições passariam de executoras

de ideias a protagonistas de ideias e ações.

O grande potencial para tal decorre da constatação de que há uma demanda para isso, ou seja,

há uma percepção de fonte teórica, intuitiva ou prática por parte dos atores inseridos no

escopo da pesquisa que indica a necessidade do trabalho conjunto. Ou seja, as pessoas querem

trabalhar conjuntamente, mas as circunstâncias institucionais, as questões intersubjetivas e

individuais acabam por frustrar esse desejo.

Claramente, a partir do disposto acima, muitos vão considerar, tendo como base de crítica o

dia a dia de cada um desses atores e também a dimensão maior na qual atuam, que as

propostas aqui feitas são descabidas e inviáveis. Que existe uma questão de tempo e uma

demanda por objetividade que impede qualquer tipo de iniciativa do tipo. E proporão que as

políticas públicas de EA continuem a ser construídas como, em geral, sempre foram: como

processos burocráticos elitizados e restritos a poucos iluminados.

No entanto, como foi demonstrado acima tanto em âmbito internacional na obra de Olsson e

Wohlgemuth (2003) quando nacional, por Castellano (2013), há demandas práticas por

processos de criação de políticas públicas de forma participativa e dialógica. Isso porque

existe nos processos decisórios uma assimetria de poderes que acaba por impor um conjunto

de valores sobre os recipientes das mesmas. Nos exemplos citados, os próprios resultados

esperados deixaram de ser atingidos por conta da dificuldade do trabalho coletivo dialógico.

No caso brasileiro, o mesmo foi reconhecido, mas com ênfase na dificuldade de instituições

com a mesma posição hierárquica de compartilhar princípios e valores e executarem tarefas

conjuntamente.

Uma hipótese que se levanta aqui é que isso ocorreu não apenas por uma decisão deliberada

de manutenção de poder ou demarcação de território, mas também simplesmente porque tais

instituições não o saberiam fazer. Não foram concebidas e construídas para o

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compartilhamento, o que se traduz numa cultura interna (num conjunto de valores) que

perpetuam o seu isolamento. Repetindo o que acabou de ser colocado, tais políticas continuam

sendo feitas. Como visto, no entanto, muitas delas sequer atingem os seus objetivos

propostos. É mais que necessário que se promovam mudanças nesses processos.

De volta aos objetivos do trabalho, delineados no início dessa emergência, o que se encontrou

como respostas a eles foi um conjunto de contradições.

Primeiro de tudo, o diálogo, a construção conjunta foi vista pelos atores como um valor.

Todos eles sublinharam a importância que o trabalho coletivo teria para seus afazeres em suas

instituições, práticas educativas e no município como um todo. Entretanto, em poucos

momentos tal valor foi incorporado em suas práticas. Talvez por uma questão paradigmática,

que no caso dos educadores e instituições inseridos no escopo da pesquisa dá mais ênfase para

os resultados do que para os processos, ou pragmática, que valoriza mais os aspectos

objetivos da realidade do que os subjetivos, pouco houve entendimento da valorização do

diálogo em termos teóricos e práticos. Com exceção da educadora holística26 e da iniciativa de

formação do CEA, as demais práticas se pautaram na lida com questões ambientais objetivas.

Em segundo lugar, quando houve disposição para o desenvolvimento de uma proposta que se

diz dialógica, no caso do CEA, ou nas tentativas de aproximação entre os profissionais e suas

instituições, os obstáculos se colocaram tanto nas dimensões subjetivas e intersubjetivas. O

CEA, por exemplo, não foi conduzido de forma a se tornar um grupo ancorado nas

instituições de seus representantes, como a proposta original sugere, mas continuou como um

conjunto de educadores muito dependentes da instituição promotora, o DEA.

Como visto no corpo deste trabalho, os coletivos educadores são conjuntos de instituições

com vocação educadora ambientalista que se reúnem para pensar a EA para seu território.

Assim, o coletivo se torna institucionalizado por meio de seu “enraizamento” nessas

instituições, de forma dialógica. A constituição de coletivos prevê também a existência de

instituições âncora, ou seja, que se responsabilizam inicialmente e animam o processo até que

ele esteja amadurecido. Para tal, é necessário que energia e tempo sejam investidos por essa

instituição (no caso, o DEA) na transversalização das responsabilidades para os demais

participantes, catalisando assim forças instituídas e instituintes. Neste caso, o coletivo deixaria

26 Interessante notar como que a educadora que se autodenominou “holística” tenha dado um destaque especial para o diálogo em suas pedagogias ambientalistas.

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de ter a abrangência apresentada na figura 3 (como de fato se manteve) e buscaria uma

condição mais parecida com a seguinte:

Figura 5: o CEA conforme proposta do ProNea Fonte: Constituído pelo autor

Como já abordado, o fato do CEA ter atuado somente por um ano pode oferecer parte da

explicação para seu não enraizamento. Tornar-se um grupo autônomo e apropriado

intencionalmente dos valores que o regem leva tempo e demanda processos explícitos de

autoanálise, o que não chegou a acontecer com profundidade no ano que ficou em andamento.

Da mesma forma, basear-se enquanto grupo no pressuposto da liderança que se autoanula

demanda uma série de qualidades dos seus componentes, que também não chegaram a ser

definidas. Retornando às ideias de Lewin (1951), o “campo” formado pelo grupo não foi

coeso o suficiente para resistir às mudanças. Consequentemente, cada um dos seus

componentes tendeu a retornar à condição anterior.

Embora o CEA tenha chegado a produzir uma política pública para o município utilizando-se

também de métodos dialógicos (a realização da pré-conferência do meio ambiente, pensada

nos moldes das atividades participativas que vinham sendo utilizadas nas reuniões e

Prefeitura Municipal

DEA

EEA

Depto. Cultura

SEA SME

SMA

CEA

Outras secretarias

Instituição A

Instituição D

Instituição C Instituição E

Instituição B

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dinâmicas do CEA), o fato dela não ter sido sistematizada e transformada em um documento

não a perpetuará como possibilidade de proposta para o futuro, dificultando a existência de

referências locais do diálogo em processos públicos.

Do ponto de vista mais amplo, para além da dimensão do CEA e envolvendo outras

instituições do município que foram localizadas como exercendo influência sobre ele, o que

se constatou também foi, em geral, a contradição entre os desejos individuais e as práticas. As

instituições e atores que foram localizados como uma influência direta sobre o DEA e,

portanto, sobre o CEA, foram a secretaria da educação, sua secretária, a diretora da EEA e o

diretor de cultura e a secretaria do meio ambiente, seu secretário e a diretora responsável pelo

setor de EA.

Entretanto, a herança fragmentada do pensamento foi vista como fortemente atuando no

isolamento das instituições e de seus representantes. A ausência de diálogo, também,

localizada na origem das suas composições. Como se viu, os responsáveis pelas ideias que

acabaram por se transformar na EEA e, consequentemente, justificar a criação do DEA,

apesar de lotarem os cargos, jamais trouxeram para eles seus sonhos e suas visões com essa

nova infraestrutura. Da mesma forma, não explicitaram as relações que deveriam ser

estabelecidas entre elas. Aliado às condições de trabalho das diretoras e à qualidade de seus

relacionamentos pessoais pregressos, isso levou a uma situação retroalimentadora de

individualização das mesmas e competição.

Quando o diálogo foi tentado, o que se viu foi o seu esbarramento na falta de habilidades

pessoais para perceber a situação e responder de forma positiva. Embora as políticas públicas

sejam consideradas como tendo três dimensões, institucional, de conteúdos e política,

propusemos em outro espaço e reforçamos neste a necessidade de incorporação de outras

duas, a intersubjetiva e a subjetiva, já que como visto aqui, podem determinar os rumos de

uma política pública.

Entretanto, foi localizado também o enorme potencial, diante da história dessas instituições de

EA no município – são muito recentes – de se construírem dialogicamente em meio a um

processo de definição de princípios e objetivos para a EA local e das competências de cada

uma delas.

À exceção do diálogo ontológico Buberiano, que pode ocorrer até nas situações mais

improváveis, é muito difícil que o diálogo floresça naturalmente. Com isso, ele precisa ser

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fomentado, com a construção de espaços de diálogo, onde seus obstáculos sejam reconhecidos

e lidados e seus indicadores percebidos e estimulados. Tais espaços dependem da disposição

dos presentes em aceitar os outros como são (Buber, 1991). Entretanto, como este estudo

demonstrou, não basta a boa vontade. Nossa cultura em geral e especificamente a cultura da

participação pública se coloca sobre pressupostos que são opositores e rivalizadores.

Imediatamente assume-se que há (só) dois lados em um determinado assunto e antagonizam-

se os participantes. Não há outra forma de escolha e participação que não A ou B, preto ou

branco, positivo ou negativo. O pressuposto é de que alguém vai vencer às custas do outro. O

que se esquece, são das consequências disso para o futuro.

Assim, é necessário também que espaços de diálogo lancem mão de métodos e dinâmicas que

permitam, na prática, o alcance daquilo que propõem retoricamente. Como visto, também, há

várias delas disponíveis para serem apropriadas e incorporadas no dia a dia dos processos

coletivos. Também, que promovam a autorreflexão sobre o que é necessário para ser um

grupo e para dialogar.

Por fim, a criação de espaços de diálogo não significa que os caminhos serão mais fáceis.

Como visto ao longo deste trabalho, não é apenas uma questão de ajuste institucional, mas

envolve também aspectos paradigmáticos. Todos precisamos aprender a viver democrática e

dialogicamente. Isso enseja o envolvimento de todas as dimensões tratadas neste texto no

processo, e os obstáculos provirão, como visto, de todas elas. Entretanto, como disse Freire

(1983), a dificuldade da relação dialógica não pode justificar a não dialogicidade.

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7. A SÉTIMA EMERGÊNCIA: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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