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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I – SALVADOR
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM - PPGEL
YARA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTIAGO
DISCURSO, MEMÓRIA E HIERARQUIA NO CANDOMBLÉ
DE
SALVADOR-BAHIA
Salvador
2015
YARA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTIAGO
DISCURSO, MEMÓRIA E HIERARQUIA NO CANDOMBLÉ
DE
SALVADOR-BAHIA
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
graduação em Estudos de Linguagem pela
Universidade do Estado da Bahia, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Jaciara Ornélia
Nogueira de Oliveira.
Salvador
2015
AGRADECIMENTOS
O Candomblé está em minha vida muito antes de eu nascer para este mundo, desde a barriga
de minha mãe, quando recebi meu nome, dado por uma cabocla “Dona Rainha das Ervas”.
Aos 14 anos, ganhei um bolo em forma de parque de diversões dado por um caboclo que não
recordo o nome em uma mesa branca, nome dado às sessões nas quais os caboclos são
chamados à terra para trazer cura e alento aos homens e mulheres desse vale de lágrimas.
Cresci assistindo de longe as sessões de caboclo, de longe, sentada na sala, pois minha mãe
tinha medo dos caboclos que não gostavam de criança, mesmo quando estas aconteciam em
nossa casa. Ia aos carurus, pipocas, mingaus oferecidos por uma senhora negra que
chamávamos de tia e por qualquer outra pessoa que os oferecessem, era tradição em minha
infância. Cresci assim, em um desses quilombos urbanos de Salvador, onde a educação das
crianças negras era responsabilidade de todas as mulheres mais velhas de minha rua, onde o
Candomblé era parte integrante de nossas vidas, ainda que não fossemos iniciados
formalmente nele.
Quando fui iniciada, aos 33 anos, muita coisa mudou e minha vida, no tocante ao
desenvolvimento de minha mediunidade, pois todo o conjunto de preceitos contidos nessa
religião para mim não era novidade, uma vez que passei toda minha vida obedecendo-os,
ainda que de maneira informal. Respeitar aos mais velhos era regra para termos uma vida
tranquila, longe dos castigos e das proibições, dentre elas a de ficar dentro de casa, sem poder
correr e brincar livremente na rua.
Quando me tornei Iaô (iyawô), fui conduzida de fato ao mundo complexo e misterioso da
religiosidade afro brasileira, aprendendo dia após dia os ensinamentos que me fazem ser uma
pessoa mais consciente de minha responsabilidade para com as pessoas ao meu redor e para
comigo mesma, como parte de um todo que envolve seres animados e inanimados nesse
planeta de nome Terra.
Antes de entrar para o mestrado, como todo mundo, não sabia sobre o que pesquisaria, queria
um tema que me interessasse e, ao mesmo tempo, interessasse às pessoas que por ventura ou
desventura lessem meu trabalho. Novamente, o Candomblé se faz presente, na “pessoa” de
um célebre caboclo, “Seu” Genésio, um caboclo Boiadeiro, diga-se de passagem, o caboclo
Boiadeiro sempre foi presença marcante em minha vida, o que cuidava de nossa família,
incorporado em minha mãe biológica, Dona Maria Luíza.
“Seu” Genésio, em uma das muitas sessões de caboclo das quais participei, agora na mesa e
não da sala, como na infância, chamou-me ao canto da sala e, conversando sobre minha vida
acadêmica, perguntou-me o que me inquietava em minha religião? Então, disse-lhe que o que
mais me inquietava era o uso do poder por certos Babalorixás e Iyalorixás para oprimir seus
filhos dentro do Candomblé, ao que ele me respondeu em tom de resposta e ao mesmo tempo
de pergunta, se ao invés de oprimir, esse comportamento não era para preservar a tradição?
Neste momento, nasce este trabalho que finalizo agora. Além de ser aquele que deu o ponta
pé inicial à minha caminhada neste trabalho de pesquisa, “Seu” Genésio também me deu
várias orientações que foram acrescidas à esta pesquisa. Além dele, “Seu” Sete, um Exu
como nenhum outro dotado de sabedoria milenar, que ensina mesmo quando não quer, em
suas longas conversas de fim de tarde e, às vezes, fim de noite, às vezes até pelas longas
madrugadas.
Por este e tantos outros motivos, que agradeço agora, em primeiro lugar, ao Ser Supremo que
nos deu a vida, podendo ser chamado de Nzambi, Odwdwa, Olorum ou tantos outros nomes
dentro e fora do Candomblé, como por exemplo, Deus, para o Catolicismo. Desse modo,
agradeço pela vida, pela saúde, pela sabedoria ofertada por essas entidades e divindades
ancestrais.
Agradeço a meu pai Obaluaiê por existir em minha vida, zelando por mim e por minha
família. Em virtude de minha casa estar sendo reconstruída, toda esta dissertação foi escrita na
casa de Oxumarê, Orixá de cabeça de minha mãe, desse modo, agradeço a ele pelo teto,
enquanto não tinha o meu próprio. Agradeço ao meu pai Ogum porque ele é caminho e a
todos os Orixás, Inquices e Voduns, pois sem eles nada iria à frente.
Agradeço à minha mãe, sempre ao meu lado, do jeito dela, agradeço a minha filha Maísha,
pois é também por ela que vou em frente e quero mais para nós duas. Agradeço a minha
família pois sem família o homem, a mulher é um barco à deriva, sem um porto seguro para
descansar a jornada.
Agradeço à minha família de Axé do Ilê Axé Ogum Tòólá, na pessoa do Babalorixá Joselito
Santos, da Iyalaxé Luzia do Carmo, do Babakekerê Rogério Vidal, das Equedes e Makotas,
dos filhos e filhas de santo, dos Ogás, da Ebomi e de todos aqueles que frequentam o Ilê e
colaboram ainda que com um simples sorriso para que eu pudesse chegar até aqui e seguir
adiante.
Agradeço à minha Orientadora, a Professora Dra. Jaciara Ornélia Nogueira de Oliveira pela
sábia orientação, pelo cuidado, por orientar meu trabalho com atenção e interesse, estando
sempre à disposição, tendo a paciência necessária, estabelecendo uma singela e bonita
amizade entre nós duas.
Agradeço aos colegas de uma turma que foi unida e tranquila do começo ao fim, a linha 2 foi
“10”. Agradeço aos professores e funcionários do PPGEL pelo apoio nas horas difíceis.
Agradeço em especial a D. Hildete Santos Costa do NGEALC, pelas sugestões de livros que
foram parte importantíssima nesta pesquisa.
Agradeço também às amigas e amigos que não posso colocar os nomes com medo de ficar
alguém de fora o que seria uma grande injustiça. Meus amigos e minhas amigas foram a força
extra nos momentos de cansaço, a alegria nos momentos de desânimo e isso é de suma
importância quando estamos atravessando momentos tensos.
Muito Obrigada a todos vocês, de coração. Axé.
RESUMO
O Candomblé é uma religião que guarda em si, além dos mistérios de seu culto, regras de
comportamento rígidas que muitas vezes são incompreendidas pela sociedade exterior a esta
religião de matriz africana. Neste trabalho, tomando como aporte teórico a teoria da Análise
do Discurso da linha francesa aos moldes de Michel Pecheux, desenvolve-se o estudo sobre a
hierarquia peculiar às comunidades candomblecistas da cidade de Salvador, sua razão de
existir e a lógica na qual se constrói e se mantém firme o seu discurso através dos séculos.
Discutem-se as razões históricas que sustentam tais regras, ou preceitos, em vigor ainda neste
século XXI, visando compreender os motivos que embasam a noção de respeito, hierarquia e
poder dentro das comunidades candomblecistas de Salvador-Bahia e a possível ligação do seu
discurso com a memória dos tempos de escravidão.
Palavras-chave: Candomblé, Discurso, Hierarquia, Memória.
ABSTRACT
Candomblé is a religion that keeps itself, besides the mysteries of their religion, strict rules of
behavior that are often misunderstood by the outside society to this African-based religion. In
this work, taking as the theoretical discourse analysis theory of the French line to mold
Michel Pecheux, develops the study of the peculiar hierarchy of Candomblé communities in
the city of Salvador, their reason for being and the logic on which to build and holds fast his
speech through the centuries. The historical reasons are discussed underlying these rules, or
ordinances in force even in this twenty-first century, to understand the reasons that underlie
the notion of respect, hierarchy and power within Candomblé communities in Salvador-Bahia
and the possible link of your speech with the memory of slavery times.
Keywords: Candomblé, Discourse, Hierarchy, Memory
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
2 IDEOLOGIA, RELIGIÃO E A RELIGIOSIDADE AFRICANA 13
2.2 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO NA ORIGEM DAS RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRICANA NO BRASIL
20
2.2 AS NAÇÕES 27
2.2.1 A nação Angola (bantu) 30
2.2.2 A nação Ketu (yorubá) 32
2.2.3 A nação Jeje (ewe-fon) 34
2.3 RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM SALVADOR-BA 38
2.3.1 Terreiro de Candomblé 39
2.3.2 Terreiros de candomblé em Salvador 44
2.3.2.1 Terreiro do Bate Folha 44
2.3.2.2 Terreiro Ilê Aṣé Opo Afonjá 46
2.3.2.3 Terreiro da Casa Branca 46
2.3.2.4 Terreiro do Bogum 48
3 DISCURSO E MEMÓRIA NOS TERREIROS 54
4 FORMAÇÃO DISCURSIVA, PODER E HIERARQUIA NOS
TERREIROS DE CANDOMBLÉ
60
4.1 QUIZILA E XIMBA 71
4.1.1 Posição sujeito e hierarquia 75
5 CONCLUSÃO 77
REFERÊNCIAS 81
8
1. INTRODUÇÃO
A cidade de São Salvador da Bahia é conhecida por sua religiosidade plural; além das
religiões cristãs, ditas evangélicas e da religião Católica Apostólica Romana que goza até hoje
da hegemonia alicerçada na história e na memória do tempo do descobrimento e da catequese
quando o catolicismo foi imposto a índios e negros escravizados como a religião do
dominante; é notória a presença de religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé.
Os terreiros se espalham pela cidade e, embora não sejam destaques em razão da humildade
das construções, seu número supera as propagandeadas trezentas e sessenta e cinco Igrejas,
templos, quase sempre suntuosos, da Igreja Católica Apostólica Romana.
Segundo Oliveira (2010), a religião dos negros foi desenvolvida no Brasil com o
conhecimento dos sacerdotes africanos que foram escravizados e trazidos da África para o
Brasil, juntamente com seus Orixás/Inquices/Voduns, sua cultura, e seu idioma, entre 1549 e
1888. E, embora confinado originalmente à população de negros escravizados, proibido pela
Igreja Católica, e, até, criminalizado por alguns governos, o Candomblé prosperou nos quatro
séculos, e expandiu-se consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Desse modo,
depois da libertação dos escravos começaram a surgir as primeiras casas de Candomblé.
Estabeleceu-se, então, com seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de
templos.
São as comunidades de terreiros, nas quais a recriação das tradições africanas tem como
objetivo manter vivas características culturais e espirituais com a finalidade principal da
manutenção e união do grupo. Esse grupo é formado pelas diversas famílias que se agregam
por meio dos iniciados na religião, fator principal nesse processo de preservação da tradição.
É através do candomblé, como é denominada a religião de matriz africana na Bahia, que
aspectos da cultura familiar africana perpetuam-se e são difundidos por e para os iniciados e
seus familiares. É no terreiro de Candomblé onde a África é recriada, em uma nova leitura,
uma vez que desde o tráfico, o mundo mudou e, com ele, o continente africano e seus povos e
culturas.
Um terreiro de Candomblé carrega, pois, em sua formação toda a ancestralidade histórica que
o transforma em uma recriação da África no Brasil. O terreiro é o local onde são resgatados os
aspectos da cultura africana e postos em prática na sociedade majoritariamente europeizada.
9
Na convivência quase sempre harmônica com as demais religiões, especialmente a Católica,
na cidade de Salvador da Bahia, os adeptos de religiões de matriz africana comparecem
abrilhantando os festejos religiosos católicos com um cortejo de baianas, devidamente
trajadas, com suas quartinhas de água de cheiro. Essa apresentação festiva mascara a
seriedade da participação e, tendo em vista que o candomblé é uma religião de alegria, em que
se reza cantando e dançando, nas quais se utilizam tambores, cabaças e outros instrumentos,
muitos o encaram, pejorativamente, como mero folclore e desconhecem a dinâmica de seus
rituais e a essência da sua crença, julgando que seja uma religião sem regras, sem
mandamentos e deveres. Desconhecem, também, a sua hierarquia, proibições e tabus.
Sabe-se, no entanto, que para a Análise do Discurso, doravante AD todo discurso religioso é
por si só um discurso hierárquico já que os seus líderes são apenas locutores de uma voz
inquestionável, de uma entidade superior. Não poderia ser diferente nas religiões de matriz
africana nas quais, na verdade, sempre se admitiu a existência de um ser chamado em nagô
Olôrúm, Olodumarê, Odwudwa ou ainda entre os Bantu Nzambi, Suku, Kalunga que
significam “Senhor” ou “dono do céu”, entidade maior a partir da qual os demais orixás se
estabelecem. Desconhecem, ainda, que as religiões “afros” são, essencialmente, religiões de
êxtase ou de transe, em que entidades sobrenaturais são cultuadas, invocadas e recebidas por
certas categorias de devotos em estado especial de consciência. São, predominantemente,
religiões de negros e algumas conservam elementos de grupos étnicos, nos cânticos, nas
proibições e tabus e na autodefinição.
Diferentemente da sociedade brasileira em geral, na qual o desrespeito pelo outro se tornou
lugar comum e atinge, sobretudo, os mais velhos cuja experiência é descartada como obsoleta;
a hierarquia no Candomblé obedece ao princípio da senioridade, isto é, o mais velho tem a
prioridade e deve ser respeitado e reverenciado como tal. Tanto pela idade cronológica como
pelo tempo de iniciação.
Dentro de um terreiro de Candomblé a responsabilidade do seu líder vai além da coordenação
das cerimônias sagradas, ele administra o espaço e a posição que ocupa exige que tenha
íntimo contato com as histórias de vida, comportamentos e sentimentos dos seus adeptos.
Assim, lidando com diferentes histórias e memórias é imprescindível a manutenção da
hierarquia marcando as relações de poder e autoridade. Entendem os candomblecistas que o
respeito hierárquico é a segurança da harmonia comunitária, já que determinados
comportamentos responsáveis pela dinâmica que mantém equilibrados os papeis
10
desempenhados dentro de uma célula familiar, os quais fazem com que essa mesma família se
mantenha coesa e fortalecida ante os problemas externos. Assim, a hierarquia e a disciplina
têm que ser rigidamente mantidas.
Dentre as ferramentas de poder, usadas pelos iniciados no candomblé, há a quizila, quijila ou
nzila em (quimbundo) língua bantu, èèwó em yorubá e a ximba, de origem bantu, essas duas
palavras encerram o poder de manter filhos e filhas de santo, como são chamados os iniciados
nessa religião, dentro das normas estabelecidas, não escritas, mas conhecidas de muitas
gerações.
A quizila - podendo ser entendida como proibição – e a ximba - a punição – são duas das
estratégias usadas por alguns/algumas yalorixás e babalorixás para manterem seus filhos e
filhas de santo seguidores das tradições africanas pertinentes à religião que decidiram seguir.
Há casos em que o uso dessas ferramentas parece ser uma forma de oprimir o iniciado,
forçando-o a situações consideradas humilhantes por aqueles que desconhecem sua lógica.
Para a comunidade de não adeptos que não conhecem esses preceitos e interdições, esse
processo denuncia uma forma de aprisionamento e humilhação que remontam à relação
hierárquica senhor/escravo Diante dessas observações pergunta-se se a rigidez de
comportamentos e exigências impostas ao iniciado traduz apenas a preservação da cultura
africana e suas raízes religiosas ou reflete a memória dos tempos da escravidão.
A hipótese lançada é que esse comportamento radical imposto a candomblecistas carrega em
si o peso da preservação de tradições que diferem das praticadas pela sociedade fora dos
terreiros e trazem à memória resquícios dos tempos da escravidão.
Para buscar respostas a essa questão e verificar a hipótese definiu-se o seguinte objetivo geral
para o trabalho: discutir como se dá a relação de poder e hierarquia dentro de comunidades
candomblecistas de Salvador tendo em vista o discurso, a história e a memória.
Esse objetivo é constituído por três específicos, quais sejam: 1) Refletir sobre a religiosidade
africana e as religiões de matriz africana no Brasil e mais especificamente em Salvador-Ba; 2)
Analisar o discurso da hierarquia em terreiros de candomblé de Salvador, ponderando sobre
as condições de produção que contribuíram para a origem do Candomblé em Salvador, sobre
a formação discursiva e ideológica e posição sujeito desse descendente e, na
contemporaneidade, iniciado na religião de matriz africana. 3) Analisar como se reflete e se
11
transforma, nos terreiros de candomblé, a memória da escravidão e qual a contribuição na
resistência cultural e religiosa, assim como na preservação da identidade do povo de santo.
Esse trabalho funda-se nos pressupostos teóricos e metodológicos da Análise do Discurso da
linha francesa filiada a Michel Pecheux, pois foi a que melhor se adaptou à análise proposta.
Utilizaram-se, sobretudo, condições de produção, formação ideológica e discursiva, memória
discursiva e sujeito.
Como técnica de investigação, utilizou-se a pesquisa bibliográfica. Realizaram-se leituras de
livros e trabalhos acadêmicos sobre a teoria francesa da Análise do Discurso sob o ponto de
vista de Michel Pecheux, assim como livros que tratassem sobre a história e expansão das
religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé, sua história e sua dinâmica. Ainda
com o intuito de obter mais elementos para a composição do trabalho, foram usados como
corpus na pesquisa histórico-religiosa os livros: “Meu tempo é agora” de Maria Stella de
Azevedo Santos; “ A família de santo” de Vivaldo da Costa Lima e “O candomblé bem
explicado” de Odé Kileuy e Vera de Oxaguiã.
Como metodologia de trabalho optou-se por fazer, a partir das leituras realizadas, um
histórico geral sobre a religiosidade africana e sua expansão em religiões ditas afro-brasileiras
ou de matriz africana no Brasil e, especificamente, na cidade de Salvador da Bahia. Nessa
abordagem, enfatizou-se a questão da escravização de negros no Brasil e a resistência quanto
à manutenção de suas origens e de seus cultos. Para melhor elucidar a expansão do candomblé
na cidade do Salvador da Bahia abordou-se a proliferação dos terreiros por toda a cidade. Por
serem muitos, escolheram-se quatro como exemplos. A escolha se deu em razão do destaque
desses terreiros no espaço urbano de Salvador e também porque se pretendeu apresentar um
terreiro de cada nação (Ketu, Angola e Jeje) marcando as atividades comuns e as diferenças.
O terreiro da Casa Branca, da nação Ketu, foi acrescentado por se tratar do mais antigo de
Salvador.
Como costuma acontecer com palavras estrangeiras inseridas no texto, optou-se por grafar em
itálico todos os termos do candomblé, mesmo aqueles que já circulam naturalmente no
linguajar dos baianos e soteropolitanos.
Além dessa introdução, esse estudo está desenvolvido em três seções. Na primeira seção,
discorre-se sobre ideologia, religião e a religiosidade africana destacando-se como primeira
subseção as condições de produção na origem das religiões de matriz africana no Brasil e,
12
como segunda subseção, as Nações1. Na terceira subseção, destacam-se as religiões de matriz
africana em Salvador e o terreiro de candomblé. Na segunda seção, discorre-se sobre discurso
e memória nos terreiros. Na terceira seção, discute-se sobre formação discursiva, poder e
hierarquia nos terreiros de candomblé, kizila e ximba e destaca-se a posição sujeito e
hierarquia. Segue-se a conclusão e as referências.
Espera-se que este trabalho possa elucidar alguns pontos a respeito das religiões de matriz
africana na Bahia e, especificamente, na cidade de Salvador e seja um incentivo para que
outros pesquisadores se debrucem sobre o tema, buscando marcar a religiosidade plural que
envolve o povo da Bahia e esclarecer sobre as especificidades desta religião dos Orixás
desfazendo os preconceitos que até hoje persistem em toda a sociedade.
1 Nação é a denominação dada pelos iniciados no candomblé para diferenciar os cultos de uma casa ou terreiro
para o outro, assim sendo, tem-se: Nação Ketu, Nação Congo/Angola, Nação Jeje, dentre outras nações
existentes na Bahia.
13
2. IDEOLOGIA, RELIGIÃO E A RELIGIOSIDADE AFRICANA
Pertencer a uma religião é uma necessidade comum a muitos homens e mulheres, para esses, a
vida não tem sentido sem algum tipo de ligação com o sagrado, é o que os faz pensar-se
diferente dos seres vivos em geral, a crença em algo místico e mágico, algo inexplicável,
responsável pela sua existência neste mundo. Segundo Alves (1984), o homem, em seus
anseios por distanciar-se de sua real natureza animal, cria mecanismos para realizar este
intento, daí, ainda segundo o autor, cria-se a cultura, entretanto esta criação não completa, não
preenche este homem, seus desejos são eternos.
A cultura parece sofrer da mesma fraqueza que sofrem os rituais mágicos:
reconhecemos a sua intenção, constatamos o seu fracasso e sobra apenas a esperança
de que, de alguma forma, algum dia, a realidade se harmonize com o desejo. E
enquanto o desejo não se realiza, resta cantá-lo, dizê-lo, celebrá-lo, escrever-lhe
poemas, compor-lhe sinfonias, anunciar-lhe celebrações e festivais. E a realização da
intenção da cultura se transfere então para a esfera dos símbolos (ALVES, 1984, p.
9)
Na busca de solucionar esse “fracasso”, surge a religião, também criada pelo homem, em uma
tentativa de preencher as lacunas no interior desse homem insaciável em seus desejos.
E é aqui que surge a religião, teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera,
horizonte dos horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar
a natureza. Não é composta de itens extraordinários. Há coisas a serem
consideradas: altares, santuários, comidas, perfumes, lugares, capelas, templos,
amuletos, colares, livros. . . e também gestos, como os silêncios, os olhares, rezas ,
encantações, renúncias, canções, poemas romarias, procissões, peregrinações,
exorcismos, milagres, celebrações, festas, adorações (ALVES, 1984, p. 10-11).
O homem cria a religião como resolução para seus desejos inexplicáveis e intermináveis,
agregando valores a gestos, objetos, palavras, pois esses elementos não nascem com essas
marcas em si, mas são acrescidos das mesmas, são eleitos a categorias e status sacros de
acordo com a interpretação do homem. Para Alves (1984, p.10), “O sagrado não é uma
eficácia inerente às coisas. Ao contrário, coisas e gestos se tornam religiosos quando os
homens os batizam como tais. ”.
Desse modo, o homem cria para si uma válvula de escape de sua própria condição, na qual ele
se concebe mais do que um simples animal, a partir da sua racionalidade, diferindo-o das
demais criaturas do mundo. Segundo Alves (1984), A religião nasce com o poder que os
homens têm de dar nomes às coisas, fazendo uma discriminação entre coisas de importância
14
secundária e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte se dependuram. E esta é a
razão por que, fazendo uma abstração dos sentimentos e experiências pessoais que
acompanham o encontro com o sagrado, a religião se apresenta para todos como um certo
tipo de fala, um discurso, uma rede de símbolos. Com estes símbolos os homens discriminam
objetos, tempos e espaços, construindo, com o seu auxílio, uma abóbada sagrada com que
recobre o seu mundo, com o intento de, através dos símbolos sagrados que criou exorcize seus
medos e o mantenha a salvo do caos. E, assim, coisas inertes — pedras, plantas, fontes — e
gestos, em si vulgares, passam a ser os sinais visíveis desta teia invisível de significações, que
vem a existir pelo poder humano de dar nomes às coisas, atribuindo-lhes um valor.
Para Kileuy e Oxaguiã (2014), a religião serve como apoio para a vida das pessoas,
precisando estar presente em todos os seus momentos, sejam eles bons ou maus, quando se
encontram enfraquecidos ou mesmo quando fortalecidos. Muitas vezes a religião é para o ser
humano uma bengala, um apoio divino. Ela surge na vida de homens e mulheres como uma
necessidade de proteção e direção; a primeira advém do medo, a segunda, da esperança.
Esses anseios e medos, essa necessidade de algo superior e divino que o salve de uma
perdição espiritual cria o discurso que concretizará esse homem no caminho que
supostamente escolheu para manter-se a salvo das tentações que o desviaria do objetivo de
ascensão na espiritualidade.
Discursos como esses são o objeto de análise da disciplina Análise do Discurso (doravante
AD) cuja teoria se ocupa em estudar quais as estruturas componentes dos diversos discursos
da sociedade. A AD analisa os elementos responsáveis pela adoção de discursos
diversificados por sujeitos igualmente diversos. Dentro dessa análise serão observadas as
condições de produção para o discurso existir, as formações discursivas diferenciadas, as
posições sujeito e a forma sujeito responsáveis pela composição do discurso adotado pelo
sujeito em questão.
Em AD, o sujeito, ao inscrever-se em um determinado contexto, no caso, pertencer a uma
religião, seja qual for ela, constrói a idealização da sua realidade, desse modo a religião é a
transmutação de sua condição meramente animal, para um ser mais evoluído, usando para isso
a linguagem ao construir seu discurso na legitimação dos elementos responsáveis por essa
mudança de status. Entretanto, esse sujeito não é o autor original desse discurso, ele é levado
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ao discurso, é direcionado pelo contexto histórico e social que o cerca, fazendo que acredite
ser-lhe o autor.
Segundo Mussalim (2003, p. 110), o estudo do discurso para a Análise do Discurso inscreve-
se num terreno em que intervêm questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. Assim, o
sujeito lacaniano, clivado, dividido, mas estruturado a partir da linguagem, fornecia para a AD
uma teoria de sujeito condizente com um dos seus interesses centrais, o de conceber os textos
como produtos de um trabalho ideológico não-consciente. Calcada no materialismo histórico,
a AD concebe o discurso como uma manifestação, uma materialização da ideologia
decorrente do modo de organização dos modos de produção social. Sendo assim, o sujeito do
discurso não poderia ser considerado como aquele que decide sobre os sentidos e as
possibilidades enunciativas do próprio discurso, mas como aquele que ocupa um lugar social
e a partir dele enuncia, sempre inserido no processo histórico que lhe permite determinadas
inserções e não outras. Em outras palavras, o sujeito não é livre para dizer o que quer, mas é
levado, sem que tenha consciência disso (e é então que se reconhece a propriedade do
conceito lacaniano de sujeito para a AD), a ocupar seu lugar em determinada formação social
e enunciar o que lhe é possível a partir do lugar que ocupa.
Inicialmente, a expressão ideologia fora utilizada por Cabanis, Desttutt de Tracy num
contexto científico genético para denominar a teoria das ideias, a partir de Marx, esse conceito
passou a fazer parte das discussões em um conceito sociopolítico, usada para denominar as
articulações da burguesia em contraponto às necessidades reais do povo.
Entretanto, no contexto abordado nessa dissertação, esse conceito político de ideologia não se
aplica porque a concepção de ideologia discutida aqui não perpassa pelo campo das lutas de
classes, mas pelo campo dos desejos, a eterna busca do homem pela perfeição, sua razão de
existir.
De acordo com a Análise do Discurso, o indivíduo é interpelado pela ideologia no momento
em que esta representa sua crença na manutenção do seu sentimento de pertencimento àquele
grupo; ele crê naquele grupo e nos seus dogmas, desse modo, os elegerá como seus. Assim o
conceito que mais se aproxima da discussão proposta é o encontrado em Ricoeur (1977, apud
BRANDÃO, 2004, p. 27), no qual a ideologia tem a função geral de mediadora na integração
social do grupo, sendo caracterizada por cinco traços, dentre eles, a ideologia é dinâmica e
motivadora. Ela impulsiona a práxis social, motivando-a, desse modo, “um motivo é ao
16
mesmo tempo aquilo que justifica e compromete”. Por isso, “a ideologia argumenta”, estimula
uma práxis social que a concretiza. Nesse sentido, ela é mais do que um simples reflexo de
uma formação social, ela é também justificação (porque sua práxis “é movida pelo desejo de
demonstrar que o grupo que a professa tem razão de ser o que é”.) e projeto (porque modela,
dita as regras de um modo de vida).
Dentro desse universo está o homem/mulher africano/a, cuja existência não tem razão de ser
sem sua relação íntima com o sagrado. A religião para os africanos é muito mais do que
rituais específicos em momentos específicos, faz parte do cotidiano, da vida familiar e social.
Há também os momentos especiais2, mas já fazem parte do lado místico, espiritual, é o
complemento necessário para se manter ligado entre o mundo terreno e o espiritual.
[...] Pois o que a religião africana em relação à civilização nos oferece é um modelo
mítico sobre o qual devem-se moldar as condutas dos indivíduos pertencentes à
mesma unidade étnica: a maneira de lavrar a terra, a arquitetura das casas, os passos
de dança, o sistema de parentesco, a organização das chefferies3, os gestos na união
amorosa.[...]( BASTIDE, 1967, p.6).
Entretanto, o fato de existir esse lado mais cerimonial que os remete ao mundo espiritual, não
significa que há uma separação cartesiana dessa outra parte, mais privada, mais secreta. Para
Cezne (1994), na África o sagrado e o profano não são elementos separados, eles fazem parte
de um mesmo contexto, perpassando por toda sua vida, não é somente um fenômeno que
acontece em apenas um dia de sua semana, mas em toda ela, pois, para o africano, estar vivo é
a concretização do sagrado em seus corpos, logo, tudo o que está relacionado à vida adquire o
caráter sagrado: o acordar, o trabalho, as relações. As instituições sociais fazem parte desse
sagrado, existem nele e por ele.
As instituições, tais quais a família, o casamento, a organização social, são elas
mesmas de natureza religiosa. Se não fossem religiosas seriam inexistentes, sem
sentido, e por isso mesmo irreais porque o sagrado é mais real que o próprio real. Os
africanos não têm religião eles são religiosos. A religião é algo que interfere no
modo de sentir, de viver e de agir do africano. Ela só pode ser compreendida no
espaço sócio-cultural das organizações sociais. (CEZNE, 1994, p.2)
Cabe esclarecer que isso não significa a ausência de uma religião definida, com cultos
específicos a divindades/deuses específicos, mas que, além dessa parte de suma importância,
2 Momentos especiais são aqueles dos cultos privados, as celebrações específicas: oferendas, festas etc.
3 Autoridade de um indivíduo sobre um grupo em certas etnias ditas primitivas; território sobre o qual se estende
a autoridade de um chefe.
17
há todo um envolvimento desse africano com a religiosidade para além do culto, do secreto,
do individual e particular.
No tocante à família, a religião é parte indissociável do cotidiano familiar. A exemplo da
cultura yorubana, na qual o Orixá do patrono4 da família é o primeiro cultuado por todos de
sua família, pela esposa e pelos filhos; este culto passa de família para família.
Os iorubás tradicionais são poligínicos, com família extensa habitando residências
coletivas formadas de quartos e apartamentos contíguos, os compounds, cultuando
deuses, os orixás, que são particulares para cada família, cidade e região (Fadipe,
1970). O chefe mora com sua mulher principal e os filhos dela nos aposentos
principais e as demais esposas moram com seus filhos, habitando cada uma quartos
separados. As áreas comuns são reservadas para cozinha, lazer, trabalho artesanal e
armazenamento. A família cultua o orixá do chefe masculino, divindade ancestral
que ele herda patrilinearmente, e que é o orixá principal de todos os filhos. Cada
esposa cultua também o orixá da família de seu pai, que é o segundo orixá de seus
filhos. Assim, os irmãos devem culto ao orixá do pai, que é o mesmo para todos, e
ao orixá da mãe, que pode ser diferente de acordo com a herança materna (PRANDI,
2000, p.61).
Segundo Silveira (2010), na Iorubalândia5 tradicional, cada cidade possui sua divindade
tradicional, com templos dedicados à mesma, além disso, há outros Orixás em outros locais
separados e os santuários pertencentes às famílias.
Em Ilê-Ifé, por exemplo, existem centenas de templos espalhados pela cidade,
dedicados aos distintos orixás. Mesmo no palácio do Oni há uma divisão territorial
entre os vários orixás, cada um com seu espaço próprio. Em certos casos, outros
cultos menores ocupam o mesmo templo dedicado a essas divindades principais, ou
elas dividem o espaço com outras divindades aparentadas ou aliadas. Por exemplo,
em ketu, Nanã Burukum está assentada no mesmo templo de Obaluaiê; e no templo
de Xangô em Okê Fokô, na Nigéria, há pejis para Iemanjá, Obatalá e Orixá Okô. O
culto africano é uma “constelação” de orixás “em torno de alguns outros
proeminentes” (SILVEIRA, 2010, p. 461).
No Candomblé de nação ketu, no Brasil, há casas que além do Orixá de cabeça, como é
denominado o primeiro Orixá do iniciado, o dono do seu Ori, nome dado à cabeça física para
os yorubás; camutuê ou mutuê para os bantu; e tá para a nação fon, também é reverenciado
um ou mais Orixás de família, ou seja, o Orixá do Babalorixá ou da Yalorixá será
efetivamente o dono da casa. Entretanto, há casos em que a família desse Babalorixá ou dessa
Yalorixá possui outros Orixás de família que por algum motivo deixou de ser cultuado:
abandono da tradição, mudança de religião, decepção pessoal, dente outros. Desse modo, esse
4 Patrono da família é o pai, o marido naquela respectiva família.
5 Termo usado para se referir às cidades que compõem a região dos povos yorubás.
18
Orixá que não foi cultuado pode ser herdado pelo primeiro da família que assumir a religião.
Assim, esse Babalorixá ou essa Yalorixá terá como compromisso o culto a esse Orixá
ancestral de família. Portanto, tem-se o Orixá da cabeça, principal, mas também aqueles
herdados do pai ou da mãe que não foi devidamente reverenciado no passado.
O chefe da família é o chefe do culto do orixá principal, iniciando-se entre membros
da família os sacerdotes que devem receber a divindade em transe ritual durante as
grandes celebrações festivas. O mesmo se dá com respeito aos orixás secundários, os
das esposas. (PRANDI, 2000, p. 61)
Há ainda, um deus geral e os deuses particulares, referentes a cada família, assim como no
candomblé brasileiro, há o culto a Exu, o mensageiro, realizado por todos, pois, segundo a
tradição, Exu é quem leva aos Orixás os pedidos e clamores das pessoas. Também se cultua o
orixá protetor da cidade em que moram, que, em geral, é o Orixá da família do rei e outros
não pertencentes ao chefe da família. Essa escolha é livre.
Na sociedade yorubá, há também o culto ao Orixá da adivinhação, Orunmilá, através do
sistema oracular denominado Ifá. Entretanto, este culto é realizado fora do círculo familiar,
anteriormente, apenas homens eram escolhidos exatamente para isso, nos tempos atuais já se
pode encontrar mulheres nessa prática. No Brasil, não se tem notícia da tradição deste culto.
O culto ao orixá da adivinhação, chamado Orunmilá ou Ifá, é praticado fora do
âmbito da família, por uma confraria de sacerdotes chamados babalaôs,
encarregados de, através de práticas divinatórias, ler e interpretar o futuro das
pessoas, conhecer o desígnio dos deuses, prescrever os sacrifícios propiciatórios aos
orixás. A adivinhação do babalaô é praticada através da interpretação de um enorme
acervo de mitos (seus instrumentos divinatórios selecionam os mitos a serem
interpretados em cada consulta oracular), mitos que ele aprende durante a iniciação e
que explicam para o iorubá seu mundo, a vida, a morte, a ação dos deuses e tudo o
mais que existe, e que fornecem e inspiram os valores e normas da sociedade
iorubana. (PRANDI, 2000, p.61)
Outra sociedade de culto exercido estritamente por homens, nunca por mulheres, é a do culto
aos ancestrais que fundaram a cidade, os egunguns. Este culto é o responsável pela harmonia
da comunidade. Entretanto, há a sociedade do culto aos Orixás femininos das mães, a
sociedade Geledé.
A vida e a morte são vistas de modo diferente dos ocidentais, a concepção de continuidade
através da ancestralidade contribui para que tudo em sua vida seja compreendido como
complemento do que foi iniciado anteriormente por seus ancestrais.
19
As civilizações africanas são civilizações simbólicas, nas quais os mortos e os vivos
constituem uma mesma comunidade e a morte não são consideradas senão uma
passagem para um estágio superior: assim, o ancestral poderá voltar ao mundo dos
vivos, reencarnando-se no seu bisneto. (BASTIDE, 1967, p. 9).
A morte para o africano, não é o fim, mas antes de tudo, a continuação de um caminho, sendo
que em outro status ou estágio, mais elevado espiritualmente. Para Silva (2007, p. 26), ao
contrário da concepção de morte como desequilíbrio, separação, dissolução da união vital, a
morte, para o africano, significa a continuação da força vital que não desaparece, o homem ou
a mulher ao prestarem serviços à comunidade, deixando assim um legado de solidariedade e
feitos ao próximo, se transforma em ancestral, pois a família africana é constituída de vivos e
dos mortos que um dia também viveram nela.
Tudo tem um significado, nada é por acaso, tudo se completa, transformando homens e
mulheres como parte integrante de um círculo no qual todos são de suma importância e
nenhum pode ser excluído, destruído, sob pena de todos serem prejudicados por causa desse
infortúnio.
(...) O africano vê em tudo que percebe através de seus sentidos coisa diversa da que
ele vê – descobre o Outro, isto é, o sagrado, através dos minerais, vegetais ou
animais. Não é a palavra do homem que significa e circunscreve os objetos; são
objetos ou coisas que são “palavras”, para o africano. (...) (BASTIDE, 1967, p. 8).
Em palestra ministrada durante o II Congresso Internacional de Africanistas, em 1967, Roger
Bastide já concebia, através de sua pesquisa, a visão de mundo do africano, diferenciando-a
do ocidental. Na sua fala, ele compreende a dinâmica dessa civilização, na qual céu e terra
não são separados totalmente, logo, transitar entre esses dois polos não se torna um caminho
fora da compreensão humana, pertencente ao campo da imaginação, mas uma ação possível e
realizável.
As civilizações africanas conhecem e cultivam o transe, como participação do
homem com o sagrado, com o mundo dos mortos, com o mundo das forças
cósmicas, o mundo dos deuses que controlam ou regem essas forças cósmicas. O
que quero simplesmente assinalar aqui é que o transe africano nada tem de afetivo,
não é absolutamente o que Caillois desejaria que fosse: uma descida para o abismo –
é ao contrário, como acabo de defini-lo, uma práxis desse sistema de participações,
que é um sistema de ligações, comunicações, equilíbrios cósmico – um sistema,
portanto, isto é, algo intelectual, metafísico, em suma, a expressão de um
pensamento anticartesiano, mas que não deixa de ser um pensamento. O transe não é
“ruptura”, “desequilíbrio”, loucura passageira: ele é “participação vivida”, a própria
experiência da organização do real e suas ligações místicas. (BASTIDE, 1967, p.12)
20
É dentro desse arcabouço tradicional que se encontra o princípio da hierarquia, uma vez que
os antepassados são os primeiros responsáveis por todos os atos e movimentos, afinal, eles
chegaram primeiro. Partindo dessa compreensão, pode-se entender porque aqueles que
possuem mais idade são detentores do poder de orientar aos mais novos; teoricamente, eles
receberam dos antepassados o segredo, o conhecimento que os mais novos terão em um futuro
próximo.
Todos esses elementos contribuem para a adoção dessa ideologia, absorvida como algo que
atende aos desejos do descendente desses primeiros africanos, agora, o iniciado no
Candomblé. Esse iniciado possui uma compreensão própria da religião, ainda que em alguns
momentos sua condição seja utilizada como motivo de constrangimento para o mesmo. É a
ideologia que faz com que esse iniciado aceite todos os preceitos que lhe são ensinados sem
questionar, ou, mesmo questionando aqueles que lhe sejam opressores, não desista de seguir o
caminho religioso escolhido.
2.1 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO NA ORIGEM DAS RELIGIÕES DE MATRIZ
AFRICANA NO BRASIL
A história das religiões de matriz africana no Brasil caminha lado a lado com a construção do
povo brasileiro, pois tudo começou com o sequestro de negros africanos para suprir o
mercado negreiro das Américas e, principalmente, do Brasil. A escravidão foi responsável
pelo corte brutal que separou famílias e tradições milenares.
(...) A dispersão era muito grande, famílias inteiras e grupos étnicos foram
separados. A etnia bantu se espalhou mais pelos interiores dos estados do Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Maranhão, Pernambuco, Bahia, e
Rio Grande do Sul. Os iorubás, fons e savalunos ficaram mais concentrados nas
áreas urbanas dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e
Maranhão. Preponderantemente, os ewes e uma outra parte dos savalunos foram
para o Maranhão e uma pequena parte para a Bahia e Pernambuco. Um outro grupo
étnico, pertencente à mega-nação fon, e talvez um dos últimos a ser trazido,
provinha de Aladá (os aladanos), cidade do Benim,e foi trazido diretamente para o
Rio de Janeiro. Não existem registros históricos de sua chegada ou de sua estada em
Salvador, Bahia. Era o grupo que formava o Axé Podabá, trazido por Gaiaku Rosena
e, mais tarde, herdado por Mejitó, de Vodun Ijó (KILEUY E OXAGUIÃ, pag. 33,
2014)
Dentro desse arcabouço de misérias, a religião foi o que manteve os negros escravizados de
pé, lutando contra as adversidades e atrocidades que lhes foram impostas. Parés (2007, p. 76)
acrescenta: “o escravo africano, quando capturado pelos traficantes não só perdia a liberdade;
21
com ela iam-se os vínculos familiares e sociais, assim como os referentes culturais da sua
terra.” Esse processo é denominado por Orlando Patterson de “morte social”, pois esse
africano após ser levado para longe de sua terra, passa por outro processo, o de
despersonalização, uma vez que, ao ser vendido para os europeus, era batizado na religião
católica, com um nome português, no Brasil, devia aprender uma nova língua, alguns deles
aprendiam a língua bem antes de chegarem aos destinos designados pelo tráfico em locais
denominados pombeiros6; agora já não eram mais homens e mulheres, eram mercadorias,
possuíam preços diversos, ao invés de nome de família possuíam o nome do proprietário que
os venderiam como peças no mercado; sua etnia ou nação de origem começava a se perder no
momento em que eram identificados pelos traficantes como pertencentes ao local de
embarque, já na condição de escravizado. Segundo Póvoas (2011, p. 252), [...] A história da
escravidão no Brasil encerra uma série de lutas perseguições, desprestígio, sofrimento e dor,
mas também de resistência [...].
O tráfico negreiro no Brasil iniciou-se no século XVI, por volta de 1502. Durante três séculos
foi um dos comércios mais lucrativos para a Europa, através dele, foram trazidos à força mais
de 6.000.000 negros e negras de diversas localidades da África. Segundo Mattoso (1982, p.
22-23), a distribuição desse contingente de africanos se deu em três ciclos:
a) no século XVI, o ciclo da Guiné, trazendo escravos sudaneses, originários da
África situada ao norte do Equador;
b) no século XVII, o ciclo de Congo e de Angola, que trouxe para o Brasil os negros
bantos;
c) no século XVIII, o ciclo da costa de Mina, que trouxe novamente os sudaneses. A
partir de meados do século XVIII, esse ciclo se desdobra para dar origem a um ciclo
propriamente “baiano”: o ciclo da baía do Benim;
d) no século XIX, chegam escravos de todas as regiões, com uma predominância de
negros provenientes de Angola ou de Moçambique.
Desse modo, o multiculturalismo foi um dos fatores que favoreceu a diversidade de
características nas religiões afrobrasileiras que vão da linguagem ao vestuário, todavia, apesar
dessa variedade de elementos que fazem a diferença entre um culto e outro dentro de religiões
advindas de um mesmo tronco, há semelhanças que são a essência dessa tradição. Segundo
Bastide (1983), historicamente, duas ações contraditórias agiram sobre os negros escravizados
do Brasil, por um lado, os navios traziam aleatória e indiscriminadamente membros das mais
6 Pombeiros – nome dado aos locais onde os africanos capturados eram aprisionados até formarem um número
bastante grande de pessoas a serem vendidas como escravizados.
22
diversas tribos ou etnias, chegando ao destino, essa mesma “carga” sofria outro processo de
separação a mercê das necessidades agrícolas, logo, uma nova “destribalização” não só de
família distribuídas ao acaso, mas também de novos contatos humanos, ocorridos durante a
viagem, daí uma solidariedade nova, a estabelecida pelo sofrimento comum a todas aquelas
pessoas escravizadas e separadas dos seus. Estabelece-se daí uma nova sociedade, a da
sobrevivência, substituindo a comunhão clânica7.
As religiões de matriz africana no Brasil adquiriram formas de sobrevivência, absorvendo
traços de culturas diferentes, pois a mistura de etnias foi uma das estratégias utilizadas pelos
governantes e pela igreja numa tentativa de evitar revoltas. Todavia, o que fora criado para
separar tornou-se fomento de união: na contemporaneidade, veem-se características diversas
confirmando a contribuição de várias etnias na construção de uma religiosidade marcada pela
separação dos seus, pela perseguição, mas, sobretudo, pela resistência.
Por outro lado, foi a política dos governadores e do clero, para impedir uma revolta
geral da mão-de-obra servil, para destruir a solidariedade de todos os homens de cor,
quer nas festas profanas, quer por meio de confrarias religiosas, manter unidas as
“nações” separadas e hostis. Desse duplo movimento resultou de um lado o
sincretismo religioso entre os cultos ioruba e daomeano; a assimilação dos bantos à
mitologia nagô-jêje e de outro lado o fato de o candomblé atual continuar a ser, em
grande parte, um candomblé étnico (BASTIDE, 1983, p. 261).
No Brasil, as manifestações religiosas de matriz africanas possuem traços de diversas culturas
tradicionais da África, assim como, através do contato em terras brasileiras, dos povos nativos
brasileiros, encontrados nessas terras no período da colonização portuguesa. Assim, a
religiosidade dos negros trazidos de África adquiriu novos elementos dando novas formas aos
antigos cultos de acordo com a região para onde eram comercializados.
A religião negra, que na Bahia se chamou candomblé, em Pernambuco e Alagoas,
xangô, no Maranhão, tambor de mina, e no Rio Grande do Sul, batuque, foi
organizada em grupos de “nações”, ou “nações de candomblé” (Lima, 1984), e em
cada uma delas a nação africana que a identifica é responsável pela maioria dos seus
elementos, embora haja grande troca de elementos entre elas, resultado dos contatos
entre nações no Brasil e mesmo anteriormente na África (PRANDI, 2000, p. 60).
Segundo Prandi (2000), o candomblé brasileiro se estruturou baseado na família yorubá,
tendo um chefe máximo, masculino ou feminino, um orixá principal, o fundador da casa ou
comunidade candomblecista, ao qual é erigido o templo principal ou barracão, em redor são
7 Denominação dada por Bastide aos clãs formados pelas diversas etnias da África.
23
erigidas outras casas onde são cultuados os Orixás secundários, sem deixar de lembrar que o
fato de haver esta separação não minimiza a importância de todos os Orixás na crença da
comunidade.
Como se pode observar, a construção do povo brasileiro sempre perpassou por caminhos
dolorosos e marcados pelo genocídio ou apagamento de outras culturas, de outros povos. Um
exemplo disso foi a escravização dos negros africanos. Capturados e tratados como animais,
separados de suas famílias e tradições; reagrupados com etnias por vezes inimigas,
submetidos a castigos físicos, à fome, à reclusão em lugares fétidos; transplantados para um
país totalmente desconhecido, com uma cultura também desconhecida; esse africano precisou
se reestruturar para sobreviver, pois todas essas rupturas atingiram-no naquilo que é mais
importante em sua vida, sua religiosidade.
A intolerância dos tempos presentes guarda íntima relação com o empreendimento
colonialista, como afirmado na Declaração de Durban. A conquista e dominação dos
povos da África, das Américas e da Ásia pressupunham, ademais da utilização da
força das armas, a inculcação dos valores culturais dos dominadores europeus por
diferentes vias, sobretudo a religião e o sistema de ensino, este fortemente
influenciado por aquela. Uma combinação de força militar, religião e ensino (ou a
negação do mesmo). Se a força militar responde pelo genocídio, ou seja, a
eliminação dos corpos daqueles que se opunham à dominação, o etnocídio cuidou da
eliminação dos valores étnicos dos povos dominados, e partiu do princípio de que
estes poderiam ser melhorados para se ajustarem ao modelo cultural do dominador.
Era preciso apagar da mente desses povos as suas lembranças, suas concepções de
mundo, tradições e crenças, e os seus deuses. Não seria diferente no Brasil,
colonizado pelos portugueses, e que teve o catolicismo como religião oficial desde
os tempos de colônia de Portugal até a Proclamação da República, em 1889
(SILVA, 2009, p. 17).
Em terras brasileiras, esses africanos, agora reunidos pelo sofrimento igual a todos da mesma
cor, começaram a recriação religiosa, sendo que, naquele momento, ela teria que adquirir um
caráter diferente do existente em sua terra de origem, agora a religiosidade era acrescida da
mistura de etnias, assim poderia contemplar a todos.
Mas a partir do momento em que tal intento foi percebido como uma forma de manter aquele
povo unido e forte, essa prática também começou a ser reprimida, pois foi observado que esse
africano, quando fortalecido em sua essência religiosa, tornava-se menos submisso aos maus
tratos e à jornada excessiva de trabalho, podendo ser perigoso e subversivo aos outros
escravizados.
O sermão de um padre poderia ser o palco da disseminação de tais valores e práticas
discriminatórias. Em visita à cidade de São Félix, o padre missionário Pedro Rocha
24
transformou os candomblés em tema de sua prédica dominical. O sacerdote
“divagou” sobre os candomblés, utilizando um texto que os caracterizava como
“antros de misérias e torpezas inomináveis” com suas “negras e funestas feitiçarias”.
O artigo que o vigário lançou mão exigia a ação da polícia contra os candomblés,
divulgava nomes das mães- de- santo acompanhados de adjetivos desprezíveis e
apontava a localização de seus pejis na cidade da Cachoeira (SANTOS, 2009, p.39).
Novamente, esse africano precisou reinventar-se ao mascarar suas crenças com as crenças do
poder vigente, quando fingindo aceitar a religião do opressor, no caso o catolicismo,
conseguiu continuar sua tradição religiosa, citando como exemplo as historias de altares que
em uma primeira vista tinham os santos católicos, mas por debaixo dos mesmos altares
estavam as ferramentas dos deuses cultuados em África.
A partir dessa prática, a ideia de um sincretismo se desenvolveu entre todos, a associação de
santos católicos com deuses africanos se disseminou como uma prática comum e aceitável,
até o ponto em que as religiões de matriz africana começaram a despontar como frequentada
não só por negros e mestiços, mas por brancos da classe abastada do reino.
No momento em que tal comportamento começou a aumentar, nova perseguição contra o
candomblé e outras religiões advindas da mesma matriz foi iniciada. Nesse momento, por um
dos instrumentos mantenedores da ordem pública, ou seja, a polícia, com a ajuda da imprensa
local. Na história, há diversos testemunhos de candomblés invadidos e destruídos pela polícia,
com o aval da sociedade e do poder local. Segundo Santos (2009, p. 25-26) a imprensa foi um
forte colaborador na repressão às religiões de matriz africana, como exemplo, ele cita alguns
dos argumentos usados pela imprensa Cachoeirense em um dos seus jornais intitulado A
ORDEM para justificar a perseguição dos candomblés da cidade de Cachoeira, no Recôncavo
baiano: modernização urbana; valorização do trabalho e repressão à vadiagem; repressão aos
divertimentos populares; economia dos hábitos, das falas e dos gestos; expurgar das cidades
as heranças africanas.
A notícia articula bem todos os argumentos da imprensa contra as práticas culturais
e religiosas de matriz africana e de seus partícipes, bem como em favor de suas
idéias de civilização. Como vimos, destaca-se a oposição candomblé e feitiço de um
lado, e do outro, o progresso e a civilização. Desse modo, era necessário expurgar da
cidade os “costumes negreiros” importados da Costa da África. Era inadmissível
para os setores letrados locais a presença desses maus costumes “dentro da cidade”.
Na defesa da civilização, da tranquilidade, do trabalho e da moral das “famílias
honestas”, a imprensa propugnava o combate à vadiagem e aos costumes de “negros
selvagens”. Nesse sentido, por fim, criminalizava o que chamava de “negros
desocupados” em suas “folias macabras”, tornando-os caso de polícia (SANTOS,
2009, p. 29).
25
Com isso, no inconsciente dos descendentes desses africanos, ficaram os resquícios do
esconder-se, do negar sua origem e religião, mesmo quando essa repressão explícita parou de
acontecer. Nos séculos XX e XXI, não há mais a repressão institucionalizada, entretanto, os
ecos de um racismo que tentou sufocar essa religiosidade permanecem na memória dos
afrodescendentes, fazendo que os mesmos ainda possuam certo receio de mostrar-se como
seguidor de uma religião de matriz africana, a exemplo do candomblé.
Reconhecer-se e dizer-se pertencente ao candomblé remonta toda uma história de dores,
perseguição e repressão pela qual passaram os ancestrais que para aqui foram trazidos,
primeiro pela igreja, depois pela polícia, desse modo, ainda que tais instrumentos de opressão
não existam de fato, na memória eles permanecem fazendo com que iniciados e adeptos do
candomblé sintam-se desconfortáveis de admitirem-se como tais.
Em séculos de existência, as religiões de matriz africanas procuram manter-se fieis às
características primeiras, ainda que essas características sejam mescla de várias culturas da
África. O tráfico escravista promoveu, sem querer, a união pela dor da separação, embora seja
contraditória tal afirmação, pode-se constatar que a dissolução de famílias que antes até
possuíam disputas internas por territórios, fez com que essas mesmas famílias se unissem em
torno de outro ideal, a liberdade. Todos esses fatores agrupados compõem as condições de
produção responsáveis pela construção do discurso em defesa da preservação das
características de sua religião assim como do direito de cultuá-la.
Dentro desse arcabouço, tudo que fosse característica étnica tornou-se motivo de resistência, a
partir do momento em que esses foram os únicos laços concretos entre os povos escravizados
e seus lugares de origem, suas culturas, seu modo de existência. À religião, coube o papel de
manter o respeito pelos ancestrais e pelo próximo, companheiro de sofrimentos, por parte de
seus descendentes, é, para Orlandi (2010, p. 32) uma relação entre “o já-dito e o que se está
dizendo”.
O iniciado no candomblé não só aceita os preceitos estabelecidos pela religião, ele os defende
como estratégia que fomenta a preservação da mesma. Desse modo, assumir-se enquanto
candomblecista, significa reproduzir os discursos que fortalecem a continuidade desses
preceitos e da tradição o mais próximo possível do que eles são em um contexto diferente: a
26
atualidade. É o intradiscurso ao qual se refere Orlandi (2010, p. 33), o que se diz em um
momento dado, em condições dadas.
Dentro do terreiro de candomblé, a história passada e presente dialogam continuamente
quando, ecos dessa escravização soam com a intenção de lembrar porque se deve agir de
acordo com os preceitos e não com sua própria vontade, esses ecos também justificam a
comunhão e a solidariedade entre os irmãos de fé. Desse modo, assumir-se de candomblé é
conviver com essas duas situações: preservar a tradição em função do rompimento a que
foram submetidos os ancestrais e, através, dessa estratégia, manter a união e solidariedade no
grupo. Segundo Orlandi (2010, p.33), o saber discursivo constitui-se através da história,
produzindo dizeres, a memória torna possível esse dizer para esses sujeitos em um
determinado momento, representando o eixo de sua constituição, o que ela denomina de
interdiscurso.
Logo, pode-se afirmar que o cotidiano do iniciado no candomblé e do sacerdote que lidera a
comunidade do terreiro compõe-se do diálogo permanente entre a memória e a atualidade.
Embora muito do que foi dito, tal como foi dito, perdeu-se com o tempo, há uma memória
interna, ainda que muitas vezes não compreendida, mantendo os ecos de uma tradição a ser
mantida e os métodos para que isso aconteça, esses são os fundamentos e preceitos nos quais
estão baseados os códigos de conduta dentro do candomblé.
À ideologia caberá o papel de inscrever esses sujeitos (iniciado e sacerdote) em determinadas
redes de sentidos e não em outras, a relação histórica desses dois sujeitos determinará a
relação dos mesmos com esses sentidos e não com outros, é a ideologia que fará com que
descendentes ou não dos africanos escravizados se identifiquem com sua história, tomando
para si a responsabilidade de dar continuidade à tradição trazida por esses povos.
Entretanto, pode-se observar que tanto os papeis ideológicos quanto da condição de produção
desses iniciados, principalmente se tiverem uma escolaridade maior, têm se modificado,
quando são questionados em sua validade, principalmente pelos mais novos, a rigidez e o
conservadorismo por parte dos mais velhos e daqueles que estão nos cargos de comando, a
exemplo de ogãs e equedes, não é recebida com total aceitação por aqueles que não
compreendem os motivos dos preceitos religiosos serem tão “arcaicos” como pensam alguns.
Vê-se então, o deslocamento de uma memória de sofrimentos, para a resistência e uma
possível legitimação de pertencimento, sem a necessidade de submissão que se confunde com
humilhação para aqueles desconhecedores dos caminhos percorridos pela tradição religiosa.
27
2.2 AS NAÇÕES
Às divisões étnicas em que os africanos eram agrupados deu-se o nome de nação. Segundo
Parés (2007), o uso do termo “nação” vem desde os séculos XVII e XVIII, no continente
africano, sendo usado inicialmente, no contexto do tráfico, por traficantes de escravizados,
missionários e oficiais administrativos das chamadas “feitorias” europeias da Costa da Mina,
para denominar a origem dos diversos grupos étnicos.
O uso inicial do termo “nação” pelos ingleses, franceses, holandeses e portugueses,
no contexto da África ocidental, estava determinado pelo senso de identidade
coletiva que prevalecia nos estados monárquicos europeus dessa época, e que se
projetava em suas em suas empresas comerciais e administrativas na Costa da Mina
(PARÉS, 2007, p. 23).
Desse modo, a ideia de nação decorre desde a África, partindo do princípio multicultural e
multiétnico comum nesse continente. Princípio esse baseado em diversos elementos que
fortalecem essa identidade diversificada. Sobre isso, Parés (2007) acrescenta que, ao
chegarem em África, os estados soberanos europeus encontraram um forte e paralelo sentido
de identidade coletiva nas sociedades localizadas na parte ocidental desse continente. Essa
identidade é baseada, sobretudo, na afiliação por parentesco a certas chefias normalmente
organizadas em volta de instituições monárquicas. Além disso, a identidade coletiva das
sociedades da África ocidental era multidimensional e estava articulada em diversos outros
níveis como: o étnico, o religioso, o territorial, o linguístico, o político etc.
Em primeiro lugar, a identidade de grupo decorria dos vínculos de parentesco das
corporações familiares que reconheciam uma ancestralidade comum. Nesse nível, a
atividade religiosa relacionada com o culto de determinados ancestrais ou de outras
entidades espirituais era o veiculo por excelência da identidade étnica ou
comunitária. Tal pertença era normalmente assinalada por uma serie de marcas
físicas ou escarificações no rosto ou em outras partes do corpo (PARÉS, 2007, p.
23).
Essa ideia de nação, entretanto, não era de caráter imutável, estava sujeita a diversas
modificações, sejam elas de caráter matrimonial, ou em decorrência de guerras, apropriações
culturais, agregação de linhagens escravizadas, dentre outros fatores. No Brasil, essa
denominação adquire outra perspectiva, sendo usada apenas para designar os portos de onde
saiam a levas de escravizados e, posteriormente, as “nações dos candomblés”. Lembrando que
além desta, no Brasil, existem várias religiões espíritas de influência africana como: o
28
catimbó, a umbanda, o batuque, o xângo entre outras, como afirmam alguns pesquisadores, a
exemplo de Botão (2007), sobre o conceito de nação dentro do candomblé, ele acrescenta:
No interior do candomblé existem diferentes denominações de culto que são
chamadas de nação. Cada grupo/etnia que aqui aportou pertencia a locais distintos
na África, tendo, assim, costumes e culturas diferentes. Daí surgirem as nações, ou
seja, a prática do candomblé conforme ritos específicos da origem do povo
praticante. Como a nação de ketu, a nação jeje, a nação angola e a nação congo
(atualmente essas duas ultimas consideram-se fundidas dada a grande semelhança
das práticas religiosas e a proximidade das línguas utilizadas, que são,
respectivamente, o kimbundu e o kikongo) (BOTÃO, 2007, p. 35).
No período colonial do Brasil, esse tipo de agrupamento não só era incentivado, como
também havia incentivo para que cada nação tivesse seu governante próprio, assim, era fácil
comandar os escravizados, pois, devido às rivalidades históricas, muitos africanos de etnias
rivais denunciavam possíveis levantes aos senhores e à coroa.
Inicialmente, no Brasil, os escravos urbanos e os negros livres eram divididos em
nações e o governo colonial permitia e incentivava que eles tivessem seus próprios
reis e seus governadores, política que visava evitar a união generalizada dos negros e
a possibilidade da sublevação, segundo a velha fórmula que ensina dividir para
reinar, política que, segundo Bastide, se mostrou muito útil para os governantes, pois
cada conspiração foi denunciada de antemão aos senhores pelos escravos de outras
etnias (PRANDI, 2000, p.57).
Segundo alguns autores, a exemplo de Reginaldo Prandi, as primeiras nações que chegaram
ao Brasil são originarias dos grupos denominados Bantu, abrangendo as etnias que formavam
o antigo império do Congo. Segundo Luz (1983, p. 28), até o século XVII não se encontravam
de maneira significativa os chamados Sudaneses. Os povos de Bantu foram afixados, por sua
característica agrícola e na mineração, nas regiões de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo
e interior do Norte e Nordeste. Os Sudaneses em Salvador, Recife, São Luiz, Porto Alegre e
Rio Janeiro.
A religião de nação Kongo/Ngola caracteriza os grupos trazidos do Antigo Reino do
Congo e de Angola como os Kongos, os Ambundos, os Bakongos. Quanto à nação
Jeje/nàgó, esta engloba povos das seguintes etnias: Mandigas, Fantis,
Ashantis,nMinas, Fon, Mahis, Anexô Savalu, Boalama etc. Tais grupos falavam
várias línguas do tronco fon-ewe tais como: ewe, fon, gun, mahi, mina, etc. Já a
nação chamada Nàgó/kétu foi formada pelos povos oriundos da atual Nigéria e do
Benim (cidade de Kétu), que passam a serem conhecidos, como povos yorùbá
(iorubás), a partir do século XIX (VERGER, 1997). Embarcados no Golfo do Benim
ou saídos de Lagos (Nigéria), esta nação engloba as etnias: haussa, grunci, nagô,
queto, oyó, ijebu, ibô, tapa, fante axante. Estes falam línguas como haussa, nagô,
iorubá e seus dialetos entre outras, presentes em nosso solo (SANTOS, 2011, p. 9).
29
As nações tinham também a função de, através do caráter religioso, cuidar de negros cativos,
mas, sobretudo, do negro livre e sem nenhum apoio da sociedade em questões de doença e de
auxílio para sobreviver após sua alforria, que, muitas vezes, fora conseguida com o mesmo
apoio dessas nações, muitas vezes acobertada por um nome católico.
As organizações de nação tinham um caráter mais religioso e de ajuda mútua,
sobretudo tratando-se do negro livre, abandonado à própria sorte, não contando, em
caso de doença e morte, nem mesmo com o amparo do senhor. Mas nem incluíam a
todos e nem se encontravam por toda a parte (BASTIDE, 2000, p.58).
Com o passar dos séculos, nação ficou apenas como a denominação das diferentes casas de
candomblé, assim como o candomblé tal qual é cultuado em Salvador, na Bahia, foco desse
trabalho, não se concentrou apenas nessa cidade ou estado, mas se expandiu por outras
regiões do Brasil. Sendo assim, não se pode pensar em pureza de etnia nas nações de
candomblé existentes no país, pois dentro de todas elas encontram-se traços fortíssimos das
etnias diversas remanescentes de África, além de traços regionais distintos.
Assim, na Bahia, temos os candomblés nagôs ou iorubás (ketu ou queto, ijexá e efã),
os bantos (angola, congo e cabinda), os ewe-fons (jejes ou jejes-mahis). Em
Pernambuco, os xangôs de nação nagô-egbá e os de nação angola. No Maranhão, o
tambor-de-mina das nações mina-jeje e mina-nagô. No Rio Grande do Sul o batuque
oió-ijexá, também chamado de batuque de nação (PRANDI, 2000, p. 58).
Lima (1974) define o termo candomblé, além das definições proporcionadas pelos diversos
dicionários da língua e pela literatura etnográfica, valendo-se do uso corrente deste na área
linguística da Bahia, na qual candomblé é a designação comum para religião ou grupos
religiosos caracterizados por um sistema de crenças em divindades de santos ou orixás,
associados ao fenômeno denominado possessão ou transe místico. Este transe considerado
pelos membros dessa religião como a incorporação da divindade nos iniciados ritualmente
preparados para recebê-la:
Esta, uma definição real, para um fenômeno que possui referentes empíricos
nitidamente identificáveis e não apresenta, como diria SPIRO, procurando definir a
religião de um ponto de vista sócio-antropológico, as dificuldades próprias de várias
outras construções não empíricas e hipotéticas da antropologia (3) (LIMA, 1974, p.
17).
Desse modo, o termo nação passou pelo status de designação das etnias, isso se falando do
uso feito por colonizadores, para a designação dos portos de onde os africanos das diversas
etnias embarcavam, para designar os diferentes candomblés na Bahia.
30
2.2.1 A nação congo/angola (bantu)
O candomblé da nação Angola tem sua origem com os povos africanos vindos das regiões
central e sul da África, correspondentes aos países Angola e Congo, sendo estes enviados
primeiramente para a Bahia e Pernambuco, eram conhecidos como bantu; sobre essa
designação (LOPES 2008, apud BALANDIER, 1968, p.64) explica que o termo bantu foi o
nome genérico dado por W.H. Bleck em 1860 a um grupo de cerca de 2.000 línguas africanas
que estudou e após esse estudo chegou à conclusão de que a palavra munNTU (grifo do autor)
existia em quase todas elas significando a mesma coisa (gente, indivíduo, pessoa) e que nelas
os vocábulos se dividiam em classes diferenciadas entre si por prefixos. Assim, baNTU é o
plural de muNTU, porque nas línguas bantas os nomes são sempre antecedidos de prefixos
que distinguem, por exemplo, o indivíduo (Um, Um, Am, Mo etc), o grupo a que ele pertence
(Ba, Ua, Ki etc.), a terra que ele ocupa ou de onde é originário (Bu, U, Le etc.) e a língua que
ele fala (Ki, U, Tchi etc.) dessa forma, o indivíduo Nkongo (congo), por exemplo, pertence ao
grupo Bakongo (Congo) e fala o idioma Kicongo (Quicongo). Desse modo, os Bantu
constituem bem mais do que uma etnia ou grupo étnico, fazem parte de um grande conjunto
de povos falantes de línguas que têm uma origem em comum, como vários povos europeus.
Durante os primeiros séculos até os meados do século XVIII, eram os bantu maioria no
Brasil, no início do tráfico negreiro. Segundo Botão (2007), esses primeiros africanos foram
trazidos majoritariamente do Sul da África, correspondendo à Angola e Congo, para suprirem
a necessidade de trabalhadores servis nas lavouras de cana-de-açúcar. Sendo capturados em
suas terras em conflitos intertribais ou por caçadores portugueses, conhecedores da região,
especializados no comércio de “carne humana”, que já acontecia bem antes do descobrimento
do Brasil. Após capturados, esses homens, mulheres e também crianças eram embarcados em
diversos portos da África, como: Luanda, Mossâmedes, Benguela e no rio Ambriz. Entre os
bantu, também vieram muitos povos de outros grupos étnicos linguísticos, destacando-se
entre eles os angola, os cabinda, os benguelas, os moçambiques, os macúa, os congo. Com as
primeiras descobertas de minas de ouro no Brasil, iniciando esse ciclo, ocorre o deslocamento
do tráfico para a região do golfo da Guiné, pois, segundo o autor, acreditava-se erroneamente
que os sudaneses, oriundos dessa parte da África eram mais resistentes do que os bantu a esse
tipo de atividade. Dentro da vasta pesquisa sobre a origem dos povos africanos que foram
trazidos para Brasil. Barcellos (1998, apud BUTÃO, 2007, p. 37) acrescenta:
31
Os angolanos originaram-se da migração dos negros africanos do norte e nordeste da
África, vindos da região do Sudão. Foram mais de 150 milhões de emigrantes, que
ao longo de sua jornada até o sul da África foram fundando impérios, reinos e
países. Os bantos foram fundadores do Congo, de Angola, da Namíbia etc
(BARCELLOS, 1998. p. 20).
Sobre alguns aspectos da cultura desse grupo étnico, Placide Tempels (1949) afirma que esta
se baseia no princípio das forças vitais que regem a natureza e, por conseguinte, o ser
humano. Para a cultura Bantu, o mundo se constitui de energia em constante movimento e
alteração, essas forças vitais recebem quatro nomes em língua bantu: muntu, kintu, hantu e
kuntu.
A primeira, Muntu, se refere ao homem, cujo plural é bantu (homens), os seres
humanos, compreendendo tanto os vivos quanto os mortos, a força dotada de
inteligência, capaz de manipular “a força-ser”;
A segunda categoria, Kintu, que compreende as forças que não podem atuar por si
mesmas e que se fazem ativas pela ação de um Muntu. A esta categoria pertencem
as plantas, os animais, as ferramentas, os utensílios e os minerais, tudo o que existe
na natureza;
A terceira categoria, Hantu, é a força que situa, no espaço e no tempo, todos os
movimentos, tudo o que seja movimento. Assim, no pensamento africano lugar e
tempo se confundem.
A quarta categoria, Kuntu, é a força modal, um modo de ser, uma modalidade
valorativa: a beleza, a alegria, o prazer, a felicidade, a apreciação, a fruição estética
(TEMPELS, 1949, apud SILVA, 2007, p. 24-25).
Partindo dessas características supracitadas, pode-se observar algumas diferenças entre a
nação Angola-Congo e a Ketu. A primeira delas diz respeito às divindades que regem essas
duas nações, para alguns estudiosos, a exemplo de Previtalli (2003), o fato de associarem as
divindades da nação Angola-Congo com a da nação Ketu como se fossem iguais, causam
certa inquietação por parte de seus iniciados.
O principal culto do candomblé angola é orientado para os inquices. Os inquices,
por serem associados aos orixás do candomblé queto, têm sido uma das grandes
preocupações de parte dos pais e mães de santo da nação angola em São Paulo.
Diferenciá-los, de maneira que possam ser dissociados dos orixás, é uma tarefa
complicada, uma vez que as fronteiras não podem ser facilmente delimitadas e a
similaridade entre os cultos são maiores do que as possibilidades de separá-los
(PREVITALLI, 2003, p. 6).
O Nkisi (no plural jinkisis) ou inquice, como se diz na forma aportuguesada, são as
divindades superiores do candomblé da nação Angola-Congo; segundo Kileuy & Oxaguiã
(2014, p. 182), esse vocábulo pode ser trazido também como “ser sobrenatural” ou como
“espírito que auxilia”.
32
Questões históricas diversas contribuíram para que um pouco da característica dessa nação
fosse confundida com as da nação Ketu, fazendo com que se pensasse possuírem a mesma
estruturação religiosa. Embora haja semelhanças, cabe separá-las como forma de análise de
sua dinâmica de culto.
Outra diferença encontrada na nação Angola-Congo é a língua usada em seus rituais, no caso
cantam suas músicas e rezas cerimoniais em uma fusão das línguas kimbundu (quimbundo) e
kikongo, que são também as únicas línguas do tronco bantu que sobreviveram à
desestruturação de seu povo. Utiliza-se também em outras cerimônias, a exemplo das festas
de caboclo, o português. Mas é possível em alguns terreiros, encontrar o uso de outras línguas
como o yorubá, e o ewê, o que possibilita verificar que a união é parte constante na
perpetuação do culto.
A nação Angola-Congo também se distingue da nação Ketu pelos toques, realizados com as
mãos. Dentre os toques podem ser citados o congo-de-ouro, o barravento, o cabula ou
angola-mujola, rebate e arrebate. Os atabaques, principais instrumentos usados para os
toques, na nação Angola-Congo são denominados ngoma: ngoma tixina (o atabaque grande),
ngoma mukundu (o atabaque médio) e ngoma kasumbi (atabaque pequeno). A sucessão de
toques é denominada Jambereçu. Na nação Jeje, esses instrumentos são denominados huntó.
A denominação para Deus dentro da cultura bantu pode variar de etnia para etnia, a exemplo
de: Nzambi para os bachicongos, baiacas, bassurongos; Kalunga para os bimbundas,
nhanecas-humbes; Nzambi-Mpungu para os congos-bavilis e ainda Mulungu, Makuru,
Muvangi etc. para os bantu, esse Deus está acima de todas as coisas vivas ou não, não se pode
ter acesso direto a ele, precisando para isso da ajuda dos Jinkisis.
2.2.2 A nação ketu (yorubá)
A nação Ketu comporta inicialmente os africanos oriundos da região onde se localiza a atual
Nigéria, antiga cidade de Oyó, tendo suas cerimônias rituais faladas no idioma dessa região.
Na nação ketu, as divindades cultuadas recebem o nome de Orixás.
Na Bahia surgiram os candomblés ketu e ijexá e mais recentemente o efã, todos de
origem acentuadamente nagô ou iorubá, além de um candomblé de culto aos
ancestrais, o candomblé de egungum. Também da Bahia é o candomblé jeje ou jeje-
mahi, enquanto no Maranhão o tambor denominado mina-jeje dependeu mais de
33
tradições dos jejes daomeanos, ali também se criando uma denominação mina-nagô.
Em Pernambuco sobreviveu a recriação da nação egbá, também chamada nagô, e no
Rio Grande do Sul, as nações iorubanas oyó e ijexá. Em Alagoas criou-se um culto
de nação xambá, igualmente nagô, hoje praticamente extinta (PRANDI, 2000, p.
60).
No Candomblé da nação Ketu, Orixá é o nome dado a um deus ou divindade das cidades ou
famílias africanas que o cultuam. Famílias numerosas que aumentam a proporção em que são
acrescidas, por exemplo, quando duas delas se reúnem para transformarem-se em uma só
através do casamento de seus filhos ou filhas.
A religião dos Orixás está ligada, como afirma Verger (1997, p.18), à noção de família
numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos, esse Orixá
seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos garantindo-
lhes um controle sobre certas forças da natureza como o trovão, o vento, as águas, ou, então,
lhe assegurando a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, a metalurgia ou,
ainda, o conhecimento em plantas e suas propriedades medicinais.
Segundo a tradição africano-brasileira, cada Orixá possui uma determinada cor, uma
determinada comida que obedece a normas específicas de preparo, possui sua indumentária
específica, possui um conjunto de objetos, denominados ferramentas, simbolizando sua força
e os elementos da natureza que são regidos por ele (água, fogo, terra e ar dentre outros), rege
uma determinada área ou órgão do corpo humano, possui suas plantas ou folhas específicas,
danças específicas, dia da semana e, alguns deles, hora do dia, dentre uma série de outras
características bem peculiares que diferencia um Orixá do outro.
O orixá é uma força pura, aṣé imaterial que só se torna perceptível aos seres
humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus
descendentes, é chamado seu elégùn, aquele que tem o privilégio de ser “montado”,
gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar à terra para saudar e
receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram (VERGER,
1997, p. 19).
No candomblé do Brasil, cultuam-se todos os Orixás no mesmo espaço, diferentemente da
África, onde o culto a essas divindades era feito por famílias, cada Orixá era o “patrono” de
uma linhagem familiar em particular; com o tráfico e escravização dos africanos, essa tradição
sofreu uma mudança radical, pois, para manter suas origens esses indivíduos precisaram
adaptar-se e juntarem-se uns aos outros, agregando, dessa forma, as várias práticas religiosas
de outras famílias, daí os vários elementos diferentes constantes no candomblé da nação ketu.
34
O candomblé “de ketu” não estabeleceu, portanto na Bahia apenas a tradição jeje-
nagô, como pretende a literatura antropológica, amalgamou-a com outras tradições
igualmente fortes, existentes através da Iorubalândia. É o que afirma o finado
Elemaxó Agnelo, quando dizia que “o Candomblé da Barroquinha era eclético,
praticava todas as linguagens”; e que “as etnias se aculturaram para poder fazer a
festa”. Os orixás regentes do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, a Casa Branca do engenho
Velho da Federação, além de, naturalmente, Oxóssi e Xangô, são Oxalá e Oxum,
representando as quatro mais fortes tradições iorubanas que aqui chegaram, ou, para
retomar Agnelo, quatro diferentes “filosofias de culto”, a saber: jeje-nagô, iorubá-
tapá, aon Efan e Ijexá (SILVEIRA, 2010, p. 476).
Assim, no candomblé da nação ketu é possível se observar várias características de diversos
povos que deixaram ali seu legado colaborando com a cultura religiosa de matriz africana e ao
mesmo tempo preservando um pouco da sua tradição religiosa a partir do momento em que
através dessa nação que conseguiu resistir e se manter viva, também o faz com seus preceitos.
No candomblé da nação ketu também há instrumentos específicos e o mais importante é o
atabaque que, diferentemente da nação Angola-Congo, é tocado com varetas de madeira
denominadas agdavi, esses atabaques são denominados respectivamente: O Rum (atabaque
grande); Rumpi (atabaque médio); Lé (atabaque menor). Além dos atabaques, também é usado
o agogô.
Há vários toques que são executados de acordo com a ordem dos orixás no xirê, na nação
Ketu, jamberessu na nação Congo-Angola, odorozan/adorozan (odohozan)na nação Jeje,
momento em que o culto se traduz em forma de festa permitindo a participação da
comunidade de fora dos terreiros, o xirê obedece a uma ordem diferente do princípio da
senioridade8, sem, entretanto excluírem-se. Durante as cerimônias, como o xirê, pode-se ouvir
diversos toques, como: ijexá (sendo este o único que é tocado com as mãos na nação Ketu),
igbin, agueré, bravum, opanijé, alujá, adahun, avamunha, entre outros.
2.2.3 A nação jeje
A nação jeje, termo que segundo Parés (2007, p. 30), foi usado pela primeira vez nas
primeiras décadas do Setecentos para designar um grupo de povos provenientes da Costa da
Mina”. Estudos posteriores demonstraram que os povos jeje faziam parte de um grupo
8 O princípio da senioridade é a regra comportamental na qual o mais velho é aquele que detém o maior status de
respeito dentro do candomblé, é o mais respeitado, o que detém a sabedoria e experiência de vida.
35
minoritário proveniente do antigo reino do Daomé, que compreendia diversas culturas de
diversos povos, dentre eles: fons, adjas, minas, popos, gans etc. Esses povos tinham em
comum a prática religiosa do culto aos voduns, entretanto essa prática variava de povo para
povo.
Segundo Kileuy e Oxaguiã (2014), os voduns são cultuados aos pés de grandes e e antigas
árvores, algumas até centenárias. Esse Igbá9 natural chama-se atinsá
10 e mantém escondidos
os fundamentos destas divindades. Essas árvores recebem cuidados especiais e estão
permanentemente enfeitadas com ojás e laços, diferenciando-as das demais. Os autores
acrescentam que os voduns são considerados ancestrais remotos divinizados e, como os
homens, podem ser jovens, velhos, crianças, femininos, masculinos, tendo pertencido a
famílias reais e ilustres. Costumam ser um pouco rudimentares, embrutecidos e até meio
violentos em suas danças, não possuindo muita aproximação ou intimidade com os seres
humanos. Seus nomes e até mesmo seus rituais, alimentos, folhas, cantigas, emblemas, etc.
são bem distintos das demais divindades. Podem vestir-se de maneira simples com roupas que
deem a liberdade para dançar, movimento de sua preferência, tais como chapéu, camisu11
,
saias coloridas, com pouca roda, relembrando às roupas usadas por africanos, alguns usam
uma espécie de cinta de pano amarrando a saia, logo baixo da cintura. Dançam sempre
voltados para os atabaques em reverencia aos instrumentos que os trazem de volta ao convívio
com seus filhos.
Esses autores afirmam também que o termo jeje (adjeji) origina-se da língua yorubá, cujo
significado é estrangeiro, forasteiro. Era uma forma que os yorubás encontraram para
humilhar, melindrar e afrontar os fons, sendo usado no Brasil para designar o candomblé
formado pelos povos fon, e ewe. Esses povos, como já foi dito anteriormente, habitavam o
antigo reino do Dahome ou Daomé, atualmente Benin, cuja proximidade com a Nigéria fez
com que adotassem alguns orixás cultuados pelos e yorubás, tais como os voduns nagôs Oyá,
Óṣúm,Yemanjá, assim como os yorubá/nagôs adotaram alguns voduns do panteão jeje, a
exemplo Oxumarê; assim como Gana e Togo respectivamente.
9 Igbá (ígbá)é denominação dada ao receptáculo onde o homem venera suas divindades.
10 São árvores muito antigas cercadas e delimitadas por pequenos canteiros ou cercadas por pedras em local
afastado, são preparadas ritualisticamente para se tornar morada sagrada de alguns voduns (KILEUY;
OXAGUIÃ, 2014, p. 187). 11
É um tipo de camisa branca usada pelas mulheres, feita em tecido de algodão, com detalhes em renda, bicos ou
bordador no decote. O camisu é bem comprido, muitas vezes até o meio da coxa. Peça obrigatória no uso diário e
em festas de Orixás.
36
Com o tráfico escravo, chegaram ao Brasil principalmente os povos Minas (povos da Costa da
Mina, de origem Mina e Popo), os Mahis (povos camponeses de origem Fon, Ewe e Gan), os
Savalus (também de origem Fon, Ewe), povos de Aladá, Uidá e os próprios Adjas. Esses
diferentes povos de diferentes línguas e costumes estabeleceram seu culto no Brasil, sob o
nome de Nação Jeje, baseando-se no culto aos Voduns e formando várias ramificações, dentre
as quais se destacam: Jeje Dahomey: culto estabelecido pelos povos adjas, baseado na
reverência aos Voduns Reais (dirigentes do Dahomey), Voduns da família de Hevioso
(voduns do trovão, juntamente com os tòvoduns ou voduns aquáticos) e Voduns da família de
Dan (serpentes).
Os dirigentes do Dahomey tinham um conflito quanto ao culto de Sakpata, que tinha os títulos
de Jòholú (“Rei das Joias”, aludindo ao fato de ser o dono das chagas) e Ayinon (“Dono da
Terra”), títulos estes que o rei também possuía, o que levou ao culto de Sakpata ter sido
banido da capital e não existir no Jeje Dahomey. Orixás/Voduns Nagôs, não são cultuados
nesta ramificação. O terreiro que representa esta nação é o Terreiro do Pinho (Hunkpame
Dahomey) situado em Maragojipe na Bahia. As línguas faladas são o adjagbé e o ewegbé.
Jeje Mina cujo culto é voltado à adoração real dos voduns de Abomey. Isso porque a
fundadora deste culto (presente unicamente na Casa das Minas, pois nas demais casas de
Tambor de Mina, o culto é Mina Jeje-Nagô, com influências yorubás) era a Rainha Nã
Agontimé. Pesquisas realizadas por Pierre Verger sugerem que Nã Agontimé teria sido
enviada como escrava a São Luis do Maranhão - onde foi renomeada como Maria Jesuína – e
seria a fundadora da célebre Casa das Minas. Pierre Verger (1987) ainda cita:
A Casa das Minas teria sido fundada pela rainha Nã Agontime, viúva do Rei
Agonglô (1789-1797), vendida como escrava por Adondozã (1797-1818), que
governou o Dahomey após o falecimento do pai e foi destronado pelo meio irmão,
Ghezo, filho da rainha (1818-1858). Ghezo chegou a organizar uma embaixada às
Américas para procurar a sua mãe, que não foi encontrada.
A Casa das Minas cultua os Voduns dirigentes e nobres do Dahomey, inclusive Zomadonu,
que é chefe da Casa da Minas, juntamente com Nochê Naé, a ancestral mítica da família Real.
Jeje Mahi, representado pelos povos mahi, cujo culto era voltado a Dan Gbé Sén (Bessém,
este termo significa “adorar a vida” e dangbésén significa “serpente que adora a vida”) e aos
voduns de sua família, e também aos voduns da família de Hevioso ou Kaviono, e os voduns
da família de Sakpata. Voduns reais e Eguns não são cultuados. Tem influências nagôs e em
seu panteão adotou-se alguns Orixás, formando a família Nagô-Vodun, formada
37
principalmente por Ogun ou Gú, Odé, Oyá, Òsún e Yemanjá. O culto trazido pela africana
conhecida como Ludovina Pessoa, natural de Mahi, iniciada para o vodun nagô Ogun, que foi
escolhida pelos voduns para fundar três templos na Bahia. Ela fundou o “Zoogodo Bogun
Malé Hundo”, mais conhecido como “Terreiro do Bogun”, consagrado a Hevioso e o
“Zoogodo Bogun Sejá Hundê”, mais conhecido como “Kwê Sejá Hundê”, consagrado a
Bessém. O templo que seria consagrado a Azansú Sakpata não chegou a ser fundado. Dizem
os antigos que o Ogun de Ludovina se chamava “Ogun Rainha” ou “Ogun da Rainha”,
podendo supor que ela seria uma integrante da família real ou mesmo uma rainha do território
Mahi. No Rio de Janeiro, o Kpo Dagbá é o grande representante desta nação, fundado pela
africana da cidade de Aladá, Gaiaku Rosena, iniciada para o vodun Bessém. Jeje
Modubi: tinha como representante o “Bitedô” e a chamada “Roça de Cima”, ambos liderados
por Tixareme e também por Ludovina Pessoa. O que difere o Modubi do Mahi, é que no
Modubi o culto a eguns é muito presente e no Jeje Mahi isso é quizila.
Em Jeje Mahi se cultuam Voduns, cujas origens e características se assemelham aos orixás
Yorubás, e alguns tiveram origem de culto dos mesmos (um exemplo é Gú que tem origem de
culto do orixá Ogum). Voduns que tiveram vida terrena e que possuem sepulturas – como os
reais de Dahomey – e Eguns (akútùtós) não são cultuados em Jeji Mahi. A causa disto é que
Gbesén (Bessém), o dono da Nação, ser um vodum estreitamente ligado à vida e à renovação.
Os voduns do Jeje Mahi seguem uma divisão por famílias ou panteões, cujos principais são:
Panteão da Serpente (Dan): nesse panteão agrupam-se todos os “Voduns Serpentes”, estão
ligados diretamente ao movimento, a vida, a renovação e a adivinhação. Alguns voduns Dan:
Gbesén, Dangbala, Áidò Wèdò, Frekwen ou Kwenkwen, Dan Ikó, Dan Xwevé, Dan Akasú,
Dan Jikún ou Ojikún, Azannadô ou Zoonodô (que está ligado também a Hevioso), Aziri ou
Azli.
Panteão do Trovão (Hevioso): Nesta família agrupam-se os Voduns Kavionos, ligados ao
fogo, à justiça, e ao raio, e também os voduns do oceano (Tòvodum) que mantêm estreitas
ligações com os Voduns Kavionos. O Panteão é liderado pelo vodum Sogbo. Os Voduns
Kavionos: Sògbò, Gbadé, Akarumbé, Adeen, Kposu, Averekete, Lissá, Agbé Tayó (vodun do
aceano), Djó e Agbé Hunnòn (avejidá), Loko.
Panteão da Terra (Sakpata): Neste panteão se agrupam os voduns da terra, das riquezas e das
doenças, ligados a vida e a morte. Azansu é o lider do panteão. Alguns voduns do panteão:
Azansú (Sakpata), Ewá, Parará ou Pararalibu, Avimadje, Agué, Ayizan, Nanã, Agbé Gèlèdè e
38
Abè Afefè (Avejidá). Kposu está ligado a Sakpata, embora seja de Hevioso. Nagô-
Vodum: esses voduns são na verdade orixás, pois são de origem nagô. Os principais são: Gú
(Ogum), Odé, Oyá, Oxun, e Yemanjá. No Bogun, pode-se encontrar o culto a Logun Edé.
Guardiões: responsáveis pela defesa e fiscalização da casa, como Sòhòkwe, Legba e mesmo
Ogun. Legbá por suas diversas funções está ligado aos diversos panteões. Muitas famílias
menores foram absorvidas pelas maiores, assim podemos notar que Avejidá foi dividida entre
Sakpata e Hevioso. Azli Togbosi é a grande mãe das águas do Jeje Mahi e está ligada a todos
os voduns, por ser considerada a mãe de muitos deles.
2.3 RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM SALVADOR-BAHIA
A religião é parte da cultura de um povo, qualquer que seja ele, de qualquer lugar do mundo, é
ela que mantém uma parcela da tradição, é nela que se concentram hábitos creditados aos
costumes cotidianos. Outros, como já se pôde constatar, muitas vezes se originaram dentro da
própria religião, tornando-se cotidianos com o passar dos tempos e seus usos tornados e
tomados como comuns, visto que eram de algum benefício para a comunidade que os
adquiriram.
Com a escravização dos africanos, uma das estratégias que mais tinha sucesso, era a
separação do povo de seus líderes religiosos, dessa forma, perdia-se um elo de grande
importância na vida daquelas pessoas submetidas a todo tipo de degradação. Assim, estando
em uma terra estranha, a necessidade de reencontrar esse elo torna-se vital, tem-se então a
semente que florescerá novos caminhos para a preservação de tradições e culturas, agora não
só entre os seus, mas com a contribuição de outros grupos que tiveram a mesma sina.
Os criadores dessas religiões foram negros da nação nagô ou iorubá, especialmente
os de tradição de Oyó, Lagos, Ketu, Ijexá e Egbá, e os das nações jeje, sobretudo os
mahis e os daomeanos. Floresceram na Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio
Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro. Embora tenha também
surgido e se mantido uma religião equivalente por iniciativa de negros bantos, a
modalidade banto lembra muito mais uma adaptação das religiões sudanesas do que
propriamente cultos da África Meridional, tanto em relação ao panteão de
divindades como em função das cerimônias e processos iniciáticos (PRANDI, 2000,
p.60).
A recriação de religiões de matriz africana no Brasil e, mais precisamente, em Salvador, na
Bahia, deu-se pela necessidade desse africano escravizado manter-se vivo corporal e
espiritualmente, assim, a junção de ritos e aspectos culturais africanos diversos, das diversas
39
etnias que para o Brasil, foram trazidas, foi a maneira de resistir e ajudar-se mutuamente.
Segundo Prandi (2000, p. 60): “ Nas diferentes grandes cidades do século XIX surgiram
grupos que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não somente a religião
africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África. ”
O Candomblé, como é denominada a religião de matriz africana em Salvador, na Bahia,
nasceu da junção de várias etnias que passaram a se identificar como nações, essas nações,
como já foi explanado anteriormente, contemplavam vários elementos de muitas etnias juntas
em um só espaço.
Embora o foco dessa dissertação seja o Candomblé de Salvador-Bahia, pesquisas mostram
que o candomblé se expandiu por todo o estado, tendo forte representatividade no Recôncavo,
a exemplo de: Cachoeira e Santo Amaro, além do Baixo Sul: Ilhéus. Na Bahia, tem-se três
nações que são mais conhecidas: a nação Ketu, a nação Congo-Angola, a nação Jêje-nagô.
A religião de matriz africana foi a forma encontrada pelo africano de se manter vivo e
fortalecido para resistir aos males da escravização, assim como, tentar passar sua sabedoria
para seus descendentes, resistindo a europeização que poderia transformá-los para sempre em
escravos não só no nível corporal, mas no espiritual, talvez o mais perigoso, pois é nele que
está inserida toda sua cultura, todas as suas tradições, essa perda o transformaria em um ser
realmente vazio, destituído de seus direitos e de sua história, não se situaria em nenhum lugar,
não seriam mais africanos, nem brasileiros de fato , uma vez que jamais seriam considerados
iguais perante os donos do poder no Brasil.
2.3.1 O terreiro de candomblé
O terreiro de candomblé confunde-se com a própria religião, pois é o local onde o ser
religioso se concretiza, não que fora desses domínios não haja essa postura, mas é no terreiro
onde essa postura adquire mais força, pois, dentro dos limites do terreiro, os iniciados se
comportam de acordo com a dinâmica estabelecida pelos preceitos da religião, é como se
entrassem em outra dimensão social, em outro tempo, a começar pelo próprio vestuário. Lima
(1974) diz: “Candomblé é sinônimo de terreiro, de casa-de-santo, de roça. Na Bahia, na
40
linguagem do povo-de-santo, esses últimos termos se equivalem como referentes espaciais
dos grupos12
(...)”.
Já há algum tempo vários autores se ocuparam em demonstrar a importância dos
espaços terreiros como mantenedores de uma identidade, não necessariamente
fragmentada pelo drama que representou a escravidão aos povos africanos, mas
também uma identidade reconstruída de forma criativa a partir dos vários elementos
simbólicos fornecidos por matrizes culturais diversas que desde cedo marcaram a
formação de nossa cultura (SOUZA JR. 2011 p.24).
O terreiro de candomblé compreende o terreno propriamente dito e as construções: o barracão
onde são realizadas as festas públicas, os quartos onde serão realizados os rituais de iniciação
e as casas dos Orixás. Na parte externa, em alguns terreiros, frequentemente são vistas plantas
medicinais que serão usadas nos ritos e árvores, pois o candomblé é uma religião de
preservação da natureza.
Nesse espaço, a educação familiar une-se a ensinamentos que fazem parte de uma educação
formal, por vezes, encontrada na escola. No terreiro de Candomblé, os futuros iniciados e seus
filhos, que convivem nesse espaço desde que nascem, receberão vários ensinamentos. O
principal, e base da harmonia grupal, é o ensinamento do respeito aos mais velhos, o princípio
da senioridade, em seguida serão dados todos os outros necessários à preservação da tradição
baseada na oralidade.
Dentre os conhecimentos não relacionados às atividades domésticas, (cozinhar, lavar, passar)
que são proporcionados aos iniciados, está a música e a dança. No terreiro de candomblé são
ensinadas as músicas específicas para os momentos particulares – rituais presenciados apenas
pelos iniciados do terreiro – e para os coletivos – festas abertas ao público. Essas músicas são
no idioma da nação a que o terreiro pertence – Ketu, Angola, Jêje, Ijexá. Desse modo, há o
ensino, ainda que para uso exclusivo na comunidade de terreiro, de língua estrangeira.
Juntamente com o aprendizado das músicas, tem-se os toques, embora esses sejam aprendidos
apenas pelos homens, os alabês (em Ketu) ou ṣikangoma ou Xicarangoma, os iniciados que
receberão esse aprendizado, serão os responsáveis por “chamar” o Orixá à terra. Todos os
rituais dentro do candomblé são cantados, podendo ser acompanhados ou não por
instrumentos.
12
Lima (1974, p.17) se refere aos grupos iniciados ou adeptos das religiões de matriz africana.
41
O terceiro item desses ensinamentos é a dança, ela aparecerá em momentos específicos, como
por exemplo, as festas abertas ao público, entretanto, há momentos em que é usada para
rituais simples como a oferenda da comida ao Orixá. A dança no candomblé é a recriação da
saga do Orixá, seu movimento corporal, a representação de seu elemento ou a lembrança de
um momento na história desse Orixá. No candomblé, tudo é música e movimento.
Em Salvador, é difícil dizer com exatidão a quantidade de terreiros existentes, pois há um
fator bem relevante a ser compreendido. Muitas vezes, o terreiro é a própria residência da
Iyalorixá ou do Babalorixá, devido a falta de poder aquisitivo para se adquirir um terreno com
os atributos necessários à formação de um terreiro de candomblé. Assim, muitas vezes, o
terreiro é a própria casa, mas não é considerado como tal pelos próprios frequentadores da
religião.
Em 2006, em Salvador-Bahia, uma parceria entre as secretarias municipais da Reparação e da
Habitação e o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia
(CEAO/UFBA) executou o projeto de regulamentação Fundiária dos Terreiros de Candomblé,
reconhecendo as religiões de matrizes africanas como patrimônio cultural-religioso de
significativa influência na cidade de Salvador. Nesse projeto foi realizado um mapeamento
detalhado dos terreiros com fins de elaboração de políticas de preservação e revitalização
ambiental, cultural e religiosa.
Entretanto, o desejo de saber com certa exatidão quantos e quais eram as comunidades de
terreiro da Bahia já vem desde metade do século XIX, como afirma Santos (2006):
Desde a segunda metade do século XIX, como observa o cronista J. da Silva
Campos, “os candomblés derramavam-se por toda cidade e pelo subúrbio”13
Em relação ao século seguinte, a percepção do cronista foi acrescida por
observações que buscavam por alguma quantificação. Em pesquisa realizada nos
anos 30 do século XX, Donald Pierson afirmava que os terreiros estavam
localizados em áreas onde habitavam “pretos ou mestiços escuros, ou nas cercanias
13
V. Campos, J. da Silva. “Ligeiras notas sobre a vida íntima, costumes e religião dos africanos na Bahia”. Anais
do Arquivo do estado da Bahia, vol. 29, pp.289-309. Para uma discussão sobre a presença dos candomblés na
Bahia oitocentista, v. também Santos, Jocélio Teles dos, “Candomblés e espaço urbano na Bahia do séc. XIX”,
Estudos Afro-Asiáticos, ano 27, n. 1/2/3, jan-dez 2005, pp. 205-206; Parés, Luís Nicolau. A formação do
candomblé. História e ritual da nação jeje na Bahia. São Paulo, editora da Unicamp, 2006; Reis, João J.
“Candomblé in Nineteenth-Century Bahia: priests, followers, clients”. In Kristin Mann e Edna G. Bay (orgs.).
Rethinking the African Diaspora. London, Frank Cass, 2001. Silveira, Renato da. O candomblé da Barroquinha.
Processo de constituição do primeiro terreiro baiano de keto. Salvador, Edições Maianga. 2006. (SANTOS,
2008, p. 15).
42
da cidade”. E dizia: “alguns afirmavam existir duzentas ou trezentas [‘seitas’], mas
este cálculo parece exagerado”.14
No início dos anos cinquenta, Edison Carneiro dizia haver cem candomblés15
. Na
década de sessenta, o Ceao realizou uma pesquisa, sob a coordenação de Vivaldo da
Costa Lima, que registrou 756 terreiros; a Secretaria de Indústria e Comércio (SIC)
publicou um estudo sobre o mercado e nele consta a informação de que existiam
1.018 terreiros em Salvador; finalmente, em 1988, o grupo Gay da Bahia realizou
oficinas de prevenção às DST/Aids em 500 terreiros.16
(SANTOS, 2006, p. 15)
Nesse mapeamento, foram identificados 1.410 terreiros, desses apenas 1.164 foram
cadastrados para receberem os programas de ações político-sociais oferecido pelo poder
público. Foram também encontrados terreiros que fecharam por falecimento dos responsáveis
ou ainda por questão de doença (total de 142), além de terreiros que se mudaram para outros
municípios (total de 31), outros que não foram encontrados. Desse modo, a exatidão sobre a
quantidade de terreiros em Salvador continua inconclusa, necessitando outras pesquisas para
tentar chegar a um número concreto.
É importante salientar que, como toda religião, sua expansão é inevitável, assim mesmo que
se chegue a um número exato ou próximo disso, sempre haverá a possibilidade de esse
mesmo número sofrer alteração para mais ou para menos, partindo do princípio da dinâmica
afro-religiosa, chegará o momento em que o filho ou filha de santo abrirá seu próprio terreiro,
tornando-se Iyalorixá ou Babalorixá, se assim o Orixá decidir.
Segundo esse mapeamento, 57,8% dos terreiros entrevistados se autoidentificou como da
nação Ketu, 24,2% da nação Angola, 2,1% Jêje e 1,3% Ijexá. Há ainda terreiros que se
classificam como de duas ou mais nações ao mesmo tempo, como por exemplo: Angola-Keto,
Angola-Jêje-Keto, Keto-Angola-Ijexá. Dentre os terreiros mapeados nesse projeto, o mais
antigo é o Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Terreiro da Casa Branca) é o primeiro terreiro de
Candomblé de Salvador e, possivelmente, da Bahia, sendo fundado em 1735.
Entretanto, para Silveira (2006), a história do Terreiro da Casa Branca, como é mais
conhecido, se mistura com a do terreiro da Barroquinha, cuja história de fundação ainda é
14
Pierson, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo, Editora Nacional, 1973, p.
3065. (SANTOS, 2008, p.15) 15
Carneiro, Edison Carneiro. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986, 7ª ed. p. 51.
(SANTOS, 2008, p. 15) 16
Lima, Vivaldo da C. A família-de-santo nos candomblés jêje-nagôs da Bahia: um estudo de relações intra-
grupais. Pós-Graduação em Ciências Humanas da UFBA, 1977, p. 4-5; O gigante invisível. Estudo sobre o
mercado informal de trabalho na região metropolitana de Salvador. Secretaria da Indústria e do Comércio,
1983. p.62. (SANTOS, 2008, p.15)
43
pouco certa, não se sabe ao certo qual dos dois nasceu primeiro, nas versões mais realistas,
varia entre 1788 e 1830, ele ainda afirma que é um processo de longa duração, com várias
etapas e certamente várias datas importantes, entre as quais essas duas.
O célebre Babalaô Martiniano do Bonfim, em depoimento dado a Ruth Landes em
1938, afirmou que a Casa Branca tinha sido fundada havia “uns cento e cinquenta
anos”. É vago, mas já não é tempo simbólico, é cronológico, e se fizermos a conta
dá 1788, por ocasião do Primeiro Congresso Afro-Baiano, teve lugar na própria
Casa Branca uma exposição comemorativa dos seus cento e cinquenta anos de
fundação. Os números aqui são bem precisos e então o candomblé teria sido fundado
em 1789 (SILVEIRA, 2006, p. 374).
Desse modo, não há como precisar cronologicamente a fundação do primeiro ou dos
primeiros terreiros de candomblé ketu em Salvador, por vezes essas datas precisas dizem
respeito à fundação a partir do momento em que o terreiro assume sua totalidade dentro da
comunidade, pode ser que muito antes já existisse o candomblé em pequena escala, dentro dos
domínios do terreno e, possivelmente, fosse conhecido como terreiro em sua totalidade muito
depois, daí a imprecisão de datas.
Por vezes, essa fundação será reconhecida a partir do momento em que se abre o barracão
quando se “bate” o primeiro candomblé de fato, a festa aberta ao público. Pode ser que a
partir desse evento aquele candomblé seja legitimado de fato para a sociedade em geral,
embora isso não seja totalmente certo. Ou ainda, a necessidade de se legitimar como
candomblé de fato parta do aumento da frequência da comunidade em seus cultos.
[...] Pierre Verger, repetindo informações orais de fonte segura, popularizou a ideia
de que o Candomblé da Barroquinha foi inicialmente fundado “numa casa situada na
Ladeira do Berquó: hoje rua Visconde de Itaparica”, localização que pode ser
melhor definida.[...] a ladeira era transversal a duas movimentadas ruas do centro
histórico de Salvador e terminava no Solar do Berquó, seria difícil manter um culto
africano funcionando clandestinamente durante muito tempo em um local tão
exposto. [...] Com o aumento da comunidade, é natural que os nagôs desejassem ter
um candomblé próprio, e o culto doméstico foi apenas o primeiro e tímido passo já
que estava exigindo um lance maior. O passo seguinte era conseguir o terreno anexo
à igreja, onde poderiam ser construídas algumas instalações necessárias a um
funcionamento mais confortável (SILVEIRA, 2006, p. 378).
Assim, as datas podem servir para uma localização vaga necessária a situar-se temporalmente
em nível de pesquisa, mas ao se refletir sobre os modos como se deram os cultos de matriz
africana no Brasil e na Bahia, vê-se que muito antes de terem local e datas de fundação
definidos já havia sua prática cotidiana.
44
2.3.2 Terreiros de Candomblé em Salvador
Os terreiros são o patrimônio que carrega em si ecos de uma África que seria esquecida se
fosse a resistência de seus filhos inconformados com a brusca separação. Essa resistência
pode ser constatada pelo grande número de terreiros de grande e pequeno porte espalhados
por toda Bahia.
Para ilustrar essa riqueza histórica e a importância dos terreiros de Candomblé na construção
da identidade baiana e soteropolitana, são tomados como exemplo quatro das mais antigas e
tradicionais casas de candomblé da cidade de Salvador: o Manso Bandu Kenkê (Terreiro do
Bate Folha); o Ilê Aṣé Iyá Nassô Oká (Terreiro da Casa Branca), o Ilê Aṣé Opô Afonjá e o
Zoogodo Bogum Male Rundó.
2.3.2.1 Terreiro do Bate Folha
O Terreiro do Bate Folha foi fundado em 1916 por Manoel Bernardino da Paixão cuja dijina17
Ampumandezu, atualmente, possui como dirigente Eduarlindo Crispiniamo de Souza, dijina
Molunderê. Este terreiro possui registro na Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro como
candomblé da nação Angola Muxicongo.
Segundo Serra (2007), por ocasião do pedido de tombamento do Terreiro do Bate Folha, a
etnografia deste terreiro vem desde os estudos nos ensaios de Édison Carneiro (1937-1948),
nos quais fala sobre esta grande roça e de seu fundador, Manoel Bernardino da Paixão, dando
o testemunho de que o Venerável Tata Bernardino (como era mais conhecido este sacerdote)
(grifo do autor) participou do Segundo Congresso Afro-Brasileiro (Carneiro, 1964; cf.
Oliveira, 1987; e Lima 1987). Serra (2007) entretanto, considera o pioneiro nos estudos do
“candomblé banto” – Carneiro - injusto com o que ele mesmo qualifica de rito “magnífico” e
o preconceito derivado de sua preferência pelos estudos do modelo nagô (ecoando o ponto de
vista de Nina Rodrigues)(grifo do autor), afirmando que esta preferência por parte do
estudioso teve uma influência negativa sobre a etnografia voltada para os cultos afro-
17
Nome de origem africana pelo qual o iniciado é reconhecido após sua iniciação dentro do candomblé.
45
brasileiros, concentrando-se quase que majoritariamente no estudo de candomblés dos ritos
Ketu.
Serra (2007) ainda afirma que, após estes, novos estudos mostrariam a grandeza da liturgia
angola (Binon-Cossard, 1970; Serra 1978), para ele, atualmente, já existe firme consenso
entre os estudiosos quanto à importância decisiva da contribuição dos candomblés de tradição
congo-angola na formação da religiosidade afrobrasileira, sendo reconhecido o vigor da sua
influência positiva na geração de riquezas culturais do Brasil.
Em especial, não há como negar o valor do contributo da mística do TERREIRO
DO BATE FOLHA para a formação de uma cultura religiosa de fonte negra hoje
difundida por todo o nosso país. O brilho deste templo, a importância do MANSO
BANDU KENKÊ e o fastígio da tradição que nele se preserva são atestados por
destacados sacerdotes do candomblé nagô, como a Venerável Ialorixá Stella de
Azevedo Santos, do Axé Opô Afonjá, que em ofício constante deste Processo
reforça o pedido de tombamento do célebre santuário da Mata Escura (SERRA,
2002, p.7).
Dentro do conjunto cultural e tradicional pertencente ao Terreiro do Bate Folha pode-se
pontuar o uso linguístico, pois em seus rituais ainda pode-se constatar o uso da “língua
Angola”, ou seja, o kimbundo e o kikongo. É o que Serra (1991, apud Mackey (1972) afirma
corresponder a uma community language de um grupo eclesial cujo uso diatópico, enquanto
registro, cinge-lhe o emprego a desempenhos litúrgicos e ao enunciados de textos formulares.
Este código identifica-se nesse contexto como “língua angola”, tendo, como foi mencionado
no início do parágrafo, no quimbundo e quicongo a origem de seu repertorio básico.
Serra (1991) acredita que essa língua já teve seu uso correspondente a um crioulo, mas que
acabou por assumir especialização funcional. Muito do que se aprende nos terreiros, no
tocante à línguas de origem africana serve apenas para aquele território, podendo até ser usado
esporadicamente por seus iniciados e frequentadores das comunidades de terreiros, em outras
situações esparsas e entre eles mesmos.
O angola que se emprega em terreiros do Brasil sofreu o impacto de diferentes
falares africanos que aqui o “contaminaram”, e, claro está, a influência do ambiente
lusófono. Funciona como um código religioso e um marcador de identidade. Seu
emprego gera textos litúrgicos que também podem ser considerados monumentos
(Serra, 1991).
O Terreiro Bate Folha é um dos redutos da cultura bantu em Salvador, sendo tombado como
patrimônio histórico, pela sua contribuição histórica na formação do povo baiano e
soteropolitano.
46
2.3.2.2. Terreiro Ilê Axé Opo Afonjá
O terreiro de nação Ketu Ilê Aṣé Opo Afonjá foi fundado em 1910 por Mãe Aninha, Iyalorixá
Obá Biyi, no bairro do São Gonçalo do Retiro, em Salvador. Obá Biyi foi iniciada por Mãe
Marcelina da Silva, Iyalorixá Obá Tossi, descendente da tradicional família Axipá, segundo
Luz (2007, p.11), “uma das sete famílias fundadoras da cidade de Ketu, integrante do antigo
império nagô ou yorubá”. Atualmente, o terreiro é dirigido pela Iyalorixá Maria Stela de
Azevedo Santos. Este terreiro possui desde sua fundação a mesma espacialidade, com poucas
alterações desde essa época. É o que Luz (2007) caracteriza como espaço mato e o espaço
urbano.
O que Luz (2007) denomina espaço mato compreende ao ibo, a floresta sagrada, local da
origem das iniciações no continente africano. Nele estão as árvores, as folhas, as águas e as
forças espirituais que ali habitam. Dali, são retiradas as ervas para os preparos religiosos e
medicinais. Na contiguidade desse espaço está o ilê ibó aku, casa de adoração aos mortos, que
delimita a passagem para o espaço urbano.
Na sequência espacial tem-se a casa dos Orixá (grifo do autor) Exu, Ossaiyn, Xangô depois
Iyemanjá, Iya, Oxalá, e contígua a esta, de forma longilínea, a casa das sacerdotisas, depois a
casa dos orixás da terra, Nanã, Obaluaiyê e Oxumarê, seguindo-se Ogum, Oxossi e Oxum. Do
lado oposto com a frente para a rua São Gonçalo contornando toda a área do terreiro, as casas
das famílias dos integrantes da comunidade, intercalada pela porteira, tendo ao lado o
assentamento do orixá Exu.
Essa espacialização obedece a necessidade de harmonizar no mesmo local, na
mesma comunidade terreiro, a adoração aos orixás de diferentes cidades de origem
do império nagô que vieram para o Brasil especialmente nos séculos XVIII e XIX.
Ao centro entre as casas dos orixá, ilê orixá, e a casa daquelas famílias culminando o
caminho de entrada em direção oposta ao ilê ibo iku, o “barracão” ou casa grande, o
ilê nla, onde são realizados os rituais públicos (LUZ, 2007, p. 11-12).
2.3.2.3 Terreiro da Casa Branca
O terceiro exemplo é o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho,
segundo Serra (2008), é tradicionalmente considerado, o mais antigo templo afro-brasileiro
ainda em funcionamento. Os etnógrafos que se ocuparam dele reconhecem que é impossível
precisar a data de sua fundação (na Barroquinha), mas os cálculos baseados na etno-história e
nos documentos disponíveis fazem-na remontar, no mínimo, à década de 1830 (COSTA
47
LIMA, 1977; VERGER, 1992. BASTIDE, 1986), ou mesmo a inícios do século XIX, senão
um pouco antes (SILVEIRA, 2006).
Sua comunidade de culto — o Egbé18
Iyá Nassô — segue o rito nagô e se autoidentifica como
um “candomblé ketu”, ou “de nação ketu” (COSTA LIMA, 1976 e 1999). No contexto, o
designativo “nação ketu” remete, por contraste paradigmático, a denominações como [nação]
“ijexá”, “angola”, “jeje” etc. No caso do egbé em questão, existe clara consciência de que a
“nação” corresponde a um indicador étnico, refere-se a um lugar de origem dos (principais)
fundadores do culto.
O hieronímico do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho faz referência a sua fundadora,
Iyá Nassô, ainda hoje invocada nas preces do egbé como Iyá Nassô Oió Acalamabô
Olodumaré. Os estudiosos reconhecem que “Iyá Nassô” vem a ser, na verdade, um título: um
dos mais importantes títulos sacerdotais femininos do Império de Oió (COSTA LIMA, 1977;
SILVEIRA, 2006), correspondente a um elevado posto hierárquico, indicativo de alta
projeção na corte do Alafin, e liga-se ao culto de Xangô [um orixá, uma divindade do panteão
iorubá, muito cultuado no Brasil (COSTA LIMA, 1977; ABRAHAM, 1958; MORTON-
WILLIAMS, 1964; SMITH, 1969; BURT, 1977; VERGER, 1987, 1999)]. A história do
terreiro da Casa Branca une-se à historias das três princesas que foram trazidas e compraram
sua liberdade dando início ao culto dos Orixás em diversas partes da cidade de Salvador.
De acordo com as tradições do Ilê Axé que tem seu nome, na fundação dele Iyá
Nassô teve a ajuda de outras sacerdotisas muito veneráveis, vindas da cidade de
Ketu (Iyá Adetá e Iyá Acalá) e contou também com o apoio de um grande sacerdote
ligado aos cultos das divindades Xangô e Ifá, portador do título de Bamboxé
Obitikô, igualmente oriundo de Ketu, segundo aí se acredita. Este famoso babalaô
(sacerdote de Ifá, especialista no jogo divinatório) tinha no Brasil o nome de
Rodolfo Martins de Andrade (VERGER, 1981). É honrado entre os ancestrais do
Egbé Iyá Nassô juntamente com Babá Oburô e outros personagens eminentes que,
segundo a tradição preservada na Casa, participaram da fundação do templo da
Barroquinha (SERRA, 2005; SILVEIRA, 2006). (SERRA, 2008, p. 3)
O terreiro da Casa Branca teve sua tradição iniciada na Barroquinha, na Ladeira do Berquó,
sendo transferido posteriormente para o local conhecido na época como Roça do Engenho
Velho, no Caminho do Rio Vermelho, hoje, Avenida Vasco da Gama, 463.
Sua entrada é uma pequena praça consagrada, a Praça de Oxum, com o famoso barco de
Oxum, Okoiluaiê, na parte plana do imóvel, cujo limite com relação à avenida está demarcado
por uma monumental grade de ferro, lavrada com motivos da mítica do candomblé, obra do
18
Nome dado às comunidades de terreiro.
48
artista plástico Bel Borba. Fica numa encosta a edificação principal do Ilê Axé (a “Casa
Branca” donde se tirou um cognome do terreiro), prédio que compreende o salão de festas,
sacrários, cômodos de uso residencial de hierarcas do egbé, clausura, sala de refeições e
cozinha ritual; na mesma encosta se implantam santuários destacados (ilê orixá) e também
casas onde residem membros da comunidade (SALVADOR, 1982; SERRA, 2000 e 2005;
OLIVEIRA, 2006).
Segundo os registros da tradição vigente no Egbé Iyá Nassô — uma tradição que as pesquisas
historiográficas em grande medida têm conconfirmado —, a primeira Ialorixá (Sacerdotisa
Principal) do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, Iyá Nassô, foi sucedida por Iyá
Marcelina da Silva, hieronímico Obá Tossi; depois desta, pontificou a Iyá Maria Júlia
Figueiredo, Omoniquê, sucedida por Iyá Ursulina Maria de Figueiredo, a famosa Tia Sussu. A
esta sucedeu, por sua vez, Iyá Maximiana Maria da Conceição (Oin Funquê), a também muito
célebre Tia Massi. Seguiu-se-lhe Iyá Maria Deolinda Gomes dos Santos (Okê), sucedida pela
Iyá Marieta Vitória Cardoso (Oxum Niquê), cuja sucessora é a atual Ialorixá da Casa, a
Venerável Altamira Cecília dos Santos, Oxum Tominwá (COSTA LIMA, 1977; OLIVEIRA,
2004; SERRA, 1995 e 2005; SILVEIRA, 2006).
2.3.2.4 Terreiro do Bogum
O quarto e último exemplo, mas não menos importante é o Terreiro do Bogum, nome pelo
qual este templo é mais conhecido, situado no bairro do Engenho Velho da Federação, na
Ladeira do Bogum, também designada, oficialmente, como Rua Manoel do Bonfim. Tem a
completar seu endereço o número 35. A e a cifra do Código de Endereçamento Postal
40.320.220. Corresponde-lhe uma área total de 1000 m², sendo 600m² de área construída.
Segundo o laudo escrito pelo antropólogo e historiador Na sua vizinhança, o dito templo é
também chamado simplesmente de “o jeje” (scilicet “o terreiro jeje”). Assim também
costumam designá-lo membros do povo-de-santo de outras “nações” do candomblé de
Salvador, principalmente dos egbé instalados nas cercanias.
O Terreiro do Bogum tem registro na Federação Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros —
FENACAB e no Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira — INTECAB. É,
sem dúvida, um dos mais famosos templos negros da Bahia; sua fama e sua influência se
difundem por todo o país. Líderes religiosos que alcançaram grande celebridade se iniciaram
neste templo, que assim deu origem a outros, muito respeitados: basta citar, a propósito, o
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venerado Hunkpáme Ayioóno Huntolóji, templo cachoeirano fundado pela Gaiaku Luísa, e o
carioca Podabá, que, segundo Ney Lopes (2004, s. v. Zoogodô Bogum Malê Rundó), também
deve sua fundação a uma sacerdotisa — a Venerável Rozena de Bessém, Azinossibale —
iniciada no terreiro objeto do presente laudo. José Flávio Pessoa de Barros (2005:31-2) cita
ainda como oriunda do Bogum a Venerável Margarida de Iemanjá, com terreiro em Vilar dos
Teles,São João do Meriti, Rio de Janeiro.
A área atual do templo jeje do Bogum compreende seis pequenos blocos de edificações;
um deles (indicado pelo número 23 em planta anexa) encerra a casa da Doné, com dois
pavimentos; no piso superior residem a mãe-de-santo, seu atual esposo — o Sr. Raimundo
Bento Araújo da Paixão —, o filho do primeiro casamento dela, Sr. Antonio Raimundo Melo
Soares, e um filho deste último, Kaike Santos Melo Soares (os dois últimos iniciados no
Bogum na qualidade de ogãs); no piso térreo residem a genitora da Doné e três irmãos desta,
todos eles iniciados: o Sr. Ubiraci Ricardo de Melo como adoxo (preparado para o transe
entusiástico), os dois outros como ogãs (Ubiratã Jesus de Melo e Ernani Ângelo de Melo).
Outro bloco próximo encerra a residência da sacerdotisa Gildete de Oliveira Souza, a
venerável Odessi (irmã-de-santo da Doné), que aí mora com um filho, Luis de Oliveira Sousa,
e um neto, Kainã Vinícius Santos, ambos iniciados como ogãs.
Um pequeno anexo a este bloco encerra sanitários que são franqueados ao público durante as
festas. Era-lhe contígua uma árvore (Ficus doliaria), consagrada ao vodun Loko, em um
ângulo formado por muros erigidos para separar o terreiro da rua: o que encerra o portão de
acesso e o que define o limite lateral direito do templo, na perspectiva de quem segue para o
domicílio da Doné. (Esta árvore tombou recentemente, com danos para as edificações
próximas).
Pouco adiante, encostada a este muro, próxima ainda ao referido ângulo, encontra-se outra
habitação, de uso residencial, abrigando um grupo doméstico formado por cinco pessoas que
não pertencem ao grupo de culto do Bogum, mas estão ligadas por laços de parentesco à mãe-
de-santo: a Sra. Luzia Maria Melo (irmã da Doné por parte de pai), seu filho, sua nora e seu
neto. Progredindo um pouco no sentido em que desde aí se avança rumo ao trecho mais
posterior do conjunto, outro bloco, encostado ao muro, encerra quatro santuários contíguos
dedicados, respectivamente (na ordem da indicação evocada entre parênteses na linha acima),
às divindades Agangatolú, Agué, Nanan e Omolu, com divisórias em parede-meia.
50
Junto ao santuário de Omolu encontra-se outra árvore Loko, objeto também de culto; entre
esta e uma jaqueira (Artrocarpus integra), igualmente sagrada, fica o santuário de Aizan. Ao
muro fronteiro a este se encosta mais um bloco de edificações, que um bilreiro (Guarea
trichilioides) separa de um pequeno santuário chamado Cutito e dedicado ao culto dos
antepassados. No referido bloco, três dos seis cômodos são santuários, dedicados,
respectivamente, ao vodum Bessém, a Tubansé (aos Caboclos) e ao vodun Legba (chamado
familiarmente de “Compadre”); duas unidades são reservadas a membros do terreiro que
residem fora, mas a este acodem durante as principais obrigações do calendário litúrgico.
O cômodo mais próximo ao edifício principal é o Quarto dos Ogãs (ministros dos voduns,
homens iniciados e impassíveis de transe). Nesse conjunto maior se encontra o barracão (S.
Pechiné)], salão consagrado às celebrações públicas. No espaço fronteiro ao barracão, no
ângulo formado por muros que limitam, neste trecho, a área do terreiro, encontra-se mais um
pequeno santuário, dedicado a Legba. Bem próximo desta “Casa de Exu” pois ela também é
designada com este nome encontra-se uma árvore (acácia) consagrada ao vodum Azonodô.
Separado do bloco da edificação principal, há outro sanitário externo, perto do cômodo que
corresponde à clausura iniciática (mas além de suas paredes e junto ao muro que corresponde
ao limite lateral esquerdo do terreiro, para quem ingressa no mencionado bloco).
A partir do salão de festas, há um corredor — em cuja entrada, em curva, se acha representada
em pintura parietal uma serpente leva ao restante do corpo do edifício principal do candomblé
do Bogum. À direita de quem por ele ingressa, encontram-se dois dos principais sacrários, de
acesso interdito a profanos: o peji, que abriga os assentamentos dos patronos da comunidade e
sacra de voduns de iniciados, mais o Quarto de Lissa (Olissassa), ou seja, o sacrário da
principal divindade do panteão jeje, fronteiro à sala de jantar em que o corredor desemboca.
Esta sala conduz à cozinha; depois do santuário de Lissa, à direita da sala de jantar, acha-se
uma dispensa; à direita da cozinha fica uma varanda. Importa observar que a realização de
oferendas alimentares cujo preparo requer obediência a preceitos específicos torna essa
cozinha um implemento religioso, investindo-a de sacralidade.
Logo no início do corredor, quem nele penetra desde o salão de festas vê a sua direita o
Quarto das Ekedes (sacerdotisas iniciadas, infensas ao transe, parte de cujo ministério
envolve a assistência diretas aos iniciandos e a todos os que sofrem a possessão pelo vodun
51
nos ritos públicos); este seu cômodo protege o vestíbulo da clausura, hundemi [nome grafado
também rondeme na comunidade], por definição inacessível a profanos. Quem avança mais
pelo dito corredor passa em seguida por outro cômodo, que também confina com o hundemi:
é o aposento reservado, neste edifício, à Doné, à mãe-de-santo.
Tanto quanto os altares edificados, as árvores sagradas do terreiro são consideradas santuários
e constituem hierofanias. Pinturas que ornam as paredes do salão de festas, assim como o
corredor de acesso ao interior do edifício principal e a saleta que flanqueia esta passagem, à
direita de quem entra, são símbolos sagrados; destacam-se as representações de serpentes que
evocam a divindade Bessém e assinalam a eminência do culto do vodum Bafono Deca no
Terreiro do Bogum. Retratos da Doné Runhó e da atual
Doné são visíveis também nas paredes deste edifício (no salão principal e na saleta mais
interior). Logo à entrada do barracão fica um assentamento de Legba, senhor dos limiares e
passagens. Além das pilastras de sustentação do teto, há, no grande salão de festas, um poste
central, sem funcionalidade arquitetônica, mas de grande relevância simbólica, religiosa. Sua
sacralidade evoca os ritos de fundação do templo e serve de referência para o
desenvolvimento da liturgia, como eixo das evoluções dos vodunsis (iniciados suscetíveis de
transe) no rito entusiástico (BASTIDE, 1973: III: 5).
Além do trono da Doné, outras sedes (cadeiras de alto espaldar, com decoração especial)
servem de assento a autoridades religiosas da Casa ou a visitantes de grande prestígio. Estas
cadeiras-tronos integram a parafernália posta em uso na investidura dos sacerdotes que
ascendem a cargos importantes no terreiro: são inauguradas na confirmação dos ogãs e ekedes
ou nos ritos de sagração dos mais altos hierarcas. Seus titulares podem ceder-lhes o uso a
pessoas gradas.
O mobiliário efêmero das festas também tem valor religioso e se inspira em símbolos sacros.
Um constante indicador de sacralidade (sempre renovado, por ocasião das festas, como ornato
das janelas e portas) são as pequenas cortinas de fios de palha de dendê, chamadas mariô
(mariwo) e relacionadas com o vodum Gu (Ogum).
Embora identificado, quase sempre, tão só pelo nome Bogum, este famoso templo tem por
hieronímico Zoogodô Bogum Malê Rundó, de interpretação controvertida. O nome “Bogum”
geralmente é dado como variante de vodun (divindade), mas há outras hipóteses. Em seu livro
52
Falares Africanos no Brasil, Yeda Pessoa de Castro [2001: 177, s.v.] liga a forma Bogum com
Boalama e dá-lhe por étimo o termo fon agbogun, designativo dos “descendentes de Agbo,
divindade protetora dos Gedevi (jeje) da cidade de Abomé.” Quanto a Boalama, segundo ela
explica na glosa correspondente (op. cit., p. 176), seria um “nome de nação jeje-mina”.
A explicação mais popularizada associa o nome Bogum a outro termo presente na fórmula
hieronímica em apreço — o nome malê, designativo genérico dos africanos islamizados — e
relaciona sua combinação com um sucesso histórico: a Revolta dos Malês, de 1835. De
acordo com Monteiro (1987), seria Bogum o nome de uma casinha, próxima à igreja dos
Quinze Mistérios (Santo Antônio Além do Carmo) onde os revoltosos esconderiam munições
e dinheiro destinados ao fomento de sua rebelião; um deles, de nome Aprígio, teria logrado
refugiar-se no terreiro jeje do Engenho Velho da Federação, que a acolhida deste “negro do
bogum” acabaria por assim identificar. Jehová de Carvalho (1984) relaciona o nome Bogum
com um termo fon homônimo, designativo de “caixa”, “baú” ou “cofre”; segundo sua
hipótese, um baú com o ouro dos malês teria sido levado para o dito terreiro pelo rebelde
fugitivo Joaquim Jeje, um iniciado no culto dos voduns, e a memória deste acontecimento
determinaria a designação do templo.
Embora tal explicação tenha conquistado adeptos entre os membros do grupo de culto a que a
narrativa evocada se refere, outras autoridades desta mesma Casa interpretam Bogum como
um teônimo: seria o nome de um vodun “da família de Dan”. Estudiosos reportam também a
um teônimo o nome Zoogodô, que combinaria o designativo fon para fogo ao onomástico de
uma divindade (do panteão iorubá) associada a este elemento, Ogodô (PARÈS, 2006: 201-
204); ou corresponderia a uma variante de Azonodô (CARVALHO, 2006), nome gbe de um
vodun. Do termo rundó não foi proposta etimologia provável. Em suma, o hieronímico do
terreiro em foco ainda não foi plenamente explicado do ponto de vista linguístico,
etimológico; mas parece claro que ele encerra referências a divindades e mostra o efeito de
profundos contactos interculturais, além de uma composição em que são detectáveis termos
de origem fon gbe.
O rito observado no dito terreiro é bem característico, claramente identificado pelos
especialistas e pelo povo-de-santo como uma importante variedade litúrgica do candomblé;
exprime-se este reconhecimento ao dizer que o referido terreiro é “da nação jeje-marrim”, ou
jeje mahi. Há nessa categorização uma especificação que convém esclarecer. É pertinente
53
dizer que o Bogum é um templo jeje, opondo-o assim a casas de Candomblé ketu ou angola,
por exemplo; mas o povo-de-santo assinala a diferença entre as variantes jeje marrim, jeje
mundubi, jeje dahomé e jeje savalu, categorias que encerram referências étnicas a subgrupos
do mesmo conjunto e têm uma expressão litúrgica.
Falantes de línguas ewe-fon da África Ocidental transportados como escravos para nosso país
“ficaram denominados pelo tráfico de jejes, minas, ardras ou aladás, uidás, mahis, mundubis,
savalus, anexôs, pedás, dos quais se tem notícia no Brasil já nos finais do século XVIII”,
conforme assinala Yeda Pessoa de Castro (obra citada, p. 39). Na glosa correspondente a jeje-
mundubi, a referida antropóloga explica o último termo do composto como derivado do étimo
Xogbonuví, cujo significado seria “filhos de Xogbonu”, antigo nome de Porto Novo, capital
do Benin, de maioria gun, falante de língua do mesmo nome, pertencente ao grupo ewe e
muito próxima do fon”. Já o gentílico marrim do composto jeje-marrim designa, segundo a
mesma estudiosa, “africanos procedentes do norte do Benin, da região de Savalu, no país
Mahi, trazidos para o Brasil a partir da última década do século XVII; falantes de mahi, língua
do grupo ewe, muito próxima do fon” (CASTRO, obra citada, p. 278, s.v. marrim).
54
3. DISCURSO E MEMÓRIA NOS TERREIROS
A tradição do Candomblé tal como se conhece na contemporaneidade, começou a delinear-se
a partir do século XIX, ela chegou ao Brasil com os africanos escravizados e trazidos para
este país. Como se sabe, o culto às divindades era realizado em cidades e regiões diferentes,
separadamente, embora, em uma mesma cidade houvesse mais de um culto, o principal e
outros direcionados a outros “setores” da sociedade, a exemplo de: o Orixá do mercado, o
Orixá da agricultura, o Orixá da fertilidade, etc. Com a escravidão, essas tradições precisaram
ser adaptadas, a necessidade de agrupar-se fez com que os cultos realizados em espaços e
lugares específicos fossem realizados em quartos ou pequenas casas, dentro de um espaço
específico para isso: o terreiro de Candomblé:
Os africanos constituíram os terreiros como micros universos daquilo que eles
tinham no continente africano, só que em regiões diferentes. Uma região cultuava o
Orixá Xangô, outra Oxum, outra Yemanjá, cada uma com seus ritos e costumes.
Como não possuíam espaço-territorial para reprodução exata dos cultos hábitos e
costumes, eles formaram “pequenas Áfricas” dentro de um terreiro. Contendo um
quarto para cultuar Xangô, outro para Oxum e assim sucessivamente. Passando
assim a ser reproduzido nos terreiros de candomblé os cultos de matrizes africanas
como uma representação de pertencimento de nossa brasilidade. Criada com o
intuito de dar continuidade as suas tradições de cunho religioso referente aos seus
ancestrais (NETTO, 2010, p. 5).
Dentro de um terreiro de Candomblé o tempo é um continuum de idas e vindas, nesse
movimento constante passado e presente coexistem em forma de comportamentos que
remontam toda a caminhada do povo de axé até a contemporaneidade. Sobre esse aspecto
Halbwachs ([1950]1968, p. 154-155) diz:
(...) Que as lembranças de um grupo religioso lhes sejam lembradas pela visão de
certos lugares, localização e disposições dos objetos, não há do que se espantar. A
separação fundamental, para estas sociedades, entre o mundo sagrado e o profano,
realiza-se imaterialmente no espaço.
O espaço do terreiro é o local onde comportamentos característicos de uma tradição na qual o
respeito por seus antecessores é ponto crucial para se viver em comunidade, além de ser uma
forma de adquirir conhecimento, uma vez que a idade avançada é sinal de sabedoria latente. É
também o local em que o contato com a natureza traz o aprendizado para compartilhar e não
destruir seus domínios, pois natureza é vida.
55
Esse espaço é também invadido por memórias do tempo em que o negro africano viu sua
liberdade cerceada confundindo atitudes que antes revelavam reverência com opressão, com a
submissão forçosa ao traficante de escravizados e, em um momento seguinte, ao senhor de
engenho que o compraria. Assim sendo, o descendente desse africano, agora iniciado na
religião afro brasileira, repete determinados comportamentos com a intenção de preservar sua
memória e sentimento de pertencimento, neste caso, tem-se o que Brandão (2004) classifica
como paráfrase, ou seja, a retomada, ou reescrita, ou ainda recriação desses códigos de
conduta dentro do terreiro de Candomblé, visto que muitos comportamentos hoje adotados
foram adaptados à contemporaneidade, ao próprio perfil social desse descendente, para a
autora:
Uma FD é constituída por um sistema de paráfrase, isto é, é um espaço em que
enunciados são retomados e reformulados num esforço constante de fechamento de
suas fronteiras em busca da preservação de sua identidade (BRANDÃO, 2004, p.
48)
Manter vivos os comportamentos e ensinamentos dos ancestrais é a forma de preservar a
tradição, evitando que a religião se descaracterize a ponto de perder sua credibilidade ou
ainda, tenha fim. Alguns dos comportamentos exigidos dentro de um terreiro de Candomblé
mesclam renascimento para uma nova vida com as lembranças de um tempo que não pode ser
esquecido, pois assim não retornará, é uma espécie de sinal que sempre estará lembrando ao
povo negro do seu passado anterior à escravidão e daquele que o acometeu durante esta
condição, a de escravizado. Um exemplo disso é o ato de comer com as mãos, sobre esse
aspecto, Santos (2010, p. 90) explica:
Comer de mão para o africano é uma constante, sem contar que aos escravos
brasileiros não eram oferecidos talheres para suas refeições. Como a cultura sempre
se funde com a religião, corre-se o risco de pensar que comer com as mãos as
comidas no Terreiro seja apenas um hábito cultural. Enganado está quem assim
pensa. A comida levada à boca com as mãos tem muito mais Àṣẹ.
Esse e outros comportamentos podem ser entendidos como a memória discursiva, aquela que
faz circular através de idas e vindas formulações anteriores de enunciados já realizados.
Em um terreiro de Candomblé passado e presente estão lado a lado, no comportamento, nas
roupas, nas músicas, nos orikis19
, etc.. Segundo Brandão (2014, p.95):
19
Orikis – são rezas ou louvações em forma de versos ou poemas, em Bantu são denominados ingorossi.
56
(...) é a memória discursiva que permite, na rede de formulações que constitui o
intradiscurso de uma formação discursiva, o aparecimento, a rejeição ou a
transformação de enunciados pertencentes a formações discursivas historicamente
contíguas.
O conceito de memória na AD pode explicar o desejo desse iniciado no candomblé em não
sucumbir ao esquecimento de tudo o que sofreram os antecessores durante o período
escravista. Segundo Bastide ([1960]1989), “toda religião se compõe da tradição de gestos
estereotipados e de imagens mentais, ritos e mitos respectivamente”, logo, o candomblé como
religião não se furtaria a possuir tais elementos, permitindo aos seus seguidores a recriação
coletiva de memórias ancestrais, seus feitos na terra e seu retorno para continuar, agora a
partir de um plano mais elevado, sua trajetória de benefícios.
Outro exemplo de preservação da memória, no que se refere ao iniciado (o iyawô), é o uso
constante, ou pelo menos durante um ano de sua feitura, da esteira: adicissa ou decissa para
os Bantu; zán, aizan, zenin, zaní, zoklé, zocré, para os fons; enín para os Yorubás. O iaô
(iyawô) durante o período inicial de sua feitura, se alimentará, participará das cerimônias
ritualísticas, e dormirá na esteira, não podendo sentar-se em outro lugar que não seja ela,
sobre esse aspecto, Kileuy e Oxaguiã explicam:
Denominada como “a nata da terra”, a esteira é um invólucro que protege a
gestação e a geração de novas vidas e que ampara, nos rituais, todos os segredos
litúrgicos da iniciação. (O nome aizan provém do vodum Aizan “ vodum que nasce
do chão, que vive em cima da terra”.) Parte integrante de Nanã e Obaluaiê, é
chamada também de “a cama do iaô”, após ser preparada para receber e testemunhar
seu renascimento. É na esteira também que o iniciado faz as suas refeições e recebe
seus ensinamentos. Confeccionada em palha trançada, é objeto imprescindível nas
cerimônias religiosas e nos rituais de todas as nações de Candomblé. A esteira foi
trazida ao mundo por Nanã, que a deu ao homem para que, no momento do seu
descanso, protegesse seu corpo do contato com a terra. Para este vodum, o ser
humano só repousa seu corpo na terra no momento de sua morte (KILEUY e
OXAGUIÃ, 2014, p. 157).
Assim sendo, a obediência do iniciado deve-se ao fato de ele ser chamado a manter a tradição,
pois uma vez que este escolheu o candomblé como caminho religioso a ser seguido em sua
trajetória de progresso espiritual, todas as medidas para que essa tradição seja mantida serão
verdadeiras para ele, mesmo que para isso seja necessário trilhar caminhos nos quais a
humildade20
quase que extrema seja regra permanente. Por outro lado, a rigidez com que essas
20
Neste caso, humildade diz respeito a todo gesto de despir-se perante o Orixá/Nkise/Vodum , pois dentro do
terreiro do candomblé todos os títulos, patentes e representações referentes a status da sociedade externa a esse
espaço religioso são invalidadas dentro dele, sendo legitimado apenas o que representa a vontade das divindades.
57
regras são aplicadas é uma das estratégias usadas para garantir este objetivo de forma
concreta, ela é a garantia de que determinados preceitos serão obedecidos fielmente,
mantendo, desse modo, a tradição pouco ou nada modificada. Essa estratégia pode ser
incompreendida por quem não é iniciado no candomblé, pois além de não possuir o mesmo
sentimento de pertença e identificação dos que são iniciados, tendem a interpretar como
arbitrária e, por vezes, primitiva, dadas as características que são identificadas nos preceitos
responsáveis pela preservação da tradição, tais como: andar de cabeça baixa, andar descalço,
respeitar obedecer aos mandamentos dos mais velhos sem retrucar, dentre outros mais ou
menos rígidos.
Um grupo religioso, mais do que qualquer outro, tem a necessidade de se apoiar
sobre um objeto, sobre alguma realidade que dure, porque ele próprio pretende não
mudar, ainda que em torno dele as instituições e os costumes se renovem. Ainda que
os outros grupos se entretenham em persuadir seus membros de que suas regras e
disposições permaneçam as mesmas por todo um período, mas por um período
limitado, a sociedade religiosa não pode admitir que não seja hoje igual ao que era
na origem, nem que deva se transformar (HALBWACHS, [1950] 1968, p. 156).
Há situações em que mesmo os iniciados não conseguem compreender os desígnios do Orixá,
rebelando-se contra o mesmo, rejeitando os ensinamentos dos (as) babalorixás e yalorixás,
são situações nas quais a incompreensão da cultura e da tradição faz com que haja uma
interpretação equivocada dos procedimentos interfira no aprendizado desse iniciado. Há
também alguns líderes que, aproveitando-se do poder que lhes é concedido, utiliza-o como
forma de opressão em relação aos iniciados, submetendo-os a várias formas de
constrangimento. Entretanto, essas situações de tensão não serão abordadas de forma
minuciosa nesta pesquisa.
Os sacerdotes máximos do candomblé (yalorixás e babalorixás) também não estão isentos de
obediência, mesmas regras que são determinadas aos iniciados lhes chegam através de um
caminho ou canal, neste momento, elas são estabelecidas pelo elemento superior: o Orixá. O
que é determinado pelo Orixá jamais será questionado, ele tem motivos e razões para
determinar ou vetar procedimentos, sem que sejam discutidos em sua validade ou
contrariados. Aos lideres cabem o cumprimento das regras que serão propostas aos iniciados
sempre com o objetivo de manter e perpetuar a tradição, sendo essas justificadas com o
contexto histórico-social, através das histórias e lendas cujas personagens serão o próprio
Orixá em questão ou africanos comuns.
58
O Oriṣa paira acima de qualquer mesquinharia. Existem vezes em que a Ìyálòriṣa
quer seguir determinado caminho e não pode, tem que retroceder, curvando-se à
Vontade do Supremo. Se a mãe de santo fosse agir somente a favor de seus
sentimentos o que ocorreria com o Àṣẹ? Ela é instrumento do Oriṣa, a mensageira e
porta-voz. Aqui tudo é manifestação da Vontade de Ṣàngó, o Soberano (SANTOS,
2010, p. 122-123).
Essa concordância na maioria das vezes inquestionável da Iyalorixá ou do Babalorixá com
mandamentos do Orixá corroboram a formação discursiva que diz o que pode e deve ser dito,
em contraponto do que não pode e não deve ser dito e feito, pois as regras e preceitos que
orientarão os procedimentos desses sacerdotes são ditadas pelo Orixá e na crença devotada a
ele, a qual nunca será questionada.
Enquanto o iniciado percorre o caminho para sua evolução espiritual dentro do candomblé,
passando por fases de obediência aos preceitos que lhes são propostos e contribuirão para seu
aprendizado como futuro sacerdote e detentor dos segredos do aṣé, do mesmo modo, o
sacerdote ou sacerdotisa reforçará seu conhecimento, poder e aliança com os mandamentos do
Orixá, obedecendo-lhe as ordens e regras, assim como orientará esse iniciado a seguir o
mesmo caminho dentro do candomblé. Ou seja, seguindo o exemplo da sua Iyalorixá, do seu
Babalorixá, ele, o iniciado, será igual ou o mais parecido possível, mantendo o aṣẹ e o
respeito dos seus/suas filhos/filhas dentro do candomblé.
Não é tarefa fácil der um pai ou mãe-de-santo, há sacrifícios, há obrigações, como
também não é tarefa fácil ser filho-de-santo, pois o terreiro é uma espaço social, no
qual todos têm as obrigações e atribuições, para que o espaço exista de forma física
e espiritual dentro de uma comunidade, logo, os dois níveis mãe ou pai-de-santo e
filho-de-santo devem estar pautados na relação de respeito mútuo e no espírito da
coletividade (SANTOS, 2011, p. 34).
Além dos líderes, temos a memória dos mais velhos, aqueles que vieram e viveram antes. É
através deles, que dentro do terreiro terão cargos em virtude de sua idade de iniciação, além
da idade cronológica, que se tem contato com os ensinamentos e fundamentos da religião,
cada idoso é uma biblioteca viva, uma vez que passaram pelos mesmos caminhos que os/as
novas iaôs, daí sua importância na comunidade, são eles que orientam, cuidam, opinam e são
parte indissociável na iniciação dos novos filhos-de-santo.
A memória dos velhos pode ser trabalhada como um mediador entre a nossa geração
e as testemunhas do passado. Ela é o intermediário informal da cultura, visto que
existem mediadores formalizados constituídos pelas instituições (a escola, a igreja, o
partido político, etc.) e que existe a transmissão de valores, de conteúdos, de
atitudes, enfim, os constituintes da cultura (BOSI, 2003, p.15).
59
Entretanto, cabe esclarecer que toda essa gama de comportamentos, saberes e valores que
foram herdados e compõem a memória da comunidade candomblecista passam por mudanças,
adequações necessárias às gerações nascidas após o período escravagista. Essa memória é
uma releitura de condutas herdadas das antigas famílias étnicas e aprendizados apreendidos ao
longo da vida no Brasil, pois a falta de elementos nativos daquela África deixada fez com que
se criassem estratégias substitutas dos antigos rituais.
Assim, essa memória torna-se a junção de inúmeras outras que se formaram e foram
amoldando-se às necessidades de cada geração, sejam elas linguísticas, espaciais,
interpessoais. Tudo isso corroborou para que essa memória seja constante e, ao mesmo tempo,
passível de mudanças, sem que essas descaracterizem a essência do aṣẹ.
(...) os integrantes das comunidades de terreiro, sobretudo do candomblé,
reconstroem suas identidades a partir do conhecimento dessas e de outras
histórias da fundação do candomblé no Brasil. Apesar dos aspectos da
oralidade nos rituais e na transmissão dos saberes, as lideranças afirmam que
o candomblé se tornou uma religião para pessoas dispostas a conhecer a sua
história (BATISTA, P.11).
Lembrar-se dos que se foram, dos que sofreram e permaneceram fiéis aos seus preceitos ainda
que os mudando é uma forma de conhecer sua história e de seus ancestres, pois mudar torna-
se uma estratégia para não sucumbir ao esquecimento que cala para sempre o discurso dos
despossuídos de suas raízes, de suas origens, juntar-se foi uma delas, a partir do momento em
que tinham uma situação em comum, a dor. Juntar-se na dor estabelecia o compromisso de
todos em manter viva a memória de cada um, ainda que esta fosse acrescida de novos
elementos, sem que estes descaracterizassem toda uma tradição, um ingrediente para
substituir aquele inexistente no novo país, roupas que lembram o vestuário do colonizador,
adequações linguísticas ao novo idioma para poder fazer suas rezas, outras folhas, outras
cores, tudo foi aproveitado, desde que o importante fosse o resultado, a cura, o caminho
aberto, a bênção. O Candomblé não vive de memórias, ele é a própria memória viva, pulsante
e em constante movimento.
60
4. FORMAÇÃO DISCURSIVA, PODER E HIERARQUIA NOS TERREIROS DE
CANDOMBLÉ.
Em uma casa de candomblé, hierarquia é ordem, pois é através dela que são distribuídos os
cargos dentro do candomblé, obedecendo uma lógica cronológica ou mesmo mediúnica
(quem recebe e quem não recebe Orixá); é segurança, pois entende-se que os mais velhos são
detentores do saber e do aṣé essencial para conduzir a vida dos iniciados dentro da religião; é
proteção, pois segue-se a máxima da humanidade, os pais e mães protegem seus filhos, esta
confiança precisa existir entre os/as babalorixás/iyalorixás e seus filhos/as; é sabedoria, pois
caminhar a través do tempo dentro do candomblé proporciona o conhecimento necessário
para conduzir sua casa de aṣé e seus filhos, isso acarretará uma responsabilidade por vezes
severa, daí a necessidade de respeito a ela por parte de todos os iniciados ou mesmo adeptos,
não iniciados.
Para Kileuy; Oxaguiã (2014, p. 51), o candomblé é uma religião que possui uma hierarquia
muito rígida. Isto facilita o escalonamento de funções e permite que o andamento da casa flua
mais tranquilamente. A hierarquia possibilita que os sacerdotes se dediquem quase que
exclusivamente às divindades e às suas funções de condutor e administrador do Axé da Casa.
O iniciado no candomblé ocupa o lugar social que será responsável pela construção do
discurso em defesa do pertencimento àquela religião, ao assumir-se candomblecista, este
iniciado compromete-se, ainda que inconscientemente, a falar pelo Candomblé e a favor
deste. Pode até ocorrer certos questionamentos sobre a pedagogia usada durante o
aprendizado dos preceitos, entretanto esse questionamento é feito internamente ou entre
outros também pertencentes ao Candomblé.
Em AD, o sujeito ao proceder de tal maneira em seu discurso inscreve-se em uma formação
discursiva (FD). Segundo Mussalim:
(...) uma FD determina o que pode/deve ser dito a partir de um determinado lugar
social. Assim uma formação discursiva é marcada por regularidades, ou seja, por
“regras de formação”, concebidas como mecanismos de controle que determinam o
interno (o que pertence) e o externo (o que não pertence) de uma formação
discursiva. Assim, uma FD, ao definir-se sempre em relação a um externo, ou seja,
em relação a outras FDs, não pode ser concebida como um espaço estrutural
fechado. Ela sempre será invadida por elementos que vêm de outro lugar, de outras
formações discursivas (MUSSALIM, 2003, p. 119).
61
Para kileuy e Oxaguiã (p.51, 2014), o conhecimento no candomblé é primeiro aprendido para
depois ser apreendido e, muito depois, entendido. Todos esses vocábulos juntos se resumem
em hierarquia. Desse modo, ao iniciado cabe seguir os preceitos, inicialmente sem
questionamento, ou, se houver, que seja feito aos mais velhos, seja em idade cronológica ou
de feitura. A hierarquia nas religiões de matriz africana obedece à lógica da cultura africana
em geral, na qual o respeito aos mais velhos é de suma importância.
Tomemos o candomblé ketu, que inclusive serve de modelo para os demais.
Primeiro, refez-se no plano da religião a comunidade africana perdida na Diáspora,
criando-se através do grupo religioso relações de hierarquia, subordinação e lealdade
baseadas nos padrões familiares e de parentesco existentes na África, fazendo-se da
família-de-santo, a comunidade de culto, uma espécie de miniatura simbólica da
família iorubá (PRANDI, 200, p. 61).
Os mais velhos foram os que, em um primeiro momento de sua trajetória, aprenderam os
segredos e as regras do candomblé, eles são a representação ancestral desses elementos na
terra, pois vieram primeiro, aprenderam primeiro. Para Póvoas (2011, p 268), os participantes
das comunidades de terreiro veneram o antigo como uma forma de preservar a memória.
Segundo kileuy e Oxaguiã (2014, p 51), o fator antiguidade tem grande peso dentro dos
terreiros de candomblé. Constituindo-se em uma cultura que prioriza o oral sobre o escrito, o
povo-de-santo zela pelos seus mais velhos, os antigos, os idosos, que são considerados como
verdadeiras bibliotecas orais. Isso confere ao idoso do terreiro uma tranquilidade: ele se torna
alvo da estima, da consideração, do apreço e até mesmo de certa veneração. É essa formação
discursiva que dará ao idoso todo o respaldo para agir livremente em relação aos mais novos,
sempre que for necessário agir. Ele fará o que quiser, quando quiser e ninguém ousará
repreendê-lo, a não ser outro mais idoso. Por isso, como afirma Póvoas (2011, p. 268), no
terreiro, não se ensina ao mestre, ao contrário, aprende-se com ele. Não se abençoa ao mais
velho; ao contrário: pede-se a ele a benção do seu axé acumulado durante décadas de
existência.
A formação discursiva se define como a construção de um dado discurso de acordo com a
ideologia, a de ser um/uma religioso/a, e a posição sujeito na qual se inscreve o indivíduo, a
de ser iniciado no candomblé, ela dependerá da situação em que esse individuo se encontra,
de acordo com esse aspecto pode-se explicar porque, em uma determinada circunstância
ocorre uma formação discursiva e não outra. Segundo Orlandi (2010), “A formação discursiva
se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição
dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito”.
62
Dentro do candomblé, isso se faz presente não só na questão cronológica, quando a idade
formal se faz presente, mas também na idade de iniciação ou cargo que determinado filho de
santo possui. Isso é reforçado nas palavras de Beniste (2012, p. 84) “[...] Todas as
determinações de conduta devem ser seguidas, sob a observação dos mais velhos, que
possuem um código de acompanhamento que facilita o aprendizado”.
Desse modo, a formação discursiva na qual se encontram os iniciados no candomblé
representa o desejo de defender a preservação dos valores advindos da construção familiar,
religiosa e, porque não dizer, sociopolítica da sociedade africana. Partindo do pressuposto de
que o corte nas relações familiares, feito durante a escravização, deixou aberta essa lacuna no
íntimo daqueles que foram submetidos a tais agressões.
Essas agressões atingiram justamente comportamentos que antes eram tidos como reverência
e respeito aos idosos e às autoridades; no período escravagista, esses comportamentos eram
obtidos através da força, com um agravante, o esvaziamento da lógica que explicava
anteriormente sua existência. Nesse novo contexto, o escravizado era obrigado a curvar-se
perante o senhor de engenho e sua família; era proibido de usar sapatos, pois essa era a marca
dos cativos; deveria comer com as mãos, pois o uso de talheres lhes era proibido.
Entretanto, cabe observar também que este procedimento é adotado quando da iniciação do
filho de santo e que é compreendido como sinal de humildade perante sua nova condição de
recém-nascido no Orixá. Para kileuy e Oxaguiã (2014), durante esse estágio, por se tratar de
um período de transformação, de abstinência aos costumes passados e diários da vida do iaô.
O iniciado é um ser que está ressurgindo, portanto, em sinal de entendimento do seu novo
status e de humildade, não poderá utilizar talheres para se alimentar.
Na primeira fase da iniciação, o filho de santo recebe a denominação de iaô (iyawô), essa fase
corresponde ao renascimento de uma pessoa dentro do candomblé, durante esse primeiro
estágio, muitas proibições e limites lhes são impostos: como se portar frente aos mais velhos
dentro do candomblé, o que deve e não deve comer, como comer, como se vestir, onde sentar,
como sentar.
Iyawó deve andar descalço. Muitos pensam que o objetivo é humilhar o novato, mas
não é isto. O recém-nascido, o iniciado, precisa ter maior contato com a Mãe Terra,
que é a matéria básica da formação do nosso corpo. A terra emana energias
indispensáveis para o corpo físico e espiritual. É Oníle, o Dono da Terra, é Ele o
responsável pela emanação dessas energias (SANTOS, 2010, p. 45).
63
Sobre esse aspecto Kileuy e Oxaguiã (2014) explicam que estar em contato com a terra
demonstra respeito a Ilê, a terra, além da humildade perante aos Orixás. Segundo os autores, o
sapato isola a ligação do homem com a energia que provém da terra, colocar o pé no chão cria
um relacionamento íntimo e forte com o poder da terra e das forças da natureza, eles ainda
afirmam que todos os iniciados em uma casa candomblé deveriam permanentemente andar
descalços dentro dela, pois as próprias entidades andam assim quando chegam à ilê, para eles
se o homem não copia esses comportamentos toda a hierarquização não tem sentido. Essas
regras são necessárias não só para a manutenção da ordem religiosa, mas também da tradição
cultural, pois sem ela corre-se o risco de descaracterizar a religião, perdendo o que lhe é mais
precioso, o axé, a essência do candomblé.
Assim, ao preservar, ou pelo menos tentar preservar, suas tradições, esses descendentes, agora
iniciados, buscam resgatar o que fora perdido, o elo familiar de culturas invadidas e
exterminadas em função da escravização. Desse modo, esses iniciados constroem seus
discursos em torno de preceitos que, por vezes, vão de encontro a outros de outras culturas,
mas que é uma forma de manter a de matriz africana, viva e permanente. Para Orlandi (2010)
o discurso se constitui em seu sentido porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma
formação discursiva e não em outra para ter um sentido e não em outro.
Por aí podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas
derivam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As
formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as formações
ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente
(ORLANDI, 2010, p. 43).
A formação discursiva do iniciado no candomblé está intimamente ligada ao seu anseio
familiar, não somente da família consanguínea do seu presente, mas daquela maior, mais
antiga, retomada através da ancestralidade, uma recriação daquela família separada pelo
tráfico negreiro. Segundo Lima (2013, p.162), as religiões iniciáticas que marcaram o
candomblé brasileiro eram, sobretudo, religiões de linhagens ou de tribos em que a instituição
da família desempenha um papel preponderante. Não será difícil explicar o modo porque o
ajustamento do africano em sua nova circunstância se terá orientado, no Brasil, para
reorganização dos seus cultos tradicionais, em cuja estrutura poderiam projetar ou em cuja
organização poderiam recriar seus reinos ancestrais perdidos. E a família, básica nas
sociedades africanas de pequena escala – que eram todas as que contribuíram à formação da
sociedade brasileira – foi a possibilidade maior dessa recriação, que as outras de caráter mais
64
político, não puderam, naturalmente, subsistir no regime escravista no qual aos africanos
foram negadas essas duas coisas tão essenciais à vida do homem: liberdade e independência
na produção.
Esse africano e, posteriormente, seus descendentes nascidos no Brasil buscaram o elo perdido
de sua totalidade como ser humano, daí a construção do seu discurso estar sempre voltada a
essa procura. Neste ponto, entra-se em contato com o papel da memória, quando os
descendentes desses africanos que não passaram pelas agruras da escravização, retomam a
importância da preservação de suas tradições religiosas. Essa comunicação, por vezes,
inconsciente do que foi, uma vez que os descendentes não viveram o processo de separação
dos que vieram no tráfico, e do que se quer manter, é afirmado por Orlandi (2010, p. 43)
quando diz que as palavras falam com outras palavras e toda palavra é sempre parte de um
discurso, uma vez que todo discurso se delineia na relação com os outros: dizeres presentes e
dizeres que se alojam na memória.
Desse modo, recriações que vão do repertório linguístico à concepção espiritual da essência
vital, a exemplo da palavra axé, são preservados e compartilhados nas diversas “nações” de
candomblé na Bahia.
A memória dos negros no Brasil terminou por construir um valor cultural africano-
brasileiro. Apesar de a palavra axé ser originária do yorubá, na verdade ela hoje
designa um conceito comum, vivenciado e experimentado por segmentos sociais de
origem africana das mais diversas. Assim, mesmo em terreiros de origem angolana,
congo, ijexá, jeje, caboclo ou mesmo umbanda, a força do axé é compreendida
semelhantemente (PÓVOAS, 2011, p. 257).
Nessa busca por preservar os elementos de sua cultura, resistindo à escravidão, esse africano
procura manter esses elementos característicos tal como eram na África, entretanto, o que é a
preservação e sobrevivência para os que vieram antes, torna-se opressão para os descendentes,
a partir do ponto em que, como nasceram em outra realidade, compreender essa trazida por
seus pais e avós pode ser mal interpretada.
Nesse ponto, tem-se outra realidade histórica e cultural. Do ponto de vista histórico, a luta
pela liberdade continua no mesmo nível, pulsante e incessante, entretanto ao ter contato com a
cultura europeia e a dos nativos do Brasil, muitos aspectos são absorvidos, dentre eles o
respeito às tradições, sendo encabeçado pelo respeito aos mais velhos e, dentro deste, aos
preceitos religiosos.
65
Dentro da comunidade candomblecista, o idoso é uma espécie de biblioteca ambulante da
oralidade africano-brasileira, é ele quem detém por sua experiência de vida saberes que serão
passados aos mais novos da mesma forma que seus antepassados lhes passaram. Fora dessa
comunidade, esse mesmo idoso é visto e tratado como ultrapassado, como aquele que deve ser
afastado do convívio externo, é sinônimo de atraso. Manter vivo o primeiro ponto de vista em
relação aos mais velhos é também uma forma de resistência histórica e sociocultural, é
respeitar todos os sofrimentos pelos quais passaram esses que aqui chegaram primeiro, eles
são a memória viva, fazendo que os mais jovens não se esqueçam quem são, de onde e como
vieram parar aqui.
Ao falar em preceitos religiosos, são retomados a quizila e a ximba, a primeira torna-se
incômoda por questionamentos interiores a respeito de sua veracidade, na busca de
explicações do ponto de vista lógico, por vezes “científico” do existir de fato. A segunda, a
ximba, também é questionada e testada, para ser certificado a sua ocorrência.
Tem-se neste ponto a transgressão da qual fala Augras (2011) cuja finalidade, por mais
curiosa que seja é manter uma tradição quando sua transgressão tem por finalidade fazer com
que o transgressor constate a veracidade necessária daquela proibição e conhecer-se a si
mesmo.
No panteão dos Orixás do candomblé da nação ketu, a hierarquia obedece a certos princípios
que podem ser vistos na organização familiar do povo yorubá, dentre eles, o mais importante,
o princípio da senioridade. Segundo Lepine (2011, p.22), os princípios que ordenam este
panteão são basicamente os mesmos que conferem ao ritual sua ordem e organizam o grupo
de culto, que parece, aliás, reproduzir vários aspectos da família africana e da organização
palaciana de Oyó.
Diferentemente da sociedade em geral, as religiões de matriz africana obedecem a uma lógica
na qual quanto mais velho se é, mais respeito se tem para com esta pessoa, sua experiência de
vida confere-lhe poder para comandar e ser totalmente respeitado e obedecido pelos demais
da comunidade. Este fator também confere aos iniciados postos e status diferenciados.
O princípio da senioridade, que regula a hierarquia das classes dos irmãos de idade,
tanto na família iorubá como na família de santo. Combinando-se ao princípio da
separação das nações africanas (ketu, jeje, ijexá, no caso dos terreiros observados),
ele ordena o panteão e os subpanteões que constituem o mundo dos deuses, dos mais
velhos aos mais novos:
66
1) Oxalá e os deuses funfun21
;
2) Nanã e as divindades da nação jeje;
3) as divindades da nação ketu;
4) as divindades da nação ijexá;
5) Exu.
O princípio da idade determina a ordem a ordem das divindades dentro de cada um
dos grupos da hierarquia acima, e preside também à classificação das qualidades de
cada orixá (LEPINE, 2011, P. 23).
No candomblé, a hierarquia também pode ser observada através dos cargos de um dos
membros que fazem parte da comunidade do terreiro, cargos esses que obedecem a preceitos
como: tempo de feitura, ser médium rodante (que incorpora o Orixá) ou não, ser suspenso
para determinada atividade, questão de gênero etc.
O cargo máximo dentro do candomblé da nação Ketu são os de Iyalorixá (feminino) e
Babalorixá (masculino) – os sacerdotes responsáveis pelo terreiro e pelo axé como um todo, o
líder espiritual, também chamado de pai ou mãe de santo na língua portuguesa. No candomblé
da nação Angola, esses mesmos cargos recebem o nome de Nengwa Nkisi (feminino) e Tata
Nkisi (masculino). Em jeje22
, recebem o nome de doné (feminino) e dote (masculino). Esse
cargo tem sua representação materializada na Cuia23
. Segundo kileuy e Oxaguiã (2014, p. 52),
a cuia é o símbolo primordial, na hierarquia do candomblé, que dá plenos poderes religiosos
ao iniciado e que lhe confere o cargo de sacerdote/sacerdotisa. A cuia recebe, em cada nação,
um nome diferenciado: decá ou ibaxé, na nação nagô-vodum; oiê-de-ebomi, ibaxé ou balaio-
de-axé, nas nações yorubá e efan; kijingu na nação bantu. Ela é considerada uma transmissão
de conhecimento, de saberes e também dos fundamentos e dos segredos mais recônditos do
candomblé, ela é passada de um/uma babalorixá/ialorixá para um/uma futuro(a)
babalorixá/ialorixá, representando a maioridade.
Em seguida, temos o que se pode entender como a segunda pessoa em hierarquia depois do
líder espiritual do terreiro, Iya kekerê (feminino) e Babá kekerê (masculino) em Ketu;
21
Branco, diz-se das 16 divindades que são os orixás da criação propriamente ditos. 22 Os vodunses da família de Dan são chamados de Megitó, enquanto que da família de Kaviuno, do sexo
masculino, são chamados de Doté; e do sexo feminino, de Doné.
23
A cuia é feita da cabaça fruto das plantas do gênero lagenaria.
67
Nengwa kamukenge (feminino) e Tata kamukenge (masculino) ou cota sororó em Angola;
mãe pequena e pai pequeno em língua portuguesa.
Em seguida, têm-se os cargos referentes às atividades diversas dentro de um terreiro, para
cada uma delas há um homem ou mulher designado a desempenhá-la. O cargo de Ekede em
Ketu e Jeje; Makota em Angola, só é dado para mulheres que não incorporam Orixá. Lima
(2003, p.088) diz algumas das diversas funções das equedes dentro do candomblé, a principal
delas é cuidar do santo24
a que se dedicam, quando o mesmo chega à cabeça de sua filha25
.
Ela é quem atende à sua filha no momento do transe. Ajeita-lhe as roupas. Enxuga-lhe o suor
do rosto com uma toalha, que é um dos símbolos de sua função; e encarrega-se das vestes
cerimoniais do santo. E acrescenta; são mulheres bem informadas, conhecedoras muitas vezes
dos fundamentos do culto no próprio nível das velhas ebômins. Defendem, no candomblé,
suas filhas no mundo das competições intragrupais, valorizam o santo de seu cuidado, cuja
filha é frequentemente uma parenta ou amiga muito íntima.
Em geral, ela será a responsável para cuidar do Orixá no momento em que este incorpora no
filho de santo, é quem dança e orienta os passos do Orixá incorporado dentro do barracão, é
quem pode manusear as ferramentas dos Orixás, praticamente tem acesso a todas as
atividades femininas dentro do terreiro. Há também a Iyalaxé em ketu; Makota ngunzu em
Angola, são mulheres responsáveis pelos rituais, pelas coisas secretas do axé, do gunzo.
Segundo Lima (2003, p.084), ela é a - zeladora do axé – e, por assim dizer, um posto de
transição. Antes da confirmação da sucessora do terreiro, uma ebômin pode usar o posto de
ialaxé que, a rigor, pouco se distingue, funcionalmente do posto da ialorixá. É um título,
nesses casos, que apenas situa a virtual mãe-de-santo do terreiro até que os ritos fúnebres
finais da falecida ialorixá permitam que a sucessora entre em pleno gozo de seu status.
A Iyá bassé em Ketu; Mam’etu ou Cota-rinfula ou Kifumbera em Angola, responsável pela
comida sagrada do Orixá, é quem orienta o preparo da comida que será oferecida em cada
obrigação – como são denominados os rituais dentro do candomblé -. Segundo Lima (2003,
p.085), geralmente para esse posto, são escolhidas, preferencialmente, mulheres que já
atingiram o estado fisiológico da menopausa – e por isso, isentas das interdições rituais
24
Santo é uma denominação popular dada por alguns iniciados e/ou adeptos do candomblé ao Orixá. 25
No caso, filha de santo, a iniciada (ou iniciado no candomblé).
68
associadas aos dias considerados “impuros” 26
, em que as mulheres não devem tocar as
comidas sagradas dos Orixás.
A iabassê, que os autores grafam Iya bassé, é a encarregada de importante setor da
comida sacrificial e das oferendas. É ela quem se encarrega, com suas imediatas, da
elaboração e distribuição ritual das comidas oferecidas aos santos e por isso deve ser
pessoa de grande experiência e equilíbrio (LIMA, 2003, p. 085).
Há ainda os cargos tanto para homens quanto para mulheres que dizem respeito à idade ou
tempo de iniciação, esse cargo não é conferido como os outros, mas alcançado de acordo com
o tempo de feitura e as obrigações de sete anos ou mais, é cargo de Egbon em Ketu em língua
portuguesa Ebami ou Ebomi; Kota maganza/kiakaxi em Angola. Ajibonã (ambos os sexos)
em Ketu e Jeje; Tata mungwa (masculino) e Mama mungwa (feminino) em Angola é o cargo
que corresponde a padrinho ou madrinha, aquele (a) que patrocina o/a iyawô durante sua
iniciação.
Segundo M.N., ajibonã “é a mãe-pequena ou o pai-pequeno que serviu desde a
iniciação da iaô. Para a iaô, é a segunda pessoa da mãe-de-santo”. Do verbete
correspondente de A linguagem do Candomblé, cito algumas notas: “... Equivale
aproximadamente à função de padrinho ou madrinha. Pessoas de santo dizem “ele
foi minha ajibona” ou “minha madrinha” ou ainda “minha mãe-pequena”. Assim
a(o) ajibonã está relacionado(a) com um determinado iaô, e quando o iaô diz “F. é
meu pai-pequeno” ou “minha mãe-pequena” está se referindo à figura do(a) ajibonã
e não ao pai-pequeno (ou mãe-pequena do terreiro) (LIMA, 2003, p. 087).
Ao referente masculino de equede/ makota dá-se o nome de Ogá (ou Ogã como é mais
conhecido) em Ketu e Jeje; Tata kambundu em Angola, é dado para homens que não
incorporam Orixá. Segundo Lima (2003, p. 089), [...] O lado masculino das hierarquias
auxiliares executivas nos candomblés é representado pelo corpo de ogãs, nome genérico que
se dá a uma série de pessoas investidas de funções rituais as mais diversas [...]. Esse cargo é
divido e nomeado de acordo com a atividade para a qual esse homem foi suspenso - momento
em que determinado Orixá o escolhe para ser seu Ogá/Tata – e confirmado – depois que são
realizados os rituais de iniciação para confirmá-lo como pertencente ao terreiro. O ogã é
escolhido geralmente por um orixá manifestado numa filha-de-santo. Entende-se que é o
próprio Orixá que, por simpatia para com a pessoa, a escolhe para ser ogã – ogã do santo – e
26
Segundo a tradição do candomblé, a mulher nos dias em que está menstruada é considerada impura, durante
esse processo fisiológico, ela é proibida de tocar nas comidas rituais e em objetos sagrados dos Orixás. Esse
período é denominado Bagé em Ketu.
69
com isto cria uma relação entre o ogã e seu “cavalo”. Daí os filhos-de-santo chamarem o ogã
de seus Orixás de “meu pai”.
O ogã aceitando a distinção – pois que sempre é considerado uma honra ser tirado
ou suspenso como ogã de um candomblé – aceita implicitamente o encargo: a
proteção e o apoio econômico à sua filha e, portanto, ao terreiro (LIMA, 2003, p.
092).
De acordo com a atividade, ele receberá um nome a mais, a exemplo de: Alabê em Ketu;
Sikangoma ou Xicarangoma em Angola; Hunto em Jeje; iniciado responsável pelos toque e
cânticos rituais. Axogun em Ketu; kasalangombe, Tata kivonda ou Kaxarangombe em
Angola, Pejigan em Jeje é o responsável pelos rituais de oferendas de animais, também
conhecido como Ogá ou Ogã de faca. Babá lossãyn em Ketu; Tata kinsaba em Angola,
responsável pela coleta das folhas.
Há alguns cargos que podem existir em uma nação e não existir em outra, como é o caso do
Pejigã27
em Ketu e Jeje que não possui equivalente em Angola. Segundo Lima (2003), o
pejigã é o “guardião do peji”. Esse cargo tem por atividade guardar os segredos do peji –
nome dado ao local onde ficam as ferramentas dos orixás e onde se colocam as oferendas,
também é conhecido como assentamento, é o equivalente a altar nas igrejas católicas. Esse
cargo, entretanto, não é constante em todos os terreiros.
Pejigã é o termo de origem jeje – e o sufixo gã em fon traduz o “ senhor”, “pessoa
de importância”, como ogã, e é empregado com outros compostos hierárquicos da
estrutura social dos fons. Creio que a primeira referência em autores brasileiros da
origem fon da palavra peji vem num artigo de Campos (1944, p. 289-309): “Pêji
chamava-se os santuários dos jejes. Este vocabulário, no seu idioma, tem a
significação de oratório” (LIMA, 2003, p. 095).
Mapoul (1943, p. 166) (apud LIMA), descreve as ferramentas e utensílios usados por um
sacerdote de Fá no Daomé da seguinte maneira: “Num dos cômodos se eleva um altar kpe. O
ifá do adivinho e todos os objetos do culto ficam dispostos sobre o altar – kpe-ji”. Em Lima
(2003) também se encontra referência ao bajigã, que, segundo ele, seria a segunda pessoa
depois do Pejigã.
27
Há também outros Ogãs como Gaipé, Runsó, Gaitó, Arrow, Arrontodé.
70
Na nação Angola, tem-se os cargos de Tata nzo vumbi ou Salapembe, não encontrando
equivalente em Ketu. Esse cargo pertence aos ogãs iniciados responsáveis pelos rituais para
os mortos e para os ancestrais – Vumbi/Egun, Bakulu/Egungun. Além do cargo de Tata
kinsalu responsável por auxiliar na realização dos trabalhos de cura.
Por fim, tem-se o representante do primeiro estágio da iniciação dentro do candomblé, o (a)
iyawô em Ketu; muzenza em Angola, não é um cargo, mas o nome dado àquele (a) que inicia
sua caminhada dentro da religião candomblecista. Esse nome é dado apenas aos médiuns que
possuem o dom de incorporar o Orixá, também denominados adôṣu. O (a) iniciado (a) será
chamado por este nome durante os seis primeiros anos de sua iniciação, a partir do sétimo
ano, ele ou ela será tratado (a) pelo nome de Ebomi, o que significa já possuir certa idade de
“santo”, adquirindo o status de pai ou mãe.
Com exceção do primeiro estágio da caminhada do iniciado – o iyawô – as pessoas que
possuem os cargos anteriormente discriminados são iniciadas possuindo situações
hierárquicas de prestígio desde que entram, independente de sua idade, são tratados e
respeitados como pais e mães pelos mais novos. Há ainda, o estágio antes da iniciação,
quando não se participa diretamente dos rituais mais privativos e secretos do candomblé, é um
estágio de preparação para a iniciação propriamente dita. Nesse início, recebe-se o nome de
abyán (abi= aquele que nasce; iyán ou na [contração de “onã”] = caminho novo) (KILEUY e
OXAGUIÃ, 2014, p. 69) em Ketu; ndumbe ou ntangi em Angola/Congo; arruretê em Jeje.
Quando se fala em situações hierárquicas de prestígio, refere-se à reprodução do
comportamento africano em relação aos mais velhos ou às autoridades no qual reza o respeito
e a obediência a estes. Devendo os mais jovens prostrar-se aos pés em atitude de respeito.
Para Kileuy e Oxaguiã (2014, p. 52), a hierarquia em qualquer setor da sociedade define
indivíduos com capacidade para liderar e assim ajudar um conjunto de pessoas a conviver
pacífica e harmoniosamente em um mesmo local. É costume antigo que assim aconteça nas
comunidades de candomblé, em que a hierarquia é severa e as graduações são necessárias,
pois a temporalidade precisa ser respeitada. O povo do candomblé diz que “tempo é posto”.
Há, entretanto, outro princípio que, embora não seja aprofundado aqui, não se pode deixar de
ser abordado, trata-se da ancestralidade a qual não se baseia necessariamente na idade
cronológica, como o princípio da senioridade explicado anteriormente, mas em questões como
a origem de tudo, o início, é caso de Exu, ele não é o Orixá mais velho, mas é o primeiro a ser
71
reverenciado, nada é feito sem que Exu seja agradado antecipadamente, a exemplo do padê28
,
cerimônia realizada antes de qualquer festa pública de Candomblé.
Desse modo, tanto o princípio da ancestralidade, como o da senioridade fazem parte do
mesmo universo, completando-se, alternando momentos em que cada um prevalecerá, citando
como exemplo a nação Ketu na qual Exu abre a festa e Oxalá, o mais velho, fecha-a.
4.1 QUIZILA E XIMBA
No Candomblé, comumente se ouve expressões como “ter quizila de...” e “levar ximba de
Orixá”, para denominar punições que seus adeptos podem sofrer caso não sigam o caminho
correto ou não estejam em concordância com seu Orixá. A quizila, podendo ser entendida
como proibição. Para Kileuy e Oxaguiã (2014) é uma palavra amplamente usada entra as
nações de candomblé possui uma amplitude de sentidos, sendo seu significado principal
proibição, tabu, ojeriza, impedimento sagrado do iniciado. São consideradas no uso de
determinados elementos de ordem alimentícia (comidas, bebidas), uso de certas cores, etc.,
mas essa proibição também é válida em outros âmbitos como a castidade sexual em certos
períodos. O euó ocorre até mesmo em alguns atos que por ventura desagradem ao Orixá e
também ao orí/mutuê/tá (cabeça). Segundo os autores, ao transgredir, a pessoa estará
influenciando seu destino, podendo trazer para si maus augúrios e até desagrado do seu
próprio Orixá.
Esse pensamento é confirmado por Beniste (2012, p. 84) afirmando que, ao entrar no
Candomblé, a pessoa deve ter a consciência de que fará parte de uma nova família com regras
de conduta. É a família de santo, Arailê Òrisà, que se diferencia da família biológica, pois há
uma interferência dos Òrisá, que, pela sua natureza, determinam posições, cargos,
alimentação, conduta, o que fazer e o que não fazer, as chamadas proibições ou quizilas. A
raiz de origem de cada Casa, suas tradições pessoais, podem determinar variações. O que um
terreiro faz, poderá não ser feito em outro. Em seu livro, Santos (2010) fala que existem as
famosas quizilas (ou quizílias), palavra quimbundo incorporada no “português brasileiro”.
28
Padê – cerimônia realizada antes de começar a festa pública, no Candomblé, nesse momento dança-se e canta-
se para Exu, para que ele permita e proporcione uma festa tranquila e feliz, sem nenhum incidente violento ou
desagradável.
72
Em nossa religião, de origem Yorubá, costuma-se dizer éwọ é a proibição, não só
no que diz respeito a comportamentos, como também à alimentação. Filhos de
determinada Casa não podem comer abóbora; pessoas que trazem determinado
caminho são proibidas de comer quiabo; outras, de usar roupas berrantes, ou de
determinados padrões; há pessoas que não devem frequentar ambientes com muita
gente; comprar briga dos outros e assim por diante (SANTOS, 2010, p. 109).
A palavra ximba originária da língua kikongo, possui várias significações dentre elas –
prender alguém em termos espirituais, controlar a pessoa, tomar sua liberdade, cordão
espiritual - Levar ximba pode significar um acidente sofrido, um pedido não satisfeito, uma
vida que antes era confortável e se transforma num inferno em terra, famílias unidas entram
em desarmonia, tudo porque o filho ou filha de santo não seguiu as regras que lhes foram
apresentadas ou por vezes impostas. Em uma explicação mais detalhada, Kileuy e Oxaguiâ
acrescentam que a ximba é um tipo de punição ou castigo que o Orixá inflige em seu próprio
iniciado, quando ele extrapola em demasia suas proibições, as quizilas. São castigos em quem
não observa e não respeita as ordens. Geralmente, não advém do/a babalorixá/iyalorixá que
na maioria das vezes tentam evitá-los. As divindades não necessitam consultar ninguém para
aplicar um corretivo a quem merece. Esse castigo agirá como um freio, ensinando o infrator a
raciocinar antes de ofender seu Orixá. Os autores acrescentam que esse procedimento não se
dá em lugares restritos, mas são feitos para que toda a comunidade presencie, esta é uma
forma de as divindades mostrarem o seu poder e conseguir a conscientização de essa
experiência poderá ser aplicada a qualquer um.
Alguns/algumas Babalorixás e Yalorixás mais antigos se valem dessas estratégias como
pressões psicológicas no intuito de manter o filho ou a filha de santo dentro das regras da
religião, para isso usam de todo um jogo de expressões e histórias para que tais pressões
surtam o resultado esperado, um adepto com o comportamento adequado, isso de acordo com
o que as mães e pais de santo pensam ser o comportamento adequado.
(...) A submissão ao babalorixá fica simbolicamente marcada pelo uso de um colar
especial, o quelê vulgarmente designado pelo nome de “gravata de orixá”. Um ano
depois, ou nos terreiros mais tolerantes, apenas três meses depois, ela vai depositá-lo
aos pés da pedra de seu santo, durante uma cerimônia que pode ser pública. Isso não
quer dizer que deixe de obedecer ao sacerdote, mas a obediência restringe-se
unicamente ao domínio das obrigações religiosas (...) (BASTIDE, 2001[1958], p.
58).
73
Usar o poder de fazer o filho ou filha de santo “virar no santo”, expressão muito usada na
comunidade de terreiro, denominando o momento em que o médium entra em transe
espiritual, quando este não está agindo de forma adequada, está sendo rebelde ou grosseiro
por algum desentendimento, é uma das formas mais comuns de fazer com que o médium leve
“ximba”, pois dependendo do estágio de doutrinação do Orixá ou caboclo, a incorporação
pode ser de forma dolorosa, deixando o médium não só cansado fisicamente, mas, por vezes
este tem o corpo dolorido ao término do transe.
Esta é uma das tantas formas de levar ximba, há aquelas que são feitas através de chantagens,
nas quais, caso o filho ou filha de santo não aja de acordo com as regras, o Orixá irá castigá-lo
severamente e, caso aconteça algum infortúnio com este filho ou esta filha de santo durante o
período da falta, é logo justificado como o castigo já mencionado. Desta forma, há a inibição
de haver alguma falta por parte do filho ou da filha de santo.
A maioria das pessoas pensa que a transgressão do éwọ traz um prejuízo imediato,
de ordem física. Isso é ingenuidade! Antes a resposta rápida para o transgressor – o
mal-estar físico. Alguém que não possa comer determinada comida, às vezes come
com delícia e “tudo bem”, a digestão é ótima. Não acontece coisa alguma. E o filho
passa a achar que o éwọ é superstição, produto da fobia de velhas ignorantes. As
consequências espirituais são terríveis, irreversíveis, na maioria dos casos. A vida do
Olóriṣa começa a ficar complicada, surgem angústias, atrapalhações de cabeça, falta
de sentido nas coisas (...) (SANTOS, 2010, p.110).
Para quem não conhece, essa prática é entendida como uma forma de opressão por parte
daqueles que estão na posição de poder frente aos outros, uma forma de impingir o medo
entre os adeptos na intenção de mantê-los sempre sob controle, entretanto pode haver outra
leitura, se colocarmos tais práticas do Candomblé ao lado das primeiras reflexões sobre a
ausência de limites que há na sociedade do século XXI, pode-se ver por outro prisma: tais
práticas de poder sobre as pessoas da religião é uma forma de dar-lhes esses limites tão
inexistentes nesses tempos tão confusos.
O saber que não se é tudo, não se pode tudo, não se deve fazer de tudo sem que haja uma
consequência para cada ato realizado. Saber que cada um é um universo em terra e deve ser
respeitado em seu espaço e, em caso de transgressão a esta regra, haverá uma punição, é uma
forma de frear a voracidade destrutiva da humanidade. Em face de total falta de limites que
todos e todas enfrentam, levar ximba é estatuto comportamental pelo qual se devem pautar as
ações humanas.
74
Entretanto, em outra concepção, a ximba só acontece quando há um rompimento com a
cultura significando não uma passagem de dominado a dominante, mas a negação de uma
cultura em detrimento de outra, é uma forma de reafirmação de uma cultura e a percepção da
importância de uma lei para por limites às atitudes conscientes ou inconscientes daqueles que
decidiram seguir os preceitos da cultura em questão.
Esta reafirmação é necessária para a preservação da cultura frente ao traumático sequestro
sofrido pelos antepassados africanos no século passado. Sodré (2000) diz: “(...) O egbé,
comunidade litúrgica, terreiro de candomblé ou simplesmente “roça”, é o pólo irradiador
dessa reterritorialização do homem negro na diáspora”. Segundo Santos (2010, p. 114), “O
éwọ é um dos sustentáculos da nossa religião”. Desse modo, a ximba adquire o papel de
reforço da memória quando esta é esquecida ou deixada de lado por livre e espontânea
vontade.
Outra palavra que se alia à ximba é a quizila, significando esta última, a proibição do iniciado
em comer, beber ou desempenhar determinada atividade, a quizila é o caminho para a ximba.
“Em Angola”, prescreve Alfonso da Silva Rego (citado por Crossard Binon, 1981, p.
134), “existe uma palavra que exprime uma ideia que encontramos em todos os
lugares, a ideia daquilo que não é bom, que não convém, que é contrário à tradição
ou à etiqueta, àquilo que se deve fazer, etc. É a palavra kijila”. Formado a partir do
étimo quimbundo, o termo quizila expressa, nos terreiros brasileiros, exatamente a
mesma coisa, relativa a todas as filigranas dos preceitos e das proibições, e, mais
especificamente, às interdições ligadas às idiossincrasias do “dono da cabeça” de
cada iniciado. “É quizila do meu santo”, eis uma das frases mais ouvidas em todos
os terreiros, sejam de origem banto ou nagô” (AUGRAS, 2011, p. 158).
A quebra da quizila pode ser uma apropriação de outra cultura, rompendo, desse modo com a
tradição de uma cultura anterior, no caso o Candomblé. Logo, quizila pode significar o ato de
conservação de uma cultura, identidade, nação no sentido de etnia se for relacionado ao
universo africano ou, ainda, é a recordação de todo o percurso histórico feito pelos povos
africanos que foram destituídos de todos seus direitos, tendo que se recriar para sobreviver,
essa recriação conta com o reforço de comportamentos de uma África que ficou perdida e
tenta não morrer no esquecimento do tempo. Embora nem todas as quizilas possuam
explicações lógicas, uma vez que foram perdidas com o passar do tempo, elas são as
responsáveis por manter uma tradição comportamental em diversas casas de candomblé de
Salvador.
75
4.1.1 Posição sujeito e hierarquia
Segundo Brandão (2004), ao se fazer uma abordagem sobre a noção de sujeito, há que ter uma
clara noção histórica, visto que o sujeito é marcado espacial e temporalmente, sendo, desse
modo, um sujeito histórico. A fala desse sujeito é articulada a partir de um determinado lugar
e de um determinado tempo. A essa concepção agrega-se outra, a do sujeito ideológico.
A recriação da religião de matriz africana por africanos e, posteriormente, por seus
descendentes no Brasil perpassa por estes caminhos; o primeiro cuja necessidade era
inicialmente de reencontrar-se com o mundo que lhes fora arrancado, mundo esse que
continha toda a informação de vida, de tradição, de cultura. Desse modo, o lugar de onde
partiram esses escravizados fornecerá os elementos de pertencimento presentes nesses
africanos. Serão esses elementos que ajudarão a manter-se como originário daquele lugar, a
África e suas regiões, de onde eles vieram de forma violenta. Segundo Brandão (2004), “(...).
Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social (...)”.
Quando chegam ao Brasil, destituídos da liberdade, têm duas novas demandas: a primeira
recompor-se da separação familiar e étnica; é sabido que os africanos escravizados sofreram
duas separações: a primeira em África, quando capturados e afastados de seus territórios de
origem pelos traficantes; a segunda, na chegada ao Brasil quando serão dispersos, de acordo
com as necessidades agrícolas, pelas diversas fazendas existentes na época. Neste momento, a
recomposição se dará pela solidariedade através das dificuldades, as ligações consanguíneas e
étnicas darão lugar à identificação pela separação dos seus e pela dor.
A segunda demanda será resistir à cultura do outro, imposta também através da violência,
todos seus conhecimentos, toda sua cultura é classificada como inferior, sendo, desse modo,
necessária uma reformulação de tudo o que era importante e sagrado para ele. Nesse
momento, o discurso de escravizado tem a função de fazer frente a esse apagamento cultural.
(...) Dessa forma, como ser projetado num espaço e num tempo orientado
socialmente, o sujeito situa o seu discurso em relação ao discurso do outro. Outro
que envolve não só o seu destinatário para quem planeja, ajusta a sua fala (nível
intradiscursivo), mas que também envolve outros discursos historicamente já
constituídos e que emergem na sua fala (nível interdiscursivo) (...) (BRANDÃO,
2004, p. 59).
76
A teoria da Análise de discurso (AD) da linha francesa, aos moldes de Michel Pecheux,
estuda o percurso ou as estratégias utilizadas pelos indivíduos na produção do discurso que
marca seu papel em um determinado grupo social, assim como a consequência desse discurso
para a manutenção dos papéis sociais que esse indivíduo desempenha.
Esses papéis estarão em consonância com as condições de produção a qual ele está inserido e
a posição sujeito que é tomada ou lhe é designada ainda que sem sua aprovação prévia.
Em si tratando do candomblé, o contexto histórico de violência e resistência marca fortemente
a necessidade de preservação e manutenção das tradições, esse comportamento faz com que
as quizilas de cada um sejam o ponto forte para manter essa tradição, logo obedecê-las
significa fortalecer a tradição religiosa.
O iniciado no candomblé é interpelado pela ideologia a partir do momento em que reproduz
uma história que não viveu, mas a toma como sua, quando se autoidentifica como
descendente dos povos que foram trazidos para aqui. Sendo assim, essa história é a sua
história. Segundo Indursky (2008, p. 2):
Vale dizer: o sujeito que o fundador da Teoria da Análise do Discurso convoca é um
sujeito que não está na origem do dizer, pois é duplamente afetado. Pessoalmente e
socialmente. Na constituição de sua psiquê, este sujeito é dotado de inconsciente. E,
em sua constituição social, ele é interpelado pela ideologia. É a partir deste laço
entre inconsciente e ideologia que o sujeito da análise do discurso se constitui.
Nesse universo de ser iniciado na religião de matriz africana, ainda tem que ser levado em
consideração as diversas posições sujeito referentes às funções e status de cada cargo, ou seja;
há o ser iniciado como um todo, como o pertencente à religião e, dentro dela, as outras
pertinentes à sua condição: iyawô, equede, ogã, ebomi etc. Cada um desses lugares exigirá
uma posição sujeito diferente de acordo com as atribuições e obrigações a serem cumpridas
por cada um deles. Estabelecendo assim, a estrutura de funcionamento e de comportamento
que rege a comunidade de terreiro.
77
5. CONCLUSÃO
O africano, sequestrado de sua família, seu povo, de seu país, foi trazido forçadamente a um
país de onde jamais retornaria, esse país de nome Brasil seria sua casa para sempre,
entretanto, esse mesmo africano guardou dentro de si toda sua cultura e tradição religiosa,
uma vez que seus laços consanguíneos foram brutalmente desfeitos, ele encontrou uma
alternativa que não fecharia totalmente a lacuna deixada pela falta dos seus, mas serviria de
consolo nas horas de solidão.
Outra alternativa encontrada para se manter vivo e forte, foi a agregação de varias etnias em
um só lugar, mesclando rituais e preceitos, nomes e características, em um processo sincrético
que colaborou para que esse africano não desistisse de lutar pela sobrevivência e pela sua
liberdade e de seu povo.
O Candomblé do Brasil é resultado da necessidade desse africano de recriar os laços que lhes
foram cortados. No momento em que os sacerdotes das diversas etnias compreenderam que a
saída para se manterem vivos e, ainda que fossem de origens diferentes, unidos, nasceu no
Brasil a religião sinônimo de resistência daquela cuja dignidade fora tirada à força.
Esta pesquisa abordou as relações de hierarquia dentro das comunidades candomblecistas da
cidade de Salvador, iniciando seu percurso histórico desde o continente africano, de onde
vieram homens, mulheres e crianças capturados em diversas regiões da África, formando um
caleidoscópio que se transforma na medida em que são expostos a uma realidade diferente
daquela de onde partiram.
Possuir uma religião é uma necessidade do homem, pois ele precisa desse contato com o
misterioso ao qual agregará sentido de valor. Em Análise do Discurso, o sujeito é interpelado
pela ideologia ao optar por seguir determinado pensamento e não outro, no caso, pertencer a
uma religião, ser religioso contrapondo a não possuir nenhuma, essa necessidade conduz o
sujeito a partilhar um discurso pensando-o seu em origem, mas que é um eco de outras vozes
anteriores à sua.
Nos países africanos, de onde esses povos vieram, a religiosidade era parte constante na vida
desses indivíduos, tudo em seu cotidiano está intrinsecamente ligado ao sagrado, o africano é
um religioso a partir do princípio de que, para ele, sua vida está ligada ao ser supremo e às
78
suas divindades. Até mesmo a morte, para o africano, ela não é um corte e sim uma passagem
para outro nível espiritual, mais evoluído.
A família era a célula primordial na vida desse africano, dentro dela são cultuadas divindades
pertencentes ao patriarca, entre os yorubás e os bantu, agregado ao culto às divindades
pertencentes aos seus reis, à cidade, ao mercado, à agricultura, etc. O culto à Ifá e
Exu/Legbara/ Aluvaiá é de suma importância, pois são os primeiros, sem eles nada vai
adiante.
Entre os povos bantu, diferentemente dos yorubás, seus rituais são direcionados às forças e
formas da natureza, são reverenciados determinados rio, montanhas, árvores, etc., seus
inquices representam esses elementos, podem até ser associados aos orixás yorubás e aos
voduns jeje, mas há que ser ter bastante atenção, pois possuem sutis diferenças que os fazem
singulares em seus cultos.
Ao serem retirados forçadamente de seu ambiente, submetidos a todo tipo de violência, esses
povos viram na dor a necessidade e, por conseguinte, o caminho para resistir e sobrevier
àquele infortúnio: a solidariedade. Essa condição de produção gerou uma nova situação para
esse africano, agora, estavam unidos pela dor, pela religião. A estratégia usada para separá-
los, transformou-se em motivo de união, as diferenças encontraram as semelhanças.
No Brasil, um termo criado aleatoriamente pelos traficantes “nação, nações”, usados pelos
senhores como estratégia de delação, transformou-se com o passar dos séculos em elemento
diferenciador das casas de Candomblé na Bahia. O termo “nação” designa as diferenças de
culto entre as casas de Candomblé, embora mesmo havendo o predomínio de características
pertencentes à determinada etnia, não significa que não se encontre características de várias
etnias diferentes que foram agregadas pela necessidade de se manterem vivas.
Em terras estranhas, o espaço físico onde essa África perdida será recriada ou reescrita é o
terreiro. Nesse local, através de rituais, objetos sagrados, da disposição espacial das casas, das
regras comportamentais, dentre outros elementos componentes desse universo que um pouco
da religiosidade africana é resgatado, uma vez que essa África original, não existe, foi perdida
para o tempo e para as mudanças normais no caminho de uma sociedade. Em um primeiro
momento, esse resgate ou releitura, ou ainda, reescritura dos paradigmas africanos será
realizado pelo africano escravizado e, posteriormente, por seus descendentes.
79
Ao se reconhecerem como os herdeiros e aqueles que darão prosseguimento à tradição
africana no Brasil, os descendentes dos africanos se inscrevem na formação ideológica que os
coloca como defensores dessa nova religião, o Candomblé e seus diversos símbolos vindos de
África, para recriá-la no Brasil. Dentre os elementos que compõem essa pequena e nova
África, em terras brasileiras, o código de conduta é que mais se cobra dentro do terreiro.
Através dele os iniciados recebem os ensinamentos que os farão futuros e futuras líderes
religiosos (as), os herdeiros do terreiro onde realizaram todos os rituais necessários para
pertencerem àquela nova família, a família de Aṣé. É essa formação ideológica que o faz
defender sua posição perante aqueles que não são parte da comunidade de aṣẹ.
O Candomblé é uma religião primordialmente oral, os ensinamentos são passados de geração
para geração através do ensino pela oralidade, os procedimentos são ditos. Por vezes, essa
característica é confundida com a falta de uma “liturgia” como é o caso de outras religiões nas
quais a palavra escrita é um marco para a sua legitimação. O Candomblé possui todo um
procedimento que se repete da mesma forma há séculos. É verdade que algumas modificações
foram inseridas devido a mudanças no perfil da sociedade, razão da contemporaneidade.
Entretanto, essa mudança não se deu de forma tão radical a ponto de transformarem preceitos
antigos. Sobre esse assunto, pouca coisa foi mudada devido à necessidade de adequação,
assim sendo, foi preciso realizar releituras de procedimentos originários e mudança dos
mesmos, pois, estes eram impraticáveis dados os novos movimentos da sociedade, entretanto,
muito desse código de conduta dentro do terreiro permanece. As regras de conduta dentro do
terreiro de Candomblé são rígidas, principalmente as direcionadas aos Iaôs (Iyawôs), durante
todo o processo de nascimento e desenvolvimento desse iniciado, ele será submetido a uma
série de provas cujo objetivo é testá-lo em sua fé e ensinar-lhe a sabedoria africano-brasileira.
Dentro dessa lógica, a do ensinamento para um futuro Babalorixá, uma futura Iyalorixà, ser
humilde perante o Orixá/Nkisi/Vodum, despir-se nesse momento de vaidades e títulos sociais
é característica fundamental para passar por todas as provas, que podem constituir-se de
restrições alimentares, respeito e obediência aos mais velhos, sejam eles em idade cronológica
ou não, como vestir-se, como andar, onde sentar, entre outros.
Essas restrições ou proibições são denominadas quizilas ou èèwó, são elas que impõem os
limites aos iniciados, neste caso, para todos indistintamente, independente de idade
cronológica ou cargos (Ogá, Equede), elas são relacionadas ao Orixá, Nkisi e Vodum dono do
80
ori do iniciado. Geralmente, as quizilas são acompanhadas de histórias que explicam o motivo
desta ou daquela proibição.
A quebra ou transgressão da quizila resultará na ximba, sendo esta a consequência da quebra,
a ximba será, portanto, a punição para aquele ou aquela que transgride o que lhe é proibido.
Essa punição irá desde o mal-estar físico até problemas de ordem espiritual, só sendo
resolvido após algum tipo de oferenda para pedir desculpas à divindade ofendida.
Este é ponto que deu origem à hipótese lançada no início desta dissertação, o questionamento
em relação ao uso desses dois elementos como opressão ao iniciado tido como rebelde.
Entretanto, ao percorrer a história dos negros que foram cerceados de sua liberdade por força
da ambição e da desumanidade de alguns, observa-se que embora sejam aplicados por vezes
de maneira áspera, a quizila e a ximba são, na verdade, dois elementos responsáveis pela
preservação da tradição religiosa, a partir do ponto em que convida a memória adormecida
desse iniciado a voltar ao tempo de seus ancestres, os que viveram as agruras da escravidão e
as divindades que foram a força essencial para mantê-los vivos, resistindo a tudo e mantendo
suas raízes durante séculos.
É relembrando de passados remotos através de histórias contadas oralmente desde os
primeiros que chegaram aqui e os mais próximos relatados por todos os que passaram por
provas aplicadas pelos seus/suas Babalorixás/Iyalorixás durante seu período de iniciação e
após esse, quando são orientados enquanto Iaôs. Ao relembrarem essas passagens em suas
vidas, mais do que repetirem histórias de agruras, essas memórias são a reafirmação de
valores que são legitimados pela comunidade do Candomblé como pré-requisitos essenciais a
boa convivência nesse espaço religioso.
81
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