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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas João Ricardo Rodrigues Viégas A internacionalização privada na Onda Estatizante: as relações público-privadas na internacionalizaçãodas empreiteiras brasileiras entre 1974 e 1979. Rio de Janeiro 2009 João Ricardo Rodrigues Viégas

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

João Ricardo Rodrigues Viégas

A internacionalização privada na Onda Estatizante:

as relações público-privadas na internacionalizaçãodas empreiteiras brasileiras entre

1974 e 1979.

Rio de Janeiro 2009

João Ricardo Rodrigues Viégas

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A internacionalização privada na Onda Estatizante:

as relações público-privadas na internacionalizaçãodas empreiteiras brasileiras entre

1974 e 1979.

Dissertação ou Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ou Doutor , ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História das Relações Internacionais.

Orientadora: Profª Dr.ª Miriam Gomes Saraiva

Rio de Janeiro

2009

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.

_____________________________________ _________________________ Assinatura Data

(Ao imprimir esta folha deverá ficar no verso da folha de rosto- folha anterior)

V656 Viégas, João Ricardo Rodrigues

Orientadora: Miriam Saraiva. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Empresas - Brasil - 1974-1979 - Teses. 2. Brasil - Política econômica - 1974-1979 - Teses. I. Saraiva, Miriam. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 327:658

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João Ricardo Rodrigues Viégas

A internacionalização privada na Onda Estatizante:

as relações público-privadas na internacionalizaçãodas empreiteiras brasileiras entre

1974 e 1979.

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História das Relações Internacionais.

Aprovado em: 31 de março de 2009. Banca Examinadora:

__________________________________________ Prof. Dra. Miriam Gomes Saraiva (Orientadora)

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ __________________________________________ Prof. Dr. Antonio Carlos Peixoto Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ __________________________________________ Prof. Dr. Bernardo Kocher Departamento de História da UFF

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Rio de Janeiro 2009

DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho às pessoas que acreditaram em mim e que sempre me

deram força para continuar perseguindo meus sonhos.

Dedico, em especial, aos meus pais, à minha irmã, que mesmo longe sempre

acreditou em minha capacidade e à minha namora, minha companheira de todas as horas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a minha família que me apoiou para conseguir superar todas as dificuldades e completar esse projeto.

À minha orientadora que desde o primeiro período do curso de Pós-graduação acreditou no meu projeto e que ,por muitas vezes, teve de ler e reler essa dissertação. À Universidade do Estado do Rio de Janeiro que me permitiu promover essa pesquisa, bem como à CAPES que financiou essa pesquisa por dois anos. Ao ex-ministro do Planejamento, Reis Velloso por me oferecer seu conhecimento mediante ilustrativa entrevista e ao atual vice-presidente da FGV e ex-presidente da IESA, Sérgio Quitella, pelas informações sobre a engenharia brasileira.

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RESUMO VIÉGAS, João Ricardo Rodrigues. A internacionalização privada na Onda Estatizante: as relações público-privadas na internacionalizaçãodas empreiteiras brasileiras entre 1974 e 1979, 2009. Dissertação do Mestrado em História das Relações Internacionais - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Durante a década de 1970, ocorreu, no Brasil, a fase pioneira de internacionalização das empresas privadas brasileiras do setor de prestação de serviços de engenharia de construção. Essa internacionalização deu-se, apesar da ausência de uma política estruturada do setor público. A incapacidade estatal de perceber esse processo como algo profícuo em seus planos, impediu o governo de criar uma política consolidada para a multiplicação dessas empresas no exterior. Essa “miopia” estatal é percebida tanto na esfera da política doméstica, voltada para manter uma política de substituição de importação dentro das fronteiras, como, na política externa, ao desenvolver uma internacionalização das empresas públicas ao invés das do setor privado. Essa situação pode ser percebida no caso analisado da empresa privada brasileira Mendes Júnior, que ingressou no mercado iraquiano mais por conta própria do que em decorrência de uma política estatal brasileira. Palavras-chave: Empreiteiras. Construtoras. Brasil. Iraque. Internacionalização. Serviços de engenharia. Mendes Júnior. Público-privado.

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ABSTRACT During the 1970s, occurred in Brazil the pioneer step of private sector internationalization process of Brazilian building companies. This process, however, was made without the presence of a well-structured public policy. The incapacity of public administration to observe this process as something able to provide benefits, halted the Brazilian government to create a policy able to multiply the presence of private building companies of boards. This public “myopia” is observed not only in the domestic sphere, directed to continue the import substitution policy inside borders, but also, in the international sphere, when government directed efforts to internationalize public enterprises instead of the private ones. This situation can be seen um the case of Brazilian private enterprise, called Mendes Junior, which entered in Iraqi market more by its efforts than by governmental support. Keywords: Enterprises. Building companies. Brazil. Iraq. Internationalization. engineering service. Mendes Junior. Public-private relation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9 1 EMPRESAS PRIVADAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA 12 1.1 Prestação de serviços de engenharia ........................................................................... 12 1.1.1 Distinção entre exportação de bens e venda de serviços no exterior........................... 13 1.1.2 Especialização por fase................................................................................................ 15 1.1.3 Vocação Transnacional ............................................................................................... 18 1.1.4 Efeito linkage............................................................................................................... 20 1.1.5 O mercado ................................................................................................................... 23 1.1.6 Mercado oligopsônico e caráter político das negociações........................................... 23 1.1.6 Baixa estrutura física e capacitação técnica nas concorrências................................... 27 1.2 Internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia ....................... 29 1.2.1 Período inicial............................................................................................................. 29 1.2.2 Construção de um mercado interno. ............................................................................ 31 1.2.3 Consolidação das empresas de engenharia brasileiras ................................................ 32 1.2.4 Maturação e internacionalização pioneira ................................................................... 33 1.2.5 Internacionalização plena ............................................................................................ 34 1.3 À guisa de conclusão..................................................................................................... 37 2. AMBIENTE INTERNO E INTERNACIONALIZAÇÃO PRIVADA ...................... 38 2.1 Conjuntura pró-industrializante entre as décadas de 1940 e 1970 .......................... 40 2.2 A política econômica de Geisel .................................................................................... 46 2.3 A miopia estatal ............................................................................................................ 53 2.3.1 Modelo de política econômica doméstica ................................................................... 54 3.2.2 Burocracia estatal ........................................................................................................ 58 2.3.3 Medidas contrárias à internacionalização.................................................................... 62 2.4 À guisa de conclusão.................................................................................................... 64 3.AMBIENTE EXTERNO E POLÍTICA EXTERIOR PARA INTERNACIONALIZAÇÃO PRIVADA ........................................................................ 66 3.1 Contexto internacional antes e depois de 1973 ......................................................... 67 3.2.1 Diplomacia energética para a África .......................................................................... 78 3.2.2 Diplomacia energética para a Europa......................................................................... 83 3.2.3 Diplomacia energética para a América do Sul ........................................................... 85 3.2.4 Diplomacia energética para os países árabes.............................................................. 89 3.3 A miopia em política externa ....................................................................................... 97 3.4 À guisa de conclusão................................................................................................... 102 4. ESTUDO DE CASO: ATUAÇÃO DA MENDES JÚNIOR NO IRAQUE ............. 104 4.1 Iraque........................................................................................................................... 105 4.2 Relações Brasil-Iraque ............................................................................................... 114

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4.3 Caso Mendes Júnior ................................................................................................... 119 4.4 À guisa de conclusão................................................................................................... 129 CONCLUSÃO................................................................................................................... 131 REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................ 140

INTRODUÇÃO Ao longo do século XX, as relações entre o setor público e o setor privado foram

objeto de análise e de fundamentada atenção pelos atores político na construção dos planos

econômicos. Os governos alocavam em seus planos de desenvolvimento econômico a

esfera de atuação do setor estatal e previam os espaços para a livre atuação dos atores

privados.

A presença estatal na economia, em particular no setor produtivo, variou muito no

tempo e de país para país. Em países como os Estados Unidos, símbolo do liberalismo

econômico e da máxima de Adam Smith de que a mão invisível deve regular as relações

mercadológicas, o governo postou-se mais como um estrategista que dava o suporte

necessário ao setor privado do que como um agente ativo no crescimento do Produto

Interno Bruto.

No caso brasileiro, a presença estatal foi mais efetiva no que se refere à produção de

bens e venda de serviços. O governo brasileiro, após 1930, inicia um processo continuado

de crescimento de sua intervenção no setor produtivo. A partir do Estado Novo até o

governo do presidente Fernando Collor de Mello, o agente estatal robustece sua área de

atuação na economia com a finalidade de implementar uma política desenvolvimentista

com a finalidade de industrializar o país e de reduzir as crescentes distorções no Balanço de

Pagamento nacional.

A intervenção estatal na economia, com o objetivo de industrializar o país, logrou

efetivo êxito. Todavia, a política desenvolvimentista voltada, muitas vezes, para um

processo de substituição de importações gerou, ao mesmo tempo, uma miopia do setor

estatal para flexibilizar essa política econômica em relação à evolução e à especialização

dos diversos setores privados que transbordavam as fronteiras do mercado nacional em

direção aos mercados no exterior.

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Essa miopia1 estatal, ou seja, a incapacidade do governo de observar os benefícios

de longo prazo que determinado setor que estava se desenvolvendo poderia prover, deu-se

principalmente com a especialização do setor de prestação de serviços de engenharia. O

ramo privado, durante a década de 1970, na vigência da presidência de Ernesto Geisel,

passou a buscar as concorrências públicas em mercados internacionais, mas o governo,

míope aos benefícios de longo prazo dessa internacionalização das empresas privadas não

forjou uma política de incentivo a esse processo.

Com os olhos voltados para o fortalecimento da indústria nacional dentro das

fronteiras, o agente estatal foi somente capaz de colaborar de forma incipiente, se

comparado ao incentivo e infra-estrutura conferida pelos países desenvolvimento na época

e a política nacional de internacionalização das estatais brasileiras. Assim, essas empresas,

para não estagnar seu crescimento devido aos limites do mercado nacional, internalizaram-

se aproveitando as brechas e oportunidades do contexto internacional.

O apoio efetivo a esse processo surge, de forma eventual, e, em sua maior parte,

quando a empresa de engenharia que se internacionaliza pode ser enquadrada como um

mecanismo a mais para os objetivos gerais do Estado brasileiro no exterior.

Na gestão Geisel, período marcado por uma expressiva redução da oferta

internacional de petróleo, os objetivos estatais estavam baseados na manutenção da política

de substituição de importações e, o plano externo, conseguir suprimentos energéticos para

manter a indústria nacional operando. Com os olhos no ambiente interno, o governo foi

incapaz de perceber o processo internacionalização privada de se desenvolvia de forma

pioneira.

Assim, pode-se conceber que o processo de internacionalização das empresas

privadas brasileiras do setor de prestação de serviços de engenharia de construção, em sua

fase pioneira, deu-se, em sua maior parte, de forma autônoma, sendo respaldada pelo

agente estatal de forma pontual em conformidade com os interesses do governo caso a caso. 1 Miopia, segundo o dicionário eletrônico Houaiss, possui duas acepções: a primeira identifica miopia como um distúrbio de refração em que os raios luminosos formam o foco antes da retina, também conhecido como vista curta, incapacidade de ver perfeitamente à distância; segunda acepção possível é no sentido figurado significando pouca ou nenhuma perspicácia para perceber e entender as coisas. A acepção adotada no texto promove uma interação entre as duas acepções, mostrando que o governo não possuía a perspicácia para compreender os múltiplos benefícios oriundos a longo prazo da internacionalização privada e que o foco estatal estava em solucionar problemas imediatos, soluções sempre a curto prazo. Dicionário eletrônico Houaiss, acesso em 20 de fevereiro de 2009.

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A fim de apresentar de forma estruturada os argumentos que comprovam essa tese,

a presente dissertação foi dividida em quatro capítulos. Deve-se ressaltar que para se

desenvolver essa tese, é necessária a integração entre diversos ramos da história.

Como o processo enfatiza as relações domésticas e internacionais entre o setor

público e um setor específico da engenharia brasileira, as construtoras, deverá ser

desenvolvida a tese mediante a visitação dos ramos da história das empresas e da história

econômica brasileira para dar a devida base ao desenvolvimento desse projeto sob a

regência da história das relações internacionais.

No primeiro capítulo, visitando o ramo da história das empresas, objetiva-se

fornecer ao leitor as bases para compreender as características das empresas da área de

prestação de serviços de engenharia e o processo de especialização que levou essas

empresas a se distinguirem dos demais setores da economia brasileira, passando a

demandar políticas específicas do governo.

No segundo capítulo, na esfera da história econômica pátria, busca-se analisar a

política-econômica doméstica brasileira e, em particular, na gestão Geisel, para demonstrar

que a ênfase no fortalecimento da indústria nacional por meio da substituição de

importações inviabilizou a percepção de novas oportunidades em uma política voltada à

internacionalização privada do setor de prestação de serviços de engenharia de construção.

No terceiro capítulo, ingressando plenamente na esfera história das relações

internacionais até o final da dissertação, promove-se uma análise da parte complementar à

política doméstica, a política exterior durante o governo Geisel. Nesse caso, serão

apresentadas as linhas da política externa e a, assim como ocorre na política doméstica, a

política externa será permeada pela mesma miopia quanto à expansão das empreiteiras

brasileiras no exterior.

Por último, no quarto capítulo, promove-se uma análise de um caso concreto, a

presença da empresa Mendes Júnior no Iraque, para justificar que, de fato, durante a gestão

Geisel, o processo de internacionalização se deu forma bastante autônoma e pouco

influenciada por medidas efetivas do governo nesse sentido. Para compreender as razões

que levaram essa empresa ao Oriente Médio, vai se traçar, em linhas gerais, a dinâmica

desse país, as relações entre o Brasil e o Iraque e por último, o desenvolvimento dessa

empresa e sua internacionalização para o exterior.

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CAPÍTULO 1

Empresas privadas de prestação de serviços de engenharia Nesse primeiro capítulo, objetiva-se estabelecer as bases primordiais para o

entendimento do que se denomina como o mercado de prestação de serviços de engenharia

no Brasil e como se processou a internacionalização desse setor da economia.

Para isso será necessário segmentar em duas grandes partes esse capítulo. Na

primeira, serão analisadas as características das empresas que prestam serviços de

engenharia, sendo ressaltadas suas principais demandas para o processo de

internacionalização e as características do mercado internacional em que essas empresas

atuam.

Na segunda parte, será feita uma breve contextualização histórica sobre o processo

de desenvolvimento da prestação de serviços de engenharia na esfera nacional até,

mediante o crescimento das empresas e sua especialização técnica, haver a expansão para

além das fronteiras nacionais, passando as construtoras brasileiras a disputar mercados no

exterior. Para isso, foram analisadas as principais empresas do setor de construção que

tiveram seu nascedouro nas décadas de 1940 e 1950 e se internacionalizaram 30 anos

depois.

A par desse conjunto fatos, é possível aprofundar uma análise nos capítulos

posteriores sobre a ausência de uma política governamental focada para o desenvolvimento

do processo de internacionalização das empresas privadas do setor de prestação de serviço

de engenharia, que deram seus primeiros passos iniciais no exterior nas décadas de 1970 e

1980.

1.1 Prestação de serviços de engenharia

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Nessa primeira etapa de análise sobre a realidade das empresas prestadoras de

serviços de engenharia, serão analisados alguns elementos fundamentais que diferenciam

esse ramo dos demais ramos da economia.

O mercado de prestação de serviços de engenharia, assim como diversos setores da

economia, sofreu, ao longo do século XX, um processo contínuo e aprofundado de

especialização, o que fez com que incorporasse elementos singulares em sua conformação e

passasse a apresentar demandas cada vez mais singulares.

Para compreender esse processo de especialização e as demandas específicas

requeridas por esse setor, é necessário analisar, de forma sumária, qual a sua diferença em

relação ao setor de exportação de bens e como ocorreu o processo de especialização dos

setores de engenharia.

1.1.1 Distinção entre exportação de bens e venda de serviços no exterior Existe uma profunda diferenciação entre a exportação de bens, produtos em geral

produzidos dentro das fronteiras nacionais e exportados para outros países, prática

amplamente utilizada no Brasil, desde o período colonial até a atualidade, e a exportação de

serviços, particularmente, de engenharia que começaram a ser implementadas somente na

década de 1970.

O simples, tão exacerbado, lapso temporal entre o início das supracitadas atividades

já justificaria a existência de ampla experiência e de consolidada infra-estrutura no Brasil

para a exportação de bens. Todavia, há, além da relativamente pouca experiência brasileira

no processo de exportação de serviços de engenharia, um conjunto de fatores que dificulta

ainda mais a exportação de serviços.

A exportação de bens é qualificada como a venda de algo que já está pronto,

qualquer que seja seu grau de elaboração, de transformação ou seu valor agregado. (IPEA,

1984, p.12). Dessa forma, enquadram-se, na exportação de bens, desde a venda de grãos de

café in natura produzidos no interior de São Paulo para os países da Europa até a

exportação de geladeiras da Zona Franca de Manaus e de tratores produzidos no país para

países da América do Sul.

No caso dos serviços de engenharia, a situação é outra. Na maioria dos casos,

principalmente na prestação de serviços de engenharia de construção, os serviços são

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prestados em sua quase total integridade no território do país adquirente. Apresenta-se,

como exemplo, a construção de uma estrada de rodagem. Nesse caso, é inviável imaginar a

presença de elementos pré-fabricados, como seria possível no caso de uma ferrovia, em que

seria possível importar, pelo menos as bitolas. O caso da estrada de rodagem é

paradigmático, uma vez que, nesse caso, é impossível fabricar as partes fora do lugar onde

se localiza a obra. Assim, todos os insumos, equipamentos e operários terão de ser levados

até a localização da obra para que essa possa ser efetivada.

Outra diferença importante está relacionada ao registro da prestação de serviços no

balanço de pagamentos do país.2 Enquanto, na exportação de bens, a venda é registrada, em

sua integridade, na conta corrente da balança comercial, na prestação de serviços no

exterior o registro varia de caso a caso. Se houver compra de insumos no Brasil, como, por

exemplo, cimento, máquinas, etc, esse valor entra na conta corrente da balança comercial,

assim como ocorre na exportação de bens.

Entretanto, há operações que não serão registradas na conta corrente da balança de

comercial, mas sim na balança de rendas da conta comercial. Isso ocorre quando, por

exemplo, um operário em uma obra no exterior decide realizar uma transferência unilateral

para sua família situada no Brasil.3

Além disso, algumas transações das empresas prestadoras de serviços no exterior

podem ser registradas na balança de capitais. Isso se dá quando a empresa promove o

pagamento dos salários e outras despesas de operários e engenheiros contratados para fazer

a obra e que estão situados no exterior ou quando um banco financia os gastos da

empreiteira no exterior. Nesse caso, o balanço de pagamentos registra esses valores como

exportação de poupança, o que pode ser visto como um elemento negativo para os

promotores de políticas públicas, já que, em um primeiro momento, será observada uma

redução dos recursos internos que, só posteriormente, auferirá lucros com esse investimento.

2 O balanço de pagamentos é um instrumento da contabilidade social referente à descrição das relações comerciais de um país com o resto do mundo. Ele registra o total de dinheiro que entra e sai de um país, na forma de importações e exportações de produtos, serviços, capital financeiro, bem como transferências comerciais. Nele existem duas balanças a comercial e a de capitais. A primeira registra as entradas e saídas devidas ao comércio de bens e serviços, bem como pagamentos de transferência unilaterais. A segunda é responsável pelo registro das transações de fundos, empréstimos, principalmente. 3 Transferências unilaterais são caracterizadas pelo fato de um indivíduo transferir valores monetários para outros situados em outro país sem requerer contraprestação por aquele envio. Seria algo parecido como uma doação porém ao ingressar ou sair do país aquela quantia, essa é contabilizada no balanço de pagamentos nacional na balança de rendas.

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Esses aspectos levantam dois pontos importantes. O primeiro é que fica

demonstrada a complexidade da venda de serviços de engenharia, já que essa venda

relaciona, de forma simultânea, comércio internacional, financiamento e movimentos de

capitais, pessoas e tecnologias.

O segundo ponto a ser levantado é a falta de visibilidade imediata de lucros pela

presença segmentada dos resultados da prestação de serviços no balanço de pagamentos

nacional. Diferentemente da exportação de bens, em que os resultados podem ser

diretamente analisados pelo aumento ou pela diminuição da balança comercial, a análise

dos benefícios diretos e indiretos da venda de serviços para o exterior irá requerer um

conjunto de análises simultâneas em várias balanças do balanço de pagamento nacional e a

visualização dos resultados indiretos como a abertura do mercado para outras empresas.

1.1.2 Especialização por fase O processo de especialização da prestação de serviços de engenharia segue a lógica

de segmentação das diferentes etapas de um investimento em geral. Inicialmente dividida

em três partes - projeto, construção e manutenção – o setor de prestação de serviços de

engenharia passou a sub-segmentar cada área, promovendo novos estratos especializados.

Conforme dados do IPEA (1984, p.10), pode-se enumerar, sem o objetivo de exaurir

todos esse novos segmentos, alguns exemplos:

Na área de projeto, surgiram especializações como os estudos de pré-investimento,

setor especializado na pesquisa de mercado, na busca de alternativas de localização para

determinado empreendimento, na produção de estimativas preliminares de custos,

investimentos e rentabilidade de determinado negócio.

Duas outras estratificações ganham ainda especial relevância nessa primeira fase: os

estudos de viabilidade e a contratação de insumos e obras.

O estudo de viabilidade é a prestação de um serviço de engenharia fundado no

objetivo de promover análises mais apuradas da demanda para o projeto que se busca

promover; criar planos de produção e fluxogramas; e estabelecer a infra-estrutura

necessária para o empreendimento.

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A segunda especialização é a contratação de uma empresa de engenharia para

promover a preparação das bases e modelos de contratos, promover a pré-qualificação dos

fornecedores e avaliação das ofertas.

O processo de especialização, na primeira fase, está diretamente relacionado ao

aumento do custo dos investimentos e à rápida evolução da oferta de novas técnicas e

tecnologias. Por um lado, o investidor, devido à necessidade de investir grande quantidade

de capital em um projeto, busca formular o quadro futuro de gastos, a possível lucratividade

oriunda do investimento e a viabilidade técnica e mercadológica, antes mesmo de investir o

valor. Essa especialização está relacionada ao objetivo do investidor em reduzir ao máximo

os riscos do negócio.

Por outro lado, com a rápida expansão das técnicas e tecnologias, um determinado

setor da engenharia se especializou na análise da adequação dos novos equipamentos

tecnológicos para cada obra específica, assim como na técnica capaz de promover melhores

resultados na equação custo/benefício.

Tomemos como exemplo a construção de uma usina hidrelétrica. O seu custo de

implantação é altíssimo e, para isso, é necessário um amplo estudo de viabilidade técnica

para definir se, na região da usina, haverá demanda por energia para a produção gerada, se

o nível de chuvas e o fluxo de água dos rios que abastecem a região será capaz de abastecer

a usina. Além disso, será necessária uma pesquisa sobre qual a melhor turbina a ser

implantada nessa usina, já que os centros de pesquisa criam constantemente tecnologias

mais avançadas para que, com um mesmo volume de água, se consiga fazer a máxima

transformação da energia mecânica, decorrente da força hidráulica, em energia elétrica.

Esses fatores representam riscos a serem contabilizados para definir o sucesso ou o fracasso

do negócio e, sem essa análise, os investidores tendem a perder o interesse em investir no

negócio. Isso justifica a importância desse tipo de serviço. Ele é responsável por ilustrar as

bases estruturais e financeiras para a implementação das obras.

Na segunda fase, a da construção, há dois subsetores de especialização com relativa

relevância: a supervisão da promoção efetiva das obras e direção gerencial das obras e a

engenharia de construção.

Na supervisão do processo de execução e na direção gerencial das obras as

empresas especializadas ficam responsáveis pela elaboração e controle do cronograma de

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execução, com a inspeção da fabricação de determinados itens, das obras civis, das

instalações elétricas, etc. Um caso exemplificativo desse tipo especializado de prestação

desse serviço de engenharia, inclusive, no exterior, foi a atuação da Hidroservice e da

Promon na Nigéria.

Essas duas empresas foram contratadas para liderar o trabalho de supervisão e

implantação da rede telefônica nacional que o governo nigeriano havia contratado com

empresas dos Estados Unidos, Europa e Japão (IPEA, 1984, p.41).

O outro sub-segmento é a engenharia de construção. Nesse, as empresas de

engenharia são responsáveis pela utilização, na prática, das técnicas de construção para

realizar as obras civis, as instalações elétricas e outras, além da montagem de estruturas e

equipamentos. Essa área é a de maior destaque na engenharia devido à sua visibilidade

externa e ao alto valor dos projetos. As empresas especializadas desse setor são conhecidas

como empreiteiras ou construtoras. Essas serão o foco principal das análises posteriores.

As obras de construção de usinas hidrelétricas, prédios, rodovias e ferrovias são

representativas desse sub-setor da prestação de serviços de engenharia brasileiro, tendo

destaque às obras nacionais como a Ponte Rio-Niterói e a estrada de rodagem

Transamazônica e os empreendimentos internacionais executados pelo setor privado no

exterior, como a construção da universidade de Constantine4 e a Usina de Santa Isabel na

Bolívia.

Por último, a terceira fase, a manutenção, comumente caracterizada pelos serviços

que viriam à jusante do processo de construção. Nessa fase, além do serviço de manutenção,

como as obras de reparação, surgem, também, as especializações relacionadas à formação e

preparação dos técnicos e operários sobre os conhecimentos necessários, para se

compreender a sistemática operacional dos empreendimentos, como o funcionamento das

usinas hidrelétricas.

Nesse diversificado rol de especializações da prestação de serviços de engenharia,

sem desmerecer a importância dos demais setores que serão pontualmente apresentados em

alguns exemplos, buscarei enfatizar a análise da internacionalização dos serviços de

construção, uma vez que esses são mais representativos no balanço de pagamento do país, e

4 Universidade de Constantine, edificação realizada pela construtora Rabello em 1969, em Constantine, na Argélia, com projeto de Oscar Niemeyer.

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os valores dos empreendimentos são mais expressivos, tendo maior repercussão positivas

para o país.

1.1.3 Vocação Transnacional Como já fora anteriormente apresentado, é comum haver um processo de

especialização no setor de prestação de serviços de engenharia por meio da subdivisão

dentro das fases. Todavia, há um outro processo concomitante de especialização que

promoverá uma natural tendência à internacionalização por parte desse setor da economia.

Além da especialização por fase, ocorre, no setor de prestação de serviços de

engenharia, e, principalmente, na engenharia de construção, uma especialização

direcionada a repetir atividades e métodos de trabalho. Essa especialização, de corte

horizontal, singulariza por tipo de projeto os respectivos setores da produção, como, por

exemplo, a divisão entre construção de fábricas petroquímicas, obras civis, etc. Busca-se,

dessa forma, uma repetição por projetos similares, já que essas empresas, diferentemente do

setor industrial, não podem se beneficiar com economias de escala5.

Por meio da repetição dos projetos, o setor de prestação de serviços de engenharia

reduz os custos de adequar os grupos de trabalho (engenheiros, operários, etc) a novos

padrões de construção.

Assim, uma empresa de engenharia especializada em gerenciamento de projetos de

instalação de linhas telefônicas busca, no máximo, gerenciar projetos similares como, por

exemplo, instalação de cabos de transmissão de informações de Internet e tv a cabo, mas

não um projeto de gerenciamento da construção de uma usina hidrelétrica.

No caso das empresas especializadas em serviços de construção, seguindo a mesma

lógica de redução dos custos, há a propensão das empreiteiras em se especializarem em

determinadas obras, como a construção de hidrelétricas, rodovias, ferrovias, edifícios, etc.

Com isso, ocorre um rápido processo de saturação do mercado nacional para essas

empresas.

5 Economia de escala é aquela que organiza o processo produtivo de maneira que se alcance a máxima utilização dos fatores produtivos envolvidos no processo, buscando como resultado baixos custos de produção e o incremento dos bens e serviços prestados.

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Imaginemos, por exemplo, que uma empresa se especialize na construção de usinas

hidrelétricas. Há uma demanda nacional restrita por usinas, seja pelo alto custo relativo à

construção de uma obra de grande magnitude, seja pelo número limitado de mananciais

hídricos que suportam abastecer uma usina. Dessa forma, haverá um rápido esgotamento da

demanda nacional por usinas, o que faz com que as empresas sejam obrigadas a buscar

novos mercados no exterior.

Além disso, o processo de especialização horizontal faz não somente com que as

empresas se tornem extremamente competitivas em determinados projetos, mas também

aumentam seus índices de vulnerabilidade, caso se restrinjam aos limites geográficos do

país de que são originárias, já que sua capacidade de ofertar serviços tende naturalmente a

ultrapassar a demanda nacional.

Esse conjunto de fatores justifica a natural vocação transnacional das empresas de

prestação de serviços de engenharia. As operações internacionais são, assim, ao mesmo

tempo, um meio de expansão e um antídoto à vulnerabilidade em relação ao mercado

nacional em processo de redução da demanda.

O efeito desse processo de transbordamento das fronteiras nacionais assume formas

diversas, dependendo do índice de vinculação entre a empresa e a economia nacional.

Como as obras prestadas no exterior tendem a demandar grande quantidade de produtos,

existe uma latente potencialidade de que essas obras tornem-se grandes veículos

promotores da exportação de bens, desde o cimento até as máquinas, e da venda de serviços,

como, por exemplo, fretes e seguros.

Essa potencialidade pode ser aproveitada pelo Estado de onde a empresa tem sua

matriz ou pelo mercado internacional. Isso vai depender do grau de integração da economia

nacional com a empresa e do vínculo que a política governamental dá a esse processo.

Para aproveitar o máximo dessa potencialidade, os governos devem promover

políticas ativas de exportação dos serviços de prestação de engenharia e manter os laços

com as sedes no exterior mediante políticas de financiamento dos custos, de oferta mais

benéfica de bens nacionais. Isso fará com que os governos consigam auferir ao máximo os

benefícios diretos e indiretos desse processo.

Essa capacidade de promover a atração de outros negócios, também é conhecida

como efeito linkage, que será analisado de forma mais aprofundada no item subseqüente.

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1.1.4 Efeito linkage Outra característica singular das empresas de prestação de serviços de engenharia,

especialmente, o segmento da construção civil, é o efeito linkage. Linkage é um termo

derivado do inglês da palavra link, e seu significado é conexão ou encadeamento

(HOUAISS, 2008, p.457). Em consonância com a semântica da palavra, o efeito provocado

pelas empresas de prestação de serviços de engenharia é evidentemente esse: o poder de

encadeamento de múltiplos outros setores da economia no caminho trilhado pelo setor da

prestação de seu serviço.

Costuma-se perceber esse efeito, particularmente na construção civil, quando se

observa a grande demanda das empreiteiras, ao promoverem edificações e obras de infra-

estrutura, por matérias-primas, equipamentos, alem de outros serviços de engenharia

(EARP, 2007, p.237).

Todavia, esse efeito de arrasto deve ser entendido de forma mais ampla que a

simples demanda por cimento, máquinas e consultorias. O efeito de arrasto ocorre tanto no

nível contabilizável, como a demanda direta por produtos para viabilizar a obra no exterior,

como no âmbito não contabilizável de curto prazo, ou seja, as perspectivas de abertura de

mercados externos para múltiplos setores da economia nacional exportadora.

Na esfera da contabilidade material de curto prazo, há efeitos diretos como a

exportação de bens e serviços que serão demandados pela empreiteira no exterior. Como se

percebe o efeito de arrasto de uma empresa de engenharia por outras do setor é observado

no gráfico seguinte:

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Atividade de construção no exterior em que mais de uma empreiteira brasileira estava envolvida (1975/1983)

Serviço País Contratador Outras empresas brasileiras envolvidas

Número de

contratosBarragem e plantas hidroelétricas

Palmar Uruguai Mendes Júnior 9 13 Colbun Chile Odebrecht 5 5 Charcani Peru Odebrecht 2 2 Acaray Paraguai C.B.P.O 3 4 Iguazú Paraguai C.B.P.O 1 1 El Izdahar Algeria Rabello 3 3 Guri Venezuela Camargo Correa

e Cetenco 3 3

Total 26 31 Autoestradas e ferrovias Railroad Iraque Mendes Júnior 6 7 Highway Mauritânia Mendes Júnior 2 2 Chimoré-Yapacani Bolívia Andrade

Gutierrez 1 1

Metro de Caracas Venezuela Cetenco 1 2

Moroguno-Dodma Tanzânia Ecisa 1 1

Total 11 13 Outros Aeroporto - Porto Suarez Bolívia Affonseca 1 1

Porto – La Paloma Uruguai Ecex e Concic 2 3

Total 40 48

Fonte: UFRJ – Instituto de Economia Industrial (1984)

Conforme análise do gráfico, é possível observar o poder de arrasto de uma

determinada empreiteira ao vencer uma concorrência internacional. Assim, por exemplo, na

construção da usina hidrelétrica de Palmar no Uruguai, vencida pela Mendes Júnior, houve

a contratação de outras nove empresas brasileiras para diversos serviços de engenharia

complementares à construção da usina.

Além disso, em uma análise ampla da tabela, nas 14 obras empreendidas por

empresas brasileiras no exterior, houve uma multiplicação dos contratos para serviços

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complementares ao principal, gerando a inclusão de mais quarenta empresas de prestação

de serviços de engenharia, além das 14 que venceram as concorrências.

No que concerne à expansão dos bens exportáveis em geral, o efeito de arrasto

também é facilmente identificado. Toma-se nesse caso o exemplo da evolução das relações

entre o Brasil e a Nigéria.

Segundo dados do IPEA (1984, p.42), antes da contratação das empresas de

prestação de serviços de engenharia brasileira para o programa nigeriano de

telecomunicações, as exportações de mercadorias do Brasil para esse país africano eram

muito reduzidas, girando em torno de 3,5 milhões de dólares em 1973. Depois dos

contratos de consultoria de 1980, esse valor chegou a 271 milhões de dólares, ou seja, 1,4%

do total brasileiro em exportações.

No caso em questão, é possível perceber também o poder de arrasto não diretamente

quantificável, vinculado à abertura do mercado para o ingresso futuro de novas empresas

brasileiras e à criação de novos laços com outros países.

A primeira atuação do setor de prestação de serviço de engenharia brasileiro para a

Nigéria deveu-se à vitória da Hidroservice e da Promon na concorrência para o contrato de

restauração e manutenção da rede telefônica de Lagos e para a supervisão da implantação

da rede telefônica nacional do país, projeto desenvolvido pelo então ministro das

telecomunicações do governo nigeriano, o Brigadeiro Muhamad Murtala. Esse ministro,

que, posteriormente, se tornaria presidente do país, viabilizou a contratação de outras

empresas brasileiras em decorrência do bom trabalho implementado em seu país pelas

construtoras brasileiras (IPEA, 1984, p.42).

A abertura do mercado para a exportação de bens de outras empresas brasileiras

também ocorreu, por exemplo, no caso da vitória da Mendes Júnior na concorrência

internacional para a construção da ferrovia Bagdá-Akashat. Após a presença da empresa

brasileira no mercado iraquiano, abriu-se espaço para as exportações de bens de empresas

como a Volkswagen do Brasil, a Massey-Fergusson e a Sadia (MENDES, 2004, p.165).

Nesse sentido, o efeito linkage promovido pelas empresas de prestação de serviços

de engenharia propicia não só o aumento direto de exportação de bens necessários à

efetivação das obras, mas também é capaz de abrir um canal permanente para que outras

empresas do ramo de exportação de bens, por exemplo, possam expandir suas vendas.

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1.1.5 O mercado

Nas diversas estruturas mercadológicas existentes na economia, o mercado de

prestação de serviço de engenharia apresenta singularidades, ainda mais em um processo de

internacionalização, quando, além do objetivo de otimização de lucros inerente aos

capitalistas, há elementos políticos que viabilizam ou impedem o ingresso dessas empresas

em mercados estrangeiros. Para compreender melhor essa estrutura específica que é o

mercado competitivo do setor de prestação de serviços de engenharia em âmbito

internacional, é necessário segmentar suas características, analisando como se comporta o

mercado para as compras de serviços de engenharia e quais são as imposições feitas por

esse mercado ao ingresso das empreiteiras brasileiras nas concorrências internacionais.

1.1.6 Mercado oligopsônico e caráter político das negociações

O setor de prestação de serviços de engenharia possui certa singularidade. Entre as

diversas figuras mercadológicas existentes, como, por exemplo, a concorrência de livre

mercado, o monopólio, o oligopólio, o mercado de prestação de serviços de engenharia

caracteriza-se por uma propensão oligopsônica da demanda6.

A propensão oligopsônica da demanda é caracterizada pela presença de um pequeno

número de compradores e um grande número de vendedores. O enquadramento desse

modelo ao setor de prestação de serviços de engenharia ocorre, pois os compradores desses

serviços, que em geral são extremamente caros para que a iniciativa privada financie

isoladamente, acabam sendo os Estados, que possuem um aporte de capital alto e uma

constante necessidade de serviços de infra-estrutura, vinculados à expansão das cidades.

No âmbito internacional, essa propensão oligopsônica da demanda é melhor

visualizada, já que o número de Estados é relativamente pequeno e relação ao número de

empresas prestadoras de serviços de engenharia que atuam no mercado internacional de

serviços.

A existência desse tipo de mercado com características específicas acaba por gerar

uma situação complexa. Como os compradores desses serviços são poucos e são, em sua 6 Mercado oligopsônico é aquele em que há poucos compradores (WONNACOTT, 1985, p.541).

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maioria, Estados, há, nas negociações, necessariamente um caráter político presente nas

concorrências internacionais.

O caráter político assume, eminentemente, duas formas: a ativa e a passiva. No caso

ativo, o governo, em busca da venda de serviços de engenharia que as empresa nacionais

podem ofertar, assume postura pró-ativa no processo negocial e organiza sua política

interna e externa levando em conta a manutenção e expansão de mercados para os serviços

de engenharia da iniciativa privada.

Essa postura ativa é observada, quando, no processo de decisão das ações em

política externa, o governo brasileiro pondera a possibilidade da perda de um mercado para

a suas empresas prestadoras de serviços. Como, por exemplo, se verifica no telegrama da

embaixada brasileira de Lagos para o Ministério das Relações Exteriores em 1977:

Do ponto de vista das relações econômicas, políticas e comerciais, os dois países têm todo o interesse de evitar o impasse entre a Petrobrás e a NNOC, visto que se não for renovado o contrato NNOC-Petrobrás correremos o risco de ver destruído, de um momento para outro, um intercâmbio que já soma, nos dois sentidos, duzentos milhões de dólares, sem falar que estariam comprometidos os esforços muito promissores para 1977 de venda de serviços à Nigéria.7

Destaca-se que, nesse caso em particular, o governo nigeriano havia aumentado o

preço do barril do petróleo tornando-o, a partir desse ano, mais caro que o preço do barril

comprado no Oriente Médio 8 . O governo brasileiro, entretanto, optou por manter as

compras com o governo nigeriano e, conseqüentemente, assumir um custo maior em suas

finanças, uma vez que visava manter aquele mercado aberto para exportações de bens9 e de

serviços brasileiros10.

Por outro lado, o caráter passivo em relação ao processo de internacionalização do

setor de serviços engenharia surge quando o governo é demandado por sua contra-parte em

7 Telegrama da embaixada de Lagos em 20 de janeiro de 1977. 8 Em 1977, o preço nigeriano do “bony light” situava-se em 14. 31 dólares por barril (em comparação ao preço de 12.09 dólares para o “arab light” – Golfo Pérsico – ou seja uma diferença de 2.22 dólares por barril). Telegrama da embaixada brasileira em Lagos enviada em 20 de janeiro de 1977. Acervo CPDOC. 9 Proposta de inovação do contrato de exportação de carne US. 22,5 milhões. Telegrama da embaixada de Lagos em 20 de janeiro de 1977. 10 Contratos de exportação de trinta fábricas de repito contratos com o Ministério dos Transportes, contrato com Mendes Junior, Hidroservice, trecho seis, do novo sistema ferroviário – cotado em US.1bilhão; trecho 2, do novo sistema ferroviário – contrato com CENTENTO – Transcon ( US. 800 milhões). Telegrama da embaixada de Lagos em 20 de janeiro de 1977.

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um processo negocial por esses serviços. Nesse caso, o governo colabora para o processo

de internacionalização e expansão dos mercados para esse setor da economia brasileira de

forma circunstancial e em decorrência de outra demanda que não a prestação de serviços de

engenharia. A prestação de serviços de engenharia, nesse caso, torna-se um elemento de

barganha e não o objeto principal da política externa. Essa postura passiva é observada, por

exemplo, no relatório do chanceler Azeredo da Silveira ao presidente Geisel em dezembro

de 1973:

Em Badgá, o aumento de quantidades e a obtenção de preços especiais (do barril de petróleo) estão vinculados, em proporções difíceis de estabelecer, a contrapartidas de fornecimento de açúcar e arroz, à assinatura de um acordo de cooperação econômica e técnica (com previsão de “joint-ventures) e a uma declaração de apoio à causa árabe do tipo feito pela CEE11.

Segundo o relatório, o governo do Iraque, frente à crise do petróleo, passa a

demandar por serviços de engenharia com transferência de tecnologia, o que é apresentado

por acordo de cooperação de técnica e econômica, e, em contrapartida, passa a vender para

o Brasil o barril de petróleo a preços abaixo da cotação da época.

Em decorrência da estrutura específica de mercado desse setor de prestação de

serviços e do fato de que os principais compradores são governo que incluem um elemento

político em seu processo negocial, o Estado deve buscar promover sempre uma política

ativa favorável às exportações de serviços de engenharia. Nesse sentido, o governo deve ser

um permanente catalisador de negócios, sendo responsável pela aplicação de políticas de

promoção comercial, pela ação direta dos seus diplomatas e, inclusive, pela assunção de

responsabilidades em casos de obras mais vultosas e complexas.

Segundo Carlo Arena (1985, p.12), a atuação governamental no plano externo deve

ser desenvolvida em dois planos diversos. Por um lado, o governo deve atuar no sentido de

promover múltiplas atividades de promoção comercial, que vão desde a captação à

disseminação de oportunidades comercias, tanto de exportadores e importadores, quanto de

autoridades governamentais estrangeiras como clientes de prestação de serviços, até a

realização de seminários e encontros com fins didáticos e promocionais.

11 Informação Submetida pelo senhor ministro de estado das relações exteriores ao senhor presidente da República, em 20 de dezembro de 1973. Pasta MRE.

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Por outro lado, deve haver ação governamental direta de apoio à exportação de

serviços. Por causa do caráter político presente nas negociações, o governo deve manter

disponível uma estrutura externa de apoio a essas empresas. Essa estrutura, formada por

embaixadas e sedes de bancos nacionais no exterior, deve viabilizar tanto a ação direta de

agentes diplomáticos do país importador para favorecer propostas de prestação de serviços

para exame como a assunção de empréstimos e subsídios para financiar os custos dos

empreendimentos.

Esse conjunto de iniciativas, que promovem múltiplos benefícios para a economia

nacional, teve larga aplicação pelos governos dos países desenvolvidos, principalmente,

frente a crise do petróleo na década de 1970.

O nível de envolvimento dos governos desenvolvidos em políticas de caráter ativo

de manutenção e expansão dos mercados para o setor de serviços de seus países foi tão

intenso, naquele período, que, não são somente diplomatas, como também figuras do alto

escalão governamental que passam a fazer direta política de promoção comercial. Têm-se,

como exemplos, a viagem do ministro do comércio exterior da Itália à Líbia, em 1976, com

o objetivo de buscar o fechamento de diversos contratos de prestação de serviços de

empresas italianas, visando atender às demandas do governo líbio por cooperação nas áreas

energéticas e outros setor de tradicionais12, o que viabilizaria um menor desequilíbrio no

balanço de pagamento italiano, e as viagens do rei Juan Carlos da Espanha à Arábia Saudita

e outras monarquias árabes em 197613.

No âmbito doméstico, o Estado deve colaborar com os meios necessários para

viabilizar a atuação da empresa no mercado internacional, como por meio de incentivos

fiscais, creditícios, de seguro contra riscos e garantias de execução de contratos. Isso gera a

capacitação necessária à que as empresas do setor de prestação de serviços de engenharia

consigam promover projetos normalmente de alto valor para ingressar nas concorrências

públicas.

12 As vias de cooperação entre o governo líbio e o italiano nesse período foram: na área energética, cooperação para o desenvolvimento do setor petroquímico, a implantação de centrais elétricas e nucleares; e, na esfera tradicional, surgiram acordos para projetos junto à marinha mercante, sistemas de irrigação, construção de casa pré-fabricadas, entre outros. Ver telegrama da embaixada do Brasil em Roma para o Ministério das Relações Exteriores enviado em 11/01/1977. 13 Telegrama da embaixada do Brasil em Madrid para o Ministério das Relações Exteriores em 11/01/1977.

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Quanto ao apoio financeiro à exportação de serviços de engenharia nos países

desenvolvidos, há ampla estrutura para viabilizar a internacionalização das empresas e a

expansão da capacidade dessas concorrerem no mercado internacional.

Nos Estados Unidos, há o United States Export-import (Eximbank), que opera com

empréstimos diretos, garantias, fundos para bancos comerciais e seguro de créditos, e o

The overseas Private Investment Corporation (OPIC), que apóia as pequenas e médias

empresas. Na Grã-Bretanha, há o Export Credit Garantee Department (ECGD), autarquia

que cobre seguros e garantias e tem um esquema de equalização de taxas de subsídios às

exportações. Há, ainda, nesse país, uma garantia específica para serviços de construção

civil com o objetivo de prevenir riscos de insolvência, inadimplência, moratória

governamental, eventos políticos, dificuldades econômicas e restrições cambiais do país

importador, guerra, cancelamento ou não renovação de licença de exportação de bens. Essa

garantia é de 90% das perdas, o que assegura um amplo processo de internacionalização

das empresas britânicas pelo mundo.

Com uma estrutura governamental pró-exportação de serviços de engenharia mais

consolidada, há uma oferta de garantias para a empresa de serviços de engenharia dos

países desenvolvidos que viabiliza o processo de internacionalização e, mediante o

relativamente fácil financiamento oferecido por instituições especializadas públicas e

privadas, as prestadoras de serviços ganham a capacitação necessária para concorrer e

vencer as licitações públicas existentes em diversos países.

Governos que objetivem expandir sua atuação econômica no mercado

internacional, mediante a exportação de serviços de engenharia da iniciativa privada para

colher os benefícios decorrentes desse processo, devem assumir a responsabilidade de co-

participação em custos e gastos inerciais, além da ativa presença política.

O Estado deve-se postar, dessa forma, como ator protagônico nas negociações e

assumir custos e riscos junto com as empresas para, posteriormente, recolher impostos,

aumentar suas exportações diretas e indiretas, abrir e consolidar novos mercados, etc.

1.1.6 Baixa estrutura física e capacitação técnica nas concorrências

Dois outros fatores são de suma importância para caracterizar a estrutura do

mercado de prestação de serviços de engenharia: a reduzida estrutura física das empresas

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prestadoras de serviços de engenharia e a necessidade de comprovação da capacidade

técnica nas concorrências internacionais.

Quando as empresas de prestação de serviços de engenharia passam a buscar

mercados no exterior, surge um conjunto inteiramente novo de demandas específicas para

que as empresas possam participar dos processos de concorrências.

No processo de licitação internacional, é comum, para o fechamento dos contratos, a

averiguação da capacidade técnica da empresa. Isso ocorre porque, conforme a natureza do

serviço prestado, as empresas de prestação de serviços de engenharia possuem baixa

estrutura física, já que os principais elementos da composição da empresa são os

engenheiros, responsáveis pela prestação de serviço e não uma estrutura física permanente

como ocorre nas indústrias de produção de bens.

A averiguação da capacidade técnica se dá mediante o estudo das obras anteriores

produzidas pelas empresas. Em países desenvolvidos com uma estrutura mais consolidada

de para viabilizar a exportação de serviços de engenharia, há certos organismos oficiais que

concedem aval de capitação para as construtoras, que serve para comprovar a capacitação

técnica necessária para concorrer nas licitações públicas em outros países; exemplo desse

tipo de organismo oficial é a USAID (BENTES, 1980, p.4).

Nos demais casos, como o brasileiro, a comprovação é bem mais complexa sendo

necessário que a construtora tenha de apresentar um rol de obras que ela foi responsável

pela construção, sendo que em alguns casos pode ocorrer a vistoria de membros do governo

do país que está promovendo a licitação pública, por meio de inspeções diretas às obras em

vigência. Como foi o caso, por exemplo, da comprovação da capacidade técnica da Mendes

Júnior para concorrer na obra da ferrovia Badgá-Akashat do Iraque, em que engenheiros

iraquianos inspecionaram as obras implementadas pela Mendes no Brasil (MENDES, 2004,

p.163).

Assim, para que as empresa nacionais de prestação de serviços de engenharia

consigam expandir sua atuação no exterior, há uma demanda por instituições públicas que

ofereçam o título de capacitação técnica, o que viabiliza um mais fácil cumprimento dos

pré-requisitos presentes nas concorrências internacionais por obras.

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1.2 Internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia

Nessa segunda parte do capítulo, busca-se demonstrar como se desenvolveu de

forma cronológica o processo de crescimento e especialização das empresas privadas do

setor de prestação de serviços de engenharia até sua maturação técnica para a

internacionalização.

A internacionalização de empresas privadas do setor de prestação de serviços de

engenharia civil é um processo mais ou menos comum em todo o mundo. No sistema

capitalista, para que as empresas consigam atuar no mercado internacional, são necessários

dois elementos iniciais: um aporte de capital relativamente grande e conhecimento

específico sobre sua área de atuação. Pode-se afirmar que esses são os elementos

fundamentais para que uma empresa possa se candidatar a uma competição por obras na

esfera internacional.

Para que as construtoras brasileiras conseguissem atingir esses dois pré-requisitos

básicos, foi necessário um longo processo de maturação e desenvolvimento das empresas

por meio de obras públicas no mercado doméstico. Somente após cerca de trinta anos, seria

possível perceber os primeiros passos de um processo de internacionalização incipiente das

empresas desse setor.

Segundo Carlo Arena (1985, p.61), o desenvolvimento da construção civil no Brasil

pode ser dividido em cinco principais fases:

1.2.1 Período inicial Esse período compreende principalmente toda a história nacional até a década de

1940. No curso das últimas décadas do século XIX até 1930, o Brasil continuou a ser um

país predominantemente agrícola (FAUSTO, 2003, p.281). A economia brasileira

continuou a apresentar expressiva ênfase na política de exportação de produtos primários

como o café, produto que dominou a nossa balança de exportação por toda a Primeira

República.

Na esfera da indústria nacional, a região de maior destaque foi o Sudeste. Os

principais ramos industriais foram o setor têxtil seguido pelo de alimentação, bebidas e o de

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vestuário (FAUSTO, 2003, p.288). Apesar desse avanço na produção industrial, havia

profunda carência de uma indústria de base14 , o que limitou o processo de expansão

industrial, principalmente de prestação de serviços de engenharia.

Nessa fase, as obras complexas de engenharia no Brasil eram esporádicas e não

chegavam a formar um demanda capaz de criar empreiteiras capazes de suprir as poucas

obras requeridas pelo governo. Os principais contratos governamentais, assim, foram

assinados com empresas estrangeiras. Por vezes, as concessões eram feitas às empreiteiras

estrangeiras que construíam ferrovias e usinas e ganhavam o direito de exploração das

mesmas.

Em certos campos, como, por exemplo, o da construção de ferrovias, havia um

predomínio quase hegemônico, principalmente até 1904, do capital e das empresas

britânicas, como a S. Pearson & Sons (SINGER, 1989, p.372). Os britânicos não só

financiaram e construíram ferrovias vinculadas à iniciativa nacional, como, por exemplo, a

Estrada de Ferro D. Pedro II e a Estrada de ferro São Paulo-Rio, mas também construíram

por sua conta, em geral contando com a garantia de juros por parte do governo, muitas

outras estradas de ferro, o que é perceptível pela análise do aumento do número de

companhias ferroviárias inglesas que exploravam as estradas de ferro construídas no Brasil.

Em 1880, havia 11 companhias ferroviárias inglesas no Brasil, esse número subiu para 25

em 1890 (SINGER, 1989, p.366). Houve, contudo, após 1904, a maior presença de

empresas norte-americanas nas obras de engenharia, sendo o principal destaque as firmas

de Percival Farquhar15.

Em outros setores, como, por exemplo, na área de infra-estrutura energética, a

atuação estrangeira é, também, preponderante. Segundo Mendes (2004, p.58), até a década

de 1950, a maior parte dos serviços complexos de engenharia para o setor energético era

14 Indústria de base, também conhecida como indústria de bens de produção ou indústria pesada, é aquela que produz matéria prima para outra empresa, produzindo máquinas ou matéria prima. Incluem-se nessa definição principalmente os ramos siderúrgico, metalúrgico, petroquímico e de cimento. 15 Em 1905, Farquhar adquiriu a concessão das obras do Porto de Belém na qual houve cooperação entre engenheiros americanos e a firma britânica S. Pearson &Sons para levar a cabo a construção. Em 1907, Farquhar adquiriu a concessão das obras da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Além dessas obras, há diversas outras como a Usina do Ribeirão das Lajes e as ligas a construção do sistema ferroviário unificado na América do Sul encampado pela Brazil Railway Co.

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31

prestado por empresas internacionais, especialmente britânicas, canadenses e norte-

americanas16.

Por causa do grande peso do capital externo no setor da construção civil e pela

ausência de demanda constante de obras pelo governo, inexistia, até praticamente a década

de 1940, grandes empreiteiras nacionais no setor de construção civil. É, entretanto, nesse

período que se observa a fundação das construtoras que hoje apresentam amplo destaque na

prestação de serviços de engenharia internacionalmente17.

1.2.2 Construção de um mercado interno.

Na década de 1950, um dos grandes fatores de obliteração da existência de grandes

empreiteiras é resolvido. Nesse período, mediante uma demanda, relativamente constante,

de obras requeridas pelo governo, inicia-se um crescimento na esfera de atuação regional

das construtoras.

A Camargo Correa começa a atuar em obras maiores no Sudeste, principalmente em

São Paulo. Fica responsável, por exemplo, pela construção da Rodovia Fernão Dias (BR-

381) que liga São Paulo a Belo Horizonte e, entre 1953 e 1957, promove a terraplanagem e

pavimentação de 40 quilômetros nos trecho Guaripocaba, Jundiazinho, Atibaia e no acesso

à Bragança Paulista.

A Construtora Odebrecht, fundada na Bahia, atuará regionalmente também nessa

década. Consta desse período a realização de sua primeira obra para a Petrobrás, a

construção do oleoduto Catu-Candeias (BA), obra iniciada em 1953, que seria responsável

por trazer para a Refinaria de Mataripe o óleo extraído no novo campo de Catu.

A Mendes Junior, fundada em Minas Gerais, também atuou em obras de pequeno e

médio porte nessa região (MENDES, 2004, p.58).

A Andrade Gutierrez, fundada em Belo Horizonte, em 1948, por sua vez faz sua

grande primeira obra na construção da atual estrada interestadual BR 040 que liga o Rio de

Janeiro a Belo Horizonte.

16 Como exemplo dessas empresas, destaca-se a Morrison Knudsen e a George Wimpley. 17 A Camargo Correa começa a atuar como construtora em 27 de março de 1939. A Construtora Norberto Odebrecht é fundada em 1945, Mendes Junior tem sua fundação em 1953, Andrade Gutierrez fundada em 1948.

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Principalmente com a posse de Juscelino Kubistchek, em 1955, o processo

continuado de grandes investimentos em obras de infra-estrutura encampada pelo governo

ganha ainda mais projeção. Os complexos serviços de engenharia demandados pelo

governo dispostos agora no plano de Metas18 serão a base para a formação de um mercado

interno de empresas de prestação de serviços de engenharia civil especializadas em obras

de grande monta.

1.2.3 Consolidação das empresas de engenharia brasileiras A década de 1960 tem como o marco a construção da nova capital, Brasília, que

significou uma demanda permanente de serviços. Há, particularmente, na segunda metade

dessa década, uma ampla aceleração dos investimentos na estrutura produtiva industrial, o

que faz com que a atuação das empreiteiras saia do âmbito regional e essas passem a atuar

nacionalmente.

A empreiteira Mendes Júnior, por exemplo, entre 1962 e 1972, foi responsável pela

construção das hidrelétricas de Cachoeira Dourada, em Minas Gerais, Rio da Casca III, no

Mato Grosso, Jaguará, na divisa de Minas com São Paulo, e Boa Esperança no Piauí

(MENDES, 2004, p.71).

Com a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em

1959, foram lançadas as bases para que as empreiteiras nordestinas passassem a ser

beneficiadas com a explosão de obras na região. Com o financiamento de obras pela

Sudene, a Odebrecht, na década de 1960, se expande para além da Bahia e passa a atuar em

Pernambuco na construção dos parques industriais de Coperbo, das Tintas Coral, da

Alpargatas e da Rhodia.

Com novas linhas de financiamento, as construtoras se aventuraram a obras em

diversas regiões do país, o que viabilizaria o desenvolvimento de um conhecimento

específico para o setor e uma especialização. Em 1968, a Andrade Gutierrez inicia a obra

da BR-318, ligando Manaus a Porto Velho, obra que lhe confere experiência em relação à

construção em regiões de muitas chuvas, o que facilita as obras posteriores, na década de

18 O Plano de Metas abrangia 31 objetivos, distribuídos em seis grandes grupos: energia, transportes, alimentação, indústria de base, educação e construção de Brasília, chamada meta-síntese (FAUSTO, 2003, p.25).

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1980, como, por exemplo, quando ganha a concorrência internacional para a execução da

rodovia do Congo19.

1.2.4 Maturação e internacionalização pioneira

Na década de 1970, as empresas de engenharia alcançam sua maturidade no

mercado nacional. Com o surto de crescimento viabilizado pelo Milagre brasileiro, foi

possível gerar a acumulação de capital necessária e uma especialização tão grande em obras

públicas por determinadas empreiteiras que a oferta de serviços pôde se expandir de tal

forma que as empresa buscaram as primeiras tentativas de internacionalização.

Entre 1968 e 1973, a quantidade de obras empreendidas pela gestão Médici

viabilizou que as empreiteiras acumulassem grande quantidade de capital e dispusessem de

um conjunto de obras em seu currículo, o que deu ensejo aos primeiros passos no sentido

da internacionalização.

Na década de 1970, têm-se como grandes projetos para a construção da binacional

Itaipu, na qual as empresas Andrade Gutierrez, Rabello e Mendes Júnior farão parte. A

Norberto Odebrecht segue o mesmo modelo assumindo grandes obras. Essa ganha, por

exemplo, a concorrência para construir o aeroporto internacional do Rio de Janeiro e a

Usina Nuclear de Angra também no Rio.

A Mendes Junior em consórcio com a Camargo Correa e a Rabelo constroem a

Ponte Rio-Niterói. Além disso, tanto a Mendes quanto a Camargo Correa foram

responsáveis, respectivamente, por 646 km da etapa inicial da construção da

Transamazônica; e terraplanagem e revestimento primário do trecho da Transamazônica

entre Itabuna (PA) até Humaitá (AM) com cerca de 40 km, participando do grande projeto

de integração nacional idealizado o Plano Nacional de Desenvolvimento, criado na gestão

Médici.

Com a formação de um capital relativamente grande nas últimas duas décadas e

com o crescimento dessas empreiteiras, é possível perceber algumas tentativas pioneiras de

internacionalização.

19 Rodovia Epena-Impfondo-Dongou, rodovia pavimentada com 135 km construída entre fevereiro de 1984 e dezembro de 1987 na República Popular do Congo (http://www.andradegutierrez.com.br).

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O primeiro contrato internacional de uma empresa brasileira foi firmado pela

Construtora Rabello para a edificação da Universidade de Constantine, com o projeto de

Niemeyer, em Constantine na Argélia em 1969 (VEIGA, 1997, p.25).

A Mendes Júnior, em 1975, fecha um contrato para a construção de uma rodovia na

Mauritânia com extensão de 600 km, ligando Nouakchott a Kiffa.

A Norberto Odebrecht, em 1979, inicia ao mesmo tempo obras no Peru20 e no Chile,

ganhando espaço também no cenário sulamericano.

A Camargo Correa inicia também seus primeiros passos no exterior ao liderar um

consórcio responsável pela construção e montagem da Usina Hidrelétrica de Guri21, na

Venezuela em 1978.

1.2.5 Internacionalização plena

Nessa última etapa, ocorrida principalmente na década de 1980, há a consolidação

das empresas de engenharia no mercado mundial, o que é observado com a manutenção

permanente de escritórios e filiais no exterior.

Nesse período, o processo de especialização, principalmente, das empreiteiras, está

consolidado. A especialização horizontal em obras similares faz com que, após o surto de

obras do Milagre, a demanda nacional seja proporcionalmente decrescente em relação à

oferta de serviços de engenharia. O transbordamento para fora das fronteiras nacionais

passa a ser, assim, uma medida necessária para viabilizar a expansão do crescimento das

empreiteiras nacionais e um meio de reduzir os riscos, já que multiplica o número de

mercados em que atua, se prevenindo contra recessões pontuais.

Na década de 1980, a Mendes Júnior ganha expressivo destaque internacional com a

vitória na concorrência do contrato internacional para a construção da ferrovia Bagdá-

Akashat, da rodovia Expressway e da estação de bombeamento de água do rio Eufrates.

20 Central hidrelétrica Charcani V, construída a uma altitude entre 2.900 m e 3.700 m sobre o nível do mar na encosta do vulcão Misti, uma montanha de 5.822 m de altura. 21 Usina Hidrelétrica de Guri, com capacidade de 10.132 MW, localizada na Venezuela, teve sua construção iniciada em 1978 e terminada em 1986 (http://www.camargocorrea.com.br).

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Com essas diversas vitórias, essa empresa chega ao caso extremo de sua estrutura física no

Iraque ser maior do que a existente no Brasil.

Em 1984, a Norberto Odebrecht passa a atuar em Angola para a construção da

hidrelétrica de Capanga22 responsável pela geração de 520 MW. Além disso, a Norberto

Oderbrecht estabelece seu vínculo definitivo no exterior ao adquirir a empresa portuguesa

José Bento Pedroso & Filhos23, em 1988, a qual foi rebatizada com o nome de Bento

Pedroso Construções S.A.. Dessa forma, a Norberto Odebrecht passa a atuar de forma

continuada na Europa e mais diretamente nas obras de infra-estrutura em Portugal.

O crescimento das empresas de engenharia é tão notável tanto no âmbito nacional

como internacionalmente que, entre as 200 maiores empresas do Brasil, em 1982, estavam

presentes 4 construtoras, a Camargo Corrêa (38º lugar), Mendes Junior (45º lugar), Cetenco

(115º lugar), Noberto Odebrecht (167º lugar). Além disso, na esfera internacional, as

construtoras brasileiras também ganham espaço, com a Mendes Júnior aparecendo na 18ª

colocação e a Norberto Odebrecht na 148ª colocação, entre os maiores contratistas de obras

(ARENA, 1985, p.77).

Uma vez consolidado o mercado interno, as empresas de prestação de serviços de

engenharia começam a se tornar cada vez mais presentes no mercado internacional. Sob

três ramos diferentes da prestação de serviços de engenharia é possível visualizar essa

expansão: na área de estudos e avaliações de terrenos para a implantação das obras e

criação de projetos de engenharia; na área da construção civil; e, finalmente, na área da

montagem industrial.

A partir da análise do gráfico subseqüente, um levantamento feito pela Associação

Brasileira de Engenharia Industrial (ABEMI), é possível observar a atuação da prestação de

serviços pela da engenharia brasileira no exterior, principalmente, nas décadas de 1960,

1970 e 1980.

22 Hidrelétrica de Capanda, situada na província de Malanje, foi o primeiro desafio da Norberto Odebrecht na África. A obra, a maior estrutura erguida pela Odebrecht no país e uma das maiores da África –, uma vez contratada pelo Governo angolano, ficou nas mãos de um consórcio russo-brasileiro. Os russos foram responsáveis pelo projeto, pelo fornecimento e pela montagem dos equipamentos. A Odebrecht respondia pelas obras civis. Goldberg, Simone, A história do compromisso de uma empresa com um país. Odebrecht informa online nº 118, maio/junho 2005. 23 Diversificação e Crescimento Internacional. Odebrecht Informa Online, edição histórica de 2004.

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Brasil : Exportação de serviços de engenharia por setor de atividade e nº de contratos de 1958 a 1983

Setores de atividade Estudos e projetos Construção civil Montagem industrial

Energia-geração e transmissão 80 25 16

Siderúrgica 9 - 1 Mineração 10 - - Petróleo 8 - - Petróleo e petroquímica 3 - 1 Papel e celulose 5 - 2 Cal e cimento 2 1 1 Transporte- rodoviário 41 15 1 Transporte- ferroviário 10 1 - Transporte – metroviário 1 1 - Transporte – Portos 9 7 - Transporte – Aeroportos 12 6 - Carboríferos 2 - - Saneamento 21 3 - Urbanístico e habitação 23 8 1 Agroindústria 18 - 5 Comunicações 9 - 1 Farmacêuticos 2 - - Terminais 1 - 5 Offshore 4 - - Indústrias diversas 33 2 - Total de contratos 301 69 34

Fonte: ABEMI (1984)

Da análise do gráfico, é possível perceber que houve uma especialização das

empresas, principalmente, na construção civil, nos setores de geração e transmissão de

energia, o que se justifica pela experiência das construtoras brasileiras na edificação de

hidrelétricas e linhas de transmissão por todo o país, e na área de construção de estradas de

rodagem, experiência adquirida em decorrência da opção política dos governos desde de

Juscelino Kubistchek pelas rodovias para promover a integração nacional24.

24 Durante o governo Juscelino Kubischek houve a inauguração da rodovia Rio-Belo Horizonte, expansão da RJ-104, da Via Dutra, além do início das grandes estradas nacionais que ligariam a nova capital a resto do país. Nova expansão das obras de pistas de rodagem ocorre com o golpe ensejado pelos militares em 1964. Nos vinte anos seguintes, será possível observar uma larga quantidade de obras, como, por exemplo: a construção da Ponte Rio-Niteroi (1967), BR-262, BR 259, BR-367,(inauguradas em 1968), BR-227, BR-153, BR-262, BR-040, Br-101 (todas inauguradas em 1969). Em 1970, haverá a inauguração da Belém-Brasília,

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Percebe-se, dessa forma, que, com o processo de especialização horizontal em

determinados campos da construção civil, como, por exemplo, edificação de usinas

hidrelétricas e estradas de rodagem, as empresa foram capazes de concorrer e vencer as

concorrências internacionais.

1.3 À guisa de conclusão Nesse capítulo buscou-se analisar as características e as demandas tanto das

empresas de prestação de serviços de engenharia, quanto do mercado internacional em que

elas se inserem.

As empresas desse setor da economia, que possuem uma vocação natural à

internacionalização, apresentam demandas bastante específicas como a necessidade de uma

estrutura governamental de suporte de financiamento, de suporte político nas negociações

internacionais, e de suporte técnico, para justificar sua capacitação técnica.

Apesar dessas demandas específicas, essas empresas apresentam substanciais

atrativos ao governo para implementar uma política que as satisfaça. Além do envio de

lucros das sedes para a matriz, há o efeito linkage, que transforma essas empresas em

mecanismos de abertura de mercados no exterior não só para outras empresas dos ramos de

prestação de serviços, mas também para a exportação de múltiplos outros produtos, não

diretamente ligados ao abastecimento das demandas específicas das obras.

Devido a esse conjunto de benefícios para a pauta comercial do país, o processo de

internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia, principalmente, da

engenharia de construção, deve ser buscado pelos governos.

Esse conjunto de fatores positivos, entretanto, não sensibilizou o governo Geisel, na

década da internacionalização das empresas privadas do setor brasileiro de engenharia -a

década de 1970- para que esse se mobilizasse no sentido da adoção de uma política efetiva

em favor das empreiteiras nacionais. Isso, que será mais propriamente analisado no capítulo

seguinte, justificará uma parcial autonomia no processo de internacionalização privada do

setor de prestação de serviços de engenharia.

além do lançamento do Programa de Integração Nacional pelo decreto-lei nº 1.106 e, no mesmo ano há o início das obras da Transmazônica.

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CAPÍTULO 2

Ambiente interno e internacionalização privada

No capítulo anterior, buscou-se examinar tanto as características mercadológicas e as

principais demandas do setor de prestação de serviços como o enquadramento histórico de

desenvolvimento das empresas brasileiras de prestação de serviços de engenharia, desde sua

inauguração no Brasil até a inserção internacional das empreiteiras brasileiras.

Após o conhecimento desses dados, parte-se agora para análise da interação público

privado no Brasil para o desenvolvimento do processo de internacionalização das empreiteiras

pátrias.

Objetiva-se, nesse capítulo, analisar a política doméstica, e em particular a gestão do

presidente Ernesto Geisel, para justificar que, na década de 1970, período da internacionalização

pioneira das empreiteiras brasileiras, inexistiu uma política voltada para esse processo de

transbordamento das fronteiras.

Com isso, justifica-se o entendimento de que a expansão das empreiteiras nacionais para

o exterior, em sua fase pioneira, foi mais em decorrência de um projeto autônomo encampado

pelas empresas desse setor da engenharia do que uma iniciativa implementada pelo Estado.

O descomprometimento estatal na gestão de Geisel com a política voltada à

internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia civil é referendado tanto

devido à incapacidade da estrutura administrativa como em decorrência do espírito estatizante

instaurado em sua política de internacionalização de serviços.

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Além da incapacidade logística de perceber os ganhos de longo prazo que a

internacionalização privada poderia prover, a ausência estatal é configurada na comparação com

a política aplicada nos demais países desenvolvidos.

Na década de 1970, deve-se ressaltar que, em comparação a infra-estrutura para

exportação de serviços dos países desenvolvidos, constata-se que as medidas benéficas à

internacionalização privada praticadas pelo governo brasileiro são mais de caráter reativo do que

a expressão de uma política estruturada em favor da internacionalização das empreiteiras

brasileiras.

Sem apoio estatal, o caráter autônomo do transbordamento das empreiteiras brasileiras

para além das fronteiras brasileira ocorre em decorrência do processo de especialização das

empresas e de sua vocação transnacionalizante diretamente influenciada por fatores doméstico e

internacional presentes à época.

Para fins metodológicos, o presente capítulo, com a finalidade de compreender as

relações público-privadas, foi dividido em três grandes partes: a conjuntura pró-industrializante

das décadas de 1940 a 1970, a política econômica adotada pelo governo Geisel e, por último, a

miopia estrutural que inviabilizou a percepção dos benefícios de uma política favorável à

internacionalização das empreiteiras pátrias.

Na primeira parte, analisa-se o contexto doméstico, em particular a política de

substituição de importações que tornou possível a especialização e a capacitação das empreiteiras

brasileiras para concorrer internacionalmente. Essa que, por um lado, viabilizou a crescimento e

a especialização das empresas de engenharia privada, por outro, ao direcionar todo esforço

estatal por décadas para o mercado interno, gerou um atrofiamento da infra-estrutura logística e

administrativa pró-exportadora. Nessa situação, a internacionalização se torna mais difícil em

decorrência da incapacidade estrutural do governo de promover um apoio logístico,

administrativo e financeiro capaz de atender as demandas dessas empresas.

Na segunda parte, busca-se analisar a política econômica do presidente Ernesto Geisel, já

que, entre 1974 e 1979, aparecerão os primeiros casos de transbordamento das empresas privadas

de engenharia para o exterior. Nesse período, já se vislumbra uma revisão da política de

exportação. Esse processo, entretanto, por estar contaminado por décadas de involução estrutural

e pelo víeis estatizante da administração pública instalada no poder, justificará a incapacidade de

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promover uma política consolidada favorável à presença de empresas privadas brasileiras do

setor de engenharia de construção nos contratos internacionais.

Na terceira e última parte desse capítulo, busca-se, demonstrar os elementos que

justificam a miopia estatal para observar as perspectivas de lucros da empresas privadas do setor

de engenharia e as possibilidades de ganhos futuros com uma política consolida para a

internacionalização dessas empresas. Sob essa perspectiva, será possível constatar que, apesar de

algumas medidas de caráter doméstico que viabilizaram a internacionalização, no geral, o

processo de internacionalização das empresas privadas de engenharia de construção foi

caracterizado mais por uma iniciativa autônoma do que em decorrência de uma política estatal.

2.1 Conjuntura pró-industrializante entre as décadas de 1940 e 1970

Entre as décadas de 1950 e 1980, o debate a cerca da estratégia de desenvolvimento

econômico do país levou a consideração de que o melhor modelo a ser aplicado seria o de

substituição de importações.

Essa diretriz de política econômica, entretanto, não será, no caso brasileiro, aplicada, de

forma homogênea, ao longo desses 30 anos de vigência.

Pode-se dividir em dois grandes marcos temporais de aplicação dessa política econômica:

entre as décadas de 1950 e 1960, quando se aplicou com inteireza o diagnóstico cepalino para a

América Latina e entre as décadas de 1970 e 1980, quando houve uma adequação desse modelo

para enfrentar as intempéries do ambiente internacional.

Desde os anos de 1930, como ressalta Bieschowsky (2004, 127), com o ingresso de

Getúlio Vargas no poder após derrubar a elite agrário-exportadora do poder, foi se forjando uma

linha de pensamento econômico voltado para a solução de problemas no âmbito nacional.

Surgiram agências planejadoras e equipes técnicas de civis e militares25 preocupadas com o

desenvolvimento industrial brasileiro, sendo a partir desses grupos oriunda a corrente nacional-

desenvolvimentista.

25 Entre os civis e militares, tem-se como exemplo homens como Barbosa Carneiro, Horta Barbosa, Macedo Soares, Anápio Gomes e Aldo Franco.

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Os nacional-desenvolvimentistas eram defensores da constituição de um capitalismo

industrial moderno no país, tendo, como diferencial aos demais desenvolvimentistas, a ênfase na

maior participação do estatal nesse processo.

Partia-se da lógica de que havia uma inerente debilidade do empresariado nacional e, por

isso, a solução possível seria uma maciça atuação estatal no processo de industrialização e, com

certo ceticismo, seria aceita a participação do capital estrangeiro. Essa atuação ficaria

direcionada para certas áreas da economia, como, por exemplo, o setor automobilístico, enquanto

outras áreas teriam a presença do capital nacional, como a exploração de petróleo e a energia

elétrica.

Esse desenvolvimentismo de caráter nacionalista que sobreviveu, inclusive, à gestão

liberal do governo Gaspar Dutra (1946-1951), viabilizou um amplo desenvolvimento do setor

industrial brasileiro, mediante a intervenção do governo na economia. Essa concepção política

econômica foi, ainda, reforçada pela adoção governamental das teses estruturalista da Cepal26

forjadas na década de 1950.

Os cepalinos defendiam que os grandes países da América Latina utilizassem o Estado

como articulador de um projeto de industrialização e o protecionismo como meio para a

construção da indústria nascente. Segundo Celso Furtado (BIELSCHOWSKY, 2004, p.140), a

industrialização representava, à época, a solução a que se deveriam dedicar os países latino-

americanos, para superar o subdesenvolvimento.

Embora a industrialização pela via estatal não fosse uma prescrição estrita para os países

latino-americanos, a interpretação cepalina realçava certa peculiaridade à realidade para dessa

parte do continente. Segundo a interpretação da Cepal, a industrialização latino-americana seria

destinada essencialmente ao atendimento do mercado interno. A dinâmica das exportações

latino-americanas estava necessariamente limitada ao menor crescimento do mercado mundial de

produtos primários e à grande concorrência internacional em produtos manufaturados

tradicionais, e, segundo Gonçalves (1998, p.77), o objetivo final da industrialização deveria ser

reproduzir em menor escala a estrutura industrial dos países líderes, em especial dos EUA.

A industrialização periférica, que propunha Celso Furtado, nasceria atrelada a um

moderno padrão demanda. Para um amplo desenvolvimento, seria necessária uma radical

transformação na estrutura produtiva. Essa seria viabilizada por meio de maciços investimentos

26 Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas (CEPAL).

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intensivos na importação de equipamentos e matérias-primas. Nessas condições, processar-se-ia

uma industrialização substitutiva para que se resolvessem dois problemas fundamentais: a lenta

expansão da demanda internacional de bens exportados pela periferia e a deterioração dos termos

de troca. A industrialização periférica iria substituir a importação de bens de maior valor

agregado mediante a produção desses pela indústria local e, dessa forma, seria reduzido os

desequilíbrios externos e as desproporções setoriais internas.

Essa política do governo como indutor do desenvolvimento surtiu efeitos diretos no

desenvolvimento das empreiteiras brasileiras. A implementação da política de substituição de

importações demandaria do Estado o estabelecimento de uma infra-estrutura de suporte às

industrias nascentes. Para as montadoras estrangeiras, seria necessária a construção de estradas

de rodagem para a expansão do mercado de automotores. Ao seu turno, a continuação do

processo de crescimento industrial enfatizaria a solução dos nós estruturais. Assim, a criação de

usinas hidrelétricas seria fundamental para atender à demanda de siderúrgicas e cimenteiras

nacionais por provisões constantemente crescentes de energia elétrica.

Essas imposições estruturais à implementação de uma política de substituição de

importações gerariam uma demanda constante por obras. Essa demanda era o que as empresas

privadas do setor de engenharia precisavam para crescer, ou seja, um volume constante por obras

de grande porte que, no mercado oligopsônico nacional, somente o governo poderia prover. Essa

oferta de grandes empreendimentos de infra-estrutura seria fundamental para a capacitação

técnica das empreiteiras nacionais e sua especialização em obras de infra-estrutura de grande

porte, como estradas de rodagem, ferrovias, construção de usinas hidrelétricas.

A oferta constante de obras públicas, a qual era necessária para dar sustentação a política

de substituição de importações, não foi, entretanto, o único estímulo ao crescimento e

capacitação das empreiteiras entre as décadas de 1950 e 1960. Políticas, inclusive, contrárias ao

intervencionismo estatal atuaram a favor das empreiteiras brasileiras.

Como destaca Earp (2007, p.212), logo após o golpe militar de 1964, o grupo político que

chega ao poder, não é partidário das concepções estruturalistas dos cepalinos, mas são os liberais,

grupo formado por indivíduos como, por exemplo, Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto

Campos. Esses, diferentemente dos cepalinos, consideravam que o excesso de intervenção estatal

e o descaso com a estabilidade econômica eram as principais razões para a persistência do atraso

econômico brasileiro.

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Como grande parte de custo das empreiteiras estava relacionado ao pagamento da mão-

de-obra no processo de edificação, políticas domésticas direcionadas às empresas nacionais que

auferem lucros por meio de economias de escala propiciaram que as empreiteiras tivessem

benefícios, com aumentarem seus lucros.

Caso exemplificativo dessas políticas está relacionada a uma das medidas implementadas

pelo Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG).

No plano econômico de autoria de Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões,

criou-se um mecanismo de reajuste dos salários que não gerasse pressões inflacionárias. Foram

os chamados “arrochos salariais”.

Esse mecanismo de ajuste pretendia recompor o salário real pela média, e não pelo pico.

O modelo era aplicado pela pressuposição um índice inflacionário estabelecido para o ano

posterior. Como, a previsão inflacionária era sistematicamente subestimada, o resultado era que

os aumentos salariais ficavam sempre abaixo da inflação do período.

Segundo os cálculos de Lara Resende (1990, p. 229), a aplicação dessa fórmula levou à

redução do salário mínimo real entre 1965 e 1974, e à queda do salário real médio industrial, de

10 a 15%, entre 1965 e 1967.

O arrocho salarial, dessa forma, foi uma medida favorável às indústrias em geral, mas

que beneficiou mais diretamente o setor de construção civil, já que esse sempre foi caracterizado

por ser o maior empregador de mão-de-obra de baixa qualificação profissional. Isso pode ser

observado conforme a tabela seguinte:

Brasil: As empresa "gigantes" da construção em 1980 (em Cr$ milhões e nº de empregados)

Empresas Posição no setor

Patrimônio Líquido Faturamento Lucro

líquido Nº de

empregados

Posição na Classificação

geral(b) Camargo Correa 1 15.355 33.188 5.428 28.194 52

Andrade Gutierrez 2 15.142 30.220 6.819 20.106 53

Mendes Júnior 3 8.735 21.627 3.177 15.695 90

C.R. Almeida 4 8.165 7.088 1.930 2.584 101 Cetenco 5 7.399 14.341 3.177 14.024 114 Norberto Odebrecht 6 5.474 17.341 1.592 18.026 166

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CBPO 7 5.123 10.198 1.436 10.915 181 Totais 65.393 133.772 23.559 109.544

Fonte: Visão "quem é quem", 1981 elaboração: CPC/IPLAN/IPEA. a)foram consideradas 434 empresas do subsetor. b) Posição na classificação geral pelo patrimônio líquido, entre 8.473 empresas investigadas.

Segundo as informações do gráfico, o lucro líquido das empreiteiras já registrava valores

expressivos sendo alguns inclusive superiores a seis milhões de cruzeiros, como presente nos

lucros da Andrade Gutierrez no ano de 1980. Sabendo-se que à época essa empreiteira constava

de um total de 20.106 empregados em sua folha de pagamento, é possível confirmar que a

política de arrocho salarial estabelecida no PAEG colaborou de forma positiva para a expansão

da margem de lucros das empreiteiras.

Como, além da capacitação técnica e da especialização, as empreiteiras necessitavam de

lucros substanciais para dar o passo seguinte à sua vocação transnacional, o robustecimento das

margens de lucratividade pelo arrocho salarial pode ser visto como uma política doméstica do

governo que colaborou de forma indireta para a formação dos pressupostos basilares para à busca

pelas empresas prestadoras de serviços privado de engenharia civil por concorrências no exterior.

Outro elemento que colaborou para o crescimento das empreiteiras esteve na gestão de

Costa e Silva, relacionado ao acesso de créditos.

Além da ampla captação do governo de poupança externa, mediante empréstimos para

financiar obras. Houve um processo de liberalização dos fluxos de capitais, que criou condições

para que firmas brasileiras pudessem integrar-se ao rápido crescimento da oferta de crédito

internacional.

Por meio da Resolução 63 do Banco Central do Brasil (Bacen)27, de agosto de 1967, os

bancos comerciais foram autorizados a intermediarem a contratação direta de empréstimos

externos para financiamento de capital de giro e capital fixo das empresas instaladas no país. A

esta veio somar-se a Lei nº 4.131/62, alterada pela Lei nº 4.390/64 que já autorizava o

financiamento direto de bancos internacionais a empresas no Brasil.

Essa mudança legislativa viabilizou que as empreiteiras brasileiras pudessem ter acesso

aos créditos no exterior que nessa época se caracterizava pela altíssima liquidez.

27 Resolução 63 do Banco Central do Brasil (Bacen) decorrente de deliberação do Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada, em 17.8.1967. Estabelece a contração direta de empréstimos externos a serem repassados a empresas brasileiras por meio de bancos comerciais. Fonte: Sítio do Banco Central do Brasil, acessado em 10 de janeiro de 2009.

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No período seguinte, entre as décadas de 1970 e 1980, há a continuação da política de

substituição de importações, mas fatores externos cobrar uma mudança na postura

governamental em relação à política adotada para o desenvolvimento da economia industrial

brasileira.

Na gestão Médici, a liquidez internacional e a ênfase governamental em uma inserção

pró-ativa na economia fizeram com que a oferta de obras fosse a mais expressiva até então. O

ramo da construção pesada foi bastante beneficiado pelo grande aumento da demanda estatal por

obras de infra-estrutura. É, nesse período, por exemplo, que são desenvolvidos grandes

empreendimentos como a Transamazônica e a Ponte Rio-Niteroi, além do desenvolvimento de

acordos entre Brasil e Paraguai para o aproveitamento conjunto do potencial hídrico por meio da

futura hidrelétrica de Itaipu.

Esse desenvolvimento de uma expressiva demanda governamental se dá em parte pela

importância que é concedida à ação de autarquias já existentes, como o Departamento Nacional

de Estradas e Rodagem (DNER), que viabilizou a expansão das encomendas por obras pela

empresas estatais.

A partir da regulamentação expressa no Decreto-lei nº 200, de 196728, são estabelecidas

as encomendas estatais sob o parâmetro a produzir aquilo que o setor privado não desejava ou

que estava além de sua capacidade financeira, bem como fornecer a este último os insumos

essenciais a baixo preço.

Destarte, as obras encampadas pelo governo federal geravam um duplo movimento: por

um lado, beneficiavam as industrias de economia de escala ao construir a infra-estrutura

necessária à expansão e, por outro lado, criavam uma demanda de obras de grande porte para as

empreiteiras nacionais. Assim, tanto as indústrias como as empreiteiras se beneficiavam

diretamente pela política de subsídios indiretos feita pelo governo por meio das empresas estatais.

Segundo Earp, (2007, p.237), embora muitas empresas estatais fossem lucrativas, parte

delas freqüentemente apresentou prejuízos, tendo chegado a contribuir para um déficit público

equivalente a 1 ou 2% do PIB. Observa-se, no entanto, que na maioria dos casos estes prejuízos

indicam não uma falta de eficácia operacional e sim, ao contrário, sua eficácia em servir à

sociedade bens e serviços abaixo de seu custo, em benefício do setor privado.

28 Decreto-lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967 dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa. (www.senado.gov.br).

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O financiamento estatal era operado ainda por meio de uma política de redução das

tarifas de importação, que na média passaram de 47% para 20% do valor do produto e, no caso

dos manufaturados, a redução foi ainda mais significativa, passando de 58% para 30% (EARP,

2007, p.227).

Assim, menores barreiras a importações, tanto por isenções fiscais como por tarifas mais

baratas, foram relevantes para atender as necessidades de importação de máquinas e

equipamentos, bem como para capacitar as empreiteiras brasileiras com técnicas novas e

equipamentos importados do exterior a um custo mais baixo, o que viabiliza também o

robustecimento da lucratividade dessas empresas.

Se sob a presidência de Emílio Garrastazu Médici (1969-1973), o receituário cepalino de

ampliação da base industrial havia para vencer o subdesenvolvimento foi devidamente aplicado.

O endividamento externo, o aumento dos investimentos que chegaram entre 19 e 20% do

valor do PIB (EARP, 2007, p.223) e o abrandamento do controle inflacionário, implementados

por Delfim Netto, não poderiam mais ser utilizados como fatores de expansão da base industrial.

2.2 A política econômica de Geisel

Com o governo do presidente Ernesto Geisel, a política econômica até então aplicada

teria de ser reformulada devido aos novos contexto doméstico e internacional.

Na gestão de Médici, período caracterizado pelo auge da repressão política, o controle da

oposição se dava pela promoção de altas taxas de crescimento econômico, como ressalta Gaspari

(2003, p.437) “A ditadura tinha medo do fantasma identificado por Juan Linz em 1971. Como

sua legitimidade derivava do desempenho, qualquer coisa que ferisse o desempenho feriria

também a legitimidade do regime”.

Essa lógica de manutenção das taxas de crescimento para prover a legitimidade ao regime

seria adotada também na política econômica forjada a partir da presidência de Ernesto Geisel em

1974.

No ano de 1974, a opção por manter altas taxas de crescimento requeria, entretanto,

muito mais custos que a feita no governo anterior. Durante a gestão de Médici, além do fácil

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acesso a créditos internacionais para financiar o desenvolvimento, a economia brasileira tinha à

sua disposição matérias-primas a um custo relativamente baixo29.

Com a Guerra do Yon Kippur30 em 1973 e os aumentos do preço do petróleo, o acesso às

matérias-primas se tornou mais caro. A decisão de reduzir a oferta internacional de petróleo pela

Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) fez com que não só o barril do petróleo

se torna mais caro, mas também que os fretes internacionais fossem muito mais dispendiosos.

A opção de política de altos gastos governamentais para manter altas as taxas de

crescimento cobraria um endividamento muito maior do que o assumido pelo governo anterior.

Todavia, dois fatores colaboraram para a pisada no acelerador. O primeiro foi a alta liquidez

internacional proporcionada pelo direcionamento dos lucros decorrentes do petróleo pelos

membros da OPEP aos bancos europeus e o reinvestimento desse em outros países, indicadas nas

palavras do próprio Ernesto Geisel:

No nosso tempo esse crédito se tornou ainda mais fácil, porque os bancos passaram a dispor de muito dinheiro. Os árabes, que se encheram de dinheiro à custa do primeiro choque do petróleo, colocaram os petrodólares nos bancos, e os bancos não tinham outra coisa a fazer senão emprestar. Então os juros eram realmente baixos (D´ARAUJO, 1997, p.293).

O segundo fator foi o enfraquecimento da base aliada ao governo no início de sua gestão.

Nas eleições de 1974, voltadas a preencher as vagas da Câmara e do Senado, o governo viu

concretizado o temor de se perder de força política no Congresso. Sua bancada da Aliança

Renovadora Nacional (ARENA) foi reduzida em relação à oposição consentida, o Movimento

Democrático Brasileiro (MDB). Conforme informa Gaspari (2003, p.473) “A votação da Arena

declinara em relação a 1970. Perdera 9% dos votos para o Senado (o MDB crescera 21,4%) e

7,5% na Câmara (contra um crescimento de 16,5% do MDB).”.

Com essa situação, a Arena continuava com a maioria nas duas casas legislativas, todavia,

o MDB havia conseguido com essa eleição preencher 186 cadeiras, quantidade superior ao

mínimo de 144 necessárias para bloquear projetos de alteração constitucional.

Com os fartos créditos internacionais e com derrota nas urnas, a construção da política

econômica do governo, formalizada no segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND),

29 Em janeiro de 1973, por exemplo, o preço médio do barril de petróleo (nafta) custava US$ 3,00 CIF. Em fins de 1975,US$13,00. Câmara dos Deputados 1976, pasta Dossiê Política Internacional do Petróleo. 30 Guerra iniciada em 1973 entre Egito, sob o governo de Anwar Sadat, e Síria contra Israel. A vitória de Israel contra seus agressores fez com que em resposta ao apoio ocidental a Israel, os países árabes imponham embargo à exportação de petróleo. (HOURANI, 1994, p.418).

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buscou manter as elevadas taxas de crescimento, mas devido ao novo contexto algumas

alterações em relação ao IPND deveriam ser estabelecidas.

Em comparação à política econômica estabelecida pelo ministro Delfim Neto entre 1969

e 1973, o II PND propunha um maior aprofundamento no processo de exportações. O objetivo

era integrar uma política de substituições com um plano de incremento dos bens exportados bem

como o valor agregado desses bens, para buscar restabelecer o equilíbrio no balanço de

pagamento do governo, como confirmado nas palavras de Geisel:

A balança comercial e o balanço de pagamentos eram deficitários. Lutamos, aumentamos nossas exportações, sobretudo de produtos industrializados, substituindo importações, e, no final, praticamente equilibramos a balança comercial (D´ARAUJO, 1997, p.294).

A concatenação de uma política de substituição de importações com um projeto de

investimentos às exportações apresentou sucessos reais. Houve ao mesmo tempo uma redução

das importações e um aumento da participação das exportações no Produto Interno Bruto.

Conforme ressalta Carneiro (1990, p.313) “Estas [as exportações] passam de 7,5% do PIB em

1974 a 8,4% do PIB em 1980, enquanto as importações caem de 11,9% do PIB para 9,5% no

mesmo período, apesar do segundo choque do petróleo”.

Enquadrando inovação na política econômica com ganhos de política social, uma

inovação do IIPND em relação à política econômica anterior será atender a uma antiga demanda

da população, o fim do arrocho salarial.

No campo da política econômica, o governo, ao tentar corrigir os salários com o valor

real da inflação, aumentava a demanda interna por bens e serviços e dinamizava a economia e

assim atendia o objetivo de manter altas as taxas de crescimento.

No campo social, o atendimento das demandas sociais representaria o fortalecimento do

governo e, conseqüentemente, o enfraquecimento da oposição.

Sob essa perspectiva, o Executivo lançou um projeto de lei que seria aprovado no mesmo

mês da derrota nas urnas. Pela a lei 6.147 de 14 de outubro de 1974, o governo:

[...] buscou esvaziar a crítica que era feita a anterior: os custos da subestimativa da inflação futura recaíam exclusivamente sobre os assalariados, resultando em perda permanente do salário real. Pela nova sistemática, que mantinha o princípio da recomposição do salário médio real dos 12 meses anteriores ao do reajuste, consagrado na legislação antiga, apresentava uma inovação: caso no reajuste anterior a inflação futura houvesse sido subestimada, haveria uma correção aproximada igual à perda ocorrida, impedindo que esta última se tornasse permanente. A motivação política era clara: desejava-se por fim à idéia de arrocha salarial. (CARNEIRO, 1990, p.302).

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Outra inovação será a forma de inserção do governo na economia nacional. Com os altos

déficits decorrentes da opção de manter as taxas de crescimento, o governo se afasta do

investimento direto com recursos do tesouro nacional e passa a utilizar, principalmente, as

empresas estatais como o responsável pela continuação do projeto desenvolvimentista nacional,

gerando a chamada onda estatizante31.

Cabe aqui uma reflexão sobre a “onda estatizante”. Segundo o então ministro Reis

Velloso, esses termo é inverídico, já que, segundo consta nos planos do IIPND, o projeto era não

estatizar nenhum setor que não estivesse nas mãos do governo. Somente os setores de infra-

estrutura continuariam sendo desenvolvidos por empresas estatais (D`ARAUJO, 2004,p.177).

De fato, inexistiu um processo de estatização com a compra de empresas privadas nesse

período, entretanto, as então empresas estatais existentes se agigantaram por meio de um

processo de formação de subsidiárias que atuavam em múltiplos setores econômicos do mercado

nacional. Tome-se, como exemplo, o caso paradigmático da Petrobrás que, durante a década de

1970, criou as subsidiárias Braspetro e a Interbrás, sendo a última uma trading company, que

além de viabilizar a exportação de petróleo, fazia a promoção de vendas de diversos outros

produtos onde a Petrobrás atuava no exterior.

Percebe-se, assim, a atuação das empresas estatais por meio de suas subsidiárias em

diversos outros ramos da economia nacional para além do seu objetivo fim. Isso justifica a

validade da expressão onda estatizante para essa época.

Diferentes concepções a cerca das causas da opção pelo desenvolvimento a qualquer

custo e pela ênfase específica às estatais são de importância cabal para, nesse ponto, serem

analisadas:

As duas principais análises sobre o tema são as de Antônio Barros de Castro e a da Celso

Furtado.

Segundo Antônio Barros de Castro, (1985, p.42), a opção pelas empresas estatais deu-se

em decorrência da negação do governo recém empossado em delegar ao mercado a condução das

decisões econômicas.

Frente a uma crise energética em decorrência do Choque do Petróleo de 1973, o governo,

por fazer uma análise equivocada sobre a temporalidade dessa crise, ou seja, o governo

31 Em um conjunto de reportagens publicadas por O Estado de São Paulo na época com o título “Os Caminhos da Estatização”, afirma-se que o II PND foi responsável por uma onda estatizante.

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acreditava que a crise seria passageira, preferiu utilizar-se das estatais para continuar buscando

investimentos externos e, dessa forma, não frear o crescimento do Produto Interno Bruto. Assim,

ao invés de promover uma política monetária e fiscal contracionistas, reduzindo a quantidade de

moeda no mercado e aumentando os tributos, o governo passou a se endividar indiretamente por

meio da contração de capitais pelas empresas estatais.

Duas razões explicam essa opção pelas estatais. Primeiramente, a economia nacional,

após anos de crescimento acelerado no período do Milagre, havia se defrontado com os limites

da expansão. Os altos preços do petróleo atacavam diretamente o custo das empresas e os fretes

internacionais, gerando um efeito em cadeia no aumento de todos os bens comprados no exterior.

A solução proposta no II PND seria então enfatizar atividades encampadas pelas estatais

como, por exemplo, a produção de minério de ferro, de aço, bauxita, de celulose e papel e a

petroquímica, que apresentavam uma dupla vocação tanto reforçar a industrial como criar

excedentes exportáveis. A opção pelas estatais promoveria, assim, a redução das importações

desses produtos encarecidos pelos fretes internacionais e, ao mesmo tempo,viabilizava garimpar

divisas com as exportações desses bens produzidos pelas estatais para importar produtos

essenciais no mercado externo. Isso fica, inclusive, ressaltado nas palavras do então Ministro do

Planejamento João Paulo dos Reis Velloso:

Nós tínhamos, ao contrário, a idéia de criar grandes empresas nacionais porque, nesses setores de

insumos básicos e de bens de capital, sem grandes empresas não há escala para ser competitivo

internacionalmente, e isso era necessário para substituir importações e para exportar (apud

D´ARAUJO, 2004, p.169).

Esse autor ainda realça que uma segunda razão para se optar pela transformação das

estatais no longus mànus32 do governo está relacionada à incapacidade da economia nacional dar

solução à crise como fizeram os países desenvolvidos. Conforme ressalta Castro (1985, p.41), a

resposta encontrada pelos países desenvolvidos para o combate o choque do petróleo foi a

expansão da venda de máquinas, equipamentos e armas a países da OPEP, isso, segundo esse

autor, não estavam ao alcance do Brasil em 1974.

32 Do latim, longus,quer dizer, longo, comprido, extenso em comprimento ou em altura, grande, vasto; afastado. Mànus, do latim, mão, parte do corpo; símbolo da força e instrumento de luta ou de trabalho; combate; autoridade, poder; trabalho, tropa. Inf. dic. Houaiss eletrônico. Nesse sentido, o termo longus mànus representa a utilização do poder público por meio das suas estatais para cumprir o projeto apresentado do II PND.

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Nesse sentido, o governo, frente à incapacidade de dar outra solução a crise, utilizou-se

de todas as forças para comandar o crescimento da economia por meio das estatais.

Sob a ótica de Celso Furtado (1981, p.49), a opção pelas empresas estatais decorreu, não

por causa, principalmente, do aumento dos preços internacionais do petróleo, mas em

decorrência da adoção de uma política antiinflacionária.

Na gestão Geisel, a incapacidade do governo em contrair mais dívidas faz com que haja

uma mudança de rumos.

Durante o Milagre, a redução, na conta das importações, dos bens que antes eram trazidos

do exterior e que agora passaram a ser produzidos no país foi significativa. A nova base

industrial instalada no país, com recursos captados no exterior, fez com que uma nova fase da

substituição de importações fosse implementada. Todavia, esse crescimento, segundo Furtado,

esteve relacionado ao fato de que a capacidade ociosa dentro das empresas que passou a ser

plenamente utilizada.

Na gestão Geisel, essa capacidade ociosa das empresas foi substancialmente reduzida, e

começaram a aparecer os “pontos de estrangulamento” da economia que impediam o

crescimento. Qualquer aumento do investimento mediante a captação de poupança externa

aumentaria a quantidade de moeda no mercado e, conseqüentemente, geraria inflação.

Novos investimentos nas empresas privadas não seriam consumidos e implementados em

máquinas, pois havia a demanda por mais energia, mais matéria-prima, como ferro, aço,etc, o

que inviabilizava a expansão industrial. Dessa forma, o resultado seria que os valores captados

no exterior iriam acabar por aumentar a quantidade de moeda e não a capacidade produtiva,

gerando, assim, o aumento dos preços.

O combate à inflação só poderia ser resolvido com a abertura do mercado interno à

concorrência internacional. Com os preços no mercado externo mais baixos, a concorrência

conteria a tendência inflacionária. Isso, entretanto, fez com que houvesse um aumento expressivo

das importações e, conseqüentemente, a dívida externa saltasse de US$12,5 bilhões para US$

21,2, entre 1973 a 1975 (FURTADO, 1981, p.48).

Com os altos déficits no balanço de pagamentos, o governo perdeu seus mecanismos de

gestão da economia. Esse imobilismo foi representado, segundo Furtado, pelo fato de, entre 1974

e 1978, o serviço da dívida definido como a adição das remessas líquidas ao exterior sob a forma

de dividendos, de juros e de amortizações, passou de 3,4 para 10 bilhões de dólares, o que

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representou um aumento da parcela dedicada à es exportações para esse serviço de 39 para 73

por cento.

Como o governo encontrava-se altamente endividado e não poderia resolver suas

despesas mediante contração de novos empréstimos externos, as empresas públicas e privadas

seriam então incitadas a buscar recursos no exterior para cumprir as metas de um plano de

desenvolvimento ambicioso apresentado no II PND.

Desobrigando-se do fardo de empurrar a economia com o tesouro publico, o agente

estatal assumiria para si diretamente a responsabilidade cambial. Com a manipulação do câmbio,

o governo iniciaria um sistema de sobrevalorização do cruzeiro, a fim de reduzir os custos

financeiros dos compromissos assumidos no exterior. Com o cruzeiro valendo mais, menor seus

sua dívida em dólares.

Entretanto, sobrevalorização da moeda nacional geraria o encarecimento dos bens

produzidos no país em relação ao exterior e, conseqüentemente, um desestímulo às exportações.

A fim de compensar esse desestímulo às exportações, que eram essenciais ao equilíbrio

da balança comercial e a geração da divisas para novas importações, instalou-se, então,

diretamente para as exportações e à produção agrícola voltada para o exterior um sistema de

subsídios governamentais.

Sob essa lógica, o governo poderia impulsionar as exportações com subsídios diretos à

exportação, combater a inflação e desamarrar os nós do crescimento por meio do endividamento

das empresas estatais, responsabilizando-as pelas obras de infra-estrutura.

A reduzida importância do aumento dos preços do petróleo para a adoção das estatais

como gestoras do crescimento nacional estaria relacionado ao fato de que, entre 1974 e 1978, o

preço real do petróleo importado esteve em declínio. Assim, antes mesmo do Segundo Choque

do Petróleo, em 1979, a economia brasileira estava em situação de ter de dedicar cerca de 5% do

PIB e três quartas partes das dividas geradas por suas exportações ao serviço de capitais

estrangeiros investidos no país, o que segundo Furtado, demonstra que aumento dos preços do

petróleo não foi o fator primordial para crise.

A par das duas diferentes perspectivas, é possível perceber que, de fato, houve uma

escolha pela extensão da atuação estatal por outras vias para seguir o receituário cepalino. Assim,

o governo, frente a um efeito recessivo no exterior, preferiu continuar manter as taxas de

crescimento industrial em marcha forçada, contraindo empréstimos pelas estatais.

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A utilização dessas empresas foi favorável à manutenção de subsídios às indústrias de

escala, ao prover energia e matérias-primas com um custo inferior ao que poderia ser obtido no

exterior, e à permanência de uma demanda constante de obras de infra-estruturas para as

empreiteiras nacionais.

Essa política estatal, mediante a utilização de seus longus mànus, foi benéfica e favorável

à continuidade da especialização e engrandecimento das empreiteiras pátrias, que como já foi

visto antes, era um fator fundamental à internacionalização.

Todavia, se por um lado uma prática genérica como a concessão de subsídios e matérias-

primas favoreceu as empresas privada de engenharia de construção internamente, bem como boa

parte das empresas que atuavam no mercado nacional, houve um conjunto de medidas

implantadas pelo II PND contrárias ao processo de internacionalização das empreiteiras privadas

pátrias e a ausência de muitas outras favoráveis à esse processo como demonstrado no parte

subseqüente.

2.3 A miopia estatal

Ao se estudar o processo de internacionalização das empresas de prestação de serviços de

engenharia, verifica-se a ocorrência de diversos efeitos positivos e negativos quando o governo

aplica políticas domésticas favoráveis ao processo de industrialização e desenvolvimento da

infra-estrutura nacional.

As empreiteiras privadas, ao se beneficiarem com incentivos fiscais e políticas

direcionadas a economias de escala, ganham a capacitação técnica necessária para atuar para

além do mercado nacional. A política interna, entretanto, não poder ser vista como o único

mecanismo que o governo deve implementar a fim de viabilizar a inserção internacional de suas

empreiteiras. Uma atuação orquestrada de financiamento estatal específico e uma estrutura

administrativa são fundamentais para um processo estruturado para que as empresas privadas

brasileiras possam concorrer em pé de igualdade na busca de obras internacionais.

Assim, o agente estatal precisa tanto implementar um conjunto de medidas domésticas e

internacionais que componham uma política favoráveis ao ganho de competitividade pelas

empresas nacionais, para que essas possam disputar em pé de igualdade as concorrências

internacionais.

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A par dessa informação, devemos agora buscar entender porque é possível afirmar que

durante a gestão Geisel, período em que as empresas privadas de engenharia de construção

brasileiras começaram a dar seus primeiros passos no mercado internacional, o governo não

dispunha da capacidade para enxergar uma política de internacionalização dos serviços de

engenharia que não fossem encampados pela iniciativa pública. Busca-se entender agora, porque

existia uma miopia estatal para possibilidade de se criar uma política do governo em benefício da

transnacionalização das empreiteiras pátrias.

Para isso, devem-se analisar separadamente os efeitos negativos da política econômica,

em particular a política de substituição de importações, a estrutura burocrática do Estado e as

decisões durante o II PND que justificam a incapacidade estatal de buscar na internacionalização

das empreiteiras privadas uma solução para o reequilíbrio do Balanço de Pagamento.

2.3.1 Modelo de política econômica doméstica

Ao longo da história nacional no século XX, o conjunto de concepções teóricas que

buscou as soluções para o subdesenvolvimento enfatizava a via interna para o caminho a ser

seguido.

Desde Raul Prebisch33, até a Cepal e Celso Furtado, instrumentalizou-se a concepção de

que o meio para a se resolvesse o permanente subdesenvolvimento brasileiro seria mediante a

substituição das importações, enfatizando que o país deveria promover uma industrialização

continuada, e que, para isso, seria necessário direcionar as divisas para a importação de máquinas

e equipamentos que colaborassem para esse processo.

Com uma política voltada para a supressão das demandas internas e para a formação de

um mercado nacional, a ambiente internacional era, mais comumente, visto como meio de

opressão, quando simbolizava as trocas desiguais, e o espaço para fornecer o instrumental à

industrialização, quando oferecia créditos e vendia máquinas.

Assim, o ambiente internacional continua a ser, no imaginário estatal, até a década de

1980, um espaço para financiar os empreendimentos pátrios e não um local em que a política de

33 Raúl Prebisch, economista argentino, responsável por criar a linha estruturalista do pensamento econômico. Ingressa na Cepal a convite em 1948.

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exportação de bens com maior valor agregado poderia gerar a supressão do subdesenvolvimento.

Dessa forma, há uma estagnação nos investimentos à exportação como um todo, como ressalta

Velloso:

Naquela altura [desde 1947] [...] nossas exportações praticamente estagnaram, durante mais de uma década, em torno de US$ 1,4 bilhões por ano (salvo breve impulso dado ao café e ao minério de ferro, pela Guerra da Coréia). Estagnou, também, a estrutura das exportações, que nem deram ênfase a produtos agrícolas não tradicionais, nem partiram para incorporar a faixa dos manufaturados leves, como fizeram alguns países da Ásia (VELLOSO, 1986, p.102).

Observa-se que a percepção do ambiente internacional como utilitário para financiar o

projeto nacional se estende desde o período pós-Segunda Guerra Mundial. Com destaque para

esse tipo de concepção governamental, têm-se os lançamentos da Comissão Mista Brasil-Estados

Unidos de 195034 e da Operação Pan-americana35, projetos governamentais que almejavam

sempre recursos externos para implementar a industrialização.

Faltava, até a década de 1980, uma política que considerasse o ambiente internacional

como sendo um espaço propício para se criar política voltadas à superação do

subdesenvolvimento. Por isso, durante a década de 1970, no pioneirismo da internacionalização

das empreiteiras nacionais, havia pouco espaço para subsídios direcionados para esse setor.

Se a exportação não estivesse em conformidade com a recepção de lucros imediatos para

solucionar demandas urgentes ou se não fossem compatíveis com os desígnios do Sistema de

Substituição de importações, não havia interesse governamental.

Isso se justifica, inclusive, como ressalta Amaral (2008, p.46), com o fato da ausência de

uma política ampla e específica para a exportação de serviços ser, ainda hoje, um problema a ser

solucionado pelo governo.

Particularmente na gestão Geisel, com o I Choque do Petróleo, no final do governo

anterior, a política econômica definida em 1974 buscava manter o processo de substituição das

importações e ao mesmo tempo combater a crise energética que poderia comprometer as bases

da sociedade industrial moderna. As alterações na política econômica brasileira a partir de 1974,

34 Comissão mista Brasil-Estados Unidos, criada em 1950 tinha como objetivo criar propostas e elaborar projetos de desenvolvimento econômico nacional que deveriam ser financiados por instituições como o Eximbank e o Banco Mundial (GIAMBIAGI, 2004, p.29). 35 Operação Pan-Americana foi um plano multilateral de assistência ao desenvolvimento da América Latina. Esse, criado por JK, acabou por sensibilizar os Estados Unidos, que concordaram em apoiar a criação de um mecanismo financeiro mulitlateral para região, resultando, em 1959, na fundação do Banco Interamericano de Desenvolvimento –BID (GIAMBIAGI, 2004, p.67).

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mantiveram o mesmo foco, a formação de uma sociedade industrial moderna, ou seja, há a

continuidade de uma política voltada fundamentalmente para o mercado interno. Como assim

ressalta Castro (1985, p.31), “É importante frisar, no entanto, que a mudança de rota é concebida

como algo que não altera o objetivo último: a construção de uma moderna economia industrial”

Buscava-se, nas palavras do Ministro Velloso, uma solução duradoura e não apenas

transitória para a crise do petróleo. Todavia, essa transição buscava, mais uma vez proteger a

economia nacional contra choques de oferta externos.

Uma autêntica transformação da economia esteve assim relacionada com o objetivo de

promover soluções permanentes às demandas nacionais energéticas. Mais uma vez os subsídios

foram direcionados a autonomia interna, por meio da criação de Usinas hidrelétricas e do

lançamento de programa Pró-alcool36, a fim de gerar fontes alternativas ao petróleo.

Quando se pensou, durante a gestão Geisel, em uma política voltada às exportações a fim

de aumentar as divisas internacionais, para a compra de bens sensíveis ao projeto de substituição

de importações.

Induziu-se a exportação de bens, mesmo os manufaturados, com o objetivo de auferir

rapidamente divisas que garantissem a manutenção do projeto nacional. O resultado do

financiamento de bens para exportação é percebido em curtíssimo prazo, os pagamentos são

feitos conforme a entrega dos carregamentos. Assim, o resultado do financiamento pode ser

visualizado logo no mês seguinte, com a entrega do primeiro carregamentos.

No caso da exportação de serviços o resultado do financiamento só é percebido no longo

prazo. Projetos de engenharia para adentrarem em concorrências internacionais demandam altos

valores e seu resultado só é percebido se a empresa for vencedora e após o inicio das obras

quando essas começam a receber os primeiros pagamentos, o que pode demorar até mais de seis

meses. Esse longo lapso temporal na percepção dos resultados, que repercutiu negativamente no

grau de investimento que foi direcionado a esses projetos durante o governo Geisel, fio, inclusive,

observado por Guimarães, em sua análise sobre os problemas que afligem as prestadoras de

serviços de engenharia:

36 Programa de aproveitamento do álcool motor. Essa utilização do álcool já existia desde o governo de Getúlio Vargas, mas só com o Pró-álcool, a produção ganha grande escala. O projeto Pró-alcool era um grande programa de construção de destilarias, por empresários privados, com financiamento do governo. Essas localizadas principalmente em São Paulo e no Nordeste (apud D´ARAUJO, 1997, p.309).

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Secondly, adequate financing support – a requisite for both manufacturing goods and services exports – could be more easily provided to the former, as the latter generally implied a longer amortization period (GUIMARÃES, 1980, p.55).

A reduzida quantidade de investimentos aos projetos de engenharia em relação aos

financiamentos voltados à exportação de produtos manufaturados nos dá um parâmetro de como,

na gestão Geisel, o foco de resultados imediatos para prover as divisas necessárias o projeto de

consolidação da indústria nacional moderna é evidente.

A priorização da venda de bens em relação desproporcional a venda de serviços, fica

evidente na aplicação de recursos da FINEX entre os anos de 1974 e 1979, como observado no

gráfico seguinte:

Aplicação dos recursos do FINEX – posição em 03.12 – 1974/1979 Anos 1974 1975 1976 1977 1978 1979 Financiamento à Exportação de produtos manufaturados

1.008.773 2.456.385 4.193.581 7.993.664 15.362.005 31.863.421

Financiamento às vendas de estudos e projetos técnico-econômicos e de engenharia.

5.223 5.223 144.074 2.476.446

Financiamento ao preparo de estudos e projetos técnico-científicos e de engenharia.

25.348 7.537 23.440

Valor medido em Cr$ 10³ Fonte:EPICO 2/1985

Conforme registra o gráfico, nos dois primeiros anos da gestão Geisel, não houve

qualquer financiamento por parte da FINEX para a venda de estudos de engenharia. No ano de

1976, quando começam a surgir os primeiro financiamentos às vendas de estudos de projetos

técnicos de engenharia pela FINEX, esses valores não chegam a 0,2 por cento do total de

financiamentos direcionados à exportação de produtos manufaturados no mesmo ano.

Em 1979, três anos após o início do financiamento da FINEX aos serviços de engenharia,

os valores somados de recursos direcionados às vendas de projetos e ao preparo dos projetos de

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engenharia representam apenas 7,8 por cento do total de recurso direcionados à exportação de

bens manufaturados.

Esse modesto aumento dos recursos direcionado ao financiamento de serviços de

engenharia demonstra a ausência de predisposição estatal em financiar projeto em que o retorno

será demorado e que os resultados não poderão contribuir para sua política doméstica.

A política na gestão de Geisel, seguindo a histórico praticado pela maioria dos governos

no século XX, continuou, dessa forma, a sobrevalorizar a via doméstica para a superação do

subdesenvolvimento, relegando um víeis econômico da política externa a mera

complementaridade da política de substituição de importações. Esse fator ideológico colaborou

para inviabilizar a formação de uma política para a internacionalização das empreiteiras durante

a década de 1970.

3.2.2 Burocracia estatal

A incapacidade estatal para vislumbrar outra possibilidade, como um política direcionada

à internacionalização das empresas privadas do setor de prestação de serviços de engenharia,

pode ser apreendida em decorrência da complexa e ineficiente burocracia estatal, sendo essa

dividida em duas áreas: a esfera legislativa e a organizacional.

Na esfera legislativa, em função da pressão dos lobbies das empreiteiras junto ao

Congresso para que os financiamentos direcionados às exportações beneficiassem também as

venda de serviços de engenharia no exterior, é percebido algum avanço.

Na década de 1970, houve a construção de um arcabouço jurídico que, em tese,

favoreceria a internacionalização mediante a expansão dos financiamentos do Fundo de

Financiamento à Exportação (FINEX) para as empresas prestadoras de serviço de engenharia no

exterior. Como, inclusive, apresentado no gráfico anterior, esses valores foram irrisórios.

Mediante o Decreto-lei 1692 de 06 de julho de 1978, haveria a alteração do artigo 60 da

lei nº 5.025 de 10 de junho de 1966, com a inclusão da alínea f, passando, dessa forma, a ter a

seguinte redação:

Art. 60. É criado, no Banco Central da República do Brasil, o "Fundo de Financiamento à Exportação" (FINEX), destinado a suprir recursos ao Banco do Brasil S.A. para a realização, por intermédio da Carteira de Comércio Exterior, em conjugação com os demais setores especializados, das seguintes operações:

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[...] f - outras operações, programas e complementações de interesse do comércio exterior brasileiro, inclusive no campo de serviços, a critério do Conselho Monetário Nacional.

Com essa mudança legislativa, abrir-se-ia um espaço maior para financiamento junto a

FINEX para a exportação de serviços de engenharia. Antes esses financiamentos eram mais

restritos pela dificuldade de enquadramento junto às normas do Fundo do Banco Central.

Todavia, o financiamento dos serviços de engenharia só foi devidamente enquadrado na

lei em 1978, essa regularização, se por um lado demonstra alguma atenção do governo ao setor,

reflete também que, durante a primeira metade do governo Geisel esse setor não constava em

nenhum tipo de política.

No âmbito do Banco Central, no início de 1979, houve a emissão da Circular 414 de 24

de janeiro de 1979 e a Resolução nº 509 do mesmo ano. Com essas, promovia-se o

credenciamento de bancos nacionais que operavam com câmbio e suas respectivas agências no

exterior para que esses pudessem conceder financiamento às empreiteiras que prestem serviços

fora do país.

Na circular 414, ficava disposto que poderiam ter direito ao financiamento as empresas

prestadoras de serviços que buscassem cobrir seus gastos locais, no exterior, sempre que esses

estivessem vinculados a exportações brasileiras. Dessa forma, ficava abrangida toda a compra de

matérias-primas e maquinário oriundo do Brasil.

Na prática, conforme informa João Bentes (1980, p.1) esse apoio financeiro não foi

observado até 1980, devido à falta de regulamentação da matéria na CACEX. Com isso, a

CACEX, nesse período, continuou não considerando como sendo um comportamento único para

o financiamento de equipamentos, pacotes, ou mesmo projetos, inviabilizando o financiamento.

Na esfera institucional, a incapacidade do governo rapidamente se reajustar frente às

novas realidades mercadológicas impediu uma concertação mais complexa com as empreiteiras

que se internacionalizavam.

Alguns elementos são apresentados por Bentes (1980, p.3) como representativos das

dificuldades enfrentadas pelas empresas prestadoras de serviços de engenharia frente a

burocracia estatal e suas instituições:

a) Havia uma ampla falta de familiarização da CACEX em relação ao

setor de engenharia e suas demandas.

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b) Faltava uma política de exportação de serviços de engenharia, apesar

do governo ser menos mal estruturado que a iniciativa privada, pois

possui a CACEX, o Departamento de Promoção comercial do

Itamaraty e o SUBIN.

A falta de uma definição de política estratégica para o incremento das exportações do

setor de prestação de serviços de engenharia, segundo Bentes, estaria ligado à dificuldade de o

governo, e mesmo da iniciativa privada, em avaliar devidamente o esforço máximo que deveria

ser alocado para essa atividade, tendo em vista ainda não ser conhecida a extensão real do

benefício que seria advindo desse setor, que de fato, não é de fácil mensuração.

Guimarães (1980, p.55) apresenta outras características relativas à organização estatal na

década de 1970 que se contrapunham à promoção de uma política direcionada à

internacionalização das empreiteiras brasileiras, já que o ente governamental não tinha

capacidade de perceber como a internacionalização dessas empresas poderia ser lucrativa.

Segundo o autor, pela lei brasileira, para fazer os pagamentos no exterior pela importação

de tecnologia, o contrato sob o qual esse pagamento é feito, precisa, primeiro, ser aprovado e

registrado no instituto nacional de propriedade industrial e no Banco Central. Esses arquivos

propiciam um considerável rol de informações a cerca do nível de transferência de tecnologia

para o país. Isso confere ao país, a capacidade de uma estimação minimamente satisfatória da

magnitude e da natureza desse ingresso de tecnologia.

Todavia, a sistemática relativa à exportação de tecnologia nacional é completamente

diferente. A única informação estruturada sobre esse tema decorre das estatísticas de trocas

operacionais compiladas da análise geral do Balanço de Pagamentos. Esses dados estatísticos são

ordenados de forma muito menos rigorosa, se comparado ao sistema implementado para a

importação de tecnologias, já que não há registro prévio do contrato de exportação de tecnologia

nacional, nem a contabilização dos ganhos das empreiteiras no exterior se esses não forem

remetidos para o país (GUIMARÃES, 1980, p.12).

Deve-se ressaltar que é comum na prestação de serviços de engenharia, principalmente

para países em desenvolvimento, foco das empreiteiras nacionais nas décadas de 1970 e 1980,

haver, além das obras de infra-estrutura, a venda casada da tecnologia para operação de

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máquinas e das técnicas de construção. Um panorama geral dos valores desses contratos de

exportação de tecnológica brasileira durante 1973 e 1982, fica evidenciado no gráfico seguinte:

Exportação Brasileira de tecnologia 1973/1982

Year

Patents and

trade-marks

Design

Specialized engineering

services

Industrial technology supply

Administrative services and

tecnical assistance

Administrative Service Total

1973 6 3 77 86 1974 6 1 103 110 1975 8 1 127 136 1976 8 1 123 132 1977 6 58 121 185 1978 6 63 153 222 1979 7 90 2 154 253 1980 8 89 3 194 294 1981 9 141 9 213 372 1982 6 81 1 212 300 Fonte: Banco Central (1983) Valor em milhões de dólares

Apesar desses dados não poderem refletir plenamente a realidade, devido aos problemas

de relacionados ao registro dos contratos, muitos contratos de empresas privadas não acabaram

fazendo parte dessa análise, nem seus reais resultados. Entretanto, é possível identificar a

existência de somas relativamente altas nesse período, como, por exemplo, o aumento

substancial de 167 milhões dólares do valor dos contratos de 1973 em relação ao último ano da

gestão Geisel.

Outra deficiência estatal, observada por Guimarães, está relacionada à presença de

estrutura permanente das chamadas “subsidiárias”, estruturas externas permanentes voltadas à

abertura de mercados. Essa infra-estrutura de suporte à atuação internacional, para o setor de

construção, de fato não existia na década de 1970.

Como foi visto, esse processo de manutenção de uma estrutura permanente no exterior só

será efetivado quando as empreiteiras brasileiras fincarem sedes no exterior, como ocorreu na

década de 1970.

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Algum tipo de ação em favor no sentido de abertura do mercado externo a esse setor da

economia será parcialmente implementado pela fundação do Departamento de promoção

comercial do Itamaraty.

Nesse sentido, o Departamento, fundado em 1971, sob a esfera do Ministério das

Relações Exteriores, teria como função prover os agentes comerciais sobre oportunidades de

comércio no exterior e sobre o lançamento de concorrências públicas, além de estudos

estratégicos sobre os mercados locais e suas potencialidades. Cabe ressaltar que dentre os

objetivos do departamento não há definição específica para a internacionalização dos serviços de

engenharia.

Na delimitação das diretrizes mais ampla, restou restrita a prover informações comerciais;

incentivar mostras e o turismo; investir em organização e modernização da promoção comercial;

estudar as operações de promoção comercial; e promover estudos e pesquisas de mercado.

Somente no subprograma de Mostras se tentou promover o contato direto entre o fornecedor

brasileiro e o comprador estrangeiro por meio de exposições (FLECHA, 1996, p.231).

Quanto ao financiamento estatal, na lógica de custo benefício do governo, valeria mais

incentivar a exportação de bens do que serviços. Com o financiamento de bens, o governo

encobria a ineficiência dos produtores nacionais e tornava o produto competitivo tanto em países

desenvolvidos com em países em desenvolvimento.

Já no caso dos serviços, a competitividade das empresas depende mais da habilidade

tecnológica adquirida mediante financiamento, do que subsídios diretos em favor da redução dos

preços, como ocorre no mercado de bens.

Nos objetivos estatais da gestão Geisel, a solução mais prática e imediatista seria, então,

investir em bens e investir de forma diminuta na prestação privada de engenharia no exterior.

Essa decisão, em boa parte, partiu também da incapacidade do governo de identificar no mercado

de prestação de serviços pela via privada uma solução para os décifits no Balanço de Pagamento.

2.3.3 Medidas contrárias à internacionalização No escopo do II PND, percebe-se ainda que algumas decisões dos agentes estatais

estavam em plena discordância com qualquer projeto de internacionalização das empresas

privadas do setor de engenharia de construção.

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Caso exemplificativo está na própria reformulação legislativa de 1974 em relação à

política de reajuste dos salários. Conforme apresentado anteriormente, logo no primeiro ano da

gestão Geisel, com a lei 6.147, os salários passavam a ter um reajuste real em relação à inflação

passada e futura.

Esse benefício à população assalariada gera pelo lado contrário um aumento no custo da

folha de pagamento das empresas. Em relação particular às empreiteiras, esse aumento de custo é

efetivamente mais pesado, já que, como informado anteriormente, nessas empresas, o custo da

folha de pagamento é o mais alto.

Assim, políticas de reajuste dos salários incorreram negativamente para a expansão

dessas empresas em particular. Como o corte de pessoal, nesse setor é extremamente restrito, já

que nas obras por empreitada a demanda de mão-de-obra é muito alta, uma das soluções

possíveis seria a busca para obras no exterior, onde se podia fugir dos efeitos inflacionários

doméstico, já que o recebimento e o pagamento dos empregados era feito em dólar.

Outra medida apresentada no IIPND que reflete bem a ausência de uma política voltada

ao apoio das empreiteiras privadas no mercado internacional foi a opção por uma política estatal,

retirando do setor privado o direito de comandar a economia.

Havia uma percepção por parte do agente estatal que o setor privado era incapaz e que os

empresários, por seus interesses egoístas não desejariam o desenvolvimento do país, como

apresentado nas palavras de Geisel:

O desenvolvimento que o II PND pretendia alcançar era um desenvolvimento integrado, não apenas econômico, mas também social. Além do aumento da produção nacional, nossa preocupação era, tanto quanto possível, assegurar o pleno emprego, evitando o agravamento dos nossos graves problemas sociais e promovendo melhorias na sua solução. Por essa razão, considerada a principal entre muitas outras, o Brasil deve sempre se empenhar efetiva e prioritariamente no seu desenvolvimento em todos os setores de atividade. Contudo, não há no país capitais disponíveis. Existem ricos, mas estão pouco dispostos a enfrentar esses problemas, e assim há relativamente pouco dinheiro para promover o desenvolvimento. Cabe então ao próprio governo, com os meios de que pode dispor, inclusive o crédito externo, assumir a tarefa. Passamos então a ser acusados, pelos teóricos que nada produzem, de estatizante! (apud D´ARAUJO, 1997, p.290).

A incapacidade de ver o potencial do setor privado como um elemento importante para o

desenvolvimento econômico é transbordado para o setor de exportação de serviços. Há, no

imaginário de Geisel sempre a ênfase no setor estatal como ator fundamental. Com isso, há o

direcionamento de incentivos à exportação de serviços pelas estatais, durante sua gestão como

presidente da República.

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A ênfase na atuação das estatais no exterior é depreendida desde quando Ernesto Geisel

era presidente da Petrobrás. Nesse período, ele foi responsável pela criação de subsidiárias

dentro da empresa, como a Braspetro, com a finalidade de buscar negócio no setor de venda de

serviços de engenharia de petróleo o mercado internacional. Isso fica registrado em no discurso

de transmissão da presidência da Petrobrás a Faria Lima em 1973:

Tive sempre em mente: [...] h) – quanto às atividades no Exterior - em 1972 foi criada um subsidiária denominada “Petrobrás Internacional S.A.” –BRASPETRO – para exercer no exterior as atividades que no art. 6º da lei 2.004, facultam à Petrobrás: -essa criação decorre da idéia básica a que já me referi, de que os problemas de petróleo têm caráter global e de que a Petrobrás, para solucioná-los adequadamente, de acordo com nossas necessidades, deverá atuar, também, sempre que possível, no exterior; -além de outras ações possíveis e sujeitas à evolução, no tempo, com a situação internacional, o objetivo primordial da BRASPETRO consiste em promover a exploração de áreas petrolíferas fora do território brasileiro, com vistas ao suprimento, direto ou indireto, de matéria prima a refinarias nacionais, constituindo uma alternativa para alargar o campo de opções ou possibilidades quanto às fontes de suprimento; -a BRASPETRO atua em exploração na Colômbia, onde já produz óleo comercialmente, no Iraque, em Madagascar, no Egito e no Irã, havendo outras negociações em curso, inclusive para operações no Mar do Norte.37

Dessa forma, a internacionalização privada do setor de prestação de serviços de

engenharia restou ser promovida em sua maior para pelas empreiteiras sem uma política estatal

capaz de fornecer uma estrutura consolidada para a disputa de concorrências internacionais pelas

empreiteiras domésticas.

2.4 À guisa de conclusão Durante a história econômica e política nacional da década de 1940 até 1980, o projeto de

substituição de importações foi sempre o principal objeto das atenções governamentais. Sua

importância é, de fato, indiscutível para justificar o desenvolvimento da indústria nacional e,

inclusive, para fornecer subsídios para a estruturação técnica e a especialização das empreiteiras

nacionais.

Todavia, a manutenção desse projeto gerou o congelamento da estrutura exportadora e

sua possível evolução para poder abarcar plenamente o setor de serviços quando esses

começaram sua busca por mercados internacionais.

37 Discurso do General Geisel na posse do Presidente Faria Lima. Arquivo Ernesto Geisel, pasta antes da Presidência.

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Apesar do sucesso da década de 1970 em voltar a investir nas exportações e a

diversificação da pauta, não foi possível ao agente estatal perceber a potencialidade das

empreiteiras que buscavam o mercado externo. A miopia estatal em ver que uma política pró-

internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia poderia trazer benefícios à

longo prazo fez que com que esse processo tivesse mais elementos de autonomia privada do que

de regência governamental.

A miopia estatal apresentará seus sintomas também na política externa, principalmente na

gestão do chanceler Azeredo da Silveira, já que é nesse período que as empresas de fato

começam a sair. Essa miopia será demonstrada no caráter reativo de boa parte das políticas de

apoio e incentivo da internacionalização das empreiteiras, como será visto no capítulo

subseqüente.

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CAPÍTULO 3

Ambiente internacional e política externa para a internacionalização privada

No presente capítulo, busca-se analisar em que ambiente internacional se deu o

processo de internacionalização das empreiteiras brasileiras em sua fase pioneira e qual foi

a parcela de participação governamental nesse processo.

O objetivo, nesse capítulo, é demonstrar que o “target” do governo Ernesto Geisel,

principalmente, em decorrência do choque do petróleo de 1973, está diretamente

relacionado ao abastecimento nacional por energia, demanda tão cara à continuidade da

política de substituição de importações.

Nesse sentido, a política externa, longe de qualquer analogia com o atual processo

de integração Sul-Sul, é projetada no sentido de diversificar relações com a finalidade de

atender às demandas do interesse nacional, sob o aspecto de busca incansável pela

diversificação de matrizes energéticas no exterior e supressão da urgente demanda por

petróleo.

Sob esse contexto de reduzida oferta energética, a política externa é caracterizada

pela vasta diversificação de parcerias em busca de mercados energéticos. A

internacionalização das empresas privadas do setor de construção não representa, nessa

política externa, mais do que um elemento a mais nesse jogo de negociações por fontes

energéticas.

Isso justifica o fato de que se a política doméstica possuía uma visão míope para a

potencialidade da internacionalização dessas empresas, como a política externa esteve

voltada para o atendimento das demandas internas, a miopia da política doméstica se fez

presente também na atuação da governamental externa.

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67

Assim, frente a uma política externa sem planos específicos de atender às demandas

do processo de transbordamento de fronteiras, o processo de internacionalização das

empreiteiras é visto como uma evolução autônoma facilitada por medidas governamentais

tomadas a reboque da iniciativa das empreiteiras.

Para ilustrar de forma ordenada essa tese, o presente capítulo será dividido em três

partes: o contexto internacional, a política externa brasileira de forma ampla entre o período

de 1974 a 1979 e a miopia governamental também no plano internacional, devido à sua

ênfase no setor estatal em detrimento do setor privado na internacionalização.

Na primeira parte, será desenvolvido de forma panorâmica como havia se

estruturado o contexto internacional, principalmente após o choque do petróleo de 1973,

será apresentada a reordenação internacional das forças na anarquia internacional, que

justifica tanto a adoção dos novos rumos da política externa brasileira sob o comando do

chanceler Azeredo da Silveira como a possibilidade das empreiteiras pátrias se

internacionalizarem.

A política externa brasileira será analisada na segunda parte. Nessa, objetiva-se

demonstrar, em particular, como um dos principais “targets” da política externa brasileira

foi a busca pela tão necessária fonte energética, o que, entre outros motivos, justifica a

ampla diversificação das relações internacionais brasileiras nesse período.

O abastecimento energético irá demandar novas parcerias internacionais, novas

posturas e o aumento das exportações para compensar o aumento dos preços das

importações de petróleo. Nesse último quesito que as empresas de prestação de serviço se

enquadram. Todavia, deve-se ressaltar que o governo, por ter um caráter estatizante,

preferiu a internacionalização das estatais à ênfase no setor privado o que justifica o caráter

autônomo desse processo.

Por fim, proceder-se-á a análise da miopia estatal no plano externo, que não deixa

de ser um reflexo da míope política interna em favor da internacionalização privada das

empresas de prestação de serviços de engenharia de construção.

3.1 – Contexto internacional antes e depois de 1973

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A década de 1970 é caracterizada como um período em que se aprofunda a

fragmentação das estruturas hegemônicas de poder e em contrapartida se amplia o

aparecimento de novos pólos de poder formados por causa da recuperação econômica das

potências do continente europeu e Japão, bem como pela união de países do chamado

terceiro-mundo que pleiteiam maior parcela de poder no cenário internacional.

O processo de aproximação entre as duas grandes potências hegemônicas do pós-

Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS), tem seu início datado pela historiografia no ano de 1962. Como assim ressalta

Sombra Saraiva (2001, p.65):

Embora seja difícil estabelecer uma periodização adequada da evolução dos entendimentos entre as superpotências, deve-se reconhecer que desde as crises de Berlim e de Cuba, entre 1961 e 1962, percebeu-se relativa modificação nos padrões de conduta dos dois gigantes. Há autores, como Maurice Vaisse, que estabelecem o ano de 1962 como o verdadeiro marco entre a coexistência pacífica e a détente.

Após a tensão mundial vivida em decorrência do risco de uma guerra nuclear,

relacionado principalmente ao incidente em Cuba em 196238, desenvolveu-se um processo

de aproximação entre as duas superpotências com um sistema de acordos baseados no

controle da produção de armamentos e o desenvolvimento, inclusive, de relações

comerciais como informa Cervo (2008, p. 371):

A détente entre Estados Unidos e União Soviética avançou sob os governos Kennedy, Johnson e Nixon e sob a era Brejnev: no campo militar, por meio do diálogo, do desarmamento parcial e do controle dos armamentos; no político, pela vontade de entendimento e cooperação para preservar interesses próprios diante de terceiros; no econômico, pelo incremento do comércio bilateral.

Nesse ambiente de esfriamento das tensões bipolares, abriu-se espaço para uma

maior margem de atuação tanto aos países inscritos nos blocos capitalistas e socialistas

como às nações recém descolonizadas.

Com foco particular na via econômica, os países europeus sob o guarda-chuva de

proteção militar dos Estados Unidos na década de 1970, mediante uma série de acordos de

38 Incidente em Cuba, bloqueio em decorrência da descoberta de mísseis instalados em Cuba pela URSS.

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integração econômica estabelecidas nas décadas anteriores39, postavam-se como potências

comerciais competitivas capazes de concorrer no mercado internacional com as empresas

norte-americanas. O Japão, no mesmo período, aparecia também como uma potência

econômica reconstruída 25 anos após sua derrota na Segunda Guerra Mundial.

Entre 1961 e 1973, enquanto a economia norte-americana crescia a uma taxa de

média de 4,5% ao ano, o Japão expandia seu produto interno bruto a uma taxa de 9,4%; a

Alemanha, 4,3%; e a Itália a 4,9% (ARGY, 1981, p.69).

No caso específico da liquidez internacional, a década de 1960 foi palco da

expansão da atividade financeira mundial. Foi o período em que o mercado financeiro se

avolumou. O mercado de operações cambiais começou a atuar de forma mais ampla no

negócio de empréstimos bancários internacionais em dólar, financiando empresas

transnacionais, governos e empresas públicas. É, nesse período, que o mercado cambial

europeu concentra essas operações e, com o dólar como moeda de troca mundial, expande a

liquidez internacional.

Entre 1964 e 1973, o mercado de euro-dólares40 cresceu a uma taxa média anual de

36%, saltando de 12 bilhões de dólares, em 1964, para 191 bilhões de dólares em 1973

(EARP, 2007, p.218).

O rápido crescimento internacional identificado nesse período e o aumento da

liquidez internacional facilitaram a captação de empréstimos em dólar por países em

desenvolvimento, para financiar tanto o crescimento econômico como os possíveis déficits

na balança de pagamentos. Deve-se ressaltar que é nesse contexto de ampla liquidez e

crescimento mundial acelerado que em parte se justifica o “milagre brasileiro”.

Todavia, toda essa larga expansão econômica, em particular no mundo ocidental

estava calcada sob um pilar comum, a utilização de uma matriz energética barata, petróleo,

como enfatiza Velloso (1986, p.154):

Quanto às forças econômicas, essencialmente, a sociedade industrial (em particular os EUA, Europa e Japão) havia desenvolvido uma excessiva dependência em relação ao petróleo do Oriente Médio e Norte da África, região sabidamente instável, politicamente.

39 Tratado de Paris, de 1951, para criação da Comunidade Econômica do Carvão e Aço, Tratado de Roma de 1957, para a criação da Comunidade Econômica Européia. 40 O termo euro-dólares ou euromoedas está relacionado à atuação do mercado financeiro europeu que se torna o grande financiador mundial ao promover empréstimos para diversos países. A época o dólar era utilizado como moeda internacional de trocas, situação mantida até os dias atuais.

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Como bem ressaltou Velloso na presente citação, os países do Oriente Médio eram

palco de uma constante instabilidade.

O palco de tensões no Oriente Médio, em particular, na Palestina, vinha se

formando desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Houve uma expressiva migração de

judeus de várias partes do mundo para a região da Palestina. Segundo Hourani (1994,

p.325) “Em 1922, os judeus contavam cerca de 11% de uma população total de três quartos

de milhão, sendo o resto, sobretudo, muçulmanos e cristãos de língua árabe; em 1949,

formavam mais de 30% da uma população que duplicara.”

Esse aumento no volume de judeus na região da Palestina gera o temor,

concretizado em 1947, de que esse povo pleiteie a formação de um Estado Judeu em plena

península arábica.

Após a decisão das Nações Unidas de criar um lar nacional para os judeus em Israel

em 1947, os conflitos entre árabes, defensores do direito dos palestinos, e os judeus se

aprofundou dando ensejo a guerras em 1948, 1956, 1967 e 1973.

Em 1947, a Grã-Bretanha frente à incapacidade de promover a partilha da Palestina

entre árabes e judeus, entrega essa obrigação às Nações Unidas. O plano aprovado em 1947

pela Assembléia Geral das Nações Unidas foi rejeitado pelos árabes palestinos. Incapaz de

conseguir uma solução consensual, a Grã-Bretanha retira suas tropas em 1948. Em 14 de

maio de 1948, a comunidade judaica declara sua independência estabelecendo o Estado de

Israel. Tropas egípcias, jordanianas, iraquianas, sírias e libanesas fizeram-se presentes nas

áreas árabes fazendo as forças israelenses lutarem em diversas frentes até conseguir ocupar

a maior parte do país. Essa derrota árabe gerará uma série de conflitos posteriores.

Na década de 1950, as tensões entre Israel e o mundo árabe se intensificam em

decorrência do nacionalismo-árabe. Nessa época, surge um novo líder no Oriente Médio,

Abd al-Nasser, presidente do Egito.

Com Nasser, é desenvolvida uma nova ideologia, o nacionalismo árabe, que,

enquadrando-se na defesa do não-alinhamento aos blocos de poder existentes, valoriza a

unidade árabe. O não-alinhamento é representado com a contestação ao Pacto de Bagdá de

1955, o qual representava um acordo entre o Ocidente e os países árabes no sentido de

conter a propagação do comunismo nesses países.

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Com o nacionalismo árabe, muda-se o foco sobre o inimigo a ser combatido. Nasser

passa a defender que a contestação arábica deve ser empreendida contra a presença

ocidental nos países árabes, sendo essa simbolizada pela a existência de Israel na Península

Arábica.

Essa ideologia ganha força principalmente com a vitória egípcia no conflito do

Canal de Suez em 1956. Nasser, em conformidade com a ideologia que pregava, promove

em 1956 a nacionalização da companhia do Canal de Suez, propriedade franco-inglesa.

Além disso, aplicou-se o bloqueio à passagem dos navios com bandeira Israelense pelo

canal.

Com efeito, o movimento militar formado por franceses ingleses e israelenses, que

se direcionou ao Egito, foi obstado pela intervenção da URSS e dos Estados Unidos. Para

este, não interessava qualquer tipo de vinculação aos vestígios do “colonialismo” anglo-

francês (KIRK, 1967, p.352). A contenção deu-se, por meio das Nações Unidas, com o

envio no mesmo ano de uma tropa internacional de paz que manteve a nacionalização

egípcia do canal.

O poder e a força do nacionalismo árabe acabam junto com a derrota dos países

árabes para Israel na Guerra dos Seis Dias em 1967. Como bem explica Fares (2007, p.56),

a partir de 1964, os países árabes, após alguns conflitos internos, se reaproximam em torno

da “causa palestina”. A contestação à existência israelense é enfatizada no nacionalismo

árabe, o que acaba levando ao posicionamento de tropas egípcias e sírias na fronteira com

Israel e ao ataque defensivo desse último país.

A derrota árabe nesse conflito e a posterior morte de Nasser, em 1970, representam

o declínio do nacionalismo árabe, mas não da oposição à existência de Israel.

Em 6 de outubro de 1973, um ataque conjunto do Egito e Síria a Israel deu início à

Guerra do Yon Kippur – a IV Guerra árabe-israelense.

Essa última guerra apresenta uma particularidade em relação às anteriores. Seu

elemento de diferenciação foi que, a partir desse conflito, os árabes descobrem que o

petróleo poderia ser utilizado como arma política.

A derrota das forças árabes por Israel com o apoio dos Estados Unidos e a oposição

dos norte-americanos à resolução da ONU sobre a retirada das tropas israelenses dos

territórios ocupados (VIZENTINI, 2004, p.246) fez com que os países árabes utilizassem

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suas grandes reservas de petróleo como instrumento político a fim de enfraquecer a política

ocidental em favor de Israel, como registrado nos aumentos do preço do barril do petróleo

em documento registrado na Câmara dos Deputados em 1976. “Em janeiro de 1973, por

exemplo, o preço médio do barril de petróleo (nafta) custava US$ 3,00 CIF. Em fins de

1975, [...] US$13,00.” 41

O mesmo registra Velloso (1986, p.153) ao informar que “[...] em curto período, a

partir do início da Guerra, o preço do petróleo, por decisão da OPEP, havia passado de US$

3 o barril para US$ 12”.

Foram estabelecidos embargos contra os Estados Unidos e a Holanda além de um

esquema de cortes mensais de produção entre os membros da OPEP. Esse mecanismo de

redução da oferta internacional gerou a possibilidade de se fixar um preço muito acima da

expectativa dos atores internacionais.

Com os aumentos dos preços do barril do petróleo pela OPEP, dois eventos são

percebidos: o primeiro um direcionamento dos recursos internacionais para os grandes

produtores de petróleo, em sua maioria os países árabes, principalmente, Iran, Iraque,

Arábia Saudita e Kuwait e, segundo, a manutenção da liquidez internacional.

O primeiro evento é de fácil explicação, já que, em um curto prazo, todas as

economias mundiais dependentes dessa matéria-prima não conseguiriam uma alternativa ao

petróleo, haveria uma submissão aos preços impostos pela OPEP.

Tal fato é exemplificado na análise do balanço de transações correntes iraquianas

em 1973 e 1974. Há um expressivo superávit que se deve, naturalmente, à elevação dos

preços do petróleo. No Iraque, enquanto, em 1973, o saldo favorável havia sido somente de

US 1.471 milhões, em 1974, o superávit em sua balança comercial, foi de US 6.481

milhões42.

Quanto à manutenção da liquidez internacional, esse tema chama mais atenção. Os

recursos internacionais, de fato, haviam se dirigido para, principalmente, a Península

Arábica, onde se concentram os principais produtores de petróleo.

Esses valores que movimentavam a economia internacional, também chamados de

“euro-dólares” na década de 1960, voltam ao mercado internacional, agora chamados de

41 Pasta MRE, sub-pasta Dossiê Política Internacional do Petróleo (15 de março de 1975 a 24 de janeiro de 1979). Câmara dos Deputados, 42 FMI Iraq-Recent Economic Developments. Doc. SM/74/183, de 23/07/74, p.7.

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“petro-dólares”. Seu retorno se dá mediante o depósito dos países exportadores de petróleo

em bancos privados europeus, como demonstra o relatório do Departamento de promoção

comercial do Itamaraty43:

[....] as aplicações financeiras dos saldos obtidos pela OPEP, em 1974, somaram, aproximadamente, US 70 bilhões, dos quais US$ 21 bilhões foram utilizados na aplicação de depósitos a prazo fixo em euromoedas. A parcela destinada a investimentos diretos (capital de risco), compreendendo participações acionárias minoritárias, ou majoritárias, simples aplicações em ações e em fundos mútuos, somou 18 bi, dos quais 11 bi foram aplicados nos EUA e 7 bi, no Reino Unido. O restante dos 31 bi foram aplicados: 16 bi em “supplier´s credits” na exportação do petróleo, 5 bilhões em empréstimos diretos a países desenvolvidos, 2 bi em “oil facilities” do FMI, 4 bilhões em empréstimos, principalmente, por ordem de prioridade, a países árabes, países muçulmanos não-árabes, países subdesenvolvidos (com renda per capitã inferior a Us 300 anuais), e a alguns outros países, e US 4 bi em aplicações diversas (dívidas pendentes, pagamentos antecipados de importações, etc,) (DPC/IPEA 1975, p. 25).

Havia três formas de alcançar esses recursos: ou buscando empréstimos com os

bancos europeus, sob o sistema de preferências imposta pelos povos árabes, como

supracitado, ou mediante o aprofundamento das relações comerciais com esses países

detentores de recursos, ou mediante o aumento dos preços dos produtos exportados. Esses

dois últimos mecanismos tinham por finalidade fazer com que a pauta de exportação dos

países fosse superior à de importações, que, devido à elevação do preço do petróleo, havia

aumentado de sobremaneira.

De forma geral, os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, adotaram as duas

primeiras medidas, ou seja, o endividamento e a ampliação do comércio como os países da

Península Arábica. Por outro lado, os países desenvolvidos adotaram as duas últimas: a

ampliação do comércio com os povos da Península Arábica e o aumento do preço dos bens

exportados, como apresentado no documento da Câmara dos Deputados em 1976 44:

Enquanto as Nações desenvolvidas foram capazes de contrabalançar a evasão de reservas internacionais, que sucedeu ao aumento nos preços do petróleo- através da elevação nos preços de seus próprios bens manufaturados- esta solução significou um sacrifício adicional para os países em desenvolvimento. A possibilidade de se negociar acordos entre essa Nações, de forma a promover a majoração nos preços dos artigos exportáveis,[....] tem sido desencorajada pelos estadistas das Nações desenvolvidas, que

43 Relatório número 2.1/75 - especial sobre o Iraque feito em parceria entre o Departamento de Promoção Comercial e o IPEA. 44 Pasta MRE, sub-pasta Dossiê Política Internacional do Petróleo (15 de março de 1975 a 24 de janeiro de 1979). Câmara dos Deputados.

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consideraram um aumento substancial no preço das matérias-primas suscetível de reabrir perigosamente o ciclo inflacionário.

É nessa linha geral que vão se dividir as relações dos países para resolver os

problemas relacionados ao I Choque do Petróleo. Os países desenvolvidos aumentam os

preços das exportações, principalmente, as máquinas, e os países em desenvolvimento,

contraem empréstimos.

Cabe, entretanto, ressaltar um ponto em comum que será a política de investimento

no aprofundamento das relações com os países membros da OPEP. Essa prática será feita

tanto pelos países desenvolvidos como pelos países em desenvolvimento.

No geral, essa política vale tanto para garimpar diretamente recursos como para

conseguir preferências comerciais para o abastecimento de petróleo. Isso é demonstrado no

estabelecimento de acordos comerciais entre o Iraque e o Japão em 1974 e na renovação

dos acordos comerciais França-Iraque de 1972, no ano de 1974, segundo esse último,

pactuava-se: Com a França, igualmente, o acordo de cooperação econômica de junho de 1972 foi ampliado em janeiro de 1974, mediante o qual foram aumentados para 13 milhões tm. Os suprimentos anuais de óleo cru iraquiano ao mercado francês45.

Em boa parte das disputas comerciais, não havia confronto entre países

desenvolvidos e em desenvolvimento, já que, conforme a divisão internacional do trabalho

da década de 1970, os países desenvolvidos eram exportadores de máquinas e os em

desenvolvimento eram exportadores de produtos agrícolas.

Isso é exemplificado na diferença das pautas de exportação dos países

desenvolvidos e em desenvolvimento para o Iraque. Enquanto a Europa ocidental era

responsável em 1973 por mais de 50% da maquinaria elétrica e não-elétrica, o Brasil era o

principal fornecedor mundial de açúcar (demarara e cristal) ao Iraque, com parcela superior

a 46% do total importado por aquele país46.

A concentração de divisas internacionais e de matéria-prima entre os países

membros da OPEP faz com que esses disponham de recursos de poder para impor suas

45 Perfil econômico-comercial do Iraque, Brasília, setembro de 1975 (Perfil nº 2.1/75, p.13). Departamento de Promoção Comercial, Convênio Itamaraty- IPEA.(DPC/IPEA) 46 Idem, p.17.

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decisões sobre outros atores internacionais. Por meio do sistema de Cartel, os membros da

OPEP tornam-se uma nova força no cenário internacional da década de 1970.

Os efeitos desse novo ator internacional vai indiscutivelmente influenciar os rumos

da política externa brasileira a partir da gestão de Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da

Silveira.

3.2 Política externa de Geisel

A política externa implementada no pós-1973, principalmente na gestão do

presidente Ernesto Geisel estará diretamente vinculada à nova conjuntura internacional de

restrição energética. Nesse requisito, em particular, sem demérito aos objetivo geopolíticos

de expansão da influência nacional no ambiente internacional mediante uma inserção mais

diversificada, a política externa será focada no “target” de manter as bases energéticas para

a manutenção do projeto nacional de desenvolvimento da indústria no território nacional.

Essa atuação do Estado no exterior vai se dar de forma pragmática e oportunista

para atingir esse objetivo, promovendo relações seja com os países em desenvolvimento,

seja com países desenvolvidos para atingir seu objetivo.

A política externa brasileira, principalmente a partir da gestão de Costa e Silva na

presidência em 1967, havia modificado seus paradigmas. Se na gestão anterior, no governo

Castello Branco, a política externa havia se vinculado à ideologia do bloco capitalista, a

partir de 1967, há uma opção pelo afastamento da vinculação da ideologia capitalismo

versus comunismo e o retorno de uma política externa focada na supressão das demandas

nacionais. Assim, como ensina Amado Cervo (2008, p.387):

Desde de Costa e Silva, os governos mantiveram no Brasil, com senso de oportunidade, o propósito de utilizar o setor externo para auxiliar o crescimento econômico. A realização desse objetivo estava, todavia, condicionada às mudanças do sistema internacional, aos obstáculos e possibilidades oferecidas. O controle da ordem pelas duas superpotências foi afetado pelo progresso da détente e a diversificação dos loci de poder.

Essa reorientação da política externa para atingir os objetivos nacionais será

enfatizada principalmente em decorrência do choque do petróleo de 1973, quando em

função do aumento dos preços, toda a política externa deve ser adequada para manter

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constantes os suprimentos energéticos fundamentais para o prosseguimento da política de

substituição de importações.

Com a utilização do petróleo como arma política pela OPEP em 1973, a política

externa brasileira, ainda no final do governo Médici, apresenta os primeiros passos da

adequação ao novo cenário de escassez energética internacional.

As marcas dessa nova política são apresentadas desde a entrada em operação do

moderno sistema de promoção comercial do Itamaraty, que viabilizava novas formas de

interação com o mercado internacional, até o fechamento de grandes projetos energéticos

em seu entorno estratégico.

São definidos, em 1973, os acordos de cooperação com o Paraguai para criação da

Hidrelétrica de Itaipu, com a Bolívia, um acordo para a compra do gás e complementação

industrial, por meio da Ata de Cooperação Brasil-Bolívia e com a Colômbia em acordo de

cooperação para estudos para instalação de uma empresa binacional para exploração do

carvão em terras colombianas (CERVO, 2008, p.418).

Em 1974, com o ingresso de Ernesto Geisel na presidência da república e da

regência da política externa ser fornecida à Azeredo da Silveira, a preocupação com a

demanda energética se torna uma das prioridades na ênfase das relações internacionais.

Não se estabelece uma ênfase específica ao desenvolvimento das relações Sul-Sul

em detrimento das relações com os países desenvolvidos. Busca-se, de fato, nesse contexto

de escassez, suprir a demanda interna por matéria-prima energética, não importando de

onde ela venha, e, por isso, é fundamental estabelecer um arcabouço principiológico de

política externa desvinculados de partidarismos e preconceitos.

O novo receituário de política externa, devidamente estruturado e discutido antes da

posse presidencial, enaltece termos como “pragmatismo responsável” e “ecumênico”,

buscando um novo conjunto terminológico destituído de amarras à promoção de novas

relações. Aprofunda-se, a partir de 1974, com bases teóricas concretas, os primeiros

movimentos promovidos no último ano da gestão do chanceler Gibson Barbosa.

Quanto à escolha entre uma política Sul-Sul ou Norte-Sul, isso não existiu. A

política externa possuía objetivos diferentes para cada tipo de relação. Com os países

desenvolvidos, buscava-se tecnologia e, com os países em desenvolvimento, mercados e

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matérias-primas. A manutenção de relações Norte-Sul é constatada com a prática da

diplomacia presidencial do presidente da república Ernesto Geisel a países desenvolvidos47.

Com o I Choque do Petróleo essa relação não modificou. Houve, somente, maior

ênfase na busca de matérias-primas. Isso é apresentado nas próprias palavras do presidente

Ernesto Geisel ao analisar sua política externa:

Mas na questão do terceiro mundo, dos subdesenvolvidos, o Brasil não se filiou a qualquer organização correlata. Comparecíamos as reuniões e conferências, éramos a favor das reivindicações desses países, até porque também éramos um país subdesenvolvido, embora numa situação econômica, social e política em evolução, mas não assumíamos qualquer compromisso.[...] Os nossos interesses, de fato, estavam no Hemisfério Norte. Os países do Hemisfério Sul, em termos de tecnologia, de financiamento, de equipamento, nada tinham que pudéssemos aproveitar. Seria uma posição egoísta? Talvez. Mas evidentemente, em primeiro lugar, estavam os nossos interesses” (apud D´ARAUJO, 1997, 338).

A acentuação dos conflitos do Brasil com os países desenvolvidos, nesse período,

poderia indicar talvez a existência de uma política Sul-Sul, mas isso também não é

procedente.

A natureza dos conflitos está relacionada à diversificação das exportações e dos

mercados para abastecer o país de divisas. Essas divisas, a propósito, fundamentais para re-

equilibrar o balanço de pagamentos após 1974, serão objeto de procura de todos os países

não produtores de petróleo. A capacidade brasileira de exportar alguns bens

industrializados e certos serviços começava a incomodar, pois competia com os produtores

dos países desenvolvidos. Segundo Souto Maior (2006, p.442),

A diversificação de sua pauta de exportações passara a colocar o Brasil em freqüente atrito com os grandes países industrializados. Os problemas que passáramos a encontrar com os Estados Unidos e a Comunidade Européia no tocante às nossas exportações de calçados, têxteis, produtos siderúrgicos e soja, para citar alguns problemas notórios, ilustram bem as dificuldades específicas com as quais o Brasil se defrontava na década de 70 e que não se faziam sentir dez anos antes.

A particular ênfase da política externa para o abastecimento energético nacional será

observada entre outras medidas, pelo vasto acervo de informações cobradas pelo chanceler

Azeredo da Silveira às embaixadas brasileiras sediadas em diversos países sobre as

47 Entre 1974 e 1979, o presidente da República Ernesto Geisel, como afirma seu ministro do Planejamento, fez viagens à “França, Inglaterra, Alemanha, Japão” (apud D´ARAUJO, 2004, p.183).

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políticas aplicadas pelos países desenvolvidos para a solução para o abastecimento por

petróleo.

Toma-se, como exemplo, o grande acervo de respostas fornecidas pelas embaixadas

brasileiras sediadas em diversas capitais dos países de mundo como as de Londres, Bagdá,

Nigéria, Roma, Quito, etc, coletadas todas com a data de 11 de janeiro de 197748, dando um

parâmetro sobre a política dos países para suprir a demanda por petróleo.

Esse novo capítulo da política externa brasileira, instrumentalizada para a captação

de recursos energéticos, deve ser observada por quatro vertentes geográficas distintas: a

vertente africana, a européia, a sul-americana e a arábica.

3.2.1 – Diplomacia energética para a África

No que concerne à nova política voltada para a África, há um aprofundamento das

relações de amizade desenvolvidas pela chancelaria de Gibson Barbosa, mas com o foco na

busca de novos provedores de petróleo.

No caso da África, a política externa brasileira havia se desenvolvido bastante em

relação a esse continente ao longo da chancelaria de Gibson Barbosa. O fato marcante

dessa nova política africanista se dá com o distanciamento da política africanista portuguesa

e que tem como conseqüência a visita, em 1972, do então chanceler a nove países

africanos49, promovendo a aproximação diplomática com as nações recém-emancipadas ou

ainda em processo de luta colonial.

No governo Médici, como afirma Cervo (2008, p.82), houve uma atenção

prioritária ao continente africano em razão das possibilidades que o mercado oferecia aos

produtos e serviços brasileiros.

A política do pragmatismo responsável, sob a chancelaria de Azeredo da Silveira,

será aplicada nas relações entre o Brasil e o continente africano para viabilizar novos

acordos independentes de possíveis inibições ideológicas.

48 Série MRE, subsérie Relações multilaterais, dossiê Política Internacional do Petróleo, entre 15 de março de 1975 a 24 de janeiro de 1979. 49 Os países visitados por Gibson Barbosa, em 1972, foram Costa do Marfim, Togo, Benin, Zaire, Camarões, Gabão, Nigéria, Gana e Senegal. O Quênia seria visitado no ano seguinte (VARGAS, 2000, p.153).

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Na gestão de Geisel, fatos marcantes serão, por um lado, a mudança da retórica

brasileira sobre a segregação racial. Passa a haver uma efetiva condenação dos regimes

colonialistas e racistas na África, em particular ao Apartheid na África do Sul. Por outro

lado, a política externa desprovida de preconceitos vai dar ao Brasil o título de primeiro

país a reconhecer a independência de Angola, independência fundada sob gestão de um

governo socialista.

Em novembro de 1975, a política externa dá um novo contorno à sua postura em

relação à África com uma política externa de atitude para o continente. Nesse mês, o

governo brasileiro vota favoravelmente a uma resolução da Assembléia Geral das Nações

Unidas que equipara o sionismo ao racismo e à discriminação racial. O texto afirmava:

[...]o regime racista de ocupação da Palestina e os regimes racistas no Zimbábue e na África do Sul têm uma origem imperialista comum [...] possuindo a mesma estrutura racista e sendo organicamente vinculados em sua política voltada para a repressão da dignidade e da integridade do ser humano”.50

Com 72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções, o voto afirmativo do Brasil, dado

pelo embaixador Sérgio Correia da Costa, Chefe da Delegação do Brasil nas Nações Unidas,

declarava o sionismo uma forma de racismo e de discriminação racial, o que era

extremamente agradável aos países do Oriente Médio e se enquadrava a nova política

universalista assumida pelo governo brasileiro.

Além disso, há com essa resolução uma crítica veemente ao racismo sul-africano, o

que também soava com bom tom a todos os países africanos que se opunham ao domínio

da minoria branca e ao mecanismo do Apartheid; o que melhorava a imagem internacional

do Brasil para o continente africano.

O caso angolano é de particular importância para demonstrar a nova política

ecumênica e pragmática do governo de Ernesto Geisel. A Angola, até 1975, era uma

colônia portuguesa e, dessa forma, uma notória contradição para o Brasil acerca das teses

favoráveis à descolonização e à autodeterminação dos povos, defendidas pelo país desde a

década de 1960. Como o Brasil priorizava as relações com Portugal em detrimento das

relações com as colônias portuguesas, a posições brasileiras em relação ao processo de

50 Resolução 3379 da Assembléia Geral das Nações Unidas, 10 de novembro de 1975. (http://www.un.org).

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emancipação dessas colônias eram sempre favoráveis à manutenção dessas ligadas a

Portugal.

A política externa brasileira, até 1974, postava-se, assim, favorável à descolonização,

abrindo, entretanto, exceção ao caso das colônias portuguesas. Com a queda do sistema

ditatorial em Portugal, e o início do processo de emancipação das colônias portuguesas,

Angola era o país mais importante, uma vez que reconhecidamente possuía petróleo e o

estabelecimento de relações comerciais entre o Brasil e Angola era de extrema relevância

para o Brasil, como presente nas palavras de Geisel ao falar da política externa praticada

para a África em sua gestão:

Em primeiro lugar, tratava-se de uma fronteira marítima nossa [...] Reconhecemos todos os países da costa oeste e , na costa leste, Moçambique. E o importante é que em Angola há petróleo! (apud D´ARAUJO, 1997, p.345)

A política externa, entretanto, se depararia com uma situação inusitada. Dentre os

grupos que disputavam o poder do novo país, o vitorioso foi o Movimento para a

Libertação de Angola (MPLA), grupo político declaradamente favorável á implantação de

um governo de direção comunista.

O reconhecimento imediato da independência de Angola regida pelo MPLA, pelo

governo brasileiro, demonstra a operacionalidade dessa nova política externa desvinculada

de amarras ideológicas e focada no atendimento das demandas por recursos energéticos

nacionais.

Dever-se-ia prover laços permanentes e profundos entre Brasil e Angola para se

obter os benefícios de forma mais imediata. Assim, como afirma Souto Maior, (2006,

p.446),

No empenho de recuperar o terreno perdido no passado e de assegurar-se uma presença política e econômica no novo país, o Brasil, ainda durante a transição de uma autoridade portuguesa para uma angolana, estabeleceu uma representação política especial em Luanda, que se transformaria, logo depois de formalizada a independência, na nossa Embaixada em Angola.

A busca de maior presença no mercado energético africano não se resumiu à

atuação estatal para Angola. Em outros países produtores de petróleo, como, por exemplo, a

Nigéria, o aprofundamento das relações deu-se tanto presença brasileira em eventos

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internacionais realizados naquele país51 quanto por concessões de âmbito econômico como

apresentada no telegrama da embaixada brasileira sediada em Lagos em 20 de janeiro de

197752.

A política africanista para o resto do continente, não ficaria voltada somente para os

países detentores de petróleo. Os países também eram vistos como mercados e, dessa forma,

provedores de divisas para o reequilíbrio do balanço de pagamentos pátrio. Assim, a

política africanista passou a uma ênfase comercial, para além dos contatos culturais.

Objetivava-se uma aproximação com possibilidade de lucros, dessa forma, como informa

Souto Maior (2006, p.446): “Houve um esforço palpável de dar alcance prático a tal

acercamento, com a abertura de Embaixadas e agências bancárias, o fomento do comércio e

os esforços de cooperação técnica”.

Cabe ressaltar, ainda, que, essa política externa voltada à prospecção de petróleo

para o Brasil criou espaços para a transnacionalização das empresas privadas do setor de

prestação de serviços de engenharia, ainda que esse não fosse o objetivo direto da política

externa brasileira para aquele período.

O bom relacionamento entre os governos brasileiros e angolano, desenvolvido

desde o reconhecimento da independência de Angola em 1975, colaborou para que, em

1984, a Norberto Odebrecht pudesse participar na concorrência da construção da usina

hidrelétrica de Capanga e vencer.

Nos contratos para construção do complexo hidrelétrico de Capanga em Angola, por

exemplo, verifica-se a utilização das empresas privadas prestadora de serviço de engenharia

de construção como mecanismo complementar da política energética nacional. Nesses

contratos, o governo atuou diretamente em busca de moldá-lo ao estilo countertrade53.

Nesse caso, como ressalta Veiga (1997, p.26), a construtora Norberto Odebrecht recebeu o

valor do contrato em moeda nacional, pago pelo governo brasileiro, e, como contrapartida,

seria fornecido petróleo por aquele país africano à Petrobrás.

51 Houve, segundo Garcia (2000, 160), ativa participação brasileira na Feira Internacional de Lagos em 14 de dezembro de 1977, refletindo a importante parceria comercial com a Nigéria, grande exportadora de petróleo. 52 O embaixador brasileiro da embaixada em Lagos informava que caberia ao Brasil manter boas relações com o governo nigeriano, comprando, inclusive, seu petróleo a um custo mais alto do que o existem no mercado árabe para manter as boas relações comerciais que à época já somavam duzentos milhões de dólares. Dossiê de Política internacional do petróleo. 53 Contratos countertrade – contratos em que fica acordado a troca direta de serviços de construção por produtos estrangeiros.

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A assunção de posturas mais assertiva em temas complicados como a segregação

racial e a descolonização das colônias portuguesas geram bons frutos para a abertura do

mercado para as empresas brasileiras. Tanto que, como enfatiza Santana (2003, p.118), no

decorrer da segunda metade dos anos 1970, progressivamente, ganham destaque as

operações de venda de tecnologia e de serviços, em particular, na área de engenharia civil,

projetos ferroviários, usinas de açúcar e álcool, como também engenharia de detalhes de

unidades industriais para vários países africanos.

Apesar dessa política externa com ênfase a promover boas e profundas relações com

o continente africano na década de 1970, os incentivos à exportação, assim como

financiamentos, não foram suficientes para que seja possível conceber a presença do Estado

brasileiro como um agente da internacionalização das empreiteiras privadas nacionais.

Como presente na tabela a seguir sobre o financiamento a serviços prestados no

continente africano, percebe-se que, até o ano de 1978, inexistiam financiamentos para

prestação de serviços na África. Essa situação só começa a ser modificada somente no

último ano do governo da presidência da república de Ernesto Geisel.

Brasil: Financiamentos da CACEX à Venda de serviços de engenharia (1976/1982) Países Anos

1976/ 1977 1978 1979 1980 1981 1982 Total Tipo de serviço

Argélia - - - 35.000 - - 35.000 Hidrelétrica El. Izibar

Congo - - - - - 70.000 70.000 Rodovia Etena-Dongol

Costa do Marfim - - 33.000 - - - 33.000 Complexo de

produção de soja - - -

Gana - - - 15.000 - - 15.000 Industria de cerâmica

Mauritânia - - 17.700 - - - 17.700 Rodovia

Mocambique - - 5.500 5.500 - 17.000 28.000 Projeto agroindustrial/ carvão

Fonte: CACEX (1985)

A atuação política do governo brasileiro abriu, de fato, mercados em diversos

países para a atuação de empresas brasileiras do setor de prestação de serviços de

engenharia, mas isso se resumiu a um benefício colateral, em boa parte, decorrente da

política de expansão das empresas públicas no exterior.

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3.2.2 – Diplomacia energética para a Europa

A fim de comprovar a manutenção das relações norte-sul, destaca-se a estratégia

política de Geisel em busca da diversificação de sua matriz energética por meio dos acordos

para implantação de usinas nucleares no Brasil.

O objetivo de dominar o ciclo de produção de energia nuclear não era novo. Desde

1972, se tem noticia do interesse brasileiro em implantar usinas nucleares no Brasil. Nesse

ano, inclusive, houve o fechamento do contrato entre o governo brasileiro e a Westinghouse

Eletric, empresa norte-americana, para a construção de uma usina nuclear em Angra dos

Reis. Essa só foi viabilizada depois de um acordo entre os governos brasileiro e norte-

americano para assegurar o fornecimento de urânio enriquecido.

O sucesso da empreitada do então chanceler Gibson Barbosa veio por água abaixo

com a decisão da Comissão Atômica norte-americana, em 1974, de não assegurar mais o

suprimento das necessidades totais da Usina de Angra. Essa decisão decorria da

necessidade do governo norte-americano assegurar suas demandas energéticas por essa via

alternativa ao petróleo, encarecido naquele ano.

Entretanto, a necessidade dessa energia alternativa se tornava premente naquele ano

de escassez de oferta energética internacional. Assim, frente ao não-abastecimento norte-

americano, a solução adotada pela gestão Geisel/ Azeredo foi buscar acordos com países

desenvolvidos, detentores da tecnologia completa do ciclo de energia nuclear, para

promover a transferência de tecnologia mediante acordos comerciais.

O governo norte-americano não aprovava tal decisão, já que, com a transferência de

tecnologia, o país teria a capacidade de, não só se desligar da dependência da importação de

urânio enriquecido, mas também os meios para produzir uma bomba atômica. Essa

desaprovação era ainda respaldada pela ação soberana nacional de não assinatura do tratado

de não-proliferação nuclear proposto no seio da ONU pelos países detentores de bombas

nucleares em 1968.

A alternativa era a aproximação a outros países desenvolvidos que não se

posicionassem contra a transferência de tecnologia. A autonomia nacional só será

viabilizada com o Acordo Nuclear firmado com a República Federal da Alemanha (RFA),

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em 27 de junho de 1975, já que esse nas palavras de Cervo (2008, 405) “permitia a

transferência e absorção progressiva da tecnologia nuclear”.

Segundo o acordo Brasil-RFA, seriam estabelecidas oito usinas nucleares com

tecnologia alemã, a produção de elementos combustíveis irradiados, a prospecção e

tratamento do urânio, a produção de reatores nucleares, e o reprocessamento de

combustíveis.

O acordo previa a atuação em parceria entre uma estatal brasileira, a Empresas

Nucleares Brasileiras S.A (Nuclebrás) e uma empresa privada alemã a Kraftwek Union,

subsidiária da Siemens. Essa parceria representaria a transferência da tecnologia de uma

indústria de caráter autônomo e o conhecimento do ciclo da energia nuclear ficaria ao

acesso do governo brasileiro por meio de sua estatal.

A aplicação de uma política energética em direta oposição aos interesses norte-

americanos foi viabilizada pela adoção de uma postura pragmática e de ênfase ao interesse

nacional, acima de qualquer subordinação às imposições da política externa norte-

americana. A não subserviência à superpotência ocidental atende ao princípio da contínua

defesa da política de substituição de importações e da diversificação de parceiros nas

importantes relações Norte-Sul, o que é ratificado nas palavras de Geisel (apud

D´ARAUJO, 1997, p.336):

Eu achava que nossa política externa tinha que ser realista, e, tanto quanto possível, independente. Andávamos demasiadamente a reboque dos Estados Unidos. Sei que a política americana nos levava a isso, mas tínhamos que ter um pouco mais de soberania, um pouco mais de independência, e não sermos subservientes em relação aos Estados Unidos. Tínhamos que viver e tratar com os Estados Unidos, tanto quanto possível, de igual para igual, embora eles fossem muito mais fortes, muito mais poderosos do que nós. [...] Nossa política tinha que ser pragmática, mas também responsável. O que fizéssemos tinha que ser feito com a convicção e no interesse do Brasil, sem dubiedades.

Assim, a política externa brasileira, em busca de alternativas energéticas nas

relações Norte-Sul, realça os contatos com a República Federal da Alemanha,

diversificando em alto nível suas parcerias e enfrentando a veemente oposição norte-

americana a essa transferência.

A política energética se dá por meio da atuação direta do Estado e é monopolizada

por esse ao promover os vínculos para transferência de tecnologia por meio das suas

empresas estatais, como foi o caso da criação da Nuclebrás.

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3.2.3 – Diplomacia energética para a América do Sul

Como apresentado anteriormente, no último ano da presidência de Médici houve um

conjunto de acordos no entorno estratégico nacional, o continente sul-americano, para um

atendimento das demandas energéticas.

Cabe, no entanto, algumas ressalvas, nem todos os acordos fechados no ano de 1973,

correspondiam a uma reação direta ao choque do petróleo ocorrido naquele ano. Os acordos

como, por exemplo, a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu foi, em boa parte, uma

solução ao litígio de fronteiras sobre a linha exata da fronteira seca, em direção a oeste, a

partir do Salto Grande das Sete Quedas entre o Brasil e o Paraguai.

A solução foi o que Gibson Barbosa chamou de “litígio Submerso” (BARBOSA,

2002, p.120), ou seja, o alagamento da região de litígio pelas águas do rio Paraná para

promover o aproveitamento do potencial hidrelétrico da região por meio da constituição de

uma empresa binacional para administração da energia produzida em parceria.

Nos demais acordos, como o caso da Bolívia, além das importantes reservas de

matéria-prima energética, conhecidas desde os anos de 1950, quando o Brasil inclusive

promove os Acordos de Roboré para extração exclusiva das reservas petrolíferas bolivianas

por empresas privadas brasileiras, havia um elemento geopolítico envolvido nos acordos.

Conforme ressalta Vizentini (2004, p.157), havia uma disputa geopolítica entre Brasil e

Argentina por maior influência no país platino. Com a derrubada do governo de esquerda

em 1971, com, inclusive, colaboração do governo brasileiro, os laços comerciais se tornam

mais profundos, dando ensejo à declaração conjunta decorrente da visita de Gibson Barbosa

a La Paz em julho de 1973 para a importação brasileira de gás boliviano, sendo, em

setembro do mesmo ano, subscrita a Ata de Cooperação no Campo dos Hidrocarbonetos,

Siderurgia e outros projetos industriais.

Em 1971, Gibson Barbosa visitou também a Colômbia. A aproximação no campo

energético entre Brasil é Colômbia deu-se em 1973, com a visita do chanceler colombiano

ao Brasil. Nesse ano, foi estabelecida uma missão técnica siderúrgica para estudos de

viabilidade para a exploração conjunta das reservas carboníferas colombianas.

Quanto à Venezuela, grande detentora de reservas de petróleo, as relações eram

fracas em decorrência da doutrina de política externa do país amazônico de ser

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formalmente contrário à existência de regimes ditatoriais, o que deu ensejo inclusive ao

rompimento de relações diplomáticas com o Brasil pela Venezuela em 1964, em

decorrência do golpe de Estado promovido pelo militares no Brasil naquele ano.

As relações voltam a avançar em decorrência do aumento dos preços do petróleo

como afirmado por Vizentini (2004, p.160), “O acercamento entre os dois países

intensificou-se, na medida em que, em função da crescente valorização do preço do

petróleo, a Venezuela adquiria maior importância econômico-diplomática no continente”.

A partir da presidência de Ernesto Geisel, a política energética para a América do

Sul ganha especial respaldo em decorrência de se abastecer as crescentes demandas

nacionais.

Em relação à construção da Usina hidrelétrica de Itaipu, acordo assinado em 1973,

os conflitos não só estavam minando as relações entre Brasil e Paraguai, como também

passaram a ser alvo de fricções entre os governos brasileiro e argentino. O governo

argentino questionava os efeitos negativos da construção de Itaipu para o aproveitamento

hidrelétrico da Usina de Corpus, projeto de uma usina hidrelétrica binacional formada em

consórcio entre Paraguai e Argentina.

As fricções entre o Brasil e a Argentina acerca do conflito Itaipu-Corpus iria se

prolongar, como preconizado por Gibson Barbosa ao informar como iam as relações com a

Argentina (BARBOSA, 2002, p.178): “Respondi-lhe que o governo Médici fizera tudo para

isso, mas que a meu ver, o problema atravessaria o governo dele, Geisel”.

A construção da Usina de Itaipu já havia sido resolvida na chancelaria de Gibson

Barbosa, mas o conflito se postou nas ingerências argentinas sobre as negociações de Brasil

e Paraguai sobre as obras de Itaipu. As discussões foram, por exemplo, sobre a escolha da

ciclagem adotada em Itaipu. O governo argentino afirmava que a freqüência da eletricidade

desejada pelo Brasil era de 60 Hz e que a paraguaia era de 50Hz, e que caso a primeira

fosse escolhida haveria um afastamento do mercado paraguaio aos eletrodomésticos da

Argentina.

A diplomacia brasileira sob a chancelaria de Azeredo da Silveira teve de inovar na

construção de acordos para conseguir vencer a oposição argentina e, enfim, viabilizar a

produção energética que abasteceria boa parte do mercado brasileiro.

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Sob a gestão de Geisel, foram desenvolvidas negociações para a construção do

Acordo Tripartite Corpus-Itaipu, que colocaria fim a controvérsia entre Brasil e Argentina,

e que só seria assinado em 1979 já sob a presidência de João Figueiredo.

Com relação à Bolívia, esse país platino foi um dos mais beneficiados em relação às

suas enormes reservas de petróleo e gás. Como afirma Souto Maior (2006, p.447), o projeto

brasileiro era: [...] usar o potencial do Brasil para viabilizar a realização de grandes obras em países como Paraguai e Bolívia, mas também de aproveitar a nossa vulnerabilidade energética para reforçar as ligações com estes países, assegurando-lhes mercado para o produto daquelas obras.

Os acordos com a Bolívia buscavam assegurar a compra do gás boliviano pelo

Brasil e, ao mesmo tempo, promover a criação de um pólo industrial na região de Santa

Cruz, que também encontraria no Brasil mercado assegurado para uma parte da sua

produção.

A importância dos combustíveis é tão evidente que o próprio presidente Ernesto

Geisel que não foi durante toda sua gestão à Argentina, viajou a Chochabamba para firmar

acordos para a venda de gás boliviano ao Brasil, como apresentado em sua fala (apud

D´ARAUJO 1997, p.348): “A Bolívia foi o país que eu visitei no início do meu governo.

Banzer era o presidente. Fui a Cochabamba, onde iniciamos conversações sobre a venda do

gás boliviano para o Brasil.”

Entre os acordos mais importantes entre Brasil e Bolívia, destacam-se, em 1974, no

encontro de Geisel com Hugo Banzer em Cochabamba a assinatura do acordo de

cooperação e complementação industrial e do acordo de cooperação econômica. Em 1978,

também é assinado um acordo que autoriza da YPFB (Yacimentos Petrolíferos Fiscales

Bolivianos) a operar no Brasil (VIZENTINI, 2004, p.230).

A Colômbia interessava particularmente a Geisel, já que havia a possibilidade de

aprofundar os acordos sobre prospecção em parceria de carvão mineral das jazidas

colombianas e estabelecer comércio compensado entre o carvão colombiano e o ferro

brasileiro. As intenções brasileiras foram concretizadas com a vinda do chanceler

colombiano Lévano Aguive a Brasília em junho de 1976 e a assinatura de quatro acordos

que estabeleciam o comércio compensado e a prospecção brasileira no país colombiano.

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No caso venezuelano, uma política de aproximação entre Brasil e esse governo

andino interessava porque, além de possuir reservas de petróleo, esse país era membro da

OPEP.

O Brasil, em aproximação à Venezuela, aprova a iniciativa criada pelo governo

venezuelano -o Sistema Econômico Latino-Americano (SELA)- e, além da troca de visitas

entre os chanceleres dos respectivos países54, há a assinatura de acordo e convênios em

1977.

Por último, cabe, ainda destaque particular à construção do Tratado de Cooperação

Amazônico (TCA), assinado em 3 de julho de 1978, com um duplo objetivo: de forma

explicita, dar uma resposta ao ativismo internacional favorável à internacionalização da

Amazônia e, de forma implícita, como uma parte da política energética de Geisel,

aproximar-se por meio de um acordo multilateral a presença brasileira nesses países da

fronteira-norte do país.

A crise global oriunda da redução da oferta internacional de petróleo faz com que o

governo sob a presidência de Geisel busque na fronteira-norte mais aproximação com os

possíveis novos fornecedores de recursos energéticos: Venezuela (petróleo); Colômbia

(carvão); e Bolívia (gás). Cabe destacar que os três faziam parte do TCA, juntamente com

Brasil, Equador, Guiana, Peru e Suriname.

Como foi visto, acordos foram firmados com cada país em separado, mas esses

poderiam ser rompidos por terem uma mera vinculação de caráter bilateral. Acordos com

formato multilateral, conferindo maior visibilidade ao Brasil nessa região onde a política

externa era pouco explorada, conferem ao país maior lastro de permanência e efetiva

aproximação aos países amazônicos. Como presente nas palavras de Azeredo da Silveira ao

comentar sobre o TCA:

Seu principal objetivo é instituir um mecanismo permanente que regularize os contatos entre os governos da região, eliminando o caráter episódico e descontínuo que os tem prejudicado no passado (SILVEIRA, 1977, p.54).

Apesar do acordo possuir um caráter de cooperação política e não econômica, o

TCA estabelece como meta a promoção de acordos para intercâmbio de informações e 54 Em julho de 1975, o chanceler venezuelano Escobar Salom vai à Brasília e Azeredo da Silveira retribui a visita em 1976 (VIZENTINI, 2004, p.232).

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parceria em pesquisas sobre recursos naturais na região amazônica com a finalidade de

avançar o desenvolvimento econômico da região, como disposto no artigo IX do referido

tratado: As Partes Contratantes concordam em estabelecer estreita colaboração nos campos da pesquisa científica e tecnológica, com o objetivo de criar condições mais adequadas à aceleração do desenvolvimento econômico e social da região.

Assim, em complementação aos acordos bilaterais com os países amazônicos

detentores de grandes recursos energéticos, outros acordos como o TCA participaram de

forma indireta para aprofundar as relações do Brasil como Venezuela, Colômbia e Bolívia.

3.2.4 – Diplomacia energética para os países árabes

A política externa brasileira para o Oriente Médio, na gestão do governo Geisel, vai

apresentar uma efetiva alteração de sua conduta em relação ao governo anterior. Isso pode

ser associado ao fato de que o Oriente Médio foi o epicentro do choque do petróleo de 1973

e, por isso, as ações de política externa sofreriam uma efetiva alteração para que

conseguissem continuar sendo um eficaz mecanismo em suporte ao alcance dos objetivos

domésticos.

A política externa adotada também terá a característica de colocar o Estado como

agente político focado na busca de matrizes energéticas e outros benefícios como

financiamento o desenvolvimento da economia brasileira dentro das fronteiras. Isso fica

ressaltado na visita de Reis Velloso, Ministro do Planejamento, e Ueki, Ministro de minas e

Energia, em novembro de 1974, à Arábia Saudita e ao Kuwait (D´ARAUJO, 2004,ps.

174/175).

No caso do Oriente Médio, é possível perceber mais claramente a ausência da

atuação governamental para uma política de internacionalização das empresas privadas do

setor de engenharia. Essas seriam utilizadas como meio para a finalidade estatal, a obtenção

de petróleo.

Durante a chancelaria de Gibson Barbosa, a postura do governo brasileiro em

relação ao conflito árabe-israelense era de adoção de uma postura de eqüidistância. Assim,

a aproximação com esses dois grupos opostos deveria ser desenvolvida simultaneamente e

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sem dar ensejos a preferências, como presente nas palavras de Gibson Barbosa (BARBOSA,

2002, p.311):

[...] parecia-me indispensável criar uma aproximação maior como Israel e com o mundo árabe, simultaneamente, sem perder de vista o necessário equilíbrio da posição política do Brasil em relação às duas partes em conflito.

Essa postura justifica ainda o fato de que Gibson Barbosa somente visitou Israel

depois de haver ido primeiramente ao Egito em 1972 para não criar confronto com o

governo do Cairo.

Por outro lado, a política externa, particularmente para o Oriente Médio, não era

monopólio do Itamaraty. Havia durante o período do “Milagre Brasileiro” uma presença

ativa da Petrobrás influenciando diretamente a política externa do governo Médici.

Geisel, que nesse período era o presidente da Petrobrás, impulsionou fortemente a

presença dessa estatal nos países árabes em geral. Sua pressão sobre o setor comercial para

a internacionalização da prestação de serviços da Petrobrás estará sempre presente na pauta

das missões para os países árabes. Isso fica presente, por exemplo, nas palavras de Gibson

Barbosa (2002, p.318) ao visitar o Egito:

Cumpri rigorosamente o programa no Cairo, onde, no plano comercial, os pontos mais importantes acertados foram a participação da Petrobrás na pesquisa e prospecção do petróleo local, além de outros de cooperação técnica.

A influência de Geisel, entretanto, não se resumiu ao caráter meramente comercial,

atuando também politicamente em temas de peso. Tem-se, por exemplo, como destaque o

rompimento do bloqueio comercial imposto pelos Estados Unidos ao Iraque após Saddam

Hussein haver nacionalizado as refinarias de petróleo em seu país. Essa atitude pioneira de

rompimento do bloqueio comercial foi de autoria da presidência da Petrobrás em 1972.

A política externa empreendida por Ernesto Geisel a frente da presidência da

Petrobrás pode ser identificada pela criação da Petrobrás Internacional S.A.(Braspetro)

responsável por exercer atividades no exterior. A expressiva atuação da Petrobrás no

exterior nesse período, por meio da Braspetro, se justifica pela análise do balanço geral da

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conta de lucros e perdas e do relatório de atividades relativos ao exercício de 1972 da

Petrobrás e suas subsidiárias, proferido por Geisel nesse ano:

Na área internacional, a BRASPETRO firmou acordos para pesquisa e produção de petróleo na Colômbia (4 áreas), no Iraque (3 áreas) e em Madagascar. Os investimentos da Braspetro, em 1972, totalizaram US$ 12 milhões.55

Com a guerra de Yon Kippur, em outubro de 1973, a posição da política externa

ainda na chancelaria de Gibson Barbosa começa a se reestruturar. O temor da utilização

política da oferta de petróleo, como ressaltado por Batista (2004, p.73), já estava presente

no último ano do governo Médici, como consta nas informações obtidas pelas duas missões

ao Oriente Médio lideradas pelo Chefe do Departamento Econômico do Ministério das

Relações Exteriores, Paulo Nogueira Batista, em 14 e 26 de novembro de 1973.

Geisel, ao receber a faixa presidencial em 1974, apresentaria novo rumo à política

externa para o Oriente Médio. Se, por um lado, entendia-se fundamental reduzir a

dependência em relação ao consumo de energia oriunda do exterior, por outro lado, sabia-

se que não seria possível reduzir essa dependência no curto prazo e, por isso, seria

necessário se aproximar dos países produtores de petróleo para manter constantes os

suprimentos energéticos.

Politicamente, o enquadramento externo do Brasil frente às contendas entre árabes e

judeus viabilizou ao governo auferir mais benefícios dos países membros da OPEP que

países centrais como os Estados Unidos.

Inicialmente, a diplomacia brasileira, principalmente após o governo Costa e Silva,

havia adotado uma diplomacia de não-alinhamento automático às posições dos Estados

Unidos, o que foi seguido tanto na chancelaria de Gibson Barbosa e, posteriormente, com o

pragmatismo responsável instaurado por Azeredo da Silveira. Esse legado de não-

alinhamento ao membro hegemônico da esfera ocidental conferiu ao país a capacidade de

desvincular sua imagem à dos Estados Unidos e, conseqüentemente, auferir maiores

benefícios dos países árabes frente à reduzida oferta de petróleo no mercado internacional.

Isso fica demonstrado, por exemplo, nas negociações bilaterais para o

abastecimento brasileiro pelo governo saudita em 1979, em que o governo brasileiro

55 Discurso de posse do novo presidente da Petrobrás. Pasta Geisel antes da presidência.

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consegue o apoio político do governo saudita para aumentar as remessas de petróleo ao

Brasil, como descrito no telegrama da embaixada brasileira em Jeddah:

[...] louvando-me nos dados que a Petrobrás me transmitira na véspera, o perfil da situação do abastecimento brasileiro, acentuando o fato de que nossos estoques garantiriam o atendimento normal da demanda apenas até fins de março e indicando as dificuldades que temos encontrado para obter suprimentos adicionais de outras fontes [...] o governo saudita se comprometeu a falar com as multinacionais para que pelo menos em parte aumentassem a venda de petróleo para o Brasil.56

A imagem do Brasil é também beneficiada pelas atitudes soberanas tomadas pela

diplomacia paralela de Geisel a frente da presidência da Petrobrás. Devido à quebra do

bloqueio internacional encabeçado pelos Estados Unidos quando o governo iraquiano havia

nacionalizado as petroleiras internacionais em seu território, o governo brasileiro teve entre

outros benefícios, inclusive, acesso a petróleo mais barato que o cotado internacionalmente,

como se identifica no relatório da missão especial chefiada por Paulo Nogueira Batista:

Na INOC, as conversações versavam sobre preços e Diretor Comercial indicou que, tendo recebido ofertas de até 12 dólares o barril, via-se em posição delicada para aceitar menos de 10 dólares da Petrobrás. Por outro lado, a INOC desejava que a Petrobrás se obrigasse também na questão dos fornecimentos de outros produtos brasileiros [...] o diretor Ueki obteve finalmente um preço de US 8.5 para 120 mil barris por dia a partir de janeiro.57

Essa imagem internacional positiva do Brasil frente ao conflito árabe-judaico,

juntamente com a nova política implantada por alguns países do Oriente Médio, beneficiou

também as empresas privadas brasileiras com a abertura de oportunidades no mercado do

Oriente Médio.

Alguns membros da OPEP, em decorrência do aumento de divisas, fruto do

aumento dos preços do petróleo, passaram a observar, nesse novo contexto, uma

possibilidade singular de reduzirem sua total dependência ao petróleo mediante a

diversificação de seus mercados. Nesse ambiente, o Brasil poderia ser um parceiro para a

promoção de infra-estrutura e para a transferência de tecnologia. Isso é demonstrado no

relatório do Itamaraty sobre o Iraque de setembro de 1975,

56 Telegrama da embaixada brasileira de Jeddah em 22 de janeiro de 1979. 57 Relatório da Missão especial chefiada por Paulo Nogueira Batista, Missão ao Oriente – em 8 de janeiro de 1974.

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As aplicações dos países produtores de petróleo em ações seguem dois comportamentos bem diferenciados. O primeiro é o grupo constituído por países populosos e de maiores dimensões territoriais, como Irã, o Iraque, a Arábia Saudita e a Venezuela, que visam alcançar uma posição internacional de destaque, no futuro, quando suas reservas estiverem extintas (DPC/IPEA 1975, p.25).

....como também na Missão ao Oriente, chefiada pelo Paulo Nogueira Batista em

1974: Em realidade, o Ministro Hamadi suscitou apenas novo ponto. Referindo-se às imperativas necessidades iraquianas de receber tecnologia e cooperação técnica estrangeira, esta autoridade afirmou que estava mandando preparar um projeto de acordo bilateral que cobrisse esse campo.58

Havia, assim, o encontro da política externa brasileira interessada em manter suas

demandas por petróleo e alguns membros da OPEP no Oriente Médio interessados em

adquirir novos produtos e transferência de tecnologia.

A imagem positiva brasileira, entretanto, não poderia se valer somente do seu

legado de política externa. Os países árabes demandariam uma postura pró-ativa da

chancelaria de Azeredo da Silveira, um posicionamento mais favorável aos interesses

árabes. O peso da pressão árabe já é constatado desde o início da guerra do Yon Kippur,

como vista em relatórios dos diplomatas brasileiros sobre as demandas dos governos

árabes:

[...] o intérprete havia cometido grave erro de tradução omitindo menção feita por aquela personalidade (chefe do departamento Econômico do Ministério do Exterior do Iraque) à posição do Brasil sobre o conflito do Oriente Médio. Dizendo expressar-se a titulo pessoal, o Chefe disse que o Iraque esperava do Brasil um gesto político e exemplificou com a declaração feita pelos Ministros do Exterior dos Nove Países da CEE.59

A necessidade de uma postura afirmativa por parte da chancelaria brasileira em

favor dos árabes no conflito árabe-judaico ocorre quando esse conflito é levado ao âmbito

multilateral no pós-I choque do petróleo.

58 Relatório da Missão especial chefiada por Paulo Nogueira Batista, Missão ao Oriente – em 8 de janeiro de 1974. 59 Relatório da Missão especial chefiada por Paulo Nogueira Batista, Missão ao Oriente – em 8 de janeiro de 1974.

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Na XXIX Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, no ano de 1974, os

povos árabes colocaram em pauta o reconhecimento da Organização para Libertação da

Palestina (OLP) como legítimo representante dos palestinos, tendo essa organização o

direito de ser convidada a participar das reuniões da Assembléia Geral e do Conselho de

Segurança das Nações Unidas, sem direito a voto.

Ainda nessa conferência, um maior protagonismo da diplomacia brasileira se

verificou quando, o próprio chanceler brasileiro, Antônio Azeredo da Silveira discursou,

marcando a posição nacional em relação ao cumprimento do disposto na resolução 24260,

enfatizando ser necessário a desocupação dos territórios palestinos pelo governo de Israel.

Frente a essa primeira medida assertiva dos povos árabes, a chancelaria votou

favoravelmente à demanda árabe, pois esse tema era de relativo consenso internacional e

em consonância com os objetivos do direito internacional de representação dos povos e

promoção da paz. Todavia, a proposta do ano seguinte junto à Assembléia Geral seria um

tanto mais complexa para a chancelaria brasileira.

Em 1975, na XXX Assembléia Geral das Nações Unidas, os povos árabes

demandam que fosse votada uma resolução em que se inclua o sionismo61 como forma de

racismo. A delegação brasileira na ONU chefiada pelo diplomata Sérgio Corrêa da Costa,

recebendo informações da chancelaria, votou afirmativamente à resolução da Assembléia

Geral das Nações Unidas cujo texto afirmava:

o regime racista de ocupação da Palestina e os regimes racistas no Zimbábue e na África do Sul têm uma origem imperialista comum [...] possuindo a mesma estrutura racista e sendo organicamente vinculados em sua política voltada para a repressão da dignidade e da integridade do ser humano.62

Com 72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções, o voto afirmativo do Brasil dado

pelo Chefe da Delegação do Brasil nas Nações Unidas colaborava com a declaração que 60 A resolução nº 242 da ONU de 22 de novembro de 1967, em busca de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio e enfatizando a inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra, prevê, entre outros dispositivos, a evacuação das tropas israelenses dos territórios ocupados na III guerra árabe-judaica ocorrida em 1967 (ROSA, 2000, 439). 61 O termo sionismo deve ser entendido como o movimento de libertação nacional do povo judeu, que almeja libertar os judeus do domínio hostil e restabelecer a unidade do povo judeu. A solução nacional do sionismo seria o estabelecimento de um Estado judeu com uma maioria judaica na pátria histórica, concretizando assim o direito do povo judeu á autodeterminação (BATISTA, 2004, p.128). 62 Resolução 3379 da Assembléia Geral das Nações Unidas, votado em 10 de novembro de 1975. ( http://www.un.org )

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transformava o sionismo em uma forma de racismo e de discriminação racial, o que era

extremamente agradável aos países do Oriente Médio e se enquadrava à nova política de

aproximação com os países árabes assumida pelo governo brasileiro.

O voto brasileiro, deve-se ressaltar, foi pragmático. Em um contexto em que o apoio

a Israel não produziria efeitos positivos a sua política econômica e, além disso, sob pressão

dos países árabes, um voto contrário à consideração do sionismo como racismo poderia

afetar radicalmente as remessas de petróleo para o Brasil.

A aproximação com os países árabes passa a ser intensa desde então. Há uma

mobilização da diplomacia brasileira com a abertura de embaixadas e o estabelecimento de

relações diplomáticas com diversos países do Oriente Médio. Como exemplo, pode-se

demonstrar, segundo apresentado por Vizentini (2004, p.249), a instalação da embaixada

brasileira nos Emirados Árabes Unidos e em Bahrein em junho de 1974, o estabelecimento

de relações diplomáticas com o Sultanato de Oman no mesmo ano.

Além disso, inicia-se intensa troca de visitas e processos de cooperação. Em 1974 e

1975, visitam o Brasil, respectivamente nessas datas, o ministro de Negócios Estrangeiros

da Arábia Saudita e o ministro dos Negócios Estrangeiros do Kuwait. As duas visitas são

retribuídas com a visita do ministro do planejamento, ministro Reis Velloso e o ministro de

Minas e Energia, Shigeaki Ueki.

O resultado desses contatos e de outros foram a criação de acordos de cooperação

Econômica e Técnica com o Kuwait e a Comissão Mista para Cooperação Econômica e

Técnica Brasil-Irã, o acordo de Transporte Aéreo com a Jordânia.

A política externa de abertura de mercados forjou-se a sua característica estatizante

ao estabelecer em 1976 um braço da subsidiária de sua principal empresa estatal no exterior,

o escritório central da Petrobrás Comércio Internacional (Interbrás) para o Oriente Médio.

Esse escritório tinha por objetivo dinamizar o comércio entre o Brasil e o Oriente Médio

por meio do apoio estatal.

O ativismo da política energética para o Oriente Médio em seu caráter estatal é

muito expressivo. Com o governo Geisel, uma mudança estrutural para o processo de

internacionalização das empresas de serviços estatais, como a Braspetro, foi perceptível

com a aceitação dos contratos de risco. Isso decorria diretamente da redução na oferta

internacional de recursos energéticos, como presente nas palavras de Geisel: “A abertura

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dos contratos de risco, no meu governo, foi uma decorrência da crise que sofremos com a

quadruplicação do preço do petróleo pela OPEP” (apud D´ARAUJO, 1997, p.245).

O projeto estatal de busca de energia será verificado no elevado número de

contratos que essa subsidiária da Petrobrás irá firmar entre 1974 e 1979. A Braspetro

esteve no Iraque por meio dos contratos de risco firmados com a estatal iraquiana

Companhia Nacional de Óleo do Iraque (NIOC), sendo responsável pela descoberta do

poço de petróleo de Majnoon em 1977. Na África árabe, a Braspetro fechou acordos de

prospecção petrolífera com a Argélia no campo de Rãs Tounb. Na Líbia, foram fechados

acordos para atividades exploratórias em 1976 na Bacia de Cirte. No Egito, em maio de

1974, a Braspetro em contrato de risco com a empresa estatal egípcia (EGPC) recebeu o

direito de pesquisa e prospecção no Egito.

Medidas de política externa favoráveis aos povos árabes no plano do conflito árabe-

judaico e o desenvolvimento de uma política de contratos de risco com os países árabes por

meio das estatais brasileiras colaboraram de forma expressiva para que os países árabes

abrissem seus mercados para o Brasil.

As empresas como a Braspetro, empresas de prestação de serviços de engenharia de

petróleo, pesquisa e prospecção, promoviam, como todas as empresas de prestação de

serviços de engenharia um efeito linkage. Isso colaborou para o ingresso de empresas

privadas de engenharia de construção, quando as obras eram relacionadas a serviços de

petróleo que a Braspetro sub-contratava.

Além disso, existia um contexto favorável para que empresas brasileiras do setor de

prestação de serviços de engenharia pudessem atuar no exterior, em particular nos países

membros da OPEP, que possuíam recursos e demandavam cooperação e transferência de

tecnologia, algo que as empresas brasileiras nem o governo não se opunham a fazer, apesar

de que, como visto anteriormente, o governo ser míope ao grande potencial do comercio de

transferência de tecnologia.

Deve-se destacar que o período pós-I choque do petróleo, houve uma propensão a

acordos favoráveis à vinculação das negociações de venda de petróleo à contra-prestação

implementada pela venda de bens e serviços. Essa foi, inclusive, a proposta feita pelo

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governo equatoriano ao Brasil em 197763 e a que estava sendo implementada pelo governo

italiano64.

Há de se ressaltar, entretanto, que atitudes soberanas na política externa brasileira

no passado e na chancelaria de Azeredo da Silveira, não chegavam a constituir um projeto

do governo no sentido de empurrar as empreiteiras privadas para o exterior ou para os

países membros da OPEP. As empreiteiras, quando foram para além de suas fronteiras na

década de 1970, foram muito mais em conta da demanda desses países membros da OPEP

do que de um suficiente apoio governamental.

3.3 A miopia em política externa

Como visto no capítulo anterior, a estrutura interna forjada para viabilizar o

processo de internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia era

incipiente.

Seja pela baixa estrutura administrativa, seja pelo fato de que essas empresas

alcançaram seu nível técnico para o transbordamento das fronteiras na década de 1970, o

governo, ao utilizar a política externa como mecanismo para atingir seus objetivos

presentes na política doméstica, não atentou para esse processo.

Assim, apesar de algumas medidas, na análise ampla da política externa de Geisel,

percebe-se que foi conferida maior ênfase à internacionalização das empresas prestadoras

de serviços estatais do que às empresas privadas pátrias. Na ausência de uma política

externa consolidada para internacionalização privada cabe apresentar em que pontos o

governo colaborou para esse processo e em que medida esse processo se deu de forma

autônoma à ação estatal.

Apesar da ausência de uma política plena e consolidada em favor da

internacionalização privada, ocorreram algumas medidas estatais favoráveis à

internacionalização, no âmbito da política externa.

Em algumas negociações, devido a uma demanda específica do outro país, o

governo brasileiro envolveu-se diretamente nas negociações dos acordos internacionais.

63 Telegrama da embaixada brasileira em Quito em 11 de janeiro de 1977. 64 Telegrama da embaixada brasileira em Roma em 11 de janeiro de 1977.

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Na construção do complexo hidrelétrico de Capanga em Angola, o governo atuou

diretamente em busca de moldá-lo ao estilo countertrade, como anteriormente afirmado.

Com esse contrato, a construtora Norberto Odebrecht recebia o valor do contrato em moeda

nacional, pago pelo governo brasileiro, e, como contrapartida, seria fornecido petróleo por

aquele país africano à Petrobrás.

Com a política de Geisel favorável à internacionalização das empresas públicas,

como foi o caso da prestação de serviços da Petrobrás em diversos países como no Iraque,

na Colômbia e em Madagascar, houve um efeito de abertura de mercado, prática comum

das empresas de prestação de serviços.

Assim, por causa do efeito linkage, alguns empreendimentos das prestadoras de

serviços estatais quando não puxaram outras empresas pelo sistema da subcontratação, pelo

menos criaram um ambiente mais propício para que outras empresas nacionais atuassem

nesses países.

Tem-se como exemplo, no contrato da Mendes Júnior para a construção da ferrovia

Bagdá-Akashat, a cobrança pelo governo iraquiano da participação do governo brasileiro

nesse contrato, o que vai ser solucionado com a assunção pela Petrobrás Internacional S.A.

(Braspetro) de 10% de participação no contrato (MENDES, 2004, p.154).

Além disso, a estrutura governamental, em algumas situações foi o único pilar de

apoio às empresas nacionais no exterior. Isto principalmente ocorreu com a busca de

soluções junto ao Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, criado em 1973.

Como afirma Santana (2003, p.118), a atuação do Departamento de Promoção

Comercial do Itamaraty foi fundamental, particularmente, na África, na assessoria de

empresas brasileiras que no exterior sofriam com práticas indevidas tomadas pelos

governos como – protecionismos, subsídios e reservas de mercado, bem como na busca de

solução para problemas como insuficiência de mecanismos fiscais, de crédito, de seguro e

de câmbio nesses países.

No caso específico da política do chanceler Azeredo da Silveira algumas decisões

políticas colaboraram diretamente para viabilizar a abertura de mercados para a

internacionalização das empreiteiras.

Deve-se lembrar que como o mercado das empreiteiras é oligopsônico e os

comparadores são governo, a manutenção de boas relações entre o governo brasileiro e os

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demais países é um pré-requisito natural para o ingresso das empreiteiras em qualquer

concorrência.

Chanceler do presidente Geisel, Azeredo da Silveira estabeleceu uma política assim

chamada de pragmática e ecumênica. Sob essa perceptiva, algumas decisões abriram

espaços para ora a imediata atuação das empreiteiras privadas nacionais ora para uma

inserção posterior.

Atos da política externa tiveram certa relevância na abertura de novos e importantes

mercados para o Brasil, como foi o caso do Oriente Médio e da África, podendo citar a

presença da empresa Mendes Júnior, vencendo o contrato para a construção da ferrovia

Bagdá-Akashat e da Rabelo com a construção da Universidade de Constantine na Argélia.

A internacionalização pioneira das empresas privadas, apesar da abertura de

mercados pelo governo e pelo efeito linkage de suas estatais, deu-se, sob um viés mais

autônomo, já que o Estado não esteve presente em todo o processo de internacionalização.

No final da década de 1970, os empresários do setor de prestação de serviços,

preocupados com os sucessivos déficits governamentais, tenderam a ir ao exterior como um

meio de buscar novos mercados para reduzir os riscos (AMARAL, 2008, 42).

Tabela: Economia brasileira - Síntese de indicadores Macroeconômicos -1974-1980

(médias anuais por período)

Indicadores 1974-1979 1979-1980

Balança comercial - 2.283 - 2.831

Saldo em contas correntes - 6.548 - 11.724

Dívida externa líquida /exportação de bens

2,5 2,9

Fonte: GIAMBIAGI, 2005, p.106.

Pelos indicadores econômicos, havia uma crescente preocupação entre o

empresariado, já que a balança comercial apresentava déficits comerciais em todos os anos

e como os efeitos do choque do petróleo de 1973 não haviam se dissipado tão rapidamente

quanto o governo previa, mais cedo ou mais tarde, o governo haveria de aplicar uma

política de contenção.

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No período em que o governo implementasse a contenção das despesas, todas as

empreiteiras nacionais seriam puxadas para trás pela redução da oferta de obras. Assim, a

internacionalização era uma solução de reduzir o risco e manter o crescimento.

Como afirma Veiga (1997, p.27), a entrada das firmas brasileiras no mercado

internacional ocorreu num momento crítico em que a demanda por serviços de construção

encontrava-se em retração.

Em alguns casos específicos, como no caso da Mendes Júnior, a perspectiva de

redução de riscos havia sido analisada, algum tempo antes, o que viabilizou a

internacionalização pioneira. Nos anos de 1960, a Mendes Júnior levanta a hipótese de

recrutar engenheiros com experiência internacional e buscar uma estratégia de

diversificação de mercados pela internacionalização (MENDES, 2004, p.69).

Outro fator importante para a internacionalização foi a especialização técnica e a

expansão da oferta de prestação de serviços em relação à demanda nacional.

Após o Milagre, a capacidade potencial das empreiteiras nacionais havia

ultrapassado a capacidade de demanda por obras do Estado. A busca por novos mercados

era uma decisão fundamental para as primeiras empresas que haviam chegado nesse nível

de especialização. Caso não se internacionalizassem, haveria uma estagnação no

crescimento das empresas.

Um outro aspecto importante para o processo de internacionalização era a ausência

de oposição nacional.

O processo de promoção de obras no exterior faz com que os nacionais possam

perceber essa diversificação de mercados como uma fuga de empregos. As empresas

passam a construir no exterior, usando empregados do país e não contratando os brasileiros.

Todavia, isso é o que acontece no imaginário nacional. Isso se deve a dois motivos

principais. O primeiro, devido ao grande envio de brasileiros para o exterior e aos

benefícios oferecidos a esses empregados, o que gerou uma propaganda positiva à

internacionalização, principalmente nas obras pioneiras. Segundo foi que, segundo a

concepção nacional, há um entendimento de que a internacionalização representa um

símbolo da expansão da economia nacional.

O caso da construção da ferrovia Bagdá-Akashat é paradigmático. Houve, nessa

obra, devido à distância, a mudança de famílias inteiras para o Iraque. Além disso, a

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internacionalização era vista como uma singular oportunidade para os brasileiros, já que em

tempo de inflação no Brasil o recebimento do salário no exterior ajudava a manter a renda.

Havia, ainda, outros benefícios como afirma Mendes (2004, p.169):

Para muitos, trabalhar na ferrovia foi um bom negócio: não se tinha onde gastar os salários, que eram pagos em dólares. Os pagamentos dos funcionários eram transferidos para as famílias em mais de 700 cidade brasileiras. [...] Lá a alimentação era subvencionada, o lazer era oferecido pela empresa e não se gastava quase nada com combustível ou com escola.

Assim, ir para o exterior surtia mais efeitos positivos que negativos se comparado

com o custo e a qualidade de vida no mesmo período no Brasil. Além disso, o processo não

era tão intenso como ocorreu nos países centrais para que os nacionais sentissem uma

efetiva perda dos empregos com a internacionalização.

Quanto ao simbolismo do processo de transbordamento das empreiteiras privadas

como uma conseqüência natural da expansão da economia brasileira, esse simbolismo está

ligado a fatores históricos de construção do imaginário nacionalista em oposição ao capital

estrangeiro.

Ao longo do processo de industrialização nacional foi se forjando uma histórica

oposição ao capital estrangeiro, principalmente com a vitória da ideologia do nacional -

desenvolvimentismo que imperou desde a década de 1930 até a abertura neoliberal

promovida por Fernando Collor em 1992.

A oposição ao capital estrangeiro é vividamente observada na posição assumida por

Celso Furtado, ao afirmar ser enganosa a concepção de que o desenvolvimento brasileiro

carece de entrada de poupança externa, dizendo: “[...] a entrada de capitais externos

significa a criação de um fluxo permanente de renda de dentro para fora do país” (apud

BIELSCHOWSKY, 2004, p.151).

O processo de industrialização brasileira foi forjado por diversos fatos que

fortaleceram o sentimento nacional à atuação e à presença das empresas de capital

estrangeiro no Brasil. Têm-se, como exemplos, o sistemático boicote de Percival Farkhar às

aspirações mineiras de implantar uma indústria siderúrgica no país e a recusa da U.S. Steel

ao convite de Vargas para a instalação da primeira siderúrgica brasileira

(BIELSCHOWSKY, 2004, p.128).

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Além de atitudes contrárias ao processo de industrialização brasileiro, as empresas

de capital estrangeiro sediadas no país legaram aos nacionais uma péssima impressão

devido às prestações de serviço de sua competência. No governo Vargas, por exemplo, a

Light -uma reunião de empresas canadenses responsável pela manutenção e expansão dos

serviços de energia e transporte- devido a um conflito com o governo sobre o aumento das

tarifas, implementou política de boicote na expansão desses serviços, originando apagões,

em 1942, na capital (LEOPOLDI, 2003, p.262).

Dessa forma, quando as empresas nacionais passam a fazer obras também no

exterior, há uma sensação de que o Brasil chegou a um novo grau de desenvolvimento no

qual passa a competir com as antigas empresas que antes dominavam os mercados

nacionais65. Há um discurso que mistura patriotismo e desenvolvimento no projeto de

internacionalização das empresas brasileiras, como visto no discurso de Mauro Santayana

(MENDES, 2004, p.19):

Grande problema histórico brasileiro tem sido o das relações, que devem ser presididas pelo patriotismo, entre todos os setores da nacionalidade. Um projeto nacional deve ser construído mediante a aliança entre intelectuais, os empreendedores, os trabalhadores e os homens políticos, sob o controle da sociedade, ou seja, da política [...] tenha (minhas análises) como uma contribuição menor ao exame do desempenho de sua empresa (Mendes Júnior), no esforço nacional de desenvolvimento dos últimos cinqüenta anos.

Há, assim, uma construção imagética de que essas empresas são parte de um esforço

nacional de desenvolvimento. Isso colabora para a redução de possíveis críticas a cerca das

conseqüências negativas de um processo de internacionalização.

Todos esses fatores e a ausência de uma política específica para a atuação das

empreiteiras privadas nacionais no exterior faz com que se possa apreender que esse

processo de internacionalização da década de 1970 foi em decorrência uma ação autônoma,

apesar de depender sempre da presença estatal em alguma medida.

3.4 À guisa de conclusão

65 Essa percepção sobre a realidade do imaginário coletivo foi por mim depreendida após vasta leitura sobre a temática e está relacionada à subjetividade dos nacionais frente ao evento da transnacionalização das prestadoras de serviço. Para esse tema em particular caberia uma análise mais detalhada mas preferi apresentá-lo para levantar futuras discussões acerca dele.

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Ao longo do governo Geisel não se pode perceber uma política direcionada à

internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia.

Com o Primeiro Choque do Petróleo em 1973, houve uma reestruturação da política

externa e no âmbito da internacionalização de serviços foi criada uma política para as

empresas estatais, em especial para a prospecção e pesquisa de petróleo, o que justifica a

aceitação de contratos de risco e a expansão da Braspetro pelos países árabes.

As decisões soberanas em política externa, por vezes, tiveram um efeito colateral de

abertura e de manutenção dos mercados, para a internacionalização privada como foi no

caso da política africanista e as medidas para o Oriente Médio.

No geral, percebe-se que os objetivos do ente público eram no sentido de estruturar

uma sistemática para a solução imediata dos problemas domésticos como a inflação dos

preços e como o aumento dos preços do petróleo, em função de alcançar os objetivos

vigentes no II PND.

Frente à negativa de uma política focada na internacionalização das empresas

privadas do setor de engenharia, a explicação mais lógica seria que esse processo ocorreu

de forma autônoma, entretanto, essa autonomia política foi estruturada nos limites possíveis

do contexto internacional e da presença estatal, já que o mercado em que essas empresas se

inserem é comandado por uma permanente linha política.

A fim de analisar melhor essa relação entre o ente público e o setor privado de

engenharia de construção no exterior, vai ser apresentado no próximo capítulo como se

procedeu a vitória da empresa Mendes Júnior para a construção da ferrovia Bagdá-Akashat

em 1978.

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CAPÍTULO 4

Estudo de caso: Atuação da Mendes Júnior no Iraque

No presente capítulo, busca-se analisar, no caso concreto, o relacionamento público-

privado no processo de internacionalização das empresas de prestação de serviços de

engenharia de construção.

Como foi apresentado no primeiro capítulo, o marco inicial do processo de

internacionalização pioneira foi a década de 1970, em particular, a sua segunda metade.

Nesse período, concomitantemente a esse processo, houve uma reorganização da estrutura

de poder internacional em decorrência do choque do petróleo de 1973. Particularmente, o

Brasil, durante o governo de Ernesto Geisel, teve de rever a sua política externa. Com isso,

como apresentado no terceiro capítulo, foi colocada na pauta do dia a busca intensiva por

petróleo. Medida que deu ensejo ao aprofundamento do relacionamento do país com os

detentores desse recurso energético caro e escasso, os membros da OPEP.

A par desses elementos, a melhor opção seria escolher um país com que a política

externa brasileira estivesse focada para atender os objetivos de abastecimento da demanda

interna por petróleo e que, ao mesmo tempo, houvesse a atuação de empresas brasileiras do

setor privado de construção atuando.

A escolha foi então pelo Iraque, um país que se tornou importantíssimo na pauta de

importações brasileiras na segunda metade da década de 1970 e que, nesse período, teve a

presença da empreiteira brasileira Mendes Júnior.

Cabe destacar, que, apesar da política externa brasileira da chancelaria de Azeredo

da Silveira, chanceler de Ernesto Geisel de 1974 a 1979, ter aprofundado as relações entre o

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Brasil e o Iraque, a presença da construtora privada brasileira não passou de mais um

instrumento da política exterior pátria para auferir petróleo, o que confirma a tese de que

não existiu uma política brasileira, tanto doméstica quanto internacional, estruturada para a

internacionalização privada do setor de prestação de serviços de engenharia.

O transbordamento para o exterior deu-se, nesse caso particular, apesar de certo

apoio governamental, em sua grande parte pelo processo de especialização da empresa, sua

vocação transnacional e pelos interesses iraquianos de fortalecimento e desenvolvimento no

quadro da geopolítica interna do Oriente Médio.

Para apresentar e fundamentar essa análise, o presente capítulo será dividido em três

partes: as características do Iraque, as relações Brasil-Iraque na década de 1970 e o caso da

construtora Mendes Júnior no Iraque.

Na primeira parte, serão abordadas as principais características do Iraque, sua

importância após o choque do petróleo, sua posição em relação ao seu em torno estratégico

e os planos do governo iraquiano para desenvolvimento na década de 1970.

Na segunda parte, analisa-se o processo de aproximação entre o Brasil e o Iraque na

década de 1970 e a ênfase do governo brasileiro buscar cooperação com esse grande

detentor de recursos energéticos.

Na última parte, objetiva-se demonstrar como a construtora Mendes Júnior cresceu

e se desenvolveu internamente e criou as bases para sua internacionalização. E, além disso,

que a atuação dessa empresa no Iraque foi mais resultado de um movimento autônomo do

que de uma política estruturada do governo para a atuação dessa empresa no Iraque.

4.1 Iraque

Há milhares de anos, a Mesopotâmia foi o berço da civilização. Sua importância

estratégica estava relacionada ao fato de ser uma rota terrestre obrigatória entre a Europa e

Ásia. Além disso, a região se postava como um oásis em meio a imensas áreas desérticas.

Banhada pelos rios Tigres e Eufrates, essa região que atualmente é demarcada em parte

pelas fronteiras nacionais do Iraque, apresentou sempre grande potencial agrícola devido às

terras férteis e agricultáveis nas bordas dos cursos de seus rios e afluentes.

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Essa potencialidade agrícola em uma região caracterizada pela aridez atraiu sempre

o interesse de diversos povos e sempre esteve nos cálculos geopolíticos dos povos do

Oriente Médio. Tem-se como exemplo dessa percepção geopolítica ainda no período do

império islâmico, quando sob o poder de Abu´l Abbas (749-54) substituíram a capital do

califado de Damasco para Bagdá. Sucessor de Abu´l Abbas, Al- Masur (754-75) fornece

em seu discurso os elementos geopolíticos da época para a instalação da capital do império

islâmico em Bagdá: “Tudo pode chegar até aqui pelo Eufrates, o Tigre e uma rede de canais.

Só um lugar como este sustentará o exército e a população geral” (HOURANI, 1994, p.51)

Em decorrência de sua importância geopolítica, a região após capital do império

islâmico foi objeto de ocupação persa, turca66. No século XVI, o Império Otomano iniciou

sua expansão sobre o Oriente Médio para expandir seus domínios, Bagdá, em particular,

será conquistada pelos otomanos em 1534.

Com a queda do Império Otomano, essa região ficou a mercê do mandato britânico

após a I Guerra Mundial, em decorrência da divisão do Crescente Fértil entre a Inglaterra e

a França sob o mandato da Liga das Nações, pelo acordo de Sykes-Picot.67

A presença britânica no que hoje é o Iraque já era expressiva desde o começo do

século XX. O imperialismo que impulsionara os países europeus à partilha da África e da

China esteve presente, também, no seio do enfraquecido Império Otomano. O interesse

britânico sobre o Iraque era resultado da transmigração da geopolítica européia de disputas

por poder em um novo cenário, os antigos territórios do Império Otomano.

A Grã-Bretanha, por exemplo, apoiara na Síria, sob mandato francês, uma

fracassada revolta comanda por Faysal, que seria tornado rei do Iraque entre 1921 e 1933 e

o responsável pela proclamação da independência do território sob supervisão britânica,

corporificada no acordo Anglo-Iraquiano68.

Para os britânicos, o Iraque era uma peça fundamental no pós-I Guerra Mundial.

Sua posição ajudava a Grã-Bretanha a manter sua posição como potência mediterrânea e

66 Bagdá, uma das três mais importantes cidades do império islâmico sob o comando dos abácidas, nos séculos XI e XII fora objeto de invasões dos seljúquidas, uma dinastia turca e adepta ao islã sunita que se estabeleceu em Bagdá em 1055 (HOURANI, 1994, p.100). 67 O acordo Sykes-Picot havia sido celebrado antes do fim da I Guerra Mundial, em 1916, mas somente em 1920 a Liga das Nações estabeleceu o mandato britânico sobre o Iraque (FAWCETT, 2005, p.83). 68 Tratado Anglo-Iraquiano, onde o Iraque recebia independência formal em troca de um acordo para coordenar sua política externa com a da Grã- Bretanha e ainda, conceder duas bases aéreas e o uso das comunicações em épocas de necessidade.

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mundial, ao mesmo tempo, que se desenvolviam as rotas aéreas, o Iraque assumia a posição

de rota de aviação juntamente com o Golfo Pérsico.

Como fator econômico o interesse era ainda limitado, o valor principal do Iraque era

a extração de petróleo. Em 1929, o Iraque fornecia metade do petróleo que a França

consumia.

A Grã-Bretanha pôde, de 1918 a 1939, expandir seu controle sobre o comércio e a

produção da região sem grandes preocupações, apesar da influência da Itália, no final da

década de 30, que instigava os movimentos árabes contra o domínio inglês.

A maior parte dos investimentos de capitais do governo iraquiano foi direcionada

para a agricultura e a mineração. Pouco se investiu na indústria, com exceção da indústria

petrolífera. Em 1934, o petróleo passou a ser extraído em larga escala no Iraque, sendo

exportado através de um oleoduto que chegava à costa mediterrânea em Trípoli, no Líbano

e Haifa, na Palestina.

A presença dos capitais britânicos, também, foi relevante no Iraque, no início do

século XX. A expressão da força inglesa no Iraque ficou mais fortemente expressa com a

intervenção econômica através de suas empresas de exploração como a East India

Company, seguida, posteriormente, pela Baghdad Railway Company e a Turkish Petroleum

Company que possuía o monopólio da extração de petróleo no Iraque.

No âmbito da construção da identidade nacional iraquiana, essa passou por fases. A

primeira e mais genérica era a própria oposição que ia se construindo dentro do Império

Otomano, no desenvolvimento do nacionalismo árabe. Essa identidade cultural de ênfase ao

passado comum dos povos árabes viabiliza, por exemplo, no pós-II Guerra Mundial, a

formação da Liga Árabe69 e sua atuação como voz comum dos árabes em posteriores

confrontos com os judeus.

Posteriormente, o nacionalismo árabe se segmenta por regiões em oposição à

presença estrangeira. Assim, surgem os nacionalismos sírio, egípcio e iraquiano em

oposição à presença britânica no território nacional.

69 A Liga Árabe surgiu no imediato pós- II Guerra Mundial em decorrência das duas conferências realizadas em Alexandria em 1944 e no Cairo em 1945. Síria e Iraque, seus principais defensores, ressaltavam a necessidade de restabelecer a unidade dos povos árabes existente ao período do Império Otomano. Fizeram parte inicialmente da Liga Árabe, o Egito, Síria, Líbano, Transjordânia, Iraque, Arábia Saudita e Iêmen, juntamente com representantes palestinos.

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Essa segunda espécie de identidade foi abastecida por um contexto internacional

favorável. A idéia da autodeterminação de entidades nacionais fora estimulada pela

declaração dos Quatorze pontos feitas por Woodrow Wilson, presidente dos Estados

Unidos, diante da discussão da nova ordem mundial após a Primeira Grande Guerra.

Além disso, os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial haviam despertado

uma mudança do aspecto político. Muitos povos haviam lutado junto com suas metrópoles;

essa defesa do território deu ensejo a movimentos nacionalistas em várias partes do globo.

A construção de identidade no atual território iraquiano, entretanto, não foi

homogênea. Por ter sido capital de vários povos, o Iraque constituía uma pluralidade étnica

e cultura expressiva. Entre as várias identidades marginalizadas dentro do território

iraquiano existe, por exemplo, os curdos.

Os curdos são descendentes de tribos de pastores que se fixaram nas regiões

montanhosas da Ásia ocidental. Os curdos ali permaneceram por milhares de anos,

absorvendo influências da religião islâmica, mas sempre mantendo seu idioma e costumes

próprios. Até o final da Primeira Guerra Mundial, eles estiveram sob o domínio do Império

Otomano. Com a degradação do império, as potências vencedoras repartiram as terras

curdas entre os diversos países componentes da península arábica.

Os curdos são quase 25 milhões no total, estando distribuídos na Turquia (12

milhões), Irã (6 milhões), Iraque (4 milhões), Síria (800 mil) e Armênia (56 mil)

(MAGNOLI, 1996, p.77).

No Iraque, sempre houve uma forte oposição entre os árabes e os curdos. Ali,

existiam as mais importantes províncias curdas, e estas se beneficiam da extração do

petróleo no norte-nordeste do país. Os curdos nunca aceitaram o controle estreito das

burocracias urbanas.

Com a Segunda Guerra Mundial, os iraquianos tiveram de fato a capacidade de

proclamar uma real independência da hegemonia britânica. A Grã-Bretanha, que no século

XIX era uma superpotência, em 1945, postava-se como um país economicamente

dependente do apoio dos Estados Unidos.

Sob a nova ordem mundial gestada pela bipolaridade entre Estados Unidos e União

Soviética, a Grã-Bretanha não possui mais força para impor tratados que lhes sejam

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favoráveis. Isso é observado na tentativa frustrada de renegociação, em 1948, do Tratado

Anglo-Iraquiano de 1930.

Um sistema continuado de oposição à hegemonia inglesa é confeccionado ainda

durante a Segunda Guerra Mundial.

Entre 1939 e 1943, houve uma forte propaganda germano-italiana sobre o Oriente

Médio em favor do alinhamento desses países ao Eixo. O resultado foi o desenvolvimento

de um grupo dentro do Iraque interessado no fim da hegemonia britânica mediante a

vinculação ao Eixo. Isso resultou, em abril de 1941, no golpe de estado dado pelo político

iraquiano Rashid Ali al-Gaylani, que estabeleceu um regime pró-Eixo, posteriormente

derrubado pelas tropas britânicas (LEWIS,1996,p.308).

Outro exemplo da contestação à hegemonia dos britânicos aparece também no pós-

1945 com o Pacto de Bagdá datado de 1955. Por meio desse faz-se um acordo de defesa

comum e um pacto econômico com a Turquia.

Todavia, a influência não mais só britânica, mas agora do bloco ocidental se faz

crescente pela força dos Estados Unidos. Com isso, o Pacto de Bagdá, é aberto

posteriormente; além de outros países, Estados Unidos e Grã-Bretanha se tornam membros.

Entre as diversas tendências políticas emergentes dentro do Iraque no novo mundo

bipolar, ganha destaque o socialismo árabe em oposição ao modelo capitalista, herança da

influência britânica.

No Iraque, o modelo capitalista representava uma herança do passado de

protetorado inglês. Daí a tendência para uma alternativa estruturada entorno do socialismo

árabe. Essa alternativa será percebida com o surgimento do Partido Ba’th (Partido da

Ressurreição).

Em 1958, a monarquia iraquiana de Nuri al-Said foi derrubada por um golpe militar

liderado pelo general 'Abd al-Karim Qasim, que instalou um regime nacionalista. Muitos

partidos políticos defendiam que a única independência possível seria o não-alinhamento a

nenhuma das duas potências mundiais, idéia já propagada por Nasser. Propunham, por isso,

a ruptura com o Pacto de Bagdá e do alinhamento com o Ocidente.

O novo governo foi instável e enfrentou várias tentativas de golpe, lideradas

principalmente pelo Partido Socialista Árabe Ba’th, que defendia a união de todos os árabes

numa única nação.

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As medidas em oposição à presença estrangeira são veementes. Até 1948, as

companhias multinacionais que exploravam o petróleo iraquiano ficam com 65% das

receitas do petróleo, enquanto o Iraque recebia apenas um royalty fixado pelas próprias

empresas. Em 1961, o governo iraquiano aprova uma lei que limita os direitos das empresas

petrolíferas estrangeiras.

Qasim foi derrubado e fuzilado em 1963, num golpe militar com participação de

uma parte do Partido Ba’th mais inclinado ao nasserismo.

Em 1968, o Ba’th se torna um partido único, deixando para trás as coalizões

instáveis entre oficiais e civis. Assim, o Ba´th chega efetivamente ao poder. Nesse período

já surge na política Saddam Hussein como homem forte no Iraque.

Saddam Hussein, partidário das idéias nasseristas e membro do Partido Ba´th, é

nomeado vice-presidente em 1968 quando o Ba´th efetivamente detém o poder nacional.

Apesar de não ser o detentor da cadeira presidencial, Saddam será uma das pessoas mais

influentes no Iraque até assumir a cadeira presidencial em 1979.

Algumas medidas de peso implementadas por esse político seria a nacionalização do

petróleo em 1972, em clara oposição aos interesses das empresas multinacionais que

operavam no país. Deve-se destacar, ainda, a mão forte desse político ao reprimir

duramente uma rebelião da minoria curda no norte do país, deixando milhares de mortos

entre 1974 e 1975.

No plano econômico, vale destacar que desde a instalação do Ba´th no poder,

mesmo que de forma compartilhada com entidades civis e oficiais, havia um projeto de

diversificação econômica parte voltada também à redução da dependência estrangeira. Isso

é apresentado num relatório sobre o Iraque preparado pelo Itamaraty em cooperação com o

IPEA em 1975:

O Iraque acha-se orientado fundamentalmente para a planificação, desde 1965, através de planos qüinqüenais que visam a uma transformação da economia do País, de modo a libertá-la da estreita dependência em relação ao petróleo. As receitas provenientes do petróleo são, em parte, aplicadas em investimentos internos e, como o seu nível é bastante superior à capacidade de absorção interna, os saldos dos gastos com importação e serviços têm sido aplicados, a curto prazo, no mercado de eurodólares, a fim de proteger o valor das reservas, a serem eventualmente aplicadas em época posterior (1975, p.1).

Essa política econômica se estende, inclusive, ao período em que o Ba´th assume

permanentemente o poder no Iraque como partido único em 1968. Ao lançar o 2º plano

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qüinqüenal (1970 a 1975), o projeto iraquiano é direcionar os expressivos resultados do

aumento do valor do petróleo o transformá-lo em maior capacitação da economia nacional,

como bem referendado no mesmo relatório do Itamaraty:

No 2º plano qüinqüenal 1970/71- 1974/75, 87% dos investimentos foram financiados com receitas provenientes do petróleo. Com o drástico aumento dos preços do petróleo, em janeiro de 1974, a receita de exportação petroleira teve, nesse ano, um aumento de 235% em relação ao ano anterior; US$ 7,7 milhões, em 1974, contra US$ 2,3 milhões, em 1973. Esse fato permitiu ao governo iraquiano ampliar consideravelmente seu programa de investimentos, elevando, em conseqüência, o nível de importações do país, especialmente no setor de bens de capitais (1975, p.1).

A dependência iraquiana por petróleo era realmente grande. O segundo principal

produto de sua economia era, em 1973, a agricultura, respondendo por 18% do total do

Produto Interno Bruto (DPC/IPEA 1975, p.6).

Todavia, a agricultura é de grande importância geopolítica para essa região.

Somente o Iraque e o Sudão possuem grande potencial agrícola no mundo árabe. Isso

justificava a ênfase do governo em aplicar US$ 10 bilhões do seu orçamento apresentado

pelo 3º plano qüinqüenal de 1975-1980, já que a produção agrícola iraquiana era

insuficiente para atender a demanda interna em 1975. O objetivo do governo iraquiano na

segunda metade da década de 1970 era transformar até a década seguinte o país em auto-

sustentável.

Além dos objetivos explicitados no terceiro plano qüinqüenal, cabe lembrar que,

depois das exportações de petróleo, o segundo produto na pauta de exportação era de

caráter agropecuário, sendo a maior parte dirigida para os próprios países árabes, que

absorviam 57% dessas exportações70.

O resultado dessa busca de hegemonia regional, por meio da exportação de

alimentos, é vista nas cifras direcionadas ao desenvolvimento do setor agrícola no plano de

desenvolvimento de 1975 a 1980.

Pelos dados fornecidos pelo relatório do Itamaraty, além dos 10 bilhões de dólares,

seriam construídas 96 estações experimentais para a pesquisa agropecuária, 6 laboratórios

para estudo do solo, 785 novas cooperativas agrícolas e haveria o treinamento de 5.000

técnicos71.

70 FMI Iraq-Recent Economic Developments. Doc. SM/74/183, de 23/07/74, p.7 71 DPC/IPEA 1975, p. 8

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Cabe ressaltar que no do terceiro plano qüinqüenal, apresentado em 1975, a

realidade financeira do Iraque era bem diversa da qual ele vivia ao lançar o segundo plano

qüinqüenal.

O petróleo, em ambos os planos, era a fonte fundamental de recursos para qualquer

política. Entretanto, com o evento do I Choque do Petróleo, os preços internacionais desse

recurso energético se elevaram de forma considerável, beneficiando as contas públicas

iraquianas72.

Esse expressivo aumento das divisas governamentais, que, desde 1972, com a

nacionalização das empresas de petróleo, detinha o monopólio da venda desse produto, fez

com que o governo iraquiano no terceiro plano qüinqüenal buscasse diversificar sua

estrutura econômica para, no plano internacional, reduzir sua dependência das potências

desenvolvidas e para, no plano regional, tornar-se uma potência hegemônica. Conforme

afirmado por Fares (2007, p.48):

Em termos estratégicos, para o Iraque havia um sério dilema entre segurança regional e desenvolvimento econômico doméstico. Essencialmente, o páis, após a década de 70, nunca havia se descuidado dos conceitos de segurança e interesses goepolíticos. No fim, os recursos financeiros obtidos com a venda de petróleo foram utilizados com o intuito de tornar o país politicamente menos vulnerável, ao mesmo tempo criando uma hegemonia regional.

O direcionamento das divisas no terceiro plano qüinqüenal demonstra um interesse

iraquiano em promover um profundo processo de importação de bens de capital e priorizar

o processo de substituição de importações, como o Brasil vinha fazendo desde finais da

década de 1930.

O processo de industrialização iraquiano poderia se processar de forma ainda mais

rápida e coordenada, já que o governo iraquiano estava muito presente no setor produtivo

da economia. Segundo o relatório do Itamaraty de 1975, o governo iraquiano detinha à

época 70% da produção, controlava a maior parte dos estabelecimentos industriais e tinha

ainda uma elevada participação em numerosas empresas do setor privado. Ao mesmo

tempo o governo, a fim de proteger as empresas da concorrência externa, aplicava medidas

protecionistas para conter importações de bens.

72 Somente como referência ao aumento de recursos que o Iraque passou a dispor, tem-se ao fato de que o PIB iraquiano em 1972 teria crescido 2% e em 1973, em torno de 16% a 18%, isso principalmente relacionado ao súbito aumento nos preços do barril de petróleo que ocorreu naquele ano (DPC/IPEA, 1975, p. 2).

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Como previsto no terceiro plano qüinqüenal, dar-se-ia prioridade especial a setores

da indústria pesada como a petroquímica e a indústria de fertilizantes, bem como ênfase à

produção de bens de consumo duráveis.

No plano de abastecimento energético, projetava-se a construção de um sistema

unificado de estações hidrelétricas nas represas de Dokan e Derbendi Khan e a expansão de

uma estação termoelétrica em Najibia.

Apesar das restrições a importações de bens e da presença estatal em cerca de

70% do comércio nacional, a política econômica externa abria espaço para o investimento

direto de capital estrangeiro no país. Como bem ressalta Hourani (1994, p.422), a infitah,

ou abertura para o investimento externo e empresas estrangeiras, decorria da incapacidade

dos governos de promoverem rápido desenvolvimento como prometido. Mas, em muitos

casos, essa empreitada não tinha sucesso. Os capitais, mesmo com a oferta de privilégios

fiscais e garantias não costumavam ir para países com governos instáveis.

Essa situação sofre efetiva alteração, no caso iraquiano, com o I Choque do Petróleo.

Com a redução da oferta internacional desse recurso energético tão importante a

manutenção do desenvolvimento dos países, o governo iraquiano passa a impor acordos

com investimentos pesados por parte dos países desenvolvidos para a concessão de petróleo.

Assim são criados ou renovados acordos entre o Iraque e seus principais

compradores de petróleo com cláusulas impondo concessões de empréstimos e cooperação

tecnológica em setores em que o Iraque possuía carência de recursos73.

O Iraque, dessa forma, depois do I Choque do Petróleo, tornou-se um país com

grande quantidade de recursos, não só oriundos do aumento do preço do barril do petróleo

que exportava, mas também em decorrência de sua imposição para que governos

desenvolvidos investissem diretamente no Iraque para o desenvolvimento do mercado

interno do país.

73 Nos acordos com o Japão em 17 de janeiro de 1974, o Iraque garantiu o fornecimento de petróleo, mas em contrapartida o governo japonês deveria prover empréstimos no valor total de US$ 1 bilhão. No caso da Itália, acordos concluídos em 17 de julho de 1974 informavam que o Iraque garantiria o envio anual de 4 milhões de toneladas de petróleo e a Itália, em contrapartida, além de empréstimos da ordem de US 325 milhões, promoveria a cooperação tecnológica em projetos nos setores agrícola, industrial, de energia hidrelétrica e de comunicações com o governo iraquiano (DPC/IPEA 1975, p.13).

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4.2 Relações Brasil-Iraque

As relações do Brasil com o Oriente Médio em geral pautaram-se principalmente

pelo intercâmbio de petróleo por produtos agrícolas, demanda comum dos povos da

península arábica.

No caso das relações comerciais entre o Brasil e o Iraque a situação não seria

diversa. Por meio da análise das pautas de importação e exportação com esse país árabe,

percebe-se que o Brasil assumia o 5º lugar na pauta dos países fornecedores de bens ao

Iraque, estando atrás da União Soviética, Reino Unido, França e Japão, como apresentado

na tabela abaixo:

Tabela: Iraque: principais países fornecedores em 1973

US$ 1.000- CIF Participação (%) nas importações totais

URSS 79.632 8,8

Reino Unido 78.212 8,6

França 75.918 8,4

Japão 60.934 6,7

Brasil 53.337 5,9

Estados Unidos 50.326 5,6

Checoslováquia 50.014 5,5

Bélgica 38.853 4,3

Rep. Popular da China 36.321 4,0

RFA 36.066 4,0

Itália 29.531 3,3 Fonte: Organização Central de Estatística, Ministério do Planejamento. Annual Abstract of Statistics. Bagdá, 1973. (DPC/IPEA, 1975, p.22) Apesar de postar-se à frente de países como os Estados Unidos e a Itália, a pauta de

exportação de produtos brasileiros para o Iraque era constituída basicamente de produtos

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agrícolas, produtos com baixo valor agregado, o que gerava uma situação de constante

déficit na balança de transações correntes com o Iraque.

Conforme apresentado no relatório do Itamaraty de 1975 (DPC/IPEA, 1975, p.17),

enquanto cerca de 40% dos produtos siderúrgicos importados pelo Iraque eram originários,

sobretudo, da Bélgica e do Reino Unido e mais de 6% de toda a maquinaria em geral era

exportada pelos Estados Unidos, o Brasil era o principal fornecedor mundial de açúcar

(demarara e cristal) ao Iraque, com parcela superior a 46% do total importado por aquele

país.

Apesar de sempre tendentes a superávits para o lado iraquiano em conseqüência do

valor agregado do petróleo ser mais caro que os produtos agropecuários exportados pelo

Brasil, as relações comerciais começaram a se aprofundar mesmo antes do I Choque do

Petróleo. O marco inicial do aprofundamento das relações entre Brasil e Iraque se daria em

1972, em decorrência da diplomacia paralela implementada por Geisel na presidência da

Petrobrás.

Como apresentado no capítulo anterior, Ernesto Geisel foi presidente da Petrobrás

durante o governo Médici. Por meio de sua atuação autônoma frente à presidência da

Petrobrás, Geisel faria o esboço de sua política externa energética quando assumisse a

presidência da república entre 1974 e 1979.

Durante a sua vigência frente à estatal brasileira do petróleo, Geisel criaria

subsidiárias para atuar externamente como a Braspetro, em 1972, e por meio dessa

começou a sua política externa paralela a atuação do Ministério das Relações Exteriores.

Com apresentado em suas palavras, na posse de seu substituto à frente da Petrobrás:

Tive sempre em mente: [...] que os problemas de petróleo não podem ser confinados ao quadro restrito de nosso país, nem ao âmbito da América Latina, de vez que eles têm caráter global; por isso a Petrobrás deve estender sua atuação ao exterior, para adquirir o adequado conhecimento desses problemas e de como enfrentá-los, desenvolver interrelações e maior capacidade competitiva, abrir novas fontes de suprimento e, bem assim, mercados para a colocação de excedente de nosso própria produção;74

A política externa paralela de Geisel à frente da Petrobrás gerou frutos efetivos para

o aprofundamento das relações entre o Brasil e o Iraque.

74 Pasta Geisel antes da Presidência. Acervo CPDOC.

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Em 1972, o vice-presidente e encarregado da política externa iraquiana, Saddam

Hussein, em defesa de uma maior autonomia do país em oposição à presença dos países

desenvolvidos por meio das multinacionais extratoras de petróleo, promoveu a

nacionalização dessas empresas.

O ato soberano do governo iraquiano geraria conseqüentemente um bloqueio

internacional por meio desses países que buscaram enfraquecer o governo iraquiano a fim

de que ele revisasse sua decisão. As principais potências mundiais, principalmente, Estados

Unidos e Grã-Bretanha, foram responsáveis por uma tentativa de impedir que qualquer país

comprasse petróleo do governo iraquiano.

Como ressalta Paulo Tarso Flecha de Lima (1996, p.226), em oposição à

nacionalização:

[...] os seus antigos donos fizeram publicar nos principais jornais do mundo matéria segundo a qual quem comprasse petróleo daquele país estaria comprando mercadoria roubada[...]. Atendendo a pedido nesse sentido, um tribunal do Rio de Janeiro ordenou que a Petrobrás não comprasse do Iraque.

Nesse momento de singular fraqueza do governo iraquiano, o então presidente da

Petrobrás, Ernesto Geisel, resolveu aproveitar o vazio de mercado e a fraqueza iraquiana e

descumpre a decisão do tribunal do Rio de Janeiro passando a ser o primeiro país a romper

o bloqueio das potências desenvolvidas e comprar, por meio da Petrobrás, petróleo

iraquiano.

O resultado dessa medida foi o fortalecimento e o aprofundamento das trocas

comerciais entre os dois países. O Brasil ganhou status como o Iraque de parceiro

econômico (idem, p.226). O Iraque nesse período se tornou relativamente dependente do

Brasil em função da baixa quantidade de consumidores para seu principal produto de

exportação. O resultado, como apresentado na tabela abaixo, foi a expansão da presença do

Brasil no mercado iraquiano:

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Tabela: Iraque: importações totais e importações originárias do Brasil (1970-1973) US$ 1.000 –FOB

1970 1971 1972 1973 Tx média de crescimento

Importações originárias do Brasil

241 3.312 13.054 53.337 500%

Importações totais do Iraque

508.623 694.036 713.427 905.468 21,1%

Participação(%) do Brasil na pauta total do Iraque

0,05 0,46 1,83 5,89 -

Fonte: Organização central de Estratégia, Ministério do Planejamento. Annual Abstract of Statistic. Bagdá, 1971/1973. (DPC/IPEA, 1975, p. 25)

Em análise aos dados apresentados pela tabela, deve-se ressaltar que entre os anos

de 1972 e 1973, ou seja, no período em que o Brasil rompe o bloqueio internacional

imposto ao Iraque, a participação percentual do Brasil na pauta total do Iraque sai de 1,83%

para 5,89%, representando um aumento de mais de 100% na participação brasileira no

comércio com o Iraque.

A diferença, em valores reais, é apresenta no relatório do Itamaraty de 1975.

Segundo os dados apresentados o valor total do intercambio Brasil-Iraque aumentou de

US$ 29,7 milhões em 1970, para US$ 754,2 milhões, em 1974. Esse notável aumento

colocou o Brasil, num período de apenas 5 anos, como o principal parceiro comercial do

Iraque no continente americano (DPC/IPEA, 1975, p.27).

Cabe, entretanto, destacar que, embora o Brasil fosse o maior parceiro comercial do

Iraque no continente americano, sua participação na pauta de exportações globais

brasileiras era muito reduzida, mesmo em 1974, não chegando a representar 2% das

exportações totais brasileiras.

Entre os clientes do Oriente Médio, Iraque tornou-se o principal mercado de

destino das exportações brasileiras, em 1974, bastante distanciado dos outros dois

principais clientes na área, Irã, Síria, para os quais as exportações brasileiras se situaram,

naquele ano na faixa de US 55 a 40 milhões:

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Brasil: Principais clientes no Oriente Médio (1974) Valor em US$ 1.000 - FOB Iraque 157.522 Irã 55.344 Síria 40.025 Líbano 27.410 Egito 18.688 Israel 13.728 Fonte: CACEX. Comércio exterior do Brasil-Exportações, 1974. Esse aprofundamento das relações entre o Brasil e Iraque, a partir de 1974, com a

ascensão de Geisel à presidência da República, seria basicamente encaminhado pela

Petrobrás. Como ressalta Fares (2007, p.75),

“o Itamaraty sofreria uma diminuição do seu poder relativo na definição da política externa. Em essência, muito da política externa comercial brasileira para o Iraque, por conseqüência, tanto na compra de petróleo como na venda de produtos brasileiros, seria de terminada pela Petrobrás.”.

A Braspetro desde 1972 se torna um braço permanente do governo brasileiro no

exterior. Passa a ser responsável pela prospecção de campos petrolíferos iraquianos e pela

transferência de tecnologia para esse país.

A importância da empresa estatal brasileira no Iraque é ratificada quando em 1977,

a Braspetro, subsidiária da Petrobrás, descobre, em atividades de prospecção no território

iraquiano, o maior campo de petróleo naquele Estado. Tratava-se do campo de Majnoon,

com reservas superiores a 1 bilhão de metros cúbicos, avaliadas em US$ 10 bilhões e com o

mais baixo custo de extração (SANTANA, 2006, p.163).

Na gestão de Geisel na presidência da república, além da Braspetro a Petrobrás é

beneficiada com a criação de outra subsidiária, a Interbrás, uma trading-company,

responsável pela promoção de vendas de bens e serviços para o Iraque.

O resultado dessa política foi a expansão da venda de automóveis, carne, frango e

armamentos brasileiros para esse país árabe. Além disso, o Iraque, em 1979, alcança a

posição de nosso décimo-quarto mercado mais importante (FLECHA DE LIMA, 1996,

p.227).

No item seguinte analisaremos de forma mais específica a presença não estatal no

Iraque, a partir da análise do caso da empreiteira Mendes Júnior e sua vitória na licitação

internacional da ferrovia Baghdah-Akashat.

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4.3 Caso Mendes Júnior

A empresa Mendes Júnior apresenta-se como um fascinante exemplo de como uma

empresa, por um lado, utilizou-se das políticas públicas governamentais e dos projetos de

infra-estrutura estatal para ultrapassar os limites do sistema produtivo nacional e torna-se

um membro do seleto grupo de capitais do sistema produtivo mundial. Por outro lado, essa

empresa, após internacionalizar seu capital, torna-se um ator fundamental no

aprofundamento das relações entre o Brasil e o Iraque. Portanto, averigüemos o caso da

empreiteira Mendes Júnior no Iraque.

A Mendes Júnior é uma empresa de construção que atua no Brasil desde meados do

século XX e que no exterior ganhou expressão principalmente na década de 1970.

Essa empreiteira, que só realizava projetos de pequeno e médio porte, observada as

oportunidades abertas pelo mercado nacional, passa a atuar em obras de maior monta a

partir do surgimento de uma oferta constante de obras de infra-estrutura demandadas pelo

governo federal desde os tempos do Plano de Metas (1955-1960).

A primeira grande obra deu-se no governo JK, no âmbito do Plano de Metas, com a

construção da barragem de Piumhi em Minas Gerais, para a Usina Hidrelétrica de Furnas.

Nessa época, a empresa foi também chamada pela Companhia Elétrica de Minas Gerais

(Cemig) para outro empreendimento. Sua segunda grande obra foi erguer, para esse último

grupo, o núcleo de argila da barragem antes da cheia do Rio Grande.

Esse conjunto de obras de infra-estrutura encampadas pelo governo de JK criou uma

nova expectativa para as empresas nacionais e, em particular, para os dirigentes da Mendes

Júnior. As empresas de construção passaram a aumentar seu aporte tecnológico devido aos

recursos recebidos pelos novos negócios, aos financiamentos dados pelo então Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e pelo Banco do Brasil e pelos

programas de isenção de impostos para importação de máquinas75.

Com o golpe militar, em 1964, os investimentos na industrialização nacional foram

retomados. A Mendes Júnior buscou seu crescimento e expansão na atuação mais

75 Decreto-lei nº 1.219 de 15 de maio de 1972 ( www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=80259 - 32k -.).

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expressiva no mercado nacional. De 1966 a 1972, a empresa construiu as hidrelétricas de

Cachoeira Dourada, Rio da Casca III, Jaguara e Boa Esperança (MENDES, 2004, p.68/69).

Na década de 1960, o processo de internacionalização da Mendes Júnior dá os

primeiros passos. Na América Latina, a empresa dá início à construção da Usina

Hidrelétrica de Santa Isabel na cidade de Cochabamba, na Bolívia. Essa obra apresentou

grande complexidade, já que, além de ser feita fora do território nacional, ou seja, não mais

sob o protecionismo estatal, tratava-se de uma construção complexa que exigia a escavação

de 5.500 metros de túneis sob a Cordilheira dos Andes, um risco enorme para uma empresa

recém internacionalizada.

Nos anos do “Milagre”, a empresa consolidou ainda mais seu poder no setor

doméstico e novos passos na área internacional com a construção da ponte Rio-Niterói, em

consórcio com a Camargo Corrêa, a Transamazônica e a rodovia Belém-Brasília, no Brasil,

além da rodovia da Esperança, na Mauritânia.

A rodovia da Esperança, contrato assinado em 1975, foi o maior contrato assinado

na África na época. A rodovia ligava a capital do país – Nouakchott – à capital industrial

Kiffa, em uma extensão de 600 km.

A particularidade dessa obra foi que a empresa Mendes Júnior participou dessa

concorrência internacional pela obra com outras grandes empreiteiras mundiais do setor e

venceu. Nessa disputa constava além da Mendes Júnior mais um grupo de 7 empresas

internacionais. A Mendes Júnior, não só venceu, como também conseguiu entregar o

projeto 112 dias antes do prazo previsto e em conformidade com o padrão internacional

requerido da época (1979).

Com o choque do petróleo, e apesar da matriz energética do país ter chegado ao

maior valor da história, 100 dólares o barril havendo quadruplicado o preço do barril, a

política econômica do governo Geisel voltou-se para a promoção forçada das taxas de

crescimento do país. Como as exportações do petróleo haviam se tornado escassas pela

redução da quantidade de petróleo vendido pelos países membros da OPEP, era necessário

instituir meios alternativos para conseguir esse recurso energético, escasso em todo o

mundo.

A medida da OPEP atacou diretamente a economia brasileira, pois o Brasil era o

maior importador de óleo entre os países em desenvolvimento e o sétimo em escala

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mundial em 1974.

Nesse mesmo ano, o país passa a gastar 40% da receita adquirida com as

exportações para financiar as importações desse insumo, o que, comparado com os 15% de

1972, demonstra que o gasto havia crescido de forma expressiva e afetava diretamente a

manutenção das taxas de crescimento da economia nacional. Brasil, no governo Geisel, se

deparava com uma crise cambial e com a ausência de sua principal matriz energética.

Em 1974, o governo Geisel reafirma a posição pró-arábe, pois, para manter o

crescimento econômico, adere à lógica de Delfim Neto. Segundo Delfim, era preciso

exportar para poder importar (D´ARAUJO, 2004, p.138). Entretanto, os únicos países

monetariamente viáveis para importar produtos e serviços do Brasil eram os países como a

Arábia Saudita e o Iraque, grandes detentores dos chamados petrodólares. Assim, a

principal meta da política externa do governo Geisel tornou-se transformar o Oriente Médio

em parceiro estratégico.

Geisel busca cooperação regional com países como a Argélia, Líbia, Iraque e Arábia

Saudita sob a forma de joint-ventures com empresas árabes para a prospecção de petróleo

por meio da Braspetro.

No lado iraquiano, Saddam Hussein como braço-direito do presidente Ahmad

Hassan Al-Bark e a partir de 1979 como presidente, tinha como um dos objetivos principais

modernizar o país com a infra-estrutura no modelo europeu para estrategicamente expandir

sua hegemonia regional e ao mesmo tempo reduzir a influência das potências desenvolvidas.

Para Saddam, o fechamento de acordos com construtoras brasileiras atendia a um

duplo objetivo político: em primeiro lugar, não ficar sob a hegemonia de uma superpotência

na contratação de serviços, estabelecendo relações dinâmicas sem pagar o preço político

por isso e, em segundo, que Saddam fazia questão de negociar com países que o haviam

apoiado após a nacionalização das petrolíferas, o que o governo brasileiro havia feito76.

Saddam impôs que nos contratos com empresas de grande porte como no caso da

Mendes Junior houvesse a participação do Estado brasileiro, participação residual de 10%

76 Em 1971, Geisel era o então presidente da Petrobrás. Ele, que antes mesmo de tornar-se Presidente da República já demonstraria seu pragmatismo à frente da estatal brasileira, investindo no desenvolvimento das relações com a recém-nacionalizada petrolífera iraquiana. Apesar do boicote internacional ao Iraque por causa das nacionalizações, a chancelaria brasileira foi à frente e fechou acordo, assinado em Bagdá, em que, em contrapartida ao montante de petróleo comprado pelo Brasil, o Iraque passaria a comprar semi-manufaturados e manufaturados do Brasil em igual ou superior valor ao do óleo iraquiano (ATTUCH, 2003, p.35).

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como fiador por empresas estatais. Assim, por meio de estatais77, o governo integrou-se de

forma indireta nas iniciativas privadas no Iraque.

No final da década de 1970, a Mendes Júnior disputava as principais obras de infra-

estrutura com outras construtoras internacionais. Seu know-how em obras de grande porte

estava comprovado pelos serviços prestados na Mauritânia.

O grande problema das empresas brasileiras que começavam a disputar o mercado

internacional era a fraca estrutura de suporte brasileiro e a ótima estrutura estabelecida

pelos demais países para a internacionalização de suas empresas.

Nos países centrais o processo de transbordamento das empresas prestadoras de

serviços de engenharia já havia se consolidado antes da década de 1970. As construtoras

britânicas, por exemplo, durante meados do século XIX tiveram grande destaque na

construção de ferrovias na África e na América78.

No processo de competição internacional por mercados e pelo lucro decorrente da

expansão das multinacionais pelo mundo, diversos países estruturam políticas de incentivo

à internacionalização das empresas privadas do setor de engenharia para o exterior.

Na década de 1970, como afirma Bentes (1980, p.4) principalmente em decorrência

da crise do petróleo, é possível observar a presença dos países centrais usando organismos

oficiais para ativar a comercialização.

Tem-se, nesse período, a Canadian International Development Agency (CIDA) do

Canadá, The United States Agency for International Development (USAID) dos Estados

Unidos e o Kreditanstlt für Wiederaufbau (Kreditanstlt) da Alemanha federal como

organismos especializados para a defesa das empreiteiras dos países centrais.

Esses organismos, ora de capital totalmente estatal, ora com participação privada,

geravam medidas favoráveis à melhor inserção das suas empreiteiras nacionais no mercado

internacional por meio de assistência técnica. Conferiam-se tanto vantagens a montante

como a jusante.

Antes da concorrência, era garantido o financiamento para o projeto e o

comprovante de viabilidade técnica para as concorrências contratuais, além do apoio

77 Criação da Interbrás (MENDES, 2004, p.165). 78 Como nota exemplificativa, destaca-se o grande projeto imperialista britânico do século XIX sobre a África com a construção da ferrovia que ligaria os domínios britânicos do Norte ao Sul, do Cairo à Cidade do Cabo, também chamada ferrovia Cabo-Cairo.

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político, identificado na viagem de chefes de estados e ministros aos países em que a

concorrência se operava.

Sobre a entrega de certificados específicos de capacidade técnica para que as

empreiteiras pudessem concorrer atendendo as demandas dos editais, os organismos

oficiais, a exemplo da USAID, concediam às construtoras um aval de capacitação técnica

para que essas pudessem concorrer sem te de provar sua capacitação para determinado

empreendimento (Bentes 1980, p.4).

As empresas brasileiras, por não terem um órgão oficial para conferir esse

certificado, eram obrigadas a provar sua capacitação técnica, também conhecido como

“performance bond”.

Na primeira concorrência da Mendes Júnior no Iraque, a ausência do performance

bond foi um fator negativo para a empresa, além da pesada concorrência internacional

imposta pelas outras empreiteiras.

Saddam Hussein, em 1977, havia aberto a concorrência internacional para a

construção de uma ferrovia que conectaria Badgá a Akashat.

Assim, contratou a empresa de consultoria internacional ARM para selecionar

algumas empresas com a capacitação específica para aquele tipo de prestação de serviço de

engenharia. Foram apresentadas empresas como a Morrison Knudsen, a empreiteira

britânica George Wimpey e a brasileira Mendes Júnior.

Era uma licitação que envolvia a construção de 553 quilômetros de extensão e um

orçamento de US$ 1,2 bilhões. As especificações eram no sentido de construir uma ferrovia

com qualidade e tecnologia de padrão europeu. O prazo estabelecido pela licitação era de

três anos para a conclusão da obra. Os trens deveriam rodar a uma velocidade de 150

quilômetros por hora, sendo que para o padrão normal de ferrovias para o padrão industrial

a velocidade média era de somente 60 quilômetros por hora (ATTUCH, 2003, p.36).

Segundo Attuch (p.36), a ferrovia serviria oficialmente para o transporte de fosfato

de Akashat para Bagdá. Todavia, com a invasão das tropas norte-americanas ao território

iraquiano em 2003, descobriu-se que Saddam Hussein possuía um amplo depósito de armas

químicas na região de Akashat (idem, p.36).

Esse fato se conforma com o objetivo iraquiano de promover sua hegemonia na

região. Com uma linha de ligação de alta velocidade, frente a uma guerra a capital seria

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rapidamente abastecida com armas químicas para sua defesa contra possíveis inimigos

externos.

As empreiteiras agiam de forma pesada para vencer as obras no Iraque. Segundo

Said Aburish (2000, p.151), na concorrência da ferrovia, a empresa britânica George

Wimpey havia oferecido U$ 100 milhões caso ela fosse vencedora na concorrência.

Como Saddam politizava por demais as licitações, a oferta da empreiteira britânica

foi vista como uma forma de tentativa de retorno da influência britânica e, por isso, essa

empresa foi sumariamente excluída da licitação.

A ausência do performance bond a ser concedida pelo governo brasileiro fez com

que a empresa Mendes Júnior tivesse de comprovar sua capacidade técnica por meio da

visitação de inspetores iraquianos nas obras em execução. Foram visitadas as obras de

Itaipu, da Transamazônica e da Ponte Rio-Niterói (MENDES, 2004, p.163).

Nessa licitação internacional, a Mendes Júnior foi a única empresa brasileira a

concorrer. Levou-se um ano de negociações até que, em 1978, a Mendes fechou o contrato

para a construção da ferrovia Bagdá-Akashat.

No processo de negociação, em que se percebeu a potencialidade da obra e os

possíveis benefícios para a exportação de outros produtos para o Iraque, o governo

brasileiro resolveu se engajar.

Em 1977, tanto o ministro de Minas e Energia Shigeaki Ueki bem como o ministro

da Indústria e Comércio, Ângelo Calmon de Sá, visitaram o Iraque no período das

negociações. A influência mais expressiva, entretanto, seria o envio de uma carta do

presidente Ernesto Geisel diretamente endereçada a Saddam Hussein, lembrando ao

ministro iraquiano da solidariedade brasileira em relação aos eventos de 1972.

O acordo foi fechado com a presença direta do governo constatada na participação

da Interbrás, subsidiária da Petrobrás, associada à empreiteira Mendes Júnior com

recebimento de 1,2% do faturamento líquido da obra. Todavia, essa parceria direta, não

seria resultado de uma política direta do governo brasileiro no fechamento do contrato. Pelo

contrário, segundo Murillo Mendes (2004, p.165), o governo iraquiano impôs ao

fechamento do contrato a intermediação direta do governo brasileiro por meio da

participação da estatal.

A preocupação iraquiana quanto à insegurança nas relações com o Brasil já havia

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sido enfatizada anteriormente, como apresentado no relatório secreto sobre o Iraque

enviado, em 08 de janeiro de 1974, por Paulo Nogueira Batista em missão ao Oriente

Médio:

No curso dos entendimentos, autoridades iraquianas referiram-se, diversas, vezes, à gravidade que atribuem ao péssimo precedente comercial criado pela firma brasileira CIFERAL, que após ter sido escolhida para fornecer chassis de ônibus, retirou sua oferta e interrompeu todos os entendimentos com o Iraque. Mesmo que o episódio estivesse sendo propositadamente magnificado pelos iraquianos, por razões táticas, é, contudo, indispensável registrar a grande inconveniência do episódio e tê-lo em mente no futuro para impedir que se repitam casos como este, que só podem prejudicar a credibilidade dos exportadores brasileiros e nossos interesses comerciais como um todo79.

A ausência de uma política estatal consolidada para a presença dessa empresa no

exterior faz-se presente ainda em decorrência do fato de que a empresa, para iniciar a obra,

demandaria da importação de ampla infra-estrutura, já que praticamente toda a obra teria de

ser feita basicamente em uma região desértica do Iraque. Por isso, seria necessário um

suporte financeiro inicial para os gastos preliminares. Esses, todavia, não foram cobertos

pelo governo brasileiro, mas sim pelo governo iraquiano, mediante um adiantamento de

180 milhões dólares (ATTUCH, 2003, 38).

Além disso, como apresentada pela tabela abaixo, o financiamento recebido pela

Mendes Júnior via CACEX era inferior ao valor adiantado pelo governo iraquiano e o valor

total recebido ao final de duas importantes obras não chegavam nem a 20% do valor total

da obra:

Brasil: Financiamentos da CACEX à Venda de serviços de engenharia (1976/1982) Países Anos

1976/ 1977 1978 1979 1980 1981 1982 Total Tipo de serviço

Argélia - - - 35.000 - - 35.000 Hidrelétrica El. Izibar

Bolívia - - 20.700 - - - 20.700 Aeroporto Puerto Suarez

- - - Chile - - - - 5.500 - 5.500 Obras civis

Congo - - - - - 70.000 70.000 Rodovia Etena-Dongol

Costa do Marfim - - 33.000 - - - 33.000 Complexo de

produção de soja - - -

79 Pasta Paulo Nogueira Batista, Missão especial ao Oriente Médio.

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Gana - - - 15.000 - - 15.000 Industria de cerâmica

Iraque - 120.000 - - - 92.000 212.000 Ferrovia e rodoviaMauritânia - - 17.700 - - - 17.700 Rodovia

Mocambique - - 5.500 5.500 - 17.000 28.000 Projeto agroindustrial/ carvão

- - -

Paraguai 8.500 - 77.500 - 38.000 69.500 193.500 Siderurgica/ Rodovia/Hospital

Peru - - 47.200 - 26.600 4.000 77.800 Hidreletrica/ sistema elétrico/ S. Fluvial

Tanzânia - - 56.000 22.000 - - 78.000 Rodovia Morogo/ Dodoma

- - Togo - - - - 5.600 - 5.600 Rede elétrica

- - - - Uruguai 178.000 5.200 - - - 183.200 Hidroeletrica/Porto

Total 186.500 125.200 257.600 77.500 75.700 252.500 975.000

Fonte: CACEX (1985)

Segundo os dados apresentados, em 1978, a CACEX havia fornecido crédito de 120

milhões de dólares em 1978 e só iria novamente fornecer novos financiamentos em 1982. O

total de recursos chegaria ao final de 1982 a somente 212 milhões de dólares, sendo que o

valor total da obra estava orçado em 1.4 bilhões de dólares.

Essa obra, apesar de não ser objeto de atenção mais arguta dos cofres públicos,

tornou-se de interesse nacional, pois a Mendes Júnior não terceirizaria nenhum serviço;

todo o material utilizado e a maior parte da mão-de-obra seriam importados, em larga

medida do Brasil.

Criava-se, assim, por um lado, divisas para o Brasil comprar petróleo do Iraque e,

por outro lado, um laço permanente, pois como o Saddam desejava modernizar o país, seria

dada preferência ao Brasil no fornecimento de petróleo.

Houve expressivo aumento do fluxo de produtos primários e manufaturados para o

Iraque com o intuito de implementar a estrutura física da obra e dos conjuntos habitacionais

em que os empregados viveriam. Isso colaborou diretamente para melhoria das contas

públicas nacionais, que se encontravam deficitárias em decorrência do aumento dos preços

do petróleo.

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Atuar no Iraque demandava um complexo planejamento logístico de pessoas,

materiais e equipamentos. Segundo o relatório do Departamento de promoção Comercial

(DPC) do Itamaraty em parceria como o IPEA de 1975, o Iraque apresentava restrita oferta

de equipamentos e de algumas matérias-primas fundamentais para o desenvolvimento de

obras dessa monta, como presente no texto (DPC/IPEA, 1975, p.8):

Por outro lado, existe uma defasagem entre os projetos aprovados no setor público e a sua implementação, devido, principalmente, ao pequeno número de empresas construtoras existentes no país e à escassez de material de construção, inclusive de cimento. Tais problemas afetam também o nível das atividades de construção no setor privado.

Por isso, o efeito linkage nesse caso foi expressivo. Segundo Attuch (2003, p. 37), a

Mendes Júnior teve de adquirir 105 mil itens em apenas seis meses. Entre os itens

comprados tem-se destaque para a compra de mil caminhões da Mercedes-Benz, a

aquisição de casa pré-fabricadas nos Estados Unidos, com valor de 12 mil dólares cada,

para alocar os cerca de 100 mil trabalhadores recrutados para a obra.

Na área de prestação de serviços de transportes, como fretes dessa mercadoria,

foram destinados 80 navios para transportar um volume total de 400 mil metros cúbicos de

carga.

A distância e a necessidade de manter trabalhadores brasileiros por longos períodos

no exterior fez com que a empresa levasse não só os empregados brasileiros, como também

toda a sua família. Por isso, nos acampamentos havia uma estrutura de escola primária e

secundária fornecida pelo colégio brasileiro Pitágoras de Belo Horizonte que enviou

professores ao Iraque para dar aulas aos filhos dos empregados da Mendes (MENDES,

2004, p.168).

A tabela abaixo apresenta infra-estrutura estabelecida no Iraque após 5 anos de

permanência da Mendes Júnior naquele país.

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Tabela: Logística do Iraque em números

Casas 725

Hotéis 11

Escritórios 309

Hospitais e creches 15

Clubes 13

Escolas 5

Veículos leves 1.184

Caminhões 1.532

Tratores 168

Guindastes 131

Equipamentos especiais 1.194

Locomotivas 8

Itens em estoque 110.000

Fonte: MENDES, 2004, p.169.

Para se ter uma idéia da estrutura criada pela empresa no Iraque, destaca-se que foi

montada uma estrutura de 725 casas, 744 acomodações, hospital, escolas, supermercado e

clubes para os trabalhadores80. A atuação da Mendes Júnior transformou a empresa em um

ator de elevada importância para as relações entre o Brasil e o Iraque.

Empresas brasileiras de venda de bens também foram beneficiadas. Com brasileiros

no exterior, recebendo seus salários em dólar, havia uma demanda constante por produtos

brasileiros, desde alimentos até carros. Segundo Wolfgang Sauer (apud MENDES, 2004,

p.165), ex-presidente da Volkswagen do Brasil, foram vendidos mais de 150 mil Passats

para o Iraque.

A Mendes Júnior, com uma estrutura que chegou a superar a existente no Brasil e

tendo cultivado a confiança do governo iraquiano pelo seu serviço de qualidade, tornou-se a

80 Dados retirados do site da empresa (www.mendesjunior.com.br).

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embaixadora do país no Oriente Médio, segundo Armando Guedes81. A Mendes Júnior foi

por diversas vezes consultada pelo governo iraquiano quando algum projeto de engenharia

era colocado em prática no Iraque, por exemplo, alguns projetos de menor monta feitos pela

Petrobrás.

Além disso, todo o maquinário importado pela empresa para o serviço, como, por

exemplo, 1,2 mil caminhões e 1,5 mil automóveis, foi vendido ao final do serviço para o

Iraque, o que engrandecia as exportações e servia como meio de apresentar os produtos

nacionais82.

Alguns pontos negativos devem ser destacados: devido à inexistência de uma

política estruturada para aproveitar plenamente o efeito linkage, muitas oportunidades de

negócios foram perdidas.

Cabe como exemplo, como lembrado por Carlo Arena (1985, p.80), o fato de que,

na construção da ferrovia Bagdá-Akashat, como o custo de frete do Brasil para o Iraque era

muito caro, a empresa Mendes Júnior preferiu adquirir os trilhos do Leste Europeu, o que

resultou em um desvio de comércio expressivo para o Brasil.

Entretanto, no geral, o sucesso na construção da ferrovia gerou laços mais

duradouros entre a empresa brasileira, o governo brasileiro e o governo iraquiano,

aprofundando as relações comerciais.

Em 1981, a Mendes vence outra concorrência, ficando responsável pela construção

da rodovia Expressway (1981-1986), que vai de Basra até a fronteira com a Jordânia e que

estava cotada no valor de 300 milhões de dólares. Posteriormente, a Mendes Júnior ficou

responsável pela construção de uma estação de bombeamento de água do rio Tigre e

Eufrates, o chamado, Projeto Sifão (1984).

A saída da empresa do Iraque deu-se em decorrência do arrefecimento da Guerra

Irã-Iraque, ocorrida entre esses dois países na década de 1980, por iniciativa do governo

iraquiano na regência de Saddam Hussein.

4.4 À guisa de conclusão

Os resultados do processo de internacionalização para a empreiteira Mendes Júnior 81 Armando Guedes, trabalhou na Petrobrás durante 27 anos e foi responsável por projetos no Iraque feitos pela empresa estatal (ATTUCH, 2003, p.135). 82 Parecer consultivo-consular 5.297, BB, de 17 de junho de 1992.

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são profícuos. Em 1982, entre as 200 maiores empresas do Brasil, a construtora Mendes

Junior assumia a 45ª posição. A nível internacional, a Mendes Júnior aparece como 18ª

maior empresa contratista de obras do mundo, sendo que a segunda maior construtora era a

Noberto Odebrecht em 148º lugar (ARENA, 1985, p.77).

Ainda apresentado por Arena (1985, 83), a construtora Mendes Junior já figurava

nos rankings das publicações internacionais especializadas em 1980, como a 13ª empresa

do mundo com maior faturamento fora do país. Em 1983, sua carteira de contratos alcançou

um valor global que superou os 3,5 bilhões de dólares, somente no exterior.

Apropriando-se do caso paradigmático da construtora Mendes Júnior no Iraque,

observa-se o conjunto de benefícios de uma empresa privada do setor de engenharia por

promover ao país. Todavia, esses benefícios poderão ser plenamente apropriados se houver

a coordenação estatal em assistência permanente a esse processo.

Deve-se enfatizar que cada empresa privada de prestação de serviços de engenharia

de construção pode representar um núcleo permanente de abertura de comércio e de

negócios, como foi o caso da construção da ferrovia Badgá-Akashat no Iraque pela

construtora Mendes Júnior.

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CONCLUSÃO

As relações entre o setor público e setor privado são de expressiva importância para

o desenvolvimento da economia nacional. O agente estatal é responsável por promover

diretrizes e, como grande regente, orquestrar a melhor forma com que se deve gerir a

economia a fim de que os agentes privados sejam uma parte integrante e benéfica do

processo de crescimento da economia nacional.

No Brasil, o projeto público de longo prazo voltado à industrialização por meio da

substituição de importações legou o desenvolvimento de uma infra-estrutura industrial, o

crescimento do mercado interno e a redução da dependência externa. Ao mesmo tempo,

esse projeto viabilizou que as empresas brasileiras do ramo de construção (empreiteiras)

adquirissem a especialização necessária para produzir obras mais complexas e em um

número maior que a demanda do mercado doméstico pudesse suprir.

O resultado foi o processo de internacionalização dessas firmas, processo que não

foi particularidade do caso brasileiro, mas uma constante entre as empresas de construção

no mundo inteiro.

Esse processo de internacionalização, que representava benefícios potenciais para o

Brasil, entretanto, em sua fase pioneira, durante a segunda metade da década de 1970, não

possuiu a colaboração de uma política nacional.

O governo Geisel manteve seus olhos voltados para o fortalecimento da indústria

nacional e não percebeu a importância desse segmento que iria promover obras no exterior

com a bandeira brasileira.

A incapacidade administrativa e logística da máquina pública e a própria ideologia

nacional voltada para a industrialização por substituição de importações fizeram com que

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quando o agente estatal dinamizasse qualquer tipo política de exportação de serviços, o

fizesse por meio das empresas estatais.

O reflexo disso foi a definição uma política externa voltada à exportação de bens e

de serviços das empresas estatais. A presença do apoio às empresas privadas do ramo de

construção aparece de forma pontual, sempre que essa internacionalização vai satisfazer

outras prioridades estatais.

Isso é constatado no caso iraquiano em que se buscou na empresa Mendes Júnior

um meio de reduzir os déficits no balanço de pagamentos e trocar serviços de engenharia

por petróleo.

A construtora no exterior, na década de 1970, era vista como uma ferramenta útil

subordinada aos interesses estatais superiores. As construtoras, assim, ficaram ao sabor dos

ventos do mercado internacional no sistema de decisão sobre aonde alocar recursos para

desenvolver projetos em concorrências no exterior.

O caso da Mendes Júnior é exemplificativo nesses termos. A empresa havia

desenvolvido projetos na África Oriental, na Mauritânia, durante o governo Médici. Essa

área, apesar do desenvolvimento da política africanista de Gibson Barbosa, não fazia parte

de projeto de política externa brasileira, pois o governo se voltava para seu em entorno

estratégico, a África Atlântica. Por isso, a atuação da Mendes Júnior na Mauritânia não

consta nos relatos dos telegramas no Itamaraty.

Com o I Choque do Petróleo, países do Oriente Médio ganham uma expressiva

liquidez, já que os recursos internacionais do mundo inteiro se direcionam para os países

produtores de petróleo. Com o risco de uma redução do crescimento econômico nacional e,

em decorrência, da especialização das empreiteiras brasileiras, empresas como a Mendes

Júnior passam a buscar locais em que há oferta de mercado para seus serviços. Ao mesmo

tempo, o governo, demandando petróleo, busca os possíveis fornecedores.

Há, nesse momento, o encontro de duas políticas diversas. A da empresa privada

brasileira que se internacionaliza, seguindo o fluxo do capital internacional, e a do Estado

brasileiro, buscando os recursos para manter seu crescimento interno.

Esse encontro espontâneo provoca intercessões que atiçam o interesse estatal no

caso em questão. Assim, surgem algumas medidas pontuais em favorecimento às empresas

privadas no exterior.

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Essas medidas, ao longo da década de 1970, nunca chegaram a constituir uma

uniformidade que pudesse justificar uma política externa focada em promover a

internacionalização das construtoras brasileiras.

Todavia, a empreiteira no exterior representa uma expressiva potencialidade de

negócios para o país.

Com a venda de serviços de engenharia de construção, há uma permanente demanda

de bens primários como cimento e ferro e bens manufaturados, além de outras empresas de

outros ramos da engenharia, para implementar serviços complementares, bem como de

profissionais. Analisemos esses dois elementos (venda de bens e serviços e demanda por

profissionais brasileiros) de forma separada sobre a lógica do efeito linkage e seus

benefícios.

Esse efeito likage, muito bem observado por outros países desenvolvidos, pode

gerar uma espiral positiva de venda de bens e serviços e a expansão das exportações

brasileiras para os países em que as empresas brasileiras estiverem atuando.

A venda de serviços de engenharia como a produção do projeto para a construção de

uma usina hidrelétrica por uma empresa brasileira pode, em seus cálculos, definir

determinado tipo de turbina que só as empresas brasileiras produzem. Isso gera a venda da

turbina, os serviços de manutenção e o treinamento do pessoal para a manipulação dessa

tecnologia.

Ademais, utilizando, ainda, o exemplo da usina hidrelétrica, o governo brasileiro,

por meio de uma política de internacionalização, pode cobrar para que a usina a ser

construída no exterior característica que propiciem as exportações brasileiras. Por exemplo,

que seja estabelecida uma freqüência de eletricidade idêntica à brasileira. Isso facilitaria o

ingresso de eletrodomésticos brasileiros, que não teriam de ser adequados à nova

freqüência na área de abastecimento dessa usina. Redução de custo igual a ganho em

competitividade.

As construtoras brasileiras no exterior, ao iniciarem uma obra, podem preferir a

utilização de produtos nacionais com que seus profissionais têm mais costume de manuseio.

Além disso, determinados serviços de engenharia podem ser terceirizados para outras

empresas brasileiras, gerando novo ciclo de lucros e exportação de bens pelo Brasil.

Com o aumento das exportações brasileiras, há necessariamente o aumento do

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número de empregos na economia doméstica. Segundo estudos das Nações Unidas, para

cada um bilhão de dólares de exportação são criados cerca de 50 mil empregos (MAIA,

2001, p.34). Com isso, a internacionalização privada pode se enquadrar nos planos

governamentais, já que em praticamente todos os projetos políticos existem metas de

promoção do aumento de empregos.

Outro ponto com efetiva relevância, para se pensar a internacionalização privada

como alternativa para a exportação decorre do fato de que política exportadora do Brasil

sempre se baseou para ganhar mercado em moeda desvalorizada, manipulação de tarifas e

mão-de-obra barata, além dos subsídios. Entretanto, mesmo com essas práticas, enquanto as

exportações mundiais triplicaram entre 1985 e 1999, as exportações brasileiras caíram de

1,5% do total mundial para 1% (MAIA, 2001, p.37).

Isso representa, de certa forma, a falência desse projeto, o que gera a revisão do

projeto atual por uma alternativa para promover o aumento das exportações.

O segundo elemento a ser destacado é aquilo que diferencia a exportação de bens

em relação à exportação de serviços, o necessário o envio de profissionais par o exterior.

Com a presença de profissionais brasileiros na prestação de serviços, ao invés da

pura exportação de bens para os demais países, há a geração de benefícios econômicos

palpáveis e não mensuráveis.

No âmbito dos benefícios econômicos palpáveis, a presença de profissionais

brasileiros no exterior, recebendo salários em dólar, faz com que esses tendam a enviar

parte desse valor para seus familiares e dependentes no Brasil. Assim, promove-se um

fluxo de renda do exterior para o Brasil, o que é contabilizado positivamente no nosso

Balanço de pagamentos.

Entre os benefícios não-mensuráveis, mas plenamente possíveis de percepção,

destacam-se: Primeiramente, a formação de um fluxo de exportação de produtos brasileiros

como alimentos, produtos de limpeza, vestuário, etc, que atendem aos gostos desses

consumidores nacionais no exterior (efeito linkage dos consumidores no exterior).

Segundo, a manutenção desse fluxo pelos outros povos, que após terem contato com

os consumidores brasileiros no exterior, adotam esses produtos brasílicos em sua cesta de

bens de consumo.

Os brasileiros, em geral, são reconhecidos como um povo amigável e com reduzido

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grau de preconceito, inclusive pelo seu passado histórico e pela sua formação social ser

composta por um caldeirão de grupos étnicos e culturais diversos.

Quando os profissionais brasileiros vão para o exterior, esses acabam promovendo

relações pacíficas e amigáveis com os nacionais de outros países. À medida que as relações

se aprofundam, os estrangeiros passam a conhecer os hábitos alimentares e culturais dos

brasileiros. O sucesso da aproximação pode fazer com que os estrangeiros passar a adotar

dos produtos brasileiros em sua cesta de bens, gerando um fluxo constante de exportação de

bens para o exterior, mesmo após o retorno dos brasileiros para o Brasil.

Deve-se destacar, ainda, que, como é natural a tendência à internacionalização das

construtoras e prestadoras de serviço de engenharia em geral, essas empresas do setor

privado representarão um número muito maior do que o governo pode gerar com empresas

estatais.

Ademais, o Brasil possui a tradição de transferir tecnologia, o que representa um

empecilho para o comércio internacional entre muitos países desenvolvidos e em

desenvolvimento. Nesse sentido, o Brasil tem o benefício de por mais facilmente vender

seus serviços acoplados como a transferência de tecnologia, o que expande o mercado

potencial para as firmas de prestação de serviços brasileiras.

Frente a esses benefícios e sem almejar o fim de uma política de internacionalização

de empresas estatais, deve-se enfatizar os benefícios que empresas privadas do setor de

engenharia podem gerar caso possuam uma política governamental favorável a sua busca

por mercados internacionais.

Com uma política focada na internacionalização das empresas de prestação de

serviço do setor privado, com a colocação desse projeto nos planos nacionais, é possível

adequar a política doméstica para o fornecimento de tudo que essas empresas precisam e

assim o país aproveitar plenamente a espiral de comércio que surge.

A política econômica doméstica seria responsável por direcionar as empresas do

território brasileiro a fornecer bens para as prestadoras de serviços no exterior, por vincular

o setor financeiro por meio de bancos nacionais para fornecer financiamentos a essas

empresas brasileiras no exterior com garantia no patrimônio da empresa no Brasil e por

promover remessas de lucros das empresas e salários dos empregados no exterior,

aumentando a renda nacional.

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Então quais seriam as demandas e as soluções possíveis?

Para aumentar a exportação e maximizar os benefícios da presença das empresas

brasileiras de serviço no exterior, é preciso que se construa uma política voltada à

internacionalização privada das empresas de engenharia de forma a maximizar os

benefícios desse processo.

Seria necessário, inicialmente, facilitar as linhas de financiamento. Atualmente, o

BNDES fornece crédito às empresas privadas que ganham concorrências na América do

Sul83. Esse processo deve ser expandido tanto para o financiamento dos projetos, que são

caros como o limite geográfico, abrindo financiamento para as empreiteiras que queiram

atuar em novos nichos de mercado como a China.

Em outra esfera, seria necessário que o apoio jurídico e político fosse mais

expressivo. Dever-se-ia, dessa forma, agigantar a Secretaria de Promoção Comercial do

Itamaraty ao patamar de importância e de infra-estrutura ao das secretarias que cuidam da

atuação brasileira frente à Organização Internacional do Comércio (OMC) ou junto ao

Mercado Comum do Sul (Mercosul).

Com uma estrutura maior e direcionada para atender as demandas das empresas

brasileiras no exterior, haveria mais eventos de promoção dos produtos e serviços

brasileiros no exterior, bem como mais diplomatas para garantir o direito dos brasileiros no

exterior, seja para defender os brasileiros, eventualmente, acusados por crimes praticados

no exterior, seja para cobrar a punição de crimes praticados contra brasileiros no exterior.

Além disso, o agente estatal poderia propiciar a centralização de políticas sob a

regência de um único órgão, o que facilitaria a divisão de tarefas entre múltiplos órgãos

estatais como o Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, a Agência Nacional

de Exportação e Investimentos (APEX) e as Câmaras de Comércio brasileiras.

Na esfera logística, o Estado, postando-se como participante ativo do processo de

alocação de suas empresas de serviço no exterior, pode promover a conciliação entre

demandas internas e as ofertas internacionais. Assim, caso o país promotor da oferta de

concorrência pública não possa pagar o valor da obra em moeda internacional, dólar, o

governo pode criar estratégias alternativas para vincular um sistema de trocas no modelo

countertrade, um seja, um escambo internacional. Todavia, isso só seria aplicado com

83Você pode pagar a conta. Exame, 27 de setembro de 2004. http://veja.abril.com.br/050203/p_066.html&usg.

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efetiva velocidade e eficiência se o agente estatal promovesse essa intermediação entre

diferentes setores da economia, atendendo as múltiplas demandas de forma estratégica.

Na esfera financeira, é necessário criar mecanismos fáceis de envio de salários dos

trabalhadores para seus familiares, sem a cobrança de altas taxas. Assim, o agente estatal

deve promover a expansão de agências do Banco do Brasil ou promover convênios desse

banco com outros bancos no exterior para facilitar o envio desses valores para o Brasil. Isso

é fundamental, já que em muitos países em desenvolvimento inexiste um sistema financeiro

minimamente estruturado para atender as demandas das empresas brasileiras no exterior.

Na esfera tributária, o governo deve eliminar os impostos sobre as exportações. Isso

fará com que os produtos brasileiros sejam mais competitivos em relação ao produto

internacional e conseqüentemente possa chegar em países mais distantes em que as

empreiteiras brasileiras estejam trabalhando, com custo reduzido e competitivo, mesmo

com a oneração adicional dos fretes. Assim, reduzir-se-ia o desvio de comércio como

presenciado no caso da compra de trilhos de ferro pela Mendes Júnior no Iraque.

Com esse conjunto de medidas, poder-se-á admitir a existência de uma política para

o transbordamento das empresas de prestação de serviços de engenharia e o pleno

aproveitamento dos benefícios decorrentes desse processo.

Além dessa contribuição, no plano de política externa nacional, a implantação de

uma política de internacionalização das empresas privadas de prestação de serviços de

engenharia cria uma alternativa ao acordo buscado no âmbito da OMC.

Na OMC, o governo brasileiro busca o fim dos subsídios concedidos aos produtores

na União Européia (UE) e aos exportadores de produtos agrícolas nos Estados Unidos, além

da abertura do mercado agrícola desses países para os países em desenvolvimento.

Essas metas, se atingidas, são extremamente satisfatórias, mas, entretanto, estão

estagnadas até hoje pela oposição dos países desenvolvidos de abrir seus mercados.

Por outro lado, quanto ao referido acordo internacional de abertura dos mercados

para as exportações brasileiras no exterior, poder-se-ia criar fluxos de comércio induzidos

pelo setor privado atuando no exterior.

Esse mercado criado pelas empresas brasileiras no exterior seria bem mais

suscetível às pressões do governo brasileiro para a compra de produtos produzidos no

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Brasil ao invés de produtos estrangeiros.

Especificamente quanto ao Iraque, cabe ressaltar que o contexto atual favorece ao

resgate das positivas relações de outrora. O Iraque passou por um estado de guerra desde

2003, quando os Estados Unidos decidiu invadir o país. Após quase cinco anos de guerra o

país encontra-se com sua infra-estrutura fundamental, como prédios, escolas, usinas

hidrelétricas, etc, totalmente destruída, entretanto, ainda possuindo grande quantidade de

petróleo.

Esse poderia ser um momento propício para o direcionamento das empresas

privadas brasileiras para esse mercado potencial e capaz de quitar seus débitos84.

Politicamente, a diplomacia brasileira já vem dando os primeiros passos para uma

aproximação como o país do Oriente Médio. Recentemente, promoveu o perdão das dívidas

desse país com o Brasil. Segundo notícia publicada pela revista Isto é Dinheiro de julho de

2008, dos US$ 603 milhões a que tinha direito, o governo brasileiro cobrará somente US$

120 milhões85. Essa dívida foi se acumulando desde a guerra Irã-Iraque, quando Saddam

Hussein deixou de pagar pelos serviços de engenharia prestados pelas empresas brasileiras

no país.

Entretanto, a balança comercial ainda apresenta fraco desempenho e, enquanto o

Brasil não assume uma política de engajamento internacional para esse país, o vazio de

mercado é ocupado pelas exportações chinesas. Isso é inclusive ressaltado, em reportagem

à revista Isto é Dinheiro, nas palavras de um membro da Câmara de comércio Brasil-Iraque,

Jalal Chaya, “Enquanto o governo não estabelecer canais de venda com o Iraque,

continuaremos assistindo à ocupação dos chineses” 86.

Agora, com uma política de internacionalização voltada para o Iraque, o governo

pode abrir esse mercado para gerar fluxos positivos e permanentes de comércio entre o

Brasil e o Iraque, além de colaborar com a reconstrução do país.

Dessa forma, a internacionalização posta-se como uma via possível para o

fortalecimento da empresa nacional no exterior, para a promoção de empregos no Brasil por

meio do aumento das exportações e como um meio de promover novos fluxos de comércio

84 Segundo relatório, divulgado em 30 de julho de 2008, pelo inspetor-geral especial do Iraque para a reconstrução, ligado aos EUA, prevê que a receita do Iraque com petróleo supere US$ 70 bilhões neste ano. Receita prevê receita iraquiana de US$ 79 bi no ano. Folha de São Paulo, 31 de julho de 2008. 85 Um perdão de US$483 milhões. Isto é Dinheiro, 28 de julho de 2008. 86 Um perdão de US$483 milhões. Isto é Dinheiro, 28 de julho de 2008.

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com o mundo todo.

Integrar a empresa privada como ponta de lança na abertura dos mercados

internacionais poderá provocar efeitos benéficos para a economia nacional, mas, para

colher os lucros dessa internacionalização, é fundamental a estruturação de uma política

plena de suporte a esse processo.

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SARAIVA, Miriam Gomes. A opção européia nos marcos do pragmatismo responsável; a política externa brasileira para os países europeus de 1974 a 1979, dissertação de mestrado do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, 1990. 3.Acervo CPDOC:

3.1 – Série Ministério das Relações Exteriores (MRE), Sub-série Relações multilaterais: Dossiê Política Internacional do Petróleo (15 de março de 1975 a 24 de janeiro de 1979): . NETTO, Delfim. Telegrama da embaixada do Brasil em Paris. Enviado em 29 de outubro de 1976.

. SILVA, Jorge. Telegrama da embaixada do Brasil em JEDDAH. Enviado em 30 de novembro de 1976. . Câmara dos Deputados; Primeira Vice-Presidência. Datado do ano de 1976. . Petróleo. Aumento de preços. Política de exportação. Telegrama da embaixada Brasileira em de Quito. Enviado em 11 de janeiro de 1977. . SILVA, Jorge. Petróleo. Aumento de preços. Política de importação. Telegrama da Embaixada do Brasil em Roma. Enviado em 11 de janeiro de 1977. . FRAZÃO. Economia. Petróleo. Política de importação. Telegrama da Embaixada do Brasil em Madrid. Enviado em 11 de janeiro de 1977. . DIAS COSTA. Petróleo. Aumento de preço. Política de exportação Telegrama da embaixada do Brasil de Bagdá. Enviado em 11 de janeiro de 1977. . OLIVEIRA CAMPOS. Petróleo. Aumento de preço. Política de exportação. Telegrama da embaixada do Brasil de Londres. Enviado em 11 de janeiro de 1977. . LIMA, Herac. Petróleo. Preços. Gestão junto aos países da OPEP. Nigéria. Telegrama da embaixada do Brasil de Lagos. Enviado em 20 de janeiro de 1977. . MURILLO. Título: Compra de petróleo saudita. Telegrama da embaixada do Brasil de Jeddah. Enviado em 22 de janeiro de 1979.

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3.2 Arquivo Ernesto Geisel – antes da presidência (de 14.11.1969 a 1973). Textos referentes à gestão de Geisel na presidência da Petrobrás. Todos os discursos são de autoria de Ernesto Geisel. . Discurso de posse da presidência da Petrobrás. . Discurso na ESG em 1970. . Prestação de contas aos acionistas da Petrobrás no ano de 1970. . Balanço Geral da conta de lucros e perdas e do relatório de atividades relativos ao exercício de 1972. . Discurso do General Geisel na posse do Presidente Faria Lima. . Aniversário da Petrobrás. 3.3 Arquivo Ernesto Geisel – antes da presidência (30.06.1972 a 13.02.1974). Textos referentes a documentos enviados a Geisel apresentando sugestões ao futuro governo. 3.4 Arquivo Ernesto Geisel – depois da presidência (20.04.1979 a setembro de 1992). Textos referentes a documentos sobre petróleo e álcool no Brasil. Ações da Petrobrás, etc. 3.5 Arquivo Paulo Nogueira Batista – Série Atividades diplomáticas – Dossiê subsecretaria de assuntos econômicos - pasta I – (05/10/1973 a 07.05.1974). Textos referentes à missão ao Oriente Médio: BASTISTA, Paulo N. Informações para o senhor Ministro de Estado – Conseqüências da Guerra no Oriente Médio sobre o Brasil. Telegrama enviado em 14 de novembro de 1973. ________________. Informação Submetida pelo senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores ao senhor presidente da república. Telegrama enviado em 20 de dezembro de 1973. ________________. Missão especial chefiada por Paulo Nogueira Batista - Missão ao Oriente. Relatório datado de 08 de janeiro de 1974.

3.6 FMI Iraq-Recent Economic Developments. Doc. SM/74/183, de 23/07/74. 3.7 Departamento de Promoção Comercial - Convênio Itamaraty-IPEA (DPC/IPEA). Perfil nº 2.1/75 - Perfil econômico-comercial do Iraque. Brasília, setembro de 1975.

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4.Sítios consultados:

. Banco Central do Brasil – www.bcb.gov.br/ https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=067000044&method=detalharNormativo (acessado em 10 de janeiro de 2009) . Empresa Odebrecht - www.odebrecht.com.br Link específico: Marins, Luciano. Raízes Profundas. Odebrecht On line,s/d. http://www.odebrechtonline.com.br/materias/00201-00300/293/ (acessado em 22/10/2008) . Empresa Camargo Correa http://www.camargocorrea.com.br . Empresa Andrade Gutierrez http://www.andradegutierrez.com.br . Empresa Mendes Júnior - http://www.mendesjunior.com.br (acessado em 10 de julho de 2008) . Nações Unidas (ONU) – http://www.un.org (acessado em 10 de fevereiro de 2009) . Senado Federal – www.senado.gov.br Link específico: http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action (acessado em 16 de fevereiro de 2009) 5. Jornais impressos e Online: Folha de São Paulo, consultado entre 10 de janeiro de 2007 até 20 de dezembro de 2008. Odebrecht Informa Online. www.odebrecht.com.br. Consultado em 25 de setembro de 2008. 6. Entrevistas: VELLOSO, João Paulo dos Reis. (ministro do planejamento durante a presidência da república de Ernesto Geisel). Entrevista concedida para o autor em 27 de fevereiro de 2009. QUINTELLA, Sérgio. (presidente da Internacional de Engenharia S.A. –IESA). Entrevista concedida para o autor em 5 de março de 2009.

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Lista de abreviaturas e siglas

ABEMI Associação Brasileira de Engenharia Industrial.

APEX Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.

ARENA Aliança Renovadora Nacional.

BACEN Banco Central do Brasil.

BA´TH Partido da Ressurreição.

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento.

BRASPETRO Petrobrás Internacional S.A.

CACEX Carteira de Comércio Exterior.

CEE Comunidade Econômica Européia.

CEMIG Companhia Elétrica de Minas Gerais.

CENTENCO Cetenco Engenharia S.A.

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.

DNER Departamento Nacional de Estradas e Rodagem.

DPC Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty.

ECGD Export Credit Garantee Department.

EXIMBANK United States Export-import.

FINEX Fundo de Financiamento à Exportação.

IESA Internacional de engenharia S.A.

INOC Iraq National Oil Company.

INTERBRAS Comércio Internacional da Petrobrás.

ICOO Iraqi Company for Oil Operations.

IPEA Instituto de Pesquisa econômica Aplicada.

IPLAN Instituto de Planejamento de Gestão Governamental.

MERCOSUL Mercado Comum do Sul.

MDB Movimento Democrático Brasileiro.

MPLA Movimento para a Libertação de Angola.

MRE Ministério das Relações Exteriores.

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NUCLEBRAS Empresas Nucleares Brasileiras S.A.

OLP Organização para Libertação da Palestina.

OMC Organização Mundial do Comércio.

ONU Organização das Nações Unidas.

OPA Operação Pan-americana.

OPEP Organização de Países Exportadores de Petróleo.

OPIC The overseas Private Investment Corporation.

PAEG Plano de Ação Econômica do Governo.

PETROBRAS Petróleo Brasileiro S.A.

RFA República Federal da Alemanha.

SELA Sistema Econômico Latino-Americano.

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

TCA Tratado de Cooperação Amazônico.

TNP Tratado de não proliferação nuclear.

UE União Européia.

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro.

USAID United States Agency for International Development.

YPFB Yacimentos Petrolíferos Fiscales Bolivianos.

I PND Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento.

IIPND Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento.

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