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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA MESTRADO EM MÚSICA BRASILEIRA
PIXINGUINHA
E A GÊNESE DO ARRANJO MUSICAL BRASILEIRO
(1929 A 1935)
PAULO ARAGÃO
RIO DE JANEIRO, 2001
PIXINGUINHA
E A GÊNESE DO ARRANJO MUSICAL BRASILEIRO
(1929 A 1935)
por
PAULO ARAGÃO
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre sob a orientação da Profª. Drª. Martha Tupinambá de Ulhoa.
Rio de Janeiro, 2001
PIXINGUINHA
E A GÊNESE DO ARRANJO MUSICAL BRASILEIRO
(1929 A 1935)
por Paulo Aragão
BANCA EXAMINADORA
________________________________ Profª Drª Martha Tupinambá de Ulhoa
________________________________
Profª Drª Elizabeth Travassos Lins
________________________________ Profº Dr. Samuel Mello Araújo Júnior
Conceito: ________________
Rio de Janeiro, 30 de Abril de 2001
Programa de Pós-Graduação em Música Centro de Letras e Artes
Universidade do Rio de Janeiro - UNIRIO
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo a realização de um mapeamento da prática
do arranjo musical entre os anos de 1929 e 1935, período fundamental na consolidação e
expansão da música popular urbana e comercial no Brasil.
No contexto industrial então emergente, o arranjo exerce o papel de agregador e
organizador de valores musicais oriundos de diversas instâncias e níveis culturais. A figura do
arranjador destaca-se na dinâmica de produção da música popular mediando elementos e
procedimentos culturalmente híbridos e recorrentes.
Pixinguinha desponta como principal arranjador da época, sendo tomado como
referência no surgimento de um estilo brasileiro de orquestração. A análise de seus arranjos
revela a presença de elementos híbridos e atesta que o grande diferencial de seu estilo está na
forma como ele utiliza materiais de origem culta e industrial, sem sufocar as características
artesanais e tradicionais das músicas.
ABSTRACT
This study surveys the practice of arranging between 1929 and 1935, a period of
expansion and consolidation of Brazilian popular music.
In an emerging industrial context, arrangement performs the role of organizing the
diversity of musical elements coming from several cultural niches. The figure of the arranger
emerges as a mediator of these heterogeneous elements and cultural levels.
Pixinguinha is the main arranger of the time, being considered as a reference in the
appearence of a Brazilian style of orchestration. The analisys of his arrangements reveals the
presence of hybrid elements. The great differential of his style lies in the way he uses
materials from the industry and from high culture without suffocating the traditional Brazilian
musical component.
Aragão, Paulo de Moura
Pixinguinha e a gênese do arranjo musical brasileiro (1929 a 1935) / Paulo Aragão – Rio de Janeiro, 2001.
vii p., 126 p. Orientadora: Profª Drª Martha Tupinambá de Ulhôa Dissertação (Mestrado) -Universidade do Rio de Janeiro. Mestrado em Música. Bibliografia: p. 113-114 Anexos: 115-126 1. Musicologia. 2. Arranjo. 3. Pixinguinha. I. Martha Tupinambá de Ulhôa. II.
Universidade do Rio de Janeiro (1979-). Programa de Pós-Graduação em Música. III. Pixinguinha e a gênese do arranjo musical brasileiro (1929 a 1935).
Este trabalho é dedicado a José Rostand Cavalcanti Aragão,
meu avô, profundo conhecedor da música popular brasileira da década de 30 e responsável por minha aproximação ao repertório estudado aqui.
AGRADECIMENTOS
A todos os meus familiares: a meu pai Romildo, pelo apoio de sempre e pelas revisões
de texto; a minha mãe Heloisa, pelo carinho permanente; ao Pedro, pela cumplicidade e ajuda
no tema; à Helena e ao Luís, pela paciência salvando os arquivos à medida que o trabalho ia
ficando pronto.
À Martha Ulhoa, minha orientadora, pela confiança no meu trabalho. À Elizabeth
Travassos e ao Samuel Araújo, que o acompanharam de perto, pela presença na banca. Ao
Sílvio Mehry, pelas sugestões sempre pertinentes. Ao Antônio Jardim, pela ajuda quando esta
dissertação era ainda um pré-projeto.
Aos colegas Carlos Chaves e Felipe Trotta, muito presentes na discussão das idéias e
na feitura deste trabalho. Aos amigos Pedro Paulo Santos e Marcelo Lamego. E também ao
Lysandro Trotta, meu “consultor tecnológico”.
À Nana Vaz, pelo apoio irrestrito, revisão de vários trechos, discussões de tantos
pontos e sugestões preciosas.
E, finalmente, um agradecimento especial à CAPES e à FAPERJ, pelo apoio
financeiro que viabilizou este estudo.
SUMÀRIO
Introdução ................................................................................................................................ 1
Capítulo 1 — Algumas considerações sobre o conceito de arranjo ....................................... 10
Capítulo 2 — Hibridismo nos arranjos da década de 30 .........................................................27
Capítulo 3 — Orquestras: conceituação e histórico ............................................................... 43
Capítulo 4 — Antecedentes (1927 a 1929) ............................................................................ 55
Capítulo 5 — Orquestra Victor Brasileira (novembro de 1929 a dezembro de 1931) ........... 68
Capítulo 6 — Grupo da Guarda Velha (1932) ....................................................................... 84
Capítulo 7 — Diabos do Céu (1933 a 1935) ..........................................................................97
Conclusão ............................................................................................................................. 110
Referências bibliográficas .................................................................................................... 112
Anexo 1 — Tabela de fonogramas utilizados ...................................................................... 114
Anexo 2 — Tabela de fonogramas estrangeiros utilizados .................................................. 122
Anexo 3 — Lista dos fonogramas disponíveis no CD anexo ............................................... 124
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como objeto de estudo os arranjos criados por Alfredo da Rocha
Vianna Filho (1897-1973), o Pixinguinha, para os conjuntos orquestrais patrocinados pela
gravadora Victor entre os anos de 1929 e 1935. Uma série de fatores torna esse objeto
especialmente interessante para um estudo sobre música popular. Primeiramente, pareceu-nos
oportuna a atenção específica a um tema como o arranjo, relativamente negligenciado pela
bibliografia acadêmica que trata da música popular brasileira. São raros os estudos que tomam
o arranjo como objeto central, sob qualquer enfoque. Temos no máximo um tratamento
secundário, sempre atrelado a outras questões que conduzem as discussões. A importância de
uma abordagem centrada no arranjo é grande, a nosso ver, uma vez que ele desempenhou
papel fundamental nos processos de constituição e desenvolvimento da música popular
brasileira, cabendo aos arranjadores responsabilidade tão marcante e decisiva quanto a dos
compositores ou intérpretes — ainda que se tratasse de uma responsabilidade limitada aos
bastidores e por isso mesmo nem sempre avaliada em sua real envergadura. Especialmente no
período delimitado para este estudo o arranjo parece ter tido importância ainda mais
destacada, como veremos a seguir.
Estudar o tema “arranjo” torna-se ainda mais interessante sendo o objeto em questão
os arranjos de Pixinguinha, considerado um dos maiores arranjadores brasileiros e tido como
referência no surgimento e na consolidação de um estilo brasileiro de arranjo. A escolha dos
arranjos compostos para a Victor se justifica pelo fato de que foi justamente esse o primeiro
emprego fixo de Pixinguinha como arranjador. É certo que Pixinguinha já fazia arranjos havia
muitos anos, mas a partir desse momento essa atuação ganharia um caráter mais “oficial”: sua
produção se daria de forma mais sistemática e estaria atrelada aos ditames da indústria
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fonográfica. O marco inicial desta pesquisa é, portanto, representado pela assinatura do
contrato entre o músico e a gravadora, em junho de 1929. O ano de 1935 foi escolhido como
marco final porque a partir dos anos subseqüentes outros arranjadores, como Radamés
Gnattali, começariam a dividir regularmente a criação de arranjos e a direção desses grupos
orquestrais com Pixinguinha, que continuaria atuando nos últimos anos da década de 30 —
sendo, porém, progressivamente deixado de lado em um processo de decadência que
culminaria com seu “desaparecimento” no cenário musical no início da década de 40, um dos
períodos mais difíceis de sua vida.
Os últimos anos da década de 20 e os primeiros da década de 30 representam ainda um
momento crucial na trajetória da música brasileira — o que valoriza ainda mais o objeto
escolhido para o estudo. Pode-se observar nesses anos um enorme impulso no sentido da
ampliação e consolidação da indústria fonográfica no Brasil, a partir da introdução no país de
uma nova tecnologia, o sistema elétrico de gravação, em 1927. De fato, temos nos anos de
1928 e 1929 a chegada de diversas gravadoras internacionais no Brasil: Parlophon (1928),
Columbia, Victor e Brunswick (1929) instalam fábricas no Rio de Janeiro e em São Paulo,
juntando-se à pioneira Odeon. Em pouco tempo os discos e os fonógrafos tornam-se uma
tecnologia acessível a uma parcela cada vez maior da população, graças à concorrência e ao
substancial aumento da produção nacional. As gravadoras se direcionam para atender aos
interesses de um mercado cada vez mais amplo e variado, patrocinando a criação de inúmeros
conjuntos e orquestras voltados para os mais diversos gêneros e estilos. Percebe-se um
processo de profissionalização mais sistemática dos músicos, muitos deles oriundos dos
morros e das camadas sociais mais baixas da população. Surgem cantores, instrumentistas e
compositores, como Carmen Miranda, Mário Reis, Benedito Lacerda e Ary Barroso, que se
consagrariam a seguir como alguns dos nomes mais importantes de toda a trajetória da música
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popular brasileira. Em pouco tempo os lançamentos fonográficos passam a repercutir em
âmbito nacional.
Temos, com isso, o início da formação de uma complexa rede de inter-relações,
protagonizada por intérpretes, compositores, diretores de orquestra, técnicos, diretores
artísticos e empresários, que passa a dominar a atividade musical popular urbana. Algumas
dessas figuras parecem surgir mesmo pela primeira vez nessa época. Os diretores artísticos,
agentes responsáveis por uma ponte entre os donos de gravadoras e os músicos, não existiam
formalmente até então. O cargo de diretor de orquestra é consolidado, podendo acumular as
funções de regente e arranjador — na concepção atual desses termos. A indústria impõe uma
linha de produção especializada e fragmentada. A partir de 1932 teríamos ainda o início
efetivo da “era do rádio” no Brasil, com a liberação da propaganda (até então proibida nesse
veículo) e o surgimento de novas emissoras, muitas delas voltadas para a música popular.
Assim, o período delimitado representa não apenas um momento especial na produção
do arranjador Pixinguinha. Representa também o momento de um impulso inicial da indústria
fonográfica no Brasil. Representa, além disso, o momento em que o arranjo começa a se
consolidar como uma atividade legitimada e independente na dinâmica de produção musical
popular, exercendo papel estratégico naquele processo de expansão da indústria fonográfica.
Essa conjunção de fatores torna esse um período especial: eis o porquê de nossa escolha.
Foi necessário fazer algumas delimitações que tornassem o objeto de estudo
compatível com as proporções e objetivos desta dissertação. Assim, optamos por restringir
nosso universo de ação aos arranjos elaborados por Pixinguinha para músicas cantadas, em
diversos gêneros, especialmente o samba e as marchas carnavalescas, bastante representativos
dentro da música popular brasileira. Restringimo-nos, também, aos arranjos elaborados para
formações orquestrais, em especial para a Orquestra Victor Brasileira, para o Grupo da
Guarda Velha e para os Diabos do Céu — os três conjuntos mais atuantes nas gravações da
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Victor. É importante ressaltar, porém, que todas as delimitações propostas foram
transgredidas sempre que houve necessidade, principalmente nos casos em que foi necessário
realizar comparações entre algum elemento contido no universo delimitado com algum outro
de fora. Como veremos, alguns arranjos elaborados para formações menores (conjuntos
regionais, duos ou acompanhamentos solo) possuem elementos determinantes e
imprescindíveis para a análise de um arranjo orquestral. Do mesmo modo, em alguns
momentos foi necessário recorrer a arranjos criados fora do período delimitado inicialmente
(1929 a 1935) para que pudéssemos avaliar as articulações e as inovações contidas nos
arranjos em estudo. Finalmente, achamos pertinente uma avaliação de trabalhos de outros
arranjadores atuantes na época: a comparação nos auxiliou na avaliação do papel de
Pixinguinha no universo do arranjo na época.
Para tentar dar conta de uma abordagem o mais completa possível do objeto de estudo
explicitado acima, utilizamos duas perspectivas de ação distintas — porém complementares.
A primeira dessas perspectivas dá conta de um olhar descritivo sobre os arranjos de
Pixinguinha e sobre todos os elementos relevantes que os circundam. Assim, teremos desde
descrições dos elementos musicais presentes nos arranjos — instrumentação utilizada ou
recursos técnicos empregados em um arranjo ou no conjunto de alguns arranjos, por exemplo
— até descrições de aspectos circundantes de relevância — orquestras atuantes, músicos que
as formavam ou qualquer outro aspecto de caráter mais factual, histórico. Através dessa
perspectiva descritiva pretendemos traçar um painel das práticas ligadas ao arranjo, do
desenvolvimento dessas práticas ao longo do período delimitado e dos agentes nelas atuantes.
Esse painel descritivo é muito importante enquanto subsídio de informações e fatos históricos;
porém, é necessário fazer com que se obtenha um aprofundamento maior, que suplante a
superficialidade inerente a uma análise meramente descritiva.
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Por isso lançamos mão de uma segunda perspectiva, de caráter mais crítico, no sentido
de interpretar as relações existentes entre os diversos elementos descritos. Essa abordagem
constou não apenas de referenciais musicais ou musicológicos; foi complementada através de
um enfoque transdisciplinar, que trouxe de outras ciências um mínimo de ferramentas
auxiliares importantes na compreensão do significado de alguns elementos musicais perante
elementos sociais e econômicos da época. Esse tipo de “apropriação” é na verdade bastante
comum em trabalhos musicológicos, especialmente quando ligados à música popular
brasileira, cuja constituição ostensivamente repleta de hibridismos e fusões entre valores
culturais variados torna importante um tipo de abordagem que transcinda o campo musical
por si só.
No nosso caso específico, podemos observar que no momento da consolidação de um
novo conceito de música popular brasileira, com a incidência definitiva dos fatores comercial
e industrial — algo que começa a ocorrer justamente no período em questão aqui — o arranjo
surge como um processo que vai muito além da simples organização de sons para uma
performance, que vai muito além do fator meramente musical. O arranjo aparece como
processo agregador de elementos advindos de diversas instâncias culturais distintas e o
arranjador aparece como mediador desse processo, atuando de forma decisiva na consolidação
de algumas características que passariam a emblematizar a música brasileira e identificá-la
como tal, a partir de então. Podemos observar esse trabalho de “mediação” por parte do
arranjador, por exemplo, na constante preocupação em dar “roupagens nobres” à música
popular — preocupação expressa em inúmeros documentos de época, que serão analisados ao
longo da dissertação. Ao “dar roupagens nobres” a uma composição oriunda dos morros
cariocas, por exemplo, o arranjador estava ao mesmo tempo tornando-a “palatável” a um
público de elite e legitimando-a (nos padrões artísticos dessa elite) frente à sua comunidade
original.
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Por outro lado, a utilização em um arranjo de elementos advindos de manifestações
musicais diversas (como batucadas dos morros nos sambas ou contracantos “marciais”
semelhantes aos das bandas militares nas marchinhas de carnaval) proporcionava uma
diversidade importante até mesmo em uma perspectiva mercadológica — criando um
interesse pautado, grosso modo, no “exotismo” por parte das elites e na “identificação” por
parte das camadas populares. Assim, podemos inclusive trabalhar com a hipótese de que o
arranjo foi uma importante ferramenta para as gravadoras no sentido da ampliação de
mercados. Na expectativa de uma compreensão mais efetiva desse papel de catalisador e
reorganizador de elementos musicais diversos exercido pelo arranjo, recorreremos aqui às
teorias que envolvem circularidade cultural e hibridismo, oriundas do campo da História e dos
estudos culturais. Nessas teorias esperamos encontrar subsídios para uma busca, nos arranjos
propriamente ditos, de elementos representativos dessa pluralidade cultural.
Assim, nosso objetivo é a realização, através dessas perspectivas descritiva e
transdisciplinar, de um mapeamento (ou pelo menos de um esboço de mapeamento) do
universo sonoro da época em suas múltiplas instâncias, a partir do ponto de vista do arranjo,
centrado na obra de seu representante mais importante — Pixinguinha.
A realização deste estudo foi pautada na utilização de fontes variadas. Não resta
dúvida de que as fontes mais importantes em nossa pesquisa foram os fonogramas de época.
Por opção predefinida, não buscamos acesso à partitura de nenhum arranjo. Acreditamos que
a busca dessas eventuais partituras (muitas certamente já extraviadas) seria extenuante e não
traria resultados compensadores, uma vez que as gravações já representam um material de
pesquisa muito completo nesse caso — afinal a música popular tem historicamente uma
relação menos comprometida com o registro escrito que a música clássica. As gravações dos
grupos orquestrais dirigidos por Pixinguinha realizadas no período estudado são numerosas —
mais de 500, segundo um levantamento superficial levado a cabo por nós na Discografia
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brasileira 78rpm (Santos, Barbalho, Severiano & Azevedo, 1982). Somadas a gravações de
arranjos de interesse de outras orquestras, fica patente a necessidade de seleção de amostras
representativas do universo geral dos arranjos da época.
Assim, adotamos dois critérios para a escolha das gravações a serem analisadas. Em
primeiro lugar, o critério da acessibilidade. Muitas das gravações se perderam ou têm acesso
difícil, ainda que atualmente alguns selos especializados — como Revivendo e Collector’s —
disponibilizem parcela significativa delas. No nosso caso, as gravações acabaram sendo
escolhidas basicamente no acervo da Revivendo. O segundo critério diz respeito à
importância histórica de certas gravações. Nesse caso, nos valemos de outro importante tipo
de fonte: periódicos e outros documentos de época — dos quais a revista Phonoarte foi sem
dúvida a fonte mais importante. Essa revista circulou entre os anos de 1928 e 1931 no Rio de
Janeiro e foi a primeira revista brasileira ligada à indústria fonográfica. Em edições
quinzenais, a Phonoarte comentava os últimos lançamentos nos mais diversos gêneros
musicais, indicava gravações, criticava os artistas, realizava enquetes e fornecia informações
gerais sobre o cenário musical fonográfico. É difícil termos a noção exata do papel dessa
revista na formação de um público consumidor de música, mas é inegável sua importância
como uma das poucas fontes de época que documentam o impacto causado pela música
popular e todas as transformações então em curso. Essa importância é atestada pelas
constantes referências à Phonoarte nos trabalhos dos mais importantes historiadores e
musicólogos ligados à música popular.
Outro tipo de fonte na qual nos amparamos foi a não muito numerosa mas importante
bibliografia que aborda a música popular brasileira da década de 30. Selecionamos trabalhos
de cunho documental, jornalístico e acadêmico que forneceram informações valiosas.
No total foram analisados cerca de 200 fonogramas escolhidos — a relação completa
encontra-se nos Anexos 1 e 2. Nessas gravações tentamos reunir os artistas mais atuantes e os
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gêneros mais significativos, havendo um predomínio natural do samba e das marchas
carnavalescas. Vários outros gêneros, como fox-trotes, valsas e serestas, também foram
representados. Os exemplos musicais estrangeiros foram buscados em gravações norte-
americanas, especialmente as de Bing Crosby, o cantor mais atuante da época.
Foi realizado um fichamento de cada um desses fonogramas, descrevendo as
características dos arranjos a partir de parâmetros predefinidos (forma, estrutura harmônica,
instrumentação, orquestração) e destacando a utilização de elementos e procedimentos de
origens diversas, a partir dos referenciais transdisciplinares adotados — que serão
apresentados no capítulo 2. É importante ressaltar, porém, que a fase de análise dos arranjos
foi a primeira etapa de nosso cronograma: a partir dela buscamos conceitos que permitissem
uma interpretação crítica das informações musicais obtidas.
O corpo da dissertação está dividido em sete capítulos. No primeiro deles pretendemos
ajustar a terminologia adotada ao longo do texto. Isso é especialmente importante em relação
ao próprio objeto de estudo, uma vez que a concepção e a utilização do termo “arranjo”, na
época, era bastante diferente da atual, como demonstram algumas referências em documentos
de época. É essencial proceder, assim, uma discussão acerca das diversas possibilidades de
conceituação da palavra “arranjo” — inclusive perante os múltiplos significados que o termo
pode tomar atualmente.
O segundo capítulo trata dos referenciais teóricos transdisciplinares (com a
apresentação e a discussão sobre as ferramentas utilizadas na busca de uma visão
culturalmente plural do arranjo). No terceiro capítulo promovemos uma discussão sobre o
conceito de “orquestra”, discutindo o papel dessa formação instrumental na música popular
brasileira.
Os capítulos seguintes trazem as análises dos arranjos a partir dos referenciais
predefinidos. Optamos por um corte cronológico, de forma que o quarto capítulo abarca os
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anos antecedentes à contratação de Pixinguinha pela Victor (fundamentais para a
contextualização do período subseqüente), o quinto reúne os primeiros anos frente à Orquestra
Victor (1929 a 1931), o sexto enfoca o Grupo da Guarda Velha (1932) e o sétimo os Diabos
do Céu (1933 a 1935). Finalmente, uma breve conclusão tenta sintetizar os resultados
alcançados.
CAPÍTULO 1 — CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE ARRANJO
Este capítulo inicial traz como proposta a realização de uma breve reflexão acerca do
conceito de “arranjo” no campo da música popular. A motivação para tanto veio da
constatação de que a palavra “arranjo” pode remeter a diversos significados, provocando uma
certa indefinição conceitual, uma imprecisão no discurso observável tanto no cotidiano da
prática musical quanto na literatura sobre música popular — o termo aparece em inúmeros
trabalhos, utilizado em geral a partir de uma noção calcada no senso comum, nem sempre
definida com rigor.
Não é nossa pretensão, porém, alcançar conclusões definitivas sobre um assunto tão
amplo. Pretendemos, apenas, obter resultados que possam servir como embasamento
particular a este trabalho, estabelecendo uma forma coerente de utilização da terminologia e
contribuindo, de alguma forma, para intensificar as discussões sobre o tema.
Em um estudo como este, de cunho histórico, é fundamental ter-se a noção exata não
apenas do significado atual de arranjo, mas também daquele atribuído ao termo na época, de
forma a evitar possíveis distorções provocadas pela análise de um material antigo a partir de
concepções atuais e não necessariamente compatíveis com aquelas. De fato, ao longo da
pesquisa, por diversas vezes foram encontradas em fontes de época (fonogramas, revistas e
livros) referências à palavra “arranjo”, dando conta de significados bastante variados e muitas
vezes distantes da idéia atual que se tem do termo, idéia essa que na verdade também está
bem longe de ser absolutamente consensual.
A primeira incidência que pudemos encontrar nos é trazida por Tinhorão (1998:223) e
ocorre em um disco intitulado Em um café-concerto, lançado em 1910 pela pioneira Casa
Edison e registrado no catálogo da Odeon sob o número 108.172. Trata-se de um disco de
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“intenções cômicas” no qual tenta-se recriar o “clima barulhento, acanalhado, algo triste, mas
vigorosamente popular dos chopes-berrantes cariocas na virada do século”. A cena em si é
precedida, na gravação, da tradicional voz responsável pelo anúncio da atração que seria
ouvida a seguir — tal como sempre ocorria nos fonogramas da época: “Espetáculo em um
café-concerto da rua do Lavradio. Arranjo para a Casa Edison, Rio de Janeiro”. Naturalmente,
o “arranjo” aí se refere à montagem da cena característica dos chopes-berrantes dentro de um
estúdio de gravação. Não parece haver propriamente uma conotação musical específica.
Em seu livro Na roda de samba, o cronista carnavalesco Francisco Guimarães
(Vagalume) traz mais duas referências a arranjo, dessa vez de conotação mais musical, ambas
em comentário sobre o caso “Pelo telefone”. A primeira é a seguinte:
Quem foi o precursor da indústria do samba? Foi Donga com uma assimilação denominada “Pelo telefone”. A letra do samba é um arranjo de Mauro de Almeida (o Peru dos Pés Frios) e a música também é um arranjo do Donga de acordo com a letra e o resto foi pescado na casa de Tia Asseata na rua Visconde de Itaúnas n° 117. Mais adiante temos o outro trecho: “Foi na casa da Tia Asseata, num de seus famosos
sambas, que o Donga apanhou o ‘Pelo Telefone’ e fez aquele arranjo musical...” (apud
Almirante, 1977:28).
Ainda acerca de “Pelo telefone”, Almirante (1977:26) mostra uma versão alternativa
da letra na qual os freqüentadores da casa de Tia Ciata recriminam Donga pela apropriação da
composição como sua:
Pelo Telefone A minha gente boa Mandou me avisar Que o meu bom arranjo Era oferecido para se cantar. Ai, ai, ai Leve a mão à consciência, Meu bem, Ai, ai, ai Mas por que tanta presença Meu bem?
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Ó que caradura De dizer nas rodas Que este arranjo é teu! É do bom Hilário E da velha Ciata Que o Sinhô escreveu. [...]
Nos exemplos de Vagalume e Almirante, o “arranjo” em questão parece referir-se à
consolidação de uma obra, no caso o samba “Pelo Telefone”, através de um processo de
ordenação de um material musical e poético difuso e de caráter até então improvisado. O
“arranjo” garantiria o status de “obra” ao produto dessa ordenação, o que possibilitaria
inclusive o registro autoral da mesma. Já temos aqui uma acepção de arranjo mais ligada à
questão musical.
A palavra “arranjo” aparece também em outro caso parecido: a polêmica que envolveu
a autoria da marcha “Teu cabelo não nega”, lançada em 1932. Lamartine Babo aproveitara o
estribilho da marcha “Mulata”, dos pernambucanos Irmãos Valença, com o aval dos próprios,
acrescentando uma segunda parte e promovendo outras modificações para adaptá-la ao gosto
carioca. Só que, na primeira tiragem do disco, a Victor imprimiu inadvertidamente no selo
“motivos do norte — arranjo de Lamartine Babo”, omitindo o nome de seus primeiros
criadores. Em uma segunda tiragem, a fim de reparar o erro, a gravadora indicou “adaptação
de Lamartine Babo da marcha ‘Mulata’, dos Irmãos Valença”. Segundo Abel Cardoso Junior
(s/d[a]:4), em nenhuma das duas fez-se justiça com o próprio Lamartine, cujo papel teria sido
maior do que o de um arranjador ou adaptador, teria sido na verdade de co-autor. De fato, a
partir de então passou-se a creditar a autoria da marcha aos Irmãos Valença e a Lamartine
Babo. É interessante observar uma certa gradação entre as funções de “arranjador”,
“adaptador” e “compositor” e as sutis fronteiras entre elas, como discutiremos adiante. De
qualquer modo, parece-nos que o “arranjo” tal como foi usado pela Victor no selo dá conta de
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um processo parecido ao do caso “Pelo telefone”, mais centrado, porém, em um processo de
reelaboração de material preexistente — e não apenas de organização e formatação do
mesmo.
A revista Phonoarte nos oferece outras formas de compreensão de “arranjo”. Temos
um primeiro exemplo na edição de 15 de janeiro de 1929, na seção “A Linguagem da Música”
— uma espécie de glossário destinado a “facilitar o conhecimento dos termos mais usados em
música” — onde podemos encontrar uma longa definição do verbete “arranjo”. Elaborada
claramente a partir do ponto de vista da música clássica, a definição começa assim:
Arranjo: Transporte de uma obra musical para outro destino. Redução de uma partitura de coro ou orquestra para o piano ou qualquer outro instrumento. Transformação de uma composição a fim de torná-la acessível a outras categorias de executantes, ou torná-la de acordo com as normas modernas da música. O verbete continua com uma longa lista de “arranjos” realizados por mestres como
Bach e Mozart, ressaltando o “alto valor artístico e musical” alcançado. Mais adiante,
chegamos à seguinte comparação: “Podem ser consideradas como sinônimos de arranjo as
expressões adaptação e transcrição” (grifo original).
Já no campo da música popular, a Phonoarte utiliza o termo em variadas acepções.
Pudemos encontrar diversas situações em que “arranjo” dá conta de gravações de fox-trotes
americanos por artistas nacionais. Nesses casos, o arranjo se referiria, aparentemente, tanto à
tradução da letra quanto à adaptação da música. Na edição de 15 de agosto de 1929, por
exemplo, o crítico da revista afirma: “A Simão Nacional Orchestra tem ocasião de rivalizar
com os melhores jazz norte-americanos ao traduzir com belo arranjo (...) Paradise and you,
cujo estribilho em português é levado a cabo por Chico Viola”. De fato, “arranjo” parece ter
nessa concepção o sentido de adaptação ou mesmo de uma “tradução” musical — talvez até
de cópia do arranjo original americano, algo freqüente na época.
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Já no editorial “Para o sucesso de um disco popular”, que abre a edição de agosto de
1930, temos o termo arranjo utilizado como sinônimo de “orquestração”. Comentando os
“fatores que concorrem para o êxito de um disco popular”, o crítico descreve a importância de
um bom arranjo:
Consideremos ainda o enorme papel que desempenha também o arranjo instrumental, a orquestração, do conjunto ou do acompanhamento. Neste sentido podem ser citados exemplos de como entre dois discos com um mesmo trecho popular, executados em condições idênticas, tem a preferência do público aquele que melhor arranjo de conjunto apresenta. Vejamos, por exemplo, os discos americanos de música de fox-trot, editada simultaneamente em todas as fábricas. O amador desprezará um disco de Paul Whiteman, para adquirir um da Orquestra de Shilkret, se na chapa deste último o fox-trot se apresentar melhor arranjado, melhor orquestrado, mais dançante, com arranjo mais colorido e mais vivo.
Todas as concepções de arranjo reveladas nesses trechos — associadas a noções de
arregimentação, ordenação de material musical disperso, adaptação, transcrição, tradução,
orquestração — revelam conceitos certamente bastante diferentes, que oferecem um pequeno
painel das possibilidades de significação do termo “arranjo” na época.
Acreditamos, porém, que não seria aconselhável eleger nenhuma dessas noções
apresentadas ou quaisquer outras em voga na época como a ideal a ser adotada em um estudo
como este. Parece-nos que a imposição de uma linha de produção industrial à música popular
gerou, justamente nesse momento, um novo papel e um novo significado ao arranjo musical,
não consolidado conceitualmente nas fontes de época. É por isso que tentaremos compreendê-
lo a partir da idéia atual de arranjo, aproveitando-nos do distanciamento histórico que faz
supor o surgimento desse “novo arranjo” como a raiz do significado atual do termo. Mas qual
ou quais seriam, afinal, as concepções de “arranjo” mais em voga na música popular atual?
A procura por fontes que pudessem auxiliar e alicerçar esse tipo de discussão mostrou
o quão limitada é ainda a literatura específica sobre música popular, especialmente sobre
música popular brasileira, mesmo sendo o arranjo um tema absolutamente fundamental para a
15
mesma. É por isso que utilizamos como ponto de partida para nossa reflexão dois verbetes
extraídos de dicionários estrangeiros: o New Grove Dictionary, especializado na música
clássica, que possibilitou uma comparação da natureza do arranjo nos universos clássico e
popular, e o New Grove Dictionary of Jazz, talvez um dos poucos especializados em um
gênero específico de música popular.
A definição mais geral de cada um desses verbetes aponta que, no universo clássico1,
arranjo seria “a reelaboração de uma composição musical, normalmente para um meio
diferente do original”2, enquanto no universo popular teríamos “a reelaboração ou
recomposição de uma obra musical ou de parte dela (como a melodia) para um meio ou
conjunto diferente do original”3. Temos aí conceitos relativamente parecidos. Aparentemente,
a diferença maior estaria na inclusão, no arranjo popular, do processo de “recomposição”
alternado ou somado ao de “reelaboração”, encontrado em ambos os verbetes. Além disso,
temos no arranjo popular a possibilidade de serem utilizados apenas alguns elementos do
original, enquanto o arranjo clássico lidaria com esse original na íntegra. Essa diferença sem
dúvida é muito importante, pois já demonstra uma perspectiva menos rigorosa, um
comprometimento mais flexível com a composição original no arranjo popular, expresso na
possibilidade de “recomposição” pelo arranjador e na liberdade concedida a ele no tratamento
dos elementos originais segundo seus próprios critérios.
Analisando os desdobramentos de cada uma dessas proposições, constatamos que a
liberdade do arranjador popular é, porém, apenas um dentre os vários aspectos que podemos
destacar a partir de uma comparação entre a dinâmica de produção característica dos
universos clássico e popular.
1 “Universo clássico” ou “música clássica” serão adotados aqui sempre em referência ao período que se estende do século XVII ao XIX, tonal, centrado na Europa. 2 “The reworking of a musical composition, usually for a different medium from that of the original”. 3 “The reworking or recomposing of a musical composition or part of it (such as the melody) for a medium or ensemble other than that of the original; also the resulting version of the piece”.
16
De forma geral, podemos considerar que na música clássica é relativamente simples
visualizar algo que poderíamos denominar “instância de representação do original”, isto é, a
maneira pela qual o compositor apresenta suas intenções, possibilitando que elas sejam
alcançadas e compreendidas pelos intérpretes para execução ou performance. A “instância de
representação do original” seria, nesse caso, a partitura — que na música clássica aparece
como o mais importante referencial de comunicação. Mesmo não sendo um registro
totalizante e absolutamente fiel do que acontecerá na execução de uma obra clássica, a
partitura tem, salvo poucas exceções, a característica de apontar todas as notas a serem
executadas, além de fornecer uma gama de instruções que visa aproximar ao máximo a
execução daquilo que fora imaginado pelo compositor. Conseqüentemente, podemos
visualizar na partitura os elementos que podem ser considerados como constituintes do
original de uma obra clássica, tais como alturas, ritmos, dinâmicas ou indicações de
expressividade. Pois bem, é a partir desses elementos que poderá ser elaborado um arranjo de
uma obra clássica.
De fato, isso pode ser observado nas diversas categorias de arranjo clássico apontadas
pelo Grove: arranjos comerciais, ou seja, partituras elaboradas com objetivo de fazer alcançar
uma composição a um público consumidor maior, inclusive com simplificação de
procedimentos; arranjos práticos, exemplificados pelas reduções de partes orquestrais ou
corais para piano, por exemplo; arranjos elaborados com a intenção de expandir o repertório
de instrumentos que, por alguma razão, tenham um corpo de peças originais limitado, como o
violão; entre outros. Note-se que a definição de arranjo exposta aqui é muito parecida com o
conceito de “transcrição”, muito mais usual que “arranjo” em vários países, inclusive no
Brasil. A única diferença seria que a noção de transcrição seria um pouco menos ampla,
dando conta apenas da reelaboração de uma obra com mudança de meio. Não se consideraria
17
como “transcrição” a simplificação de uma obra virtuosística para amadores, por exemplo4.
De qualquer maneira, fica claro que na música clássica, em qualquer das categorias possíveis,
o ponto de partida de um arranjo (ou de uma transcrição) é a partitura. Essa “fidelidade” à
partitura evidencia o forte teor ético e o julgamento moral que envolve a prática do arranjo e a
questão da alteração de material original de que ela consiste. Além disso, fica claro também
que o arranjo na música clássica é uma etapa opcional na dinâmica de produção.
Já na música popular, o reconhecimento de uma “instância de representação do
original” é certamente bem mais difícil. O que poderia defini-la? Uma partitura? A primeira
gravação de uma obra? A versão apresentada em uma primeira execução? Mais do que isso,
seria possível destacar os elementos constituintes dessa “instância de representação”,
elementos que configurariam o original de uma obra? Poderíamos supor que a música popular
comercial tem na melodia um elemento considerado como constituinte do original na maior
parte das vezes. Para além da melodia, porém, a análise se torna ainda mais difícil: que outros
elementos poderiam fazer parte do original? Uma harmonização? Uma “levada”5?
Na música popular, não há definição exata acerca de quais os elementos que
constituem o “original” de uma peça, e nem parece ser essa uma questão tão relevante quanto
na música clássica. Até porque não há compromisso tão formal em relação ao modo de
utilização desses elementos, mesmo que em alguns casos eles possam estar totalmente
definidos pelo compositor. Em muitos casos, padronizou-se o formato “melodia + letra” como
o original da música popular, até para fins de legislação.
Em outros casos, poderíamos considerar esse original como a melodia e a harmonia
cifrada de uma música (fórmula consagrada na notação de temas e standards de jazz, por
exemplo). Temos ainda casos em que uma partitura poderia indicar todo o material de uma
4 Para uma discussão detalhada acerca dos tênues limites existentes entre os conceitos de “transcrição” e “arranjo” nas músicas clássica e popular, ver a tese de mestrado de Beatriz Paes Leme Guerra-Peixe e as 14 Canções do Guia Prático de Villa-Lobos: Reflexões sobre a prática da transcrição (Paes Leme: 2000). 5 “Levada” entendida aqui como o desenho rítmico-harmônico realizado pelos instrumentos da base.
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forma mais fixa, semelhante ao que acontece em uma obra clássica (digamos que a partitura
de uma peça de Ernesto Nazareth para piano, por exemplo, se incluiria nesse caso). Há
também casos em que a partitura não tem nenhum vigor enquanto representação de uma peça
popular. Não resta dúvida, porém, de que considerar qualquer uma dessas hipóteses como a
fórmula estrita de constituição do original na música popular seria generalizar demais os
procedimentos, em uma atitude que não escaparia da arbitrariedade — e nem faria sentido no
universo popular.
A não exigência de uma definição acerca da constituição do original, associada à
música popular, nos leva a pensar que o original popular seria um conceito virtual. Segundo o
Dicionário Aurélio, “virtual” é aquilo que “existe como faculdade, porém sem efeito atual”,
ou “suscetível de realizar-se, potencial”. Estamos considerando o original popular como
virtual justamente porque ele necessita não apenas de uma execução para se potencializar,
mas também de um arranjo, visto que na maior parte das vezes o compositor não determina a
priori (e nem se espera isso dele) todos os elementos necessários para uma execução.
Generalizando essa linha de pensamento, teríamos que qualquer execução de uma obra
popular não dispensaria a existência de um arranjo, ao menos em um plano teórico, o que
parece outorgar ao arranjo a condição de processo inerente à dinâmica de produção dessa
música. Isso é especialmente válido no caso da música popular, foco das atenções neste
estudo; no caso das tradições orais, teríamos de analisar caso a caso.
Assim, na música popular comercial, poderíamos tentar descrever essa dinâmica em
três fases: composição, arranjo e execução. Partindo do princípio de que na música popular
não existe uma predefinição rígida acerca dos elementos que constituirão um original, e
levando em conta que parte desses elementos estará sob a gerência de um arranjador, é natural
supor que o arranjo esteja presente sempre entre os processos de composição e execução,
ainda que possa se dar de maneiras muito diferentes.
19
De acordo com a situação, pode haver uma variação significativa na distribuição dos
elementos previstos pelo compositor e daqueles que ficarão a cargo do arranjador. Há casos
em que o arranjador parte apenas de uma melodia, por exemplo. Por outro lado, há outros
casos em que o compositor popular age quase da mesma forma que o compositor clássico,
predeterminando elementos como harmonia, levada, ou até mesmo as notas exatas a serem
executadas. Mesmo nesses casos, podemos considerar que ele esteja fazendo as vezes de
compositor e de arranjador, não havendo preocupação rígida em enumerar os elementos
pertencentes a cada uma dessas fases. Assim, o arranjo continuaria existindo, ainda que
apenas por definição. Por isso, é muito comum haver referências a um “arranjo original” na
música popular. É como se na música popular não houvesse uma “instância de representação
do original”, mas sim uma “instância de representação do arranjo original”. Essa “instância”
se daria não através de um único meio, como a partitura na música clássica, podendo ocorrer
também através da oralidade ou de uma gravação, por exemplo — supondo nesses casos já a
ação de um intérprete e uma execução. A partir daí novos arranjos poderiam ser elaborados,
seja a partir de elementos extraídos dessa “instância” e reelaborados ou seja a partir
novamente do “original virtual”, caso o arranjador tenha acesso a ele ou caso deduza por
suposição seus elementos a partir da “instância de representação do arranjo”.
Naturalmente, há diversas situações que funcionam como exceções. Exemplos antigos,
como o de partituras de peças de Ernesto Nazareth para piano, poderiam ser considerados
mais como “instância de representação do original”, no sentido clássico, do que “instância de
representação do arranjo” — o que nos parece natural, dada a ligação desse compositor com o
universo clássico. Mesmo assim, o arranjo poderia continuar existindo, dada a liberdade com
que os intérpretes lidariam com esse “original” — poderíamos até arriscar-nos a afirmar que
são minoria os intérpretes que tocam as obras de Nazareth tal qual elas estão escritas nas
partituras. Muitas outras exceções poderiam ser citadas: as possibilidades de arrumação das
20
etapas características da dinâmica de produção popular são quase infinitas e não pretendemos
imaginá-las todas aqui.
Já na música clássica, as duas primeiras fases dessa dinâmica (composição e arranjo)
estariam, digamos, acopladas e sob os auspícios da mesma figura, o compositor, e teriam
como resultado a partitura em si. Além disso, o processo de arranjo assim concebido não
ganharia denominação própria, por não constituir na música clássica uma fase independente
dentro dessa dinâmica, fazendo parte do próprio processo de composição.
A fim de promover uma melhor visualização das dinâmicas de produção nos universos
clássico e popular, esboçamos a seguir dois esquemas gráficos que tentam representá-las
simplificadamente. Com isso, poderemos também diferenciar os significados adquiridos pelo
termo “arranjo” quando aplicado a etapas diversas dessas dinâmicas. Comecemos no universo
da música clássica:
UNIVERSO
SONORO
DISPONÍVEL
1ª etapa:
composição
agente:
compositor
_______________
etapa opcional:
arranjo
com ou sem mudança
de meio
OBRA
ORIGINAL
(partitura)
|
|
|
||
OBRA
ARRANJADA
Figura 1
2ª etapa:
execução
agente:
intérprete
________________
agente:
arranjador,
transcritor
______________
OBRA
EXECUTADA
OBRA
EXECUTADA
No gráfico, os traços indicam as etapas da produção e os grifos em cinza indicam o
status do material sonoro ao longo dessas etapas. Temos, assim, uma primeira etapa que
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consiste na organização e estruturação dos sons escolhidos no universo sonoro disponível (no
caso, representado tradicionalmente pelas “séries harmônicas e escalas cromáticas”, segundo
o Grove), a cargo do compositor. Essa etapa é chamada de “composição” e possibilita o
surgimento de uma “obra”. Instaurada a obra original e representada na partitura, temos então
a possibilidade (ilustrada no gráfico por um traço pontilhado) de realização de um arranjo, ou
de uma transcrição, isto é, de uma reelaboração dessa obra original (com ou sem mudança de
meio no caso do arranjo, com mudança de meio no caso da transcrição). Essa etapa, levada a
cabo pelo arranjador ou pelo transcritor, faria surgir uma obra arranjada ou uma transcrição,
igualmente representada em uma partitura, que poderíamos considerar como uma “segunda
instância original”. A última etapa da dinâmica, a etapa da execução, faria soar a obra
segundo os critérios de interpretação dos executantes. Naturalmente o gráfico proposto acima
é apenas uma tentativa de representação estanque de um processo extremamente dinâmico; é
certo que há inúmeros meandros e caminhos impossíveis de serem levados em consideração
aqui — o que fugiria inclusive aos objetivos deste texto.
Passamos então à representação semelhante da dinâmica de produção na música
popular comercial, centro das atenções aqui:
UNIVERSO
SONORO
DISPONÍVEL
1ª etapa:
composição
____________
agente:
compositor
OBRA
ORIGINAL (original virtual) (composto por uma melodia? Por uma harmonia? Outros
elementos?)
2ª etapa:
arranjo
____________
agente:
arranjador
Figura 2
OBRA ARRANJADA
(escrita ou não) (complementação aos elementos não indicados na obra
original ou reelaboração dos
mesmos)
3ª etapa:
execução
___________
agente:
intérprete
OBRA
EXECUTADA
Temos uma primeira etapa relativamente semelhante àquela descrita na dinâmica
clássica, guardadas todas as particularidades técnicas e estilísticas inerentes a cada um desses
universos. A diferença mais significativa para nós, porém, estaria no fato de que a ação do
22
compositor pode gerar apenas alguns dos elementos que serão necessários na execução, e por
isso estamos considerando o resultado dessa ação como um “original virtual”. E é justamente
essa característica que torna a etapa seguinte, a etapa do arranjo, absolutamente essencial na
música popular — e não opcional como na música clássica. É essa etapa que possibilitará a
realização e a concretização da obra popular. A etapa do arranjo estará a cargo do arranjador,
do compositor-arranjador ou do próprio intérprete, como veremos adiante. O produto final
dessa etapa será o arranjo propriamente dito, ou seja, a obra estruturada e passível de
execução (seja o arranjo escrito ou não). A execução constituiria a última etapa do processo, a
cargo do intérprete.
Esse seria um processo geral; há infinitas possibilidades de variações e algumas delas
merecem ser destacadas. A primeira ocorre justamente quando as etapas de arranjo e
execução se fundem em uma só, sendo o próprio intérprete o “arranjador momentâneo” de
uma obra, a partir de alguns elementos que constituiriam seu “original virtual”. Estariam
circunscritos a essa variação, por exemplo, os chamados “one-time arrangements”, citados
pelo Grove of Jazz, que consistem na estruturação do material original realizada de forma
totalmente improvisada (sem nenhuma combinação prévia no que diz respeito a aspectos
formais, harmônicos, texturais, de instrumentação etc). Em uma outra variação, as etapas
“composição” e “arranjo” se fundem em uma só. Poderíamos ilustrar isso imaginando uma
obra de Dorival Caymmi com o próprio compositor se acompanhando ao violão (nesse caso
realizando também a etapa de execução), ou por outro intérprete procedendo exatamente da
mesma maneira. Poderíamos ainda supor a existência de uma outra variação se
imaginássemos uma situação extrema, na qual as três etapas (composição, arranjo e execução)
estivessem acopladas em uma só: teríamos como exemplo disso um compositor que cria e
executa uma obra simultaneamente, de improviso.
23
Essas variações nos conduzem a um parâmetro de classificação muito importante na
caracterização da etapa “arranjo” na dinâmica musical popular: o grau de predefinição dos
arranjos estabelecido nessa etapa. Teríamos assim em um dos pólos dessa escala os arranjos
totalmente “fechados”, isto é, os arranjos que determinam a priori todos os elementos a serem
executados pelos intérpretes. Esse tipo de arranjo, em geral escrito, se aproxima muito da
concepção clássica de predefinição total (ou quase total) dos elementos executados. Um
arranjo de uma peça popular qualquer para coro, por exemplo, poderia se encaixar nessa
definição. No pólo oposto dessa escala, teríamos os arranjos totalmente “abertos”, exatamente
como os “one-time arrangements” já citados. Entre os dois pólos, teríamos uma gradação
quase infinita de possibilidades de arranjos “mais fechados” ou “mais abertos”. Nesse campo
intermediário estariam, por exemplo, os chamados “head-arrangements”, também citados pelo
Grove of Jazz, e que consistem em arranjos coletivos não escritos e parcialmente predefinidos
pelos próprios músicos ao longo de ensaios. Há evidentemente diversos casos em que é
praticamente impossível saber o quanto um arranjo é improvisado ou o quanto ele já estava
determinado a priori. Fica de qualquer maneira implícito esse parâmetro à caracterização
geral de um arranjo, ainda que apenas numa esfera de ação ideal.
Um outro parâmetro de caracterização da etapa “arranjo” seria o grau de interferência
do arranjador no original da obra. Assim, teríamos de um lado os arranjos que mantêm as
características do original (ou de um outro arranjo considerado original, ou de um tipo de
arranjo representativo do gênero ou do caráter da obra original) e de outro lado teríamos as
recriações, arranjos com elementos inteiramente novos em relação ao original (ou a todo o
conjunto de possibilidades de original). Para uma definição mais rígida desse parâmetro,
porém, seria necessário anteriormente determinar quais os aspectos musicais que estariam no
âmbito do original, apresentando-se então para a possível interferência do arranjador. Já
vimos que essa é uma tarefa ingrata e mesmo desnecessária. Em alguns casos, porém,
24
poderíamos nos basear em características gerais deduzidas a partir de gênero, época ou estilo
de uma música para avaliarmos o quão “distante” teria sido realizado um arranjo em relação a
sua suposta intenção original. Em nossas pesquisas, deparamo-nos diversas vezes com sambas
ou marchas carnavalescas arranjadas com elementos típicos do fox-trote, por exemplo. Assim,
temos um parâmetro de aplicação tão ou mais ideal quanto o primeiro, porém igualmente
válido, ainda que não rigidamente mensurável.
A compreensão desses dois parâmetros (grau de predefinição do arranjo e o grau de
interferência do arranjador) é importante não apenas porque eles dão conta de critérios de
avaliação de arranjos efetivamente usados no dia-a-dia da música popular, mas também
porque eles acabam por determinar a utilização no meio musical do termo “arranjo” com uma
acepção diferente. Segundo essa acepção, muito usual entre os músicos populares, “tocar com
arranjo” seria tocar com um alto grau de predeterminação e com diversos elementos novos em
relação ao original. “Tocar sem arranjo” seria tocar mais livremente, sem predeterminações,
seguindo procedimentos padrões determinados pela prática e pela linguagem particular de
gêneros e estilos. Assim, “arranjo” nessa acepção daria conta de uma série de elementos,
escritos ou não, predefinidos antes da execução de uma obra popular.
Teríamos assim duas possibilidades de compreensão do arranjo e de seu papel na
música popular, e a tensão existente entre elas não deveria ser ignorada em nenhum estudo
que lide de alguma forma com o tema. A primeira delas seria concebida a partir de uma noção
mais ampla, mais teórica, e apregoaria que o arranjo seria inerente a “toda execução de
música popular”, ou seja, seria a forma de estruturação de uma obra popular. A segunda
noção, mais corriqueira, consideraria arranjo como um conjunto de predeterminações
acertadas de alguma maneira antes da execução de uma obra popular (“tocar com arranjo”).
Por exemplo: um choro “sem arranjo” seria tocado na forma tradicional do gênero (ABACA,
por exemplo), com revezamento espontâneo entre os solistas (caso houvesse mais de um) e
25
com cada instrumento desempenhando um papel mais ou menos fixo dentro dessa tradição
(violão realizando os baixos e cavaquinho o centro harmônico-rítmico, por exemplo). Já o
mesmo choro tocado “com arranjo” poderia trazer forma diferente, materiais e procedimentos
novos (como a melodia dividida entre vários instrumentos, em um sentido mais camerístico,
por exemplo).
Qual dessas duas definições seria mais adequada a um trabalho como este? Qual delas
melhor se enquadraria na dinâmica de produção da música popular da época? Seria possível
considerar qualquer acompanhamento de canção popular da década de 30 como um arranjo?
Ou arranjo daria conta apenas de acompanhamentos preelaborados, como de orquestrações
(aliás, o termo mais usado na época)? A nosso ver, a utilização do termo “orquestração” como
sinônimo de “arranjo”, como acontece inclusive em um dos trechos transcritos da Phonoarte,
não parece ser ideal, visto que esse último traz uma dimensão criativa nem sempre associada
ao primeiro, que muitas vezes dá conta de um processo de mera transposição para a orquestra
de materiais oriundos de outros meios. E a audição de gravações de época nos mostra que a
dimensão criativa parece predominar nos acompanhamentos de então. É por isso que nos
parece mais adequado utilizar o termo arranjo em sua primeira acepção, mais ampla, que dá
conta de um processo inerente a toda execução de música popular. Além do mais, é
importante perceber que a primeira noção engloba a segunda.
Assim, para nós, o arranjo será condição para a existência de uma obra popular. O fato
de que essa definição não parecia usual na época estudada, a julgar pelos exemplos
recolhidos, não parece ser problema desde que sejam feitas todas as ressalvas necessárias.
Afinal, nada impede que consideremos que havia de fato um arranjo na execução de um
samba de Sinhô, por exemplo, por um cantor acompanhado por dois violões. Mais do que
isso, podemos considerar que qualquer acompanhamento nessa época configuraria um
26
arranjo, fosse ele realizado conscientemente dentro da dinâmica de produção popular ou não,
tenha tido ele essa denominação ou não.
CAPÍTULO 2 — HIBRIDISMO NOS ARRANJOS NA DÉCADA DE 30
Nossa proposta aqui é tentar visualizar o cenário culturalmente plural da música
brasileira na década de 30 através da análise dos arranjos das canções. Estamos considerando
o arranjo como um processo inerente a qualquer música popular comercial, conforme
discutimos no Capítulo 1. Desse modo, a constatação de sua existência na década de 30 não
constitui propriamente uma novidade, pelo menos para nós. O que nos faz optar por um olhar
específico sobre essa atividade é o fato de que nesse momento o arranjo se firma como
atividade “oficializada” na dinâmica de produção da música popular comercial, tornando-se
processo independente da composição e estando freqüentemente a cargo de outra pessoa — o
arranjador, muitas vezes escondido sob os rótulos de “orquestrador” ou “diretor de orquestra”.
A nosso ver, o arranjo passa a funcionar como aglutinador de elementos musicais diversos e
possibilita aos arranjadores a atuação como mediadores desses elementos. Se verificarmos
que é justamente na década de 30 que a música popular brasileira firma historicamente
algumas de suas principais características, emblematizadas em gêneros como o samba,
poderemos avaliar a importância do arranjo e da mediação estabelecida através dele na
consolidação de um sentimento “brasileiro” até hoje associado a essa música.
A independência do arranjador e de outras figuras pode ser diretamente associada à
ação da indústria fonográfica, então em processo de ascensão, como afirma, por exemplo,
Elizabeth Travassos (2000:15):
As empresas de distribuição de música em larga escala, da era industrial, intervêm não apenas na difusão, mas no próprio processo de produção. Canções compostas por um indivíduo são entregues para harmonização ou arranjo por outros, diretores artísticos podem indicar os intérpretes, e as gravações em estúdio são conduzidas por técnicos cujo trabalho incide diretamente sobre a feição sonora última. A divisão do trabalho musical é ampliada nessa cadeia produtiva (...).
28
José Roberto Zan (1996:22) destaca a importância da técnica nesse novo processo
produtivo:
Os novos meios técnicos geram um outro objeto musical a partir dos trabalhos de compositores, instrumentistas, cantores, arranjadores etc. Dessa forma, os aspectos formais estilísticos que lhes são peculiares como características harmônicas, melódicas, timbrísticas, a duração, os padrões orquestrais e de arranjos, os aspectos temáticos e performáticos, são, até certo ponto, condicionados pela técnica, bem como por todo o processo industrial de produção e consumo. Vários fatores parecem evidenciar que, enquanto parte dessa engrenagem industrial, o
arranjo funcionou como uma importante ferramenta mercadológica para as gravadoras, no
sentido da ampliação dos mercados consumidores de música popular. Para comprovar isso, é
necessário primeiramente salientar a força dessa música enquanto produto comercial, o que
pode ser mensurado pelos investimentos dessas multinacionais na construção de fábricas e
estúdios, na formação de casts de artistas e no enorme número de lançamentos de gêneros
populares, que reinavam absolutos em termos quantitativos nos catálogos.
Acontece que esse “produto” não poderia ser apresentado em seu estado bruto, tal qual
era praticado por seus agentes tradicionais em seus meios originais. Parecia imprescindível a
transformação da música popular em um produto palatável ao gosto de um público mais
amplo, formador do mercado consumidor. É justamente nessa transformação que o arranjo
desponta como atividade essencial para a indústria, enquanto possibilidade de “disciplinar” e
revestir os sons populares.
Na prática, não podemos ter certeza da interferência direta das gravadoras na
construção dos arranjos, mas é certo que elas tinham no mínimo poder de veto sobre
resultados que não fossem considerados satisfatórios. No contrato de Pixinguinha com a
Victor temos essa interferência bastante explícita, através de uma cláusula que o obriga a
“instrumentar quaisquer músicas destinadas a gravação em disco pela Victor Company, ou de
29
outros fins quaisquer e para o número de instrumentos e na forma desejada pela Companhia”
(Tinhorão, 1998:303).
Aparentemente, os arranjos cumpriam a função de “dar roupagens nobres” às
novidades musicais que vinham das camadas mais baixas. Tal procedimento, aliás, parece ter
sido sintomático na época: havia de fato uma mentalidade de que esse repertório só estaria
apto para ser gravado se recebesse um tratamento musical “mais correto”, pautado na “boa
educação musical” — como veremos adiante. Além disso, a utilização de elementos musicais
estrangeiros, oriundos da música norte-americana, por exemplo, também parecia funcionar
como atrativo a mais, já que proporcionava uma associação com um produto “sofisticado” e
de grande penetração na época.
Assim, podemos identificar a partir dessa época o surgimento de uma relação entre os
ideais mercadológicos em voga e o tratamento impingido às canções, através dos
procedimentos adotados nos arranjos. O repertório popular, na forma como praticado por
seus agentes originais, parecia revelar “defeitos” na forma de apresentação, inaceitáveis para
o padrão estabelecido pela indústria fonográfica. É o que se pode depreender da leitura de um
trecho do editorial intitulado “Discos Nacionais”, publicado em novembro de 1929 no nº 32
da revista Phonoarte. O editorialista saúda a fase profícua por que passava a indústria
fonográfica no Brasil (quatro novas gravadoras tinham acabado de instalar fábricas no
Brasil), mas chama a atenção para as dificuldades a serem vencidas:
Quando uma fábrica de disco instala “studio” num país qualquer, o seu primeiro e natural fim é o da gravação da música típica deste país, a música popular, portanto. E justamente, é nesta música popular que vamos encontrar as primeiras dificuldades. Essas dificuldades dizem respeito não à música em si, que é vasta e variada, mas aos artistas capazes de traduzi-la dignamente.
Não é com facilidade que se encontra um Francisco Alves, um Mário Reis, um Formenti, um Canhoto, um Grupo Calazans, uma Alda Verona, uma Stephana de Macedo ou um Rogério Guimarães. Os artistas ou conjuntos populares de que podemos dispor em todo o país, se, a maioria das vezes, conhecem e são naturais intérpretes do sentimento da nossa música, raramente se acham aptos para enfrentarem o exigente microfone gravador. É que esses artistas, afora seus dons naturais, são quase invariavelmente ignorantes das
30
coisas de música, falhos de afinação, noção de ritmo, sem ensaio ou necessitando de um estudo apropriado de canto ou puramente instrumental. É preciso, pois, educá-los, ensaiá-los, burni-los, a fim de se poderem apresentar dignamente diante do rigoroso microfone, o qual evidencia de forma assustadora todas as falhas existentes.
Além, pois, do trabalho de procurar e encontrar artistas capazes, os dirigentes das diversas empresas têm de educar estes mesmos artistas, por meio de rigorosos ensaios, muitas vezes enfadonhos, e mesmo mediante o ensinamento de certos conhecimentos musicais indispensáveis. As fábricas de disco, neste caso, suprem o reduzido número de cursos e instituições musicais que possuímos.1
O texto desse editorial mostra que havia uma clara necessidade de se adaptar os
materiais musicais aos padrões de consumo, que exigiriam “certos conhecimentos musicais
indispensáveis” dos artistas — cujos “dons naturais” não pareciam ser suficientes diante do
“exigente microfone gravador”.
Se em trechos como esse podemos observar uma necessidade de alteração da música
popular em sua natureza original como condição para sua legitimação, em outros momentos a
Phonoarte adota uma postura curiosamente purista e xenófoba em relação à deturpação dessa
mesma natureza, algo que vinha ocorrendo através da utilização ostensiva de elementos
estrangeiros — em adaptações de peças para o carnaval. É o que se vê nesse trecho do
editorial “Música popular, pontos de vista”, de 15 de janeiro de 1930:
Fomos informados de que certos ranchos carnavalescos estão ensaiando em suas sedes “Charmaine”, a conhecida valsa francesa, e o fox-trot “Broadway melody”, transformando essas peças em marchas carnavalescas para se exibirem com elas durante as costumeiras passeatas de rua. Não há muito tempo, aliás, ouvimos igualmente, em uma batalha de confetti nas Laranjeiras, um rancho tocando a valsa “O pagão”, em forma de marcha. [...] De nossa parte, lançamos aqui o nosso veemente protesto contra semelhante prática, absurda e sem razão de ser, pois além da música importada não ser absolutamente adaptável aos ritmos das nossas músicas de Carnaval, existe sempre uma grande quantidade de boas marchas, de autores nacionais, que por essa época se multiplicam. O que certos ranchos estão fazendo merece a mais rigorosa repulsa do nosso povo, pois assim
1 É interessante observar o perfil artístico e social dos artistas citados: Mário Reis, Francisco Alves, Gastão
Formenti, Alda Verona e Stephana de Macedo eram cantores brancos e oriundos de classe média e alta, tal como Rogério Guimarães, violonista que atuou muitos anos como diretor musical da Victor. Os artistas de origem mais popular, também brancos, são Canhoto, cavaquinista ligado ao choro, e Calazans, ou Jararaca, cujo grupo foi um dos vários que surgiram a partir do sucesso dos Turunas da Mauricéia, que fizeram muito sucesso em 1927 com a embolada “Pinião”.
31
o Carnaval não será mais uma “festa brasileira”, como já se tornou famosa pelo mundo afora.
É como se a utilização de melodias ou outros elementos estrangeiros tivesse como
conseqüência um desvirtuamento do caráter de uma festa popular e de sua música, enquanto a
imposição de um tratamento musical “correto” não apenas não deturparia essa música, como
contribuiria decisivamente para sua legitimação.
Esse processo de “ordenação” dos sons populares, podando-lhes os elementos que não
se adequassem aos parâmetros musicais eleitos, teria tido paralelo na música norte-americana,
cuja “evolução” é comentada pela Phonoarte em uma matéria intitulada “Tendência do Jazz”,
apresentada na edição de 30 de março de 1930:
Foi-se o tempo em que o jazz não passava de sua forma primitiva de ritmo, percussão, improvisação e orquestrações desordenadas. (...) Já não preocupam aos conjuntos de jazz os ‘glissandos’ intermináveis dos trombones, os floreios exagerados das clarinetas e dos saxofones.
O trecho parece revelar uma resistência aos sons não “civilizados”, em um sentimento
análogo ao que se esperava da música brasileira. Em um outro editorial, de 30 de julho de
1930, já comentado no capítulo anterior, a Phonoarte descreve os “fatores que concorrem
para o êxito de um disco popular”, ilustrando em um curioso “quadro sintético” a importância
proporcional de cada um deles:
Qualidade da composição.......................................................28% Qualidade da gravação........................................................... 25% Qualidade do conjunto ou artista executante.......................... 17% Ensaio......................................................................................14% Arranjo instrumental ou orquestral..........................................10% Renome do compositor.............................................................6%
A alusão específica ao “arranjo instrumental ou orquestral” comprova que essa
atividade já gozava de prestígio no processo de produção da música popular. No mais, os
critérios utilizados são totalmente subjetivos, mas pode-se deduzir que a “qualidade”
reclamada pela revista baseava-se nos parâmetros descritos no outro editorial.
32
Ao mesmo tempo, o fascínio e o interesse pelas novidades musicais populares pareciam
inegáveis. Por ocasião do carnaval de 1930, a Phonoarte lançou uma seção dedicada à
descrição de “instrumentos típicos”, uma espécie de “glossário” que visava aproximar os
leitores de um universo musical ainda desconhecido, porém cada vez mais presente:
O interesse cada vez maior pela nossa música popular vem fazendo com que o público trave estreitas relações com os mais variados e característicos instrumentos, os quais, até então, eram apenas do domínio dos morros, macumbas, candomblés e do chamado “mundo da malandragem” carioca, ou seja, o meio onde vive essa curiosa figura de “malandro”, tão cantada nas letras de samba do Rio.
Assim é que os “ganzás”, “pandeiros”, “tamborins”, “reco-reco”, “caracachás”, as “cuícas” e todos os seus variados tornaram-se particularmente familiares ao carioca neste último carnaval, pois em todas as espécies de ranchos e blocos esses instrumentos eram vistos de permeio com violões, banjos, cavaquinhos etc.
Logo a seguir, temos uma curiosa descrição da cuíca, elaborada nitidamente com o
intuito de procurar analogias que pudessem referenciar o leitor a partir de parâmetros musicais
“tradicionais”:
A cuíca, sobretudo, teve a sua popularidade este ano. Instrumento de origem visivelmente negra, desempenha o papel de tuba, embora muito primitivamente, nas orquestras improvisadas dos blocos e ranchos. A cuíca serve para sustentar o ritmo, não possui nenhuma variedade de nota musical, mas, com seu ronco peculiar faz o papel de verdadeira “tuba de rua”, além de não exigir do seu executante senão noções rudimentares de marcação no compasso.
Assim, temos uma postura referenciada na tradição culta, nos “conhecimentos
musicais indispensáveis” — evidenciada na necessidade de analogia com um instrumento
presente em orquestras ou bandas e no não reconhecimento de nenhuma habilidade específica
no métier do instrumento popular, que não exigiria mais que “noções rudimentares” do
executante. Ao mesmo tempo, a presença cada vez mais freqüente dos instrumentos populares
é enfatizada e a “curiosa” figura do malandro já aparece quase romantizada.
No mesmo editorial “Música popular, pontos de vista”, citado anteriormente, a
Phonoarte faz uma defesa da música e dos músicos populares, que eram freqüentemente
33
criticados pelas “chamadas pessoas de ‘gosto’ ou pelos autores de elite, que a acham
intolerável, pelas suas músicas ou pelos seus versos e letras”:
A música popular é, no entanto, a música do povo. Esta música, no Brasil, sobretudo, é exclusivamente um produto dos compositores que são do povo ou vivem no meio dele. E quando vemos autores mais competentes e alguns mesmo de grande autoridade, geralmente ocultos debaixo de pseudônimos, tentando ingressar no domínio popular, na maioria das vezes as músicas que eles produzem ficam amarelecendo nas folhas de papel ou dormindo nas prateleiras de discos, encalhadas. O povo não as quer, não porque saibam de onde elas provêm, mas somente porque “sentem” que não é a “sua música”, como ele a compreende.
Porém, esse reconhecimento das especificidades da música popular e do valor de seus
compositores, não totalmente surpreendente para uma revista cuja existência estava
intrinsecamente atrelada ao mercado fonográfico, não exime as composições da necessidade
de um tratamento musical “correto” que as legitimasse dentro do processo de produção
popular:
É sabido que grande parte de nossos compositores populares, entre os quais muitos cujas peças são sempre aguardadas com ansiedade pelo povo e amadores do gênero, não conhecem patavina de música: são os chamados “maestros do assobio”. São, no entanto, músicos de natureza, que sentem as melodias e os ritmos da raça, que conhecem o gosto nato do povo e que, procurando algum harmonizador, “assobiam” ou “cantam” as peças que lhes vêm à mente, para serem corretamente transpostas para as folhas de papel.
Temos, assim, um cenário musical em que os sons populares surgem com um apelo
irresistível, estando sujeitos, porém, a transformações que os viabilizem comercialmente.
Essas transformações não provocaram, contudo, uma padronização absoluta ou uma
estagnação em relação ao tipo de procedimento adotado nos arranjos. Pelo contrário,
observamos uma grande variedade de vertentes e de caminhos trilhados na elaboração dos
acompanhamentos de canções.
Podemos tentar descrever superficialmente o campo de ação dos arranjadores da época
lançando mão, por exemplo, de uma classificação elaborada a partir de um modelo proposto
por Santuza Cambraia Naves no livro O violão azul, no qual a autora investiga e discute a
34
existência de direcionamentos semelhantes entre o movimento modernista e a música popular.
Santuza afirma que os agentes e as ações no campo cultural da época podem ser classificados
em dois grupos distintos: o dos adeptos de uma estética da simplicidade e o dos adeptos de
uma estética do excesso. Vale ressaltar que a utilização dessa divisão entre estética da
simplicidade e do excesso só se justifica na medida em que entendemos que se trata, aqui, de
reduzir o campo de abrangência a que se refere Santuza ao nosso problema específico, ou
seja, ao contexto musical popular urbano e comercial no qual se situa a atividade do arranjo
em questão. Assim, teríamos aqui a estética da simplicidade como aquela onde a legitimação
das manifestações culturais se baseia, pura e simplesmente, nos próprios valores originais
destas manifestações. Essa estética estaria calcada, portanto, em uma postura de despojamento
em relação a quaisquer outros valores. Já a estética do excesso tomaria como referência para
legitimação valores culturais extrínsecos, por meio de uma postura reverente, de
superestimação do “sublime”, do “monumental” — o que é ilustrado na utilização ostensiva
de elementos oriundos da música de concerto européia e do jazz norte-americano, por
exemplo. No excesso as influências advindas dessas músicas estrangeiras estariam explícitas,
o que não significa que a simplicidade se caracterize por uma “pureza” estética, apenas essas
influências se encontrariam mais diluídas, ou já legitimadas pela ação do tempo.
Naturalmente, essa conceituação que estamos propondo nos presta conta de modelos ideais ou
mesmo arquetípicos. Sabemos que, na prática, é inviável pensarmos em uma “quantificação”
do grau de utilização de materiais estrangeiros, ou mesmo obtermos uma definição daquilo
que é autenticamente brasileiro ou não. De qualquer modo, esses conceitos podem ajudar na
compreensão dos diferentes caminhos que direcionarão esteticamente a atividade dos
arranjadores a partir de então.
Como poderíamos identificar cada uma dessas estéticas no campo do arranjo nesse
período, ou, mais especificamente, no arranjo das canções? Podemos supor que o modelo
35
mais característico de acompanhamentos elaborados dentro da estética da simplicidade seja
aquele realizado pelos chamados conjuntos regionais. Trata-se de um tipo de arranjo
extremamente livre, aberto, com amplo espaço para improvisação2 (seja em solos
instrumentais ou no próprio acompanhamento), utilizando raramente o registro escrito e
calcando-se quase que inteiramente na habilidade e na criatividade dos executantes. No
modelo de arranjo dos regionais em geral não há um arranjador específico, quando muito há
um integrante responsável pelo estabelecimento geral de forma, harmonia e convenções
rítmicas (em geral o “líder do regional”). O termo “simplicidade” aqui adotado se refere à
cumplicidade natural existente entre os integrantes e essa linguagem em questão, uma
cumplicidade inerente e nata, havendo naturalmente diversos elementos que nada têm de
simples se tomarmos como referência a ótica de um observador não familiarizado.
Na estética do excesso temos a adição de roupagens e de elementos diversos,
idealizados pelo arranjador, ao material musical apresentado pelo compositor. Na prática, os
arranjos realizados dentro desse registro tendem à utilização ostensiva de elementos como
instrumentação mais pujante, emprego de grandes conjuntos e de técnicas oriundas
especialmente da música clássica e do jazz — o que sem dúvida representava uma novidade à
época.
Esse tipo de arranjo surgiu com a força de uma renovação, causando grande impacto
no meio musical e no mercado emergente. De fato, é notório que a legitimação na estética do
excesso se aproxima muito mais dos procedimentos característicos da norma culta; aqui a
sonoridade dos regionais seria considerada quase “tosca”, “rústica”. Isso fica evidente, por
exemplo, nessa declaração de Almirante, uma das figuras mais representativas no meio
musical da época:
2 Utilizamos aqui “improvisação” entendida como uma execução cujo material não é definido a priori, sendo
levada a cabo a partir de um mínimo de elementos predeterminados — como a harmonia, por exemplo.
36
Hoje, queremos mostrar toda a arte que pode haver num arranjo de samba. O samba, esse ritmo que tem sido injustamente combatido por alguns críticos esnobes que só vêem valor na música estrangeira, é, como gênero musical, tão bom ou melhor do que o fox americano, o tango argentino, a canção napolitana ou a valsa vienense. A questão é que essas músicas dão a impressão de serem melhores, porque são tratadas musicalmente de maneira mais elevada do que a nossa canção popular. Tudo se resume, no entanto, numa questão de roupagem, de apresentação. [apud Cabral, 1990:187]
Não deixa de ser curiosa a insatisfação de Almirante com aqueles “que só vêem valor
na música estrangeira” quando ela parece ser seu próprio parâmetro de referência. É
importante salientar que, a despeito da novidade e do sucesso comercial obtido pelo arranjo
construído no registro do excesso, as duas estéticas conviviam mutuamente e tinham espaços
garantidos em um mercado extremamente variado: não se pode definir a primazia de uma
sobre a outra. Além do mais, as duas correntes se entrecruzavam em diversos momentos, dada
a ação de músicos que atuavam perfeitamente nos dois registros. Todos os grandes cantores
dessa época atuaram com arranjos construídos sob os dois registros, ainda que em freqüências
variadas. Carmen Miranda, por exemplo, atuou tanto com acompanhamento executado por
regionais, especialmente pelos grupos de Benedito Lacerda e Canhoto, com arranjos mais
próximos a um registro de simplicidade, quanto ao lado de orquestras, em arranjos que beiram
o excesso.
Apesar de nunca ter tido sua existência “ameaçada” enquanto formação típica da
música popular brasileira, o termo “regional” acabou adquirindo uma conotação pejorativa
que perdurou durante muitos anos no meio musical popular, em especial em músicos que
atuavam sob a influência da estética do excesso. Em um depoimento sobre Jacob do
Bandolim, o violonista César Faria nos exemplifica essa situação:
Jacob tinha ojeriza pelo nome de regional porque regional sempre foi um tapa buraco, como ele dizia. Às vezes nós estávamos lá na rádio com a nossa programação para fazer, e aí aparecia uma cantora que só cantava clássico, e se faltasse mais um número para completar o tempo do programa, a gente era chamado: Ô ô ô regional! E aí o regional ia cobrir aquele buraco. Ele tinha pavor disso, queria acabar com esse nome de regional. [apud Melo, s/d]
37
De qualquer maneira, a ação da indústria fonográfica fez com que os arranjos
regionais e orquestrais se aproximassem em diversos pontos, provavelmente em atenção às
exigências que se impunham para obtenção de êxito comercial. A mudança na sonoridade dos
regionais pode ser ilustrada com a comparação de gravações realizadas pelos Oito Batutas em
1923 e em 1928. Nas primeiras gravações do grupo, realizadas em 1923 em Buenos Aires, os
arranjos eram “mais ou menos improvisados” e não eram escritos (exceto o acompanhamento
de violão, provavelmente cifrado), segundo Pixinguinha (MIS, 1970:33). Segundo outro
integrante do grupo, Donga, os ensaios não eram freqüentes: “Ensaios para quê? Éramos uma
família e o que um sentia os outros também sentiam. (...) Improvisado ou não, saía certo,
melhor do que se ensaiássemos muito” (MIS, 1970:93). Esse clima fica totalmente evidente
na audição dessas 20 gravações argentinas, especialmente nas quatro músicas cantadas. Os
contracantos de Pixinguinha na flauta e de José Alves de Lima no bandolim são totalmente
improvisados, muitas vezes acontecendo ao mesmo tempo e se chocando em alguns
momentos. O virtuosismo dos integrantes parecia se impor a quaisquer “problemas” — há
momentos em que a harmonia se choca com a melodia e outros em que cada instrumento
parece seguir um caminho harmônico. Esse tipo de arranjo “descompromissado” levaria
Radamés Gnattali, um arranjador certamente referenciado na estética do excesso, a considerar
os Oito Batutas como “uma esculhambação”: “Tinha três violões e cada uma fazia um baixo
diferente. Tava todo mundo lá de cana e achando muito bom, mas não era, pô!” (apud Didier,
1996). Em 1928 temos uma sonoridade sem dúvida bem “mais comportada”, certamente em
decorrência da adaptação de Pixinguinha às novas exigências. Nas gravações realizadas na
Odeon ao longo desse ano, inclusive, o grupo utilizou o nome de “Orquestra dos Oito
Batutas”, com sonoridade mais encorpada, através do concurso de instrumentos de metais,
contracantos aparentemente predefinidos e repetidos ao longo das seções e outros elementos
que teremos oportunidade de analisar mais adiante, no Capítulo 4. Veremos também como
38
Pixinguinha circulava com a mesma naturalidade pelo excesso, especialmente nos arranjos
orquestrais, e pela simplicidade, dada a sua vivência no choro e nos regionais, tanto em solos
quanto acompanhamentos.
Esse modelo proposto por Santuza Cambraia Naves, polarizado nas estéticas do
excesso e da simplicidade, é apenas um dos diversos que podem ser adotados para
visualização sincrônica das diversas práticas culturais que se entrelaçam e se chocam no
cenário plural da música popular dos anos 30. As propostas de outros estudiosos,
relacionadas inclusive a outras práticas culturais, podem nos ser úteis para um mapeamento
da atividade do arranjo e seus matizes.
Em diversos estudos pudemos observar a adoção de teorias que lidam com a
circularidade entre culturas, aproveitando idéias trabalhadas no campo da história e da
literatura. É o caso, por exemplo, de Flávio Barbeitas, que em sua dissertação de mestrado
Circularidade cultural e nacionalismo nas Doze Valsas para violão de Francisco Mignone
busca uma perspectiva analítica que relaciona aspectos da construção musical da obra em
questão ao contexto sociocultural em que estava inserida, identificando o encontro de
procedimentos cultos e tradições populares.
Porém, a divisão do campo de ação cultural entre “tradição culta” e “tradição
popular”, recorrente em estudos que se alicerçam em autores como Bakhtin, Ginzburg ou
Burke, não parece ser suficiente para o estudo de uma atividade como o arranjo na década de
30, profundamente marcada pela ação industrial emergente, como vimos. Parece-nos mais
adequada a adoção de uma perspectiva polarizada de forma menos vertical, que leve em
conta também os primórdios do surgimento de uma cultura de massa e que tente observar de
forma sincrônica as interações e cruzamentos entre essas três instâncias (culta, popular e
massiva).
39
É exatamente com essa perspectiva que lida, por exemplo, Alfredo Bosi no artigo
“Plural, mas não caótico”: “A cultura das classes populares, por exemplo, encontra-se, em
certas situações, com a cultura de massa; esta, com a cultura erudita; e vice-versa” (p.7). Bosi
procura diferenciar essas culturas através do sentido de temporalidade inerente a cada uma
delas. Assim, o ritmo feérico da montagem dos bens simbólicos no contexto industrial
diferiria da natureza da cultura popular (embasada na oralidade, abaixo do limiar da escrita) e
da cultura erudita (conquistada, via de regra, pela escolaridade média e superior) que,
“embora rodeadas e permeadas pelos maciços de comunicação, guardam certa capacidade de
resistência, intencional ou não” (p.10). A diferença do papel da temporalidade nessas últimas
estaria no fato de que a cultura erudita se reveste de um “grau bastante alto de consciência
universalizante, que as linguagens regionais geralmente não alcançam” (p.12). A interação
entre cada uma dessas culturas provocaria mudanças tanto no sentido de temporalidade
quanto no grau de consciência universalizante de cada uma delas.
É justamente o que ocorre com a música com que estamos lidando, que tem
características marcantes dessas três instâncias e por isso mesmo não pode, a nosso ver, ser
atrelada exclusivamente a nenhuma delas. Essa música é “popular” pelos seus agentes
criadores e pela matéria-prima básica utilizada por eles. O fator “industrial” traz para essa
mesma música, porém, um sentido de temporalidade acelerado, típico das manifestações
comerciais, distante da capacidade de “resistência” atribuída por Bosi à cultura popular oral,
com interferência direta da tecnologia. Elementos oriundos da cultura erudita, tais como
técnicas de notação ou instrumentação, contribuem também para a legitimação dessa música
perante um público mais amplo. Essa nova “música popular” já parece ter a “consciência
universalizante” de que fala Bosi.
Qualquer que seja a perspectiva ou o modelo adotado no estudo de um cenário
culturalmente plural, muitos são os perigos decorrentes da aceitação unilateral do hibridismo
40
como característica exclusiva de uma época ou de uma cultura específica. No cenário
brasileiro isso parece ser ainda mais aparente, visto que tradicionalmente se observa uma
supervalorização do fator “multiplicidade cultural” nos estudos dos mais variados campos do
conhecimento. Processos como “miscigenação”, “mistura”, “sincretismo”, “assimilação” são
intimamente relacionados à dinâmica cultural brasileira nas suas mais diversas instâncias. É
justamente o que considera Luiz Tatit (2001:223):
A mistura é na verdade um fenômeno universal que adquire especial notoriedade no Brasil provavelmente pelo tratamento euforizante que sempre lhe foi dispensado. A assimilação é avaliada, na maioria das vezes, como um caso de enriquecimento cultural, no sentido da inclusão de valores considerados positivos (...). A hegemonia da mistura constitui também, como não poderia deixar de ser, uma característica do mundo simbólico brasileiro — tanto artístico como teórico — amplamente enaltecida pelos agentes culturais.
As armadilhas decorrentes do “tratamento euforizante” do hibridismo cultural recaem
justamente na possibilidade de se perder de vista a noção de que todas as culturas são, de
uma forma ou de outra, híbridas. Isto é, o conceito de “cultura híbrida” deve ser manuseado
com todo o cuidado necessário de modo a não ressucitar outra idéia, já ultrapassada, de uma
cultura “pura”. É fundamental perceber que as diversas manifestações culturais que
interagem na formação de um cenário culturalmente plural não são, cada uma delas,
manifestações “puras”, “genuínas” — ao contrário: passaram por processos semelhantes de
assimilação, em ciclos ininterruptos.
Assim, a utilização nesse estudo de modelos que tentem dar conta do hibridismo
cultural pretende superar a simples constatação de que a consolidação do arranjo brasileiro
foi marcada pela confluência de valores culturais dos mais variados. Pretende, sim, entender
a forma como essa dinâmica se deu, identificando a ação dos seus principais agentes e
apontando os caminhos seguidos a partir das diversas instâncias culturais presentes na época
em questão.
41
Tentaremos observar essa pluralidade cultural destacando elementos oriundos de cada
uma dessas instâncias nos arranjos das canções da década de 30. Para tanto, adotaremos o
conceito de “matrizes culturais”, detalhado no artigo “Música híbrida: matrizes culturais e a
interpretação da música brasileira popular” (Ulhôa, Aragão & Trotta, 2001), que se aproxima
bastante da visão de Bosi exposta acima. O artigo propõe a utilização de “matrizes culturais”
como ferramenta para identificar elementos culturalmente híbridos, através da associação a
elementos semelhantes encontráveis em outras instâncias culturais. A noção de hibridismo foi
inspirada nos trabalhos de Nestor Garcia Canclini, em especial em Culturas híbridas, cujo
conceito de “heterogeneidade multitemporal” mostra justamente como o culto e o popular
podem sintetizar-se no massivo. Canclini adota o termo “hibridismo” porque ele “abrange
diversas mesclas interculturais — não apenas raciais, às quais costuma limitar-se o termo
‘mestiçagem’” e também porque “permite incluir as formas modernas de hibridação melhor
do que ‘sincretismo’, fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de
movimentos simbólicos tradicionais” (1997:19).
Assim, elementos musicais destacados podem ser associados a três matrizes, que
chamaremos de “culta”, “artesanal” e “industrial”. As matrizes culta e artesanal podem ser
relacionadas respectivamente aos conceitos de “grande tradição” e “pequena tradição”
elaborados por Peter Burke em Cultura popular na Idade Moderna (1989), levando-se em
conta que no nosso caso a “matriz culta” difere da “matriz artesanal” não apenas em uma
perspectiva vertical, mas também intercultural, visto que a primeira se referencia em
parâmetros oriundos de outra cultura — da tradição musical acadêmica européia, no caso.
Adotamos o termo “culto”, mesmo sabendo que não é o ideal, por ser o mais comumente
utilizado. Bosi utiliza o termo “erudito”, porém Caclini (1997:21) se pergunta:
É prefirível falar em culto, elitista, erudito ou hegemônico? Essas denominações se superpõem parcialmente e nenhuma delas é satisfatória. Erudito é a mais vulnerável, porque define essa modalidade de organizar a cultura pela vastidão
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do saber reunido, enquanto oculta que se trata de um tipo de saber: não são eruditos também o curandeiro e o artesão? A “matriz culta” se evidenciaria, por exemplo, na presença de modelos rítmicos e
harmônicos oriundos da música européia não diluídos na tradição popular, na utilização de
instrumentos como o violino, na busca de uma ordenação dos sons através do
estabelecimento de um padrão de grandiloqüência nos arranjos e de uma sincronia rítmico-
melódica mais apurada nas execuções (como nos exemplos das gravações dos Oito Batutas
em 1923 e em 1928).
A “matriz artesanal” agregaria os sons oriundos de tradições populares orais.
Teríamos referências de gêneros como o choro, de instituições musicais como as bandas civis
e militares, de novos cenários urbanos como os morros cariocas. Já “matriz industrial” faria
somar às duas primeiras elementos surgidos a partir da ascensão definitiva da indústria
fonográfica em fins dos anos 20, evidenciando principalmente a presença da música norte-
americana, em gêneros como o fox-trote, por exemplo. A separação em matrizes pretende
tornar possível a visualização de elementos heterogêneos que agindo interativamente podem
dar a falsa impressão de uma homogeneidade cultural. Por outro lado, nunca é demais
lembrar que essas matrizes não representam instâncias culturais “puras”. A “matriz
artesanal”, por exemplo, pode identificar um gênero como o choro, oriundo em muitos
aspectos (como forma e harmonia) da música européia, porém já identificado como “choro” e
já legitimado em suas características mais primordiais nessa época.
Já o processo de associação entre objetos sonoros foi adaptado da metodologia
analítica proposta por Phillip Tagg (1982:39), um dos poucos modelos elaborados
especificamente para a música popular. Extraímos dessa metodologia o sistema de
comparação “entre-objetos”, que busca correspondência entre estruturas sonoras semelhantes
recorrentes em músicas de estilos iguais ou diferentes. Note-se que o modelo analítico de
Tagg é acentuadamente semântico, procurando estabelecer uma correspondência não só
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estrutural como hermenêutica entre os objetos sonoros. Nossa análise, porém, evitou a
adjetivação e a busca de significados paramusicais proposta por Tagg, priorizando a
correspondência estrutural entre os elementos híbridos destacados nos arranjos.
Assim, pretendemos nos utilizar das “matrizes culturais” através da “comparação
entre-objetos” para tentar visualizar os elementos híbridos nos arranjos que analisaremos a
partir do Capítulo 4. Antes disso, porém, é necessário discorrer sobre aquela formação
instrumental que despontou na década de 30 como uma das favoritas da indústria fonográfica,
justamente por reunir todos os elementos necessários para a transformação dos sons
populares em um produto comercial e por aumentar a capacidade de utilização de elementos
híbridos nos acompanhamentos de canções: a orquestra.
CAPÍTULO 3 — AS ORQUESTRAS: CONCEITUAÇÃO E HISTÓRICO
A partir dos últimos anos da década de 20 temos uma intensificação até então inédita
da presença de conjuntos e formações orquestrais nas gravações, que se tornariam
emblemáticos de uma nova era para a música popular brasileira, dita “de ouro”, consolidada a
partir da já comentada expansão da indústria fonográfica.
Antes de analisarmos historicamente a relação entre orquestras e música popular desde
o início do século, convém discutir o próprio termo “orquestra”, que não possibilita por si só
uma definição exata acerca de seu significado, dando margem na verdade a uma gama
bastante ampla de formações instrumentais. Pudemos observar, em nossa pesquisa, que a
atribuição do termo “orquestra” nos selos dos fonogramas se dava a partir de critérios muitas
vezes incompreensíveis, aleatórios, sem nenhuma preocupação no estabelecimento de uma
correspondência entre as diversas formações instrumentais aludidas. Temos um bom exemplo
disso na canção “Quem me compreende”1, de Ary Barroso e Bernardo Vivas, lançada em
julho de 1931 por Araci Cortes com acompanhamento da Orquestra Columbia. A “orquestra”,
nessa ocasião, foi composta apenas por piano e dois violinos!
De forma geral, a orquestra popular da década de 30 se distanciava bastante da
orquestra tradicional européia. É o que fica claro a partir da análise de um depoimento de
Radamés Gnattali sobre as orquestras da época: “Naquele tempo não se tocava música
brasileira com orquestra, só com regional. As orquestras de salão tocavam música ligeira,
operetas, valsas” (apud Saroldi & Moreira, 1988:19).
O período a que se refere Radamés nesse depoimento é o dos primeiros anos da Rádio
Nacional, por volta do ano de 1936. Ora, a análise do catálogo das gravadoras através da
1 As referências completas de todos os fonogramas citados encontram-se no Anexo 1.
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Discografia brasileira 78rpm (Santos, Barbalho, Severiano & Azevedo, 1982) revela uma
quantidade grande de orquestras atuando, nesse período, na música popular. A dicotomia
entre esse fato e as palavras de Radamés só pode ser explicada por uma confusão conceitual
em torno do termo “orquestra”. A orquestra de Radamés é sem dúvida a orquestra da tradição
clássica européia, ligada à música sinfônica, estruturada nos naipes de cordas, madeiras,
metais e percussão. Ele próprio seria de fato o artífice da aproximação dessa orquestra, ainda
que reduzida, com a música brasileira, alguns anos depois. As orquestras que constam nas
gravações não só nesse período mas desde 1920 têm de fato uma constituição bastante
diferente, sendo calcadas muito mais nos sopros do que nas cordas (em geral, temos a
presença de um ou dois violinos, apenas). Não é de admirar que Radamés, um arranjador
profundamente comprometido esteticamente com a música européia, com a estética do
excesso, nem sequer considerasse “orquestra” esse tipo de formação.
Um outro depoimento de Radamés parece confirmar essa impressão. Apesar de grande
amigo e admirador de Pixinguinha, parecia fazer restrições à sua atuação como
“orquestrador”: “Pixinguinha não era orquestrador. Era um músico que vinha de um estilo
diferente do meu. Venho da música sinfônica e ele veio da banda. Suas orquestrações não
eram boas” (apud Cabral, 1997:168).
Basicamente, as orquestras que atuaram nas gravações que analisamos eram formadas
por um contingente grande de instrumentos de sopros: 2 ou 3 saxofones, 1 ou 2 trompetes e
trombone, além da tuba, que atuava na base harmônica. Em muitas ocasiões pudemos
observar que os arranjadores utilizavam o recurso de fazer trocar os saxofones por clarinetas
no meio das músicas — procedimento bastante freqüente nos arranjos de Pixinguinha, por
exemplo. Além dos sopros, havia uma seção de base harmônica formada geralmente por piano
e/ou violão, banjo ou cavaquinho, tuba ou contrabaixo. Em geral, pudemos observar uma
preferência pelo piano ao invés do violão, o que pode ser atribuído às limitações tecnológicas
46
do processo de gravação: certamente a sonoridade frágil do violão devia ser bem menos
efetiva que a do piano em meio à massa orquestral. É possível, porém, que o violão esteja
presente — quase inaudível — em diversas gravações que escutamos.
A mesma limitação deve ter determinado a preferência pelo som mais penetrante da
tuba nas primeiras gravações elétricas realizadas até o ano de 1930. Em nossa amostra,
podemos observar a presença mais freqüente do contrabaixo nas gravações mais ou menos a
partir de 1931, ficando a tuba mais restritas às marchinhas carnavalescas.
Aos sopros e à base harmônica somava-se a percussão, cujo perfil podia variar
bastante de orquestra para orquestra, à exceção da bateria — utilizada por praticamente todas
as orquestras cujas gravações tivemos oportunidade de analisar. Os instrumentos típicos dos
morros cariocas chegaram às orquestras primeiramente através dos arranjos de Pixinguinha,
que os valorizou de maneira excepcional, sendo depois incorporados também pelas outras
orquestras — como veremos mais detalhadamente a partir do Capítulo 4.
Outros instrumentos eram utilizados esporadicamente em formações orquestrais. É o
caso, por exemplo, da flauta. Pudemos observar, em nossa amostra, que a utilização da flauta
era mais constante em canções e peças românticas, relacionadas talvez à tradição modinheira
e seresteira, praticamente não acontecendo em arranjos de sambas e marchas. A ausência da
flauta como um instrumento fixo nas orquestras chega a surpreender, dada a sua importância
dentro da música popular brasileira, já consolidada em gêneros como o choro. Podemos supor
algumas razões para explicar esse fato. É possível, primeiramente, que essa ausência seja
herança da formação típica das bandas militares, que em muito influenciaram a sonoridade e
os arranjos das orquestras populares: nessas bandas não temos a presença da flauta como um
instrumento fixo. Além disso, acreditamos que a flauta tenha ficado muito marcada como um
instrumento característico dos regionais e da estética da simplicidade. As limitações
tecnológicas também podem ter pesado, mais uma vez, visto que a sonoridade da flauta
47
tenderia a se perder em meio à potência dos metais. De fato, os arranjos em que pudemos
observar a presença desse instrumento são construídos de maneira a enfatizar sua presença.
Os instrumentos de arco também não pareciam ser fixos nas orquestras da época,
aparecendo, porém, com mais freqüência que a flauta. Vamos encontrá-los igualmente em
gêneros como valsas, canções, cançonetas e peças “ligeiras” associadas às orquestras de salão.
Em sambas e marchas a utilização variava de acordo com a orquestra. Nos grupos orquestrais
dirigidos por Pixinguinha eles aparentemente apareciam pouco — talvez apenas na Orquestra
Victor, cujo perfil musical guardava uma “imponência” maior do que o do Grupo da Guarda
Velha e dos Diabos do Céu. Em alguns casos, inclusive, havia uma modificação no próprio
nome da orquestra — indicada em alguns selos como “Orquestra Victor de Salão”, como que
para marcar essa diferença. Acreditamos que nesses casos, representados em geral por peças
“ligeiras”, a direção dessa orquestra não ficasse a cargo de Pixinguinha. De qualquer maneira,
as cordas eram representadas por poucos instrumentos, em geral um ou dois violinos apenas.
Outros instrumentos aparecem muito raramente nas gravações. Pudemos encontrar,
por exemplo, um clarone em dois arranjos dos Diabos do Céu: “O orvalho vem caindo”,
samba de Noel Rosa e Kid Pepe, e “Você, por exemplo”, marcha do mesmo Noel e de
Francisco Alves. A presença de um instrumento como o clarone poderia ser considerada por si
só como um elemento híbrido, associado à matriz culta, à estética do excesso. Não é possível
saber se a utilização desse instrumento foi preconcebida especialmente para as músicas em
questão ou se caracterizou apenas uma coincidência, como se estivesse disponível no dia da
gravação por mero acaso — vale ressaltar que as duas gravações foram realizadas a 3 de
novembro de 1933.
O apogeu da sonoridade orquestral, que perduraria por décadas na música brasileira,
tem suas raízes no início do século XX, quando começam a se definir os primeiros elementos
que caracterizariam a música popular brasileira urbana. É interessante avaliar a presença de
48
orquestras nas gravações e nos catálogos das gravadoras ao longo das primeiras décadas,
como forma de compreender o desenvolvimento da relação delas com a música popular. É
necessário ressaltar, porém, que as gravações não são totalmente representativas como fontes
de estudo da atividade musical corrente, principalmente nas décadas de 1900 e 1910. Fatores
como as limitações tecnológicas e a falta de critérios consolidados na seleção de músicas e
artistas tornavam baixo o poder de penetração de uma indústria fonográfica ainda incipiente e
praticamente nula a interferência da mesma na natureza estética da música popular nessa
época2. Além disso, nem sempre há nos catálogos indicações em relação ao tipo de
acompanhamento instrumental utilizado nas diversas gravações — o que não nos permite
fazer um apanhado completo e estatístico sobre a proporção dos acompanhamentos
orquestrais em relação a acompanhamentos por outras formações. Apesar de todas essas
ressalvas, acreditamos que as indicações existentes possam funcionar como amostragem e nos
dar ao menos uma idéia da atuação de orquestras em gravações.
De fato, as gravações orquestrais nesse período são escassíssimas, instrumentais ou
não — mesmo em momentos em que a música instrumental predominou quantitativamente
em relação à música cantada nos estúdios, como ao longo da década de 10 (de acordo com
Lamas, 1997). Entre os anos de 1908 e 1912, por exemplo, podemos encontrar em gravações
da Victor e da Columbia uma quantidade pequena de acompanhamentos realizados por
“orquestra”, quantidade pouco expressiva se comparada aos inúmeros acompanhamentos a
cargo de apenas um instrumento — violão, na maior parte das vezes, ou piano — ou de
pequenos agrupamentos compostos por violões; violões e cavaquinho; violão e bandolim;
flauta, violão e cavaquinho; piano e violão e até mesmo piano e ganzá. Mesmo nos casos em
2 Tinhorão (1998:249) comenta esse fato: “Como em seus primeiros anos — de fins do século XIX a inícios do século XX — as gravações, tanto em cilindros quanto em discos, constituíam mais uma curiosidade da era industrial do que uma produção dirigida a um público determinado, a escolha das músicas a serem gravadas era a mais livre possível, orientando os fabricantes seu espírito competitivo à vigilância em torno do respeito às patentes que lhes garantiam direitos sobre marcas ou particularidades técnicas dos aparelhos neste ou naquele país [...]”.
49
que temos acompanhamentos orquestrais não há nenhuma referência ao nome ou à
constituição das orquestras, não podemos saber nem mesmo se trata-se do mesmo conjunto
em todas as gravações. De qualquer modo, é interessante ressaltar que esses
acompanhamentos orquestrais aconteciam majoritariamente em peças “ligeiras” ou em
gêneros estrangeiros. Nas 25 peças com acompanhamentos orquestrais que aparecem nos
catálogos dessas duas gravadoras nesse período temos: 8 cançonetas, 4 tangos, 2 canções, 2
maxixes (um deles descrito inclusive como “maxixe aristocrático”), 2 modinhas, 1 opereta, 1
cake-walk, 1 fado, 1 lundu e três peças sem indicação de gênero. A ausência de orquestras nas
gravações desse período poderia ser explicada pela limitação tecnológica e pelas dificuldades
inerentes ao processo de gravação mecânica — seria mais fácil gravar pequenas formações.
Apesar dessa constatação não parecer despropositada, é fato que na mesma época a presença
de bandas é muito maior nos fonogramas — constam dos catálogos das gravadoras dezenas de
gravações com bandas como a do Corpo de Bombeiros, a do 10º Regimento de Infantaria do
Exército, a da Casa Edison, a da Casa Faulhaber, entre muitas outras.
Assim, podemos constatar primeiramente que, ao longo das primeiras décadas do
século, as orquestras (ou pelo menos o rótulo “orquestra”) pareciam estar circunscritas a
atividades não relacionadas à indústria fonográfica, como o teatro de revista, as festas em
cassinos e salões aristocráticos e as sessões das salas de recepção dos cinemas.
Seria somente a partir do início da década de 20 que a presença das orquestras no
cenário musical popular começaria a se tornar mais efetiva. São vários os fatores que
contribuem para tanto. O primeiro deles está relacionado à popularização definitiva do teatro
de revista perante as camadas mais amplas da população, em um processo que já vinha se
desenrolando desde o início da década de 10. Essa popularização se deu, entre outros fatores,
devido a um direcionamento temático que fez incorporar a esse tipo de espetáculo figuras
como o matuto, o coronel fazendeiro, o português, a mulata e logo depois o malandro. Essa
50
assimilação da temática popular abrangeria também a parte musical, fazendo com que gêneros
como o maxixe e o lundu passassem a fazer parte do repertório das orquestras. Isso fez surgir,
inclusive, uma ponte entre os interesses da indústria fonográfica e do teatro de revista: lançar
uma música nos teatros da Praça Tiradentes poderia fazer aumentar a venda de discos. Do
mesmo modo, as revistas passaram a assimilar músicas que faziam sucesso através das
gravações (Tinhorão, 1998:237).
A instauração dessa nova mentalidade fez aparecer, a partir da década de 20, uma nova
geração de músicos tanto nas gravações quanto nas revistas. Nas gravações, podemos
observar o aparecimento de uma nova geração de cantores que viriam a marcar época na
música brasileira, como Francisco Alves e Araci Cortes (ambos ligados também às revistas),
em substituição à geração de Bahiano, Cadete e César Nunes. Nas revistas, maestros mais
antigos como Paulino Sacramento, Sá Pereira e muitos outros oriundos de um passado
pomposo e de caráter quase operístico das revistas, davam lugar a músicos mais antenados
com a indústria fonográfica e com os novos contornos urbanos adquiridos pela atividade
musical, como Freire Júnior, José Francisco de Freitas, Eduardo Souto, Sinhô, Henrique
Vogeler, Hekel Tavares, Pixinguinha e Lamartine Babo (Tinhorão, 1998:241). Essa lista, por
si só, já demonstra que as revistas passaram a ser dirigidas por músicos de formação e origens
musicais bastante mais diversificadas. Isso certamente provocou uma diversificação maior
também nos arranjos. Por exemplo: Hekel Tavares, ingressando nas revistas em 1926,
contribuiu com sua herança acadêmica aumentando o número de músicos nas orquestras e
incorporando a elas instrumentos como o oboé (Tinhorão, 1972). Já Pixinguinha seria
responsável no mesmo ano de 1926 pelas orquestrações e regência da revista “Tudo preto”,
espetáculo teatral no qual o elenco era formado exclusivamente por negros. A orquestra foi
composta por 20 músicos, todos negros (Cabral, 1997:107). Pode-se imaginar estilos de
arranjo bem diferentes entre os dois maestros.
51
Paralelamente, teríamos no mesmo período uma intensificação da presença da cultura
americana no Brasil e em vários setores da produção artística brasileira. Esse processo de
“americanização” alcançaria a música popular tanto na assimilação de novos gêneros
musicais quanto na consolidação de novos instrumentos e novas formações instrumentais —
além de novas sonoridades e novas possibilidades de arranjos. Almirante (1977:33)
documenta, talvez com certa dose de ironia, esse fenômeno:
Entre 1923 e 1926 o movimento melódico sofreu intensa modificação no Brasil. Vários ritmos americanos — shimmy, charleston, blue, black-botton — dominaram em épocas distintas. Surgiu o jazz-band, orquestras exóticas de instrumentos estrambóticos, como trombones extensos e trompetes com varas de quase dois metros [sic]; banjos metálicos; grotescos violinofones ou violino-de-campana e, finalmente, suas baterias com bombos-de-pedais, absoluta novidade, com os mais esquisitos apetrechos: panelas frigideiras, latas, apitos, buzinas, sirenes etc.
Segundo Tinhorão (1998:253), a bateria aparecera pela primeira vez no Brasil, em 1919, nas
exibições de um grupo americano, o Harry Kosarin Jazz Band. Alguns anos seriam
necessários, porém, para que a utilização desse instrumento se consolidasse entre os músicos
brasileiros.
Podemos observar a “americanização” também através das discografias das principais
gravadoras. A Discografia brasileira 78rpm aponta como exemplo a série 122000 da Odeon,
produzida entre 1921 e 1926, cujas gravações “fixam uma fase de transição da música
popular brasileira, quando declina a influência européia e aumenta a norte-americana”
(Santos et al., 1982:251). A presença de músicas americanas se acentua cada vez mais.
Tinhorão (1998:252) lança mão de uma estatística para ilustrar o fato. Segundo ele, de 1903 a
1914 temos apenas 7 gravações de gêneros norte-americanos, número que chegaria a 182 no
período entre 1915 e 1927 3.
3 Esse levantamento não deveria ser tomado em proporções absolutas, pois o número de fonogramas produzidos no primeiro período é muito menor que no segundo. Mesmo assim, Tinhorão afirma que houve em gravações um aumento de 2500% de música americana em relação ao decênio anterior.
52
A conseqüência natural disso tudo foi uma diversificação significativa das formações
instrumentais nos acompanhamentos das canções a partir de 1920. A chegada em proporções
cada vez maiores da música estrangeira traria consigo novos modelos e possibilidades para
esses acompanhamentos, modelos em geral orquestrais, como as orquestas tipicas argentinas
ou os jazz-bands norte-americanos. É justamente nessa época que surgem, por exemplo, os
primeiros jazz-bands brasileiros, como o Jazz-Band Sul-Americano de Romeu Silva, a Apolo
Jazz Orchestra, o American Jazz-Band Sílvio de Sousa, o Jazz-Band da Odeon (no Rio de
Janeiro), o Jazz-Band Andreozzi, o Jazz-Band República, o Jazz-Band Caracafu, o Jazz-Band
Salvans, a Orquestra Rag-Time Fusellas e o Jazz-Band Imperador (em São Paulo), além de
outros espalhados por cidades portuárias como Santos e Porto Alegre (Tinhorão, 1998:254). O
Jazz-Band Sul-Americano de Romeu Silva foi, de todos esses, o que mais se notabilizou,
partindo em 1925 para uma temporada na Europa, financiada pelo governo com o intuito de
divulgar no Velho Continente gêneros brasileiros como o samba, o maxixe e o frevo. Essa
“temporada” acabaria por se prolongar por mais de 10 anos. Anteriormente, nos anos de 1924
e 1925, o Jazz-Band Sul-Americano de Romeu Silva realizaria uma série de gravações na
Odeon.
Toda essa agitação que vinha tomando conta do cenário musical popular desde 1920
(evidenciada em fatores como o aumento da produção de discos, a participação mais efetiva
da indústria fonográfica na vida musical e o consumo e assimilação cada vez mais intensos da
música estrangeira) culminaria com a chegada ao Brasil do sistema de gravação elétrica, em
1927, que possibilitaria à indústria fonográfica o exercício de um papel preponderante no
processo de produção da música popular urbana.
Já nos últimos anos da década de 20 — isto é, no início do processo de expansão
efetiva dessa indústria — podemos perceber um direcionamento bastante definido sendo
implementado nas gravações. As gravadoras elegem as orquestras como o tipo de formação
53
ideal para o acompanhamento de canções e imediatamente elas passam a aparecer em grande
número nos fonogramas. Surgem grupos orquestrais direcionados especialmente para
gravações e diversos outros grupos já existentes (associados em geral a hotéis ou cassinos)
passam a atuar no novo mercado em ascensão. O acompanhamento orquestral, tutelado pelas
preocupações mercadológicas da indústria fonográfica, torna-se um dos ícones do
direcionamento comercial inerente a essa nova música popular — uma vez que constituía,
como dissemos, a principal ferramenta utilizada na transformação dessa música em um
“produto” vendável e acessível ao maior número possível de pessoas, especialmente àquelas
de maior poder aquisitivo, que constituíam a maior parte do mercado consumidor. Não é por
acaso que o arranjo ganha independência e que o cargo de arranjador passa a ser valorizado.
Santuza Cambraia Naves (1998:174) comenta esse fenômeno: “Há uma tendência, a partir do
final dos anos 20, de substituir os ‘regionais’ — formações musicais constituídas de poucos
músicos e instrumentos — por grandes orquestras”. Ainda segundo ela, esse processo conduz
“a uma certa padronização: qualquer que seja o gênero musical, a letra, o registro almejado
pelo compositor, os arranjos pesados têm sempre o efeito de abolir as diferenças”.
Essa “substituição” dos conjuntos instrumentais menores por grandes formações
orquestrais não fez, porém, com que os primeiros desaparecessem por completo das
gravações. Pelo contrário, ressalte-se o início da fixação de um modelo de acompanhamento
de canções baseado na instrumentação e nas características do choro. Na verdade, os
acompanhamentos realizados por “ternos” ou “tercetos”, quartetos ou pequenas formações
que continham invariavelmente violão e cavaquinho não constituíam propriamente novidade,
constando dos catálogos desde os primeiros anos de gravações mecânicas. Apenas chamamos
a atenção para a consolidação do casamento entre o acompanhamento do choro e a canção,
casamento que viria a constituir uma das formas mais tipicamente brasileiras de arranjo e que
seria realizada na década seguinte pelos chamados conjuntos regionais aliados à percussão
54
oriunda dos morros cariocas, marcando profundamente a linguagem de gêneros como o samba
e alcançando em pouco tempo os arranjos orquestrais.
É muito importante atentar para o fato de que elementos como esse, hoje considerados
“tipicamente brasileiros”, se consolidaram como tal justamente nessa época, tanto em arranjos
orquestrais quanto regionais. E Pixinguinha parece ter tido um papel fundamental nesse
processo, segundo o que afirmam diversos estudiosos da música popular brasileira. Podemos
encontrar afirmações nesse sentido nas mais variadas fontes oriundas de diversos tipos de
enfoques com que se costuma abordar a música popular: trabalhos de cunho mais jornalístico,
trabalhos acadêmicos, depoimentos de músicos ou personalidades oriundas do meio dito
“clássico” e do meio da própria música popular, em si. Alguns exemplos podem ilustrar essa
aparente “unanimidade”.
Sérgio Cabral (1997:127), o principal biógrafo do autor de “Carinhoso”, afirma de
forma cabal que “Pixinguinha abrasileirou as orquestrações de forma tão nítida e radical que
se pode dizer, sem qualquer medo de errar, que foi ele o grande pioneiro da orquestração para
a música popular brasileira”. De uma forma menos contundente José Roberto Zan (1996:40),
em sua tese de doutorado que lida com a história da música popular brasileira a partir de uma
perspectiva sociológica, afirma que o advento da gravação elétrica “favoreceu a participação
das grandes orquestras nas gravações” e possibilitou “a projeção de arranjadores como
Pixinguinha e Radamés Gnattali, que criaram estilos de orquestrações que se converteram em
componentes importantes da linguagem da música popular brasileira”.
Em uma entrevista concedida em 1952 ao jornal O Tempo, citada constantemente nas
biografias e estudos sobre Pixinguinha, Guerra-Peixe afirma:
[Pixinguinha] deve ser encarado como um ponto de partida a ser seguido pelos arranjadores brasileiros. Seus trabalhos nessa especialidade, ainda quando realizados para orquestra de jazz, deixam transparecer valores típicos da nossa música popular, seja em harmonia, contraponto, ritmo e feição regional. Tanto assim que, apesar do menosprezo daqueles tais modernistas que o acham
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passadista, Pixinguinha é considerado, e com muita razão, o único orquestrador que dá força regional à nossa música” [apud Silva & Oliveira Filho, 1998: 251].
Da leitura dos trechos transcritos surgem algumas questões importantes para nós. Se
Pixinguinha de fato criou um padrão orquestral tipicamente brasileiro, podemos nos
perguntar: quais foram os elementos inseridos por ele nos arranjos que possibilitaram a
identificação desse “caráter brasileiro” aludido nos textos acima? De onde teriam vindo esses
elementos? Quais as características dos arranjos anteriores a Pixinguinha? Eram esses arranjos
considerados “brasileiros” a partir de algum outro conceito de “caráter brasileiro”? A partir de
quando passa a ser legítimo o novo “caráter brasileiro” em substituição a uma suposta
“brasilidade” anterior, caso de fato ela possa ser identificada?
Pretendemos a partir de agora discutir essas e outras questões a partir da análise de
arranjos de Pixinguinha e de outros arranjadores produzidos no final da década de 20 e ao
longo da década de 30, período que acreditamos ser decisivo nesse processo de consolidação
de uma linguagem brasileira de arranjo.
CAPÍTULO 4 — ANTECEDENTES
(1927 a 1929)
Antes de começarmos a abordar os arranjos de Pixinguinha para os grupos orquestrais
da Victor, pretendemos realizar um apanhado do período exatamente anterior, com o intuito
de identificar as origens de alguns elementos que se tornariam característicos na linguagem
orquestral posteriormente. Para tanto, analisaremos alguns arranjos gravados pelas orquestras
mais atuantes desde o início das gravações elétricas no Brasil, em 1927, até o lançamento dos
primeiros números da Orquestra Victor, sob a direção de Pixinguinha, em novembro de 1929.
Certamente a orquestra mais atuante no período em questão foi a Pan American, que
gravou pela Odeon centenas de fonogramas com música nacional e estrangeira, em números
instrumentais ou em acompanhamentos. Não pudemos encontrar referências à data exata de
formação dessa orquestra; é certo, porém, que a Pan American já toma parte nas primeiras
gravações elétricas em 1927, realizadas justamente pela Odeon. Podemos supor que a
fundação da orquestra remonte a anos ainda anteriores, visto que surgiu atrelada não à
indústria fonográfica, mas a um cassino, como revela o seu nome completo: Orquestra Pan
American do Cassino Copacabana. A orquestra aparece com esse nome nos fonogramas
gravados entre julho de 1927 e junho de 1928. A partir de setembro de 1928, passa a aparecer
nos selos dos discos simplesmente como Orquestra Pan American. A partir de setembro de
1930, finalmente, passaria a figurar como Orquestra Copacabana, nome utilizado nas
gravações que se estendem até o início da década de 40.
Segundo a Discografia brasileira 78rpm (Santos et al., 1982:70), a Pan American
tinha a seguinte constituição na época das primeiras gravações elétricas: Simão Bountman
(violino e chefe de orquestra), I. Kolman (saxofone e clarineta), Júlio Sammamede
(saxofone), D. Guimarães (trompete), Caldeira Ramos (trombone), J. Rondon (piano), Amaro
57
dos Santos (tuba), Demerval Neto (banjo) e Aristides Prazeres (bateria). Sobre Simão
Bountman, diretor da orquestra e responsável pelas orquestrações, muito pouco pudemos
apurar. Bountman atuou durante mais de 15 anos (até pelo menos o início da década de 40)
acompanhando todos os artistas mais famosos da época, como Francisco Alves, Mário Reis e
Carmen Miranda. Por isso mesmo é surpreendente que dicionários, enciclopédias ou qualquer
outro tipo de fonte relacionada à música popular brasileira não tragam uma informação
sequer sobre sua carreira, sua ascendência ou sobre sua formação. As informações mais
detalhadas que pudemos encontrar sobre ele são trazidas por Luís Antônio Giron (2001:79).
Segundo Giron, Bountman teria nascido em 1900, na Rússia, chegando ao Brasil em 1923,
como violinista da orquestra da companhia de revistas espanhola Velasco. Juntamente com
outros músicos dessa orquestra resolve ficar no país, formando o Jazz-Band Kosarin. No
mesmo ano, funda o Jazz-Band e a Orquestra Pan American, que anos depois (a partir de
1926) seriam incorporadas à gravadora Odeon, a convite do próprio Fred Figner. Ainda
segundo Giron, Bountman viria a falecer em 1977.
A Orquestra Pan American alcançou alto prestígio na época, atuando de forma
frenética em gravações — só no ano de 1929 pudemos contar cerca de 120 músicas lançadas
com acompanhamento dessa orquestra, número espantoso que nos leva a questionar se havia
algum outro arranjador que dividia as funções com Bountman. A despeito da quantidade, a
qualidade das execuções não pareceu ser comprometida — pelo menos é o que se depreende
a partir da leitura de diversas críticas estampadas na revista Phonoarte. Essa, por exemplo,
foi publicada na edição de 30 de agosto de 1929:
O conjunto de Simão Bountman se impõe cada vez mais no nosso conceito pela “performance” cada vez maior de seus discos. Acompanhamos a vida desta já querida orquestra nacional há vários anos, e nos sentimos perfeitamente à vontade para colocá-la em primeiro lugar no repertório de discos gravados no Brasil pelas várias fábricas existentes. A Pan American vem primando cada vez mais pela homogeneidade, fator preponderante para o êxito de uma orquestra e sem dúvida as gravações que tem feito desde muito tempo no estúdio Odeon têm concorrido para o ensaio sempre constante em que se acha.
58
Na edição de 30 de setembro do mesmo ano, a Phonoarte destacaria a versatilidade da
orquestra:
A Pan American (...) vai ficando aos poucos perfeitamente conhecedora dos segredos da música yankee, adquirindo ao mesmo tempo aquele “rubato” sutil, dificilmente obtido pelos conjuntos que não forem genuinamente americanos. Dessas duas críticas podemos tirar conclusões bastante significativas acerca do próprio
perfil musical adotado pela Pan American. Para fazer jus a uma crítica tão elogiosa da
Phonoarte, é de se supor que a Pan American cumprisse todos os pré-requisitos considerados
indispensáveis no padrão de qualidade da revista, revelados nos trechos transcritos no
Capítulo 2, e que se pautam basicamente na “boa educação musical” — conceito esse
construído a partir de certos parâmetros musicais eleitos como condição de possibilidade para
realização de qualquer tipo de música, independente da sua proveniência. É de se supor que
essa orquestra realizasse plenamente o ideal de “enobrecimento” dos sons do repertório
popular, transformando-os em um produto pronto para ser consumido pelas classes alta e
média.
Podemos tentar apreciar algumas características musicais dos arranjos da Pan
American através da audição e análise de algumas gravações de época. Concentraremos
nossas atenções no samba “Malandro”( ) 1, de Francisco Alves e Freire Júnior, lançado em
julho de 1929 na voz do próprio Alves — de longe o cantor mais atuante na época. Na
verdade, “Malandro” foi um dos muitos sambas comprados por Alves dos sambistas do
Estácio — segundo Abel Cardoso Junior (s/d(b):4) Ismael Silva chegaria a requerer para si a
autoria não só da música como também da letra. Temos assim um exemplo prático de um
samba do morro que recebia uma “roupagem enobrecedora”, através da utilização de
procedimentos híbridos, certamente bem diferentes daqueles adotados pelos agentes atuantes
em seu meio musical original — isto é, pelos sambistas do Largo do Estácio.
1 Todos os fonogramas assinalados com ( ) estão disponíveis no CD em anexo.
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Tentaremos identificar esses procedimentos. Comecemos pelo tratamento rítmico
conferido ao samba nessa gravação — ou pela “batida” ou “levada”, se quisermos adotar os
termos usados no próprio meio musical para descrever o padrão rítmico utilizado no
acompanhamento de sambas, conforme definido por Sandroni (1997:2)2. Ora, a simples
audição de “Malandro” demonstra claramente que o padrão rítmico adotado nesse samba está
muito mais próximo ao modelo rítmico tradicional do maxixe do que daquele que nos anos
seguintes seria consagrado como característico do samba. Esse padrão rítmico do maxixe era
organizado em períodos de 8 semicolcheias, de tal forma que só se observavam síncopes
internas aos tempos ou no máximo ao âmbito de um compasso. No padrão rítmico que se
tornaria característico do novo samba do Estácio, segundo Sandroni (1997:322-331), a
organização se daria basicamente em períodos de 16 colcheias, com síncopes que
atravessariam livremente o âmbito do compasso.
A utilização desse padrão rítmico amaxixado no acompanhamento de sambas foi uma
constante nas gravações da Pan American nesses primeiros anos, independente da
proveniência ou da natureza dos mesmos — fossem composições de Sinhô ou de Ismael
Silva. Cabral (1997:127) justifica a não assimilação do novo padrão rítmico do samba do
Estácio pelas orquestras através da constatação de que elas eram “dirigidas por maestros
estrangeiros e constituídas em boa parte de instrumentistas também estrangeiros”, que seriam
incapazes de reproduzir a “bossa” do novo estilo.
Essa justificativa é de certa forma corroborada pela constatação de Sandroni
(1997:368-388) de que haveria uma diferença clara na divisão rítmica entre as melodias dos
sambas quando cantadas por sambistas do morro (como Paulo da Portela, em gravações de
1930) e quando soladas pelas orquestras nas mesmas gravações (aparições instrumentais da
melodia eram praxe nas gravações da época, como veremos). A divisão executada pelos
2 Segundo Sandroni, “batida” seria “um modelo rítmico de acompanhamento, suscetível de certo grau de variação”.
60
sambistas estaria relacionada ao novo padrão e pelos instrumentistas ao antigo. Com isso,
Sandroni procura demonstrar que a nova divisão rítmica já estaria consolidada nos morros e
que o processo de “aprendizagem” da mesma pelos músicos das orquestras levaria alguns
anos.
Em relação à instrumentação utilizada na Pan American, podemos observar em
“Malandro” uma formação bastante parelha em relação àquela descrita na Discografia
brasileira 78rpm. É clara a predominância dos sopros — pode-se ouvir com clareza um
trompete, um saxofone, um trombone, uma tuba e uma clarineta — ao lado do banjo e do
piano. Nossa escuta pareceu identificar, porém, dois violinos ao invés de um. A presença
deles remete, em última instância, à música européia. Também tivemos dificuldade em ouvir
a bateria, ou qualquer outro tipo percussão, com clareza.
A forma de utilização dos instrumentos é bem definida e ocorre nos mesmos moldes
em diversas outras gravações da Pan American que pudemos escutar. A base harmônica é
realizada pelo banjo (que desempenha uma função ao mesmo tempo rítmica e harmônica,
sendo mais audível nos momentos em que os sopros não tocam), piano (que se limita a um
complemento harmônico e a eventuais interferências, como uma frase cromática descendente
logo após a segunda nota da melodia da 1ª parte) e tuba. Chama a atenção a presença da tuba
em praticamente todas as formações orquestrais da época, realizando o baixo de forma muito
característica, quase sempre em semínimas tocadas em stacatto — muito semelhante ao tipo
de toque utilizado em bandas militares.
Nas partes cantadas, a presença dos sopros e dos violinos se dá basicamente de duas
formas: através de contracantos que funcionam como resposta à melodia (preenchendo o
espaço entre as frases musicais) ou através de figurações mais harmônicas (constituídas por
notas longas ou por desenhos arpejados dentro da harmonia). Destaca-se entre os
contracantos um tipo de frase que seria consagrado como um verdadeiro clichê do maxixe:
61
Partitura 1
Pudemos observar a presença dessa frase-clichê, com apenas algumas pequenas
modificações, em praticamente todos os sambas gravados pela Pan American ao longo dos
anos de 1927, 1928 e 1929 que pudemos escutar, tanto em composições de Sinhô (“Ora
vejam só”, “Amar a uma só mulher”, “Segura o boi”, “Eu queria saber”, “À medida do
Senhor do Bonfim”, entre muitos outros) quanto em composições compradas de Ismael Silva
por Francisco Alves (“Me faz carinhos”, “Para mim perdeste o valor”).
Outro parâmetro importantíssimo de avaliação em “Malandro” é a forma na qual o
arranjo está estruturado. Temos todo o corpo da música apresentado em formato
instrumental, antes da entrada da voz. Logo depois, aparece uma repetição cantada seguida de
novo trecho instrumental que encerra o samba. Assim:
Intro. (instrumental) 1ª parte ( “ ) 2ª parte ( “ ) Intro. ( “ ) 1ª parte (voz) 1ª parte ( “ ) 2ª parte ( “ ) 2ª parte (instrumental) Intro. ( “ )
Esse tipo de forma era bastante comum, então, na música popular. Quase sempre
havia uma exposição orquestral do tema. Nesse caso, essa exposição ocorre logo no início,
entrando a voz apenas na repetição. Outras variações muito comuns dessa estrutura
colocavam a exposição instrumental do tema no meio (intercalando duas participações do
cantor) ou no fim do arranjo (fechando a canção com um grande solo instrumental, antes da
e����������������� � ����� ���
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62
repetição final da introdução). Como veremos adiante, a partir de um certo momento — e
graças a Pixinguinha — esses solos instrumentais passariam a acontecer quase que
exclusivamente no meio das canções.
Vale a pena ainda chamar a atenção para outros aspectos interessantes que pudemos
encontrar nas gravações da Pan American. Na introdução de “Malandro”, por exemplo,
podemos perceber a utilização de um recurso de variação de dinâmica pouco comum na
música popular: a primeira frase (que na terminologia acadêmica seria chamada de
“antecedente”) é tocada em forte e a segunda (“conseqüente”) em piano. Esse tipo de recurso
é bastante comum na interpretação da música clássica e nem tão comum na música popular,
especialmente na época — poucas vezes pudemos encontrá-lo em nossa pesquisa.
Outra característica que parece oriunda da tradição musical européia nas
orquestrações da Pan American é a dobra da melodia cantada por algum instrumento.
Pudemos observar esse procedimento com freqüência ao longo dos anos de 1927 e 1928 (em
sambas como “Me faz carinhos”, de Ismael, “Ora vejam só”, “A favela vai abaixo”, e
“Tesourinha”, de Sinhô). O resultado dessa dobra é na maioria das vezes um tipo de sincronia
sofrível — tanto é que a partir de 1929 (em sambas como “Malandro”) o recurso desaparece
das gravações, como se ficasse evidente sua ineficácia. Pudemos encontrar dobras da melodia
também com freqüência na música norte-americana, inclusive em um período posterior —
em canções como “Can’t we talk it over” (N. Washington e V. Young), “Paradise” (G.
Clifford e N. H. Brown), “Please” (L. Robin e R. Rainger) e “How deep is the ocean” (I.
Berlin), todas gravadas por Bing Crosby nos anos de 1931 e 19323. Todos esses exemplos
têm melodias ritmicamente lineares, de modo que a dobra não soa “atravessada”.
Para o ouvinte atual, o modelo de interpretação de música brasileira pela Pan
American é sem dúvida um modelo “antigo”, marcado pelo universo do maxixe, como pode
ser constatado a partir das diversas características apontadas acima. Assim, mesmo um
63
repertório de sambas com novas características como os de Ismael Silva, por exemplo,
soariam sempre à maneira “antiga” — devidamente reelaborados dentro de parâmetros
musicais muito particulares e nem sempre próximos àqueles valorizados nos meios originais
dos diversos gêneros. A verdade é que esse modelo de arranjo predominava e era
considerado, sim, autenticamente brasileiro, pelo menos por alguns. A Phonoarte, por
exemplo, saúda em sua edição de 30 julho de 1929 o “magnífico samba ‘Malandro’, de bela
música e de caráter essencialmente brasileiro, (...) sem favor um dos melhores destes últimos
tempos”.
Uma outra orquestra bastante atuante nessa época foi a Simão Nacional Orquestra,
também dirigida por Simão Bountman. É bastante provável que fosse exatamente a mesma
Orquestra Pan American só que com outro nome. Esse procedimento de troca de nomes era
comum quando a mesma atração figurava nos castings de duas gravadoras diferentes. De
fato, a Pan American só gravava pela Odeon enquanto a Simão Nacional só gravava pela
Parlophon. A mesma troca de nomes poderia ser observada no caso de Francisco Alves, por
exemplo. Na Odeon, só aparecia como Francisco Alves e na Parlophon como Chico Viola.
Convém lembrar que Odeon e Parlophon eram subsidiárias da mesma empresa internacional.
De fato, a Simão Nacional Orquestra tem a mesma formação e o mesmo tipo de arranjo da
Pan American, sendo mesmo difícil diferenciar uma da outra nas gravações.
Passemos, então, à análise de alguns arranjos de Pixinguinha criados antes de sua
contratação pela Victor — arranjos contemporâneos aos da Pan American analisados acima.
A atuação de Pixinguinha em gravações começa a se intensificar bastante a partir de 1928 —
ano em que ele gravou, segundo Sérgio Cabral, um número maior de discos do que em
qualquer outro período até então (1997:121). Nesse ano, de fato, podemos observar a
presença de Pixinguinha à frente de algumas orquestras em diversas gravações. Nesses
grupos, Pixinguinha contava com a presença de músicos de sua confiança, muitos dos quais
3 As referências completas dos fonogramas estrangeiros estão no Anexo 2.
64
já atuavam a seu lado havia mais de 10 anos. Assim, tínhamos vários grupos formados
basicamente pelo mesmo núcleo de músicos que recebiam nomes diferentes de acordo com a
ocasião.
A Orquestra dos Oito Batutas foi um desses grupos. Como já comentamos, sua origem
remonta ao conjunto que marcou época como o mais importante grupo brasileiro da década
de 20. Ao longo de sua trajetória, os Oito Batutas tiveram diversas formações e nomes. Na
famosa excursão à Europa em 1922, por exemplo, atuaram simplesmente como Les Batutas
— o “oito” foi suprimido da tradução porque um dos batutas, o baterista J. Thomaz, não pôde
viajar por motivo de doença. Em outras ocasiões, os Oito Batutas chegaram a ter nove, dez ou
mais componentes. Em 1923, após retornarem da excursão à Argentina na qual se realizaram
as únicas gravações disponíveis do grupo, Pixinguinha reorganiza os Oito Batutas com uma
formação já bem diferente da original. O novo conjunto ganharia o nome de Bi-Orquestra Os
Batutas, aproveitando a moda das “orquestras” que chegava com força total ao Brasil e
incluindo até músicas estrangeiras no repertório — “um foxtrotezinho para variar”, como
diria o próprio compositor (MIS, 1970:26).
Como já comentamos, a sonoridade da Orquestra dos Oito Batutas é completamente
diferente da dos Oito Batutas originais. Tomemos como exemplo o arranjo para a marcha
carnavalesca “Sou da Fuzarca”( ), de Vantuil de Carvalho, grande sucesso do carnaval de
1929, gravada por Benício Barbosa. Temos um arranjo bastante “fechado”, aparentemente
com pouca improvisação. Os contracantos são bem definidos, havendo inclusive imitações da
melodia. Não há como saber se esses arranjos já eram escritos. Perguntado em uma entrevista
sobre quando começara a escrever as partes para orquestras, o próprio Pixinguinha não soube
responder de forma muito clara (MIS, 1970:33).
É interessante comparar as gravações das orquestras dirigidas por Pixinguinha com as
dirigidas por Simão Bountman — certamente os dois diretores mais atuantes no período em
65
questão. Apesar de a bibliografia apontar, não sem razão, Pixinguinha como o grande
modernizador das orquestrações populares e como inventor de uma “linguagem brasileira” de
arranjos, podemos encontrar diversos pontos em comum entre os arranjos dele e os de
Bountman, pelo menos nessa fase inicial. Em “Sou da Fuzarca” podemos observar, por
exemplo, a utilização daquela forma bastante em voga na época que fazia soar a música
inteira em versão instrumental antes da entrada do cantor. Em relação à base harmônica,
temos o mesmo tipo de procedimento, com preponderância da tuba como encarregada dos
baixos — a diferença é que nos arranjos de Pixinguinha a tuba parece se movimentar mais,
não se limitando ao desenho em semínimas. A percussão, que teria em Pixinguinha um de
seus maiores consolidadores, em 1929 também ainda não apresentava novidade em relação
ao que se praticava na Pan American: podemos ouvir em “Sou da fuzarca” toques eventuais
de pratos (especialmente na introdução) e uma marcação com contratempo no corpo da
canção.
Alguns outros pontos, porém, já revelam de forma inconfundível a orquestra de
Pixinguinha mesmo nesses anos iniciais. Em primeiro lugar, a fabulosa verve de compositor
que se impõe nos contracantos — e também nas introduções, quando elaboradas por ele.
Além disso, podemos identificar especificamente nesse arranjo de “Sou da Fuzarca” um
elemento que se tornaria marca registrada nos arranjos de marchinhas carnavalescas da
década de 30 — quando Pixinguinha criaria um modelo de arranjo que viria a se tornar
característico no gênero em questão. Trata-se dos contracantos que lembram motivos
militares, absolutamente emblemáticos em arranjos posteriores:
Trompete (som real)
Partitura 2
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66
Outro grupo dirigido por Pixinguinha na mesma época foi a Orquestra Típica
Pixinguinha-Donga, formado provavelmente a partir do mesmo núcleo de músicos dos Oito
Batutas. Segundo Cabral (1997:121), a orquestra foi criada pelos dois músicos para uma
exibição na II Exposição de Automobilismo, Autopropulsão e Estradas de Rodagem do Rio
de Janeiro, promovida em 1928 pelo Automóvel Clube do Brasil. Ainda segundo Cabral, a
orquestra teria 40 componentes. Não sabemos se nas atuações em gravações a que tivemos
acesso a orquestra se utilizou desses 40 componentes — aparentemente não. É certo, porém,
que se tratava de uma formação de porte maior e instrumentação mais variada que da
Orquestra dos Oito Batutas.
Tomemos como exemplo para análise o arranjo do samba “Gavião calçudo”( ),
música de Pixinguinha e letra de Cícero de Almeida, cantada por Patrício Teixeira e lançada
em março de 1929. Alguns elementos do arranjo não trazem novidades. Em relação à forma,
por exemplo, temos simplesmente a utilização da estrutura padrão que faz ouvir toda a
música no instrumental antes do “estribilho” pelo cantor.
Podemos observar, porém, um tratamento rítmico bastante diferente daquele
promovido pela Orquestra Pan American para os sambas. Parece haver de fato na orquestra
de Pixinguinha um comprometimento muito menor com o padrão rítmico característico do
maxixe, tão caro à Pan American. Se ainda não podemos identificar o novo padrão rítmico
apontado por Sandroni como emblemático do novo modelo de samba (com períodos de 16
semicolcheias e síncopes que atravessam o compasso), também não ouvimos em nenhum
momento elementos característicos do maxixe — como a frase-clichê, que não encontramos
aliás em nenhum dos arranjos de Pixinguinha analisados. O tratamento que Pixinguinha
imprime a esse arranjo é bastante curioso, pois não há continuidade rítmica e os “breques”
são constantes. Esse mesmo samba seria regravado de forma totalmente diferente muitos anos
67
depois (por artistas como Martinho da Vila, por exemplo), dentro de uma concepção rítmica
bastante diferente.
As maiores inovações desse arranjo parecem estar nos contracantos e na forma de
emprego do instrumental. Pixinguinha dá um destaque todo especial aos contracantos,
fazendo inclusive toda a orquestra parar em alguns deles. Além disso, cada contracanto
parece estar muito associado a um timbre: o primeiro e o segundo, por exemplo, estão a cargo
de duas clarinetas; o terceiro a cargo do saxofone. Aliás, esses contracantos viriam a causar
grande polêmica, sendo acusados pela Phonoarte, em sua edição de 15 de fevereiro de 1929,
de “americanizados”: “Pixinguinha parece se deixar influenciar extraordinariamente pelas
melodias e ritmos de jazz. Ouçam ‘Gavião calçudo’. Mais parece um foxtrote que um samba.
As suas melodias, os seus contracantos e mesmo quase que o seu ritmo, tudo transpira música
dos yankees”.
Ouvindo a gravação de “Gavião calçudo” surge de forma inevitável a pergunta: onde
teria ouvido o crítico tamanha influência do jazz? Certamente é impossível avaliar hoje em
dia a recepção exata que teve a música e o impacto que causou no ouvinte da década de 20.
Poderíamos, porém, arriscar-nos a apontar essa influência em um contracanto a cargo do
saxofone que parece guardar certas características melódicas em comum com frases
tipicamente jazzistas:
Sax tenor (som real)
Partitura 3
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68
As críticas da Phonoarte a músicas como “Gavião calçudo”, “Carinhoso”,
“Lamentos” e outras mais, sempre acusando-o de “americanização”, ficaram famosas na
bibliografia sobre Pixinguinha, sendo citadas inúmeras vezes sempre como ícones do absurdo
e da incompreensão face à modernidade trazida por ele. De qualquer maneira, essas críticas
não parecem tão despropositadas se levarmos em conta que a concepção de “brasilidade” dos
críticos da revista estava relacionada diretamente a um modelo “antigo” de música brasileira,
o modelo que tinha como melhor representante a Orquestra Pan American.
Mais do que isso, para a Phonoarte a noção de “música típica” parecia valorizar um
certo “exotismo”: nessa música típica nunca poderia se admitir a assimilação de elementos
musicais estrangeiros. Não chega a admirar, assim, que a cobrança de um “caráter
perfeitamente típico” fosse muito mais evidente em relação a Pixinguinha, um “músico
típico”, do que a Simão Bountman, cujas interpretações de música estrangeiras eram não
apenas aceitáveis como elogiáveis e cujos arranjos de música brasileira foram eleitos como
padrões.
Polêmicas à parte, os arranjos de Pixinguinha para orquestras como a dos Oito Batutas
e a Pixinguinha-Donga levaram-no a ser contratado como diretor da nova Orquestra Victor
Brasileira, fundada por ocasião da chegada ao Brasil dessa gravadora, em 1929.
CAPÍTULO 5 — ORQUESTRA VICTOR BRASILEIRA
(de novembro de 1929 a dezembro de 1931)
Em sua edição de 15 de novembro de 1929, a revista Phonoarte saúda
entusiasticamente a chegada ao mercado dos primeiros discos da gravadora Victor produzidos
no Brasil, dedicando a esse acontecimento duas páginas nas quais descreve toda a estrutura
montada por essa gravadora desde maio do ano anterior, quando fora iniciada a construção da
fábrica e dos estúdios em São Paulo: “Um ano e meio gastou portanto a Victor em
organização para enfim se apresentar ao nosso público”. A matéria destaca também a
formação da Orquestra Victor Brasileira, “dirigida pelo maestro Alfredo Vianna, o
popularíssimo Pexinguinha [sic], a quem a companhia deu o cargo de regente geral da
orquestra”.
O contrato entre Pixinguinha e a Victor foi assinado no dia 21 de junho de 1929 e
concedia a ele as funções de “instrumentador, chefe e ensaiador da Orquestra Victor
Brasileira” (Tinhorão, 1998:297). Foram arregimentados alguns dos melhores músicos
atuantes no Rio de Janeiro para a constituição do núcleo fixo da orquestra: Luís Americano
(sax e clarineta), Bonfiglio de Oliveira (trompete), Esmerino Cardoso e Vantuil de Carvalho
(trombones), Romeu Ghispsmann (violino), Augusto Vasseur (piano), Luperce Miranda
(bandolim e cavaquinho), Donga (violão, banjo e cavaquinho), Luciano Perrone (bateria),
João da Bahiana (pandeiro), Faustino da Conceição (Tio Faustino, omelê, instrumento
inventado pelo próprio). A esse grupo eram acrescidos tantos músicos convidados quanto
fossem necessários, de acordo com a instrumentação desejada para cada música (Cabral,
1997:127).
Até 1935, a Orquestra Victor realizou mais de 350 gravações, nos gêneros mais
variados — das marchas e sambas até canções e valsas — segundo informações colhidas na
70
Discografia Brasileira 78 rpm. Os primeiros números da Orquestra Victor foram gravados
logo a partir do início de julho de 1929, em execuções instrumentais da marcha “Não puxa,
Maroca” (Nélson Ferreira), do maxixe “Eu arranjo tudo” (Maurício Braga) e dos choros
“Vem cá, não vou”, “Urubatã” (Pixinguinha) e “Suspiros” (Desmond Gerald). Além desses,
foram gravados números nunca lançados comercialmente — o que faz supor que esse período
inicial tenha servido para realização de experiências. Os primeiros acompanhamentos de
canções efetivamente aproveitados foram gravados em setembro, e lançados junto aos outros
no mês de novembro seguinte.
É interessante avaliar a expectativa e a reação da Phonoarte face ao perfil do cast da
Victor e do direcionamento de sua orquestra. Em sua edição de 1º de novembro de 1929, o
crítico faz notar “a louvável e criteriosa estréia da Victor, que nos seus vinte discos não nos
deu sequer uma música estrangeira executada pelos seus artistas nacionais. Que assim
continue, são os nossos votos”. Mais adiante, o jornalista (provavelmente Cruz Cordeiro)
traça comentários elogiosos à Orquestra Victor, que estaria “bem ensaiada, bem organizada e
perfeitamente apta para qualquer tradução da nossa música típica”.
Trechos como esses reforçam a impressão, já descrita no capítulo anterior, de que
haveria uma certa categoria de músicos classificados como “típicos”, cuja música seria tratada
com um olhar tão ou mais “exótico” do que o dispensado a músicas estrangeiras, por
exemplo. A música dos artistas “típicos”, dos quais faria parte Pixinguinha, deveria estar
imune a elementos musicais não natos, conservando-se sempre “pura” — apesar de sempre
prescindir de um tratamento musicalmente “correto”, como vimos. Um bom exemplo disso
pode ser observado em uma crítica feita pela Phonoarte, em sua edição de 30 de janeiro de
1930, à marcha “Teu ciúme é querer bem”, de Donga:
[Donga] foi não há muito tempo companheiro inseparável de Alfredo Viana (Pexinguinha): os dois se tornaram muito populares e são mesmo tidos como dos nossos melhores autores de música típica. Entretanto, enquanto o segundo tem continuado a triunfar, parece-nos que Donga não tem agora lançado peças
71
com o mesmo sucesso de antigamente. É o que ainda sucede com essa marcha por demais complexa em suas melodias. Infelizmente não tivemos acesso a essa gravação para saber que elementos melódicos
eram esses considerados pelo crítico “por demais complexos” para uma marcha de “caráter
típico”. E mesmo não sendo esse um elemento inerente ao processo de arranjo, e sim de
composição, acreditamos que ilustra bem uma expectativa que parecia haver em torno do
populário em seu modo mais “autêntico” por parte de camadas mais elitizadas.
Por outro lado, a própria utilização da expressão “tradução da nossa música típica”, no
trecho transcrito anteriormente, faz-nos supor que essa música não seria aceitável em seu
“estado bruto”, da forma como era praticada em seus meios e por seus agentes originais. É
interessante perceber que a Phonoarte utiliza a palavra “tradução” tanto para a música
estrangeira (“tradução com belo arranjo do fox-trote pela Pan American”, como vimos no cap.
1) quanto para a “música típica” — como se essa música carecesse necessariamente de uma
“tradução” para se tornar palatável ao grande público, ou melhor, ao público consumidor de
fonogramas.
Há, portanto, um paradoxo estabelecido entre a defesa de um “caráter perfeitamente
típico”, quase imaculado, e a necessidade de uma “tradução” que legitimasse a mesma música
típica. Esse paradoxo nos leva a uma questão: seria possível haver um tipo de arranjo que
garantisse a essa música uma “roupagem enobrecedora” sem perda de sua “essência
original”? Que elementos poderiam ser utilizados licitamente na “tradução” dessa música e
que elementos caracterizariam um desvirtuamento do “caráter típico” da mesma? Não temos a
pretensão de responder essas questões, e não achamos que seja cabível qualquer tipo de
conjectura a esse respeito, visto que não há como trabalhar com conceitos de tão difícil
definição: não há como saber, por exemplo, o teor exato do “caráter perfeitamente típico” de
que fala a Phonoarte — e provavelmente não havia um critério totalmente objetivo na
utilização do mesmo. Mais do que atestar a perda ou não do “caráter típico”, interessa-nos
72
aqui tentar visualizar a forma com que se dava o concurso dos diversos elementos oriundos
das diversas matrizes nos arranjos de Pixinguinha e de outros arranjadores da época.
Podemos começar analisando a presença de elementos oriundos da “matriz industrial”.
A julgar pelas freqüentes críticas a arranjos como “Gavião calçudo” ou “Carinhoso”, para a
Phonoarte a música típica certamente deveria estar imune a esses elementos, como se fosse
possível excluir seus agentes do convívio e da interação com as novidades que chegavam
através dos discos e do cinema sonoro, principalmente.
Na prática, porém, os arranjos de Pixinguinha para a Orquestra Victor parecem
desprovidos de quaisquer preocupações no sentido de se evitar essa “matriz industrial”: há
diversos elementos que podem ser associados à música americana. Tentaremos identificar
alguns deles, lembrando sempre que essa identificação é, naturalmente, pautada na escuta de
um ouvinte atual, distante setenta anos da realidade acústica em questão.
Um primeiro exemplo pode ser encontrado em “O nego no samba”( ), de Ary
Barroso, Marques Porto e Luís Peixoto, lançada em maio de 1930 por Carmen Miranda, com
acompanhamento da Orquestra Victor. Na segunda parte da música podemos ouvir um
contracanto de caráter bastante rítmico (logo após “no samba/ branco se escangáia”), a cargo
dos saxofones, bem ao sabor das jazz bands que paralelamente iniciavam a “era do swing” nos
Estados Unidos. Em “Beale Street blues”( ), por exemplo, gravado em maio de 1937 por
Tommy Dorsey e sua Orquestra, temos um contracanto relativamente parecido, a cargo dos
trompetes. Note-se que escolhemos um exemplo americano bastante posterior, afinal não há
intenção de se estabelecer uma relação de causalidade entre ambos, afirmando que um
aconteceu em decorrência do outro — pretende-se, apenas, ilustrar a existência de elementos
comuns nos dois universos musicais. Outro elemento de interesse no mesmo “O nego no
samba” é a presença de um trompete com surdina, realizando outro contracanto também na
segunda parte da música (no verso “no samba branco não tem jeito”). A própria utilização da
73
surdina no trompete pode ser encarada como um elemento de hibridismo, uma vez que tal
recurso não é comum nas bandas militares e amadoras típicas da matriz artesanal. A presença
do trompete com surdina pode ser identificada também na marcha “Sou da pontinha”( ), mais
uma vez de Ary Barroso, lançada pelos mesmos intérpretes em janeiro de 1931. Nessa marcha
podemos ouvir, inclusive, um contracanto bastante cromático, incomum em arranjos da época,
que ilustra a originalidade das idéias musicais de Pixinguinha:
Sax alto (som real)
Partitura 4
Outros elementos híbridos de interesse podem ser encontrados no clássico
“Faceira”( ), de Ary Barroso, cantado por Sílvio Caldas acompanhado pela Orquestra Victor
e lançado em julho de 1931. Segundo a Discografia Brasileira 78rpm, a orquestra nessa
ocasião constituiu-se de 3 saxofones, 2 trompetes, trombone, piano, banjo, tuba e bateria.
Destaca-se, primeiramente, a harmonização repleta de acordes com tensões (como a sexta ou
a sétima maior) incomuns na época — a maioria esmagadora das harmonizações utilizava
basicamente acordes perfeitos e diminutos. Esse tipo de harmonia, usual na música americana,
é certamente recorrente em Ary Barroso, cujas melodias apoiam-se com freqüência em notas
“tensas”, e demonstra entrosamento entre as intenções do compositor e as idéias do
arranjador. É interessante perceber que aparentemente nem todos os compositores tinham essa
relação estreita com o arranjador e por isso mesmo tinham pouco controle sobre o resultado
final da peça — como nos sambas de Ismael Silva, que tantas vezes ganharam arranjos
amaxixados e imponentes. É provável que uma instrução musical tradicional (como no caso
de Ary Barroso, que era pianista) contribuísse para a preservação, nos arranjos, das idéias do
compositor.
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74
Além disso, toda a música, desde a introdução, é pontuada por “breques” preenchidos
ora pela voz do cantor ora pela bateria de Luciano Perrone. A presença da bateria em
orquestras brasileiras não era nenhuma novidade — como vimos, ela chegara ao país em
1919. Temos aqui, porém, uma utilização bastante diferente da mesma em relação ao que era
praticado nas outras gravações que analisamos, com um destaque todo especial e com a
possibilidade de audição nítida das “viradas” realizadas pelo executante. Esse destaque à
bateria ainda remete a outro sofisticado recurso utilizado aqui: o estabelecimento de uma
relação entre o conteúdo da letra e as idéias desenvolvidas no arranjo. A uma certa altura, a
letra de “Faceira” diz: “Tua companhia/ faz falar a bateria”, trecho que justifica e
contextualiza toda a idéia do arranjo.
Recurso idêntico é utilizado em outra música de Ary Barroso, o samba “Gira”( ),
gravado pelos mesmos intérpretes com o auxílio de Carmen Miranda, no mesmo dia de
“Faceira”, 19 de junho de 1931. Aqui, o estabelecimento de uma relação entre letra e arranjo é
ainda mais evidente: cada vez que a letra fala “– Gira!” há um “breque” preenchido por
acordes que descem e sobem por semitons, também em blocos paralelos, em um efeito
sinuoso que parece querer representar o ato de girar.
Em nossas análises, pudemos observar a presença desse recurso exclusivamente em
arranjos de Pixinguinha, como descreveremos adiante. Destacamos a relação entre letra e
música como um elemento híbrido justamente por não observarmos sua presença na maior
parte dos arranjos da época. Não nos arriscaríamos, porém, a estabelecer a exata procedência
desse recurso e classificá-lo em uma das matrizes. Certamente podemos encontrá-lo
facilmente na música clássica desde os primórdios da mesma em sua história “oficial”, isto é,
a partir da Idade Média. Não resta dúvida, porém, que o recurso está impregnado na música
popular desde tempos longínquos, sendo árduo e mesmo desnecessário o estabelecimento
dessa genealogia.
75
De volta à “matriz industrial”, temos outro elemento que chama a atenção em
“Faceira”: trata-se de um trecho no final da segunda parte, justamente sobre o verso “oi vâmo
embora”, harmonizado por blocos de dominantes paralelos nos metais. A escrita em bloco era
uma característica marcante nas orquestras americanas, como se ouve, por exemplo, em um
trecho de “Please”( ), gravado por Bing Crosby em 1932 (mais uma vez lançamos mão de um
exemplo posterior).
De forma geral, a análise de gravações da Orquestra Victor revelou-nos a presença de
elementos associados à “matriz industrial” — utilizados, porém, de forma isolada, não com
funções estruturais e sim como adornos, em forma de contracantos, texturas ou timbres. A
presença desses mesmos elementos em outras orquestras da época podia ocorrer de formas
bastante diferentes, variando de casos em que podemos observá-los explicitamente a casos
onde há apenas alguns deles isoladamente, proporcionando o mesmo tipo de adorno descrito
acima.
Temos um belo exemplo de maximização do papel desses elementos em “Dor de
recordar”( ), de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano. Lançada em dezembro de 1929 por
Francisco Alves com acompanhamento da Orquestra Pan American, “Dor de recordar” é uma
ilustração da presença e do alcance da “matriz industrial” no universo acústico brasileiro já
em 1929. Chama a atenção desde logo o gênero com que a música é designada no selo do
disco: “canção-blue”, o que já determina a priori o caráter francamente norte-americano que
se ouve no arranjo. “Dor de recordar” traz todos os estereótipos dos arranjos dos fox-trotes
americanos. A instrumentação conta com a presença de trompete e de trombone com surdina e
até mesmo de um vibrafone. Os contracantos, a cargo desse trompete, dos saxofones e do
violino, são concebidos dentro da característica rítmica e melódica desse gênero. A utilização
do assobio também remete imediatamente ao universo de Bing Crosby, que lança mão do
76
mesmo procedimento nos mesmos “Can’t we talk it over”, “Paradise” e “Please”, por
exemplo.
A Phonoarte traz, em sua edição de 15 de dezembro de 1929, rasgados elogios à
“excelente performance” da Orquestra Pan American, “demonstrando o ensaio de seus
músicos através de bem feito acompanhamento, com bem sustentado ritmo pela tuba, boas
passagens de piston, trombone com surdina, piano e com bem feito final do prato e vibrafone
‘a la americana’”.
Há outros exemplo de gravações onde a presença de elementos musicais tipicamente
americanos são ainda mais surpreendentes — afinal, em “Dor de recordar” tais elementos não
soam inadequados, visto que trata-se de uma “canção-blue”, ainda que de produção
inteiramente nacional.
Tivemos oportunidade de ouvir cinco gravações de um conjunto denominado “Jazz
Band Columbia”, todas lançadas entre os meses de fevereiro e setembro de 1930. Esse
conjunto atuava em São Paulo e, segundo a Phonoarte, era formado por nomes como o do
saxofonista Jonas Aragão e o do trompetista Napoleão Tavares, que viriam ambos para o Rio
de Janeiro por ocasião da formação da Orquestra Columbia, criada em 1931 quando da
inauguração dos estúdios cariocas dessa gravadora. Essas cinco gravações trazem vários
gêneros de músicas compostas por Sinhô: duas marchas, um samba, um samba-canção e um
choro-canção, de acordo com os selos dos discos. Os arranjos trazem todos os tipos de
estereótipos da música americana possíveis e imagináveis. Em “Missanga”( ), editada
originalmente como “marcha-chula”, temos todos esses elementos concentrados: seções de
improviso (com frases características), glissandos na clarineta, solo de banjo,
acompanhamento pelo piano nos mesmos moldes descritos acima e utilização da surdina no
trompete. As outras peças têm arranjos um pouco menos caricatos, mas mesmo assim bastante
distantes do que se esperaria a partir do gênero de cada uma. Em algumas delas os elementos
77
se misturam, em um interessante resultado. Em “Benzinho”, o choro-canção, temos frases
típicas da baixaria de um violão de choro imitadas pelo saxofone convivendo mutuamente
com contracantos de banjo “à americana”.
Temos ainda exemplos que mostram esse mesmo tipo de “miscelânea”, só que com a
utilização bem mais discreta dos elementos oriundos da “matriz industrial”. Podemos citar
primeiramente o samba “Quero sossego”( ), de Ismael Silva e Nílton Bastos, lançado no
início do ano de 1931 por Araci Cortes, acompanhada pela Orquestra Brunswick. Cabe
esclarecer, antes de mais nada, que a Orquestra Brunswick fora constituída em 1929, por
ocasião da chegada da gravadora ao país. Seu primeiro diretor foi J. Thomaz, o antigo
baterista dos Oito Batutas, que atuava por vezes também como cantor, com desempenho
“irregular”, segundo a Phonoarte. Segundo Henrique Cazes (1998:71) quem escrevia os
arranjos dessa orquestra era o próprio Pixinguinha. De qualquer modo, segundo a Discografia
brasileira 78rpm, Henrique Vogeler passaria a dirigi-la a partir de meados de 1930 e até o
final de sua curta existência, em 1931, em decorrência do fechamento da Brunswick. A
Orquestra Brunswick também mereceu da Phonoarte, em sua edição de 30 de janeiro de
1930, elogios nos mesmos moldes daqueles dispensados meses antes à Orquestra Victor: “A
Orquestra Brunswick, composta exclusivamente de brasileiros, tem a seu favor, entre outras
qualidades, o fato de ser um dos nossos conjuntos que melhor conserva e mantém o ritmo dos
nossos sambas e maxixes”. De “Quero sossego” selecionamos um elemento que nos parece
associável justamente à “matriz industrial”. Trata-se de uma seqüência harmônica que tem
semelhança com um clichê típico do blues, realizada aqui pelo violão ao final da introdução
nas duas primeiras vezes em que ela aparece:
Violão
Partitura 5
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78
No blues, esse tipo de seqüência harmônica aparece freqüentemente no final das músicas, em
geral a cargo do piano, sendo destacado da mesma forma (sem nenhum outro instrumento
tocando). Geralmente a terminação se dá, porém, com um acorde de Iº grau com sétima
(modal). Em “Quero sossego”, na terceira apresentação do material da introdução, justamente
no final (como uma coda), temos ao invés dessa seqüência a presença da frase-clichê do
maxixe!
O universo acústico popular da época também contava com a presença de elementos
provenientes da “matriz culta”, também utilizados em proporções bastante variadas. Um
primeiro exemplo pode ser encontrado em “A voz do violão”, canção brasileira de Francisco
Alves e Horácio de Campos, cantada pelo primeiro com acompanhamento da Orquestra Rio
Artists. Trata-se de uma peça de caráter seresteiro, executada dentro de um certo espírito
“romântico”, com rubatos, rallentandos e fermatas bastante evidentes. A presença desses
procedimentos parecia ser comum em canções, que representavam um gênero que se
aproximava e se confundia em muitos momentos com a “música culta” — a produção de
autores como Hekel Tavares parece refletir isso.
Em gêneros de fato mais populares, como o samba, a presença da “matriz culta” traz
alguns exemplos interessantes. Em “Se meu amor me vê”, samba de Sinhô lançado em
fevereiro de 1930 por Francisco Alves e Lucy Campos com acompanhamento da Orquestra
Pan American, temos uma utilização bastante evidente de dinâmicas forte e piano em cada
uma das frases que compõem a introdução. Já em “O que há contigo?!”( ), samba de Donga
interpretado por Mário Reis e pela mesma Orquestra Pan American, temos uma introdução
harmonicamente construída sobre acordes diminutos cromaticamente descendentes:
79
Partitura 6
Seria possível associar a presença de acordes diminutos cromáticos na música popular
brasileira à “matriz culta”? Certamente esse tipo de elemento já estava impregnado no
vocabulário harmônico brasileiro, em especial do choro, e sua procedência parece ter de fato
ligações com a música clássica. A famosa frase de Villa-Lobos, afirmando que “Bach não
teria vergonha de assinar os estudos de [João] Pernambuco como sendo seus” (apud Carvalho
1997), estabelecendo uma relação entre a música do mestre alemão e a do chorão brasileiro,
pode fazer referência justamente a esse tipo de opção harmônica, como demonstram os
exemplos abaixo:
João Pernambuco"Interrogando"
Violãoc. 13-20
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Partitura 7
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80
Partitura 8
Por vezes, a presença de elementos como esses no samba, somados à própria
imponência da sonoridade orquestral, acaba proporcionando um clima de grandiloqüência e
de austeridade bem distante da sonoridade regional (flauta, cavaquinho e violão), bastante
associada ao gênero.
Isso não significa, porém, que esse “padrão regional” de acompanhamento estivesse
imune à presença musical dos diversos elementos híbridos. Uma comparação entre duas
gravações diferentes da mesma música, uma com acompanhamento de orquestra e outra de
regional, pode trazer à tona alguns pontos importantes, principalmente no que diz respeito às
formas de utilização desses elementos e aos resultados obtidos em cada uma delas. O samba
“Cordiais saudações”( ), de Noel Rosa, foi gravado primeiramente em julho de 1931, em
fonograma não lançado comercialmente, com o próprio compositor acompanhado pela
Orquestra Copacabana — na verdade a Orquestra Pan American, que aparecia com novo
nome desde setembro de 1930. Segundo Ary Vasconcelos (apud Jubran, 2000:22), o próprio
Noel rejeitou essa gravação, escrevendo sobre o disco de prova: “Não gostei, está horrível”.
Não há como saber as razões específicas que levaram o compositor a esse julgamento. De
81
qualquer modo, dias depois foi realizada nova gravação, agora com o auxílio do Bando de
Tangarás ( ).
A audição dos dois arranjos mostra pontos em comum, como a forma e a temática da
introdução. Porém, é nítida uma estética bem mais contida, menos grandiloqüente, da
gravação dos Tangarás — cujo intimismo parece se adequar muito mais à proposta
humorística e ao clima irônico da letra. De fato, a gravação orquestral parece mais confusa,
até do ponto de vista técnico: os contracantos realizados pelos saxofones e pelo trompete se
dão em volume muito alto, interferindo no canto. Além disso, esses contracantos ocorrem até
mesmos nos “breques”, atrapalhando a compreensão dos trechos falados por Noel. A
gravação do Bando de Tangarás, porém, está longe do que pode ser considerado um padrão de
acompanhamento regional “típico” de samba, com levada rítmica no cavaquinho, baixos no
violão e contracantos muitas vezes improvisados em algum instrumento de sopro. A própria
instrumentação utilizada já se distancia desse modelo: piano e dois violões e uma discreta
percussão. Já na introdução temos a apresentação do padrão de acompanhamento que será
utilizado em todo o arranjo: a primeira frase está a cargo do piano, que a executa de forma
extremamente livre e romântica, cheia de rubatos, “floreada” com arpejos e ornamentos. Já a
segunda aparece nos violões, que a executam a tempo, com uma levada bastante rítmica, com
o sotaque típico do samba, em um clima mais virtuosístico.
Essa comparação parece demonstrar que a presença de elementos híbridos, por si só,
não provoca necessariamente um distanciamento entre uma suposta “concepção original” de
uma peça e o resultado final de um arranjo. É importantíssimo ressaltar que esse conceito de
“concepção original” é utilizado aqui sem nenhuma intenção generalizante, sendo baseado
apenas em uma presumível expectativa em torno de características gerais de gênero, estilo e
época. Parece-nos que muito mais importante que a presença ou não desses elementos é a
forma como eles são organizados em um arranjo. Assim, podemos ter arranjos onde há uma
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dicotomia total entre a “concepção original” de uma música e o arranjo para ela elaborado —
é o caso de “Missanga”, a marcha-chula de Sinhô executada pelo Jazz Band Columbia, onde
os elementos híbridos são proeminentes, a tal ponto que chegam a mudar o parâmetro de
referência para um ouvinte que desconheça o gênero original da peça, por exemplo. Há outros
casos em que os elementos híbridos aparecem isoladamente, causando uma dicotomia parcial
em relação a alguns elementos — é o caso de “Malandro”, analisada no capítulo anterior, ou
de qualquer outro samba de Ismael Silva executado dentro de um padrão rítmico amaxixado e
a partir de uma concepção orquestral grandiloqüente. Há, finalmente, casos em que os
elementos híbridos aparecem até de forma destacada, mas sempre junto a outros elementos,
provenientes da “matriz artesanal”, tratados com igual ou maior destaque. É justamente o caso
de “Cordiais saudações” pelo Bando de Tangarás, onde a presença de um piano cheio de
floreios é contraposta ao ritmo dos violões, soando propositalmente exagerada dentro do
caráter humorístico do samba.
Desse grupo fazem parte, de forma geral, os arranjos de Pixinguinha — que têm na
forma de organização e de equilíbrio dos diversos elementos, a nosso ver, uma de suas mais
marcantes características. Esse equilíbrio passa, porém, por um destaque a elementos oriundos
da “matriz artesanal”, freqüente em Pixinguinha. E um desses elementos, talvez o mais
importante, é a percussão.
O livre acesso de Pixinguinha aos mais diversos redutos acústicos cariocas certamente
fez com que ele pudesse agir como elo (ou como um dos elos) de ligação entre o tipo de
percussão praticada nos morros e os estúdios de gravação. Na verdade, consta que o primeiro
samba gravado com o auxílio dessa percussão foi “Na Pavuna”, de Almirante e Candoca da
Anunciação, lançado em dezembro de 1929. Em “Na Pavuna” o Bando de Tangarás estaria
acompanhado de surdo, reco-reco e dois pandeiros, além de bandolim (Luperce Miranda) e
piano (Carolina Cardoso de Menezes) (Almirante, 1977:68). A partir de 1930, teríamos a
83
fusão dessa percussão advinda dos morros com o modelo de acompanhamento típico do
choro (algo que fora apenas esboçado em “Na Pavuna”, visto que o Bando de Tangarás não
tinha a formação típica do choro). Teríamos assim um modelo de arranjo que congregava
flauta, violão, cavaquinho com os novos instrumentos de percussão. Segundo Tinhorão
(1998:296), as primeiras gravações nesse novo estilo seriam realizadas pelo conjunto Gente
do Morro, liderado pelo estreante flautista Benedito Lacerda acompanhado pelos violonistas
Henrique Brito e Jaci Pereira e pelos ritmistas Alcebíades Barcelos e Juvenal Lopes. Nas
gravações, juntavam-se ao conjunto outros percussionistas anônimos — talvez de fato a
“gente do morro”, visto que os próprios integrantes do grupo eram de classe média. Isso seria
inclusive bem representativo do que estava acontecendo tanto social quanto musicalmente: o
“casamento da tradição do choro da pequena classe média com o samba das classes baixas”
(1998:296).
Pixinguinha seria o pioneiro ao promover um excepcional destaque a essa percussão
em arranjos orquestrais, como comenta Henrique Cazes (1998:71): “Não se trata
simplesmente de colocar ao fundo um ritmo constante, mas sim de usar a faca, o pandeiro e a
caixeta (os instrumentos que mais aparecem nesses arranjos) como um naipe que brilha tanto
ou mais que os sopros ou a base harmônica”.
São inúmeros os exemplos que poderiam ilustrar isso. Ficaremos, porém, com
“Carnavá tá aí”( ), marcha carnavalesca (que apesar dessa indicação soa mais como um
samba) de Pixinguinha e Josué de Barros, cantada por Carmen Miranda e lançada em janeiro
de 1931. Nela observamos o concurso de um verdadeiro arsenal de percussão — contando
com surdo, omelê, pandeiro, chocalho e prato — que chega a se sobrepor à base harmônica,
provavelmente tentando retratar o clima exato do desfile de um bloco ou rancho carnavalesco.
Há outros exemplos em que a percussão interage com o canto e com o resto da
orquestra. A própria “Faceira”, com seus breques preenchidos pela bateria, poderia
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exemplificar isso. Outra música que traz essa característica é a marcha “Eu sou do
barulho”( ), lançada por Carmen Miranda com a Orquestra Victor em janeiro de 1931. A
percussão está mais uma vez bastante presente, com instrumentos como prato, reco-reco,
caixeta e omelê preenchendo breques, ressaltando passagens harmônicas (como ao final do
antecedente na introdução) e dialogando com a orquestra em convenções, como no final do
solo orquestral.
Além do destaque dado à percussão, Pixinguinha faz ressaltar em alguns arranjos a
presença de um instrumento específico, através de recursos tão simples quanto engenhosos de
orquestração. Em “Gostinho Diferente” (Joubert de Carvalho) e “Eu gosto da minha terra”( )
(Randoval Montenegro), ambos também cantados por Carmen Miranda, temos um destaque
todo especial ao violão, instrumento que raramente se destacava em sonoridades orquestrais.
Em ambos os arranjos, todas as partes instrumentais (introdução e solos no final) estão a
cargo da orquestra, enquanto o acompanhamento da voz em si é feito apenas por um (na
primeira música) e por dois violões (na segunda). Assim, Pixinguinha destaca de forma
excepcional o acompanhamento sofisticado de violonistas como Josué de Barros e Rogério
Guimarães, mesmo em um arranjo orquestral, obtendo uma diversidade excepcional no
arranjo como um todo.
CAPÍTULO 6 — GRUPO DA GUARDA VELHA
(de janeiro a dezembro de 1932)
Em fins de 1931 surgiria no cenário carioca um novo conjunto musical dirigido por
Pixinguinha: o Grupo da Guarda Velha. Segundo Sérgio Cabral (1997:132), o conjunto seria
uma espécie de “nova versão” dos Batutas, que teriam se apresentado com esse nome até
meados desse mesmo ano de 1931. Em dezembro de 1931 teríamos o lançamento dos
primeiros números da Guarda Velha pela Victor: o partido-alto “Ha! Hu! Lahô!” e a chula
raiada “Patrão prenda seu gado”, ambos solos orquestrais gravados em outubro anterior. As
primeiras gravações com acompanhamento do conjunto foram feitas em dezembro de 1931 e
lançadas a partir de janeiro para o carnaval. Além da performance em estúdios, o grupo
também fazia apresentações ao vivo, especialmente em bailes de carnaval.
O repertório da Guarda Velha era composto basicamente por marchas, sambas
carnavalescos e, em menor proporção, músicas de sabor africano. Uma consulta à Discografia
brasileira 78rpm mostra que o grupo atuou em gravações em um período relativamente curto:
dezembro de 1931 a fevereiro de 1933, havendo números, porém, que só seriam lançados
tempos depois. Foram, no total, 85 gravações, 77 delas em acompanhamento de peças
cantadas — nas quais encontramos 51 sambas e 17 marchas, além de gêneros como batucada,
macumba, marcha-rancho, marcha pernambucana (denominação mais usual do frevo na
capital) e até mesmo duas rumbas! No conjunto de oito peças instrumentais que constam da
Discografia temos gêneros como batuque, quadrilha, choro e maxixe (este último usado para
qualificar a primeira gravação do clássico “Ainda me recordo”).
Segundo Ary Vasconcelos (1964:291), o Grupo da Guarda Velha tinha a seguinte
constituição: Bonfiglio de Oliveira e Vanderlei (trompetes), Vantuil de Carvalho (trombone),
Luís Americano, João Braga e Jonas Aragão (saxofones ou clarinetas), Donga (violão ou
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banjo), Nelson dos Santos Alves (cavaquinho), João Martins (bandolim ou contrabaixo), Tute
(violão), Elísio (piano), Benedito ou Valfrido Silva (bateria), Osvaldo Viana (afoxé), Vidraça
(chocalho), Tio Faustino (omelê), João da Baiana (pandeiro) e Adolfo Teixeira (prato e faca).
Mesmo não sendo essa uma instrumentação rigorosamente fixa (sofrendo modificações de
acordo com a ocasião), nota-se a “oficialização” da presença dos percussionistas, que
figurariam de fato em praticamente todas as gravações, e não esporadicamente, como na
Orquestra Victor. Os instrumentos de percussão viriam a figurar inclusive no próprio logotipo
do conjunto, ao lado de trompete, bateria, banjo e piano, funcionando literalmente como uma
marca registrada do grupo.
É interessante ressaltar que a Guarda Velha misturava em sua própria concepção
elementos de tradição e de modernidade, refletidos diretamente na sonoridade e nos arranjos
do grupo. O próprio nome escolhido denota por definição uma proposta atrelada à tradição.
Sérgio Cabral (1997:133) demonstra que “guarda velha” era na época uma expressão “já
incorporada ao linguajar do povo para identificar manifestações tradicionais, coisas antigas”.
Por outro lado, esse apego ao passado não parecia uma proposta purista, que fizesse excluir da
sonoridade do grupo elementos de modernidade e elementos ostensivamente híbridos. A
presença da bateria em alguns arranjos, por si só, parece demonstrar isso. Além disso, outras
importantíssimas inovações foram introduzidas por Pixinguinha justamente em arranjos da
Guarda Velha. Podemos supor que esse grupo tenha sido o ideal para esse tipo de inovação,
não apenas por ser constituído basicamente por músicos que trabalhavam havia anos com
Pixinguinha, mas também como forma de se evitar a imponência da Orquestra Victor.
Talvez a mais marcante dessas inovações tenha sido a utilização de modulações nos
arranjos de canções, algo que contribuiu não apenas com um alargamento das possibilidades
de estruturação harmônica na música popular brasileira como também acabou por interferir
em outros parâmetros, como a estrutura formal utilizada até então.
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É necessário esclarecer, antes de mais nada, que a modulação a que nos referimos aqui
consiste da apresentação instrumental em outro tom do tema de uma canção já exposto, em
geral pelo cantor. Esse tipo de modulação difere substancialmente daquela que se dá no
próprio corpo da canção, algo que naturalmente já existia na música popular desde o século
XIX e que se tornara procedimento usual no choro, em autores como Joaquim Callado ou
Anacleto de Medeiros, por exemplo. É como se esse último tipo de modulação fosse de
responsabilidade do compositor, enquanto aquele primeiro surgiria como uma opção do
arranjador.
A presença do recurso da modulação, genericamente falando, poderia ser considerada
em última instância como herança da “matriz culta”, porém já devidamente arraigada na
“matriz artesanal”, após décadas de utilização. Considerando especificamente a categoria
“modulação do arranjo”, todavia, observamos que ela aparece já como uma decorrência da
dinâmica musical popular e da separação das figuras do compositor e do arranjador — o que
parece valorizar sobremaneira a importância da “matriz industrial”. Isso porque já podemos
observar a utilização desse tipo de modulação com relativa freqüência nos arranjos norte-
americanos da época. As já citadas “Can’t we talk it over”, “Paradise” e “Please”, além de
“You’re getting to me a habit with me” (A. Dubin e H. Warren) e “Love in Bloom” (L. Robin
e R. Rainger), também gravadas por Bing Crosby em 1933, apresentam modulações. A
chegada ao Brasil de exemplos musicais como esses parece ainda anterior.
Podemos ilustrar isso através do fox-trote “Eu beijo a sua mão, madame”( ), lançado
em agosto de 1929 pela Orquestra Pan American, com estribilho de Francisco Alves. Na
verdade, trata-se de uma versão — algo muito comum na época — de Freire Junior para o
famoso “I kiss your hand, madam”, de Ralph Erwin, gravado por Bing Crosby no mesmo ano
de 1929 — o que dá idéia da velocidade com que as novidades americanas chegavam no
Brasil. Os arranjos “com estribilho” consistiam em versões instrumentais de uma peça, em
88
geral destinadas à dança, que contavam com uma pequena participação de um cantor. Em “Eu
beijo a sua mão, madame” temos o tema apresentado integralmente pela orquestra, em mi
bemol maior, seguido por uma modulação que faz soar novamente o tema em ré bemol maior,
agora cantado por Alves, e por uma terceira modulação que faz soar o tema, instrumental, na
tonalidade de fá maior. Não sabemos se o arranjo foi copiado da gravação americana, mas o
fato é que não pudemos encontrar esse tipo de estruturação tonal em peças brasileiras.
Copiado ou não, não resta dúvida de que esse arranjo teve inspiração nos arranjos de música
norte-americana. É o que se deduz da presença de alguns elementos, como a introdução
construída em blocos de acordes sobre nota pedal ou, naturalmente, a própria “levada”
característica do fox-trote — bastante marcada.
A primeira modulação em arranjos de músicas brasileiras que pudemos apurar em
nossa pesquisa ocorreu justamente em um arranjo de Pixinguinha para o Grupo da Guarda
Velha, a marcha “Isola, isola”( ), de Idelfonso Norat e Murilo Caldas, lançada em janeiro de
1932 por Carmen Miranda e por Murilo Caldas. Nesse arranjo temos uma introdução, no
padrão de duas frases (“antecedente x conseqüente”), seguida da apresentação de todo o corpo
da música, cantado na tonalidade de dó maior1. Segue-se um pequeno trecho modulatório (que
chamaremos aqui “ponte”, com o único fim de proporcionar uma compreensão mais direta),
que prepara uma nova exposição do tema, a cargo da orquestra, na tonalidade de mi bemol
maior. A essa exposição, simples e sem repetições, segue-se o mesmo material da introdução,
transportado para a nova tonalidade, que encerra a marcha.
Alguns meses depois, mais precisamente em junho, dá-se o lançamento de uma outra
música em que podemos observar a utilização da modulação: trata-se do samba “Menina que
tem uma pose”( ), de Harold Daltro e Ary Barroso, cantado por Lamartine Babo com
acompanhamento da Orquestra Columbia. Nesse samba temos uma introdução seguida do
1 Na verdade, a tonalidade não é exatamente nem dó nem ré bemol maior, provavelmente por alguma distorção na gravação original. Imaginamos que a música tenha sido executada em dó maior, tom mais usual.
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corpo da música, cantado em dó maior, e de uma ponte modulante que conduz também à
tonalidade de mi bemol maior, na qual se ouve a reapresentação do tema pela orquestra. A
grande novidade aqui está no fato de que esse solo orquestral é seguido por nova ponte, que
reconduz à tonalidade de dó maior para uma última apresentação da 1ª parte da música,
cantada, antes da conclusão que faz ouvir novamente a introdução. Esquematicamente
teríamos:
Introdução 1ª parte/ 2ª parte — C, voz 1ª parte/ 2ª parte — idem Ponte 1ª parte/ 2ª parte — Eb, orquestra Ponte 1ª parte — C, voz Introdução
Esse modelo, com o solo orquestral colocado no meio de intervenções vocais, passaria a ser
predominante nos arranjos com modulação e até mesmo nos arranjos sem modulação.
Em julho seria lançado por Carmen Miranda o samba “Tenho um novo amor”( ), de
Cartola e Noel Rosa, com acompanhamento do grupo da Guarda Velha. Mais uma vez
encontramos uma estrutura tonal modulante, dentro de um esquema formal um pouco
diferente dos acima analisados. A introdução é elaborada no tom de dó menor, seguida
imediatamente por uma ponte que conduz ao tom de sol menor, no qual se dá a apresentação
da canção. Segue-se nova ponte que faz retornar ao tom de dó menor, com apresentação
orquestral do samba seguida da introdução no mesmo tom. Assim:
Introdução — Cm Ponte 1ªparte (x2)/ 2ª parte — Gm, voz 1ªparte (x2)/ 2ª parte — Gm, voz Ponte 1ªparte (x2)/ 2ª parte — Cm, orquestra Introdução — Cm
O artifício de se utilizar a introdução em uma tonalidade e a apresentação da música
em outro também não era uma novidade total. Encontramos um exemplo pioneiro em um
90
arranjo mais antigo, do samba “Você não era assim”, de Ary Barroso e Aryeles França,
lançado por Araci Cortes e pela Orquestra Pan American em junho de 1930. Nele temos uma
introdução em si bemol maior para um samba em fá maior. A utilização desse recurso não
acontece por acaso: a 2ª parte da música tem justamente a tonalidade de si bemol maior.
Todos esses exemplos parecem ilustrar a gama de possibilidades que se abria para
experimentações por parte dos arranjadores, em um processo que nos parece mais interativo
do que individualizado e centrado em figuras isoladas. É como se a criação de um arranjador
representasse uma possibilidade de ponto de partida para o outro, estabelecendo uma
dinâmica coletiva de composição do universo acústico da época.
Essa dinâmica nos faz pensar na dificuldade e mesmo na validade do estabelecimento
exato de uma figura como “pioneira” na utilização de recursos técnicos como esses. Tal
procedimento demandaria, em primeiro lugar, a necessidade de análise de todos os arranjos do
período em questão, algo que transcende as possibilidades deste trabalho e a metodologia
baseada em amostragens adotada aqui. Entre “Isola, isola” e “Menina que tem uma pose”, por
exemplo, há cerca de uma dezena de gravações do Grupo da Guarda Velha, às quais não
tivemos acesso, que podem perfeitamente trazer modulações em seus arranjos. Na verdade, há
três músicas gravadas pelo mesmo conjunto antes de “Isola, isola” que não pudemos analisar
— candidatas em potencial ao “título” de primeiro arranjo com modulação2. Além disso, não
há como saber quem foi o autor do arranjo de “Menina que tem uma pose” e nem mesmo
quem era o diretor da Orquestra Columbia na época — sabemos apenas que o primeiro diretor
da orquestra foi Simão Bountman, contratado na ocasião da formação do conjunto, mais de
um ano antes.3
2 São os sambas “Orgulhosa” e “Nunca pensei” (Victor 33512-A e B), de Jonjoca, e “Passarinho... passarinho...” (Victor 33514-B), de Lamartine Babo. 3 Uma pequena nota da edição de 15 de fevereiro de 1931 da Phonoarte informa ainda sobre alguns instrumentistas contratados (entre eles o flautista Pixinguinha) e sobre a atuação do pianista J. Rondon como instrumentador, “fazendo as orquestrações das músicas gravadas pelo novo conjunto”. De qualquer forma, não podemos saber se no samba em questão o diretor da orquestra ainda era Bountman, se o arranjo era de J. Rondon
91
Além disso, a apuração de cada um desses pontos factuais não levaria necessariamente
à elucidação da questão. Pelo contrário, a atribuição da “patente” desses novos recursos a uma
única figura isolada pode levar a uma interpretação distorcida dos acontecimentos. Parece-nos
clara a interação dos diversos agentes dentro de um universo acústico comum: se é inegável a
importância de Pixinguinha no surgimento dos novos recursos, é fato também que
rapidamente eles foram adotados por outras orquestras (certamente através de outros
arranjadores) que tiveram um importante papel na consolidação de novos padrões e novas
possibilidades para o arranjo brasileiro.
De fato, em pouco tempo as modulações se tornariam “coqueluche” para os
arranjadores. A Orquestra Odeon, por exemplo, as utiliza em sambas como o célebre “Fita
amarela”, de Noel Rosa e “Vai haver barulho no chateau”, do mesmo Noel e de Valfrido Silva
(onde temos uma rara modulação para o IIº grau), e na marcha “Mas como... outra vez?”, de
Noel e Francisco Alves — todos gravados em fins de 1932 e início de 1933. A Orquestra
Copacabana lançaria na mesma época a marcha “Nem com uma flor”, dos mesmos autores,
com uma modulação para o IIIº grau.
No Grupo da Guarda Velha, Pixinguinha continuaria lançando mão do recurso e
fazendo novas experimentações. Na marcha “Moleque indigesto”, de Lamartine Babo,
lançada em fevereiro de 1933, temos uma modulação para o IIIº grau (de Si bemol para Ré
bemol), com utilização da “forma completa” — com a volta ao tom de Si bemol para nova
participação dos cantores, no caso Carmen Miranda e o próprio Lamartine. Além disso,
podemos observar uma unidade entre as idéias temáticas utilizadas na introdução e na ponte:
ou, em uma hipótese mais remota, do próprio Pixinguinha (que atuava como músico e viria a assinar alguns arranjos para essa orquestra algum tempo depois).
92
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Partitura 9
Já no samba “Quando você morrer”( ), de Donga e Aldo Taranto, lançado em
fevereiro de 1933, temos uma modulação para o Vº grau no solo instrumental. E, na
introdução, temos a utilização de recursos harmônicos sofisticados, como um acorde de IIº
bemol (na terminologia popular) ou 6ª napolitana (na terminologia clássica) que antecede o
acorde dominante. Esse tipo de harmonia foi muito usado por Pixinguinha em seus próprios
choros (a segunda parte de “Cuidado colega”, por exemplo, traz uma passagem bastante
parecida).
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Partitura 10
Com o Grupo da Guarda Velha podemos observar também a fixação de um modelo de
arranjo com características bem definidas para as marchinhas carnavalescas. Uma dessas
características mais importantes foi a consolidação do uso de células musicais associadas a
toques militares. Na verdade, esse procedimento já vinha ocorrendo desde marchas como
93
“Sou da fuzarca”, analisada no Capítulo 4, onde temos contracantos inspirados em fanfarras a
cargo do trompete. Nas marchas arranjadas para a Orquestra Victor também encontramos
motivos militares dispostos discretamente nos contracantos, como em “Yayá, yoyô”, de Josué
de Barros, ou no clássico “Ta-hi”, de Joubert de Carvalho, ambas lançadas por Carmen
Miranda em fevereiro de 1930.
A partir de 1932, esses motivos ganhariam um destaque excepcional, não mais
limitados aos contracantos, porém inspirando toda a concepção dos arranjos e predominando
em seções inteiras. Um arranjo célebre que marcou época e que contém todas essas
características é o da marcha “Teu cabelo não nega”( ), dos Irmãos Valença e de Lamartine
Babo, talvez a mais famosa marcha carnavalesca de toda a história da música brasileira. A
introdução começa apenas com a caixa clara, que em um compasso apenas estabelece o clima
marcial. Logo em seguida temos um “toque” militar anunciado pelo trompete, ao que se segue
a entrada da orquestra com o tema da introdução. Esse trecho inicial contribui, a nosso ver,
para o estabelecimento de uma imponência quase irônica, valorizando sobremaneira a entrada
da orquestra, cuja “levada” traduz a típica sonoridade carnavalesca. Autores como Sérgio
Cabral (1997:127) atribuem a criação dessa introdução a Pixinguinha. Abel Cardoso Júnior
(s/d(a):4), porém, reproduz um depoimento de Lamartine, onde o compositor afirma: “Ideei e
inspirei a instrumentação que Pixinguinha escreveu, acompanhei e dirigi os ensaios da Guarda
Velha”. De qualquer maneira, parece-nos claro que a utilização dos motivos militares era
recorrente nos arranjos de marcha de Pixinguinha, ainda que não estivessem tão valorizados
quanto em “Teu cabelo não nega”. E a acolhida a esse tipo de procedimento pode ser medida
pelo estrondoso sucesso alcançado pela marcha naquele carnaval. Segundo o violonista
Rogério Guimarães, então diretor artístico da RCA-Victor (que incorporara a sigla RCA ao
antigo nome em 1931), as matrizes da gravadora “trabalhavam noite e dia para dar conta dos
pedidos das lojas de discos” (apud Cardoso Junior, s/d(a):4). Se levarmos em conta uma
94
informação da Phonoarte, que em sua edição de 15 de novembro de 1929 afirma que a fábrica
da Victor teria na ocasião capacidade de produzir 4000 discos por dia, poderemos imaginar
que a marcha deve ter alcançado uma vendagem até então inédita no Brasil.
O modelo de arranjo inaugurado com “Teu cabelo não nega” foi adotado por
Pixinguinha em outras marchinhas, como na não menos famosa “Linda morena”( ), do
mesmo Lamartine, lançada para o carnaval de 1933 e cuja temática é também a louvação a
tipos femininos. Na introdução, temos uma “parte militar” bastante ampliada em relação
àquela pequena chamada que se ouvia em “Teu cabelo não nega”, seguida da mesma forma
pela entrada da “levada” carnavalesca, com grande efeito.
Em todos esses arranjos temos a presença bastante destacada dos instrumentos de
percussão, que de fato dão um colorido único aos arranjos de Pixinguinha e os diferenciam
dos arranjos de outras orquestras para as marchas carnavalescas — nos quais a percussão não
aparece com tanto destaque.
A importância do destaque a motivos militares e à percussão reside, a nosso ver, na
valorização da “matriz artesanal”. Com isso, temos a ambientação dos arranjos baseada em
elementos que remetem a diversas instâncias particulares características do universo acústico
brasileiro — como o das bandas militares, representadas nas fanfarras e toques marciais, e o
dos morros, representados pela percussão. Em alguns arranjos, esses elementos iriam aparecer
intercalados e sobrepostos a outros elementos característicos de outras “matrizes” — o que
não compromete de forma alguma o equilíbrio do arranjo e não faz perder a sonoridade típica
da “matriz artesanal”. Esse ponto nos parece crucial nos arranjos de Pixinguinha: o modo
equilibrado como ele procedia a organização dos diversos elementos.
Um bom exemplo disso está na marcha “Prato fundo”( ), de Noel Rosa e João de
Barro, lançada em fevereiro de 1933 por Almirante e pela Guarda Velha. Nessa marcha pode-
se observar a utilização do recurso da modulação: Almirante canta em Dó maior e a orquestra
95
sola em Mi bemol maior. A ponte elaborada por Pixinguinha para a passagem para o novo
tom é surpreendente, consistindo em um complexo efeito rítmico de deslocamento dos
acentos dentro do compasso (“hemíolas”, na terminologia clássica).
Ainda sobre “Prato fundo”, é digno de nota mais uma vez o destaque dado à
percussão. Além disso, uma análise mais cuidadosa revela que, aparentemente, a escolha dos
instrumentos de percussão não era aleatória, funcionando em alguns casos de maneira a ajudar
na contextualização da temática de cada música. Em “Prato fundo”, por exemplo, temos a
presença nítida de prato e faca na percussão, ao lado de um som que parece o de uma garrafa
de vidro tocada com algum objeto de metal. Já em “Teu cabelo não nega”, repleta de motivos
militares, corroborados inclusive por um trecho da letra que fala “Quando, meu bem, vieste à
terra/ Portugal declarou guerra/ A concorrência então foi colossal/ Vasco da Gama contra o
Batalhão Naval”, temos um destaque natural dado à caixa clara.
Uma outra questão interessante em relação às marchinhas carnavalescas diz respeito
ao tipo de “levada” com que eram conduzidas. A análise de nossa amostragem de peças desse
gênero mostra que havia uma levada bastante marcada, onde instrumentos como o banjo e o
piano (mão direita), muitas vezes com o auxílio do prato, marcavam apenas o contratempo,
enquanto os baixos (tuba e a mão esquerda do piano, por exemplo) caminhavam nas cabeças
dos tempos:
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Partitura 11 Esse tipo de levada foi aplicada em interpretações das mais variadas orquestras, como a
Orquestra Victor (“Yayá, yoyô” e “Ta-hi” em 1930, “Eu sou do barulho”, “Sou da pontinha”
96
e “Absolutamente” em 1931), a Orquestra Pan American (“Por que será?” em 1930) ou o Jazz
Band Columbia (“Sou da fandanga” em 1930). Em um exemplo um pouco posterior, temos a
marcha “Assim, sim”( ), de Francisco Alves, Noel Rosa e Ismael Silva, lançada em dezembro
de 1932 por Carmen Miranda, acompanhada por Harry Kosarin e seus Almirantes. Kosarin é
reconhecido como um dos introdutores do jazz no Brasil — já vimos que foi através dele que
a bateria chegou ao país em 1919. Nessa marcha, temos uma levada extremamente marcada
em seus contratempos, o que nos faz associar esse tipo de procedimento às marchas
americanas tradicionais, sem nenhuma intenção de se estabelecer uma relação de causa e
conseqüência. Em “I got a girl”, marcha gravada por Bing Crosby em 1926, podemos ouvir o
mesmo tipo de levada, marcada também pela tuba. Além disso, o arranjo traz também uma
modulação.
Pudemos identificar, aproximadamente a partir de 1932, a utilização de outro tipo de
“levada”, de caráter menos marcado, tocado com uma acentuação que sugere quase uma
síncope:
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Partitura 12
Arranjos para marchas como “Palpite” (Orquestra Copacabana) e os já comentados “Teu
cabelo não nega”, “Linda morena” e “Prato fundo” lançam mão desse tipo de levada.
Não pretendemos afirmar em nossa análise que a primeira “levada” deixou de ser
usada a partir de um certo momento nem que a segunda era desconhecida anteriormente.
Também não pretendemos delimitar com exatidão períodos em que uma tenha sido preferida
em relação a outra, algo que nossa amostragem não pode determinar. Queremos, sim, ressaltar
97
a existência das duas e mostrar que, nas marchas que analisamos, há um predomínio da
“levada marcada” até mais ou menos 1932, quando começamos a observar com mais
freqüência a presença da “levada quase sincopada”.
O samba também passava por essa época por transformações rítmicas muito
significativas. Pouco a pouco um novo padrão de “levada”, característico dos morros da
cidade, ia se impondo e se consolidando também em gravações. É curioso perceber que nesse
período os padrões “novos” e “antigos” conviviam mutuamente4. No samba “Não faz amor”,
de Cartola e Noel Rosa, interpretado por Francisco Alves e pela Orquestra Copacabana em
uma gravação de julho de 1932, temos resquícios da frase-clichê do maxixe. Já no samba “A
razão dá-se a quem tem”( ), de Noel Rosa, gravado pelos mesmos intérpretes no mesmo mês
de julho, ouvimos claramente a “levada” do cavaquinho, em uma divisão sincopada, mais
distante do modelo amaxixado e mais associável aos novos padrões.
4 Para uma discussão mais aprofundada sobre os padrões rítmicos do samba e as transformações por que ele passou nesses anos tão importantes para sua consolidação ver Sandroni 1997.
CAPÍTULO 7 — DIABOS DO CÉU
(de janeiro de 1933 a dezembro de 1935)
No final de 1932 foi criado sob a direção de Pixinguinha um outro grupo de estúdio
que marcaria época na música brasileira atuando em cerca de 400 gravações na Victor, tanto
em execuções instrumentais quanto ao lado de todos os principais cantores, até 1942: os
Diabos do Céu. Na verdade, os Diabos do Céu eram constituídos pelos mesmos músicos que
atuavam no Grupo da Guarda Velha, cujo núcleo era o mesmo também da Orquestra Victor.
Podemos supor que a atribuição de nomes diferentes a grupos orquestrais muito parecidos se
devesse a estratégias mercadológicas. Sérgio Cabral (1997:131) afirma que a escolha do nome
que ia para o rótulo do disco estava associada ao gênero da peça executada: “Embora sem
cumprir rigidamente a divisão, a Orquestra Victor ficou com as canções mais lentas, os
Diabos do Céu com as músicas carnavalescas e o Grupo da Guarda Velha também com as
marchas e os sambas de carnaval, além de choros e músicas de sabor africano”. De fato,
sempre que havia uma canção de caráter mais lento e romântico, o grupo acompanhante era a
Orquestra Victor, que podia igualmente atuar, porém, em sambas ou marchinhas de carnaval.
Da mesma forma, os gêneros de influência africana ficavam sempre a cargo do Grupo da
Guarda Velha. Ao contrário do que escreve Cabral, porém, a Discografia brasileira 78rpm
mostra apenas um único choro com acompanhamento desse grupo. Observamos, também, que
a atuação simultânea da Guarda Velha e dos Diabos do Céu só se deu durante poucos meses,
uma vez que esses últimos começaram a gravar em novembro de 1932 e os primeiros
realizaram suas últimas gravações em fevereiro de 1933 — o que reforça a impressão de
continuidade entre os dois grupos.
99
Apesar da semelhança entre ambos, as primeiras gravações dos Diabos do Céu trazem,
porém, uma sonoridade bastante diferente daquela que ouvimos nos acompanhamentos da
Guarda Velha. Ao invés de uma sonoridade de caráter orquestral, com a presença de naipes de
instrumentos de sopro, base harmônica e percussão, temos uma sonoridade reduzida, com
uma formação baseada no modelo de regional de choro. Podemos aventar a hipótese de que
não havia um conceito totalmente definido sobre a sonoridade do grupo na época de seu
surgimento, algo que aparentemente só foi consolidado em gravações realizadas a partir de
maio de 1933, pelo menos de acordo com nossa amostragem. É justamente nessa época que
temos o lançamento de alguns dos últimos números da Guarda Velha, que passava a ser
definitivamente substituída, inclusive na sonoridade, pelos Diabos do Céu.
Os arranjos iniciais dos Diabos trazem alguns pontos interessantes, com a presença de
elementos oriundos das diversas “matrizes” culturais. Na primeira gravação do grupo, o
samba “Etc”, de Assis Valente, lançado por Carmen Miranda em janeiro de 1933, temos o
acompanhamento executado apenas por um violão, por um trompete (que “costura”
contracantos aparentemente improvisados), e por uma bateria — em um arranjo sem
apresentação instrumental do tema, fato relativamente raro na época. O mesmo estilo de
arranjo pode ser encontrado em “Piaçaba pra vassoura”( ), samba de Floriano Ribeiro Pinho,
lançado pelos mesmos intérpretes no mesmo mês de janeiro. Aqui a curiosidade está na
utilização de um motivo militar, em um samba, tocado pelo trompete na introdução e
aproveitado também como contracanto.
Já em “Violão”( ), samba de Mário Paulo gravado mais uma vez por Carmen Miranda
e lançado em maio de 1933, temos o acompanhamento realizado apenas por dois violões,
tocados com muito virtuosismo. Observamos nesse arranjo um relacionamento entre letra e
acompanhamento, fazendo soar bordões e primas do violão à medida que são citados no texto.
100
Finalmente em “Vitória”( ), samba de Noel Rosa e Romualdo Peixoto “Nonô”,
lançado por Sílvio Caldas e Francisco Alves também em maio, temos a utilização de dois
violões, de um piano quase inaudível na gravação (provavelmente a cargo do próprio
“Nonô”), de pandeiro e reco-reco, além de uma clarineta que só aparece na introdução e no
final da música. Esse final, aliás, ocorre de uma forma raríssima nos arranjos da época: a
clarineta improvisa sobre uma base harmônica cíclica (Iº - VIº - II º - Vº) e o volume de
gravação vai diminuindo até sumir — em um efeito de fade out que pode ser encarado até
como um elemento híbrido, sendo encontrado em arranjos americanos da época. Outro
elemento presente em “Vitória” é uma modulação, que ocorre também de forma particular,
não a cargo apenas da orquestra mas também dos próprios cantores, que apresentam a
primeira parte da música pela última vez modulada para o Vº (de Mi bemol para Lá bemol).
Esse tipo de “sonoridade regional” dos Diabos do Céu não desapareceria ao longo de
toda a existência do grupo, sendo recorrente em arranjos como “Lenço no pescoço”, o
clássico samba de Wilson Batista lançado em outubro de 1933, “O sol nasceu pra todos”, de
Noel Rosa e Lamartine Babo, lançado por Mário Reis em janeiro de 1934, e “Não há razão
para haver barulho”, de Valfrido Silva, lançado por Carmen Miranda em dezembro de 1933.
Especificamente sobre esse último samba, consta no selo do disco a indicação “Diabos do Céu
sob a direção de João Martins”. João Martins era bandolinista e tocou em diversos grupos
dirigidos por Pixinguinha. As indicações dos selos são de forma geral bastante imprecisas e
aleatórias: alguns deles informam a direção de Pixinguinha, outros cujos arranjos têm todas as
suas características não trazem quaisquer informações sobre o diretor. Por isso, uma indicação
como essa nos faz perguntar se haveria outros acompanhamentos dos Diabos do Céu sem a
direção de Pixinguinha ou se haveria ocasiões em que Pixinguinha escrevia o arranjo mas não
dirigia a orquestra ou dirigia a orquestra sem ser necessariamente o arranjador.
101
As respostas a essas perguntas são bastante difíceis e são mais importantes em um
contexto histórico do que em uma análise musicológica. De qualquer maneira,
aproximadamente a partir de junho de 1933 começam a ser lançados os acompanhamentos
dos Diabos do Céu com sonoridade mais “orquestral” e com as características de Pixinguinha.
Temos então uma espécie de continuidade em relação à Guarda Velha, não apenas em relação
à sonoridade mas também ao tipo de arranjo, à utilização e à organização de elementos
oriundos de diversas instâncias musicais.
Um dos mais importantes desses elementos foi justamente a utilização de modulações
nos solos orquestrais, com a volta para o tom original na última apresentação do tema por
parte do cantor, em forma consolidada como uma das principais características dos arranjos
dos Diabos do Céu. Das 37 gravações lançadas entre os anos de 1935 e 1937 que tivemos
oportunidade de analisar, 22 têm modulações. E dessas 22 modulações, 21 ocorrem para o IIIº
grau, em um procedimento que se tornou marca registrada de Pixinguinha, que modulava para
o IIIº grau maior ou menor, dependendo da conveniência. Nas músicas que estivessem em Lá
bemol maior, por exemplo, a modulação ocorria para Dó maior e nunca para Dó bemol maior.
Já nas peças em Sol maior, a modulação fazia ouvir o tom de Si bemol maior e não o de Si
maior.
Mesmo ocorrendo quase sempre para o IIIº grau, as modulações de Pixinguinha são
surpreendentes, devido às originalíssimas “pontes modulantes” criadas por ele, que fazem
chegar na tonalidade pretendida através de caminhos harmônicos exuberantes. Temos um
bom exemplo disso em “Chegou a hora da fogueira” ( ), de Lamartine Babo, marcha de São
João, lançada em julho de 1933 por Carmen Miranda e Mário Reis com acompanhamento dos
Diabos do Céu. O corpo da canção é apresentado na tonalidade de Dó Maior, seguido de uma
passagem modulatória para Mi bemol consistindo de uma seqüência cromática de dominantes
que dura quatro compassos (dezesseis tempos, com um acorde para cada tempo). Esse trecho
102
específico do arranjo mereceu o comentário entusiástico do cronista e letrista Orestes Barbosa
em sua crônica de 9 de agosto de 1933 no jornal “A Hora”, relacionando letra e música
nitidamente através de valores de legitimação da “matriz culta”:
Pixinguinha é hoje o orquestrador mais perfeito dos discos da cidade. O “Chegou a hora da fogueira” tem um pedaço em que a música sobe e o povo sente mesmo o balão subindo, na sua vertigem pomposa. O balão e os foguetes. Não precisa de libreto para explicar. Sabendo música de pagode, Pixinguinha tem contra si a falta de cabeleira do Villa-Lobos. (apud Cabral 1997:141)
A inventividade das pontes modulantes de Pixinguinha promovia de fato uma
impressionante diversidade nos arranjos. Em muitas delas temos a utilização de alguns
artifícios que fazem-nas sobressair ainda mais, como a parada dos instrumentos de percussão,
destacando ao máximo os sopros — é justamente o que acontece em “Chegou a hora da
fogueira”, por exemplo.
As proporções das pontes podiam também variar bastante. As mais longas chegam a
ocupar muitos compassos desenvolvendo inclusive temáticas próprias, como na marcha
“Mulatinho bamba”( ), de Ary Barroso e Kid Pepe, lançada em fevereiro de 1935. A primeira
ponte, que leva à nova tonalidade (Mi bemol) dura 4 compassos, e a segunda ponte, que traz
de volta a Dó maior, consiste em 8 compassos, funcionando quase como uma seção à parte.
Havia também pontes bastante curtas, como as da marcha “Vou espalhando por aí”, de
Assis Valente, lançada em junho de 1935 por Carmen Miranda e Castro Barbosa, que duram
apenas um compasso (na ida) e dois compassos (na volta para o tom original). Podemos supor
que a dimensão das pontes estivesse vinculada às dimensões das peças e, conseqüentemente,
ao tempo disponível no arranjo. Via de regra, músicas mais curtas comportavam pontes e
solos maiores (como ocorre em “Mulatinho bamba”, cuja primeira parte tem 4 e a segunda 8
compassos), enquanto músicas maiores restringiam o tamanho das pontes (“Vou espalhando
por aí” tem 16 compassos em cada uma das duas partes).
103
Há também exemplos de utilização de elementos híbridos nas pontes, como em
“Anoiteceu”, samba de Ary Barroso, lançado em fevereiro de 1935 por Carmen Miranda.
Aqui, a ponte modulante é composta por acordes dominantes paralelos descendentes, sobre os
quais se ouve uma frase de sabor jazzístico, executada talvez não por acaso por um trompete
com surdina.
Finalmente, há pontes que impressionam pelo virtuosismo, explorando toda a
capacidade dos executantes. É o caso, por exemplo, de “Isto é lá com Santo Antônio”( ),
marcha de Lamartine Babo, lançada em junho de 1934, onde a ponte (que aparece logo depois
da introdução) é composta de rápidas escalas tocadas pelos saxofones. Em “Dois a dois (2 x
2)”( ), outra marcha de Lamartine Babo, lançada em janeiro de 1934, temos o mesmo nível
de virtuosismo na ponte que aparece logo depois do solo orquestral:
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Partitura 13
O virtuosismo também é explorado por Pixinguinha nos solos orquestrais, que
raramente se limitam a reproduzir ipsis literis as melodias originais. Era comum nesses solos
a utilização de adornos e ornamentações, de mudanças na métrica, na intenção e mesmo nas
alturas dos desenhos melódicos. Alguns desses recursos podem ser encontrados em “Dois a
dois”, que traz na primeira parte de seu solo orquestral notas “ornamentadas” e na segunda a
melodia com métrica diferente, mais sincopada que a original.
104
Em pouco tempo, as modulações chegariam também aos arranjos dos conjuntos
regionais, produzindo uma curiosa simbiose, com um elemento híbrido acoplado ao registro
da simplicidade. No célebre samba “Alô... alô...”, de André Filho, lançado em fevereiro de
1934 por Carmen Miranda, Mário Reis e pelo Grupo do Canhoto, temos uma modulação para
o IIIº grau (de Sol Maior para Si bemol) nos mesmos moldes dos arranjos orquestrais, com
pontes modulantes e retorno ao tom original na última apresentação do tema pelos cantores.
No mais, esse arranjo traz todas as características dos regionais: contracantos aparentemente
improvisados (porém com idéias reincidentes) por uma clarineta que “costura” a melodia,
condução rítmica no cavaquinho e baixos no violão, percussão bastante presente.
Além das modulações, outros elementos também foram incorporados nos arranjos dos
Diabos do Céu. Em alguns desses arranjos temos elementos de origens bastante diferentes
aparecendo lado a lado, em painéis que ilustram a forma como se dava o hibridismo musical
na época. Um primeiro exemplo pode ser encontrado no samba “Verbo amar”( ), de
Lamartine Babo, lançado em janeiro de 1935 por Mário Reis. A abertura da introdução desse
arranjo consiste em um acorde de IVº grau tocado em uma gradação dinâmica que vai do
piano ao forte, reforçado inclusive por um rufo no surdo da bateria, resolvendo no acorde de
tônica, em uma sonoridade imponente e orquestral, no sentido mais “clássico” da palavra.
Segue-se a essa entrada um breque preenchido pela bateria. Temos assim, lado a lado, um
signo facilmente associável à “matriz culta” e uma batucada, preenchido à brasileira por um
instrumento que consolidara-se no país havia pouco tempo através da “matriz industrial”. Um
outro exemplo bastante parecido é encontrado na marcha “Inconstitucionalissimamente”( ),
de Hervê Cordovil, lançada por Carmen Miranda e pela Orquestra Victor em novembro de
1933. Na introdução, temos também a utilização de um crescendo na dinâmica, acompanhado
também de um rufo. Esse material convive no arranjo ao lado de alguns elementos já
consolidados nos arranjos de marchas carnavalescas de Pixinguinha: modulação, presença
105
destacada da percussão e utilização de motivos militares nas pontes (especialmente na
segunda). Chama a atenção, ainda, a presença de violinos, que realizam contracantos muito
virtuosísticos e que talvez justifiquem a indicação de “Orquestra Victor” e não “Diabos do
Céu”, por exemplo, no selo do disco.
Outro exemplo da diversidade de elementos musicais utilizados é encontrado no
samba “Tarde na serra”( ), de Lamartine Babo, lançado por Carmen Miranda e Mário Reis,
juntamente com “Chegou a hora da fogueira”, em julho de 1933. Primeiramente, atentemos
para a estrutura tonal elaborada para esse arranjo: temos uma introdução em si bemol, o corpo
da canção em fá maior e o solo instrumental em lá bemol maior, sem retorno ao tom de fá
maior. A utilização de uma introdução em tom diferente não constituía propriamente uma
novidade, como vimos nos capítulos anteriores, mas passaria a ocorrer com mais freqüência
agora. É o que vemos em músicas como as já citadas “Verbo amar” (que tem a introdução em
si bemol menor, tonalidade da segunda parte, e a música em Si bemol maior), “Chegou a hora
da fogueira” (que tem a introdução em dó menor e o corpo da canção em Dó maior!) e “Isto é
lá com Santo Antônio”, cuja introdução é construída em Mi bemol e seguida de uma ponte
que conduz a música para Lá bemol maior.
Podemos observar também em “Tarde na serra” o emprego de materiais que
funcionam como signos, remetendo a significados caros à temática da letra, como se vê já
desde a introdução, em sua temática e em sua instrumentação. Ouve-se inicialmente o repicar
de sinos, sobrepostos por um toque de fanfarra executado por dois trompetes, acompanhados
pelo rufo da caixa clara, em um clima francamente marcial. É curiosa a presença da temática
militar, muito mais freqüente nas marchas, em um arranjo de samba, o que só pode ser
explicado justamente como uma referência à letra da música, que exulta o entardecer no
interior do Brasil, e ao próprio desenho temático da melodia em seus primeiros compassos. A
utilização dos sinos e dos toques marciais (no sentido de “toque de recolher”) nos parece uma
106
clara alusão ao texto, que fala do entardecer (“É tarde, é tarde/ O sol vai morrendo atrás da
serra”) e da origem das badaladas que acompanham o crepúsculo (“A igreja lá no monte/ é
uma imagem branca/ No altar do horizonte”). Temos assim referências musicais à “matriz
artesanal”. Outro exemplo de utilização “temática” de sinos está também na marcha “Isto é lá
com Santo Antônio”, ilustrando a busca pelo santo casamenteiro que se estende ao longo de
toda a letra.
Voltando a “Tarde na serra”, temos um outro elemento híbrido, bastante contundente,
que aparece na conclusão do arranjo. Ao acorde final de Iº grau, entoado pelo coro e pelos
metais, é acrescida uma sétima menor, segundos depois, formando um acorde final de Iº grau
com sétima típico de gêneros populares norte-americanos como o blues.
A força desses elementos nos arranjos de Pixinguinha parece ter servido de referência
para outros arranjadores. É o que se pode concluir a partir da audição do samba “Estrela da
manhã”( ), de Noel Rosa e Ary Barroso, gravado em novembro de 1933 com
acompanhamento da orquestra Odeon, que traz diversos pontos em comum com “Tarde na
serra”. Coincidência ou não, temos em “Estrela da manhã” uma introdução que também lança
mão de toques militares (que parecem referência aqui à “estrela da manhã, quando brilha na
amplidão”) e também é construída em tom diferente (no caso o homônimo maior). Além
disso, temos no final do arranjo um coro que faz entoar da mesma maneira uma acorde de Iº
grau com sétima.
O próprio Pixinguinha voltaria a usar esse “final blues” em outros arranjos, como o do
samba “Na virada da montanha”( ), de Ary Barroso e Lamartine Babo, lançado por Francisco
Alves em dezembro de 1935. Esse arranjo, aliás, traz alguns outros elementos importantes. A
introdução consiste em uma levada sobre um único acorde da tônica, já dentro de um padrão
rítmico sincopado e totalmente associado ao “novo” modelo de samba, distante do maxixe.
Sobre essa base, um trompete executa um toque militar e dois saxofones que o acompanham
107
realizando um desenho totalmente rítmico. Temos, portanto, uma utilização diferente dos
motivos militares, sobrepostos à rítmica do samba e não aos toques e rufo de caixa clara,
como se poderia esperar. Além disso, esse trecho parece comprovar que já se fazia nessa
época algo que seria emblematizado por Radamés Gnattali no arranjo de “Aquarela do
Brasil”, quatro anos mais tarde: a atribuição de desenhos rítmicos aos instrumentos de sopro.
Os desenhos rítmicos nos dois arranjos são bastante parecidos, inclusive com a utilização de
uma figuração melódica parecida, com 5ªJ, 5ªaum. e 6ª, em um desenho descendente no
arranjo de Pixinguinha e ascendente no arranjo de Radamés. A diferença é que em “Aquarela
do Brasil” esse desenho é exposto em primeiro plano, da forma mais destacada possível,
enquanto em “Na virada da montanha” ele aparece como acompanhamento para a melodia a
cargo do trompete.
Nos arranjos de Pixinguinha são freqüentes os desenhos rítmicos nos contracantos
tocados pelos sopros, porém eles aparecem sempre com discrição, apenas colorindo as
melodias cantadas. Em “Pra quem sabe dar valor”( ), samba de Assis Valente lançado em
julho de 1933, uma figura rítmica que se alterna entre trompete e saxofones, na primeira parte,
ilustra esse tipo de procedimento:
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Partitura 14
Já em “Primavera no Rio”( ), marcha de João de Barro lançada em setembro de 1934,
os metais estão divididos, na primeira parte, em três tipos de procedimentos. Logo ao final da
introdução surge um desenho bastante rítmico que servirá de “pano de fundo”, reincidindo em
108
trechos de toda a primeira parte. Em um plano intermediário, predominam notas longas —
desempenhando um complemento harmônico — e finalmente, a cargo dos trompetes, há
pontuações rítmicas nos finais de frase.
Outros elementos chamam a atenção em “Primavera no Rio”. Mais uma vez temos a
utilização de uma modulação, que faz o solo soar em Ré bemol maior, retornando em seguida
a última apresentação do tema em Si bemol. Podemos observar também que a “levada” muda
completamente na segunda parte, passando para um desenho bem mais marcado, que faz
ressaltar cada tempo, em caráter marcial, com destaque para a marcação da caixa clara.
Pela diversidade obtida através da utilização desses elementos e pela beleza e
criatividade de introdução, pontes e do acompanhamento como um todo, arranjos como o de
“Primavera no Rio” despontam como marcos e passam a referenciar o próprio conceito de
“música brasileira”.
A utilização de elementos híbridos nos arranjos não era característica apenas de
Pixinguinha, como vimos nos capítulos anteriores, aparecendo em maiores ou menores
proporções em outras orquestras. Um bom exemplo de utilização ostensiva de elementos
oriundos da “matriz industrial” é encontrável no fox “Você só... mente”( ), rara incursão de
Noel Rosa no gênero, em parceria com seu irmão Hélio, gravado em julho de 1933 por
Francisco Alves e Aurora Miranda com a Orquestra Odeon. Em “Você só... mente” temos
todas as características típicas dos arranjos norte-americanos, seja na rítmica dos contracantos,
na dobra de andamento estabelecida no solo orquestral, nos “breques” preenchidos com
“viradas” da bateria ou na utilização de blocos cromáticos nos metais (especificamente no
solo orquestral).
Elementos semelhantes podem ser encontrados de forma bastante ostensiva também
em gêneros como a marcha de carnaval. É o que se vê em “Mas como... outra vez?”( ),
também de Noel Rosa, lançada para o carnaval de 1933 por Francisco Alves (que comprara a
109
música) e Mário Reis com a mesma Orquestra Odeon. A “levada” imprimida por essa
orquestra é marcada nos contratempos, sem síncope, soando à nossa escuta um tanto
“afoxtrotizada”, para usar as palavras do crítico da Phonoarte — não é difícil imaginar um
walking bass sob essa base. Os contracantos da segunda parte, a cargo de dois trompetes com
surdina, contribuem no estabelecimento desse clima. Já a ponte, que leva da tonalidade de Lá
bemol maior para a de Si bemol maior, é toda construída sobre acordes e escalas diminutas —
sugerindo talvez uma imponência cara à “matriz culta”. Na segunda parte do solo orquestral
temos um improviso do piano em típico sabor jazzístico. E no final do arranjo temos uma
coda bastante “erudita”, principalmente devido a um efeito de orquestração que tira todo o
peso do trecho, fazendo soar poucos instrumentos, antes de um tutti que encerra
apoteoticamente a música.
É interessante comparar os diversos tipos de tratamento recebidos pelas composições
de Noel Rosa em arranjos orquestrais. Aparentemente, a própria concepção orquestral —
pautada em uma certa grandiloqüência sonora — mostra-se totalmente inadequada e
incompatível com o espírito despojado e irônico do compositor. Santuza Cambraia Naves
(1998:106) considera Noel, entre os compositores de sua geração, provavelmente “o mais
arredio aos procedimentos estéticos que se pautam pelo excesso ou por uma atitude de
reverência para o que se desvie de dois únicos cultos: Vila Isabel e as mulheres,
principalmente as notívagas”. Ainda segundo ela, Noel “demonstra contenção na forma de
desenvolver suas composições — que por si só pedem arranjos mais simples, com o concurso
de poucos instrumentos — e na maneira intimista de interpretá-las”.
De fato, Noel parecia mais à vontade quando acompanhado por seus companheiros do
Bando de Tangarás, grupo de sonoridade muito mais próxima ao padrão “regional” do que ao
“orquestral” — a julgar pelo número de acompanhamentos efetuados por eles em gravações.
Ainda assim, há dezenas de gravações orquestrais de suas composições, seguindo uma
110
tendência da época. Em muitas delas temos uma clara discrepância entre procedimentos
adotados pelos arranjadores e a presumível “concepção original” do compositor. É o caso, a
nosso ver, da marcha “Mas como... outra vez?”, que tem um arranjo inteiramente pautado em
elementos da “matriz industrial”.
Mesmo os arranjos orquestrais de Pixinguinha distam bastante, em sua exuberância, da
linguagem econômica dos regionais, apesar de esse ser um registro de fácil acesso para ele. A
diferença recai mais uma vez, a nosso ver, no equilíbrio obtido por Pixinguinha em seus
arranjos dos diversos elementos híbridos, sem nunca dar primazia a essa ou àquela matriz,
especialmente à “industrial” e à “culta”.
CONCLUSÃO
Buscaremos agora um breve reencontro com algumas questões colocadas ao longo do
texto, observando-as à luz de tudo o que pudemos apurar a partir das análises dos arranjos,
com o intuito de destacar algumas impressões que ficaram para nós como as mais importantes
acerca do objeto de estudo.
Primeiramente, esperamos ter podido ilustrar através das análises a posição estratégica
do arranjo como aglutinador de elementos e procedimentos diversos, oriundos de diversas
instâncias culturais. A figura do arranjador desponta na mediação desses valores híbridos,
interferindo diretamente no resultado sonoro obtido. Esse processo de mediação se torna vital
para a indústria fonográfica, pois possibilita a transformação de uma música até então restrita
a espaços limitados em um produto comercial abrangente, que logo alcançaria âmbito
nacional.
O surgimento de um “sentimento brasileiro” associado a essa música justamente a
partir dessa época não pode, por tudo isso, ser desvinculado da ação da indústria fonográfica.
Além disso, esse “sentimento brasileiro” não diz respeito a uma música de características
homogêneas e estáticas, como discutimos. Pelo contrário: o caráter brasileiro, reconhecível
até hoje, caracteriza-se por uma fusão de elementos e procedimentos híbridos, legitimada com
a ação do tempo. Por isso acreditamos que o estudo específico dos arranjos da época ilustre
bem as transformações em curso rumo a essa “nova” música popular brasileira.
Procuramos demonstrar, também, que essas transformações não se deram sem
conflitos. A legitimação de certas características como “tipicamente brasileiras” ocorreu de
forma paulatina, em um cenário no qual diversas noções de “brasilidade” estavam em jogo. É
por isso que um samba de Ismael Silva tocado de forma “amaxixada”, por exemplo, poderia
112
ser considerado “perfeitamente típico” por alguns, apesar de remeter a um padrão que logo
seria tomado como ultrapassado e antiquado por outros.
Nesse processo de modernização, a figura do arranjador Pixinguinha se destaca, no
senso comum, como a de um dos principais artífices dos novos parâmetros “brasileiros”.
Como vimos, porém, os procedimentos adotados por ele em seus arranjos não desconsideram,
e nem pretendem desconsiderar, a utilização de elementos híbridos — pré-condição para
aceitação comercial da música em questão, como vimos.
O grande diferencial dos trabalhos de Pixinguinha, que justifica o pioneirismo a ele
atribuído na criação de um estilo de arranjo brasileiro, a nosso ver, é a forma como ele
organiza os materiais híbridos em seus arranjos. Como dissemos, Pixinguinha utiliza as
matrizes culta e industrial sem sufocar as características artesanais e tradicionais das músicas,
mesmo quando os arranjos beiram a estética do excesso. Há um constante destaque aos
elementos oriundos da matriz artesanal, que convivem equilibradamente com outros
elementos. Por outro lado, as matrizes culta e industrial promovem uma diversidade
excepcional nos arranjos, trabalhadas a partir da criatividade ímpar de Pixinguinha.
A utilização versátil das matrizes pode ter suas raízes na formação musical de
Pixinguinha, que mescla uma experiência muito próxima ao universo oral (das bandas, dos
terreiros, do choro) a um aprendizado formal (através de cursos por ele freqüentados no
Instituto Nacional de Música, quando já trabalhava como arranjador na indústria fonográfica)
e a diversas aproximações ao universo da música industrializada (especialmente norte-
americana).
Mais do que inaugurar um estilo brasileiro de arranjo, a atuação de Pixinguinha nesses
anos de profundas transformações contribuiu decisivamente na própria maneira de ser da
música popular brasileira, marcando-a profundamente ao longo de toda sua trajetória.
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ANEXO 1 — TABELA DOS FONOGRAMAS ANALISADOS (ver legenda ao final da tabela)
Nº Grav. Lanç. Música/Gênero/Autores Intérpretes Disco de época/CD 1. 01/27 Ora vejam só (samba)
Sinhô OPA e F. Alves Odeon 123273
Sinhô 3 2. 01/28 A favela vai abaixo (samba)
Sinhô OPA e F. Alves Odeon 10096/A
Sinhô 2 3. 01/28 Me faz Carinhos (samba)
F. Alves (e Ismael) OPA e F. Alves Odeon 10100/B
F. Alves 4. 02/28 O bobalhão (charlestone)
Sinhô OPA e F. Alves Odeon 10113/A
Sinhô 3 5. 02/28 Amar a uma só mulher (samba)
Sinhô OPA e F. Alves Odeon 10119/B
Sinhô 3 6. 03/28 Tesourinha (samba)
Sinhô OPA e F. Alves Odeon 10147/A
Sinhô 2 7. 9/28 Que vale a nota sem o carinho da mulher
Sinhô OPA e Vicente
Celestino Odeon 10250/A
Sinhô 2 8. 12/28 Sou da Fuzarca (marcha)
Wantuyl de Carvalho Orq. 8 Batutas e Benício Barbosa
Odeon 10294/A Carnaval 12
9. 9/28 Que vale a nota sem o carinho da mulher Sinhô
SNO e Chico Viola Parlophon 12830/A Sinhô 3
10. 11/28 Alegrias de caboclo (canção) Sinhô
SNO e Chico Viola Parlophon 12854/A Sinhô 2
11. 11/28 Jura (samba) Sinhô
SNO e Araci Cortes Parlophon 12868/A Araci
12. 12/28 Vou à Penha (samba) Ary Barroso
OPA e Mário Reis Odeon 12298/A Ary
13. 03/29 Gavião Calçudo (samba) Pixinguinha
Orq. Tipica Pix-Donga e P. Teixeira
Parlophon 12916/A MusBras. 2
14. 03/29 Linda flor yayá (samba-canção) Henrique Vogeler etc
Orq. Parlophon e Araci Cortes
Parlophon 12926/A Araci
15. 03/29 Baianinha (samba) De Chocolat e Oscar Mota
Orq. Parlophon e Araci Cortes
Parlophon 12926/B Araci
16. 04/29 Teus Olhos (samba) Francisco da Rocha
Orch. Tipica Pix-Donga e B. Barbosa
Parlophon 12931/A MusBras. 6
17. 07/29 Capinheiro (côco ajongado) Sinhô
SNO e Pedro Celestino
Parlophon 12978/A Sinhô 2
18. 07/29 Malandro (samba) F. Alves – Freire Junior (e Ismael)
OPA e F. Alves Odeon 10424/A F. Alves
19. 07/29 Não sou baú (samba) Sinhô
OPA e F. Alves Odeon 10424/B F. Alves
20. 07/29 A polícia já foi lá em casa (samba-canção) Olegário Mariano e J. Cristóbal
OPA e Araci Cortes Odeon 10426/A Araci
21. 07/29 Quem quiser ver (samba) Eduardo Souto
OPA e Araci Cortes Odeon 10426/B Araci
22. 06/29 08/29 Para mim perdeste o valor (samba) F. Alves (e Ismael)
OPA e F. Alves Odeon 10441/B F. Alves
23. 08/29 Tu qué toma meu home (samba) Ary Barroso e Olegário Mariano
OPA e Araci Cortes Odeon 10446/A Araci
24. 08/29 Eu beijo a sua mão, madame (foxtrot) Ralph Erwin e Freire Junior
OPA e F. Alves Odeon 10448/A Versões 1
25. 08/29 Segura o boi (samba) Sinhô
OPA e F. Alves Odeon 10458/B Sinhô 3
26. 08/29 A medida do Sr. do Bonfim (samba) Sinhô
OPA e Mário Reis Odeon 10459/A Sinhô 2
27. 08/29 Cansei (samba) Sinhâ
OPA e Mário Reis Odeon 10459/B Sinhô 2
116
28. 10/29 Eu queria saber (samba) Sinhô
OPA e F. Alves Odeon 10472/A Sinhô 3
29. 11/29 Golpe errado (samba) F. Alves
OPA e F. Alves Odeon 10484/B F. Alves
30. 11/29 Vão por mim (Harmonia) (marcha) Francisco Alves
OPA, Araci Cortes e F. Alves
Odeon 10502/B Araci
31. 09/29 11/29 Virou bola (samba) Sinhô
OVB e Breno Ferreira
33213/B Sinhô 3
32. 09/29 12/29 Dor de recordar (canção-blue) Joubert de Carvalho – Olegário Mariano
OPA e F. Alves Odeon 10509/A Fox 2
33. 10/29 12/29 A voz do violão (canção brasileira) F. Alves
Orq. Rio Artists e F. Alves
Odeon 10509/B F. Alves
34. 02/30 Missanga (marcha) Sinhô
Jazz Band Columbia Columbia 5167/B Sinhô 3
35. 01/30 02/30 Yaya, yoyo (marcha) Josué de Barros
OVB e coro Carmen Miranda
33259/A Carmen 1
36. 01/30 02/30 Burucuntum (samba) Sinhô
OVB e Carmen Miranda
33259/B Carmen 1
37. 01/30 02/30 Ta-hi (marcha-canção) Joubert de Carvalho
OVB Carmen Miranda
33263/B Carmen 1
38. 02/30 Se meu amor me vê (samba) Sinhô
OPA, F. Alves e Lucy Campos
Odeon 10564/B Sinhô2
39. 02/30 O que há contigo?! (samba) Donga
OPA e Mário Reis Odeon 10569/A MusBras. 6
40. 05/30 Porque será? (marcha) Sinhô
OPA e F. Alves Odeon 10595/A Sinhô2
41. 03/30 05/30 Tenho um novo namorado/ Espere que eu preciso me pintar (cançonetas) D. Gerald
OVB e Carmen Miranda
33285/A Carmen 1
42. 12/29 05/30 O nego no samba (samba) Ary Barroso-Marques Porto-Luis Peixoto
OVB e Carmen Miranda
33285/B Carmen 1
43. 06/30 Já é demais (samba-canção) Sinhô
OPA (SB) e Mário Reis
Odeon 10614/B Sinhô 2
44. 06/30 Você não era assim (samba) Ary Barroso- Aryeles França
OPA (SB) e Araci Cortes
Odeon 10619/A Ary
45. 06/30 Viva a Penha (samba) Sinhô
Jazz Band Columbia Columbia 5212/B Sinhô 3
46. 07/30 Sou da Fandanga (marcha) Sinhô
Jazz Band Columbia Columbia 5226/B Sinhô 2
47. 07/30 Benzinho (choro-canção) Sinhô
Jazz Band Columbia Columbia 5229/B Sinhô 3
48. 04/30 07/30 Gostinho diferente (samba) Joubert de Carvalho
OVB e violão Carmen Miranda
33287/A Carmen 1
49. 09/30 Reminiscências do passado (samba-canção) Sinhô
Jazz Band Columbia Columbia 7018/B Sinhô 3
50. 09/30 No morro (Eh! Eh!) (batuque) Ary Barroso e Luis Iglesias
Orq. Copacabana, A. Cortes e A. Vasseur
Odeon 10680/A Araci
51. 09/30 Dor de uma saudade (samba) F. Alves
OPA e F. Alves Odeon 10668/A F. Alves
52. 11/30 Canjiquinha quente (samba) Sinhô
Orq. Copacabana e Ita Cayubi
Odeon 10704/A Sinhô 3
53. 08/30 12/30 Eu gosto da minha terra (samba) Randoval Montenegro
OVB e Carmen Miranda
33374/A Carmen 1
54. 1/31 Com que roupa (samba) Noel Rosa
I.G. Loyola, Noel eOrq. Guanabara
Parlophon 13269/A Noel 1
55. ?/31 Meus ciúmes (choro canção) Sinhô
Orq. Brunswick e Yolanda Osório
Brunswick 10149 Sinhô 2
56. ?/31 Quero sossego (samba) Ismael Silva – N. Bastos
Orq. Brunswick e Araci Cortes
Brunswick 10158/A MusBras. 2
57. ?/31 Tico-tico no fubá (choro) Zequinha de Abreu
Orq. Colbaz Columbia 22029/B MusBras. 2
117
58. 12/30 01/31 Eu sou do barulho (marcha) Joubert de Carvalho
OVB e coro Carmen Miranda
33397/A Carmen 1
59. 12/30 01/31 Deixa disso (samba) Ary Barroso
OVB e coro Carmen Miranda
33398/A Carmen 1
60. 12/30 01/31 Sou da pontinha (marcha) Ary Barroso
OVB e coro Carmen Miranda
33398/B Carmen 1
61. 12/30 01/31 Carnavá tá aí (marcha) Pixinguinha – Josué de Barros
OVB e coro Carmen Miranda
33399/A Carmen 1
62. 04/31 Principe (foxtrot) Joubert de Carvalho
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 10794/A Fox 2
63. 07/31 Cordiais saudações (samba) Recusada por Noel Noel Rosa
Noel e Orq. Copacabana
Parlophon Matriz Noel 2
64. 07/31 Cordiais saudações (samba) Noel Rosa
Noel e Bando de Tangarás
Parlophon 13327/A Noel 2
65. 06/31 07/31 Gira (samba) Ary Barroso – Marques Porto
OVB, Silvio Caldas, Carmen Miranda
33445/A Carmen 1
66. 06/31 07/31 Benzinho (samba) Ary Barroso
OVB e Carmen Miranda
33445/B Carmen 1
67. 06/31 07/31 Faceira (samba) Ary Barroso
OVB e Silvio Caldas 33446/A Grandes sambas 2
68.
07/31 Quem me compreende (canção) Ary Barroso e Bernardo Vivas
Orq. Columbia (?) e Araci Cortes
Columbia 22035 Araci
69. 06/31 08/31 Absolutamente (marcha) Joubert de Carvalho e Olegário Mariano
OVB e Carmen Miranda
33458/A Carmen 1
70. 10/31 Eu agora fiquei mal (samba) Noel Rosa e Antenor Gargalhada
Canuto e Orq. Copacabana
Parlophon 13349/A Noel 2
71. 10/31 Esquecer e perdoar (samba) Noel Rosa e Canuto
Canuto e Orq. Copacabana
Parlophon 13349/B Noel 2
72. 10/31 11/31 Mão no remo (Iça a vela) (samba) Noel Rosa e Ary Barroso
OVB e Silvio Caldas 33479/A Noel 2
73. 11/31 Palpite (marcha) Noel Rosa e Eduardo Souto
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 10870/A Noel 3
74. 11/31 É preciso discutir (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana, M. Reis e F. Alves
Odeon 10905/A Noel 3
75. 01/32 Você foi meu azar (samba) Noel Rosa e Arthur Costa
Orq. Columbia (SB), A.Costa e Nenéo
Columbia 11076/B Noel 3
76. 12/31 01/32 É mentira, oi!... (samba) Ary Barroso
American Jazz, coro e Sílvio Caldas
33506/A Ary
77. 12/31 01/32 Sonhei que era feliz (samba) Ary Barroso
GGV e Carmen Miranda
33508/A Carmen 2
78. 12/31 01/32 Isto é xodó (marcha) Ary Barroso
American Jazz e Carmen
33508/B Carnaval 2
79. 12/31 01/32 Teu cabelo não nega (marcha) Motivos do norte, arr: Lamartine Babo
GGV e Castro Barbosa
33514/A Carnaval 2
80. 12/31 01/32 Isola, isola (marcha) Idelfonso Norat/Murilo Caldas
GGV, coro, M. Caldas e Carmen
33515/A Carmen 2
81. 02/32 Sem tostão (samba) Noel Rosa
Orq. Columbia e Arthur Costa
Columbia 22101/A Noel 3
82. 02/32 Que se dane (marcha) Noel Rosa e Jota Machado
Orq. Columbia e Leonel Faria
Columbia 22101/B Noel 3
83. 03/32 03/32 Nosso amô veio dum sonho (samba) Ary Barroso
American Jazz e Carmen Miranda
33537/A Ary e Carmen 2
84. ?/32 Amargura (canção) Eduardo Souto
Orq. Copacabana e Jayme Vogeler
Odeon 10944/A Seresta
85. 08/30 03/32 Feitiço gorado (samba) Sinhô
OVB e Carmen Miranda
33375/B Carmen 2
86. 05/32 O dia em que te conheci (fox-canção) Aloysio da Silva Araujo
Orq. Columbia, J. Fernandes, Domanar
Columbia 22120/B Fox 2
87. 06/32 Menina que tem uma pose (samba) Harold Daltro e Ary Barroso
Orq. Columbia e Lamartine Babo
Columbia 22124/B Ary
118
88. 04/32 05/32 Adeus (samba) Noel Rosa – Ismael Silva - F. Alves
GGV, Jonjoca e Castro Barbosa
33548/B Noel 4
89. 05/32 07/32 Tenho um novo amor (samba) Cartola - Noel Rosa
GGV e Carmen Miranda
33575/B Carmen 2 e Noel 4
90. 05/32 12/32 Assim sim (marcha) F. Alves – Ismael Silva – Noel Rosa
Harry Kosarin e seus almirantes, Carmen
33581/A Carmen 2 e Noel 4
91. 05/32 Fiquei sozinha (marcha-rancho) Noel Rosa – Adauto Costa
Orq. Guanabara e Ruth Franklin
Parlophon 13413 Noel 4
92. 07/32 Não faz, amor (samba) Noel Rosa e Cartola
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 10927/A Noel 4
93. 07/32 Nuvem que passou (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 10927/B Noel 4
94. 07/32 Uma jura que fiz (samba) Noel Rosa - Ismael Silva - F. Alves
Orq. Copacabana e Mário Reis
Odeon 10928/A Noel 4
95. 07/32 Mulato bamba (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e Mário Reis
Odeon 10928/B Noel 4
96. 07/32 Coração (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e Noel
Odeon 10931/A Noel 4
97. 07/32 Quem dá mais (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e Noel
Odeon 10931/B Noel 4
98. 07/32 A razão dá-se a quem tem (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 10939/B Noel 4
99. 12/32 Primeiro amor (samba) Noel Rosa – Ernani Silva
Orq. Odeon, F. Alves e Mário Reis
Odeon 10957/B Noel 5
100. 12/32 Fita amarela (samba) Noel Rosa
Orq. Odeon, F. Alves e Mário Reis
Odeon 10961/A Noel 6
101. 12/32 Mas como... outra vez? (marcha) Noel Rosa – F. Alves
Orq. Odeon, F. Alves e Mário Reis
Odeon 10961/B Noel 5
102. 01/33 Nem como uma flor (marcha) Noel Rosa – F. Alves
Orq. Copacabana e J. Petra de Barros
Odeon 10976/A Noel 6
103. 01/33 Vai haver barulho no chateaux (samba) Noel Rosa – Walfrido Silva
Orq. Odeon e Mário Reis
Odeon 10977/A Noel 6
104. 12/32 Qual foi o mal que eu te fiz? (samba) Noel Rosa – Cartola
Orq. Odeon, F. Alves e Mário Reis
Odeon 10995/B Noel 6
105. 04/33 ?/33 Quando o samba acabou (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e Mário Reis
Odeon 11003/A Noel 6
106. 04/33 ?/33 Capricho de rapaz solteiro (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e Mário Reis
Odeon 11003/B Noel 6
107. 08/33 ?
1955 Vejo amanhecer (samba) Noel Rosa – F. Alves
Noel, Isamel e grupo Columbia
Columbia Noel 7
108. O8/33 Vejo amanhecer (samba) Noel Rosa – F. Alves
Pixinguinha e sua orq. e Mário Reis
Continental 22225/ANoel 7
109. O8/33 ?/33 Filosofia (samba) Noel Rosa
Pixinguinha e sua orq. e Mário Reis
Continental 22225/BNoel 7
110. ?/33 Falta de consciência (samba) Ary Barroso
I. Kolman e Orq. Lido/ A. Lisboa
Columbia 22218/B Ary
111. 09/33 Positivismo (samba) Noel Rosa – Orestes Barbosa
Pixinguinha e sua orq. e Noel
Columbia 22240/A Noel 7
112. 09/33 Devo esquecer (samba) Noel Rosa – Gilberto Martins
Pixinguinha e sua orq, Noel e L. Villar
Columbia 22240/B Noel 7
113. ?/33 Quininha (fox-trot) C.Netto - J.M. Abreu
Orq. Columbia Moacyr B. Rocha
Columbia 22247/B Fox 2
114. 11/32 01/33 Good-bye (marcha) Assis Valente
OVB e Carmen Miranda
33604/A Carmen 2
115. 11/32 01/33 Etc (samba) Assis Valente
DC e Carmen Miranda
33604/B Carmen 2
116. 11/32 01/33 Piaçaba pra vassoura (samba) Floriano Ribeiro Pinho
DC e Carmen Miranda
33609/A Carmen 2
117. 12/32 02/33 Linda morena (marcha) Lamartine Babo
GGV, Mário Reis e Lamartine
33614/A Carnaval 1
119
118. 01/33 02/33 Quando você morrer (samba) Donga - Aldo Taranto
GGV e Carmen Miranda
33617/A Carmen 2
119. 01/33 02/33 Moleque indigesto (marcha) Lamartine Babo
GGV, Lamartine e Carmen
33620/A Carmen 2
120. 01/33 02/33 Prato fundo (marcha) Noel Rosa – Braguinha
GGV e Almirante 33623/B Noel 6
121. 12/32 04/33 Fui louco (samba) Noel Rosa – Bide
GGV e Mário Reis 33645/A Noel 6
122. 04/33 05/33 Violão (samba) Mario Paulo
DC e Carmen Miranda
33655/A Musbras. 6
123. 07/32 05/33 Vitória (samba) Noel Rosa e Romualdo Peixoto “Nonô”
DC, Sílvio Caldas e F. Alves
33657/A Noel 4
124. 05/33 06/33 Tempo perdido (samba) Ataulfo Alves
DC e Carmen Miranda
33668/A Carmen 2
125. 06/33 07/33 Chegou a hora da fogueira (marcha) Lamartine Babo
DC, Mário Reis e Carmen
33671/A Carmen 2
126. 06/33 07/33 Tarde na serra (samba) Lamartine Babo
DC, Mário Reis e Carmen
33671/B Carmen 2
127. 05/33 07/33 Pra quem sabe dar valor (samba) Assis Valente
DC, Carlos Galhardo e Carmen
33680/B Carmen 2
128. 07/33 09/33 Eu queria um retratinho de você (samba) Noel – Lamartine
DC e Mário Reis 33698/A Noel 7
129. 05/33 ?/33 Deus sabe o que faz (samba) Noel – Ismael – F. Alves
Orq. Copacabana, Jonjoca, C. Barbosa
Odeon 11019/A Noel 6
130. 05/33 ?/33 Já sei que tens um novo amor (samba) Noel – Ismael – F. Alves
Orq. Copacabana, Jonjoca, C. Barbosa
Odeon 11019/B Noel 6
131. 05/33 ?/33 Sorrindo sempre (samba) Noel – Gradim – Ismael – F. Alves
Orq. Copacabana e J. Petra de Barros
Odeon 11031/A Noel 6
132. 05/33 ?/33 Isso não se faz (samba) Noel – Ismael – F. Alves
Orq. Copacabana e J. Petra de Barros
Odeon 11031/B Noel 6
133. 07/33 ?/33 Feitio de oração (samba) Noel Rosa – Vadico
Orq. Copacabana, F. Alves e C. Barbosa
Odeon 11042/A Noel 7
134. 07/33 ?/33 Você só... mente (fox) Noel Rosa – Hélio Rosa
Orq. Odeon, F. Alves e A. Miranda
Odeon 11043/A Noel 7
135. 07/33 09/33 Ai! Si eu pudesse (foxtrot) Glauco Viana
Orq. Odeon e Castro Barbosa
Odeon 11053/A Fox 2
136. 08/33 ?/33 Quem não quer sou eu (samba) Noel Rosa – Isamael
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 11057/A Noel 7
137. 08/33 ?/33 Não tem tradução (samba) Noel Rosa
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 11057/A Noel 7
138. 08/33 09/33 Fala R.S.C. (samba) José Evangelista
Orq. Copacabana e Aurora Miranda
Odeon ? MusBras. 2
139. 08/33 09/33 Cantor do rádio (fox-canção) Custódio Mesquita –Dr J. Marques
Orq. Odeon e João Petra
Odeon 11056/A Fox 2
140. 07/33 10/33 Lenço no pescoço (samba) Wilson Batista
DC e Silvio Caldas 33712/B Grandes sambas 10
141. 08/33 11/33 Inconstitucionalissimamente (marcha) Hervê Cordovil
OVB e Carmen Miranda
33721/B Carmen 3
142. 09/33 ?/33 Nunca dei a perceber (samba) Noel – Ismael – F. Alves
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 11066/A Noel 7
143. 09/33 ?/33 Não digas (samba) Noel – Ismael – F. Alves
Orq. Copacabana e F. Alves
Odeon 11066/B Noel 7
144. 11/33 ?/33 Estrela da manhã (samba) Noel Rosa – Ary Barroso
Orq. Odeon, F. Alves e M. Assis
Odeon 11079/B Noel 8
145. 10/33 12/33 Agora é cinza (samba) Alcebíades Barcellos e Armando Marçal
DC e Mário Reis 33728/A Grandes sambas
146. 11/33 12/33 Doutor em samba (samba) Custódio Mesquita
DC e Mário Reis 33728/B Grandes sambas
147. 05/33 12/33 Não há razão para haver barulho (samba) Walfrido Silva
DC (João Martins) e Carmen Miranda
33733/A Carmen 3
120
148. 11/33 01/34 Você, por exemplo (marcha) Noel Rosa – F. Alves
DC e Almirante 33734/A Noel 8
149. 11/33 01/34 O orvalho vem caindo (samba) Noel Rosa – Kid Pepe
DC e Almirante 33734/B Noel 8 e Carnaval 2
150. 12/33 01/34 Dois a dois (marcha) Lamartine Babo
DC, Lamartine e Carmen
33736/A Carmen 3
151. 11/33 01/34 O sol nasceu pra todos (samba) Noel Rosa – Lamartine
DC e Mário Reis 33738/B Noel 8
152. 12/33 01/34 Lulu (marcha) Assis Valente
DC e Carmen Miranda
33744/A Carnaval 1
153. 11/33 01/34 Si o samba morrer (samba) Alcebíades Barcellos e Walfrido Silva
DC e Carlos Galhardo
33745/B Carnaval 1
154. 12/33 02/34 Me respeite, ouviu? (samba) Walfrido Silva
DC, Mário Reis e Carmen
33746/A Carmen 3
155. 12/33 02/34 Alô... alô... (samba) André Filho
Carmen, Mário Reis e Grupo do Canhoto
33746/B Carmen 3
156. 01/34 02/34 Eu também (marcha) Lamartine Babo
DC, Lamartine e Carmen
33756/B Carmen 3
157. 03/34 04/34 Na batucada da vida (samba-canção) Ary Barroso e Luis Peixoto
DC e Carmen Miranda
33769/B Carmen 3
158. 10/33 05/34 Caboca (samba-canção) Ary Barroso
Orq. Odeon e F. Alves
Odeon 11115/A Ary
159. 05/34 06/34 Isto é lá com Santo Antônio (marcha) Lamartine Babo
DC, Mário Reis e Carmen
33789/A Carmen 3
160. 04/34 07/34 Tenho raiva de quem sabe (samba) Noel – Kid Pepe – Zé Pretinho
DC e Mário Reis 33802/A Noel 8
161. 05/34 Se a sorte me ajudar (samba) Noel Rosa – Germano Coelho
Orq. Odeon, João Petra e A. Miranda
Odeon 11130/B Noel 8
162. 07/34 08/34 Um sorriso (samba-canção) Benedito Lacerda
Orq. Odeon e Araci Cortes
Odeon 11144/B Araci
163. 08/34 09/34 Primavera no Rio (marcha) João de Barro
DC e Carmen Miranda
33820/A Carmen 3
164. 09/34 10/34 Retiro da saudade (marcha) Antônio Nássara – Noel Rosa
DC, F. Alves e Carmen
33827/A Carmen 3
165. 09/34 10/34 Ninho deserto (samba) Ewaldo Rui
DC, F. Alves e Carmen
33827/B Carmen 3
166. 09/34 11/34 Ninon (Quando tu sorris) (foxtrot) B. Kaper – W. Jurman – C. Braga
Orq. Odeon (SB) e João Petra
Odeon 11163/A Versões 1
167. 09/34 12/34 Jóia Falsa (marcha) Oswaldo Santiago
DC e G. Formenti
33859/A Carnaval 12
168. 09/34 12/34 Eternamente (samba) Aldo Taranto-Oswaldo Santiago
DC e G. Formenti
33859/B Carnaval 1
169. 09/34 12/34 Nada tão belo como o teu amor (valsa) N. Brodsky – Silvino Netto
OVB e Maria Branca
33863/A Versões 1
170. 10/34 Feitiço da vila (samba) Noel Rosa – Vadico
Orq. Odeon e João Petra
Odeon 11175/A Noel 8
171. 10/34 01/35 Foi ela! (samba) Ary Barroso
DC e F. Alves 33880/A Grandes sambas
172. 09/34 01/35 Recadinho de Papai Noel (marcha) Assis Valente
DC e Carmen Miranda
33881/A Carmen 3
173. 12/34 ? Riso de criança (samba) Noel Rosa
Orq. Columbia, Pix. e Aracy de Almeida
Columbia 8107 Noel 8
174. 12/34 Boa viagem (samba) Noel Rosa – Ismael Silva
Orq. Odeon e Aurora Miranda
Odeon 11187/B Noel 8
175. 12/34 01/35 Verbo amar (samba) Lamartine Babo
DC e Mário Reis 33887/B Carnaval 12
176. 01/35 02(ou 03)/35
Mulatinho bamba (marcha) Ary Barroso – Kid Pepe
DC e Carmen Miranda
33904/A Carmen 3
177. 01/35 02(ou 03)/35
Anoiteceu (samba) Ary Barroso
DC e Carmen Miranda
33904/B Grandes sambas
121
178. 04/35 05/35 Este samba foi feito pra você (samba) Assis Valente – Humberto Porto
DC e Mário Reis 33928/A Grandes sambas
179. 04/34 06/35 Vou espalhando por aí (marcha) Assis Valente
DC, C. Barbosa e Carmen
33936/A Carmen 3
180. 08/35 10/35 N’aquella noite fria (valsa) Ronaldo Lupo – Saint Clair Senna
Orq. Odeon (SB) e Moacyr B. Rocha
Odeon 11269/A MusBras. 6
181. 12/34 Linda pequena (marcha) Noel Rosa – João de Barro
Orq. Odeon e João Petra
Odeon 11281/A MusBras. 2
182. 09/35 11/35 Há um segredo em teus cabelos (valsa) Gastão Lamounier- Oswaldo Santiago
Orq. Odeon e Silvio Caldas
Odeon 11283/A MusBras. 2
183. 08/35 12/35 Na virada da montanha (samba) Ary Barroso – Lamartine Babo
DC e F. Alves 33995/B Grandes sambas 2
184. 12/35 01/36 Ponto de interrogação (marcha) Murilo Caldas
DC e Orlando Silva 34006/A Carnaval 1
185. 12/35 01/36 Pierrot apaixonado (samba) Noel Rosa – Heitor dos Prazeres
DC e Joel e Gaúcho 34012/A Noel 9
186. 01/36 Este meio não serve (samba) Noel Rosa – Donga
Orq. Odeon (SB) e Mário Reis
Odeon 11326 Noel 9
187. 01/36 02/36 Comprei uma fantasia de pierrot (samba) Lamartine Babo e Alberto Ribeiro
DC e F. Alves 34024/B Carnaval 2
188. 01/36 02/36 A.M.E.I. (marcha) A. Nássara – E. Frazão
DC e F. Alves 34033/B Carnaval1
189. 01/36 02/36 Menina dos meus olhos (marcha) Noel Rosa – Lamartine Babo
DC, Orlando Silva e Gaúcho
34034/A Noel 9
190. 01/36 02/36 Paulistinha querida (marcha) Ary Barroso
DC, J. Oliveira e A. Pescuma
34036/B Carnaval 2
191. 03/35 04/36 Vingança (canção regional) José Maria de Abreu e F. Mattoso
OVB e Gastão Formenti
34044/A Seresta
192. 08/35 04/36 Não foi por amor (samba) Noel Rosa – Zé Pretinho – Germano Coelho
DC e Orlando Silva 34047/B Noel 9
193. 05/36 07/36 Minha consolação (fox-blue) J. de Oliveira – Gomes Jr.
Orq. Odeon (SB) e Jayme Vogeler
Odeon 11133-A ? Fox 2
194. 07/36 10/36 Tu deve ser das taes (valsa) F. Alves – Jorge Farah
OVB e F. Alves 34906/B F. Alves
195. 11/36 12/36 Chegou a sua vez (samba) F. Alves – Rubens Soares
DC e F. Alves 34123/B F. Alves
196. 10/37 12/37 Guarde esta arma! (marcha) Roberto Martins e Ataulfo Alves
Orq. Odeon (SB) e Nuno Roland
Odeon 11546/B Carnaval 12
197. 12/36 01/37 Amei uma cachopa (marcha) Milton Oliveira e Max Bulhões
DC e Manoel Monteiro
34139/A Carnaval 2
198. 01/38 02/38 O Mandarim (frevo-canção) Irmãos Valença
DC e Odette Amaral 34294/A Carnaval 1
Legenda Intérpretes OPA — Orquestra Pan American SNO — Simão Nacional Orquestra OVB — Orquestra Victor Brasileira GGV — Grupo de Guarda Velha DC — Diabos do Céu SB — Simão Bountman Pix.— Pixinguinha
122
CDs Sinhô 2 — Sinhô vol.2 – Alivia estes olhos. Curitiba: Revivendo (RVCD 081), s/d. Sinhô 3 — Sinhô vol.3 – Fala, meu louro. Curitiba: Revivendo (RVCD 082), s/d. Carnaval 1 — Carnaval: sua história, sua glória vol.1. Curitiba: Revivendo (RVCD 009), s/d. Carnaval 2 — Carnaval: sua história, sua glória vol.2. Curitiba: Revivendo (RVCD 010), s/d. Carnaval 12 — Carnaval: sua história, sua glória vol.12. Curitiba: Revivendo (RVCD 060), s/d. Araci — Araci Cortes – Acervo Funarte, vol.38. São Paulo: Atração Fonográfica (ATR 32051), 1998. Ary — Ary Barroso, o mais brasileiro dos brasileiros. Curitiba: Revivendo (RVCD 040), s/d. MusBras.2 — Músicas brasileiras vol.2. Curitiba: Revivendo (RVCD 074), s/d. MusBras.6 — Músicas brasileiras vol.6. Curitiba: Revivendo (RVCD 090), s/d. F. Alves — O rei da voz canta Francisco Alves. Curitiba: Revivendo (RVCD 068), s/d. Versões 1 — Grandes versões vol.1. Curitiba: Revivendo (RVCD 046), s/d. Fox 2 — No tempo do fox vol.2. Curitiba: Revivendo (RVCD 085), s/d. Carmen 1, 2 e 3 — Carmen Miranda, caixa com 3 CDs. São Paulo: BMG (7432152774-2), 1998. Noel 1 a 8 — Noel Rosa pela primeira vez, caixa com 14 CDs, vol. 1 a 8. São Paulo: Velas, 2000. Seresta — No tempo da seresta. Curitiba: Revivendo (RVCD 062), s/d. Grandes sambas — Os grandes sambas da história. São Paulo: Ed. Globo, 1997.
123
ANEXO 2 — TABELA DOS FONOGRAMAS ESTRANGEIROS ANALISADOS (ver legenda ao final da tabela)
Nº Grav. Lanç. Música/Autores Intérpretes Disco de época/CD 1. 1926 I got a girl
Bing Crosby, Al
Rinker e DCB. Orch.
2. 1931 Dinah S. Lewis – J. Young – H. Akst
Bing Crosby, Mills Brothers e BK. Orch
? Bing Crosby
3. 1931 Can’t we walk it over N. Washington – V. Young
Bing Crosby e Helen Crawford
? Bing Crosby
4. 1932 Shine C. Mack – L. Brown – F. Dabney
Bing Crosby, Mills Brothers e VY. Orch
? Bing Crosby
5. 1932 Paradise G. Clifford – N.H. Brown
Bing Crosby e VY. Orch.
? Bing Crosby
6. 1932 Sweet Georgia Brown K. Casey – M. Pinkard – B. Bernie
Bing Crosby e IJ. Orch.
? Bing Crosby
7. 1932 Please L. Robin – R. Rainger
Bing Crosby e AV. Orch.
? Bing Crosby
8. 1932 How deep is the ocean I. Berlin
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
9. 1932 (I don’t stand) A ghost of a chance Bing Crosby – N. Washington – V. Young
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
10. 1932 Brother can you spare a dime? E.Y. Harburg – J. Gorney
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
11. 1932 Let’s put out the lights (and go to sleep) H. Hupfeld
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
12. 1933 You’re getting to me a habit you me A. Dubin – H. Warren
Bing Crosby e GL. Orch.
? Bing Crosby
13. 1933 I’ve got a world on a string T. Koehler – W. Arlen
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
14. 1933 Temptation A. Freed – N.H. Brown
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
15. 1933 Did you ever see a dream walking M. Gordon – H. Revel
Bing Crosby e LH. Orch.
? Bing Crosby
16. 1933 Love thy neighbor M. Gordon – H. Revel
Bing crosby e NF. Orch.
? Bing Crosby
17. 1933 Love in bloom L. Robin – R. Rainger
Bing Crosby e I A. Orch.
? Bing Crosby
18. 1937 1937 Beale Street Blues Handy
Tommy Dorsey and his Orchestra
? Tommy Dorsey
Legenda Intérpretes DCB. Orch — Don Clark Biltmore Hotel Orchestra BK. Orch. — Bennie Krueger Orchestra VY. Orch. — Victor Young Orchestra IJ. Orch. — Isham Jones Orchestra AV. Orch. — Anson Veeks Orchestra LH. Orch. — Lenniex Hayten orchestra GL. Orch. — Guy Lombardo Orchestra NF. Orch. — Nat Finston Orchestra IA. Orch. — Irving Aaronson Orchestra
124
CDs Bing Crosby — Bing Crosby – Golden Era Collection. Columbia (721.140/2-472198), s/d. Tommy Dorsey — Tommy Dorsey and his Orchestra. Jazzterdays (102412), 1994.
125
ANEXO 3 — LISTA DAS OBRAS GRAVADAS NO CD ANEXO
1) Malandro (samba) F. Alves – Freire Junior (e Ismael)
2) Sou da Fuzarca (marcha) Vantuil de Carvalho 3) Gavião calçudo (samba) Pixinguinha 4) O nego no samba (samba) Ary Barroso-Marques Porto-Luis Peixoto (trecho) 5) Beale Street Blues — Handy (c/ Tommy Dorsey) (trecho) 6) Sou da pontinha (marcha) Ary Barroso (trecho) 7) Faceira (samba) Ary Barroso 8) Gira (samba) Ary Barroso – Marques Porto (trecho) 9) Please — L. Robin – R. Rainger (c/ Bing Crosby) (trecho) 10) Dor de recordar (canção-blue) Joubert de Carvalho – Olegário Mariano 11) Missanga (marcha) Sinhô 12) Quero sossego (samba) Ismael Silva – N. Bastos (trecho) 13) O que há contigo?! (samba) Donga (trecho) 14) Cordiais saudações (samba) (c/ Orq. Copacabana, recusada por Noel) Noel Rosa
(trecho) 15) Cordiais saudações (samba) (c/ Bando de Tangarás) Noel Rosa (trecho) 16) Carnavá tá aí (marcha) Pixinguinha – Josué de Barros (trecho) 17) Eu sou do barulho (marcha) Joubert de Carvalho (trecho) 18) Eu gosto da minha terra (samba) Randoval Montenegro (trecho) 19) Eu beijo a sua mão, madame (foxtrot) Ralph Erwin e Freire Junior 20) Isola, isola (marcha) Idelfonso Norat/Murilo Caldas 21) Menina que tem uma pose (samba) Harold Daltro e Ary Barroso 22) Tenho um novo amor (samba) Cartola - Noel Rosa 23) Quando você morrer (samba) Donga - Aldo Taranto (trecho)
126
24) Teu cabelo não nega (marcha) Motivos do norte, arr: Lamartine Babo 25) Linda morena (marcha) Lamartine Babo 26) Prato fundo (marcha) Noel Rosa – Braguinha 27) Assim sim (marcha) F. Alves – Ismael Silva – Noel Rosa (trecho) 28) A razão dá-se a quem tem (samba) Noel Rosa (trecho) 29) Piaçaba pra vassoura (samba) Floriano Ribeiro Pinho (trecho) 30) Violão (samba) Mario Paulo (trecho) 31) Vitória (samba) Noel Rosa e Romualdo Peixoto “Nonô” (trecho) 32) Chegou a hora da fogueira (marcha) Lamartine Babo 33) Mulatinho bamba (marcha) Ary Barroso – Kid Pepe (trecho) 34) Isto é lá com Santo Antônio (marcha) Lamartine Babo (trecho) 35) Dois a dois (marcha) Lamartine Babo (trecho) 36) Verbo amar (samba) Lamartine Babo (trecho) 37) Inconstitucionalissimamente (marcha) Hervê Cordovil (trecho) 38) Tarde na serra (samba) Lamartine Babo 39) Estrela da manhã (samba) Noel Rosa – Ary Barroso 40) Na virada da montanha (samba) Ary Barroso – Lamartine Babo 41) Pra quem sabe dar valor (samba) Assis Valente (trecho) 42) Primavera no Rio (marcha) João de Barro 43) Você só... mente (fox) Noel Rosa – Hélio Rosa 44) Mas como... outra vez? (marcha) Noel Rosa – F. Alves