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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA RESILIÊNCIA: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE OS FATORES DE RISCO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL KAROLINE BRAUN Itajaí (SC), 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

RESILIÊNCIA: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE OS FATOR ES DE

RISCO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

KAROLINE BRAUN

Itajaí (SC), 2008

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KAROLINE BRAUN

Resiliência: Um estudo bibliográfico sobre os fator es de risco no

desenvolvimento infantil

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí Orientador: Profa. Josiane da Silva Delvan Silva

Itajaí (SC), 2008

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AGRADECIMENTOS

A meus pais Janete e Wilmar Braun, que sempre me incentivaram e me apoiaram

com muito amor e carinho em todas as etapas de minha vida.

A meu esposo Cleverson Gazineu, que sempre esteve ao meu lado nas horas

difíceis e que, com muito amor me incentivou para a elaboração desta pesquisa.

A meus irmãos que mesmo longe, torceram e oraram por mim nos momentos em

que não tinha mais força para continuar.

A minha orientadora professora Josiane da Silva Delvan Silva, que com muita

paciência me orientou, me incentivou e que me auxiliou a tornar possível a

realização deste trabalho.

Ao professor Eduardo José Legal, que através de seus conhecimentos passados

sobre o tema, me fez despertar o interesse por esta pesquisa, sendo o meu

primeiro incentivador.

Aos professores Pedro Antônio Geraldi e Eduardo José Legal, por aceitarem o

convite para participar da banca avaliadora desta monografia.

Aos meus amigos, que até mesmo nas horas de descontração me escutaram falar

da minha pesquisa.

E a todos, que de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para

construção desta pesquisa.

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SUMARIO

RESUMO.................................................................................................................. 4

1. INTRODUÇÃO... .................................................................................................. 6

2. ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................... .............................................. 8

2.1 Coleta dos Dados ............................... .............................................................. 9

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................... .............................................. 11

3.1 Resiliência e Desenvolvimento Infantil ......... ............................................... 11

3.2 O Conceito de Fatores de Risco ................. .................................................. 12

3.3 O Conceito de Resiliência ...................... ....................................................... 14

4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ......... ........................ 18

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................... ................................................... 29

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................... ............................................ 32

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Resiliência: Um estudo bibliográfico sobre os fato res de risco no

desenvolvimento infantil

Orientador: Josiane da Silva Delvan da Silva Defesa: junho de 2008

Resumo:

O presente trabalho de conclusão de curso teve como objetivo investigar na literatura especializada os fatores de risco que prejudicam o desenvolvimento infantil e como ocorre a resiliência nesse processo de desenvolvimento. Entende-se resiliência como sendo o processo pelo qual o indivíduo consegue superar as adversidades, adaptando-se de forma saudável ao seu contexto. Por fatores de risco, entende-se como variáveis ambientais ou contextuais que aumentam a probabilidade da ocorrência de algum efeito indesejável no desenvolvimento do indivíduo, sejam eles, físicos, sociais ou emocionais. E por fatores de proteção, entende-se como sendo a maneira como as pessoas lidam com as transições e mudanças de sua vida, e como elas atuam diante das circunstâncias. E que existe três classes importantes para o desenvolvimento infantil, as condições da própria criança, as condições familiares e as redes sociais de apoio. O presente trabalho teve como procedimento metodológico, a pesquisa bibliográfica desenvolvida a partir de artigos científicos e livros. Contata-se que há uma diversidade diante dos conceitos de resiliência, podendo variar desde a capacidade inata que acompanha e protege o desenvolvimento, bem como uma habilidade adquirida que o sujeito apresenta frente a situações adversas. Constata-se também que existem vários fatores ou situações de riscos presentes na realidade brasileira, e que esses fatores raramente são eventos isolados, e sim fazem parte de um ambiente complexo. E que a promoção da resiliência só ocorre quando há um equilíbrio entre os fatores de risco e os fatores de proteção.

Palavras-chave : desenvolvimento infantil; fatores de risco; resiliência.

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Sub-Área de concentração (CNPq): Psicologia do Dese nvolvimento Humano.

Membros da Banca

Eduardo José Legal Professor convidado

Pedro Antônio Geraldi Professor convidado

Josiane da Silva Delvan Silva Professor Orientador

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1 INTRODUÇÃO

Com a globalização da economia, com suas evidentes conseqüências de

empobrecimento e exclusão de setores da população, acrescidas de situações

globais de risco que são de difícil enfrentamento, marcam as gerações com

doença, prisão, deterioração pessoal, familiar e social (MELILO e OJEDA, 2005).

Neste contexto, surge a expressão “fatores de risco” que tem sido

associada ao desenvolvimento humano. Vários autores procuraram definir e

identificar esses fatores ou as adversidades, a fim de avaliar sua influência no

desenvolvimento de crianças e principalmente para organizar intervenções

voltadas à redução de problemas de comportamento nessa população

(HAGGERTY etal., 2000).

Por fatores de risco, entende-se como sendo as variáveis ambientais ou

contextuais que aumentam a probabilidade da ocorrência de algum efeito

indesejável no desenvolvimento, sejam eles, físicos, sociais ou emocionais.

Entende-se por resiliência, como sendo o processo pelo qual o indivíduo

consegue superar as adversidades, adaptando-se de forma saudável ao seu

contexto. Resiliência não é o oposto a risco, são conceitos diferentes, porém são

aspectos complementares.

Como comprova Munist (apud DESLANDES e JUNQUEIRA, 2003) embora

o enfoque de risco e a resiliência sejam diferentes, são aspectos complementares.

Percebê-los como um conjunto possibilita um enfoque global, permitindo maior

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flexibilidade e fortalecimento na aplicação dos conceitos em busca da promoção

da saúde.

Considerando o exposto acima, acreditamos ser de fundamental

importância à realização de um estudo que procure relacionar fatores de risco e

resiliência no processo de desenvolvimento infantil.

O presente trabalho de conclusão de curso consistiu em uma pesquisa

bibliográfica e terá como principal objetivo investigar na literatura especializada, os

fatores de risco, como ocorre a resiliência no processo de desenvolvimento na

infância e quais as medidas sugeridas para a sua promoção.

A partir disso, os objetivos específicos foram delimitados e identificaram as

variáveis que podem tornar a criança vulnerável ao risco e levantar os

mecanismos envolvidos no processo resiliente e suas implicações no processo de

desenvolvimento infantil.

Em levantamento realizado nas bases de dados SCIELO, LILACS e banco

de teses em busca de fatores de risco que impedem o desenvolvimento infantil,

foram encontrados vinte e quatro obras que englobam tema de pesquisa, sendo

três em língua inglesa. As obras disponíveis na Biblioteca Central da UNIVALI e

na setorial do CCS são escassas e abordam superficialmente a temática.

A escolha desta temática aconteceu pela relevância teórica do mesmo, por

ser um tema relativamente novo e que desperta uma curiosidade por parte da

pesquisadora em estudá-lo.

Esperamos que os resultados encontrados possibilitem esclarecer o

assunto e contribuir com a literatura disponível.

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2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho teve como procedimento metodológico, a pesquisa

bibliográfica, desenvolvida a partir do material já elaborado constituído

principalmente a partir de artigos científicos e livros.

Pois como ressalta Martins e Pinto (2001, p.41):

Trata-se da abordagem metodológica mais adequada para a

elaboração de um trabalho acadêmico. A pesquisa

bibliográfica procura explicar e discutir um tema com base

em referências teóricas publicadas em livros, revistas,

periódicos etc. Busca conhecer e analisar contribuições

científicas sobre determinado tema. É um excelente meio de

formação científica quando realizada independentemente –

análise teórica – ou como parte de investigação empírica.

Ou seja, a pesquisa bibliográfica é um instrumento que dá subsídios para a

construção e fundamentação dos trabalhos científicos.

Além disso, a pesquisa deu subsídios para a concretização dos objetivos

propostos neste trabalho, ou seja, para identificar quais os fatores de risco e como

ocorre a resiliência no processo de desenvolvimento na infância, como também

possibilitou um contato direto da pesquisadora com a produção científica.

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2.1 Coleta dos dados

Para a realização da presente pesquisa, foram utilizados os seguintes

procedimentos.

a. Inicialmente foi realizado um levantamento de dados bibliográficos na

literatura especializada sobre o tema de pesquisa. A fonte para o levantamento de

dados e a busca de material constituiu-se de todos os meios disponíveis como,

navegadores da web, bases de dados e bibliotecas.

b. Em um segundo momento, com o material já coletado, e considerado

suficiente na medida em que foi possibilitado o tempo para sua busca, foram

realizadas leituras explanatórias dos materiais disponíveis. A leitura explanatória

foi realizada de forma direcionada e objetiva ao material útil para a pesquisa, e

aconteceu através da leitura dos resumos, palavra chave e auxílio do referencial

teórico. Em levantamento realizado nas bases de dados SCIELO, LILACS e banco

de teses em busca de fatores de risco que dificultam o desenvolvimento infantil,

foram encontrados vinte e quatro obras que englobam tema de pesquisa, sendo

três em língua inglesa.

c. Posteriormente à seleção do material, foi realizada uma leitura analítica

que de acordo com Gil (1991), tem a finalidade de ordenar e sumariar as

informações contidas nas fontes de forma que possibilitem a obtenção de

respostas ao problema de pesquisa.

d. Após a leitura analítica, foi realizada uma leitura interpretativa, que Gil

(1991) define como a última etapa de realização da pesquisa; é a mais complexa,

pois procura relacionar os significados aos resultados obtidos na leitura analítica.

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A partir desses procedimentos, iniciou-se a análise dos dados coletados

nas fontes bibliográficas disponíveis, que gerou a pesquisa apresentada nos

próximos capítulos.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Resiliência e Desenvolvimento Infantil

O estudo do desenvolvimento humano com ênfase nos fatores de risco ou

adversidades assim como nos processos evolutivos saudáveis, vem sendo foco de

muitas pesquisas em psicologia do desenvolvimento.

De acordo com Sapienza e Pedromônico (2005), os estudos mais recentes

sobre o desenvolvimento infantil enfatizam a importância de se examinar o

contexto em que este ocorre e em especial o efeito da presença simultânea de

múltiplos fatores de risco, tanto biológicos como ambientais. Estes estudos têm

demonstrado que os cuidados prestados às crianças são conseqüências de

muitos fatores, incluindo cultura, nível socioeconômico, estrutura familiar e

características da própria da criança.

Normalmente, Papalia e Olds (1998) apontam que as pessoas, têm a

habilidade de se recuperar de circunstâncias difíceis ou de experiências anteriores

estressantes, adaptando-se bem à vida.

Um incidente traumático ou uma infância severamente desprovida pode ter

conseqüências emocionais graves, porém estudos feitos com pessoas desde a

infância até a adolescência mostram que mesmo a morte de um dos pais durante

a infância, não implica necessariamente a causa de danos irreversíveis (PAPALIA

e OLDS, 1998).

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Há na literatura psicológica, uma constante associação entre a qualidade

do ambiente e o desenvolvimento psicológico das crianças, e a importância de

fatores de risco biológicos e sociais para o desenvolvimento infantil (MARTINS,

2004).

3.2 O conceito de Fatores de Risco

Inicialmente o conceito de risco estava associado ao modelo biomédico,

sendo freqüentemente relacionado ao termo mortalidade. Hoje, existe um

consenso entre os pesquisadores com relação a sua definição, que se refere a

uma variável que aumenta a probabilidade do indivíduo adquirir determinada

doença quando exposto a ela. Um exemplo claro disto, seria o consumo de

tabaco, como um fator de risco para o desenvolvimento de doenças

cardiovasculares (GRUNSPUM, 2002).

Foi a partir da década de 80, que o termo foi associado aos estudos sobre

desenvolvimento humano, os quais se procurava definir e identificar os fatores de

risco ou as adversidades, a fim de avaliar sua influência no desenvolvimento de

crianças e adolescentes e, principalmente, para organizar intervenções voltadas à

redução de problemas de comportamento nessa população (HAGGERTY etal.,

2000).

O conjunto de fatores de risco inclui componentes biológicos e de

temperamento, manifestação de sintomas / problemas físicos e psicológicos

(GRAMINHA; MARTINS; MIURA, 1996).

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Para Yunes e Szymanski (2001, p. 42), fatores de risco podem ser definidos

como “toda a sorte de eventos negativos da vida, e que, quando presentes,

aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos, sociais ou

emocionais”.

Já Grunspum (2002) define fatores de risco como os fatores presentes no

ambiente econômico, psicológico e familiar que possuem grande probabilidade de

causar danos sociais evidentes.

Ainda na década de 80, e segundo Haggerty etal. (2000), proliferaram

estudos sobre resiliência, os quais passaram a focalizar o risco para desenvolver

programas de prevenção e intervenção baseados não apenas em indicadores

isolados, mas em mecanismos que ligam múltiplas variáveis.

Deste modo, Rutter (apud YUNES e SZYMANSKI, 2001) afirma que o

termo “mecanismos de risco” ao invés de “fatores de risco”, define melhor o

fenômeno abordado, mostrando que um mesmo evento pode assumir

características tanto positivas quanto negativas, dependendo do contexto onde

ocorre.

Neste contexto, riscos ou adversidades são variáveis ambientais ou

contextuais que aumentam a probabilidade da ocorrência de algum efeito

indesejável no desenvolvimento (HAGGERTY etal., 2000). Ou seja, os fatores de

risco são aqueles que aumentam a probabilidade de um indivíduo apresentar

comportamentos negativos e mal adaptados durante o seu desenvolvimento.

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3.3 O conceito de Resiliência

Ao investigar o conceito de resiliência na literatura psicológica, percebe-se

que é um construto inserido na Psicologia Positiva e que é um fenômeno que vem

sendo recentemente estudado no Brasil.

Observamos, nos últimos 20 anos, que o tema resiliência vem conquistando

espaço nos círculos acadêmicos de Psicologia, e nos últimos cinco anos sendo

discutido nos encontros internacionais, especialmente sobre a criança e o

adolescente (YUNES e SZYMANSKI, 2001).

Originariamente, segundo Ferreira (apud YUNES e SZYMANSKI, 2001), o

termo resiliência vem da Física e Engenharia e é definido como a capacidade de

um material para absorver energia sem sofrer deformação plástica permanente.

Nos materiais, portanto, o módulo de resiliência pode ser obtido em laboratório

através de medições sucessivas ou da utilização de uma fórmula matemática que

relaciona tensão e deformação e fornece com precisão a resiliência dos materiais.

Nas ciências sociais e da saúde, o conceito não é tão preciso quanto na

Física e Engenharia, porém é definido como a capacidade humana de superar as

adversidades. Para as ciências humanas, resiliência é definida como a capacidade

que alguns indivíduos apresentam de superar as adversidades da vida (YUNES e

SZYMANSKI, 2001; TABOADA, LEGAL e MACHADO, 2006).

Ainda, segundo Yunes e Szymanski (2001), os precursores do termo

resiliência, na Psicologia, são os termos invencibilidade ou invulnerabilidade,

bastante citados na literatura psicológica. Frente às discussões terminológicas,

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vários especialistas no assunto passaram a discutir a aplicação e o uso dos

termos.

Um cientista pioneiro nos estudos sobre resiliência no campo da Psicologia

é Michael Rutter (apud YUNES, 2006) que alega que invulnerabilidade passa uma

idéia de resistência absoluta ao estresse, de uma característica imutável, como se

fossemos intocáveis e sem limites para suportar o sofrimento. O mesmo autor

considera que a palavra invulnerabilidade passa uma idéia de uma característica

intrínseca ao indivíduo.

Para Munist (apud DESLANDES e JUNQUEIRA, 2003), resiliência é a

capacidade do ser humano para fazer frente às adversidades da vida, de superá-

las e de ser transformado positivamente por elas; capacidade das pessoas que

desenvolvem competências, apesar de terem sido criadas em condições adversas

ou circunstâncias que aumentam as possibilidades desses indivíduos

apresentarem patologias mentais ou sociais.

Deslandes e Junqueira (2003) definem resiliência como a possibilidade de

superação num sentido dialético, isto é, representando um novo olhar, uma re-

significação do problema, mas que não o elimina, pois constitui parte da história

do sujeito.

Pereira (2001) afirma que a resiliência é uma capacidade universal de um

indivíduo, grupo ou comunidade de superar as adversidades, ou seja, é universal

e pertence à natureza humana. Porém, acrescenta que tal capacidade é um

processo que vai se desenvolvendo ao longo da vida, pois é adquirido pela

educação e experiência das dificuldades ultrapassadas.

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Flach (1991, p. 24) destaca a resiliência como “forças biológicas e

psicológicas exigidas para atravessarmos com sucesso as mudanças em nossas

vidas”. O mesmo autor defende que a resiliência é uma força que a maioria das

pessoas desenvolve com o pensamento e a ação, ativada frente a situações de

ruptura e intenso estresse e que, ao mesmo tempo ela é um processo natural da

vida e ocorre de forma obrigatória na natureza.

Slap (2001) nos lembra, entretanto, que a resiliência não é o oposto a risco

e não pode ser vista como um fator de proteção específico, pois tal visão a

encaixaria num modelo médico de patologia.

O mesmo autor define a resiliência a partir da interação de quatro

elementos (fatores individuais, contexto ambiental, acontecimentos ao longo da

vida e fatores de proteção), que compõe um "banco de recursos" para proteger o

sujeito de danos e lhe possibilitar bem-estar. O desafio à pesquisa e às ações de

promoção de saúde é, portanto, entender como se compõe cada elemento desse

"banco" e qual interação entre eles levaria à resiliência em cada situação

particular.

Munist (apud DESLANDES e JUNQUEIRA, 2003) ressalta que, embora o

enfoque de risco e a resiliência sejam diferentes, são aspectos complementares.

Percebê-los como um conjunto possibilita um enfoque global, permitindo maior

flexibilidade e fortalecimento na aplicação dos conceitos na promoção da saúde.

As pesquisas mais recentes têm indicado que a resiliência é relativa, que

suas bases são tanto constitucionais como ambientais, e que o grau de resistência

não tem uma quantidade fixa, mas varia de acordo com as circunstâncias

(YUNES, 2006).

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Sendo assim, nos deparamos com uma variedade de definições voltadas

para esse construto, revelando que o conceito encontra-se em fase de construção.

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4 APRESENTACAO E DISCUSSAO DOS RESULTADOS

Foi constatado através da literatura especializada que o tema escolhido,

resiliência, é um construto relativamente novo na Psicologia e, portanto, escasso

de bibliografias, principalmente quando se refere ao desenvolvimento infantil.

Vários conceitos foram encontrados e pode-se perceber que a definição de

resiliência se sustenta através de outros conceitos como adaptação / superação e

ajustamento, estresse, coping, fatores de risco e proteção, vulnerabilidade, entre

outros.

O conceito base de resiliência é pautado no modelo de organização

descrito por Deslandes e Junqueira (2003) que traz questões como adaptação /

superação do sujeito frente a situações de estresse ou adversidade. Tais

situações como ameaças, sofrimentos, perigos, fatores de risco, são considerados

por alguns autores como “experiências estressantes” ou “condições adversas”

(GUZZO e TROMBETA, 2002).

De acordo com Deslandes e Junqueira (2003), e com relação à superação,

a resiliência seria a capacidade do indivíduo de superar os próprios limites diante

de uma situação de risco, constituindo uma identidade fortalecida, ou seja, a

superação. Desta forma, a resiliência enquanto modo de superação de situações

conflitantes traria consigo a possibilidade da “...experiência traumática ser

elaborada simbolicamente, fazendo parte da biografia do indivíduo ou grupo e

compondo um estoque de vivências que poderiam dar subsídios para seu

fortalecimento diante de novas situações” (p.227).

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Com relação à adaptação, o conceito de resiliência estaria pautado no

equilíbrio a ser mantido pelo sujeito, sem o surgimento de habilidades específicas,

que no processo de superação retrata uma série de características referentes ao

indivíduo e ao seu contexto.

Com isso, observa-se como o indivíduo ajustou-se às expectativas gerais

determinadas pela sociedade, nas quais o ajustamento / adaptação constituir-se-ia

como um fim em si mesmo. Não implica em uma superação, um processo no qual

o indivíduo adquire novas competências, mas apenas que se ajusta na crise

(TABOADA, LEGAL e MACHADO, 2006).

Guzzo e Trombeta (2002) declaram que o termo resiliência seria a

capacidade de lidarmos e resignificarmos situações estressantes, de modo que o

estressor deixe de ser encarado como tal.

Essa situação capacitaria o indivíduo a lidar de maneira mais satisfatória

com futuras situações de estresse, pois “uma situação de sofrimento ou conflito

pode fortalecer o indivíduo diante de outras situações semelhantes, gerando-lhe

um menor nível de estresse” (DESLANDES e JUNQUEIRA, 2003 p.227).

Existe uma relevância no modo de se lidar com o estresse no

desenvolvimento do indivíduo. O conceito de resiliência traz justamente essa

possibilidade de entendermos o estresse como grande oportunidade de

crescimento e fortalecimento pessoal. Porém, “é preciso encontrar um equilíbrio

entre proteger as crianças de riscos e proporcionar-lhes as oportunidades de

desenvolvimento necessárias para a promoção de resiliência” (THOMPSON,

2003, p.47). Ou seja, expô-las aos eventos estressantes capacitando-os a lidar

com eles.

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Outro conceito pesquisado na literatura especializada e que está

correlacionado ao conceito de resiliência é o de Coping, definido como o “conjunto

de estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias

adversas ou estressantes” (ANTONIAZZI, 1998, p.273).

Foram encontrados na literatura, vários modelos de coping, sendo que as

produções mais expressivas são de autores como Lazarus e Folkman e que focam

a definição de coping nas estratégias, e não enquanto estilo de personalidade do

indivíduo. Eles definem esse processo de modo que o:

... foco de atenção está no que a pessoa está fazendo ou

pensando no momento atual, presente, em contraste com o

que a pessoa habitualmente faz, fazia ou deveria fazer, que

é o foco das teorias relacionadas a traços de personalidade.

Pensamentos ou ações de coping são sempre

encaminhados para condições particulares (LAZARUS e

FOLKMAN, 1984, p. 142).

Sendo assim, as estratégias podem mudar de momento para momento,

durante os estágios de uma situação estressante, bem como durante os estágios

de desenvolvimento do sujeito. “Dada esta variabilidade nas reações individuais,

estes autores defendem a impossibilidade de se tentar predizer respostas

situacionais a partir do estilo de coping de uma pessoa” (ANTONIAZZI, 1998,

p.284).

E ainda, sendo a resiliência o estudo das pessoas que se adaptam /

superam as adversidades, e o coping o estudo das estratégias utilizadas pelas

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pessoas frente às adversidades, constata-se que ambos os conceitos estão

intimamente correlacionados. Enquanto o coping foca a estratégia utilizada para

lidar com a situação, independentemente do resultado obtido, a resiliência

concentra sua atenção no resultado da estratégia utilizada, ou seja, uma

adaptação bem sucedida do sujeito frente às adversidades (TABOADA, LEGAL e

MACHADO, 2006).

Porém, para autoras como Koller e Paludo, (2005); Trombeta e Guzzo,

(2002); Yunes, (2001), a resiliência não é um atributo fixo, havendo mudanças ao

longo do tempo. Pode aparecer em diferentes grupos étnicos, de diferentes níveis

socioeconômicos e diferentes contextos culturais. A resiliência não é uma

qualidade que nasce com o indivíduo e, ainda, é muito mais do que uma simples

combinação de condições felizes. Devem ser levados em conta as qualidades do

próprio indivíduo, o ambiente familiar favorável e também as interações positivas

entre esses dois elementos.

Os estudos sobre resiliência passaram a focalizar também o risco. Estes

podem ser definidos como fatores presentes no ambiente econômico, psicológico

e familiar que possuem grande probabilidade de causar danos sociais evidentes

(GRUNSPUN, 2002). Para Yunes e Szymanski (2001), fatores de risco podem ser

definidos como “...toda a sorte de eventos negativos da vida, e que, quando

presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos,

sociais ou emocionais (p.24)”.

Percebe-se que os estudos sobre resiliência se relacionam com eventos

geradores de estresse e que aumentam a probabilidade do sujeito apresentar

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dificuldades, podendo desenvolver uma série de problemas, sendo assim

caracterizadas como Fatores de Risco (TABOADA, LEGAL e MACHADO, 2006).

Sapienza e Pedromônico (2005) salientam que raramente os fatores de

risco ou eventos estressores são eventos isolados; normalmente fazem parte de

um ambiente complexo, e quando interligados, constituem-se um mecanismo que

age influenciando o indivíduo.

Koller etals. (2004) afirmam que uma criança se encontra em situação de

risco quando seu desenvolvimento não acontece dentro do esperado para sua

faixa etária de acordo com os parâmetros da cultura em que está inserida. Afeta o

seu desenvolvimento físico, social ou psicológico, podendo ainda ser originado de

causas externas ou internas do indivíduo.

Outra expressão atrelada à definição de resiliência é a que se refere aos

Fatores de Proteção, que Deslandes e Junqueira (2003) definem como o conjunto

de influências que modificam e melhoram a resposta de um indivíduo quando está

exposto a algum perigo que predispõe a um resultado não adaptativo. Ou seja, é a

maneira como a pessoa lida com as transições e mudanças de sua vida, o sentido

que ela mesma dá às suas experiências e como ela atua diante de circunstâncias

adversas (YUNES e SZYMANSKI, 2001).

Rutter (apud GRUSPUN, 2002) traz fatores de proteção como sendo uma

idéia precursora que permitiu considerar a resiliência como um processo dinâmico

e possibilitou entender como a resiliência poderia ser promovida no

desenvolvimento do ser humano.

Como fatores de proteção, Cyrulnik (apud SILVA, 2003) aponta o

temperamento da criança, flexível, confiante e capaz de buscar ajuda exterior; o

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contexto afetivo no interior do qual a criança vive seus primeiros anos; um clima

familiar que aporte a segurança necessária para que desenvolva a confiança em si

mesma e nos outros.

Segundo o referido autor, esses fatores têm um caráter complementar, uma

vez que, isoladamente, eles não garantem uma evolução resiliente. Uma criança

que vive em condições de risco, mesmo tendo um temperamento que favoreça as

interações com outras pessoas e o ambiente, poderá seguir uma evolução

resiliente em uma família ou em uma sociedade, mas em outra não.

Rutter (apud YUNES e SZYMANSKI, 2001) define quatro principais

mecanismos que colaboram para a ocorrência de processos de proteção:

1) redução do impacto dos riscos, ou seja, alterar a exposição da pessoa à

situação estressora;

2) redução das reações negativas em cadeia que seguem a exposição do

indivíduo à situação de risco;

3) estabelecer e manter auto-estima e auto eficácia, através da presença de

relações de apego seguras e incondicionais e o cumprimento de tarefas com

sucesso;

4) criar oportunidades, no sentido dos já mencionados “pontos de virada”, o

que requer particular atenção dos pesquisadores.

Segundo Rutter (apud PINHEIRO, 2004), e ampliando a reflexão sobre esta

questão, para se compreender a resiliência é importante tentar conhecer o modo

como as características protetoras se desenvolveram e de que modo modificaram

o percurso do indivíduo.

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Ainda quanto aos fatores de proteção, autores como Masten e Garmezy, e

Werner (apud YUNES e SZYMANSKI, 2001) os dividem em três classes

importantes para o desenvolvimento infantil:

a) condições da própria criança (expectativa de sucesso no futuro, senso de

humor, otimismo, autonomia, auto-estima, tolerância ao sofrimento, assertividade,

estabilidade emocional, engajamento nas atividades, comportamento direcionado

para metas, habilidade para resolver problemas, avaliação das experiências como

desafios e não como ameaças, boa auto-estima);

b) condições familiares (qualidade das interações, estabilidade, pais

amorosos e competentes, boa comunicação com os filhos, coesão, estabilidade,

consistência);

c) redes de apoio social (um ambiente tolerante aos conflitos, igreja,

escola).

Guzzo e Trombeta (2002) afirmam que o equilíbrio existente entre fatores

de risco e proteção contribui para o desenvolvimento da resiliência. As autoras

ainda ressaltam que, em indivíduos expostos à situações de risco, a ausência de

problemas e de desordens mensuráveis pressupõe a presença de fatores de

proteção. Afirmam também que “a presença de fatores de risco não é preditiva de

psicopatologia, enquanto que, por outro lado, os fatores de proteção são preditivos

de resiliência e de adaptação” (p.31).

Segundo as referidas autoras, enquanto o enfoque de vulnerabilidade tende

a direcionar o indivíduo para os prejuízos, focalizando os riscos, os danos, as

perdas, os problemas e as dificuldades, o enfoque da resiliência tende a promover

o indivíduo, que teria mais determinação e caminharia em direção à saúde.

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Para Guzzo e Trombeta (2002), é necessário buscar o entendimento das

respostas sadias e adaptativas dos indivíduos em situações estressantes ou

adversas, ao invés de identificar fatores de risco e etiologia dos problemas;

portanto, entender a dinâmica destas variáveis e não somente os fatores

etiológicos.

O que pode se constatar em vários autores é o exercício de duas forças

praticamente opostas sobre os indivíduos. De um lado as ameaças, o sofrimento,

os perigos, os fatores de risco, o que vários autores chamaram de condições

adversas ou experiências estressantes, ou seja, tudo o que torna o indivíduo

vulnerável. E do outro lado, estariam a competência, o sucesso, a capacidade de

enfrentar, resistir, adaptar, reagir, isto é, o que torna o indivíduo resiliente.

Foi constatado também por Guzzo e Trombeta (2002), que os fatores ou

situações de riscos mais comuns na realidade brasileira são: a pobreza, as

crianças e adolescentes que vivem nas ruas ou inseridos prematuramente no

mercado de trabalho, muitas vezes em regime de semi-escravidão, vivendo em

condições subumanas após atos infracionais.

Para ampliar a reflexão sobre fatores de risco, cito uma pesquisa de Rutter

(apud GUZZO e TROMBETA, 2002), em que ele toma por base crianças inglesas,

com idade em torno de dez anos, vivendo em condições de pobreza, a qual

mostrou que os transtornos psiquiátricos estavam relacionados com a presença

simultânea de problemas crônicos como a discórdia entre os pais, o baixo status

sócio econômico, a história de criminalidade nos pais, a existência de doença

mental no principal cuidador da criança e o fato de elas pertencerem a uma família

numerosa.

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Garmezy (apud SILVA, 2003) afirma que a presença acumulada de

estressores, num mesmo contexto, pode explicar até 33% dos índices de

transtornos psiquiátricos em crianças expostas a múltiplos riscos. Entretanto,

mesmo que este índice seja elevado, é importante destacar que, ainda resta um

percentual maior de 66%, dentro do qual é possível que algumas crianças

encontrem as condições que lhes possibilitem delinear uma trajetória de vida

positiva, mesmo estando expostas a múltiplos riscos.

A pobreza crônica, segundo Garmezy (apud SILVA, 2003), favorece o

acúmulo de estressores que, muitas vezes, persistem ao longo dos anos,

produzindo uma cadeia de riscos cujos efeitos são capazes de reduzir e / ou

destruir as possibilidades de resposta positiva da criança pobre às adversidades

cotidianas que vivencia, colocando-a, cada vez mais, em desvantagem. Esta

cadeia geralmente começa com a inadequada nutrição e supervisão médica para

a mãe durante a gravidez, segue com a desnutrição e as doenças ligadas à

inacessibilidade de cuidados de saúde adequados; as dificuldades e limitações na

fase de escolarização e pode culminar com o desemprego crônico, ou mesmo o

sub-emprego com salários insuficientes, na idade adulta.

Koller etals. (2004) ressaltam que o crescimento de crianças em situação

de pobreza é uma ameaça ao bem-estar e uma limitação de oportunidades de

desenvolvimento. A pobreza não é uma variável unitária, mas um conjunto de

condições e eventos desfavoráveis que se enlaçam e se acumulam.

Werner (apud GUZZO e TROMBETA, 2002) cita outros fatores de risco

como a doença, os preconceitos de todos os tipos, a fome, a negligência, a

violência no sentido mais amplo e através de maus tratos.

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No entanto, Yunes (2006) em sua tese de doutorado entrevistou famílias de

baixa renda com o objetivo de identificar os fatores determinantes da resiliência

familiar e concluiu que a pobreza não pode ser considerada como fator de risco,

afirmando que não é possível fazer inferências do tipo causa-efeito com um

raciocínio linear quando se trata de riscos psicológicos. É preciso identificar que

processos ou mecanismos influenciaram o que liga risco à conseqüência, em um

determinado ponto da história do indivíduo.

Pode-se tomar como exemplo, um outro estudo desenvolvido por Alvaréz,

Moraes e Rabinovich (apud KOLLER e etals., 2004), com crianças que tiveram

uma longa permanência em orfanatos. Os autores constataram que as crianças

apontaram a instituição como norteadora e mediadora de situações de risco na

infância. Eles atribuíram a instituição, o auxílio na formação de seus

comportamentos, a representação da mesma como função de “parentagem”, ou

seja, o exercício educativo de responsabilizar, dirigir e mostrar o caminho. Com

isso, demonstra-se que a representação positiva da instituição foi possível, e que

favoreceu a essas crianças a utilização de sua capacidade de resiliência.

Já com relação à violência, Koller e Paludo (2005) a definem como sendo

ações ou omissões que podem impedir ou retardar o desenvolvimento dos seres

humanos. As autoras afirmam que se uma criança é submetida a situações de

abuso haverá um comprometimento em relação ao seu desenvolvimento e que as

conseqüências são diversas. De acordo com Kashani e Allan (apud KOLLER e

PALUDO, 2005), cada tipo de violência gera prejuízos nas áreas de

desenvolvimento, sejam eles, físico, emocional, social, cognitivo e moral.

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Por outro lado, Koller e Paludo (2005) declaram que as situações de risco

físico, social e emocional podem fazer parte do contexto evolutivo de qualquer

pessoa e sendo assim, diferentes mecanismos podem ser utilizados para o

enfrentamento dessa situação.

Ainda pensando em risco e resiliência, dados de uma pesquisa realizada

por Hutchinson (apud GUZZO e TROMBETA, 2002), discutem as características

de riscos e características saudáveis ou resilientes de crianças e adolescentes. Os

de risco são descritos como tendo ego frágil, sendo passivos, desconfiados e

cínicos, tendendo a demonstrar habilidade de comunicação pobre, baixo

rendimento, dificuldade para seguir normas e regras, sendo de inferioridade ou

auto-imagem negativa e baixo nível de tolerância, podendo ainda apresentar

idéias suicidas, depressão, abuso de álcool e drogas e desorganização familiar.

Em contrapartida, ainda de acordo com o referido autor, os adolescentes

chamados de competentes, saudáveis e resilientes, vêm de casas onde as regras

são consistentes, os pais são competentes, afetuosos e compartilham valores

sobre assuntos importantes como, política, sexualidade e importância da família.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considero que o tema de pesquisa seja um desafio, pois como já

mencionado anteriormente, a resiliência é um construto relativamente novo na

Psicologia e, portanto, escasso de bibliografias, principalmente quando se refere

ao desenvolvimento infantil.

Com tudo isso, acredito que foi de fundamental importância a realização

desse estudo, o qual procurou relacionar fatores de risco e resiliência no processo

de desenvolvimento na infância, já que as obras disponíveis sobre a temática são

escassas e / ou abordam de maneira superficial o assunto.

Isto foi evidenciado, em levantamento realizado nas bases de dados

SCIELO, LILACS e banco de teses em busca de fatores de risco que impedem o

desenvolvimento infantil, foram encontrados dezesseis artigos científicos que

englobavam o tema de pesquisa, sendo um em língua inglesa e outro em

espanhol. E as obras disponíveis na Biblioteca Central da UNIVALI e na setorial

do CCS eram escassas e abordavam muito superficialmente a temática.

Vários conceitos foram encontrados, e pode-se observar que entre eles

existe pouco consenso entre os autores, podendo, o conceito de resiliência, variar

desde a capacidade inata que acompanha e protege o desenvolvimento, bem

como uma habilidade adquirida que o sujeito apresenta frente à situações

adversas. Pode-se perceber também que a definição de resiliência está

relacionada e / ou se sustenta através de outros conceitos como adaptação /

superação e ajustamento, estresse, coping, fatores de risco e proteção,

vulnerabilidade.

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Para autoras como Koller e Paludo, (2005); Trombeta e Guzzo, (2002);

Yunes (2001), a resiliência pode aparecer em diferentes grupos étnicos, de

diferentes níveis socioeconômicos e diferentes contextos culturais. Portanto,

percebe-se que não é um atributo fixo; há mudanças ao longo do tempo e com

isso, pode ser considerada uma característica dinâmica. Deve ser levada em

conta as qualidades do próprio indivíduo, o ambiente familiar favorável e também

as interações positivas entre esses dois elementos.

Além da diversidade de conceitos com relação ao tema resiliência, há outra

dificuldade, que é com relação às definições, que aparecem de forma vaga,

ampla, ou até mesmo confusa. É necessário que as definições sobre o assunto

sejam mais objetivas e claras.

Porém, apesar das dificuldades encontradas, pode-se dizer que os

objetivos almejados com esta pesquisa foram alcançados, na qual procurou-se

investigar na literatura especializada, os fatores de risco e a resiliência no

processo de desenvolvimento na infância e quais as medidas sugeridas para a

promoção da mesma.

Foi constatado que os fatores ou situações de risco mais comuns na

realidade brasileira são a pobreza, viver nas ruas ou ser inseridos prematuramente

no mercado de trabalho, muitas vezes em regime de semi-escravidão, vivendo em

condições subumanas após atos infracionais. Outros fatores de risco foram

encontrados como a doença, os preconceitos de todos os tipos, a fome, a

negligência, a violência no sentido mais amplo e maus tratos.

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Esses fatores de risco raramente são eventos isolados, normalmente fazem

parte de um ambiente complexo, e quando interligados, constituem-se um

mecanismo que age influenciando o indivíduo.

Para autoras como Guzzo e Trombeta (2002), o desenvolvimento da

resiliência só ocorre quando há um equilíbrio entre fatores de risco, e / ou eventos

estressantes que aumentam a vulnerabilidade e os fatores de proteção, que

promovem a resiliência. E que “a presença de fatores de risco não é preditiva de

psicopatologia, enquanto que, por outro lado, os fatores de proteção são preditivos

de resiliência e de adaptação” (p.31).

Com relação às estratégias empregadas para a promoção da resiliência em

crianças em desenvolvimento, acredito que poderíamos colocar em prática, como

coloca Grüspun (2002), na possibilidade de educação dessas crianças,

enfatizando os fatores protetores que a criança já possui, preenchendo e

ampliando as condições que não estão completas ou ainda construindo esses

fatores naqueles em que estes estão ausentes.

E para concluir, pesquisar sobre este tema resiliência, nos leva a crer em

uma possibilidade de mudança do pensamento com relação a aceitação de que as

pessoas que nascem em ambientes, nas quais estão presentes a doença, a

violência, a miséria e outros problemas citados anteriormente, estão condenados a

apresentarem algum tipo de transtorno psicológico ou orgânico na vida adulta.

Pesquisar sobre resiliência é, portanto, ver a possibilidade de quebra de previsões

e de expectativas de continuidade desses problemas.

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