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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A PRISÃO EM FLAGRANTE E SUAS MODALIDADES EM RELAÇÃO À AÇÃO PENAL FÁBIO MATEUS TATSCH DA COSTA Itajaí (SC). 7 de novembro de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PRISÃO EM FLAGRANTE E SUAS MODALIDADES EM RELAÇÃO

À AÇÃO PENAL

FÁBIO MATEUS TATSCH DA COSTA

Itajaí (SC). 7 de novembro de 2008.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PRISÃO EM FLAGRANTE E SUAS MODALIDADES EM RELAÇÃO

À AÇÃO PENAL

FÁBIO MATEUS TATSCH DA COSTA

Monografia submetida à Universidade

do vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. José Ildefonso Bizatto

Itajaí (SC). 7 de novembro de 2008.

Meus agradecimentos:

A Deus por estar ao meu lado em

todos os momentos da minha vida.

Ao meu pai Carlos Alberto Moraes da Costa,

minha mãe Elusa Tatsch da Costa, os quais

são meu espelho de vida e meu ideal,

pela amor e apoio dos quais nada me seria possível,

assim como toda a educação que me

proporcionaram até os dias de hoje,

criando assim um homem de bem.

A minha irmã Carla Tatsch da Costa,

amiga e companheira,

pelo apoio e amor incondicional

em todos momentos da minha vida.

Como estudante de direito, sempre

lutarei para que este prevaleça, mas

quando o direito se deparar com a

justiça, não terei duvida em ficar com a

justiça.

(Autor desconhecido)

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborado pelo graduando Fábio Mateus Tatsch

da Costa, sob o título A PRISÃO EM FLAGRANTE E SUAS MODALIDADES EM

RELAÇÃO À AÇÃO PENAL, foi submetida em 20 de novembro de 2008 à Banca

Examinadora composta pelos seguintes Professores: Prof. Msc. José Ildefonso Bizatto

(Orientador e Presidente da Banca), _______________(Membro) e aprovada com nota_____.

Itajaí (SC), 20, de novembro de 2008.

Prof. Msc. José Ildefonso Bizatto

Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa

Coordenação de Monografia

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca

Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 20 de novembro de 2008.

Fábio Mateus Tatsch da Costa

Graduando

ROL DE ABREVIATURA E SIGLAS

Art. Artigo

CEJURPES Centro de Ciência Jurídica Políticas e Sociais

CPB Código Penal Brasileiro

CPP Código de Processo Penal

CRFB Constituição da Republica Federativa do Brasil

ECA Estatuto da Criança e Adolescente

JESP Juizado Especial

LMNO Lei Orgânica da Magistratura Nacional

MP Ministério Público

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

ONU Organizações das Nações Unidas

STF Supremo Tribunal Federal

TCO Termo Circunstanciado de Ocorrência

TJ Tribunal de Justiça

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que se considera estratégica à compreensão do seu

trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ação Penal:

É o jus persequenti, ou jus accusationis, a investidura do estado no direito de ação, que

significa a autuação correspondente ao exercício de um direito abstrato, qual seja, o direito a

jurisdição 1.

Ação Penal Privada:

É ação que somente pode ser intentada pelo ofendido ou seu representante legal através da

queixa2.

Ação Penal Pública Condicionada:

É a ação que somente poderá ser intentada caso quem tenha legitimidade para manifestar

interesse na ação autorize o MP a promovera3.

Ação Penal Pública Incondicionada:

A ação será incondicionada, quando não estiver vinculada a qualquer condição para ser

exercida pelo representante do Ministério Público4.

Flagrante próprio:

Diz-se próprio o flagrante quando o agente é surpreendido cometendo a infração ou acaba de

cometê-la5.

1 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 7 ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 1997, p 106.

2 TOLENTINO NETO, Francisco. Pratica processual penal. 1 ª. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira. 2000, p 73.

3 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 9 ª. ed. Goiás: Saraiva. 1998, p 20

4 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito, p 24

Flagrante impróprio:

É a situação em que o agente é capturado, por qualquer pessoa que seja, quando perseguido

logo após praticar o delito, em situação que presuma ser este o autor do crime6.

Flagrante Presumido:

O flagrante presumido ocorre quando o agente é encontrado logo depois de cometido o crime

com objetos, armas, papeis ou instrumento que façam presumir ser ele o autor da infração7.

Flagrante preparado:

O flagrante preparado é aquele em que o agente é incitado a pratica criminal mediante uma

ilusão, sendo que todas as medidas para se evitar a consumação foram tomadas pelo agente

provocador8.

Prisão:

É a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo licito ou

por ordem legal. O termo tem significados vários no direito pátrio, pois pode significar a pena

privativa de liberdade, o ato de captura e a custódia. Assim, embora seja tradição no direito

objetivo o uso da palavra em todos os sentidos, nada impede se utilize todo o termo “captura”

e “custódia”, com os significados mencionados em substituição ao termo “prisão”9.

Prisão em flagrante:

5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 5ª ed. rev., aum. e atual. São Paulo.

Saraiva. 1999, p. 542.

6 LEANO, Marcelo Luiz. Prisão em flagrante: teoria, legislação jurisprudência e pratica. 2 ª. ed. São Paulo: Lawbook.

2002, p. 39.

7 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito, p 29

8 LEANO, Marcelo Luiz. Prisão em flagrante: teoria, legislação jurisprudência e pratica, p. 37.

9 MIRABETE, Julio Fabrini.Processo Penal, São Paulo: Atlas, 2001.p. 784

É a prisão daquele individuo que é surpreendido no instante mesmo da consumação da

infração penal, logo após cometê-la, ou logo depois, em circunstância que façam presumir ser

aquele o autor do delito10.

10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, p. 420.

SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................................XI

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1

CAPÍTULO 1................................................................................................... 4

DA PRISÃO EM FLAGRANTE

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA...................................................................... 4

1.2 CONCEITO DE PRISÃO E SUAS PARTICULARIDADES ............ 11

1.3 FUNDAMENTAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA ............................. 14

1.4 SUJEITO DO FLAGRANTE................................................................. 21

1.4.1 Sujeito ativo na prisão em flagrante................................................... 22

1.4.2 Sujeito passivo na prisão em flagrante............................................... 23

CAPÍTULO 2................................................................................................. 25

DAS MODALIDADES DE FLAGRANTE

2.1 FLAGRANTE PRÓPRIO ...................................................................... 26

2.2 FLAGRANTE IMPRÓPRIO OU QUASE FLAGRANTE................. 27

2.3 FLAGRANTE PRESUMIDO OU FICTO ........................................... 30

2.4 FLAGRANTE NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICAS

CONDICIONADAS E NAS AÇÕES PRIVADAS..................................... 32

2.5 FLAGRANTE NAS CONTRAVENÇÕES........................................... 37

2.6 FLAGRANTE NAS INFRAÇÕES PERMANENTES E HABITUAIS39

2.7 FLAGRANTE PREPARADO E ESPERADO..................................... 42

2.8 FLAGRANTE PROTELADO ............................................................... 44

2.9 FLAGRANTE FORJADO ..................................................................... 46

CAPÍTULO 3................................................................................................. 48

DOS CASOS ESPECIAIS DA PRISÃO EM FLAGRANTE E SUAS

PECULIARIDADES

3.1 FLAGRANTE EM CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENCIVO48

3.2 FLAGRANTE EM CIME PRATICADO POR MENOR

DELINQÜENTE ........................................................................................... 50

3.3 FLAGRANTE EM CRIMES PRATICADO POR ALIENADOS

MENTAIS ...................................................................................................... 52

3.4 FLAGRANTE EM CRIMES PRATICADO POR DIPLOMATAS ..54

3.5 FLAGRANTE EM CRIMES PRATICADO POR PRESIDENTE DA

REPÚBLICA ................................................................................................. 56

3.6 FLAGRANTE EM CRIMES PRATICADO POR MEMBROS DO

CONGRESSO NACIONAL......................................................................... 57

3.7 FLAGRANTE EM INFRAÇÕES PRATICADAS POR MAGISTRADO

......................................................................................................................... 60

3.8 FLAGRANTE EM INFRAÇÕES PRATICADO POR PROMOTOR DE

JUSTIÇA........................................................................................................ 61

3.9 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO POR ADVOGADO........ 63

3.10 FLAGRANTE DE AUTOR QUE PRESTA SOCORRO A VÍTIMA DE

TRÂNSITO .................................................................................................... 65

3.11 FLAGRANTE EM CRIME QUE PRATIA JORNALISTA ............ 66

3.12 APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA ................................................... 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 69

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................. 72

RESUMO

A presente monografia trata da prisão em flagrante, e suas modalidades

em relação à ação penal seu desenvolvimento histórico, modalidade, com enfoque em

flagrantes e particularidades em relação a casos especiais de flagrante. Inicia-se a pesquisa

através de uma abordagem sobre a evolução histórica do instituto desde a antiguidade até os

dias atuais, abordando os principais acontecimentos nas diferentes épocas que vieram a

modificar o ordenamento jurídico até as adaptações feitas pela atual legislação. O direito de

punir exercido pelo Estado é abordado com enfoque nos diferentes tipos de ação e

modalidades, seja quando o próprio Estado tem a legitimidade para agir, seja quando este

confere ao particular este direito. Os casos em que o íntimo interesse do ofendido venha a se

sobrepor ao mais puro interesse do Estado, como nos casos de crimes de Ação Penal Privada

são tratados com distinção face à peculiaridade da matéria que faculta ao ofendido o direito

antes inerente ao Estado. A investigação aborda casos especiais da prisão em flagrante,

prerrogativas, limites e benefícios. Há flagrantes no crime de menor potencial ofensivo,

menor delinqüente alienados mentais e outros flagrantes envolvendo autoridades.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo “A Prisão em flagrante e suas

modalidades, em relação à Ação Penal, e, como objetivos: institucional, produzir uma

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI; geral, aprofundar os conhecimentos jurídicos; especificar possibilidade e

impossibilidade da autuação em flagrante do agente que comete crime de alçada privada ou

ainda crime que depende de representação do ofendido; analisar a possibilidade de se lavrar o

flagrante contra membros do Ministério Público, magistrados, parlamentares e analisar a

situação jurídica do flagrante frente a lei 9.099/95, que abrange os crimes considerados de

menor potencial ofensivo.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo11, sendo que nas diversas fases da Pesquisa

foram acionadas as Técnicas12 do Referente13, da Categoria14, do Conceito Operacional15 e da

Pesquisa Bibliográfica em conjunto com as técnicas propostas por Colzani16, dividindo-se o

relatório final em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base a seguinte hipoteses:

a) é possível a autuação em flagrante do agente que comete crime que

somente se procede mediante a representação ou queixa do ofendido;

11 “O método indutivo consiste em ‘pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a

ter uma percepção ou conclusão geral”. [Pasold, 2001, p.87].

12 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. [Pasold, 2001, p. 88].

13 Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. [Pasold, 2001, p. 63].

14 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. [Pasold, 2001, p. 37].

15 Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os

efeitos das idéias que expomos”. [Pasold, 2001, p. 51].

16 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.

2

b) frente à lei 9.099 é possível que seja lavrado o flagrante contra o

agente que pratica crime de menor potencial ofensivo;

c) é cabível a autuação em flagrante de pessoa pública como

Parlamentares e Magistrados e ainda de Promotores e advogados.

Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o instituto, o

trabalho foi dividido em três capítulos.

No Capítulo 1, tratar-se-á da origem e a sua natureza jurídica, a

evolução histórica e os sujeitos da prisão em flagrante. Uma evolução histórica da prisão em

flagrante desde os primórdios da civilização até os dias de atuais.

No Capítulo 2, tratar-se-á das diversas modalidades da prisão em

flagrante e suas licitudes. Citando as maiores e mais importantes formas de manifestação desta

medida restritiva de liberdade, em analogia com a legislação vigente no Brasil, dando um

enfoque nos tipos de ação penal admitido no direito contemporâneo nacional.

No Capítulo 3, e último trata dos casos especiais de prisão em flagrante,

seja pela qualidade do crime, seja pela prerrogativa de função. As condições da autuação em

flagrante são minuciosamente abordadas, apontando os seus requisitos sem os quais torna o

ato ineficaz, impondo-se o relaxamento da prisão.

O presente relatório da pesquisa se encerra com as considerações finais,

nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, estabelecendo-se breve síntese de

cada capítulo e demonstração sobre as hipóteses básicas da pesquisa, verificando-se as

mesmas restaram ou não confirmadas.

3

CAPÍTULO 1

DA PRISÃO EM FLAGRANTE

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Em breve análise histórica, apenas como meio de introdução ao tema,

nota-se que a expressão flagrante delito, já era conhecida pelos povos da antiguidade. A

evolução do processo penal e em particular das prisões modificaram-se ao longo dos anos e

várias modalidades eram aceitas de acordo com a época vivida, sendo que com a evolução do

Estado moderno esta forma de privar os cidadãos de sua liberdade também evoluiu e se

aperfeiçoou, adaptando-se às necessidades da sociedade politicamente organizada.

De acordo com que reza Garcia17:

Antes de se chegar ao estágio atual de organização do Estado, diversas

modalidades de represálias para determinadas condutas existiram,

destacando-se a vingança privada. Entretanto, surgindo o Estado

politicamente organizado, chamou a si o direito de punir os infratores

das regras de conduta, desaparecendo a vingança privada.

O flagrante de delito conhecido pelos povos da antiguidade assim

contemplada na legislação como única possibilidade de se prender um indiciado, antes de seu

comparecimento no Tribunal para defesa e julgamento.

Nas legis romana o instituto era previsto na Lei das Doze Tábuas (450

a.C.), como bem evidencia Almeida18:

A lei das Doze Tábuas permitia matar o ladrão em flagrante delito

durante a noite, e mesmo durante o dia, se ele quisesse persistir no

crime, defendendo-se com uma arma qualquer. Havia o flagrante delito 17 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 9 ª. ed. Goiás: Saraiva. 1998, p 03

18 ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos

S.A., 1959, p.296

4

quando os criminosos eram achados e apreendidos, compreendidos ou

depreendidos no fato do crime.

O instituto, previsto nas civilizações remotas, sempre apresentava

majoração da pena contra o culpado preso em flagrante delito. Essa diferenciação, de acordo

com a doutrina da época, era o reflexo de um desejo mais acentuado de vingança, em

conseqüência de um desejo social. E na antiguidade, diante dos excessos praticados ou até

mesmo contra a prisão, surgiram pensamentos que fosse contra esta medida, fazendo-se então

necessário uma tentativa legal de controle prisional.

Nos ensinamentos de Tornaghi 19:

Em 1821, o Príncipe regente D. João VI, verificando o abuso com que

juízes e autoridades administrativas mandavam prender, determinou,

por decreto (de 23 de maio), que, a não ser no caso de flagrante delito,

as pessoas livres somente poderiam ser presas após a formação de

culpa.

Portanto depois da pronúncia.

E na mesma linha de pensamento Tucci20, proibia que o indivíduo fosse

exibido em juízo sem que o magistrado se pronunciasse sobre a exibição:

Estabelecida à regra de que ninguém podia ser exibido em juízo, sem

prévia pronunciação do iudex sobre a respectiva exibição, fazia-se o

flagrante delito exceção àquela, com o reclamo da participação dos

quirites, referente à prisão do criminoso: “Adestes, Quirites!”.

Essa prática foi mantida, entre os visigodos e outros invasores.

Conforme leciona Branco21:

19 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 9ª. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 518

20 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução Penal, Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo. Saraiva. 1980, p. 220.

21 BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flagrante. 5ª ed. São Paulo. Saraiva. 2001, p.18.

5

As solenidades processuais eram sumamente reduzidas, tanto que, no

Século XVI, Julius Clarus afirmava que o juiz não precisava observar

as formas ordinárias de julgamento. O flagrante delito dispensava

qualquer outra prova, para que o acusado fosse submetido à tortura,

mesmo que sem defesa e sem o conhecimento integral da acusação.

A idéia de penalidade foi se tornando mais social com o tempo, e o

Direito Penal foi tomando tendências de Direito Público, e já na Idade Média se reconheceu

em favor de qualquer pessoa o direito de prender o criminoso surpreendido em flagrante, em

justificativa a legítima defesa, própria e ou de terceiros. Nesse momento, o instituto ganhou

uma noção utilitária, social e jurídica que permanece até hoje, ou seja, o propósito de

documentar a certeza visual do crime e impedir, se possível, a continuação do mal.

Assim como atualmente, ninguém era obrigado a arrostar o perigo para

impedir a consumação do crime, com exceção do Egito, onde a testemunha de um crime era

obrigada a provar que nada pode fazer para impedir, nem socorrer a vítima. Os povos

bárbaros, por sua vez, usavam o clamor do ofendido e o clamor público, conforme anota

Branco22:

Entre os povos bárbaros, quando um crime era praticado, qualquer

pessoa podia prender o delinqüente; mas se não era preso no momento

da prática do crime ou se conseguia fugir, a autoridade dava o grito de

“Haro!”, e o delinqüente era perseguido, aa cor et a cri como diziam os

francos; hue anda cry, como ainda dizem os ingleses, a gritos e a

buzina, de cidade em cidade, de vila em vila, de centúria em centúria,

até ser entregue ao juiz.

A Prisão em Flagrante já era conhecida na legislação dos povos

bárbaros, mosaica, em que já havia distinção de flagrante do não flagrante. Trata-se de um

instituto antigo, a Lei das XII Tábuas já a previa, bem como as Ordenações Afonsinas,

Filipinas e Manuelinas.

22 BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flagrante. p. 19

6

Tornaghi23 teceu breve comentário acerca da aplicação das penas caso o

agente fosse flagrado cometendo o crime no Regime das Ordenações Filipinas: “(...) diversas

legislações antigas, levando em conta o maior alarme social, a maior repercussão causada pelo

crime flagrante e pela prisão em flagrante, aumentava a pena em tal caso”.

Nas palavras de Corrêa24:

As ordenações do reino de Portugal compreendem, sucessivamente, o

Código Afonsino de 19446, o Código Manoelino de 1521 e o Código

Filipino, promulgado em 1603, o qual regulou as relações jurídicas no

Brasil até sua independência política.

Em Portugal, desde o tempo da jurisprudência dos forais, nos primeiros

tempos de monarquia portuguesa, o flagrante era previsto como exceção a regra de que

ninguém poderia ser exibido em juízo sem pronunciamento do magistrado, visto que o Juiz

nesse caso poderia agir até mesmo de ofício sem formalidades solenes de acusação. As

ordenações também faziam referências ao flagrante, visto que as Ordenações Afonsinas, em

seu Livro I, Título 73, assim dispunha Tucci25:

Serão os ditos quadrilheiros e homens de suas quadrilhas muito

diligentes em acudir às voltas e arruídos e insultos com suas armas, e

farão de maneira que prendam os culpados; e se logo no arruído, ou

qualquer outro delito, o que acudir os que não puderem prender,

corram após lhes apelidando: PRENDAM FOÃO* DA PARTE D’EL-

REI; à qual voz sairão todos os da sua quadrilha, e de quadrilha em

quadrilha os seguirão até serem presos; e deixando os culpados de ser

presos por sua negligência, serão obrigados a pagar às partes o dano,

que receberam, e poderão haver do malfeitor, si fora preso.

23 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 9ª. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 18

24 CORRÊA, Plíno de Olveira. Legitimidade da prisão no direito brasileiro. 2ª. ed.rev. atualizada. Porto Alegre: Sagra,

1991. p. 232

25 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução Penal, Prisão e Liberdade Provisória. p. 220/221.

7

Já as Ordenações Manuelinas, no Livro, Título 56 n.º10 e 16, e as

Ordenações Filipinas, no Livro I, Título 75, n.º 10, faziam menção expressamente ao

Flagrante Delito.

Entretanto, a constância de dúvidas nos despachos sobre essa

legislação, provocou a expedição do Alvará de 25 de Setembro de 1603, que assim definia o

flagrante delito, segundo Branco26:

Hei por bem e mando que qualquer dos julgadores, ou quaisquer

oficiais de justiça, que poder tiverem para prender acudirem às brigas e

arroídos e quaisquer outros delitos, pelos quais os delinqüentes,

conforme minhas Ordenações devem ser presos, postos que os não

achem na briga, nem lhe sejam logo mostrados para logo os poderem

prender, ou chegarem a tempo que haja pouco espaço que a briga foi

acabada e o delito cometido, tendo informação certa por onde os

delinqüentes fugiram, sem perguntarem mais testemunhas, o seguirão e

procurarão de com efeito os prender, posto que seja fora do lugar onde

cometeram o delito, continuando o seguimento deles, e não se

divertindo a outra coisa alguma por que pareça que os deixaram de

seguir, e os que nesta forma forem presos, me praz por ser conforme a

direito, que se hajam e regularem por presos em flagrante

As ordenações Reinícolas tornavam desnecessário qualquer mandado e

previam como flagrante, se o delinqüente fosse perseguido e preso em lugar diverso ao do

delito.

A Constituição Política do Império conservou a garantia do homem

livre o direito e a prerrogativa de não ser preso, senão nos casos expressos em lei.

Discorreu Tornaghi27 da seguinte maneira:

(...) feita exceção da hipótese de flagrante delito, a prisão não poderá

efetuar-se a não ser depois da pronúncia, ressalvados os casos previstos

26 BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flagrante. p. 20

27 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. p. 18

8

em lei, nos quais será necessária ordem escrita da autoridade

competente.

Com o advento da República, a Constituição de 1889, mantinha a

exceção do flagrante delito como única forma de prisão sem a pronúncia do indiciado e ordem

escrita da autoridade competente, entretanto não especificou o que se devia entender por

flagrante delito. Como ainda estava em vigência o Código de Processo Criminal de 1832, a

prisão em flagrante não poderia ocorrer senão nas circunstâncias já aludidas. E essas

Concepções sobre esse instituto processual atravessaram a República Velha, aumentando seu

conceito, até serem encampadas pelo Código de Processo Penal atual.

Ainda nas palavras de Tornaghi28

Completando o ciclo desta evolução, a Constituição de 1946, no art.

141, §20, tal como a de 1934, não fala em pronuncia. Diz apenas:

“Ninguém será preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita da

autoridade competente” (art. 153, §12, pr.).

O atual CPB de 1941 nasceu sob a égide da Constituição de 1937 e em

seu art. 122, XI, primeira parte dizia que: “A exceção do flagrante de delito, a prisão não

poderá efetuar-se senão depois da pronúncia do indiciado, salvos a casos determinado em lei e

mediante ordem escrita da autoridade competente”.

Em 1948, nasceu a maior conquista de todos os tempos para o cidadão:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na III Sessão Ordinária da Assembléia Geral

da ONU dispunha em seu artigo nono, as novas matrizes da ciência penal, mais precisamente

sobre a prisão e a custódia arbitrária dos cidadãos. Como bem diz Meheri29: “Era o começo do

fim do arbítrio, a garantia que tanto sonhou o homem em todos os tempos, o amparo

necessário a sua liberdade”..

1.2 CONCEITO DE PRISÃO E SUAS PARTICULARIDADES.

28 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 9ª. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 18

29 MEHERI, Adilson. Manual universitário de processo penal. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 471

9

A prisão é um dos institutos mais antigos empregado pelas para punir

aquele que cometeu um crime, retirando-o do meio social. O termo prisão deriva do latim

prehensio, de prehendere, que significa o ato de prender ou o ato de agarrar uma coisa como

descreve Meheri30. “É o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção,

recolhendo-a a um lugar seguro e fechado, de onde não poderá sair.” Em suma, a prisão indica

a perda da liberdade, suprimindo-a mediante o encarceramento.

A prisão tem por finalidade a prevenção de novos crimes e a

reeducação do condenado para ressocializá-lo, reinserí-lo e reintegrá-lo na sociedade.

Contudo, é verdade que até os dias de hoje, mesmo o condenado que já cumpriu a pena

imposta, não está totalmente reabilitado, provando-se isso diante dos altos índices de

reincidências, dado ao péssimo sistema carcerário brasileiro. O cárcere brasileiro não está

tendo função educativa. Está se tornando simplesmente um castigo, além do que as casas de

detenções são verdadeiras universidades do crime.

A palavra flagrante também tem sua procedência no latim, flagrans,

flagrantis, bem como descreveu Meheri31:

É a expressão de origem grega, significando ardência, queima fogo.

Assim, a expressão tem a conotação de prisão que se opera no calor do

crime, quando o incidente ainda queima a sensibilidade de quantas a

viram ou vêem. Vulgarmente se usava a expressão prisão quente.

A prisão em flagrante é a prisão do agente que é surpreendido no

momento da consumação do delito, seja ele por ação ou por omissão, ou ainda logo após

consumá-lo.

O flagrante de delito como bem posiciona Capez32: “é o crime o crime

que ainda queima, isto é, que está sendo cometido ou acabou de sê-lo”.

De outra forma, leciona Tourinho33: “prisão em flagrante delito, assim,

a prisão daquele que é surpreendido no instante mesmo da consumação da infração penal”.

30 MEHERI, Adilson. Manual universitário de processo penal.p. 23

31 MEHERI, Adilson. Manual universitário de processo penal. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 24

32 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal..5ª. ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2000. p.219

33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, p. 420

10

Diante do exposto, tem-se que flagrante delito é o momento em que o

agente é surpreendido durante sua conduta criminosa ou ainda logo após consumá-la. É,

portanto a ardência dos acontecimentos, sendo a prova mais precisa de autoria e materialidade

do crime. A Prisão em Flagrante é um meio de se restabelecer no próprio instante do fato

delitivo a ordem jurídica ameaçada ou já violada.

É predominante o entendimento doutrinário de que a prisão em

flagrante difere da prisão temporária, por ser esta decorrida da Medida Provisória nº 111 de 24

de dezembro de 1989, tornando-se Lei Federal em 21/12/1989 sob o número 7960, sendo

também uma medida cautelar adotada no Brasil.

O Art. 1º da Lei 7960/89, dispõe, in verbis:

Art. 1º Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer

elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova

admitida na legislação penal, da autoria ou participação do indiciado

nos seguintes termos crimes

Na prisão temporária ocorre o poder discricionário do juiz para

entender se há ou não requisitos de tal medida, diferente da prisão em flagrante. A temporária

tem o prazo de 5 dias para crimes comuns, podendo ser prorrogado por igual período em caso

de extrema e comprovada necessidade, em conformidade do art. 2º da referida Lei 7960/89, e

30 dias, prorrogáveis por igual período, nos crimes hediondos.

1.3 FUNDAMENTAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA

O ato de prender é um ato administrativo incumbido à polícia judiciária

e facultada a qualquer pessoa. Mesmo no caso da prisão efetivada por particular é ato

administrativo, pois o sujeito ativo exerce um direito público subjetivo de natureza política.

11

Aliás, sendo a prisão-captura um ato emanado do poder de polícia do Estado, manifesta-se o

seu caráter administrativo.

A prisão em flagrante está prevista na Constituição Federal Brasileira

em seu artigo 5º, inc. LXI e no Código de Processo Penal brasileiro, em seu Título IX,

Capítulo II, do artigo 301 a 310.

Fundamenta-se a prisão em flagrante dentro de uma doutrina bem

amparada ou até mesmo nas legislações, não existe qualquer discordância quanto a soltura

medida de prender alguém no instante mesmo que estiver praticando uma infração penal. A

liberdade individual é um direito fundamental que o ser humano tem, reconhecido e amparado

por todas as legislações democráticas do mundo.

Seguindo este pensamento diz Mirabete34:

(...) a possibilidade de se prender alguém em flagrante delito é um

sistema d auto defesa da sociedade, derivada da necessidade social de

fazer cessar a pratica criminosa e a perturbação da ordem, tendo

também o sentido de soltura providencia acautelatória da prova da

materialidade do fato e da respectiva autoria.

A prisão em flagrante não é uma medida arbitrária, e sim a defesa da

ordem e do bem estar da coletividade, prevista na Carta Magna brasileira em seu artigo 5º,

LXI:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem

escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos

casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos

em lei.

A independência de Mandado Judicial é uma peculiaridade da prisão

em flagrante e deve-se por conveniência legal, visto que objetiva a prisão no mesmo instante

da prática da infração penal.

34 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 9 ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2002, p 735.

12

E nesse sentido Tolentino Neto35 observa que:

É, portanto, medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e

processual, consistente na prisão, independente de ordem escrita do juiz

competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter

cometido, um crime ou uma contravenção.

A prisão em flagrante é adotada com mecanismo de repressão e de

contenção de condutas criminosas pela maioria das nações sendo ela democrática ou não

conforme observa Leano36:

A prisão em flagrante delito finda-se no fato de que a sociedade

necessita possuir, nestes casos, um mecanismo de defesa, rendente a

evitar e reprimir fatores que possam vir a ser prejudiciais a ordem

jurídica.

É, na verdade, a única forma de prisão em que não se exige uma ordem

escrita e fundamentada da autoridade judiciária.

Em razão da existência de fiança e casos em que o preso se livre solto,

não há como se justificar a prisão em flagrante como medida de exemplo, de advertência aos

maus, de satisfação aos anseios e a tranqüilidade dos indivíduos bons. O que parece mais

coerente é se justificar a prisão em flagrante, como meio de se tutelar e garantir o

cumprimento ulterior da lei penal, em vista da colheita imediata de provas e elementos de

convicção sobre a prática do crime. Dessa forma, também entende Tourinho Filho37: “a prisão

em flagrante se justifica como salutar providência acautelatória da prova da materialidade do

fato e da respectiva autoria”.

A prisão em flagrante, não é antecipação da pena e sim medida cautelar,

portanto após a lavratura do auto da prisão em flagrante, com o recolhimento das provas de

35 TOLENTINO NETO, Francisco. Prática processual penal. 1ª. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000.p. 17

36 LEANO, Marcelo Luiz. Prisão em flagrante: teoria, legislação jurisprudência e pratica. 2 ª. ed. São Paulo: Lawbook.

2002, p. 21.

37 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, 421

13

materialidade e autoria, verifica-se a presença das circunstâncias que autorizam a prisão

preventiva, nos termos do artigo 310 a 312 do Código de Processo Penal brasileiro:

Art. 310 Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o

agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código

Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu

liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os

atos do processo, sob pena de revogação.

Parágrafo único - Igual procedimento será adotado quando o juiz

verificar, pelo auto de prisão em flagrante, à inocorrência de qualquer

das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).

Art. 311 Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal

caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento

do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da

autoridade policial.

Art. 312 A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da

ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução

criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver

prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Inexistindo as circunstâncias que autorizam a preventiva a solução é a

soltura do agente.

A prisão em flagrante é uma prisão provisória, cautelar de natureza

processual, sujeitando-se, portanto aos pressupostos fundamentais de toda medida cautelar, o

fumus boni juris e periculum in mora.

Sobre a natureza cautelar da prisão em flagrante, segue os ensinamentos

de Marques38:

38 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. São Paulo. Millennium.2000, p.70.

14

Tem a prisão em flagrante destacado aspecto de medida cautelar. Com a

captura e a detenção do réu, não só se tutela e se garante o cumprimento

ulterior da lei penal, mas também garantida fica a colheita imediata de

provas e elementos de convicção sobre a prática do crime.

Branco39, da mesma forma, acrescenta:

É prisão porque restringe a liberdade humana; é penal porque foi

realizada na área penal; é cautelar porque expressa uma precação (uma

cautela) do Estado para evitar o perecimento de seus interesses; e é

administrativa porque foi lavrada fora da esfera processual, estando,

portanto, pelo menos no momento de sua realização, alheia à relação

processual, expressando o exercício da atividade administrativa do

Estado.

A prisão em flagrante trata-se de medida cautelar, entretanto, o ato de

prender é apenas um ato administrativo incumbido à polícia judiciária e administrativa,

também facultado a qualquer pessoa. A prisão efetivada por particular é ato administrativo

também, pois o sujeito ativo exerce um direito público subjetivo de natureza política.

A prisão-captura, ou seja, o ato inicial da prisão em flagrante, mesmo

que exercida pelo Juiz, será um ato administrativo, pois é um ato emanado do poder de polícia

do Estado.

Depois de efetivada a prisão é lavrado o auto e, nesse momento, a

prisão pode se converter em medida cautelar, pois são analisados os requisitos desta, ou seja, o

fumus boni júris e o periculum in mora. Conforme leciona Tourinho 40:

Quanto ao primeiro requisito, o exame não oferece maior dificuldade,

pois a flagrância, como cediço, á mais eloqüente prova da autoria do

crime. Quanto ao segundo, bastante claro o parágrafo único do art. 310

39 BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flagrante. p.11.

40 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 21ª ed. São Paulo. Saraiva. 1999, p. 424.

15

do CPP ao fazer alusão às hipóteses que autorizam a prisão preventiva,

isto é, garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e

asseguramento da aplicação da lei penal.

Em se tratando de crime contra a economia popular e crime de

sonegação fiscal, não se aplica a regra do parágrafo único do 310 do CPP. A liberdade, nesses

casos somente poderá ocorrer mediante fiança e ser arbitrada pelo Juiz, conforme a Lei nº.

8.305, de 27-04-1990.

1.4 SUJEITOS DO FLAGRANTE

A doutrina classifica o brasileiro sujeitos do flagrante como ativo que é

aquele que a efetua, e o passivo que é aquele que se encontra em flagrante delito. O art. 301

do Código de Processo Penal Brasileiro, reza que “qualquer pessoa do povo poderá e as

autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em

flagrante de delito”.

Sujeito ativo é quem pratica o fato descrito na norma penal

incriminadora.

Só o homem possui capacidade para delinqüir. São reminiscências as

práticas de processos contra animais ou coisas por cometimento de supostas infrações.

O sujeito ativo do delito não é seu pressuposto ou antecedente nem

elemento do tipo. Por ser o delito ação humana, indubitável que seu sujeito ativo é o homem.

Não se trata, porém, de parte inerente à conduta que a lei descreve como crime, e, sim,

daquele a quem pode ser atribuída a prática de ação ou omissão que tem configuração legal do

delito. As qualidades pessoais de quem praticam o delito, sua situação particular, as relações

que tenha com o ofendido constituem elementos que se referem ao sujeito ativo, mas que não

se identificam com este.

1.4.1 SUJEITO ATIVO NA PRISÃO EM FLAGRANTE

16

Como posiciona o artigo 301 do Código de Processo Penal brasileiro:

“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem

quer seja encontrado em flagrante delito”. Dessa forma, o Direito brasileiro permite a qualquer

pessoa a faculdade de ser sujeito ativo da prisão em flagrante, ou seja, efetuá-la. A doutrina

denomina essa espécie de prisão em flagrante como facultativa.

Do referido artigo 301 do CPP, depreende-se o entendimento de que

existem dois tipos de sujeitos ativos. O primeiro sujeito ativo é chamado de facultativo que

pode ser qualquer pessoa do povo, ou seja, qualquer popular não necessitando ser agente

policial ou autoridade policial poderá prender o indivíduo que se encontre em flagrante delito.

Nota-se que o ato de prender pelo popular é uma faculdade, pois ele não tem o dever previsto

em lei.

O segundo sujeito ativo refere-se a segunda parte do art.302 CPP, às

autoridades policiais, não se trata de faculdade e sim dever jurídico. Essa prisão, portanto, é

classificada na doutrina como compulsória ou coercitiva. O seu não cumprimento poderá

sujeitar à autoridade omissa, sanções administrativas, e até mesmo penais, caso configure a

prática do crime de prevaricação, disposto no artigo 319, do Código Penal brasileiro, in verbis:

Art. 319 Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou

praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou

sentimento pessoal:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Conforme explica Tourinho41, nada impede que a própria vítima seja o

sujeito ativo da prisão em flagrante:

O artigo 301 não estabeleceu distinção, e nada impede que o próprio

ofendido prenda em flagrante o sujeito ativo do crime. Aliás, o inciso

III do artigo 302 refere-se expressamente ao ofendido e o artigo 307

41 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 426.

17

cuida do flagrante levado a efeito pelo próprio ofendido, quando este

for autoridade, e o crime cometido no exercício de suas funções.

1.4.2 SUJEITO PASSIVO NA PRISÃO EM FLAGRANTE

Sujeito passivo é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência

do crime. Para que seja encontrado é preciso indagar qual o interesse tutelado pela lei penal

incriminadora. No crime de homicídio, o bem protegido pela norma é o direito à vida, e o

homem é o seu titular. Desta forma, o homem é o seu sujeito passivo. No auto-aborto também

é tutelado o direito à vida, mas o titular desse interesse jurídico é o feto que, assim, é o sujeito

passivo.

O sujeito passivo da prisão em flagrante é a pessoa que se encontra em

flagrância. Segundo o artigo 301, “quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, ou

seja, qualquer pessoa pode ser sujeito passivo da prisão em flagrante. Entretanto, para essa

disposição há algumas exceções tratadas como o caso especial da prisão em flagrante, no

terceiro capitulo.

18

CAPÍTULO 2

DAS MODALIDADES DE FLAGRANTE

O Código de Processo Penal estabelece quatro (04) modalidades de

flagrante delito em seu art. 302, in verbis:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por

qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou

papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Entende a doutrina brasileira, que o flagrante do inciso I e II do referido

artigo é o chamado flagrante próprio; do inciso III é conhecido como flagrante impróprio e o

previsto no inciso IV é denominado como flagrante presumido. Há de se mencionar também

as situações em que não se admite o estado de flagrância, tal qual nos casos do flagrante

preparado (súmula 145 do STF) e do flagrante forjado.

Essas modalidades de prisão em flagrante se diferenciam pelas

circunstâncias de tempo e modo em que é preso o sujeito ativo da infração. Mas é certo que a

lei processual penal não pode ser casuística, e, portanto em cada hipótese que se apresente

cabe ao juiz apreciá-la com cuidado a fim de decidir com acerto.

2.1 FLAGRANTE PRÓPRIO

O flagrante próprio, também conhecido como flagrante real ou flagrante

propriamente dito, ocorre quando o sujeito ativo da infração é surpreendido durante a

execução do crime ou quando acabou de cometê-la.

19

Nesse sentido, leciona Mirabete42:

A lei equiparou duas situações diversas, mas em dispositivos diversos: a

de quem é surpreendido no ato de execução do crime (desfechando

golpes na vítima, destruindo coisa alheia, subtraindo coisa alheia etc.) e

a de quem já esgotou os atos de execução, causando o resultado

jurídico, de dano ou de perigo (morte, lesões, dano material etc.),

encontrando-se ainda no local do fato ou nas suas proximidades em

situação indicativa de que cometeu o ilícito (portando a arma homicida,

com as vestes manchadas de sangue etc.).

Neste sentido discorreu Tourinho43:

Diz-se próprio o flagrante quando o agente é surpreendido cometendo a

infração ou acaba d comete-la (...). Na segunda hipótese, prevista no

inciso II do art. 302, o agente acaba de cometer a infração e a prisão

deve ter uma relação de quase absoluta imediatidade.

Na hipótese do inciso II do artigo 302 do CPP, deve-se adicionar a uma

quase absoluta relação de imediatidade, mesmo porque a doutrina chega a equiparar a situação

do inciso I e II, ou seja, de quem é surpreendido praticando a infração penal e quem acabou de

cometê-la.

2.2 FLAGRANTE IMPRÓPRIO OU QUASE FLAGRANTE

Ocorre essa modalidade, prevista no inciso III do art. 302, do CPP,

quando o indivíduo é perseguido, logo após a prática do crime, por autoridade policial, pelo

ofendido ou qualquer outra pessoa, em situação que faça presumir ser ele o autor da infração.

42 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10º ed. São Paulo. Atlas. 2000, p. 371.

43 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 542

20

Assim reza Tourinho44: “Para que se caracteriza o flagrante impróprio,

é preciso que haja uma perseguição logo após a pratica da infração”.

Nota-se que o inciso III, do artigo 302 diz “é perseguido, logo após”,

portanto, o tempo entre a prática da infração e a perseguição deve ser breve.

O conceito de perseguição dado pelo CPP em seu art.290, §1º:

Art.290 Omissis

§1º - entender-se á que o executor vai em perseguição do réu, quando:

a) tendo-o avisatdo, for perseguido-o sem interrupção embora depois o

tenha perdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha

passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o

procure, for no seu encalço.

Nessa linha de raciocínio Leano45 observa que: “(...) uma vez a

perseguição tenha sido iniciada logo após o crime e sendo contínua, o tempo de sua duração é

de somenos importância e não prejudica o flagrante”.

Entretanto a expressão logo após, traz inúmeras discussões doutrinárias,

visto que sua imprecisão permite uma interpretação flexível quanto ao lapso de tempo.

Mirabete46 entende que a expressão logo após é referente ao:

(...) tempo que ocorre entre a prática do delito e a colheita de

informações a respeito de identificação do autor, que possa a ser

imediatamente perseguido após essa rápida investigação procedida por

policiais ou particulares. Por isso tem-se entendido que não importa se a

perseguição é iniciada por pessoa que se encontravam no local ou pela

policia, diante diante de comunicação telefônica ou radiofônica. Deve-

se ter em conta, porem, que tal situação não se confunda com uma

demorada investigação a respeito dos fatos.

44 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 543 45 LEANO, Marcelo Luiz. Prisão em flagrante: teoria, legislação jurisprudência e pratica, p. 29.

46 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 372.

21

Alguns autores mais audaciosos inclusive, pretendem fixar esse prazo

em até vinte e quatro horas após a execução da infração. Evidente que tal pretensão

doutrinária não está em consonância com a vontade da lei, que na verdade deixa a

interpretação a critério do Juiz.

É fato que a prisão pode distanciar-se da prática do ilícito, entretanto a

perseguição deve ser iniciada in continenti, após a colheita de informações a respeito da

identificação do autor. É válido lembrar que a investigação deve ser sucinta, para que não se

confunda perseguição com investigação da autoria.

A perseguição também deve ser ininterrupta, mas há que se observa o

disposto no artigo 290, §1º, que considera ainda como perseguição as hipóteses em que o

perseguido tenha sido "perdido de vista", ou o perseguidor, por indícios ou informações

fidedignas, souber que aquele tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo

lugar o qual procura, for a seu encalço.

Hoje, diferente da época colonial, não se faz necessário o clamor

público para caracterizar o estado de flagrância, entretanto a lei não eliminou do seu texto a

expressão. Assim, é o inciso V do artigo 323 do estatuto processual penal, com redação dada

pela Lei nº. 6.416/77, que diz que não será concedida a fiança “nos crimes punidos com

reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra

a pessoa ou a grave ameaça”. Entretanto nesse caso, o legislador usou a expressão no sentido

de indignação, repulsa, revolta social.

2.3 FLAGRANTE PRESUMIDO OU FICTO

O flagrante presumido ou ficto está previsto no artigo 302, IV, do Código

de Processo Penal brasileiro. Em sentido conotativo, nessa modalidade de flagrante já não há

fogo, mas existe a fumaça. Não é necessária a perseguição, porém o indivíduo deve ser

encontrado logo depois da prática da infração com coisas que mostre forte indício de autoria

ou participação. Para melhor entendimento, exemplifica a jurisprudência:

22

Trata-se da hipótese de flagrante presumido, conforme o art. 302, IV,

do CPP, em que a lei considera a situação de quem é encontrado, logo

depois da prática da infração, com instrumentos, armas, objetos ou

papéis que façam presumir ser ele o seu autor, a situação de agentes que

são apreendidos casualmente por Policiais, dirigindo veículo furtado e

acionado com chave falsa. 47

Bem dispõe Tucci48: “(...) não se trata aqui de perseguição, mas de ato

de achada”.

E complementando o pensamento:

“A dificuldade apresentada para o reconhecimento dessa modalidade de

prisão refere-se à presunção de autoria, pois, o passar do tempo pode

ser, efetivamente, o elemento suficiente para não haver indicação certa

de autoria”.

Entre o término da ação criminosa e a prisão ocorrem alguns

acontecimentos, ou seja, passa algum tempo que é considerado logo depois, contudo o modo

pelo qual ele é preso é que permite presumir a autoria. A efetivação da prisão tem de ser no

momento próximo do delito. Esse tempo de apreciação do magistrado ao analisar as

circunstâncias, as quais ensejam presunção da culpabilidade e caráter de urgência, justificando

assim a prisão em flagrante. Nota-se que não é possível marcar esse período com um

cronômetro, devendo fazer remissão ao prudente arbitro do magistrado, a quem se deixa

liberdade de apreciação. Dessa forma tem-se que o interesse da justiça não pode ser

sacrificado por obsoletos formalismo, que redundam em assegurar, com prejuízo da frustração

da ação penal, a frontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda

palpitante do crime e em circunstâncias que evidenciem sua relação com este.

Em relação à prisão em flagrante presumido no caso de repouso noturno

Mirabete49 esclarece de forma convincente que:

47 Habeas Corpus nº. 231.774/6, Julgado em 31/08/1992, 12ª Câmara, Relator: Gonzaga Franceschini, RJDTACRIM 15/201

48 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução Penal, Prisão e Liberdade Provisória. p. 220/221. 49 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p 374.

23

[ ...] considerado-se o interesse na repressão dos crimes, há maior

margem na discricionariedade da apreciação do elemento cronológico

quando o agente é encontrado com objetos indicativos do crimes, o que

permite estender o prazo à varias ou, considerando-se o problema do

repouso noturno, até o dia seguinte [ ...]

E nesse sentido, entende-se que a expressão logo depois, constante no

art. 302, IV, do CPP, apresenta elastério perfeitamente compreensível quando ocorra o

problema do repouso noturno, que dilata, evidentemente, o prazo legal.

Em suma a expressão logo depois, assim como a expressão logo após,

analisada anteriormente, reclama brevidade. A diferença é que na hipótese do inciso III, a

expressão faz referência entre o período da prática da infração e a perseguição, enquanto que

no inciso IV, entre a prática da infração e a circunstância de ser o agente encontrado com

instrumentos, armas ou papéis, em situação que se faça presumir ser ele o autor da infração.

Verifica-se, então, que no flagrante impróprio a pessoa é perseguida, enquanto no flagrante

presumido ela é surpreendida, podendo até ser por acaso, com traços que façam presumir que

tenha cometido ou participado do crime.

2.4 FLAGRANTE NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA E

NAS AÇÕES PRIVADAS

Após um crime ser cometido, a presunção criminal inerente ao estado é

iniciada com as investigações e logo após surge a Ação Penal, munida de elementos colhidos

através da parte investigatória do delito, que visa esclarecê-lo por completo, apurando-se a sua

materialidade e sua autoria.

A ação será pública quando iniciada pelo representante do MP, e

privada, quando a iniciativa esta condicionada a manifestação do particular, que nestes casos é

o detentor do direito de ação.

24

Para Noronha50:

Cometido um crime, inicia-se a persecução criminal do Estado, com a

investigação, tendente a esclarecê-lo e apurara a autoria. Transposta

essa etapa, surge a ação penal. Esta o direito do Estado Administração

de pedir ao Estado – Juiz a aplicação da lei.

Certos crimes para serem processados está condicionado à manifestação

de vontade do ofendido ou quem legalmente o represente, isso ocorre sempre que as

conseqüências que o processo pode vir a acarretar à parte, é maior do que o próprio crime.

Sem fazer distinção, a legislação pátria não veda a prisão em flagrante

em qualquer infração penal. O artigo 301 refere-se genericamente a todos que se encontra em

"flagrante delito", seja dolosa ou culposamente. Para Mirabete51:

Nada impede que a captura ocorra nos crimes que se apuram mediante

ação penal pública dependente de representação ou de ação privada.

Entretanto, embora a lei processual silencie a respeito, é pacífico na

doutrina e na jurisprudência que, capturado o autor da infração penal

que se apure por essas espécies de ação, deve ser ouvida a vítima ou seu

representante legal para que ofereça a representação ou manifeste o

desejo de oferecer queixa oportunamente.

Apesar de entendimentos controvertidos, não avista-se na legislação

brasileira qualquer dispositivo que impossibilite a prisão em flagrante nos crimes de ação penal

pública condicionada e nos de ação penal privada.

Nos crimes de ação penal pública condicionada, prevista no art. 100, §1º do

CPB e no art. 24 do CPP será necessário que o ofendido, ou seu representante legal, manifeste-se

pela elaboração da peça coercitiva no próprio auto, para possibilitar à autoridade policial a

formalização da peça coercitiva, uma vez que a representação é uma condição específica de

procedibilidade, o mesmo ocorrendo nas hipóteses de requerimento do Ministro da Justiça.

50 NORONHA, E. Magalhães, 1906-1982. Curso de direito processual penal.ed. atual. Por Alberto José Q.T. de Camargo

Aranha. São Paulo: Saraiva, 1999.p.31

51 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 375.

25

A ação penal pública pode estar condicionada à representação do ofendido,

ou seja, o MP somente poderá propor a ação caso este manifeste o interesse de que a ação penal

seja instaurada.

Nesse sentido Mirabete52 bem escreveu:

Pode a ação pública depender de representação do ofendido, que se

constitui numa espécie de pedido – autorização em que a vitima, seu

representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo

de que a ação seja instaurada, autorizando a persecução penal. A

representação é assim, a manifestação da vontade do ofendido ou de seu

representante legal no sentido de autorizar o MP a desencadear a

persecução penal.

O fato de alguns tipos de ação penal exigirem que o fendido manifeste

sua vontade de que a ação seja proposta pelo MP está no fato de que alguns casos os interesses

do ofendido se sobrepõem ao interesse do Estado.

Garcia53 descreveu de maneira semelhante: “ É inegável que a vontade

do ofendido ou de seu representante legal deve ser levada em consideração apesar de

continuar o Estado com detentor da persecução penal”.

Nesse sentido de que o interesse do ofendido em alguns casos vem a se

sobrepor ao do Estado, observa Mirabete54:

A imposição legal deriva do fato que, por vezes, o interesse do ofendido

se sobrepõem do público na repressão ao ilícito de que foi a vitima,

quando o processo pode acarretar-lhe males maiores daqueles

resultantes da infração.

Com relação aos crimes de ação penal privada, a prisão do acusado

somente poderá ocorrer se o ofendido, ou seu representante legal, requerer no próprio auto de

52 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10º ed, p. 115 53 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 9 ªed, p 25

54 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10º, p. 136

26

prisão em flagrante a efetivação da segregação. Não se trata de representação, pois neste caso

encontrar-se diante de um crime de ação penal pública condicionada a ela. Tornaghi55 definiu:

O flagrante é também ato inicial do inquérito, e se esse não pode sequer

começar sem precedente requerimento ou representação do ofendido,

segue-se que nos crimes de ação privada ou nos de ação pública

dependente de representação a prisão em flagrante e a lavratura do

respectivo auto dependem do consentimento anterior do ofendido. O

mesmo acontece com a requisição do Ministro da Justiça ou de quem de

direito, quando a lei penal a exige.

O prazo para a representação é de 24 horas, conforme leciona Greco

Filho56:

Nos crimes de ação penal privada também é possível o flagrante se

houver requerimento do ofendido. Se este não estiver presente no ato ou

for incapaz, realiza-se a detenção, mas a sua representação ou a do seu

representante legal deve ser colhida no prazo máximo de 24 horas, que

é o prazo da entrega da nota de culpa, sob pena de não se lavrar o auto,

liberando-se o agente.

E se a prisão for efetuada pelo próprio ofendido ou seu representante

legal, não será necessário a apresentação do requerimento a que ser refere o artigo 5º, § 5º, do

Código de Processo Penal Brasileiro.

O Código silencia quanto ao prazo para a oferta da queixa após a

lavratura do auto, aplica-se por analogia o disposto no artigo 46 do Código de Processo Penal

Brasileiro, ou seja, 05 dias. Tratando-se de crime contra a propriedade imaterial, no artigo 530

do Código de Processo Penal a lei é expressa quanto ao prazo de 08 dias.

2.5 FLAGRANTE NAS CONTRAVENÇÕES

55 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 8ª ed. São Paulo. Saraiva, 1992, p. 61.

56 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4ª ed. São Paulo Saraiva. 1997, p.266

27

Contravenção é um crime anão, pois sua objetividade jurídica recairia

sobre bens de importância menor que os crimes. Tem-se como entendimento predominante da

doutrina e da jurisprudência, que todas as contravenções penais são infrações penais de menor

potencial ofensivo, mesmo porque é da sua própria natureza e objetividade jurídicas que deve

incluir-se nesta categoria. O art. 301 do Código de Processo Penal fala em flagrante delito não

incluindo a hipótese de flagrante contravenção, contudo não é esse o entendimento

majoritário da doutrina. Apesar de contravenção não ser delito, existe a prisão em flagrante

nas contravenções. Ademais o art. 302 do CPP que estipula as modalidades de flagrância usa a

expressão infração penal que compreende delito e contravenção.

O art. 61 da Lei 9009/95 prescreve, in verbis:

Art. 61. Considera-se infrações penais de menor potencial ofensivo,

para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei

comine pena máxima não superior a 2 (dois) ano, cumulada ou não com

multa.

O artigo 301 do Código de Processo Penal Brasileiro fala em flagrante

delito, não incluindo a hipótese de flagrante contravencional, contudo no artigo imediato, o

legislador usa a expressão infração penal, que compreende delito e contravenção. Portanto,

entende-se como possível o flagrante nas contravenções.

O termo circunstanciado que se pode encontrar no artigo 69, da lei

9099/95. Veja-se:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência

lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao

Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as

requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for

imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a

ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá

fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como

28

medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de

convivência com a vítima.

Quando alguém é surpreendido cometendo uma contravenção, ou crime

cuja pena máxima não supere dois anos, cumulada ou não com multa, será levado

imediatamente à Delegacia de Polícia. Entretanto, não será lavrado um auto de prisão em

flagrante, mas sim um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), parecido com o Boletim

de Ocorrência, contendo o nome da vítima, do autor, das testemunhas, local e hora dos fatos,

fatos e a assinatura de todos, sendo posteriormente encaminhado o autor do fato ao Juizado

Especial Criminal.

Nota-se no parágrafo único do artigo 69, da lei 9099/95, o

compromisso de comparecer ao Juizado deverá ser expresso, registrado por escrito com a

assinatura do autor dos fatos. Sendo verbal, se faz necessário a elaboração de certidão pelo

escrivão de polícia. Caso o autor dos fatos se recuse a comparecer perante o Juizado,

verbalmente ou por escrito, a autoridade policial deverá proceder à lavratura de auto de prisão

em flagrante, seguindo-se a sistemática do CPP.

2.6 FLAGRANTE NAS INFRAÇÕES PERMANENTES E HABITUAIS

O artigo 303 do nosso Código de Processo Penal Brasileiro nos adverte

que “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a

permanência”.

As infrações permanentes são aquelas cuja consumação se prolonga no

tempo, a exemplo, o cárcere privado (art. 148), extorsão mediante seqüestro (art. 159),

violação de domicilio (art. 150) e receptação (art. 180), todos tipificados no Código Penal

Brasileiro. Meramente para efeito didático, diga-se que este indivíduo está sob estado

permanente de flagrância.

A respeito do crime permanente, leciona Damásio de Jesus57:

57 JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado. 10ª ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva. 2000, p.15.

29

Nele, em que o momento consumativo se alonga no tempo sob a

dependência da vontade do sujeito ativo, se iniciado sob a eficácia de

uma lei prolongado sob outra, aplica-se esta, mesmo que mais severa. O

fundamento de tal solução está em que a cada instante da permanência

ocorre a intenção de o agente continuar a prática delituosa. Assim, é

irrelevante tenha a conduta seu início sob o império da lei antiga, ou

esta não incriminasse o fato, pois o dolo ocorre durante a eficácia da lei

nova: presente está a intenção de o agente infringir a nova norma

durante a vigência de seu comando.

A principal característica do crime permanente é a possibilidade do

agente poder fazer cessar sua atividade delituosa, pois a consumação, nele, continua

indefinidamente Já o crime instantâneo deriva do fato delituoso uma vez já consumado, está

encerrado sua consumação, não se prolongando no tempo. É o que se completa num só

momento. A consumação se dá num determinado instante sem continuidade temporal. Existe

também o instantâneo de efeitos permanentes que difere-se do crime permanente, pois aquele

ocorre quando a permanência do efeito não depende do prolongamento da ação do agente,

como no caso de homicídio, furto, bigamia.

Válido lembrar que Jesus58 divide o crime permanente em:

“necessariamente permanente e eventualmente permanente”. No primeiro, a continuidade do

estado de flagrância de dano ou perigo é essencial a sua configuração, como no caso do

seqüestro, pois não tem como haver um crime de seqüestro sem ter a permanência da ação

delituosa. Nos crimes eventualmente permanentes a persistência da situação antijurídica não é

indispensável, e se ela se verificar, não dá lugar a vários crimes, mas a uma única conduta

punível, exemplo disso é a usurpação de função pública, tipificada no artigo 328 do Código

Penal. Nesse caso o crime é caracteristicamente espontâneo, contudo por meio do

prolongamento da conduta prolonga-se a sua consumação.

Conforme defendido e expresso no Código de Processo Penal

Brasileiro, é perfeitamente cabível o flagrante em crimes permanentes. No entanto, com os

crimes habituais não há esse consenso, pois a doutrina não é pacífica e a legislação se cala.

58 JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado, p.210

30

Crime habitual é segundo Jesus59 “é a reiteração da mesma conduta

reprovável, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida”. Exemplos de crime habitual: a

prática do curandeirismo, capitulado no art. 284 do Código Penal Brasileiro, sendo que

quando a ação com o objetivo de lucro, fala-se em crime profissional. As ações se integram. O

crime de rufianismo tipificado no art. 230 do CPB também é um crime habitual.

A doutrina não é pacifica, uns entendem que no crime habitual, por

analogia, aplica-se a regra do art. 303 do Código de Processo Penal brasileiro, já outros

argumentam que não há flagrante delito nos crimes habituais. Em relação ao segundo

entendimento Tourinho Filho60, sustenta:

[ ...] se o flagrante é, por assim dizer, um retrato fiel da infração, na

hipótese de flagrância em crime habitual, não haveria um retrato de

corpo inteiro ... mas de uma parte dele, incapaz de servir de elemento

para identificá-lo ... Retrata-se apenas, a mão, ou o pé, não o corpo na

sua integralidade [...]

Entretanto, pondera Mirabete61, inferindo sobre a prisão em flagrante

nos crimes habituais:

[ ...] apesar de tudo, não é incabível a prisão em flagrante em ilícitos

habituais se for possível, no ato, comprovar-se a habitualidade. Não se

negaria a situação de flagrância no caso de prisão de responsável por

bordel onde se encontram inúmeros casais para fim libidinoso, de

pessoa que exerce ilegalmente a medicina quando se encontra

atendendo vários pacientes [ ...]

Verefica-se, diante dos dois entendimentos doutrinários, com a devida

vênia, a prisão em flagrante é cabível em crimes habituais. Pois a função de paralisação

imediata do agente delinqüente na prática delituosa, prevalece pelo fato meramente formal da

qualidade de habitualidade do crime, sendo o interesse público de prevenir o crime tendo uma

59 JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado, p213

60 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 170.

61 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 7 ª. ed., p 170

31

interpretação de interesse social com base no art. 303 do Código de Processo Penal, por ser

uma medida da mais cristalina justiça.

2.7 FLAGRANTE PREPARADO E ESPERADO

Flagrante preparado, também chamado de flagrante provocado, ocorre

quando há o induzimento de alguém ao cometimento de um crime e, ao mesmo tempo esse

agente provocador retira a possibilidade de consumação. Ocorre o chamado de crime

impossível. Como ensina Hungria62:

Um crime que, além de astuciosamente sugerido, tem suas

conseqüências frustradas de antemão, não passa de um crime

imaginário. Não há lesão, nem efetiva exposição de perigo de qualquer

interesse público ou privado.

A súmula 145 do Supremo Tribunal Federal pronunciou que “não há

crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Dessa forma, afirma Mirabete63:

A jurisprudência, com fundamento nesse enunciado, tem afirmado que

não pode ser autuado em flagrante o agente de crime provocado, ou

seja, quando o agente é induzido à prática de um crime pela

"pseudovítima", por terceiro ou pela polícia, no caso chamado de

agente provocador. Não há crime, pois, nesse caso.

Conforme apontado, pela doutrina e pela Súmula do STF, se não há

crime, logo não há o que se falar de flagrante.

Importante lembrar que existe a figura do Flagrante Esperado, que para

Mirabete64:

62 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 2ª ed. Forense. 1953, p. 103.

63 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 375.

64 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10ª ed, p.375.

32

A atividade é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo causal da

infração, e que procura colher a pessoa ao executar a infração

frustrando a sua consumação, quer porque recebeu informações a

respeito do provável cometimento do crime, quer porque exercia

vigilância sobre o delinqüente.

Nota-se que não se confunde com o Preparado, visto que não há

induzimento, instigação, provocação. A polícia após investigações ou denúncia anônima fica

apenas em posição de vigilância, sem interferência, esperando o momento da execução do ato

delituoso para assim, efetuar a prisão em flagrante.

2.8 FLAGRANTE PROTELADO

Trata-se o flagrante protelado (ou retardado ou prorrogado) de um

poder conferido à autoridade policial ou aos seus agentes que lhes permite procrastinar a

prisão imediata do agente que está em estado de flagrância, mantendo este elemento sob

observação, à espera de uma oportunidade mais eficaz para a formação de provas e

fornecimento de informação.

Essa ação é facultativa ao agente ativo da prisão em flagrante, e está

prevista pelo artigo 2º, II da Lei nº. 9.034/95, ou seja, a Lei do Crime Organizado, in verbis:

Art. 2º. Em qualquer fase de persecução criminal que verse cobre ação

praticada por organizações criminosas são permitidos, além dos já

previstos na lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação

de provas:

II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do

que supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela

vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para

que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de

vista da formação de provas e fornecimento de informações;

33

A doutrina brasileira aponta também como possibilidade de flagrante

protelado o disposto no artigo 53, II, da Lei 11.343/06 que prevê:

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes

previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante

autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes

procedimentos investigatórios:

II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus

precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção,

que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar

e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e

distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização

será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a

identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Trata-se, aqui, de mais uma hipótese de flagrante protelado, onde se

evita a prisão em flagrante no momento da prática do delito, a fim de que em um momento

posterior, possa ser efetuada com maior eficácia a prisão de todos os participantes da

quadrilha ou bando, bem como se permita a apreensão da droga em maior quantidade.

2.9 FLAGRANTE FORJADO

Não há que se confundir o flagrante forjado com o flagrante preparado.

Neste caso o flagrante é fabricado com o intuito de incriminar determinada pessoa. O crime

jamais existiu, não podendo, portanto haver situação de flagrante.

No flagrante forjado, a situação de flagrância foi deliberadamente e

intencionalmente fabricada por terceiro, no intuito de incriminar determinada pessoa. Neste

caso a pessoa que sofre o flagrante forjado é, sem dúvida, a vítima direta. Evidente que essa

última modalidade de flagrante não é permitido em lei.

34

Em crimes referentes a substâncias entorpecentes, é muito comum o

flagrante forjado, conforme aponta Mirabete65:

Policiais ou particulares "criam" provas de um crime inexistente,

colocando, por exemplo, no bolso de quem é revistado, substância

entorpecente. Nessa hipótese, evidentemente, não há crime consumado

ou tentado do preso, mas o delito de denunciação caluniosa, ou

eventualmente concussão, abuso de autoridade etc., pelas pessoas que

efetuaram a prisão.

O flagrante forjado é muito comum nos crime referentes à substâncias

entorpecentes, quando policiais ou particulares criam provas de um crime inexistente,

colocando, por exemplo, no bolso de quem é revistado ou na casa de uma pessoa, substância

entorpecente. Essa prática tem dois objetivos: primeiro tentar extorquir a pessoa que foi

revistada e segundo, não menos proibido, é conseguir pegar alguém em flagrante que seja

suspeito de algum crime. Diante desses fatos é aconselhável aos policiais e aos próprios

suspeitos, antes da busca, seja pessoal ou domiciliar, convidar populares para assistirem a

diligência, com o fim de evitar eventuais adulterações no local investigado.

Diante da conduta do agente ativo nesta modalidade de prisão, onde o

crime nunca existiu e deu causa à prisão, certo é que o estado de flagrância inexiste e por

seguinte não pode ser condenado. Sabe-se que as autoridades devem prender em flagrante,

mas não usar da violência para criar uma situação de flagrância que não existiu.

65 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10ª ed., p. 376.

35

CAPÍTULO 3

DOS CASOS ESPECIAIS DA PRISÃO EM FLAGRANTE E SUAS

PECULIARIDADES

3.1 FLAGRANTE EM CRIME DE MENOR POTENCIAL

OFENSIVO

Ao se falar em prisão em flagrante, primeiramente é válido ressaltar que

a expressão “flagrante delito” de que trata o art.302 do CPP abrange as contravenções penais

e crimes de menor potencial ofensivo – aqueles cuja pena máxima em abstrato não seja

superior a dois anos.

Por analogia entende-se da possibilidade de se prender alguém em

flagrante delito pela prática de contravenções penais. Como já mencionado nos capítulos

anteriores, após prisão – ato de captura – esta deve ser documentada através do respectivo

auto.

Delmanto66 dispõem sobre a matéria:

(...) não poderá haver prisão em flagrante nos casos de menor infração

de menor potencial ofensivo (...) desde que o indigitado autor seja

imediatamente encaminhado ao juizado ou assuma o compromisso de a

ele comparecer.

Certo é que na maioria das vezes, pelo excesso de serviço no Juizados,

o encaminhamento das partes à audiência não é possível e usualmente as audiências são

designadas para meses depois.

Em alguns casos especiais a atuação em flagrante, poderá ser imposta

ao agente, como bem descreve por Leano67:

66 DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seus prazos de duração, p.89

67 LEANO, Marcelo Luiz. Da prisão em flagrante, p.31.

36

(...) quando se verificar que o autor não tem condições de ser

imediatamente encaminhado ao Juizado, por estar embriagado ou

hospitalizado; não sendo possível sua apresentação posterior,

consubstanciada na assinatura do termo de compromisso; quando

podendo ser apresentado imediatamente, negar-se a faze-lo e, por fim,

quando for vadio ou possuir sentença condenatória por crime doloso.

Nos crimes de ação privada, a autoridade policial deverá levar me conta

a vontade do ofendido não podendo constrangê-la a comparecer perante o Juizado, visto que

nesses crimes aos seus mais íntimos interesses se sobrepõem a todo e qualquer interesse que

possa ter o Estado.

3.2 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO POR MENOR DELINQÜENTE

Caso o sujeito passivo seja menor de dezoito anos, somente poderá o

adolescente ter a sua liberdade de locomoção restringida, quando surpreendido na prática de

ato infracional, ou seja, a pessoa entre doze e dezoito anos de idade, conforme o artigo 2º da

Lei 8069/90. O artigo 103 do ECA descreve como ato infracional, a conduta descrita como

crime ou contravenção penal, praticada por um menor e o artigo 172 do ECA, determina que

esse adolescente seja encaminhado à autoridade policial competente, dando preferência às

repartições especializadas, até mesmo quando houver co-autoria de maiores de idade.In

verbis:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até

doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e

dezoito anos.

Art. 103 Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime

ou contravenção penal.

Art. 172 O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional

será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente.

37

Parágrafo único. Havendo repartição policial especializada para

atendimento de adolescente em se tratando de ato infracional praticado

em co-autoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição

especializada, que, após as providências necessárias e conforme o

caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria.

E quando o ato infracional for praticado por criança, ou seja, pessoa até

doze anos? O artigo 105 do mesmo diploma legal, dispõe o seguinte:

Art. 105 Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as

medidas previstas no art.101.

Neste caso, poderá ser aplicada a medida específica de proteção

elencadas no art. 101, que segue in verbis:

Art. 101 Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a

autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes

medidas:

I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de

ensino fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família,

à criança e ao adolescente;

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em

regime hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,

orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII – abrigo em entidade;

38

VIII – colocação em família substituta.

Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável

como forma de transição para a colocação em família substituta, não,

implicando privação de liberdade.

Lembra-se que o art. 2º da Lei 8069/90 considera como criança toda

pessoa até 12 (doze) anos de idade incompleto, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18

(dezoito) anos de idade. Assim no caso praticado por criança tais medidas podem ser aplicadas

como o encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade. Já o

adolescente poderá ter a sua liberdade de locomoção restringida, quando surpreendido na

prática de ato infracional que é a conduta descrita como crime ou contravenção penal,

praticada por um menor (art. 103 da Lei 8069/90).

Os menores de 18 anos são considerados inimputáveis, sendo que

nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou

por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (art. 106 da Lei

8069/90). Esse preceito reforça a idéia contida no art. 5º LXI da Constituição Federal. Por sua

vez, o art. 172 do ECA, determina que o adolescente surpreendido na prática de ato

infracional deve ser encaminhado à autoridade policial competente, dando preferência às

repartições especializadas, até mesmo quando houver co-autoria de maiores de idade.

3.3 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO POR ALIENADOS MENTAIS

Alienados mentais são as pessoas que, por ser portadoras de uma

doença psíquica, sofrem das faculdades mentais, consequentemente possuem uma perturbação

mental, como o demente ou louco de todo o gênero.

É lícita a prisão dos alienados mentais, embora inimputáveis, já que a

eles se pode aplicar medida de segurança, contudo cabe no caso a instauração do incidente de

insanidade mental.

O Código de Processo Penal Brasileiro em seu art. 149 determina que

quando houver dúvida sobre a integridade mental do agente que for preso, o juiz ordenará, de

39

oficio ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, irmão

ou cônjuge do detido, a exame de insanidade mental. Esse exame poderá ser feito tanto na fase

extrajudicial como judicial, contudo na fase extrajudicial necessita-se de uma representação da

autoridade policial competente (art. 149, § 1º do CPP).

Os considerados alienados mentais, após o devido exame, quando

forem presos em flagrante delito, deverão ser internados em manicômio judiciário ou em

estabelecimento adequado que o juiz designar (art. 150 do CPP). Assim toda pessoa

considerada como alienado mental, que estiver em estado de flagrância deve ser preso e

atuado em flagrante delito. O exame de insanidade mental pode ser requerido mediante

representação da autoridade policial, mas nunca por determinação desta. Sendo o examinado

considerado alienado mental, este deverá ser removido para um manicômio judiciário

designado pelo juiz.

3.4 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO POR DIPLOMATAS

Diplomatas estrangeiros são os representantes de um Estado junto a

outro, ou seja, são os funcionários que representam o governo de seu Estado junto ao governo

de outra nação, exemplo o embaixador.

Com referência aos diplomatas estrangeiros, em decorrência de tratados

e convenções internacionais, não podem ser presos em flagrante delito, diante de que o

processo penal reger-se-á em todo território brasileiro, ressalvados os tratados, as convenções

e as regaras de Direito Internacional (art. 1º, I do CPP).

Essa exceção, encontra-se no artigo 1º, I do Código de Processo Penal

brasileiro:

Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por

este Código, ressalvado:

I – os tratados, as convenções e regras de direito internacional;

40

A imunidade diplomática decorre primordialmente da aplicação da

Convenção de Viena de 1961, assinada, aprovada, e ratificada no Brasil. Ela prevê absoluta

inviolabilidade a todos os agentes diplomáticos bem com aos seus entes familiares e

funcionários das organizações internacionais em atividade. Tem por objetivo assegurar os

diplomatas dentro do Estado estrangeiro o merecido respeito, impedindo qualquer tipo de

ofensa à pessoa, liberdade e dignidade.

A imunidade também é extensiva aos chefes de Estado em passagem

por países estrangeiros, bem como aos representantes de Estado, quando em atividade no

exterior.

Já, os cônsules gozam de uma imunidade restrita, compreendendo

somente aos atos praticados no âmbito de suas atividades funcionais, de forma que para os

demais atos, estarão perfeitamente sujeitos à Legislação Nacional, consequentemente, podem

ser presos em flagrante delito.

Na praxe, as autoridades judiciárias e policiais são aconselhadas, em

caso de dúvida sobre as prerrogativas dos representantes dos países estrangeiros, a consultar,

por intermédio do Ministério da Justiça, se a pessoa que está em flagrância delitiva pode ser

presa ou se possui a imunidade diplomática.

3.5 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

O Presidente da República, também não pode ser preso em flagrante

delito em qualquer natureza de crime. É o que prevê o artigo 86, § 3º da Constituição Federal

Brasileira, in verbis:

Art. 86 Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois

terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento

perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou

perante o Senado Federal nos crimes de Responsabilidade.

41

§3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações

comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

Portanto se o Presidente da República do Brasil comete um crime,

mesmo estando em flagrância, não poderá ser preso, devido essa garantia elementar de seu

cargo, contudo se após o devido processo legal surgir uma condenação com trânsito em

julgado, ele será preso.

3.6 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO POR MEMBROS DO CONGRESSO

NACIONAL

Congresso Nacional é o órgão público detentor do exercício do Poder

Legislativo, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senador Federal.

Os Membros do Congresso Nacional em relação à prisão em flagrante,

possuem uma certa peculiaridade, conforme estabelece o art. 53, § 1º da Constituição Federal,

in verbis:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões,

palavras e votos.

§1º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional

não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem

processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa.

Por meio desse dispositivo, entende-se claramente que os Membros do

Congresso Nacional não estão sujeitos à prisão em flagrante, exceto em crimes que não

admitem fiança. Fiança é um ato pecuniário requerido pelo preso ou por terceiro, em beneficio

daquele para que seja posto em liberdade.

O Código de Processo Penal estabelece quais são os crimes

inafiançáveis, em seus arts. 323 e 324, in verbis:

42

Art. 323. Não será concedida fiança:

I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada

for superior a 2 (dois) anos;

II - nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das

Contravenções Penais;

III - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade, se o

réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença

transitada em julgado;

IV - em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio;

V - nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público

ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave

ameaça.

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente

concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a

que se refere o art. 350;

II - em caso de prisão por mandado do juiz cível, de prisão disciplinar,

administrativa ou militar;

III - ao que estiver ao gozo de suspensão condicional da pena ou

livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou

contravenção que admita fiança;

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão

preventiva (art. 312)

Já a Constituição da República Federativa promulgada em 1988

considera como crimes inafiançáveis a prática de racismo (art. 5º, XLII), tortura, tráfico de

entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, os definidos como crimes hediondos (art. 5º,

XLIII) e ação de grupos armados (art.5º, XLIV). A lei 8072, de 25 de julho de 1990, considera

como crime hediondo o homicídio qualificado e o homicídio simples (art. 121 do Código

Penal), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, latrocínio (art. 157, § 3º,

in fine, do CP) extorsão qualificada pela morte (art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º do CP), estupro

43

(art. 213 c/c art. 223, caput e parágrafo único do CP), epidemia com o resultado de morte (art.

261, § 1º do CP) e a prática de genocídio consumado ou tentado, previsto na lei 2889/56.

Sendo assim, se algum Deputado ou Senador incorrer em um desses

casos expostos acima, e estando em flagrância delitiva, serão presos em flagrante delito.

Agora se praticarem algum crime que caiba fiança, ainda que esteja caracterizada a flagrância,

não poderá se preso em virtude da sua imunidade parlamentar.

Esse dispositivo, dispõe que os Membros do Congresso Nacional, em

virtude da sua imunidade parlamentar, não estão sujeitos a prisão em flagrante, exceto em

crimes em que não é admitida a fiança prevista em lei.

Esta prerrogativa é extensiva aos Deputados Estaduais de acordo com

Tourinho68: “(...) é obvio que tais imunidades se estendem, atualmente, aos estaduais (...)”.

O § 1º do artigo 27 da Constituição Federal Brasileira, estende essa

prerrogativa aos deputados estaduais, in verbis:

§1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-

se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral,

inviolabilidades, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença,

impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

3.7 FLAGRANTE EM INFRAÇÕES PRATICADAS POR MAGISTRADO

Magistrados são as pessoas investidas de autoridade pública e

administram a justiça em nome do Estado. Mais especificamente o juiz concursado ou togado

que tem a função de julgar em 1º (primeiro) e 2º (segundo) grau ou em grau especial de

jurisdição, submetendo-se a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LMNO) e as normas

regimentais. Como membro do Poder Judiciário, pode ser juiz, desembargador e ministro da

Justiça.

68 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 40

44

O magistrado quer seja Juiz, desembargador ou ministro da Justiça,

também possui imunidade, conforme o disposto no artigo 33, incisos II e III da Lei Orgânica da

Magistratura Nacional (LMNO) in verbis:

Art. 33 São prerrogativas do magistrado:

II - não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão

especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime

inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e

apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja

vinculado (vetado);

III - ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior,

por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente,

quando sujeito a prisão antes do julgamento final.

Destarte, o magistrado só pode ser recolhido à prisão por meio de

mandado expedido pelo Tribunal ou do órgão especial competente, a não ser que esteja em

flagrância da prática de um crime inafiançável. Contudo essa prisão deverá ser imediatamente

comunicada ao Presidente do Tribunal que esteja vinculado o conduzido.

Quanto ao recolhimento dos magistrados à prisão, observa Leano69 que:

“(...) só poderão permanecer detidos em prisão especial até o trânsito em julgado da sentença”.

3.8 FLAGRANTE EM INFRAÇÃO PRATICADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA

O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial a função

jurisdicional do Estado, que tem a incumbência de zelar pela defesa da ordem jurídica, do

regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Os Promotores de

Justiça, que são os membros do Ministério Público, exercem o papel de fiscalizar a correta

aplicação da lei e zelar pelos interesses privativos indisponíveis, também são assegurados de

69 LEANO, Marcelo Luiz. Da prisão em flagrante, p.31.

45

privilégios, dentre eles não poderem ser sujeito passivo da prisão em flagrante, exceto em

crimes inafiançáveis, como estabelece o art. 40, III Lei Orgânica Nacional do Ministério

Público, in verbis:

Art. 40 Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público,

além de outras previstas na Lei Orgânica:

III - ser preso somente por ordem judicial escrita, salvo em flagrante de

crime inafiançável, caso em que a autoridade fará, no prazo máximo de

vinte e quatro horas, a comunicação e a apresentação do membro do

Ministério Público ao Procurador-Geral de Justiça.

O Promotor de Justiça, conforme se verifica no dispositivo, acima

apenas será preso em flagrante nos crimes inafiançáveis, e de forma similar ao que ocorre com

o magistrado. A prisão deverá ser comunicada no prazo de vinte e quatro horas ao Procurador

Geral da Justiça, apresentando-o para o mesmo.

Nesse sentido reza Garcia70:

Em se tratando de crime afiançável, não haverá prisão nem autuação,

devendo apenas ser feita a comunicação do fato ao Presidente do

Tribunal ou Procurador-Geral respectivo.

O recolhimento dos membros do MP à prisão, observa Leano71 que:

“Assegura-lhe ainda o direito à prisão em sala especial quando necessário seu recolhimento

antes do trânsito em julgado da sentença”.

As prerrogativas citadas, nas palavras de Sznick72 não constituem

privilégios, mas sim um zelo perante o alto cargo que essas pessoas ocupam:

Há aqui uma similitude de magistrado – e membros do Ministério

Público – com o que ocorre com o deputados (federais e estaduais) que

70 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. p.80

71 LEANO, Marcelo Luiz. Da prisão em flagrante, p.31.

72 SZNICK, Valdir. Liberdade, prisão cautelar e temporária. 2. ed. São Paulo: Edição Universitária de Direito, 1999. p.

380

46

respondem ao processo de flagrante, dentro da sua corporação. Essa

prerrogativa – frise-se – nada tem o privilegio, mas visa resguardar a

alta função que exerce essas pessoas, podendo, pois, chamar-se de

prerrogativa de função (ou funcional) em razão do cargo.

Importante ressaltar que para gozar das imunidades já mencionadas, o

agente deve estar em pleno exercício da profissão, caso ao contrário não poderá dispor desta

prerrogativa que pela própria analogia do termo é clara – prerrogativa de função.

3.9 FLAGRANTE EM CRIME PRATICADO POR ADVOGADO

O advogado é a pessoa legalmente habilitada a advogar, isto é, a prestar

assistência profissional a terceiros em assunto jurídico, defendendo-lhes os interesses

particulares, seja como consultor, seja como procurador em juízo, sendo um profissional

indispensável à administração da justiça.

O advogado poderá ser autuado em flagrante delito quando se tratar de

crime inafiançável, mesmo estando no exercício de suas funções, somente por crimes

inafiançáveis, entretanto deverá ser acompanhado por representante da Ordem de Advogado

Brasil, é o que dispõe O Estatuto da Advocacia, Lei 8906/94, em seu artigo 7º, IV e § 3º, in

verbis:

Art. 7º São direitos do advogado:

IV - Ter a presença de representante da OAB quando preso em

flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura

do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos a

comunicação expressa à seccional da OAB.

47

V - Não ser recolhido preso, ante de sentença transitada em julgado,

senão em sala do Estado Maior, com instalações e comodidades

condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão

domiciliar.

§ 3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de

exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o

disposto no inciso IV deste artigo.

Sobre o tema Garcia73 descreve:

Quando se trata de prisão de advogado por crime inafiançável

relacionado ao exercício da profissão, para a lavratura do auto terá ele o

direito da presença do representante da OAB, sob pena de nulidade.

Nos demais casos, a Autoridade fará comunicação expressa à respectiva

Seccional.

Outro privilégio inerente ao exercício da profissão, este expressamente

previsto no § 2º do artigo 7º do mesmo estatuto:

§2º o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria,

difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no

exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das

sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.

Garcia74 teceu breve comentário a respeito: “ De conseqüência, não

poderá ser preso em tais circunstâncias”.

73 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. p79

74 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. p 79

48

3.10 FLAGRANTE DE AUTOR QUE PRESTA SOCORRO À VÍTIMA DE TRÂNSITO

A pessoa que deu causa ao acidente de trânsito e presta socorro à vítima

não pode ser autuada em flagrante, conforme o artigo 301 da Lei 9.503/97, que institui o

Código de Trânsito Brasileiro, in verbis:

Art. 301 Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de

que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá

fiança, se prestar pronto e integral socorro aquela.

Todavia, de modo lógico e sensato, se ele não prestar socorro à vítima,

deverá ser preso em flagrante delito, além de lhe ser imputado a qualificadora do inciso III, do

art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, referente “a deixar de prestar socorro, quando

possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente”, que gera o aumento do quantum de

pena de 1/3 até a metade.

Há que se salientar que se tratando de flagrância de infrações penais de

menor potencial ofensivo, com o advento da Lei 9.099/95, extingui-se a de menor potencial

ofensivo, impondo-se a estes a lavratura do Termo Circunstanciado e a comparecer perante o

JESP, ressalvada algumas exceções.

3.11 FLAGRANTE EM CRIMES PRATICADOS POR JORNALISTA

Aos profissionais da área jornalística, também são previstos certos

requisitos que devem ser observados na ocasião de flagrância, em atendimento à Lei 5250/67,

(Lei de Liberdade de Imprensa) principalmente em seu art. 66, in verbis:

49

Art. 66. O jornalista profissional não poderá ser detido nem recolhido

preso antes de sentença transitada em julgado; em qualquer caso,

somente em sala decente, arejada e onde encontre todas as

comodidades. Parágrafo único – A pena da prisão de jornalista será

cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados aos réus

de crime comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou

carcerário.

Como se vê, a lei proíbe a prisão sem pena para o jornalista

profissional, consequentemente há impossibilidade da prisão em flagrante do mesmo em

qualquer tipo de crime.

3.12 APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA

Sobre a prisão em flagrante quando o autor se apresentar

espontaneamente, Espíndola Filho75 entende que:

Não é de ser recolhido à prisão provisória o indivíduo acusado, ou

suspeitado de uma infração penal, pelo fato de apresentar-se, por

motivo próprio, à autoridade policial ou judiciária, que está com

encargo, presidindo o inquérito ou ação penal, promover a apuração do

autor de tal infração e de conduzir sobre a sua responsabilidade.

Dessa forma não se aplica o recolhimento à cadeia, quando houver

apresentação espontânea segundo a lei ninguém será preso senão por meio de ordem escrita

judicial, salvo em flagrante delito.

Mesmo sem o aspecto do estado de flagrância, a apresentação

espontânea impede a lavratura do auto de prisão tendo como interesse politico-criminal de não

desvalorizar o gesto nobre do agente delituoso. Veja-se que seria injusto que a lei tratasse

75 ESPÍNDOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954 apud

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p. 520

50

igualmente tanto o agente que foge ou se oculta da lei penal, quanto àquele que,

espontaneamente, se apresenta, facilitando, assim o trabalho da polícia judiciária.

Leano76 esclarece sobre a prisão em flagrante no caso de apresentação

espontânea:

[ ...] a autoridade policial deve empreender a uma análise acerca da

espontaneidade da apresentação do acusado. Assim, a espontaneidade

estará caracterizada, em linhas gerais, quando o acusado houver tido a

possibilidade de fugir, porém não o fez. Por razões de política criminal,

não ocorre nesta hipótese a prisão em flagrante, pois o acusado

demonstrou a sua vontade de colaborar com a aplicação da Justiça, não

furtando-se à persecução penal. Será, ainda mais uma vez, o bom senso

da autoridade policial que determinará as medidas a serem tomadas em

face do caso concreto [ ...]

É por extremo que é conveniente a lavratura de termo de apresentação,

no qual se consignarão todas as circunstancias de sua ocorrência, ouvindo, desde logo, a

autoridade aquele que se apresenta, pois se trata de fato que produz efeitos jurídicos e,

portanto, deve ficar autenticado.

76 LEANO, Marcelo Luiz. Prisão em Flagrante.p.74

51

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da legislação e

da doutrina a possibilidade/impossibilidade da autuação em flagrante delito dos agentes que

pratica crimes cujo processamento se dá apenas mediante Ação Penal Pública Condicionada,

Ação Penais Privada ou ainda àquelas que para autuação prescindem de requisitos especiais.

O interesse pelo tema abordado deu-se em razão da crescente

criminalidade do país, que toma cada vez mais habitual e corriqueira a situação de populares e

autoridades presenciarem alguém em situação de flagrância, podendo assim estudar estas

situações e seus cabimentos. Pelo motivo da amplitude do tema, o presente trabalho ateuse

apenas em casos especiais, casos em que, além da prisão a documentação que a esta segue

deve se ater a formalidade essenciais ao procedimento da futura Ação Penal.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três

capítulos.

O primeiro tratou de abordar a evolução histórica da Prisão em

Flagrante, passando pelas diferentes fases evolutivas, tendo como as mais importantes a

Evolução do Estado politicamente organizado, o conceito de prisão e suas peculiaridades, a

sua natureza jurídica a qual se tem por ato administrativo incumbido a policia sendo a prisão-

captura um ato emanado do poder de polícia do Estado e facultado a qualquer pessoa.

O segundo capítulo foi destinado a tratar “das modalidades de

flagrante” e a ação penal, tratando cada uma separadamente, tratando com maior ênfase as

modalidades de flagrante, já que estas são partes do objeto da pesquisa.

Obteve-se com o estudo do referido capítulo as diferentes modalidades

de prisão em flagrante, o conceito das diversas espécies aceitas ou não, bem como as

hipóteses que se considera o flagrante de delito de acordo com sua fundamentação e natureza

jurídica dentro do ordenamento jurídico atual.

No terceiro e último capítulo, estudou-se os casos especiais da

autuação em flagrante delito, os quais prescindem de requisitos especiais da autuação em

flagrante de delito, os quais viciam o procedimento em alguns casos, como na autuação em

flagrante do advogado sem a presença de representante da classe, acarretam nulidade do ato.

Os Deputados Federais somente poderão ser presos em flagrante delito

pela prática de crimes inafiançáveis, desde que em pleno exercício da função, sendo esta

52

interpretação extensiva aos Deputados Estaduais. Quanto aos advogados estes somente

poderão ser presos em flagrante delito no exercício da profissão pro prática de crimes

inafiançáveis, devendo a autuação ser acompanhada por representante da classe. Já os

Magistrados e Membros do Ministério Público somente poderão ser presos por crimes

inafiançáveis, devendo ser imediatamente apresentados ao superior imediato, sendo que nos

casos de crime afiançáveis não poderão ser presos, tampouco autuados.

Por fim retoma-se as três hipóteses básicas da pesquisa: a) é possível a

autuação em flagrante do agente que comete crime que somente se procede mediante a

representação ou queixa do ofendido; b) frente à lei 9.099 é possível que seja lavrado o

flagrante contra o agente que pratica crime de menor potencial ofensivo; c) é cabível a

autuação em flagrante de pessoa pública como Parlamentares e Magistrados e ainda de

Promotores e advogados.

Em relação à hipótese “a”, tem-se que esta foi confirmada já que é

possível a autuação em flagrante em tais casos desde que o detentor do delito de agir

demonstre interesse neste sentido. A hipótese “b” foi confirmada em parte, já que apenas em

alguns acasos específicos poderá o agente ser autuado em flagrante nas infrações de menor

potencial ofensivo, sendo a regra geral a impossibilidade da autuação. A hipótese “c” foi

confirmada em parte já que é possível autuação apenas em casos específicos definidos em lei.

53

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54

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