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UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ – UNESA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DIREITO PÚBLICO E EVOLUÇÃO SOCIAL
JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MEIO DE ASSEGURAR MAIOR
EFETIVIDADE NA SOLUÇÃO DE CONFLITO NO CURSO DA EXECUÇÃO
PENAL.
SILVIA RODRIGUES DA SILVEIRA SAVERIO
RIO DE JANEIRO JULHO/2008
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SILVIA RODRIGUES DA SILVEIRA SAVERIO
JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MEIO DE ASSEGURAR MAIOR
EFETIVIDADE NA SOLUÇÃO DE CONFLITO NO CURSO DA EXECUÇÃO
PENAL.
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Orientador: Prof. Rogério José Bento Soares do Nascimento
RIO DE JANEIRO JULHO/2008
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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MEIO DE ASSEGURAR MAIOR
EFETIVIDADE NA SOLUÇÃO DE CONFLITO NO CURSO DA EXECUÇÃO
PENAL.
SILVIA RODRIGUES DA SILVEIRA SAVERIO
Avaliada e aprovada por todos os membros da Banca examinadora foi aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial à obtenção do título de
MESTRE EM DIREITO
Rio de Janeiro, ________ de__________ de 2008.
BANCA EXAMINADORA
___________________________ Prof. Dr.
Presidente Universidade Estácio de Sá
____________________________ Prof. Dr.
Universidade Estácio de Sá
__________________________ Prof. Dr.
Universidade
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SAVERIO, Silvia Rodrigues da Silveira. JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MEIO DE ASSEGURAR MAIOR EFETIVIDADE NA SOLUÇÃO DE CONFLITO NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL. Prof. Orientador: Rogério José Bento soares do Nascimento. Rio de Janeiro: UNESA, 2008. RESUMO – Esse trabalho contém uma abordagem sobre o impacto da justiça restaurativa no sistema de justiça criminal brasileiro, com uma introdução conceitual à idéia da Justiça Restaurativa e às diferenças entre a justiça restaurativa e a justiça criminal convencional. Abrange, também, a questão da sustentabilidade do paradigma e sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro, com considerações sobre o papel dos operadores jurídicos. O autor procura demonstrar que, se observados os princípios, valores e procedimentos da justiça restaurativa e as peculiaridades jurídicas do país, é viável implementar a justiça restaurativa em casos de condenações e paralelo a estas, a partir da legislação vigente, embora admita a necessidade de introduzir na legislação normas permissivas das práticas restaurativas. O processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). Palavra chave: Justiça Restaurativa; mediação penal ABSTRACT – The content of present work is an approach to the impact that restaurative justice causes to the system of criminal justice in Brazil, comprising a conceptual introduction to the idea of Restaurative Justice and the differences between that aspect of justice and the conventional criminal justice. It comprises, also, the question respecting the dependability of the standard and its compatibility with the Brazilian legislative prescriptions, with considerations about the role performed by the operative agents. The author seeks to demonstrate that, if the principles, values and prodecures of restaurative justice are observed and so the juridical peculiarities prevailing in Brazil, it is possible to implement the restaurative justice in cases of condemnations and, paralleling them, starting from the ruling legislation. However, it is necessary to admit the need to introduce in the legislation permissive rules to restaurative practices. The restaurative process means any process in which the victim and the offender, and, whenever appropriate, any other individuals or members of the affected community by a crime, all participate actively in the resolution of the questions originating from the crime, generally with the aid of a facilitater. The restaurative processes mey include mediation, conciliation, fammily meeting or conferencing and sentencing circles.
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SUMÁRIO 1. Introdução 06 2. A Origem das Penas 09 3. As garantias jurídicas e o direito ao processo 12 4. O poder de punir 16 5. Processo, procedimento e execução da pena 31 5.1 O processo como meio de acesso à ordem jurídica justa 33 5.2 Conceito de processo 37 5.3 A teoria do procedimento 40 5.4 A teoria do procedimento em contraditório 43 5.5 Processo e procedimento: conceitos interligados 43 5.6 A instrumentalidade garantista do processo de execução penal 45 5.7 Natureza e objeto da execução penal 47 5.8 A quebra do paradigma punitivo 57 6. Justiça restaurativa 62 6.1 Premissas 62 6.2 A proposta restaurativa 64 6.3 Consultando o direito estrangeiro 67 6.4 O desenvolvimento de medidas e sanções comunitárias 72 6.5 Algumas medidas e sanções comunitárias desenvolvidas no sistema franco-belga.
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6.6 A necessidade de uma nova abordagem 79 6.7 Vitimologia e movimento vitimológico 84 6.8 mediação penal: Projeto Belga, uma resposta às necessidades das vítimas
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6.9 Detenção restaurativa: o modelo belga 96 7. Considerações Finais 111 8. Bibliografia Consultada 116 9. Anexos 120
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1. INTRODUÇÃO
A evolução social, política e científico-tecnológica, movimento que
marcou o processo de civilização, denota características que revelam a
permanente insatisfação humana. Em virtude dessa vitalidade incontrolável e
quase ilimitada, nós, humanos, lançamo-nos na busca da superação de limites
e de novos horizontes, nas mais diversas áreas e campos do conhecimento.
Em síntese, a própria natureza de insatisfação humana revela sua outra
face conservadora que com freqüência, parece preferir permanecer na
tranqüilidade da segurança, apegada ao status quo ante, em lugar de enfrentar
o desafio e buscar solução mais viável, porém desconhecida e ameaçadora.
Seria de grande proveito que essas transformações fossem automáticas
e indolores para todos. Porém a evolução nem sempre resulta de processo
simples e tranqüilo; por vezes as mudanças no âmbito jurídico-social são de
aceitação até mais difíceis do que nos demais grupos sociais, talvez pela
noção de segurança, que está sempre subjacente ao mundo do direito.
Até pouco tempo, as sociedades ocidentais vinham utilizando punições,
normalmente vistas como a única forma eficiente de disciplinar aqueles que se
comportavam mal ou cometiam crimes. Além disso, nesse sistema de justiça
penal que simplesmente pune os transgressores e desconsidera as vítimas,
não leva em consideração as necessidades emocionais e sociais daqueles
afetados por um crime, sendo certo que este causa dano as pessoas e
relacionamentos, devendo ser reparado ao máximo.
Questionar a forma como se exerce justiça tem repercussões não
apenas no campo da Justiça formal, aquela praticada institucionalmente,
através do Poder Judiciário, mas se revela de profundo impacto no âmbito
cultural e das práticas sociais. Disso decorre do fato de que, em regra,
predomina os métodos tradicionais de fazer justiça que são transmitidos ao
longo das gerações.
Assim, a justiça restaurativa é uma nova maneira de abordar a justiça
penal, que enfoca a reparação dos danos causados às pessoas e
relacionamentos, ao invés de punir os transgressores. É um processo
colaborativo que envolve aqueles afetados mais diretamente por um crime.
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A essência da Justiça restaurativa é a resolução de problemas de forma
colaborativa. Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram
prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunião para expressar seus
sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para
reparar os danos ou evitar que aconteça de novo. A abordagem restaurativa é
reintegradora e permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto
como tal.
O referencial teórico da Justiça Restaurativa está fundado no
reconhecimento de que o sistema punitivo tradicional concentra-se
excessivamente nos papéis de atores estatais (policial, promotor, juiz) e na
figura do acusado (e seu defensor), ao mesmo tempo em que remete a
considerações abstratas a respeito da transgressão ou não da norma pelos
fatos ocorridos no passado, que se ocupa de reconstituir para então punir.
O sistema de justiça restaurativa tem como objetivo não apenas reduzir
a criminalidade, mas também o impacto dos crimes sobre os cidadãos. A
capacidade da justiça restaurativa de preencher essas necessidades
emocionais e de relacionamento é o ponto chave para a obtenção e
manutenção de uma sociedade civil saudável.
Nesse trabalho propomos uma teoria conceptual de Justiça
Restaurativa. Não é proposta como uma forma de justiça alternativa, mas como
uma solução paralela, que deve conviver com a justiça tradicional, visto ser
aplicável em circunstâncias peculiares, pois depende fundamentalmente da
admissão pelo transgressor quanto à verdade dos fatos, bem como da
concordância de todos os interessados na solução do problema. Todos
assumem a responsabilidade de produzir uma solução de consenso, que
respeite igualmente as necessidades de cada uma das partes envolvidas.
Desse modo, todos os afetados pelo crime têm papéis e
responsabilidades nesse processo e devem, por isso, trabalhar coletivamente
em torno do impacto e das conseqüências do delito. A restauração, a solução
de problemas e a prevenção de males ulteriores deve ser enfatizado no
programa. A idéia é buscar restaurar os relacionamentos em vez de
simplesmente concentrar-se na determinação de culpa.
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O proposto aqui é a aplicação restaurativa após a sentença
condenatória, no curso da execução da pena, sobretudo como um
procedimento processual paralelo aos procedimentos de livramento condicional
e progressão de regime de pena, sendo que a grande inovação do projeto é
conferir poderes de legitimidade à comunidade, afastando, em parte, o controle
judicial e do executivo na gerência de medidas contra os apenados, de sorte
que o sistema formal se converta numa alternativa de controle no caso de a
ação comunitária não se revelar suficiente.
Nessa vertente, procura-se o acesso à justiça mais amplo e efetivo. Com
efeito, transformar procedimentos ou flexibilizá-los, em regra, é uma tendência
da modernidade processual, mas que não inibe ou esgota o paradigma da
litigiosidade. Entretanto, mudar o foco para a prática restaurativa do direito,
fundada no discurso persuasivo, na reparação negociada entre cidadãos
dotados de igual liberdade para assumir responsabilidades, pode vir a
suplementar a atuação estatal coercitiva.
A realidade vivida pelo homem contemporâneo, em todas as esferas da
sociedade e, principalmente, no seio da instituição judiciária, foco de nossas
reflexões e preocupações, torna imperativa a necessidade de profundas e
urgentes mudanças. Em um modelo democrático, a reflexão, o debate e a
discussão contribuem para o esclarecimento de todos e, principalmente, para o
amadurecimento de soluções criativas e eficazes.
Diante do exposto, justifica-se o presente estudo, por meio do qual,
pretende-se, entre outros objetivos, contribuir para superar o preconceito em
relação à justiça restaurativa. Segundo esse diapasão, acredita-se ser possível
retirar os operadores/pensadores do Direito da tendência a uma visão única,
impelindo-os a entrar em sintonia com a evolução e demandas mais elevadas
da sociedade.
Trata-se de tarefa das mais árduas, levando-se em consideração a
tendência humana à resistência do desconhecido. Porém, o direito em geral
está em transformação, sobretudo o direito penal repressivo, sendo este
momento de crise, dentro de um modelo democrático, oportuno para a reflexão,
o debate e o amadurecimento de soluções criativas e eficazes.
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2. A ORIGEM DAS PENAS
Abordar o caráter histórico da pena é atrelá-la a contextos
socioeconômicos no qual ela teve seu advento, sua formulação, mudança ou
extinção. Enfim, é necessário captar e entender a ideologia de fundo em que a
pena é formulada, para atingirmos sua função teleológica.
O processo histórico aqui exposto abordará apenas superficialmente a
transformação da pena ao longo do tempo e das idéias. Assim o olhar
panorâmico atem-se do industrialismo adiante, de onde o controle social
deixou de figurar no campo abstrato do conhecimento e passou a concretizar
como meio ideológico material-positivista, dando origem às codificações
modernas.
Com as mudanças trazidas no bojo da industrialização vê-se na
supremacia da aglomeração urbana a característica mais marcante. O homem,
agora livre do controle dos senhores feudais, aglomera-se nas cidades. A
criação de sociedades comerciais, deliberando novas regras, configura-se
como novo paradigma, fundamentando no comércio a sua prática. O comércio
pressupõe o trabalho e beneficiamento de produtos para a venda e produção
de riquezas como seu objetivo primário.
Entretanto, o simples fato de estar o homem no âmbito da cidade não
lhe garantia a sobrevivência. Com o aumento numérico de indivíduos
disponíveis, houve uma queda na taxa de procura de mão de obra. Esta
diminuição criou uma margem populacional desvinculada dos meios de
produção, e como toda população, possuía necessidades. Evidenciava-se uma
escolha a esta população marginalizada na satisfação de suas necessidades
primárias, em vista da ausência de recursos à época.
Assim, surgiu necessidade de controle social, em sua forma primitiva.
Como a sociedade comercial tinha no corolário de seu paradigma a liberdade
contratual, o direito repressor toma esta forma, decorrendo daí um dispositivo
abstrato novo, a indenização.
O Estado assume lugar de signatário junto ao indivíduo, e a
promulgação dos direitos universais do homem implica uma cláusula que o
Estado deve obedecer em face do indivíduo. Os limites que o homem
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experimentava diante dos outros homens eram incorporados como deveres
diante do Estado, pois este representava em tese a coletividade.
Uma vez que as massas destituídas de bens a fim de indenizar a
violação de cláusulas contratuais não dispunham de patrimônio, retirava-se
deles, como medida indenizatória, a única coisa que dispunha: a Liberdade.
Assim surge a pena, corporificada como forma de suprir a ausência de
bens para indenização por violação de deveres. A prisão até então fora apenas
uma medida preventiva, pois as penas eram, sobretudo, antes do advento do
contratualismo industrial, corporais. Tais são, em linhas gerais, o processo de
desenvolvimento das penas, desde a ruptura com o sistema feudal até a
atualidade.
O pensamento filosófico pós contratualista, voltou-se a bases idealistas
e parece ter lançado mão de conceitos antigos cuja ressignificação foi de plano
ideada pelos pensadores alemães.
Assim, a pena para Hegel é conseqüência lógica, de caráter retributivo,
e como tal, guarda justificação dialética. Logo, o delito é a negação do direito, e
a pena a negação do delito, e neste método, como negação da negação
constitui uma afirmação, a pena é a afirmação do direito.
Dando confirmação ao pensamento de Hegel, de que uma afirmação
tem em seguida uma negação mensurada na mesma proporção, surge uma
corrente irracionalista que se justifica numa visão totalmente distorcida da
democracia, conhecida como direito penal popular. Neste âmbito, levanta-se
Nietzsche em defesa da lei natural de caráter evolucionista, onde a seleção
natural do mais forte se impõe de modo cru e o “Estado” é um contrato entre os
mais fracos contra o domínio dos mais fortes.
O pensamento de Marx descortinou uma nova teoria do delito, fazendo
uma releitura crítica e enviesada da obra de Hegel. Assim, o indivíduo que
incorresse em condutas tidas como criminosas não deveria ser punido, posto
que reproduzisse no Âmbito individual as tensões existentes no Âmbito social.
Antes deveria-se observar e combater as raízes anti-sociais do crime, de modo
que o indivíduo pudesse dar vazão à satisfação de suas necessidades,
possibilidade que o capitalismo excluía de plano, uma vez que o bem estar de
uma minoria só era possível enquanto alienação de uma maioria. Em suma, o
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delito era visto como resultado das tensões sociais, da contradição entre
classes, e deste modo, era resultado das desigualdades.
Desse modo, é função do Estado legitimar a supremacia da classe
dominante, legislando subservientemente a esta classe e imprimindo as leis
penais a ótica inerente a ela, positivando condutas que recairão mais
facilmente sobre a classe dominada. Isso facilitaria a punibilidade, da qual
decorre a marginalização, criada em função da própria lei.
Nesse contexto, nasce o positivismo de Conte e adaptado no âmbito
jurídico por Hans kelsen, reproduzindo a ideologia industrial capitalista. Datam
desta época os conceitos legados pelo nosso sistema penal, tendo em linhas
gerais os pressupostos evolutivos do conceito de pena.
Ocorre que, o direito penal não é utilizado como última alternativa, mas é
a alternativa mais utilizada no trato com as classes marginalizadas, e foi criado
especialmente para elas. Assim, segundo a teoria materialista do desvio não há
prática legislativa neutra e a pena está em estrita relação com o modo de
produção Neo-Liberal. Aumenta-se a tecnologia, aumenta-se o desemprego,
aumenta-se a marginalização, aumenta-se a punibilidade. A sociedade –
orientada pelos meios de comunicação de massa que atendem aos
movimentos de “lei e ordem” – pede mais severidade punitiva: na mesma
proporção em que se produz mais bens de consumo ou de capital, se produz
mais crimes e as penas são alargadas.
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3. AS GARANTIAS JURÍDICAS E O DIREITO AO PROCESSO
O procedimento restaurativo, para subsistir juridicamente, jamais poderá
contrariar os princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais – violando
o princípio da legalidade, igualdade proporcionalidade e da presunção de
inocência. Do contrário o procedimento e seus atos resultarão naturalmente
inexistentes, nulos ou ineficazes, portanto inaptos para irradiar efeitos no
mundo jurídico.
É forçoso reconhecer que as garantias do processo representam o maior
“nó a desatar” presente no procedimento restaurativo, posto que este não é
expressamente previsto na lei como um devido processo legal no sentido
formal. Nas formas de justiça negociada a verdade e a justiça ocupam, quando
muito, um segundo plano.
Sabe-se que, a renúncia ao direito penal ou a adoção de práticas
alternativas é muito pior que o próprio direito penal que está alicerçado sob
bases dos princípios garantistas, e que essa informalização da justiça gera
diminuição de garantias, podendo implicar em déficits de legalidade ou de
imparcialidade, pois o que se pretende é contornar os estritos atalhos dos
princípios de igualdade e generalização das decisões.
Tal advertência deve ser considerada ao lidar com justiça restaurativa.
Entretanto, tomou conta da justiça penal o hábito de punir, ou seja, é a
instrumentalização do direito penal para manter o distanciamento e isolamento
de determinadas pessoas rotuladas inimigos sociais. No mais, a redução da
violência por meio da atuação da justiça punitiva é um ideal que não se
sustenta.
Portanto, deve ser rigorosamente observados todos os direitos e
garantias fundamentais de ambas as partes, a começar pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade, da
adequação e do interesse público. Outros princípios fundamentais aplicáveis ao
direito penal formal, tais como o da legalidade, intervenção mínima, lesividade,
humanidade, culpabilidade, entre outros, devem ser levados em consideração.
A justiça restaurativa apenas pretende abater esse sentimento punitivo e
preservar a evolução da vida comunitária.
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A abordagem restaurativa, com alto controle e alto apoio, confronta e
desaprova as transgressões enquanto afirmando o valor intrínseco do
transgressor, livrando-o de rótulos e do estigma marginalizante.
Falsa é a premissa de que há necessidade de castigo e de que a justiça
punitiva opera sem margem de erro e num alto índice de respeito à legalidade
e à igualdade. A Constituição tem sido relativizada por leis penais e
processuais penais e os discursos de segurança pública pressionam a
substituição do processo penal pelo direito processual de polícia.
Neste diapasão, a produção acadêmica garantista, demonstra
preocupação com a contaminação policialesca da jurisdição e com os vícios de
ambos os sistemas que não são controláveis nem remediáveis em outra sede.
E freqüentemente, dentro do sistema penitenciário, nos deparamos com as
vítimas da lentidão e do formalismo, da cegueira dos automatismos, de
procedimentos arbitrários que revelam que o Juízo não é mais um lugar de
verificação do material probatório compilado.
Quanto à compatibilidade do sistema garantista com o procedimento
restaurativo, ressalte-se o garantismo não veda ou fecha as portas a este;
Apenas faz crítica dura a tendência de negociação penal, que encurta e agiliza
procedimentos com enfraquecimento das garantias processuais, despenaliza
condutas ou inibe o contraditório com práticas persuasórias.
O que de fato mina a função garantista da jurisdição penal desdobra-se
em três ítens relevantes: a) a discricionariedade da adminsitração da justiça
penal, desvinculada de qualquer critério legal; b) a marginalização da fase de
debates; c) e a incerteza quanto a pena. Ora, a justiça restaurativa não
compreende aplicar diretamente a lei violada, tarefa que permanece e deve
permanecer nas mãos da justiça formal. Ela propõe uma imagem de
elaboração dos conflitos que não se situa na lei, nem fora da lei, mas sob a
insígnia da lei. Se o preceito contém descrição do que não se deve fazer, é sob
a descrição desse fato que ocorre o encontro entre o ofensor e a vítima. E é a
pena o ponto de partida do qual o sujeito vai debater maneiras restaurativas.
Não há privatização da lei. Os operadores do sistema restaurativista
estão vinculados a essas normas, que se expressam por princípios e regras
inderrogáveis. A validade de qualquer acordo oriundo de um procedimento
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restaurativo construído ao arrepio da Constituição e das leis é insustentável
juridicamente.
O procedimento combina técnicas de mediação, conciliação e transação
permitidas no contexto sistemático da legislação, com a diferença que se usará
a metodologia restaurativa, mediante a participação da vítima e do infrator no
processo decisório, quando for possível e for essa a vontade das partes.
Ainda, quanto à crítica as formas de justiça consensual, os
processualista pátrios Geraldo Prado (2002) e Aury Lopes Jr. (2002) 1defendem uma intervenção mais respeitosa aos direitos humanos e que não
atropele critérios de justiça e igualdade pela idéia de fazer “justiça rápido”.
Contudo, não é verdade que a justiça restaurativa se insira dentro de uma
lógica de celeridade e obtenção de resultado a qualquer custo, pelo contrário o
fator tempo não importa e a solução consensual ou o eventual acordo não são
as metas do procedimento. Mesmo assim, é mister reconhecer que a
banalização da violência pressiona a sociedade insegura no sentido único da
crença na repressão penal, sinalizando-o como único e principal instrumento
com potencial de obstáculo, tornando inócua qualquer ponderação de cunho
humanista e aqui, vale dizer, garantista, utilitarista ou restaurativista.
Logo, se a eficiência almejada consiste na redução da marginalidade,
quais os êxitos do modelo vigente de Justiça Penal? A eficácia do direito penal
depende da resposta sancionatória com severidade em grau máximo? Uma
justiça penal sem castigo seria obrigatoriamente violadora da Constituição e do
sistema processual penal?
Pois bem: as críticas dos processualistas pátrios procedem, mas elas se
lançam sob uma justiça negociada e estabelecem uma oposição entre
garantismo e utilitarismo.
A justiça restaurativa proporciona muitos resultados positivos para
vítimas e ofensores em relação ao impacto da atuação da justiça sobre eles
(ajuda o ofensor a entender o impacto do crime, facilita a reparação simbólica e
material à vítima e, principalmente, proporciona sentimento de solução do
problema. O direito ao processo mantém-se intacto no modelo de justiça
1 LOPES JR, Aury, Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004; PRADO, GERALDO. Sistema Acusatório:a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2ª Ed. Rio de Janeiro:Lúmen Júris,2000.
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restaurativa, sendo a voluntariedade requisito básico; assim, o direito ao
processo, para ser pleno e realizável, deve incluir o direito de evitar o processo.
O fundamental é que a decisão de abdicar ao processo ocorra sob condições
adequadas, ou seja, em circunstâncias que o acusado não seja coagido,
forçado ou induzido a aceitar a proposta de discutir uma solução consensual e
tal decisão é que consolida o direito ao processo.
A plea bargaining do direito anglo-saxão, a transação penal e a
conciliação da Lei nº 9.099/95, são exemplos de justiça consensual que não se
aplicam a justiça restaurativa, uma vez que esta procura se distanciar de uma
negociação forçada sob ameaça de pena e de processo.
Assim, o que faz-se necessário é a integração entre um discurso crítico
e outro propositivo, entre o controle negativo e o controle positivo, construindo
o garantismo sobre uma base multidisciplinar, como a emancipação de todas
as necessidades reais, a proteção dos direitos fundamentais em face de todo
tipo de repressão, pois uma visão meramente “defensiva e formalística da
política de direitos” é insuficiente no cenário mundial de emergência repressiva
e presta-se, somente, a um garantismo de padrões, um pseudogarantismo, um
garantismo só penal.
Nessa ótica, a pena como elemento central da racionalidade penal
moderna funcionaria como um contra-estímulo ao crime ou como necessária
para revelar na sociedade o funcionamento da ordem normativa. De qualquer
forma impõe sofrimento e exclui a vítima, sem nada prevenir ou dissuadir da
prática da conduta proibida, sendo que a experiência dos anos em sistema
penitenciário permite dizer que o exercício da função punitiva sequer inibe a
reincidência. Esta resulta numa percepção maior de eficiência do sistema de
justiça e nos remete ao problema da necessidade de punir e qual é a sua
lógica dentro dessa visão equivocada que é a imagem bélica do direito penal.
Por fim, é mister ressaltar que, o sentimento de injustiça que um
prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável
seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou
nem mesmos previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo que o
cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade: não pensa mais ter
sido culpado, acusa a própria justiça.
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4. O PODER DE PUNIR
É assente na doutrina penal o reconhecimento de que Kant é o pensador
referencial na discussão e fundamentação do modelo retributivo.
Se as discussões em torno deste modelo, no âmbito do direito, cingem-
se, no mais das vezes, às funções atribuídas à pena e à preocupação candente
por parte de Kant de que, ao ser punido, o homem não seja funcionalizado à
vista de outros fins que não a resposta à sua conduta, preservando deste
modo, sua dignidade enquanto homem, deixa-se comumente, a pergunta pelo
sentido da pena.
Se a função tem o significado técnico de papel e características
desempenhadas por um órgão num conjunto cujas partes são
interdependentes, ou a um sistema de causas centradas nos mesmos objetivos
gerais, o sentido é a idéia ou a intenção valorativa implicada no pensamento,
que ora pode se expressar em uma definição, ora em uma intuição simples. Se
para a primeira a pergunta volta-se ao “para quê da pena, se o segundo centra-
se no “por quê”
A pena deve, obrigatoriamente, trazer uma forte dose de utilidade social,
servindo como medida sócio-educativa que respeite a dignidade humana, ou
voltaremos ao ritual público de dominação pelo terror quando o poder de punir
sem possuir uma essência determinada, podia ser definido como “suplício do
corpo”, ou seja, o objeto da pena criminal era o corpo do condenado, mas o
objetivo da pena criminal é a massa do povo, convocado para testemunhar a
vitória do soberano sobre o criminoso, o rebelde que ousou desafiar o poder.
No pensamento marxista, a idéia de poder está ligada à de centralização
do poder nas mãos da classe dominante. Como forma diferente de pensar o
poder, Foucault2 define-o, rompendo com as concepções clássicas deste
termo, como dispersão. Para ele, o poder não pode ser localizado em uma
instituição ou no estado e não é considerado como algo que o indivíduo cede
2 FOUCAULT. Vigiar e Punir.Editora Vozes.1987
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ao soberano, mas sim como uma relação de forças. Ao ser relação de forças, o
poder está em todas as partes e interligando as pessoas.
De fato, o que nos ensina Foucault é justamente que a instituição de um
órgão que decida, sobre as partes litigantes, sobre o que é justo, tornando-se
um terceiro em relação ao conflito, subtrai-lhes toda a possibilidade de efetiva
autonomia e de solução de conflitos, colocando uma instância que liga justiça à
verdade, de cuja prolação se torna detentora.
Isso nos mostra o quanto a Justiça restaurativa nos oferece a
oportunidade de reflexão sobre como as relações de poder se estabelecem
entre indivíduos. Acentua a responsabilidade individual nesta tentativa de
encontrar fundamento de sua ação e, com isto, deixar de ser mero destinatário
de uma regra que lhe é estranha. Trata-se, portanto, de superar uma situação
em que a regra se mostra alheia e impessoal, em que falta ao homem a
capacidade de julgamento do justo de sua ação
Desse ponto de vista, o sistema punitivo seria um subsistema social
garantidor do sistema de produção da vida material, cujas práticas punitivas
consubstanciam uma economia política do corpo para criar docilidade e extrair
utilidade das forças corporais. As relações de produção da vida material
engendram as relações de dominação do sistema punitivo, orientadas para
construir o corpo como força produtiva, ou seja, como poder produtivo e como
força submetida , mediante constituição de um poder político sobre o poder
econômico do corpo.
O poder de punir, tende a desaparecer do Estado como elemento de
tormentos horríveis para dar lugar a nova ideologia da época (na segunda
metade do século XVII), descrita como disseminação, através das máquinas de
poder, nas quais o Estado perde sua substância para uma realidade visível no
campo social. O poder instala-se na horizontalidade do sujeito individualizado,
modelando seu corpo até à passividade.
A analítica do poder realiza um duplo movimento: primeiro destitui do
Estado o papel de sede do poder; depois, inaugura-lhe um novo lugar. Contra a
centralização do poder na forma de Estado, é apresentada uma nova
rematerialização de seu lugar; sua particularidade tem um caráter secundário e
subalterno, e pode ser visto no asilo, na clínica, na prisão.
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O poder não é assimilável a instituições, porque não existe mais um
centro material. Trata-se mais de relações entre indivíduos e classes,
indivíduos e instituições, polícia e prisão. As instituições são lugares de
intensificação das relações de poder.
Embora o poder seja localizável nas máquinas de poder, ele não se
reduz a elas, pois há duplo aspecto do poder: a parte visível e a invisível. A
visibilidade do poder são as instituições, as disposições das máquinas, como
formas terminais. O “dispositivo” é aquilo que fica invisível no interior do qual
circulam novas intensidades de poder, refletindo a paisagem mental de uma
época.
O poder é a estratégia das classes dominantes para produzir a ideologia
de submissão ao sistema penal que é definido como o instrumento de gestão
diferenciada da criminalidade e não de supressão da criminalidade, na medida
que pune com prisão as classes populares e estimula omissões e tolerância da
legislação para as ilegalidades da burguesia. Descreve a disciplina com o
objetivo de tornar o indivíduo dócil e útil e como o instrumento instituído pela
política de coerção para controle de sujeição do corpo.
Se não estamos à frente de uma concepção linear da existência, com
caráter evolutivo, tornando-se impossível que demos garantias de poder
controlar a vida em todos seus termos futuros, este comprometimento ganha
em simbolismos mais do que pela instauração de arranjos outros de existência,
pelo peso que recai em sua avaliação presente e em seu engajamento volitivo
para determinação do justo, pela grandeza de seu poder de construir o futuro e
que lhe dá o direito de julgar o passado sem ter de se soçobrar por causa dele.
Por isso, tal modelo não pode prescindir de um envolvimento
comunitário para sua resolução e da intervenção efetiva de uma rede de
atendimento fundada em políticas públicas voltadas a todos, que dê amparo às
necessidades outras que entrem em questão naquele primeiro momento. São
questões que, para além de uma mera divergência interpessoal, podem
envolver aspectos sociais que demandarão não apenas a compreensão por
parte da vítima, mas também da comunidade do entorno em que se dá o
conflito. Em jogo está outro modo de reflexão da justiça que passe da coerção
ao juízo sobre suas práticas.
19
Retomando a análise do poder não como processo de totalização,
centralização, mas como transversalidade, sugerindo o abandono de certo
número de postulados que marcaram a posição tradicional da esquerda:
propriedade, localização, subordinação, essência ou atributo, modalidade,
legalidade.
O postulado da “propriedade” declara que o poder pertence à classe que
o conquistou. O poder é menos uma propriedade que uma estratégia, cujos
efeitos não devem ser atribuídos a uma apropriação, aplicando-se mais as
disposições, manobras, táticas, técnicas, funcionamentos.
O poder não pode ser o privilégio adquirido ou conservado da classe
dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas. Essa nova
análise funcional não anula a existência das classes e suas lutas, mas as
distribuem num outro quadro, com outras paisagens, outros personagens,
outros procedimentos, diferentes daqueles assinalados na história tradicional.
O poder não possui homogeneidade, definindo-se pelos pontos singulares por
onde passa.
Pelo postulado da “localização”, o poder circunscrever-se-ia no Estado,
no interior de seus aparelhos, no qual os poderes privados seriam ainda
aparelhos especiais. O Estado aparece como efeito de conjunto, multiplicidade
de centros que se situam em níveis bem diferentes.
Uma das idéias do sistema punitivo afirma que as sociedades modernas
podem ser definidas como sociedades disciplinares. Elas não podem ser
identificadas com uma instituição ou aparelho, porque as sociedades
disciplinares são um tipo de poder que atravessa todos os aparelhos e
instituições, para ligá-los, prolongá-los, convergi-los de um novo modo.
A polícia se organiza sob a forma específica de um aparelho de Estado,
encarregando-se da manutenção da disciplina no espaço efêmero de um
campo social, tornando-se independente dos aparelhos jurídico e político.
A prisão não teve sua origem na estrutura jurídico-política de uma
sociedade, não dependeu de uma evolução do direito penal; enquanto
geradora da punição, a prisão dispõe de uma autonomia necessária, de um
suplemento disciplinar, que excede um aparelho de Estado
20
A visão funcionalista do poder postula um poder fora do Estado. Supõe
que o cidadão tenha aceito de uma vez por todas, numa espécie de contrato,
que as leis da sociedade poderá puni-lo em caso de rompimento do pacto.
Assim o poder de punir é uma função generalizada do corpo social e de cada
um de seus elementos, sendo problema tão somente a sua medida.
O postulado da “subordinação” encarnaria o poder no aparelho de
Estado e seria subordinado a um modo de produção, como uma infraestrutura.
Pode-se estabelecer uma relação entre os grandes regimes punitivos e
sistemas de produção.
Os mecanismos disciplinares não estão separados da explosão
demográfica do século XVIII; O crescimento de uma produção, que procura
aumentar seu rendimento e compor as forças extraindo dos corpos toda força
útil, não legitima remeter a uma determinação econômica.
Em última instância - a oficina ou a fábrica pressupõem estes
mecanismos de poder, agindo no interior do campo econômico sobre as forças
produtivas e as relações de produção.
As relações de poder não se encontram numa relação de exterioridade
com essas forças produtivas, e nem se situam na superestrutura. Estão
presentes no mesmo espaço em que se exerce a produção
Pelo postulado da “essência” ou do “atributo”, o poder teria uma
essência ou seria um atributo, quantificando aqueles que o possuem como
dominantes, e distinguindo-os daqueles sobre os quais o poder se exerce, isto
é, os dominados.
O poder não tem uma essência, porque é um conceito operatório; não é
atributo, trata-se mais de uma relação, um conjunto de forças, que passa tanto
pelas forças dominantes como pelas dominadas, constituindo a ideologia do
contrato social, em que a posição de membro da sociedade implica aceitação
das normas e a prática de infrações determina aceitação da punição.
Ao fazer a analise das noções de privado e público, Foucault 3 procura
encontrar mecanismos de poder, cujo modelo não é um aparelho de Estado,
pois o que está em jogo é o entrelaçar de interesses e táticas particulares em
públicos.
3 FOUCAULT, Michel, A verdade e as formas jurídicas, rio de Janeiro: Nau Editora, 2005
21
Sabe-se que no nascimento de nosso sistema correcional, a reclusão
determinada pela ordem do rei torna-se educativa, procurando menos
estigmatizar os maus indivíduos através do castigo físico, e mais conduzi-los
ao arrependimento pela privação da liberdade.
O interessante é que a arbitrariedade do rei não decorre de um atributo
de seu poder transcendente, mas brota da solicitação dos mais humildes
(parentes, vizinhos, colegas) que desejam o afastamento e a reclusão do
elemento perturbador, em suma, o apelo ao monarca absoluto é a saída para
resolver os conflitos familiares, conjugais ou profissionais.
Entre as razões invocadas para o internamento estão: desordem,
devassidão, embriaguez, vagabundagem, violência dos pais para com os filhos,
loucura. A coisa pública identifica-se com a ordem familiar e a família torna-se
assunto público. Essa privação da liberdade estabelece uma relação mais
próxima do rei com a gente humilde pela confissão de um segredo
Pelo postulado da “modalidade”, o poder agiria por violência ou
ideologia. No entanto, o poder não se opera pela ideologia, mesmo quando se
dirige às almas, e nem se exerce necessariamente pela violência e repressão,
mesmo quando recai sobre o corpo.
A violência exprime o efeito de uma força sobre qualquer coisa, objeto
ou ser; como relações de força com outra força, ou uma ação sobre outra ação.
Uma relação de forças é uma função do tipo “incitar, suscitar, combinar”; nas
sociedades disciplinares, a função é “repartir, seriar, compor, normalizar”.
O poder produz o real antes de reprimir, o verdadeiro antes de
ideologizar, abstrair. A repressão e a ideologia nada explicam, mas supõem um
agenciamento ou “dispositivo” no interior do qual podem operar; elas não
constituem o combate das forças, são apenas “a poeira levantada pelo
combate”.
A sociedade disciplinar utiliza técnicas que são simplesmente
denominadas “disciplina”. A disciplina é uma anatomia política do “detalhe”, é
dispositivo tático de poder, sustentado por uma racionalidade econômica ou
técnica. A disciplina torna-se arte e técnica de compor forças para obter um 1 É
aparelho eficiente, no interior do qual o corpo se constitui como peça de uma
máquina multisegmentar.
22
A tática é a forma mais elevada da prática disciplinar; é “saber” que
fundamenta a prática militar no século XVIII, desde o controle e o exercício dos
corpos individuais, até à utilização de forças mais complexas, ou seja, é a
própria ciência da guerra. Contudo, é possível que a guerra, como estratégia,
seja a continuação da política.
A política, pensada como modelo militar, apóia-se tanto em táticas como
em estratégias: por um lado, o exército-política representa a massa
disciplinada, dócil e útil que garante a paz e a ordem civil, pela disciplina tática
que controla os corpos e as forças individuais, por meio de uma técnica e de
um saber.
Por outro lado, a guerra-política representa a força real e efetiva, no jogo
das forças estratégicas entre os Estados. A ciência militar, para manejar a
espada vitoriosa, deve começar pela coerção individual e coletiva dos corpos.
Mais tarde, a vontade de saber desenvolverá as noções de tática e estratégia,
imbricando-as numa imanência entre saber e poder.
Pelo postulado da “legalidade”, o poder do Estado expressar-se-ia na lei
sendo esta conhecida, ora como um estado de paz imposto às forças brutas,
ora como resultado de uma guerra ou luta ganha pelos mais fortes. Nos dois
casos, a lei é definida pelo término imposto ou voluntário de uma guerra, e se
opõe à ilegalidade que passa a ser sinônimo de exclusão. Os revolucionários
não podem sequer reclamar de uma outra legalidade que passaria pela
conquista do poder e pela instauração de um outro aparelho de Estado.
A lei é sempre uma composição de ilegalismos que ela diferencia,
formalizando-os, sendo uma gestão de ilegalismos: alguns, que ela permite,
tornam possível o privilégio da classe dominante; outros, que ela tolera,
permitem a compensação das classes dominadas; e outros mais, que ela
interdita e isola, são tomados como objeto de dominação.
No século XIX, as mudanças da lei têm no fundo uma nova distribuição
de ilegalismos. Não só porque as infrações tendem a mudar de natureza,
portando mais e mais sobre a propriedade que sobre as pessoas, isto, porque
os poderes disciplinares recortam e formalizam de outra maneira essas
infrações, delineando uma forma original chamada “delinqüência”, e permitindo
um novo controle de ilegalismos
23
O ilegalismo não é um acidente, uma imperfeição mais ou menos
inevitável. A lei não foi feita para impedir comportamentos inadequados, mas
para diferenciá-los através de sua própria aplicação. A delinqüência é
produzida pelo dispositivo disciplinar da prisão, compreendendo um sistema
complexo, no interior do qual se pôde destacar quatro termos: 1) o suplemento
disciplinar da prisão; 2) a produção de uma objetividade, de uma técnica, de
uma racionalidade penitenciária como elemento desse saber; 3) a recondução
efetiva de uma criminalidade que a prisão deveria destruir, mas não o fez; 4) a
repetição de uma reforma que é isomorfa ao funcionamento disciplinar da
prisão.
O sistema carcerário é um complexo onde se encontram discursos,
arquiteturas, regulamentos coercitivos, proposições científicas, efeitos sociais
reais e utopias, programas para corrigir a delinqüência e mecanismos que, por
outro lado, a solidificam.
O objetivo mais geral do sistema carcerário estaria, aparentemente,
condenado ao fracasso, porque não conseguiria a recuperação do delinqüente,
reconciliando-o com a sua “humanidade” desviada. A instituição prisão, nos
anos 1960, resistiu tanto tempo no imobilismo, porque exercia funções precisas
no interior do corpo social, com a mesma maquinaria do panóptico de um
século atrás.
A penalidade, ou o poder de punir, simplesmente não reprime as
ilegalidades. Se a distribuição e aplicação da justiça privilegiam os interesses
de uma classe, não é porque o ato de punir pertença à classe dominante como
o lugar localizado de um aparelho jurídico-policial; trata-se mais de dispositivos
gestores dos mecanismos de dominação. As ilegalidades são mantidas e
reproduzidas pelo sistema penal; a lei e a justiça estabelecem a dessimetria de
classes, produzindo a delinqüência como uma forma nociva de ilegalidade, e o
delinqüente, como sujeito patologizado.
A discussão sobre o fracasso da prisão e sua manutenção resistindo
tanto tempo na imobilidade, encontra sua explicação na hipótese que afirma
que a instituição-prisão produziu a delinqüência, como forma economicamente
menos perigosa de ilegalidade. A delinqüência pode ser controlada, vigiada,
localizada, concentrada, isolada em relação a outras ilegalidades pela classe
24
dominante, tornando-se também um agente útil para os desvios ilícitos dessa
mesma classe, porque “a vigilância policial fornece à prisão os infratores que
esta transforma em delinqüentes, alvo e auxiliares dos controles policiais que
regularmente mandam alguns deles de volta para a prisão”.
O controle da delinqüência é feito através de táticas empregadas pelo
sistema polícia-prisão, que visam mais a diferenciar as ilegalidades do que a
regenerar os delinqüentes: táticas de controle através de um sistema de
documentação, fichamento, estatísticas, registros utilizados pelo poder, a partir
dos quais a delinqüência é transformada em discurso.
Dentro desse saber, os noticiários policiais, as literaturas de crimes
ganham o espaço público, atribuindo à delinqüência uma existência distante,
embora ameaçadora à vida cotidiana. Esse jogo de táticas e discursos produziu
múltiplos efeitos: hostilidade junto às camadas populares, análise política da
criminalidade com o deslocamento da origem da delinqüência para a
sociedade.
Nessa polêmica antipenal, uma teoria política teria surgido, atribuindo ao
crime uma valorização positiva, à medida que é efeito da “civilização”,
constituindo o crime o lado selvagem da sociedade. Sob essa ótica, a prisão
como aparelho disciplinador e construída para que o poder de punir recaia no
bem jurídico mais geral das sociedades modernas, mediante a supressão do
tempo livre, é um projeto fracassado e marcado por eficácia invertida: em lugar
de reduzir a criminalidade , introduz os condenados em carreiras criminosas,
produzindo reincidência e organizando a delinqüência.
Neste sentido, o crime é uma arma contra esse estado mais adiantado
da sociedade, impondo-se como força viva, vigor e futuro. Não há natureza
criminosa, mas jogos de força que, segundo a classe a que pertençam os
indivíduos, os conduzirão ao poder ou à prisão. Deve-se ver, no crime, mais
que uma fraqueza ou uma doença, uma energia que se ergue, um poder de
agir que desafia todos os poderes constituídos.
O discurso da delinqüência traz à luz as estratégias e os jogos de força
que se opõem reciprocamente, a batalha que se trava entre a rebeldia do
delinqüente e os dispositivos disciplinares de controle. Em definitivo, não há
25
indivíduos com natureza criminógena e o crime é um jogo de forças, no qual a
posição de classes produz o poder e a prisão.
Contra a teoria de uma natureza humana, da qual o delinqüente se teria
desviado e que seria preciso resgatá-lo, levantam-se argumentos de que não
precisamos de um Direito Penal melhor, mas algo melhor que o Direito Penal.
A lei é menos um estado de paz que o resultado de uma guerra
vitoriosa: a lei é a guerra mesma, a estratégia dessa guerra em ato, da mesma
forma que o poder não é uma propriedade adquirida pela classe dominante,
mas o exercício atual de sua estratégia.
Assim, não basta só repensar certas noções clássicas, mas estabelecer
novas coordenadas para a prática: pensar a guerra, com suas táticas locais e
suas estratégias de conjunto que não procedem pela totalização, mas pela
transversalidade
O direito penal transformar-se-á numa multiplicidade de procedimentos
escravizantes, capazes de transformar delinqüentes e seus perseguidores em
atores sociais do mesmo tipo, atravessados por dispositivos de saber e de
poder.
A criminalização da delinqüência cumpriria a função de moralizar a
classe operária, mediante a aquisição de uma legalidade de base :
aprendizagem das regras da propriedade, o treinamento para a docilidade no
trabalho, a estabilidade na família, na habitação etc. Por outro lado essa
criminalidade de repressão, localizada nas classes oprimidas da população,
realizaria o papel de ocultar a criminalidade dos opressores, com suas leis
tolerantes, tribunais indulgentes e imprensa discreta.
O itinerário descrito não recupera a reconciliação com a humanidade, ao
contrário, permanecem as espoliações, mas moldados em instituições,
inaugurando uma nova anatomia política.
No Antigo Regime, a violência assume uma luta entre o soberano e o
culpado: sobre o corpo do criminoso se expõe a violência soberana do
soberano. O abrandamento e a humanização das penas, a passagem da
justiça arbitrária do Antigo Regime a um contratualismo (no qual toda pena é
proporcional ao delito cometido etc.) forma a superfície macroscópica de um
26
processo microscópio, constituído das tecnologias do corpo, de um poder-
saber.
Essa nova arte de punir instaurou uma nova representação jurídica: pelo
respeito à “humanização” do criminoso, e por essa mesma razão, este adquire
o direito à reintegração social. O criminoso torna-se sujeito jurídico objetivado,
subjugado. E essa relação Rei-súdito não se restringe mais aos corpos
singulares, a sua vida; As penas e a punição generalizada estendem seus
efeitos ao conjunto do espaço social.
Uma mutação desloca o alvo do crime, antes centrado na figura do Rei,
para a sociedade inteira, que se sente atingida pela ofensa recebida. A
dimensão da falta e a responsabilidade moral do súdito remete-se não mais à
soberania real, mas ao espaço público. O poder instala-se na horizontalidade
do sujeito individualizado, modelando seu corpo até à passividade e ocorre
uma transformação nas relações entre a regra e norma.
A norma designa sempre uma medida que serve para avaliar o que está
conforme a regra e o que a distingue; não está mais ligada à idéia de retidão,
esquadro, mas de “mediana” – a norma torna-se agora o parâmetro para opor
normal/anormal, “normalidade”, “normativo”, “normalização”, atravessando
uma multiplicidade de domínios técnicos e econômicos, assim, o conjunto das
ciências morais, jurídicas e políticas.
A partir do fim do século XIX, vão se refletir como ciências normativas as
disciplinas como “poder da norma”, desempenhando uma das principais
tecnologias de poder das sociedades modernas.
A difusão da sociedade disciplinar tem operado segundo três grandes
modalidades: 1) inversão funcional das disciplinas, ocorrendo a passagem da
disciplina compacta, voltada para funções negativas e mecânicas; 2)
proliferação dos mecanismos disciplinares; enquanto os estabelecimentos de
disciplina se multiplicam, seus mecanismos têm a tendência de se
desinstitucionalizar, sair das fronteiras fechadas onde funcionam e circulam em
estado livre (toda instituição torna-se suscetível de utilizar o esquema
disciplinar), não se dirigido somente aos que ela pune, mas pondo-se ao
serviço do bem de todos, de toda produção socialmente útil; 3) estatização dos
mecanismos de disciplina, funcionando através de uma polícia centralizada,
27
com a missão de uma vigilância permanente, exaustiva, onipresente, capaz de
tornar tudo visível.
A generalização do esquema e das técnicas disciplinares tornou possível
a prisão, assim como as escolas, fábricas, casernas, hospitais.
Com isso, a sociedade disciplinar não que dizer que seja uma sociedade
generalizada de confinamento; ao contrário, sua difusão, longe de cindir ou
compartimentar, homogeneíza o espaço social. O importante na idéia de
sociedade disciplinar é a própria idéia de sociedade: as disciplinas fazem a
sociedade, criam uma linguagem comum entre as instituições.
A prisão pretende reeducar o criminoso e encontrar o seu fim na
socialização do delinqüente. O tema das práticas disciplinares sugere,
tradicionalmente, a imagem da esterilização da vida. Os procedimentos de
dominação interditam, bloqueiam as iniciativas e as forças do corpo.
Entretanto, as disciplinas não são negativas, mas “positivas”: o corpo não é
passivo, ao contrário, é ativo.
É preciso dimensionar a criação “disciplinar” de potências corporais e de
atitudes; Para isso, torna-se necessário que as práticas disciplinares, para
serem eficazes, sejam invisíveis. Quando o corpo é forçado a suportar penas
físicas, para aceder às normas e obedecer às exigências de um poder
onipresente, penetrante e difuso não é o cerimonial da justiça que manifesta
sua força, mas é notável a investida da economia do poder. O corpo
normalizado é um corpo corrigido. A mão invisível do poder guia todo
deslocamento, corrige todo gesto, como a corda que direciona o crescimento
da árvore. Os entraves, para essa ortopedia corporal, são feitos de materiais
resistentes, obstáculos físicos, dispositivos solidificados: muros, tabiques,
aparelhos que esquadrinham o espaço, empecilhos que bloqueiam a
espontaneidade. O corpo, nesse contexto, é passivo, suportando a orientação
que o modela. A disciplina fabrica corpos submissos, dando uma
homogeneidade comum no detalhe e nas minúcias.
A disciplina não pode ser exercida sem uma cumplicidade com o ativo, o
orgânico. O corpo, preparado para a docilidade, opõe-se ao poder e mostra as
condições de funcionamento próprias a um organismo. A docilidade só poderá
ser obtida, se for dada uma atenção especial às forças e às operações
28
específicas do corpo; não se pode circunscrever o adestramento dócil apenas a
um dispositivo mecânico e passivo.
Mais uma vez, invertendo a ótica que analisa negativamente o poder; é
preciso abandonar o uso de expressões que indiquem exclusão - “reprimir”,
“recalcar”, “censurar”, “ocultar”; é preciso inverter as tonalidades, passar do
mecânico ao orgânico, do negativo ao positivo. O corpo dócil torna-se hábil,
eficaz, rentável, porque constrói, realiza. Uma potência do corpo existe nessa
“economia positiva”, onde coação não é mais sujeição. Poder-se-ia esperar
desse corpo uma autonomia? A disciplina - sublinhando e instalando uma
individualidade corporal - dar-lhe-ia forças independentes? Engendrar-se-ia um
corpo mais eficaz aumentando seu dinamismo? Uma apropriação pessoal de
vigores, habilidades, densidades sensíveis brotaria de coações interiorizadas?
Para responder a essas questões, poderia sugerir a existência de um corpo
que, escapando das disciplinas, voltar-se-ia contra elas.
Poder-se-ia pensar no caso da indisciplina, da ilegalidade delinqüente,
como “liberdade nata e imediata”, como jogo de forças, tensão entre relações
de forças que se opõem, defrontando-se reciprocamente - na revolta (voltar
outra vez) daquele que foi oprimido, na força “selvagem” que entra em luta
com as forças “civilizadoras”
São estratégias que se atualizam nos discursos, nas táticas. É preciso
lembrar, mais uma vez que, não existe uma natureza humana da qual o
indivíduo delinqüente tivesse se separado; a delinqüência não seria um desvio
a ser resgatado pelas leis e pela ortopedia punitiva dos aparelhos disciplinares.
Essa liberdade, manifestante de uma indisciplina ou delinqüência e
pertencente a uma individualidade corporal, é ainda de ordem política -
liberdade como autonomia e “resistência” a um poder dominador - e que mais
se poderia chamar de “liberação”.
Na pesquisa dos efeitos positivos da prisão, há relato das formas
estratégicas das classes dominantes para criar docilidade e extrair utilidade das
forças corporais que produziriam o indivíduo, tornado normalizado por um
poder maior que ele. Por outro lado, produziria o criminoso dentro da lei,
introduzido em carreiras criminosas pelo processo pedagógico das prisões,
colônias penais e outras instituições de controle
29
Ainda, no espaço da violência, do jogo de forças, das estratégias, no
qual o poder, disseminado nas múltiplas formas institucionais, afirma-se
através de dispositivos disciplinares, produzindo sujeitos “sujeitados” na história
da modernidade, é preciso esperar para ver resplandecer a liberdade, não mais
como fenômeno de resistência a um poder modelador e produtor de
individualidades, mas “liberdade”, como coragem no ato mesmo do dizer
verdadeiro, do sujeito ético ligado à sua própria identidade pelo “cuidado de si”.
As referências a liberdade, - definida como desenvolvimento selvagem,
natural e instintivo, brutal e limitado - guarda todas as características que a
separam dos atributos das forças da civilização. Permanece, portanto, a
dicotomia civilização/selvagem, marcando a separação e a exclusão dessa
liberdade anti-social que precisa ser normalizada, para ser enquadrada,
dominada em seus impulsos mais instintivos e destruidores.
A liberdade, como forma de reação, rebeldia, indisciplina e luta, é ainda
resistência aos aparelhos de poder, permanecendo na esfera das táticas e
estratégias do poder político. A história do presente e de nossa identidade foi
formulada como relação saber-poder na sociedade ocidental, produzindo o
sujeito objetivado, ainda dentro da esfera das relações políticas, no eixo do
poder.
O poder de punir é legitimado pela identificação das funções de punir,
curar e ensinar, que fundamentam as tarefas judiciais de medir, avaliar e
distinguir o normal do patológico. A lei penal é instrumento de classe, produzida
por uma classe para aplicação a classes inferiores e a justiça penal efetua uma
gestão diferenciada das ilegalidades. A perda da liberdade é o ponto central da
estratégia ideológica das sociedades capitalistas, implementadas com o
objetivo de subordinação do assalariado ao capital
O que importa é mostrar a onipresença “invisível” das práticas
disciplinares. A tática disciplinar age sobre o corpo, para estabelecer com ele
uma ligação coatora, entre uma aptidão desenvolvida e uma dominação
aumentada, provocando uma imediata contrapartida: a servidão.
As práticas disciplinares não tocam o corpo, apenas se distanciam, mais
do que se aproximam; distinguem-se, mais do que se misturam. A tática
30
disciplinar é a repartição, a homogeneização dos corpos, acompanhados pela
constante permanência do “olhar”.
O poder, tornando-se “incorporal”, é o mais violento, porque suas figuras
orientam sem tocar e sem entrar em contato direto com o corpo; seu
procedimento coloca em prática a “interiorização” de suas normas e regras. O
“incorporal” está no centro dos procedimentos disciplinares, como exigência e
fim.
A vigilância e a punição não pretendem outra coisa que uma “realidade
sem corpo”. A grande rede carcerária foi o modelo para a difusão do normativo
para a sociedade inteira. O processo de individualização é produto do
adestramento, da universalidade da norma. Saber-poder são as duas faces de
um mesmo processo que produz o sujeito normalizado, não só na rede
carcerária, como na arte de educar ou curar, na empresa, fábrica, exército,
onde a técnica do “exame” molda o indivíduo que se torna “objeto” de um
conhecimento possível, ocorrendo intensificação de dispositivos de
normalização e a necessidade de novas regras estratégicas.
Assim, a Justiça Restaurativa expressa uma outra percepção da relação
indivíduo-sociedade no que concerne ao poder: contra uma visão vertical na
definição do que é justo , ela dá vazão a um acertamento horizontal e pluralista
daquilo que pode ser considerado justo pelos envolvidos numa situação
conflitiva. Este modelo volta-se mais à relação do que a resposta estatal, a uma
regra abstrata prescritora de uma conduta, o próprio conflito e a tensão
relacional ganha um outro estatuto, não mais como aquilo que há de ser
rechaçado,apagado, aniquilado, mas sim como aquilo que há de ser
trabalhado, elaborado e potencializado naquilo que pode ter de positivo.
31
5. PROCESSO, PROCEDIMENTO E EXECUÇÃO DA PENA
A execução da pena se constitui na maior manifestação do poder do
Estado sobre a liberdade dos indivíduos e, portanto, a instrumentalidade do
processo deve se fazer presente, assegurando a defesa dos direitos e
garantias do condenado. Entretanto, “a efetividade desses direitos somente é
possível se houver instrumentalidade processual garantista”.
A importância de tal instância limitadora é nítida ao se constatar que
vivemos um perigoso momento histórico, em que se tenta, sistematicamente,
fazer prevalecer, na Lei de Execução Penal, “um Direito Penal do Autor” sobre
o “Direito Penal do Fato”, visto que a personalidade do agente, o tipo de
infração, bem como os motivos de foro íntimo que o levaram a cometê-la serão
determinantes para o pleno exercício de direitos.
Ressalte-se que após o advento da Constituição Federal de 1988, a
predominância de um Direito Penal do Autor tornou-se algo incompatível com o
nosso sistema, visto que sob à luz do princípio da secularização, “o Estado não
pode criminalizar ou penalizar a esfera do pensamento”. Deve criminalizar
apenas condutas danosas, impondo sanção sobre aquela liberdade
previamente acordada, sob pena de excesso ou desvio, o que levaria a um
rompimento do pacto e o conseqüente retorno às incertezas do estado de
natureza.
Ademais, embora hoje em dia exista uma consciência maior da
importância dos direitos humanos, constata-se que quando estes dizem
respeito a presos continuamos esbarrando no preconceito de uma sociedade
que os estigmatiza.
Nessa linha, dando ênfase aos princípios constitucionais, procura-se
realizar uma análise sobre o procedimento, cujo conteúdo teleológico deve se
manter na execução penal, não mais sendo acolhida a visão essencialmente
formal que o considera como uma mera seqüência de atos coordenados,
produtores de efeitos meramente processuais, bem como demonstrar a
necessidade de efetivação de um modelo acusatório em tal fase processual.
Assim, papel essencial cabe ao processo penal, eis que é entendido
como conditio sine qua nom para aplicação de uma sanção. Dentro desta
32
perspectiva, pode -se concluir que indispensável é a efetivação de um sistema
acusatório na execução penal, a fim de tornar viável a implantação de uma
instrumentalidade garantista na fase executória do processo penal, pois “el
sistema acusatorio favorece modelos de juez popular y procedimentos que
valorizan el judicio contradictorio como método de investigación de la verdad, el
sistema inquisitivo tiende a privelegiar estructuras judiciales burocratizadas y
procedimentos fundados em poderes de instrucción del juez, acaso
compensados por vínculos de pruebas legales y por pluralidad de grados em el
enjuiciamento4”
Pode-se afirmar, em suma, que somente se for reconhecida como
necessária a existência de uma relação jurídico-processual na execução penal
será permitido o fortalecimento da posição do apenado, bem como restará
assegurada a eficácia de seus direitos e garantias fundamentais não atingidos
pela sentença. Apenas desta forma, o apenado deixaria de ser um mero objeto
e passaria a ter o status de parte integrante do processo e, como tal, possuidor
de um conjunto de direitos subjetivos exigíveis do estado.
Por fim, salienta-se que somente poderemos atingir determinado grau de
garantias se concebermos o processo de execução penal com feição
acusatória, numa leitura constitucional de legitimação das normas ordinárias
editadas para disciplinar o sistema carcerário.
Portanto, parece-nos importante, neste momento, ressaltar o quanto o
estudo dessa nova estrutura de procedimento e processo interfere em
conceitos há muito arraigados na ciência do Direito Processual. Pois, a partir
da adoção da noção de processo como procedimento realizado em
contraditório, o conceito de jurisdição, o conceito de direito de ação e o de
direito subjetivo, em conseqüência, e mesmo a noção de processo como
relação jurídica, têm que ser repensados, a fim de excluirmos aqueles
incompatíveis com a nova concepção de processo, ou a fim de adequarmos os
demais à nova concepção.
Desse modo, trataremos da noção de processo como relação jurídica e
como situação jurídica, e dos reflexos frente à teoria do processo como
procedimento em contraditório. Posteriormente, estudaremos o conceito de 4 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. 4 ed. Madrid: Trotta, 2000, disponível em http://sociologiajur.vilabol.uol.com.br.
33
execução penal jurisdicional, e alguns procedimentos próprios do processo
executório
5.1. O processo como meio de acesso à ordem jurídica justa.
É fato que, na atualidade, existe uma guerra literária sendo travada
diariamente nos meios acadêmicos do mundo inteiro, envolvendo de um lado
ilustres estudiosos rotulados como processualistas, e de outros notáveis
jusfilósofos tratados como materialistas, tendo como pano de fundo descargas
recíprocas de culpas e defeitos pela não consecução de uma ordem jurídica
mais justa. Independentemente do rótulo que ostentam, ou até mesmo da
corrente que defendem, um anseio comum unem os seus propósitos: a luta
pela harmonia das relações sociais intersubjetivas.
Desprezando o caráter científico, muita gente vem utilizando a expressão
direito como sinônimo de bens e utilidades da vida, considerando direito
apenas aquele materializado em um corpo de normas jurídicas próprias (direito
civil, direito penal, administrativo, comercial, tributário, trabalhista, etc.).
Ignoram os que assim pensam que, paralelamente, a expressão também
engloba o complexo de normas que regulamentam a atividade jurisdicional do
Estado, na sua atribuição de dirimir conflitos ou insatisfações dos seus
cidadãos, seguindo um iter metodológico definido em lei. É o chamado direito
processual.
Tratando especificamente sobre o processo, bem alerta a doutrina
moderna que o processo não é um fim em si mesmo, e não deve ser guindado
à condição de fonte geradora de direitos. Sua função e finalidade são bem mais
amplas. O processo afigura-se, no dizer de JOSÉ FREDERICO MARQUES,
como "um meio de composição de litígios, ou conjunto de atos destinados à
aplicação do direito objetivo a uma situação contenciosa5”.
Na lição de FRANCESCO CARNELUTTI 6“ a palavra processo serve,
pois, para indicar um método para a formação ou para a aplicação do direito
que visa a garantir o bom resultado, ou seja, uma tal regulação do conflito de 5 “Instituições de direito processual civil”, José Frederico Marques, revista, atualizada e complementada por OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL. Vol. I, Campinas: Millennium, 1999. 6 CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Vol. I, Campinas : Servanda, 1999.
34
interesses que consiga realmente a paz e, portanto, seja justa e certa: a justiça
deve ser sua qualidade superior ou substancial; a certeza, sua qualidade
exterior ou formal."
Através do processo, portanto, a pretensão que possui ressonância na lei
(direito objetivo), recebe do Estado, através de seus agentes jurisdicionados, a
tutela apropriada, resolvendo-se o conflito de interesses.,
Cientificamente, o direito material e o processual estão em planos
separados. Em certas ocasiões, todavia, o juiz se depara no processo com um
caso concreto de colisão entre o direito material e o direito processual; às
vezes se vê desenhada nos autos uma verdadeira elisão entre o direito objetivo
e o direito subjetivo. É preciso deixar bem patente o que seja a função do
processo e a sua instrumentalidade.
Função seria a maneira concreta de operar de um instituto, de um direito,
de uma organização etc. A palavra função, no âmbito da ciência jurídica,
adquiriu relevância com o chamado Estado de Direito Democrático.
A igualdade essencial de todos os homens - postulado básico da
democracia - implica a resultante, necessária, de que todo poder humano só se
legitima enquanto está a serviço da coletividade. Superando o dogma religioso
do comportamento individual humano instituído por Cristo e lembrado por
Santo Agostinho de que, “quem não vive para servir, não serve para viver”, no
nosso século a visão é do serviço em função da coletividade.
Foi pensando no bem-estar social que foi transportada para a área
privada a reflexão antiga que era feita para o setor público. Passou-se a falar
em função social da propriedade, da empresa, do capital etc. Hoje, toda a ação
humana individual deve servir aos interesses sociais.
Sozinho e isolado, acorrentado ao iluminismo filosófico, o homem não tem
valor se não der às suas ações uma função social. Que o digam as nossas
instituições e a nossa classe política, cada vez mais depuradas e purificadas
por força da cobrança do povo e dos meios de comunicação, estes últimos
efetivos fiscais das intenções e ações dos eleitos para cargos públicos ou dos
indicados para ocupação de postos na Administração Pública.
É da sua própria essência do direito público, que todo e qualquer direito
ou poder seja exercido no interesse coletivo, pelo que lhe será conatural a
35
natureza de função social. Assim sendo, definir a função social de uma
atividade pública é, em verdade, traçar-lhe o espaço que, no universo do
interesse coletivo, lhe é particularmente reservado em termos de competência.
No vasto campo das funções públicas, a do processo é a de
simplesmente distribuir justiça, diriam os simplistas. Não é tão lógico assim. O
processo, como se sabe, materializa-se através de um procedimento, cuja
estrutura revela o encadeamento de atos, cada qual deles guardando sua
particular conceituação e função, todos, entretanto, vinculados por um nexo de
antecedente e conseqüente, que os articula finalísticamente, tendo-se em vista
o resultado final típico perseguido - a prestação jurisdicional. É uma fattispecie
complexa de formação sucessiva, do tipo procedimento, na dicção de Giovanni
Conso7.
Sendo o processo de natureza complexa, não contém ele um
conglomerado caótico de atos jurídicos processuais isolados. Todo ato
praticado no processo tem um antecedente e um postecedente. Por isso, se diz
que a função social do processo é a de ser efetiva como meio de acesso à
justiça e de instrumento à concretização do direito material perseguido por uma
das partes em litígio.
Numa espécie de catarse filosófica sobre o processo e as deturpações da
sua função, concluem os professores Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco8, que “O reconhecimento das
conotações ideológicas do processo constitui um dos passos mais significativos
da doutrina processual contemporânea”. A mudança de mentalidade em
relação ao processo é uma necessidade, para que ele possa efetivamente
aproximar-se dos legítimos objetivos que justificam a sua própria.
No indispensável ofício judicante em um processo, o juiz não cumpre
apenas o dever de ocupante de um cargo estatal ou se desincumbe de uma
mera tarefa profissional. Ao contrário, o juiz ao decidir um processo o faz com
vistas a um objetivo maior, que é a pacificação social.
Atua para evitar ou eliminar conflitos entre pessoas, fazendo justiça. É o
processo, nesse quadro, um instrumento a serviço da paz social. Falar em 7 CONSO, Gionni , . I.fatti giuridici processuali penali, Milão, Giurffrè,1955, p.p. 115 e ss.). 8 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1997.
36
instrumentalidade do processo, pois, não é falar somente nas suas ligações
com a lei material. O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos
indivíduos que a compõem: e, estando o bem-estar social turbado pela
existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para,
eliminando os conflitos, devolver à sociedade a paz desejada.
O processo é uma realidade desse mundo social, legitimada por três
ordens de objetivos que através dele e mediante o exercício da jurisdição o
Estado persegue: sociais, políticos e jurídico. A consciência dos escopos da
jurisdição e sobretudo do seu escopo social magno da pacificação social
constitui fator importante para a compreensão da instrumentalidade do
processo, em sua conceituação e endereçamento social e político.
Essa onda moderna da instrumentalização do processo vem
gradativamente arrastando juízes e tribunais, conscientizando-os cada vez
mais dos valores humanos contidos nas garantias constitucionais do
contraditório e do devido processo legal e da necessidade de tratar o processo,
sempre, como meio privilegiado de acesso à ordem jurídica justa. Foi um longo
caminho percorrido para que essa realidade chegasse em alguns ramos do
Direito.
No Direito Penal, por exemplo, hoje em dia são marcantes as atenções
dispensadas para a presunção de inocência do acusado, o direito à prova, à
melhor defesa técnica etc. No ramo da execução penal, contudo, os avanços
são mais modestos, imperando e prevalecendo ainda a maioria dos institutos
advindos do Direito Romano.
Algumas execuções são levadas a tanto rigor, e de tão distorcidas que
são as garantias e os princípios processuais, terminam por execrar o apenado
e a lhe expor a condições degradantes, pondo-o bem abaixo da linha meridiana
da cidadania.
Já se viu casos em que a parte executada sequer tinha participado do
processo de conhecimento, e, lógico, não havia tampouco sido citada para
integração na lide naquela fase cognitiva e, no entanto, ter sido compelida
forçosamente a assumir – impropriamente - o ônus da prisão constituída na
condenação.
37
Neste caso, não se pode dizer que foi um processo justo. É natural o
sentimento que brota no íntimo do delinqüente de querer, na fase de execução
da pena, fazer cumprir na íntegra a tutela jurisdicional; mesmo sendo justa e
nobre a intenção de materializar o direito da parte violada, para ser o processo
instrumento de uma ordem jurídica justa é preciso dar cumprimento ao
julgamento observando direitos fundamentais do sentenciado;
Traduzir aquela condenação num conseqüente lógico que é a execução
da punição, ou seja, o objeto reclamado no litígio não traduz o ato de fazer
Justiça e recompor a pacificação social. Todavia, é justamente nessa fase
coativa da execução que se materializam equívocos processuais e
procedimentais, cometendo o órgão judicial, paradoxalmente, injustiças.
5.2. Conceito de processo
Para o estabelecimento do conceito, alguns autores sublinham ainda
tratar-se de um conjunto de atos coordenados ou preordenados na obtenção
de um fim, realçando desde logo o caráter instrumental das normas
processuais lato sensu.
A noção de finalidade pertence ao conceito genérico de processo: 'Em
geral, processo (de procedere) significa uma sucessão de atos, fatos ou
operações que se agrupam segundo uma certa ordem para atingir um fim.
Parece-nos, porém, que tal entendimento leva a restringir-se o conceito,
excluindo os processos naturais
No âmbito jurídico, observamos que os doutrinadores, em geral, pouco
têm-se ocupado com o problema de uma ampla conceituação do processo,
preferindo examiná-lo a partir de pressupostos específicos dos respectivos
departamentos.
Assim é que CHIOVENDA define-a como o conjunto de atos
coordenados para a finalidade de realização da vontade concreta da lei por
parte dos órgãos da jurisdição ordinária9.
Entre nós, FREDERICO MARQUES vem ensinando que o termo
processo é exclusivo da atividade jurisdicional, daí por que seriam incorretas as 9 Chiovenda, Instituciones de Derecho Procesal Civil (trad. esp.), 1936, p. 38, apud Alberto Xavier, ob. cit. p.
38
expressões processo legislativo e processo administrativo que deveriam ser
substituídas por procedimento legislativo e procedimento administrativo10.
E prossegue dizendo que: “ é o processo exclusivamente que traz
conotações teleológicas, reduzindo-se o procedimento a mero esquema
formal.”
É fora de dúvida que, de modo análogo, as atividades legislativas,
administrativas, ou mesmo privadas, colimam um fim objetivo quando se
utilizam dos respectivos processos.
Como é sabido, ao lado do aspecto estático-material, que constitui o
direito substantivo ou material, o ordenamento jurídico comporta outra face, de
caráter dinâmico-formal, que representa o direito processual, eis que o direito
regula sua própria criação, estabelecendo normas que presidem a produção de
outras normas, sejam gerais ou individualizadas.
Tal perspectativa permite concluir-se, que o direito processual não é um
direito técnico, regulado por considerações de oportunidade, e sim mero meio,
que se quer simples, rápido e econômico, de aplicar um direito que lhe é
previamente dado, mas uma forma especial do existir do direito, um particular
modo de ser do direito.
Cabe, pois, intentar uma definição genérica do processo jurídico. Os
doutrinadores que se esforçaram para superar um conceito restrito têm
chegado a um resultado aproximado.
Tomando como ponto de partida o processo jurisdicional, SANDULLI 11pretende superar o conceito tradicional e restrito de processo, admitindo que
haveria procedimento ou processo em sentido amplo sempre que a produção
de um efeito jurídico dependesse de uma sucessão coordenada de atos
humanos tendentes àquele fim..
Conclui-se, então, que estariam abrigados no conceito as sucessões
coordenadas de atos que visam a emissão de um ato legislativo ou
administrativo; a própria formação dos contratos; os atos plurilaterais e atos
complexos; os casos em que a realização do ato depende de autorização ou
10 J. Frederico Marques, Instituições de Processo Civil, Forense, São Paulo 11 Aldo M. Sandulli, II Procedimiento Administrativo, 1959 (Ristampa), Milão, Ed. Giuffrè, p. 1 a 16, apud Alberto Xavier, ob. cit., p. 1
39
aprovação; as hipóteses de administração pública de direitos privados, em que
a regularidade ou perfeição de um ato supõe a intervenção da autoridade;
ainda seriam abarcadas as figuras de sucessão de fatos ilícitos, como os
crimes continuados
Segundo conhecido cânon da lógica formal, para diminuir a extensão,
faz-se necessário aumentar a compreensão. Sob o pressuposto de que o
processo está intimamente ligado ao problema da vontade e de sua formação,
ALBERTO XAVIER 12procura aperfeiçoar o conceito de SANDULLI, fazendo
nele incluir um novo elemento — a vontade funcional — que está presente
quando a formação da vontade é objeto de uma disciplina processual, nas
hipóteses em que se cuida de adequar a vontade psicológica individual a fins
legalmente determinados.
Desse modo, extremam do conceito de processo as hipóteses
supracitadas em que ocorreria a formação de uma vontade funcional, tais
como: a formação sucessiva dos contratos, a série representada pelo ato de
aprovação e pelo ato aprovado, a sucessão de atos dos particulares e das
autoridades nas hipóteses de administração pública de direitos privados.
A todas elas, melhor se ajustaria o conceito de atividade — sucessão de
atos interligados com vista à realização de um fim. Reserva ao processo, como
fattispecie de formação sucessiva, um componente que aumentaria a
compreensão do conceito e, ao mesmo tempo, reduziria a sua extensão: a
formação ou execução de uma vontade funcional. Em razão dessas
considerações, conclui-se que a melhor definição para processo seria a
sucessão ordenada de formalidades tendentes à formação ou à execução de
uma vontade funcional.
Talvez a conceituação ainda seja insuficiente sobretudo pela falta de um
maior desenvolvimento para um elemento nuclear, como é o caso de vontade
funcional. Parece-nos, todavia, representar um grande passo para o
estabelecimento de uma noção tão fundamental, mas que, na maioria dos
compêndios, é examinada de modo superficial, quando não é simplesmente
omitida por inteiro.
12 XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário, Forense, 2ª edição.
40
De qualquer sorte, o método utilizado, tomando como ponto de partida o
processo jurisdicional, revelou-se o mais adequado à consecução do objetivo.
A formulação de um conceito genérico de processo jurídico traz conseqüências
na caracterização do processo jurisdicional. Numa visão um tanto distorcida,
explicável pela humana tendência de supervalorização da própria
especialidade, alguns processualistas têm reivindicado esse vocábulo como
exclusividade do processo jurisdicional.
Dito isso, é forçoso concluir que Processo é o conjunto de todos os atos
necessários para a obtenção de uma providência jurisdicional, podendo ele
conter um ou mais procedimentos ou, inclusive, apenas um procedimento
incompleto.
5.3 A teoria do procedimento
No desenvolvimento do Direito Processual Civil como ciência autônoma,
a doutrina reagiu contra a postura tradicional de séculos passados, que
absorvia o processo no procedimento e considerava este como mera sucessão
de atos componentes de um rito de aplicação judicial do direito.
Paulatinamente, buscou estabelecer a distinção entre processo e
procedimento, encontrando no critério teleológico a base dessa diferenciação.
Essa distinção prevaleceu inquestionável por muito tempo, até despontar outra
proposta que possibilitou a consideração das relações entre procedimento e
processo.
A corrente doutrinária que separa o procedimento do processo com
fundamento no critério teleológico enfrenta um problema para o qual não se
encontra solução adequada: se o procedimento se constitui em meio
necessário à existência e ao desenvolvimento regular do processo, pois ainda
não se pôde suprimir a necessidade do procedimento, então, que também o
procedimento tem o caráter teleológico inerente a toda e qualquer técnica.
Afora isso, essa vertente continua a tratar o processo com apelo a
categorias conceituais antigas, como as da relação jurídica e do direito
subjetivo. Nela a relação jurídica é vista como um enlace normativo entre duas
pessoas, em que uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever
41
jurídico. Já os direitos subjetivos são pensados em termos de uma liberdade
absoluta que, derivada do direito natural ou a ele relacionada, se opõe ao
Estado e ao direito dele emanado. O direito de ação, assim, configura-se a
partir de um conceito de relação jurídica engendrado por uma noção de direito
subjetivo.
Em bases diferentes da adotada, mas se destinando, também, à
superação do conceito de relação jurídica, desenvolveu-se a teoria das
situações jurídicas a partir das diferentes contribuições de LÉON DUGUIT,
GASTON JEZÈ e PAUL ROUBIER13. Em todas essas propostas, a situação
jurídica não se estrutura como vínculo jurídico entre dois sujeitos, em que um
tem o poder de exigir uma determinada conduta do outro, mas se forma a partir
de um fato ou ato jurídico produzido segundo a lei que governa sua
constituição. Uma vez constituída, ela se transforma no complexo de direitos e
deveres de uma pessoa, direitos e deveres que não mais se confinam no plano
abstrato e genérico da norma, mas que se realizam na situação de um
determinado sujeito.
Nesse diapasão, convém salientar que a teoria das situações jurídicas
não pretendeu eliminar a noção de um direito fluindo da norma para um
determinado titular. Pretendeu, isto sim, escorá-lo em outras bases, eis que a
reflexão jurídica havia demonstrado a possibilidade do direito qualificado de
subjetivo ser visto como uma faculdade ou como um poder de agir, mas nunca
como um poder sobre a conduta alheia.
A doutrina contemporânea reconhece que o único ato imperativo que
pode incidir sobre a universalidade de direitos de uma pessoa é o ato
imperativo do Estado, proferido segundo um procedimento regulado pelo
Direito, que disciplina o próprio exercício do poder, manifeste-se ele no
cumprimento de qualquer das funções do Estado, legislativa, administrativa ou
jurisdicional.
A teoria das situações jurídicas cumpre seu papel ao demonstrar a
impossibilidade de se considerar vínculos imperativos entre sujeitos,
superando, dessarte, o conceito de relação jurídica. Isso não basta, contudo,
13 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro. Aide, 20001
42
para definir processo como situação jurídica. As situações jurídicas nele estão
presentes, mas não o delimitam.
O procedimento, como atividade preparatória do provimento, possui uma
estrutura específica, constituída da seqüência de normas, atos e posições
subjetivas de tal maneira conectados que o cumprimento de uma norma é
pressuposto tanto da incidência da norma seguinte quanto da validade do ato
nela previsto.
Assim, os efeitos do ato final (provimento) é condicionado à perfeita
realização de todos os atos da série, só sendo possível se cada um gerar o
efeito que lhe é próprio, ou se a falta de um ato singular tiver sido superada
pelo efeito resultante de outro ato; assim, o efeito substancial não é na
realidade produto somente do último da série.
O realce à dependência do ato final aos demais atos ressalta a idéia de
legitimidade do procedimento, evidenciando-se que o provimento é
condicionado à participação dos interessados, de modo a que possam influir no
resultado final.
DINAMARCO acentua bem esse caráter político do procedimento, ao
dizer que “ o procedimento é um sistema de atos interligados numa relação de
dependência sucessiva e unificados pela finalidade comum de preparar o ato
final de consumação do exercício do poder (no caso da jurisdição, sentença de
mérito ou entrega do bem ao exeqüente).14
Nessa quadra, o processo caracteriza-se como uma espécie do gênero
procedimento, pela participação, na atividade de preparação do provimento,
dos interessados, juntamente com o autor. Os interessados são aqueles em
cuja esfera particular o ato está destinado a produzir efeitos.
A caracterização do processo, não obstante, conclui-se com a
apreensão da estrutura legal específica desse procedimento: a participação
dos interessados em contraditório.
14 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
43
5. 4 A teoria do procedimento em contraditório.
Há processo, por conseguinte, sempre que o procedimento se realiza
em contraditório entre os interessados, e a essência do contraditório está na
simétrica paridade da participação, nos atos que preparam o provimento, dos
interessados, porque, como destinatários, sofrerão seus efeitos.
Em sendo o contraditório o elemento definidor do processo, que o
distingue do procedimento, é necessário analisar a sua estrutura.
Anteriormente, o contraditório era visto como a simples participação dos
interessados no processo. Mas, como ressalta FAZZALARI15, a participação é
exigida não só do autor ou do réu; participam do processo, como sujeitos
processuais: o juiz, os seus auxiliares, o Ministério Público, os peritos e
também os autores e os réus. Sob este enfoque, todos são partes.
Para se definir quem serão os contraditores, ou seja, quem participará
do processo em contraditório, é necessário verificar quais sujeitos serão
afetados pelo ato final, quais serão os sujeitos destinatários do provimento.
Estes, que suportarão os resultados favoráveis ou desfavoráveis do
provimento, é que serão os participantes em contraditório e que possuem
legitimidade para agir, como adiante veremos.
Mas o contraditório entre os interessados e os contra-interessados não
pode ser entendido como mera participação destes sujeitos no processo, mas a
participação em simétrica paridade. É esta participação em simétrica paridade
que define o contraditório, nesta nova concepção.
5.5. Processo e Procedimento – conceitos interligados:
O procedimento evidencia-se quando há previsão de uma seqüência de
normas, em que uma norma valora uma conduta como lícita ou devida, e esta
conduta qualificada é pressuposto para qualificação da conduta prevista na
norma precedente. Em outras palavras, o procedimento é uma seqüência de
normas, atos e posições subjetivas, que se encadearão até a realização do ato
final, na qual a norma precedente – que estabelece uma conduta valorada
15 FAZZALARI, ELIO. Instituzioni di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1992.
44
como lícita ou devida – é pressuposto para realização da conseqüente. A
primeiras norma e a conduta dela decorrente ligam-se à segunda como um
pressuposto ou como sua fattispecie.
A esse conceito de procedimento, o autor agrega o conceito de
processo, que se distingue pelo critério lógico de inclusão pois o processo é
uma das espécies de procedimento, que se distingue pelo tratamento
dispensado aos partícipes que sofrerão os efeitos do ato final, que devem
participar do procedimento em posição de simétrica paridade, ou seja, em
contraditório. Foi sob esse espectro histórico que Aroldo Plínio Gonçalves ao
apreciar a obra de FAZZALARI buscou em um critério lógico de inclusão,
definir o que seja processo e o que seja procedimento.
Pelo critério lógico, as características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina. E o sistema normativo revela que, antes que distinção, há entre eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie. A diferença específica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos (Técnica Processual e Teoria do Processo)
O procedimento pode ser definido como uma série ou seqüência de
normas, atos e posições subjetivas, que se conectam e inter-relacionam em um
complexo normativo, constituindo a fase preparatória de um provimento, visto
como ato final de caráter imperativo.
45
Tais ensinamentos, repetidos na doutrina de um modo mais ou menos
uniforme, poderiam ser adaptados, sem dificuldades, aos demais processos
jurídicos. A final, todos eles comportam um enfoque teleológico ou formal,
como também implicam uma sucessão de atos, cuja execução está
subordinada à observância de determinadas regras, mais ou menos rígidas, de
acordo com a natureza de cada um.
Conclui-se, dessarte, que o conceito de processo deve ser estudado na
teoria geral do direito como procedimento contraditório em consonância com a
instrumentalidade garantista do processo.
5.6. A instrumentalidade garantista do Processo de Execução Penal.
O processo de execução é atividade que exige, na sua plenitude, a
atuação jurisdicional. A instrumentalidade, inerente ao processo, está fundada
na tutela judiciária dos direitos subjetivos do sentenciado e, também, voltada
para a efetividade do comando concreto emergente da sentença.
Verificado no curso do processo a efetiva existência do delito e proferida
a sentença, o processo de execução é atividade que exige, na sua plenitude, a
atuação jurisdicional. A instrumentalidade, inerente ao processo, está fundada
na tutela judiciária dos direitos subjetivos do sentenciado e, também, voltada
para a efetividade do comando concreto emergente da sentença.
É importante destacar que atualmente o grande problema do processo
penal está nos seus dois extremos: no inquérito policial e na execução da
pena. Ambos administrativos e inquisitivos, deixando o sujeito passivo em
completo abandono, sendo tratado com objeto e sem as mínimas garantias.
A LEP é notadamente inquisitiva já nos primeiros passos da execução,
pois a jurisdição executiva inicia-se de ofício, com a expedição da carta de guia
pelo juiz. A continuação, atribui ao juiz ampla possibilidade de atuar ex officio,
predomina a forma escrita dos atos, o contraditório e o direito de defesa são
bastante limitados (defesa técnica), e, por derradeiro, a própria coisa julgada
pode ser violada. Em definitivo, o processo de execução concebido pela LEP é
inquisitivo, incompatível com a matriz democrática-garantista e, portanto,
acusatória, da nossa Constituição.
46
Não há dúvidas de que a posição do juiz inquisidor fulmina sua
imparcialidade e, por decorrência, toda e qualquer esperança de efetividade
dos direitos fundamentais do apenado. Assim, a execução penal só pode ser
levada a cabo com estrita observância das garantias próprias do Estado de
Direito e, portanto, deve realizar-se por intermédio da atividade jurisdicional.
É imprescindível aproximar a execução penal à estrutura dialética do
processo, deixando o juiz como um terceiro imparcial, colocando a iniciativa
nas mãos do Ministério Público, assegurando a contraposição de funções e de
órgãos encarregados de exercê-las e, ao apenado, a possibilidade de resistir
e fazer valer seus direitos públicos subjetivos, através de um procedimento
jurisdicional, contraditório e com ampla defesa (principalmente técnica, a cargo
de advogado).
Outro aspecto importante é considerar a execução como uma relação
processual – logo apenado no caso da execução – não é um mero objeto do
processo, senão um sujeito que exercita nele direitos subjetivos e,
principalmente, que pode exigir do juiz que efetivamente preste a tutela
jurisdicional solicitada sob a forma de resistência (defesa).
Em suma, o reconhecimento da existência de uma relação jurídico-
processual na execução penal fortalece a posição do apenado, assegurando-
lhe a eficácia de seus direitos e garantias fundamentais não atingidos pela
sentença. Com isso, o apenado deixa de ser um mero objeto e passa a ter o
status de parte integrante do processo e, como tal, possuidor de um conjunto
de direitos subjetivos exigíveis do Estado.
Os juízes não podem absorver o papel de mero homologador de laudos
técnicos e acabar por substituir o discurso jurídico pelo discurso da psiquiatria,
tornando sua decisão impessoal, inverificável e impossível de ser contestada. .
Isto consiste numa pulverização da responsabilidade de decidir. Verifica-
se de plano a nefasta substituição do direito penal do fato pelo direito penal do
autor. Não se pune mais pelo que o apenado objetivamente fez, mas sim pelos
diagnósticos irrefutáveis de personalidade perigosa, desviada, etc. Por isso,
qualquer perspectiva de evolução passa, necessariamente, por uma
maximização da intervenção jurisdicional e um fortalecimento da situação
jurídica do apenado, pois, apesar de condenado, não perdeu sua característica
47
de ser “social” e, como tal, merecedor de incondicional respeito de seus direitos
e garantias fundamentais.
5.7. Natureza e objeto da execução penal
É sabido que a execução penal foi tida como administrativa durante quase
toda a nossa história, passando, progressivamente, a ser jurisdicionalizada de
fato. Por qualquer dos argumentos, seja por uma questão ontológica ou
histórica, a execução penal é atividade jurisdicional e, como tal, é indelegável e
irrenunciável por parte do Estado. Portanto, o atual cenário jurídico permite
concluir que a execução penal integra a função jurisdicional do Estado.
Pois bem: se jurisdição, na concepção clássica, é o poder/dever de
solucionar os litígios, aplicando o direito ao caso concreto, é difícil entender, à
primeira vista, como se negou à execução penal o caráter de atividade
jurisdicional.
Vê-se que a jurisdição não se encerra com a produção da coisa julgada,
envolvendo também a prática dos atos de execução forçada. Esta concepção,
relativamente pacífica quando diz respeito à execução civil, entretanto não é
aceita com a mesma tranqüilidade no caso da execução penal. Nessa linha,
Ada Pellegrini Grinover16, defensora da natureza mista da execução penal,
ressalta que, “apesar de peculiaridades e diferenças em confronto com a
execução civil, a natureza do processo de execução – civil e penal – é
exatamente a mesma”.
JULIO FABBRINI MIRABETE 17anota que: “.afirma-se na exposição de
motivos do projeto que se transformou na Lei de Execução Penal: 'Vencida a
crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole
predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua
própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão aos domínios do
Direito Penal e do Direito Processual Penal”.
16 Grinover, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução. 9ª Ed. São Paulo, Malheiros, 1998. 17 MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal, 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2000.
48
Por fim, SALO DE CARVALHO18, com a habilidade habitual, esclarece
que "o entendimento puramente administrativista acabava por se chocar com a
imperiosa necessidade de intervenção judicial nos chamados incidentes da
execução (basicamente no livramento condicional), o que teria gerado
"dogmaticamente uma concepção híbrida, qual seja, de que a natureza da
execução penal seria tanto administrativa como jurisdicional"
Temos que a execução penal é de natureza jurisdicional, não obstante a
intensa atividade administrativa que a envolve.
Embora envolvida intensamente no plano administrativo, não se
desnatura, até porque todo e qualquer incidente ocorrido na execução pode ser
submetido à apreciação judicial, por imperativo constitucional, o que acarreta
dizer, aliás, que o rol do art. 66 da Lei de Execução Penal é meramente
exemplificativo. Ainda segundo Carvalho, a jurisdicionalização (formal) da
execução penal no Brasil se completou a partir do início da vigência da Lei de
Execução Penal (LEP), "que fixa o conteúdo jurídico da execução (art. 1º),
anuncia a jurisdição e o processo (art. 2º), detalha a competência do Juiz de
Execução Penal (art. 66) e determina o procedimento judicial (art. 194)". O
penalista gaúcho, contudo, reconhece que a evolução doutrinária e
jurisprudencial não acompanhou a inovação normativa, e que ainda há diversos
defensores da tese da natureza jurídica mista.
É extremamente salutar a percepção de que, no cumprimento das penas
não privativas de liberdade (pecuniárias ou restritivas de direitos), a
participação do Poder Executivo é muito menor e pode não chegar a acontecer
se, por exemplo, no caso das penas de multa ou de prestação pecuniária,
houver cumprimento voluntário e dentro do prazo. Dessa forma, a própria
execução penal pode se dá sem a colaboração de órgãos externos ao
Judiciário.
Portanto, correto é o entendimento de que na esfera penal, tal atividade
é reconhecida pacificamente como continuação da atividade jurisdicional, logo
admitindo que sua natureza é idêntica à da execução civil, sendo uma
singularidade das sentença penais a imposição de penas privativas de 18 CARVALHO, Salo de (org.) Crítica à Execução Penal: doutrina e jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2002.
49
liberdade e que o Estado para dar cumprimento às penas de prisão, precise
manter enormes estabelecimentos penais que tradicionalmente integram a
estrutura do Poder executivo.
Há de ser realçado algumas formas de atuação judicial e extrajudicial do
juiz no processo de execução penal, sendo ambas atuação jurisdicional do
estado no campo da execução das penas:
1) fiscalização das unidades prisionais:
a) Juizes da Execução Penal. De acordo com o artigo 66, inciso VII, da LEP, os
juízes deveriam realizar visitas mensais aos presídios sob sua
responsabilidade, a fim de fiscalizar as unidades e verificar as necessidades
dos presos.
b) Ministério Púbico. O artigo 68, parágrafo único, da LEP, exige do Ministério
Público o mesmo dever dos juízes de visitar mensalmente.
c) Conselho Penitenciário. Os artigos 69 e 70 da LEP o definem como um
órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena com responsabilidade de
visitas periódicas às unidades;
d) Conselho da Comunidade. Poucas são as comarcas do nosso estado em
que foram instalados os conselhos da comunidade e mais raras ainda são as
que possuem conselhos em efetivo funcionamento.
e) Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP).
Localizado em Brasília, tem também a atribuição de visitar os locais de
detenção, artigo 63 da LEP.
f) Vale lembrar, a presença da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro,
através de Núcleo do Sistema Penitenciário desenvolvendo um trabalho
pioneiro de assistência junto aos presídios e penitenciárias estaduais que
engloba o atendimento ao preso e a família, acompanhamento processual,
informação processual e jurídica como um todo e especialmente fiscalização
quanto ao cumprimento da pena e a violação de direitos, sem prejuízo a
individualização da pena e na tentativa de proporcionar dignidade ao
encarcerado sentenciado.
50
2) Progressão de Regime Prisional e Livramento Condicional
O sistema progressivo de regime foi instituído com vistas à reinserção
gradativa do condenado ao convívio social. Ele cumprirá a pena em etapas e
em regime cada vez menos rigoroso, até receber a liberdade. Durante esse
tempo, o preso será avaliado e só será merecedor da progressão caso a sua
conduta assim recomende.
O mérito do condenado para a progressão de regime prisional (requisito
subjetivo) diz respeito a seu bom comportamento carcerário e aptidão para
retornar ao convívio social. Destarte, para que possa obter a progressão, em
nosso entender, não basta o bom comportamento carcerário, sendo
necessário, também, que esteja apto a ser colocado em regime menos
rigoroso. Um dos instrumentos empregados para a verificação da aptidão para
a progressão de regime é o exame criminológico, que será realizado quando
for necessário.
O referido exame será realizado obrigatoriamente nos presos que se
encontrem no regime fechado e facultativamente nos que estão no regime
semi-aberto (art. 8º da LEP). É uma espécie de exame de personalidade e tem
a finalidade de obter elementos indispensáveis à classificação do sentenciado
e à individualização da execução penal. Por isso, examina a personalidade do
criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento, possibilidade de voltar
a delinqüir, etc., propondo as medidas necessárias para a recuperação. Por se
tratar de perícia oficial, deve ser realizado por profissionais capacitados
(psicólogos e psiquiatras). Entretanto, a realização do exame criminológico é
atribuição da administração pública, através do Poder executivo, encarregado
da gestão das prisões.
Com efeito, o condenado com mau comportamento carcerário, que não
queira trabalhar, com dificuldades para obedecer ao regulamento, que exiba
sinais de periculosidade, etc. demonstra com sua conduta não ser merecedor
do benefício da progressão de regime prisional.
É importante salientar que, em sede de execução penal, não é raro
encontrar apenado com tempo necessário para progredir de regime ou sair em
51
livramento condicional atrelado às normas de prêmio/castigo dessas unidades,
sendo certo que alguma mudança na organização da unidade ou de unidade
pode repercutir na adaptação do preso, entre outros fatores determinantes de
seu comportamento, o que, portanto, acarretam muitas das vezes no
cumprimento integral da pena sem gozo do direito previsto na LEP, pela
constatação de inaptidão nos malfadados exames criminológicos.
Nesse ponto, faz-se mister a existência de um processo de execução,
com garantias de ampla defesa, do contraditório e as demais garantias
inerentes ao direito material e instrumental.
3) A classificação do condenado:
Será feita por Comissão Técnica de Classificação, que é o órgão
responsável pela elaboração do programa individualizador da execução da
pena privativa de liberdade (art. 6º da LEP). A Comissão Técnica de
Classificação existe em cada estabelecimento prisional e é presidida pelo
diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um
psicólogo e um assistente social, quando se tratar de pena privativa de
liberdade. Nos demais casos, a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e
será integrada por fiscais do Serviço Social (art. 7º da LEP).
Para a correta individualização da pena privativa de liberdade, a
Comissão Técnica de Classificação deve valer-se do exame criminológico, nos
casos em que ele é exigido (regime fechado), ou quando ele for necessário
(regime semi-aberto). A fim de obter dados reveladores acerca da
personalidade do condenado, a Comissão poderá entrevistar pessoas;
requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, informações e dados a
respeito do condenado; realizar outras diligências e exames necessários (art.
9º da LEP).
Não havendo exigência ou necessidade da realização do exame
criminológico, a classificação será feita por exame de personalidade comum,
em que serão colhidos elementos para a elaboração de um programa de
individualização da execução da pena.
52
No entanto, a falta de contato dos Juízes da execução com as equipes
multidisciplinares encarregadas da realização dos exames criminológicos e a
Classificação do preso, cujo controle é do órgão de administração
penitenciária, ficando sob domínio quase exclusivo da SEAP, torna a atuação
judicial uma última instância em assuntos de transferência, trabalho, falta
disciplinar e outros, acarretando morosidade das decisões e ausência de dados
estatísticos ou ignorância do aparato administrativo envolvido na execução da
pena.
4) A individualização da pena:
É direito constitucional previsto no artigo 5º, XLVI, 1ª parte, da CF. e
objeto de controle do judiciário - diante das modificações introduzidas pela Lei
10.763, de 12 de novembro de 2.003, pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro
de 2.003 e na Lei nº 11.464 de março de 2007: .
Individualizar a pena consiste em propiciar ao preso as condições
necessárias para que possa retornar ao convívio social. A individualização
deve ater-se a métodos científicos, nunca improvisados, iniciando-se com a
classificação dos detentos, de forma que possam ser destinado aos programas
de execução mais apropriados de acordo com suas necessidades pessoais.
A Lei de Execuções Penais (LEP), em seu art. 112, dispõe que a pena
privativa de liberdade será executada de forma progressiva com a transferência
para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento,
respeitadas as normas que vedam a progressão. Prevê, ainda, a norma em seu
§ 1º, que decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do
Ministério Público e do seu defensor.
A Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2.003, deu nova redação ao
artigo 112 da LEP, não mais exigindo que o mérito do condenado lhe seja
favorável à progressão, bem como a manifestação do Conselho Penitenciário e
exame criminológico, quando necessário.
53
Embora a lei tenha mantido o sistema progressivo, instituiu como
requisitos para a progressão de regime apenas que o preso tenha cumprido ao
menos um sexto da pena no regime em que se encontra e que ostente bom
comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Por outro lado, as normas que vedam a progressão de regime prisional,
no caso a Lei dos Crimes Hediondos, não mais permanecem íntegras, uma vez
que a Lei 11. 464/2007, deu nova redação ao art. 112 da LEP, determinando o
cumprimento de 2/5 e 3/5 da pena para passar ao regime menos severo.
Assim, cometendo o agente crime hediondo, tráfico ilícito de entorpecentes ou
drogas afins, ou terrorismo, deverá cumprir a pena em regime inicialmente
fechado, sendo franqueada a progressão de regime, em um sexto para os
apenados cujos crimes foram praticados antes período de vigência da referida
Lei. Além do bom comportamento carcerário do condenado, para que possa
ser deferida a progressão, há necessidade do cumprimento de pelo menos um
sexto da pena no regime em que se encontra (requisito objetivo), sendo vedada
a progressão por salto, ou seja, pulando um dos regimes.
Outra imposição da lei para a progressão é a prévia manifestação do
Ministério Público e do Defensor, e que a decisão judicial seja motivada (art.
112, § 1º, da LEP). Observamos que a manifestação do Ministério Público e a
fundamentação da decisão judicial sempre foram requisitos necessários nos
procedimentos afetos às execuções penais. O Ministério Público possui a
atribuição de fiscalizar a execução da pena e da medida de segurança,
oficiando em todos os processos e incidentes da execução (art. 67 da LEP). À
Defesa cabe defender os interesses do condenado, podendo requerer o que de
direito para a obtenção da progressão de regime.
Entretanto, mesmo com a modificação do artigo 112 da LEP,
entendemos que o Juiz pode determinar o exame criminológico quando o preso
tiver praticado crime doloso com o emprego de violência ou grave ameaça à
pessoa, ou seja, se houver necessidade de ser aferido o mérito do condenado.
Isso porque o artigo 33, § 2º, do Código Penal, de forma genérica, diz que a
pena privativa de liberdade deve ser executada de forma progressiva e
segundo o mérito do condenado.
54
Aliás, para a concessão de livramento condicional, progressão de regime
e visita periódica ao lar, benefícios que colocam o preso em contato com a
“rua”, na linguagem informal das penitenciárias, exige-se a constatação de
condições pessoais que façam presumir que o liberado está arrependido e não
voltará a delinqüir, sendo que essa prova é feita por meio de exame
criminológico.
Essa forma de avaliação é fácil de ser maquiada, sendo certo que o Juiz
das Execuções Penais não tem contato com o postulante desses direitos, mas
apenas com o exame criminológico, ou seja, se tiver dúvidas sobre a cessação
da periculosidade do condenado, deverá indeferir o pedido, ao passo que
melhor seria a avaliação em procedimento contraditório ou por um programa de
Justiça restaurativa.
Seria um contra-senso permitir a progressão, ou até mesmo a liberdade,
para alguém que ainda não possui condições de retornar ao convívio social,
mostrando-se perigoso para a coletividade. Entretanto, se o exame
criminológico concluir que o preso tem condições de progredir de regime
prisional, o juiz deverá deferir a progressão ou liberdade antecipada, o que não
pressupõe a readaptação gradativa do preso à liberdade e permite o retorno do
mesmo mais rapidamente ao mundo da delinqüência, sem que a sociedade
possa opinar ou efetuar o controle da readaptação prometida no exame
criminológico.
Infelizmente, esse conteúdo burocrático e inócuo da lei de execução
penal, contraria os anseios da sociedade, que após os noticiários de detentos
ou ex-detentos que continuam praticando crimes passa a exigir punições mais
rígidas para os criminosos cada vez mais violentos, fomentando mais e mais o
processo de exclusão.
Da forma como a lei é aplicada, inúmeros criminosos perigosos e que
não possuem condições de retornar ao convívio social poderão ser soltos sem
qualquer consciência do mal causado à vítima e à sociedade e sem qualquer
obrigação de reparação do dano, haja vista que nesses exames criminológicos
faz-se uma mera declaração da impossibilidade de compô-los e isso é o
suficiente para nunca mais tocar no assunto “reparação dos danos”, deixando
55
o preso sem qualquer ônus pela violação perpetrada e com a certeza de que o
retorno a prisão é um risco do seu negócio ilícito.
Diante disso, os debates e as decisões no sentido de que basta o
cumprimento de um sexto da pena ou dois e três quintos e bom
comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional,
para que o condenado possua o direito subjetivo de progredir, visitar a família
ou sair em condicional, é inócuo e dispensável, pois o que se deve estabelecer
é um programa sério, que leve o condenado a análise do crime condicionada à
efetiva reparação do dano que causou somada à devolução do produto do
ilícito praticado, com os acréscimos legais., numa verdadeira revolução
procedimental.
O direito penal produzido para enfrentar a emergência de crimes
bárbaros noticiados e da criminalidade organizada produziu uma justiça
política, não cognitiva e não baseada na imparcialidade do Juízo; mas incita
procedimentos decisionistas e inquisitórios, fundados no princípio do
amigo/inimigo.
Essa tem sido a lógica que está penetrando todos os momentos do
mecanismo punitivo: na legislação e, em especial, na execução penal.
O que deve ser mudado no paradigma deste direito penal de exceção é
a separação entre juiz e acusação e a supressão da figura do juiz instrutor,
além da diminuição da contaminação policialesca da função jurisdicional. O
juízo não é mais a sede de verificação do material probatório compilado, mas é
lugar de coerção ou de constatação da validade do material produzido pela
imprensa que se presta a fazer o trabalho de investigação para a acusação.
A questão é de importância central para uma doutrina garantista do
direito penal e nós estamos indo na contra mão.da tese dominante na cultura
jurídica do mundo, haja vista que o estado de direito se legitima pelas
garantias plenamente respeitadas e abolição do direito penal de exceção.
Nessa perspectiva emerge novo paradigma, cujos conteúdos supõem
uma projeção legislativa de recuperação dos valores da constituição. Isto quer
dizer recodificar os bens jurídicos que são meritórios de tutela penal,
despenalizar todos os crimes menores, as contravenções e aos crimes punidos
com simples penas pecuniárias, os quais não justificam nem pena, nem
56
processo; ampliar a esfera da tutela civil e administrativa, transferindo muitos
interesses hoje tutelados penalmente, redefinir os tipos penais delituosos,
suprimir as figuras elásticas e indeterminadas, expulgar do sistema toda forma
de responsabilidade objetiva ou coletiva e estabelecer limite máximo de pena.
De nada serve um sistema formalmente garantista e efetivamente
autoritário. Essa falácia garantista consiste na idéia de que bastam as razões
de um “bom” Direito, dotado de sistemas avançados e atuais de garantias
constitucionais para conter o poder e pôr os direitos fundamentais a salvo dos
desvios e arbitrariedades. Não existem Estados democráticos que, por seus
sistemas penais, possam ser considerados plenamente garantistas ou
antigarantistas, senão que existem diferentes graus de garantismo e o ponto
nevrálgico está no distanciamento entre o ser e o dever ser.
O clamor de hoje é por uma nova fundação do direito penal garantista,
tendo como pressuposto a busca de nova legitimação procedimental.
A idéia de levar o apenado ao arrependimento pelo mal causado, reflete
os conceitos teleológicos e morais da época da criação das penitenciárias,
quando a pena era associada a fins didáticos de reeducação de prisioneiros.
O pensamento jurídico mais moderno busca uma utilidade social na
punição, retirando o apenado da posição de mero objeto de execução para ser
parte integrante do processo e possuidor de direitos subjetivos, razão pela
qual, fica abandonada a idéia de soma de atos do processo, por uma nova
proposta dirigida a restaurar as garantias dos cidadãos e dar legitimação
formal e substancial a jurisdição.
5) Execução da medida de segurança:
Transitada em julgado a sentença, o juízo da condenação devera
ordenar a expedição da guia para execução (art.171 a LEP).
Essa guia contendo os requisitos do art. 173 da LEP, será remetida a
autoridade administrativa incumbida da execução da medida de segurança.
O inimputável será obrigatoriamente submetido a exame criminológico.
Este exame no tratamento ambulatorial passa a ser facultativo. Ao
final do prazo mínimo da duração da medida de segurança o agente e
57
obrigatoriamente submetido à perícia psiquiátrica de averiguação da
periculosidade.
O laudo psiquiátrico, acompanhado do minucioso relatório aludido no art.
175 da LEP, será remetido ao juízo da execução, que dará vista dos autos ao
Ministério publico e a defesa ou curador no prazo de três dias para cada um..
Concluindo pela cessação da periculosidade, o juiz suspende a medida
de segurança determinando a desinternação ou liberação do agente,
sendo certo que será sempre condicional, pois o juiz deve impor ao agente as
mesmas condições do livramento condicional, quais sejam : a) obter ocupação
licita, se for apto ao trabalho; b) Comunicar periodicamente ao juiz sua
ocupação; c) Não mudar da comarca sem previa autorização judicial.
A decisão que revoga a medida de segurança que determina a
desinternação ou liberação é resolutiva, e torna-se definitiva se dentro de um
ano o agente não praticar nenhum fato indicativo de persistência, de sua
periculosidade, caso contrario, o juiz restabelecera a Medida de Segurança.
5.8. A quebra do paradigma punitivo
Por que uma reação punitiva seria mais adequada do que respostas não
punitivas para os problemas da conflitualidade e da litigiosidade das
sociedades contemporâneas? Por que o desejo obsessivo de punir, de punir
mais e sempre com maior intensidade? É bem provável que a obsessão
punitiva da comunidade contemporânea se explique justamente pelo modo de
funcionamento da sociedade de risco que edifica toda uma imensa e resistente
superestrutura de prevenção e segurança para fazer face aos medos, perigos e
ameaças que tornam a vida humana, social e intersubjetiva, absolutamente
incerta.
Utilizar a prisão como “aspirador social” para limpar as escórias das
transformações econômicas em curso e retirar do espaço público o refugo da
sociedade de mercado – os pequenos delinqüentes ocasionais, os
desempregados e os indigentes, os sem-teto e os sem documentos, os
toxicômanos, os deficientes e doentes mentais deixados de lado por incúria da
proteção sanitária e social, assim como os jovens de origem popular
58
condenados a uma sobrevivência feita de expedientes e de furtos para suprir
a precariedade dos salários – é uma aberração no sentido exato do termo, isto
é, um “erro de juízo” tanto político quanto penal.
A evolução da criminalidade não justifica em nada o crescimento
fulgurante da população prisional, ao contrário já se constatou em trabalho do
Instituto de Segurança Pública 19que alguns tipos de crime estão diminuindo
regularmente desde 2003; segundo os levantamentos do referido Instituto,
homicídios e roubos diminuíram em 8,8% em relação ao mesmo período do
ano anterior (de 2007 para 2006). Entretanto a mídia, anuncia o aumento do
número de presos e a necessidade de construção de novas unidades
penitenciárias no país e o judiciário proclama que há um inchaço nos Juizados
Especiais Criminais relativo a delitos que englobam “violência” verbal (insultos,
ameaças), sobretudo no seio da organização familiar.
Tomando os dados estatísticos da Secretaria de Segurança Pública, não
houve um surto de delitos que justifique automaticamente a confusa
intervenção do Estado nesse ponto. Além disso, ao invés da impressão
esmagadora criada pela recente obsessão da imprensa sobre o assunto, a
preocupação com segurança hoje não é excepcionalmente aguda na
população. As sondagens de rua mostram que o medo do crime permanece
relativamente estável nas duas últimas décadas, exceto em modestos picos
quando são noticiados delitos que chocam pelo particular modo de execução.
Enfim, sabe-se que o medo do crime não tem muito a ver com sua
incidência real, já que a imagem dominante de uma violência anônima que
atingiria todo mundo em toda a parte, e em especial os mais vulneráveis
(idosos, mulheres e transeuntes comuns), não corresponde de modo algum à
distribuição sócio-espacial dos delitos.
Em suma, não foi tanto a criminalidade que mudou nos últimos anos e
sim a maneira como porta-vozes dos interesses dominantes, vêem a
delinqüência de rua e as populações que supostamente a alimentam. Os mais
visados são os jovens das classes populares, confinados na periferia retalhada
há três décadas pela desregulação econômica e pela omissão urbana do
19 Balanço das incidências criminais e administrativas no Estado do Rio de Janeiro (1º semestre de 2007). Coordenação: Ana Paula Mendes de Miranda, Ana Luísa Vieira de Azevedo e Kátia Sento Sá Mello. Disponível em WWW.isp.rj.gov.br.
59
Estado, periferia transformada em chaga que a cataplasma administrativa da
“política da cidade” tentou, sem êxito, cauterizar.
A criminologia comparada confirma peremptoriamente que não existe
em lugar nenhum – em nenhum país e em nenhuma época – correlação entre
a taxa de encarceramento e o nível de criminalidade. Seja como for, a prisão só
atende, na melhor hipótese, a uma ínfima parcela da criminalidade e até a mais
violenta. Percebe-se, assim, como a prisão está inapta para lutar contra a
pequena e média delinqüência e, com maior razão, contra as “incivilidades”
que, na maioria, nem constam do Código Penal (atitude agressiva, baderna em
locais públicos, pequenos vandalismos etc.).
Mais uma prova de que a repressão judiciária é ineficaz e o recurso
automático do encarceramento para debelar as desordens urbanas é um
remédio que, em muitos casos, só agrava o mal que pretende sanar, é que o
preso não perde só a sua liberdade, perde a dignidade e em alguma regiões do
país ultrapassam a 80% o índice de reincidência.
Instituição baseada na força e agindo à margem da legalidade, a prisão
é um cadinho de violências e de humilhações cotidianas, um vetor de
desagregação familiar, de desconfiança cívica e de alienação individual. E,
para muitos presos implicados ligeiramente em atividades ilícitas, é uma escola
de formação, para não dizer de “profissionalização”, na carreira do crime. Para
outros, o que também é péssimo, o cárcere é um abismo sem fundo, um
inferno alucinante, a extensão da lógica de destruição social que eles já viviam
fora do presídio, agora, acrescida da aniquilação pessoal.
O funcionamento dos presídios caracteriza-se pela completa disjunção
entre a pena proferida pelo discurso judiciário e a que é de fato aplicada, o que
provoca “nos detentos uma descrença radical aliada a um profundo sentimento
de injustiça”. A história penal mostra, além disso, que em nenhum momento e
em nenhuma sociedade a prisão cumpriu sua suposta missão de recuperação
e reintegração social, de acordo com a óptica de redução da reincidência.
Como observou laconicamente um agente penitenciário, “a reintegração não
se dá na prisão. Aí já é tarde demais. Para reintegrar é preciso dar trabalho,
igualdade de oportunidades, escola.
60
Medidas de tipo 'social' podem ser tentadas, mas já pouco adiantam”.
Sem contar que tudo, até a organização de trabalho dos guardas, passando
pela pobreza de recursos institucionais (trabalho, formação, escolaridade,
saúde), pela extinção deliberada do livramento condicional e pela ausência de
medidas concretas de ajuda no momento da libertação – se opõe à suposta
função de “reforma” do detento.
Finalmente, convém destacar que e a contenção carcerária atinge
desproporcionalmente as categorias sociais econômica e culturalmente mais
frágeis. O argumento, habitualmente invocado pelos partidários da política
punitiva, segundo o qual a inflação carcerária corresponde a uma redução
automática da criminalidade, pois “neutraliza” condenados que, atrás das
grades, já não oferecem perigo, parece cheio de bom senso, mas, se bem
examinado, revela-se ilusório, porque, quando aplicado à delinqüência de baixa
periculosidade, o encarceramento desmesurado equivale a “recrutar” novos
delinqüentes por efeito de substituição.
Além disso, a prisão tem a característica de uma bomba social que
aspira-e-expele: ela devolve à sociedade indivíduos capazes de cometer ainda
mais delitos e crimes em virtude do corte sociobiográfico que a reclusão
exerce; da carência de programas de “reinserção” durante e após o
encarceramento; e da série de restrições, incapacidades e outros prejuízos
decorrentes de uma passagem pela polícia.
Mesmo assim, nada é feito para interromper de fato o circuito crime-
prisão-crime, a não ser o agravamento da pena e das disposições
procedimentais relativas a aquisição de direitos previstos na Lei de Execuções
Penais, o que gera uma sobrecarga da função jurisdicional. Como escapar?
Nossa proposta é a coexistência da justiça restaurativa com a justiça
penal comum, para que pouco a pouco uma visão restauradora seja inserida
como um caminha diferente, ou seja, processo onde as partes ao sofrer algum
tipo de delito, resolvem, coletivamente, como abordar as conseqüências do
delito e suas implicações para o futuro.
Os programas de justiça restauradora habilitam a vítima, o infrator e os
membros afetados da comunidade a estarem diretamente envolvidos com o
Estado para dar uma resposta ao delito.
61
Definitivamente, os programas restaurativos tem uma importante função
de prevenção e integração, da volta a legalidade para o ofensor e a quebra da
estigmatização da vítima, sendo certo que o acordo entre as partes muitas
vezes se pautam de determinadas obrigações que servem para restaurar as
relações entre as pessoas envolvidas.
62
6. JUSTIÇA RESTAURATIVA
6.1. Premissas: O problema da criminalidade é um mau que nos constrange de longa
data, tirando nosso sossego, trazendo insegurança e muitos outros aspectos
negativos causadores de desagrado e infelicidade a todos aqueles que com ela
convivem.
Até os remotos tempos não existiu sociedade sem o fenômeno da
criminalidade, sempre em constante mutação, com formas variadas,
tonalidades locais e épocas distintas, porquanto o homem sempre e de alguma
forma, violou e violará os dispositivos legais, incorrendo nas penalidades
estabelecidas à luz do princípio da legalidade estrita norteador do direito penal.
O delinqüente, num passado não tão distante, era visto como pervertido,
egoísta ou desonesto, necessitando ser punido ou eliminado. Já no presente,
como alguém desajustado, precisando, urgentemente, de tratamento,
educação e ressocialização, por estar na situação de vítima da própria
sociedade, donde a necessidade de assistência. A maneira como tem sido
encarado pelos integrantes das variadas camadas da sociedade, é
comprovada pela história da pena, sua evolução filosófica, natureza, finalidade
e fundamento.
Neste desenvolvimento há uma clara mudança no foco da ação de punir.
Enquanto a clássica reação retributiva repressiva leva o crime e a sua
qualificação ao centro de debates jurídicos, a punição segue como uma reação
lógica legalmente definida e como uma obrigação moral.
Todavia, não basta reconhecer o quadro vigente; é preciso buscar
soluções e diagnósticos para refreá-la ou extingui-la. Nessa batalha em busca
de soluções surgem mecanismos alternativos de solução dos conflitos,
contruibuindo com seus esforços e conclusões no intuito de adequar a
prestação jurisdicional à realidade social.
A introdução de uma abordagem reabilitativa complementar mudou o
foco de interesse parcialmente para o acusado e levou a um número crescente
de reações penais, que permitiu que se levasse em conta as características
pessoais e as necessidades do acusado. O modelo reabilitativo aumentou o
63
escopo da ação de sentenciar e levou à introdução de um conjunto de medidas
e sanções que incluíram sanções comunitárias e medidas de segurança a
serem tomadas contra os criminosos, tendo como pano de fundo a prevenção
individual e geral.
A prevenção não se dá somente contra motivando o infrator potencial
com a ameaça de castigo, contra estimulando psicologicamente; senão de
outras maneiras, apoiando-se em programas que atuam em vários
componentes do seletivo fenômeno criminal como o espaço físico, o clima
social, as condições ambientais, os agrupamentos de pessoas que podem ser
alvos de delitos, a própria população punida, etc. Por esse caminho, a
Criminologia pode contribuir com informações de grande utilidade e, sem
dúvida, necessárias para que o homem sofra intervenção.
Com ligação a criminologia está a vitimologia, incumbida de estudar a
relação vítima-criminoso no fenômeno da criminalidade hodierna, enfatizando a
vítima, como causadora e eventual provocadora da conduta exteriorizada.
Vitimologia e pesquisa vitimológica têm imposto aos criminologistas e
outros cientistas penais que repensem o conceito de punição. O processo de
sentença tem que se endereçar ao crime, às suas conseqüências, à vítima,
assim como ao criminoso e à comunidade em que eles funcionam.
É mister, concentrar a discussão especialmente em torno do
desenvolvimento de uma abordagem restaurativa dentro do contexto de
punição e do processo de sentença. Nessa senda, imprescindível a
abordagem atual, partindo de conhecimentos científicos e de modelos
modernos de prestação jurisdicional, cujos resultados tenham sido favoráveis
no sentido de amenizar os reflexos de um justiça estritamente retributiva..
Vale dizer que a atuação do estado-juiz não é o único modo de se
alcançar a justiça. Assim é que para ter acesso à justiça, nem sempre é
necessário que o problema seja submetido ao veredicto judiciário. Muitas
vezes o melhor caminho a ser escolhido para a solução de uma demanda não
é o processo judicial, mas outras formas menos solenes, tal como a mediação,
inserida dentre os meios alternativos de solução das disputas, que melhor
pacificam a sociedade, viabilizando ganhos mútuos, pois tendem a própria
vontade das partes.
64
Assim, o presente estudo terá como ponto de partida, uma primeira
visão geral tratando da justiça restaurativa e das sanções comunitárias dentro
da prática mundial. A segunda parte será construída em torno do ponto central
de interesse, ou seja, a influência da vitimologia e o desenvolvimento de uma
abordagem restaurativa e a ampliação dos objetivos e práticas da punição. E
por fim, deixa-se claro que também a punição prisional deve ser o tópico
central da abordagem restaurativa. Isto será ilustrado com a apresentação do
plano piloto Belga de prisões restaurativas.
6.2. A proposta Restaurativa: A Justiça Restaurativa é uma nova forma de abordar a justiça penal,
com enfoque nos danos causados a vítima e não na punição dos
transgressores. Nos últimos anos, para além da mediação vítima-agressor,
foram introduzidas novas práticas de participação da comunidade, da família e
amigos das vítimas e dos agressores.
A Justiça Restaurativa tem como objetivo não só reduzir a criminalidade
mas também o impacto dos crimes sobre os cidadãos. “A resolução dos
conflitos por esta via parece ter o potencial de fortalecer as relações ente os
indivíduos e aumentar a coesão social”
Contudo, o conceito de Justiça Restaurativa, como há um consenso
crescente nos últimos anos na teoria e na prática, é amplo. Este conceito, de
origem anglo-saxônica, não é restrito a um método concreto, um programa ou
técnica, mas vai mais na direção de um novo paradigma ou visão global. O que
se quer dizer aqui é o desenvolvimento de outra visão, não só da reação da
justiça penal ou social que deve seguir um crime, mas também e
primordialmente da natureza do crime em si.
Um crime não é visto tanto em termos da violação de regras de lei
abstratas, mas como uma violação das pessoas e relações. Baseado nesta
visão, a reação fundamental é então também direcionada à restauração do
dano: o dano às vítimas, seu ambiente e possivelmente à sociedade, e também
o dano que o agente provocou no seu próprio entorno social.
65
Para muitos, a “Justiça Restaurativa” é uma “terceira maneira”
decididamente a ser escolhida no lugar da lei penal (neoretributiva) e depois do
colapso do modelo reabilitativo.
Uma definição geralmente aceitável de justiça restaurativa é dada por
Tony Marshall numa visão geral de justiça restaurativa publicada pela revista
ultima ratio)20: “Justiça restaurativa é um processo pelo qual as partes com
interesse em um delito específico resolvem coletivamente como lidar com as
conseqüências do delito e suas implicações para o futuro.” Ou de outra
maneira: “A justiça restaurativa é uma abordagem do crime solucionadora de
problemas que envolvem as parte, e a comunidade geralmente, em um
relacionamento ativo com agências estatutárias. Não é uma prática particular,
mas um conjunto de princípios que podem orientar a prática geral de qualquer
agência ou grupo em relação ao crime.”
Também útil para clarificar o conceito é o objetivo expresso nos seus
padrões pelo Consórcio Britânico de Justiça Restaurativa (1998): “A Justiça
Restaurativa procura equilibrar as preocupações da vítima e da comunidade
com a necessidade de reintegrar o agente na sociedade. Ela procura assistir a
recuperação da vítima e capacitar todas as partes com interesse no processo
judicial a participar proveitosamente dele”.
A partir destas definições fica claro que a “justiça restaurativa” não é um
movimento paralelo ou contra o sistema de justiça penal atual. Mais e mais
vozes podem ser ouvidas para integrar ao máximo esta abordagem dentro do
sistema de justiça penal existente para modificar as fundações do próprio
sistema.
Uma segunda clarificação diz respeito a crescente tendência de
desindividualizar a Justiça Restaurativa. No começo estava fortemente
associada à mediação vítima-agente, agora vemos modelos que não envolvem
as duas partes imediatas do conflito, mas também um número de pessoas ou
corpos do seu entorno.
A Justiça Restaurativa na Europa atualmente encontra pelo menos três
grandes desafios. O primeiro é a recuperação ameaçadora desta linha de
20 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal, Lúmen Júris, 2007.
66
pensamento dentro dos métodos e conceitos dominantes dentro da
administração da justiça penal. O segundo desafio na realização da justiça
restaurativa está na possibilidade de expansão da mediação vítima-agente
para mais categorias de crimes (também sérios) e agentes e na aplicação de
uma abordagem para a vítima nos sucessivos estágios da administração da
justiça penal, incluindo correções e pós-cuidados. Uma terceira tarefa diz
respeito ao estabelecimento de estruturas legais e uma clarificação da relação
do programa de justiça restaurativa em relação aos crimes, ou a sua posição
dentro dos sistemas de justiça penal dos diferentes países.
A questão do enquadramento jurídico destes desafios tornou-se urgente.
Na verdade, só assim será possível oferecer a todos o mesmo serviço e
garantir que todos os implicados num processo penal disponham das mesmas
possibilidades, independentemente da circunscrição judicial do país.
Por outro lado, os projetos poderão passar a desenvolver-se de forma
mais uniforme. Por isso se tem verificado alguma atividade legislativa neste
domínio. Entre 1998 e 2003 várias iniciativas legislativas foram promovidas em
países como a Áustria, República Checa, França, Noruega, Polônia, Eslovênia,
Suécia, Suíça e ainda Espanha, na Catalunha.
Comparando o número de habitantes com o número de processos em
que foi utilizada a mediação, segundo dados de 1998, pode concluir-se que a
Noruega é o país europeu no qual a prática de mediação está mais
desenvolvida, seguindo-se a Áustria, a Finlândia, a França, a Bélgica a
Alemanha e o Reino Unido.
A criação de um quadro legal encorajando a mediação ou impondo uma
oferta de mediação ao longo do processo judicial, neste se compreendendo a
fase de execução da pena, pode constituir um grande impulso para o
desenvolvimento desta forma de Justiça Restaurativa.
No entanto, não deverá ser descurado o desenvolvimento de programas
de sensibilização e deformação destinados às instâncias policiais e judiciárias.
Como se constatou, a maior parte dos programas europeus de justiça
restaurativa são do tipo "desjudicializado”, isto é., os casos são remetidos para
procedimentos restaurativos – na maior parte dos casos, para mediação – em
diferentes fases (começando na fase policial).
67
Situação diversa é a remessa do processo pelo juiz para procedimentos
restaurativos, com vista ao acordo sobre a compensação material e não
material a atribuir à vítima, o qual irá influenciar a sentença. Os procedimentos
restaurativos no contexto prisional – na fase de execução de penas – ocupam,
ainda, um lugar diferente relativamente aos procedimentos anteriormente
referidos.
O potencial ou o resultado esperado deste tipo de procedimentos
pertence à esfera relacional e emocional, mas diz igualmente respeito à
segurança da vítima e à reintegração, ou reinserção social do agressor.
Colocando-se num plano completamente distinto, os procedimentos
restaurativos designados por “sentencing circles”, atualmente em
desenvolvimento no Reino Unido, constituem um modo verdadeiramente
alternativo ao procedimento criminal, não complementar e não se integrando
neste. Estes procedimentos implicam um grande envolvimento da comunidade
no sentido de desenvolver um consenso relativamente à adequada decisão-
sentença final, respondendo às preocupações e interesses de todas as partes,
incluindo a vítima, o agressor, o juiz, a acusação, a defesa, a polícia e todos os
membros da comunidade com interesse no caso.
Esta visão geral, quer detalhar tanto os mecanismos que são impostos
antes do julgamento por um promotor público ou um juiz para evitar processo
penal adicional ou detenção pré-julgamento, como mecanismos impostos pela
decisão da corte, e mecanismos usados pós-julgamento para executar parte da
sentença de prisão na comunidade.
6.3 Consultando o direito estrangeiro.
a) França
A forma de Justiça Restaurativa mais desenvolvida na França é a
mediação penal. E esta ligada, estreitamente, ao sistema penal tradicional. A
mediação constitui uma resposta judicial a infrações como injúrias, violências
ligeiras, furto, contenciosos familiares menores ou mesmo contenciosos de
vizinhança.
68
A mediação penal é promovida por iniciativa do Procurador da República
e decorre num tribunal, numa associação ou numa casa de justiça – a
chamada “maison de justice” Em contrapartida, a prática da mediação está
fortemente regulada, não se limitando apenas ao direito penal. A mediação
penal está institucionalizada no Código de Processo Penal desde 1993.
A prática de mediação tem-se desenvolvido ao longo destes anos,
sobretudo, como se referiu, nas “maison de justice" criadas junto aos Tribunais.
Mas, igualmente, tem havido grande desenvolvimento da mediação realizada,
diretamente, por associações de apoio à vítima e de mediação, existindo,
ainda, um movimento crescente das mediações de bairro para-judiciárias, um
modelo conjunto de gestão de conflitos, associando Municípios e Ministério
Público.
b) Reino Unido
As práticas de justiça restaurativa desenvolveram-se no Reino Unido a
partir de iniciativas locais e comunitárias. Desde 1998 que essas práticas têm
sido introduzidas no sistema de justiça de menores, através de sucessivas
reformas.
A estratégia do Governo, atualmente, é a de desenvolver e maximizar o
uso de práticas de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal –
reparação às vítimas pelos respectivos agressores, práticas reparadoras para a
comunidade, mediação vítima-agressor nas prisões, durante a fase de
execução de penas e incrementar a pesquisa e o estudo nesta área.
Assim, o Governo criou três planos-piloto de Justiça Restaurativa, os
quais serão acompanhados e avaliados de forma independente por uma
Universidade, visando a recolha de informação sobre o desenvolvimento de
projetos de Justiça Restaurativa e a identificação de áreas problemáticas, um
plano destinado à pesquisa e desenvolvimento de especialização nesta área, o
outro criando um serviço voluntário de mediação para adultos ou jovens
agressores e suas vítimas, condenados a penas em favor da comunidade e
um terceiro, para oferecer justiça restaurativa a autores de crimes, depois da
respectiva condenação.
69
No Reino Unido os processos restaurativos podem revestir diversas
formas, incluindo a mediação vítima-agressor, as conferências restaurativas ou
mesmo a mediação indireta.
c) Bélgica
O parlamento belga votou, em Fevereiro de 1994, uma lei visando a
organização de um procedimento de mediação penal (lei de 10 de Fevereiro
de 1994). Esta lei introduziu no Código de processo penal uma nova
disposição, que permite ao Procurador do Rei cessar as investigações em
certas condições.
A mediação penal aplica-se a infrações cometidas por adultos, punidas
com pena não superior a dois anos de prisão. A mediação penal é realizada
por assistentes de justiça, que são empregados pelo Ministério da Justiça.
Existem ainda programas de mediação para menores delinqüentes, em muitos
Municípios.
A competência destes programas pertence às autoridades federadas e
não ao Ministério da Justiça. Ao nível local, a mediação é organizada por
organizações não governamentais do setor da proteção da juventude. Em
muitos Municípios é, igualmente implementada a mediação no âmbito de
serviços da polícia destinada a infrações de menor gravidade. Se a mediação
for bem sucedida o procurador, posto ao corrente do acordo, arquiva o
processo.
A mediação no contexto prisional tem diversos projetos-piloto. Esta
prática permite assegurar, ainda, a reparação das vítimas ao nível da fase de
execução da pena.
d) Espanha - Catalunha
A introdução, na Espanha, de um programa de mediação e reparação
penal, data de 1990, quando o governo da Comunidade Autonômica da
Catalunha iniciou a aplicação de um programa no âmbito da justiça juvenil.
Dois anos depois, em Junho de 1992, foi publicada uma lei de reforma da lei
reguladora do procedimento do julgamento de menores, a qual veio dar base
legal à aplicação dos programas de mediação e reparação, uma vez que
70
atribuiu ao Ministério Público, a faculdade de decidir não levar por diante o
processo, se fosse conseguida a reparação da vítima. A lei penal de menores,
aprovada em Janeiro de 2000, veio confirmar e ampliar esta faculdade.
No que se refere à justiça penal de adultos, desde Dezembro de 1998
que funciona, no âmbito do Departamento de Justiça do Governo Autônomo da
Catalunha, uma experiência piloto, igualmente constituída por um programa de
mediação. O normativo penal e processual impede, todavia, o crescimento da
mediação na justiça penal de adultos, já que não cabe ao Ministério Público a
instrução do processo, mas sim ao juiz, imperando, ainda, o principio da
legalidade e não da oportunidade, dificultando assim as soluções de consenso.
e) Nova Zelândia
O principal impulso do movimento restaurativo ocorreu na Nova
Zelândia, onde foram incorporados ao sistema algumas práticas da justiça
ancestral dos aborígenes Maoris. Essas contribuições relacionam três aspectos
fundamentais: 1) a participação da comunidade, representada pelo maior
número de pessoas possível (desde que de alguma forma relacionadas aos
envolvidos e aos fatos); 2) o fato das discussões deve ser o fato ocorrido, não
as pessoas de A ou de B; 3) a reparação do dano nos seus aspectos
simbólicos, ou psicológicos, é tão importante ou mais que os aspectos
materiais.
Além dessas contribuições conceituais que foram estruturantes do novo
modelo, a Nova Zelândia, em que inclui expressamente na legislação sobre
crianças, jovens e suas famílias a previsão de que os crimes mais graves
praticados por menores de idade (com exceção dos crimes de homicídio)
passariam obrigatoriamente pelas “Family Group Conferences”, ou seja, por
encontros restaurativos envolvendo réus vítimas e comunidades.
Essa foi a primeira experiência internacional de institucionalização das
práticas restaurativas num Sistema Oficial de Justiça. No ano de 2002, a 21ONU votou uma recomendação sugerindo aos países membros a
incorparação das práticas restaurativas aos seus sistemas oficiais.
21 Anexo
71
Atualmente, toda a Comunidade Européia prepara-se para colocar em
prática, a partir de 2006, uma Resolução que incorporará encontros
restaurativos entre réus e vítimas, entre outras metodologias próprias das
práticas restaurativas, em diversos procedimentos da justiça criminal.
f) América Latina
Na América Latina de hoje reformas são cada vez mais identificadas
com mudanças de caráter gerencial, ou seja, há ênfase em novos padrões de
racionalização de procedimentos, simplificação de esquemas operacionais,
capacitação do pessoal e administração menos burocratizada.
Desse modo, a abordagem estreitamente gerencial do judiciário justifica-
se pelo fato do sistema judiciário se inacessível para amplos segmentos da
população e uma “luta sem fim “ para quem tem acesso e não consegue ver os
seus direitos reconhecidos pela Justiça.
Diante da gravidade da situação, e em linha com propostas que florejam
em décadas recentes, os legisladores da Colômbia regulamentaram a
aplicação de métodos alternativos de conflitos, principiando com a Lei nº
23/1991, que provisoriamente autorizou particulares a administrar justiça sem
necessidade de ação ou sentença judicial.
Os legisladores colombianos forjaram instrumentos de desjudicialização,
que visam, pela ordem, (1) outorgar ou adjudicar competências jurisdicionais a
organismos administrativos (como as “Casas de Justiça”), criadas com apoio
de entidades internacionais e do governo dos EUA, que agrupam todas as
autoridades que aplicam justiça extrajudicialmente: comissários de polícia,
defensores públicos de família etc.), (2) ampliar vias tradicionais ou
comunitárias (incluindo Justiça Restaurativa) de resolução de conflito, Por fim
a Constituição Colombiana atribuiu função jurisdicional a árbitros e
conciliadores particulares.
No Peru há juízes de paz, respeitáveis membros da comunidade que
trabalham à domicílio ou nas empresas, com honorários pagos pelo Estado e
investidos do poder de conciliação na resolução de conflitos submetidos à
justiça.
72
No entanto, em ambos os países aborda-se a conciliação como um
elemento informal e emergencial, basicamente alternativo, em contraposição
aos procedimentos usados pelas instâncias reconhecidas pelo Estado.
Na Argentina, mediação e conciliação se tornaram parte integrante do
sistema, na condição de procedimentos pré-judiciais. Na fase experimental da
vigência da Lei 24. 573/1995 foram excluídas de opção por mediação e
conciliação as causas penais, as causas em que o Estado e seus organismos
eram parte, assim como determinadas questões de família e ações de despejo.
As audiências eram confidenciais e se realizavam nos escritórios dos
mediadores e conciliadores, fixando-se um prazo máximo de 60 dias para o
encerramento dos trâmites. O processo tinha início no balcão de recepção das
varas cíveis, comerciais e federais, preenchendo os interessados um
requerimento, depositando uma taxa de 15 dólares aproximadamente e
conhecendo logo em seguida o mediador, o juiz e os membros do Ministério
Público através de sorteio.
6. 4 O desenvolvimento de medidas e sanções comunitárias
A introdução e o desenvolvimento das medidas e sanções comunitárias
têm sido influenciados pelas percepções variáveis do que é crime e como a
sociedade deve reagir a ele. A maioria das sanções e medidas existentes na
europa atualmente, foi elaborada de acordo com a maneira de pensar sobre
crime e controle do crime predominante na época em que foram introduzidas.
Penas eram impostas de acordo com o modelo repressivo-retributivo. A
soltura condicional, suspensão da sentença, adiamento da execução da
sentença, suspensão condicional e pretoriana da pena foram adotadas de
acordo com o modelo reabilitativo. Mediação penal foi introduzida em
concordância com o modelo voltado à vítima.
Entretanto, algumas medidas e sanções comunitárias têm sido
introduzidas principalmente por razões bem pragmáticas, como a crescente
sobrecarga das cortes e a superlotação nas prisões.
73
A Multa
A multa foi introduzida na Lei do Código Penal moderno em 1867.
Naquele tempo, a punição tinha por objetivo infligir dor e privar o agente de
vantagens ilegalmente adquiridas. A multa era a principal forma de punição que
era executada enquanto o réu ficava na comunidade
A multa é uma punição que consiste no pagamento que uma
determinada quantia em dinheiro ao Estado. O valor da multa depende da
categorização do delito. O código penal sempre indica um valor mínimo e um
máximo. Entre esses limites, o juiz pode livremente determinar o valor exato.
Desta maneira ele pode levar em consideração a seriedade objetiva do crime, o
tipo de crime, o passado legal do criminoso e sua capacidade financeira. Cada
vez que o juiz impõe uma multa, ele também tem que pronunciar uma sentença
de prisão alternativa. Esta sentença alternativa será executada se o agente não
pagar a multa imposta a ele.
Liberdade Condicional (Conditional Release)
Principalmente sob a influência das ciências sociais, a pessoa do agente
se tornou o foco de atenção a partir do final do século XIX. O controle criminal
se tornou uma maneira de remover da sociedade os agentes perigosos e
“incuráveis”. Agentes ocasionais ou inofensivos recebiam punição mais leve,
que tinha que ser adaptada as circunstâncias do caso.
Neste contexto, a soltura condicional é uma fase transitória entre estar
na prisão e a liberdade completa, durante a qual o condenado se encontra sob
uma “liberdade supervisionada”. Estar solto sob condições é um direito e não
um privilégio.
Três condições principais precisam ser cumpridas para um prisioneiro
ser solto sob condicional. Primeiramente o prisioneiro deve ter servido um terço
da pena se não reincidente e em crimes comuns. Se a sentença foi aplicada
por um crime recorrente, a soltura condicional pode ser concedida depois de
ele ter servido metade da pena. Em caso de crime hediondo cumprirá dois
terços de sua sentença.
74
Prisioneiros servindo prisão superior a trinta anos podem ser soltos sob
condicional, depois ultrapassados os prazos acima descritos do total de suas
penas.
Ao contrário de países como Bélgica e França, em que o prisioneiro tem
de apresentar um plano de reabilitação que demonstre a sua boa vontade em
reintegrar a comunidade e estabelecer os esforços já realizados nesta direção,
no Brasil bastem alguns exames criminológicos.
Por fim, mesmo havendo no histórico penal do preso contra-indicações
que mostrem que a soltura ofereça sério risco para a comunidade ou sintomas
que obstrua consideravelmente sua reintegração social, se sua personalidade,
sua conduta durante o encarceramento demonstrar que não oferece risco de
ele cometer novos crimes, o condenado é passível de liberação.
As decisões sobre solturas condicionais são feitas por uma comissão.
Esta comissão consiste em um psicólogo, um assistente social especialista na
execução de sentenças e um psiquiatra, todos do órgão da administração
incumbido da custódia na execução da pena.
Apelações da decisão da comissão não são possíveis. Em nenhum
caso, a comissão ouvirá a vítima (ou o reclamante de direito no caso de a
vítima estar morta) quando esta requisita e mostra interesse legítimo. A
avaliação se concentrará somente nas condições que estão apresentadas no
exame criminológico, pelo Poder Judiciário.
Progressão de Regime (sem similar nos demais sistemas europeus)
Progressão é outra forma de soltar prisioneiros antes de eles terem sido
beneficiados por outras medidas libertarias. Ela afeta principalmente
prisioneiros com um sexto da sentença cumprida e especialmente aqueles que
não podem se beneficiar do sistema de soltura condicional. Este mecanismo
nunca foi tão regulamentado por cláusula estatutária até a repercussão da Lei
dos Crimes hediondos que efetuou proibição inconstitucional reconhecida pelo
Supremo Tribunal federal a posteriori, mas é uma medida de ocasião,
materializada na Lei 11.464/2007 deu-lhe nova roupagem.
75
Suspensão da Sentença (sursi), Suspensão Condicional do Processo e
Transação
A suspensão Condicional do Processo impede a estigmatização que é
inerente a “não ter um registro criminal limpo” desde que cumpridas
determinadas condições O sursi objetiva o adiamento da execução e impede
os efeitos desocializante tais como o recolhimento a prisão, mediante algumas
condições. A transação condiciona o réu ser ou não denunciado, permite a
imposição de conduta ao criminoso que o ajudará a não ser processado caso a
aceite.
Liberdade Provisória (Provisional Release)
A Liberdade Provisória é outra forma de soltar prisioneiros antes de eles
terem sido sentenciados. Ela afeta principalmente prisioneiros sem sentenças,
preso em flagrante ou provisoriamente, que pode se beneficiar do sistema de
soltura desde que compareça regularmente ao Juízo e acompanhe os atos do
processo, mas é uma medida que rareada anda na contramão da evolução.
6.5 Algumas medidas e sanções comunitárias desenvolvidas no sistema
Franco-belgo.
A suspensão da sentença e o Adiamento da sentença.
O juiz pode aplicar a suspensão de uma sentença de até cinco anos de
aprisionamento correcional e quando o réu não tiver sido sentenciado a uma
punição criminal ou a uma sentença de prisão de mais de dois meses.
A suspensão da sentença não pode ser aplicada sem o consentimento
do réu. A suspensão da sentença pode ser revogada se o réu for sentenciado a
uma punição criminal ou a uma punição de pelo menos um mês durante o
período probationary.
O adiamento da execução significa que a sentença foi pronunciada,
mas não será executada contanto que o réu não seja sentenciado a uma
76
punição criminal, ou uma punição correcional de mais de dois meses sem
suspensão da execução durante um período probationary de um a cinco anos
seguintes ao julgamento.
O adiamento da execução é possível para sentenças de até cinco anos
e quando o réu não tiver sido sentenciado previamente a uma punição criminal
de mais de doze meses. O réu precisa consentir. O adiamento da execução é
legalmente revogado automaticamente quando o réu é sentenciado a uma
punição criminal ou punição correcional de mais de dois meses sem a
suspensão da execução durante o período probationary.
Probation
Probation significa que o juiz aplica a suspensão da sentença ou o
adiamento da execução da sentença e anexa condições que o agente tem que
respeitar durante o período probationary. As condições necessárias para
aplicar probation são as mesmas para a suspensão de uma sentença ou para
o adiamento de uma execução. Isto significa que cada vez que o juiz impõe
tanto a suspensão da sentença quanto o adiamento da execução, ele pode
aditar probation22
Quando probation é aditada, a fundamentação para a revogação
continua a mesma, mas além disso pode haver revogação quando o
probationer deixa de respeitar as condições aplicadas e quando a comissão de
probation considera isto sério o suficiente para trazer à atenção do promotor.
Probation só pode ser aplicada quando o réu concorda com as condições
propostas. Fica a critério do juiz decidir que condições ele irá aplicar.
22 De acordo com o sistema anglo-saxão de prova (probation), o juiz suspende a prolação da sentença condenatória, submetendo o processado a um sistema de prova que, se resultar satisfatório evita a prolação da sentença e, consequentemente, a própria condenação. O 8Sistema franco-belga (sursi) leva o juiz a prolatar a sentença condenatória de maneira condicional, isto é, se o apenado condicionalmente cumpre, durante certo tempo, as condições da condenação, é a condenação em si que desaparece. Uma variável deste sistema franco-belga é aquela em que o juiz pronuncia a condenação, e o que se suspende mediante prova é unciamente a execução da pena. Se são cumpridas as condições, não desaparece a condenação, mas unicamente se dá por executada a pena. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro. RT 2003.
77
A lei só indica a possibilidade de aplicar treinamento ou serviço
comunitário e descreve sob que condições isto pode ser feito. Serviço
comunitário pode, por exemplo, ser aplicada por um mínimo de 20 horas e um
máximo de 240 horas e pode ser executada dentro de doze meses durante o
tempo livre do probationer. Para treinamento a duração máxima não é indicada,
mas também tem que ser seguida durante o tempo livre e dentro de doze
meses.
A suspensão da sentença, com ou sem condições de probation, podem
ser aplicadas pelas cortes de investigações e pelas cortes de primeira
instância. Um adiamento da execução da sentença, com ou sem probation,
pode ser aplicada por todas as cortes de julgamento.
O assistente de probation e o comitê de probation são as duas entidades
que monitoram o respeito das condições pelo probationer.
O promotor, o juiz de investigação, as cortes de investigação e as cortes
de primeira instância (exceto pela corte Assize) podem pedir que um assistente
de probation prepare um relatório social de inquérito. Isto pode ser feito a
pedido do réu ou com seu consentimento. Quando o juiz quer aplicar
treinamento ou serviço comunitário como condição de probation, um relatório
social de inquérito é obrigatório.
Penal Transaction
O mecanismo de transaction foi introduzido em 1984, quase que somente
para combater o acúmulo de trabalho nas cortes depois que a pressão política
para que se fizesse alguma coisa em relação a este problema. Entretanto esta
medida também serve ao interesse da vítima. Numa penal transaction o
promotor propõe não processar o agente se ele concordar em pagar uma certa
quantia em dinheiro em benefício do Estado.Se o agente aceita a proposta e
paga, a ação é formalmente retirada. O agente dever ter compensado a vítima
antes que a transaction possa ser proposta.
78
Conditional Pre-Trial Release
Em 1990 o parlamento Belga votou uma nova lei sobre detenção pré-
julgamento. O objetivo desta introdução era a redução do alto número de
prisioneiros em detenção pré-julgamento nas prisões belgas. Esta mesma lei
introduziu o sistema de liberdade condicional chamado Conditional pre-trial
release, que é uma medida pela qual uma jurisdição investigativa, um juiz
investigativo ou em algumas situações um juiz de julgamento, ao invés de
prender um suspeito ou mantê-lo em detenção pré-julgamento, decide deixar
esta pessoa na comunidade ou soltá-la sob certas condições. È uma medida
substitutiva a detenção pré-julgamento.
A lei não dá uma lista limitada de condições que o magistrado pode
aplicar. Mas há algumas restrições. A própria lei diz que o magistrado tem que
mostrar que as condições que ele impõe servem para impedir que o suspeito
cometa novos crimes, fuja, tente destruir provas ou organize um conluio. De
acordo com o Conselho de Estado, condições que dizem respeito à integridade
física e/ou psicológica do suspeito (por exemplo, um tratamento de reabilitação
contra drogas) só pode ser aplicado se o suspeito concordar com elas.
Instâncias diferentes controlam se o agente respeita as condições
aplicadas. Quando a soltura pré-julgamento é concedida por um juiz
investigativo ou uma corte investigativa, é o juiz investigativo que é responsável
por este controle. Quando a soltura pré-julgamento é concedida por um juiz de
primeira instância, a promotoria é responsável pelo controle.
Na prática, a supervisão é feita pela polícia quando as condições têm o
caráter de simplesmente controlar a conduta do agente (por exemplo, não
deixar uma certa área, não consumir drogas ou álcool, manter-se longe de
jogos de futebol...). Quando as condições têm a ver com assistência social (por
exemplo, tratamento de desintoxicação, encontros semanais com assistente
social) a supervisão é feita por um oficial de probation, que trabalha
pessoalmente com o agente ou mantém contato com o serviço social que
trabalha com o agente.
79
Serviço Comunitário
Trata-se de determinação judicial pela qual o condenado receberá
tarefas gratuitas, a serem realizadas perante entidades privadas ou públicas
(como escolas, creches, hospitais, orfanatos, entidades assistenciais,
programas comunitários ou estatais Como explicado acima, o serviço
comunitário pode ser pedido de duas maneiras: como condição para mediação
penal ou como condição para probation.
Tentamos resumir algumas sanções gerais e sua aplicação, na tentativa
de conjugar nos dois modelos juntos (retributivo-restaurativo) a prática da
mediação penal, como será visto adiante.
6.6 A necessidade de uma nova abordagem
As partes anteriores desta visão geral se referem a alguns problemas
fundamentais que dizem respeito às origens, à conceituação e a
implementação de medidas e sanções comunitárias, que têm mais ampla
aplicabilidade no sistema brasileiro.
Em primeiro lugar, medidas e sanções comunitárias são usadas, de
modo geral, de uma forma muito limitada. As razões para isso não estão
sempre claras e têm a ver com uma combinação de fatores. Entre estes estão
o conhecimento restrito sobre as atitudes em relação às alternativas para a
polícia, promotores, juízes e advogados. Uma segunda razão está na fraca
cooperação entre autoridades judiciais e Órgãos não judiciais. Um problema
repetidamente mencionado diz respeito a clássica maneira punitiva de pensar
compartilhada por diferentes grupos profissionais no sistema de justiça penal.
Enquanto o Brasil faz a quase duas décadas a sub-utilização do sistema de
transação penal, a nova medida alternativa de mediação penal que tem sido
implementada quantitativamente e de maneira rápida na Europa, significativa
um vazio na legislação.
Mas mesmo a partir de uma perspectiva de um uso crescente de
medidas e sanções comunitárias, temos que encarar algumas questões
80
fundamentais. Sabemos suficientemente como esta variedade de novos
programas está operando na prática? Que grupos de agentes são atingidos?
Qual a natureza e a qualidade da intervenção? E quanto aos efeitos sobre as
pessoas envolvidas, seu ambiente e sobre a opinião pública? Como estas
alternativas se relacionam com o sistema de justiça formal? Qual o impacto
sobre as taxas de encarceramento? Para a situação Brasileira está faltando
informação essencial sobre a maioria destas questões.
Não há dúvida sobre um ponto: medidas e sanções comunitárias não
funcionam atualmente como alternativa para custódia. Sua introdução não
limitou as crescentes taxas de população prisional. Pelo contrário, descobertas
sugerem que medidas e sanções comunitárias, através do efeito de
mecanismos não-intencionais, se tornem um dos fatores facilitadores para a
expansão das sentenças de prisão. Em um futuro próximo, podemos esperar
um aumento na população prisional.
Um dos efeitos da implementação das medidas e sanções comunitárias
mencionados no último parágrafo é que elas podem indiretamente causar um
input suplementar nas prisões, uma vez que estas alternativas mantêm uma
ligação estrutural ou de fato com a sentença de prisão.
Este pode ser o caso com as medidas e sanções, porque elas podem
aplicar nos agentes que deixam de cumprir suas sanções comunitárias uma
sentença de prisão efetiva ou condicional. A conclusão provisória deste
desenvolvimento paradoxal parece ser que um maior uso de medidas e
sanções comunitárias está de mãos dadas com a expansão da população
prisional.
No Brasil, medidas e sanções comunitárias são aplicadas
principalmente para crimes leves. As condições penais ligam a aplicabilidade
destas sanções e medidas a certos limites de uma possível sentença de prisão
em determinado caso. E mesmo quando o alcance legal é relativamente
amplo, promotores e juízes tendem a usar estas alternativas de maneira
restrita, limitando-as a crimes leves, a réus jovens ou primários, ou a pequenos
delitos.
O resultado geral é um desenvolvimento bilateral. Sanções
comunitárias representam a opção mais leve; elas são vistas como um favor
81
ou uma última oferta para o agente que cometeu um crime menor. Casos
“sérios” então, como crimes violentos e crime organizado são tratados de
maneira mais rígida, porque estes casos não são considerados apropriados à
uma abordagem comunitária.
Entretanto há um aumento de detentos com sentenças de dez ou mais
anos, muitos deles jovens e primários, o que parece confirmar esta dualidade
nas relações penais. De qualquer modo, a prática mostra que mesmo sanções
comunitárias podem ser executadas de maneira punitiva e estigmatizante.
Um novo elemento entra nos debates sobre crimes e justiça penal: a
atenção às vítimas do crime. Isto é totalmente novo nas políticas de justiça
penal, comparado à orientação unilateral ao agente em ambos os modelos
tradicionais: repressivo e reabilitativo.
Esta evolução pode ter conseqüências de longo alcance. Em toda
sociedade ocidental o cuidado com as vítimas de crimes está presente agora
e, por vezes, de maneira explícita. Vitimologia e movimento vitimológico
indubtavelmente afetaram a maneira como a sociedade e o sistema penal
reagem ao crime. Claramente influenciados por esta perspectiva. O novo
Código Belga de Procedimentos Penais(1998) e a nova lei sobre Soltura
Condicional (1998) também integram a posição da vítima nos seus
procedimentos.
Falar sobre sanções e sanções alternativas sem levar em conta a
posição da vítima se tornou quase impossível. A vítima é também
representada nas Regras Européias sobre medidas e sanções comunitárias,
conforme grifamos: (Recomendação R99(16), onde a Regra 30 estipula: “ a aplicação e
implementação de medidas e sanções comunitárias deve
desenvolver o senso de responsabilidade do agente em relação à
comunidade em geral e à vítima em particular13”.
O interesse da vítima assim como a importância do envolvimento da
comunidade são também enfatizados pelas Regras Mínimas das Nações
Unidas para Medidas não Privativas de Liberdade. Regra 30 estipula: “ a aplicação e a implementação de medidas e
sanções comunitárias deve desenvolver o senso de
82
responsabilidade do agente em relação à comunidade em geral e à
vítima em particular.
Os direitos das vítimas são mencionados em diversas Regras, que lidam
com salvaguardas legais, dispositivos pré-julgamento e prevenção de prisão
preventiva, dispositivos e condições de medidas não privativas de liberdade. Regra 8.1 sobre disposições de sentenças estipula: A autoridade
judiciária, tendo à sua disposição um arsenal de medidas não
privativas de liberdade, tem em conta, na sua decisão, a
necessidade de re-inserção do agente, a proteção da sociedade e
do interesse da vítima, que deve poder ser consultada sempre que
for oportuno.
Há claro, o risco de que a atenção à vítima e o reforço de sua posição
dentro dos procedimentos de justiça penal reforce mais uma vez o modelo de
justiça retributiva. Sendo assim, uma abordagem equilibrada é necessária, o
que garante a atenção devida à vítima, ao agente e à sociedade.
Este novo modelo pode ser encontrado no conceito de “justiça
restaurativa”.23Justiça restaurativa não é uma nova sanção, medida ou
programa. Justiça restaurativa se refere a um conjunto de princípios e valores,
que representam uma maneira específica de definir crime e elaborar reações
sociais adequadas. Um crime não é mais visto como uma violação de regras
abstratas, mas como um conflito que causa dano às pessoas e relações.
Dentro deste raciocínio, a resposta do sistema de justiça penal deve
primeiramente se concentrar nas necessidades das vítimas e comunidades
locais.
Os programas de justiça restauradora habilitam a vítima, o ofensor e os
membros afetados da comunidade para que estejam diretamente envolvidos
junto ao Estado a fim de dar uma resposta ao delito.
A Justiça Restaurativa tem cinco tópicos básicos:
1.O delito é mais que uma violação à lei é um desafio à autoridade do governo;
23 Ver Marcos jurídicos de referência. SICA.Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Lúmen Júris.2002
83
2. O delito implica um rompimento em três dimensões: vítima, delinqüente e
comunidade;
3. O delito fere a vítima e a comunidade;
4. A vítima, a comunidade e o delinqüente, todos, devem participar para
determinar o que está ocorrendo e qual o caminho mais adequado para a
restauração do dano.
5. A resposta deve basear-se nas necessidades da vítima e da comunidade e
nunca na necessidade de evidenciar a culpa do infrator, os perigos que este
representa, nem sua história de delitos
Como programa pode-se elencar como base:
- É uma maneira diferente de pensar sobre o delito e a resposta a suas
conseqüências;
- Busca a reintegrar à comunidade tanto a vítima como o ofensor;
-Reduz, a partir da prevenção, as possibilidades de danos futuros;
- Necessita do esforço cooperativo da comunidade e do Estado;
- Entende o delito como gerador de uma ferida na pessoa e um rompimento em
suas relações. Isto cria a obrigação de pôr as coisas em ordem
Dada uma visão clara e bem articulada sobre vitimização, suas
conseqüências e das respostas desenvolvidas pelo sistema de justiça penal, é
nossa intenção discutir a mudança do paradigma penal como resultado da
análise e pesquisa científica. Mais que outras partes das ciências
criminológicas, a vitimologia se tornou uma abordagem aplicada claramente.
Isto inclui uma grande diversidade de práticas e ações orientadas para a
proteção, apoio, assistência e o reforço da posição legal das vítimas de crime.
Estas práticas têm sido realizadas dentro de estruturas de políticas
diferentes e oferecem legitimidade a diversos tipos de grupos de profissionais e
cidadãos que tenham a colaborar neste campo. Vitimologia e justiça
restaurativa são, além de um importante campo de aplicação nas ciências
criminológicas, um campo de batalhas ou encontro onde muitos interesses se
opõem.
84
6.7 Vitimologia e Movimento Vitimológico
O fato de a vitimização desde as últimas duas décadas ter se tornado de
interesse criminológico primário e ser dada alta prioridade em agendas políticas
só é memorável porque o oposto, a falta da perspectiva da vítima, tem sido
uma regra geral nos anos procedentes. Dos três protagonistas de um crime, o
agente, a vítima e a comunidade, a justiça penal tem sempre focalizado na
relação entre o agente e a sociedade.
Pesquisa em justiça criminal foca principalmente nos problemas de
proteção legal do suspeito ou nos problemas da eficiência do sistema. Os
interesses da vítima do crime têm sido por um longo tempo deixado de lado.
Punição e reintegração social do agente polariza os poderes da justiça penal. A
partir do momento da denúncia do crime a vítima experimenta a passiva
posição de testemunha.
Entretanto, a história da administração da justiça penal mostra que em
sociedades não estatais a vítima tem uma posição igual comparada ao agente.
Para acabar ou evitar desavença, vingança e até mesmo guerra, o arranjo
particular do dano, levando em consideração o princípio da proporcionalidade,
se tornou uma prática usual em que a mediação não seria exceção.
A primeira atenção penal sistemática dada às vítimas de crime estava
subordinada às questões etiológicas tradicionais (sobre as causas do crime) de
criminologia positivista. Desde os anos quarenta alguns criminologistas, que
agora são vistos como os “pais fundadores24” da vitimologia, focaram suas
pesquisas no papel da vítima na construção do ato criminoso (Mendelsohn
1956 and Von Hentig 1941); Desenvolveram uma tipologia vítimo-genética ( o
processo de se tornar uma vítima) na qual o grau de culpa ou inocência e o
grau de resistência ou colaboração com o agente tornou-se critério para
distinguir entre as vítimas.
O estudo da vítima, suas características, seus relacionamentos e
interações com o vitimizador, seu papel e sua contribuição para a gênese do
crime pareciam oferecer grande promessa para transformar a criminologia
etiológica de um estudo estático e unilateral das qualidades e atributos do 24 KOSOVSK, Ester. Artigo: Fundamentos da vitimologia, disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.
85
agente em uma abordagem situacional dinâmica que vê o comportamento
criminoso como resultado de processos dinâmicos de interação.
A abordagem empírica da perspectiva vitimológica na criminologia
positivista tem sido o estudo de Marvin Wolfgang25 “Padrões de homicício
criminal” no qual ele desenvolve o conceito de “precipitação da vítima” para
expressar a contribuição da vítima na realização do crime. Usando o mesmo
conceito em um estudo sobre estupro provocou fortes reações negativas do
ponto de vista feminista. Seu estudo não foi visto como uma análise objetiva da
relação entre agente e vítima, mas como um julgamento moral de culpar a
vítima. Este foi o fim da abordagem vitimológica etiológica e um passo
importante na direção de um novo movimento vitimológico tipificado por Fattah
(1979) como “ de uma vitimologia do ato para uma vitimologia da ação26”. Desde os anos sessenta há uma clara mudança dentro das ciências
criminológicas de uma perspectiva clinico-psicológica para uma perspectiva
socio-interacionista. Uma das mais importantes reflexões clínicas se refere ao
estudo da quantidade de crime na sociedade. As fontes clássicas de
estatísticas de crimes têm sido questionadas de maneira fundamental pela
abordagem de reação social do crime (teoria do rótulo), que se concentra na
compreensão e análise da seletividade da ação da polícia e o sistema de
justiça penal ao lidar com o crime.
Para ser capaz de medir o fenômeno do crime pesquisadores
embarcaram no assim chamado “número negro do crime”, usando estudos de
auto-relatórios nos quais um cidadão é abordado como um agente em potencial
que é requisitado a reportar sobre crimes cometidos nos últimos 6 ou 12
meses. Discutindo os resultados destes estudos e, especialmente os
problemas metodológicos, ao tentar conseguir informações adequadas dos
agentes em potencial resultou em um passo a frente na direção pedir aos
cidadãos para reportar como vítimas em potencial de crimes. Depois de pouco
tempo uma rápida e crescente prática de “levantamento de vítimas” se
desenvolveu.
25 Wolfgang, Marvin E. & Ferracuti, F., The subculture of violence: Towards an integrated theory in criminology, London, 1967 26article: “victimology: past, present and future” Ezzat A. Fattah. Criminologie. Vol. 33, n.1, 2000, p. 17-46 Pour citer cet article, utiliser l’adress suivante: http://id.erudit.org/iderudit/004720ar
86
Levantamento de vítima passo-a-passo tornou-se importante para
vitimologia como parte da criminologia. Os levantamentos de vítimas têm sido
preenchidos com perguntas referentes a diversas experiências das vítimas, as
conseqüências desta vitimização, as reações à vitimização pela polícia,
promotor, juiz e a atitude das vítimas em potencial em relação ao crime,
insegurança na vizinhança e sentimentos de medo.
Assim tornam-se instrumentos completos de pesquisa vitimológica e
permitem uma análise vitimográfica estendida que é muito mais rica que a
simples medida de um crime.
Por derradeiro, é mister dizer que o feminismo é um movimento político
emancipativo que teve influência decisiva na mudança do conteúdo da
vitimologia nos anos setenta.”
A mudança no pensamento vitimológico pode ser definida como uma
orientação explícita da vitimologia em direção a ações e intervenções em favor
de mulheres vítimas de agressões sexuais, de violência intra-familiar e de
estupro. Ao mesmo tempo havia uma crescente atenção às diferentes formas
de negligência, abuso e maus-tratos de crianças.
Teóricos e pesquisadores empíricos foram diretamente confrontados
com os fatos sociais que estimularam pesquisas relativas às conseqüências
morais, materiais, físicas e psico-sociais da vitimização. O desenvolvimento
temático da legitimação cultural da vitimização de mulheres revelou as
justificativas sócio-culturais de violência física contra mulheres como parte da
socialização de homens e os preconceitos entre polícia e pessoal da justiça
como seus correlativos.
Entretanto, os interesses e necessidades das vítimas do crime foram
respondidas e cuidadas apenas a partir do começo dos anos setenta na
Europa, assim como na América do Norte, por iniciativas locais nas quais o
começo da convicção e inspiração feminista determinaram o sabor e cor.
A partir dos anos oitenta a assistência à vítima abriu seu caminho sob as
asas de organizações nacionais que agiam como parceiras do governo. Na
Europa, diferentes organizações começaram suas reuniões internacionais a
partir de 1986 e fundaram uma organização superior européia, “O Fórum
Europeu de Serviços e apoio a Vítimas”. O conselho da Europa, desde um
87
primeiro momento, teve um papel de apoio ao desenvolvimento de esquemas
de compensação de vítimas, de assistência às vítimas e de orientar a polícia e
o judiciário em relação aos problemas das vítimas de crime.
Enquanto em alguns países sempre houve leis sobre compensação de
vítimas (por exemplo, na Grã-Bretanha, Os Países Baixos, a França) e em
outros países como a Bélgica o debate ainda estava acontecendo e sem tal
regulamentação foram fortemente estimulados a introduzir seu próprio
esquema de compensação.
Esta pesquisa moderna sobre as conseqüências da vitimização deu um
forte impulso na comunicação entre cientistas e os responsáveis pelas
diretrizes políticas. Entretanto, os programas de justiça restaurativa não podem
ocupar o espaço de justiça criminal, pois sempre haverá vítimas e ofensores
que escolherão ter seus casos mantidos naqueles. Quanto ao sofrimento da
vítima, essência pretendida pela justiça restaurativa, é franqüeado uma
modalidade mais satisfatória de compensar a dor.
As conseqüências da vitimização não são fáceis de estimar com base
na seriedade do crime. Pesquisas com vítimas têm largamente demonstrado
que grande a maioria experimentam nenhuma ou poucas conseqüências
seguintes à vitimização, uma vez que o que aconteceu não é na maioria das
vezes alguma coisa muito séria. Entretanto, estudos qualitativos mostram
que em um número limitado de casos as conseqüências podem ser muito
sérias também a longo prazo e difíceis de sobreviver e lidar com elas.
As características das vítimas, seus comportamentos e capacidades,
suas possíveis experiências com o crime, mesmo no passado e a eventual
influência de outros problemas emocionais são, combinados com o contexto
social em que vivem, os fatores mais importantes que determinam o impacto da
vitimização.
Entretanto, os riscos de extensas conseqüências são em primeiro lugar
dependentes dos crimes como assassinato, homicídio, violência, abuso e
estupro. Estes crimes provocam quase sempre um acúmulo de efeitos variando
entre a perda da vida, sérios danos físicos, a perda de integridade psicológica e
outras conseqüências financeiras ou materiais.
88
Com freqüência estes efeitos provocam uma perda irreversível de
qualidade de vida para a vítima e seu grupo social e a apropriação do conflito
pelo poder público, não leva a exclusão desse sentimento.
O acesso à justiça para as vítimas começa com o contato com a polícia.
Por isso este contato tem estado no centro das atenções das políticas de
vítimas desde os anos oitenta. A Recomendação Européia R(85)11, sobre a
vítima na estrutura da lei e processos penais discute explicitamente o que deve
ser feito por estados membros a nível de polícia, a nível de justiça, o
questionamento da vítima e a nível de processos legais.
A principal mensagem é a obrigação da informação. Em todos os níveis
o acesso à informação sobre como o caso está sendo conduzido é a
expectativa básica de todas as vítimas. Durante a última década muito trabalho
tem sido feito em preparar, treinar e apoiar a polícia e mais recentemente
serviços de promotoria estariam preocupados sobre como as vítimas são
recebidas, tratadas, informadas e quando necessário, recomendadas a
serviços mais especializados.
A Recomendação R(87)21 que trata da assistência às vítimas e
prevenção da vitimização, enfatiza a necessidade de coordenar as relações
entre assistência à vítima e as agências do sistema de justiça penal. Mais
recentemente na Recomendação R(98)13 sobre intimidação de testemunhas e
o direito de defesa, o foco é posto no desenvolvimento de medidas práticas e
legislativas apropriadas para proteger testemunhas, freqüentemente as vítimas
de crime, para serem capazes de testemunhar livremente. Atenção especial é
dada a problemas experimentados em relação ao crime organizado e em casos
de crime dentro da família.
Por outro lado, programas de compensação estatal foram introduzidos
primeiramente na Grã-Bretanha (1964) e em outros lugares desde o final dos
anos setenta (por exemplo, na Holanda e na França). Neste momento a
maioria dos países tem seguido estes exemplos. Estas práticas introduzidas
por lei visam à compensação financeira para vítimas de crimes violentos
(intencionais) no caso de o agente continuar desconhecido ou insolvente.
Embora diferenças marcantes existam entre os muitos sistemas
nacionais especialmente ao definir o grupo de vítimas que pode receber
89
compensação e a compensação máxima, há no entanto pontos claros de
semelhança. O mais importante é que nenhum destes programas dá à vítima o
direito formal à compensação financeira.
A compensação estatal para vítimas é baseada no princípio de
solidariedade. A compensação financeira é uma decisão a critério de uma
comissão que julga com base em justiça. Estes princípios foram consolidados
também quando alguns países alteraram a lei (alguns várias vezes) no sentido
de mais flexibilidade em relação à compensação (por exemplo, através de
empréstimos antecipados).
As críticas permanecem em todos os lugares quase as mesmas.
Compensação estatal é um procedimento complexo, de longa duração, que
leva a um resultado bem sucedido em um número bem limitado de casos.
Frustrante para as vítimas são as muitas obrigações administrativas, a
incerteza sobre a decisão, a longa espera e a falta de informação sobre a
determinação sobre o valor da compensação. Tudo isto é acrescido da
frustração que muitas vítimas experimentam no contato com a polícia e o
judiciário.
O procedimento de compensação estatal é freqüentemente uma
continuação de uma “vitimização,” sendo que este conceito se refere à
continuação de experiências negativas da vítima que se seguem ao primeiro
choque do momento quando o crime é cometido.
A maneira pela qual o entorno da vítima, mas principalmente as
instituições oficiais, reagem à “vitimização” freqüentemente provocam efeitos
negativos que podem ser mais traumatizantes do que a experiência inicial do
crime.
Estes fenômenos são extremamente importantes e pertencem à visão
total das conseqüências. Pesquisas focadas nos problemas decorrentes da
ação danosa têm sido a base para a demanda e a construção de uma posição
legal para a vítima nos processos de justiça criminal.
90
6.8 Mediação Penal: projeto belga, uma resposta às necessidades das Vítimas.
Vítimas em geral expressam a necessidade de entender sobre o que
aconteceu e em muitos casos eles desejam deixar claro para o agente as
conseqüências do crime. Estes elementos são freqüentemente assuntos
importantes para lidar com o evento e seus resultados.
Quando questionados sobre o desejo e as possíveis conseqüências de
um encontro e discussão com o agente, um significante grupo de vítimas
confirmam que eles gostariam de fazer uso desta oportunidade. Iniciativas em
relação à mediação entre vítima e agente foram solicitadas pelas acima
mencionadas Recomendações R(85)11 e R(87)21 do Conselho da Europa. E
acima de tudo, nós devemos nos referir a Recomendação R (99)19 pelo
conselho da Europa no que diz respeito à mediação em assuntos penais.
A recomendação reconhece, entre outros, “o legítimo interesse das
vítimas para ter uma voz mais forte ao lidar com as conseqüências de sua
vitimização, comunicar-se com o agente e obter desculpas e reparação”.
Um dos benefícios da mediação pode ser a possibilidade da vítima ter
uma compreensão mais realista do agente e seu comportamento”. A mediação
vítima-agente não precisa ser limitada necessariamente a uma única prática.
Há um número de projetos-piloto na Europa continental, que tem vindo a
aumentar, e o interesse, neste domínio, é crescente. Os projetos que têm sido
implementados apresentam, geralmente, relação com o sistema penal
tradicional.
Enquanto em programas de assistência à vítima, esta fica principalmente
numa posição externa em relação ao sistema judiciário, a mediação permite
que ela integre suas necessidades e interesses dentro do processo de justiça
penal. A mediação desta forma mostra que ao satisfazer os interesses da
vítima, o agente e a sociedade em geral não são incompatíveis. A natureza
conciliatória da mediação pode assistir ao sistema de justiça penal em realizar
um dos seus objetivos principais, ou seja, 27contribuir para uma sociedade
pacífica e segura, ao restaurar equilíbrio e paz social após um crime ser
cometido. 27 European Forum for Victim-Offender Mediation and Restorative Justice (ed.), Victim-Offender Mediation in Europe:Making Restorative Justice Work,Leuven, University Press, 2000, p.14
91
A recomendação afirma que a mediação vítima-agente deve ser um
serviço disponível em todos os estágios do processo de justiça penal. Além da
definição de mediação vítima-agente e a menção de alguns princípios gerais, a
recomendação lida com a necessidade de uma base legal para mediação, a
relação com a justiça penal e a operação dos serviços de mediação. Muita
atenção é dada às qualificações, seleção e treinamento de mediadores e o
desenvolvimento dos padrões de prática.
O reconhecimento de questões específicas das vítimas, junto com a
busca por uma maneira mais significativa e eficaz de trabalhar com os agentes,
levou à criação da mediação vítima-agente ou programas de reconciliação em
muitos países. Após as primeiras iniciativas acontecerem no Canadá e
subseqüentemente nos EUA nos anos 70, no começo dos anos 80 o
movimento se espalhou pela Europa. Entretanto, deve-se notar que alguns
países Nórdicos desenvolveram simultaneamente iniciativas de certa maneira
independentes.
A Noruega e a Finlândia são agora dois países com larga prática de
mediação que em ambos os casos se esforçam por um modelo voluntário.
Membros da comunidade local são ativos na mediação – tanto nos casos
penais e civis – e são apoiados por um coordenador pago pelos serviços
municipais.
Enquanto na Noruega e na Finlândia a mediação se desenvolveu
separadamente da “probation” e de programas de assistência à vítima,
descobrimos que na Áustria, Alemanha e Reino Unido serviços de “probation”
estão a frente na organização de mediação vítima-agente. A Áustria tem tido
um papel pioneiro no desenvolvimento de um modelo de mediação para
menores e criou uma bem organizada rede de serviços para
“Aussergerichtlicher Tatausgleich”.
O maior número de serviços de mediação, entretanto, é encontrado na
Alemanha: uns 300 serviços para “Täter-Opfer Ausgleich”, dos quais aqui
também a grande maioria (260) é direcionada a jovens infratores.
O fato de que em alguns países serviços direcionados ao agente como
“probation” tem sido a força motriz por trás dos primeiros movimentos colocou
inicialmente o movimento da vítima em uma certa posição defensiva. O medo
92
era que a vítima pudesse ser “usada” em benefício dos interesses e tratamento
do agente.
Como a prática da mediação vítima-agente progrediu, os métodos de
mediação foram vislumbrando mais às necessidades das vítimas. Logo o
resultado de pesquisas sobre os efeitos positivos para as vítimas foram
revelados e esta resistência diminuiu.
Na França, o apoio às vítimas tem tido um papel estimulador mais
importante desde o começo ao fundar serviços de mediação. Já na Bélgica, o
modelo de mediação tem sido desenvolvido para crimes mais sérios, com o
foco sendo amplamente as necessidades das vítimas como ponto de partida.
Além dos países europeus mencionados, onde a mediação vítima-agente
passou por forte desenvolvimento, outros países tomaram iniciativas na forma
de projetos-piloto. Estão incluídos aqui a Dinamarca, Irlanda, Itália,
Luxemburgo, os Países Baixos, a Espanha e a Suécia. Países do centro e leste
Europeu tem recentemente sido ativos também e começaram programas de
mediação, por exemplo, a Albânia, a República Tcheca, a Polônia, a Rússia e
Eslovênia.
Uma grande maioria de casos de mediação vítima-agente nos países
europeus envolve crimes relativamente leves de propriedade ou violência
menos séria cometida por jovens que são freqüentemente e na sua maioria
primários. Crimes violentos ou mais sérios por adultos ou jovens, entretanto,
não são excluídos e alguns programas focam especialmente nestes tipos de
casos. Mas é preciso admitir que o impacto quantitativo de programas de
mediação vítima-agente nos diferentes países europeus continua um tanto
limitado.
Em um número de países europeus a mediação vítima-agente recebeu
uma base legal, como parte do Ato de Justiça Juvenil (Áustria, Alemanha,
Finlândia e Polônia), o Código de Processo Penal (França, Bélgica, Finlândia e
Polônia), o Código Penal (Alemanha, Finlândia, Polônia), ou como uma “lei de
mediação” autônoma (Noruega).
Em relação ao processo e efeitos da mediação vítima-agente, muita
informação de pesquisa avaliativa, de natureza quantitativa e qualitativa,
tornou-se disponível (veja, por exemplo, Dünkel, 1996). Não podemos entrar
93
em detalhes aqui, mas as descobertas mais importantes e promissoras dizem
respeito ao grau de satisfação das partes, a boa-vontade de participar, o
número de acordos alcançados e o conteúdo dos acordos, as taxas de
observância, o efeito sobre a reincidência, o trabalho e o tempo intensivo no
processo de mediação e a eficácia de custos.
“Mediação por reparação” começou em 1993 como um programa local
em Leuven e se estendeu para outros distritos judiciais até o fim de 1998. O
programa lida exclusivamente com crimes com certo grau de seriedade e
opera paralelo à ação penal. Os objetivos centrais do programa eram
inicialmente o desenvolvimento de uma metodologia apropriada para mediação
em crimes sérios e a verificação do efeito da mediação no processo de
sentença.
O mediador foca na comunicação profunda e troca de informações entre
vítima e agente. Através de vários contatos separados com a vítima e o
agente, o mediador prepara cuidadosamente um encontro direto. O resultado
da mediação é posto em um acordo escrito, que contém todos os elementos
da restauração material e não-material.
O programa opera em uma relação próxima com o serviço de
promotoria e com os juízes investigativos, mas a mediação mesma é feita
independentemente do sistema judicial. Os mediadores são profissionais e seu
trabalho é organizado e supervisionado por um comitê diretor local
independente, que consiste em representantes de todas as agências parceiras.
A “mediação por reparação” é reconhecida como um dos “programas piloto
nacionais” para medidas e sanções alternativas, que implica financiamento
total pelo ministério da Justiça. O programa é dirigido pela organização não-
governamental flamenga “Suggnomè”.
O número total de casos no projeto experimental “mediação por
reparação” continua limitado: 140 casos (files) selecionados no período de
1993-1997. Este número relativamente limitado se deve ao trabalho de
mediação demorado neste tipo de caso e o pessoal restrito (dois mediadores
em tempo integral, nenhum voluntário envolvido). Ao calcular o número médio
de contatos por caso, excluindo contatos administrativos (marcar encontros,
enviar uma primeira carta informativa, localizar a pessoa), encontramos os
94
seguintes números para 1997: 6 visitas domiciliares por caso.; 1.4 encontros
no escritório de mediação; 9.2 contatos telefônicos; 6.3 contatos por carta28.
De todos os casos em “mediação por reparação”, 50% resultam em
acordos escritos. Os conteúdos destes acordos podem ser categorizados
como: informação sobre o crime, suas razões e circunstâncias; o significado
pessoal dos fatos e suas conseqüências para as vítimas, o agente e o entorno;
a percepção de atitude de cada parte em relação a outra parte, os problemas
e possibilidades de reparação ou compensação; a quantidade de restituição
financeira ou a maneira pela qual a reparação material ou simbólica deve ser
feita; a reação preferencial do sistema penal. Desculpas podem ser oferecidas
e aceitas pela outra parte. O acordo pode mencionar que a vítima está
preparada para suspender o pedido de compensação.
Entrevistas de avaliação, após um primeiro período experimental, com
vítimas e agentes envolvidos demonstram um alto grau de satisfação geral
com mediação por reparação. Este resultado é congruente com o que foi
descoberto na maioria das pesquisas avaliativas. Entretanto o programa
Leuven mostrou que mediação em crimes mais sérios pode funcionar e coloca
elementos específicos na comunicação entre vítima e agente, e também que
este tipo de mediação traduz oportunidades de implementar uma nova relação
entre a justiça penal e os cidadãos.
Aqui algumas condições do sistema belgo, sob as quais o promotor pode
propor mediação penal:
(i) reparação dos danos causados à vítima ou restituição de certos
bens: neste caso o promotor pode convocar a vítima e o agente para
uma mediação para resolver o caso:
(ii) submeter-se a tratamento médico ou terapia apropriada, se o agente
atribui o delito a uma doença ou dependência ao álcool ou às drogas;
(iii) seguir um programa de treinamento de até 120 horas;
(iv) executar serviço comunitário de até 120 horas. 28 Projecto “mediação para reparação”, experiência que teve início em l de Janeiro de 1993 e que se tornou, desde l de Janeiro de 1996, uma prática normal da justiça criminal no distrito judicial de Lovaina, na bélgica, retratadas em diversos artigos de Ivo Aerstsen e Tony Peters
95
O tempo máximo para realizar as condições propostas é de seis meses
para as medidas 2, 3 e 4, e indeterminado para a medida 1. Vale ressaltar, que
no Brasil algumas dessas condições são aplicadas em institutos diversos.
Para implementar a mediação penal, três novas proposições seriam
criadas, a partir do sistema franco-belga, todas três dentro do serviço do
Ministério Público. Em cada tribunal de primeira instância um promotor público
adjunto seria designado como corregedor para mediação penal (“mediation
magistrate”). Ele não faz o trabalho concreto de mediação, mas é responsável
pela seleção dos casos, a supervisão do trabalho de mediação e a sessão final
em seu gabinete. No serviço de procuradoria destas mesmas cortes, um ou
mais assistentes sociais funcionam como assistentes de “mediação”. Eles
fazem o trabalho prático para as quatro possíveis modalidades de mediação
penal: contatar as partes, preparar as condições, mediar nos casos em que a
vítima é envolvida e dar seqüência aos acordos.
Em cada tribunal de segunda instância, dentro do gabinete do promotor
geral, dois conselheiros de mediação são apontados para coordenar o trabalho
dos assistentes de mediação, para dar-lhes suporte e desenvolver uma política
criminal para a mediação.
Enquanto o assistente de mediação faz a maior parte do trabalho
preparatório e de mediação, o corregedor de mediação (mediation magistrate)
preside a sessão formal que conclui o procedimento. Ambos, o agente e a
vítima, têm o direito de serem assistidos por um advogado e a vítima pode ser
representada. As especificações ou condições do acordo serão registrados em
um relatório oficial (um procès-verbal). Quando o agente completa as
condições, uma segunda procès-verbal é redigido, declarando que a ação
pública está extinta. Se ele não cumpre o acordo, o corregedor de mediação
pode intimá-lo a comparecer ao tribunal, mas ele não tem obrigação legal de
fazê-lo, ou dar prosseguimento pela via jurisdicional.
96
6.9. Detenção Restaurativa: modelo belga
Desde o início de 1998 o projeto piloto belga “detenção restaurativa” tem
sido ativo em seis prisões belgas. Em 2000, mais rápido do que o esperado, os
responsáveis pelas diretrizes políticas cuidaram para que o projeto tivesse se
firmado no estabelecimento penal belga de forma global. Assim, é mister fazer
um breve esboço do começo e desenvolvimento do projeto ‘detenção
restaurativa’.
O nome do projeto por si só, “detenção restaurativa”, parece envolver
uma contradição de termos. Também fica claro que a introdução a e a visão
por trás de um projeto tão provocativo requer explicação. Isto é feito na
primeira parte. A segunda parte ajuda a compreender alguns aspectos do
propósito do plano piloto.
Este projeto está situado dentro de uma tradição de pesquisa e uma
política de criminalidade. Por um lado, o projeto representa um passo lógico no
desenvolvimento das atividades de pesquisa da Katholieke University Leuven
voltadas para mediação e justiça restaurativa. Por outro lado, influências
externas papel significativo na gênese deste projeto de pesquisa.
Reciprocidade contínua entre influências internas e externas deu ao projeto o
formato atual.
A iniciativa de detenção restaurativa veio do grupo de pesquisa de
Penologia e Vitimologia. A um tanto estranha combinação de pesquisa
direcionada à vítima e à punição é parte de uma tradição que engloba três
décadas.
No começo, o foco acadêmico do grupo de pesquisa era nos estudos do
sistema prisional, estudos de punição em geral, e também como precursor do
presente, o uso (bastante marginal) de sanções comunitárias, que foi sujeita à
reflexão crítica.
Com o estudo e análise de crimes de propriedade violentos e a
necessidade de pesquisa vitimológica, surgiu a partir de 1986, uma abordagem
que atraiu muita atenção. Tanto estudos de vitimização qualitativa quanto
quantitativa trouxeram à tona a posição problemática da vítima na
administração da justiça penal. Especialmente vítimas de crimes de
97
propriedade violentos eram foco das pesquisas. A marginalidade judicial da
vítima era um dos temas de política mais importantes.
Uma mudança na abordagem utilizada em pesquisa ocorreu por volta de
1990. Com base na experiência obtida e em descobertas em pesquisa
vitimológica, a partir dos anos 90 uma abordagem mais pró-ativa foi utilizada.
Por um lado, foi dado início ao desenvolvimento temático de novas práticas
desenhadas para atender as necessidades das vítimas. Por outro, foi feito um
exame de como a prática do processo penal pode ser influenciada e como as
respostas rotineiras à criminalidade podem ser desafiadas.
A pesquisa-ação se concentra no desenvolvimento e avaliação de
novas práticas e também foca no ajuste ou reestruturação de práticas
existentes. Isto permite aos pesquisadores abordar o sistema de justiça penal
do um ponto de vista da solução de problemas. Ao mesmo tempo, este método
também recebeu aprovação devido a seu caráter inclusivo. Essa pesquisa-
ação permite que todas as partes estejam ativamente envolvidas na busca de
uma solução para o problema. Este método foi empregado até o fim de 2000,
também no projeto de “detenção restaurativa”.
Reflexões sobre o aprisionamento levaram à descoberta de que
enquanto por muitos anos a prisão aparecia como último recurso na retórica
governamental, a prática real revelava um quadro completamente diferente. A
administração da justiça criminal na Bélgica está longe de ser imune ao uso de
privação de liberdade.
O estoque no sistema prisional belga cresceu quase 40% na última
década. Os anos 80 foram caracterizados por uma média de aproximadamente
6.000 prisioneiros. Durante os últimos dez anos este número cresceu para
aproximadamente 8.500 prisioneiros. A partir disso pode-se concluir que a
sentença média de prisão aumentou significantemente. Os suspeitos são
detidos por até 30% mais tempo, enquanto o grupo com as sentenças de
prisão mais longas (mais de três anos) cresce regularmente. Assim, de maneira
nenhuma podemos falar de prisão como último recurso.
Nos grupos de pesquisa de penologia e vitimologia, a visão
predominante é que para lidar construtivamente com a criminalidade um apelo
98
deve ser feito tanto para o agente quanto para a vítima, é que o criminológico e
o vitimológico não podem ser separados um do outro.
Para tanto, respostas na direção da justiça restaurativa constituem um
pretexto inicial para ação na reação à criminalidade. A justiça restaurativa é um
recurso para um número de falhas no sistema de justiça penal retributivo, que é
fortemente caracterizado por uma profunda dicotomia entre agente e vítima.
Esta dicotomia ainda recebe sua maior manifestação na prisão. A exclusão
social da ambos vítima e agente confirma isto.
O grupo de pesquisa então evoluiu gradualmente para uma abordagem
integral de justiça restaurativa à criminalidade. No momento, o projeto justiça
restaurativa é aqui uma ligação final. Quando o aprisionamento é inevitável,
então os meios devem ainda ser disponibilizados para a vítima, o agente
aprisionado e o amplo contexto social em que eles estão situados, para a
busca de uma abordagem construtiva de solução de problemas. Em outras
palavras, não se pode permitir que a justiça restaurativa termine com a punição
ou nos muros da prisão.
O início de um projeto em que a justiça restaurativa penetra mais fundo
no sistema de justiça penal pode ser visto como um teste definitivo para o
movimento de justiça restaurativa. Tal projeto só tem chance de sucesso se
tiver como suporte uma política de criminalidade favoravelmente disposta à
justiça restaurativa.
Em todos os níveis da máquina de justiça penal, as engrenagens estão
começando a demonstrar afinidade pelas vítimas. O artigo 46 do Ato de 5 de
agosto de 1992 sobre os Deveres da Polícia, pela primeira vez na história da
legislação de polícia belga, menciona a tarefa de assistir as vítimas de
infrações criminais. O Ato de 12 de março de 1998 melhorou a posição da
vítima em relação à investigação e ao inquérito judicial. Os Atos de 5 e 18 de
março de 1998 trouxeram uma visão da condicional mais sensível à vítima.
Como mencionado antes, a vítima deve ser informada se o agente pedir
liberdade condicional. Do mesmo modo, os comissários da condicional podem
consultar as vítimas para chegar a uma decisão sobre a concessão da
liberdade condicional.
99
Esta enumeração de mudanças na política de criminalidade fornece a
estrutura pela qual o projeto de ‘detenção restaurativa’ ficou conhecido. Ao
mesmo tempo, demonstra a montagem do projeto sob uma abordagem em
evolução da punição. Além disso, o número de iniciativas estrangeiras de
justiça restaurativa já encontrou seu caminho para a “sociedade dos cativos”.
Entre outros, a Wiedergutmachungsprogramma da Penitenciária Suíça de
Saxerriet e certos Programas de Reconciliação Vítima Agente (VORPs) no
Canadá, Inglaterra e Estados Unidos deram exemplos de uma abordagem
restaurativa que transcendeu os muros da prisão.
Antes de partir para a pesquisa-ação, a justiça restaurativa ainda precisa
de um esclarecimento conceitual. Uma definição forte vem das mãos de Tony
Marshall (1998)29: “A justiça restaurativa é um processo no qual as partes
interessadas em uma infração específica resolvem coletivamente como lidar
com as conseqüências do crime e suas implicações no futuro.” A justiça
restaurativa pode assim ser entendida como “ a interação entre agente, vítima
e a sociedade, na qual todas as partes fazem um esforço e um investimento
para chegar a um certo nível de pacificação através da comunicação.” A
comunidade local, a sociedade mais ampla e as instituições sociais (como
representantes da sociedade) podem estar construtivamente envolvidas nisto.
Um ponto central do projeto piloto “detenção restaurativa” é a busca de
uma resposta para a pergunta sobre como a punição em geral e o contexto da
prisão em particular podem contribuir para uma administração mais justa e
equilibrada da justiça penal para o agente, a vítima e a sociedade.
Esta questão central pode ser reduzida ao desafio de dar ao
aprisionamento uma orientação mais focada na vítima e de justiça restaurativa.
O projeto tomou a forma de pesquisa-ação. O ponto de partida foi sempre o
contexto específico de cada instituição penal. A pesquisa-ação foi realizada em
três prisões de língua holandesa na Bélgica. Os pesquisadores precisaram de
uma boa visão da operação de suas respectivas instituições, antes de propor
iniciativas focalizadas.
29 MARSHALL, Tony F. Restorative Justice:An Overview Home
100
Assim, cada uma das prisões de língua holandesa funcionaram como
um local experimental para iniciativas concretas de justiça restaurativa. E isto
nos traz a importância do método utilizado.
Em pesquisa-ação, as duas dimensões de ação e pesquisa estão
ligadas uma à outra como gêmeos siameses. A dimensão da ‘ação’ tem por
objetivo a implementação cíclica ou fásica da mudança. A dimensão da
pesquisa focaliza ambos os procedimentos e os resultados. A ação é
regularmente avaliada e sintonizada se necessário. Deste modo, a pesquisa-
ação possibilita reagir rapidamente a situações de mudança.
Não só a reflexão constante sobre a ação, tomada como parte integral
desta abordagem de pesquisa, mas também a interação entre teoria e prática
também contribui para um processo de formulação de teoria.
A pesquisa tem impacto direto nos atores em campo (por exemplo,
prisioneiros, vítimas e funcionários da prisão). Eles têm a oportunidade de
ganhar novas experiências de aprendizagem, que assim afetam o aspecto
pedagógico da pesquisa-ação.
Para influenciar construtivamente o contexto prisional, todos os aspectos
da comunidade prisional precisam ser tratados. É essencial uma cultura de
justiça restaurativa prisional em que não apenas algumas figuras-chaves
estejam envolvidas mas na qual a justiça restaurativa esteja apoiada por todos
os aspectos da vida na prisão.
A partir disso vem a importância das iniciativas a respeito dos
funcionários das prisões. Isto constitui o assunto de um primeiro tópico. O
corpo de funcionários dá uma grande contribuição para o sucesso ou fracasso
da “detenção restaurativa”.
Uma segunda sub-parte muda o foco para os prisioneiros. Várias
atividades preparadas para estimular responsabilidade apelam ao prisioneiro
no que diz respeito à sua (potencial) percepção e processamento da culpa. A
realização disto inclui e assegura a presença de uma dimensão da vítima na
punição.
Além disso, a justiça restaurativa não pode ser um evento isolado. Isto
implica uma ligação deliberada do projeto com a periferia da prisão, ou seja, o
mundo lá fora.
101
Um ponto de interesse final aborda um tópico específico, que são os
problemas financeiros dos prisioneiros (insolvência, empobrecimento, dívidas,
multas, custos legais, o acordo da ação civil e a falta de possíveis soluções).
Não é sem razão que este problema tem recebido muita atenção.
Para a detenção restaurativa ter alguma chance de sucesso,
funcionários de todos os departamentos da prisão devem estar pessoalmente e
construtivamente envolvidos. Durante os primeiros anos do projeto de
pesquisa-ação, muita atenção e energia foram postas na educação do corpo de
funcionários nas três prisões piloto.
Os primeiros passos do projeto podem ser reduzidos a uma introdução
ao tema “detenção restaurativa” durante a detenção. O fornecimento de
informação e a sensibilização dos funcionários aconteceram de várias formas;
nas três prisões piloto muita importância foi dada pelos trabalhadores do
projeto aos contatos informais com os funcionários das prisões. Ao mesmo
tempo, de algum modo formalmente, dias de informação foram organizados e
textos introdutórios redigidos. A informação foi disseminada através dos canais
existentes dentro do possível (por exemplo, através de jornais internos, um
grupo de estudo existente).
A demanda por mais informação sobre vitimização e justiça restaurativa
veio à tona rapidamente. Um programa educacional vítimas e justiça
restaurativa foi a resposta a isto. Este curso tinha quatro objetivos:
Primeiramente o programa deveria equipar o corpo de funcionários com
conhecimento e compreensão sobre a questão da vitimização. O
desenvolvimento da detenção restaurativa também foi explicado em termos de
visão, objetivos e métodos. Um terceiro objetivo deste programa foi fornecer
um fórum para discussão e reflexão sobre a questão discutida. Além disso, o
curso promoveu uma boa oportunidade para explorar e estimular o interesse,
abertura e disposição de agir entre o corpo de funcionários.
No que diz respeito à metodologia, a escolha foi feita de modo a fazer as
explicações teóricas tão vivas quanto possíveis. Então entre outras coisas as
vítimas vieram testemunhar.
Os formulários de avaliação que os participantes preencheram depois do
curso indicaram que foi precisamente o testemunho que causou maior
102
impressão. Ainda assim os pesquisadores escolheram mudar o curso. A
introdução unilateral de mais sensibilização sobre a vítima para o corpo de
funcionários continha um possível efeito negativo, uma atitude mais repressiva
em relação aos prisioneiros.
O Serviço psicosocial também passou por um grau de reorientação
considerando importante que além do foco na vítima, também haja um foco no
agente e que o corpo de funcionários lidem respeitosamente com os
prisioneiros. Não é fácil dentro deste mundo direcionado ao agente, obter uma
dimensão voltada para a vítima para lidar com prisioneiros individuais. Para os
pesquisadores, na verdade, é importante introduzir a dimensão da vítima sem
detrimento da confiança ou pelo menos do nível de cooperação com os
prisioneiros.
Os membros do corpo de funcionários dos serviços psicosociais nos três
locais experimentais de “detenção restaurativa” também tinham perguntas
sobre o suporte metodológico. Isto levou primeiramente ao desenvolvimento de
um programa educacional baseado na terapia contextual de Nagy30. Além disso
um treinamento sobre teoria de sistemas deu oportunidade para uma resposta
ao desafio metodológico.
Para fornecer ao corpo de funcionários um instrumento que permita
incorporar a perspectiva da vítima ao trabalhar com o agente, um apelo foi feito
para uma atitude fundamental em terapia contextual. Parcialidade multilateral
aloca a pessoa dentro de um contexto e as relações com as quais ela vive.
Esta estrutura permite que o assistente social integre posições de inclinação
para seu cliente e inclinação para as outras partes.
Um terapeuta contextual liderou um programa de treinamento de três
dias para os membros do corpo de funcionários do Serviço Psicossocial de
cada uma das três prisões. Além disso, também foi organizado um dia sobre o
tema introdução à parcialidade multilateral. Estes programas também foram
abertos a assistentes sociais do setor de assistência social do judiciário que
auxiliam os agentes e assistentes sociais que atendem às vítimas.
O pensamento sistemático forneceu outra estrutura para integrar a
recém-apresentada dimensão da vítima à atividade focada no agente os dois 30 BOSZORMENYI NAGY, I., Foundations of Contextual Therapy. Collected Papers of lvan Boszormenyi-Nagy New York, 1987
103
programas de treinamento, dados em 1999, trouxeram com eles exigências
adicionais. Ao melhorar o reconhecimento dos problemas psicológicos entre
prisioneiros, indicações puderam ser mais focadas. Mas precisamente aqui
estava a dificuldade. Os terapeutas não estavam suficientemente cientes das
ofertas terapêuticas disponíveis. Além do mais, surgiu a necessidade de
treinamento de habilidades para motivar os prisioneiros a fazer uso das ofertas
terapêuticas.
A essência do aprisionamento está no fato de que o direito básico de ir
aonde quiser e fazer parte de uma sociedade auto-selecionada é tirado das
pessoas. O aprisionamento pode então ser mais bem descrito como uma total
sanção. Uma série de processos de mortificação atacam a identidade dos
prisioneiros completamente. Seu ambiente é reduzido ao contexto imediato da
prisão.
A introdução da vítima e da comunidade abre espaço para os prisioneiros
processarem o que aconteceu e assumirem responsabilidade. Para abrir
completamente as portas para a justiça restaurativa, aspectos estruturais do
sistema prisional da Bélgica precisam ser reajustados. Isto já havia sido
moderadamente compreendido em pesquisa-ação. Algumas iniciativas já dão
oportunidade aos prisioneiros de dar um toque de justiça restaurativa a sua
punição.
No primeiro ano da pesquisa-ação, o ponto central foi a abordagem do
corpo de funcionários da prisão. Somente algumas atividades esporádicas
aconteceram com os prisioneiros.
Através do jornal da Prisão Auxiliar de Leuven e numa apresentação
para um grupo central de prisioneiros no Centro Educacional Penal de
Hoogstraten, a justiça restaurativa e o papel do trabalhador/pesquisador foram
apresentados. Ao mesmo tempo, a educação sobre vitimização e as
necessidades das vítimas foi organizada. Na Prisão Auxiliar de Leuven houve
uma noite de discussão sobre mediação por reparação. Usando jogos de
interpretação de papéis (role-playing), os 15 prisioneiros participantes
receberam uma interpretação experimental de empatia e percepção da vítima.
Outras iniciativas direcionadas ao agente envolveram uma discussão com
104
voluntários do Serviço de Apoio às Vítimas, disponibilizando horas de escritório
jurídico para prisioneiros e iniciando o curso O Retrato da Vítima.
Em 1999 e 2000, o nível de atividade com os prisioneiros aumentou.
Depois de um primeiro ano de operação, chegou o ponto de abordar os
prisioneiros de maneira mais focada.
Assim, para dar informação para tantos prisioneiros quanto possível e
para aumentar a sensibilização, a atenção foi primeiramente focada em
fornecer informação geral e específica. Pôsteres e folhetos relacionados a
“detenção restaurativa” foram disseminados em cada uma das três prisões. Isto
deu aos prisioneiros acesso imediato à informação sobre o projeto. Através de
noites informativas, informação específica foi fornecida sobre tópicos que
incluíram fundo de reparação, ação civil e mediação por reparação. Além disso,
os pesquisadores tentaram sensibilizar os prisioneiros mostrando e discutindo
filmes com temas como vitimização, as necessidades da vítima e justiça
restaurativa.
Em segundo lugar, as horas de escritório jurídico foram objeto de
continuação. Isto foi de encontro a um número de direitos básicos dos
prisioneiros, especificamente o direito à informação sobre sua situação jurídica,
ao mesmo tempo em que aconselhamento jurídico e assistência processual
também foram fornecidos.
Paralelo ao treinamento de pessoal, os prisioneiros tiveram a
oportunidade de tomar conhecimento, de maneira não-confrontante, com as
experiências das vítimas. Em 1999 o curso ainda tinha o nome vítimas e justiça restaurativa, mas no ano seguinte este programa recebeu o nome de
agentes e vítimas. Esta mudança de foco foi motivada pelo fato de que
também se desejava dar aos prisioneiros espaço para que pudessem refletir
nas suas próprias vidas e experiências e na sua própria vitimização.
A respeito do conteúdo, o curso consistia de análise e discussão de um
filme com temas em torno da questão da vitimização. Testemunho em vídeo e
a contribuição de um voluntário do Centro para Apoio às Vítimas aumentaram o
impacto do programa. Este programa foi aberto a todos os prisioneiros.
A oficina vítimas e justiça restaurativa enfatizou a importância do
diálogo entre o prisioneiro e sua vítima, ao mesmo tempo em que também
105
ressaltou a importância do diálogo entre os prisioneiros e o sistema de justiça
penal.
Um aumento de conhecimento e compreensão por um lado, e o estímulo
da habilidade de desenvolver empatia do outro, foram os objetivos primários.
Ao mesmo tempo habilidades de comunicação foram enfatizados e a oficina
tentou estimular uma mudança de atitude a respeito das vítimas e da justiça
restaurativa.
O primeiro dia da oficina incluía uma introdução, um jogo de proposição,
procurando por associações com a palavra vítima e uma reflexão sobre a
própria experiência como vítima. Durante o segundo dia, um policial explicava a
abordagem da justiça restaurativa no distrito policial e vítimas testemunhavam
sobre suas experiências e necessidades. Avaliações por parte dos prisioneiros
e vítimas participantes indicaram que as oficinas sempre aconteciam em alta
estima.
Depois focalizaram a atenção para o curso O Retrato da Vítima, um
curso que exige muito dos participantes. Ele foi organizado pela primeira vez
em 1998 no Centro Educacional Penal Hoogstraten, mas durante o ano
seguinte o curso também foi dado nas duas outras prisões do projeto.
Antes que os prisioneiros possam participar do Retrato da Vítima, há
uma entrevista admissional. Assim, cada prisioneiro é avaliado sobre sua
adequação e motivação sobre o curso que geralmente cobre sete dias.
Há fases: primeiro vem a aquisição de conhecimento e compreensão,
depois o reforço da habilidade de enfatizar. Uma terceira fase é focada em
trazer uma mudança de atitude entre os prisioneiros. A conscientização do
agente sobre os efeitos da sua infração funciona como motivo condutor por
todas as três fases do curso. Para tanto usa-se recortes de jornal, testemunhos
em vídeo, discussões em grupo, discussões com palestrantes convidados até e
incluindo a redação de uma carta para a vítima.
O projeto precisa então também se esforçar para estimular a interação
entre o ambiente da prisão e o mundo lá fora. Ao discutir a periferia da prisão,
dois componentes principais são relevantes. Por um lado, há um número de
serviços externos para serviço social forense e trabalho em educação sócio-
cultural cuja contribuição dentro da estrutura de uma detenção mais voltada à
106
justiça restaurativa pode ser significante. Por outro lado, possivelmente mais
significante, concidadãos da sociedade livre’ podem se envolver com o projeto.
Mesmo antes do projeto piloto já havia obviamente colaboração entre os
serviços psicosociais internos da prisão e serviços sociais externos. Esta
colaboração recebeu enorme aumento ao adicionar a vítima ao cenário no que
diz respeito à punição. Na verdade, até então o cuidado com a vítima e o
tratamento centrado no agente eram estranhos. Através deste projeto, os
pesquisadores ficaram responsáveis pela tarefa de encontrar iniciativas para
diminuir a distância. Esta tarefa está agora preenchida pelos consultores em
justiça restaurativa.
Durante o primeiro ano do projeto, os principais objetivos eram colocar
os assistentes sociais da prisão em contato com os de fora, informando-os
tanto quanto possível, permitindo que refletissem sobre o projeto, seu
posicionamento, os problemas e obstáculos metodológicos e deontológicos e
buscar formas plausíveis de colaboração.
Uma plataforma de consulta forneceu o espaço necessário para
sensibilizar os atores relevantes, para avaliar suas atitudes em relação à justiça
restaurativa e para alcançar formas possíveis de colaboração. Os parceiros em
comunicação ao redor desta mesa eram os Serviços Psicosociais das prisões
envolvidas, os diretores do Serviço Psicosocial ao nível da Direção Geral De
Instituições Penais, os serviços de Atenção à Vítima nos escritórios de
promotoria e os centros de Assistência à Vítima.
Assistentes sociais que lidam com vítimas e terapeutas de prisioneiros
rapidamente experimentaram a necessidade de apoio metodológico. Neste
ponto, já estava indicado que uma busca estava em andamento no campo da
terapia contextual e na teoria de sistemas. As duas abordagens foram
explicadas por organizações externas. Aqui nova referência pode ser feita ao
caráter aberto desta atividade educacional. Assim os três dias em treinamento
contextual foram seguidos por dois grupos mistos, de um lado os funcionários
do serviço psicosocial das prisões piloto e um grupo de assistentes sociais que
trabalham com agentes da comunidade e por outro lado um número de
assistentes sociais que lidam com as vítimas.
107
O reposicionamento comunicativo recíproco de agentes, vítimas e
sociedade é um objetivo que no curso do projeto se realizou através de
iniciativas concretas planejadas para colocar pessoas de fora em contato com
o mundo da prisão.
No começo do projeto, o Centro de Educação Penal de Hoogstraten foi o
sítio experimental por excelência para trazer a sociedade para dentro. O Centro
de Educação Penal tem uma forte reputação no que diz respeito ao regime e a
tradição de ajuda voluntária. A primeira iniciativa trouxe voluntários de um
Centro de apoio à vítima para o Centro de Educação Penal de Hoogstraten.
Depois disto, duas noites de discussão entre prisioneiros, funcionários da
prisão (o conselho, o Serviço psicossocial e funcionários da prisão) e visitantes.
Cada discussão foi uma janela para o mundo do outro parceiro. Ao contrário do
tão ouvido brado por punições mais severas e de reclamação sobre prisões
que são hotéis três estrelas, muitos voluntários ficaram impressionados com as
histórias dos prisioneiros. Nas avaliações destas noites, só reações positivas
foram ouvidas por todos os cantos.
O ano seguinte foi mais um passo a frente. O grupo de voluntários de
apoio à vítima foi expandido para incluir professores, pessoas de proteção a
juventude, mediadores de punição, um advogado, policiais e umas dez vítimas
diretas ou indiretas.
Uma iniciativa final que vale a pena mencionar diz respeito ao layout de
um folheto de informação sobre vários aspectos da sentença de prisão. A
inspiração para isto veio do Canadá, onde o folheto Perguntas e respostas no sistema de prisão e condicional tem sido usado desde 1993.
O folheto tem um propósito duplo: satisfazer a necessidade de
informação por parte das vítimas de crimes pelos quais o agente está atrás das
grades, sensibilizar e ampliar a perspectiva das vítimas. Um levantamento
informou aos pesquisadores sobre os temas mais importantes de interesse das
vítimas em relação à punição. Os levantamentos revelaram que as vítimas
desejam mais informações nas diferentes condições relevantes para a punição
e especialmente na decisão de soltura antecipada da prisão.
Por fim, dentro do projeto ‘detenção restaurativa’, alguns formuladores
de políticas enfatizaram que o pagamento de compensação é uma forma de
108
justiça restaurativa. Os próprios pesquisadores ressaltaram o fato de que o
pagamento de acordo de ação civil pode ser apenas uma parte da atividade de
justiça restaurativa, e a compensação implica sinal de admissão somente se
também for o resultado de compromisso da parte do prisioneiro.
Quando os pesquisadores nas três prisões envolveram a ação civil na
sua abordagem, várias obstruções foram rapidamente identificadas. Elas foram
compiladas em um memorando de estrangulamento de ação civil. O
pagamento do acordo da ação civil da prisão é problemático, se não porque os
prisioneiros são mal ou totalmente desinformados de suas sentenças civis.
Além disso, referência pode ser feita à insolvência de muitos prisioneiros, a alta
taxa de desemprego nas prisões e o baixo nível dos salários. Também,
prisioneiros freqüentemente têm outros débitos a pagar e a seus olhos o
sustento da própria família é uma prioridade maior.
Trabalho orientado para reparação dentro do contexto da prisão
significa, entre outras coisas, a criação de possibilidades para prisioneiros
assumirem suas responsabilidades.
O projeto “detenção restaurativa” estudou se não seria possível
estabelecer um fundo para os prisioneiros. Depois de uma investigação
preliminar, a organização sem fins lucrativos Welzijnszorg (Care for Welfare) se
ofereceu como patrocinador para um fundo e um comitê de fundo de reparação
foi estabelecido para lidar com os preparativos necessários para finalmente
começar um fundo de reparação.
O comitê decidiu alocar o fundo de reparação com a organização sem
fins lucrativos Suggnomè. As razões por trás disso são fáceis de entender.
Parece melhor que uma organização neutra externa decida sobre a
admissibilidade de um pedido.
O fundo foi feito para dar aos prisioneiros a possibilidade de certo grau
de conciliação com suas vítimas. A quantia que pode ser concedida se mantém
limitada a metade da quantia devida (com um teto de 1.250 EUROS). Esta
limitação está, afinal de contas, alinhadas com os princípios da justiça
restaurativa. O primeiro objetivo do fundo de reparação é a promoção da
comunicação entre prisioneiro e vítima. O limite enfatiza o significado simbólico
do reembolso, não o pagamento imediato do acordo de ação civil.
109
Se um prisioneiro deseja recorrer ao fundo, ele pode apresentar um
pedido com esta finalidade ao comitê. Quando o comitê aprova um pedido, o
prisioneiro deve desempenhar um número de horas de serviço comunitário em
troca do dinheiro.
Se o comitê dá sua benção, um mediador é apontado para apresentar a
proposta à vítima. A voz decisiva fica finalmente com a vítima e se uma for
positiva, o prisioneiro precisa fazer tudo que é solicitado para tornar o serviço
comunitário possível.
Se o prisioneiro completar o serviço comunitário com sucesso, o comitê
irá pagar a quantia acordada à vítima. Se tanto o agente quanto a vítima
quiserem um contato direto, isto pode ser organizado pelo mediador. Um
acordo extra do balanço do débito também pode ser combinado indiretamente
por um mediador.
Até então o fundo de reparação permanece estruturado em um ambiente
experimental. Uma tentativa é feita para envolver tantos prisioneiros quanto
possíveis na feitura e distribuição de folhetos, na organização das noites
informativas e na arrumação dos pôsteres. As descobertas iniciais fornecem
uma imagem completamente positiva desta iniciativa.
Na Prisão Auxiliar de Leuven havia o desejo de fazer o fardo de dívidas
administrável e incluir o acordo de ação civil na lista dos devedores. Contudo,
administrar a dívida, negociar com credores e preparar planos de pagamento
são tarefas quase impossíveis para os funcionários do Serviço Psicossocial.
Esta foi a ocasião para dar início ao projeto que foi uma ponte para o
Centro de Bem-Estar Social Público de Leuven. A intenção era descobrir se era
possível da prisão administrar a dívida, negociar com credores e preparar
planos de pagamento.
Dentro da estrutura do “projeto de acordo de débito”, o Centro de Bem-
estar Social Público realmente assume a assistência e educação a nível
individual. Além da assistência individual, há também o pacote educacional que
trata os temas ligados com orçamento. No final das contas, a intenção é
fornecer aos prisioneiros instrumentos suficientes para lidar com seu
orçamento o mais independentemente possível.
110
Neste momento os consultores de justiça restaurativa na Bélgica, já têm
amplo conhecimento da práxis da prisão. Eles têm a responsabilidade de uma
enorme tarefa da qual as expectativas são igualmente grandes: constituir “uma
nova maneira de abordar a justiça penal, que enfoca a reparação dos danos
causados às pessoas e relacionamentos, ao invés de punir os transgressores.
Seu postulado fundamental é: “o crime causa danos às pessoas e a justiça
exige que o dano seja reduzido ao mínimo possível.
111
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tradicionalmente, ante um delito que está estabelecido e codificado, há
um repertório de sanções que vão desde o pagamento de multa até a privação
da liberdade, fundamentado na prevenção geral e e em princípios gerais de
direito penal.
Essas são respostas que os cidadãos pressupõe esperada. Porém
muitas vezes não cremos que sejam sempre as respostas esperadas e
adequadas. Deve haver outras respostas não retributivas em que o olho no
olho é desejado por vítimas e ofensores.
Atualmente na América Latina os poderes do estado encarregados da
Justiça parecem estar avançando para novas definições de respostas que
tendem a reconhecer e recorrer a caminhos comunicantes que se vinculam
com movimentos participativos geradores de respostas.
Em nosso País, no entanto, o debate a respeito da Justiça Restaurativa
ainda se mostra em estado embrionário. São poucas as iniciativas nesse
sentido, a maioria promovida por juristas. Das iniciativas estatais, deve-se
apontar uma recente, cujos frutos até então não se viram, oriunda da Justiça do
Distrito Federal e Territórios (capital da República Federativa do Brasil). O
Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios elaboraram um ato administrativo (Portaria conjunta n. 15,
de 21 de junho de 2004), por meio do qual foi criada uma comissão visando
estudar a “adaptabilidade da ‘Justiça Restaurativa’ à Justiça do Distrito Federal
e desenvolvimento de ações para a implantação de um projeto piloto na
comunidade do Núcleo Bandeirante.
Deve-se assinalar, de início, que não há na legislação brasileira
dispositivos com práticas totalmente restaurativas. Existem, contudo
determinados diplomas legais os quais podem ser utilizados para sua
implementação, ainda que parcial. No entanto, um programa efetivo de Justiça
Restaurativa requer que sejam estabelecidos, por via legislativa, padrões e
diretrizes legais para a elaboração dos programas restaurativos, bem como
para a qualificação, treinamento, avaliação e credenciamento de mediadores,
112
administração dos programas, níveis de competência e padrões éticos,
salvaguardas e garantias individuais
A partir dessa constatação e comparação entre Bélgica e Brasil,
passamos a sustentabilidade do paradigma restaurativo como política criminal
e de execução penal, que merece melhor avaliação, dissociada de
preconceitos, por juristas e setores diversos da sociedade brasileira.
O paradigma restaurativo desafia resistências, particularmente de
operadores jurídicos presos à idéia de um direito blindado contra mudanças,
sob o argumento – equivocado - de que ele desvia-se do devido processo
legal, das garantias constitucionais e produz uma séria erosão no Direito Penal
codificado.
Na verdade, já existem, e aflorarão ainda mais, obstáculos econômicos,
sociais, culturais e jurídicos a esse paradigma emergente, na forma de
incredulidade, desconfiança, confusão, incerteza, preconceito, etc. Mas há
também respeitáveis e consistentes questionamentos críticos nos debates
realizados a respeito do tema.
No Brasil, o programa poderia funcionar em espaços comunitários ou
centros integrados de cidadania, onde seriam instalados núcleos de justiça
restaurativa, que teriam uma coordenação e um conselho multidisciplinar, cuja
estrutura compreenderia câmaras restaurativas onde se reuniriam as partes e
os mediadores/facilitadores, com o devido apoio administrativo e de segurança.
Os núcleos de justiça restaurativa deveriam atuar em íntima conexão
com a rede social de assistência, com apoio dos órgãos governamentais, das
empresas e das organizações não governamentais, operando em rede, para
encaminhamento de vítimas e infratores aos programas indicados e as
medidas acordadas no plano traçado no acordo restaurativo.
É perfeitamente possível utilizar estruturas já existentes e consideradas
apropriadas, mas deve ser, preferencialmente, usado espaços comunitários
neutros para os encontros restaurativos e os casos indicados para uma
possível solução restaurativa; Segundo critérios estabelecidos e após parecer
favorável do Ministério Público, os casos seriam encaminhados para os
núcleos de justiça restaurativa, que os retornaria ao Ministério Público, com um
relatório e um acordo restaurativo escrito e subscrito pelos participantes
113
A Promotoria incluiria as cláusulas ali inseridas na sua proposta, para
homologação judicial, e se passaria, então, à fase executiva, com o
acompanhamento integral do cumprimento do acordo, inclusive para
monitoramento e avaliação dos projetos-piloto e, futuramente, da Justiça
Restaurativa institucionalizada como uma ferramenta disponibilizada
universalmente aos cidadãos e às comunidades.
Por outro lado, devem ser rigorosamente observados todos os direitos e
garantias fundamentais de ambas as partes, a começar pelo princípio da
dignidade humana, da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação e do
interesse público. Certos princípios fundamentais aplicáveis ao direito penal
formal, tais como o da legalidade, intervenção mínima, lesividade, humanidade,
culpabilidade, entre outros, devem ser levados em consideração.
Apesar das vantagens que pode ter o programa, ele deve ser
experimentado com cautela e controle, e deve estar sempre sendo monitorado
e avaliado, com rigor científico.
Cumpre reiterar que precisamos construir uma justiça restaurativa
brasileira e latino-americana, considerando que nossa criminalidade retrata
mais uma reação social, inclusive organizada a uma ordem injusta, cruel,
violenta e, por que não, também criminosa.
A justiça restaurativa procura estabelecer e consolidar a sua posição na
maior parte dos países. A sua finalidade passa por repensar a forma como
abordamos e vivenciamos o crime, bem como reorientar a forma como a
sociedade e a justiça devem lidar com este.
A mediação vítima-agressor tem vindo a adquirir uma posição de
destaque em muitas jurisdições européias. A experiência tem demonstrado que
este tipo de procedimentos pode ser benéfico para vítimas e agressores, ao
mesmo tempo que evita muitas das desvantagens dos sistemas tradicionais de
justiça criminal
O que os profissionais que trabalham na área da justiça restaurativa têm
em mente é uma resposta equilibrada às necessidades quer das vítimas, quer
dos agressores, sem negligenciar os interesses da comunidade. Na opinião
daqueles, a justiça restaurativa deve estar, sem dúvida, enraizada na
114
sociedade, mas não deve ser reduzida a uma mera alternativa aos processos
de justiça criminal.
É fundamental que os princípios da justiça restaurativa penetrem em
todos os níveis do sistema de justiça criminal. Isto pode soar demasiado
idealista, mas os mais recentes desenvolvimentos registrados em alguns
países demonstram que os princípios e objetivos da justiça restaurativa podem
intervir ativamente nas fases da determinação e da execução das sentenças.
Abordando o desenvolvimento da justiça restaurativa na Europa, ficou
evidente que o crime representa uma ferida na comunidade, uma ruptura na
cadeia de relacionamentos. De fato, relacionamentos danificados são tanto a
causa como o efeito de um crime. Muitas tradições têm ditados que expressam
que o prejuízo de um é o prejuízo de todos. Um dano como um crime provoca a
ruptura de toda a rede. Além disso, o malfeito é geralmente um sintoma de que
alguma coisa está fora do equilíbrio na rede.
Por outro lado, é indiscutível a necessidade da vítima gozar de um
verdadeiro estatuto de intervenção processual, razão pela qual, a adoção do
mecanismo processual da proteção de vítimas reforça a confiança na Justiça
Restaurativa que aproxima os cidadãos das instituições.
Acresce, ainda, a necessidade de salvaguardar o postulado basilar do
respeito pelos direitos da defesa, ou seja, não apenas pelos direitos
fundamentais e inalienáveis do homem, mas também pelos princípios
fundamentais do processo penal democrático, assegurando assim um justo
processo legal.
Desse modo, a tensão que o crime repercute na comunidade, a proteção
de vítimas e a garantia dos direitos da defesa são os elementos que
conjugados revelam a razão principal por detrás do recurso à mediação no
contexto da justiça criminal restaurativa, que ressalta o desejo e a oportunidade
de devolver o conflito às partes interessadas que estão diretamente envolvidas.
. Assim, as garantias legais e processuais são da maior importância na
justiça restaurativa. As boas práticas, assentes na formação, na supervisão e
na ética, já oferecem algumas garantias, não sendo no entanto dispensável o
suporte e orientação das necessárias normas legais, sem que tal restrinja a
natureza flexível da justiça restaurativa.
115
A lei deve assumir um papel de proteção, mas simultaneamente
facilitador, de forma a tornar a justiça restaurativa disponível para todos. É
evidente que a justiça restaurativa não deverá ser reduzida a, nem dominada
por, uma abordagem aos direitos quer das vítimas de crime, quer dos
agressores. Esta nova forma de justiça assenta mais nas necessidades
humanas do que nos direitos formais.
Por isso o objetivo primeiro do sistema de justiça restaurativa é proteger
a sociedade e dissuadir a prática de atos criminosos. O sistema deve tentar
garantir um equilíbrio entre os direitos do suspeito ou do argüido e os direitos
da vítima. Reconhece-se, porém, que esta é uma difícil tarefa e uma grave
responsabilidade para a tomada de decisão em prosseguir até à sua
implementação efetiva.
116
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120
9. ANEXOS
ANEXO A
PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA UTILIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE JUSTIÇA RESTAURATIVA EM MATÉRIA CRIMINAL
37ª Sessão Plenária 24 de Julho de 2002
Resolução 2002/12 O Conselho Econômico e Social, Reportando-se à sua Resolução 1999/26, de 28 de julho de 1999, intitulada “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal”, na qual o Conselho requisitou à Comissão de Prevenção do Crime e de Justiça Criminal que considere a desejável formulação de padrões das Nações Unidas no campo da mediação e da justiça restaurativa, Reportando-se, também, à sua resolução 2000/14, de 27 de julho de 2000, intitulada “Princípios Básicos para utilização de Programas Restaurativos em Matérias Criminais”no qual se requisitou ao Secretário-Geral que buscasse pronunciamentos dos Estados-Membros e organizações intergovernamentais e não-governamentais competentes, assim como de institutos da rede das Nações Unidas de Prevenção do Crime e de Programa de Justiça Criminal, sobre a desejabilidade e os meios para se estabelecer princípios comuns na utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal, incluindo-se a oportunidade de se desenvolver um novo instrumento com essa finalidade, Levando em conta a existência de compromissos internacionais a respeito das vítimas, particularmente a Declaração sobre Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de Crimes e Abuso de Poder, Considerando as notas das discussões sobre justiça restaurativa durante o Décimo Congresso sobre Prevenção do Crime e do Tratamento de Ofensores, na agenda intitulada “Ofensores e Vítimas – Responsabilidade e Justiça no Processo Judicial, Tomando nota da Resolução da Resolução da Assembléia-Geral n. 56/261, de 31 de janeiro de 2002, intitulada “Planejamento das Ações para a Implementação da Declaração de Viena sobre Crime e Justiça – Respondendo aos Desafios do Século Vinte e um”, particularmente as ações referentes à justiça restaurativa, de modo a se cumprir os compromissos assumidos no parágrafo 28, da Declaração de Viena, Anotando, com louvor, o trabalho do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa no encontro ocorrido em Ottawa, de 29 de outubro a 1º de novembro de 2001, Registrando o relatório do Secretário-Geral sobre justiça restaurativa e o relatório do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa,
121
1. Toma nota dos princípios básicos para a utilização de programas de justiça restaurativas em matéria criminal anexados à presente resolução; 2. Encoraja os Estados Membros a inspirar-se nos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal no desenvolvimento e implementação de programas de justiça restaurativa na área criminal; 3. Solicita ao Secretário-Geral que assegure a mais ampla disseminação dos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal entre os Estados Membros, a rede de institutos das Nações Unidas para a prevenção do crime e programas de justiça criminal e outras organizações internacionais regionais e organizações não-governamentais; 4. Concita os Estados Membros que tenham adotado práticas de justiça restaurativa que difundam informações e sobre tais práticas e as disponibilizem aos outros Estados que o requeiram; 5. Concita também os Estados Membros que se apóiem mutuamente no desenvolvimento e implementação de pesquisa, capacitação e outros programas, assim como em atividades para estimular a discussão e o intercâmbio de experiências; 6. Concita, ainda, os Estados Membros a se disporem a prover, em caráter voluntário, assistência técnica aos países em desenvolvimento e com economias em transição, se o solicitarem, para os apoiarem no desenvolvimento de programas de justiça restaurativa. Anexo Princípios Básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal.
PREÂMBULO Considerando que tem havido um significativo aumento de iniciativas com justiça restaurativa em todo o mundo. Reconhecendo que tais iniciativas geralmente se inspiram em formas tradicionais e indígenas de justiça que vêem, fundamentalmente, o crime como danoso às pessoas, Enfatizando que a justiça restaurativa evolui como uma resposta ao crime que respeita a dignidade e a igualdade das pessoas, constrói o entendimento e promove harmonia social mediante a restauração das vítimas, ofensores e comunidades, Focando o fato de que essa abordagem permite que as pessoas afetadas pelo crime possam compartilhar abertamente seus sentimentos e experiências, bem assim seus desejos sobre como atender suas necessidades, Percebendo que essa abordagem propicia uma oportunidade para as vítimas obterem reparação, se sentirem mais seguras e poderem superar o problema, permite os ofensores compreenderem as causas e conseqüências de seu comportamento e assumir responsabilidade de forma efetiva, bem assim possibilita à comunidade a compreensão das causas subjacentes do crime, para se promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade, Observando que a justiça restaurativa enseja uma variedade de medidas flexíveis e que se adaptam aos sistemas de justiça criminal e que complementam esses sistemas, tendo em vista os contextos jurídicos, sociais e culturais respectivos,
122
Reconhecendo que a utilização da justiça restaurativa não prejudica o direito público subjetivo dos Estados de processar presumíveis ofensores I – Terminologia 1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos 2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). 3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor. 4. Partes significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo. 5. Facilitador significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo. II. Utilização de Programas de Justiça Restaurativa 6. Os programas de justiça restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do sistema de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional 7. Processos restaurativos devem ser utilizados somente quando houver prova suficiente de autoria para denunciar o ofensor e com o consentimento livre e voluntário da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor devem poder revogar esse consentimento a qualquer momento, durante o processo. Os acordos só poderão ser pactuados voluntariamente e devem conter somente obrigações razoáveis e proporcionais. 8. A vítima e o ofensor devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais do caso sendo isso um dos fundamentos do processo restaurativo. A participação do ofensor não deverá ser usada como prova de admissão de culpa em processo judicial ulterior. 9. As disparidades que impliquem em desequilíbrios, assim como as diferenças culturais entre as partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e conduzir um caso no processo restaurativo. 10. A segurança das partes deverá ser considerada ao se derivar qualquer caso ao processo restaurativo e durante sua condução. 11. Quando não for indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser encaminhado às autoridades do sistema de justiça criminal para a prestação jurisdicional sem delonga. Em tais casos, deverão ainda assim as autoridades estimular o ofensor a responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e apoiar a reintegração da vítima e do ofensor à comunidade.
123
III - Operação dos Programas Restaurativos 12. Os Estados membros devem estudar o estabelecimento de diretrizes e padrões, na legislação, quando necessário, que regulem a adoção de programas de justiça restaurativa. Tais diretrizes e padrões devem observar os princípios básicos estabelecidos no presente instrumento e devem incluir, entre outros: a) As condições para encaminhamento de casos para os programas de justiça restaurativos; b) O procedimento posterior ao processo restaurativo; c) A qualificação, o treinamento e a avaliação dos facilitadores; d) O gerenciamento dos programas de justiça restaurativa; e) Padrões de competência e códigos de conduta regulamentando a operação dos programas de justiça restaurativa. 13. As garantias processuais fundamentais que assegurem tratamento justo ao ofensor e à vítima devem ser aplicadas aos programas de justiça restaurativa e particularmente aos processos restaurativos; a) Em conformidade com o Direito nacional, a vítima e o ofensor devem ter o direito à assistência jurídica sobre o processo restaurativo e, quando necessário, tradução e/ou interpretação. Menores deverão, além disso, ter a assistência dos pais ou responsáveis legais. b) Antes de concordarem em participar do processo restaurativo, as partes deverão ser plenamente informadas sobre seus direitos, a natureza do processo e as possíveis conseqüências de sua decisão; c) Nem a vítima nem o ofensor deverão ser coagidos ou induzidos por meios ilícitos a participar do processo restaurativo ou a aceitar os resultados do processo. 14. As discussões no procedimento restaurativo não conduzidas publicamente devem ser confidenciais, e não devem ser divulgadas, exceto se consentirem as partes ou se determinado pela legislação nacional. 15. Os resultados dos acordos oriundos de programas de justiça restaurativa deverão, quando apropriado, ser judicialmente supervisionados ou incorporados às decisões ou julgamentos, de modo a que tenham o mesmo status de qualquer decisão ou julgamento judicial, precluindo ulterior ação penal em relação aos mesmos fatos. 16. Quando não houver acordo entre as partes, o caso deverá retornar ao procedimento convencional da justiça criminal e ser decidido sem delonga. O insucesso do processo restaurativo não poderá, por si, usado no processo criminal subseqüente. 17. A não implementação do acordo feito no processo restaurativo deve ensejar o retorno do caso ao programa restaurativo, ou, se assim dispuser a lei nacional, ao sistema formal de justiça criminal para que se decida, sem demora, a respeito. A não implementação de um acordo extrajudicial não deverá ser usado como justificativa para uma pena mais severa no processo criminal subseqüente. 18. Os facilitadores devem atuar de forma imparcial, com o devido respeito à dignidade das partes. Nessa função, os facilitadores devem assegurar o respeito mútuo entre as partes e capacitá-las a encontrar a solução cabível entre elas.
124
19. Os facilitadores devem ter uma boa compreensão das culturas regionais e das comunidades e, sempre que possível, serem capacitados antes de assumir a função. IV. Desenvolvimento Contínuo de Programas de Justiça Restaurativa 20. Os Estados Membros devem buscar a formulação de estratégias e políticas nacionais objetivando o desenvolvimento da justiça restaurativa e a promoção de uma cultura favorável ao uso da justiça restaurativa pelas autoridades de segurança e das autoridades judiciais e sociais, bem assim em nível das comunidades locais. 21. Deve haver consulta regular entre as autoridades do sistema de justiça criminal e administradores dos programas de justiça restaurativa para se desenvolver um entendimento comum e para ampliar a efetividade dos procedimentos e resultados restaurativos, de modo a aumentar a utilização dos programas restaurativos, bem assim para explorar os caminhos para a incorporação das práticas restaurativas na atuação da justiça criminal. 22. Os Estados Membros, em adequada cooperação com a sociedade civil, deve promover a pesquisa e a monitoração dos programas restaurativos para avaliar o alcance que eles tem em termos de resultados restaurativos, de como eles servem como um complemento ou uma alternativa ao processo criminal convencional, e se proporcionam resultados positivos para todas as partes. Os procedimentos restaurativos podem ser modificados na sua forma concreta periodicamente. Os Estados Membros devem por isso estimular avaliações e modificações de tais programas. Os resultados das pesquisas e avaliações devem orientar o aperfeiçoamento do gerenciamento e desenvolvimento dos programas. V. Cláusula de Ressalva 23. Nada que conste desses princípios básicos deverá afetar quaisquer direitos de um ofensor ou uma vítima que tenham sido estabelecidos no Direito Nacional e Internacional.
125
ANEXO B
COMISSÃO DE LEGISLAAÇÃO PARTICIPATIVA SUGESTÃO Nº 99, DE 2005
Altera dispositivos no Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto- Lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. Autor: Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília. Relator:Deputado Leonardo Monteiro.
RELATÓRIO Trata-se de sugestão apresentada pelo Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília, que propõe alterações no Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. Em sua justificativa, o autor afirma que a Justiça Restaurativa é um novo modelo de justiça criminal, recomendado pela ONU, diante da evidente necessidade de que a justiça ofereça a resposta mais adequada para o delito. Destaca que a justiça restaurativa lança um novo olhar sobre o crime, para vê-lo como uma violação nas relações do infrator com a vítima e com a comunidade. Implementado já em alguns países, esse novo modelo diminuiu os índices de violência e aumentou a participação da comunidade na resolução de seus próprios problemas. Assevera que esse novo modelo de justiça criminal, que já vem dando certo em alguns países, pode ser um caminho para diminuir os altos índices de violência que assolam a sociedade brasileira. É o relatório.
126
II - VOTO DO RELATOR Preliminarmente, observa-se que, de acordo com a declaração prestada pelo ilustre Secretário dessa Comissão, foram atendidos os requisitos formais previstos no artigo 20 do Regulamento Interno da Comissão de Legislação Participativa. Passo ao exame do mérito. Não é segredo que o atual modelo de justiça criminal não tem conseguido atingir de maneira eficaz seus objetivos. Não só os índices de violência aumentaram consideravelmente nos últimos anos, como também a ressocialização dos condenados pela atual justiça criminal tem se revelado uma utopia. O Brasil possui hoje uma das maiores legislações penais do mundo. Temos crime para tudo. Basta forçar um pouco que se encontra um delito ou uma contravenção. Nos anos noventa, o Congresso Nacional aprovou cerca de cem leis criminais e em boa parte das leis promulgadas tínhamos um aumento de rigor na aplicação e execução da sanção penal. Se aumentar as penas fosse a solução para o problema da criminalidade, poderíamos dizer que, hoje, o Brasil seria um paraíso de segurança e tranqüilidade. Apesar disso, quando se fala em justiça criminal, não há como negar uma forte sensação de impunidade e ineficácia. Diante dessa triste realidade, nos traz o autor da sugestão uma nova proposta para a justiça criminal, a justiça restaurativa. Pelo que já pude estudar sobre o tema, esse modelo de justiça foi criado na Nova Zelândia e já funciona também na Austrália, na Inglaterra e no Canadá. Traz, em seu cerne, técnicas especiais para a reparação de todo o dano causado pelo crime no âmbito do infrator, da vitima e da comunidade. Cuida-se da participação efetiva do Estado na tentativa de construir acordo com real capacidade para criar pacificação entre os envolvidos no cenário do delito. O modelo prevê encontro entre vítima, infrator e integrantes da comunidade da qual fazem parte. Técnicas de mediação são usadas por assistentes sociais e psicólogos para mediar a reunião. O paradigma da Justiça restaurativa tem como principio fundamental a voluntariedade: ninguém é obrigado a participar. Os assistentes sociais primeiro conversam com as partes envolvidas. Se obtiverem respostas positivas sobre o encontro, agendam a reunião longe de tribunais ou varas de Justiça, de preferência em algum local do próprio bairro. Quando há menores envolvidos, são convidados familiares. Nesse processo, o infrator ouve da vitima e da comunidade como o crime cometido por ele prejudicou a sociedade. Por sua vez, expõe as razões que o levaram a cometer o delito. Em comum acordo, vitima, infrator e comunidade delimitarão as formas de punição e reparação do delito. O resultado do encontro entre vítima e infrator é remetido ao juiz, que poderá acatar ou não a definição dos envolvidos para punição pelo crime. Se negar, terá de justificar a decisão. Segundo os defensores desse modelo, a punição do delito, obtida por meio de uma solução negociada na comunidade evita a criação de novas rixas e produz um enorme potencial de pacificação social. E um modelo muito inovador. O objetivo é diminuir a criminalidade por meio, não só da punição, mas do restabelecimento dos laços comunitários. Diante dos efeitos positivos que já obtiveram os países que aplicam esse novíssimo paradigma e do conteúdo eminentemente humanístico da proposta,
127
acredito que será salutar para o País a discussão por essa Casa a respeito do tema, sempre, é claro, visando saber se modelos aplicados no exterior também dariam certo no Brasil. Diante disso, entendo que a proposta trazida pela Sugestão 099 de 2005, é extremamente pertinente e merece ser acatada para o devido trâmite legislativo. Os demais ajustes na proposta, no que se refere tanto ao mérito, quanto a técnica legislativa, serão efetivados pelas comissões competentes. Por todo exposto, meu voto é pela aprovação da Sugestão 099 de 2005 na forma do projeto de lei apresentado pelo Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasilia. Sala da Comissão, em de de 2006. Deputado Leonardo Monteiro Relator
PROJETO DE LEI Nº DE 2006
Propõe alterações no Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais.
Art. 1° - Esta lei regula o uso facultativo e complementar de procedimentos de justiça restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. Art. 2° - Considera-se procedimento de justiça restaurativa o conjunto de práticas e atos conduzidos por facilitadores, compreendendo encontros entre a vítima e o autor do fato delituoso e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou pela contravenção, num ambiente estruturado denominado núcleo de justiça restaurativa. Art. 3° - O acordo restaurativo estabelecerá as obrigações assumidas pelas partes, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das pessoas envolvidas e afetadas pelo crime ou pela contravenção. Art. 4° - Quando presentes os requisitos do procedimento restaurativo, o juiz, com a anuência do Ministério Público, poderá enviar peças de informação,
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termos circunstanciados, inquéritos policiais ou autos de ação penal ao núcleo de justiça restaurativa. Art. 5° - O núcleo de justiça restaurativa funcionará em local apropriado e com estrutura adequada, contando com recursos materiais e humanos para funcionamento eficiente. Art. 6° - O núcleo de justiça restaurativa será composto por uma coordenação administrativa, uma coordenação técnica interdisciplinar e uma equipe de facilitadores, que deverão atuar de forma cooperativa e integrada. § 1º. À coordenação administrativa compete o gerenciamento do núcleo, apoiando as atividades da coordenação técnica interdisciplinar. § 2º. - À coordenação técnica interdisciplinar, que será integrada por profissionais da área de psicologia e serviço social, compete promover a seleção, a capacitação e a avaliação dos facilitadores, bem como a supervisão dos procedimentos restaurativos. § 3º – Aos facilitadores, preferencialmente profissionais das áreas de psicologia e serviço social, especialmente capacitados para essa função, cumpre preparar e conduzir o procedimento restaurativo. Art. 7º – Os atos do procedimento restaurativo compreendem: a)consultas às partes sobre se querem, voluntariamente, participar do procedimento; b)entrevistas preparatórias com as partes, separadamente; c)encontros restaurativos objetivando a resolução dos conflitos que cercam o delito. Art. 8º – O procedimento restaurativo abrange técnicas de mediação pautadas nos princípios restaurativos. Art. 9º – Nos procedimentos restaurativos deverão ser observados os princípios da voluntariedade, da dignidade humana, da imparcialidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da cooperação, da informalidade, da confidencialidade, da interdisciplinariedade, da responsabilidade, do mútuo respeito e da boa-fé. Parágrafo Ùnico - O princípio da confidencialidade visa proteger a intimidade e a vida privada das partes. Art. 10 – Os programas e os procedimentos restaurativos deverão constituir-se com o apoio de rede social de assistência para encaminhamento das partes, sempre que for necessário, para viabilizar a reintegração social de todos os envolvidos. Art. 11 - É acrescentado ao artigo 107, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, o inciso X, com a seguinte redação: X – pelo cumprimento efetivo de acordo restaurativo. Art. 12 – É acrescentado ao artigo 117, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, o inciso VII, com a seguinte redação: VII – pela homologação do acordo restaurativo até o seu efetivo cumprimento.
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Art. 13 - É acrescentado ao artigo 10, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, o parágrafo quarto, com a seguinte redação: § 4º - A autoridade policial poderá sugerir, no relatório do inquérito, o encaminhamento das partes ao procedimento restaurativo. Art. 14 - São acrescentados ao artigo 24, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, os parágrafos terceiro e quarto, com a seguinte redação: § 3º - Poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos de inquérito policial a núcleos de justiça restaurativa, quando vitima e infrator manifestarem, voluntariamente, a intenção de se submeterem ao procedimento restaurativo. § 4º – Poderá o Ministério Público deixar de propor ação penal enquanto estiver em curso procedimento restaurativo. Art. 15 - Fica introduzido o artigo 93 A no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, com a seguinte redação: Art. 93 A - O curso da ação penal poderá ser também suspenso quando recomendável o uso de práticas restaurativas. Art. 16 - Fica introduzido o Capítulo VIII, com os artigos 556, 557, 558, 559, 560, 561 e 562, no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, com a seguinte redação:
CAPÍTULO VIII
DO PROCESSO RESTAURATIVO
Art. 556 - Nos casos em que a personalidade e os antecedentes do agente, bem como as circunstâncias e conseqüências do crime ou da contravenção penal, recomendarem o uso de práticas restaurativas, poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos a núcleos de justiça restaurativa, para propiciar às partes a faculdade de optarem, voluntariamente, pelo procedimento restaurativo. Art. 557 – Os núcleos de justiça restaurativa serão integrados por facilitadores, incumbindo-lhes avaliar os casos, informar as partes de forma clara e precisa sobre o procedimento e utilizar as técnicas de mediação que forem necessárias para a resolução do conflito. Art. 558 - O procedimento restaurativo consiste no encontro entre a vítima e o autor do fato e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou contravenção, com auxílio de facilitadores.
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Art. 559 - Havendo acordo e deliberação sobre um plano restaurativo, incumbe aos facilitadores, juntamente com os participantes, reduzi-lo a termo, fazendo dele constar as responsabilidades assumidas e os programas restaurativos, tais como reparação, restituição e prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes, especialmente a reintegração da vítima e do autor do fato. Art. 560 – Enquanto não for homologado pelo juiz o acordo restaurativo, as partes poderão desistir do processo restaurativo. Em caso de desistência ou descumprimento do acordo, o juiz julgará insubsistente o procedimento restaurativo e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da lei processual. Art. 561 - O facilitador poderá determinar a imediata suspensão do procedimento restaurativo quando verificada a impossibilidade de prosseguimento. Art. 562 -O acordo restaurativo deverá necessariamente servir de base para a decisão judicial final. Parágrafo Único – Poderá o Juiz deixar de homologar acordo restaurativo firmado sem a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou que deixe de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos. Art. 17 - Fica alterado o artigo 62 , da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 62 - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível, a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas. Art. 18 – É acrescentado o parágrafo segundo ao artigo 69, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, com a seguinte redação: § 2º – A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo. Art. 19 – É acrescentado o parágrafo sétimo ao artigo 76, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, com o seguinte teor: § 7º – Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa. Art. 20 - Esta lei entrará em vigor um ano após a sua publicação.
Deputado Leonardo Monteiro Relator
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ANEXO C
PORTARIA CONJUNTA N. 052 DE 09 DE OUTUBRO DE 2006.
O PRESIDENTE, O VICE-PRESIDENTE E O CORREGEDOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS, no uso de suas atribuições legais, e
Considerando a crescente presença da abordagem multidisciplinar na legislação penal e processual penal brasileira; Considerando a ampliação dos espaços de consenso na legislação penal brasileira como ingrediente preconizado pelo modelo integrador de política criminal; Considerando que a Justiça Restaurativa, assim compreendida como a adoção de métodos de negociação e de mediação na solução de conflitos criminais, com a inclusão da vítima e da comunidade de referência no processo penal, constitui prática coincidente com esse novo paradigma criminológico integrador; Considerando ter a intervenção restaurativa caráter preventivo, no sentido de atuar nas causas subjacentes ao conflito, e se mostrar mais efetiva, no sentido de reduzir a probabilidade de recidivas; Considerando serem esses novos métodos indicados por órgãos governamentais e não-governamentais, nacionais e internacionais, como os mais adequados para a resolução efetiva de conflitos dessa natureza e para a criação de uma cultura de paz; Considerando o crescente interesse pela Justiça Restaurativa, manifestado pelo meio acadêmico, pelos operadores do sistema de justiça criminal e pelos jurisdicionados; Considerando os resultados qualitativos apresentados pelo Projeto-piloto de Justiça Restaurativa desenvolvido nos Juizados Especiais do Fórum do Núcleo Bandeirante; Considerando que as experiências nacional e internacional recomendam a vinculação dos programas de Justiça Restaurativa aos Tribunais de Justiça; Considerando, por fim, a necessidade de se dotar o Serviço de Justiça Restaurativa de recursos humanos e materiais que suportem o desenvolvimento de suas atividades;
RESOLVEM:
Art. 1º – Instituir o Programa de Justiça Restaurativa, subordinado à Presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT.
§ 1º - O Programa de Justiça Restaurativa será coordenado por um Juiz de Direito indicado conjuntamente pelo Presidente e pelo Corregedor de Justiça;
§ 2º - As orientações gerais de execução do Programa deverão ser submetidas à aprovação da Presidência do TJDFT;
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§ 3º - A coordenação do Programa deverá apresentar, à Presidência, relatórios anuais sobre as principais atividades realizadas.
Art. 2º – Criar, no âmbito da Corregedoria do TJDFT, o Serviço de Justiça Restaurativa com as atribuições de planejar, apoiar, executar e avaliar as atividades inerentes ao Programa de Justiça Restaurativa.
§ 1º - O Serviço de Justiça Restaurativa realizará, dentre outras, as seguintes ações:
I – a seleção, o recrutamento, a formação e o treinamento de facilitadores;
II – o acolhimento, a orientação e a preparação das partes e das comunidades de referência para o encontro restaurativo;
III – a ordenação das atividades dos facilitadores na condução do encontro restaurativo;
IV – a orientação das atividades dos facilitadores para a formalização do acordo restaurativo, quando alcançado;
V – o registro e a documentação dos casos enviados ao Serviço, para todos os fins que se fizerem necessários, qualquer que seja o resultado alcançado;
VI – a elaboração, o registro e a documentação de instrumentos de avaliação do Programa, conforme seja definido com instituição externa ou por equipe técnico-científica;
VII – a promoção de estudos visando ao aprimoramento do Programa;
VIII – a organização e a realização de eventos objetivando a divulgação do programa e dos seus resultados;
IX – a celebração, com os facilitadores voluntários, de Termo de Adesão ao Serviço Voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício, bem como a manutenção e armazenamento de tais instrumentos;
X – o estabelecimento de relacionamento técnico e operacional com outras unidades, programas ou projetos do TJDFT e com outras instituições, visando aos objetivos do Programa;
XI – o fornecimento de apoio técnico e operacional aos Magistrados que assim o solicitarem;
XII – a manutenção de biblioteca básica de literatura nacional e estrangeira sobre Justiça Restaurativa, a fim de proporcionar a consulta dos facilitadores bem como para o treinamento dos mesmos;
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XIII – a elaboração e atualização de Manual de Justiça Restaurativa, o qual deverá contemplar a boa técnica da metodologia de mediação vítima-ofensor;
XIV – o atendimento às demandas por intervenção restaurativa originárias de qualquer circunscrição judiciária do Distrito Federal, dentro das condições que lhe permitirem os recursos humanos e materiais;
XV – o desenvolvimento de gestão com organismos nacionais e internacionais visando à captação de recursos adicionais específicos para o desenvolvimento das atividades do Programa de Justiça Restaurativa.
Art. 3º. Fica estabelecida a seguinte configuração de Funções Comissionadas para a composição do Serviço de Justiça Restaurativa, com as respectivas atribuições:
I – 01 (uma) FC-05 – Supervisor do Serviço de Justiça Restaurativa
Atribuição: Supervisão geral do Serviço de Justiça Restaurativa com a função principal de coordenação e gerenciamento dos processos de seleção, recrutamento, formação e treinamento dos facilitadores; coordenação dos processos de preparação e realização do pré-encontro e do encontro restaurativo; coordenação da elaboração, registro e documentação dos instrumentos de avaliação; coordenação da realização, em conjunto com instituições externas e/ou equipe técnica do TJDFT, de avaliação das ações do Programa.
II – 01 (uma) FC-03 – Apoio à Supervisão.
Atribuições: Responsável por dar suporte às atividades da Supervisão, bem como auxiliar no gerenciamento dos processos de seleção, recrutamento, formação e treinamento, preparação e realização do pré-encontro e do encontro restaurativo assim como nas ações de avaliação; substituir a Supervisão nas suas eventuais ausências e/ou impossibilidades.
III – 01 (uma) FC-01 – Executor.
Atribuições: comunicação dos atos processuais relativamente aos feitos remetidos ao Serviço de Justiça Restaurativa; elaboração e manutenção de estatística das atividades do Serviço de Justiça Restaurativa.
Parágrafo único - As funções comissionadas descritas neste artigo serão destinadas, posteriormente, por ato específico desse Tribunal.
Art. 4º. A intervenção restaurativa terá início a partir do encaminhamento dos processos judiciais ao Serviço de Justiça Restaurativa pelo juiz competente para o processamento e julgamento do feito.
Parágrafo Único – Poderá o Tribunal de Justiça firmar Convênio, Termo de Cooperação ou qualquer outro instrumento de parceria para a execução do
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Programa de Justiça Restaurativa com as instituições integrantes do Sistema de Justiça, e nesses, definir o procedimento operacional da intervenção restaurativa e, bem assim, instituir, com os parceiros operacionais, orientações gerais de execução do Programa, a serem submetidas à aprovação da Presidência do TJDFT.
Art. 5º – O vínculo dos facilitadores voluntários com o TJDFT é subordinado à disciplina da Lei do Voluntariado (Lei nº 9.608/98), ainda quando sejam eles integrantes dos quadros do Tribunal de Justiça ou de quaisquer das instituições parceiras.
§ 1º - O exercício das funções de facilitador voluntário, por período contínuo superior a um ano, constitui título em concurso público para o cargo de Juiz de Direito Substituto, e critério de desempate, nesse e em qualquer concurso realizado no âmbito da Justiça do Distrito Federal;
§ 2º - Poderá o TJDFT realizar treinamento e capacitação a servidores de outros órgãos e instituições, em função de Convênio, Termo de Cooperação ou qualquer outro instrumento de parceria, a ser aprovado pela Presidência.
Art. 6º - São atribuições dos facilitadores:
I – preparar e realizar o pré-encontro das partes e comunidades de referência, separadamente aquelas que estão em posição diversa no conflito;
II – abrir e conduzir o encontro restaurativo;
III – aplicar a boa técnica de mediação vítima-ofensor, sempre visando à auto-composição do conflito;
IV – redigir o Termo de Acordo, quando alcançado, ou atestar a inviabilidade do seu alcance.
§ 1º - É dever dos facilitadores manterem-se com neutralidade e imparcialidade, garantirem a voluntariedade de participação das partes na intervenção restaurativa e assegurarem a confidencialidade das informações prestadas na condução do pré-encontro e do encontro restaurativo;
§ 2º - Aplicam-se aos facilitadores os impedimentos e as suspeições previstas na legislação processual civil e penal.
§ 3º - Aos facilitadores é vedado:
I – prestar testemunho em juízo acerca das informações obtidas no âmbito da intervenção restaurativa;
II – relatar, ao Juiz, ao Promotor, aos Advogados ou a qualquer autoridade do sistema de justiça o conteúdo das declarações prestadas pelas partes em conflito ou pelas respectivas comunidades de referência, salvo ao Juiz do
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processo ou ao supervisor do serviço, aquele que revele a existência de crime perpetrado, em fase de execução ou de planejamento;
III – divulgar, para qualquer pessoa, o conteúdo das declarações prestadas pelas partes em conflito ou pelas respectivas comunidades de referência.
Art. 7º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Desembargador LÉCIO RESENDE DA SILVA Presidente
Desembargador EDUARDO ALBERTO DE MORAES OLIVEIRA Vice-Presidente
Desembargador JOÃO DE ASSIS MARIOSI Corregedor