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Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação MATEUS LEME DE SOUSA Experiências de estudantes no contexto do vestibular: narrativas e memórias sobre a preparação para os exames Campinas 2017

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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação

MATEUS LEME DE SOUSA

Experiências de estudantes no contexto do vestibular:

narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Campinas 2017

MATEUS LEME DE SOUSA

Experiências de estudantes no contexto do vestibular:

narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Dr. Guilherme do Val Toledo Prado

Coorientadora: Dra. Adriana Carvalho Koyama

ESTE EXEMPLAR CORREPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO MATEUS LEME DE SOUSA, ORIENTADO PELOS PROFESSORES GUILHERME DO VAL TOLEDO PRADO E ADRIANA CARVALHO KOYAMA

Campinas 2017

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Sousa, Mateus Leme de, 1990-

So85e SouExperiências de estudantes no contexto do vestibular : narrativas e

memórias sobre a preparação para os exames / Mateus Leme de Sousa. –

Campinas, SP : [s.n.], 2016.

SouOrientador: Guilherme do Val Toledo Prado.

SouCoorientador: Adriana Carvalho Koyama.

SouDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade

de Educação.

Sou1. Vestibulares. 2. Narrativas. 3. Experiência. 4. Memória. I. Prado,

Guilherme do Val Toledo,1965-. II. Koyama, Adriana Carvalho,1962-. III.

Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Experiences of students in the context of vestibular : narratives

and memories about the preparation for the exams

Palavras-chave em inglês:Vestibular

Narratives

Experience

Memory

Área de concentração: Educação

Titulação: Mestre em Educação

Banca examinadora:Guilherme do Val Toledo Prado [Orientador]

Maria Silvia Duarte Hadler

Maria Inês de Freitas Petrucci dos Santos Rosa

Cyntia Simioni França

Data de defesa: 21-02-2016

Programa de Pós-Graduação: Educação

Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Experiências de estudantes no contexto do vestibular:

narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Autor: Mateus Leme de Sousa

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado (Orientador)

Profa. Dra. Maria Silvia Duarte Hadler

Profa. Dra. Maria Inês de Freitas Petrucci dos Santos Rosa

Profa. Dra.Cyntia Simioni França

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017

Dedico este texto a todos que ousam pensar a educação de forma questionadora, em especial à professora Maria Carolina Bovério Galzerani.

Aos alunos entrevistados nesta pesquisa, e também a todos os outros que, dentro de uma sala de aula, não se esquecem do mundo que existe lá fora.

Aos professores e acadêmicos que veem na pesquisa uma possibilidade de transformação da sociedade.

À minha mãe Cintia, que apoiou cada momento e transição por mim vivida.

Resumo

Esta dissertação investiga narrativas de estudantes em fase de preparação para o vestibular, buscando flagrar suas experiências e memórias sobre esse período de suas vidas. Algumas das questões pesquisadas surgiram em diálogo com a minha própria experiência de vestibulando no ano de 2007, ganhando forma acadêmica após meu ingresso no programa de mestrado da Faculdade de Educação da Unicamp, em 2014. Entre os referenciais teórico-metodológicos estão a bibliografia referente à pesquisa narrativa, tal como proposta pelo GEPEC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada), especialmente seguindo as contribuições de Connelly e Clandinin. Ademais, os autores de referência da professora Maria Carolina Bovério Galzerani tais como Walter Benjamin, Thompson e Peter Gay , que compõem as bases teóricas da linha de pesquisa Educação das Sensibilidades, História e Memória, do GEPEC, foram essenciais para definição do recorte e do olhar metodológico para essa temática. Dessa forma, partindo das potencialidades do conceito de mônada, de Walter Benjamin, realizaram-se diálogos com diferentes sujeitos por meio de entrevistas orais. Foram entrevistados onze estudantes de uma instituição privada de Campinas entre concluintes do ensino médio e alunos do curso pré-vestibular que, no momento do contato, estavam em fase de realização dos vestibulares, convidando-os a refletir a respeito de suas percepções sobre seu universo escolar e suas experiências com os processos de seleção para o ensino superior. Encerrado o processo dos diálogos com estudantes, os fragmentos das entrevistas foram lidos como mônadas centelhas de sentido que têm a força de uma imagem de mundo mais ampla -, e analisadas a partir de temáticas semelhantes, tais como trauma, sofrimento, meritocracia e competição no âmbito do vestibular, bem como práticas culturais presentes no cotidiano das instituições pré-vestibular os chamados

no diálogo com autores como Walter Benjamin, Richard Sennett e Luiz Carlos de Freitas. Por fim, ao possibilitar a produção de discursos e conhecimentos acerca deste tema por indivíduos geralmente silenciados, intenciona-se romper com o vazio de subjetividades e com a corrente naturalização das angústias geradas na competição pelo ingresso no ensino superior. Espera-se, com isso, contribuir para o campo da pesquisa sobre ingresso no ensino superior, sobretudo a partir de entrecruzamentos de visões acerca do vestibular de sujeitos que refletem e falam de diferentes lugares.

Palavras-chave: vestibular; narrativa; experiência; memória.

Abstract

This dissertation investigates narratives of students in preparation for vestibular (brazilian

college entrance exam), seeking to capture their experiences and memories about this period

of their lives. Some of the questions researched emerged in dialogue with my own experience

of student in the year of 2007, gaining academic form after my admission in the program of

master of the Faculty of Education of Unicamp, in 2014. Among the theoretical-

methodological references are the bibliography referring to the Narrative research, as

proposed by the GEPEC (Group of Studies and Research in Continuing Education), especially

following the contributions of Connelly and Clandinin. In addition, some of the most relevant

authors for professor Maria Carolina Bovério Galzerani - such as Walter Benjamin,

Thompson and Peter Gay -, who make up the theoretical bases of the GEPEC “Sensitivity, History and Memory Education” research line, were essential for defining the focus and the

methodological approach to this theme. Thus, starting from the potentialities of the monad

concept, by Walter Benjamin, the dialogues were held with different subjects through oral

interviews. Eleven students from a private institution in Campinas - between high school

graduates and students from a vestibular preparation course who, at the time of contact, were

in the process of completing the college entrance exams - were interviewed, inviting them to

reflect on their perceptions about its school universe and its experiences with the processes of

selection for higher education. Once the process of dialogues with students had been

concluded, the fragments of the interviews were read as monads - sparks of meaning that have

the force of a wider world image -, and these were analyzed from similar themes such as

trauma, suffering, meritocracy and competition in the vestibular field, as well as cultural

practices present in the daily life of the pre-university institutions - the so-called "cursinhos",

in the dialogue with authors like Walter Benjamin, Richard Sennett and Luiz Carlos de

Freitas. Finally, by allowing the production of discourses and knowledge about this subject by

individuals who are generally silenced, it is intended to break with the vacuous of

subjectivities and with the current naturalization of the anxieties generated in the competition

for the entrance into higher education. It is hoped, therefore, to contribute to the field of

research on admission to higher education, especially from the intersections of visions about

the vestibular coming from subjects that reflect and speak from different places.

Key-words: vestibular; narrative; experience; memory.

Sumário

Apresentação .............................................................................................................................................. 10

1 Memorial e justificativa do recorte ..................................................................................................... 13

1.1 - Narrando meus primeiros referenciais da vida escolar .............................................................. 13

1.2 Hora de mudar de rumo? ............................................................................................................. 16

1.3 - Um novo momento da vida escolar ............................................................................................... 19

1.4 - Enfim universitário ........................................................................................................................ 23

1.5 - O ingresso no mestrado e a (re)constituição do objeto de pesquisa .......................................... 26

2 O vestibular: uma contextualização histórica e bibliográfica .......................................................... 31

2.1 - O vestibular: uma breve história do ingresso ao ensino superior brasileiro ............................ 31

2.2 - Os vestibulares no Estado de São Paulo....................................................................................... 36

2.3 A produção acadêmica sobre o vestibular: um retrato do discurso lógico-científico ............. 42

3 - Quando os referenciais teórico-metodológicos se unem aos referenciais de vida ........................... 46

3.1 - A historiografia e as subjetividades nas ciências humanas ........................................................ 47

3.2 - Os referenciais caros à professora Maria Carolina Bovério Galzerani .................................... 50

3.3 - O GEPEC e a pesquisa narrativa ................................................................................................. 56

3.4 Cultura, juventude e escola .......................................................................................................... 60

4 - Estabelecendo o contato com os estudantes ........................................................................................ 68

4.1 - As entrevistas .................................................................................................................................. 69

4.2 Dialogando com os sujeitos ........................................................................................................... 71

4.3 - A produção das mônadas .............................................................................................................. 72

4.4 O conjunto das mônadas ............................................................................................................... 75

Mônadas construídas a partir do diálogo com Amanda ................................................................. 75

Mônadas construídas a partir do diálogo com Sofia ....................................................................... 75

Mônadas construídas a partir do diálogo com Jorge ...................................................................... 77

Mônadas construídas a partir do diálogo com Raul ....................................................................... 78

Mônadas construídas a partir do diálogo com Gabriela ................................................................ 79

Mônadas construídas a partir do diálogo com Juliana ................................................................... 82

Mônadas construídas a partir do diálogo com o Carlos ................................................................. 86

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Camila ................................................................ 88

Mônadas construídas a partir do diálogo com o João .................................................................... 91

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Luiza ................................................................... 92

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Ingrid .................................................................. 95

5 - Algumas leituras possíveis a partir das mônadas .............................................................................. 99

5.1 - Limiar ........................................................................................................................................... 100

5.2 Marketing e mercado .................................................................................................................. 111

5.3 Relações pessoais e identidade ................................................................................................... 113

5.4 A cultura escolar dos cursinhos ................................................................................................. 119

5.5 Trauma, sofrimento e meritocracia ........................................................................................... 126

6 - Para não concluir ................................................................................................................................ 142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 147

Anexos ....................................................................................................................................................... 159

10

Apresentação

Esta pesquisa1 apresenta narrativas de estudantes em fase de preparação para o vestibular,

bem como suas experiências e memórias sobre esse período de suas vidas. Algumas de suas

questões surgiram em diálogo com a minha própria experiência de vestibulando no ano de 2007,

ganhando forma acadêmica após meu ingresso no programa de mestrado da Faculdade de Educação

da Unicamp, em 2014. A dissertação está dividida em seis capítulos que seguem minha própria

narrativa de vida escolar e acadêmica, entrelaçada ao objeto da pesquisa e às experiências dos

estudantes contatados.

O primeiro capítulo me apresenta, como sujeito, ao leitor, narrando sobretudo minhas

experiências escolares em duas instituições bastante distintas. Será observado que a transição para

um colégio apostilado, após doze anos em uma escola construtivista de viés ecológico,

proporcionou minhas primeiras percepções sobre a realidade do vestibular. Conto como minhas

experiências de vestibulando, imersas em uma rotina desgastante e traumática, continuaram

habitando meus pensamentos mesmo a aprovação nos exames e o ingresso na graduação em

História, na Unicamp. Por fim, após a entrada no mestrado da Faculdade de Educação, o leitor

conhecerá o percurso sinuoso que vivenciei como professor de um curso pré-vestibular da cidade

de Campinas e também como pós-graduando, até redefinir o objeto da pesquisa como as

experiências de vestibulandos no contexto da preparação para os exames.

No segundo capítulo, apresento uma contextualização histórica do vestibular no Brasil. No

diálogo com a legislação e a historiografia, as origens dos exames de seleção para o Ensino Superior

são discutidas. Em seguida, o leitor poderá se familiarizar com os principais vestibulares do Estado

de São Paulo, ou seja, os exames enfrentados pelos vestibulandos contatados nesta pesquisa. Em

seguida, realizo uma revisão bibliográfica sobre o tema do vestibular. Com pouquíssimas obras

extensas, como teses e livros, a produção de artigos sobre essa temática tem crescido, embora,

tendencialmente, sob uma ótica que reforça o discurso lógico-científico dominante na academia.

Ainda que os enfoques sejam bastante variados com a presença de estudos sobre cotas, cursinhos

populares e sintomas depressivos em vestibulandos a maioria dos artigos trabalha com

metodologias quantitativas, formulários e análises de grandes grupos de estudantes. Assim, a

1 Aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Unicamp, sob CAAE nº 46854015.8.0000.5404.

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ausência de estudos que partam de abordagens qualitativas, humanísticas e que olhem para as

experiências dos sujeitos, abre espaço para as intenções metodológicas desta pesquisa e aos anseios

por abordar o vestibular a partir de um contato mais intimista com vestibulandos. Partindo de

minhas próprias experiências estudantis e também como professor de cursinho, explicarei ao leitor

a escolha pelo diálogo oral com estudantes da instituição em leciono.

No terceiro capítulo, narro minha trajetória acadêmica como graduando em História e

mestrando em Educação, para apresentar ao leitor os referenciais teórico-metodológicos desta

pesquisa. Se na graduação autores como Marc Bloch, Edward Hallet Carr e Edward Palmer

Thompson foram os responsáveis pelas primeiras discussões sobre a subjetividade nas ciências

humanas e o método na pesquisa historiográfica, na pós-graduação tive contato com os autores de

referência da professora Maria Carolina Bovério Galzerani e da linha de pesquisa

, como Peter Gay e Walter Benjamin, além da perspectiva

narrativa preconizada pelo GEPEC, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada ao

qual estive atrelado durante o mestrado. Dessa forma, apresenta ao leitor a abordagem narrativa na

pesquisa em educação, que inspira este trabalho e se substancializa da primeira à última página

desta dissertação. Por fim, neste capítulo faço uma reflexão sobre o conceito de cultura, bem como

olhares para culturas juvenis e culturas escolares. Partindo das contribuições de autores como

Thompson, Dayrell, Dominique Julia, Vincent, Lahire e Thin, discuto algumas considerações

conceituais que são essenciais para olhar para a temática das experiências estudantis no contexto

como um conjunto de normas e práticas

que que definem conhecimentos e permitem a transmissão e a incorporação de comportamentos -,

que embasa a análise das características e especificidades dos cursinhos.

O quarto capítulo explica como se deu o contato com os sujeitos desta pesquisa,

apresentando a ideia das entrevistas orais segundo os preceitos da pesquisa narrativa. Em seguida,

os sujeitos são apresentados ao leitor: onze estudantes da mais antiga instituição pré-vestibular de

Campinas, voltada para Ensino Médio e cursinho. Apresento também o conceito de mônada, a

partir de Walter Benjamin, que orienta o olhar para as falas dos estudantes, junto de uma discussão

sobre a produção desses fragmentos devidamente selecionados pelo pesquisador no olhar sensível

para o conteúdo das entrevistas. Ainda neste capítulo, apresento o conjunto das mônadas dos onze

estudantes entrevistados. São fragmentos escolhidos no confronto com minhas próprias memórias,

12

que revelam o que jovens vestibulandos têm a dizer sobre suas experiências durante a preparação

para o vestibular. De toda a dissertação, esse é, sem dúvidas, o capítulo que mais me orgulha, e o

leitor compreenderá a riqueza contida nele quando puder mergulhar nas trajetórias narradas pelos

alunos.

O quinto capítulo sugere algumas possíveis leituras a partir dos fragmentos de narrativas

dos estudantes. Sem pretender destinar um enfoque monotemático, o vestibular é analisado,

inicialmente, à luz do conceito de limiar discutido por Walter Benjamin e Jeanne Marie Gagnebin.

Nesse sentido, as experiências dos vestibulandos são abordadas em algumas de suas diversas

facetas, como as relações pessoais inseridas no contexto da instituição, as características marcantes

do espaço do cursinho, a natureza das aulas e a rotina desgastante descrita por eles. Em seguida,

outras imagens que emergiram das mônadas são analisadas, como o trauma provocado pela

experiência da preparação para o vestibular naquela instituição, sendo confrontados a valores de

meritocracia dominantes no novo capitalismo flexível e na educação, no diálogo com autores como

Richard Sennett e Luiz Carlos de Freitas.

Finalmente, o sexto e último capítulo encerra esta dissertação com uma reflexão final sobre

meus anseios e desejos relacionados ao impacto que a pesquisa possa vir a ter.

Convido, então, o leitor a mergulhar nessa narrativa que se inicia nas próximas páginas.

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Experiências de estudantes no contexto do vestibular: narrativas e

memórias sobre a preparação para os exames

1 Memorial e justificativa do recorte

Quando comecei a escrever este texto, quase dois anos antes de sua finalização, lembro de

sentir um profundo estranhamento pelo ato de narrar, em uma pesquisa acadêmica, minha própria

trajetória. Pensar em destinar páginas exclusivas para apresentar quem sou pode parecer algo

incomum ao leitor, e naquele momento reservar um espaço específico para a reflexão sobre minhas

próprias memórias significava me aproximar de um território pouco explorado. O tempo me fez

compreender a relevância da produção do memorial, tanto para me apresentar enquanto sujeito

partícipe desta pesquisa a outros que venham a conhecê-la, quanto para mim mesmo. Afinal, o

processo de reflexão que é me debruçar sobre o passado traz, certamente, esclarecimentos e

dúvidas, junto de caminhos e possibilidades. Percebo de maneira cada vez mais forte que as

perguntas iniciais desta pesquisa, bem como a delimitação do recorte, são completamente marcadas

por minhas próprias experiências ao longo de minha trajetória escolar. Convido, então, o leitor a

acompanhar esse movimento que visa descrever meus referenciais de vida, os acontecimentos que

me levaram a ser quem sou e me interessar pela temática do vestibular. Desejo contar, nessas

páginas iniciais, por que estudo as experiências e narrativas de estudantes sobre o vestibular, quais

acontecimentos em minha vida me levaram a tomar essa questão como objeto de análise. A partir

da narrativa de minha vida, espero esclarecer as motivações e os episódios marcantes para a

constituição do objeto de pesquisa.

1.1 - Narrando meus primeiros referenciais da vida escolar

Mateus Leme de Sousa, nascido em 1990 em Bragança Paulista, cidade do interior do

Estado com cerca de 160 mil habitantes, mas bastante próxima da capital e de Campinas. Lá vivi

do nascimento até os 17 anos, quando ingressei na graduação. Durante quase toda a minha vida

escolar, frequentei uma escola particular pouco tradicional. Explico: as instalações se localizavam

na zona rural da cidade, num local onde fora no passado uma chácara. A instituição havia sido

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fundada há poucos anos, com poucas turmas destinadas apenas aos anos iniciais. Assim, cresci

junto da escola. A cada ano que se passava, uma nova turma era aberta, e a escolinha de educação

infantil se tornou com o passar do tempo uma escola destinada a todos os ciclos.

mas antes disso era uma Kombi. Só depois uma van. Íamos eu, minha irmã dois anos mais nova, e

meus dois primos também da mesma faixa etária. Éramos os primeiros a ser pegos pela condução,

e por isso o trajeto durava cerca de uma hora até a escola, bastante distante de minha casa para os

padrões de uma cidade pequena como Bragança. Mas não era ruim, afinal, fiz grandes amigos

naqueles bancos velhos onde brincávamos, conversávamos e cantávamos.

Chegando à escola havia a pouco convencional organização espacial, que logo deixou de

se destacar por conta dos longos anos que passei por lá. Ao invés do tradicional prédio com um

pátio no centro, o espaço físico era bastante arborizado, aberto, com salas de aula de madeira,

telhado de sapê e até mesmo com animais fazendo parte da harmonia espacial. Quando pequeno,

isso era o máximo. Afinal, que criança não gosta de cavalos, coelhos, pavões e ovelhas? Havia um

viés ecológico marcante naquela instituição, cujos alunos cresciam com um contato próximo da

natureza e dos seres vivos2. Porém, próximo da adolescência isso passava a ser visto como algo

infantil demais para os jovens rebeldes e pseudo-maduros dos quais eu queria fazer parte. Havia na

cidade brincadeiras de alunos de outras escolas em relação aos que estudavam nessa escola de zona

rural. Diziam que, ao invés de matemática, português e as demais disciplinas, aprendíamos a colher,

ordenhar, plantar, etc. Eram brincadeiras saudáveis; sempre levei na esportiva, pois sabia que

aquilo fazia parte da minha identidade. Não estudei questões específicas de colheita e criação de

em que estudei naquela

instituição. Uma para cada um dos doze anos que passei por lá.

Lembro-me que as turmas costumavam ser pequenas. Em minha 8ª série, atual 9º ano, havia

Por conta disso,

naturalmente os professores sabiam os nomes de todos os alunos, e todos se conheciam de longa

data, algo que tornava a atmosfera um tanto familiar. A direção da escola era ocupada pelos donos

2 A partir deste ponto, para facilitar a

certamente o elemento mais marcante em meio a minhas memórias sobre essa instituição.

15

e fundadores da instituição. Além disso, como disse, minha irmã e meus primos também estudavam

lá. Éramos todos bons alunos e estávamos lá há bastante tempo, então todos sabiam quem eram os

venho de uma família poderosa e influente na cidade. Na verdade, cresci vendo de perto as

dificuldades financeiras que minha mãe enfrentava e o esforço que fazia para manter a mim e a

minha irmã numa escola particular. Tínhamos um grande desconto, mas mesmo assim era difícil

pagar as mensalidades em dia. Sem a ajuda de meu pai, que não cresceu conosco, minha mãe

sempre teve a convicção de que era imprescindível que estudássemos numa boa escola.

assim, fazer dívidas e mais dívidas a nos tirar de uma boa escola. Cresci ao longo desses doze anos

convivendo com pessoas de realidades bastante distintas da minha. Apesar de haver muitos

bolsistas e alunos com desconto, a maioria dos meus colegas tinha uma condição socioeconômica

mais favorecida, e talvez tenha sido este o contexto que motivou minhas primeiras reflexões sobre

o elitismo na educação brasileira.

Além do espaço físico e do meio social, é pertinente contar também como eram as aulas e

a abordagem do conhecimento nessa escola. Durante todos os anos que passei na instituição havia

a adoção de um material didático determinado. Ao invés de grandes apostilas, eram fascículos

pequenos e temáticos que se pretendiam interdisciplinares. Aliás, lembro-me que ouvíamos falar

da interdisciplinaridade, algo muito valorizado em nossa escola, antes mesmo disso se tornar um

mantra repetido e defendido em toda a educação nacional. Mesmo com a presença dos fascículos,

os professores tinham liberdade para promover atividades, projetos e demais ideias relativas a suas

áreas e relacionar com outras. Lembro-me que falavam, nos outdoors e propagandas da escola, em

escolares tradicionais e, portanto, bom. A ideia de estudar numa escola não convencional sempre

me agradou.

Confesso que lembro de poucos detalhes das aulas, mas me recordo que com muita

frequência fazíamos atividades de leitura e discussões fora da sala de aula, num gramado ou no

pátio. Os trabalhos em grupo também eram muito recorrentes, muitas vezes até mais do que as

provas individuais, e tinham o mesmo peso nas notas finais. Sempre tive facilidade com as ciências

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humanas e dificuldade com as exatas. Contudo, nessa escola acabava tendo boas notas em todas as

disciplinas, pois era esforçado e entregava todos os trabalhos e lições de casa solicitadas. Dessa

forma, mesmo com um desempenho ruim nas provas individuais, conseguia me sair bem ao final

do bimestre. Convém destacar também que a maioria dos professores estava lá há muitos anos e

tinham uma boa relação com os alunos. Presente da infância à adolescência, foram muito

importantes em minha formação.

1.2 Hora de mudar de rumo?

Parte de uma família

No final de 2006, passaram a ser comuns os comunicados da dona da escola na sala de aula. Naquela época, muitos alunos estavam se transferindo para outras escolas, e por conta disso ela passava de sala em sala informando sobre o período de rematrícula, fazendo propaganda da instituição. Eu, que já tinha planos de mudar de ares, lembro-me perfeitamente de um dia no qual a diretora-dona entrou em minha sala de 2º ano do Ensino Médio e falou sobre a importância de

robozinho programado para passar no vestibular. Aqui vocês são parte de uma

Mateus

Contra uma memória nostálgica e idealizada, é importante recordar que havia também

muitos problemas nessa escola, alguns dos quais tiveram grande influência na mudança de

trajetória que vivi. Apesar dos aspectos positivos e das memórias alegres que guardo até hoje, sem

dúvidas presenciei também situações incômodas e vi características negativas sobre a instituição.

Em muitos momentos percebi certa desorganização em relação à grade horária, que permanecia

como provisória por quase um mês em todo início de ano. Havia também uma tolerância bastante

grande em relação aos alunos que não entregavam os trabalhos solicitados. Não se criava, assim,

uma cultura de estudos naquela instituição. Nunca fui o mais estudioso dos alunos, mas sendo um

pouco esforçado podia perceber nitidamente como passava muito mais tempo do que meus colegas

me dedicando aos estudos.

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Além disso, o viés construtivista e interdisciplinar nem sempre significou a realização bem-

sucedida das atividades. Recordo-me de alguns episódios que ocorreram no Ensino Médio. Em

um deles, lembro-me de um professor recém contratado que se esforçava claramente para se

adequar à proposta da escola, trazendo a matemática e a geometria para o cotidiano. Certa vez

pediu aos alunos que trouxessem objetos do dia a dia que tivessem formas geométricas similares

às que estávamos estudando. Na semana seguinte nenhum dos alunos levou os objetos, e o

professor acabou esbravejando e transparecendo um possível ceticismo com aquela abordagem:

conteúdo para o cotidiano para que não me chamem

de conteudista

mesma época o projeto interdisciplinar de fim de ano de minha turma foi cancelado pois os alunos

se opuseram a todas as propostas feitas pelos professores. No fim das contas, nem sempre as ideias

eram executadas de acordo com as teorias educacionais que pautavam o projeto pedagógico da

instituição.

Porém, uma questão específica fez com que eu me tornasse, nos últimos meses em que

estive por lá, um grande crítico da instituição: a preparação para o vestibular. A aprovação nos

grandes vestibulares nunca foi o carro-chefe da escola ecológica onde estudei. Na verdade, as

propagandas e pronunciamentos da dona-diretora em sala de aula (que por sinal eram bem

frequentes) sempre ressaltaram a preocupação da escola com uma formação crítica, cidadã e

consciente. Com o passar dos anos e a abertura do Ensino Médio, surgiram as críticas e o discurso

recorrente de que seria uma escola . De fato, não havia até aquele momento uma

preocupação exclusiva com a preparação para os exames de seleção. Não costumávamos fazer

simulados nem escrever redações constantemente, e até mesmo os exercícios de múltipla escolha,

típicos dos vestibulares, apareciam com pouca frequência. Naquele momento eu começava a me

aproximar da realidade do fim do Ensino Médio, e os sonhos de ingresso em grandes universidades

certamente me acompanhavam. Imaginava que, como sempre fui um bom aluno naquela

instituição, provavelmente teria um bom desempenho nos vestibulares.

Porém, no 2º ano do Ensino Médio prestei as provas como treineiro e percebi que estava

diante de um tipo de prova bastante distinto do que eu costumava fazer na escola ecológica onde

estudava. Algumas questões de ciências humanas eram conteudistas e cobravam a memorização

de tópicos e detalhes dos quais eu não me recordava. Os itens de ciências exatas, diferentemente

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do que eu via na escola, não apresentavam as fórmulas, e exigiam uma rapidez de raciocínio típica

de alguém muito acostumado a esse tipo de avaliação. Faltou-me tempo, faltou-me familiaridade

com a prova, faltou-me controle emocional para executar tudo que estava sendo cobrado. Assim,

fui convencido de que havia passado mais de uma década de minha vida escolar numa instituição

pela qual sentia grande carinho, mas que era fraca para preparação nos vestibulares. A partir de

então passei a realizar críticas explícitas à escola e sua metodologia. Passei a levar essas questões

aos professores e à coordenação. Acredito que passei a ser visto como alguém rebelde, prestes a

desertar.

Nesse momento isto é, por volta dos meus 16 anos, quando finalizava o 2º ano do Ensino

Médio muitos alunos da escola ecológica passaram a se transferir para outros colégios da cidade.

A grande maioria buscava uma formação mais voltada para o vestibular, principalmente por conta

de pressão dos pais. No meu caso, minha mãe apoiava qualquer escolha que eu fizesse, então a

decisão final de mudar de escola ou não foi exclusivamente minha. Lembro que esse fluxo de

alunos gerou mudanças na instituição. No final do ano

tivemos um simulado pela primeira vez, e passou a haver aulas à tarde específicas para o vestibular.

Ainda assim, surgiu um discurso protecionista da direção em relação ao viés pedagógico da escola.

Diziam constantemente que lá havia objetivos mais importantes que apenas preparar para exames.

Queriam uma formação crítica, cidadã e consciente com o planeta e a sociedade.

Lembro-me perfeitamente do comunicado da diretora-dona na sala de aula constituída em

mônada acima. Ao falar sobre sermos parte de uma família, recordo-me que ficava incomodado

com esse tipo de discurso idealizado e maniqueísta que corria à época. Afinal, sentia-me parte de

um grupo acolhido e respeitado; sabia que tivera uma formação crítica, mas sabia que poderia haver

uma preparação mais direcionada ao vestibular sem esquecer completamente valores éticos e

humanos.

Diante disso tudo, tomei a dura e difícil decisão de mudar de escola no último ano do Ensino

Médio. Depois de passar 12 anos com o mesmo grupo de amigos, professores e funcionários,

resolvi que precisava de uma formação mais direcionada aos meus planos. Lembro que a notícia

foi recebida com surpresa e indignação por meus amigos. Trataram-me como um traidor, como

alguém que passou a vida toda remando em direção à subversão da ordem estabelecida para decidir

mudar drasticamente de sentido. E foi o que fiz: uma mudança extremamente radical.

19

No ano seguinte me transferi para um colégio apostilado3 de Bragança Paulista, com foco

declarado na preparação para os vestibulares. O ano era 2007 e eu estava prestes a viver uma das

mais radicais mudanças de vida que já senti até hoje.

1.3 - Um novo momento da vida escolar

A compreensão

Eu tinha um professor de história que fazia umas provocações extremamente interessantes em suas aulas. Deslocava os alunos da zona de conforto, do senso comum. Como sempre gostei de história, achava isso o máximo, princip . Entretanto, esse mesmo professor era muitas vezes grosseiro e desrespeitoso com os alunos. Tinha atitudes agressivas e isso fazia com que nós, estudantes, tivéssemos medo de participar e fazer perguntas. Por conta disso, lembro-me de um dia em que alguns alunos chamaram o coordenador do colégio para conversar e contar sobre a conduta do professor de história, dizendo o quanto aquele comportamento prejudicava nosso aprendizado. A resposta do cooé um santo, o papel dele aqui é fazer vocês passarem no vestibular, e nisso ele é

colégio onde eu estudava.

Mateus

A memória desse episódio, ainda bastante clara, revela a profundidade da transformação

pela qual estava prestes a passar. Para explicá-la, convém descrever a nova instituição e

especialmente como isso tudo afetou minha rotina naquele momento. O colégio apostilado para

onde me transferi adotava um sistema apostilado que é conhecido no estado de São Paulo por

garantir muitas aprovações nos vestibulares. Justamente por isso a escolhi. Era esse meu foco

naquele momento. Tratava-se da escola mais cara da cidade, e assim foi providencial conseguir um

grande desconto nas mensalidades. Lembro de quando cheguei ao local pela primeira vez e notei a

diferença na organização espacial: um único prédio com todas as salas dentro. As paredes eram

3

20

bastante coloridas, a atmosfera não era hostil. Apesar da ausência de espaço abertos e a convivência

com a natureza, acostumar-me com um novo ambiente foi o menor dos meus problemas. Confesso

que não me recordo exatamente do primeiro dia, das primeiras aulas. Lembro apenas que, passada

As aulas, o material, os exercícios, o tratamento dos professores... tudo era extremamente

diferente. Lembro-me de pensar que era difícil chamar as duas instituições tanto a ecológica

quanto o colégio apostilado

mesmo termo poderia dizer respeito às duas.

No colégio apostilado, as salas de aula eram grandes e cheias. Minha turma de 3º ano do

Ensino Médio tinha 63 alunos. Obviamente não éramos tratados como números e robôs, mas de

fato os professores não conheciam todos os alunos pelos nomes. As apostilas determinavam

exatamente qual era o conteúdo que deveria ser visto em cada aula, inclusive com os exercícios

que seriam feitos em casa. Tínhamos dois ou três professores para cada disciplina, que eram

divididas em diferentes frentes, de acordo com a especialidade. Mas o que me fez sentir maior

dificuldade de adaptação certamente foi o ritmo com que tudo era dado. Sentia constantemente que

estava fazendo uma breve revisão de conteúdos com os quais nunca havia tido contato. Alguns

tópicos que estudara ao longo de meses na escola ecológica eram abordados em uma única aula de

45 minutos.

Lembro que foi no colégio apostilado que tive uma aula de química orgânica pela primeira

vez na vida. As aulas aconteciam a cada quinze dias. Recordo-me de chegar em casa e de fazer

diversos exercícios sobre a nomenclatura, com os prefixos e afixos alterando-se de acordo com a

quantidade de carbonos e o tipo de ligação. Isso tudo era novo para mim, que me esforçava bastante

para acompanhar. Contudo, quinze dias depois, mesmo tendo feito os exercícios recomendados, já

não me recordava exatamente qual fórmula representava o metano e qual a estrutura do propeno.

Passei, assim, a ter uma extrema dificuldade para acompanhar as aulas. Tentava me concentrar ao

máximo em cada uma delas, prestar atenção a cada detalhe, mas simplesmente não conseguia

compreender naquele ritmo. O professor de física, ao apresentar as complexas fórmulas de

decorar sim! Se não decorarem as fórmulas vocês vão gastar muito tempo nos exercícios e os

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a ouvir na escola ecológica. Infelizmente, era eficiente e verdadeiro no que se refere ao desempenho

nas provas.

No colégio apostilado, na maioria das aulas havia uma explicação dos professores, seguido

de um pequeno tempo para fazermos, individualmente, um ou dois exercícios da apostila, que

seriam corrigidos na lousa pelo professor. Lembro que dificilmente eu conseguia fazer os

exercícios no tempo estipulado pelo professor. Aliás, passei a ter conhecimento, naquele ano, de

que nos vestibulares há apenas três minutos para cada questão, e por isso deveríamos tentar resolver

nesse tempo. Sempre olhava para os lados e via meus colegas, quase todos já acostumados ao ritmo

daquele colégio, fazendo os exercícios sem grandes dificuldades. Como é que eu pude achar por

tantos anos que era um bom aluno? Como pude ser tão ingênuo de acreditar que estava tendo uma

boa formação se não conseguia nem ao menos compreender as explicações dos professores?

Recordo-me inclusive de chegar a pensar que eu devia sofrer de algum tipo de deficiência

intelectual, pois parecia que o esforço e as horas de estudo muitas vezes não eram convertidos em

compreensão.

Diante de tanta dificuldade, passei a estudar como nunca havia feito. Assim que as aulas

terminavam, voltava para casa e estudava até a hora de dormir. Muitas vezes, só parava de

madrugada, quando começava a cochilar sobre os livros, ou quando minha mãe me obrigava a

dormir. Organizei uma rotina rigorosa de estudos que visava suprir minhas dificuldades de

adaptação. Por conta disso, afastei-me consideravelmente dos antigos amigos da escola ecológica.

Nas poucas vezes em que nos víamos, eles pareciam leves, tranquilos, enquanto eu me sentia tenso,

ansioso e constantemente angustiado. Diziam que eu era maluco de tomar conscientemente a

decisão de perder a adolescência, sacrificar a melhor época da vida. Não estavam preocupados com

o futuro; diziam que, na pior das hipóteses, fariam um ano de cursinho e em seguida ingressariam

na universidade.

Os outros estudantes do colégio apostilado eram vistos por mim como colegas. Parecia

difícil me aproximar de verdade. Em primeiro lugar, pois a maioria já estava naquela instituição há

anos, já havia grupos formados. A maioria tinha uma realidade socioeconômica muito diferente da

minha, de forma a gerar um distanciamento. Além disso, em todas as conversas o único assunto

22

discutido era sempre o vestibular. Não conhecia quase nada sobre a vida de nenhum dos meus

colegas, mas sabia qual curso iriam prestar e quantos pontos haviam feito no último simulado.

Aliás, causava-me surpresa perceber que as falas dos professores também sempre passavam

por este mesmo assunto. Quando faziam um discurso motivacional, citavam o vestibular como o

grande foco do ano, o objetivo das nossas vidas. Nos momentos de broncas, a reprovação no

ano que vem tem vestibular de

frequentes), havia um ranqueamento da turma que servia como motivação. Aparecia também como

uma representação do nível ao qual cada aluno estava. Se os resultados estavam baixos, devia-se

estudar mais. No discurso dos professores e da coordenação, o desempenho estava sempre ligado

quase que exclusivamente ao esforço individual de cada estudante. E eu absorvi essa ideia, que me

acompanhou ao longo de todo aquele período.

O foco no vestibular foi, sem dúvidas, o elemento que marcou a passagem daquele ano. Foi

duro, cansativo, estressante e traumático. Contudo, não posso negar a qualidade com que aquela

instituição cumpria seus objetivos. Havia de fato uma abordagem conteudista , um ritmo

desumano imposto ao aluno junto de pressão por resultados. Ainda assim, o colégio era

extremamente organizado, os professores eram competentes e muito bons no que se propunham:

preparar para os exames de seleção. Nesse contexto, é pertinente olhar para a mônada que abre esta

seção e como ela simboliza a transição que vivi. Essa memória revela que havia uma proposta clara

a ser seguida pela segunda instituição: preparar para o vestibular, e apenas isso. E é justamente esse

tipo de escola que é entendida como forte e de qualidade no Brasil atual. A quantidade de

aprovações obtidas pelos alunos em grandes universidades parece simbolizar se uma escola é forte

ou fraca. Longe de estabelecer um maniqueísmo, com elementos romantizados e outros

demonizados, é essencial perceber como minha vida escolar foi marcada por extremos. Cada uma

das escolas onde estudei tinha focos completamente distintos, e mergulhar nessa diferença foi

doloroso e me marcou profundamente desde então.

O ano de 2007 foi passando e a exaustiva rotina de estudos se manteve. Fui me acostumando

aos poucos sem, contudo, deixar de sofrer com a abordagem conteudista , o excesso de

exercícios, a matéria atrasada, o ritmo frenético e a pressão constante. Curioso notar que foi nesse

ano que tive certeza que queria prestar o curso de História, para me tornar professor. Pois bem, o

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vestibular chegou e era o momento de enfrentá-lo. Eu me sentia esgotado, estava estressado,

ansioso e nervoso, mas dominava muitos conteúdos que antes nem conhecia e estava bem

familiarizado com o formato dos exames. Fiz as provas e fui aprovado na Universidade Estadual

de Campinas. No ano seguinte vivenciei uma nova transição em minha vida escolar: o ingresso na

universidade.

1.4 - Enfim universitário

Produzir conhecimento

Lembro de estar entrando pela primeira vez naquela típica sala de aula do IFCH, onde passaria os próximos cinco anos cursando História. A disciplina era

com cabelos grisalhos, óculos de aros grossos e olhos estrábicos. Logo deu as boas-vindas aos novos estudantes e conduziu as primeiras discussões. Passou a manhã toda sem pegar no giz, sem escrever na lousa, algo bastante peculiar se comparado ao que eu estava acostumado em relação a aulas de História. Em seguida, disse algo que me fez questionar profundamente minha trajetória escolar

historiadores, então acostumem-se com amigos e familiares perguntando datas, detalhes e grandes nomes, testando sua capacidade de memorização. Quando isso ocorrer, não respondam. Recusem-se a responder, mesmo que saibam. Vocês não estão aqui para acumular conhecimento. Para isso, qualquer um pode consultar livros e manuais. Como hist

Mateus

O que significa produzir conhecimento? Se hoje essa discussão parece recorrente na

academia e em minha vida, aos 17 anos e tendo acabado de ingressar na universidade essa ideia

não era ainda tão clara. Ainda assim, a crítica trazida por este professor no primeiro semestre da

graduação motivou reflexões potentes em relação à transição escola-universidade. Tão potentes,

na verdade, que considero que constituíram as primeiras sementes que viriam a florescer enquanto

projeto de pesquisa depois de alguns anos.

Antes de me aprofundar nas questões concernentes à abordagem do conhecimento, convém

destacar também a grande transformação que vivi em quase todos os aspectos da vida ao ingressar

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na Unicamp. Com então 17 anos, mudei-me de Bragança Paulista para Campinas, mais

precisamente para o distrito de Barão Geraldo, onde se localiza a universidade. Saí de casa para

passar a morar em uma república estudantil com outros universitários e assim conquistava a tão

sonhada liberdade que todo jovem deseja. Sentia-me aliviado por ter enterrado a exaustiva rotina

de estudos; orgulhoso pela aprovação numa grande universidade; ansioso para fazer novas

amizades e ávido pela formação que me esperava no curso de História.

Foi nos primeiros meses no ambiente acadêmico que pude desconstruir muitos preconceitos

ografia

novo até aquele momento. Nesse período os primeiros referenciais teórico-metodológicos que

compõem esta pesquisa se uniram aos referenciais de vida que impulsionaram as motivações para

sua realização.

Naquele início de 2008 tive contato com autores como Marc Bloch, Edward Hallet Carr, e

Edward Palmer Thompson, estudiosos que refletiram sobre a história e o ofício do historiador,

abriram a possibilidade de outros olhares e têm até hoje grande relevância para os referenciais

teórico-metodológicos desta pesquisa. Essas leituras introduziram meus pensamentos nos

meandros da subjetividade das ciências humanas. Passei a perceber que a escrita sobre a História

não pode produzir verdades absolutas e que muito da história ensinada nos dias de hoje é ainda

marcada pelo pensamento do século XIX.

Diante desse primeiro contato com a subjetividade na História e nas ciências humanas

discutida com mais profundidade nos capítulos seguintes , sentia que as bases que sustentavam

meu repertório de conhecimento começavam a ser desconstruídas. Se História significa também

interpretar, será que os fenômenos e processos históricos que estudei nos livros didáticos

representavam apenas uma interpretação? Eram apenas uma versão dos fatos? Na verdade, ao me

preparar para o vestibular sentia que estava aprendendo uma verdade. Quando fazia simulados, não

parecia haver espaço para subjetividade numa prova de múltipla escolha; afinal, dentre as cinco

alternativas há sempre apenas uma correta.

E o que significa retomando a mônada relativa à minha primeira aula na graduação -,

então, produzir conhecimento? Se o papel dos historiadores não é acumular conhecimento, que foi

que fiz naquele longo e penoso ano de estudos para o vestibular? Naquele momento sabia enumerar,

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em ordem, todos os presidentes da chamada República Velha, seus principais feitos e as revoltas

que ocorreram em cada governo. Tinha, de fato, memorizado isso tudo. A preparação que recebi

no colégio apostiladol foi essencial para que eu pudesse ter o domínio do conteúdo. Era justamente

isso que fazia dela uma escola forte. E eis que o ingresso na Unicamp revelou que o pensamento

historiográfico na academia não se interessa por memorização e acúmulos de informações. Em vez

disso, busca-se produzir conhecimento.

Essa dura percepção me fez olhar para trás e visualizar minha trajetória escolar de forma

incrédula e confusa: ao longo dos anos na escola ecológica, fiz trabalhos em grupo, debates,

maquetes, projetos interdisciplinares e atividades individuais. Sem dúvidas, produzi conhecimento

dentro do âmbito escolar. Porém, por não promover alto índice de aprovações nos vestibulares, era

apostilado, onde me detive a

ler resumos das disciplinas e fazer uma infinidade de exercícios nos moldes das grandes provas.

Acumulei conhecimento, memorizei informações e senti meu desempenho crescer ao longo da

preparação. O colégio tinha altos níveis de aprovações: logo,

Tal raciocínio me levou a um profundo pensamento: há algo errado. Se a universidade não

quer um estudante como repositório de fatos, um mero reprodutor de informações, mas um produtor

de conhecimento, por que é que os alunos da escola ecológica não tinham tantas aprovações quanto

os jovens advindos do colégio apostilado?

Nascia nessa angústia minha obsessão em relação ao vestibular, que me marcou fortemente

ao longo de toda a graduação. Junto disso, é imprescindível contar que passei aqueles anos de

experiência universitária insatisfeito com a formação na licenciatura. Sabia desde o início que

queria me tornar professor, mas não sentia que estava sendo bem preparado. O discurso corrente

entre os estudantes do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas dizia que as disciplinas da

Faculdade de Educação eram péssimas, pois lá não se aprendia a ensinar, não se aprendia como

dar aulas . Entretanto, não era por isso que sempre fui crítico da licenciatura. Logo percebi que as 4 ma tão engessada e instrumental

como desejava a maioria dos estudantes de licenciatura. O problema, para mim, estava no fato de

que tínhamos pouquíssimas disciplinas voltadas para a educação e para o ensino de História. Além

disso, dentro do próprio departamento a preocupação dos professores era declaradamente uma

4 EL é a sigla das disciplinas da Faculdade de Educação da Unicamp destinada aos cursos de licenciatura.

26

formação voltada para a pesquisa em História, mas que concedia pouco espaço para as

aproximações entre historiografia e educação, ou mesmo ensino de História.

Se pudesse voltar no tempo e dizer ao jovem Mateus de 17 anos que no curso de História a

formação de professores ficaria sempre marginalizada, confesso que tenho sérias dúvidas se

tomaria novamente a mesma decisão. Assim, passei cinco anos de graduação insatisfeito com a

pouca quantidade de discussões relativas ao âmbito educacional, sentindo um vazio em minha

formação de educador.

Nos anos finais da graduação, comecei a trabalhar informalmente em diversas ocupações.

Já estava na casa dos 20 anos, precisava de dinheiro para me sustentar e ajudar minha família. Por

recomendações de amigos, passei a realizar serviços informalmente num curso pré-vestibular no

centro de Campinas. A área não era História, mas Redação, porém não estava em condições

financeiras de recusar nenhum tipo de trabalho. Corrigia redações de jovens estudantes que se

preparavam para o vestibular. Pouco a pouco fui crescendo dentro da instituição, além de ter cada

vez mais contato com os alunos. Passei a ver neles muito de tudo o que vivi, as angústias, a rotina

exaustiva de estudos e a dificuldade em lidar com a pressão.

Cheguei, então, ao final da graduação em História, tendo me constituído enquanto sujeito

mobilizado intensamente pelas três experiências narradas: a inquietude quanto ao vestibular e a

abordagem dada ao conhecimento histórico; o descontentamento acadêmico com a formação

insuficiente na licenciatura; e o contato profissional com jovens vestibulandos com experiências

próximas das minhas. Tais reflexões compuseram, naquele momento, a intenção de realizar um

estudo sobre essa temática. As mudanças pelas quais o recorte passou serão contadas nas páginas

a seguir, mas no final de 2013 os objetivos eram diferentes dos de hoje: desejava investigar a fundo

as diferenças de tratamento da História na transição escola-universidade, de modo a preencher o

vazio formativo que sentia quanto à licenciatura. Decidi, finalmente, fazer mestrado na Faculdade

de Educação da Unicamp.

1.5 - O ingresso no mestrado e a (re)constituição do objeto de pesquisa

Atravessando a rua

27

Era fevereiro de 2014. Recém aprovado no processo seletivo do Mestrado em Educação, caminhava naquela tarde quente rumo à minha primeira real inserção no mundo da pós-graduação: a defesa de tese de uma colega do grupo de pesquisa, o GEPEC. Não frequentava os encontros do grupo antes de me matricular, então entrar pela primeira vez na sala de defesa da Faculdade de Educação significou ver rostos desconhecidos. Percebi instantaneamente que era o mais novo naquele ambiente: novo pois acabara de chegar e novo por ser o mais jovem. Por isso, senti-me até mesmo infantilizado, tanto em relação ao momento acadêmico quanto à fase da vida. Provavelmente eu era o único naquela sala que não tinha filhos, que não possuía anos de experiência na docência, que chegou à faculdade de bicicleta e não de carro, que vestia tênis e não sapato. Sentia que estava começando a entrar num universo que ainda não era o meu. Junto desse estranhamento, chamou-me a atenção a atmosfera intimista que havia na sala. Nas poucas experiências de defesa que presenciei no IFCH, o clima era mais formal e até mesmo pesado, com uma pressão evidente sobre o pós-graduando. Naquela tarde, no entanto, parecia haver uma relação próxima entre a banca e a doutoranda. Antes da apresentação começar, todos se abraçavam, riam, cumprimentavam uns aos outros. Ao longo da defesa, houve lágrimas de felicidade e memórias pessoais, junto das discussões teóricas, sem que se perdesse a seriedade. Definitivamente a academia não se organiza da mesma forma quando se atravessa a rua.

Mateus

Atravessar a rua naquele início de 2014 significava receber o diploma da graduação em

História, fechar meu ciclo acadêmico no IFCH e partir para uma nova empreitada na Faculdade de

Educação. Tratava-se de um novo ambiente, novos professores e colegas e principalmente uma

forma distinta de relação entre o pesquisador e o objeto de pesquisa.

Depois de decidir que queria realizar uma pesquisa que tivesse como foco o conhecimento

histórico na transição escola-universidade, o próximo passo foi entrar em contato com a professora

om ela e passei a enxergar a possibilidade de ser orientado

pela Carol. Quando conversamos e recebi dela o incentivo de participar do processo seletivo, não

tinha nenhum conhecimento dos problemas de saúde pelos quais ela passava e que foram

responsáveis por seu afastamento da universidade. Assim, durante a realização da seleção para o

mestrado, a professora Carol infelizmente não acompanhou presencialmente meu ingresso no

programa de pós-graduação.

28

Matriculado, enfrentei a transição relatada. Sentia-me quase um estrangeiro entrando em

território desconhecido, sem compreender totalmente o idioma daquele local. E o primeiro desafio

foi apresentar meu projeto para o grupo de pesquisa, o GEPEC. Como disse, ingressei no mestrado

com o interesse em realizar uma análise acerca das diferenças entre o conhecimento histórico

escolar e o conhecimento histórico acadêmico. A intenção era, num primeiro momento, ao analisar

o saber histórico no mundo escolar, destinar um olhar sobre os conhecimentos produzidos e

reproduzidos no espaço da escola. O objetivo, desse modo, seria observar como é abordado o

conhecimento de história inserido no contexto escolar. Por outro lado, o saber histórico no ambiente

acadêmico, entendido como um campo de pesquisa e produção de conhecimento, seria analisado à

luz da reflexão sobre o ofício do historiador, pensando nos debates travados ao longo dos anos na

historiografia até os tempos atuais.

Contudo, logo os primeiros questionamentos surgiram quando apresentei minha pesquisa

nas primeiras reuniões do seminário do GEPEC, e também aos colegas da linha de pesquisa

. Os empecilhos começaram a aparecer no

estabelecimento do recorte. Acompanhado de uma ânsia por fazer uma pesquisa relevante, tinha a

ingênua pretensão de realizar uma análise que fosse representativa de uma totalidade, que as

conclusões tiradas pudessem ilustrar e contribuir para grandes dilemas no campo do ensino de

história. Diante de minhas pretensões quantitativas e generalizantes, passei a conhecer a abordagem

do GEPEC quanto aos olhares para experiências singulares, algo que ficará mais claro no próximo

capítulo, quando forem apresentadas minhas memórias sobre os referenciais teórico-

metodológicos. De qualquer modo, pouco a pouco fui percebendo, com a ajuda dos colegas e seus

olhares, que não seria possível realizar uma análise total e nem obter resultados conclusivos e

fechados. Afinal, não seria possível representar todo o saber histórico acadêmico, nem definir o

que é a História na universidade.

Além disso, cheio de expectativas e múltiplos interesses, pretendia realizar excessivas

abordagens sobre essas categorias. Queria analisar livros didáticos de História, provas de

vestibular, grades curriculares de cursos de graduação em História, bem como entrevistar alunos

do Ensino Médio, estudantes de graduação e professores. Com os comentários dos colegas do

grupo, dei-me conta de que tamanha pretensão esbarraria no prazo de dois anos para a conclusão

do mestrado. Lembro- e tudo isso

29

que é mencionado no seu projeto, você vai precisar escolher. O que é que mais te toca, te

sensibiliza? de selecionar aquilo que

isso, dentre todos aqueles aspectos, que havia me levado a querer pesquisar. Quase uma obsessão,

queria analisar e escrever sobre os exames de seleção e o momento de preparação dos estudantes.

Nos meses seguintes, a (re)constituição do objeto de pesquisa se deu de forma lenta e

bastante conflituosa. O primeiro ano no programa de mestrado da Faculdade de Educação foi difícil

por inúmeros aspectos: o afastamento da Carol e a ausência de uma orientação formal fez com que

as reuniões semanais do GEPEC e da linha de pesquisa cação das sensibilidades, História e

fossem tudo o que eu tinha para me apoiar nessa reconfiguração. No entanto, a Unicamp

passou por uma longa greve de estudantes, funcionários e professores que alterou profundamente

a rotina de pesquisa e me levou a um estado de inércia e inatividade. Ao mesmo tempo, cresciam

minhas funções profissionais na instituição de ensino onde trabalhava, enquanto as atividades na

universidade estavam suspensas: deixei de ir à biblioteca como fazia todos os dias. Na virada do

ano, quando meu afastamento para com o mestrado era imenso, houve o falecimento da professora

Carol, no início de 2015, que me provocou tristeza e pesar. Ainda que não tenha convivido muito

tempo com ela, sentia grande carinho e admiração por sua pessoa, principalmente por conta de

tantos comentários afetivos dos seus orientandos, ansiosos e desejosos por seu retorno. Naquele

início de ano, confesso que pensei seriamente em desistir. Parecia que a pesquisa não fazia sentido,

que os obstáculos estavam vencendo meus anseios pelos estudos.

Foi nesse momento que houve a acolhida do professor Guilherme do Val Toledo Prado e

da professora Adriana Carvalho Koyama, os novos orientadores nessa empreitada. Com a ajuda

deles e dos colegas do GEPEC pude retomar o foco na pesquisa e remodelar o objeto de estudo.

Naquele momento, passei a me reunir de forma constante com a professora Adriana e com a amiga

Márcia Poli Bichara. Juntos, nós três tivemos inúmeros diálogos sobre nossas pesquisas e pudemos

avançar e redefinir nossos objetos de pesquisa. É pertinente destacar também que o contato com a

produção dos referenciais teórico-metodológicos marcantes para a professora Carol tais como

Walter Benjamin e Peter Gay , bem como o conhecimento da perspectiva narrativa do GEPEC

foram determinantes na redefinição do recorte, de modo que serão abordados com mais cuidado

adiante.

30

Diante do contato com as produções do professor Guilherme Prado (CUNHA; PRADO,

2007a), percebi não apenas a legitimidade, mas a importância da pesquisa do professor,

especialmente quando o educador toma seu trabalho como espaço-tempo de produção de

conhecimentos e saberes, e orienta questões relevantes de forma a buscar respostas. Partir de minha

experiência pessoal e articular tais memórias estudantis à vivência atual de professor passou a ser

um horizonte possível.

Assim, a análise foi tomando outra forma, mais direcionada àquilo que mais me sensibiliza

enquanto indivíduo: considerando a densidade das relações entre as minhas experiências de vida e

as questões que movimentam esta pesquisa, as constantes reflexões sobre minha experiência

traumática durante a preparação para o vestibular, os incômodos relativos às incoerências e

injustiças quanto à seleção para o ingresso no ensino superior, e o contato presente, em minha vida

profissional, com discursos semelhantes de jovens vestibulandos, o objeto de estudo se redefiniu,

então, nas narrativas de estudantes sobre o vestibular, e suas experiências durante a

preparação para as provas. Tenho a intenção de oferecer a palavra àqueles que geralmente são

silenciados, amplificar vozes que não costumam ser ouvidas e iluminar trajetórias que quase

sempre permanecem ocultas.

Contudo, para manter um olhar coeso e coerente, evitando ingenuidades generalizantes, as

experiências de vestibulandos seriam atingidas a partir do contato com jovens estudantes do curso

pré-vestibular em que leciono, na cidade de Campinas. Certamente, a escolha do campo e dos

sujeitos pautada em referenciais teórico-metodológicos que serão discutidos adiante não é

arbitrária e reflete minha própria prática enquanto pesquisador e professor. Por isso, houve a

escolha por dialogar com vestibulandos próximos do meu cotidiano, e a partir do contato investigar

suas narrativas sobre o vestibular.

A partir dessa definição, resta ainda convidar o leitor a à leitura de uma contextualização

histórica do vestibular, bem como a um olhar panorâmico sobre aa produção bibliográfica recente

sobre essa temática.

31

2 O vestibular: uma contextualização histórica e bibliográfica

Quem inventou o vestibular?

Era ainda início do ano e eu já estava me acostumando com os quase 160 alunos na sala de aula e o microfone em punho, mas todas as manhãs, ao entrar por aquela porta, era tomado por uma empolgação cristalizada num mesmo

estarem vivas, era o momento de preparar aquelas centenas de jovens para um ano que prometia ser muito semelhante a tudo o que vivi. E em meio às discussões características das aulas de redação, uma aluna no fundo da sala ergue a mão e

Mateus

Como surgiu o vestibular e por que motivo ele existe? Certamente essa é a indagação de

muitos jovens no contexto de preparação para as provas, assim como era a minha em 2007. O

episódio narrado acima expressa o questionamento de uma aluna a mim, seu professor de redação,

que não na ocasião não pude dar uma resposta satisfatória. Pensando nisso, percebi que, para

compreender as experiências específicas de jovens estudantes no momento de preparação para os

vestibulares, é preciso analisar, num primeiro instante, a constituição do vestibular como

instrumento de seleção para o ingresso no ensino superior brasileiro. Convido o leitor a recordar,

mais uma vez, que minha formação como historiador não me permite prosseguir sobre quaisquer

anseios analíticos sem antes situar a temática em sua contextualização histórica.

2.1 - O vestibular: uma breve história do ingresso ao ensino superior brasileiro

Em suas origens, a educação superior no Brasil teve um desenvolvimento atípico, se

comparada às colônias vizinhas na América Latina. Enquanto os espanhóis fundaram universidades

ainda no século XVI, as primeiras instituições de ensino superior brasileiras só viriam a surgir no

século XIX. Com a vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, foram criados os

primeiros cursos superiores Medicina, Direito e Engenharia , em faculdades independentes umas

das outras. Anísio Teixeira aponta que do início do século até 1882, houve 24 projetos de

universidades que não chegaram a ser criadas, além de um longo período sem a criação de nenhuma

32

nova faculdade, fatos que marcam a lenta expansão do ensino superior no transcorrer do Império

(2005, p. 155-156).

Somente com a proclamação da República e a influência do ideário positivista republicano

surgem com força as discussões sobre a criação de universidades no país e a preocupação com

sua estruturação em nível nacional. Nesse contexto, em 1911, na chamada Reforma Rivadávia,

aprovou-se a Lei Orgânica Superior e do Ensino Fundamental da República, estabelecendo, para a

concessão da matrícula nos cursos superiores, a obrigatoriedade da realização de exames de seleção

critérios quanto à banca examinadora, as datas dos exames e as taxas de inscrição. Dentre as

principais mudanças, estava o fim do privilégio do ingresso no ensino superior por alunos

provenientes do Colégio Pedro II e dos equiparados a ele (BRASIL, 1911). Nascia, assim, o exame

alguns anos mais tarde. Em 1915, com a Reforma Carlos Maximiliano, o Decreto nº 11.530

para os exames de seleção, além de determinar o conteúdo exigido na seleção de cada curso.

Segundo o texto,

Art. 81. A prova oraI do exame vestibular versará sobre Elementos de Physica e Chimica e de Historia Natural, nas Escolas de Medicina; sobre Mathematica Elementar, na Escola Polytechnica, e sobre Historia Universal, Elementos de Psychologia e de Logica e Historia da Philosophia por meio da exposição das doutrinas das principaes escolas philosophicas, nas Faculdades de Direito. (BRASIL, 1915)

Do latim, vestibulum

como o rito de passagem dos estudantes ao ensino superior. E assim ocorreu pelas próximas

décadas, num momento em que a educação superior brasileira vivia ainda uma lenta expansão,

permanecendo restrita a uma elite privilegiada que dominava o país que começava a se urbanizar.

De acordo com Anísio Teixeira, até 1930 havia apenas 86 escolas superiores em todo o território

nacional, criadas com o propósito dominante de distribuir credenciais para certos cargos e

profissões, e não centros de estudos da cultura e pesquisa. Apesar do Decreto nº 19.851 o Estatuto

33

das Universidades ter regulamentado a organização do sistema universitário, em 1932, o ensino

superior brasileiro permaneceu crescendo, nas décadas seguintes, com poucas universidades

surgindo em meio a escolas isoladas e numerosas reformas legislativas que se distanciam das

preocupações primordiais desta pesquisa. Somente na década de 1960, com a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, houve um salto na expansão do ensino superior, com a criação de

universidades e inúmeras escolas (Cf. TEIXEIRA, 2005). Convém ressaltar a natureza dos

seja, os exames visavam atestar a aptidão dos candidatos.

Deve-se destacar também que, no contexto dos anos de 1960, a demanda pela educação

superior e universitária crescia massivamente, acompanhando as mudanças na sociedade, com

ampliação dos setores médios próprios de uma formação social urbana e industrial. Como mostra

Sampaio,

As demandas dessas camadas em ascensão foram, inicialmente, pela ampliação do ensino público de grau médio. A satisfação dessa necessidade, ainda que limitada a setores relativamente restritos da sociedade, criou um anova clientela para o ensino superior. O desenvolvimento das burocracias estatais e das empresas de grande porte abriu um novo mercado de trabalho, disputado pelas classes médias. O diploma de ensino superior constituía uma garantia de acesso a esse mercado. Era a demanda por ensino, e até mesmo pelo diploma que impulsionava as demandas por transformações da década de 60. (1991, p. 14)

Dessa forma, nos anos de 1960, enquanto as matrículas no nível primário e médio cresciam,

juntamente com o número de inscritos no vestibular, as vagas no ensino superior não

acompanhavam o mesmo ritmo. Segundo Romanelli (1984), de 1964 a 1968

profundamente, pois, a um crescimento de demanda de 120%, respondeu a oferta com um

cresc p. 207). Assim, pelo caráter de habilitação dos exames, ainda que

muitos estudantes se inscrevessem e fossem aprovados no vestibular, ficavam impedidos de

ingressar nas universidades.

de escala considerável.

O resultado dessa enorme exclusão foi a contestação do sistema educacional, expressando-

se na forma de manifestações estudantis no período de maior repressão ditatorial. Como mostra

Cunha (2003), após o Golpe de 1964, o governo militar passou a incorporar a bandeira da reforma

34

universitária, redefinindo completamente seu sentido (p. 178). Com forte influência dos acordos

MEC-Usaid, surgiu, então, a Reforma Universitária de 1968, responsável pela criação de muitas

das características que definem o vestibular tal como é entendido hoje. Dentre as principais

modificações trazidas, como a abolição da cátedra, a departamentalização do sistema universitário

e a criação do regime de créditos, destaca-se a adoção do vestibular unificado e sua efetivação

como exame classificatório. O Decreto nº 68.908, de 1971, regulamentou a Lei 5540/68 e

esclareceu a mudança nos exames:

Art. 1º A admissão aos cursos superiores de graduação será feita mediante classificação, em Concurso Vestibular, dos candidatos que tenham escolarização completa de nível colegial, ou equivalente.

Art. 2º O Concurso Vestibular far-se-á rigorosamente pelo processo classificatório, com o aproveitamento dos candidatos até o limite das vagas fixadas no edital, excluindo-se o candidato com resultado nulo em qualquer das provas.

Parágrafo único. A classificação dos candidatos far-se-á na ordem decrescente dos resultados obtidos no Concurso Vestibular, levando-se em conta a sua formação de grau médio e sua aptidão para prosseguimento de estudos em grau superior. (BRASIL, 1971)

Determinava-se, assim, a alteração do caráter de exame de habilitação para exame de

classificação, visando solucionar o problema dos excedentes. Passaram a ser considerados

aprovados nos exames vestibulares não os que alcançassem a nota mínima, mas os melhores

classificados para as vagas existentes, com objetivo de abafamento da crise estudantil. De acordo

com Ribeiro Netto (1986),

O vestibular transformava-se num instrumento para descartar candidatos e não para selecioná-los; aumentava o grau de dificuldade das provas, tornando-as incompatíveis com aquilo que, de fato, era ensinado no curso colegial. O distanciamento entre o que era ensinado ao aluno no secundário e o que era pedido ao candidato no vestibular criou um vazio entre o ensino secundário e o superior no qinsinuaram e floresceram. (1986, p. 43)

35

Com isso delineou-se o vestibular em seu novo caráter classificatório. Nos decênios

posteriores, o Brasil vivenciou uma crescente expansão do ensino superior, com destaque para o

setor privado (SAMPAIO, Op. Cit., p. 17). Em meio a decretos, leis e reformas5 que fogem das

pretensões desta análise, a essência do vestibular tal como é realizado nos dias atuais estava traçada.

Nas décadas de 1970 e 1980 o acesso ao ensino superior permaneceu sendo realizado

exclusivamente por meio do concurso vestibular. Em 1996, com a instituição da nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, abriram-se novos caminhos de ingresso, embora não se

tenha reduzido significativamente a força dos exames de seleção. O texto da lei estabelece que:

Art. 50. As instituições de educação superior, quando da ocorrência de vagas, abrirão matrícula nas disciplinas de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem capacidade de cursá-las com proveito, mediante processo seletivo prévio.

Art. 51. As instituições de educação superior credenciadas como universidades, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos normativos dos sistemas de ensino. (BRASIL, 1996)

Ao não mencionar especificamente o concurso vestibular, a LDB/1996 abriu caminho para

a instituição de novas formas de seleção, como programas de avaliação seriada no Ensino Médio e

a criação do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, criado inicialmente em 1998 como

avaliação diagnóstica da educação básica e posteriormente elevado a instrumento de seleção6.

Apesar disso, nos anos seguintes o vestibular continuou como o principal meio para o ingresso nas

universidades, como se nota a partir dos dados do Censo da Educação Superior, de 2012:

5 Para uma análise extensa e detalhada das alterações na legislação brasileira referente ao acesso ao ensino superior,

6 Para uma análise mais profunda de formas alternativas de seleção ao ensino superior, confira ALMEIDA, Op. Cit.

36

Tabela 1 Total de Ingressos por Processo Seletivo e Ingressos por meio do Enem nos Cursos de

Graduação Presencial, por Categoria Administrativa Brasil 2012

Brasil/Região

Geográfica

Ingressos

por processo

seletivo

Total

Federal

Estadual

Municipal

Privada

Brasil

Total 1.970.392 2 277.501 140.175 44.421 1.508.295

Enem 398.988 143.265 6.908 1.824 246.991

% 20,2 51,6 4,9 4,1 16,4

Sudeste

Total 1.005.056 85.388 57.560 13.507 848.601

Enem 210.424 45.976 1.855 21 162.572

% 20,9 53,8 3,2 0,2 19,2

Adaptado de Inep, 2013.

Ainda que mereça destaque o crescimento da importância do ENEM como método de

seleção ao acesso às universidades, nota-se que a presença dos vestibulares persiste, hoje, com

relevância no papel de processo seletivo da educação superior. Também é notório que, embora o

crescimento das matrículas seja expressivo, as 7.037.688 de matrículas registradas em 2012

representam apenas 28,7% de escolarização superior em nível nacional. Assim, apesar de inúmeras

críticas, permanece a natureza marcadamente elitista e excludente que perdura nos exames

brasileiros ainda em pleno século XXI.

Traçado esse breve panorama, é possível conceber melhor a situação do Brasil no que se

refere ao ingresso à educação superior. Contudo, antes de entrar no foco deste estudo as narrativas

de estudantes sobre o momento de preparação e realização dos exames é preciso compreender

como os vestibulares do estado de São Paulo se inserem no contexto histórico retratado.

2.2 - Os vestibulares no Estado de São Paulo

De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil (SEMESP, 2015), o estado de São

Paulo concentrava, em 2013, 26,8% de todas as matrículas no ensino superior brasileiro,

distribuídas em 589 IES (instituições de ensino superior) que oferecem cursos presenciais. Do total

de 1,6 milhão de matrículas paulistas, somente 261 mil eram referente a instituições públicas. No

37

estado de São Paulo as principais IES públicas são a USP (Universidade de São Paulo), a Unicamp

(Universidade Estadual de Campinas), a Unesp (Universidade Estadual Paulista), a Unifesp

(Universidade Federal de São Paulo) e a Ufscar (Universidade Federal de São Carlos). Há ainda

grandes IES privadas bastante tradicionais, como a PUC (Pontifícia Universidade Católica), a

Universidade Mackenzie e a FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Sobretudo por razões geográficas e também por haver a maior oferta de IES do país , a

maioria dos vestibulandos do estado de São Paulo costuma prestar exames de seleção das

universidades paulistas, tendência que é seguida pelos estudantes da região de Campinas. Ano após

ano pergunto aos meus alunos quais vestibulares eles farão. Com as mãos erguidas, eles revelam

que quase a totalidade dos meus estudantes busca ingressar na Unicamp e na USP. Os exames das

outras universidades contam com a inscrição de grupos reduzidos. Para além de minha sala de aula,

os números apontam que esses se tratam dos vestibulares mais almejados pelos jovens: no

vestibular 2016 a Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular da USP) contou com 142,6 mil

inscritos7, enquanto a Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp) teve o

recorde de 77.760 inscrições8. Além disso, nos últimos anos, com o crescimento da importância do

ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a realização dessa prova tem hoje enorme assiduidade

dos jovens de classe média em todo o país, e também na região de Campinas.

Diante da diversidade de demandas dos vestibulandos e das diferentes provas realizadas por

eles, é possível notar que a maioria deles presta estes três exames: o vestibular da Fuvest, da

Unicamp e o Enem.

Para compreender o formato e as origens dos vestibulares no estado de São Paulo, convém

retornar aos anos 1960, quando o ingresso a universidade e escolas superiores ocorria a partir de

exames feitos por entidades autônomas fundadas por professores universitários. Em 1964, Walter

Leser criou o CESCEM (Centro de Seleção de Candidatos às Escolas Médicas), destinado aos

ingressantes das áreas biomédicas. O CESCEM foi pioneiro na introdução de testes de múltipla

escolha, algo que influenciaria marcadamente os vestibulares até os dias atuais. Seguindo essa

tendência, o CESCEA (Centro de Seleção de Candidatos às Escolas de Administração) surgiu em

7 https://vestibular.uol.com.br/noticias/redacao/2015/09/23/fuvest-2016-registra-1426-mil-inscritos.htm Acesso em 23/12/2016 8 http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2015/09/17/vestibular-tem-77760-inscritos Acesso em: 23/12/2016

38

1967, visando os candidatos da área de humanidades. Já em 1969 surgiu a MAPOFEI, cujo nome

se referia às principais instituições de engenharia do Estado (Engenharia Mauá, Escola Politécnica

da USP e Faculdade de Engenharia Industrial), destinada aos candidatos da área de exatas

(MOTOYAMA, NAGAMINI, 2006).

Como visto, a Reforma Universitária de 1968 trouxe como uma das principais mudanças o

caráter classificatório dos exames. Porém, é relevante destacar também o aspecto unificado do

vestibular. Se até os anos 1970 os exames eram feitos por instituições autônomas que selecionavam

candidatos das diferentes áreas, a Reforma Universitária influenciou, juntamente com a

preocupação das próprias universidades de administrarem seus processos seletivos, na criação da

Fuvest. A Fundação Universitária para o Vestibular surgiu em 1976 com o intuito de organizar o

concurso vestibular da Universidade de São Paulo, unificando as provas das diferentes áreas. Como

mostram Motoyama e Nagamini (1976), a partir de uma reunião entre o vice-governador do estado

e os reitores das universidades, houve a intenção de realizar também as provas da Unesp e da

Unicamp (p. 81). Dessa forma, o então reitor e fundador da Unicamp, Zeferino Vaz, por meio da

Portaria GR nº 106/76, regulamentou a inclusão da universidade no convênio com a Fuvest, como

al

de Campinas, para 1977, ficará mediante convênio, a cargo da Fundação Universitária para o

Vestibular -

Sendo até hoje o mais tradicional dos vestibulares do país, a Fuvest foi responsável por

organizar a seleção dos candidatos da Unicamp até 1986, quando o então reitor José Aristodemo

Pinotti decidiu deixar a Fundação e criou a Comissão Permanente para os Vestibulares

(COMVEST), como oposição à determinação governamental de unificação e racionalização dos

vestibulares (MOTOYAMA, NAGAMINI, Op. Cit., p. 103). A Fuvest seguiu organizando o

vestibular da USP e sendo o grande modelo de exame no país: uma primeira fase com questões de

múltipla escolha, que selecionava os candidatos para uma segunda fase discursiva e uma prova de

redação. Sem grandes alterações ao longo dos anos, hoje a prova da Fuvest conta com 90 questões

objetivas de todas as disciplinas estudadas no Ensino Médio brasileiro (Matemática, Física,

Química, Biologia, Português, Inglês, História, Geografia, Sociologia e Filosofia), sendo realizada

em um único dia, com duração de 5 horas. A segunda fase tem três provas dissertativas, distribuídas

em três dias consecutivos: no primeiro, todos os candidatos fazem a prova de Língua Portuguesa e

39

têm de produzir uma redação, nos moldes da tradicional dissertação argumentativa escolar. O

segundo dia conta com 16 questões discursivas sobre as disciplinas do núcleo comum obrigatório

do Ensino Médio. A terceira prova é formada por 12 questões discursivas de disciplinas

relacionadas ao curso pretendido pelo vestibulando9.

O vestibular da Unicamp sofreu mais alterações ao longo do tempo e é interessante realçar

como houve, no momento de separação junto à Fuvest, uma intenção de renovação nas formas de

realizar a seleção dos candidatos

de múltipla escolha eram questionadas. Assim, em 1985, foi criada uma comissão especial para

estudar e propor

(...) alternativas aos Exames Vestibulares, (...) considerando que:

1. A atual situação do ensino universitário no Brasil torna necessária a existência de mecanismos de seleção que determinam aqueles que a ele terão acesso;

2. Os atuais mecanismos, os chamados exames vestibulares, padecem de graves inconvenientes, que vão desde a discriminação dos menos favorecidos economicamente até uma série de influências indesejáveis sobre os processos de aprendizagem-ensino de 1º e 2º graus (PINOTTI, 1985 apud KLEINKE, 2006)

Nesse sentido, o educador e filósofo Rubem Alves, - então assessor especial para assuntos

de ensino da Reitoria da Unicamp defendia que os concursos vestibulares tendiam a discriminar

negativamente as classes menos favorecidas, tornando o seu acesso ao ensino superior mais difícil.

A partir das discussões na Comissão, Alves observou que

1. Os exames vestibulares, longe de serem simples exames de entrada, são fatores que tem determinado, em grande medida, as linhas de desenvolvimento da nossa educação, nos 1ºs e 2ºs graus, cristalizando e institucionalizando uma série de deformações que vão desde o estreitamento do interesse dos jovens e o desperdício da inteligência até a injusta seleção preliminar que elimina as classes menos favorecidas.

9 Para mais informações sobre a evolução das provas da Fuvest, consulte os Manuais do Candidato disponibilizados no portal da fundação: www.fuvest.br/ Acesso em: 23/12/2016

40

2. Considerando-se que é inevitável que haja um processo de seleção daqueles que vão ingressar em nossas universidades, é necessário não nos esquecermos de que há muitas alternativas ainda não exploradas de se fazer isto, e que poderiam

(ALVES, 1985 apud KLEINKE, Op. Cit.).

Dessa forma, a preocupação com a criação de um modelo alternativo de vestibular se

materializou com a criação da COMVEST, e a instituição do primeiro vestibular independente da

Unicamp a partir da Portaria GR nº 250/1986. Ao determinar a natureza dissertativa da prova e a

realização da redação na primeira fase do exame, visando estimular o raciocínio e a organização

das ideias, a Unicamp criava um modelo considerado como divisor de águas, ao rejeitar a

Por mais de duas décadas se manteve esse formato diferenciado do vestibular da

Universidade Estadual de Campinas. Durante esses anos, o exame se constituía, na primeira fase,

de uma prova eliminatória, temática, com doze questões dissertativas de caráter geral, que

valorizavam a interpretação, além de uma redação. Na segunda fase, tratava-se de um exame

classificatório, com duas provas distintas sendo aplicadas em quatro dias. Em 2010, a COMVEST

alterou consideravelmente o formato da prova para o vestibular do ano seguinte. As doze questões

dissertativas foram substituídas por 48 questões de múltipla escolha, além da prova de redação. Os

conteúdos não mais estariam divididos por disciplinas, mas em eixos do conhecimento,

aproximando-se do ENEM. Na segunda fase, o exame passou a ser realizado em três dias, ao invés

de quatro. Em 2014, foi anunciada outra mudança significativa: a primeira fase passou a ter 90

questões de múltipla escolha, enquanto a prova de redação seria realizada apenas na segunda fase.

De acordo com o então coordenador executivo da COMVEST, Edmundo Capelas de Oliveira, as

mudanças foram feitas visando uma maior qualidade de correção nas redações por conta do

aumento no número de inscritos no vestibular.10

O caso do ENEM é bastante distinto dos vestibulares da Usp e da Unicamp. Criado em 1998

pelo INEP (instituto de estudos ligado ao Ministério da Educação), o Exame Nacional do Ensino

Médio era uma avaliação diagnóstica que visava atestar a qualidade do ensino médio do país.

10 Para a análise das alterações nos vestibulares da Unicamp, confira as provas e manuais disponibilizados no site da COMVEST: https://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/vest_ant.html Acesso em: 23/12/2016

41

Alguns autores apontam que desde o início pretendia-se que o ENEM fosse um instrumento

governamental para forçar um currículo de base nacional (SANTOS, 2011; MELO, 2012). A partir

da avaliação da qualidade pautada em habilidades e competências, intencionava-se corrigir e

orientar os currículos das escolas médias, criando novas demandas de conhecimento por meio da

avaliação nacional. Com o passar do tempo, sua função reguladora, no entanto, foi perdendo

sentido na medida a competição entre escolas, instituições e redes de ensino tomou lugar. O

treinamento específico para a realização da prova tirou o caráter inicial de diagnóstico de qualidade.

com mudanças que propunham uma substituição total ou parcial dos vestibulares:

A nova prova do Enem traria a possibilidade concreta do estabelecimento de uma relação positiva entre o ensino médio e o ensino superior, por meio de um debate focado nas diretrizes da prova. Nesse contexto, a proposta do Ministério da Educação é um chamamento. Um chamamento às IFES para que assumam necessário papel, como entidades autônomas, de protagonistas no processo de repensar o ensino médio, discutindo a relação entre conteúdos exigidos para ingresso na educação superior e habilidades que seriam fundamentais, tanto para o desempenho acadêmico futuro, quanto para a formação humana. Um exame nacional unifi cado, desenvolvido com base numa concepção de prova focada em habilidades e conteúdos mais relevantes, passaria a ser importante instrumento de política educacional, na medida em que sinalizaria concretamente para o ensino médio orientações curriculares expressas de modo claro, intencional e articulado para cada área de conhecimento. (MEC, Proposta, p.3 apud MELO, 2012, pp. 865-866)

A partir da promessa de adesão das IFES (instituições federais de ensino superior), o MEC

publica em 27 de maio de 2009 a Portaria Ministerial de n° 462 que estabelece criação do Novo

ENEM (BRASIL, 2009). A portaria afirmava manter a finalidade inicial de avaliação de

desempenho do aluno concluinte do ensino médio, mas acrescentava nos objetivos avaliar também

os alunos ingressantes nos cursos de graduação das IFES. Com isso o ENEM passou a ter

características bastante similares aos vestibulares tradicionais: um exame objetivo, cujo resultado

determina a seleção e o ingresso de estudantes nas universidades federais brasileiras.

42

A prova passou a ter um novo formato: se antes havia 63 questões e uma dissertação

realizadas em um único dia de prova, pautadas por habilidades e competências, o Novo Enem

definiu uma matriz de competência para cada área de conhecimento e se estruturou em dois dias

redação de gênero dissertativo-argumentativo11.

Assim se caracterizam, ao fim de 2016, época de produção desta pesquisa, os principais

vestibulares e provas do estado de São Paulo. Para esses formatos de exame de seleção se preparam

os candidatos nos dias atuais, e são justamente suas experiências e narrativas que interessam para

esta investigação.

2.3 A produção acadêmica sobre o vestibular: um retrato do discurso lógico-científico

Se para alguns os processos seletivos para o ingresso no ensino superior merecem destaque,

esse tema não tem recebido grande atenção nas produções acadêmicas recentes. Uma busca na

literatura relacionada ao assunto aponta para uma quantidade crescente de artigos, mas

pouquíssimas teses e dissertações e ainda menos livros e obras mais extensas. A maior parte das

pesquisas encontradas diz respeito a cotas e ações afirmativas, como os trabalhos de Aranha (2012),

Vasconcelos e Silva (2005), Neves e Lima (2007), Souza (2012) e Queiroz e Santos (2006); da

mesma forma, há estudos importantes sobre cursos pré-vestibulares comunitários (MITRULIS &

PENIN, 2006; WHITAKER & ONOFRE, 2006), além de obras de análise sociológica sobre o

papel do vestibular (PINHOS, 2001; BARROS, 2014).

Muitos dos estudos procuram levantar um histórico do exame vestibular, classificando-o

como um problema central na educação brasileira, como Castro (1981). Não faltam análises que

relacionem ainda a importância atribuída socialmente no Brasil ao ingresso à universidade,

encontrando aí as raízes para discutir os sérios problemas estruturais da educação básica brasileira.

Neste sentido, Serpa (1986) já aponta que esta noção de importância depreendida ao Ensino

11 Para uma análise completa das mudanças no formato do ENEM, confira as provas e manuais disponibilizados no

site do INEP: www.enem.inep.gov.br/ Acesso em: 23/12/2016

43

Superior é uma das causas de sua elitização e consequente descompromisso para com os demais

graus de ensino, assim como o fazem Bezzon (1997) e Lima (1989), em análises voltadas à

Unicamp. Em muitos estudos surge a noção de que há uma desvalorização do ensino básico no

Brasil, que deveria cumprir um papel de formação de cidadania mas que, ante à cultura da

valorização exacerbada do ensino superior, transforma-se em mero instrumento destinado à

capacitação para o exame vestibular (SPARTA & GOMES, 2006, NETTO, 1980).

Seguindo essa linha, o exame vestibular passa a ser visto em alguns trabalhos como um

modo de seletividade social (FRANCO, 1985; GRACELLI, 1983; RIBEIRO, 1988, PINHO, 2001;

FERREIRA, 1993; BRAGA, PEIXOTO E BOTOGUTCHI, 2001; WHITAKER, 1983; BARROS,

2014) uma vez que, por conta da grande demanda, as provas de admissão vão se tornando cada vez

mais complexas (LEÃO, 1980) e exigem um preparo do aluno que acaba não condizendo com o

nível de qualidade oferecido pelo ensino público. Como consequência, alunos oriundos de classes

econômicas mais abastadas conseguem acesso a uma educação mais ampla e focada no vestibular,

originando uma competição desleal ao acesso às universidades públicas, atribuindo à educação,

que deveria ter um caráter inclusivo, um tom de seletividade social (DAMASCENO, 1986).

Buscando oferecer um complemento a um ensino que deveria ser gratuito e universal (DIAS et al,

2008), surgem os cursinhos preparatórios, instituições privadas e pagas, o que ocasiona um

distanciamento ainda maior entre os estudantes oriundos de classes menos abastadas, afastados de

tais instituições, e o desejo universitário (WHITAKER, 2010). Em meados dos anos 1990, como

uma reação a este contexto, surgem os já citados cursinhos populares (CARVALHO, 2006), que

possuem uma intenção não apenas pedagógica, mas de profunda inserção social.

Ademais, como mostrou Oliveira (1981) em seu estudo da bibliografia referente a tal

temática, há muitos ângulos sob os quais se encarar a questão do vestibular. Entretanto, uma noção

parece permear a maioria das análises: a posição do vestibular como algo pedagogicamente nocivo.

Segundo o educador Rubem Alves (2000; 2013), a fixação no vestibular retira dos pais e dos alunos

a preocupação sobre as concepções de educação para dar lugar à necessidade de acúmulo de

conteúdo destinado à realização da prova, privando o estudante dos elementos de curiosidade

fundamentais para o aprendizado.

Para alguns autores, o vestibular se estabelece como um assunto a ser debatido e revisto,

partindo de suas próprias estruturas de seleção e avaliação (GRUGINSKI et al, 2003). Além disso,

44

alternativas à avaliação feita pelo vestibular merecem espaço, como opções que auxiliem alunos

egressos de escolas públicas, numa espécie de compensação à defasagem que o próprio ensino

proporcionou (MATOS et al, 2012) ou as avaliações seriadas, nas quais o aluno é avaliado ao longo

de todo o ensino médio (BORGES & CARNIELLI, 2005; SCHLICHTING, SOARES &

BIANCHETTI, 2004; SILVA & PADOIN, CESAR, 2013).

A escola, definindo suas pautas através dos vestibulares, é também motivo de estudos

(FELICETTI & MOROSINI, 2009) e propostas de melhorias na educação (ABRAMOVAY &

CASTRO, 2003; LÜCK et al, 1998).

Nessa busca, logo notei que em meio à literatura sobre os exames ainda menor é o número

de publicações que concentram as atenções nos vestibulandos. Sob essa perspectiva, o trabalho de

Ferreira (2003) investiga os estilos de vida e o capital cultural de proponentes a estudantes de

universidades públicas do Rio de Janeiro a partir dos questionários socioculturais dos vestibulares.

Lopes (2004) busca traçar um perfil dos candidatos aprovados, através também de questionários

para buscar conhecer quais características estão mais ligadas ao êxito na prova. Porém, é difícil

encontrar produções que deem voz aos vestibulandos, que investiguem suas experiências e

sensibilidades ao longo da preparação para os exames. Quanto a isso, encontram-se algumas

pesquisas apenas no campo das ciências médicas e da psicologia, como o trabalho de Rocha (2006),

que analisa sintomas depressivos em um colégio particular, além das pesquisas de Soares e Martins

(2010) e Rodrigues e Pelisoli (2008), que exploram a ansiedade em vestibulandos em colégios de

Ribeirão Preto e Porto Alegre, respectivamente. Estudos também apontam sinais de stress

consideráveis entre os alunos, especialmente entre as meninas (PERUZZO et al, 2008; CALAIS,

ANDRADE & LIPP, 2003). Foram observadas ainda outras patologias que afetam os estudantes,

como a presença de sonolência diurna, associada ao stress, (SOUZA et al, 2007) e o aumento de

afeto negativo às vésperas dos exames de admissão (PELUZZO et al, 2010). Por fim, destaca-se a

pesquisa de Guarnieri e Melo-Silva (2010), que investiga as perspectivas de estudantes em situação

de vestibular sobre as cotas.

No entanto, percebe-se que quase a totalidade da produção sobre os vestibulares parte de

perspectivas quantitativas, de viés sociológico amplo e pouca preocupação com as experiências e

subjetividades dos indivíduos envolvidos na questão. Mesmo os estudos que se voltam aos

estudantes se utilizam de questionários e baseiam-se em dados sociodemográficos, trabalhando

45

com centenas de indivíduos, como é o caso de estudo de Silva e Zanini (2011) que analisaram os

recursos de enfrentamento de problemas dos alunos submetidos a situações de pressão. Alguns

estudos contemplados se aproximavam um pouco melhor deste olhar desejadamente mais

humanitário ao, de alguma forma, permitir a expressão do aluno. Neste sentido, destaco o trabalho

ansiedade dos alunos, ainda realizaram entrevistas para entender mais profundamente os motivos

de temores e dúvidas dos vestibulandos. Entretanto, o destaque maior nesta área fica a Soares et al

(2007), que proporcionaram uma dinâmica interativa com os alunos na qual eles puderam se

expressar ante seus pares com cartazes e discursos sobre suas expectativas relacionadas ao

vestibular. Ainda assim, tais estudos sem dúvidas foram uma exceção em meio ao olhar

quantitativo que marca esse campo de pesquisa que parece começar a emergir.

Ora, considerando o caráter autobiográfico das motivações desta pesquisa, seria possível

produzir algo que me satisfizesse enquanto pesquisador se o olhar se concentrasse em análises tão

genéricas e abrangentes? Se foi justamente meu próprio sofrimento e minhas percepções singulares

quanto às incoerências do sistema de ingresso no ensino superior que deram início a essa reflexão,

receio que não.

Diante desse panorama, reafirmou-se o interesse ainda mais forte em direcionar o foco desta

pesquisa às singularidades dos estudantes, garantindo protagonismo aos vestibulandos. A partir da

revisão da bibliografia pude ter certeza do desejo de delimitação do recorte, expressando a intenção

de me aproximar mais profundamente das sensibilidades e percepções individuais. Assim, já

delineado o objeto de estudo na forma das narrativas e experiências de vestibulandos a respeito das

provas e do momento de preparação para os exames de seleção, com foco nos principais exames

realizados por jovens da região de Campinas, restava ainda um dilema: se para mim, o olhar

quantitativo não supria os anseios, de que forma seria possível aproximar-me das individualidades,

alcançar as singularidades e subjetividades dos estudantes?

Foi somente a partir do contato com os referenciais teórico-metodológicos do GEPEC e da

professora Maria Carolina Bovério Galzerani que foi possível enfrentar essas inquietações e clarear

a obscuridade diante da qual estava.

46

3 - Quando os referenciais teórico-metodológicos se unem aos referenciais de vida

Minha ingenuidade na entrevista

Era final de 2013 e eu estava incrédulo por ter sido chamado para a entrevista do mestrado na Faculdade de Educação. Sem ter feito iniciação científica ou monografia, tinha certeza de que não seria aprovado nas primeiras fases do processo seletivo, mas fui. Não fazia ideia de como seria a entrevista. Entrei na sala e vi três rostos então desconhecidos. Mal sabia eu que aqueles três Adriana Koyama, Guilherme Prado e Ana Aragão estariam bastante presentes em meu cotidiano no ano seguinte. Durante a entrevista, foram gentis comigo e tudo saiu bem na conversa sobre meu projeto... até que uma pergunta bastante básica e previsível me pegou de surpresa por conta de minha inexperiência e ingenuidade:

teórico-

Mateus

A discussão sobre referenciais teórico-metodológicos se mostra relevante nesta pesquisa

não apenas por embasar as metodologias, mas também a constituição do recorte. Confesso que de

início tive dificuldade em definir pensadores e perspectivas conceituais sobre as quais deveria me

embasar. Tinha um forte preconceito contra a ideia de me apoiar incondicionalmente sobre as ideias

de um autor, tomando suas produções como escrituras sagradas que sempre conteriam as respostas

para quaisquer caminhos que eu fosse seguir. Dessa forma, tendo cursado História, a grande

maioria dos autores com quem tive contato na graduação refletia especificamente sobre o

conhecimento histórico ou questões metodológicas da historiografia. Logo, não acreditava que

possíveis usos e apropriações desses pensadores poderiam ser pertinentes para temas da educação.

Afinal, nenhum deles dissertou sobre o vestibular no Brasil.

Logo nas primeiras semanas de mestrado, relatei aos colegas do GEPEC essas ideias e por

que tinha tanta resistência em definir claramente meus referenciais. A resposta veio em forma de

conselhos que nunca esquecerei: Estabelecer relações entre autores e temáticas que não foram

especificamente estudadas por eles é produzir conhecimento. É assim que avançamos, criamos e

deixamos nossas marcas na academia . A ideia é simples, de fato, mas essas recomendações

surtiram grande efeito e a partir disso abri meus horizontes e passei a aceitar que pode haver grandes

contribuições com diálogos entre pensadores de diferentes áreas.

47

Além disso, após a redefinição do objeto de pesquisa, como dito, estava diante de grande

dilema: de que forma seria possível analisar as experiências de estudantes na preparação para o

vestibular? Se a produção bibliográfica se utilizava, principalmente, de formulários, questionários

e dados sociodemográficos, como alcançar as singularidades e, mais do que isso, fazer desses

discursos particulares relevantes para uma produção acadêmica? Afinal, uma pesquisa de pós-

graduação deve sempre ter como anseios a socialização (CUNHA, PRADO, 2007a), devendo,

portanto, ir além dos horizontes do próprio pesquisador. Assim, como prosseguir diante desse

dilema entre individual e o coletivo?

A saída para esse questionamento se deu a partir do aprofundamento nos referenciais

teórico-metodológicos que compõem esta pesquisa. Eles se constituíram ao longo de minha

trajetória acadêmica, destacando-se as produções de historiografia, com as quais tive contato no

início da graduação; as obras de referência da professora Maria Carolina Bovério Galzerani e da

linha de pesquisa , a mim apresentadas com o

ingresso no mestrado; e a perspectiva narrativa do GEPEC, também explorada já na pós-graduação.

Convido, então, o leitor a mergulhar em mais uma trajetória de vida, dessa vez orientada pelas

produções acadêmicas que abriram caminhos, ofereceram direcionamentos às incertezas e

materializaram os referenciais que orientam esta pesquisa sobre as experiências dos estudantes na

preparação para o vestibular.

3.1 - A historiografia e as subjetividades nas ciências humanas

Estudar as experiências, o que pensam e sentem os jovens vestibulandos durante a

preparação para os atuais exames se aproxima mais do campo da educação do que da historiografia.

No entanto, considerando minha formação de historiador, e a abordagem da investigação, que

considera os sujeitos da pesquisa em sua inserção no tempo, no espaço e nas relações sociais, com

a intenção de produzir conhecimento histórico educacional, é pertinente narrar como foi meu

contato com algumas produções historiográficas. Afinal, certamente tais obras foram

extremamente relevantes na constituição de uma forma de pensar e de conceber o conhecimento

como historiador. Assim, convém retornar aos episódios do início de 2008, época do ingresso na

graduação em história.

48

Naquele primeiro semestre de graduação houve o contato com produções que introduziram

os primeiros questionamentos à ideia de verdade histórica em mim cristalizada graças a um ensino

pautado por alternativas certas e erradas. Num primeiro momento, a leitura de Que é a História?

(2002), de Edward Hallet Carr, introduziu meus pensamentos aos meandros da subjetividade das

ciências humanas. Nessa obra, o autor discute a história como um processo de seleção e

interpretação de fatos, em oposição à concepção empírica e cientificista de história predominante

no século XIX. Definindo a história como um processo contínuo de interação entre o historiador e

seus fatos, um diálogo interminável entre o presente e o passado (p. 44), Carr mostra que não se

pode produzir verdades absolutas na produção historiográfica. A partir dessa obra, tomei

conhecimento do fetichismo pelos documentos proposto pelo historicismo de Ranke, que

pressupunha uma completa separação entre sujeito e objeto. Por outro lado, para Carr, o historiador

é um selecionador, e o processo de reconstituição da história não pode consistir de uma mera

narração de fatos, mas sim de seleção e interpretação. Por isso, afirma

(p. 59). Assim, o sentido do processo histórico é suscetível de uma série de

interpretações diferentes.

A mesma temática é discutida por Marc Bloch (2001) no clássico Apologia da História ou

o Ofício de Historiador. Nessa obra, ele aponta para o fato de que o historiador é, na maioria das

vezes, um testemunho indireto dos fatos, pois dificilmente os presenciou. Quando se escreve sobre

os fatos e há intenção da posteridade, é também um testemunho voluntário, deixando documentada

apenas a sua visão particular, e não uma verdade absoluta. Por isso é preciso saber interrogar os

documentos e analisar visões de diferentes testemunhos. Assim, Bloch expressa sua visão de

passado como um dado que nada mais modificará, enquanto o conhecimento do passado é uma

coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa (p. 75).

Bloch e suas produções historiográficas se inserem na oposição ao positivismo na história.

A partir das discussões e textos lidos nos primeiros meses de graduação, aprofundei meus

conhecimentos acerca da predominância do historicismo, que pressupunha uma completa

separação entre sujeito e objeto. Era curioso notar que todos os professores destacavam a

importância da Escola dos Annales, movimento historiográfico constituído no início do século XX

que trouxe novas abordagens metodológicas, aproximações com as Ciências Sociais e a Geografia.

Os Annales se contrapunham ao historicismo vigente no campo da pesquisa histórica, de forma a

49

estabelecer uma ruptura na forma de pensar as produções acadêmicas. Ainda mais curioso era notar

que, enquanto estudante da educação básica, eu nunca havia tido nenhum contato com nenhuma

dessas escolas historiográficas.

Ainda no primeiro ano de graduação deparei-me também com a obra de Edward Palmer

Thompson. O historiador marxista estudou a fundo a classe operária inglesa, bem como diversos

elementos da cultura popular nos séculos XVIII e XIX. Lembro-me de notar rapidamente que se

tratava de um autor extremamente respeitado e mencionado por quase todos os professores do

departamento de História da Unicamp, considerado por muitos como o historiador mais influente

do século XX. Por que nunca havia escutado seu nome na escola?

Até hoje não sei responder ao certo essa pergunta. De todo modo, o fato é que a leitura de

alguns de seus textos no início da graduação foi algo que me provocou intensas reflexões e

inclusive certa tranquilidade e estabilidade epistemológica. Naquele momento, eu e muitos colegas

passávamos por um período de questionamentos radicais das verdades históricas. Tínhamos há

pouco sido apresentados às subjetividades nas humanidades, algo novo, excitante, ao mesmo tempo

que assustador. Será então que não existem verdades? Todo o conhecimento

é apenas mais uma versão, uma interpretação subjetiva?

Em meio a essa ingênua controvérsia, os escritos de Thompson foram esclarecedores e

A miséria da teoria (1981), o pensador britânico traz a ideia de verdade sendo

composta por elementos subjetivos e objetivos:

provisório (mas não por isso inverídico), seletivo (mas não por isso inverídico) . Mais

adiante, afirma que s preocupações de cada geração, sexo ou classe devem inevitavelmente ter

um conteúdo normativo, que encontrará expressão nas perguntas feitas às evidências. Mas isto não

põe em questão, de modo algum, a determinação objetiva da evidência -se,

assim, a subjetividade radical pós-moderna, que desconstrói toda e qualquer veracidade histórica.

Além de garantir maior tranquilidade para um dilema típico dos debutantes nos estudos das

humanidades, essa forma de conceber o conhecimento tem ainda grande relevância na composição

dos referenciais desta pesquisa.

50

3.2 - Os referenciais caros professora Maria Carolina Bov rio Galzerani

Já matriculado no mestrado na Faculdade de Educação da Unicamp, tive maior contato com

os referenciais caros à professora Maria Carolina Bovério Galzerani. Coincidentemente, um dos

autores com quem ela costumava estabelecer produtivos diálogos era justamente Edward Palmer

Thompson.

Assim, mais maduro, pude me aprofundar nas produções desse autor e compreender a

importância de sua concepção de produção do conhecimento, que inspira até hoje os referenciais

desta pesquisa. Para o historiador britânico, a produção do conhecimento se dá a partir do método

lógico de investigação histórica, que consiste num diálogo constante entre o conceito e a evidência,

entre o sujeito e o objeto (idem, p. 49). Ainda que não se trate, aqui, de realizar uma pesquisa

historiográfica, minha formação pessoal, isto é, minhas experiências enquanto sujeito na área da

História direcionam meu olhar para a investigação histórica das evidências, partindo da seleção e

da interrogação, criteriosa, porém sensível, do objeto.

Para esta análise, apoio-me também sobre as contribuições do estudioso da cultura Peter

Gay, autor com quem tive maior contato após o ingresso na pós-graduação. O historiador alemão,

também grande referencial da professora Maria Carolina, dialoga com o conceito de educação

política dos sentidos. Em seu mais notável trabalho A experiência burguesa: da Rainha Vitória

a Freud (1988) Gay parte de uma visão de mundo ampliada que muito interessa a esta pesquisa

como referencial metodológico. Ao abordar a sexualidade e a cultura burguesa do século XIX, o

autor vai além de categorias estáticas e estereótipos da era vitoriana, inspira-se na psicanálise e,

visando abranger todas as dimensões da experiência histórica, realiza um salto analítico que

permite passar do conteúdo manifesto das evidências ao seu significado latente. Para ele, junto da

pesquisa documental e a montagem de estruturas causais, pode haver interpretação de sonhos e a

busca por fantasias inconscientes, de forma a estabelecer um diálogo ininterrupto entre o mundo e

a mente do indivíduo (p. 16). Assim, Gay se refere a visões de mundo e mentalidades burguesas

como sendo formadas em meio ao entrechoque de diversas instâncias socioculturais. Como aponta

Hadler (2005),

Em Peter Gay, o processo de formação de uma visão de mundo é constante, sempre inacabado, sempre em constituição; é um processo, de fato, de formação,

51

de educação, uma educação que não se circunscreve apenas aos domínios da racionalidade intelectual técnica, da consciência objetiva, mas que atinge e perpassa os campos mal definidos de sensibilidade, tanto no que ela tem de mais visível quanto de mais escondido e secreto. A noção de educação dos sentidos, presente na obra de Peter Gay, lida com uma noção ampla de sujeito histórico, um sujeito dotado simultaneamente de racionalidade e de sensibilidade. Abre espaço para que se atente aos indícios de emoções, impressões, expectativas, desejos, frustrações presentes nas situações... (p. 20)

Dessa maneira, o olhar sobre as narrativas dos estudantes carrega a dimensão ampla de

sujeito histórico que não se restringe às racionalidades, mas que busca, sobretudo, suas

sensibilidades. Foi a partir dessa ótica que busquei olhar para as experiências dos estudantes.

Ademais, as produções desse autor iluminaram uma das grandes e mais constantes tensões

presentes nesta pesquisa: é legítimo e pertinente estabelecer contato com apenas alguns estudantes

e não com uma centena? Fundamentando as reflexões na obra desse historiador alemão, a resposta

para essa questão seria certamente afirmativa. Afinal, para Gay, orientado por suas aproximações

com a psicanálise, todo indivíduo é um indivíduo social:

É por isso que os meandros da psicanálise, suas teorias e técnicas, podem construir justamente aquela ponte entre a experiência individual e a coletiva. (...) Outras experiências, por mais pessoais e íntimas que sejam, tampouco deixam de ser culturais por sua natureza e por suas implicações (GAY, 1988, p. 22)

Merece destaque também a importância do filósofo Walter Benjamin, notável por suas

contribuições quanto ao questionamento das verdades absolutas e a possibilidade de vislumbrar a

narrativa como transmissão de experiências entre gerações, fundada na circulação coletiva de

tradições e sensibilidades. Meus primeiros contatos com o pensador alemão foram a partir do

ingresso no mestrado, seguindo contribuições da professora Maria Carolina bastante proveitosas

aos meus interesses acadêmicos. Benjamin se insere também na tradição de crítica ao pensamento

histórico do século XIX. No entanto, vai além das análises de metodologias historiográficas,

constituindo seu olhar para o processo de consolidação da modernidade capitalista. Assim, merece

destaque a importância desse autor em três principais âmbitos teóricos e metodológicos desta

pesquisa.

52

Em primeiro lugar, muito me inspira o pensamento benjaminiano em sua crítica à

historiografia calcada na ideia de progresso e ao historicismo. Ainda que esta não seja, estritamente,

uma pesquisa, de historiografia, a forma de relação entre o sujeito, pesquisador, e o objeto a ser

estudado é vista aqui também a partir das contribuições do pensador alemão. Nas famosas teses

Sobre o conceito da História (1994a), o filósofo direciona seus questionamentos à tradição de

Ranke e à ideia de progresso na humanidade como representante de uma marcha no interior de um

tempo vazio e homogêneo (p. 229). As pesadas críticas ao historicismo se instituem por sua

caracterização enquanto busca por uma história universal de procedimento aditivo e sem armação

teórica. Em seu lugar, defende-se o materialismo histórico:

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo "como ele de fato foi". Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso (BENJAMIN, 1994a, p. 224)

O combate do autor à concepção de verdades absolutas se manifestou ainda mais

claramente no ensaio Teoria do conhecimento, Teoria do progresso (2007), publicado nas

Passagens. Nesse texto de grande profundidade metodológica, o filósofo alemão adensa suas

reflexões sobre o materialismo dialético, visando superar o conceito de progresso e contestar a

realidade pretendida pela historiografia burguesa do século XIX:

narcótico mais poderoso do século. (...) se lê num dos epigramas de Keller. Assim é formulado o conceito de verdade com o qual pretende-se romper nestas exposições. (p. 505)

Logo, contar uma história, histórias ou a História, para Benjamin, constitui um processo

aberto de narratividade, que certamente ilumina o olhar metodológico desta pesquisa. Como aponta

Jeanne Marie Gagnebin, no prefácio do primeiro volume das Obras Escolhidas (1994a, Op. Cit.),

a abertura é uma dimensão fundamental na obra do pensador alemão. Na narrativa benjaminiana a

abertura tem sua profusão de sentidos apoiada em seu não-acabamento: trata-se de um movimento

53

infinito no qual cada história é o ensejo de uma nova história, que desencadeia uma próxima (pp.

13-14).

Em segundo lugar, é pertinente lembrar que, ao construir sua oposição à ideia de progresso

e verdade, Benjamin direciona seu discurso não apenas ao processo de escrita da História, enquanto

discurso historiográfico, mas sobretudo à História enquanto experiência do homem no tempo, como

devir histórico. Destarte, faz-se essencial pensar no contexto de produção dos textos benjaminianos

para compreender sua posição. Escrevendo principalmente dos anos 1920 a 1940, Benjamin viveu

a ascensão do nazi-fascismo na Europa, precedido por um período de glorificação da modernidade.

Assim, sustenta sua crítica sobre questões discutidas em dois ensaios que parecem dialogar

claramente: Experiência e pobreza, de 1933, e O narrador, de 1936, ambos publicados nas Obras

Escolhidas (idem). Nesses textos, Benjamin discute o retraimento da transmissão de experiências,

tornando os indivíduos mais pobres e desvinculados de sua tradição e patrimônio cultural. O autor

aponta para o enfraquecimento, no mundo capitalista moderno, da experiência enquanto relato

transmissível comum ao narrador e ao ouvinte ( ), em favor da experiência vivida

), característica do indivíduo solitário. A arte de contar se torna, assim, cada vez mais

rara, pois parte da transmissão de uma experiência no sentido pleno, cujas condições de realização

já não existem na sociedade capitalista moderna. Nesse contexto de depauperamento do caráter de

comunidade, a figura do narrador está em vias de extinção graças à consolidação da burguesia

capitalista, que valoriza cada vez mais as formas de comunicação marcadas pelo saber de

verificação imediata.

Do reconhecimento da importância dessa tradição que vem se perdendo partiu o desejo de

realizar entrevistas orais escolha que será discutida com mais profundidade adiante. Mais que

buscar fatos puros, constituintes de verdades totais, busco as narrativas dos sujeitos, apresentadas

de forma artesanal, marcadas pela espontaneidade da oralidade.

Finalmente, um dos elementos que se destaca na produção intelectual de Walter Benjamin

é sua apropriação do conceito de mônadas. O pensador alemão proporcionou importantes reflexões

sobre as experiências singulares: a partir da tensão entre o particular e o universal se insere o

-se De

acordo com Benjamin:

54

A ideia é mônada isto significa, em suma, que cada ideia contém a imagem do mundo. A representação da ideia impõe como tarefa, portanto, nada menos que a descrição dessa imagem abreviada do mundo. (BENJAMIN, 1984, p. 70)

Recordo-me que nas primeiras vezes que estive diante do conceito de mônada seu

significado não me foi completamente claro. Da mesma forma, suas apropriações metodológicas

em pesquisas acadêmicas me causaram estranhamento. Assim, foi esclarecedor ter contato com as

produções da professora Carol. Sinto que essa foi uma das formas de ser orientado por ela ao longo

desse processo. Para ela, as mônadas podem ser entendidas como miniaturas de significados,

centelhas de sentidos que podem ter a força de um relâmpago (GALZERANI, 2002, p. 62). Fui

percebendo que essa discussão muito se aproximava de minhas reflexões quanto às experiências

particulares e a ânsia por uma pesquisa representativa da realidade, do todo. Se inicialmente olhava

para as singularidades enquanto limitadas e restritivas, ser apresentado a Walter Benjamin

possibilitou a ampliação das potencialidades dos relatos de indivíduos.

E assim, a partir do constante diálogo entre os colegas do GEPEC, especialmente Adriana

Koyama e Marcia Bichara, e a produção da professora Carol, aprofundei-me nos textos de

Benjamin. Retornei às Teses e lá encontrei novamente as mônadas, mais uma vez no embate contra

o pensamento totalizante. Em oposição ao historicismo, que culmina na história universal, o

filósofo alemão defende que o materialista só se aproxima de um objeto histórico quando o

confronta enquanto mônada, extraindo-a do curso homogêneo da história (1994a, Op. Cit., p. 231).

Destaca-se, daí, o valor das singularidades na História enquanto experiência humana no tempo.

Num outro momento, debrucei-me novamente sobre a profundidade de Teoria do

conhecimento, Teoria do progresso (2007). Mais maduro, comecei a compreender a metodologia

tilização dos farrapos (Op. Cit., p.

502). Os velhos pedaços de pano, rasgados, largados enquanto metáfora das experiências

particulares deixadas à margem têm, assim, a possibilidade de utilização para além da simples

inventariação, mas como montagem reveladora.

Restava ainda uma dificuldade de compreender de que forma concreta as mônadas

poderiam estabelecer a relações entre uma experiência singular, vivida por um indivíduo, e esferas

55

sociais mais amplas, contextos mais abrangentes. Nesse momento, tive contato com o texto

Infância em Berlim por volta de 1900 (BENJAMIN, 1994b), obra que esclareceu questionamentos

dessa natureza. Nesse ensaio, Benjamin produz mônadas na forma de pequenas narrativas

relacionadas a episódios vividos em sua infância. Nelas, percebe-se um entrecruzamento de

imagens do passado e presente, com o relato da figura da criança inserida num contexto marcado

em seu espaço e tempo. Dentre as mônadas de Infância em Berlim, destaco aquela que foi, para

entre outras, Benjamin fala de

sua infância e sua percepção burguesa de sociedade. Segundo ele, para as crianças ricas de sua

idade, vivendo encarcerados num bairro de proprietários, os pobres só existiam na forma de

mendigos. Assim, foi grande avanço, para o pequeno Benjamin, entender a origem da pobreza na

degradação do trabalho mal remunerado (Idem, p. 125).

O que se pode apreender a partir desse relato? Certamente, a experiência singular de

Benjamin não pode ser generalizada, tida como universal e representativa do todo burguês da

modernidade capitalista. Por outro lado, a memória da criança pode revelar, sem dúvidas,

significativos aspectos da cultura burguesa de sua época, visões de mundo e relações sociais. Nas

mônadas de Infância em Berlim, nas palavras da professora Carol, Benjamin

Tece relações entre diferentes dimensões espaço-temporais e culturais, para oferecer historicamente um quadro social mais amplo, sem abrir mão da sua própria singularidade. Traz à tona o perfil cultural de uma classe burguesa em relação com outras personagens de outras classes sociais. Produz, pois, uma transformação radical da visão clássica de auto-biografia, pois focaliza não apenas lembranças pessoais, mas a vibração de uma memória pessoal e coletiva.

criança que foi articulada a outros personagens. (GALZERANI, 2002, p. 58)

Decerto, o contato com tais contribuições de Benjamin, diretamente na fonte primária, foi

relevante para a compreensão de suas ideias enquanto reflexão filosófica, mas faltava ainda

aproximá-la das vozes de minha pesquisa. Como recortar minúsculos elementos, selecioná-los com

precisão, arrancá-los da continuidade histórica? De que forma seria possível me apropriar da

imagem das mônadas para uma pesquisa em educação?

56

Algumas respostas para essas indagações vieram após a realização, no primeiro ano de

ra

Maria Inês Petrucci Rosa. Dentre os temas discutidos, realizamos a leitura de obras de Benjamin,

textos da própria professora sobre a constituição das mônadas (ROSA, 2011), além de produções

de pesquisadores que se apropriaram desse conceito como as mônadas sobre sexualidade em

Miriam Pacheco da Silva (2007) ou as memórias de odores do cotidiano escolar (ROSA &

RAMOS, 2008). Alguns meses depois, houve o contato com pesquisas de colegas do GEPEC e da

linha de pesquisa , orientandas da professora

Maria Carolina, como a dissertação de Nara Rúbia Carvalho Cunha (2011), e a tese de Cyntia

Simioni França (2015). Com isso, tornou-se mais claro de que formas as peculiaridades de

narrativas e memórias podem se articular a contextos mais amplos também na materialidade da

pesquisa acadêmica.

O conceito de mônada, dessa forma, certamente incorpora-se a esta pesquisa não por seu

caráter fragmentário, mas por suas potencialidades de representação social a partir das

particularidades.

3.3 - O GEPEC e a pesquisa narrativa

É também essencial destacar o quão esclarecedor foi conhecer a perspectiva da pesquisa

narrativa. Se essa empreitada se estruturou sobre o questionamento de como me aproximar das

singularidades dos estudantes acerca do vestibular, a abordagem com a qual tive contato no GEPEC

iluminou muitas dúvidas metodológicas. Essas reflexões foram impulsionadas, em muitos

momentos, pelas discussões semanais no Seminário de pesquisa do grupo, mas sobretudo pelas

produções de colegas gepequianos.

Um primeiro passo nesse sentido foi perceber a hegemonia de uma forma de pesquisa

existente nas universidades. Nota-se que o mundo acadêmico vive ainda o predomínio do discurso

lógico-científico, que exclui o pesquisador como indivíduo. Sobre esse aspecto, a notável obra de

Boaventura de Sousa Santos Um discurso sobre as ciências (1987) analisa criticamente o

paradigma científico e seus resquícios na academia. Para ele, a epistemologia burguesa baseada no

progresso da ciência consolidou a ideia de que conhecer significa quantificar e classificar (p. 15).

57

Tal determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende

utilitário e funcional, que apresenta ainda certa hegemonia em sociedades capitalistas pautadas pelo

lucro e pela produtividade. Entretanto, a crise desse paradigma moderno, em atual processo, pode

dar espaço para o surgimento de um paradigma emergente, fundado no questionamento das

convicções burguesas de progresso. Boaventura de Sousa Santos aponta que a crise do paradigma

da modernidade não é um pântano cinzento do ceticismo e irracionalidade, mas caracteriza-se na

instabilidade de conceitos e numa racionalidade mais plural (idem, p. 35). Se no paradigma

moderno o conhecimento deve ser objetivo, factual e sem interferência de valores humanos isto

é, separando sujeito e objeto no paradigma emergente o caráter autobiográfico e autoreferenciável

da ciência é plenamente assumido (p. 53).

Referência no debate sobre as formas de pensar, Bruner (2002), identifica a existência de

dois modos de funcionamento cognitivo. O primeiro, o paradigma lógico-científico, trata de causas

genéricas, faz uso de procedimentos para assegurar a referência comprovável e testar a veracidade

empírica. Por outro lado, o modo narrativo de pensamento trata de ações intenções humanas,

baseado em métodos de verificação sobre o saber popular, história particulares e relatos narrativos.

Não se trata somente de metodologias, mas de formas distintas e complementares de construir a

realidade (pp. 13-15).

No entanto, é justamente o discurso lógico-científico que se faz hegemônico no pensamento

acadêmico brasileiro da atualidade. No mesmo sentido, é o que se nota ao observar as produções

relativas ao vestibular. O olhar acadêmico sobre os estudantes visa quantificar, classificar, olhar

para as centenas visando a generalização, a busca pelo todo. Na oposição a esse paradigma se insere

a escolha pela abordagem narrativa, como forma de subverter as formas de registro e os modos de

se relacionar com o objeto. Não se trata de negar o discurso lógico científico, mas conciliar as

abordagens e explorar a potência da narrativa, de modo a permitir uma perspectiva autoral e que

possa amplificar a voz dos sujeitos envolvidos.

Confesso que, após passar vários meses apenas escutando a respeito dessa perspectiva

metodológica, somente compreendi do que se tratava ao ler o texto Pesquisa narrativa em três

dimensões (2014), de autoria das colegas Rosaura Soligo e Vanessa Simas, orientadas pelo

professor Guilherme Prado. Nesse artigo, elas apresentam como é concebida a pesquisa narrativa

no GEPEC:

58

um tipo de pesquisa qualitativa aberta, humanista, holística, interpretativa, contextualizada culturalmente, focada na reflexão metacognitiva dos sujeitos sobre suas experiências singulares, comprometida com a produção de conhecimento novo e com a coerência epistemológica, registrada na forma de uma narrativa pedagógica escrita por um pesquisador que é, ao mesmo tempo, pesquisador, autor, escritor e sujeito/personagem (2014, p. 416)

Merece destaque o caráter aberto e qualitativo dessa abordagem, bem como o papel do

pesquisador sujeito/personagem. Ademais, o discurso da pesquisa narrativa, de acordo com os

autores, passa por três dimensões: as fontes de dados, o registro do percurso e o modo de produção

do conhecimento. Ao invés de haver a produção de um relatório apenas ao final do processo, o

registro ocorre no percurso, no durante. Assim, há, neste texto, a consciente intenção de escrever e

produzir conhecimento de forma narrativa em suas três dimensões. Recordo-me de escutar por

diversas vezes o professor Guilherme Prado, nas reuniões do seminário, dizendo-me que faltava

ainda me colocar na pesquisa. Considerar-me, pesquisador e autor, sujeito e personagem, aquele

que coloca a própria narrativa junto das experiências do objeto da pesquisa. Em suas produções, o

professor Guilherme destaca a importância, na pesquisa qualitativa, de que o sujeito

professor/pesquisador compreenda os fenômenos sociais apoiando-se em contextos e referenciais

de interpretação próximos de sua experiência singular (CUNHA; PRADO, 2007a), algo marcante

para a produção deste texto.

Dentre os principais referenciais da pesquisa narrativa, como concebida no GEPEC, estão

os canadenses Clandinin e Connelly. Em sua obra de análise sobre a pesquisa narrativa Narrative

Inquiry: Experience and Story in Qualitative Research (2000) os autores refletem sobre sua

concepção da narrativa como metodologia e fenômeno social:

Education and educational studies are a form of experience. For us, narrative is the best way of representing and understanding experience (...) Thus, we say, narrative is both the phenomenon and the method of the social sciences (...)It is a collaboration between researcher and participant, over time, in a place or series of places, and in social interaction with milieus. (pp. 18-20)

59

Na composição da perspectiva narrativa como concebida no GEPEC, junto de Clandinin e

Connelly estão os autores espanhóis, tais como Bolívar, Domingo e Fernandez (2014), que

destacam a narrativa como um conceito que rompe decididamente com a concepção de

racionalidade instrumental na educação:

Entendemos como narrativa la cualidad estructurada de la experiencia entendida y vista como un relato; por otro (como enfoque de investigación), las pautas y formas de construir sentido, a partir de acciones temporales personales, por medio de la descripción y análisis de los datos biográficos. Es una particular reconstrucción de la experiencia, por la que, mediante un proceso reflexivo, se da significado a lo sucedido o vivido (...) Narrativizar la vida en un autorrelato es como dicen Bruner o Ricoeur un medio de inventar el propio yo, de darle una identidad (narrativa). En su expresión superior (autobiografía) es también elaborar el proyecto ético de lo que ha sido y será la vida (BOLÍVAR, DOMINGO Y FERNANDEZ, 2014, p. 5)

Dessa forma, o esforço de pensar a pesquisa e escrever esse texto de forma narrativa se

insere na assunção dessa abordagem como mais potente no que se refere à aproximação dos sujeitos

investigados, bem como na convicção de que permite a coerência estética da forma com o conteúdo

e seus referenciais: escrevendo em primeira pessoa do singular, com o pesquisador protagonista e

autor dessa narrativa. O desafio a ser trilhado é conseguir produzir uma dissertação, com seus

elementos imprescindíveis relacionados ao paradigma lógico-científico, porém de modo narrativo

nas formas de pensar, agir e registrar a experiência (SOLIGO; SIMAS, 2014). Assim, nesta

pesquisa há a opção por percorrer os rumos da perspectiva narrativa, como forma de evidenciar a

voz dos sujeitos que compõem a investigação, bem como considerar minha própria experiência

dentro da análise em questão. Nessa abordagem, a escolha do campo e dos sujeitos reflete minha

própria prática enquanto pesquisador e sujeito ativo, no contato com os estudantes entrevistados.

Por esse motivo, houve a escolha por dialogar com vestibulandos próximos do meu cotidiano, e a

partir do contato investigar suas experiências sobre o vestibular.

60

3.4 Cultura, juventude e escola

O objeto desta pesquisa, como visto, caracteriza-se a partir de um olhar privilegiado para

as experiências de jovens inseridos num contexto escolar específico. Por esse motivo, creio que é

pertinente apresentar algumas reflexões sobre culturas juvenis, bem como acerca da cultura escolar.

Contudo, antes analisar esses elementos primeiramente convém ampliar o olhar e refletir de forma

Cultura

Para pensar no conceito de cultura, naturalmente a formação de historiador aproxima minha

abordagem do campo da historiografia. Mais uma vez remeto a Edward Palmer Thompson, que

produziu trabalhos consistentes no campo da cultura popular inglesa nos séculos XVIII e XIX. O

historiador inglês, que rejeita o determinismo econômico típico de alguns marxistas, destina em

suas análises grande importância à cultura e aos costumes. Por outro lado, contesta veementemente

dado à tradição historiográfica da qual é considerado representante, pois

também não intenciona priorizar os elementos culturais e negar as questões econômicas e sociais.

Para compreender o olhar de Thompson, é necessário pensar em simultaneidade:

igualmente importantes. O primeiro (...) insiste que ideologia e cultura têm uma

históricos. (...) O outro lado do argumento é que, dado que os efeitos determinados do modo de produção operam simultaneamente na esfera

- les são também ubíquos. O argumento não pretende negar nem reduzir a importância dos efeitos determinativos do modo de

sível que o materialismo de Thompson atinja seu ápice no exato momento em que ele se recusa a

materialismo clássico marxista, mas como um polimento das palavras do próprio Marx. (WOOD, 2003 apud MATTOS, 2005, p. 7)

61

A partir da valorização dada à cultura, pode-se compreender melhor o que o historiador

inglês entendia por esse conceito. É possível aproximar a noção de cultura, em Thompson, da ideia

(MEIRA, 2014). Entretanto, o autor rejeita olhar para a cultura a partir do

ponto de vista do simbólico, como istema de atitudes, valores e

(THOMPSON, 1998, p. 17). Para ele, essa visão carrega generalizações e traz uma perspectiva

ultraconsensual de cultura. Em suas palavras:

uma cultura também é um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de instrumentos conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante sistema. E na verdade o

cultura, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto. (idem, pp. 16-17)

Nota-se, assim, que cultura deve ser pensada como um campo de disputas, confrontos,

conflitos e contradições. Se pensada de forma genérica e descontextualizada, o conceito se torna

vazio. Para Thompson, a cultura de um grupo deve ser percebida a partir de seus contextos

históricos específicos, situado no lugar material que lhe corresponde. Mais adiante, ele

complementa:

noção holística ou ultraconsensual. (...) Não podemos eum termo emaranhado, que, ao reunir atividades e atributos em um só feixe, pode na verdade confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os seus componentes: ritos, modos simbólicos, os atributos culturais da hegemonia, a transmissão do costume de geração para geração e o desenvolvimento do costume sob formas historicamente específicas das relações sociais do trabalho. (idem, p. 22)

Assim, percebe-se que a noção de cultura se insere nos trabalhos de Thompson no viés dos

ritos, tradições e vivências das classes populares em contextos históricos específicos, mas a partir

62

da valorização da resistência social, das contradições e conflitos no âmbito cultural. Para atingi-la

A formação da classe operária

inglesa (1987), o autor centra sua análise na constituição da classe operária enquanto processo,

considerando que a ideia de classe se constituía a partir de aspectos econômicos e culturais. Nesse

sentido, as experiências vividas pelos operários teriam possibilitado uma dimensão de classe àquele

grupo. A experiência seria, então, um elemento decisivo para que se possa analisar os

comportamentos, os valores, as condutas, os costumes, enfim, a cultura (LIMA, 2005).

Estabelecendo relações entre as contribuições de Thompson e a temática desta pesquisa,

vale lembrar que, no campo da cultura, os confrontos e divergências nunca podem ser ignorados.

Ainda que haja mentalidades e ideias possivelmente disseminadas nos ambientes pré-vestibular,

não significa que todos os envolvidos nessa esfera compartilham do mesmo pensamento. Dessa

forma, olhar para as experiências e narrativas dos vestibulandos representa olhar para os conflitos

e singularidades, evitando consensos simplistas e generalizantes.

específicos, e não como conceito abstrato e vazio. Para essa análise, vejo dois aspectos centrais na

caracterização do contexto desta pesquisa: culturas da juventude e culturas da escola.

Juventude

Se há, neste trabalho, um propósito de pensar na cultura de forma atrelada à juventude,

surge o questionamento: quem são os jovens entrevistados, entre 2014 (ano em que ingressei no

mestrado e dei início a esta pesquisa) e o início de 2017 (data de finalização deste texto)?

Uma vez mais é o momento de ter cuidado com as generalizações e olhares

homogeneizantes. Afinal, sem dúvidas os 11 estudantes entrevistados para esta pesquisa não

representam todos os milhares de jovens e adolescentes brasileiros. Há questões regionais,

socioeconômicas e culturais que certamente determinam diferenças consideráveis. Ainda assim,

lembro-me com clareza das lições do professor Leandro Karnal, em disciplinas da graduação em

as devidas ressalvas, é pertinente olhar para

características que atravessam as fronteiras espaciais, de gênero e de etnia.

63

Pensando, sobretudo, em jovens urbanos e de classe média, como os 11 entrevistados, há

elementos que se destacam em meio às singularidades e especificidades. Confesso que para refletir

sobre a juventude não é possível dialogar apenas com a literatura: há grande contribuição de meus

próprios olhares pelos corredores da escola e das experiências com os estudantes em sala de aula.

Além disso, aos 26 anos, a proximidade deste pesquisador com a juventude permite um olhar

bastante familiar e fronteiriço da realidade dos jovens.

Mas, afinal, quem são esses jovens?

Partindo de meus olhares e vivências, posso dizer que eles são indivíduos que sofrem,

amam, refletem sobre suas vidas, tomam decisões, vivem conflitos com os pais, apaixonam-se,

descobrem a sexualidade, seguem regras e as descumprem, fazem planos para o futuro e

rememoram o passado. Em suas trajetórias, a afetividade e o mundo da cultura aparece de modo

privilegiado, com práticas, símbolos, vestimentas características e agrupamentos sociais que lhes

atribuem identidade e formas de se comunicar e se posicionar diante da sociedade. A internet e as

redes sociais ganharam enorme relevância nos últimos anos, sendo espaços de sociabilidade,

entretenimento e expressão da identidade. Na rede ou pessoalmente, os grupos de amigos são

espaços de construção das relações sociais, da autoestima e das representações identitárias. Enfim,

é justamente na sociabilidade que a juventude parece se definir, seja na escola, nas ruas ou

virtualmente.

Nesse sentido, para além desta visão geral da juventude, é relevante pensar em concepções

mais elaboradas sobre o jovem e suas relações com a sociedade e a escola.

ll reflete sobre as concepções de juventude recorrentes

na sociedade e na literatura. Entre visões romantizadas de liberdade ou imagens estereotipadas de

crise ou o autor questiona

tendo no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente (p. 40).

Rejeitando tais visões, Dayrell afirma que

a adolescência não pode ser entendida como um tempo que termina, como a fase da crise ou de trânsito entre a infância e a vida adulta, entendida como a última meta da maturidade. Mas representa o momento do início da juventude, um momento cujo núcleo central é constituído de mudanças do corpo, dos afetos, das referências sociais e relacionais. Um momento no qual se vive de forma mais

64

intensa um conjunto de transformações que vão estar presentes, de algum modo, ao longo da vida. (...) A juventude constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume uma importância em si mesma. (idem, p.42)

Dessa forma, além de criticar a ideia transitoriedade que marca tais visões, ele insiste na

importância de compreender a juventude no plural, enfatizando a diversidade de modos de ser

jovem existentes:

A juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação. Se há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas, é muito variada a forma como cada sociedade, em um tempo histórico determinado, e, no seu interior, cada grupo social vão lidar com esse momento e representá-lo. Essa diversidade se concretiza com base nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, dentre outros aspectos. (pp. 40-41)

Nesse sentido, é possível dizer que as contribuições de Dayrell inspiram meu olhar à

juventude nesta pesquisa, tanto na valorização da diversidade juvenil quanto na recusa da

concepção do jovem Ademais, é pertinente pensar também nas relações da

juventude com a escola, espaço que ocupa lugar privilegiado na vida dos jovens. Ainda que cada

escola tenha especificidades próprias, sem uma realidade nacional homogênea, pode-se afirmar

que, institucionalmente, a escola é ordenada por um conjunto de normas e regras que buscam

unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos (DAYRELL, 2007). No cotidiano escolar, contudo, o

jovem vivencia, com diferentes sujeitos (alunos, professores, pais, etc), uma trama complexa de

relações sociais que envolvem alianças, conflitos, imposição de normas e transgressões de regras,

fazendo com que a instituição educativa se configure num processo permanente de construção

social da juventude (p. 1118).

Há ainda um conflito apontado por Dayrell pelo fato de haver na escola a predominância

de uma concepção de aluno fundada na modernidade, num momento em que havia uma clara

separação entre a sociedade e a escola, essa última vista como espaço central de socialização das

65

novas gerações e de inculcação de valores universais. Ao adentrar naquele espaço, o jovem deveria

abandonar sua realidade e converter-se em aluno, interiorizando a disciplina escolar para absorver

aprendizados e conhecimentos (idem, p. 1119). Entretanto, hoje o jovem vivencia uma

ambiguidade não excludente entre ser jovem e ser aluno:

A sala de aula também torna-se um espaço onde é visível a tensão entre o ser jovem e o ser aluno. Nela ocorre uma complexa trama de relações de alianças e conflitos entre alunos e entre estes e os professores, com imposições de normas e estratégias individuais e coletivas de transgressão. Nesse cotidiano, o jovem aluno vivencia a ambiguidade entre seguir as regras escolares e cumprir as demandas exigidas pelos docenmesmo tempo, afirmar a subjetividade juvenil por meio de interações, posturas e valores que orientam a ação do seu grupo. Essa tensão revela a busca do jovem em integrar-se ao sistema e, ao mesmo tempo, afirmar a sua individualidade, como sujeito, utilizando as mais variadas estratégias. (idem, p. 1121)

Essa ambiguidade é marcada também pela valorização dos estudos e do diploma como

formar de garantir sucesso profissional na vida adulta, ao mesmo tempo que a falta de sentido que

os jovens encontram nos conteúdos escolares aparece em inúmeras pesquisas. Entre conflitos,

respeito aos deveres, atos de resistência ou concordâncias com as exigências, a juventude constrói

muito de sua vivência no espaço da escola.

A cultura e a forma escolar

Para pensar a cultura no âmbito da escola, tomo como referenciais para o conceito de

cultura escolar as produções de Dominique Julia, em especial o notável artigo A cultura escolar

como objeto histórico (2001), com o qual tive contato no mestrado. Para o historiador francês, a

ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses

conhecimentos e a i o, Julia aborda a

formação de uma cultura escolar no ocidente a partir de análises históricas da educação na Europa

no período entre o século XVI e o século XIX. O autor contribui para uma desconstrução daquilo

que hoje se considera como os aspectos constitutivos da escola como instituição, muitas vezes

naturalizados no senso-comum. Dessa forma, a partir de documentos diversos como planos de

66

estudo jesuítas e luteranos, registros de concursos do magistério francês e manuais escolares ele

analisa como a chamada cultura escolar foi sendo construída ao longo do tempo, com elementos

como o surgimento de um espaço mobiliário destinado exclusivamente à escola, a divisão dos

cursos em classes e o nascimento dos corpos especializados na educação (pp. 13-15).

Julia destaca, em seu artigo, que os estudos sobre a cultura escolar devem sempre evitar a

tendência de ler textos normativos como regras totalitárias que atingiam uma uniformização dos

contextos em que eram aplicados. Para ele, deve-se estar atento aos desvios, conflitos e elementos

que fogem aos documentos prescritivos. Além disso, sempre houve uma adaptação a lugares e

conforme a cada

contexto e período. Por isso, a cultura escolar só pode ser estudada com o conjunto de culturas a

ela contemporâneas cultura religiosa, política, popular, etc (p 32).

Além disso, as contribuições de Guy Vincent, Bernard Lahire e Daniel Thin também

compõem o corpo teórico-metodológico que inspira esta investigação sobre o ambiente pré-

vestibular

discutem o conceito de forma escolar a partir de uma análise sócio-histórica:

A análise sociogenética da forma escolar como forma de relações sociais permite tornar estranha a nós mesmos esta realidade social, hoje onipresente, desnaturalizando certas noções construídas frequentemente como categorias

(p. 17)

De forma análoga a Dominique Julia, os autores conduzem sua análise intencionando

desconstruir naturalizações recorrentes no âmbito da escola. Para eles, é possível entender a forma

escolar como um modo de socialização escolar que se impôs a outros modos de socialização a

partir do século XVII na Europa ocidental. De modo geral, essa forma de relação social se

estabelece a partir de cinco pontos característicos destacados pelos autores: (1) a existência de um

espaço específico para a escola, separado de outras práticas sociais; (2) a pedagogização das

relações sociais ligada à constituição de saberes escriturais formalizados, ou seja, houve uma

para a

produção de efeitos de socialização duráveis; (4) a codificação das práticas escolares associada a

67

formas de exercício de poder, tais como a difusão de regras objetivas impostas a mestres e alunos;

(5) e a necessidade do domínio da língua escrita, fundando uma forma social que pode se chamar

uma relação escritural-escolar com a linguagem e com o mundo (Cf. pp. 28-35).

Nesse sentido, ainda que os trabalhos de Julia, Vincent, Lahire e Thin partam de modelos

europeus, a análise da escola ocidental certamente encontra muitas semelhanças com a educação

brasileira. Assim, parto do pressuposto que há, também no Brasil, a presença de uma cultura escolar

e de uma forma escolar hegemônicas, também naturalizadas, na forma de programas curriculares

instituídos pela legislação, divisão das turmas em classes, arquitetura marcada pela presença de um

pátio geralmente rodeado por salas de aulas, disposição espacial das carteiras enfileiradas diante

de uma lousa, entre outros diversos aspectos que marcam aquilo que todo brasileiro compreende

pela escola enquanto instituição. Não faz parte do escopo desta pesquisa analisar exaustivamente

como se constituiu o processo histórico que possibilitou a formação de uma cultura escolar

brasileira. Também não cabe aqui analisar genericamente quais são os aspectos que compõem a

forma escolar no imaginário popular ou na academia. Por outro lado, creio que diante dos

elementos constituintes da instituição escolar brasileira, é possível estabelecer um olhar

direcionado, focalizado nas instituições voltadas para a preparação do vestibular. Partindo do

conceito de cultura escolar de Dominique Julia e de forma escolar de Vincent, Lahire e Thin,

podemos analisar aquilo que caracteriza os cursinhos, as normas que definem os conhecimentos

ensinados, as condutas dos professores e a transmissão desses conhecimentos, a arquitetura e a

disposição espacial, entre outros aspectos. Para isso, seria possível partir de documentos

rias para os exames ou

mesmo as provas dos vestibulares tradicionais. Contudo, o foco será dado às narrativas e

experiências dos próprios estudantes.

Apresentado o objeto desta pesquisa e os referenciais teórico-metodológicos, resta ainda,

antes de apresentar como se deu o contato com os jovens estudantes, inserir o tema abordado dentro

do contexto histórico brasileiro referente ao ingresso no ensino superior.

68

4 - Estabelecendo o contato com os estudantes

Traçado esse panorama relativo à bibliografia e aos referencias teórico-metodológicos, é

pertinente avançar em direção ao foco desta pesquisa. Como visto, a literatura acadêmica produzida

sobre o vestibular, em sua maioria, prioriza abordagens quantitativas e aproximações por meio de

questionários. Em oposição a esse tipo de contato, passei a vislumbrar em entrevistas orais a

possibilidade de um diálogo mais intimista, que toca nas singularidades.

Retornando a Benjamin e a extinção da arte de narrar, é pertinente destacar a valorização

da narrativa enquanto tradição artesanal, defendida pelo autor alemão, que muito interessa

metodologicamente a esta pesquisa:

A narrativa (...) não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (BENJAMIN, 1994a, p. 205)

Parto, aqui, da premissa de que somente com o contato pessoal entre o pesquisador e o

sujeito que narra constituído pela oralidade, pela escuta sensível é possível apreender as marcas

mais genuínas do narrador, como na metáfora benjaminiana da mão do oleiro na argila.

Ademais, as entrevistas orais se constituem numa forma de manter a coerência

metodológica quanto às três dimensões da perspectiva narrativa do GEPEC. Além do registro do

percurso e ao modo de produzir conhecimento, é importante que as fontes de dados sejam, também,

narrativas (SOLIGO; SIMAS, 2014).

Finalmente, houve a escolha por me aproximar das subjetividades dos estudantes e realizar

o contato com os sujeitos por meio de entrevistas orais. Restava ainda definir quem seriam os

vestibulandos contatados. Seria pertinente destinar o olhar para a instituição onde trabalho,

dialogando com meus próprios alunos?

Sobre esse aspecto, foi relevante lembrar-me das produções de Renata Cunha e Guilherme

Prado (2007b) acerca da importância da pesquisa realizada pelo professor, tanto na forma da pós-

69

graduação, quanto na escola. Para eles, essas atividades são legítimas em ambos os espaços, sendo

inclusive complementares. Assim, quando o professor

(...) toma o seu trabalho como espaço-tempo de produção de conhecimento e saberes; orienta uma questão relevante para seu trabalho na escola; organiza informações, interroga e busca respostas; sistematiza e registra suas análises e reflexões reorienta e socializa sua produção com outros parceiros, ele faz pesquisa. (CUNHA; PRADO, 2007, p. 278)

A partir disso e do contato com os trabalhos de outros colegas do GEPEC que desenvolvem

pesquisas sobre sua prática profissional, vi a relevância desse tipo de produção em que o professor

parte de sua própria experiência singular. Defini, então, que o contato seria feito na instituição onde

leciono, com meus próprios alunos. Em seguida, rumei para o próximo passo da pesquisa: realizar

entrevistas orais com vestibulandos dispostos a compartilhar suas experiências, narrativas e

experiências sobre o vestibular.

4.1 - As entrevistas

Para me aproximar das subjetividades dos estudantes, o contato com os sujeitos foi feito

por meio de entrevistas orais, realizadas na própria instituição de ensino. A pesquisa foi submetida

e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e houve a gravação em áudio dos diálogos, com

autorização dos participantes assinada em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em anexo.

Houve também a autorização, por parte da coordenação da unidade escolar, da anuência da

realização das entrevistas nas dependências da escola com estudantes. Convém ressaltar que não

se pretendeu em momento algum realizar nenhum tipo de publicidade para a instituição, bem como

não houve intenção de realizar críticas direcionadas ao colégio ou à referida rede de ensino. Por

conta disso, haverá até o fim das páginas desta pesquisa a manutenção do sigilo em relação à

identificação da instituição.

Para que o leitor melhor compreenda o meio em que estão situados os sujeitos, trata-se um

colégio particular localizado no centro de Campinas, que oferece aulas nos níveis de Ensino Médio

70

e curso pré-vestibular. É conveniente destacar também que, por ser bem localizada, realizar provas

de bolsa e oferecer aulas no período da manhã, à tarde e à noite, o colégio conta com alunos de

realidades muito distintas. Há alunos com trajetórias escolares bastante diferentes: alguns trilharam

toda a vida escolar em colégios particulares; outros muitos concluíram o Ensino Médio em escolas

públicas, trabalham e fazem o curso pré-vestibular naquela instituição. Por isso, acredito que essa

diversidade certamente teve potencialidades para enriquecer ainda mais o contato com as narrativas

dos vestibulandos.

Assim, foram entrevistados 11 alunos da instituição de ensino onde leciono. Durante

algumas semanas, comentei em minhas aulas e nos plantões de dúvidas que tinha o interesse de

conversar com estudantes dispostos a falar de suas experiências durante a preparação para o

vestibular. Devo dizer que, em todas essas ocasiões, muitos alunos se mostravam entusiasmados e

até mesmo surpresos com o fato de alguém querer ouvi-los relatar suas experiências na preparação

para os processos seletivos. Dessa forma, a escolha dos sujeitos se deu por conta do interesse de

cada um deles em conversar sobre o assunto, procurando-me e mostrando-se desejosos por falar.

As entrevistas tiveram duração variada, que respeitava o ritmo e a vontade de cada

entrevistado. Foram realizadas perguntas abertas e indagações sobre a trajetória escolar e pessoal

de cada um, tais como:

- Fale-me você, sua trajetória de vida e sua vida escolar.

- Quem foi você neste ano? Como foi esse ano na sua vida?

- O que você acha do vestibular?

- Como foram suas experiências com as provas que você fez neste ano?

- Daqui a alguns anos, quais memórias você acha que ficarão guardadas?

A intenção de fazer perguntas abertas se dá para evitar um direcionamento das respostas

dos entrevistados, respeitando a subjetividade de cada indivíduo, como indicam Connelly e

Clandinin (1995):

71

Na investigação narrativa é importante que o entrevistador escute primeiro a história do entrevistado, e é o próprio entrevistado quem primeiro conta sua história. Porém, isso não quer dizer que o entrevistador permaneça em silêncio durante a entrevista. (p. 21)

Assim, houve a preocupação de fazer poucas colocações, permitindo que o entrevistado

falasse com mais liberdade. Minhas falas apareciam apenas quando o aluno se mostrava tímido ou

excessivamente objetivo. A partir desses princípios, os sujeitos foram entrevistados e escolheram

nomes fictícios para manter o anonimato.

4.2 Dialogando com os sujeitos

As entrevistas ocorreram ao longo de um ano, sendo iniciadas no final de 2014, e encerradas

no final de 2015. A primeira delas ocorreu com Amanda, 18 anos, aluna do curso pré-vestibular,

candidata ao curso de Jornalismo. A conversa ocorreu em frente à instituição e foi a mais curta

entrevista realizada, certamente sinal de pouca experiência de minha parte. As perguntas foram

feitas de forma um pouco pragmática, e assim as falas da entrevistada foram também mais

sintéticas. Ainda assim, decidi considerá-la como parte do conjunto das fontes, justamente por esse

encontro expressar uma etapa importante em meu amadurecimento como pesquisador que

estabelece o primeiro contato.

Também no final de 2014 houve a entrevista com Sofia, então com 17 anos, concluindo o

3º ano do Ensino Médio e prestando Ciências Sociais. A conversa ocorreu em uma sala de aula

vazia, durante a tarde, e sinto que passei a dar maior espaço para a fala da entrevistada. Em seguida,

conversei com Jorge, 18 anos, concorrendo para a carreira de Economia, e na mesma semana

conversei com Raul, 18 anos, prestando Medicina. Ambos eram alunos do 3º ano e mostraram-se

um pouco mais fechados a revelar suas sensibilidades do que as garotas entrevistadas. É

interessante ressaltar também que Raul foi o único não brasileiro dos entrevistados. Nascido em

Portugal e tendo chegado ao Brasil na metade do Ensino Médio, suas narrativas carregam

elementos extremamente interessantes que enriqueceram as fontes analisadas. Finalmente, as

72

últimas entrevistas realizadas em 2014 foram com Gabriela, 18 anos, também candidata de

Jornalismo, e Juliana, 17 anos, candidata a uma vaga em Direito.

Após a realização dessa primeira etapa de entrevistas, refleti se estava satisfeito com o

volume de dados produzidos. Em conversas com os colegas do GEPEC e da linha de pesquisa

, nas reuniões do seminário, bem como dos

orientadores Guilherme Prado e Adriana Carvalho Koyama, todos apontavam que já havia uma

quantidade considerável de entrevistas, e que já seria possível realizar análises pertinentes a partir

daí. No entanto, sentia que ainda faltava algo. Sentia que em 2014 não tivera a maturidade

suficiente para as entrevistas, e que, portanto, realizar outros contatos seria uma alternativa válida.

Dessa forma, no final de 2015 entrei em contato novamente com os estudantes em minhas

aulas, e realizei novas entrevistas. Percebi que conversar com os jovens em uma sala de aula vazia

e silenciosa provocava neles certo acanhamento. Decidi então que passaria a dialogar com os

vestibulandos na cantina da escola, um espaço com mais sons do ambiente, pessoas passando por

perto e uma atmosfera mais natural. Passei a valorizar mais as perguntas sobre a trajetória pessoal

de cada um, e não apenas suas opiniões sobre o vestibular. O resultado foi que as entrevistas

passaram a ser mais longas, e as falas dos estudantes se mostraram menos pragmáticas e

direcionadas. Houve mais reflexões sobre a relação com os pais, as mudanças de instituição escolar,

com espaço para riso, raiva, e até choro.

O primeiro entrevistado de 2015 foi Carlos, de 19 anos, candidato a Engenharia Civil.

Carlos foi o único negro dos entrevistados, e também o único que concilia o trabalho ao curso pré-

vestibular. Em seguida conversei com Camila, de 21 anos, que tenta a aprovação no curso de

Medicina. Camila tem uma trajetória interessante por ter feito intercâmbio no Ensino Médio e

estudar naquele cursinho há quase quatro anos. Na mesma semana conversei com João, de 18 anos,

candidato a uma vaga no curso de História. Além do curso desejado, a trajetória desse jovem

apresenta muitas semelhanças a minha própria narrativa de vida. Finalmente, conversei na última

semana com Luiza, de 20 anos, concorrendo a Midialogia/Audiovisual, e Ingrid, de 18 anos,

tentando ingressar no curso de Farmácia. As duas se mostraram bastante sensíveis, e

proporcionaram as entrevistas mais emotivas de todo o conjunto.

4.3 - A produção das mônadas

73

Após a realização das entrevistas, houve a transcrição dos áudios para textos, para que

pudesse haver a análise. Entretanto, como analisar aquelas intermináveis páginas de transcrições?

Em meio à reflexão sobre a interpretação das fontes, é interessante relembrar as colocações de

Bolívar (2002):

como recoge los datos (notas de campo, observación participante, entrevistas, etcétera), cuando lo que la hace cualitativa debería ser (...) el modo como se

(p. 11)

Certamente, meus anseios nesta pesquisa caminham junto das recomendações de Bolívar.

De fato, para que a investigação se caracterize plenamente como qualitativa, não basta se debruçar

sobre fontes que buscam se aproximar da particularidade dos indivíduos. É preciso, sobretudo, que

as formas de análise desses dados se faça como tal. É necessário ir além de uma leitura pragmática

e utilitária, que toma trechos de suas entrevistas como ilustrações de ideias pré-concebidas do

pesquisador. Mais que isso, os fragmentos devem ter força para representar dilemas socioculturais

relevantes, como ponto de partida para discussões mais profundas. Logo, como deveria olhar para

as fontes produzidas a partir das entrevistas com os estudantes?

A saída para tal dilema se deu a partir das contribuições teóricas e metodológicas de

Benjamin e de apropriações de seu trabalho, como fazia a professora Maria Carolina. Foi

retornando ao conceito de mônada que pude vislumbrar de que forma poderia explorar as

potencialidades das falas dos jovens estudantes. As mônadas, como discutido no capítulo 3, podem

ser definidas como miniaturas de significados, centelhas de sentidos que podem ter a força de um

relâmpago (GALZERANI, 2002). Voltando a Benjamin (2007) em Teoria do Conhecimento,

Teoria do Progresso, é pertinente retomar a reflexão acerca do conflito entre o singular e o

universal, na qual o filósofo alemão defende a aplicação do princípio de montagem à história:

(...)erguer as grandes construções a partir de elementos minúsculos, recortados com clareza e precisão. E, mesmo, descobrir na análise do pequeno movimento individual o cristal do acontecimento total. Portanto, romper com o naturalismo

histórico vulgar (p. 503)

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Na mesma obra, o filósofo alemão se aprofunda nas formas pelas quais os objetos são

arrancados do continuum do curso da História:

(...) através do fazer explodir a continuidade histórica; é assim que se constitui o objeto histórico. (...) A historiografia materialista não escolhe aleatoriamente seus objetos. Ela não os toma, e sim os arranca, por uma explosão, do curso da história. (p. 517)

Isso significa que há, sem dúvidas, um processo conduzido pelo pesquisador no qual se

arranca os objetos do curso da história. No âmbito desta pesquisa, trata-se de olhar para as

narrativas dos sujeitos da pesquisa, focalizando-as como mônadas. Significa permitir que minhas

próprias experiências e subjetividades entrem em contato com elas, despertem os sentidos contidos

nas tensões dos pequenos fragmentos particulares.

Dessa forma, na leitura e significação das transcrições das entrevistas e apropriando-me das

contribuições benjaminianas, foram produzidas mônadas com os depoimentos dos estudantes.

Assim, há, de fato, um processo de produção das mônadas (ROSA, 2011). Isso não significa que o

pesquisador modifica, distorce, cria ou inventa o conteúdo dos diálogos com os sujeitos da

pesquisa; trata-se de uma seleção criteriosa de fragmentos das falas dos sujeitos em relação às

minhas próprias experiências e sensibilidades como pesquisador que se relaciona ao tema, de modo

que tenham a potência para expressar elementos significativos da cultura e da sociedade a partir

das pequenas centelhas.

Esse processo teve, como nas entrevistas, dois momentos distintos. O primeiro deles

ocorreu em meados de 2015, anteriormente a minha participação no seminário VII FALA Outra

Escola, organizado pelo GEPEC e realizado na Unicamp, em julho do mesmo ano. Nesse evento,

tive a oportunidade de apresentar um trabalho preliminar com a mesma temática desta pesquisa

(SOUSA, 2015), e para isso houve a produção de mônadas construídas a partir do primeiro

conjunto de entrevistas. Foi um momento de grande amadurecimento acadêmico e, sobretudo, de

sentimento de pertencimento ao GEPEC do ponto de vista metodológico e pessoal.

75

Após a realização do evento, as discussões nas reuniões semanais do grupo puderam

garantir maior reflexão sobre o olhar monadológico em processo nesta pesquisa. Devo dizer que

foi providencial ouvir as recomendações do professor Guilherme Prado sobre a importância de dar

título às mônadas e evitar que elas sejam meros fragmentos aleatórios. Assim, no final de 2015,

após a realização das novas entrevistas, debrucei-me novamente sobre todas as transcrições,

inclusive as mais antigas, e dei início a um novo processo de constituição das mônadas.

O resultado é o que o leitor pode conferir nas páginas que se seguem.

4.4 O conjunto das mônadas

Mônadas construídas a partir do diálogo com Amanda

Estrutura psicológica

Na sexta série, não tive aula de Matemática. Eu não tive aula de História até a sétima, então, eu não aprendi muita coisa que eu fui aprender só no cursinho. Então, eu acho que a escola pública não tem estrutura, os professores não têm estrutura psicológica e nem infraestrutura pra dar aula. Então eles não dão aula. (...) E além disso tem o lado psicológico do aluno. Por exemplo, quem vai prestar medicina estudou em escola boa a vida inteira. Só que o ano do vestibular é um ano difícil psicologicamente. É meio injusto com quem se dedicou a vida inteira, sabe, porque, todo o esforço que ela fez não foi reconhecido porque ela não passou, não porque ela é burra, mas porque ela não teve um emocional pra isso.

Amanda

Perdi minha vida social

Depois desse ano inteiro eu sinto que o vestibular estraga a vida do aluno. Entrar numa faculdade não precisava ser um estresse, deveria ser uma coisa legal. Parece que, em um ano, ou quem estuda os três anos de ensino médio para vestibular, parece que você não tem vida. 15 anos, perdi minha vida social, acabou, agora só vou estudar porque eu quero passar no vestibular. Eu acho isso injusto porque é a nossa fase mais gostosa...

Amanda

Mônadas construídas a partir do diálogo com Sofia

76

Lá a gente aprendia realmente

Minha antiga escola do fundamental eu acho que foi a melhor escola que eu já estudei. Era uma escola bem alternativa. Ela estimulava muito a nossa curiosidade, tinha muita brincadeira, sabe, entre alunos, com professores... e eu gostava muito de lá, aprendi muito lá. Todo mundo achava que, como a escola é alternativa, a gente não aprendia nada, mas um monte de gente da minha sala passou nos Vestibulinhos, sabe? Eu lembro que os trabalhos que a gente tinha lá eram muito diferentes. E não tinha prova, praticamente. A gente aprendia de outras formas e a gente aprendia realmente. Então acabou o fundamental e começou o ensino médio e eu vim para esse colégio. Porque eu queria passar no vestibular e eu sabia que precisava de uma escola que me preparasse pra isso. Aqui é uma escola mais... como veio de um cursinho preparatório, é uma escola mais conteudista é isso que se fala? Então, é mais... jogar a matéria na nossa cabeça, sabe?

Sofia

Todo mundo fala que eu atrapalho um pouco a aula

Todo mundo fala que eu atrapalho um pouco a aula, mas eu não me importo muito. É que eu faço bastante pergunta e comentários. Mas ao mesmo tempo a gente também não pode fazer muito comentário senão a gente atrasa a aula. (...) Eu entendo porque a gente tem um prazo a cumprir e se ficar fazendo debates a gente não vai conseguir. A gente faz a matéria de três anos em dois anos e a revisão de dois anos em um ano, então... tem um planejamento muito corrido. Eles têm que dar o conteúdo pra gente passar no vestibular e mandar embora.

Sofia

Nem todo mundo tem o mesmo tipo de inteligência

Eu tenho uma amiga e gosto muito dela. Ela sempre relaciona uma coisa com a outra. Então, ela fala: , sabe? Ela relaciona tudo! Isso é ótimo, entendeu? Essa inteligência que ela tem, esse tipo de inteligência que eu acho que todo mundo deveria ter, sabe? (...) Mas é injusto, pois nem todo mundo tem o mesmo preparo. E nem todo mundo tem a mesma inteligência, o mesmo tipo de inteligência, mesma facilidade em todas as matérias. Até com esse tipo de prova... tem gente que vai muito bem nas provas mas, nesse tipo de provas não vai bem. Eles só pesam alguns tipos de inteligência, cada vestibular pesa um, mas, a gente não pode definir só um tipo de inteligência, existem vários tipos. Sabe, até inteligência musical, por que pra fazer música tem que saber física, tem que saber biologia? (...) Sem falar também que é uma prova, é um teste de memória, né? Você não consegue decorar todas as fórmulas de matemática. E isso não avalia se você é inteligente ou não

Sofia

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Eu chorei muito esse ano

Esse ano foi bem ruim, eu acho que foi um ano de amadurecimento mas não por causa do vestibular, da minha parte, mas... Esse ano foi péssimo, sabe? O ano inteiro. Desde o começo do ano tem aquela pressão e agora que está no final é pior ainda. Ainda mais pra mim, eu vou fazer ciências sociais, que é um curso fácil de passar, então se eu não passar, vai ser...sabe? Eu chorei muito nesse ano, acho que eu vou lembrar muito disso, sabe? Ontem eu tava na escola, quase morrendo de tanto chorar e... Isso ia vir na minha cabeça. Mas acho que eu também vou lembrar de coisas boas, da minha sala, dos colegas... Mas acho que, principalmente, vai estar a nuvenzinha do vestibular em cima das minhas lembranças deste ano, entendeu? Porque esse ano foi totalmente pautado no vestibular. Você faz alguma coisa, mas o vestibular tá ali.

Sofia

Mônadas construídas a partir do diálogo com Jorge

Sair da mesmice

Eu moro em Sumaré. E, da quinta a oitava estudei numa escola estadual. Tinha um negócio de aluno destaque e eu ganhava frequentemente. A escola não era tão ruim, mas também, não permitia grandes avanços. Ficava meio que limitado. Aí, no primeiro ano eu mudei para esse colégio. Foi produtivo, eu me desenvolvi bastante. Eu aprendi coisas novas, tipo, saiu da mesmice, acho. (...) Esse ano foi um ano bom. Eu estudei bastante, mas também não me prendi muito ao estudo. Final de semana, por exemplo, não estudei quase nenhum. Mantive as amizades do ano passado fiz algumas novas, até que saí bastante. Eu tenho amigos que só ficaram em casa estudando, mas também hoje, estão quase gabaritando as provas. Eu desde o início sabia que eu não precisava gabaritar nada, então fiz mais calmo.

Jorge

Visão sobre o vestibular

É um funil... de alunos que têm boa capacidade lógica em matemática e interpretação. Não valoriza outras inteligências além de interpretação e lógica. O vestibular espera que o aluno tenha alta capacidade de memorização, que ele tenha muita lógica, que ele saiba interpretar, e é isso. Se tiver lógica e memorização faz praticamente a prova inteira. Porque biologia, por exemplo, é mais memorização. Tem uns nomes lá que tem que saber. Não é um negócio intuitivo, é um negócio... é aquilo e ponto, você nunca viu mas é aquilo. (...) Eu acho que haveria outras maneiras de selecionar, mas, na nossa atual sociedade... Não é o mais justo, mas é o mais viável. Por exemplo, poderia ser pela nota do ensino médio durante todo o currículo da pessoa, mas no vestibular se ignora isso e resume a 5 horas de prova. Mas como o ensino não é unificado no Brasil, aí não daria

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para comparar as notas. Eu tirar 10 no ensino público é diferente de tirar 10 aqui, a avaliação é diferente.

O que vai ficar na memória

Eu acho que no futuro vão ficar mais as memórias das vezes que eu saí, ou das vezes que eu fiquei na escola só conversando, e menos as vezes que eu estava estudando. (...). Tem coisas que a gente aprendeu que é desnecessário, por exemplo, elétrica em física. O professor mesmo fala quando vai começar a matéria que tudo que a gente aprende é mentira e quando entrar na faculdade vai aprender tudo de verdade. É só tudo convenção para ter um ensino de elétrica, na verdade não existe. (...) As aulas, se vão ficar, não vai ser a parte de ensino, mas a parte de, por exemplo... teve a volta da professora, de Química. Ela machucou o pé e ficou acho que um mês sem dar aula. Aí, na semana que ela veio, a gente fez a maior comemoração pra ela, tinha bexiga, cartaz, várias coisas. Isso também vai marcar, mas a aula em si, não. É mais esses momentos fora da aula. Também teve um dia, no final do primeiro semestre. A gente acabou com uma prova geral que era pra finalizar. E depois da prova a gente foi na casa do meu amigo. Aí lá a gente fez um churrasco. Aí, tipo, só da gente não ter que ir pra casa depois da prova já é... algo interessante. Aí também teve dias que a gente sai e fica andando na rua até tarde, tirando selfie sentado na Glicério.

Jorge

Mônadas construídas a partir do diálogo com Raul

Desigualdade em Portugal e no Brasil

Sou de Portugal, de Lisboa. Vim para o Brasil faz dois anos. (...) Em Portugal também existe a escola particular e a pública. A particular é melhor, mas lá também tem bastante escola pública boa, mas particular é sempre melhor, né? Tem desigualdade, mas não é tão grande. Aqui no Brasil é só ver nos jornais as notícias, não tem como... é uma realidade à parte escola particular e a pública, é outra realidade. Nas escolas particulares, do que eu vi, é que os professores, por vezes, tomam pontos de vista, particulares, sabe, mas, pelo menos, é um ponto de vista que os caras têm e também influenciam mais os alunos. São pessoas mais cultas e as pessoas vêm aqui dar aula porque gostam de dar aula, a maior parte. Então, não é um cara que chega lá e não faz p**** nenhuma porque é mal pago, acaba por influenciar mais o aluno.

Raul

O objetivo é ganhar dinheiro

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Aqui no Brasil o objetivo das escolas particulares é ganhar dinheiro. O principal objetivo é formar o aluno para entrar nas melhores faculdades, mas sempre um interesse por trás. (...)Em Portugal é um pouco diferente do Brasil. Desde a quinta série tem uma disciplina que é formação cívica. A gente aprende cidadania, noções básicas, sabe? Por exemplo, a filosofia só tem a partir do primeiro ano do ensino médio, mas tem formação cívica. (...) Mas aqui na particular o cara tá pouco se fud*** se o cara vai saber respeitar as leis da sociedade. Quer que outro se forme e pague o dinheiro pra ele.

Raul

Uma chance aos menos dedicados

Lá tem o exame nacional, que é só português e matemática, que conta para a faculdade, mas também tem as notas do ensino médio. A média do ensino médio conta também, por exemplo, não basta um cara ir mal no primeiro ano ir bem no segundo e terceiro, é a média.... Acho que aqui no Brasil o vestibular dá uma chance pra aqueles alunos que não se dedicaram durante o ensino médio. Por exemplo, lá em Portugal tem muita gente que faz, por exemplo, o primeiro ano, o segundo ano e tem que repetir outra vez pra aumentar a média. Aqui não, você faz cursinho. Lá você tem que fazer o ensino médio outra vez pra conseguir entrar numa faculdade. Aqui não, aqui você faz cursinho, tem caras que fazem cinco anos de cursinho. Mas valoriza, acho que dá uma chance maior aos alunos que não são tão dedicados

Raul

Uma coisa boa que difere Portugal do Brasil

Acho que tem uma coisa boa que difere Portugal do Brasil. Lá em Portugal, a partir do primeiro ano do ensino médio você já tem que escolher uma área, você vai fazer humanas, biológicas... Por exemplo, eu já não tinha história e geografia no ensino médio. Uma coisa boa daqui é que valoriza mais o aluno que tem conhecimento geral das coisas. Mas eu prefiro que seja de tudo porque assim aquele aluno que tem mais conhecimento e capacidade de avaliar situações de diferentes maneiras, sabe? O mesmo pensamento que eu tenho pra história não é o mesmo pensamento que eu tenho para matemática, então valoriza mais a diversidade. É bom o aluno conhecer um pouco de tudo e também ajuda ele a escolher uma carreira melhor, não ser obrigado, desde pequeno, a ser especializado. Permite... dá um espaço para ele saber o que ele quer realmente.

Raul

Mônadas construídas a partir do diálogo com Gabriela

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O que mais deveria ser cobrado é a sua capacidade de relacionamento

Eu acho que a escola deveria formar seres humanos, pessoas preparadas pra viver em sociedade. (...) Mas eu acho que os professores das escolas, em geral, eles focam muito pouco isso. Acho que eles dão muita importância para o conhecimento, pro conteúdo ensinado em sala de aula. É importante? É, mas eu acho que isso não contribui tanto pra você como ser humano, como indivíduo de uma sociedade do que você realmente se relacionar com as pessoas. Então, os professores incentivam pouco, as pessoas são cada vez mais individualistas, então é cada um por si mesmo, entendeu? Acho que não existe tanto essa coisa de ajudar um ao outro, é mais só o conteúdo. (...) Eu acho que talvez o Q.I. das pessoas não seja tão determinante assim pro mercado de trabalho, pra vida como um todo. Tem pessoas que passam no vestibular que não sabem nem se relacionar umas com as outras, acho que isso é fundamental. Acho que o que mais deveria ser cobrado é a sua capacidade de relacionamento.

Gabriela

Uma relação fria

Eu reparo muito, às vezes, é que, involuntariamente, eu converso com as pessoas só sobre vestibular, aqui e fora daqui. Então, muitas vezes, o assunto sobre o qual eu sei conversar é vestibular, isso não sai da minha cabeça. Então, como que você consegue ter relacionamentos com as pessoas falando sobre um assunto assim, entendeu, só fala sobre isso? Você não fala mais sobre as características das pessoas, sobre os problemas que realmente são relevantes. E aqui também, você não faz... Eu... fiz muitos poucos amigos aqui, fiz mais colegas, pessoas que tiravam minhas dúvidas, pessoas de quem eu tirava algumas dúvidas, era uma relação... fria.

Gabriela

Funcionar sob pressão

Tem pessoas que funcionam sob pressão, tem pessoas que isso tem efeito contrário, tem pessoas que não produzem sob pressão. Então a gente vem aqui e a escola fica o ano inteiro falando sobre vestibular, vestibular, vestibular, o que cai o que não cai, aí você chega no vestibular... Eu conversei com várias pessoas com quem isso aconteceu, sabiam responder às questões, mas não tinham preparo emocional para aquilo, porque a escola dramatizou muito o vestibular, problematizou muito, e as pessoas não tinham preparo emocional. (...) Então, eu acho que, talvez, pra algumas pessoas, esse papel de preparar pra passar no vestibular seja bem cumprido por essa escola, mas pra outras não, como eu acho que é o meu caso. Eu acho que essa escola despreparou o meu emocional pro vestibular. (...) Eu acho que se eu tivesse me sentido menos pressionada, teria sido muito melhor, mas a apostila sistematiza muito o conteúdo, então, às vezes, você acaba ficando muito preso àquilo e você mais decora do que entende.

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Gabriela

Fim da vida

Acho que os cursinhos, as escolas voltadas pro vestibular colocam o vestibular como se fosse a coisa mais importante da sua vida, você passa a ser alguém a partir do momento que você passa no vestibular. Então, se isso é assim, eu vou passar no vestibular e vou fazer o quê? O que é que eu vou fazer depois? Entendeu? Não vou ser selecionado pra passar no vestibular e segundo a escola que eu estudo, a minha vida acabou a partir daí.

Gabriela

Vou sempre me lembrar da parte traumática

Vestibular pra mim significa trauma. Às vezes eu sinto que no começo do ano eu acreditava mais na minha capacidade de aprender, na minha capacidade de desempenho, mas ao longo do ano eu acho que eu fui, sei lá, cada vez me sentindo mais inferior, menos inteligente. Então eu acho que minha capacidade não foi muito estimulada, então, não sei. Eu acho que por causa da pressão do cursinho. Eu acho que vem dos simulados, do fato das notas do simulado ficarem expostas pra todo

se não sabe ano que vem tem vestibular de estudar tudo o que é passado, não existe tempo a não ser que você só estude. Outra coisa que eu gostaria de falar também, é que eu acho que você vai ficando tão traumatizado que você pega trauma de estudar e aí, quando você vai pegar pra estudar, você fica pensando: não consigo, não consigo, não consigo, não consigo, e de fato você não consegue, seu rendimento não é mais o mesmo. Vou sempre me lembrar da parte traumática.

Gabriela

Assistir TV

Esses dias eu me lembrei do que é ligar uma televisão, assim, à tarde. Eu não assistia mais televisão, acho que uns 15 minutos à noite antes de dormir eu ligava a televisão. Então acho que eu sempre vou me lembrar da parte traumática, vou me lembrar, com certeza, vou sempre me lembrar de todas as coisas que eu perdi nessa época.

Gabriela

É um sistema de avaliação totalmente incoerente

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Acho que é ridículo. Totalmente ridículo. É um sistema de avaliação totalmente incoerente, acho que, sei lá, como é o caso do Enem, se trata muito mais de uma prova de resistência física do que um teste de conhecimento. É um absurdo você não conseguir terminar uma prova porque você não teve tempo pra ler os exercícios. Às vezes tem questões que eu saio da prova e aí eu lembro da resposta, mas ali, naquele momento, a pressão é tão grande que você não consegue pensar. Acho que é o que eu sempre digo, diz-se que existe muitos tipos de inteligência: inteligência linguística, inteligência matemática, inteligência artística e, se todas as essas inteligências são importantes, todas devem ser valorizadas. Então eu acho que cada um deveria ser testado na sua área de conhecimento, porque assim que essa pessoa vai contribuir para a sociedade, através da área que ela domina. Então, eu quero fazer jornalismo. Pra mim, qual a diferença que faz saber uma função exponencial de segundo grau? Não vou contribuir em nada.

Gabriela

Quanto maior a sua capacidade de armazenamento, melhor

Acho que avaliam o quanto você... acho que a sua capacidade de memória, como se você fosse um HD e quanto maior a sua capacidade de armazenamento, melhor. (...) Mas eu não acho que você deveria aplicar todo o conhecimento que você construiu ao longo da sua vida em 4 horas de prova, 5 horas, que seja. Eu acho que outras coisas deveriam ser levadas em consideração. Por exemplo, nos Estados Unidos eles levam em consideração se você fez trabalho voluntário, se você pratica esporte, então, assim, o que te faz um membro da sociedade é só o que você conhece que você estudou, você é útil só assim?

Gabriela

Mônadas construídas a partir do diálogo com Juliana

Alçar as melhores

Nesse ano eu não prestei PUC porque eu tenho essa visão de... sabe? Que a sociedade impõe que você tem ir na melhor universidade, que é universidade estadual. Até os meus pais falaram isso também, sabe, que eles pagaram escola a vida inteira pra mim pra que eu alçasse as melhores. E aqui na escola a gente ouve muito isso também, o foco dessa escola é as universidades públicas. Então eu foquei nessas duas [USP e Unicamp] e eu acho que, como tá muito perto e eu vejo que não é um sonho tão distante, vale a pena fazer um ano de cursinho pra entrar nelas.

Juliana

Mãe, pai, eu quero ir pra uma escola que agora me prepare pro vestibular

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Na primeira série eu entrei numa escola pública e aí, eu ia, teoricamente, continuar nessa escola a vida inteira. Mas a diretora chamou os meus pais e disse que se eles pudessem, se eles tivessem recursos, que valeria a pena investir em mim. Então eles investiram em mim, me colocaram no Colégio A., que é uma escola particular muito boa. Nossa foi incrível ter estudado lá! Me formou como ser humano, sabe, um ser humano pensante, não só um gabaritador de vestibulares. E eu estudei lá até a oitava série. (...) No primeiro colegial eu mudei o foco, sabe?. Eu vi que eu já tinha base suficiente pra enfrentar o mundo, sabe? Tipo, o meu ser já tava desenvolvido. Então eu falei

esse colégio, por causa da proposta que era focar no vestibular. (...) Só que muitas pessoas que sempre estudaram na rede desse colégio, com as quais eu converso, eu vejo que são, a maioria...sabe? É um pouco vazia de valores e todas essas coisas que eu disse que eu aprendi no Colégio A., sabe? São pessoas que realmente dominam muito sobre todas as teorias que se passam na vida estudantil, na vida acadêmica, mas são pessoas que... sabe, não sabem refletir sobre o mundo que elas vivem.

Juliana

Aquilo que vai fazer a vida ter valido a pena no final

Nem todo mundo é... nasceu pra ser médico, nem todo mundo nasceu pra ser advogado, tem pessoas que são artistas, pessoas que têm dons muito diferentes. E eu acho que a nossa escola, a nossa sociedade brasileira, ela restringe muito todas essas habilidades, sabe? Você só é bem-sucedido socialmente se você faz uma grande universidade, mas, por exemplo, se eu quiser ser uma artista, uma bailarina profissional, não precisa de faculdade pra ser isso, mas ao ver da sociedade eu não seria uma pessoa tão bem-sucedida quanto eu seria se eu ingressasse numa universidade, entendeu? (...) Acho que a gente é sempre direcionado a buscar justamente isso que eu te falei, sabe? Esse ser bem-sucedido de acordo com os padrões sociais na nossa sociedade brasileira... que é entrar numa universidade pública muito concorrida, num curso que tenha uma permissão de grande retribuição financeira e que não necessariamente é aquilo que você vai se sentir feliz fazendo, sabe? Não é necessariamente aquilo que vai fazer a sua vida ter valido a pena no final. É isso que eu não concordo na sociedade, que eu gostaria que mudasse.

Juliana

A coisa mais básica sobre nosso ser

Gosto dos meus professores nessa escola. Acho todos muito bem preparados... só tem essa coisa da impessoalidade, né? E isso me incomoda um pouco, mas também não dá pra ter total fraternidade e cumprir todo o programa que precisa ser cumprido, né? É impessoal porque os professores vêm, dão as aulas deles e não querem muito saber quem nós somos, sabe? Os professores muitas vezes nem conhecem nossos nomes, que é a coisa mais básica sobre o nosso

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ser. Não há essa relação de amizade com a maioria dos professores, como havia no Colégio A., por exemplo. Mas não dá também pra ter essa relação tão próxima diante de tanta, tanta matéria que é preciso passar.

Juliana

É o sistema que coíbe a participação

Nas aulas eu não faço nada, só fico ouvindo e pensando sobre o que o professor tá falando. Muitas vezes eu anoto. Há professores que fazem os exercícios na apostila. Como agora a gente tá no período de revisão, eles fazem, eles vão ditando o gabarito e dando explicações sobre o tema. Então eu anoto o que é a expectativa de bancas dos vestibulares e o que eles explicam, mas muitas vezes eu não concordo, só que nem sempre eu falo, porque uma sala de cursinho é lotada e, sei lá, eu me sinto desconfortável de levantar a mão e começar a falar, sabe? Acho que há essa... justamente essa imposição de conhecimento, sabe, "é isso, absorva e pronto", sabe? "não questione, nós não queremos ouvir os seus questionamentos". (...) Mas os professores, eles não dão a aula deles sozinho, sozinhos, sabe. Eles têm que cumprir metas, eles tão sujeitos a quarenta e cinco minutos e é um material pré-determinado, sabe, eles não dão, eles não fazem a aula em si, autonomamente. Então é o sistema inteiro que coíbe a maior participação. E quando há uma maior oportunidade, por exemplo, nas aulas de redação que geralmente há maior liberdade quanto ao programa desse colégio - ou sei lá, qualquer cursinho talvez seja assim - justamente por não haver esse costume de... de participação, de conversa entre alunos e professores, ninguém fala. (...) Olha só a disposição da nossa sala de aula: há um professor na frente que fica de pé, muitas vezes num altar, e os alunos todos sentados, sabe, todos enfileirados, todo... Entende? O próprio sistema físico em si já, já condena isso. Já induz a essa, a essa absorção, sabe? É como se a gente fosse uma folha em branco e que só absorvesse, não tivesse nenhum senso crítico sobre o que a gente ouve.

Juliana

Uma reforma que poderia ser feita no currículo

Eu gosto da proposta do vestibular, mas não gosto da metodologia brasileira, sabe? São muitos conteúdos e que são abordados de forma muito superficial e a maioria desses conteúdos não tem a menor, o menor sentido pra várias carreiras. Então eu acho que poderia dar uma enxugada nos conteúdos e ser de forma mais direcionada, sabe? Há alguns países, por exemplo, que se você sabe que você quer fazer um curso de exatas, muitas matérias de outras partes vão ser enxugadas. Tem coisas que você não precisa saber, que não vão te acrescentar em nada e vão te tomar tempo pra potencializar aquilo que você tem de melhor. Então acho que essa reforma poderia ser feita, sabe? No currículo do Ensino Médio em si.

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Juliana

Toda a estrutura social por trás do vestibular

Eu acho que deveria ter mais vaga, mais universidades. As nossas escolas deviam preparar melhor. Eu me sinto desconfortável em viver numa sociedade em que você entra na universidade porque você tem dinheiro pra pagar um cursinho ou par pagar uma escola, sabe? Eu acho que isso não é certo, o nosso Estado deveria fornecer uma educação pra todos, não é? E gratuitamente e de uma forma tão boa quanto é hoje nas particulares. E que isso possibilitasse que as pessoas chegassem com maior facilidade na universidade. Por que um aluno tem que sofrer tanto pra entrar num curso de Medicina? Não faz sentido, sabe? Muitos dos alunos que tão aqui pra entrar num curso de Medicina sabem muito sobre tudo, só que por uma ou duas questões não conseguem, não passam no vestibular. Acho isso totalmente incoerente. (...) O vestibular, a prova em si, não vejo nenhum problema nela. O problema é o que tá por trás dela, é toda a estrutura social, toda a estrutura cultural que tá por trás dela. A forma da prova ser feita, primeira fase objetiva, segunda fase redação e dissertativa, eu gosto, é um sistema bacana. Mesmo porque eu nem imagino outro sistema. Ah, tem os americanos também, que fazem entrevista com os candidatos.

Juliana

Cozinhando batatas

Eu tava cozinhando batatas um outro dia e lembrei: "ah, tem um negócio da pressão de vapor, que se colocar mais sal na água, mesmo que tem que dessalgar depois a batata, isso eleva a temperatura de ebulição e vai cozinhar mais rápido". Olha isso, que legal, sabe!? Eu acho que esse conhecimento que é o verdadeiro conhecimento, sabe, que se manifesta de forma física, concreta na sua vida. Não só um mero, uma mera fórmula pra você resolver exercícios. Acrescentam em mim como pessoa e na minha vida diária, sabe? No meu dia-a-dia. Não quero esquecer de tudo. Mas óbvio, tem tantas coisas desnecessárias... Como eu tinha te falado, não tem a menor aplicabilidade. Por exemplo, matrizes em matemática não serve pra nada, sabe? O próprio professor em sala quando foi dar essa matéria disse: "desculpa, gente, mas não tem o que te dizer pra que você vai usar isso, você vai usar pra resolver questões de vestibular".

Juliana

Só ballet ou só escola

Eu gosto muito do ballet. E eu levo jeito pra isso, é uma coisa que é natural no meu ser, sabe? E esse ano eu dancei meu primeiro solo, minha primeira variação. E essa foi uma experiência muito marcante na minha vida neste ano, que eu vou usar pra sempre. Eu tava pensando ontem,

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justamente... Todas as minhas memórias de coisas boas, neste ano, não todas, mas a maioria delas, estão relacionadas ao ballet, sabe? Não necessariamente à escola. No primeiro semestre eu abri mão de estudar, de me dedicar à escola justamente pra me dedicar ao solo, meu primeiro solo no ballet. Eu não me arrependo disso, por incrível que pareça. Eu acho que isso valeu tanto a pena que eu não, não faria diferente agora. É claro que o ano que vem talvez eu faça cursinho e eu continue no ballet, mas eu quero saber equilibrar isso, sabe? Porque no primeiro semestre foi só ballet e no segundo semestre só escola. E nos dois semestres, por mais que eu ache que tenha valido a pena... parece que faltou alguma coisa, faltou esse equilíbrio. E ter passado por esse ano, ter passado por esse momento de só ballet e só escola, foi o que eu te falei que fez parte do meu crescimento, sabe? Pela minha falta de foco no início e pelo meu amadurecimento. Eu vivi uma coisa, o oito e o oitenta, agora eu quero equilibrar os dois nesse próximo ano que vai vir.

Juliana

Mônadas construídas a partir do diálogo com o Carlos

A questão da melhora de vida

Eu estudei sempre em escolas públicas, em São Paulo, aí eu mudei pra Campinas, pra Sumaré, na quarta série e fiz toda minha trajetória até o Ensino Médio lá. Aí depois eu fiz cursinho em escolas privadas. Sobre minha trajetória de vida...ah, eu acho muito importante a questão econômica, né? Eu não sou uma pessoa que esbanja dinheiro e acho que uma das formas de você querer prestar uma faculdade pública e conseguir entrar numa faculdade pública é a questão da melhora de vida, que pode trazer benefícios pra mim. Eu nunca tive pai, meu pai faleceu quando eu era criança, então eu acho que essa falta de...sei lá, sabe? Alguém que trabalha...me levou pra essa área de querer essa longa estrada que é o vestibular e querer entrar numa faculdade pública.

Carlos

99% de tudo que eu aprendi

Eu sempre gostei de estudar desde criança, sempre fui bom aluno, não tenho dificuldade nas matérias, sempre fui muito autodidata. No meu Ensino Médio eu estudei no 2º e no 3º pro vestibular... mas bem básico, porque eu não tinha base nenhuma. Por exemplo, eu pegava as provas, tentava fazer, assistia umas vídeo-aulas, o que foi bom pra mim quando eu entrei no cursinho, porque eu já conhecia o estilo de prova. Onde eu estudava as aulas eram normais, mas acho que a escola pública prepara você pro mercado de trabalho, ou talvez nem tanto assim... mas comparado à escola particular ela prepara você pro vestibular. 99% de tudo que eu aprendi foi no cursinho. Eu acho que os professores de escola pública não tão preparados pra lidar com a carga que é um vestibular como vocês aqui na escola particular. É muito diferente. Acho que é a falta de estímulo deles...ter que trabalhar todo dia numa sala de 50 alunos, muitos dos alunos não os respeitando...e talvez até a falta de preparação deles. (...) Quando eu saí do Ensino Médio eu não via a hora de

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terminar. Nunca gostei de estudar em escola pública, na verdade eu tentei passar pro Cotuca só que eu não consegui.

Carlos

Um mundo um pouco utópico?

verdade, eu tento pensar na questão de um mundo onde as pessoas tenham os mesmos direitos, as mesmas possibilidades, que todos tenham a chance de entrar numa faculdade... sabe? De ter uma vida igual, embora eu saiba que isso é um pouco utópico da minha parte, mas eu tento trazer pra mim que meus governantes eles têm que oferecer pra mim algo que traga benefícios. Não só pra mim... pra mim e às pessoas a minha volta.

Carlos

Mãe, eu não quero mais trabalhar

Esse foi um ano muito difícil. No ano passado, meu primeiro ano de cursinho, embora eu tenha estudado bem mais que nesse ano eu estudava das 6 horas até meia noite, mais ou menos... mas nesse ano eu tive que trabalhar. Eu trabalhei à noite, das 7 da noite às 7 da manhã, então tinha dia que eu vinha pro cursinho com sono, sabe? Destruído, mas eu ficava estudando. Muito cansativo. Foi um ano de muitas conquistas, também. Eu consegui passar pra segunda fase do vestibular. Mas meu ano foi voltado pra isso. Inclusive minha mãe já tá há três meses querendo comprar um carro

eu tenho que parar um pouco, mas não. Primeiro quero passar no vestibular e depois penso nas outras coisas. Meu foco nesse ano foi de fato o vestibular, totalmente voltado pra ele. (...) Tinha dia que eu chegava em casa chorando, porque eu tava muito cansado. Eu fa

Carlos

Preconceito com universidade particular

Hoje eu vou trabalhar. Então eu fico aqui no cursinho até cinco e meia, estudando, depois eu vou trabalhar (...) Eu trabalho num hospital em Campinas, Hospital Madre Theodora. Eu tenho muito contato com pessoas da área médica, enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem. Embora nunca tenha sido minha área, é muito interessante lidar com pessoas mais adultas que você. Na verdade, esse foi meu primeiro emprego e pra mim foi muito bom como homem... você tira talvez

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aquela ideia de que a universidade pública é a melhor do mundo e só ela pode te fazer trabalhar bem. Porque praticamente todos os profissionais de lá não são de universidades públicas, são de universidades particulares, e são pessoas e profissionais muito bons. Essa foi uma parte boa pra mim porque talvez me fez tirar da cabeça: Só Unicamp é boa, só Fuvest é boa e só Unesp é boa e a PUC talvez não. Você sabe que no ano passado eu passei na PUC, e eu não fui porque tinha esse preconceito com universidade particular. Eu via a universidade particular como inferior. E pra mim foi bom tirar um pouco da minha ideia, embora o meu foco continue sendo uma faculdade pública.

Carlos

Depois que entrar na faculdade acabou

Meus planos pro futuro são entrar na faculdade, começar um curso de inglês bem mais completo... Depois? Não sei! Meu foco hoje é entrar na faculdade, meu cérebro se limita a isso: entrar na faculdade e passou. Não tem mais o que fazer depois da faculdade... entendeu? Não penso em casar, ter filhos. Agora eu penso na faculdade, só. Depois que eu entrar na faculdade, acabou. Sou só eu

Carlos

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Camila

Estudar até duas, três horas da manhã

Eu tenho 21 anos, estudei em escola pública durante todo o ensino fundamental, e no Ensino Médio eu fiz prova de bolsa e fui pro colégio I. Daí no terceiro colegial, na metade do terceiro eu fui pros Estados Unidos, fiz um ano de intercâmbio. Aí eu voltei e vim direto pra esse cursinho, fiz curso à noite, mas eu assistia as aulas de manhã, só pra pegar o ritmo de estudos de novo, porque eu tava bem parada. No ano seguinte eu decidi fazer turma medicina, em 2013, pra pegar um pouco mais pesado. E é aquele ritmo, né? Assistir aula de manhã e à tarde. Eu não tinha muito tempo pra estudar à tarde então eu estudava muito à noite, o que me desgastou muito. Chegou no fim do ano e eu já não conseguia mais manter o ritmo. Por eu me cobrar muito, lá pra setembro chegava seis horas da tarde e eu não conseguia mais estudar, não aguentava mais, não absorvia. Daí fui fazer o vestibular e vi que não deu resultado... porque eu acho que fiz muito errado de me cobrar muito, estudar até duas, três horas da manhã, acordar às seis. Acho que não adianta. Então nesse ano não tive resultados bons.

Camila

5 horas e tá resolvendo minha vida inteira

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assei, foi por minha culpa mesmo, é porque eu

necessidade de ser daquele jeito. Eu tomava muito café, muito energético... acho que é desnecessário chegar ao ponto que eu cheguei, de estudar até três horas da manhã, dormia três, quatro horas por noite. Aí em 2014 eu mudei minha rotina. Também era bem carregada, mas eu tirei um pouco mais de tempo pra descansar, e não deixei toda a vida social de lado. Então fiz isso no ano passado e vi que deu certo. (...) Quando eu comecei a receber os resultados das primeiras fases eu vi que tava fazendo a coisa certa. Mas acho que o nervosismo me atrapalhou um pouco, porque eu nunca tinha ido pra segunda fase. E é aquela coisa: 5 horas e tá resolvendo minha vida inteira. E aí isso ficou muito na minha cabeça. E aí não deu nem Unesp e nem Unicamp. Na Unesp eu fiquei numa colocação boa, mas não roda. Unicamp eu fiquei longe. Na UERJ eu fiquei por 0,25 pra ser chamada. Infelizmente pessoal de medicina pontua muito alto. Mesmo pontuando alto alguém pontuou mais alto que você.

Camila

Uma das melhores fases dos últimos anos

No ano passado eu fiz a PUC e foi a pior prova que eu já fiz. (...) E aí no dia que eu tava fazendo prova da Famerp eu descobri que tinha passado na PUC e não acreditei, não entendi o porquê. (...) Então terminei 2014 com essa sensação de que eu não ia voltar pro cursinho mesmo, eu tava super feliz. É outra realidade, eu nem me lembro mais da sensação. E como eu tinha colocado pro meio

inglês onde estudei por muito tempo, fiz uma prova, fiz o treinamento e comecei a dar aula. Foi uma realidade totalmente diferente, eu não tava nem um pouco preocupada com o vestibular. Eu vim aqui no cursinho também e comecei a dar plantão de dúvidas, e ocupei muito o meu tempo. (...) Eu tava tão desencanada, despreocupada... no meu tempo vago eu podia assistir um filme, ler um livro, sair. Convivia muito com meus pais, porque em época de vestibular você passa mais tempo aqui no cursinho do que em casa. Foi uma das melhores fases dos últimos anos. Foi bacana, mesmo tendo durado pouco.

Camila

Eu nunca imaginei que na minha vez fosse dar errado

Meus pais sempre ficaram de olho pra ver se ia sair alguma coisa do FIES. E saiu que não ia ter FIES pro primeiro semestre, e aí eu já fiquei com o pé atrás, fiquei um pouco balançada mas continuei na expectativa que fosse dar certo. Porque eu nunca imaginei que na minha vez fosse dar errado. Tenho vários amigos que fazem faculdade particular, todos eles com FIES 100%, e eu nunca pensei que na minha vez fosse dar errado. Aí em junho foi quando o governo falou que não

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ia ter mais FIES pro segundo semestre. Foi numa quarta feira, e eu vim dar plantão de dúvidas

e segunda feira eu tava aqui, e não vou mentir: eu fiquei uns dois meses bem desligada, eu não tava aqui. Eu fazia, mas não absorvia o que eu fazia. Eu pensei até em não voltar pra esse mesmo

ão de aluno. Não por isso. Mas é que é triste olhar pra pessoas que antes você ajudava e agora você tá no mesmo patamar que elas, entendeu?

Camila

Passei e apaguei tudo o que eu sofri

Quando eu passei no vestibular eu realmente apaguei tudo na minha cabeça, tudo que eu sofri. Toda aquela ansiedade passou. Então eu tive que tentar me acostumar a sentir tudo aquilo de novo. E foi difícil, eu fiquei um tempo desligada, tentei voltar à rotina, voltei àquele ritmo de estudo, mas só consegui fazer isso a partir de agosto desse ano. E, mesmo já tendo uma bagagem de estudos, eu sabia que isso poderia refletir no final do ano. Porque eu acho que foi um ano muito mais pesado psicologicamente, e influenciou mesmo. Eu tive resultados bons até agora, mas naquelas que são as que eu mais quero, a Unesp e a Unicamp eu fiquei poucos pontos abaixo da nota de corte, o que já tira você da competição. Foram notas altas, mas no ano passado eu fui melhor. E eu sei que isso é reflexo do que passei, sabe? Porque eu não consigo simplesmente esquecer. Eu passei um semestre desligada, sem conseguir absorver mesmo. Eu voltei a uma rotina que eu já não tava mais acostumada e que é um ritmo tão pesado que eu não tive tempo de digerir o que aconteceu comigo, sabe? E as pessoas perguntavam: aceitar o que aconteceu.

Camila

Explicando o vestibular para os americanos

No Brasil, essa parte de entrar numa universidade eu não acho justo. Eu acho que todos os seus anos de estudo não se resumem a uma prova. Então várias vezes eu já tentei explicar pra família que eu morava nos Estados Unidos. Eu falei pra eles que eu prestava medicina, e eles sempre

que você fica todo ano estudando a mesma coisa, sabe? Eu falo: é uma escola que te prepara pra você fazer uma prova que vai te colocar dentro de uma universidade. E eles acham um absurdo essa prova só acontecer uma vez no ano. Eu falo: são 5 horas de prova, e se você não passar, você estuda um ano de novo. E eles não entendem que você estudou o ano inteiro pra prestar uma prova e se você não passar nessa uma prova você tem que estudar o ano inteiro de novo.

Camila

91

As coisas ruins a gente esquece

No futuro, com certeza, eu vou estar cursando medicina. Não sei aonde, mas pretendo nunca deixar de acreditar que eu consigo alcançar o que eu quero. Eu vou fazer medicina, pode não ser nesse ano, pode não ser ano que vem, mas eu vou fazer. (...) Felizmente as coisas ruins a gente esquece, porque no final é tão gratificante que mesmo sendo um caminho tão difícil acho que as coisas boas prevalecem. Você vê que você é capaz. Quando eu passei, eu posso dizer, eu apaguei as coisas ruins, sabe? Eu esqueci mesmo. Ficaram as coisas boas.

Camila

Mônadas construídas a partir do diálogo com o João

Devo ser disléxico, não é possível

Eu vim do interior, de Matão, mas logo cedo já vim pra cá. Já moro em Campinas faz dez anos. E eu estudei numa escola particular que não era focada em vestibular, vestibulinho ou coisa alguma. Nunca fui um aluno empenhado na escola, sempre tentei levar com a barriga mesmo, e era assim... só que a escola que eu estudava só tinha até 9º ano. E aí como meu irmão tinha estudado aqui nessa

diferente, professores diferentes. E você vê que vai ter prova semanalmente, e simulado. E eu fiquei assustado, me dei mal... no 1º ano eu não repeti, mas quase todo bimestre eu ficava de recuperação de alguma coisa, ainda mais de física e matemática, que eu tenho muita dificuldade. (...) Chegou o

preparada, tem aula à tarde... Aí prestei Economia e não passei. (...) Mesmo que falem que o cursinho é uma coisa ruim, acho que esse ano foi fundamental pra mim, porque tinha coisas que eu consegui absorver que me influenciaram muito. Coisas sobre economia, política e coisas que foram

isso estou prestando História nesse ano.

João

As coisas que eu mais gosto de fazer na vida e tive que abdicar

Esse ano foi cansativo... porque acordar 5:50 da manhã, vir pra cá, ter sete aulas de 50 minutos, voltar pra casa de ônibus, almoçar, estudar o máximo que você consegue pra um vestibular que pede que você saiba briófitas pra ser advogado... é difícil, cara. Eu nem tenho relação com a minha mãe direito. Meu pai trabalha até às 7 horas da noite, minha mãe chega em casa uma e meia. Eu não consigo conversar com ela, não consigo brincar com os meus cachorros. Eu tenho três

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cachorros e não consigo brincar com eles, porque chego em casa e vou estudar até 10 horas da noite. Consigo dar boa noite pra minha namorada, pra minha mãe e pros meus cachorros. Eu vejo meu irmão a cada dois dias e ele mora na minha casa, sabe? Não vou falar que esse ano foi totalmente perdido, mas eu perdi um ano de relações com a minha família, e com meus próprios amigos também. Não consigo sair porque tenho que estudar, final de semana eu tenho que revisar e ler jornal pra ficar atualizado, porque cai no vestibular também. Todo meu foco tem que ficar no vestibular e eu não consigo desviar minha atenção pra qualquer coisa. Eu não posso mais jogar vídeo-game, tocar guitarra eu só toco quando vou ensaiar com a banda... É uma das coisas que eu

que fazer, que é a faculdade.

João

O vestibular é desigual

Eu acho o vestibular desigual, cara. Eu acho que ele não ajuda... mesmo que ele selecione os melhores, ele perde a oportunidade de selecionar pessoas que podem ser as melhores. Eu não acho que é efetivo...uma pessoa que tá prestando História na Fuvest não precisa saber o que é uma briófita. Uma pessoa que tá prestando Química não precisa saber quem foi Gil Vicente. Então são coisas que não te qualificam. Um médico que sabe quem é Gil Vicente não é tão bom quanto um médico que sabe curar o câncer. Eu não quero ter que saber química orgânica se vou fazer História. Se vou virar sociólogo eu preciso saber analisar a sociedade, não tenho que saber polinômio. Acho que isso desqualifica os nossos profissionais e elitiza o vestibular também. Se a Unicamp e a Fuvest fazem um vestibular tão difícil, com certeza o aluno de escola pública não tem a mesma possibilidade de entrar como um cara que fez uma instituição privada. Quem tá nessas instituições privadas é quem tem dinheiro. Ou seja, quem não tem dinheiro não vai fazer uma escola boa, não vai passar no vestibular e não vai conseguir uma carreira. Por isso que eu acho o vestibular totalmente desigual, sabe? (...) Nesse ano na Unicamp tinha uma questão que perguntava pra que lado gira o furacão. Se você vai ser geógrafo, tudo bem, tem que saber isso. Mas se você vai ser médico, não vai mudar nada. Por isso foi uma prova mais elitista, as provas estão ficando mais elitistas. Quem faz essa prova é só quem teve uma educação boa. (...) A Fuvest faz prova de professor pra professor. Meu professor de matemática disse que demorou meia hora pra fazer uma questão. O cara é professor de matemática, faz 20 anos que ele dá aula, demorou meia hora, e eu, que quero ser historiador, tenho que saber isso.

João

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Luiza

Aí eu não passei, obviamente

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Eu estudei no Ensino Médio num colégio técnico particular, mas eu considero muito como uma escola pública paga. Porque o ensino era péssimo, eles não têm material... pra você ter uma ideia, não tem o ensino técnico à tarde, é o técnico e o médio tudo de manhã. Então a primeira prova de vestibular que eu fiz, em 2012, eu praticamente quebrei as pernas. Cheguei lá, me deparei com um conteúdo que eu não fazia a menor ideia que eu ia aprender. Aí eu não passei, obviamente, e decidi não fazer cursinho naquele ano. Eu queria aproveitar o que eu fiz no técnico em Publicidade. Então fiquei uns 6 meses fazendo estágio no colégio mesmo, parei no meio do ano pra estudar por conta pra prova de bolsas dos cursinhos.

Luiza

Pra quem estudou, boa prova, pra quem não estudou, boa sorte

Eu não tive base nenhuma em matemática, então meu namorado comprou um material pra mim pela internet, um material usado de cursinho, e hoje eu me sinto muito melhor em matemática do que em qualquer outra matéria. Foi bem difícil, eu chorei muito pra aprender, mas hoje até que sou boa nisso. Porque matemática é exatas, né? 2+2 são 4 e sempre serão 4. Gosto muito de português e artes também, mas sou muito ruim em história. São muitos nomes, muitas datas, tenho muita dificuldade de memorizar. E com certeza a coisa que você mais precisa ter no vestibular é ter a matéria decorada. No vestibular eu tenho 20 perguntas sobre três anos de conteúdo, que eu tenho

estudou, boa sjustamente aquilo que eu sei bastante. Então teoricamente depende sim da sorte, depende da memória da pessoa.

Luiza

Uma nota de corte muito alta e pouquíssimas vagas

Esse ano eu percebi que se eu não souber como relaxar, como fazer isso direito, eu não vou passar no vestibular. Um fator que depende muito pra mim é essa tensão, que me atrapalha pra fazer a prova inteira. Eu consigo muito bem fazer alguns exercícios depois da prova, e eu vejo como eu fui idiota e não consegui fazer, alguns exercícios eu errei por besteira. Então atrapalha muito, a prova não avalia o conteúdo, se você tá ou não preparado, porque você não tá preparado pra passar por momentos de tensão. Meu rendimento nesse ano foi uma m****. Por estar cansada mesmo, sabe? Já pensei em desistir várias vezes. (...) E no meu caso tem muita coisa que é causada por uma nota de corte muito alta e pouquíssimas vagas. A Unicamp é uma das maiores faculdades do Brasil e ela tem 30 vagas pro meu curso. Então eu tenho que ser uma das 30 melhores dentre as 5 mil. Isso é muito peso pra mim. O que tem que mudar é o número de vagas, tem que ampliar muito o número de vagas. A Unicamp tem um prédio novo pra Midialogia e até agora não saiu nada. Eu não sei se vão chegar a construir mais universidades, mas se as atuais ampliarem as vagas já ajuda

94

muito a aliviar essa tensão. Eu tenho muita certeza que se não tivesse tanta pressão de 30 vagas, e dois anos de cursinho eu faria uma prova bem relaxada.

Luiza

Nesse ano eu sinto que cometi o mesmo erro

No ano passado eu aprendi muita coisa, porque foi meu primeiro ano de cursinho, então eu vinha aqui aprender. Nesse ano, teoricamente, eu vim revisar. Mas o que acontece: você vai chegando perto do meio do ano e vai acumulando muita matéria, tanta matéria que você tinha que aprender. Daí vai chegando perto do fim do ano e vai ficando praticamente impossível de aprender alguma coisa. E nesse ano eu sinto que cometi o mesmo erro. No começo do ano: ralei, ralei, ralei. Chegou no meio do ano: improdutividade total, cansaço, não conseguia estudar nada. Isso é muito ruim. Não tem como culpar outra coisa sem ser a educação que a gente recebe.

Luiza

O vestibular não me desenvolve

Eu odeio isso, não é legal, não foi um ano divertido. Eu parei de fazer tudo o que eu gostava de fazer. Eu gostava de fazer academia e parei. Eu fazia teatro, eu aprendia música, eu fazia muita coisa que eu gostava muito de fazer e que eu sinto que me desenvolvia. Isso eu não sinto que me desenvolve. Não me desenvolve nada, isso me... programa. Você tem que ser programado pra fazer o vestibular.

Luiza

Eu tenho muito medo de não dar, porque eu não tenho outros planos.

um ano de cursinho, um ano

medo... de não dar. Porque eu não tenho outros planos. Eu quero isso, sabe? E ainda mais porque você não presta concurso? Por que não vai pra uma

você não tá conseguindo mesmo. E minha família é parte disso.

Luiza

O sonho do meu pai é que eu entre na Unicamp

O sonho do meu pai é que eu entre na Unicamp. Quando eu tava no último ano do fundamental, eu tinha ido fazer o vestibulinho de um colégio técnico e a gente tava voltando e passamos na frente de um cursinho. E ele disse que pagava três anos de cursinho, mas não pagava uma faculdade

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particular. (...) Basicamente, porque ele sabe que a Unicamp vai me abrir portas, e que, por mais que eu não queira uma engenharia que talvez também seja parte do sonho dele ele sabe que se eu quiser isso, é a Unicamp que vai abrir portas, não é qualquer faculdade que eu fizer. Se eu fizer qualquer uni-esquina eu não vou ter as mesmas oportunidades que se eu fizer Unicamp. Acho que é o sonho de qualquer pai ver o filho numa universidade pública. Pra uma pessoa da minha idade,

acontecer na sua vida. (...) Porque você fazendo uma faculdade boa, não tem como você não ter garantia de ter uma vida pelo menos razoável. (...) Meu namorado mesmo...ele me vê pensando em

eu fico pensando mesmo, se eu vou ou não pra Ufscar se eu passar nesse ano. Se eu passar, eu vou desistir do que eu queria mais, que é Unicamp ou USP?

Luiza

A parte física e mental

Nesse ano eu fiz meu quarto ano de prova de vestibular. Não é nada novo pra mim, mas o duro é você pensar que o seu ano inteiro não valeu a pena pra nada. Você chegou ali e não viu a questão que tava na apostila, basicamente não sabe desenvolver o raciocínio ou não tem tempo pra isso. Na primeira fase o problema pra mim é o tempo. (...) E fora isso, tem a parte física e mental, dá dor de cabeça, dor no corpo, no pescoço, de ficar horas... Essa parte física, você cansa muito. (...) O ENEM, por exemplo, é uma prova que eu considero de conteúdo mais fácil, mas de cansaço mais difícil. Eu não fiz quase nenhuma de matemática, e é a matéria que eu tenho mais facilidade

Luiza

Se eu chegar lá, então valeu a pena

No futuro eu vou lembrar... eu espero... se eu estiver lá, vou pensar que valeu a pena. Não foi um bom período, mas se eu estiver lá, e tiver passado, então valeu a pena. Valeu a pena abrir mão de muitas coisas, valeu a pena ter ralado... tudo valeu a pena, porque eu cheguei onde eu quis chegar. Eu só tô fazendo isso porque eu almejo aquilo. Eu almejei aquilo a minha vida inteira, e, se eu chegar lá, então valeu a pena.

Luiza

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Ingrid

Tenho dó de quem estuda em escola pública

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Eu sou daqui de Campinas, desde pequena estudei em escola pública, até a oitava série, meu pai optou por isso, aí ele falou que colegial ele preferia pagar, ele acha que ensino fundamental não precisa (de particular). Péssimo ensino, horrível. Professor falta... Eu sabia que o ensino era ruim porque não tinha aula, minha mãe sabia que não tinha aula, minha mãe se arrepende de não ter me colocado desde pequena numa escola particular. Até meu pai se arrependeu. Ele achava que não era importante, mas é sim, importante. Percebi que... No primeiro ano do Ensino Médio eu senti uma grande diferença. (...) Eu cheguei aqui nesse colégio e não sabia nada, eu chorei na primeira semana porque eu não sabia, ia ter prova e eu chorava. Professor chegava falando uma coisa que era pra ter aprendido na oitava série e eu não tinha visto. É péssimo o ensino na escola pública, péssimo, péssimo. Tenho dó de quem estuda... Se pudesse mudar isso, eu mudaria. É horrível!

Ingrid

Então corre atrás

Sempre fui boa aluna. Desde pequena eu queria tirar 10, 9, se eu não tirasse eu chorava. Sempre fui uma boa aluna, as pessoas copiavam e colavam de mim... Porque a minha meta era tirar 9, 10, sempre era isso. Eu vim de lá da escola pública tirando 10, 10, 10, e aqui eu tirei 6? Como assim? O que aconteceu? (...) Aí eu fui atrás do professor, e ele falou: você tem que se esforçar, é assim mesmo, você vem de uma escola pública, vai atrás . Eu lembro, eu tirei 6 e meio em física. Aí eu chorei, eu falei: não sei o que eu faço . "Então corre atrás". Aí eu senti uma grande diferença, uma evolução, mudei, realmente.

Ingrid

Não sei por que é que aqui vocês não podem sentar

Aqui nesse colégio é totalmente diferente. Bagunça, acabou bagunça na classe. Todo mundo se comporta, ninguém responde o professor, é totalmente diferente. Eu estranhei quando cheguei aqui, eu falei: gente, mas porque todo mundo está quieto? Ninguém abria a boca na aula, ninguém conversa. Pra mim essas conversinhas não são nada perto de uma escola pública. Não é nada. Eu estranhei completamente o ensino. As pessoas são diferentes, sabe? Até os alunos se comportam de maneira diferente. (...) Eu estranhei que aqui os professores não têm onde sentar. Na escola pública tem uma mesa e uma cadeira pra sentar, aqui não. Achei bem estranho... Eles não poderem sentar. Não sei por que é que aqui vocês não podem sentar. Não sei se é pra vocês não poderem ficar parados, sei lá.

Ingrid

Essa é minha rotina

Esse ano foi cansativo, corrido, triste. (...) Venho pra escola de manhã. Umas três vezes por semana eu fico aqui à tarde, nas outras eu vou pra casa, estudo em casa, uma vez por semana eu tenho aula de redação particular, aí em sexta-feira, normalmente, eu costumo sair com meus amigos, vou pra

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algum lugar, pra um cinema, pra relaxar um pouco, domingo à noite igreja. E domingo de manhã ensaio, ensaio da igreja, e domingo à noite, culto. Essa é minha rotina.

Ingrid

Se todo mundo tá atrasado, então tem alguma coisa errada

O ritmo é o mesmo no terceiro e no cursinho, mas eu esperava que no cursinho fosse mais fácil eu ficar em dia. Porque não tem provas pra você parar, mas continuo atrasada sempre. Eu pensei que eu não ia ficar atrasada, mas eu percebi que é a mesma coisa. (...) Sinto que acumulou muita coisa, que eu não consegui pôr nada em dia. Não sei se é por falta de planejamento ou por muita matéria realmente. Todo mundo fala que não consegue ficar em dia, não sei. Eu também tô falhando com meus estudos... Eu dou o meu máximo, mas à noite eu chego, canso, não consigo ficar até meia noite, entendeu? (...) Eu acho... Porque, se todo mundo tá atrasado, então tem alguma coisa errada, acho que não é a gente. A gente não é uma máquina que vai ficar escrevendo, estudando o dia inteiro. Nem que fizesse só isso não ia dar tempo de terminar tudo. Alguma coisa tá errada, eu acho.

Ingrid

Um trauma e um sonho

Ao mesmo tempo que é um trauma é um sonho. Meu sonho é passar em vestibular mas pra isso você passa um estresse emocional... Sei lá... É horrível! É horrível enfrentar o vestibular. É medo, sabe? Medo de não passar, concorrer, competir. Você tem que dar o seu melhor. E querendo ou não, mostrar pra sociedade que você é capaz, pras pessoas, sabe? Se eu pudesse não passar por isso eu não passaria. Eu não gosto de estudar, eu estudo mesmo porque é obrigado, é obrigação senão você não é nada na vida.

Ingrid

Pensando como governante

Eu acho que tem muito aluno capaz que estuda, se mata e não consegue por medo, ansiedade, tempo... Além de você ter que ser bom você tem que correr contra o tempo! Não acho que é uma coisa que seleciona os melhores, não acho. (...) Pensando como governante... tem que aumentar as vagas, aumentar as escolas, fazer mais faculdades públicas tão boas quanto as que tem aqui... mas o que que eu poderia mudar? Aumentaria o tempo da prova, diminuiria a quantidade de matéria na escola... Eu acho que é um problema, porque, por exemplo, eu vou prestar Farmácia. Pra que eu tenho que estudar história e geografia? Vamos focar nas coisas que realmente precisa pra entrar numa farmácia. Eu acho que eu separaria igual Fuvest faz no terceiro dia, específica. Eu acho que isso ajudaria bastante.

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Ingrid

Fui num psiquiatra, tomei um calmante

Eu sou uma pessoa muito nervosa, ansiosa. Eu choro antes da prova, eu fico nervosa, sabe? Você se desestabiliza. E eu acho que isso não é certo. No ano passado no dia da prova da Unicamp eu acordei... eu não conseguia comer, não descia nada, não almocei. Tentei empurrar alguma coisa,

que ir no banheiro, parei, aí voltei... fui super mal. Coisas básicas de matemática que eu gosto eu não conseguia fazer. Depois fui fazer a prova de novo, com calma, e era fácil. Então esse dia foi

gico: fui num psiquiatra, tomei um calmante... não desses tarja preta. Fui tomando desde agosto, me ajudou

Ingrid

Queria dar esse orgulho pro meu pai

Sinto que eu preciso fazer faculdade porque pra mim esse é o primeiro passo pra você conseguir alguma coisa na vida. Lógico que sem isso as pessoas conseguem, mas pra mim isso é o primeiro passo, a faculdade, que é o básico. (...) Acho que uma universidade pública tem nome, né? Em segundo lugar, o emprego. Acho que conta muito na hora de selecionar alguém: uma particular ou uma pública? E também uma das coisas que eu mais queria é dar esse orgulho pro meu pai. Porque com a minha irmã ele não tev

ele.

Ingrid

Se

Se eu passar na Unicamp ou na Usp, vai ser uma lembrança positiva. Daí

sei o que vai ser da minha vida daqui pra frente.

Ingrid

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5 - Algumas leituras possíveis a partir das mônadas

O próximo capítulo desta narrativa talvez tenha sido o mais difícil e penoso de se iniciar.

Após a qualificação e a apresentação das produções feitas até o início de 2016 à banca, a vida deste

pesquisador ganhou novas demandas profissionais e pessoais que em alguns momentos

infelizmente se impuseram como obstáculos à continuidade da pesquisa. O seguinte passo a ser

dado era a leitura sensível das mônadas e o apontamento de temáticas relevantes. Com o objetivo

de mergulhar em uma análise que garantisse um fechamento à pesquisa, devo confessar que nesta

nova etapa faltaram-me tempo e energia, ocupados em grande parte pelas intermináveis exigências

do cotidiano de um professor da educação básica no Brasil.

A leitura das mônadas produzidas a partir das experiências dos vestibulandos apresentava

possibilidades múltiplas, trajetórias diversas e todas atraentes. Partindo das narrativas dos

estudantes, os relatos relacionados a traumas, angústias e obstáculos emocionais se destacaram,

inseridos em um contexto de cultura escolar, com as especificidades na cultura das redes pré-

vestibular, aparentes nas experiências contidas nas mônadas e também em minhas memórias. Mas

havia também temáticas distintas que emergiram, tais como a desigualdade social e as diferenças

na trajetória de estudantes de escolas públicas e particulares. A pesquisa poderia rumar também

para o campo do currículo, confrontando as experiências dos jovens à legislação e às provas. As

possibilidades que se apresentavam pareciam absolutamente pertinentes e interessantes, mas não

seria possível, em meio a essa multiplicidade de caminhos, distanciar-me daqueles elementos que

despertam mais profundamente minhas memórias e sensibilidades. Foi justamente nessa etapa de

leitura contínua e sensível das mônadas que se esclareceram e tomaram corpo com maior firmeza

os objetivos de possibilitar que estudantes em fase de realização do vestibular narrassem suas

visões, angústias, sonhos e experiências, para evidenciar suas trajetórias geralmente silenciadas.

Por isso, parece pertinente, nesse momento, analisar as mônadas produzidas a partir do

contato com os estudantes sob a ótica de algumas contribuições conceituais e metodológicas de

autores que tiveram destaque em minha formação. Espero dialogar com as mônadas e levantar

possíveis reflexões sobre as temáticas nelas contidas, trilhando uma trajetória narrativa em direção

aos objetivos desta pesquisa. O leitor deve saber que o tom seguirá subjetivo, pois não se trata aqui

de tirar conclusões fechadas e nem de esgotar o debate. Meu propósito é inaugurar uma discussão

que até então me parece alheia à academia.

100

5.1 - Limiar

Para iniciar essa conversa, antes de apontar temáticas contidas nas mônadas, volto à Walter

Benjamin, focalizando, como ponto de partida, o conceito de limiar, discutido pelo autor e

analisado profundamente por Jeanne Marie Gagnebin em Limiar, aura e rememoração (2014).

O primeiro capítulo da obra se inicia com um fragmento benjaminiano que apresento aqui

ao leitor:

Ritos de passagem assim se denominam no folclore as cerimônias ligadas à morte, ao nascimento, ao casamento, à puberdade etc. Na vida moderna, estas transições tornam-se cada vez mais irreconhecíveis e difíceis de vivenciar. Tornamo-nos muito pobres em experiências liminares. O adormecer talvez seja a única delas que nos restou. {E com isso também o despertar.} E, finalmente, tal qual as variações das figuras do sonho, oscilam também em torno de limiares os

-portas da imaginação} [Paysan de Paris, 1926, Paris, p. 74]. Não é apenas dos limiares destas portas fantásticas, mas dos limiares em geral, dos amantes, os amigos, adoram sugar as forças. As prostitutas, porém, amam os limiares das portas do sonho. O limiar [Schwelle] deve ser rigorosamente diferenciado da fronteira [Grenze]. O limiar é uma zona. Mudança, transição, fluxo estão contidos na palavra schwellen [inchar, entumescer], e a etimologia não deve negligenciar estes significados. Por outro lado, é necessário determinar [manter, constatar] o contexto tectônico e cerimonial imediato que deu à palavra seu significado. Morada do sonho. (BENJAMIN apud GAGNEBIN, p. 34)

Há aí algumas reflexões que podem ser feitas sobre o conceito de limiar, tal como é

discutido pela autora. Emerge das palavras a menção a uma pobreza de experiências liminares: a

análise do vestibular como limiar e o enfraquecimento das experiências liminares me parecem

possíveis a partir do olhar sob a modernidade e o capitalismo. Pode-se olhar para esse rito de

passagem a transição do ensino básico ao Ensino Superior com significados diversos a partir

do conceito de limiar. Em primeiro lugar, destaca-se a acepção do limiar do alemão Schwelle,

traduzido pela autora também como soleira, umbral. O limiar pertence tanto à ordem do tempo

quanto do espaço. Com isso, chega-se à noção do local que permite que um andarilho transite de

um lugar determinado para outro. Na arquitetura, o limiar pode ser caracterizado, então, como

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soleira de porta ou vestíbulo (GAGNEBIN, 2014, p. 36). Retomando os significados da palavra

vestibulum, que significa entrada, como destacado no início

do capítulo referente à contextualização histórica. Explicita-se, assim, a

o rito de passagem dos estudantes ao Ensino Superior.

O limiar, como aponta Jeanne Marie Gagnebin, é uma zona que lembra fluxos, viagens e

desejos (idem, p. 37), algo presente e constante nas falas dos estudantes entrevistados. Em meio à

modernidade capitalista que precariza o ensino público e limita a expansão de vagas das grandes

universidades estaduais, a transição para a vida universitária deixa de ser apenas uma passagem

natural que as elites experimentam no início da juventude, e passa a compor um espaço de disputa.

A competição instaurada e dificuldade de se atingir o objetivo eleva o ingresso nas universidades

ao patamar de sonho, como podemos observar nas mônadas dos estudantes:

O sonho do meu pai é que eu entre na Unicamp

O sonho do meu pai é que eu entre na Unicamp. Quando eu tava no último ano do fundamental, eu tinha ido fazer o vestibulinho de um colégio técnico e a gente tava voltando e passamos na frente de um cursinho. E ele disse que pagava três anos de cursinho, mas não pagava uma faculdade particular. (...) Basicamente, porque ele sabe que a Unicamp vai me abrir portas, e que, por mais que eu não queira uma engenharia que talvez também seja parte do sonho dele ele sabe que se eu quiser isso, é a Unicamp que vai abrir portas, não é qualquer faculdade que eu fizer. Se eu fizer qualquer uni-esquina eu não vou ter as mesmas oportunidades que se eu fizer Unicamp. Acho que é o sonho de qualquer pai ver o filho numa universidade pública. Pra uma pessoa da minha idade, entrar na Unicamp e ter spode acontecer na sua vida. (...) Porque você fazendo uma faculdade boa, não tem como você não ter garantia de ter uma vida pelo menos razoável. (...) Meu namorado mesmo...ele me vê pensando em vestibulares pelo ENEM, como a

eu fico pensando mesmo, se eu vou ou não pra Ufscar se eu passar nesse ano. Se eu passar, eu vou desistir do que eu queria mais, que é Unicamp ou USP?

Luiza

A questão da melhora de vida

Eu estudei sempre em escolas públicas, em São Paulo, aí eu mudei pra Campinas, pra Sumaré, na quarta série e fiz toda minha trajetória até o Ensino Médio lá. Aí depois eu fiz cursinho em escolas privadas. Sobre minha trajetória de vida...ah,

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eu acho muito importante a questão econômica, né? Eu não sou uma pessoa que esbanja dinheiro e acho que uma das formas de você querer prestar uma faculdade pública e conseguir entrar numa faculdade pública é a questão da melhora de vida, que pode trazer benefícios pra mim. Eu nunca tive pai, meu pai faleceu quando eu era criança, então eu acho que essa falta de...sei lá, sabe? Alguém que trabalha...me levou pra essa área de querer essa longa estrada que é o vestibular e querer entrar numa faculdade pública.

Carlos

Um trauma e um sonho

Ao mesmo tempo que é um trauma é um sonho. Meu sonho é passar em vestibular mas pra isso você passa um estresse emocional... Sei lá... É horrível! É horrível enfrentar o vestibular. É medo, sabe? Medo de não passar, concorrer, competir. Você tem que dar o seu melhor. E querendo ou não, mostrar pra sociedade que você é capaz, pras pessoas, sabe? Se eu pudesse não passar por isso eu não passaria. Eu não gosto de estudar, eu estudo mesmo porque é obrigado, é obrigação senão você não é nada na vida.

Ingrid

Os fragmentos destacam um aspecto do vestibular relacionado a um futuro idealizado, um

sonho que se deve buscar, mas que se expressa como fantasmagoria. Em Benjamin (2007), a

modernidade, dominada pelas fantasmagorias, vê a aparição de imagens que não correspondem ao

real. Ao mesmo tempo que são percebidas e que buscam aparecer e corresponder ao real, não estão

presentes, configuram-se como ilusão. Nesse sentido, ainda que esteja atrelado a traumas, medos e

angústias, os estudantes colocam a aprovação em uma grande universidade, como a Unicamp,

idealizações são aí marcantes, por considerar as universidades públicas como símbolo de uma vida

melhor, de portas se abrindo no mercado de trabalho. O sucesso profissional chega a aparecer como

algo inevitável se o indivíduo ingressa em uma grande univer

fazendo uma faculdade boa, não tem como você não ter garantia de ter uma vida pelo menos

razoável

Contudo, a visão idealizada da aprovação no vestibular se mostra ainda mais potente

quando se nota que o ambiente das escolas e cursos pré-vestibular cria a ideia de que a aprovação

103

nos exames é o grande objetivo de suas vidas, ou mesmo o fim de uma trajetória, de acordo com

os próprios vestibulandos:

Depois que entrar na faculdade acabou

Meus planos pro futuro são entrar na faculdade, começar um curso de inglês bem mais completo... Depois? Não sei! Meu foco hoje é entrar na faculdade, meu cérebro se limita a isso: entrar na faculdade e passou. Não tem mais o que fazer depois da faculdade... entendeu? Não penso em casar, ter filhos. Agora eu penso na faculdade, só. Depois que eu entrar na faculdade, acabou. Sou só eu assim? O

r na faculdade.

Carlos

Dessa forma, o vestibular, em sua função de exame de seleção, deixa de representar fluxo,

transição. As provas se distanciam da noção de limiar, do rito de passagem. Afinal, não há

passagem, o vestibular é um fim em si, sem permitir que nada mais exista. A incapacidade do

jovem Carlos de sequer sonhar com o que será de sua vida após uma possível aprovação pode

ser reveladora de aspectos que permeiam as mentalidades dos vestibulandos, no choque com a

atmosfera criada pela instituição escolar que os circunda, analisada mais adiante. A aprovação no

vestibular aparece, nas falas, como o grande propósito da vida. Mais do que isso, trata-se do único

objetivo a ser atingido. É nesse ponto que parece coerente aproximar tais reflexões à análise de

Gagnebin. Para ela, com o encurtamento do tempo nas sociedades capitalistas, as experiências

liminares tendem a ser substituídas por um achatamento da superfície sensorial e psíquica que vai

apagando as diferenças (idem, p. 43). Os planos individuais, desejos, especificidades e

subjetividades de cada um são substituídas por um único sonho, que deve ser o mesmo para todos

os jovens: ser aprovado no vestibular.

Fim da vida

Acho que os cursinhos, as escolas voltadas pro vestibular colocam o vestibular como se fosse a coisa mais importante da sua vida, você passa a ser alguém a partir do momento que você passa no vestibular. Então, se isso é assim, eu vou passar no vestibular e vou fazer o quê? O que é que eu vou fazer depois?

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Entendeu? Não vou ser selecionado pra passar no vestibular e segundo a escola que eu estudo, a minha vida acabou a partir daí.

Gabriela

Eu tenho muito medo de não dar, porque eu não tenho outros planos.

terceiro ano e tenho muito, muito medo... de não dar. Porque eu não tenho outros planos. Eu quero isso, sabe? E ainda mais porque tem que ouvir de todo mundo:

mundo fala isso pra você, porque todo mundo duvida que você consegue, porque você não tá conseguindo mesmo. E minha família é parte disso.

Luiza

De forma semelhante, nessas mônadas a ideia do vestibular também não parece se

aproximar do limiar como fluxo. Quando a jovem Gabriela indica a força da criação produzida

pelos cursinhos, nota-se que os exames se tornam medidores de relevância social: trata-se daquilo

que é o mais importante na vida e que simboliza o elemento que garante que o estudante seja

alguém. Afinal, segundo a jovem, a escola cria a ideia de que sem uma aprovação não há vida.

Assim, a trajetória da aprovação em um grande vestibular e a graduação numa universidade

pública, tratadas pelas escolas como o único caminho para o sucesso, são introjetada nos

vestibulandos e podem causar uma rejeição a outras possibilidades. O medo do fracasso cresce,

como aparece na fala de Luiza, porque não há outros planos. A aprovação no vestibular se torna

sonho e obsessão, que caminha ao lado do temor e da angústia.

A ideia do jovem como um indivíduo em busca de relevância social, ,

é apontada por Dayrell (2007) como dominante na sociedade, e aparece de forma contundente nas

narrativas dos alunos. Somente no futuro, na aprovação, há sentido para as ações do presente.

Há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, o que ainda não chegou a ser, negando o presente vivido. Essa concepção está muito presente na escola: em nome projetos de futuro, tende-se a negar o presente vivido do jovem como espaço

105

válido de formação, assim como as questões existenciais que eles expõem, bem mais amplas do que apenas o futuro. (pp. 40-41)

Pode-se pensar também no próprio curso pré-vestibular como espaço e instituição como

a representação de um limiar. Como apontado por Jeanne Marie Gagnebin (idem), o limiar não

significa somente a separação, mas também um lugar e um tempo intermediários, indeterminados.

O cursinho pode ser visto, assim, como situação indefinida. A autora destaca o diálogo entre

Benjamin e Kafka e aponta uma possibilidade de limiar não como lugar de transição, mas de

detenção, de estancamento e de exaustão, como o avesso da mobilidade (p. 45). Já em Primo Levi

o limiar aparece como uma zona cinzenta entre a vida e a morte, um não-lugar onde vagueiam os

mortos vivos (p. 48). A partir dessa acepção e também das falas dos jovens entrevistados, os cursos

pré-vestibular podem ser vistos como esse espaço-tempo de indefinição em suas vidas. Eles não

estão na escola; também não estão na universidade, e carregam consigo certo estigma de quem se

envergonha de ter que se preparar por tempo indefinido para prestar os exames, sem saber se a

aprovação virá. A própria sociedade parece não os reconhecer os estudantes do curso em elementos

básicos do cotidiano: diferentemente dos colegas do Ensino Médio ou da universidade, eles não

pagam meia entrada no ingresso do cinema, nem têm direito ao passe escolar nas passagens de

ônibus. Lembro-me de notar a vergonha sentida pelos estudantes do cursinho, que contavam que,

ao conhecer um pretendente em uma festa, preferiam mentir e dizer que estavam na universidade.

Enfim, o curso pré-vestibular, esse não-lugar, pode ser o espaço do constrangimento e da

indefinição.

Sobre esse aspecto, é possível refletir sobre algumas questões tocadas pelos vestibulandos.

Em sua mônada, Camila relata a dificuldade para contar à família norte-americana com quem viveu

sobre o vestibular e o cursinho:

Explicando o vestibular para os americanos

No Brasil, essa parte de entrar numa universidade eu não acho justo. Eu acho que todos os seus anos de estudo não se resumem a uma prova. Então várias vezes eu já tentei explicar pra família que eu morava nos Estados Unidos. Eu falei pra

de preparação, que não é escola, não

106

entender isso, que você fica todo ano estudando a mesma coisa, sabe? Eu falo: é uma escola que te prepara pra você fazer uma prova que vai te colocar dentro de uma universidade. E eles acham um absurdo essa prova só acontecer uma vez no ano. Eu falo: são 5 horas de prova, e se você não passar, você estuda um ano de novo. E eles não entendem que você estudou o ano inteiro pra prestar uma prova e se você não passar nessa uma prova você tem que estudar o ano inteiro de novo.

Camila

Assim, o curso pré-vestibular se materializa como a zona cinzenta de indefinição que

circunda os estudantes, um limbo de incertezas e angústias. É um espaço em que não se vive de

fato as sensações e experiências dos ritos de passagem. Em vez disso, vive-se a expectativa

carregada, a ansiedade e a competição por uma transição que pode nunca ocorrer. Para Benjamin,

trata-se de uma dificuldade moderna em viver experiências liminares, que para ele teria se

transformado em uma incapacidade de se experimentar vida com intensidade (idem, p. 50). Nesse

sentido, a pouca compreensão de estrangeiros sobre nosso sistema de preparação e seleção para o

ensino superior, talvez seja reveladora de que estamos naturalizando processos e instituições um

tanto quanto insólitos e injustos. Afinal, por que existem instituições especializadas em preparar

para o vestibular se o conteúdo exigido é, em teoria, aquele estudado em qualquer escola brasileira

de Ensino Médio? Por que o ingresso em universidades públicas se tornou uma competição cada

vez mais concorrida?

Seguindo a análise, retornemos a Benjamin para um outro olhar possível a partir da noção

de limiar. Chama atenção a diferenciação feita pelo autor entre limiar e fronteira. O limiar, marcado

pelo movimento, transição e fluidez, estaria cada vez menos presente na modernidade capitalista.

Assim, pensando na realidade da minha pesquisa, parece possível pensar no vestibular como parte

desse processo de empobrecimento das experiências liminares. O ambiente do cursinho e a

preparação para os vestibulares faria com que essa transição escola-universidade se materializasse

mais como fronteira limites bem estabelecidos e quase intransponíveis do que como limiar que

flui. A partir daí, é coerente olhar mais detidamente para algumas das mônadas produzidas a partir

da conversa com os estudantes e pensar no vestibular como fronteira intransponível. Em algumas

entrevistas, ao destacarem questões relativas ao formato das provas, revelam sua contestação a um

vestibular que se materializa como um grande obstáculo a ser traspassado:

107

É um sistema de avaliação totalmente incoerente

Acho que é ridículo. Totalmente ridículo. É um sistema de avaliação totalmente incoerente, acho que, sei lá, como é o caso do Enem, se trata muito mais de uma prova de resistência física do que um teste de conhecimento. É um absurdo você não conseguir terminar uma prova porque você não teve tempo pra ler os exercícios. Às vezes tem questões que eu saio da prova e aí eu lembro da resposta, mas ali, naquele momento, a pressão é tão grande que você não consegue pensar. Acho que é o que eu sempre digo, diz-se que existe muitos tipos de inteligência: inteligência linguística, inteligência matemática, inteligência artística e, se todas as essas inteligências são importantes, todas devem ser valorizadas. Então eu acho que cada um deveria ser testado na sua área de conhecimento, porque assim que essa pessoa vai contribuir para a sociedade, através da área que ela domina. Então, eu quero fazer jornalismo. Pra mim, qual a diferença que faz saber uma função exponencial de segundo grau? Não vou contribuir em nada.

Gabriela

Toda a estrutura social por trás do vestibular

Eu acho que deveria ter mais vaga, mais universidades. As nossas escolas deviam preparar melhor. Eu me sinto desconfortável em viver numa sociedade em que você entra na universidade porque você tem dinheiro pra pagar um cursinho ou par pagar uma escola, sabe? Eu acho que isso não é certo, o nosso Estado deveria fornecer uma educação pra todos, não é? E gratuitamente e de uma forma tão boa quanto é hoje nas particulares. E que isso possibilitasse que as pessoas chegassem com maior facilidade na universidade. Por que um aluno tem que sofrer tanto pra entrar num curso de Medicina? Não faz sentido, sabe? Muitos dos alunos que tão aqui pra entrar num curso de Medicina sabem muito sobre tudo, só que por uma ou duas questões não conseguem, não passam no vestibular. Acho isso totalmente incoerente. (...) O vestibular, a prova em si, não vejo nenhum problema nela. O problema é o que tá por trás dela, é toda a estrutura social, toda a estrutura cultural que tá por trás dela. A forma da prova ser feita, primeira fase objetiva, segunda fase redação e dissertativa, eu gosto, é um sistema bacana. Mesmo porque eu nem imagino outro sistema. Ah, tem os americanos também, que fazem entrevista com os candidatos.

Juliana

Pensando como governante

Eu acho que tem muito aluno capaz que estuda, se mata e não consegue por medo, ansiedade, tempo... Além de você ter que ser bom você tem que correr contra o tempo! Não acho que é uma coisa que seleciona os melhores, não acho. (...)

108

Pensando como governante... tem que aumentar as vagas, aumentar as escolas, fazer mais faculdades públicas tão boas quanto as que tem aqui... mas o que que eu poderia mudar? Aumentaria o tempo da prova, diminuiria a quantidade de matéria na escola... Eu acho que é um problema, porque, por exemplo, eu vou prestar Farmácia. Pra que eu tenho que estudar história e geografia? Vamos focar nas coisas que realmente precisa pra entrar numa farmácia. Eu acho que eu separaria igual Fuvest faz no terceiro dia, específica. Eu acho que isso ajudaria bastante.

Ingrid

As questões relacionadas aos moldes das provas envolvem reclamações direcionadas ao

tempo de prova, à quantidade de conteúdos exigidos e à obrigatoriedade de realização de provas

de disciplinas sem relação direta com aquilo que será estudando no curso superior. Essas são

algumas questões apontadas pelos alunos que tornariam a prova injusta e incoerente. Entretanto,

eles apontam também para a existência de uma estrutura por trás do vestibular que reproduz a

exclusão. A fala da jovem Juliana ilustra uma possível visão do vestibular como fronteira, uma

Por que um aluno tem que sofrer tanto pra entrar num curso de

Medicina? Não faz sentido, sabe? Muitos dos alunos que tão aqui pra entrar num curso de Medicina

sabem muito sobre tudo, só que por uma ou duas questões não conseguem, não passam no

vestibular. Acho isso totalmente incoerente

Desse modo, a cobrança por um aumento nas vagas existentes no ensino superior público é

latente e reforça o fato de os estudantes enxergarem nos poucos lugares disponibilizados

anualmente um obstáculo injusto e incômodo. Se fossem governantes, o aumento no número de

vagas nas universidades acompanharia as mudanças no formato das provas. Sobre esse aspecto,

não intenciono realizar uma análise estatística minuciosa sobre as vagas nos principais vestibulares

do estado de São Paulo, mas um rápido olhar para os números pode ser capaz de algumas

provocações:

109

Tabela 2 Vagas no curso de Medicina, crescimento populacional e matrículas no EM 1980 - 2016

Fonte: (FULGÊNCIO, 2016)

Os dados da tabela acima, disponibilizados no portal do curso preparatório Poliedro12

comparam as vagas do curso de Medicina de grandes universidades paulistas com o crescimento

da população brasileira e o aumento das matriculas do Ensino Médio do estado de São Paulo. Mais

adiante, o site também compara o crescimento da relação candidato/vaga em universidades como

a USP, a Unifesp, a UNESP e a Unicamp:

Tabela 3 - Evolução das vagas e candidatos inscritos no curso de Medicina 1980 2016 - Unicamp

12 Para mais informações, confira o portal com a análise completa: http://poliedromedicina.com.br/Os%20Vestibulares/An%C3%A1lise%20da%20concorr%C3%AAncia.html#accordiontab-notifications-aenean_faucibus Acesso em 20/12/2016

110

Fonte: (FULGÊNCIO, 2016)

Tomemos a Unicamp como exemplo: de 1980 até os dias atuais houve um inexpressivo

aumento de 90 para 110 vagas no curso de Medicina, enquanto os candidatos saltaram de 1700

para mais de 24 mil. A enorme discrepância entre o crescimento das vagas em universidades

públicas e o aumento da concorrência poderá ser tema para outras pesquisas, mas certamente esse

desequilíbrio tem influência na angústia que aparece nas falas dos vestibulandos.

Para além do formato das provas e do número reduzido de vagas, há também outros

incômodos que se manifestam nas falas dos estudantes, e que parecem caracterizar o vestibular

como um obstáculo incômodo para a realização de seus desejos:

Quanto maior a sua capacidade de armazenamento, melhor

Acho que avaliam o quanto você... acho que a sua capacidade de memória, como se você fosse um HD e quanto maior a sua capacidade de armazenamento, melhor. (...) Mas eu não acho que você deveria aplicar todo o conhecimento que você construiu ao longo da sua vida em 4 horas de prova, 5 horas, que seja. Eu acho que outras coisas deveriam ser levadas em consideração. Por exemplo, nos Estados Unidos eles levam em consideração se você fez trabalho voluntário, se você pratica esporte, então, assim, o que te faz um membro da sociedade é só o que você conhece que você estudou, você é útil só assim?

Gabriela

Pra quem estudou, boa prova, pra quem não estudou, boa sorte

Eu não tive base nenhuma em matemática, então meu namorado comprou um material pra mim pela internet, um material usado de cursinho, e hoje eu me sinto muito melhor em matemática do que em qualquer outra matéria. Foi bem difícil, eu chorei muito pra aprender, mas hoje até que sou boa nisso. Porque matemática é exatas, né? 2+2 são 4 e sempre serão 4. Gosto muito de português e artes também, mas sou muito ruim em história. São muitos nomes, muitas datas, tenho muita dificuldade de memorizar. E com certeza a coisa que você mais precisa ter no vestibular é ter a matéria decorada. No vestibular eu tenho 20 perguntas sobre três anos de conteúdo, que eu tenho que ter decorado. Tenho um professor que

dá pra concordar nisso porque eu tenho que ter sorte pra cair justamente aquilo

111

que eu sei bastante. Então teoricamente depende sim da sorte, depende da memória da pessoa.

Luiza

A parte física e mental

Nesse ano eu fiz meu quarto ano de prova de vestibular. Não é nada novo pra mim, mas o duro é você pensar que o seu ano inteiro não valeu a pena pra nada. Você chegou ali e não viu a questão que tava na apostila, basicamente não sabe desenvolver o raciocínio ou não tem tempo pra isso. Na primeira fase o problema pra mim é o tempo. (...) E, fora isso, tem a parte física e mental, dá dor de cabeça, dor no corpo, no pescoço, de ficar horas... Essa parte física, você cansa muito. (...) O ENEM, por exemplo, é uma prova que eu considero de conteúdo mais fácil, mas de cansaço mais difícil. Eu não fiz quase nenhuma de matemática, e é a matéria que eu tenho mais facilidade

Luiza

Nota-se, com isso, que para essas jovens o vestibular é caracterizado essencialmente como

um exame de memorização

É curioso perceber como a disciplina de História aparece como aquela em que decorar conceitos é

a tarefa mais determinante. Em um momento em que constantemente se preza por uma educação

mais reflexiva e menos mecânica, e que a crítica à influência do positivismo no ensino de História

é lugar comum, o vestibular parece conservar esse caráter engessado na educação, ao menos na

visão da jovem Luiza. Ademais, o aspecto físico também é marcante, visto que os conhecimentos

dos alunos são testados em exames de até 5 horas e 30 minutos. O ENEM, mencionado pela

estudante, é realizado em dois dias consecutivos de provas, causando, segundo ela, dores de cabeça,

no corpo e cansaço mental. Será mesmo necessário aplicar dois dias de longas provas para

selecionar os alunos? Talvez ouvi-los no processo de definição do formato dos exames seria a

opção mais coerente.

5.2 Marketing e mercado

Seguindo esses questionamentos, é pertinente aproximar o cotidiano pré-vestibular, a partir

da fala dos próprios estudantes, dessa lógica produtivista de mercado, que degrada a possibilidade

112

de transitar através do limiar. Convém questionar por quais motivos esse rito de passagem veio a

ser convertido num plano idealizado que pode provocar d

Walter Benjamin, na vida moderna essas transições tornaram-se cada vez mais irreconhecíveis e

difíceis de vivenciar. O tempo, na modernidade, ficou mais curto, encolheu, reduzindo-se a uma

sucessão de momentos indistintos sob o véu da novidade. Assim, as experiências liminares tendem

a ser substituídas por um achatamento da superfície sensorial e psíquica, que vai apagando as

diferenças. A lei do capital instaura um nivelamento universal que transforma as experiências

liminares em mercadorias lucrativas (GAGNEBIN, Op. Cit. p.43).

Desse modo, pode-se observar o aspecto mercadológico das escolas voltadas para a

preparação dos exames na fala dos próprios estudantes:

O objetivo é ganhar dinheiro

Aqui no Brasil o objetivo das escolas particulares é ganhar dinheiro. O principal objetivo é formar o aluno para entrar nas melhores faculdades, mas sempre um interesse por trás. (...)Em Portugal é um pouco diferente do Brasil. Desde a quinta série tem uma disciplina que é formação cívica. A gente aprende cidadania, noções básicas, sabe? Por exemplo, a filosofia só tem a partir do primeiro ano do ensino médio, mas tem formação cívica. (...) Mas aqui na particular o cara tá pouco se fud*** se o cara vai saber respeitar as leis da sociedade. Quer que outro se forme e pague o dinheiro pra ele.

Raul

As ideias do jovem Raul sobre as escolas particulares brasileiras, em comparação com

Portugal, revelam uma nítida visão de instituição escolar completamente desinteressada em uma

formação cívica e cidadã. Para ele, o objetivo dessas escolas é apenas ganhar dinheiro. Assim,

surge instantaneamente a lembrança do episódio de minha antiga escola, relatado na forma de

mônada no capítulo 1. Naquela ocasião, apesar de serem escolas diferentes, o coordenador não

hesitou em esclarecer que os valores e princípios dos professores não importavam, pois o foco da

instituição era fazer com que os alunos fossem aprovados nos exames.

113

Essa busca incessante das instituições pré-vestibular pelas aprovações se torna clara quando

se observa a importância do marketing e da publicidade para o sucesso dessas escolas e cursinhos.

Essa temática vem ganhando importância com estudos de caso voltados para algumas redes pré-

vestibular específicas, como a pesquisa de Santana (2016), sobre um cursinho de Santa Catarina,

ou o trabalho de Barbosa (2013), sobre um colégio de Mossoró-RN. Nesses casos, assim como nas

redes paulistas tradicionais, o marketing escolar se tornou fundamental para subsistência dessas

instituições num mercado tão concorrido. Para Ariza (2006), a finalidade desse segmento de

marketing é manter e conquistar os alunos. Sua função dentro da escola é entender, criar e gerenciar

as necessidades dos alunos e de seus pais, realizando pesquisas que ofereçam valor para esse

-18). Assim, isso é feito muitas vezes a partir de

slogans que colocam determinado sistema de ensino como líder nas aprovações do vestibular,

sugerindo, acima de tudo, que quem aprovou foi o sistema. O protagonismo dos alunos e suas

trajetórias de sucesso são apagados em nome da eficiência das redes de ensino. O insucesso, por

outro lado, só poderá ser uma falha individual, afinal, todas as redes alegam ter o melhor material,

os melhores professores, a melhor estrutura, etc.

5.3 Relações pessoais e identidade

Nesse sentido, é coerente pensar nas consequências dessa competição mercadológica das

instituições pré-vestibulares para a vivência dos estudantes. Em suas narrativas, a valorização dos

conteúdos, marcante na escola, aparece de forma sobreposta à capacidade de relacionamento:

O que mais deveria ser cobrado é a sua capacidade de relacionamento

Eu acho que a escola deveria formar seres humanos, pessoas preparadas pra viver em sociedade. (...) Mas eu acho que os professores das escolas, em geral, eles focam muito pouco isso. Acho que eles dão muita importância para o conhecimento, pro conteúdo ensinado em sala de aula. É importante? É, mas eu acho que isso não contribui tanto pra você como ser humano, como indivíduo de uma sociedade do que você realmente se relacionar com as pessoas. Então, os professores incentivam pouco, as pessoas são cada vez mais individualistas, então é cada um por si mesmo, entendeu? Acho que não existe tanto essa coisa de ajudar um ao outro, é mais só o conteúdo. (...) Eu acho que talvez o Q.I. das pessoas não seja tão determinante assim pro mercado de trabalho, pra vida como um todo.

114

Tem pessoas que passam no vestibular que não sabem nem se relacionar umas com as outras, acho que isso é fundamental. Acho que o que mais deveria ser cobrado é a sua capacidade de relacionamento.

Gabriela

As relações pessoais surgem na fala da jovem Gabriela marcadas por frieza e

individualismo. A transmissão dos conhecimentos escolares parece tirar o espaço do que ela chama

nos para viverem em

relações entre os próprios alunos:

Uma relação fria

Eu reparo muito, às vezes, é que, involuntariamente, eu converso com as pessoas só sobre vestibular, aqui e fora daqui. Então, muitas vezes, o assunto sobre o qual eu sei conversar é vestibular, isso não sai da minha cabeça. Então, como que você consegue ter relacionamentos com as pessoas falando sobre um assunto assim, entendeu, só fala sobre isso? Você não fala mais sobre as características das pessoas, sobre os problemas que realmente são relevantes. E aqui também, você não faz... Eu... fiz muitos poucos amigos aqui, fiz mais colegas, pessoas que tiravam minhas dúvidas, pessoas de quem eu tirava algumas dúvidas, era uma relação... fria.

Gabriela

Dentro dessa temática, remeto às ideias de Richard Sennett, sociólogo norte-americano que

aborda em suas obras as mudanças no mundo do trabalho resultantes do novo capitalismo.

corrosão analisa criticamente as consequências no âmbito dos valores e

das relações interpessoais num contexto de ascensão de um capitalismo flexível em que não há

longo prazo. Assim, a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo se corroem, pois as formas

passageiras de associação são mais úteis às pessoas do que as ligações de longo prazo. Os laços

sociais mais fortes deixam

uma blindagem melhor para lidar com as atuais realidades que o comportamento baseado em

Associando essa análise à realidade dos sujeitos desta pesquisa, pode-

se notar similaridades, afinal, talvez ter uma relação que se resume a tirar dúvidas e ajudar com os

115

conteúdos parece mais útil do que aprofundar relações sociais afetivas entre eles, como ressaltou a

jovem Gabriela. Novamente dialogando com Sennett, os questionamentos surgem de forma

potente:

Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da economia da nova alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva do tempo (...). O capitalismo de curto prazo corrói o caráter, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de

(p. 27)

um modo

de socialização escolar que se impôs a outros modos de socialização, é possível pensar na existência

de uma forma escolar dos cursinhos, ou seja, uma forma de socialização escolar característica das

instituições pré-vestibular que influencia suas formas de agir e se relacionar.

Seguindo essa lógica, não apenas a convivência dos estudantes com seus colegas, mas a

relação entre os professores e os alunos também é marcada pela frieza e pelo distanciamento:

A coisa mais básica sobre nosso ser

Gosto dos meus professores nessa escola. Acho todos muito bem preparados... só tem essa coisa da impessoalidade, né? E isso me incomoda um pouco, mas também não dá pra ter total fraternidade e cumprir todo o programa que precisa ser cumprido, né? É impessoal porque os professores vêm, dão as aulas deles e não querem muito saber quem nós somos, sabe? Os professores muitas vezes nem conhecem nossos nomes, que é a coisa mais básica sobre o nosso ser. Não há essa relação de amizade com a maioria dos professores, como havia no Colégio A., por exemplo. Mas não dá também pra ter essa relação tão próxima diante de tanta, tanta matéria que é preciso passar.

Juliana

Surge, então, o questionamento sobre as razões dessa relação de distanciamento entre

professores e alunos. Para a aluna Juliana é a quantidade excessiva de conteúdos que impede que

116

haja maior proximidade entre os dois lados, de modo que nem ao menos os nomes dos estudantes

são conhecidos pelos docentes. Assim, no âmbito das identidades individuais e coletivas

rememoro, na forma de mônada, a lembrança de um episódio vivido por mim, já como professor,

que permite a reflexão sobre esse descolamento entre os educadores e educandos, bem como sobre

a desconexão dos indivíduos de suas próprias narrativas de vida:

Quem são vocês?

Era o primeiro dia e eu entrava na sala de aula como professor de Redação de uma pequena turma de alunos do curso pré-vestibular. Acostumado às grandes salas de mais de 150 alunos, ver apenas algumas dezenas de jovens diante de mim pareceu uma oportunidade de estabelecer um contato mais próximo do que o cursinho geralmente permite. Fiz questão de iniciar a aula dizendo o quão importante era que o professor conhecesse os alunos, e por isso pedi que cada

prestar Oi, eu quero

apenas o curso que gostaria de fazer, mas seus gostos pessoais, origens, trajetórias e demais planos foram totalmente ignorados. Nem ao menos os nomes foram ditos.

Mateus

Essa memória traz à tona a questão das identidades juvenis em momento de preparação para

os exames. Suas individualidades parecem se ocultar diante dos cursos que prestarão no vestibular.

Em meio ao contexto de competição por vagas no ensino superior, esses sujeitos apagam talvez

inconscientemente suas identidades em nome dos sonhos de um futuro universitário. Parece não

importar quem eles são no mundo cotidiano, das relações pessoais, da cultura juvenil, enfim, da

vida real. Dentro do espaço do curso pré-vestibular eles não são indivíduos: são expectativas de

aprovação no vestibular. São sujeitos partidos (GALZERANI, 2008) convidando para o diálogo

as contribuições da professora Carol que no contexto da modernidade capitalista se acostumaram

a viver no ritmo das máquinas: ativos do ponto de vista da produtividade dos conteúdos escolares,

mas passivos relação à desconsideração, negação, apagamento ou mesmo ao assédio às suas

subjetividades, valores e características.

117

Sobre esse aspecto, dialogo com Olgária Matos (1990) e a sua discussão sobre a hegemonia

de uma racionalidade cartesiana que impõe, nas sociedades modernas, uma distinção entre sujeito

da identidade e sujeito do conhecimento, um dualismo entre corpo e alma que gera o vazio. Para

ela, a dessensibilização da consciência em nome de um sujeito racional que não tem carne, nem

sangue, nem desejos e nem esperanças a realizar permitirá a separação radical entre a consciência

intelectual e os conteúdos sensíveis (p. 289). Dessa forma, no diálogo com Benjamin, o sujeito

intelectual, despojado de suas premissas e, portanto, a-histórico,

o amortecimento dos afetos e a drenagem para o exterior do fluxo vital responsável pela presença no corpo dos afetos pode transformar a distância entre o sujeito e o mundo numa alienação com relação ao próprio corpo (BENJAMIN apud MATOS, p. 291.

Esta cisão parece se perpetuar de forma distinta também nas instituições, ao menos na visão

dos estudantes:

Mãe, pai, eu quero ir pra uma escola que agora me prepare pro vestibular

Na primeira série eu entrei numa escola pública e aí, eu ia, teoricamente, continuar nessa escola a vida inteira. Mas a diretora chamou os meus pais e disse que se eles pudessem, se eles tivessem recursos, que valeria a pena investir em mim. Então eles investiram em mim, me colocaram no Colégio A., que é uma escola particular muito boa. Nossa, foi incrível ter estudado lá! Me formou como ser humano, sabe, um ser humano pensante, não só um gabaritador de vestibulares. E eu estudei lá até a oitava série. (...) No primeiro colegial eu mudei o foco, sabe?. Eu vi que eu já tinha base suficiente pra enfrentar o mundo, sabe? Tipo, o meu ser já tava desenvolvido. Então eu falei "mãe, pai, eu quero ir pra

colégio, por causa da proposta que era focar no vestibular. (...) Só que muitas pessoas que sempre estudaram na rede desse colégio, com as quais eu converso, eu vejo que são, a maioria...sabe? É um pouco vazia de valores e todas essas coisas que eu disse que eu aprendi no Colégio A., sabe? São pessoas que realmente dominam muito sobre todas as teorias que se passam na vida estudantil, na vida acadêmica, mas são pessoas que... sabe, não sabem refletir sobre o mundo que elas vivem.

Juliana

118

Lá a gente aprendia realmente

Minha antiga escola do fundamental eu acho que foi a melhor escola que eu já estudei. Era uma escola bem alternativa. Ela estimulava muito a nossa curiosidade, tinha muita brincadeira, sabe, entre alunos, com professores... e eu gostava muito de lá, aprendi muito lá. Todo mundo achava que, como a escola é alternativa, a gente não aprendia nada, mas um monte de gente da minha sala passou nos Vestibulinhos, sabe? Eu lembro que os trabalhos que a gente tinha lá eram muito diferentes. E não tinha prova, praticamente. A gente aprendia de outras formas e a gente aprendia realmente. Então acabou o fundamental e começou o ensino médio e eu vim para esse colégio. Porque eu queria passar no vestibular e eu sabia que precisava de uma escola que me preparasse pra isso. Aqui é uma escola mais... como veio de um cursinho preparatório, é uma escola mais conteudista é isso que se fala? Então, é mais... jogar a matéria na nossa cabeça, sabe?

Sofia

As duas mônadas acima apresentam experiências e visões relacionadas ao momento da escolha

da instituição escolar no início do Ensino Médio. É curioso notar que ambas revelam que houve

uma escolha intencional por aquele colégio porque era o momento de se preparar para o vestibular.

Contudo, para as duas garotas o foco daquela instituição não vai muito além do que treinar os

alunos para os exames. Juliana fala de sua trajetória num colégio anterior, de Ensino Fundamental,

vazio de valores.

deiras e sem tanto compromisso com provas. Ainda assim,

ela também optou pelo colégi . Diante disso, cabe

a reflexão: parece que aos olhos das vestibulandas treinar estudantes para os exames é algo oposto

a uma formação de seres humanos pensantes e dotados de princípios Será que preparar para a

e de forma ética? Seria ilusório tentar encontrar uma resposta simplista a essa questão,

mas, ainda que seja uma contraposição estereotipada, ela parece habitar o imaginário de pais e

alunos

119

Sem pretender desdobrar essas questões nesse trabalho, destaco essas percepções dos

estudantes porque dizem respeito a escolhas que quase todos os estudantes têm de fazer ao final do

Ensino Fundamental.

É claro que a resposta a essa questão é pautada em critérios construídos e bastante variáveis em

diferentes contextos. Também deve-se dizer que os valores

abstratas. Ainda

assim, considero que pensar sobre elas é fundamental, pois esses conceitos genéricos existem no

imaginário de pais e alunos, e frequentemente estão presentes na publicidade das instituições

escolares. Simplificando o dilema que parece surgir em estudantes e seus responsáveis, o conflito

/crítica

entre os dois lados não aparenta ser possível para maioria dos envolvidos. E diante desse impasse

em nome de uma preparação forte para o

vestibular.

5.4 A cultura escolar dos cursinhos

Olhemos agora para o que dizem os estudantes sobre o espaço da instituição escolar e suas

características marcantes, bem como as condutas dos professores e a natureza das aulas na

preparação para o vestibular. É notável como as mônadas produzidas a partir das entrevistas com

os vestibulandos revelam características e elementos marcantes da instituição pré-vestibular em

que estudam. Seguindo essa perspectiva, é importante retomar a noção de cultura escolar,

ensinar e

condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos

comuns à maioria das escolas brasileiras tais como turmas por faixa etária, divisão em disciplinas

escolares, alunos sentados em carteiras enfileiradas. No entanto, há também elementos específicos

que se destacam em meio às falas dos vestibulandos, que podem analisados à luz de minhas próprias

memórias e também de minhas experiências atuais de professor na mesma instituição:

Todo mundo fala que eu atrapalho um pouco a aula

120

Todo mundo fala que eu atrapalho um pouco a aula, mas eu não me importo muito. É que eu faço bastante pergunta e comentários. Mas ao mesmo tempo a gente também não pode fazer muito comentário senão a gente atrasa a aula. (...) Eu entendo porque a gente tem um prazo a cumprir e se ficar fazendo debates a gente não vai conseguir. A gente faz a matéria de três anos em dois anos e a revisão de dois anos em um ano, então... tem um planejamento muito corrido. Eles têm que dar o conteúdo pra gente passar no vestibular e mandar embora.

Sofia

A fala da jovem Sofia aponta para a caracterização de uma sala de aula em que a

participação do aluno é vista como incômoda e inconveniente, seja na forma de perguntas ao

professor ou comentários. O problema, segundo ela, é o planejamento corrido, que faz com que

haja um prazo curto no qual o professor deve passar uma enorme quantidade de conteúdos. De

forma semelhante, sua colega Juliana também reflete sobre essa questão:

É o sistema que coíbe a participação

Nas aulas eu não faço nada, só fico ouvindo e pensando sobre o que o professor tá falando. Muitas vezes eu anoto. Há professores que fazem os exercícios na apostila. Como agora a gente tá no período de revisão, eles fazem, eles vão ditando o gabarito e dando explicações sobre o tema. Então eu anoto o que é a expectativa de bancas dos vestibulares e o que eles explicam, mas muitas vezes eu não concordo, só que nem sempre eu falo, porque uma sala de cursinho é lotada e, sei lá, eu me sinto desconfortável de levantar a mão e começar a falar, sabe? Acho que há essa... justamente essa imposição de conhecimento, sabe, "é isso, absorva e pronto", sabe? "não questione, nós não queremos ouvir os seus questionamentos". (...) Mas os professores, eles não dão a aula deles sozinho, sabe? Eles têm que cumprir metas, eles tão sujeitos a quarenta e cinco minutos e é um material pré-determinado, sabe, eles não dão, eles não fazem a aula em si, autonomamente. Então é o sistema inteiro que coíbe a maior participação. E quando há uma maior oportunidade, por exemplo, nas aulas de redação que geralmente há maior liberdade quanto ao programa desse colégio - ou sei lá, qualquer cursinho talvez seja assim - justamente por não haver esse costume de... de participação, de conversa entre alunos e professores, ninguém fala. (...) Olha só a disposição da nossa sala de aula: há um professor na frente que fica de pé, muitas vezes num altar, e os alunos todos sentados, sabe, todos enfileirados, todo... Entende? O próprio sistema físico em si já, já condena isso. Já induz a essa, a essa absorção, sabe? É como se a gente fosse uma folha em branco e que só absorvesse, não tivesse nenhum senso crítico sobre o que a gente ouve.

121

Juliana

A mônada acima, construída a partir do diálogo com a jovem Juliana, guarda uma riqueza

de detalhes e experiências com enorme potência para pensar o ambiente pré-vestibular. As

primeiras ideias descrevem as aulas como um momento de resolução de exercícios das provas e

exposição da expectativa da banca corretora dos exames. Contudo, da mesma forma que Sofia,

Juliana parece vivenciar um espaço em que a participação do aluno não é bem-vinda. Mesmo

quando discorda do que é

A instituição pré-vestibular campineira que abriga os estudantes entrevistados aparenta ser

um lugar hostil à participação dos alunos dentro da sala de aula, sem conversas, perguntas ao

professor ou comentários com as opiniões dos estudantes. Isso é bastante presente em suas falas e

também habita minhas memórias de vestibulando. Minha experiência ocorreu quase dez anos antes,

em outra cidade, em uma escola de uma rede de ensino diferente, mas guardo a lembrança de

estranhar a pouco participação dos alunos em minhas aulas no colégio apostilado: os 63 alunos da

minha turma de 3º colegial eram muito mais silenciosos e passivos do que as turmas de 30 alunos

da escola ecológica.

Uma vez mais, parece haver um sistema por trás de tudo aquilo, que obriga o professor a

se adequar àquele ritmo e formato 45 minutos de aula e material com aulas programadas: Aula

1, Aula 2, Aula 3... O conteúdo precisa ser terminado a tempo para que não haja atrasos no

planejamento. Assim, seria esse sistema o responsável por coibir a participação e por promover

sem nenhum senso crítico. Para ela, isso é induzido também pela disposição da sala de aula: alunos

enfileirados diante de um professor que está sobre um tablado de madeira, uma espécie de palco,

.

Em algumas das classes dessa mesma instituição, a sala de aula tem a disposição similar a

um anfiteatro ou auditório, com as carteiras enfileiradas sobre os largos degraus que percorrem a

sala até o fundo. Em uma delas, tive uma turma certa vez que contava com 196 alunos matriculados.

Obviamente, nessas salas os professores utilizam microfones para dar aulas e muitas vezes não é

possível enxergar com clareza o rosto dos alunos que se sentam a partir da metade final do recinto.

122

Os estudantes costumam dizer que se sentem pouco à vontade para erguer a mão e tirar dúvidas em

salas tão grandes. Muitas vezes, escrevem as perguntas em um pedaço de papel e enviam para

frente, para que chegue ao professor, que lê o recado e responde sem nem saber quem a fez. A

presença do tablado de madeira, do microfone e da multidão de alunos diante do docente faz com

que as aulas pareçam mais uma palestra, cujo orador é o único que tem a fala garantida, e a

participação do público é pouco desejada.

A questão do espaço e da disposição da sala de aula também é abordada por Ingrid em sua

narrativa:

Não sei por que é que aqui vocês não podem sentar

Aqui nesse colégio é totalmente diferente. Bagunça, acabou bagunça na classe. Todo mundo se comporta, ninguém responde o professor, é totalmente diferente. Eu estranhei qu

conversinhas não são nada perto de uma escola pública. Não é nada. Eu estranhei completamente o ensino. As pessoas são diferentes, sabe? Até os alunos se comportam de maneira diferente. (...) Eu estranhei que aqui os professores não têm onde sentar. Na escola pública tem uma mesa e uma cadeira pra sentar, aqui não. Achei bem estranho... Eles não poderem sentar. Não sei por que é que aqui vocês não podem sentar. Não sei se é pra vocês não poderem ficar parados, sei lá.

Ingrid

A partir de uma comparação de experiência escolar em uma instituição pública e naquela

instituição voltada para o vestibular, Ingrid toca novamente na questão da passividade dos alunos.

Para ela, a ausência de conversas e de falas dos alunos naquela escola destoa de forma marcante

dos colégios públicos. Além disso, uma outra diferença destacada por ela é o fato de que não há ali

uma mesa do professor, em que o docente pode se sentar diante da sala. É curioso observar a

explicação que ela tenta encontrar ao especular: será que é para que o professor não fique parado?

Ademais, novamente a enorme quantidade de conteúdos e o ritmo corrido aparece nas falas

dos jovens:

Se todo mundo tá atrasado, então tem alguma coisa errada

123

O ritmo é o mesmo no terceiro e no cursinho, mas eu esperava que no cursinho fosse mais fácil eu ficar em dia. Porque não tem provas pra você parar, mas continuo atrasada sempre. Eu pensei que eu não ia ficar atrasada, mas eu percebi que é a mesma coisa. (...) Sinto que acumulou muita coisa, que eu não consegui pôr nada em dia. Não sei se é por falta de planejamento ou por muita matéria realmente. Todo mundo fala que não consegue ficar em dia, não sei. Eu também tô falhando com meus estudos... Eu dou o meu máximo, mas à noite eu chego, canso, não consigo ficar até meia noite, entendeu? (...) Eu acho... Porque, se todo mundo tá atrasado, então tem alguma coisa errada, acho que não é a gente. A gente não é uma máquina que vai ficar escrevendo, estudando o dia inteiro. Nem que fizesse só isso não ia dar tempo de terminar tudo. Alguma coisa tá errada, eu acho.

Ingrid

Em seu relato, Ingrid fala do excesso de matéria e do acúmulo de conteúdos não estudados.

As explicações vão desde as falhas pessoais até um possível problema coletivo: afinal, segundo

ela, todos os alunos estão atrasados. Nenhum deles consegue cumprir o cronograma de estudos

programado pelo material didático. Para ela, nem

possível terminar tudo dentro do planejado. Assim, é impossível não rememorar minhas próprias

experiências de vestibulando, nas quais eu sentia que a matéria acumulada parecia uma bola de

neve que crescia sem parar. No início, acreditava sinceramente que a culpa era minha, da minha

base educacional inconsistente e de uma adaptação difícil a um novo sistema escolar. Com o passar

dos meses, notei que todos os meus colegas inclusive aqueles que eram considerados alunos

brilhantes estavam com a matéria atrasada.

Em meio a esse ambiente em que os jovens constantemente se sentem atrasados e em dívida

com seus compromissos, pensemos no que eles têm a dizer sobre suas rotinas, certamente inseridas

nesse contexto de cultura escola característica dos cursinhos:

Estudar até duas, três horas da manhã

Eu tenho 21 anos, estudei em escola pública durante todo o ensino fundamental, e no Ensino Médio eu fiz prova de bolsa e fui pro colégio I. Daí no terceiro colegial, na metade do terceiro eu fui pros Estados Unidos, fiz um ano de intercâmbio. Aí eu voltei e vim direto pra esse cursinho, fiz curso à noite, mas eu assistia as aulas de manhã, só pra pegar o ritmo de estudos de novo, porque eu tava bem parada. No ano seguinte eu decidi fazer turma medicina, em 2013, pra

124

pegar um pouco mais pesado. E é aquele ritmo, né? Assistir aula de manhã e à tarde. Eu não tinha muito tempo pra estudar à tarde então eu estudava muito à noite, o que me desgastou muito. Chegou no fim do ano e eu já não conseguia mais manter o ritmo. Por eu me cobrar muito, lá pra setembro chegava seis horas da tarde e eu não conseguia mais estudar, não aguentava mais, não absorvia. Daí fui fazer o vestibular e vi que não deu resultado... porque eu acho que fiz muito errado de me cobrar muito, estudar até duas, três horas da manhã, acordar às seis. Acho que não adianta. Então nesse ano não tive resultados bons.

Camila

5 horas e tá resolvendo minha vida inteira

i por minha culpa mesmo,

tava numa rotina que não tinha necessidade de ser daquele jeito. Eu tomava muito café, muito energético... acho que é desnecessário chegar ao ponto que eu cheguei, de estudar até três horas da manhã, dormia três, quatro horas por noite. Aí em 2014 eu mudei minha rotina. Também era bem carregada, mas eu tirei um pouco mais de tempo pra descansar, e não deixei toda a vida social de lado. Então fiz isso no ano passado e vi que deu certo. (...) Quando eu comecei a receber os resultados das primeiras fases eu vi que tava fazendo a coisa certa. Mas acho que o nervosismo me atrapalhou um pouco, porque eu nunca tinha ido pra segunda fase. E é aquela coisa: 5 horas e tá resolvendo minha vida inteira. E aí isso ficou muito na minha cabeça. E aí não deu nem Unesp e nem Unicamp. Na Unesp eu fiquei numa colocação boa, mas não roda. Unicamp eu fiquei longe. Na UERJ eu fiquei por 0,25 pra ser chamada. Infelizmente pessoal de medicina pontua muito alto. Mesmo pontuando alto alguém pontuou mais alto que você.

Camila

As narrativas de Camila descrevem dois momentos de sua preparação para o vestibular de

Medicina. No primeiro deles, a jovem estudante conta que dormia de três a quatro horas por noite,

tomando frequentemente café e energético. Na segunda metade desse ano ela já não conseguia

estudar de maneira produtiva e, quando os exames chegaram, os resultados não foram bons. Diante

disso, é curioso notar como uma mudança de estratégia partiu de um reconhecimento de culpa por

parte da própria Camila. Ela se sente responsável por ter tentado um plano de estudos extenuante,

que não trouxe bons resultados, mas não questiona os motivos pelos quais ingressou junto de

outros diversos vestibulandos em uma vida de estudos que se sobrepõem ao sono, ao descanso e

às demais atividades relevantes da vida de uma jovem. A culpabilização dos alunos em situações

125

de fracasso foi abordada acima como uma característica marcante nas instituições pré-vestibular a

partir do diálogo com Santana (2016), mas é surpreendente notar como os próprios vestibulandos

incorporam esse discurso para explicar seu insucesso. Já no segundo momento de sua trajetória,

Camila conta que teve resultados melhores quando passou a reservar mais tempo para descansar e

valorizar mais sua vida social.

Essa temática é instigante e suscita reflexões sobre a necessidade de abdicar das atividades

mais prazerosas da vida para atingir os resultados desejados no âmbito do vestibular:

As coisas que eu mais gosto de fazer na vida e tive que abdicar

Esse ano foi cansativo... porque acordar 5:50 da manhã, vir pra cá, ter sete aulas de 50 minutos, voltar pra casa de ônibus, almoçar, estudar o máximo que você consegue pra um vestibular que pede que você saiba briófitas pra ser advogado... é difícil, cara. Eu nem tenho relação com a minha mãe direito. Meu pai trabalha até às 7 horas da noite, minha mãe chega em casa uma e meia. Eu não consigo conversar com ela, não consigo brincar com os meus cachorros. Eu tenho três cachorros e não consigo brincar com eles, porque chego em casa e vou estudar até 10 horas da noite. Consigo dar boa noite pra minha namorada, pra minha mãe e pros meus cachorros. Eu vejo meu irmão a cada dois dias e ele mora na minha casa, sabe? Não vou falar que esse ano foi totalmente perdido, mas eu perdi um ano de relações com a minha família, e com meus próprios amigos também. Não consigo sair porque tenho que estudar, final de semana eu tenho que revisar e ler jornal pra ficar atualizado, porque cai no vestibular também. Todo meu foco tem que ficar no vestibular e eu não consigo desviar minha atenção pra qualquer coisa. Eu não posso mais jogar vídeo-game, tocar guitarra eu só toco quando vou ensaiar com a banda... É uma das coisas que eu mais gosto de fazer na vida e eu tive que abdicar por uma coisa que eu tenho que fazer...

João

O vestibular não me desenvolve

Eu odeio isso, não é legal, não foi um ano divertido. Eu parei de fazer tudo o que eu gostava de fazer. Eu gostava de fazer academia e parei. Eu fazia teatro, eu aprendia música, eu fazia muita coisa que eu gostava muito de fazer e que eu sinto que me desenvolvia. Isso eu não sinto que me desenvolve. Não me desenvolve nada, isso me... programa. Você tem que ser programado pra fazer o vestibular.

Luiza

126

As mônadas acima trazem as perspectivas de dois jovens que tocam em questões

semelhantes. João conta que, em sua rotina, acorda às 5:50 da manhã, assiste a 7 aulas no cursinho,

chega em casa e estuda até às 22h. A preparação para o vestibular significou se afastar dos

familiares e da namorada; ele não consegue brincar com os cachorros, jogar videogame e tocar

guitarra, atividades que considera as coisas que mais gosta de fazer na vida. De forma similar,

Luiza conta que deixou de se exercitar na academia, largou o teatro e parou de aprender música, as

ati o vestibular não a desenvolve, mas exige que o

, como um computador ou uma máquina. Emerge novamente, assim, a

imagem dos sujeitos partidos (GALZERANI, 2008), maquinicamente projetados para abandonar

sua subjetividade e executar tarefas em busca do cumprimento de objetivos.

Essa temática pode ser inserida no contexto do capitalismo flexível, discutido por Sennett

três forças: "a oferta global de mão-de-obra, a automação e a

gestão do envelhecimento" (p. 84). Por isso, a capacitação para o mercado e a meritocracia ganham

importância e envolvem os indivíduos.

5.5 Trauma, sofrimento e meritocracia

A rotina exaustiva e o abandono das atividades mais gratificantes estão relacionados a outra

questão abordada pelos estudantes: o sofrimento. De todas as mônadas produzidas a partir das

entrevistas com os estudantes, a maior parte delas se aproxima de temáticas ligadas a experiências

traumáticas, à angústia e ao sofrimento. Selecionando algumas delas, é possível mergulhar no que

esses jovens vivenciam:

Vou sempre me lembrar da parte traumática

Vestibular pra mim significa trauma. Às vezes eu sinto que no começo do ano eu acreditava mais na minha capacidade de aprender, na minha capacidade de desempenho, mas ao longo do ano eu acho que eu fui, sei lá, cada vez me sentindo mais inferior, menos inteligente. Então eu acho que minha capacidade não foi muito estimulada, então, não sei. Eu acho que por causa da pressão do cursinho. Eu acho que vem dos simulados, do fato das notas do simulado ficarem expostas

127

pra todo mundo ver e as pessoas ficam comparando, da competição em si, dos

acho que de muito conteúdo. Não é possível estudar tudo o que é passado, não existe tempo a não ser que você só estude. Outra coisa que eu gostaria de falar, também, é que eu acho que você vai ficando tão traumatizado que você pega trauma de estudar, e aí, quando você vai pegar pra estudar, você fica pensando: não consigo, não consigo, não consigo, não consigo, e de fato você não consegue, seu rendimento não é mais o mesmo. Vou sempre me lembrar da parte traumática.

Gabriela

A experiência confidenciada pela jovem Gabriela é notável por diversos aspectos. Em

p

memória como uma experiência, sofrida e negativa. Não preciso dizer o quanto me identifico com

essa ideia, afinal, não nego que essa mesma associação foi de certa forma o que motivou o ponto

de partida desta pesquisa. Mas os detalhes trazidos pela estudante têm a capacidade não apenas de

ilustrar uma situação, mas de sensibilizar sobretudo aqueles que se dedicam a uma reflexão sobre

o papel da educação na sociedade. Ao contar sobre o processo de perda de estímulo, de acreditar

cada vez menos na própria capacidade, motivado muitas vezes pela própria escola, inserida numa

cultura pré-vestibular, essa jovem levanta um questionamento que deve ser feito urgentemente:

afinal, serão essas as escolas que têm o melhor desempenho nos vestibulares? Se sim, por quê?

Ano após ano, essas grandes redes ostentam grandes outdoors com números orgulhosos, mostrando

altas taxas de aprovação nos vestibulares, ótimas colocações no ranking

ENEM. Ainda assim, são essas escolas que utilizam de táticas como ranqueamento nos

epetidas ano após ano. A pressão é abordada pela

aluna de forma mais detida também em outro fragmento:

Funcionar sob pressão

Tem pessoas que funcionam sob pressão, tem pessoas que isso tem efeito contrário, tem pessoas que não produzem sob pressão. Então a gente vem aqui e a escola fica o ano inteiro falando sobre vestibular, vestibular, vestibular, o que cai o que não cai, aí você chega no vestibular... Eu conversei com várias pessoas com quem isso aconteceu, sabiam responder às questões, mas não tinham preparo emocional para aquilo, porque a escola dramatizou muito o vestibular,

128

problematizou muito, e as pessoas não tinham preparo emocional. (...) Então, eu acho que, talvez, pra algumas pessoas, esse papel de preparar pra passar no vestibular seja bem cumprido por essa escola, mas pra outras não, como eu acho que é o meu caso. Eu acho que essa escola despreparou o meu emocional pro vestibular. (...) Eu acho que se eu tivesse me sentido menos pressionada, teria sido muito melhor, mas a apostila sistematiza muito o conteúdo, então, às vezes, você acaba ficando muito preso àquilo e você mais decora do que entende.

Gabriela

Gabriela apresenta, de forma bastante corajosa, um questionamento à qualidade daquela

escola no treinamento para o vestibular. Afinal, muitos alunos não conseguem se sair bem diante

de tamanha pressão criada pela atmosfera de competição, excesso de conteúdos e comentários

hostis de professores e familiares.

Devo dizer que realizar tal movimento nesse momento é uma experiência ainda mais

significativa. Escrevendo em fins de 2016, estamos novamente na reta final dos vestibulares e

muitas das experiências e angústias relatadas pelos jovens entrevistados nos últimos dois anos têm

aparecido no meu cotidiano atual. Nos últimos meses de 2016, meus alunos desse ano acabaram

de fazer provas, como o ENEM e as primeiras fases da Fuvest e da Unicamp. Tenho visto os

estudantes nervosos no cursinho, caminhando ansiosos pelos corredores, com dificuldades para se

concentrar nos estudos. Alguns choram quando contam das provas e relatam as mesmas

todo foi jogado no lix

Lembro ainda de um episódio ocorrido recentemente, quando entrei na sala de aula no

cursinho e vi muitos alunos com os olhos vermelhos de choro. Tendo a primeira fase da Unicamp

ocorrido havia poucos dias, muitos alunos contaram que tiveram um desempenho muito abaixo do

que precisavam. Ainda assim, os alunos contaram que alguns professores introduziram suas aulas

Assim, a vulnerabilidade e a tensão dos estudantes se faz notar cada vez

mais nessa reta final.

129

Foi pensando nisso que voltei às mônadas, e pude encontrar nelas temáticas que dialogam

com minhas próprias insatisfações relacionadas ao vestibular: não apenas as que vislumbro como

professor ou pesquisador, mas aquelas que vivenciei aos 17 anos e que continuam existindo. Nesse

sentido, rememoro, na forma de mônada, um episódio de minha própria narrativa que dialoga com

a temática do trauma:

O cheiro da angústia

Durante a graduação, passei a morar em Campinas e costumava voltar a Bragança aos fins de semana. Em uma dessas visitas, lá pelo final do curso, cheguei à casa da minha mãe e, entrando no banheiro, senti um cheiro forte de desinfetante que instantaneamente despertou um turbilhão de memórias. Fui transportado a 2007, o ano de meu vestibular, e nessa viagem involuntária vislumbrei por frações de segundo a angústia que vivi naqueles tempos. Ao que parece, minha mãe usava um desinfetante específico durante aquele ano. Na época, isso não me marcou de forma alguma, passou completamente desapercebido. Por algum motivo banal, ela parou de utilizá-lo por alguns anos, fato que também não teve destaque em meu cotidiano. No entanto, naquele dia, quase quatro ou cinco anos após ingressar na universidade, visitei não apenas a casa de minha família, mas também o ano de preparação para o vestibular. Com um simples cheiro, pude vivenciar novamente as sensações que fizeram parte da minha vida em 2007. Lembrei-me das manhãs vestindo o uniforme para ir à escola, como um soldado que veste sua farda antes de ir à batalha. Recordei-me de almoçar na escrivaninha, na companhia dos livros e dos exercícios de física, ao invés de minha mãe, irmã e avó. Rememorei os momentos de luta contra o sono e o desespero de tentar terminar a matéria de um dia para que não acumulasse. Revivi, enfim, a sensação de não entender a razão de tudo aquilo. Passada aquela fração de segundo e essa rápida viagem involuntária, pude apenas sentir um enorme alívio por não ter mais de enfrentar a sufocante rotina de enfrentamento ao vestibular. Houve, sem dúvidas, uma libertação, mas percebi que talvez algumas memórias caminhem ao meu lado ainda por muito tempo.

Mateus

A experiência do trauma em maior ou menor grau parece ganhar novos contornos com

o passar do tempo e a possibilidade de reelaborar episódios e acontecimentos. A escrita dessa e de

outras mônadas foi sem dúvidas um processo de intenso diálogo com minhas memórias voluntárias

e involuntárias. Para pensar nessa trajetória, convido ao diálogo os escritos de Jacy Alves de Seixas

(2001) sobre as propriedades e problemáticas acerca da memória. Para a autora, a memória

130

voluntária regula todas as relações entre memória e história, e entre memória e esquecimento. Isso

ocorre

engajada que desempenha um papel fundamental de poder sobre o passado. A memória é ativada,

portanto, como forma de exercer controle sobre o passado, tornando-se poderoso aquele que a

controla (p. 42). Entretanto, autores como Bergson e Proust consideram que esse controle

intencional, ou seja, ligado à memória voluntária, remete a uma memória menor, superficial e até

mesmo enganadora. Por outro lado, defendem a ideia de uma memória involuntária mais elevada,

lampejos bruscos, que não surge para preencher lacunas:

dos olhos, nos dá do passado apenas faces sem verdade; mas quando um odor, um sabor encontrados em circunstâncias muito diferentes despertam em nós, apesar de nós, o passado, sentimos o quanto esse passado era diferente do que acreditávamos lembrar, e que nossa memória voluntária pintava, como fazem os maus pintores,

PROUST apud SEIXAS (p. 46)

Assim, naturalmente penso na produção dessas mônadas como algo que transita entre o

território da produção voluntária, consciente e que tenta tomar o controle do meu próprio passado,

e a memória que surge a partir de lampejos involuntários e espontâneos. Curiosamente, o odor,

mencionado por Proust, foi justamente o elemento disparador de memórias ligadas ao ano de 2007

em minha vida. Não se tratou apenas de rememorar um único episódio, mas de um conjunto de

ações que compunham uma rotina, de sentimentos, pensamentos e angústias; enfim, de um estado

de espírito.

Como aponta Jacy Seixas, a memória mais constrói o real do que o resgata (p. 51). Por isso,

o cuidado a ser tomado foi permitir que minhas análises não se constituíssem como produções

artificiais e exageradas, distorcidas pelas minhas próprias memórias. Para isso, vejo grande

importância no contato com as experiências dos jovens estudantes, aqueles que viviam o momento

do vestibular em seu tempo presente, e com a potência das memórias involuntárias despertadas

pelo choque de perspectivas similares e diversas.

131

Assim, seguindo a linha das memórias ligadas às sensibilidades, sigamos para aquelas que

merecem destaque por parecerem ecoar repetidamente com diferentes vozes, ano a ano. Retomo

aqui a mônada da aluna Sofia:

Eu chorei muito esse ano

Esse ano foi bem ruim, eu acho que foi um ano de amadurecimento mas não por causa do vestibular, da minha parte, mas... Esse ano foi péssimo, sabe? O ano inteiro. Desde o começo do ano tem aquela pressão e agora que está no final é pior ainda. Ainda mais pra mim, eu vou fazer ciências sociais, que é um curso fácil de passar, então se eu não passar, vai ser...sabe? Eu chorei muito nesse ano, acho que eu vou lembrar muito disso, sabe? Ontem eu tava na escola, quase morrendo de tanto chorar e... Isso ia vir na minha cabeça. Mas acho que eu também vou lembrar de coisas boas, da minha sala, dos colegas... Mas acho que, principalmente, vai estar a nuvenzinha do vestibular em cima das minhas lembranças deste ano, entendeu? Porque esse ano foi totalmente pautado no vestibular. Você faz alguma coisa, mas o vestibular tá ali.

Sofia

O choro, como símbolo da angústia, aparece na narrativa da jovem Sofia, assim como

surgiu durante sua entrevista. O ano de vestibular, para ela, foi um ano de choro, sobretudo por

conta da pressão. Ela ainda traz uma perspectiva diferente daquela trazida por vestibulandos que

tentam ingressar em cursos altamente concorridos, como Medicina. Afinal, aos olhos de todos

pais, professores e dos próprios alunos aqueles que estão concorrendo por uma vaga nos cursos

menos concorridos têm quase uma obrigação de obter sucesso. Quantos pais não devem intimidar

seus filhos por uma aprovação?

Sobre esse aspecto, olhemos para o diálogo com Ingrid:

Queria dar esse orgulho pro meu pai

Sinto que eu preciso fazer faculdade porque pra mim esse é o primeiro passo pra você conseguir alguma coisa na vida. Lógico que sem isso as pessoas conseguem, mas pra mim isso é o primeiro passo, a faculdade, que é o básico. (...) Acho que uma universidade pública tem nome, né? Em segundo lugar, o emprego. Acho que conta muito na hora de selecionar alguém: uma particular ou uma pública? E também uma das coisas que eu mais queria é dar esse orgulho pro meu pai.

132

você é desequilibrada, você não vai conseguir. Eu não sei nem por que você tá

Ingrid

Uma vez mais a pressão familiar aparece, mas com enorme complexidade. Ao mesmo

tempo que aparenta ser um incentivo para os estudos, com uma aprovação que dará orgulho à

família, a relação da jovem Ingrid com o pai guarda mágoa e pesar. Como pesquisador, considero

delicado falar sobre a relação de uma adolescente com seus familiares. Entretanto, é preciso

lembrar que esse tipo de contato pode ocorrer de forma semelhante em outros lares de jovens

vestibulandos. Novamente vislumbro aqui a possibilidade de desenvolvimento de uma pesquisa

destinada exclusivamente a essa temática, algo que acredito ter grande relevância.

Ne

estudante. Esse aspecto ganha ainda mais relevância em uma das mônadas mais marcantes de toda

a pesquisa:

Fui num psiquiatra, tomei um calmante

Eu sou uma pessoa muito nervosa, ansiosa. Eu choro antes da prova, eu fico nervosa, sabe? Você se desestabiliza. E eu acho que isso não é certo. No ano passado no dia da prova da Unicamp eu acordei... eu não conseguia comer, não descia nada, não almocei. Tentei empurrar alguma coisa, mas daí me dava ânsia.

na prova. Tive que ir no banheiro, parei, aí voltei... fui super mal. Coisas básicas de matemática que eu gosto eu não conseguia fazer. Depois fui fazer a prova de novo, com calma, e era fácil. Então esse dia foi horrível pra mim. Daí nesse ano

tomei um calmante... não desses tarja preta. Fui tomando desde agosto, me

Ingrid

133

Talvez essa frase sintetize a agonia vivida por muitos estudantes em tempos de vestibular.

A autoculpabilização se combina a traços de patologização (ou seja, transformar uma característica

humana em doença ou desordem) das experiências. Relembremos o panorama da literatura

especializada no vestibular e a quantidade crescente de trabalhos sob o enfoque psiquiátrico e

médico. Notemos também como o próprio psiquiatra de Ingrid conta que já receitou aquele

medicamento a outra estudante em fase vestibular. Diante disso, surge um questionamento

indispensável, até mesmo obrigatório: estamos construindo uma sociedade em que há drogas

específicas para vestibulandos?

Acredito que o sistema do vestibular, juntamente com a cultura dos cursinhos e grandes

redes pré-vestibular, são os responsáveis por criar esse tipo de culpabilização. Era o mesmo que eu

pensava, com apenas 17 anos. A narrativa meritocrática do esforço pessoal e a fantasmagoria do

ranking numérico, objetivo, consegue consolidar a ideia de uma seleção justa e focada apenas em

conhecimentos, habilidades e competências. O histórico educacional do aluno é desconsiderado.

Os obstáculos familiares e pessoais são deixados de lado. O fator emocional a subjetividade

é tido como um problema de responsabilidade do próprio aluno. A exigência de uma infinidade de

conteúdos curriculares, além de pouco tempo para resolução de questões é sempre relativizada com

fato, mas mudando para onde? Será que as provas de hoje são mais justas? E por mais que haja

uma mudança para melhor, é o suficiente? Isso impede que lutemos por um sistema de ingresso no

ensino superior que seja mais inclusivo e não tenha como grande objetivo excluir a maior parte dos

jovens?

Essas reflexões se intensificaram em minha trajetória num momento próximo da finalização

do texto, inclusive posteriormente à banca de qualificação. Em meio a dúvidas e questionamentos

sobre a continuidade da análise, novamente tive minhas memórias tocadas por uma situação

corriqueira, mas inesperada.

Navegando na rede social Facebook, deparei-me certo dia com uma publicação da página

oficial do Ministério da Educação, órgão responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM), hoje caracterizado de forma quase idêntica aos demais vestibulares. A página

134

terceiro ano do ensino médio, eu dormia cerca de 4 horas por dia, pois tinha escola, curso técnico

e

motiva e inspira outras pessoas! Parabéns a todos pelo esforço e dedicação aos estudos. Nunca

A partir desta publicação, de seu conteúdo e da mensagem transmitida, ficou absolutamente

claro a mim a importância que vislumbro com esta pesquisa. Essa percepção surgiu no despertar

de uma memória involuntária (SEIXAS, 2001), provocada pela leitura da experiência da jovem

que teve de dormir 4 horas por noite para poder ingressar no ensino superior público. Como num

lapso momentâneo de rememoração, lembrei-me de sensações e reflexões difusas daquele ano de

2007, mas fui transportado para um episódio específico que compartilho abaixo na forma de

mônada:

Privação e sacrifício

Durante o ano de 2007, aquele fatídico ano em que estive diante do vestibular, passava meus dias num quartinho nos fundos da minha casa. Antes disso o

questão de arrumá-lo e o transformamos em uma sala de estudos. Além de uma mesa espaçosa e uma estante de livros, nas paredes havia mapas, uma tabela periódica, linhas do tempo com a periodização clássica da história e diversas fórmulas de física e matemática. Era ali que passava meus dias imerso nos estudos. Sempre que chegava alguma visita em minha casa, minha mãe fazia questão de comentar o quanto eu estava estudando. No começo, parecia um pouco orgulhosa disso, mas não demorou para que a vaidade se tornasse preocupação.

come no quartinho enquanto estuda, e sempre tenho que obrigar ele a ir dormir quando vejo que já é de madrugada e ele ainda está lá com os livros.que eu precisava reservar tempo para descansar e me divertir, mas a matéria acumulada não me permitia tanta liberdade. O curioso era que as visitas sempre iam até lá, me cumprimentavam com satisfação e diziam para não exagerar nos estudos. Mas um dia foi diferente. Certa vez um tio foi à minha casa e mais uma vez minha mãe seguiu o tradicional roteiro de falar do filho estudioso. Esse tio era bastante respeitado por ter sido a primeira pessoa na família a cursar uma universidade pública. Formado na Unicamp, ele fez questão de ir até o quartinho

que tem que fazer se quiser entrar numa universidade pública. Na minha época era muito mais difícil, porque eu não estudava em escola particular que nem você,

135

então EU tive que estudar muito. Mas isso é bom. Ter um ano de privações e sacrifícios é importante, ensina disciplina e ajuda a formar caráter. Então pode parar de se fazer de vítima porque pra passar tem que ralar mesmo. No futuro

Mateus

Esses dois episódios relatados, pensados em conjunto, permitem refletir sobre a existência

de uma mentalidade que naturaliza o fato de que jovens estudantes precisam de uma rotina de mais

de doze horas de estudo diário para ingressar no ensino superior. Mais do que isso, talvez haja

inclusive uma valorização de esforços exaustivos, das privações e sacrifícios. Seria uma exaltação

do sofrimento na preparação para os exames?

Talvez seja possível pensar nessa questão à luz da ascensão de um elemento que parece

cada vez mais hegemônico no capitalismo e também no ambiente escolar: a meritocracia. Luiz

Carlos de Freitas (2012) analisa o crescimento de grupos empresariais num contexto de

racionalidade técnica de antes na aprendizagens medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo processo, bônus e punições), ancorada nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista, fortalecida pela econometria, ciências da informação e de sistemas, elevadas à condição de pilares da educação contemporânea.

em torno a três grandes categorias: responsabilização, meritocracia e

privatização. (FREITAS, 2012, p. 383)

Aspectos como a valorização da racionalidade técnica e dos testes padronizados seriam

marcas do neotecnicismo, segundo Freitas. Entretanto, convém olhar mais detidamente para o pilar

da meritocracia:

136

A meritocracia é uma categoria, portanto, que perpassa a responsabilização. (...) Ela está na base da proposta política liberal: igualdade de oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas as oportunidades, o que faz a diferença entre as pessoas é o esforço pessoal, o mérito de cada um. Nada é dito sobre a igualdade de condições no ponto de partida.

(...) s extremos da

curva, ou seja, prejudicando tanto os alunos de mais alto desempenho como os de pior desempenho. Sob pressão, os professores tendem a concentrar-se naqueles alunos que estão mais próximos da média ou dos padrões médios de desempenho, tentando maximizá-los e evitar os efeitos adversos, causando esta corrida para o centro.

(...) a meritocracia não tem maiores impactos na melhoria do desempenho dos alunos e acarreta graves consequências para a educação. (pp. 383-385)

Esse princípio, tão difundido no capitalismo flexível e também no neotecnicismo escolar,

parece ser a grande justificativa do formato classificatório dos vestibulares e também da existência

dos cursinhos. O mérito da aprovação aparenta estar disponível a todos, basta estudar. Segundo

esta visão, se o resultado for o fracasso a culpa é daquele que não se esforçou o suficiente. Por isso,

aqueles que sacrificam sua felicidade e se empenham de forma exaustiva são glorificados e

enaltecidos. O esforço individual é visto como o caminho para o sucesso.

Nesse sentido, as mônadas discutidas anteriormente sobre a privação proporcionada pelo

vestibular podem reforçar a ideia de valorização do sacrifício. Mas há também outras perspectivas

advindas das experiências dos estudantes que possibilitam explicações diferentes:

Uma das melhores fases dos últimos anos

No ano passado eu fiz a PUC e foi a pior prova que eu já fiz. (...) E aí no dia que eu tava fazendo prova da Famerp eu descobri que tinha passado na PUC e não acreditei, não entendi o porquê. (...) Então terminei 2014 com essa sensação de que eu não ia voltar pro cursinho mesmo, eu tava super feliz. É outra realidade, eu nem me lembro mais da sensação. E como eu tinha colocado pro meio do ano, e não pro começo, eu tinha 6 meses que eu não sabia o que ia fazer. Então eu

prova, fiz o treinamento e comecei a dar aula. Foi uma realidade totalmente diferente, eu não tava nem um pouco preocupada com o vestibular. Eu vim aqui

137

no cursinho também e comecei a dar plantão de dúvidas, e ocupei muito o meu tempo. (...) Eu tava tão desencanada, despreocupada... no meu tempo vago eu podia assistir um filme, ler um livro, sair. Convivia muito com meus pais, porque em época de vestibular você passa mais tempo aqui no cursinho do que em casa. Foi uma das melhores fases dos últimos anos. Foi bacana, mesmo tendo durado pouco.

Camila

Eu nunca imaginei que na minha vez fosse dar errado

Meus pais sempre ficaram de olho pra ver se ia sair alguma coisa do FIES . E saiu que não ia ter FIES pro primeiro semestre, e aí eu já fiquei com o pé atrás, fiquei um pouco balançada mas continuei na expectativa que fosse dar certo. Porque eu nunca imaginei que na minha vez fosse dar errado. Tenho vários amigos que fazem faculdade particular, todos eles com FIES 100%, e eu nunca pensei que na minha vez fosse dar errado. Aí em junho foi quando o governo falou que não ia ter mais FIES pro segundo semestre . Foi numa quarta feira, e eu vim

vou mentir: eu fiquei uns dois meses bem desligada, eu não tava aqui. Eu fazia, mas não absorvia o que eu fazia. Eu pensei até em não voltar pra esse mesmo

por isso. Mas é que é triste olhar pra pessoas que antes você ajudava e agora você tá no mesmo patamar que elas, entendeu?

Camila

Passei e apaguei tudo o que eu sofri

Quando eu passei no vestibular eu realmente apaguei tudo na minha cabeça, tudo que eu sofri. Toda aquela ansiedade passou. Então eu tive que tentar me acostumar a sentir tudo aquilo de novo. E foi difícil, eu fiquei um tempo desligada, tentei voltar à rotina, voltei àquele ritmo de estudo, mas só consegui fazer isso a partir de agosto desse ano. E, mesmo já tendo uma bagagem de estudos, eu sabia que isso poderia refletir no final do ano. Porque eu acho que foi um ano muito mais pesado psicologicamente, e influenciou mesmo. Eu tive resultados bons até agora, mas naquelas que são as que eu mais quero, a Unesp e a Unicamp eu fiquei poucos pontos abaixo da nota de corte, o que já tira você da competição. Foram notas altas, mas no ano passado eu fui melhor. E eu sei que isso é reflexo do que passei, sabe? Porque eu não consigo simplesmente esquecer. Eu passei um semestre desligada, sem conseguir absorver mesmo. Eu voltei a uma rotina que eu já não tava mais acostumada e que é um ritmo tão pesado que eu não tive

138

aconteceu.

Camila

As coisas ruins a gente esquece

No futuro, com certeza, eu vou estar cursando medicina. Não sei aonde, mas pretendo nunca deixar de acreditar que eu consigo alcançar o que eu quero. Eu vou fazer medicina, pode não ser nesse ano, pode não ser ano que vem, mas eu vou fazer. (...) Felizmente as coisas ruins a gente esquece, porque no final é tão gratificante que mesmo sendo um caminho tão difícil acho que as coisas boas prevalecem. Você vê que você é capaz. Quando eu passei, eu posso dizer, eu apaguei as coisas ruins, sabe? Eu esqueci mesmo. Ficaram as coisas boas.

Camila

Os fragmentos da entrevista de Camila trazem uma perspectiva bastante peculiar, pois a

jovem estudante foi a única, entre os 11 entrevistados, que vivenciou temporariamente a

experiência de uma aprovação. Ela prestou o exame para o curso de Medicina na PUC Campinas

em dezembro de 2014 e foi aprovada para ingressar a partir da metade de 201513. Como o curso

tem mensalidades de mais de R$6 mil reais, Camila utilizaria o FIES 14 , um programa de

financiamento do Governo Federal que permite que os estudantes paguem as taxas somente após a

conclusão da graduação. Assim, ela viveu durante quase um semestre com a tranquilidade de que

havia sido aprovada e passou a trabalhar como plantonista na instituição em que estudou, tirando

dúvidas de outros vestibulandos. Entretanto, em junho daquele ano o Governo Federal anunciou

cortes drásticos no orçamento do FIES15, e Carolina, bem como milhares de outros estudantes,

13

No vestibular da Puc-Campinas há a possibilidade de o candidato prestar a prova no final do ano, porém concorrendo a uma vaga num curso que se iniciará somente na metade do ano seguinte 14 (Fies) é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitos na forma da Lei 10.260/2001. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matriculados em cursos superiores que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da

mec.gov.br/fies.html 15

Em 2015, o FIES sofreu cortes de orçamento que afetaram o funcionamento do programa. Confira em: -

fies-corta-32-do-subsidio-a-alunos,1742330

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,minha-casa--pronatec-e-fies-sofreram-cortes-de-r-11-bilhoes,10000006020

139

perderam a possibilidade de utilizar o financiamento. Em poucos meses ela passou de uma

vestibulanda que estudou por três anos de cursinho a aluna aprovada no prestigiado curso de

Medicina. Também rapidamente ela teve de desistir do sonho de cursar Medicina naquele ano e

voltou a ser vestibulanda.

Dessa forma, o fato de Camila ter vivido a alegria da aprovação e depois retornar à angústia

de vestibulanda permite reflexões profundas sobre essa transição. Ela conta que, ao passar,

firma que no futuro, quando estiver

finalmente cursando Medicina será tão gratificante que as coisas ruins serão esquecidas.

Afinal, vale a pena vivenciar um ano de sofrimento, pressão psicológica, privações e

exaustão física e mental em nome de uma aprovação no vestibular?

Se

Se eu passar na Unicamp ou na Usp, vai ser uma lembrança positiva. Daí vou

que da minha vida daqui pra frente.

Ingrid

Se eu chegar lá, então valeu a pena

No futuro eu vou lembrar... eu espero... se eu estiver lá, vou pensar que valeu a pena. Não foi um bom período, mas se eu estiver lá, e tiver passado, então valeu a pena. Valeu a pena abrir mão de muitas coisas, valeu a pena ter ralado... tudo valeu a pena, porque eu cheguei onde eu quis chegar. Eu só tô fazendo isso porque eu almejo aquilo. Eu almejei aquilo a minha vida inteira, e, se eu chegar lá, então valeu a pena.

Luiza

http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/05/1625113-oab-pode-ir-ao-stf-contra-ameaca-de-cortes-em-inscricoes-do-fies.shtml

140

É curioso pensar que Ingrid e Luiza foram as duas alunas entrevistadas que mais

expressaram o aspecto traumático e delicado da experiência do vestibular em suas falas. Nas

entrevistas, ambas revelaram choro, tristeza e raiva por vivenciar tudo aquilo. Ainda assim, as duas

encerraram o diálogo dizendo que se forem aprovadas terá valido a pena. Tenho a impressão de

que alguns dos estudantes incorporam, sem perceber, o discurso meritocrático do merecimento no

momento do sucesso pessoal, e se esquecem das críticas que têm ao sistema. Eles passam meses

de agonia apontando as injustiças do processo seletivo excludente que é o vestibular, mas a

redenção das aprovações parece ocultar o fato de que no ano seguinte outros milhares de estudantes

estarão sujeitos ao mesmo sistema excludente.

É claro que as entrevistadas aqui não se enquadram individualmente em um panorama de

egoísmo e de desleixo com o sofrimento alheio. Certamente não. Mas é importante refletir sobre

um processo que parece acometer grande parte da sociedade: será por isso que as únicas pessoas

que realmente criticam o vestibular são os estudantes em fase de realização dos exames? Os

universitários, os professores, os pais e demais componentes da sociedade que já ultrapassaram

essa etapa, esse limiar, parecem ignorar suas narrativas sofridas e converter suas análises numa

, os demais

também podem

Mas afinal: o vestibular vale a pena? Ofereço, então, minha própria resposta à questão:

Não.

O vestibular, nos moldes atuais, com uma enorme quantidade de alunos saindo do Ensino

Médio e uma minúscula quantia de vagas no Ensino Superior, não é justo. A exigência de uma

infinidade de conteúdos escolares, inseridos em provas que se assemelham a maratonas de

resistência física, não é aceitável. O assédio moral cotidiano, a pressão e negação das subjetividades

dos estudantes, apagados como sujeitos sociais plenos, dotados de razão e de emoções, e a

imposição de uma rotina que força o aluno a abdicar de tudo o que realmente o faz feliz não fazem

sentido. Enfim, como alguém que um dia foi vestibulando, como universitário aprovado no

vestibular, como pesquisador que estuda os exames e como professor de cursinho que dedica a vida

a ajudar estudantes nesse momento da vida, digo com convicção: o vestibular não vale a pena.

141

Não se trata de negar a importância do Ensino Superior. Na verdade, acredito que o acesso

aos cursos de graduação deve ser ampliado e democratizado. Porém, não podemos, enquanto

educadores e componentes de uma sociedade que se pretende mais justa, acreditar que a aprovação

em uma grande universidade tem de vir condicionada a um sistema tão injusto e excludente. O

vestibular tem de mudar.

Mudar para onde?

Talvez seja importante escutar os vestibulandos têm a dizer sobre ele.

142

6 - Para não concluir

Fim da entrevista

Desliguei o gravador de som. A entrevista havia terminado. Ainda assim, eu e João continuamos sentados em uma mesa na cantina da escola. De todos os jovens entrevistados, ele era sem dúvidas aquele com quem eu mais sentia identificação, e por isso a conversa continuou a fluir. Ele parecia à vontade, ao mesmo tempo que aliviado por ter contado suas experiências e por ter feito críticas tão contundentes ao vestibular. Foi então que ele me Quando você terminar seu mestrado, o que vai acontecer? Será que vai dar pra

Mateus

Abro a última seção desta pesquisa supostamente a conclusão com um episódio em

forma de mônada. O diálogo com o estudante João ocorreu no final de 2015, logo após o final da

entrevista. O mais curioso foi que quase todos os alunos entrevistados perguntaram, assim que

concluídas as nossas conversas, qual seria a consequência de minha pesquisa. Queriam saber se ela

teria poder para mudar algo, do ponto de vista de estrutura das provas de vestibular, solicitação

para abertura de novas vagas nas universidades ou maiores investimentos em educação.

Respondi a todos eles que, no início, tinha ainda uma visão sonhadora de produzir algo de

tamanha relevância, um texto que se popularizasse e chegasse às mãos de autoridades do âmbito

da produção das provas e das políticas educacionais. Contei que hoje, tendo passado mais de dois

anos dentro do ambiente da pós-graduação, pude me afastar da ingenuidade, porém sem perder a

ambição e a motivação pelas mudanças.

Retomo, então, alguns dos principais pontos que permitem uma reflexão sobre a

profundidade que esta pesquisa pode atingir nos seus diversos âmbitos. Num enfoque mais pessoal,

acredito que produzir esse trabalho pôde dar coerência a um processo que se iniciou em minha vida

em 2007, ano em que troquei de instituição escolar e minha relação com o vestibular se intensificou.

Naquele momento, os primeiros incômodos relacionados a esse sistema de seleção foram

despertados, e ao longo dos meses em que fui vestibulando a angústia se apoderou de minhas

sensibilidades.

Dez anos depois dessa experiência, encerrar uma dissertação que entretece vivências

pessoais a episódios de meus alunos, tendo minha própria narrativa como ponto de partida,

143

certamente possui significados múltiplos. Cito, então, Michel de Certeau para pensar em alguns

deles:

Por um lado, no sentido etnológico e quase religioso do termo, a escrita representa o papel de um rito de sepultamento; ela exorciza a morte introduzindo-a no discurso. Por outro lado, tem uma função simbolizadora; permite a uma sociedade situar-se, dando-lhe, na linguagem, um passado, e abrindo assim um espaço próprio para o presente. (...) A escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. Ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina. (CERTEAU, 1982, p. 118)

Assim, encerrar esta pesquisa é, para mim, esse duplo processo discutido por Certeau:

escrevo para enterrar meu próprio passado e meus traumas, mas ao mesmo tempo para nunca me

esquecer dele; para lembrá-lo e ao mesmo tempo me livrar dele.

No diálogo com a professora Maria Carolina Galzerani e também com Walter Benjamin,

rememorar é um ato político, com potencialidades de pro das

fantasmagorias, possibilitando a construção das utopias. Rememorar pode significar trazer o

passado vivido como opção de questionamento das relações e sensibilidades sociais, existentes

também no presente, uma busca atenciosa relativa aos rumos a serem construídos no futuro

(GALZERANI, 2008).

Considero, nesse aspecto, que as expectativas foram bem-sucedidas, ainda que as

possibilidades de continuidade desse processo investigativo sejam possíveis em outros espaços,

acadêmicos ou não. Sigo a convicção de Cunha e Prado (2007) de que o professor-pesquisador não

precisa estar vinculado a programas de pós-graduação para produzir pesquisa. É possível associar

pesquisa e docência, ideal sempre defendido pelo GEPEC. Dessa forma, finalizar esta pesquisa não

significar encerrar o processo de reflexão sobre o vestibular, assim como a produção de

conhecimento sobre essa questão poderá prosseguir mais adiante.

Num segundo âmbito, penso que a escrita desta dissertação pode ser significativa para a

temática do vestibular em um nível mais abrangente do que apenas a comunidade acadêmica da

Faculdade de Educação da Unicamp. Como visto, esse tema ainda não tem conquistado grande

144

atenção no campo da pesquisa em educação. Há um movimento que cresce vagarosamente, e

produções surgem aqui e ali, mas apenas com artigos breves e estudos de caso.

É justamente nesse sentido que o fechamento desta pesquisa pode contribuir. Sei que,

sozinha, uma dissertação de mestrado não pode quebrar estruturas e romper com paradigmas

enraizados na educação brasileira. Ainda assim, mantém-se em meus anseios o desejo de contribuir

de alguma forma para a melhoria da educação. Contei a todos os alunos contatados, no final das

entrevistas, que hoje espero que esta pesquisa possa ser relevante a outros pesquisadores, que quero

que ela toque profundamente as sensibilidades daqueles que estudam a educação, de forma a atrair

seus olhares para a voz dos alunos no que se refere aos vestibulares e ao sistema de ingresso no

ensino superior.

Para isso, talvez não baste apenas chamar atenção para a temática do vestibular, mas

gostaria que o fechamento desse texto pudesse provocar reflexões quanto à forma de pensar esse

assunto. Ou seja, esta pesquisa se aproximará de suas pretensões não apenas se a questão dos

processos seletivos for lembrada por outros pesquisadores, mas se puder promover

questionamentos quanto a alguns dos paradigmas metodológicos hegemônicos na academia.

Dessa forma, o esforço de pensar a pesquisa e escrevê-la de forma narrativa se insere na

assunção dessa abordagem que, desde o início, buscou conciliar minhas experiências acadêmicas

individuais com os espaços formais que foram mais relevantes durante a trajetória da pós-

graduação. Em primeiro lugar, o diálogo com o GEPEC foi determinante para o questionamento

do paradigma lógico-científico, que, em busca de uma objetividade cartesiana, tenta excluir da

pesquisa as individualidades e narrativas dos sujeitos pesquisados e do pesquisador. Em lugar desse

discurso hegemônico, o olhar aberto e qualitativo tomou corpo na forma da pesquisa narrativa, isto

é, uma narrativa pedagógica escrita por um pesquisador que é, ao mesmo tempo, pesquisador,

autor, escritor e sujeito/personagem (SOLIGO; SIMAS, 2014).

Lado a lado com os referenciais do GEPEC, os questionamentos ao paradigma lógico-

científico na academia também foram pautados, nesta pesquisa, pelas contribuições da professora

Maria Carolina Bovério Galzerani, e o legado deixado por ela, sobretudo na linha de pesquisa

. Assim, a finalização deste trabalho certamente

só se fez possível graças às contribuições de autores como Walter Benjamin, Edward Palmer

Thompson e Peter Gay. Esses nomes possibilitaram vislumbrar a educação no diálogo com a

145

memória e com uma visão de sujeito histórico ampliada, composta por uma racionalidade que não

é apenas técnica e instrumental, mas também sensível, plural e subjetiva (GAY, 1998;

THOMPSON, 1981; BENJAMIN, 1994).

Por fim, acredito que finalizar esta pesquisa também possui um significado marcante para

os estudantes entrevistados. Apesar de ter havido elementos particulares e específicos em cada um

dos onze diálogos, todos eles se encerraram com uma mesma sensação de alívio no rosto dos jovens

vestibulandos. Eles pareciam tocados por suas emoções, mas libertados de angústias que estavam

presas há muito tempo. Ao mesmo tempo, com a indagação sobre os resultados concretos que esta

pesquisa possa vir a ter, mostraram que não se tratava apenas de uma necessidade de desabafo, mas

de um desejo coletivo por mudanças, transformações que trarão mais justiça e coerência para os

processos seletivos dos futuros vestibulandos.

Nesse sentido, devo confessar que muito me alegrou quando o processo das entrevistas

havia se encerrado e eu continuava a receber contatos de estudantes dizendo que gostariam de ser

entrevistados por mim, afirmando que queriam compartilhar suas impressões e histórias no

contexto do vestibular. Tais situações me levam a crer que o encerramento deste trabalho se dá de

forma coerente com algumas suas pretensões. Se o propósito primordial desta pesquisa foi

possibilitar que jovens estudantes tivessem espaço e oportunidade de compartilhar suas narrativas

e experiências sobre o vestibular, hoje, quando escrevo estas linhas finais, sinto que esse objetivo

foi alcançado de forma satisfatória e gratificante a eles e a mim.

Contudo, em meio ao processo de encerramento deste texto, cabe uma reflexão sobre o

significado da conclusão nesta pesquisa. Desejo que concluir um estudo sobre experiências de

estudantes no contexto do vestibular seja, na verdade, um não concluir. Em primeiro lugar, por conta

da recusa das conclusões generalizantes, de resultados empíricos que podem ser universalizados. Em

nenhum momento foi essa a pretensão deste trabalho. Ademais, não concluir é, ao invés de apresentar

resultados que esgotam o debate, expressa um ambicioso objetivo de defender o fortalecimento das

vozes dos estudantes nas reformas do currículo escolar e do vestibular, como alternativa à atual

educação mecanicista e excludente. Significa buscar suscitar o debate e as reflexões nas pesquisas

acadêmicas e nas escolas que vivem o cotidiano da preparação para os exames, de modo a inspirá-los

a ouvir àqueles que pensam, sentem e vivem essa realidade. Ao possibilitar a produção de discursos e

conhecimentos acerca deste tema por indivíduos geralmente silenciados, rompe-se com o vazio de

146

subjetividades e com a corrente naturalização das angústias geradas na competição pelo ingresso no

ensino superior. Se esta não for uma conclusão, ou seja, um fim para esta discussão, talvez seja possível

contribuir para o campo da pesquisa sobre o ingresso no ensino superior, por propiciar

entrecruzamentos de visões acerca do vestibular de sujeitos que refletem e falam de diferentes lugares.

Talvez no futuro, se essa temática for amplamente discutida e os estudantes forem ouvidos,

algo possa mudar.

147

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Anexos

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Experiências de estudantes no contexto do vestibular: narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Número do CAAE:

Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo. Justificativa e objetivos:

Com o objetivo de investigar as diferentes visões de sujeitos sobre o vestibular, suas impressões subjetivas, sensibilidades e memórias quanto a esse momento da vida escolar, esta pesquisa busca dialogar com a subjetividade de cada entrevistado e entrar em contato com suas narrativas e visões sobre os vestibulares. Procedimentos: Participando do estudo você está sendo convidado a tomar parte do procedimento de entrevistas, caracterizado por um processo entre pesquisador e sujeito que propicia a construção do conhecimento sobre um tema de maneira partilhada e planejada. Sua contribuição envolve conceder uma ou mais entrevistas e permitir que elas sejam gravadas em áudio. Depois de gravadas, elas serão transcritas, se assim você permitir. As entrevistas têm duração média de meia hora, mas dependerá da sua disponibilidade, disposição e vontade de falar sobre os assuntos abordados, podendo ser interrompidas quando você quiser. Após a análise para o estudo, os áudios e transcrições serão descartados. Desconfortos e riscos:

O procedimento de Coleta de Dados não apresenta riscos mensuráveis ou previsíveis aos sujeitos da pesquisa, assim como ao pesquisador. Durante a realização das entrevistas, com duração média de 30 minutos, pode-se interromper o procedimento a qualquer momento por vontade do participante. Além disso, no ato da participação da pesquisa, a integridade do participante é de responsabilidade do pesquisador. Benefícios:

Ao possibilitar a produção de discursos e conhecimentos acerca do vestibular e o momento de sua preparação por indivíduos geralmente silenciados, intenciona-se romper com o vazio de subjetividades e com a corrente naturalização das angústias geradas na competição pelo ingresso no ensino superior. Espera-se, com isso, contribuir para o campo da formação de professores por possibilitar entrecruzamentos de visões acerca do vestibular de sujeitos que refletem e falam de diferentes lugares. Dessa forma, o presente trabalho se insere na defesa de uma educação das sensibilidades, por uma formação mais reflexiva que dialogue e dê espaço para as diferentes narrativas que existem no espaço da escola.

160

Acompanhamento e assistência: Apesar de não haver desconfortos e riscos previstos nesta pesquisa, no ato da participação da pesquisa, a integridade do participante é de responsabilidade do pesquisado. Assim, será oferecido aos participantes assistência e acompanhamento psicológico, caso sejam detectadas situações que indiquem necessidade de intervenções desta natureza. Sigilo e privacidade: Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado. Ressarcimento: Nesse estudo, o(a) Sr(a) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Portanto, não haverá o ressarcimento de despesas por parte do pesquisador aos sujeitos participantes da pesquisa. Contato:

Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com o pesquisador Mateus Leme de Sousa, endereço: Rua Shiego Mori, 1457, Cidade Universitária, Campinas; cel: (19) 99788-1288, e-mail: [email protected]

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail: [email protected] Consentimento livre e esclarecido:

Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:

Nome do(a) participante: ____________________________________________________ ___________________________________________________Data: ____/_____/______ (Assinatura do participante) E-mail do participante para eventuais futuros contatos: ___________________________________________________________________ Responsabilidade do Pesquisador:

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________________ Data: ____/_____/______.

(Assinatura do pesquisador) Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do participante:______________

161

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Experiências de estudantes no contexto do vestibular: narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Número do CAAE:

Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar a autorização de seu filho ou pupilo como participante de um estudo e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador. Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o pesquisador. Se você quiser retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo. Justificativa e objetivos:

Com o objetivo de investigar as diferentes visões de sujeitos sobre o vestibular, suas impressões subjetivas, sensibilidades e memórias quanto a esse momento da vida escolar, esta pesquisa busca dialogar com a subjetividade de cada entrevistado e entrar em contato com suas narrativas e visões sobre os vestibulares. Procedimentos: Mediante sua autorização, seu filho ou pupilo está sendo convidado participar deste estudo, tomando parte do procedimento de entrevistas, caracterizado por um processo entre pesquisador e sujeito que propicia a construção do conhecimento sobre um tema de maneira partilhada e planejada. Se autorizado, seu filho ou pupilo contribuirá concedendo uma ou mais entrevistas e permitindo que elas sejam gravadas em áudio. Depois de gravadas, elas serão transcritas, se assim você permitir. As entrevistas têm duração média de meia hora, mas dependerá da disponibilidade, disposição e vontade de falar sobre os assuntos abordados de cada um, podendo ser interrompidas quando o participante quiser. Após a análise para o estudo, os áudios e transcrições serão descartados. Desconfortos e riscos:

O procedimento de Coleta de Dados não apresenta riscos mensuráveis ou previsíveis aos sujeitos da pesquisa, assim como ao pesquisador. Durante a realização das entrevistas, com duração média de 30 minutos, pode-se interromper o procedimento a qualquer momento por vontade do participante. Além disso, no ato da participação da pesquisa, a integridade do participante é de responsabilidade do pesquisador. Benefícios:

Ao possibilitar a produção de discursos e conhecimentos acerca do vestibular e o momento de sua preparação por indivíduos geralmente silenciados, intenciona-se romper com o vazio de subjetividades e com a corrente naturalização das angústias geradas na competição pelo ingresso no ensino superior. Espera-se, com isso, contribuir para o campo da formação de professores por possibilitar entrecruzamentos de visões acerca do vestibular de sujeitos que refletem e falam de diferentes lugares. Dessa forma, o presente trabalho se insere na defesa de uma educação das sensibilidades, por uma formação mais reflexiva que dialogue e dê espaço para as diferentes narrativas que existem no espaço da escola.

Acompanhamento e assistência: Apesar de não haver desconfortos e riscos previstos nesta pesquisa, no ato da participação da pesquisa, a integridade do participante é de responsabilidade do pesquisado. Assim, será oferecido aos

162

participantes assistência e acompanhamento psicológico, caso sejam detectadas situações que indiquem necessidade de intervenções desta natureza. Sigilo e privacidade: Você tem a garantia de que a identidade de seu filho ou pupilo será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome ou de seu filho ou pupilo não será citado. Ressarcimento: Nesse estudo, o(a) Sr(a) não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Portanto, não haverá o ressarcimento de despesas por parte do pesquisador aos sujeitos participantes da pesquisa. Contato:

Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com o pesquisador Mateus Leme de Sousa, endereço: Rua Shiego Mori, 1457, Cidade Universitária, Campinas; cel: (19) 99788-1288, e-mail: [email protected]

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail: [email protected] Consentimento livre e esclarecido:

Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, autorizo meu filho ou pupilo a participar:

Nome do responsável legal do participante: _________________________________________ _______________________________________________________ Data: ____/_____/______. (Assinatura do responsável LEGAL do participante) E-mail do responsável legal do participante para eventuais futuros contatos: ___________________________________________________________________ Nome do participante: __________________________________________________________ _______________________________________________________ Data: ____/_____/______. (Assinatura do participante) Responsabilidade do Pesquisador:

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________________ Data: ____/_____/______.

(Assinatura do pesquisador) Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do responsável legal:______________