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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS OTÁVIO GILIOLI SPINACE A BURGUESIA INDUSTRIAL EM CONFLITO: A TRAJETÓRIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA ENTRE O NEOLIBERALISMO E O NEODESENVOLVIMENTISMO CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

OTÁVIO GILIOLI SPINACE

A BURGUESIA INDUSTRIAL EM CONFLITO: A TRAJETÓRIA DA

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA ENTRE O NEOLIBERALISMO E

O NEODESENVOLVIMENTISMO

CAMPINAS

2019

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OTÁVIO GILIOLI SPINACE

A BURGUESIA INDUSTRIAL EM CONFLITO: A TRAJETÓRIA DA

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA ENTRE O NEOLIBERALISMO E

O NEODESENVOLVIMENTISMO

Dissertação apresentada ao Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas como

parte dos requisitos exigidos para a obtenção

do título de Mestre em Ciência Política.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andréia Galvão

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO OTÁVIO

GILIOLI SPINACE, E ORIENTADA PELA

PROF.ª DR.ª ANDRÉIA GALVÃO.

CAMPINAS

2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação, composta pelos Professores

Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 26 de março de 2019, considerou

o candidato Otávio Gilioli Spinace aprovado.

Prof.ª Dr.ª Andréia Galvão

Prof. Dr. Armando Boito Júnior

Prof. Dr. Wagner Pralon Mancuso

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema

de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciência

Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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A meu pai e meu avô.

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AGRADECIMENTOS

A elaboração desta pesquisa contou com a ajuda de muitas pessoas, sem as quais

não seria exagero dizer que ela não seria possível. Cabe, por isso, reservar um espaço para

agradecer a todos que colaboraram nesse processo.

Agradeço, em primeiro lugar, à professora Andréia Galvão, pela atenção e apoio

dispensados na orientação deste trabalho, e por todo o conhecimento transmitido. A

professora Andréia colaborou não apenas em seu papel de orientadora, mas ao longo do

período de mestrado se tornou uma referência acadêmica que certamente terei daqui em

diante.

Agradeço também aos professores Armando Boito e Alvaro Bianchi pelos

comentários, sugestões e correções feitos na banca de qualificação. Depois de algum tempo na

Universidade, é comum colher relatos de colegas que passaram por maus momentos em

bancas. Definitivamente não foi esse meu caso, pois tive o privilégio de contar com a leitura

generosa de ambos ao meu trabalho. Quero agradecer também ao professor Wagner Mancuso

pela participação na banca de defesa.

Aos professores, colegas e funcionários do IFCH e da Unicamp que tornaram a

tarefa de elaborar uma dissertação um pouco menos difícil.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

À minha família, e em especial minha mãe, Ivone, e meu irmão, Murilo, por me

apoiarem em todos os meus objetivos, desde sempre, e me acompanharem em todos os

momentos.

A todos os meus amigos e amigas, que me ajudaram de inúmeras maneiras, pelas

quais não tenho como agradecer devidamente. Aos colegas de CMJ, Angélica e Carlos, pelo

convívio diário; à Cintia, pelas conversas mais do que agradáveis na reta final da pesquisa;

aos amigos de longa data Allan, Gabriel e Gustavo; aos amigos da História 011 e da

República Casa Nostra, que fizeram o tempo em Barão Geraldo se tornar muito mais

agradável; ao Gui, Goiano, Michel, Menini, Moralez e Viking, por terem me acompanhado

neste caminho e pela grande amizade construída ao longo desses anos.

E à Ana Luiza, por todo o companheirismo desses anos, e com quem tenho o

privilégio de dividir os melhores dias.

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RESUMO

O objetivo da pesquisa é analisar a ação política da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

enquanto representante do conjunto da burguesia industrial no Brasil, e seu posicionamento na

disputa entre neoliberalismo e neodesenvolvimentismo no período que vai de 1990, com a

posse de Fernando Collor, a 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff. Com grande

capacidade de formulação econômica, a CNI apresenta uma trajetória oscilante entre apoio e

rejeição ao programa neoliberal ortodoxo, defendido principalmente pelo capital financeiro e

pela burguesia associada ao grande capital internacional. Depois de inicialmente apoiar uma

agenda neoliberal nos anos 1990, os industriais se distanciaram gradualmente desse programa

e formaram uma frente política ampla e heterogênea com setores da classe trabalhadora. Essa

frente logrou vencer as eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 com um programa

que procurava amenizar os efeitos da política neoliberal retomando alguns princípios do

desenvolvimentismo, sem, no entanto, romper totalmente com o modelo anterior. No primeiro

governo de Dilma Rousseff foi realizada uma inflexão em direção ao aprofundamento do

programa neodesenvolvimentista, que coincidiu com o afastamento da burguesia industrial

dessa frente, e resultou em uma crise política. Esse processo viabilizou a restauração do

neoliberalismo em sua versão ortodoxa, mesmo após a reeleição de Dilma em 2014. Nosso

intuito é identificar evidências que caracterizem o movimento pendular da CNI, através dos

documentos e formulações produzidos pela entidade e seus dirigentes, à luz da bibliografia

sobre classes sociais e da análise de sua ação política. Para isso, utilizamos uma perspectiva

relacional, que permita compreender a atuação da CNI através das relações de forças nas

quais a entidade está inserida.

Palavras-chave: Confederação Nacional da Indústria; Neoliberalismo;

Neodesenvolvimentismo.

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ABSTRACT

The aim of the research is to analyze the political action of the Brazilian National

Confederation of Industry (CNI) as representative of the industrial bourgeoisie in Brazil, and

its position in the dispute between neoliberalism and neo-developmentalism, in the period that

begins in 1990, with the election of Fernando Collor, to 2016, in the impeachment of Dilma

Rousseff. With great capacity for economic formulation, the CNI presents an oscillating

trajectory between support and rejection of the orthodox neoliberal program, defended mainly

by the financial capital and the bourgeoisie associated to the great international capital. After

initially supporting a neoliberal agenda in the 1990s, industrialists gradually moved away

from this program and formed a broad and heterogeneous political front with working-class

sectors. This front managed to win the presidential elections of 2002, 2006, 2010 and 2014

with a program that sought to soften the effects of neoliberal politics by retaking some

principles of developmentalism, without, however, totally breaking with the previous model.

In the first government of Dilma Rousseff, an inflection was made towards the deepening of

the neo-developmentalist program, which coincided with the departure of the industrial

bourgeoisie from that front, and resulted in a political crisis. This process enabled the

restoration of neoliberalism in its orthodox version, even after the re-election of Dilma in

2014. Our intention is to identify evidences that characterize the pendulum movement of the

CNI, through the documents and formulations produced by the entity and its leaders, under

the light of the bibliography on social classes and the analysis of its political action. For this,

we use a relational perspective, which allow us to understand the CNI’s action through the

relations of forces in which the entity is inserted.

Keywords: Brazilian National Confederation of Industry; Neoliberalism; Neo-

developmentalism.

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SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................................10

Metodologia, fontes e estrutura da dissertação....................................................................17

A ação coletiva da burguesia sob uma perspectiva relacional.............................................18

Capítulo 1. Constituição e trajetória da Confederação Nacional da Indústria..........................24

1.1 – A formação da CNI e a consolidação do sistema corporativo....................................24

1.2 – Crise de representação e surgimento do sistema extracorporativo..............................32

1.3 – Redemocratização e constituição do “novo” sistema corporativo..............................40

1.4 – A burguesia industrial brasileira: uma burguesia nacional ou interna?.......................45

Capítulo 2. Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo: continuidades e rupturas...................52

2.1 – Neoliberalismo: origens e definições..........................................................................52

2.2 – Neoliberalismo e classes sociais..................................................................................58

2.3 – Neoliberalismo e burguesia industrial no Brasil.........................................................66

2.4 – O neodesenvolvimentismo como alternativa ao neoliberalismo.................................74

Capítulo 3. A CNI na crise do neodesenvolvimentismo...........................................................91

3.1 – A agenda da CNI: entre o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo......................92

3.2 – A nova matriz econômica: o programa dos industriais.............................................111

3.3 – A burguesia industrial em conflito: a crise da frente neodesenvolvimentista...........118

Considerações finais...............................................................................................................136

Referências bibliográficas.......................................................................................................143

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Introdução

O objetivo desta pesquisa é analisar a atuação da burguesia industrial na política

brasileira durante o processo de ascensão, enfraquecimento e retomada do neoliberalismo a

partir da crise do governo de Dilma Rousseff. Para isso, teremos como objeto a Confederação

Nacional da Indústria (CNI), sua principal organização de classe, considerando os conflitos

entre classes e frações de classe nos quais esteve envolvida no período compreendido entre os

anos 1990 e 2016.

A ação política do empresariado brasileiro tem sido um tema bastante relevante

nas ciências sociais, a exemplo de trabalhos como os de Eli Diniz e Renato Boschi (1978;

2007), Maria Antonieta Leopoldi (2000) e Mancuso (2007). Contudo, no âmbito da análise de

classes, a atuação da burguesia ainda é pouco debatida se comparada à das classes

trabalhadoras. A literatura recente que se dedica a entender o empresariado como ator político

muitas vezes não dialoga com a literatura marxista, ou que se pauta pelo conceito de classes

sociais, e a recíproca é verdadeira, a despeito de grandes trabalhos sobre a burguesia brasileira

produzidos por autores como Caio Prado Jr. (1966) e Florestan Fernandes (1975). Alguns

estudos mais recentes, como os de Armando Boito Jr. (2012) e André Singer (2015), têm

mudado esse cenário ao analisar questões como a natureza de classe dos governos petistas e,

em especial, a relação desses governos com os diferentes setores da burguesia.

Entidade de cúpula do sindicalismo patronal do setor industrial, a CNI é

representante na esfera institucional – mas não apenas – da burguesia industrial brasileira.

Fundada em 1938 a partir da Confederação Industrial do Brasil (CIB), sua trajetória política

recente desperta interesse, entre outros motivos, por conta de sua inserção peculiar na

conjuntura do neoliberalismo e sua relação, ora de maior proximidade, ora de maior

distanciamento, com o programa neoliberal. Cabe ponderar que, a despeito de sua posição na

hierarquia do sindicalismo patronal, a Confederação Nacional da Indústria não é o espaço

único e absoluto na definição de interesses dos industriais, num sistema representativo

complexo que engloba sindicatos, federações e associações. No entanto, por ser responsável

por representar todo o setor industrial em um país marcado por profundas desigualdades

regionais como o Brasil, a CNI tem a capacidade de organizar diferentes visões e definir uma

pauta política e estratégia de ação conjunta que a diferencia das federações estaduais. Com

efeito, após algum tempo de domínio da FIESP como grande representante do empresariado

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industrial e de perda de protagonismo para as associações setoriais, a partir da década de 1990

houve um ressurgimento da CNI na articulação dos interesses da indústria, ligado

principalmente a essa capacidade de formular uma pauta conjunta para o setor industrial.

Através do acompanhamento da atividade política e do desenvolvimento de

estudos técnicos, a CNI passa a definir uma agenda própria com o intuito de intervir mais

claramente no debate político. Essa ação também foi acompanhada pela expansão das

atividades da Confederação no sentido de criar organismos internos capazes de formularem a

“visão da indústria” sobre a política econômica e outras questões de relevância, com vistas a

influenciar o debate no âmbito dos três poderes. É o caso, por exemplo, da criação do Fórum

Nacional da Indústria e da Unidade de Assuntos Legislativos (Pont, 2012, p. 30). Mais do que

influenciar a cena política através de lobby e outros mecanismos de pressão, a recuperação da

CNI como interlocutora da indústria nacional envolve a tentativa de construção de um

programa político próprio que represente os interesses de sua fração de classe. Nesse sentido,

nosso objetivo é entender como esse processo se relaciona com a disputa entre neoliberalismo

e neodesenvolvimentismo no campo político1.

Depois de apoiar os princípios do modelo econômico introduzido no país pelo

presidente Fernando Collor, houve um afastamento gradual entre a burguesia industrial e o

campo neoliberal ortodoxo, que a partir de 1995 passou a ser representado na cena política2

pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Esse afastamento culminou na aproximação

da entidade com setores populares organizados, também insatisfeitos com os resultados dessa

política. O resultado desse processo foi a composição de uma frente ampla e heterogênea, que

serviu de sustentação para um programa neodesenvolvimentista (Boito Jr., 2012).

Desenvolveremos esse ponto um pouco mais adiante. O neodesenvolvimentismo, por sua vez,

foi representado na cena política pelas candidaturas Lula em 2002 e 2006, e Dilma em 2010 e

2014, e procurou retomar a ideia de desenvolvimento nacional pautado no crescimento

econômico e no fortalecimento do mercado interno. Esse processo se deu de forma

contraditória, sem romper com alguns pilares do neoliberalismo.

Em razão da recuperação da CNI como um importante locus de elaboração e

divulgação da agenda política dos industriais, pretendemos investigar quais as pautas1 O conceito de neodesenvolvimentismo e suas diferenças em relação ao neoliberalismo serão discutidos

detalhadamente no capítulo 2 da dissertação.2 O conceito de cena política é originário da obra de Marx, e diz respeito ao locus onde ocorre a dissimulação

dos interesses de classe na sociedade capitalista. Marx elaborou uma distinção entre a realidade aparente, ousuperficial; e a realidade essencial, ou profunda, que diz respeito aos interesses de classe. Para analisar apolítica, portanto, é necessário ultrapassar os limites da cena política (Boito Jr., 2007).

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defendidas pela burguesia industrial e como elas se transformam neste período, observando o

posicionamento político da CNI e de suas lideranças. Em quais conjunturas a Confederação se

aproxima das organizações de trabalhadores e em quais adota uma postura mais agressiva e

menos conciliatória com os trabalhadores? Que pautas defende em cada um desses

momentos? Como se posiciona em relação aos governos para viabilizar a implantação de suas

pautas? Quais os resultados de seu posicionamento? Tomemos o exemplo da reforma

trabalhista. Essa é uma pauta histórica do conjunto da burguesia, que se manifestou

principalmente ao longo dos anos 1990 sob o argumento de “modernização da legislação

trabalhista”, mas que permaneceu relativamente adormecida durante a maior parte dos

governos petistas. A retomada dessa pauta no final de 2012, expressa uma fissura na frente

política que a burguesia industrial mantinha com a classe trabalhadora, evidenciando seus

interesses distintos, e denota seu afastamento gradual em relação ao governo. Embora a

reforma trabalhista constitua parte permanente do discurso da burguesia brasileira, e mais

especificamente da agenda da CNI, a ênfase concedida a esses e outros pontos aproxima o

conjunto da burguesia. Ao mesmo tempo, como assinalado por articulistas na imprensa a

partir de 2013 (Singer, 2013b), empresários passam a subir o tom na crítica ao que classificam

como intervencionismo excessivo adotado pelo governo Dilma. A própria presidente, à época,

denunciou que estava em curso uma “guerra psicológica” contra seu governo.

Com o intuito de recuperar apoio entre a burguesia, já em um cenário de cerco ao

governo que se formou após a eleição de 2014, a presidente Dilma intensifica as concessões a

diferentes setores burgueses, em um movimento que vinha pelo menos desde 2013 e que ficou

marcado com a nomeação de Joaquim Levy, um quadro oriundo do sistema financeiro, para o

Ministério da Fazenda. O discurso que sustentou o novo programa econômico consistia na

“recuperação da credibilidade”, o que se traduziu em um pesado ajuste fiscal, na elevação dos

juros, e no fim da política de pleno emprego, para controlar a inflação, entre outras ações. Em

alguma medida, esse programa foi defendido em 2014 não apenas pelo setor financeiro e pela

burguesia associada, mas também por setores da burguesia interna3. À época, a CNI passou a

defender uma “política econômica rumo à estabilidade” (Branco, 2014).

3 Partimos da análise de Boito Jr. (2012), que se baseia na categorização elaborada por Nicos Poulantzas emsua obra “Poder político e classes sociais”. O autor aponta a grande burguesia interna como força dirigenteda frente neodesenvolvimentista. Isso significa dizer que essa fração de classe foi responsável por dirigir osentido mais amplo da política econômica, e que seus interesses foram privilegiados pelos governos petistas.Como veremos no capítulo 1, a burguesia interna corresponde à fração burguesa situada entre a burguesiaassociada, perfeitamente integrada ao capital estrangeiro, e a antiga burguesia nacional, que a depender daconjuntura poderia tomar posições anti-imperialistas.

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Nossa pesquisa aborda, portanto, a problemática das relações entre industriais,

neoliberalismo e neodesenvolvimentismo. Pretendemos identificar em que momento as teses

neoliberais ganham novamente força entre a burguesia industrial, e como esse movimento

leva ao rompimento da frente neodesenvolvimentista. Nosso intuito é o de entender qual foi o

papel da burguesia industrial nessa conjuntura de crise, e de formular algumas hipóteses sobre

por que, mesmo tendo grande parte de suas reivindicações atendidas, os industriais deixaram a

base de apoio ao governo Dilma.

Para delimitar melhor o problema, é necessário partir de uma visão mais ampla da

conjuntura neoliberal no Brasil. Nesse sentido, a bibliografia é relativamente consensual ao

classificar o período que vai de 1990, com o início do governo Collor, até 2002, com o

término do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso – considerando as diferentes

conjunturas que atravessaram esses 12 anos – como de alinhamento do Brasil ao

neoliberalismo, que pode ser entendido, em linhas gerais, como uma política de

desestatização, desregulamentação e abertura da economia brasileira (Saes, 2001, p. 87). No

entanto, mais do que a política executada pelo Estado brasileiro, cabe pensar em que medida o

neoliberalismo se relaciona com interesses de classes. A relativa unidade política da burguesia

em torno do neoliberalismo durante a maior parte da década de 1990 no Brasil pode induzir

ao erro de inferir que a política neoliberal atinge de maneira equivalente as diferentes classes

sociais e frações de classe. Boito Jr. (1999, pp. 50-51) mostra que os efeitos das principais

políticas neoliberais, a saber: desregulamentação do mercado de trabalho, supressão de

direitos sociais, privatizações e concessões, abertura comercial e desregulamentação

financeira, impactam de maneira diferente as frações burguesas. Esse processo foi responsável

por provocar contradições e disputas dentro da coalizão que sustentou o neoliberalismo, e

provocaram conflitos em torno da aplicação do programa, principalmente a respeito da

velocidade e do alcance da implementação das chamadas “reformas para o mercado”.

A partir da primeira crise cambial pós-Plano Real, em 1999, o caráter radical da

política neoliberal foi reforçado com a institucionalização do que ficou conhecido como “tripé

macroeconômico”, conjunto de medidas que marcou a política econômica do segundo

governo FHC, e consistia em metas de inflação mantidas com altas taxas de juros, câmbio

flutuante e superávits primários elevados. Embora a CNI tivesse apoiado o programa

neoliberal num primeiro momento, o ritmo e a amplitude da abertura comercial, bem como a

política de juros elevados e a sobrevalorização do real, dificultavam ainda mais as condições

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da burguesia industrial num contexto de acirramento da competição global. O afastamento

gradual do setor industrial do governo FHC, que já não contava com apoio significativo vindo

do conjunto da classe trabalhadora, que não teve seus interesses contemplados por essa

política, culminou com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002, com um

programa que procurava apoio nos setores burgueses que perderam com a política neoliberal.

Uma vez no poder, contudo, o governo Lula não logrou reverter o “tripé”. O que

justificaria, então, diferenciá-lo dos governos anteriores? Segundo Bastos (2017, p. 14), o

governo Lula cometeu “três heresias” relevantes em relação à agenda neoliberal: freou a

política de privatizações, um dos temas de disputa ideológica mais acirrada no governo FHC;

recuperou o papel dos bancos públicos no estímulo ao investimento produtivo; e sustentou o

crescimento do mercado interno através da política de valorização do salário mínimo, do

fortalecimento do emprego formal e de políticas de transferência de renda.

A partir dessa breve consideração, é possível ter uma dimensão do caráter

complexo dos governos petistas, que foram sustentados por um arco de forças frágil,

contraditórias entre si, e sem alinhamento a um projeto de longo prazo. Esse conjunto de

forças, envolvendo uma parcela da burguesia e setores das classes trabalhadoras, permanecia

unido pela defesa de algumas medidas, como o crescimento econômico; a recuperação de

setores-chave da indústria; a melhora nas condições de distribuição de renda dos

trabalhadores e na própria oferta de empregos, importantes para o fortalecimento do mercado

interno. Em razão disso, optamos por utilizar o conceito de frente neodesenvolvimentista,

como elaborado por Boito Jr. (2012), por remeter a uma frente ampla e heterogênea,

permeada por contradições, composta principalmente por três forças principais: a burguesia

interna, que se aproximou do Partido dos Trabalhadores no final dos anos 1990; o movimento

sindical, este historicamente ligado ao PT; e os trabalhadores da massa marginal, ou

subproletariado, que se deslocaram para o apoio a essa frente durante o governo Lula.

Os governos neodesenvolvimentistas, na interpretação do autor, representam uma

melhora da posição da burguesia interna no bloco no poder em relação ao período anterior, o

que significou ter uma série de interesses atendidos pela política de governo. A burguesia

interna, porém, não é um bloco monolítico com um programa político bem definido. Pelo

contrário, é uma fração de classe que reúne diversos setores econômicos, com diversas

divisões internas, mas que possuem como principal demanda comum a proteção do Estado

contra o grande capital internacional (Boito Jr., 2012, pp. 95). Nesse sentido, a manutenção da

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frente exige a conciliação mínima dos interesses entre os diferentes setores capitalistas, e

dessa fração da burguesia com os trabalhadores. Dentro dessa composição heterogênea,

focamos nossa atenção nas ações de um dos segmentos da burguesia interna, a saber, a

burguesia industrial.

Ainda que não tenha sido definido de forma clara pelos seus defensores, nem

rompa em sua integralidade com o programa neoliberal aplicado nos anos 1990, o

neodesenvolvimentismo apresenta pontos de contraposição ao neoliberalismo. Desse modo,

tal arranjo político não exclui, tampouco interdita, o “poder estrutural” do capital financeiro

na conjuntura neoliberal e sua capacidade de influenciar a política, mesmo que este não faça

parte da frente que está no governo (Bastos, 2017, p. 11). Ao mesmo tempo, nutre importantes

conflitos com os setores mais interessados na manutenção do modelo neoliberal ortodoxo.

Tendo em vista esse amplo – porém frágil – arco de forças, a frente

neodesenvolvimentista obteve sucesso em apoiar os governos petistas, ao menos no período

entre 2003 e 2014, dentro do qual destacamos momentos de elevada instabilidade política,

como na chamada “crise do mensalão” em 2005 e na crise econômica mundial de 2008.

Com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, houve uma inflexão na política do

governo em direção às demandas da burguesia industrial, apresentadas em especial pela CNI e

FIESP, a fim de manter o crescimento econômico depois da crise internacional e implantar

uma agenda industrialista. Podemos sintetizar esse programa em nove ações principais:

redução dos juros; uso intensivo do BNDES; reindustrialização; desonerações à produção;

investimento em infraestrutura; reforma do setor elétrico; desvalorização do real; controle de

capitais; e proteção ao produto nacional (Singer, 2015, pp. 46-49).

Essas medidas tomadas no governo Dilma, por sua vez, compunham o eixo

principal da política batizada de “nova matriz econômica” (NME) e sinalizavam o

rompimento com o modelo do tripé macroeconômico. Dessa forma, a NME ia além do

programa inicial proposto pelo governo Lula, o que foi suficiente para que analistas alinhados

com novos projetos de desenvolvimento4, como Bresser-Pereira (2013, p. 13), afirmassem que

4 Entre o que denominamos “novos projetos de desenvolvimento”, podemos estabelecer algumasdiferenciações: enquanto o novo-desenvolvimentismo, perspectiva desenvolvida principalmente por LuizCarlos Bresser-Pereira, enfatiza a preocupação com os preços macroeconômicos, em especial a manutençãoda taxa de câmbio em patamares que promovam a competitividade da indústria nacional e estimulem oinvestimento privado, o social-desenvolvimentismo, ligado principalmente a economistas da Escola deCampinas, volta suas preocupações ao papel do investimento público no crescimento econômico. Apesar depossuírem diferenças importantes, ambas as perspectivas foram apresentadas no debate econômico da últimadécada como alternativas ao neoliberalismo. Sobre este debate, ver, entre outros, Bastos, 2012; Bresser-Pereira, 2013; Morais e Saad-Filho, 2011; Singer, 2015.

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Dilma “certamente pensa em liderar um projeto nacional com amplo apoio da sociedade”. Por

uma série de motivos que discutiremos mais à frente, as medidas adotadas pelo governo

Dilma, em grande parte com apoio da CNI, não lograram atingir seu objetivo principal, qual

seja, o de promover o crescimento econômico puxado pela indústria. Tal fato acabou por

amplificar os ataques à NME de setores alinhados ao neoliberalismo e, como apontado

anteriormente, a reação do governo diante desses ataques foi um recuo gradual, colocando em

xeque qualquer perspectiva de política desenvolvimentista depois de vencer a eleição de 2014.

Feita essa exposição preliminar, nosso principal objetivo consiste em entender o

papel desempenhado pela burguesia industrial nas conjunturas neoliberal e

neodesenvolvimentista, a partir da ação de uma de suas mais importantes entidades

representativas, a Confederação Nacional da Indústria. Ao longo desse período, identificam-se

três momentos distintos: o apoio inicial dos industriais ao neoliberalismo nos anos 1990; a

defecção gradual do campo neoliberal e aproximação da frente neodesenvolvimentista entre

2002-2012; e a crise dessa frente a partir de 2013, com o afastamento da burguesia industrial e

a restauração do neoliberalismo em sua versão ortodoxa. Como explicar essas mudanças de

posição? Baseamo-nos na bibliografia existente para compreender a primeira mudança, entre

os anos 1990 e 2000, uma vez que há muitas análises produzidas a esse respeito. Assim, nossa

principal hipótese diz respeito à segunda mudança. Consideramos que a burguesia industrial

realizou um movimento pendular durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a exemplo

do que ocorreu outras vezes no processo de desenvolvimento capitalista no Brasil. Um

movimento que envolveu, por um lado, o rompimento com a frente neodesenvolvimentista –

que parecia estável o suficiente para seguir em direção a uma nova perspectiva de

desenvolvimento – e, por outro, uma inflexão dos industriais, que mesmo tendo diversas de

suas demandas atendidas, não mantiveram o apoio ao governo. Ao contrário, o que se viu foi

um distanciamento cada vez maior do setor industrial em relação ao neodesenvolvimentismo

e seu realinhamento ao campo neoliberal.

De maneira complementar, nossa segunda hipótese é de que as contradições no

interior da frente neodesenvolvimentista, quando tensionadas, influenciaram para seu

rompimento. Essas contradições foram aguçadas a partir de 2012 por uma conjuntura de baixo

crescimento econômico e queda nas taxas de lucro, sem que os industriais pudessem contar

com a salvaguarda dos retornos de investimentos financeiros, atacados pela nova matriz

econômica. A burguesia industrial, principalmente em razão de sua dependência externa,

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financeira e tecnológica, e do próprio local que o Brasil ocupa na divisão internacional do

trabalho, não logrou construir um projeto político independente dos setores burgueses que têm

maior interesse na retomada do programa neoliberal ortodoxo. Somando-se a isto, a atual

configuração dos grandes grupos empresariais, atravessada pela financeirização neoliberal,

faz com que o capital das empresas seja investido tanto em atividades produtivas quanto

rentistas, como forma de auferir grandes taxas de lucro e maximizar seu valor acionário

independentemente das condições econômicas em geral. Embora uma das atividades seja

predominante, esse “duplo caráter” dificulta que a burguesia industrial conduza um projeto

desse alcance. Enfatizamos que essa configuração não elimina as diferenças entre frações da

burguesia e os tipos de capital, mas exerce influência na definição de interesses de sua parcela

ligada a atividades produtivas. Esse movimento foi acompanhado por uma ofensiva

ideológica do campo neoliberal, que teve seus interesses afetados pela política industrialista

dos dois primeiros anos do governo Dilma, e foi capaz de atrair a burguesia industrial.

Metodologia, fontes e estrutura da dissertação

A análise da ação política da CNI no período pesquisado compreendeu uma

pesquisa empírica, a partir da documentação produzida pela entidade, associada a uma

pesquisa bibliográfica acerca das relações de classe nos períodos que denominamos de

neoliberal e neodesenvolvimentista no Brasil. Como apontamos no início, desde os anos 1990

a CNI produz uma grande quantidade de documentos, através dos quais é possível identificar

posicionamentos a respeito de políticas ou temas específicos. Nesse sentido, nossa principal

fonte são os documentos contendo propostas aos candidatos à presidência da república,

elaborados pela CNI desde a eleição de 1994, por constituírem os textos de maior fôlego da

entidade em relação ao que seria seu programa econômico, e refletirem posições tomadas em

diferentes conjunturas.

O rol de documentos que utilizamos compreende, ainda, outras publicações de

maior alcance temporal, como o Mapa Estratégico da Indústria, que traçou metas para a

indústria brasileira no período 2007-2015 e serviu de referência para a elaboração das

publicações relativas às eleições de 2006 e 2010. Todos os documentos citados foram

organizados pela CNI em parceria com as federações das indústrias estaduais, associações da

indústria e empresários. Desse modo, as posições analisadas de certa forma refletem

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interesses relativamente consensuais dentro das organizações da indústria, embora, caiba

sempre ressaltar, não sejam unânimes. Ademais, os dirigentes da entidade assinam

constantemente artigos de opinião, seja em periódicos próprios, como a Revista Indústria

Brasileira, ou na grande imprensa, e concedem entrevistas se posicionando acerca de temas

de interesse da CNI.

Utilizamos, ainda, periódicos da imprensa em geral, que vocalizam e veiculam o

pensamento empresarial, dentre os quais destacamos Folha de São Paulo, O Estado de São

Paulo e Valor Econômico, bem como a Revista Exame. Com isso, buscamos englobar um

amplo espectro de publicações que divulgam o pensamento de intelectuais orgânicos e

entidades ligadas à burguesia, e que nos permitem identificar seu posicionamento.

No processo de análise documental, lançamos mão de um procedimento que

enfatiza a perspectiva histórica da consolidação de posições da CNI e permite entendê-las

através dos conflitos nos quais ela está envolvida, bem como de sua relação com a conjuntura.

Assim, analisamos a documentação sob dois aspectos principais: 1) a definição da posição da

CNI, levando em conta a conjuntura em que foi estabelecida; 2) quais as disputas envolvidas e

como remetê-las a conflitos de classe entre as diferentes frações da burguesia, entre estas e a

classe trabalhadora, e o Estado.

Essa perspectiva permite analisar a ação das entidades de classe a partir das

relações de forças que se estabelecem ao longo de seu desenvolvimento histórico e se coloca

em oposição às visões essencialistas que procuram deduzir o comportamento político dessas

associações a partir de um determinado aspecto ideal e esperado, encontrado em sua própria

essência, ocultando sua condição de classe social em movimento (Bianchi, 2007, p. 127),

como veremos a seguir.

A ação coletiva da burguesia sob uma perspectiva relacional

A partir da segunda metade do século XX, houve um debate nos meios políticos e

intelectuais sobre o papel da burguesia industrial brasileira, que havia ascendido politicamente

após a Revolução de 1930. Alguns dos autores que publicaram nesse período, bem como

intelectuais nacionalistas e vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, elaboraram algumas

das principais análises sobre esse tema. Abordaremos com mais cuidado esse debate ao tratar

da caracterização da burguesia industrial brasileira, mas o tomaremos, neste momento, como

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ponto de partida para tecer algumas considerações a respeito do enfoque relacional que

utilizaremos em nossa pesquisa. Nossa principal referência para os comentários a seguir é o

estudo de Bianchi (2010) sobre o associativismo do empresariado paulista nas décadas de

1980 e 1990, que propõe algumas considerações para a utilização desse tipo de perspectiva.

Em que pesem significativas diferenças nas análises que foram feitas sobre a

burguesia industrial brasileira nas décadas de 60 e 70 do século XX, tanto as que destacavam

a submissão dessa fração da burguesia brasileira, como as que acreditavam em seu potencial

hegemônico, concebem sua ação política a partir de um viés essencialista. Por viés

essencialista nos referimos ao elemento comum presente nessas análises, de que caberia à

burguesia brasileira desempenhar um papel histórico determinado, o de liderar um projeto

hegemônico, apoiada em setores das classes trabalhadoras, e em oposição aos setores

atrasados da sociedade brasileira, identificados nos capitais agrário-exportador e estrangeiro.

O elemento essencialista desse tipo de análise consiste em identificar como principal variável

para a determinação da ação política da burguesia brasileira a realização de uma essência

inerente a essa fração de classe, que corresponderia ao seu papel histórico enquanto fração de

classe (Bianchi, 2010, p. 48).

Por sua vez, essa essência – e, consequentemente, seu papel histórico – seria

realizada através de uma aliança com a classe trabalhadora que levasse a burguesia industrial

a ocupar um lugar hegemônico no interior da formação capitalista nacional, o que também

incluiria assumir posições anti-imperialistas. Segundo Bianchi (2010, p. 48), essa construção

teórica remonta a um tipo ideal de burguês, que levara a cabo as revoluções liberais na Europa

do século XIX, mas que não correspondia à burguesia que se desenvolvera no Brasil. A partir

daí se construíram análises que, de modo geral, ou acreditavam que a burguesia brasileira

teria condições para replicar as revoluções burguesas da Europa Ocidental e liderar um

projeto nacional de desenvolvimento, ou atribuíam a não realização desse potencial à

incapacidade política da fração industrial, que optara por uma política de conciliação com as

demais frações da classe dominante (Boschi, M., 2000, pp. 19-20).

Como discutiremos ao analisar a trajetória da Confederação Nacional da Indústria,

a própria experiência histórica demonstra os limites de abordagens essencialistas para a

análise do associativismo. Reconhecer esses limites não implica ignorar as diversas

contribuições presentes nesses trabalhos, mas assumir que a ênfase em características

inerentes a um determinado sujeito histórico não guarda consigo seu potencial de realização,

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já que não considera as condições históricas de uma determinada conjuntura. Como veremos

no caso da burguesia industrial brasileira, mesmo alguns dos elementos comumente atribuídos

como inerentes a essa fração de classe podem se mostrar imprecisos. Novamente recorremos à

analogia do burguês típico do século XIX: embora a análise empírica permita afirmar que

tanto o burguês europeu do século XIX como o burguês brasileiro do século XX sejam, de

fato, burgueses, as condições históricas que produziram o primeiro não valem para o segundo.

Sob esse ponto de vista, as abordagens essencialistas da ação coletiva tendem a analisar seus

objetos mais pelo que deveriam ser do que pelo que de fato são (Bianchi, 2010, p. 45, grifos

do autor).

Como alternativa às teorias essencialistas sobre a ação coletiva dos capitalistas5,

Bianchi (2010, p. 37-38) propõe uma abordagem que leve em consideração o papel jogado

pelas relações de forças presentes dentro de uma determinada formação social. Para isso, seu

ponto de partida são as relações que se desenvolvem entre as diferentes frações da burguesia,

os trabalhadores e o Estado. Cabe ressaltar que essa divisão em três conjuntos de relações –

entre a burguesia, com as classes trabalhadoras e com o Estado – só é possível com fins

analíticos. No processo histórico real, essas relações estão sempre interligadas e se afetam

mutuamente (Bianchi, 2010, pp. 39). A partir dessa consideração inicial, o modelo de

organização da ação coletiva burguesa pode assumir formas diversas, a depender dos conflitos

existentes na sociedade e como expressão de relações de forças. Tais conflitos, por sua vez, se

manifestam em sentido vertical, entre as classes sociais (a exemplo do conflito

capital/trabalho), suas organizações representativas e instituições, inclusive o Estado, e os

conflitos horizontais, que se dão entre as diferentes frações da burguesia (Bianchi, 2010, p.

60).

A organização da burguesia enquanto classe social dominante, portanto, remonta à

necessidade de coordenar interesses diversos, típicos da atividade concorrencial do

capitalismo. Nesse sentido, o surgimento de organizações para mediar disputas no interior da

burguesia, dentre as quais o problema da concorrência, não elimina os conflitos entre essa

classe social, mas tem impacto no contexto econômico, na regulação do conflito social e na

implantação de determinadas políticas. Seguindo lógica parecida, temos a formação de

5 Bianchi (2010) constrói seu modelo de enfoque relacional a partir da crítica, de um lado, ao individualismometodológico de Olson, e de outro, da análise sociológica das classes sociais de Offe e Wiesenthal. Nessesentido, o autor faz uma longa explanação a respeito das diferenças entre a teoria de Olson, e de Offe eWiesenthal, apresentando as duas teorias em conjunto apenas no que se refere ao viés metodológicoessencialista, presente em ambas.

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associações de empregadores, preocupadas com as questões relativas ao mercado da força de

trabalho, que surgem em resposta à ação coletiva dos trabalhadores (Bianchi, 2010, p. 37-38).

As relações com o Estado, por sua vez, também podem impactar na organização e

ação coletiva da burguesia. A intervenção estatal na economia tende a reduzir o poder

patronal no controle dos mercados, fazendo com que a burguesia se sinta ameaçada.

Frequentemente esse tipo de ação pode estimular uma resposta por parte da burguesia, cuja

atuação coletiva é uma maneira de influenciar a própria ação do Estado. Ao contrário,

dependendo da conjuntura ou do tipo de ação estatal, em vez de provocar uma atitude reativa,

ou até inibir o associativismo burguês, o Estado pode induzir a ação coletiva dos capitalistas

através de arranjos políticos que incentivem a representação das classes sociais na

implementação de políticas públicas (Bianchi, 2010, pp. 39).

Tendo em vista essa breve introdução, podemos dizer que as formas institucionais

derivadas da ação coletiva da burguesia são resultado da consolidação de relações de força e

conflitos sociais, e não produto da realização da essência dos atores envolvidos (Bianchi,

2010, p. 39-40). Procuraremos abordar com mais cautela esse processo recorrendo à

reconstituição da trajetória da CNI para compreendê-la como forma institucional da

representação de interesses da burguesia industrial brasileira.

A partir desse enfoque relacional, podemos recolocar a questão da ação política da

burguesia, considerando as disputas existentes em um contexto histórico determinado para

definição de seus interesses de classe e constituição de suas formas institucionais. Parte das

análises sobre a burguesia brasileira se pautaram em definir um interesse prévio para essa

fração de classe, sem considerar como os conflitos reais moldam esses interesses. Como

aponta Bianchi (2010, p. 43),

Os choques entre as diferentes frações do capital, os conflitos existentes

entre as diferentes frações da burguesia, as classes subalternas e suas formas

institucionais, moldam, dando-lhe forma, o processo de reprodução do

capital, redefinindo constantemente suas necessidades. Não é possível,

portanto, falar de um interesse geral desse capital sem analisar as relações de

forças sociais que cristalizam os conflitos citados e o papel de mediadores na

formulação desses interesses ocupados pelos intelectuais orgânicos6.

6 Bianchi se refere, recuperando Gramsci, aos empresários que exercem atividades de organização desde aesfera de seu próprio capital até a organização do capital em geral e do conjunto da sociedade. Dessa forma,existem diferentes níveis de “empresários-intelectuais”, de acordo com suas funções de organização numadeterminada formação capitalista. Voltaremos a esse tema no capítulo 3.

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Transportando essas considerações para o campo da organização de classe que se

dá pelas formas institucionais, a mesma perspectiva é válida, ou seja, as manifestações

institucionais de classes e frações de classe não são a realização da essência desses grupos

sociais, mas uma consolidação das relações de forças moldadas pelo conflito social. Como

veremos no item em que fazemos uma reconstituição da formação da CNI, é possível

identificar o papel desses conflitos na consolidação da entidade: entre os industriais e a

burguesia comercial e agrária, a classe operária que se organizava nos grandes centros

urbanos, e o Estado, especialmente na constituição do modelo corporativista do Estado Novo.

Em resumo, analisar os conflitos que atravessam as frações da burguesia permite, dentro de

nossa proposta de trabalho, entender o surgimento e o desenvolvimento de suas associações

de classe, assim como sua ação política. As disputas que ocorrem dentro do próprio setor

industrial também são relevantes nesse processo, na medida em que provocam contradições

que impactam na própria coesão e direção de sua ação política.

*******

Feitos esses esclarecimentos metodológicos, passemos à estrutura da dissertação.

O texto está dividido em três capítulos.

No primeiro, esboçamos um breve histórico sobre o desenvolvimento da

burguesia industrial no Brasil, sua organização política e econômica, e a criação do sistema

corporativo, na década de 1930, que consolidou a CNI como entidade de cúpula para

representação da indústria. Com isso, nosso objetivo é compreender como esse sistema de

representação de interesses foi formado, a partir de uma perspectiva relacional, isto é, de

conflitos entre classes, frações de classes e o Estado. Posteriormente, discutimos como a

bibliografia a respeito da burguesia industrial, em especial a partir da segunda metade do

século XX, procurou caracterizar esse segmento da burguesia brasileira para compreender sua

atuação política, defendendo sua identificação com o conceito de burguesia interna.

No segundo capítulo, intitulado “Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo:

continuidades e rupturas”, tratamos do conceito de neoliberalismo, de sua história, e das

implicações da adoção desse modelo na política brasileira, indicando como ele afetou a

indústria instalada no país. Em sequência, apresentamos as contradições e conflitos contidos

no interior do modelo neoliberal que deram condições ao surgimento de uma frente

neodesenvolvimentista. Na parte final do capítulo analisamos como se deu a construção do

neodesenvolvimentismo na cena política, com ênfase para seu caráter heterogêneo e suas

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contradições internas, e defendemos o uso desse conceito para melhor explicar as relações de

classe nos governos petistas, apontando suas rupturas e continuidades em relação ao modelo

anterior.

Por fim, no terceiro capítulo abordamos a crise da frente neodesenvolvimentista e

a ruptura da burguesia industrial com o programa industrialista adotado no primeiro governo

Dilma. Para isso, apresentamos as principais medidas que constituíram a nova matriz

econômica e discutimos sua repercussão entre os industriais e a CNI. Em seguida,

reconstituímos as posições defendidas pela CNI a partir das propostas apresentadas aos

candidatos à presidência da república de 1994 a 2014, e verificamos como elas oscilaram

entre o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo. Apresentadas as premissas do debate,

buscaremos algumas pistas sobre as razões que levaram os industriais a romper com a frente

neodesenvolvimentista, procurando identificar quais foram os conflitos políticos e

econômicos que envolveram a frente neodesenvolvimentista e a burguesia industrial. Como

destacamos anteriormente, utilizaremos uma perspectiva relacional como fio condutor para

compreender a ação política da burguesia, suas frações de classe e organizações políticas.

Nesse sentido, desenvolveremos a argumentação em torno de dois eixos principais: os

conflitos horizontais, entre as diferentes frações da burguesia, e o papel do Estado; e os

conflitos verticais, que envolvem a relação capital/trabalho.

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Capítulo 1. Constituição e trajetória da Confederação Nacional da Indústria

1.1 – A formação da CNI e a consolidação do sistema corporativo

Fundada oficialmente em 1938, sob a legislação que formalizou o sindicalismo

patronal durante o Estado Novo, a Confederação Nacional da Indústria ocupa o papel de

organização superior de representação de interesses da indústria brasileira, congregando as

federações, de abrangência estadual, e os sindicatos, estes de caráter regional e divididos por

setor de atividade. Ao resgatarmos a origem do modelo sindical brasileiro, é comum nos

depararmos com análises que apresentam o sistema corporativo – também chamado de

corporativista – como algo monolítico, imposto de cima para baixo pela ditadura varguista e

aceito sem resistência pela frágil burguesia industrial brasileira. O inegável peso do Estado na

formação do sistema de representação de interesses da indústria, contudo, pode omitir o

percurso histórico marcado pela disputa de projetos e por conflitos inerentes ao processo

político.

Ainda que esse fosse o desejo de parte da burocracia do Estado Novo, é difícil

conceber que a burguesia industrial brasileira se organizou, como num passe de mágica, a

partir de um modelo determinado pelo governo, ou que a estrutura desenhada em 1938 não

tenha sido alvo de múltiplas pressões e que tenha permanecido inalterada desde então.

Partindo dessa premissa, não temos por objetivo ignorar, tampouco negar, o papel central que

o Estado varguista teve na configuração da institucionalidade brasileira, mas procurar resgatar

os conflitos que ajudaram a moldar a CNI ao longo dos mais de 70 anos que nos separam de

sua data de oficialização. Para isso, faremos uma breve reconstituição histórica das

organizações que buscaram representar a burguesia industrial instalada no Brasil e como

deram origem à CNI, com o objetivo de compreender melhor nosso objeto de pesquisa e

subsidiar a análise que buscamos realizar.

No intuito de se legitimar como representante, de fato e de direito, da burguesia

industrial brasileira, a história da instituição é apresentada como a própria história da indústria

nacional em quase todos os documentos oficiais da CNI que utilizamos nesta pesquisa. Desde

as tímidas tentativas de criar alguma indústria em território nacional, ainda no século XIX, até

o salto industrial promovido no período do nacional desenvolvimentismo. No livro “Trajetória

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da Confederação Nacional da Indústria”, escrito por Gabriel Hermes e Osório Nunes a pedido

da própria CNI, os primórdios da Confederação são encontrados na “capacidade

empreendedora dos colonos que ousavam produzir tecidos finos às vésperas do alvará de D.

Maria I proibindo o funcionamento de fábricas no Brasil” (Hermes e Nunes, 1994, p. 11).

Ainda que a história da representação de interesses da burguesia industrial esteja intimamente

relacionada com o processo de industrialização, resumi-la à “história da industrialização”,

como geralmente é apresentada, é insuficiente para os objetivos de nossa pesquisa. Desse

modo, se faz necessário recorrer especificamente à trajetória da organização dessa fração de

classe e como se moldaram suas formas institucionais.

De maneira um pouco mais concreta, podemos localizar o embrião do

associativismo empresarial brasileiro na Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN),

criada em 1827, no Rio de Janeiro, então capital do Império. Na realidade, mais do que

representar uma burguesia incipiente em território nacional, a SAIN tinha, em seus

primórdios, caráter acadêmico-consultivo. Vinculada à Secretaria de Negócios do Império, e

em sintonia com a “vocação agrícola” do país, a SAIN, em suas primeiras décadas, se dedicou

à questão agrícola, e em como a mecanização da agricultura poderia impulsionar a produção

nacional (Bueno, 2008, p. 53). Esse trabalho era feito através da promoção de estudos e

debates, e se manifestava principalmente na publicação “O Auxiliador da Indústria Nacional”,

produzida por quase seis décadas (Leopoldi, 2000, pp. 62-63).

Já por volta de 1870, período de auge da SAIN, a organização havia incorporado

demandas relativas à questão fabril, abrindo espaço, antes restrito aos interesses da agricultura

e do comércio, a posições industrialistas. Nesse período, “O Auxiliador” foi palco de debates

entre protecionistas e livre-cambistas, e a SAIN também passou a discutir a substituição da

mão de obra escrava. A preocupação com a formação da mão de obra livre impulsionou a

criação da “Escola Nocturna Gratuita de Instrucção Primaria para Adultos”, comandada pela

SAIN, no que podemos identificar como uma questão cara à indústria, e que posteriormente

levaria à criação do SESI e SENAI (Bueno, 2008, p. 55; Hermes e Nunes, 1994, pp. 15).

Em razão de disputas internas e com o fim da monarquia, da qual dependia em

grande medida, a SAIN entrou em decadência e praticamente encerrou suas atividades durante

os anos 1890. Ainda assim, conseguiu sobreviver à virada do século e, em 1904, fundiu-se

com o Centro de Tecelagem e Fiação de Algodão, formando o Centro Industrial do Brasil

(CIB), dando início a um novo capítulo da história da indústria. Apesar da decadência da

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SAIN, o final do século XIX e início do século XX são importantes para a indústria local. A

adoção de políticas de incentivo pelo ministério da Fazenda, associada a uma reforma

bancária que facilitou o acesso ao crédito, impulsionaram o capital industrial nesse período.

Em sequência, a Primeira Guerra Mundial traz à ordem do dia a necessidade de suprir o

mercado interno, e fortalece, pela primeira vez de maneira significativa, o movimento em prol

da substituição de importações (SÁ, 2008, pp. 46-47). O resultado desse processo é visível

quando observamos os números de estabelecimentos industriais no Brasil: em 1889 eram 600

empresas dedicadas a atividades industriais no país; enquanto em 1920 esse número havia

subido para 14.000 estabelecimentos (Baer, 1965, p. 13 apud Queiroz e Evans, 1977, p. 9), e a

indústria contribuía com 21% do produto físico do país (Leopoldi, 2000, p. 69).

Esse período não representou apenas um salto econômico para a indústria que

nascia no Brasil, mas também teve importância para a organização política da burguesia

industrial, o que implica participar concretamente dos conflitos que buscamos resgatar neste

capítulo. Entre 1898 e 1906 foram registrados 36 movimentos de operários no Rio de Janeiro,

sendo 17 deles grevistas. Em 1903, uma greve de maiores proporções, envolvendo

trabalhadores do setor têxtil, sapateiros, gráficos, pintores, chapeleiros e estivadores, passa a

reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas e aumento salarial. Os trabalhadores

acabaram derrotados, vítimas de forte repressão policial e de demissões. Contudo, apesar da

derrota, a classe trabalhadora demonstrava ali sua crescente organização. Essa movimentação,

por sua vez, teve reflexos entre o patronato, o que possivelmente contribuiu para a formação

do CIB no ano seguinte (Leopoldi, 2000, p.64).

Alguns anos depois, em 1917, tem início a primeira greve geral operária do Brasil,

atingindo em cheio o centro industrial do país, que naquele momento já se deslocava do Rio

de Janeiro para São Paulo. Para mediar o conflito, foi apresentado na Câmara dos Deputados

o projeto para instituir o “Código do Trabalho” que, entre outras coisas, fixava a jornada em 8

horas diárias e proibia o trabalho de menores de 14 anos. A oposição ao projeto foi liderada

pelo CIB, que o considerou absurdo, conseguindo que não fosse aprovado (Bueno, 2008, p.

144; Leopoldi, 2000, p. 70). Ainda nesse contexto, duas novas organizações patronais

surgiram em 1919: o Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão do Rio de

Janeiro (CIFTA-RJ), que rompe com o CIB, e o Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de

São Paulo (CIFT-SP), comandado pelo importante industrial Francisco Matarazzo (Leopoldi,

2000, p. 70).

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Durante seus primeiros anos de vida, o CIB atuou simultaneamente na defesa de

empresas individuais, como representante da indústria do Rio de Janeiro e também como

porta-voz da indústria brasileira. Em aspectos gerais, procurou ampliar seu acesso ao

congresso através do lobby e defender medidas de proteção à indústria. Dessa forma,

contribuiu com a construção de um discurso industrialista e conquistou gradualmente espaço

no governo republicano (Leopoldi, 2000, p. 64-68). Em 1912, o militar Serzedelo Correia

deixa a presidência da entidade, dando lugar a Jorge Street, neto de um imigrante britânico e

dono de grandes empresas têxteis no Rio de Janeiro e em São Paulo (Leopoldi, 2000, p. 68).

Esse momento é representativo para a história do CIB e para a própria história da

representação industrial, uma vez que, embora fosse defensor da indústria nacional, Correia

não era um representante orgânico do setor industrial. Pela primeira vez os industriais

passavam a administrar diretamente sua principal entidade de classe.

Em paralelo à atuação do CIB, a partir da década de 1910 começam a surgir as

primeiras associações setoriais da indústria com caráter permanente. A maioria das

organizações que havia surgido até então se limitava a interceder em questões pontuais, sendo

desmanchadas logo em seguida. Os setores contemplados foram os de maior importância na

economia doméstica até aquele momento: têxtil e calçados. Um detalhe importante é que,

como algumas atividades industriais ainda estavam profundamente ligadas ao comércio

naquele momento, algumas das entidades que surgiam levavam o nome de Centros de

Indústria e Comércio (Leopoldi, 2000, 69).

Esse aspecto é importante para posicionar historicamente o desenvolvimento da

burguesia industrial, já que os anos 1920 marcam justamente os primeiros conflitos de maior

intensidade com o setor comercial, que levam ao surgimento de organizações exclusivas. No

início do século XX, sua configuração institucional ainda demonstra o caráter de dependência

e subordinação do setor industrial em relação ao setor comercial. Nesse sentido, a Associação

Comercial de São Paulo (ACSP), órgão fundado em 1894, congregou os interesses do

comércio e da indústria paulistas durante os primeiros anos da República. Isso se deveu

principalmente em função do papel decisivo ocupado pelos cafeicultores na formação da

indústria em São Paulo. Embora as associações rurais tenham se organizado à parte de

comércio e indústria, a interdependência econômica desses outros setores se refletiu na ACSP.

Como já mencionamos, com o grau de desenvolvimento e organização atingidos

pela indústria, a década de 1920 marcou o início dos primeiros conflitos com o setor

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importador, principalmente em razão da questão tarifária. Não apenas pela disputa política em

torno de questões como esta, mas diante da própria crise do regime oligárquico que se

desenhava no horizonte, em 1928 a elite da burguesia paulista cria o Centro das Indústrias do

Estado de São Paulo (CIESP), presidido por Francisco Matarazzo, e tendo como membros

importantes nomes da indústria como Jorge Street, Roberto Simonsen, Horácio Lafer, José

Ermírio de Moraes, entre outros. (Leopoldi, 2000, pp. 71-72).

Os anos 1920 foram, portanto, de formação das primeiras entidades

representativas da burguesia industrial brasileira, que se manifestava ainda em caráter

regional nos principais polos industriais do país: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e

Rio Grande do Sul. A forma institucional desse movimento se deu a partir da criação de

entidades privadas, basicamente associações que se reuniam em um centro industrial regional.

Fora os já citados casos do Rio de Janeiro, com o CIB – que também se pretendia uma

entidade nacional –, e São Paulo, com o CIESP, foram criados o Centro Industrial de Juiz de

Fora (CIJF), em 1926, em Minas Gerais, e o Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul

(CINFA), em 1930 (Leopoldi, 2000, pp. 74-75).

Quando chegou ao poder com a Revolução de 1930, Vargas se deparou com o

cenário que acabamos de descrever brevemente. Cabe, agora, tentar explicar quais foram os

conflitos que transformaram este modelo “corporativista privado” (Leopoldi, 2000, p. 75),

pré-Vargas, no modelo corporativista efetivamente consolidado durante o Estado Novo. Antes

de tecermos nossas considerações, retomamos um comentário feito no início do texto para

anunciar a premissa da qual partimos: a construção do modelo corporativista de representação

de interesses da indústria não foi uma imposição do governo Vargas à burguesia industrial,

tampouco seu inverso é verdadeiro. Esse sistema, e consequentemente a Confederação

Nacional da Indústria, são produtos de diversos choques entre forças sociais, em especial da

disputa entre, de um lado, a burguesia industrial e seu modelo próprio de representação criado

ao longo das primeiras décadas do século XX e, de outro, o governo Vargas e o modelo de

sindicalização almejado pela burocracia estatal, que procurava manter as entidades sob maior

controle do aparelho de Estado.

Partindo dessa premissa, os anos 30, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder,

são de formulação do sistema corporativo que seria adotado, definitivamente, em 1938. Ainda

em 1931, através do decreto 19.770, o governo provisório estabeleceu as normas para a

sindicalização das classes patronais e trabalhadoras, mesmo sob protestos dos industriais. O

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decreto previa que as organizações de classe seriam divididas em sindicatos, de âmbito

regional e setorial, federações, em âmbito estadual, e uma confederação, de abrangência

nacional. O registro e controle dessas entidades estariam a cargo do Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio, criado no ano anterior. Em troca, as lideranças industriais aumentariam

seu espaço no Estado e suas organizações receberiam o status de órgãos técnicos e consultivos

(Leopoldi, 2000, p. 76).

As principais reclamações da burguesia industrial davam conta de que a legislação

proposta por Vargas não se adaptava às organizações já existentes, e que a regulamentação do

sindicalismo patronal não deveria atender os mesmos critérios adotados para a sindicalização

de trabalhadores. Apesar disso, os industriais optaram pela oficialização de suas associações

buscando, principalmente, ter maior acesso ao Estado. A primeira delas é o CIESP, que a

partir de 1931 se transforma em Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).

Em seguida foi a vez do CIB que, a despeito de suas aspirações nacionais, em seus quase 30

anos de história permanecia fortemente vinculado à indústria do Rio de Janeiro. O antigo

Centro Industrial do Brasil dá lugar à Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, então

denominada pela sigla FIRJ. A Federação fluminense se torna importante nesse contexto, pois

é durante a gestão da entidade por Francisco de Oliveira Passos que ganha espaço Euvaldo

Lodi, jovem industrial com raízes no setor siderúrgico de Minas Gerais, e que se tornaria o

primeiro presidente da CNI após sua oficialização em 1938 (Leopoldi, pp. 77-78).

A representação nacional dos industriais, por sua vez, passou a estar a cargo de

uma entidade que também atendia pela sigla CIB, fundada em 1933, mas dessa vez –

seguindo os critérios estabelecidos pela legislação sindical – era denominada Confederação

Industrial do Brasil. Na realidade, antes de ser uma confederação, de fato, com abrangência

nacional, a CIB estava vinculada às entidades estaduais existentes no país até então. Além da

FIESP e da FIRJ, o Centro Industrial de Juiz de Fora (CIJF) e o Centro das Indústrias do Rio

Grande do Sul (CIFRS). Ao contrário do que ocorreria na maior parte da existência da CNI, a

CIB foi comandada por grandes nomes ligados à burguesia industrial em seus respectivos

estados. Entre 1933 e 1938, estiveram no comando da entidade, nesta ordem: Francisco de

Oliveira Passos (RJ); Luís T. A. Pereira (SP); Euvaldo Lodi (MG/RJ); Gastão de Brito (RS); e

Roberto Simonsen (SP), em 1937 (Leopoldi, 2000, p. 80).

Através de uma forte união entre os industriais dos estados representados, a CIB

conseguiu pressionar o governo em direção a algumas de suas demandas, sendo a principal

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delas a diferenciação dos critérios de reconhecimento dos sindicatos de trabalhadores e

patronais. Além disso, a articulação promovida pela CIB foi fundamental para fortalecer a

representação classista na Assembleia Constituinte de 1933. Entre outras medidas

influenciadas pela CIB, a legislação sindical de 1934 permitiu a criação de associações

regionais de caráter privado, em paralelo às federações oficiais. Isso permitiu à representação

da indústria brasileira a manutenção de uma entidade privada em conjunto com as Federações

estaduais (Leopoldi, 2010, p. 80-81).

A CIB manteve um caráter semioficial até 1938, quando se transformou em

Confederação Nacional da Indústria, se adequando à legislação do Estado Novo. Contudo,

não acabariam aí os conflitos entre a representação patronal e a burocracia de Estado:

Na prática, contudo, o corporativismo da Constituição de 1937 assumiu

características bem diversas das do projeto original. Foi o poder de veto dos

setores organizados da indústria e do comércio que inviabilizou o sonho

corporativo estadonovista. A FIESP e a CNI comandaram a luta contra a

“corporativização” dos industriais nos moldes desejados pelo governo. Nessa

ocasião os industriais mostraram que se, por um lado, vinham usufruindo das

vantagens oferecidas pela estrutura corporativista anterior (…), por outro,

impunham limites à ação do Estado sobre as entidades representativas do

setor (Leopoldi, 2000, pp. 81-82).

Nos dois anos seguintes, CNI e FIESP, presididas respectivamente por Euvaldo

Lodi e Roberto Simonsen – este acumulando o posto de vice-presidente da CNI, disputaram

com o governo os moldes da estrutura sindical que nascia. Entre os pontos de divergência, os

industriais se opunham ao sistema de “organização vertical” proposto pelo governo, que

almejava a criação de federações regionais setoriais, no lugar das “federações ecléticas” então

existentes. Entre os demais pontos que foram alvo de disputa com a burocracia do Estado

Novo estavam as exigências sobre a taxa de filiação para reconhecimento de sindicatos; a

possibilidade de manter as associações de caráter privado; a limitação para reeleição de

membros da diretoria das entidades; e a classificação utilizada pelo Ministério do Trabalho

para a definição de setores da indústria, considerada inadequada pelas entidades oficiais

(Leopoldi, 2000, pp. 82-84). Em alguns casos, como na luta pela manutenção de entidades

privadas, a burguesia industrial se uniu à comercial, que também tinha interesse semelhante.

Dessa forma, retomando a discussão sobre a perspectiva relacional na análise da ação

coletiva, as disputas em torno da estrutura sindical no governo Vargas são representativas de

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como conflitos e afinidades entre os diferentes setores sociais são construídas na disputa

política real, e não derivam apenas da essência de cada um desses atores.

De maneira geral, os princípios que delinearam as propostas dos industriais eram

de que o controle que caberia ao governo sobre a representação patronal deveria ser restrito –

o espaço almejado dentro do governo exigia algum sacrifício – e que as associações de

empregadores não deveriam ter o mesmo tratamento das organizações de trabalhadores. O

debate em torno da diferenciação entre a organização sindical de trabalhadores e empresários,

especificamente, se prolongaria pelos anos seguintes. Frequentemente surgia, da parte de

líderes industriais, a justificativa de que as organizações dos trabalhadores defendiam

interesses profissionais, enquanto as entidades patronais eram responsáveis pela defesa de

interesses econômicos diretamente relacionados com os interesses nacionais (Leopoldi, 2000,

p. 84). Na realidade, a burguesia industrial, então liderada por Lodi e Simonsen, não estava

apenas disputando a construção de um modelo de representação de interesses, mas dava sinais

de também estar formulando seu projeto político.

O resultado prático da ofensiva dos industriais, principalmente através da CNI e

da FIESP, foi que

o corporativismo desejado pelos burocratas do Estado Novo (dentre eles

Oliveira Vianna) teve de se adaptar aos limites colocados pelos industriais:

em 1940 uma série de decretos “corrigiu” a legislação sindical, atendendo a

uma série de reivindicações das associações privadas e oficiais da indústria e

do comércio (Leopoldi, 2000, p. 85).

Em resumo, o processo de consolidação das associações de classe, e mais

especificamente em relação ao sistema corporativo implantado no primeiro governo Vargas,

esteve mais próximo de um embate de forças, que envolveu a ação consciente da burguesia

industrial, do que uma mera imposição do governo. Isso não significa, é claro, que o governo

tenha saído derrotado desse processo, ou que tenha encontrado nos industriais uma força de

oposição. Pelo contrário, durante os anos seguintes houve uma intensa colaboração entre a

CNI e Getúlio Vargas. No entanto, a percepção de que esse processo foi moldado por

conflitos permite compreender com mais clareza a ação da burguesia industrial.

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1.2 – Crise de representação e surgimento do sistema extracorporativo

O período 1943-1945 marcou o auge da aliança entre a burguesia industrial e o

governo Vargas. Encerrado o debate sobre a oficialização dos sindicatos patronais, as

lideranças da indústria passaram a ter papel central nas ações econômicas do governo. Além

do importante desenvolvimento industrial do período, foi nesse momento em que, a pedido de

Vargas, o setor ficou responsável pelos recém-criados Serviço de Aprendizagem Industrial

(SENAI) e Serviço Social da Indústria (SESI) (Leopoldi, 2000, 86-87). Esses dois órgãos,

integrantes do chamado de Sistema S, se constituíram como os principais veículos para

divulgação do pensamento industrial no setor educacional (Rodrigues, 1997, p. 28). Os

recursos para manutenção de SESI e SENAI são provenientes do imposto sindical pago pelas

empresas, que é repassado às Federações e à CNI. Abordaremos essa questão mais à frente.

Os anos seguintes, contudo, não permitiram a continuidade do que ocorrera entre

1943-1945. Vargas, de quem Lodi era grande interlocutor, deixa a presidência em 1945.

Embora as lideranças da indústria mantivessem boa relação com o novo governo, houve o

enfraquecimento das lideranças “getulistas” no interior do sistema corporativo. Em 1948, com

a morte de Simonsen, Lodi se torna a única grande liderança da “velha guarda” da indústria,

que já passava por uma renovação geracional com a formação de novos quadros, muitos dos

quais provenientes de empresas estrangeiras, ocupando postos na FIESP e na FIRJ.

Simultaneamente, o mineiro passa a sofrer críticas crescentes dentro da FIRJ, entidade que

presidia simultaneamente à CNI. As acusações davam conta de que o industrial mineiro

centralizara excessivamente sua ação na Confederação e, consequentemente, seria responsável

pelo esvaziamento da entidade estadual (Leopoldi, 2000, pp.87-88). Ou seja, o sistema que

havia atingido seu auge nos anos 1940 começa a dar sinais de crise na década seguinte, e o

conflito que se manifestava como geracional, também possuía raízes em conflitos entre

diferentes setores da burguesia industrial.

Já na esteira da crise do segundo governo Vargas, as críticas que Lodi vinha

sofrendo se intensificaram a ponto de gerarem grandes pressões acerca de sua continuidade no

comando da CNI. Os ataques ao industrial não se resumiram a seu papel enquanto líder

empresarial, mas também por sua posição de parlamentar aliado do então presidente. Em meio

a um crescente cerco ao varguismo, dois episódios marcaram a perseguição a Lodi, sendo

decisivos para seu futuro e, consequentemente, da CNI: o industrial teve que responder a uma

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CPI no Congresso sobre a concessão de empréstimos ao jornal “Última Hora”, que apoiava o

presidente; além de ter sido acusado de fornecer recursos para a guarda pessoal de Vargas,

que havia se envolvido no atentado da Rua Tonelero contra o líder oposicionista Carlos

Lacerda (Leopoldi, 2000, pp. 241; 281-282). A campanha contra Lodi, como é possível

imaginar, não estava ligada apenas a denúncias de condutas ilegais, mas era indissociável da

dinâmica política mais ampla que levou ao fim do governo Vargas. No interior do sistema

corporativo, o declínio dos antigos líderes da indústria facilitou a ascensão de quadros liberais

ou ligados a empresas estrangeiras. O próprio ataque às lideranças getulistas, levado a cabo,

tanto dentro das organizações patronais como na cena política, esteve ligado a disputas por

interesses políticos e econômicos. Como exemplo podemos citar as movimentações visando

facilitar a importação de veículos, em clara oposição ao projeto de Vargas de instalar uma

indústria automobilística no país, e também criando dificuldades para o setor de autopeças

(Leopoldi, 2000, p. 241).

Com o suicídio de Vargas, Lodi se afasta da cena política, deixando também o

comando da CNI e da FIRJ, que passam, respectivamente, para Augusto Viana Ribeiro dos

Santos e Zulfo Mallmann. O afastamento de Lodi poucos anos depois da morte de Roberto

Simonsen, e intimamente relacionado com a crise do governo Vargas, marca uma nova fase

da história da representação de interesses da indústria brasileira, com o declínio das primeiras

lideranças do sistema corporativo e a convivência com a entrada cada vez maior de capital

estrangeiro no país.

Já em um novo contexto, a política econômica e industrial dos anos 1950 colocou

dois desafios para a CNI e o conjunto da burguesia industrial. Em primeiro lugar, a política de

desenvolvimento industrial adotada, que incluiu a criação da Petrobras e, posteriormente, o

incremento da indústria automobilística, passa a privilegiar interesses setoriais em detrimento

da “indústria em geral”, representada junto ao governo pela CNI. Não por acaso, nesse

período surgem algumas das mais importantes associações privadas da indústria, se

aproveitando, inclusive, do decreto de 1940, então apoiado pela CNI, que permitiu a criação

das associações privadas em concorrência com as entidades do sistema corporativo.

Associações como ABDIB (Associação Brasileira da Indústria de Base, 1955), Anfavea

(Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, 1956), e Associação da

Indústria de Autopeças (1951) – que daria origem ao Sindipeças dois anos mais tarde –

surgem nesse contexto, em um processo que continua na década seguinte. A fragmentação em

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interesses setoriais acaba por enfraquecer o “projeto nacional” simbolizado por Simonsen e

Lodi, o que, no longo prazo, enfraquece também a CNI.

Ao mesmo tempo, e guardando relação com o crescimento das associações

privadas, esse período é marcado pela maior abertura da economia brasileira ao capital

estrangeiro, principalmente durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Ou seja,

o quadro geral com o qual a CNI e o conjunto da burguesia industrial se depararam a partir de

meados da década de 50 foi de fragmentação na representação de interesses imposta pelo

desenvolvimento do parque industrial nacional e o aumento da entrada de capital estrangeiro

no mercado brasileiro.

O posicionamento da CNI e da burguesia industrial em geral a respeito dessa

questão é controverso. A perspectiva desenvolvimentista do segundo governo Vargas e,

principalmente, do governo JK, promoveu o aumento da entrada de capital estrangeiro no

Brasil, concentrado nos setores de ponta da indústria. A posição das lideranças da indústria

frente a essa questão foi dúbia. Ao mesmo tempo em que não se colocam contra a entrada de

capital estrangeiro no país, e até são favoráveis em alguns casos, pedem proteção do Estado

para os setores em que o capital nacional já está estabelecido. Abordaremos com mais cuidado

a relação da CNI com o capital estrangeiro no item em que discutimos a natureza dessa fração

de classe no capitalismo brasileiro. Podemos adiantar, contudo, que esse comportamento em

relação ao capital estrangeiro será constante na trajetória da CNI. Ao longo de sua história, a

entidade não se colocou frontalmente contra a entrada do capital estrangeiro no Brasil, pelo

contrário, como mencionamos, em muitos casos se mostrou favorável à entrada de capital que

pudesse contribuir com a expansão do parque industrial brasileiro, independentemente de sua

origem.

Durante os dois anos em que esteve sob a presidência de Augusto Viana, em um

período de turbulência, a CNI não conseguiu superar a crise que se instalara ainda sob o

comando de Lodi. O Departamento Econômico da Confederação, liderado por Ernesto Street,

José Octavio Knaack de Souza e João Paulo de Almeida Magalhães, se colocava como “órgão

de defesa da ideologia sustentada pelos líderes da indústria” (Leopoldi, 2000, p. 240). A

“ideologia da indústria”, reivindicada pelo Departamento Econômico, se constituía

principalmente em oposição à política de Eugênio Gudin, então Ministro da Fazenda do

governo Café Filho. Além de Gudin, os alvos preferenciais do Departamento Econômico

eram instituições como a Fundação Getúlio Vargas e o Conselho Nacional de Economia,

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cujas posições eram apontadas como “antiindustriais”. Os anos de 1954 e 1955 foram

marcados, portanto, pela disputa entre a posição da burocracia da CNI, ainda herdeira da

tradição de Lodi e Simonsen, e as posições liberais adotadas pelo Ministério da Fazenda,

sintetizadas pelo programa de estabilização monetária de Gudin, que vinculava o processo

inflacionário ao desenvolvimento industrial. O debate se tornou público, e a posição adotada

pela CNI e pela FIESP era de que a política de estabilização não deveria ser promovida em

prejuízo do desenvolvimento industrial (Leopoldi, 2000, pp. 240-241).

O assunto extrapolou os círculos econômicos, e os economistas da CNI chegaram,

inclusive, a realizar conferências na Escola de Estado Maior do Exército e na Escola Superior

de Guerra, buscando angariar apoio dos militares para suas posições. Desde o afastamento de

Lodi, a revista da CNI, intitulada “Estudos Econômicos”, parara de ser publicada. Dessa

forma, para responder às críticas de Gudin, o Departamento Econômico da CNI lançava mão,

além de periódicos econômicos, de recursos que o SESI dispunha para a imprensa7. Assim,

obteve espaço para responder ao ministro da Fazenda e defender suas posições (Leopoldi,

2000, p. 240). O Departamento Econômico criaria uma revista própria para dar voz às suas

ideias em 1957, que recebeu o nome de “Desenvolvimento e Conjuntura” (Leopoldi, 2000, p.

265).

Em 1956, pouco depois da posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da

República, Lídio Lunardi assumiu o comando da CNI. Mineiro como Euvaldo Lodi e o

próprio JK, Lunardi manteve boas relações com o novo governo, homenageando o presidente

da república com a primeira “Medalha do Mérito Industrial”, o que rendeu, em retribuição,

diversas visitas de Kubitschek à sede da CNI (Guilmo, 2015, p. 36). As boas relações não

eram apenas pessoais, já que no ano anterior, diante da crise que se criara a respeito da

sucessão do presidente Café Filho, a CNI defendeu a posse do candidato eleito Kubitschek

(Leopoldi, 2000, p. 258). No entanto, apesar das boas relações entre o comando da CNI e JK,

o Departamento Econômico da entidade continuou fazendo críticas ao governo. Dessa forma,

as relações entre Confederação Nacional da Indústria e o governo Juscelino Kubitschek foram

contraditórias: ao mesmo tempo em que Lunardi mantinha uma relação institucional de

proximidade com JK, o Departamento Econômico apresentava críticas ao governo, em

7 Aqui cabe um parêntese em relação à discussão principal: episódios como esse ajudam a entender aimportância concedida ao Sistema S pela CNI, que empreendeu uma grande disputa política durante aAssembleia Constituinte de 1988 para manter SESI e SENAI sob sua tutela.

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especial em relação à Instrução 113, acusada de favorecer o capital estrangeiro em detrimento

do capital nacional, e ao Plano de Estabilização de 1958-59 (Leopoldi, 2000, 264).

Ainda que possamos localizar, de maneira pontual, pontos de maior atrito entre a

CNI e o governo federal ao longo dos quase 80 anos da entidade, os levantamentos que

fizemos para a pesquisa mostram que essa tradição, iniciada com Euvaldo Lodi e mantida por

Lídio Lunardi, típica do corporativismo, permanece presente até os dias de hoje, qual seja, a

tentativa de manter relações de proximidade com os presidentes da república e a alta

burocracia de Estado, reservando eventuais críticas à condução política como exclusivamente

técnicas. A própria sucessão de presidentes da CNI, que foram substituídos em momentos de

crise por figuras mais próximas dos interesses que estavam no poder, demonstra isso (Guilmo,

2015, PP. 36-37). Embora os conflitos sejam parte constitutiva de sua ação de representação

de classe, e estejam presentes na própria consolidação da Confederação Nacional da Indústria,

como tentamos expor neste capítulo, a ideia de cooperação e proximidade com o poder

público é a todo tempo destacada nos documentos oficiais da entidade. Os livros de Hermes e

Nunes (1994), e Bueno (2008), publicados pela própria CNI acerca de sua história, buscam

ressaltar esse aspecto. Contudo, tendo em vista a própria perspectiva teórica que utilizamos

neste trabalho, isso não implica assumir que a CNI se constitui em órgão de apoio aos

sucessivos governos, relegando a política adotada a um segundo plano, mas que, na maior

parte dos casos, esses conflitos aparecem de maneira silenciosa.

Com efeito, embora tenha havido intenso crescimento industrial durante os anos

JK, parte da burguesia industrial guardou críticas ao governo por se ver como “sócia menor”

em relação ao capital estrangeiro. A posição do Departamento Econômico, contudo, não se

constituía única, tampouco majoritária, no interior da indústria. No mesmo período, como já

mencionamos, ganham força no sistema corporativo quadros ligados ao liberalismo e ao

próprio capital estrangeiro, como Zulfo Malmann, na FIRJ. Ao mesmo tempo, a FIESP passa

a ocupar lugar cada vez mais importante na representação da burguesia industrial brasileira,

em detrimento da CNI.

Dentro desse cenário de dificuldades, os acontecimentos que datam do final dos

anos 1950 e início da década seguinte são marcantes na trajetória da Confederação. O

enfraquecimento da entidade, que resultou na perda de espaço na representação industrial para

a FIESP, culmina com as três intervenções pelas quais a CNI passaria nos anos 60. A própria

legislação sindical garantia ao governo federal, através do Ministério do Trabalho, a faculdade

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de intervir na Confederação, ainda que nunca se tivesse lançado mão desse expediente. Até

1961, quando Jânio Quadros atende a setores da FIESP e FIRJ, que demandavam uma

intervenção na CNI, e afasta Lídio Lunardi. Em seu lugar, institui uma junta governamental, a

primeira da história da entidade, composta por José Vilela de Andrade Jr. (FIESP), Osmario

Ribas (FIRJ) e Zulfo Mallmann (FIRJ). Com a renúncia de Quadros, João Goulart assume a

presidência da república e promove nova intervenção, e assim Fernando Gasparian (FIESP),

Paulo Figueiredo Barreto (FIES) e José Pironnet assumem a Segunda Junta Governamental.

Meses depois, em fevereiro de 1962, Domício Velloso da Silveira assume um mandato

tampão até outubro do mesmo ano, quando Haroldo Correia Cavalcanti, presidente da

Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA), é eleito novo presidente da CNI

(Leopoldi, 2000, pp, 89-90).

Com Cavalcanti na presidência, a CNI se manteve praticamente como a única

entidade patronal a apoiar o governo Goulart às vésperas do golpe (Leopoldi, 2000, p. 89;

Guilmo, 2015, p. 38). Com a tomada de poder pelos militares, a CNI passou por nova

intervenção, que empossou Hiaty Leal (TRT), Orlando Ferraiuolo (empresário da indústria

química) e Eurico Amado (empresário da indústria têxtil) para comandarem a Terceira Junta

Governamental. Ainda em 1964, Edmundo de Macedo Soares e Silva – ex-governador do Rio

de Janeiro e de origem militar – assumiria a presidência de Confederação de forma definitiva.

Leopoldi (2000, pp; 89-90) classifica as sucessivas intervenções como “o começo da

decadência da CNI”, que se prolongaria pelo menos até o final da ditadura militar e

consolidaria o papel da FIESP como instituição superior da indústria “de fato”, pelo menos

até a redemocratização do país.

A disputa pelo comando da CNI durante o início dos anos 1960 é representativa

para compreender a dinâmica da entidade, de forma que é possível relacionar os conflitos e a

polarização de posições entre os industriais com os conflitos presentes na sociedade naquele

momento. Como apontado por Leopoldi (2010, p. 428 apud Guilmo, 2015, p.37), “a

radicalização do debate entre nacionalistas e internacionalistas trazida para o interior das

organizações industriais (…) aprofundou a cisão no sistema corporativo”. A terceira

intervenção, em particular, permite visualizar com clareza essas disputas. Cavalcanti, que já

havia declarado apoio ao presidente João Goulart, foi afastado de seu cargo cerca de uma

semana antes do golpe de 1964. Ocupando a direção da entidade, a nova junta declara que

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o objetivo da indústria é o de colaborar com o patriótico governo do

marechal Castelo Branco, para que os altos objetivos da revolução de 31 de

março sejam plenamente alcançados com a retomada do desenvolvimento

nacional (Bueno, 2008, p. 207).

Guilmo (2015, p. 37-39) ressalta que “a preparação para o golpe militar envolveu

conquistar e organizar o apoio dos diversos setores da burguesia. E abafar possíveis

oposições”. Dessa forma, não apenas Haroldo Cavalcanti foi afastado da presidência da CNI,

como a Federação das Indústrias do Maranhão (FIEMA), criada em 1957 por Cavalcanti, teve

seu registro cassado em 1965, retomando as atividades apenas três anos mais tarde, já em

plena ditadura. A ausência de maiores justificativas, associada ao fato de ter sido o único

episódio registrado de cassação de uma federação estadual pelo Ministério do Trabalho, são

evidências que apontam para uma tentativa da ditadura de minar possíveis focos de oposição

dentro da burguesia industrial (Guilmo, 2015, pp. 38-39).

Cabe ressaltar, como também destacado por Guilmo (2015, pp. 38-39), a escassez

de documentos das federações e da CNI a respeito das votações e afastamentos desse período,

o que dificulta o preenchimento de algumas lacunas quanto às disputas internas da

Confederação, e entre as lideranças das entidades estaduais. Mesmo estudos mais densos

sobre a atuação das associações empresariais, como o de Leopoldi (2000), se baseiam

principalmente em entrevistas e declarações de pessoas ligadas aos acontecimentos ao tratar

dessas questões. Pudemos constatar essa dificuldade também para a coleta de dados mais

recentes sobre as disputas internas pelo comando da Confederação. Os processos eleitorais

internos, dos quais destacamos os que elegeram os presidentes de 1994 em diante, são

divulgados pela CNI como consensuais e, em geral, há apenas uma chapa em disputa. Em que

pese o peso relativo da FIESP devido à quantidade de empresas filiadas e ao capital industrial

do estado, o fato de cada federação ter direito a um voto para escolha da diretoria da CNI tem

resultado, até hoje, na predominância de presidentes oriundos dos estados do Nordeste,

conforme a tabela 1.

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Tabela 1 – Presidentes da CNI

Presidente Período Estado

Euvaldo Lodi* 1938-1954 MG/RJ

Augusto Viana Ribeiro dos Santos 1954-1956 BA

Lídio Lunardi 1956-1961 MG

1ª Junta Governamental 1961 -

2ª Junta Governamental 1961-1962 -

Domício Velloso da Silveira** 1962 PE/PB

Haroldo Correia Cavalcanti 1962-1964 MA

3ª Junta Governamental 1964 -

Edmundo de Macedo Soares e Silva 1964-1968 RJ

Thomas Pompeu de Souza Brasil Netto 1968-1977 RJ

Domício Velloso da Silveira 1977-1980 PE/PB

Albano de Prado Pimentel Franco 1980-1994 SE

Mario Amato*** 1994-1995 SP

Fernando Luiz Gonçalves Bezerra 1995-2002 RN

Armando Monteiro Neto 2002-2010 PE

Robson Braga de Andrade 2010-2018 MG

Fontes: Bueno, 2008; Hermes e Nunes, 1994. Elaboração própria.

Durante a ditadura militar, o papel da CNI enquanto representante da burguesia

industrial se reduziu quando comparado ao período anterior. Isso se deu através de um modelo

de governo que, embora privilegiasse os interesses da indústria, deixou em segundo plano

suas entidades representativas. Como aponta Leopoldi,

[…] O regime militar fragilizou ainda mais as entidades oficiais, quer pela

intervenção feita em 1964 na CNI, quer pelo fato de que a política

econômica passou a ser formulada por tecnocratas em gabinetes, sem que os

industriais tivessem capacidade de pressionar a equipe econômica.

* Euvaldo Lodi iniciou a carreira como industrial em Minas Gerais, mas também ocupou a presidência daFIRJ.

** Domício Velloso nasceu em Pernambuco, mas passou a maior parte da carreira como industrial na Paraíba,tendo sido um dos fundadores da Federação das Indústrias da Paraíba.

*** Mario Amato assumiu a presidência da CNI durante a licença do titular, Albano Franco, para concorrer aogoverno de Sergipe.

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A indústria beneficiou-se com o período do ‘milagre econômico’, mas as

suas entidades de classe corporativas permaneceram sem representatividade.

Enquanto isso, as associações paralelas, de caráter extracorporativo,

continuaram ativas, evidenciando que o corporativismo das federações

unitárias dera lugar a um pluralismo setorial (2000, p. 90).

Depois de um período ocupando papel secundário como representante do setor industrial, a

CNI intensificou sua ação política nas últimas décadas do século XX, processo que foi

intensificado com a redemocratização. Veremos com mais detalhe as transformações

atravessadas pela indústria nos anos 1990 no capítulo 2, mas antes cabe passar rapidamente

pelas disputas da década anterior.

1.3 – Redemocratização e constituição do “novo” sistema corporativo

Os anos 1980 são significativos para a CNI, em particular, e para o próprio

sistema corporativo em geral. A entidade passava por um processo de renovação desde 1977,

quando Domício Velloso, que havia presidido a Confederação durante alguns meses em 1962,

é eleito novamente presidente. Velloso apresentou sua candidatura em chapa única, em

oposição à gestão do então presidente, Brasil Netto, que desistira de concorrer a mais um

mandato. O ex-presidente da FIEP contou com o apoio de setores do governo, que almejavam

restaurar a representatividade das entidades corporativas, que haviam perdido espaço para as

associações setoriais (Domício…, 2018). Já sob o comando de Albano Franco, substituto de

Velloso, a década de 80 registra uma atuação política mais intensa da Confederação se

comparada à década anterior, muito em virtude da abertura democrática e das disputas para

elaboração da nova Constituição.

Diante das propostas de estatização do SESI e SENAI, impulsionadas por setores

populares, a CNI demonstrou sua capacidade de pressão política para manter o controle sobre

as entidades, provocando forte mobilização dos industriais, em especial os que estavam

ligados ao sistema corporativo (Guilmo, 2015, p. 35). Em que pese a vitória da Confederação

na questão da manutenção do controle sobre SESI e SENAI, a CNI passou a lutar por

alterações constitucionais desde a promulgação da Constituição de 1988. Dentro desses

esforços, mobilizou recursos para influenciar o plebiscito constitucional de 1993, e incorporou

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em sua agenda política uma série de medidas que implicam a aprovação de emendas à

Constituição, em geral ligadas às pautas tributária, trabalhista e previdenciária.

Consolidando o processo que se iniciara na década anterior, a Confederação

Nacional da Indústria recuperou, nos anos 1990, o antigo protagonismo como representante

da burguesia industrial. Ainda que dividindo espaço com outras entidades do sistema

corporativo e extracorporativo, das quais destacamos a FIESP, a posição ocupada pela CNI no

sistema de representação de interesses a coloca em condição de representante exclusiva do

conjunto do setor industrial, em contraposição aos sindicatos e associações setoriais, voltados

à defesa de ramos específicos, e às federações, de abrangência estadual (Mancuso, 2007, p.

58). Em face às mudanças promovidas pela redemocratização, mas observando seus aspectos

centrais, o sistema corporativo criado na década de 1930 se mantém como principal estrutura

institucional para representação da indústria até hoje. Contudo, apesar de ter sido mantido

após a redemocratização, passou por algumas importantes modificações na constituição de

1988. Em relação às principais alterações, foram suprimidos os mecanismos que permitiam ao

governo federal exercer controle direto sobre as organizações. Dentre esses mecanismos,

destacamos a “exigência de autorização prévia para a fundação de sindicatos, o poder de

intervir nas eleições para postos de liderança, e a faculdade de interferir no funcionamento

cotidiano das entidades” (Mancuso, 2007, p. 139). Esses expedientes foram mais utilizados

durante os regimes autoritários do Estado Novo e militar, e relativamente menos comuns no

período 1945-1964.

Em oposição, dois dispositivos que também caracterizaram o sistema corporativo

desde a sua fundação foram mantidos pela nova constituição: a unicidade sindical e a

contribuição sindical compulsória (Mancuso, 2007, p. 139). Ainda que tenha sido mantida por

quase 30 anos depois da promulgação da Constituição de 1988, a contribuição sindical se

tornou facultativa em 2017, através da Lei 13.467, que alterou os artigos 578 e 579 da CLT,

descaracterizando seu caráter tributário. Os recursos arrecadados pela contribuição voluntária

são distribuídos da mesma forma que ocorria enquanto a contribuição foi compulsória, a

saber: 60% destinado ao sindicato, 15% para a federação estadual e 5% para a confederação.

Os 20% restantes são destinados à Conta Especial Emprego e Salário (CEES), do Ministério

do Trabalho e Emprego (MTE). Considerando o pouco tempo desde que a nova legislação

entrou em vigor, ainda existem poucas análises sobre como o fim do imposto sindical impacta

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as entidades do sistema corporativo. Serão necessários estudos para verificar se essa mudança

afetará a própria natureza do sistema, ainda que a unicidade sindical tenha sido mantida.

Contudo, essa alteração significativa não eliminou integralmente a natureza

tributária do financiamento das entidades da indústria. Como mencionamos, a CNI é

responsável pela manutenção do SENAI e do SESI, entidades de caráter privado financiadas

pela contribuição dos trabalhadores da indústria desde a sua criação, na década de 1940. Em

outras palavras, cabe à CNI, em parceria com as federações estaduais, a responsabilidade de

administrar o orçamento dessas entidades (Hermes e Nunes, 1994, p. 39). Mensalmente, as

empresas recolhem entre 0,2 e 2,5% da folha de salários para esse fim. O dinheiro é

arrecadado pelo governo e repassado integralmente à CNI e às Federações (Landim, 2017)8.

Historicamente, questionamentos ou tentativas de modificar a destinação e distribuição desses

recursos provocaram reações firmes, como visto na disputa travada durante a Assembleia

Constituinte e, mais recentemente, em 2015, quando o governo tentou reter 30% das verbas

arrecadadas para o Sistema S (Cortes no Sistema…, 2015).

Outra das características constitutivas do sistema corporativo, ainda em vigor, a

unicidade sindical prevê que apenas um sindicato pode ocupar o papel de representante e

mediador dos interesses das empresas que atuam em atividades econômicas idênticas,

similares ou conexas, localizadas numa determinada região. Nesse arranjo, os sindicatos

podem ter abrangência municipal, intermunicipal, estadual, interestadual ou nacional,

(Mancuso, 2007, pp. 139-140). A filiação das empresas aos sindicatos é voluntária e, como

mencionamos, desde 2017 o pagamento da contribuição sindical também possui caráter

voluntário, rompendo com a legislação original que estabelecia a contribuição compulsória,

mas mantendo a regra que não permite sobreposição de representação.

Atualmente, a base do sistema é composta por mais de 1250 sindicatos e 700 mil

empresas distribuídos por todo o país9. O segundo nível de representação é composto pelas

federações estaduais, que desde os anos 1990 possuem representação em todos os estados,

além do Distrito Federal, totalizando 27 federações. O terceiro nível do sistema é composto

8 Não encontramos dados sobre a participação do valor repassado para o Sistema S na composição da receitatotal da CNI. A título de comparação, o orçamento da FIESP para 2016 foi composto em 11,1% por recursosdo imposto sindical, enquanto 61,1% eram destinados ao Sistema S. No mesmo ano, na Federação dasIndústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), os repasses para o Sistema S corresponderam a 72% do orçamento(Landim, 2017). Os repasses totais recebidos pelas entidades patronais da indústria destinados à manutençãodo Sistema S naquele ano totalizaram 3,7 bilhões de reais, sendo R$ 2,18 bilhões referentes ao SESI e R$1,52 bilhão ao SENAI (Lupion, 2017).

9 Informações disponíveis na página oficial da CNI, em<http://www.portaldaindustria.com.br/cni/institucional/conheca-cni/>. Acesso em 18. set., 2018.

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pela Confederação Nacional de Indústria, que engloba o conjunto das federações estaduais

(Mancuso, 2007, p. 141).

Em torno dessa estrutura institucional, uma das grandes controvérsias da

legislação corporativista diz respeito à regra que prevê paridade em processos eleitorais, nos

níveis superiores, a todos os entes que compõem cada um desses níveis. Desse modo,

sindicatos de relevância econômica distinta possuem o mesmo peso na eleição das federações.

Processo equivalente ocorre nas eleições para a Confederação Nacional da Indústria, em que

todas as 27 federações têm direito a um voto, sem que se considere o número de sindicatos

filiados, ou o volume de produção de cada um dos estados no PIB industrial (Mancuso, 2007,

pp. 143-144). Ao ressaltar esse aspecto, não temos como intuito emitir juízo crítico ao

processo eleitoral, mas apenas destacar essa característica definidora do sistema corporativo

que, evidentemente, acaba por refletir no comando das entidades. Alguns autores creditam a

essa distorção promovida pela legislação corporativista um efeito negativo sobre a

representatividade das associações superiores, já que os principais líderes empresariais não se

veriam representados pelas lideranças escolhidas, em grande medida, por associações

economicamente pouco relevantes. Esse “déficit representativo” seria um dos responsáveis

pela debilidade política da indústria no Brasil (Mancuso, 2007. p. 144). Embora não

desprezemos as características introduzidas pela legislação corporativista, procuraremos

apontar, ao longo do texto, como outros fatores, de ordem externa às entidades, e ligados aos

conflitos entre classes e frações de classe, influenciam sua ação política.

Cabe pontuar que, ao menos no período pesquisado, há uma tendência importante

no interior da CNI para a eleição de diretorias em composição com as 27 federações,

apresentando uma única chapa. Como exemplo, o empresário mineiro Robson Braga de

Andrade foi eleito para o terceiro mandato consecutivo como presidente da CNI em 2018,

sem que fosse lançada chapa de oposição em nenhuma das três oportunidades. Essa

constatação não permite inferir que não exista oposição dentro da entidade, mas é uma

importante evidência de que as disputas internas costumam ocorrer “por fora” do embate

eleitoral.

Por fim, ressaltamos a tendência de recuperação da CNI observada a partir do

final dos anos 1980, retomando o lugar de principal representante da burguesia industrial no

país, posto que divide com a FIESP, em razão da importância do parque industrial paulista.

Depois de ter sua atuação reduzida durante o período militar, a CNI ganhou força com a

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redemocratização, atuando, inclusive, como uma importante representante classista na

assembleia constituinte. Já na década de 1990, a Confederação passa a atuar como entidade de

cúpula, de fato, do sistema corporativo. Essa atuação procurou reforçar seu caráter consultivo

e sua capacidade de pressão política, e restabelecer o papel da CNI como um importante

representante da indústria no debate público, contrariando a tese da debilidade política.

Em 1994, a entidade elabora seu primeiro caderno reunindo as propostas do setor

industrial ao governo eleito. A Confederação passaria a confeccionar um novo caderno de

propostas em todas as eleições seguintes, sintetizando as principais demandas e pontos de

vista dos industriais, para apresentá-los aos candidatos à presidência. Esses documentos, por

sua vez, não são produzidos exclusivamente pela diretoria da CNI, mas se baseiam em

consultas às federações, sindicatos, associações privadas e empresários do setor. De modo

que, se não refletem plenamente os anseios dessa fração burguesa, são importantes

“termômetros” para indicar posicionamentos majoritários dos industriais em cada conjuntura.

Em paralelo, a CNI passou a desenvolver, a partir de 1996, a “Agenda Legislativa

da Indústria”. A exemplo das propostas aos presidenciáveis, essa publicação é elaborada a

partir de um amplo sistema de consulta às bases chamado RedIndústria. Uma nova edição da

Agenda Legislativa é feita todos os anos com o posicionamento sobre os projetos que

tramitam no Congresso Nacional e são de interesse da indústria, visando, principalmente, a

redução do Custo Brasil. No mesmo ano, a CNI liderou, em conjunto com outras entidades da

burguesia interna, a criação da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB). A organização tinha

como principal objetivo transformar as principais demandas dos diferentes setores do

empresariado em pressão junto ao governo, e aumentar a participação da burguesia nas

negociações internacionais (Boito Jr. e Berringer, 2013, p. 35). Além disso, outras ações são

realizadas periodicamente, como o Fórum Nacional da Indústria e o Encontro Nacional da

Indústria, para a discussão de questões e apresentação de propostas de interesse da indústria

(CNI, 2009). Em conjunto com essas ações, também houve um aprimoramento do corpo

técnico da CNI, reforçando seu caráter de órgão consultivo do governo federal, a fim de

elaborar uma visão autônoma da condução econômica para além das questões empresariais

(Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 13). Esse reforço resultou na produção de uma série de

índices, estudos e publicações divulgados periodicamente pela entidade.

Essa recuperação da CNI fez parte de um processo de mobilização em reação às

reformas neoliberais da década de 90 que impactaram profundamente o setor industrial. A

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Confederação procurou meios para intensificar sua ação política com intuito de minimizar os

impactos provocados pela política neoliberal sobre o setor industrial (Mancuso, 2007). Cabe

destacar, no entanto, que esse processo não implicou assumir uma posição contrária ao

conjunto dessas reformas, mas uma postura contraditória, que as entendia como “inevitáveis”

(CNI, 1994). Na prática, isso significou apoiar o sentido geral da liberalização econômica

mas, ao mesmo tempo, reivindicar proteção aos principais setores da indústria por ela

afetados. Abordaremos esse assunto com mais detalhes nos capítulos seguintes.

Em resumo, procuramos demonstrar como os conflitos e as relações de forças

sociais moldaram a configuração do sistema corporativo do qual faz parte a CNI, e a própria

atuação política da entidade. Seu papel na disputa política esteve, portanto, vinculado aos

conflitos entre classes e frações de classe, e com o próprio Estado, em diferentes contextos.

Nos próximos capítulos, retomaremos esse debate acerca da atuação da CNI e do conjunto da

burguesia industrial dos anos 1990 em diante, face às conjunturas neoliberal e

neodesenvolvimentista. Enquanto condensação institucional das disputas políticas em que

esteve envolvida, cabe retomar o debate sobre as próprias características estruturais da

burguesia brasileira para melhor compreender sua atuação política.

1.4 – A burguesia industrial brasileira: uma burguesia nacional ou interna?

A partir da segunda metade do século XX, em especial a partir das décadas de 60

e 70, muitos estudos foram publicados a respeito da burguesia brasileira com o objetivo de

compreender o sentido e a intensidade de sua atuação política. Nosso objetivo nesta seção não

é retomar esse debate em profundidade, mas tomá-lo como ponto de partida para fundamentar

e clarear a visão sobre nosso objeto. Em que pesem as diferenças de cada um desses estudos, a

bibliografia que aborda essa questão os distingue em dois grupos (Barbosa, A., 2003;

Mancuso, 2007b; Boschi, M., 2000). O primeiro deles, composto por autores como Fernando

Henrique Cardoso (1964), Luciano Martins (1968) e Florestan Fernandes (1975), apontou o

papel secundário da burguesia industrial brasileira em relação aos demais setores dominantes.

Em geral, esses autores apontavam a desorganização política dessa fração de classe como

causa que levava a burguesia nacional a não ocupar uma posição hegemônica dentro do

capitalismo brasileiro, atuando à margem de seus interesses de longo prazo, para se aliar aos

demais setores dominantes e atrasados, notadamente o latifúndio. À desarticulação política e

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desorientação ideológica da burguesia brasileira também se atribuía o atraso do país, já que a

esta fração da classe dominante, aliada com setores da classe trabalhadora, caberia o papel

histórico de realizar o combate aos segmentos atrasados da sociedade brasileira. Dessa forma,

para que a burguesia nacional exercesse seu papel hegemônico, seria necessário também

assimilar interesses de outras classes para apresentar seus próprios interesses políticos como

interesses nacionais.

Essa interpretação toma como referência a ação das burguesias nacionais nos

países desenvolvidos durante seus processos de industrialização, e pressupõe o

estabelecimento de uma aliança entre a fração produtiva e autóctone da burguesia com a

classe operária local, em oposição aos interesses identificados como atrasados. Essa aliança

havia sido defendida principalmente por intelectuais da década de 1950, ligados ao Instituto

Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), como Hélio Jaguaribe de Mattos e Nelson Werneck

Sodré, e setores do Partido Comunista Brasileiro. A não correspondência entre o

comportamento esperado e a ação política real da burguesia brasileira levou esses analistas a

caracterizarem essa fração de classe como fraca, politicamente desorganizada e

ideologicamente desorientada. Como apontamos anteriormente, essas análises possuem um

forte componente essencialista, ao identificarem elementos típicos da “essência” desse sujeito

político – nesse caso a burguesia brasileira – como fatores determinantes de sua ação política.

Há ainda outro problema em relação a essas análises, quanto à própria caracterização da

burguesia industrial brasileira como uma burguesia nacional, mas voltaremos a esse ponto

mais adiante.

Com divergências em relação ao primeiro grupo de autores abordado, outra parte

da bibliografia que se dedicou a estudar a ação política da burguesia no Brasil, em especial a

partir de meados da década de 70, encontrou evidências de uma ação política mais intensa

dessa fração de classe. Estudos como os de Eli Diniz (1978) e Renato Boschi (1979)

identificam a burguesia brasileira como força política atuante nesse contexto, se distanciando

das análises que caracterizavam a passividade e desorganização política dessa fração de

classe. Leopoldi (2000)10, por exemplo, resgata a organização política da burguesia industrial

desde os anos 1930 e seu papel ativo em defesa da política tarifária e cambial.

10 Obra publicada originalmente em 1984, como tese de doutorado, com o título “Industrial Associations andPolitics in Contemporary Brazil. The Association of Industrialists, Economic Policy Making and the State(1930-1961)”.

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A despeito de diferentes abordagens e conclusões, cabe notar, contudo, que ambos

os grupos atribuem à burguesia industrial um papel secundário no interior das classes

dominantes do capitalismo brasileiro. Ou seja, ainda que os dois grupos guardem diferenças

significativas entre si, e essas diferenças existam mesmo entre autores de uma mesma

“geração”, ambos convergem ao apontar a falta de hegemonia política da burguesia brasileira

e sua camada industrial. Esse papel secundário é explicado, entre outros fatores, por uma

imaturidade ideológica que a impediu de realizar, em diversos momentos de sua trajetória,

uma aliança com a classe trabalhadora, a fim de combater e superar os interesses dos setores

atrasados que dominavam o capitalismo brasileiro. Assim, a ação política real da burguesia

brasileira seria incompatível com a de uma burguesia nacional – e as explicações do porquê

isso ocorria variavam.

Essa visão comum acabou por difundir uma imagem da burguesia brasileira como

comprometida exclusivamente com seus interesses imediatos, incapaz de vislumbrar cenários

de longo prazo, combater os setores atrasados e estabelecer um projeto hegemônico. Nosso

intuito com essa breve caracterização das análises mais conhecidas sobre a burguesia

brasileira não é o de descartar suas inúmeras contribuições à compreensão dessa classe. Tendo

em vista que foge a nosso objetivo realizar uma análise detalhada de cada um desses autores,

buscaremos apenas estabelecer dois pontos de divergência, amparados em estudos mais

recentes, que nos permitam compreender a burguesia brasileira mais sob a ótica do que ela de

fato é, e não do que ela deveria ser.

O primeiro ponto é o de que a burguesia existente do Brasil, e em especial sua

fração industrial, não pode ser classificada como uma burguesia nacional, se tomado como

referência o processo histórico de desenvolvimento capitalista nos países centrais. Dessa

consideração entendemos que não se deve inferir automaticamente que a burguesia brasileira

seja politicamente frágil ou tenha uma atuação incompatível com suas determinações

históricas. Ao contrário, a tentativa de compreender a ação política da burguesia existente no

Brasil a partir de um modelo de burguesia nacional pode induzir a análises que necessitam

justificar essa incompatibilidade, como as que apresentam a tese da imaturidade ou

inconsistência ideológica (Barbosa, A., 2003, p. 42). O segundo ponto, derivado do primeiro,

consiste em defender que não cabe atribuir à burguesia brasileira, necessariamente, a tarefa

histórica de estabelecer uma aliança com a classe trabalhadora a fim de combater outras

frações dominantes. As condições de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, e de

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desenvolvimento da própria burguesia, se deram sob circunstâncias diversas daquelas

observadas na Europa do século XIX, apenas para nos limitarmos à principal referência no

estudo da burguesia.

Quando se fala em estrutura histórica, é preciso deixar claro que a

problemática da burguesia nacional não se atém, apenas, a uma questão de

tempo. É numa situação estrutural particular que se deve entender o alcance

da consciência dos interesses de classe da burguesia empresarial nacional

(Prestes Motta, 1979, p. 107).

Dessa forma, análises que identificam a burguesia industrial brasileira com o conceito de

burguesia nacional, ou esperam dessa fração de classe um comportamento semelhante ao

exercido pelas burguesias nacionais durante as revoluções burguesas da Europa e dos Estados

Unidos, tendem a “se frustrar” quando em face de sua ação política real.

Na visão de Motta, a construção de uma frente popular desenvolvimentista

não seria a opção exclusiva para a ação burguesa no país, pelo contrário, a

aliança entre burguesia e capital internacional, tendo em vista à conquista do

poder de Estado, configurava-se como um caminho perfeitamente possível

(Barbosa, A., 2003, p. 40).

Com efeito, apesar de guardar proximidade em diversos aspectos com os autores

do segundo grupo, Prestes Motta (1979) apresenta uma perspectiva um pouco diferente

(Barbosa, A., 2003, p. 39). Segundo o autor, seria um erro projetar uma atuação

revolucionária da burguesia brasileira, a exemplo das ocorridas na França e nos Estados

Unidos, em razão das condições de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Contudo, seria

um erro equivalente subestimar a capacidade organizativa dessa fração de classe, tendo em

vista sua ascensão política e social ao longo do século XX. Nesse sentido, conclui o autor,

(…) imaginar que uma classe ascendente não tenha um projeto hegemônico

é ignorar a própria natureza da luta de classes. O projeto pode não ser claro e

geralmente não o é, pode ser aleatório e geralmente o é, mas isto não implica

a sua inexistência, a menos que o pensemos em termos de planejamento

estratégico formal (Prestes Motta, 1979, p. 106).

A respeito dessas questões, Márcia Boschi (2000) apresenta uma perspectiva que

entendemos esclarecer alguns pontos sobre a constituição da burguesia brasileira. Em sua

concepção, inspirada principalmente por Nicos Poulantzas, a autora afirma que a ação política

da burguesia brasileira não poderia ser caracterizada como uma burguesia nacional. Com

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efeito, pensar sua ação política dentro dos parâmetros esperados de uma burguesia nacional

acabaria por resultar em imprecisões. Como alternativa, M. Boschi lança mão do conceito de

burguesia interna, desenvolvido por Poulantzas, para melhor qualificar essa fração de classe,

caminho também percorrido por Boito Jr. (2012; 2018).

Antes de nos debruçarmos sobre o conceito de burguesia interna, cabe explicitar o

percurso realizado pela autora para chegar a essa conclusão. Segundo M. Boschi (2000), a

classificação da burguesia brasileira como uma burguesia nacional se deu a partir da

constatação de duas características principais: a de que esta não se tratava de uma burguesia

compradora, ou seja, que representasse a extensão dos interesses imperialistas dentro de sua

formação nacional; e que possuía um segmento industrial, responsável por uma base de

acumulação de capital e extração de mais-valia própria. Contudo, a despeito de possuir essas

características, a análise de sua ação política real não permite sustentar essa classificação.

Nesse sentido, não se poderia esperar que a burguesia existente no Brasil assumisse posições

típicas de uma burguesia nacional, dentre as quais destacamos a oposição ao imperialismo e a

realização de uma aliança com o proletariado.

Segundo M. Boschi (2000, pp. 24-25), as características definidoras de uma

burguesia nacional podem ser resumidas em três pontos principais: 1) Pode se envolver em

lutas anti-imperialistas e de libertação nacional; 2) Pode adotar posições que incluem as

camadas populares e formar alianças com segmentos da classe trabalhadora; 3) Apresenta

uma unidade política própria e relativa autonomia política e ideológica. A partir dessa

esquematização, mas analisando a ação concreta da burguesia paulista durante o governo

Dutra, M. Boschi verifica que esta não corresponde a uma burguesia nacional. Na realidade,

essa fração de classe se encontra mais próxima do conceito de burguesia interna11, como

elaborado por Poulantzas. Esse conceito corresponde a uma fração burguesa em posição

intermediária, entre a burguesia compradora, que se reduziria a uma extensão dos interesses

externos, e a burguesia nacional que, como vimos, a depender da conjuntura poderia assumir

posições nacionalistas e anti-imperialistas ao lado dos trabalhadores.

Seguindo esse conceito, uma burguesia interna se definiria pelas seguintes

características: 1) Fraca resistência ao capital estrangeiro; 2) Coexistência com setores da

burguesia compradora; 3) Possui relação de dependência com o capital estrangeiro, podendo

11 Conforme aponta M. Boschi, na versão traduzida da obra do marxista grego o conceito é denominado de“burguesia interior”. A autora opta pela substituição por “burguesia interna” por entendê-lo como maisadequado para o contexto. A mesma adaptação é feita por Boito Jr. (2018).

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transferir parte de sua mais-valia para esse capital; 4) Tem sua autonomia política e ideológica

reduzida frente ao capital estrangeiro; 5) Possui fundamento e base de acumulação próprios,

ao contrário da burguesia compradora (Boschi, M., 2000, p. 27). Tomando por base as

definições acima, em conjunto com a análise da trajetória da burguesia brasileira, acreditamos

ser mais preciso classificá-la como uma burguesia interna. Nesse sentido, à CNI corresponde

a representação do segmento industrial dessa burguesia interna, também composta pelo setor

bancário e o agronegócio, em especial, que têm suas respectivas confederações, a saber:

Febraban e CNA. Embora os diferentes segmentos da burguesia interna guardem conflitos e

contradições entre si, sua unidade política se constitui principalmente pela necessidade de

proteção do Estado diante do capital estrangeiro12 (Boito Jr., 2018, p. 325). Como procuramos

apontar na seção anterior, é possível constatar essa luta pela proteção estatal desde a

institucionalização do sistema corporativo. Ainda assim, cabe a ressalva de que a burguesia

interna não se opõe frontalmente à presença do capital estrangeiro na economia nacional. Ao

contrário, por vezes até demanda do Estado a abertura do mercado local, desde que entenda

que essa abertura lhe seja benéfica. No caso da indústria, isso é notado principalmente nos

setores em que as empresas brasileiras não estão presentes, ou não possuem interesse em

explorar. Já nos setores controlados por empresas de capital nacional, defende-se a proteção

estatal, ou a realização de parcerias e investimentos que não prejudiquem o capital local.

Desse modo, a burguesia interna nutre uma relação complexa com o capital

estrangeiro. Ao contrário do que se espera de uma burguesia nacional, não empreende lutas

anti-imperialistas, tampouco é uma extensão dos interesses do capital estrangeiro em território

nacional, como a burguesia compradora. No que se refere à ação política da burguesia interna

em relação ao capital estrangeiro, esta é mais bem compreendida como um movimento

pendular, ou seja, ora mais próximo, ora mais distante. É possível fazer analogia parecida

acerca da relação entre o segmento produtivo desta burguesia, concentrado no capital

industrial, e a classe trabalhadora. Ao longo da história política brasileira, compromissos de

baixa intensidade se alternaram com períodos de conflito de classes mais intenso.

O surgimento de burguesias internas, por sua vez, se deve principalmente ao

processo de internacionalização do capital promovido pelo imperialismo, que atinge tanto as

12 Em sua análise sobre a natureza de classe dos governos do PT, Boito Jr. emprega, na realidade, o conceito de“grande burguesia interna”, distinguindo o grande capital do médio e pequeno. No entanto, o autor apontaque as pequenas e médias empresas nacionais, na maior parte dos casos, integram o grupo mais amplo daburguesia interna (2018, p. 307).

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economias de países centrais como as de países periféricos13. O avanço do imperialismo,

liderado pelos Estados Unidos, aumenta a dependência do capital local frente ao capital

estrangeiro, e a reprodução desse capital passa a ocorrer também no interior das formações

nacionais submetidas ao seu domínio político. Devido a essa internacionalização, o capital

estrangeiro passa a atravessar as diferentes frações do capital autóctone, alterando a

composição das burguesias internas (Boschi, M., 2000, p. 29).

Ainda segundo M. Boschi (2000, p. 24), mesmo que burguesias nacionais possam

eventualmente surgir em alguns países, tendem a desaparecer devido ao processo de

internacionalização do capital. A busca incessante pelo incremento das taxas de lucro,

associada ao intenso fluxo de capitais típico do neoliberalismo, são fatores que contribuem

para que as burguesias locais ultrapassem os limites da defesa dos interesses econômicos e

políticos nacionais. Um dos resultados mais notáveis desse processo é que as contradições

entre capital nacional e capital estrangeiro não ocupam mais o papel de contradição principal

no seio das formações nacionais. Nessa nova configuração, os Estados nacionais ocupariam o

papel de mediadores entre as pressões exercidas pelo capital estrangeiro e pela burguesia

interna (Poulantzas, 1974, p. 80 apud Boschi, M., 2000, p. 29). No mesmo sentido, Boito Jr.

afirma que:

[…] Os diferentes segmentos da burguesia interna possuem, de um lado,

interesse comum na proteção do Estado nacional nos conflitos que entretêm

com o capital estrangeiro – conflitos, não oposição ou antagonismo –, mas,

de outro lado, pelejam entre si sobre questões como taxa de juros, política de

crédito e política fiscal. […] Se esses conflitos sobrepujarem em importância

o conflito com o capital internacional e com a burguesia associada, a grande

burguesia interna sofre defecções e pode, no limite, dissolver-se (2018, p.

325).

Dessa forma, a partir dos pontos que procuramos explicitar brevemente, e da

análise da trajetória da burguesia industrial, acreditamos que o conceito de burguesia interna é

mais preciso para classificar a burguesia brasileira e, em especial, seu segmento industrial.

Como veremos mais adiante, a relação com o capital estrangeiro e a classe trabalhadora, e o

movimento pendular a que fizemos referência, são os principais pilares que justificam essa

definição. Ao mesmo tempo, seguindo a premissa da perspectiva relacional, procuramos

compreender o ator – nesse caso a CNI – a partir de sua ação política efetiva. 13 A despeito de atingir tanto países centrais como periféricos, a internacionalização do capital promovida pelo

imperialismo os atinge de maneira diferente (Poulantzas, 1974, p. 80 apud Boschi, 2000, p. 29).

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Capítulo 2. Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo: continuidades e rupturas

2.1 – Neoliberalismo: origens e definições

Neste capítulo, temos como objetivo apresentar como o neoliberalismo se

fortaleceu enquanto modelo político econômico e se tornou dominante nos países ocidentais a

partir dos anos 1980. Posteriormente, abordaremos sua chegada ao Brasil com a eleição de

Fernando Collor à presidência da República, a predominância desse modelo na década de

1990, os focos de resistência a essa política, e como sua crise levou à ascensão dos governos

neodesenvolvimentistas. Para isso, iniciaremos esta seção com uma introdução a partir de

duas abordagens: em primeiro lugar, faremos uma breve reconstituição de sua trajetória

histórica; em seguida discutiremos o conceito de neoliberalismo sob uma perspectiva

marxista, a fim de compreender a relação entre política neoliberal e classes sociais.

A primeira dificuldade para analisar o neoliberalismo se dá em sua definição, já

que o termo compreende diversos significados e é definido de muitas maneiras diferentes

(Novelli, 2011, p. 1). Este autor sistematiza o debate apresentando o neoliberalismo como um

conjunto de “ideias econômicas que fornecem uma ‘visão de mundo’ e uma ‘visão científica’

do funcionamento da economia, mas que também fornece as ferramentas para operar a

economia, isto é, um conjunto (saudável) de políticas e instituições (Novelli, 2011, p. 1)”.

Essas ideias e ferramentas para operar a economia podem ser resumidas em um grupo

principal de políticas, qual seja, “a abertura comercial e financeira, a política de privatização,

a redução dos direitos sociais e a desregulamentação do mercado de trabalho” que, ao mesmo

tempo, expressa e interfere sobre a composição, o poder e os interesses de classe e de frações

de classe (Boito Jr., 2002, 12). Desse modo, o neoliberalismo não se caracteriza apenas pela

adoção das políticas citadas, mas por sua relação com as classes sociais e a conjuntura,

levando em conta, portanto, a historicidade desse processo, que é marcado pelo “desmonte

das políticas de incentivo à independência econômica nacional, de promoção do bem-estar

social, de instauração do pleno emprego e de mediação dos conflitos socioeconômicos (Saes,

2001, 82)”.

A partir desta definição, podemos dizer, em linhas gerais, que a essência do

discurso político neoliberal se baseia em uma crítica à ineficiência do Estado e na defesa do

mercado como o lócus, por excelência, da atividade econômica. Essa crítica ao Estado e a

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53exaltação dos agentes privados, posicionados como polos opostos um do outro – e nesse ponto

já marcando uma diferença fundamental com as análises marxistas –, levou à formulação da

tese do Estado mínimo, que pode ser resumida pela ideia de que o aparelho de Estado deve ser

reduzido ao máximo, ao ponto que todas as suas antigas funções econômicas e sociais –

típicas do Estado de bem-estar social – sejam delegadas ao mercado. Discutiremos essa

caracterização com mais profundidade mais à frente, já que nosso objetivo, em um primeiro

momento, é resgatar suas origens históricas. Desse modo, é possível perceber que o

neoliberalismo não se trata de um conjunto de ideias soltas e dispersas, criadas no vazio por

intelectuais como um “modelo ideal” de política econômica, mas surge, na realidade, dentro

de um contexto histórico. Vejamos essa questão com mais detalhes.

Como já mencionamos, o neoliberalismo ganhou força no Brasil, enquanto

discurso ideológico e programa político, apenas no final da década de 1980. Antes disso,

contudo, já possuía uma história de quase uma década em países desenvolvidos, notadamente

Estados Unidos e Inglaterra, e se espalhava também em outras regiões do mundo. As raízes

teóricas do neoliberalismo podem ser encontradas no grupo que ficou conhecido como

Sociedade de Mont Pèlerin. Tendo como principal organizador o economista austríaco

Friederich Hayek, um grupo de economistas, filósofos e estudiosos de diferentes vertentes

teóricas, mas identificados com perspectivas liberais, se reuniu pela primeira vez em 1947, na

região de Mont Pèlerin, na Suíça, com o intuito de formular uma alternativa econômica às

políticas de inspiração keynesiana e à social-democracia, identificadas com um papel ativo do

Estado como indutor do crescimento econômico e com alguma preocupação com a questão

social, que ganhavam força nos países desenvolvidos no contexto do pós-guerra. O texto

fundamental que estruturou o pensamento neoliberal, “O caminho da servidão”, fora

publicado por Hayek em 1944, e consistia em uma crítica direcionada às propostas social-

democratas que se tornavam dominantes na Europa, e principalmente ao Partido Trabalhista

inglês (Anderson, 1995, p. 9).

Durante as décadas seguintes, essas ideias permaneceram quase totalmente

restritas a círculos acadêmicos e em polêmicas entre intelectuais, e pouco influenciaram

governos ao redor do mundo capitalista. No período do pós-guerra, os países capitalistas

desenvolvidos viveram, por quase 30 anos, sua “época de ouro”. Caracterizada por altas taxas

de crescimento e desemprego relativamente baixo, as crises sociais foram razoavelmente

controladas por mecanismos institucionais que garantiam ganhos às classes trabalhadoras. Os

países desenvolvidos, em especial no norte de Europa, criaram modelos de bem-estar social

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54que garantiam condições de vida até então inéditas à maioria dos trabalhadores, tomando

como referência a história do capitalismo. Para a sustentação desse modelo econômico e

social, foi necessária a manutenção de sindicatos fortes e com poder de negociação, como

parte de um conjunto de concessões feitas pelas burguesias locais para evitar o avanço do

comunismo na Europa. Os países subdesenvolvidos, caso do Brasil, não lograram estabelecer

modelos semelhantes, mas durante o mesmo período aplicaram políticas que admitiam um

elevado grau de intervenção econômica do Estado para induzir o desenvolvimento e promover

a industrialização, conferindo às classes trabalhadoras urbanas o acesso a alguns direitos

(Galvão, 2008, p. 151).

Ainda que não seja possível classificar uniformemente essas experiências, as

principais economias capitalistas passaram por um período de relativo crescimento

econômico, sob consenso keynesiano, mantendo, como mencionamos, as propostas

neoliberais isoladas e com alcance limitado. Essa situação permaneceu relativamente estável

até 1973, quando teve início a primeira crise do petróleo. A crise afetou as economias

capitalistas, modificando a correlação de forças vigente durante os “anos dourados”

(Anderson, 1995, pp. 9-10). A ofensiva neoliberal, contudo, não foi imediata. Diversos

governos adotaram medidas keynesianas para recuperar a atividade econômica. Mas as

consequências econômicas da crise, reforçadas pelo segundo choque do petróleo em 1979,

permitiram um crescimento de forças políticas próximas ao neoliberalismo, abrindo espaço

para a ascensão de propostas alternativas baseadas nos postulados neoliberais (Anderson,

1995, p. 11).

No mesmo ano, Margaret Thatcher se tornou primeira-ministra do Reino Unido,

com um programa que tinha como bases o controle da emissão monetária, elevação dos juros,

redução de impostos sobre rendimentos elevados, liberalização de fluxos financeiros e corte

de gastos sociais (Anderson, 1995, p. 11). As ações do governo Thatcher, adaptadas à

conjuntura em que a “dama de ferro” assumiu o governo, estavam de acordo com os pilares

econômicos e filosóficos defendidos em Mont Pèlerin14. A economia deveria ser comandada

pelos agentes privados, e para isso era necessário que o governo reduzisse gastos e

liberalizasse os fluxos comerciais e financeiros, o que garantiria maior credibilidade perante o

14 Décio Saes destaca que as políticas neoliberais adotadas pelos diferentes governos não coincidemintegralmente com a doutrina econômica liberal que as inspira, uma vez que não são implementadas num“espaço social vazio, destituído de qualquer historicidade”, mas em sociedades capitalistas históricas, cujaspolíticas estatais repercutem influências de outros princípios econômicos (2001, pp. 80-81). Acrescentamosque as diferentes conjunturas e correlações de forças também impactam no processo de implementaçãodessas políticas.

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55mercado, induzindo o retorno dos investimentos. Para controlar a inflação que havia atingido

as economias europeias nos anos 70, além do corte de gastos, um nível maior de desemprego

era não apenas necessário, mas desejável. Thatcher, ao lado de Ronald Reagan, presidente

americano eleito em 1980, foram as duas faces mais conhecidas em defesa do neoliberalismo,

e principais propagadores dessa política nos anos 80. A propaganda não se limitou apenas à

aplicação dessas medidas em seus governos, mas resultou na construção de uma rede de

difusão, largamente utilizada, de apologia ao neoliberalismo e crítica tanto da social-

democracia, quanto do comunismo que, vale lembrar, eram os principais opositores das

“ideias de mercado”.

Antes de falarmos sobre a expansão do neoliberalismo, cabe fazer uma ressalva.

Ainda que as experiências inglesa e americana sejam consideradas pioneiras, o neoliberalismo

teve sua primeira aplicação prática na ditadura chilena comandada pelo general Augusto

Pinochet. Ainda que só se expandisse pela América Latina, conquistando governos pela via

eleitoral, a partir de meados da década de 1980, a experiência no Chile foi de fato a primeira a

receber a classificação de neoliberal (Anderson, 1995, pp. 17-18). O militar ascendeu ao

poder em 1973, após um golpe militar que destituiu e foi responsável pela morte do presidente

socialista Salvador Allende. Durante os quase 20 anos em que esteve no poder, Pinochet

encontrou poucas resistências para colocar em prática medidas econômicas que o

distanciavam, inclusive, das demais ditaduras da América do Sul, ainda que a afinidade

política permanecesse. De inspiração mais americana do que austríaca – Pinochet foi

assessorado por economistas da Escola de Chicago, importante centro de formulação de

políticas neoliberais – a experiência do neoliberalismo no Chile foi pioneira em implementar

as chamadas reformas para o mercado, como, por exemplo, a substituição da previdência

pública por um sistema privado.

O regime chileno também é representativo para abordar uma questão relativa às

características democráticas da doutrina neoliberal. Embora o discurso ideológico que

acompanha o neoliberalismo frequentemente apresente que a liberdade dos indivíduos decorre

de sua liberdade econômica, o governo de Pinochet demonstrou que a relação não é,

necessariamente, verdadeira. Como aponta Anderson (1995, pp. 17-18), o próprio Hayek

admitia a possibilidade de que a liberdade aos agentes econômicos pudesse se tornar

incompatível com o regime democrático, e que a primeira, como valor em si mesma, deveria

ser resguardada de eventuais ameaças provocadas pelo segundo.

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56Essa perspectiva revela uma tendência observada em diversos governos

neoliberais: o enfraquecimento das instâncias democráticas e participativas. Além da

mercantilização do acesso a serviços que antes eram considerados direitos, as demandas

populares passam a ser entendidas como fonte de ingovernabilidade e desestabilização

(Galvão, 2008, 155-156). Exemplo disso são as sucessivas pressões de instituições financeiras

e agentes econômicos para que os bancos centrais se tornem independentes de poderes eleitos

pelo voto popular. Ao defender o caráter exclusivamente técnico da política econômica, e

submetendo a soberania popular ao conhecimento do que seria mais indicado pelos agentes de

mercado, o neoliberalismo remodela o Estado e, em vez de reduzir sua atuação, o transforma

e torna o Estado menos aberto a demandas populares. Cumpre destacar que a defesa da

autonomia do Banco Central faz parte da pauta de diversas entidades da burguesia no Brasil,

inclusive a CNI15.

O neoliberalismo, contudo, se expandiu para muito além dos países anglo-

saxônicos e do Chile. Na Europa, entre as décadas de 1980 e 1990, partidos defendendo

programas neoliberais venceram eleições na Alemanha, Dinamarca, Itália, Espanha, Suécia,

entre outros (Anderson, 1995, pp. 11; 15). Posteriormente, a crise do comunismo, que

resultou na queda dos regimes do leste europeu, foi seguida por uma ofensiva das forças

neoliberais, que conquistaram governos, ou impuseram medidas liberalizantes, aos antigos

países do bloco socialista. É possível compreender esse movimento sob a lógica da Guerra

Fria: Reagan e Thatcher não apenas fizeram da União Soviética e do comunismo seu alvo

preferencial em discursos e ações diplomáticas, como tomaram medidas – em especial o

presidente americano, muitas delas contra postulados neoliberais – para acelerar a queda da

superpotência rival e dos regimes a ela aliados.

Em relação a essa questão, há dois pontos que merecem destaque e nos ajudam a

compreender o avanço do neoliberalismo no cenário internacional. Em primeiro lugar, o peso

relativo dos Estados Unidos na economia mundial, além de seu poder diplomático e militar,

permite que esse país, mesmo defendendo a adoção de políticas neoliberais, tome medidas

contrárias ao próprio discurso, como em relação à expansão de gastos governamentais que

sustentou a corrida armamentista dos anos 80. A mesma “margem de manobra” não é

observada em países periféricos, com economias dependentes, como é o caso do Brasil. Dessa

15 A reivindicação por maior independência, ou até pela autonomia formal, do Banco Central foi justificadacomo necessária para resguardar a instituição – um “órgão técnico” – de ingerências políticas. Segundo esseargumento, questões técnicas deveriam ser decididas por grupos restritos de especialistas, isolados depressões populares, como se as decisões tomadas não tivessem uma natureza política e não exprimisseminteresses (Novelli, 2011).

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57forma, vemos que o próprio caráter de dependência dessas economias tende a ser reforçado

com a adoção de tais políticas – voltaremos a essa questão na próxima sessão, ao analisar as

consequências da política neoliberal no Brasil da década de 1990. Em segundo lugar, como

aponta Anderson (1995, p. 16), a queda do comunismo no leste europeu reduziu as

resistências e permitiu ao neoliberalismo um grau de hegemonia inédito na história do

capitalismo, que as forças social-democratas, sindicais e populares dos países centrais não

foram capazes de combater.

Ao contrário, as forças neoliberais, ligadas ao capital financeiro internacional, não

apenas viram seus interesses defendidos por partidos conservadores, mas também

“assediaram” os próprios social-democratas, ou, a partir da década de 80, forças políticas do

eurocomunismo. Casos como o governo de Felipe González, na Espanha, e François

Miterrand, na França, guardadas suas diferenças, são representativos (Anderson, 1995, pp. 12-

13). Partidos antes associados a políticas intervencionistas, próximos de sindicatos, ou, ainda,

de inspiração socialista, se viram pressionados, por forças internas e externas, a aplicar

programas francamente neoliberais. Posteriormente, movimentos de “terceira via”, surgiram

dentro dos próprios partidos à esquerda, cujo caso emblemático é o do ex-primeiro ministro

britânico Tony Blair, do Partido Trabalhista. A negação genérica às antigas disputas entre

neoliberais e social-democratas era revertida em uma nova rodada de políticas neoliberais,

apresentadas sob um novo discurso. Com efeito, a hegemonia conquistada pelo

neoliberalismo se caracterizou pela ideia de que não havia alternativa às políticas

neoliberais16.

Nesse sentido, é possível verificar que o neoliberalismo, nos diferentes locais em

que foi aplicado, ganhou força em períodos de crise ou, como aponta Novelli (2011), de

“conjunturas críticas”. Medidas restritivas e impopulares, muitas vezes impostas por outros

países ou organismos multilaterais como condicionantes para pacotes de apoio, são

apresentadas como imperativas para a superação da crise. Quando não resultam na

recuperação econômica, em geral os agentes do neoliberalismo alegam que as medidas

tomadas não foram suficientes, e uma nova rodada de corte de despesas, aumento dos juros,

privatizações e redução de direitos trabalhistas, entre outras, é apresentada como inevitável.

16 O slogan TINA, acrônimo da expressão em inglês “there is no alternative” (não há alternativa), é atribuído àMargaret Thatcher como expressão dessa ideia. Embora, ao que se saiba, a primeira-ministra britânica nãotenha formulado a expressão com essa intenção, seu uso recorrente fez com que se tornasse um símbolo dadefesa de medidas neoliberais e antipopulares. Ver “news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/politics/1888444.stm”,(Acesso em 20/10/2018).

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58Retomaremos esta questão ao tratar do caso brasileiro, mas antes disso cabe identificar como

essas medidas neoliberais se relacionam com a dinâmica dos conflitos de classe.

2.2 – Neoliberalismo e classes sociais

A partir desta breve contextualização histórica, nosso objetivo seguinte é analisar

o impacto do neoliberalismo nas relações de classe. Para tanto, encontramos nosso referencial

teórico em estudos marxistas que procuram identificar qual a natureza de classe da política

neoliberal, e como essa política, ao mesmo tempo, expressa e altera a correlação de forças

entre classes e frações de classes (Boito Jr., 2002, p. 13). Nesse sentido, estabelecemos uma

diferenciação entre a análise que pretendemos desenvolver e as análises que identificam a

política neoliberal como mera aplicação prática de ideias e teorias formuladas por

economistas de maneira independente de forças sociais. Na perspectiva que utilizamos,

procuraremos demonstrar a relação dessas ideias com interesses de classes e frações de classe.

Galvão (2008, p. 150) aponta que também entre os autores que utilizam categorias

marxistas o neoliberalismo foi abordado de maneira distinta, mas as abordagens convergem

em três ordens de questões: 1) a relação entre neoliberalismo e classes sociais; 2) a relação

entre política e economia, e a natureza de classe do Estado; 3) a relação entre o plano

internacional e o plano nacional (Duménil e Levy, 2006, apud Galvão, 2008, p. 150). Olhando

para cada um desses pontos com mais cuidado, podemos traçar as linhas que delimitam o

neoliberalismo sob uma perspectiva que coloque em primeiro plano as categorias de análise

marxistas, ao enfatizar a relação entre as políticas adotadas e as classes sociais. Abordaremos

cada uma dessas questões individualmente a seguir.

Em relação ao primeiro ponto, o neoliberalismo alterou as relações de classes de

maneira vertical, entre a burguesia e as classes trabalhadoras, e horizontal, no interior da

própria burguesia. Essas mudanças decorrem principalmente dos processos econômicos e

sociais produzidos pela política neoliberal, mas também por aspectos políticos e ideológicos

(Boito Jr., 2002, pp. 13-14). Galvão aponta que, para vários autores, o neoliberalismo pode ser

definido como a restauração do poder e recuperação da renda das classes dominantes, que

beneficiou especialmente o capital financeiro (2008, p. 151). Esse processo tem dimensões

políticas, econômicas e ideológicas e, como mencionamos na seção anterior, pode ser

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59entendido como uma ruptura, ou resposta, ao consenso keynesiano que vigorou durante as três

primeiras décadas do pós-guerra nos países desenvolvidos. Para que isso fosse possível,

foi necessário promover a construção de um consenso em torno dos

princípios neoliberais. Diversos mecanismos produziram esse consenso, com

destaque para o papel dos intelectuais e da mídia. No caso específico da

América Latina, a pressão econômica e ideológica das agências multilaterais,

associada à crise da dívida, forjou um novo consenso das elites latino-

americanas em torno do neoliberalismo (Galvão, 2008, p. 152).

Embora as análises tendam a articular cada um desses aspectos – econômico, político e

ideológico – para viabilizar um novo modelo de dominação burguesa, é comum que a

burguesia seja compreendida como um bloco único, ou profundamente homogêneo, sem que

se ressalvem as diferenças e conflitos internos da classe dominante. Nesse sentido, Boito Jr.

apresenta uma perspectiva diferente ao defender que as medidas neoliberais não beneficiam

por igual o conjunto da burguesia.

Segundo o autor, embora, no caso brasileiro, o neoliberalismo tenha promovido

uma unificação política da burguesia, ele não eliminou diferenças entre as frações burguesas,

tampouco beneficiou igualmente cada uma delas. As análises que sustentam essa visão em

geral possuem como fundamento a ideia de que, com a globalização, as antigas burguesias

locais teriam se convertido em um bloco homogêneo, tanto em relação ao tipo de capital

(industrial, bancário, etc.), como em tamanho (grande, médio e pequeno). Além disso, no

âmbito internacional, estaria em curso um processo avançado de eliminação das burguesias

locais, e sua absorção pelo capital transnacional (Boito Jr., 2002, p. 17). Ainda que, em parte,

esse processo seja verdadeiro, não há evidências de que as diferenças internas entre a classe

burguesa tenham sido eliminadas, e que estaria em estágio avançado de formação uma

“burguesia global”. Boito Jr. aponta que, durante o processo de implantação do

neoliberalismo no Brasil, os partidos burgueses não apresentaram uma ação homogênea.

Diante disso, segue o autor, as análises que tendem a homogeneizar a composição da

burguesia concebem tais conflitos como divergências entre correntes de opinião, ou até

motivados por questões pessoais. Por sua vez, Boito Jr. aponta que esses conflitos foram

causados, em grande medida, por disputas entre diferentes frações da burguesia. Além disso, a

própria divisão da burguesia em associações corporativas distintas, que permanece até hoje,

manifestando, em muitos casos, posições diferentes acerca da política econômica, também é

uma evidência do fracionamento da burguesia (Boito Jr. 2002, pp. 17-18). Ressalte-se que

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60isso não equivale a dizer que as diferentes frações da burguesia não possam construir unidade

política em determinadas conjunturas, mas que essa unidade não é permanente, tampouco

estrutural.

Para representar a maneira com o neoliberalismo afeta as diferentes frações da

burguesia, o autor recorre a uma metáfora que apresenta a política neoliberal a partir de três

círculos concêntricos:

a) o círculo externo e maior representando a política de desregulamentação

do mercado de trabalho e de redução dos direitos sociais; b) o círculo

intermediário representando a política de privatização e c) o círculo menor e

central da figura representando a abertura comercial e financeira (Boito Jr.,

2002, p. 18).

O círculo maior expressa as políticas que contemplam o conjunto da burguesia. São medidas

que têm por objetivo diminuir o custo do trabalho para as empresas, reduzindo a proteção e os

direitos dos trabalhadores. Dentre todos os aspectos da política neoliberal, esse é o único que

atinge de maneira mais ou menos equivalente o conjunto da burguesia, por envolver a relação

dessa classe com as classes trabalhadoras. No círculo intermediário, temos a política de

privatizações, que consiste na venda de empresas públicas, ou na concessão de serviços antes

prestados pelo Estado ao capital privado. Essa política, no caso brasileiro, favoreceu a parcela

da burguesia correspondente ao grande capital monopolista e seus parceiros estrangeiros. A

política de privatizações iniciada pelo governo Collor, e expandida pelo governo FHC, criou

mecanismos para restringir a aquisição das empresas públicas por grandes grupos nacionais,

em vários casos em parceria com o capital estrangeiro. Ao mesmo tempo, colocou à margem

desse processo o pequeno e o médio capital, excluídos dos leilões realizados pelo governo.

Por fim, o terceiro círculo, localizado no centro da figura, é o mais restritivo em relação aos

seus beneficiários, pois não unifica sequer o conjunto do grande capital. A abertura comercial

e financeira irrestrita tende a favorecer apenas o setor financeiro do grande capital e o capital

imperialista. Este que, inclusive, é uma das principais forças a estimular a abertura de novos

mercados, junto a organismos internacionais e governos de países centrais. Como veremos

com mais detalhes na próxima seção, ainda que a burguesia industrial tenha apoiado de

maneira difusa uma abertura comercial no Brasil, em grande medida em oposição às

consequências provocadas pela crise do modelo de substituição de importações, não demorou

para que houvesse um recuo por parte desse setor quando foram sentidos os primeiros efeitos

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61da abertura promovida nos anos 1990. Consequentemente, os industriais passaram de

apoiadores a críticos – ainda que moderados – dessa política.

Fora do círculo estão as classes trabalhadoras, que não são contempladas pelas

medidas fundamentais do neoliberalismo. Ao contrário, as políticas representadas pelos

círculos concêntricos, nos países em que foram aplicadas, resultaram em redução de direitos

dos trabalhadores e aumento das taxas de desemprego. No entanto, como aponta Galvão, as

classes trabalhadoras não apenas sofreram passivamente os efeitos desse tipo de política

(2008, p. 154), uma vez que o neoliberalismo alcançou, em maior ou menor grau, um

consenso entre os setores médios e populares.

Tomando novamente o caso brasileiro como referência, a classe média, e em

especial sua camada de renda mais elevada, composta por profissionais liberais e

trabalhadores com altos rendimentos, apoiou, em sua maioria, os governos neoliberais.

Segundo Boito Jr. (2002, pp. 26-27), esse apoio esteve condicionado principalmente à política

social do neoliberalismo, que atende aos interesses dessa camada da classe média, em, ao

menos, dois aspectos fundamentais. O primeiro diz respeito aos altos níveis de desigualdade

social do Brasil. Essa situação faz com que a classe média alta possa usufruir de serviços – de

educação, saúde, transporte, etc. – que a separa do restante da classe trabalhadora, e a

aproxima da burguesia. Esse fenômeno não se dá apenas em razão de questões ideológicas,

embora esse aspecto também seja importante. A não implantação de um Estado de bem-estar

no Brasil é de interesse de uma parte significativa da classe média que, ao usufruir desses

serviços privados, pode reproduzir o seu status social. O segundo aspecto relevante desse

apoio ocorre em função da política repressiva que os governos neoliberais adotaram contra a

população pobre, sob a justificativa do combate à criminalidade. Assim, consequências da

pauperização de grande parte da classe trabalhadora, acentuada por políticas restritivas, em

especial na periferia das grandes cidades brasileiras, são vistas por esse segmento social como

“caso de polícia”. A política repressiva se estende a movimentos populares os mais diversos,

como os movimentos que lutam pelo acesso à terra ou por moradia.

Ao contrário do segmento de renda mais elevada da classe média, o setor

correspondente à baixa classe média, parte da classe operária e os trabalhadores

desempregados ou subempregados aderiram ao neoliberalismo, em um primeiro momento,

mas, posteriormente, se distanciaram da coalizão neoliberal. Autores como Boito Jr. (2002) e

Saes (2001) consideram o apoio desses setores da classe trabalhadora ao neoliberalismo como

fruto, principalmente, de efeitos ideológicos. Boito Jr. (2002, p. 9) utiliza o conceito de

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62“hegemonia regressiva” para classificar o alcance das ideias neoliberais sobre os

trabalhadores na década de 1990 no Brasil. Essa ideia está vinculada às poucas, ou

praticamente nulas, concessões materiais que a política neoliberal faz aos trabalhadores.

Nesse sentido, ao contrário do que ocorre com o conceito de hegemonia elaborado por

Antonio Gramsci, que prevê algum nível de concessões materiais das classes dominantes às

classes subalternas, a hegemonia regressiva alcançada pelo neoliberalismo está fundamentada

principalmente em questões ideológicas.

Em relação à questão mais geral sobre o apoio de setores das classes trabalhadoras

ao neoliberalismo, Saes (2001, p. 79) levanta a hipótese de que, a partir da década de 1960, o

intervencionismo estatal se mostrou prejudicial às camadas menos abastadas, aumentando a

concentração de renda e a pauperização. Ao contrário do que o ocorreu no mesmo período na

Europa ocidental, o intervencionismo brasileiro não procurou implantar um Estado de bem-

estar, mas representou quase exclusivamente os interesses da burguesia monopolista e da

burguesia de Estado, criando um “efeito socialmente perverso”. Neste contexto, a proposta de

desmantelamento do Estado pode tomar ares progressistas e redistributivistas, sendo comum

ver políticos burgueses apresentarem medidas neoliberais de ataque aos “privilégios” do

funcionalismo público como de interesse dos mais pobres, criando a ilusão de que a “redução

do Estado” provocaria a distribuição de renda.

Boito Jr. (2002, pp. 28-32) vai na mesma direção ao afirmar que o apoio da massa

de trabalhadores não organizados ao neoliberalismo se dá por razões fundamentalmente

ideológicas. Os direitos trabalhistas e sociais implantados pelos governos populistas nunca se

tornaram universais e apresentavam uma série de hierarquizações entre si. Deste modo, o

Estado brasileiro nunca logrou implantar um modelo de cidadania “ampla e igualitária” mas

“um modelo de cidadania social restrito e hierarquizado, que é ligado, de diferentes maneiras,

ao clientelismo do Estado brasileiro” (Boito Jr., 2002, p. 29). A maior parte das classes

trabalhadoras nunca teve acesso pleno a esses direitos ou às benesses do Estado clientelista, o

que o tornou alvo de insatisfação popular.

A adesão ao discurso neoliberal por parte destes setores da classe trabalhadora

decorreria, portanto, de uma revolta popular legítima, porém difusa e sem direção política

definida, contra o caráter particularmente excludente do capitalismo nos países

subdesenvolvidos, e em especial no Brasil. Como apontamos no início do capítulo, esse

processo tende a ganhar força especialmente em conjunturas críticas. A baixa qualidade dos

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63serviços públicos oferecidos pelo Estado brasileiro corrobora essa visão e dá força à retórica

neoliberal.

No caso brasileiro, contudo, cabe uma ressalva sobre essa questão. Embora seja

verdadeiro argumentar que a política neoliberal não ofereceu grandes concessões ao conjunto

da classe trabalhadora, a implantação do Plano Real, em 1994, elaborado pelo governo Itamar

Franco para combater a hiperinflação que se prolongava desde meados da década de 80,

gerou, além da estabilização econômica, um aumento do poder de compra sentido pelos

setores de renda mais baixa da população (Pont, 2010; Novelli, 2011). Esse efeito foi

fundamental para a eleição de Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda e

principal coordenador do Plano, para a presidência da república. A avaliação positiva do novo

plano econômico e o apoio conquistado junto à burguesia enfraqueceram a candidatura de

Luiz Inácio Lula da Silva, que até o início de 1994 liderava as pesquisas, e culminaram na

vitória do candidato do PSDB no primeiro turno, situação que se repetiu em 1998.

O papel do Estado e sua relação com a economia e a sociedade em geral é um dos

principais fundamentos ideológicos do neoliberalismo, já que a doutrina neoliberal, ao

considerar o Estado como uma esfera separada das classes sociais, promove a ideologia do

Estado mínimo e de apologia do livre mercado. Em termos práticos, o programa de redução

do Estado e a adoção das “reformas para o mercado” consistiu na redução do gasto público,

em especial de gastos sociais, redução de direitos, privatizações e concessões de serviços

antes restritos ao Estado para empresas privadas. Essa ideia se ampara na identificação do

Estado – e sua ação econômica – como produtor de ineficiências, responsável por provocar

distorções que prejudicam o funcionamento da economia. Como aponta Galvão (2008, p.

155), essa tese está fundamentada teoricamente na oposição entre Estado e mercado e, dessa

forma, para a concepção neoliberal, é necessário reduzir a área de influência do Estado para

que o mercado – na figura das empresas e do empreendedorismo individual – possa atuar

livremente.

A abordagem marxista, ao contrário, rejeita a oposição entre Estado e sociedade,

procurando identificar a natureza de classe do Estado. Dessa forma, ainda que existam

conflitos entre o Estado, suas instituições e as diferentes frações da burguesia, não é possível

dissociar, numa formação capitalista, Estado e classe dominante. O capitalismo, inclusive em

sua roupagem neoliberal, depende do Estado para manter suas condições de acumulação e

dominação de classe (Wood, 2001, p. 115 apud Galvão, 2008, p. 155). Com efeito, o

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64neoliberalismo não reduz, de fato, o papel do Estado, mas o transforma, influenciando

também as relações de forças entre classes e frações de classes (Galvão, 2008, p. 155).

O caso da legislação trabalhista no Brasil ajuda a compreender esse argumento.

Ao reivindicar mudanças da CLT, de modo a promover a eliminação de direitos e a

prevalência da livre negociação entre empregador e empregado, a burguesia não propõe,

efetivamente, a eliminação de regulações sobre o mercado de trabalho, mas a introdução de

novos contratos (precários) de trabalho e seu reconhecimento pelo Estado. Os novos contratos

previstos em lei, de um lado, e a livre negociação, de outro garantiriam maior segurança

jurídica aos empregadores. Trata-se, portanto, de uma nova regulação, por parte do Estado e

do mercado, que beneficia a burguesia (Galvão, 2008).

Já em relação ao terceiro conjunto de questões que caracteriza as abordagens

marxistas do neoliberalismo, conforme levantadas por Galvão (2008), cabe pontuar as

diferenças entre o plano nacional e internacional. Sobre esse aspecto, ressaltamos dois pontos

principais: em primeiro lugar, a diferença existente entre países centrais e periféricos na

aplicação do neoliberalismo; em segundo lugar, as pressões internacionais para a adesão do

programa neoliberal nos países periféricos.

Para dimensionar a questão, cabe observar o cenário internacional de ascensão do

neoliberalismo. A reunificação do bloco imperialista, liderado pelos Estados Unidos, e o fim

da União Soviética reorganizaram a correlação de forças em âmbito global, resultando em

uma hegemonia capitalista que se espalhou pelos demais países, sob liderança inconteste

americana. Na prática, esse processo representou o fortalecimento do imperialismo norte-

americano e de sua influência sobre um grupo de países cada vez maior, permitindo uma

segunda onda neoliberal que atingiu locais que, até então, haviam resistido à primeira

investida, em especial na América Latina e na Ásia (Boito Jr., 2002, p. 40). Um segundo

efeito provocado pela desagregação do bloco soviético ultrapassou as condições objetivas de

luta dos movimentos operários e populares ao redor de mundo. Ainda que, há muito, o

chamado socialismo real não fosse mais reivindicado como modelo para esses movimentos,

sua dissolução provocou um efeito ideológico em escala mundial que reforçou a tendência

defensiva da luta anticapitalista, potencializado por uma série de análises de intelectuais

argumentando que não havia alternativa ao capitalismo (Boito Jr., 2002, p. 41)

À luz desse cenário, podemos compreender as diferenças entre os países centrais e

periféricos na adoção de políticas neoliberais. Para tanto, é necessário considerar também as

diferenças entre os modelos de Estado de bem-estar e Estado desenvolvimentista, que se

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65refletem não apenas na gama de direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora, como

no caráter de país imperialista ou dependente (Galvão, 2008, 151). Essa distinção é relevante

na medida em que o neoliberalismo encontra diferentes níveis de resistência em cada um dos

países em que é aplicado. Ademais, essa questão também se refletiu na tendência regressiva

pela qual passaram as economias dependentes depois da adoção de políticas neoliberais,

provocada, em especial, pela abertura comercial e o fim das políticas de proteção à indústria

local. Em geral, e o caso brasileiro é emblemático, se observou um processo de

desindustrialização e desnacionalização das economias periféricas, e uma tendência ao reforço

de seu caráter de dependência, tecnológica e econômica. Desse modo, procuraremos

desenvolver nossa análise levando em conta a condição de dependência da economia

brasileira em relação ao imperialismo, e ponderar como isso impacta nas ações dessa classe.

Em relação direta com essa consideração, desenvolvemos o segundo aspecto de

nosso argumento. A difusão do neoliberalismo esteve em grande medida relacionada ao que

foi denominado pelo economista britânico John Williamson (1993) como “Consenso de

Washington”: um conjunto de políticas, derivadas da “melhor sabedoria econômica

disponível” que constituiriam uma receita para tirar as economias subdesenvolvidas, em

especial na América Latina e no Leste Europeu, das diversas crises que as acometeram nos

anos 1990 (Mancuso, 2007, p. 30). Williamson sistematizou as principais recomendações

feitas por organismos internacionais aos países periféricos, em especial FMI e Banco

Mundial, como receituário para superar a crise da dívida. Essas propostas estavam centradas

em dois eixos: medidas restritivas que conduziriam à estabilidade e o protagonismo da

iniciativa privada na economia, através das “reformas orientadas para o mercado” (Galvão,

2003, p. 82).

Esse receituário ganhou força no cenário internacional à medida que as crises se

sucediam, e passou a ser recomendado ou, eventualmente, imposto pelas agências

multilaterais e pelos países centrais como condicionante para ajuda financeira aos países

periféricos. Ideologicamente, o neoliberalismo, materializado no Consenso de Washington,

procurou produzir exatamente o que Williamson propôs: construir um consenso em torno de

propostas “exclusivamente técnicas”, o que, por consequência, limitava a ação de seus

críticos. Nesse sentido, destacamos também a ação do governo norte-americano, em resposta

às mudanças no cenário econômico mundial, de defesa de uma ordem econômica liberal. No

caso brasileiro, esse processo foi responsável por exercer pressões crescentes pela abertura

comercial (Cruz, 1997, p. 73 apud Novelli, 2011, p. 6). Dessa forma, o sucesso da difusão

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66desse ideário não pode ser compreendido sem que se considere a influência do capital

financeiro, dos países centrais e seus intelectuais na adoção dessas políticas por países

subdesenvolvidos.

Em resumo, procuramos conceitualizar, sob uma perspectiva marxista, o

neoliberalismo a partir de três aspectos principais: sua relação com as classes sociais, sua

relação com o Estado, e a sua relação com o cenário internacional. A partir dessas

considerações, podemos analisar o caso brasileiro.

2.3 – Neoliberalismo e burguesia industrial no Brasil

O neoliberalismo ganhou força no Brasil na segunda metade da década de 1980,

procurando se viabilizar como alternativa à crise do nacional-desenvolvimentismo. No campo

político ideológico, o fracasso do Plano Cruzado evidenciou a “primeira fratura no consenso

desenvolvimentista” (Almeida, 1996, p. 222 apud Novelli, 2011, p. 5), e alimentou uma

disputa entre desenvolvimentistas e liberais, com a crise da dívida e a alta inflação como pano

de fundo. Como as ideias desenvolvimentistas não deram respostas satisfatórias à crise da

dívida e à inflação, a arena política se viu aberta a novas ideias, em particular às ideias

neoliberais (Novelli, 2011, p. 5). Com isso, ao longo da década de 1980, as propostas liberais

lograram ultrapassar o campo estritamente doutrinário e se converteram em programa político

(Bianchi, 2010, p. 235).

A fim de melhor contextualizar esse processo, podemos identificar três momentos

da implantação do neoliberalismo no Brasil: o primeiro deles tem início com a eleição de

Fernando Collor e o desmonte do modelo de Estado desenvolvimentista. A adoção do

programa neoliberal, associada ao isolamento político do governo, contudo, provocaram uma

crise que culminou com a abertura de um processo de impeachment e a renúncia do

presidente, em dezembro de 1992. Em um segundo momento, temos o governo Itamar Franco,

que procurou solucionar a crise política e reorganizar os interesses da coalizão neoliberal, o

que foi possível com a implantação do Plano Real, em 1994. O êxito na estabilização da

economia impactou diretamente na eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da

República no mesmo ano, e a implementação do projeto de “desmonte da Era Vargas17”. O

17 Em seu discurso de despedida no Senado, em 1994, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso declaroucomo objetivo de seu governo “colocar um fim à Era Vargas”, antecipando os rumos neoliberais quetomaria: “[…] Resta, contudo, um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retardao avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas — ao seu modelo de desenvolvimento autárquico

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67terceiro momento se inicia após a reeleição de FHC, em 1998, e a primeira crise cambial pós-

Plano Real. Caracterizamos esse momento como o de crise da coalizão neoliberal que esteve

no poder durante a década de 1990, e de constituição da frente neodesenvolvimentista. Nesta

seção, abordaremos com mais detalhes como se desenvolveu esse processo, e como ele afetou

a burguesia industrial brasileira.

A primeira tentativa relativamente estruturada, embora eivada de contradições, de

apresentar o neoliberalismo como programa político foi feita por Fernando Collor de Mello

durante a campanha presidencial de 1989. Para viabilizar seu programa, o ex-governador de

Alagoas mobilizou um forte discurso ideológico centrado em críticas ao Estado brasileiro.

Apenas como exemplo, podemos citar peças para a TV em que o governo era apresentado

como um elefante que, devido ao tamanho, atrapalhava a vida das pessoas em suas casas. Os

funcionários públicos, que Collor chamava de marajás, eram criticados por receberem altos

salários às custas de elevados impostos, o que impediria o Estado de solucionar as

necessidades do povo. Ademais, sua campanha também foi marcada por uma forte retórica

anticomunista, buscando associar Lula e o Partido dos Trabalhadores aos regimes em declínio

do leste europeu.

Quem trouxe, politicamente, a agenda neoliberal para o país foi o ex-

presidente Fernando Collor de Mello. Naquela disputa entre Collor e Lula,

em 1989, o programa de governo do primeiro era a caça aos marajás, porque

havia a noção de que o Estado só servia para pagar altos salários a quem

nada fazia. Isso estava embolado com a ideia de que era necessário reduzir o

tamanho do Estado, privatizar, ter um controle estrito dos gastos, uma

política monetária rígida, abrir a economia e liberar o fluxo de capitais –

tudo no mesmo pacote (Paulani, 2011).

Já eleito, Collor manteve a mesma retórica inflamada que caracterizara sua

campanha: para justificar a abertura econômica, por exemplo, o presidente comparou os

carros fabricados no Brasil a carroças. Contudo, seria um erro associar Collor apenas a uma

retórica vazia e desprovida de conteúdo, nesse caso, de um programa. Embora fosse evidente

o apelo midiático, havia um programa político por trás do presidente que guardava relações

com seu discurso. O plano proposto para combater a crise econômica que atingia o país há

quase uma década consistia em uma “inflexão liberal” (Mancuso, 2007, p. 29). Dentre as

medidas que caracterizaram esse movimento, podemos destacar a abertura comercial, as

e ao seu Estado intervencionista” (Cardoso, 1995).

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68privatizações e concessões de serviços públicos para a iniciativa privada, a maior abertura

para o investimento direto estrangeiro, a liberalização financeira, a desregulamentação da

atividade econômica, a disciplina fiscal, a reforma administrativa, a reforma tributária e a

revisão de prioridades para os gastos públicos (Mancuso, 2007, pp. 29-30). Grande parte

desse plano econômico foi inspirada pelas diretrizes do Consenso de Washington, como

apontamos na seção anterior, adaptadas à realidade brasileira, a exemplo do que ocorreu em

outras economias da América Latina. Essa seria a receita sem a qual o Brasil não sairia da

crise dos anos 1980. Com efeito, essa receita não apenas tiraria o país da crise, como seria

capaz de impulsionar um novo ciclo de crescimento e prosperidade baseado na eficiência do

mercado. A partir do estabelecimento do neoliberalismo como agenda de governo, cada novo

choque na economia, produzido com cortes no orçamento público, era justificado pela

insuficiência do choque anterior.

As principais medidas econômicas, como o confisco da poupança, eram decididas

pela cúpula do governo de maneira tecnocrática, reforçando a tendência de insulamento

burocrático18. Em relação a essa questão, cabe pontuar que o relativo isolamento do governo

Collor, mesmo em relação à própria burguesia, associado aos próprios efeitos da política

neoliberal que começavam a ser sentidos pelos diferentes setores da sociedade, foram fatores

fundamentais para a crise do governo que resultou na renúncia do presidente. Entretanto, a

crise do governo Collor não impediu que a coalizão neoliberal se reorganizasse e continuasse

no governo ao longo da década de 1990.

“Disfarçada” sob o choque causado pelo confisco da poupança, a verdadeira

espinha dorsal do Plano Collor estava contida na Medida Provisória nº 155, de 15 de março de

1990, que instituía o Programa Nacional de Desestatização (PND). O objetivo central do

PND, nas palavras da ministra Zélia Cardoso de Melo, era “(…) reordenar a posição

estratégica do Estado na economia, transferindo para a iniciativa privada atividades

atualmente exploradas pelo setor público” (Pont, 2012, p. 117). Segundo as intenções do

governo, o Programa seria responsável por promover ganhos na eficiência da administração

pública e modernizar o parque industrial brasileiro, atraindo investimentos que não podiam

ser feitos pelo Estado. Em um primeiro momento, o PND contou com a aprovação da

burguesia, que viu nele não apenas a materialização do ideário neoliberal que a havia

18 O governo Collor se notabilizou pelo uso corrente de expedientes como as medidas provisórias, que nãonecessitam de aprovação prévia do Congresso.

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69seduzido, como a possibilidade de passar a deter o controle sobre empresas altamente

estratégicas e rentáveis (Pont, 2012, p. 118).

Em sua essência, o Plano Collor, para seus formuladores, correspondia a um

esperado “salto para a modernidade capitalista”, seguindo as principais orientações do FMI:

“o enxugamento da liquidez, o quadro recessivo decorrente, a redução de déficit público, a

‘modernização’ (privatização) do Estado, o estímulo às exportações e, seguindo a prática

recorrentemente utilizada em nosso país, o arrocho salarial” (Pont, 2012, 119-120). O excesso

de intervencionismo estatal que envolve a tomada dessas medidas, contudo, conforme

observamos, não é incompatível com o modelo neoliberal. Ao contrário, constitui o caráter

“aparentemente paradoxal” das políticas neoliberais. “A desativação das políticas de

independência econômica nacional, de bem-estar social, de pleno emprego e de mediação de

conflitos socioeconômicos tende a suscitar a hipertrofia da ação regulamentadora do Estado”

(Saes, 2001, p. 83, grifos do autor). Dessa forma, embora a intensificação da autonomia de

ação do Estado possa atingir interesses imediatos do grande capital, as linhas gerais dessa

ação, no longo prazo, lhe são favoráveis (Pont, 2012, p. 120).

Apesar da perspectiva inicial otimista, a forte recessão pela qual passou o país em

1990, associada ao insucesso do combate à inflação e à perda de antigos espaços de acesso ao

Estado logo acabou com a popularidade do governo Collor junto aos industriais. Pont (2012,

p. 122) afirma que a modernização proposta por Collor, antes saudada pelas principais

entidades de classe da burguesia industrial, passou a ser vista como uma ameaça à sua

condição de representante do setor. A perda de espaços institucionais para negociação com o

governo foi vista pela CNI como uma ameaça de desmonte dos antigos instrumentos de

elaboração da política industrial e comercial. Com o aprofundamento dessa política, a

Confederação passou a denunciar que a ação do governo Collor “confrontaria com os

objetivos de redução da intervenção do Estado na economia e de ampliação da competição de

mercado” (Pont, 2012, p. 122). Ou seja, ainda que o alto grau de insulamento do Estado seja

compatível, e até esperado, com governos neoliberais, em determinadas conjunturas pode

provocar a deterioração das relações entre o Estado e setores da burguesia.

Na esteira da crise política que derrubou Fernando Collor, o vice-presidente

Itamar Franco assumiu o governo sob forte insatisfação popular, mas sem que houvesse um

programa alternativo ao que havia sido iniciado por seu antecessor. A ampla coalizão política

que deu sustentação ao mineiro, com vistas a superar a crise causada pela queda do primeiro

presidente eleito após a redemocratização, fez com que o novo governo estivesse sustentado

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70sobre um arco de forças instáveis e contraditórias. O passado nacionalista de Itamar,

reivindicado em diversas falas que remetiam ao combate à miséria e à criação de um projeto

nacional, contudo, apenas concedeu novo verniz ao programa que havia sido introduzido por

seu antecessor. Em linhas gerais, houve uma diminuição do ritmo das privatizações, mas a

direção e a velocidade da abertura econômica foram mantidas. A principal ação do governo,

que durou pouco mais de dois anos, consistiu na elaboração do Plano Real. Iniciado em 1993

e lançado no ano seguinte,

O Plano Real, no qual a moeda Real era um dos componentes, tinha por

objetivo, como os anteriores planos, o controle inflacionário e a estabilização

econômica. Para sua concretização e eficácia, o governo adotou medidas

visando conter os gastos públicos. Como o aumento do poder aquisitivo da

população, decorrente da estabilização econômica, provocara um maior

consumo, pressionando para cima a taxa de inflação, o governo recorreu à

velha fórmula macroeconômica de elevar a taxa de juros e, assim, reduzir o

consumo. Ao mesmo tempo, procurou baixar os preços dos produtos, não

por meio de um incremento de produtividade, mas pela abertura da

economia à competição internacional (Pont, 2010, p. 130).

O sucesso imediato do novo Plano, aliando crescimento e estabilização,

associados a um eficiente marketing político, praticamente alçaram o candidato do governo, o

ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, à Presidência da República. Ainda que

atravessando uma conjuntura de dificuldades provocada pela ausência de uma política

industrial e pelo aumento da concorrência, o conjunto da burguesia industrial apoiou o Plano e

a candidatura do ex-ministro (Pont, 2010, p. 136). Isso, contudo, não impediu que houvesse

críticas à condução da política econômica e à abertura comercial. Os industriais procuraram,

com o suporte ao Plano, abrir uma margem de manobra junto ao governo para negociar

medidas de seu interesse, como o controle de gastos e a reforma tributária. Esse apoio deve

ser compreendido também pelo fato de que, na visão da indústria, não havia nenhuma outra

alternativa na cena política, dada a ainda elevada rejeição a Lula e ao Partido dos

Trabalhadores (Bianchi, 2010, p. 238).

Os industriais apoiaram pragmaticamente as políticas liberais no Brasil por

causa dos efeitos da crise econômica, considerados insuportáveis; da

carência de alternativas disponíveis; e dos investimentos que realizaram para

ajustar suas empresas ao novo cenário: a cada passo dado na direção do

ajuste, retroceder tornava-se mais difícil (Mancuso, 2007, p. 30).

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71Nesse sentido, o governo FHC correspondeu ao avanço, com relativa estabilidade política, da

pauta de neoliberal que havia sido iniciada – e atravessado sua primeira crise – no governo

Collor.

Collor, como sabemos, não chegou a implementar essa agenda, mas fez

privatizações importantes. Depois veio o Plano Real, em 1994, que

estabilizou monetariamente a economia. Fernando Henrique Cardoso elegeu-

se presidente e foi, de fato, quem implementou e concretizou a agenda

neoliberal no Brasil […] (Paulani, 2011).

As privatizações dos governos Collor e Itamar Franco se concentraram nos setores siderúrgico

e petroquímico. Já no governo FHC, atingiram bancos, ferrovias, operações portuárias,

companhias telefônicas e de energia elétrica (Folha de S. Paulo, 19 dez. 2002 apud Galvão,

2003, p. 106).

Recorrendo novamente à metáfora dos três círculos concêntricos, vimos que a

burguesia industrial, de maneira geral, apoiou a política de privatizações. Esse apoio esteve

concentrado, principalmente, no setor do grande capital, que viu nessa política a possibilidade

de controlar empresas relevantes e rentáveis. Contudo, não é possível entender a reação da

burguesia industrial aos efeitos da política neoliberal sem fazer referência ao círculo menor,

que corresponde à política de abertura comercial e liberalização financeira. A abertura

comercial, um dos princípios fundamentais do neoliberalismo e alvo preferencial de pressões

dos países desenvolvidos e agências multilaterais, teve efeito crucial para o processo de

reorganização e reestruturação pelo qual passou a burguesia industrial brasileira nos anos

1990. De saída, é preciso pontuar que a abertura não foi um processo homogêneo, tampouco

ocorreu de modo linear. Ao contrário, o processo que iniciou a década de maneira intensa,

sofreu idas e vindas, em virtude da reação dos setores atingidos. Como aponta Mancuso,

podemos dividir a abertura comercial no Brasil em três momentos principais (2007, pp. 29-

30).

O primeiro passo dessa política foi planejado ainda pelo governo Collor, para ser

aplicado em quatro etapas, entre 1991 e 1994. Mesmo com a crise política que culminou com

a renúncia de Collor e sua substituição por Itamar Franco, o plano foi concluído pelo novo

presidente um ano antes do previsto. A meta era reduzir a tarifa modal de importação pela

metade ainda no primeiro ano, e prosseguir com a redução de tarifas para torná-las mais

compatíveis com as de países em desenvolvimento. As duas primeiras etapas se concentraram

sobre os setores de bens de capital e bens intermediários, enquanto as etapas finais atingiram

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72majoritariamente os bens de consumo. Este foi o primeiro grande impacto do neoliberalismo

sobre o parque produtivo nacional, desenvolvido sob o regime de substituição de importações,

e procurou atacar a maioria dos regimes especiais de importação do governo Sarney

(Mancuso, 2007, pp. 31-32).

O segundo momento da política de abertura comercial ocorreu em 1994, ainda sob

o governo de Itamar Franco, e fez parte do conjunto de medidas que serviram de base ao

Plano Real. Para isso, o governo deflagrou uma nova série de reduções tarifárias para dezenas

de produtos industrializados a fim de evitar um aumento de preços domésticos que colocasse

em risco o programa de estabilização (Mancuso, 2007, pp. 32-33).

O terceiro momento ocorreu durante a segunda metade dos anos 1990, já sob o

governo de Fernando Henrique Cardoso. Ainda que as tarifas de importação tenham

continuado baixas em comparação ao que eram nos anos 80, essa etapa se caracterizou por

recuos em relação ao processo iniciado por Fernando Collor. Embora FHC se declarasse

favorável à abertura econômica, o aumento da competição no mercado interno, provocado

pela abertura comercial e potencializado pela valorização cambial19, fez com que segmentos

da indústria local, que atravessavam um processo brutal de reestruturação, se organizassem

através de suas associações de classe, para pressionar o governo por proteção. Dentre esses

segmentos, destacaram-se os fabricantes de equipamentos de transporte, aparelhos

eletrodomésticos, produtos eletrônicos de consumo e alguns ramos da indústria têxtil e de

vestuário (Mancuso, 2007, pp. 33-35).

Apesar do relativo recuo na metade final, o saldo da década de 90 foi um processo

relevante de abertura da economia brasileira. Embora tenha atingido os segmentos da

indústria de forma heterogênea, a redução da proteção foi a tendência geral, e os industriais se

viram diante de um cenário inóspito, elevando o nível de concorrência para patamares

inéditos. O aumento das importações ocorreu de maneira mais intensa nos ramos mais

escassos da indústria instalada no Brasil, como os de tecnologia e capital, e foi menos sentido

nos setores em que o país possuía vantagens comparativas, notadamente os de recursos

naturais e mão de obra relativamente barata. O resultado desse processo pôde ser visto no

aumento do coeficiente de importação para o setor industrial, no período que vai de 1990 a

1998: a depender da metodologia aplicada, essa taxa apresentou saltos de 155% a 227%

19 A política de sobrevalorização cambial durou até o início de 1999. Logo após a reeleição, o governo deFernando Henrique Cardoso adotou um regime de câmbio flutuante, que resultou em uma intensadesvalorização da moeda brasileira. Com a adoção do novo regime cambial, houve uma redução daimportação de produtos industrializados, acompanhada do aumento da taxa de exportação (Mancuso, 2007,p. 35).

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73(Mancuso, 2007, pp. 34-39). Em resumo, apesar das idas e vindas que caracterizaram o

processo, “(…) a ‘invasão de importados’ nos anos 1990 foi suficientemente significativa para

causar um grande impacto sobre a indústria do país, anteriormente acostumada com alto nível

de proteção (Mancuso, p. 35)”. O impacto da abertura variou por ramo industrial e por

empresa. Entretanto, em linhas gerais, a reestruturação da indústria brasileira vista durante os

anos 1990 resultou em quatro grandes processos: falência, fusão, alienação e ajuste (Mancuso,

2007, p. 39).

Em reação ao processo de abertura comercial e aumento da concorrência, a CNI

apresentou, em 1995, a agenda que se tornaria sua principal pauta econômica naquele

momento, a de redução do “Custo Brasil”. Abordaremos com mais detalhes essa questão no

próximo capítulo mas, de maneira sucinta, Custo Brasil é a expressão utilizada para “designar

os fatores que prejudicam a competitividade das empresas do país diante de empresas situadas

em outros países” (Mancuso, 2007, p. 27). Esses fatores, por sua vez, são: “excesso e má

qualidade da regulação da atividade econômica; legislação trabalhista inadequada; sistema

tributário que onera a produção; elevado custo de financiamento da atividade produtiva;

infraestrutura material insuficiente e infraestrutura social deficiente” (CNI, 1996; 1998a; apud

Mancuso, 2007, p. 28). Por definição, o Custo Brasil engloba fatores externos às empresas

que prejudicam sua competitividade, ou seja, que demandam da atuação do governo para

saná-los. Essa pauta foi motivada não apenas pelo anseio de competir em condições de

igualdade no mercado interno, mas também para buscar novos mercados (Mancuso, 2007, p.

45). Em acordo com a ideia de que a agenda neoliberal, e em especial a abertura econômica,

era inevitável, caberia ao governo tomar medidas para aumentar a competitividade da

indústria nacional frente ao aumento da concorrência externa, e na busca por novos mercados.

A despeito do apoio ao programa neoliberal, o choque causado pela abertura

comercial, como já mencionamos, provocou reações por parte da indústria. A CNI, depois de

apoiar a “modernização” induzida pela abertura econômica, passou a fazer ressalvas, que

evoluíram para críticas, em virtude dos efeitos provocados pelo ajuste sofrido pelo setor

industrial, agravados pelo tímido avanço da pauta de ampliação da competitividade, pelo

desequilíbrio fiscal e pelo aumento da concorrência (CNI, 1998, p. 7). Na prática, isso

significou um afastamento gradual dos industriais da coalizão neoliberal, que havia sido

apoiada pelos principais representantes do setor industrial, em especial CNI e FIESP, ainda

que pela falta de alternativa. O caráter complexo desse movimento é ressaltado pelo fato de

que a “modernização da indústria”, à qual fizemos referência há pouco, foi objetivamente

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74perseguida pelos industriais. Em outras palavras, as consequências econômicas provocadas

pela abertura comercial e pelas demais políticas neoliberais que afetaram negativamente a

indústria instalada no Brasil causou um impacto político relevante para a maior parte da

burguesia industrial. O início da década de 2000 marcou o movimento desse segmento da

burguesia brasileira.

Como vimos, o neoliberalismo adotado nos anos 1990 afetou de maneira distinta

os diferentes setores da sociedade brasileira, e destacamos, em especial, seus efeitos sobre a

burguesia industrial. Mais do que isso, a política neoliberal impactou nas relações entre

classes e frações de classes no Brasil, provocando um reordenamento político das forças

sociais. Em resumo, podemos identificar que a classe trabalhadora sofreu com o aumento do

desemprego, da informalidade e a queda dos salários reais, que afetaram sua própria ação

enquanto classe e a colocaram numa postura defensiva, depois de um ciclo de ascensão entre

1978-1989, marcado por greves, mobilizações e organização institucional, garantindo uma

série de conquistas no processo constituinte. Alguns segmentos mais organizados da classe

operária lograram minimizar esses efeitos, mas a postura ofensiva do movimento sindical e

popular vista na década de 1980 não se manteve na década seguinte (Boito Jr., 2002, pp. 34-

35). Em relação à burguesia, vimos que o neoliberalismo impactou de maneira diferente as

frações que a compõem, beneficiando o setor associado ao capital estrangeiro, em detrimento

dos segmentos que constituem a burguesia interna. A burguesia industrial foi afetada pelo

processo de reestruturação, e o setor financeiro pela tentativa de internacionalização do

sistema bancário (Boito Jr., 2018, p. 312). Na próxima seção, nosso objetivo é compreender

como os impactos do neoliberalismo sobre a fração que denominamos de burguesia interna –

e sobre seu segmento industrial, em particular – culminaram com a formação da frente

neodesenvolvimentista que deu sustentação aos governos do PT.

2.4 – O neodesenvolvimentismo como alternativa ao neoliberalismo

A reestruturação que atingiu a indústria, provocada principalmente pela abertura

comercial e pelo câmbio valorizado, gerou uma insatisfação nesse setor da burguesia que se

acumulou ao longo da década de 1990. Esse movimento, assim como o próprio processo de

implantação da agenda neoliberal, não foi linear, e esteve permeado por avanços e recuos,

criando um cenário político complexo. Isso se deu porque, ainda que de maneira hesitante, a

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75burguesia industrial fez parte da coalizão política que apoiou o neoliberalismo como modelo

econômico em substituição ao nacional-desenvolvimentismo. Essa agenda foi defendida pela

CNI ao longo da primeira metade da década de 90. Ao mesmo tempo, esse apoio esteve

atravessado por contradições, na medida em que, como vimos, alguns pontos da agenda

neoliberal, notadamente a abertura comercial e a liberalização financeira, entram em choque

com interesses da burguesia industrial. Foram esses conflitos que enfraqueceram a ampla

coalizão que sustentou o programa neoliberal no início dos anos 1990, e aproximaram um

novo conjunto de forças sociais e políticas que formou a frente neodesenvolvimentista.

Para tanto cabe, em primeiro lugar, explicitar com maiores detalhes o conceito

que estamos utilizando para descrever esse fenômeno político. Utilizamos a ideia de frente

neodesenvolvimentista, como formulada por Boito Jr. (2012), para fazer referência a uma

frente política20, ampla e heterogênea, liderada pela grande burguesia interna, e que deu

sustentação aos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores na presidência da

República entre 2003 e 2016. Essa frente foi formada por forças sociais distintas, que

guardam contradições entre si, mas que se uniram em oposição aos efeitos do neoliberalismo

que vigorou durante a década de 1990 no Brasil. Dessa forma, é importante ressaltar, não

possuía objetivos estratégicos bem definidos, mas os efeitos provocados pela política

neoliberal permitiram sua aproximação e a formação de uma frente política. Com efeito, ainda

segundo Boito Jr., neodesenvolvimentismo “é o projeto econômico que expressa essa relação

de representação política entre os governos Lula e a grande burguesia interna” (2012, p. 68).

Ao denominá-lo como neodesenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que faz um

paralelo com o velho desenvolvimentismo que vigorou entre as décadas de 1930 e 1980, em

suas diferentes variações, o autor também faz ressalvas que distanciam os dois modelos.

Antes de apontar as diferenças indicadas por Boito Jr., vejamos como pode ser definido o

conceito de desenvolvimentismo:

Entendemos por desenvolvimentismo […] a ideologia de transformação da

sociedade brasileira definida pelo projeto econômico que se compõe dos

seguintes pontos fundamentais:

20 De acordo com Boito Jr. (2012, pp. 71-72), uma frente de classes e frações de classe, como a frenteneodesenvolvimentista, possui um caráter mais informal do que uma aliança. As forças envolvidas em umafrente política possuem objetivos convergentes, mas que nem sempre estão claros. Ao contrário, uma aliançapossui um programa mínimo comum, ainda que as classes e frações que a compõem se organizem de formaindependente e possuam programas políticos próprios. Essa distinção é importante, já que mostra que nemsempre os interesses da frente estão bem definidos, bem como os compromissos que a sustentam, e ressaltaseu caráter heterogêneo.

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76a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do

subdesenvolvimento brasileiro;

b) não há meios para alcançar uma industrialização eficiente e racional

no Brasil através das forças espontâneas do mercado; por isso, é necessário

que o Estado a planeje;

c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores

econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e

d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e

orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos

naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente (Bielschowsky,

1995. p. 7 apud Singer, 2016, p. 25)21.

A partir dessa definição inicial, podemos comparar com os três fatores que o

diferenciam do neodesenvolvimentismo, segundo a análise de Boito Jr.:

1) o neodesenvolvimentismo apresenta índices mais modestos de crescimento

econômico, por ser limitado pela financeirização típica do neoliberalismo;

2) aceita a especialização regressiva, se concentrando em setores de

processamento de recursos agrícolas, pecuários e minerais, e nos segmentos de

baixa densidade tecnológica, portanto sem tensionar a divisão internacional do

trabalho;

3) em comparação ao seu antecessor, está muito mais voltado ao mercado

externo, isto é, para a exportação. Esse processo foi induzido principalmente pela

abertura de mercados em nível global durante a década de 1990 (2012, pp. 69-70).

Considerando essa caracterização geral, tanto para definição do conceito de

desenvolvimentismo, como para as principais diferenças em relação ao

neodesenvolvimentismo, o que nos permite identificar o segundo como um processo

desenvolvimentista? Antes de discutirmos essa questão, cabe uma ressalva sobre as condições

históricas em que cada um desses modelos vigorou. No período desenvolvimentista, a política

adotada pelos países imperialistas permitia que os países dependentes, caso do Brasil,

tivessem uma política de industrialização relativamente autônoma (Galvão, 2008, p. 151).

21 Singer utiliza essa definição para elaborar sua tese de “ensaio desenvolvimentista” que teria ocorrido nogoverno Dilma Rousseff, no período de 2011-2013. Entendemos que essa denominação dá a ideia de quenão havia uma política de desenvolvimento no período anterior (2003-2010), o que implicaria abandonar otermo neodesenvolvimentismo para classificar o governo Lula, ponto do qual discordamos. De nossa parte,acreditamos que o que houve a partir de 2011 foi um aprofundamento da política de caráterdesenvolvimentista, voltada ao investimento produtivo, que implicou se contrapor a interesses de setoresrentistas. Desenvolveremos esse debate no capítulo 3.

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77Com a crise desse modelo e a ascensão do neoliberalismo em escala global, houve uma

mudança na conjuntura de tal sorte que não as condições históricas não se repetissem, o que

inviabilizaria uma “reedição” do velho desenvolvimentismo. Feita essa ressalva, entendemos

que o principal aspecto que permite identificar o viés desenvolvimentista no programa

político aplicado pelos governos do PT é a recuperação do papel do Estado como indutor da

atividade econômica em busca do crescimento. Contudo, cabe qualificar melhor esse papel:

durante o período neodesenvolvimentista, o Estado brasileiro não recuperou algumas das

características do velho desenvolvimentismo mas, ao mesmo tempo, apresentou diferenças

importantes em relação ao período neoliberal. Com a chegada ao poder do Partido dos

Trabalhadores, houve uma mudança na condução da política que, embora conservasse

características herdadas do governo anterior, promoveu essa reorientação do papel do Estado.

O governo Lula não reverteu as privatizações realizadas na década anterior, mas

praticamente as congelou e recuperou as empresas que permaneceram sob controle público;

os bancos públicos recuperaram a capacidade de investimento, com destaque para o BNDES,

que passou por uma reestruturação significativa para recuperar a capacidade de incentivo à

atividade produtiva22; o próprio Estado recuperou a capacidade de investimento; o mercado de

obras públicas, praticamente inexistente no período FHC, foi retomado; as compras

governamentais foram direcionadas para produtores locais; e a diplomacia foi reorientada para

um eixo sul-sul, a fim de abrir novos mercados para produtos brasileiros na América do Sul,

África e Ásia.

O resultado dessas políticas pode ser dimensionado pelas taxas de crescimento do

período: enquanto o governo FHC teve uma taxa de crescimento médio de 2,4% ao ano, no

governo Lula esse índice chegou a 4% (Gráfico 1). É certo que esse dado não é absoluto, uma

vez que fatores externos são bastante relevantes em economias dependentes. O governo FHC

atravessou algumas crises internacionais, como as do México, da Ásia e da Rússia, ao passo

em que foi beneficiado pela estabilização da economia, iniciada ainda em 1994 com o Plano

Real. Já o governo Lula viveu o chamado “boom das commodities”, ocasionado pelo aumento

da demanda de muitos dos produtos primários que o Brasil exportava, ao passo que também

enfrentou crises, como a do sistema financeiro americano em 2008. De modo que, se o

22 O caso do BNDES é significativo, já que durante o governo FHC suas funções foram limitadas quaseexclusivamente a financiar os processos de privatização. Durante o governo Lula, o banco passou a cumprirum papel fundamental para financiar a produção e a formação de grandes grupos nacionais (Boito Jr., 2012,p. 81).

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78crescimento durante o governo Lula está aquém das taxas vistas no período

desenvolvimentista, apresentou uma melhora significativa em relação ao período neoliberal.

No plano político, e voltando para as relações de classe, esse processo se

manifestou pela ascensão da grande burguesia interna iniciada no governo Lula, e em especial

o seu setor produtivo – setores da indústria, agronegócio e construção civil. Esses setores

foram identificados pelo Estado como prioritários, e receberam uma série de incentivos para

“puxarem” o crescimento da economia brasileira a partir de 2003. Ainda assim, esse processo

guardou diferenças fundamentais com o nacional desenvolvimentismo, como apontamos nos

três aspectos mencionados anteriormente. Portanto, em relação ao neoliberalismo, “o

neodesenvolvimento promoveu uma mudança no modelo, e não uma mudança de modelo”.

Em outras palavras, “o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo possível dentro do

modelo neoliberal” (Boito Jr., 2012, p. 69). Ao mesmo tempo, ainda que observados seus

limites, essa mudança no papel do Estado brasileiro, aprofundada nos dois primeiros anos do

governo Dilma, impactou profundamente a conjuntura política, como pretendemos discutir no

capítulo seguinte.

199019911992199319941995199619971998199920002001200220032004200520062007200820092010201120122013201420152016

-6

-4

-2

0

2

4

6

8

10

-4,3

1

-0,5

4,95,9

4,2

2,23,4

0,3 0,5

4,4

1,4

3,1

1,1

5,8

3,24

6,15,1

-0,1

7,5

4

1,93

0,5

-3,8-3,6

Gráfico 1 - Variação anual do PIB brasileiro - 1990 - 2016 (%)

Gráfico 1: Fonte: FGV: Centro de contas nacionais / IBGE: Diretoria de pesquisas.Coordenação de contas nacionais. Elaboração própria.

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79No arranjo político que sustentou a frente neodesenvolvimentista, seria um erro

atribuir papéis semelhantes ou equivalentes a forças sociais tão heterogêneas. Cabe explicitar,

portanto, com maiores detalhes, qual foi o papel desempenhado por cada uma dessas forças. O

fato de a burguesia interna ter melhorado sua posição no bloco no poder em relação às demais

frações burguesas não implica dizer que essa fração teve todos os seus interesses atendidos

pelos governos neodesenvolvimentistas, que seu programa político foi implantado

integralmente, tampouco que todos os segmentos que a compõem foram beneficiados

igualmente. Com efeito, observamos, ao longo do período em que a frente

neodesenvolvimentista esteve no poder, variações na política de governo. No período de 2003

a 2005, o governo Lula adotou uma agenda que pouco se diferenciava dos governos de

Fernando Henrique Cardoso no plano macroeconômico, mantendo suas principais medidas

restritivas. Na condução do Ministério da Fazenda, Antonio Palocci deu continuidade à

política de superávits primários, inclusive apresentando maior contração fiscal em relação ao

período anterior, e o Banco Central elevou a taxa de juros para conter a inflação e a

depreciação cambial (Barbosa, 2013, p. 70). Em 2006, ainda sem ter superado integralmente a

crise política, Palocci foi substituído por Guido Mantega, um economista mais próximo a

políticas desenvolvimentistas, no comando da economia. Nossa intenção, contudo, não é

atribuir à ação individual de Mantega as mudanças na política econômica, mas enquadrar esse

processo dentro de uma reorientação mais ampla do governo Lula, que contou com o apoio da

burguesia interna, e teve em seu aspecto mais visível a mudança no comando ministerial.

Voltaremos a esse assunto adiante.

Em um segundo momento, vejamos qual foi o papel das classes trabalhadoras que

compuseram a frente neodesenvolvimentista. Embora tenhamos apontado a grande burguesia

interna como fração dirigente, ela não foi sua força principal. Como aponta Boito Jr. (2012, p.

72), a formação da frente foi possível graças à ação do movimento operário e popular, e em

particular do movimento sindical, que desde os anos 1980, com o surgimento do novo

sindicalismo, esteve muito próximo ao Partido dos Trabalhadores. Mesmo entrando em um

período de refluxo na década seguinte, a mobilização do movimento operário e popular contra

o neoliberalismo se tornou um polo de atração contra os efeitos dessa política. Por força

principal, o autor, novamente utilizando uma definição elaborada por Poulantzas, se refere a

uma força que não dirige o movimento, mas cuja ação é a principal responsável pelo sucesso

da luta.

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80Uma outra fração importante da classe trabalhadora que esteve presente na

composição da frente neodesenvolvimentista corresponde aos trabalhadores da massa

marginal. Essa fração da classe trabalhadora corresponde a um número muito grande de

pessoas em países periféricos, e em especial no Brasil. São trabalhadores superexplorados, em

geral politicamente desorganizados, que possuem uma inserção marginal no nível de relações

produtivas, frequentemente lidando com o desemprego e a informalidade (Boito Jr., 2018, p.

111-113). A participação dessa camada de trabalhadores, que no Brasil se concentram

especialmente na região Nordeste e nas periferias das grandes cidades, ao governo Lula foi

identificada por Singer (2012, pp. 14-15) com mais intensidade a partir da eleição de 200623.

A partir dessa eleição, a parcela majoritária desses trabalhadores votou em Lula – situação

que se repetiu com Dilma Rousseff – e se constituiu em uma importante base de sustentação

dos governos petistas. Cabe destacar que esse apoio se deu quase exclusivamente por vias

eleitorais, já que os governos do PT não procuraram organizar politicamente esse segmento,

mantendo com ele uma relação de tipo populista24. Desse modo, se constituiu como uma

“maioria silenciosa”, chamada a apoiar eleitoralmente os governos da frente

neodesenvolvimentista a cada quatro anos. Esse segmento foi beneficiado principalmente por

programas sociais como Bolsa Família, Auxílio de Prestação Continuada, Minha Casa Minha

Vida, entre outros, mas também pelo aumento do salário mínimo e pela expansão do crédito.

A questão a respeito do papel ocupado por esse segmento da classe trabalhadora

marca uma diferença importante entre as análises de Boito Jr. (2012) e Singer (2012).

Enquanto o primeiro ressalta o caráter populista da relação entre esses trabalhadores e os

governos neodesenvolvimentistas, o segundo enfatiza os benefícios auferidos pelo

subproletariado pelos governos petistas – processo denominado pelo autor como Lulismo.

Para Singer, os governos do PT se constituíram em um arranjo bonapartista, ou seja, no qual o

governo pairava com relativa autonomia acima das classes sociais, arbitrando os conflitos e

concedendo ganhos ao subproletariado. Por sua vez, Boito Jr., como já apontamos, entende

que a política dos governos Lula e Dilma representou majoritariamente os interesses da

grande burguesia interna. Como essa fração de classe não possuía força para, sozinha, impor

seus interesses aos demais segmentos da burguesia e ao conjunto da sociedade, integrou a

23 Singer denomina essa camada de trabalhadores como “subproletariado”. 24 Boito Jr. define o conceito de populismo de um modo diferente das análises de cunho liberal, que apontam

para um líder carismático que estabelece uma relação direta com as massas, sem a intermediação deinstituições políticas, para manipulá-las. O conceito mobilizado por Boito Jr. se refere a um tipo de relaçãoque oferece ganhos reais às classes trabalhadoras, ainda que reduzidos, mas as mantém política eideologicamente desorganizadas e dependentes do Estado (2018, pp. 122-127).

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81coalizão que o autor denomina de frente neodesenvolvimentista para ter seus interesses

atendidos. Como o êxito da burguesia interna dependia de sua adesão a uma frente ampla, que

englobasse segmentos das classes trabalhadoras, em especial o movimento sindical e popular

e o subproletariado, se viu obrigada a realizar concessões a esses grupos. Essas concessões se

deram principalmente através da política social dos governos petistas, que almejou a criação

de um mercado de consumo de massas. O êxito dos governos Lula e Dilma, no período que

antecedeu a crise de 2014, se sustentou, portanto, no equilíbrio instável entre esse conjunto de

forças contraditórias, dirigido pela grande burguesia interna.

Essa aproximação, como pontuou Boito Jr. (2012, p. 72), foi resultado da

convergência entre a ação do movimento sindical e popular, e de uma fração da burguesia

contra os efeitos do neoliberalismo nos anos 1990. Essa ação acabou por aproximar os

trabalhadores desse setor da burguesia – a burguesia interna – que também se viu prejudicado

por aspectos do programa neoliberal. Cabe destacar, nesse movimento por parte da classe

dominante, um papel central do seu segmento industrial, principalmente através de suas mais

relevantes entidades de classe, CNI e FIESP que, a partir de um certo momento, protestaram

contra aspectos da política neoliberal. Como procuramos apontar na sessão anterior, esse

protagonismo se deveu ao fato de a indústria ter sido um dos segmentos da burguesia mais

afetados pelo neoliberalismo.

Recorrendo novamente à metáfora dos três círculos concêntricos que caracterizam

a economia política do neoliberalismo, vimos que o programa adotado pelos governos

brasileiros dos anos 1990, em maior ou menor medida, teve como resultado a

desnacionalização, desindustrialização e especialização regressiva da economia brasileira.

Esse processo resultou, na prática, em uma reorganização do setor industrial, que se deu

através de fusões e aquisições, aumentando a participação do capital estrangeiro e reduzindo a

participação do Estado na economia brasileira (Bianchi, 2010, pp. 247-248). Embora tenham

apoiado em grande medida o projeto neoliberal, principalmente no que se refere às reformas

orientadas para o mercado, como as reformas da previdência e trabalhista, as entidades de

classe da burguesia industrial foram adotando uma postura crítica a outras medidas, em

especial a abertura comercial, que culminaram, num processo marcado por movimentos

hesitantes, em uma rejeição ao programa que identificamos como neoliberalismo ortodoxo.

Essas críticas não se restringiram a declarações à imprensa e por meio de

publicações das entidades patronais. O primeiro episódio que marcou esse movimento se deu

em maio de 1996, numa manifestação promovida por industriais, liderada pela CNI e FIESP,

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82que levou cerca de três mil empresários a Brasília. O protesto incluía críticas ao

“sucateamento da indústria”, à velocidade da abertura comercial, e pedia a desvalorização do

câmbio e a diminuição dos juros (Boito Jr. 1999, p. 62). Esse movimento, embora restrito a

entidades patronais, promoveu uma aproximação com organizações de trabalhadores, em

especial do movimento sindical, que também protestavam contra a política neoliberal e se

encontravam relativamente enfraquecidas desde o início da década pelo aumento do

desemprego. No campo da cena política, a aproximação entre a burguesia interna e o Partido

dos Trabalhadores foi um processo relativamente longo, que se completou apenas com a

chegada de Lula à presidência da República. Desde 1989, quando Mario Amato declarou que,

em caso de vitória do petista, 800 mil empresários deixariam o Brasil25, mais de uma década

foi necessária até a formação de uma frente política que incorporasse setores da burguesia e

da classe trabalhadora. Vejamos esses movimentos com mais detalhes.

Em 1989, o conjunto da burguesia apoiou em massa a candidatura de Collor

contra Lula. Se não nutria convicções fortes acerca do candidato alagoano, o que foi

demonstrado pelo apoio, também massivo, ao seu processo de impeachment, era o único meio

de evitar a vitória do candidato petista, que trazia consigo os movimentos sindical e popular

(Boito Jr., 2012, p. 76). Passados quase cinco anos, na eleição de 1994, os industriais

enxergavam na candidatura de Fernando Henrique Cardoso, então com as credenciais de

principal comandante do Plano Real, a única viável para a burguesia. Em visita à FIESP

durante a eleição, o novamente candidato Lula moderou o discurso e atacou a redução das

tarifas de importação, alvo de críticas também dos industriais. Contudo, segundo declarações

à imprensa depois da visita, o próprio Lula não nutria esperanças de conquistar apoio entre o

alto empresariado. Na realidade, embora já apresentasse mudanças no discurso de campanha

em relação à eleição anterior, o que afastava a burguesia industrial do candidato do PT eram

os movimentos sociais identificados com o partido. Aceitando a abertura comercial como

inevitável, e sem força política para apresentar um novo projeto que fosse além da esfera

econômico-corporativa, a burguesia passou a apoiar o governo FHC, procurando combater

alguns dos efeitos do programa neoliberal (Bianchi, 2010, pp. 240-241).

A partir de 1995, e em especial após a eleição de José Dirceu como presidente do

PT, o partido passou a moderar ainda mais o discurso e a discutir uma nova estratégia, o que

25 Em uma frase que gerou grande repercussão à época, Mario Amato, então presidente da FIESP, declarouque, se Lula ganhasse as eleições, mais de 800 mil empresários deixariam o país (Em 89…, 2000). Era umareferência à fuga de empresários ocorrida em Portugal em razão da Revolução dos Cravos, na década de1970.

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83implicou em, gradualmente, transformar o programa democrático popular, elaborado na

década de 1980 e ainda muito vinculado aos movimentos populares, em um novo programa

que propusesse reformas sociais mais brandas e previsse a cooperação com o capital. Em

2002, com o governo de Fernando Henrique Cardoso cultivando grande impopularidade, a

quarta tentativa de levar Lula à presidência se manteve alinhada à nova estratégia e, como

gesto de aproximação, lançou como candidato a vice-presidente o industrial José Alencar, um

importante empresário do setor têxtil e então senador por Minas Gerais, que havia presidido a

Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) de 1989 a 1995. Mais do que um quadro

desenvolvimentista, como diversos economistas próximos ao PT, o partido optou por buscar

um representante orgânico da burguesia industrial. Alencar, então senador pelo PMDB, se

transferiu para o PL para se candidatar a vice-presidente, enquanto seu antigo partido apoiou

José Serra, do PSDB. Um movimento parecido ocorreu com o recém-eleito presidente da

CNI, Armando Monteiro Neto. Mesmo tendo declarado seu voto em Serra, Monteiro, que

havia sido eleito deputado federal pelo PMDB de Pernambuco, disse que não via riscos na

candidatura Lula. O industrial declarou às vésperas do segundo turno que acreditava que o PT

havia “amadurecido” e estava pronto para governar o país (Presidente…, 2002).

Posteriormente, o pernambucano se transferiu para o PTB, e passou a fazer parte da base do

governo, recebendo apoio do PT para se candidatar ao senado e ao governo de seu estado. Já

no período de crise do neodesenvolvimentismo, ocupou o Ministério do Desenvolvimento, da

Indústria e do Comércio Exterior, e foi um dos últimos polos de interlocução entre o governo

Dilma e os empresários do setor industrial.

Apesar da aproximação, contudo, a burguesia interna – nem ao menos o conjunto

de sua camada industrial – não se uniu em torno da candidatura do PT, e o que se viu foi uma

divisão no interior dessa fração de classe durante a eleição. Alguns setores ainda

permaneceram receosos sobre o que significaria uma vitória de Lula, e preferiram apoiar

outras candidaturas, como a do ex-ministro Ciro Gomes e a do ex-presidente Itamar Franco.

Contudo, a densidade eleitoral do PSDB – e mesmo os importantes vínculos que o partido

nutria com a grande burguesia, a despeito de críticas a aspectos de sua política – fez com que

alguns industriais trabalhassem para que o candidato do partido fosse um nome ligado a uma

perspectiva liberal-desenvolvimentista, como José Serra e Tasso Jereissati (Bianchi, 2010, pp.

256-258).

Para isso, desde 2001 setores do empresariado se articularam para evitar a

candidatura do então ministro da Fazenda, Pedro Malan, considerado um neoliberal “linha

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84dura”. A esse respeito, o presidente da CNI à época, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, chegou

a declarar que “não gostaria sequer de imaginar esse governo” (Jornal do Brasil, 10 ago.,

2001, p. 14 apud Bianchi, 2010, p. 256). Entre disputas internas e pressões externas, o

candidato do PSDB foi o ex-ministro José Serra, mais próximo aos industriais de São Paulo.

Portanto, o que se viu no cenário eleitoral de 2002 foi uma divisão da burguesia interna e a

tentativa de abrir flancos no campo neoliberal, sem que houvesse uma candidatura que a

unificasse a exemplo do que ocorrera em pleitos anteriores. Em meio a esse processo, destaca-

se que o grau de “conflitividade” entre a burguesia industrial e Lula era bem inferior ao de

eleições anteriores (Bianchi, 2010, p. 258).

Nesse cenário, apesar dos acenos de moderação, a provável eleição do ex-

metalúrgico à presidência, que foi confirmada em outubro de 2002, provocou uma pequena

turbulência na economia brasileira causada por um ataque especulativo. No final daquele ano,

a inflação atingiu 12,5%, muito em virtude da depreciação da moeda brasileira, e a dívida

líquida do setor público atingiu 60% do PIB (Barbosa, 2013, p. 69). Diante desse cenário, a

opção do novo governo foi manter, com um grau ainda maior de rigidez, as principais

diretrizes de política econômica do governo anterior. Lula indicou Antonio Palocci como

ministro da Fazenda, um dos quadros petistas mais próximos do setor financeiro. O ex-

deputado montou uma equipe de perfil reconhecidamente liberal, composta por nomes como o

dos economistas Marcos Lisboa e Joaquim Levy, todos com formação em centros liberais e

próximos ao mercado financeiro. Para o Banco Central, Lula nomeou o deputado eleito pelo

PSDB de Goiás e ex-presidente do Bank Boston, Henrique Meirelles.

A tentativa de conter a desconfiança do capital financeiro e estrangeiro acabou por

gerar uma antipatia inicial junto ao setor produtivo, manifestada inclusive pelo vice-

presidente. As reclamações mais comuns eram a respeito das taxas de juros, mantidas em

patamares elevados. Ao mesmo tempo, o governo procurou minimizar os conflitos com a

indicação de nomes como o de Carlos Lessa, para o BNDES, e o de Guido Mantega, para o

Ministério do Planejamento, ambos economistas de orientação desenvolvimentista. Durante

os primeiros anos de governo, esses órgãos se constituíram como os principais interlocutores

do setor produtivo, além, evidentemente, do vice-presidente, se constituindo, ao lado da

Petrobras, no que Boito Jr. denominou “centros de poder” do capital produtivo dentro do

governo (2018, pp. 236-241). De acordo com o autor, o governo Lula delegou o comando de

importantes instituições estatais a diferentes frações da burguesia. No caso da burguesia

interna, as principais instituições que estiveram sob seu controle foram o BNDES e a

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85Petrobras. O principal objetivo desta medida era minimizar, ou contrabalancear, os efeitos

negativos que ainda eram sentidos pela burguesia interna em virtude da não ruptura com o

modelo capitalista neoliberal. Em oposição, o Banco Central, por exemplo, permaneceu sob

influência do capital financeiro.

Esse processo pôde ser observado ao longo de todo o governo Lula, contudo,

algumas mudanças devem ser destacadas. Como mencionamos, a política econômica do

período 2003-2005 se manteve muito próxima da executada por FHC. Os superávits primários

foram elevados, a política de juros altos permaneceu, assim como o regime de metas de

inflação, preservando o modelo do tripé-macroeconômico herdado do governo anterior26.

Além disso, logo no primeiro ano de mandato, o governo Lula aprovou uma reforma da

previdência que atingiu o setor público. Essa política fez com que alguns analistas, logo após

o início do governo, o caracterizassem como simples continuidade do governo FHC27.

De fato, embora existissem diferenças, como a ampliação de programas sociais e a

política de valorização do salário mínimo, os primeiros três anos do governo Lula seguiram

caminhos muito parecidos com os de seu antecessor. O principal ponto de inflexão, que

permite caracterizar o governo Lula como neodesenvolvimentista, ocorreu em 2006, com a

substituição de Palocci por Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Na realidade, a

substituição de Palocci por Mantega, que desde a saída de Carlos Lessa ocupava a presidência

do BNDES, correspondeu a uma reorientação do próprio governo, para uma posição que

buscasse mais claramente o crescimento econômico induzido pelo Estado.

Essa reorientação aconteceu após a chamada crise do “mensalão”, iniciada em

agosto de 2005, em que o governo foi acusado de comprar votos de parlamentares no

Congresso28. O presidente Lula, atacado pelos principais meios de comunicação e pelos

partidos de oposição, recorreu a seu ainda amplo apoio junto aos setores populares e

conseguiu se sustentar o governo. Alguns meses depois, uma nova denúncia de corrupção,

dessa vez envolvendo Palocci, atingiu o governo. O presidente demitiu o ministro e nomeou

Mantega para o Ministério da Fazenda. Nesse mesmo contexto, mas alguns meses antes, a

chefia da Casa Civil também fora substituída, com José Dirceu dando lugar a Dilma Rousseff,

26 O tripé-macroeconômico foi um modelo de política econômica adotado pelo governo FHC em 1999, depoisda primeira crise cambial pós-Plano Real. É baseado em três pilares fundamentais, quais sejam:estabelecimento de metas de inflação mantidas com altas taxas de juros, câmbio flutuante com tendência àvalorização e superávits primários elevados para rolagem da dívida pública (Boito Jr., 2018, p. 237).Entendemos que essa política consolidou a posição neoliberal do governo.

27 Ver, por exemplo, Boito Jr. (2003) e Oliveira (2003). 28 Para uma análise da crise política de 2005 que considera as disputas entre classes e frações de classes, ver

Martuscelli (2015).

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86então ministra de Minas e Energia. Como se sabe, a nova ministra, também próxima de

posições desenvolvimentistas, se alçaria à presidência da República em 2010 com apoio de

Lula. Durante o período de crise política, foram várias as manifestações do setor produtivo em

apoio ao governo, ou procurando desmobilizar o campo oposicionista. Durante a crise de

2005-2006, a burguesia interna se opôs publicamente, através de documentos e declarações à

imprensa, à investida comandada, no âmbito da cena política, pelo PSDB e seus aliados

(Boito Jr., 2018, p. 315). Nesse sentido, conforme apontado na imprensa à época, o presidente

Lula se aproximou do setor industrial e deu diversas declarações afirmando que a política

econômica continuaria sem alterações, independentemente de quem ocupasse os ministérios.

Em reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), o presidente da

CNI, Armando Monteiro Neto, declarou que

Claro que as pessoas são importantes e caras ao presidente, mas a política

econômica é uma opção do governo, não de pessoas ou de ministros. É um

compromisso que se sobrepõe às pessoas. O presidente é o principal fiador

dessa política (Sofia, 2005).

Declarações como essa devem ser entendidas a partir do contexto em que foram proferidas.

Naquele momento, havia críticas de industriais à política econômica considerada

excessivamente restritiva. Contudo, era também um momento de abertura do governo para

demandas da burguesia industrial. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial fora

criado no final de 2004, como órgão consultivo para formulação da política de

desenvolvimento industrial (Diniz e Boschi, 2007, p. 72). O Conselho contava com a

participação de membros do governo, empresários – inclusive o presidente da CNI – e

trabalhadores. Em outras palavras, o governo Lula abriu um espaço para interlocução com o

setor industrial que não existia no período neoliberal. Essa política de proximidade e,

evidentemente, as medidas adotadas pelo governo em negociação com o setor, se reverteram

no apoio durante a crise política de 2005. Com efeito, o que se viu depois desse episódio foi

que, a partir dos desdobramentos causados pela crise política de 2005, a frente

neodesenvolvimentista se consolidou efetivamente (Martuscelli, 2017, p. 4)29.

As mudanças na composição do governo e o apoio por parte de lideranças

importantes da indústria refletiram uma maior proximidade com as posições defendidas pela

29 Embora também aponte uma aproximação entre a grade burguesia interna e setores da classe trabalhadoradurante o governo Lula, que se consolida no episódio do “mensalão”, Martuscelli (2017) identificadiferenças entre a “ideologia neodesenvolvimentista”, que influenciou os governos petistas, e sua práticapolítica concreta, mais próxima do social-liberalismo.

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87burguesia interna, em detrimento, muitas vezes, de interesses da burguesia associada e do

capital internacional. Nesse sentido, Boito Jr. aponta que o governo Lula

Começou cauteloso, com um primeiro governo marcado pela tática

defensiva, cujo principal objetivo era não hostilizar o capital financeiro

internacional, e passou, no segundo governo, para uma tática ofensiva na

implantação da política neodesenvolvimentista da grande burguesia interna

(Boito Jr., 2012, p. 80).

Vejamos com mais detalhes algumas das políticas adotadas pelo governo Lula que permitem

sustentar essa posição.

A atuação do BNDES é um importante exemplo nesse sentido, sendo amplamente

reorientada em relação ao governo anterior. Durante os anos 1990, o banco teve sua ação

voltada quase integralmente ao financiamento de privatizações. Já nos governos petistas, e em

especial sob o comando de Luciano Coutinho, a instituição passou a apoiar centenas de

empresas do setor produtivo, através de empréstimos a juros subsidiados ou participação

acionária, por meio da BNDESPar. Dentre as medidas tomadas pelo banco que beneficiaram a

grande burguesia interna, destaca-se a política que ficou conhecida como “campeões

nacionais”: a tentativa de construir grandes grupos brasileiros que ocupassem posição de

liderança no mercado internacional dentro de seus ramos de atividade (Boito Jr., 2018, pp.

237-238). Além da política de financiamento e de participação para formação de capital, a

política de campeões nacionais foi impulsionada pelos acordos diplomáticos, que abriram

mercados, para que grandes empresas brasileiras, com apoio do BNDES, realizassem obras de

infraestrutura em outros países, notadamente na América do Sul, para a construção de

hidrelétricas, estradas, linhas férras, etc. (Boito Jr., 2018, p. 238).

Uma evidência de como se desenvolveu o conflito entre frações da burguesia

durante esse período é que a atuação do BNDES e, em especial, a política de campeões

nacionais e o financiamento de grandes obras no exterior, foi alvo preferencial da oposição

partidária e da burguesia associada (Boito Jr., 2018, p. 238). Além da elevação do gasto

público, que comprometeu a política de superávit primário, apontada pelo autor como uma

das razões para a mobilização da oposição, acrescentaríamos a entrada de grupos brasileiros

em mercados antes dominados por empresas de países imperialistas, principalmente dos

Estados Unidos e de países europeus, como aspecto fundamental para entender essa oposição.

Podemos acrescentar ao conjunto de medidas adotadas pelo governo Lula a

política de compras governamentais favorecendo o conteúdo nacional e a retomada do

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88investimento por meio de grandes obras públicas, como a construção de usinas hidrelétricas,

rodovias, ferrovias e a transposição do Rio São Francisco. Grande parte dessas obras fazia

parte do Programa de Aceleração do Crescimento, conhecido como PAC, que teve início em

2007. O PAC consistiu em uma série de investimentos em infraestrutura, com intuito de

eliminar os gargalos logísticos do país, através de uma estratégia que apoiava a formação de

capital no setor privado e, simultaneamente, aumentava o investimento público (Barbosa,

2013, p. 75-78). É importante ressaltar que, ainda que as principais beneficiadas pelo PAC

tenham sido as grandes construtoras nacionais que executaram as obras, a questão dos

problemas logísticos fazia parte das reivindicações da indústria, apontados como responsáveis

por elevar o Custo Brasil. O setor agropecuário, por sua vez, também se incorporou a essa

reivindicação, protestando acerca dos custos de transporte dos produtos voltados para a

exportação. Dessa forma, a recuperação e integração do investimento coordenada pelo Estado

foi apoiada por grande parte da burguesia interna. Associado a esse primeiro aspecto, o PAC

também previu o aumento de investimentos na Petrobras e no setor de energia, principalmente

visando a exploração do pré-sal (Barbosa, 2013, p. 75).

No campo da política externa, as principais medidas e posições adotadas pelo

governo Lula também tiveram como objetivo fortalecer a grande burguesia interna (Boito Jr. e

Berringer, 2013, pp. 34-35). Os autores apontam que essa fração de classe se uniu em torno de

três eixos principais com relação à sua projeção internacional: a conquista de novos mercados

para exportação de seus produtos e investimentos no exterior; a prioridade para seus produtos

nas compras do Estado e de empresas públicas; e uma maior proteção do Estado para o

mercado interno. Para a efetivação desse projeto, o governo adotou uma política externa

baseada nos seguintes fundamentos: ênfase nas relações Sul-Sul; prioridade dada à América

do Sul; a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC); e o arquivamento da

proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Acrescentaríamos a esse

conjunto de políticas a constituição dos BRICS, grupo composto por Brasil, Rússia, Índia,

China e África do Sul, que busca a cooperação dos países-membros em diversos níveis, e nos

últimos anos se posicionou como polo alternativo aos principais organismos multilaterais30.

A aproximação com o PT foi possível – e necessária, do ponto de vista da

burguesia industrial, e do conjunto da burguesia interna – porque essa fração da classe não

30 O chanceler brasileiro durante os governos Lula, Celso Amorim, classificou em diversas entrevistas ediscursos públicos a diplomacia brasileira do período como “ativa e altiva”. Segundo as declarações deAmorim, essa política se caracterizaria por uma ação mais “pragmática” do governo, e uma inserçãointernacional mais independente dos países centrais, especialmente dos Estados Unidos.

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89organizou seu próprio partido para intervir na cena política31. Desse modo, foi preciso se

aproximar do PT para que seus interesses de fração de classe pudessem ser representados.

Ainda que houvesse essa aproximação, as diferenças e conflitos entre o PT, um partido

fundado e, em grande medida, dirigido por quadros de origem sindical, com apoio de

movimentos populares, e a burguesia interna continuaram existindo, caracterizando sua face

contraditória. Esses conflitos se manifestaram, por exemplo, na crítica feita pelas

organizações da burguesia interna à política social dos governos petistas, apontada como

grande responsável pelo aumento do gasto público. Setores específicos da burguesia interna,

como o agronegócio, permaneceram críticos à proximidade entre o governo e os movimentos

do campo, em especial o MST, ainda que as desapropriações de terra para a realização de

reforma agrária tenham sido reduzidas a partir do governo Lula. Para a manutenção da frente,

o governo procurou mediar tais conflitos. No caso da CNI, a pauta por uma reforma

trabalhista que eliminasse muitos dos direitos previstos pela CLT, incorporada aos

documentos da entidade desde os anos 1990, se manteve presente, mas ocupou uma posição

relativamente secundária durante o período 2003-2012 – quando é retomada com maior

intensidade. Por sua vez, a aproximação do PT com a burguesia interna a afastou gradual,

embora não integralmente, do PSDB que, em movimento oposto, se aproximou ainda mais da

burguesia associada e do capital internacional (Boito Jr. 2018, p. 327), ao passo em que

procurava atrair a grande burguesia interna sugerindo – quase sempre de maneira velada – que

faria uma redução significativa do gasto público (Boito Jr. 2018, p. 318). Essa tendência foi

observada até 2014, com o início da crise da frente neodesenvolvimentista.

A partir da análise da ação da burguesia interna na elaboração de uma alternativa

à política neoliberal, ainda que sem romper integralmente com o neoliberalismo, cabe

identificar qual o papel ocupado pela indústria nesse processo. Observando a tendência geral

da política econômica do governo Lula, podemos concluir que, no interior dessa fração

burguesa, o setor industrial ocupou uma posição intermediária. Ao mesmo tempo em que

melhorou sua situação em relação ao espaço que ocupou nos anos 90, o que garantiu seu

apoio aos governos do PT, viu outros setores da burguesia interna terem seus interesses mais

contemplados como, por exemplo, o setor bancário, a construção pesada e o agronegócio. Em

outras palavras, podemos dizer que, de modo geral, a burguesia interna melhorou sua posição

dentro do bloco no poder com a eleição de Lula mas, no interior dessa fração de classe, a

31 Agradeço ao professor Armando Boito, que alertou sobre essa questão no exame de qualificação.

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90burguesia industrial, e em particular a indústria de transformação, ocupou um plano

secundário (Boito Jr., 2018, p. 314).

Essa diferença se reflete, por exemplo, quando observamos que o PIB industrial

cresceu nos governos petistas, mas a participação da indústria no PIB permaneceu

relativamente estável entre 2002 e 2010. Se observarmos o intervalo 2005-2010 há, inclusive,

uma tendência de queda (FIESP, 2015)32. Essa redução vem ocorrendo desde a década de

1980, se aprofundou no período neoliberal, e não foi revertida nos governos do PT. As

principais razões são encontradas no cenário de melhora nos termos de troca vivido pelo

Brasil nos anos 2000, que provocou uma apreciação cambial que acabou por comprometer a

competitividade da indústria brasileira (Barbosa, 2013, p. 89). A partir dessas considerações,

buscaremos apontar, no próximo capítulo, como o governo Dilma procurou interferir nesse

processo, em prol do setor industrial, com uma política de aprofundamento do

neodesenvolvimentismo.

32 Existem divergências em relação à taxa de participação da indústria no PIB. A própria CNI questiona osdados do IBGE, atribuindo parte da queda acentuada a uma mudança de metodologia. Para a CNI, essa taxaseria de 23% em 2008, em vez de 16%, como aponta o IBGE (CNI, 2010, p. 25). Ainda assim, aConfederação entende que há uma tendência de longo prazo de queda da participação industrial que deve serrevertida para que não haja o risco de desinsdustrialização.

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Capítulo 3. A CNI na crise do neodesenvolvimentismo

É difícil apontar com precisão em que momento a frente neodesenvolvimentista

começou a apresentar sinais de que poderia entrar em crise. Como procuramos destacar em

nossas primeiras considerações, a própria composição da frente foi caracterizada por um

compromisso frágil em torno de algumas medidas: o crescimento econômico baseado em

políticas de estímulo à burguesia interna – de um crescimento médio de 2,4% ao ano no

governo FHC, para 4% ao ano no período Lula – acompanhado de algum grau de distribuição

de renda que fosse capaz de fomentar o mercado interno e sustentar o modelo. Em

decorrência disso, é de se esperar que em uma conjuntura em que o crescimento econômico

apresenta uma desaceleração, os conflitos internos e externos emerjam com maior força.

No entanto, esse é apenas o pano de fundo no qual se desenvolve a crise do

neodesenvolvimentismo durante o governo de Dilma Rousseff, e não sua principal causa,

como procuraremos defender ao longo desse capítulo. A própria piora nos índices de

crescimento do PIB não pode ser considerada isoladamente para entender as dificuldades

enfrentadas pela frente neodesenvolvimentista. Afinal, situação semelhante ocorreu quando

eclodiu a crise internacional de 2008, que fez com que a economia brasileira terminasse o ano

de 2009 com uma ligeira queda, na ordem de 0,1% no PIB, após crescer 5,1% em 2008. É

verdade que as medidas anticíclicas tomadas pelo governo à época foram bem-sucedidas, mas

houve sustentação política para a adoção dessas medidas, que foram em direção oposta ao

receituário neoliberal então aplicado na Europa, de modo que naquele momento a crise

econômica não foi acompanhada de uma crise política.

Tão logo a crise de 2008 começou a mostrar seus primeiros efeitos e tomou conta

do noticiário no Brasil, o então presidente Lula fez um já famoso pronunciamento em rede

nacional pedindo que os empresários não deixassem de investir, e os trabalhadores não

deixassem de consumir. Lula indicava que não lançaria mão da mesma política que

aprofundava a crise europeia, recomendada pela ortodoxia econômica. As ações anunciadas,

afirmava o presidente, seriam capazes de manter a roda da economia girando. Anteriormente,

com a linguagem popular que lhe é típica, Lula já havia dito que os efeitos da crise no Brasil

não passariam de uma “marolinha” (Galhardo, 2008). Assim, em uma das mais graves crises

recentes do capitalismo, a frente neodesenvolvimentista foi testada e demonstrou estar coesa

para evitar um recuo neoliberal.

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92Depois do período de retração do PIB entre 2008 e 2009, a economia brasileira

apresentou rápida recuperação e atingiu 7,5% de crescimento em 2010 – um ponto fora da

curva mesmo para os índices atingidos durante o governo Lula. De modo que, se não

podemos desprezar a piora nos indicadores econômicos em nossa análise, também não se

pode estabelecer uma relação direta entre o declínio da economia e a crise do

neodesenvolvimentismo.

Nesse cenário se iniciou o governo Dilma, sustentando um discurso de

continuidade em relação ao seu antecessor tanto na esfera eleitoral, como na interlocução com

a burguesia, na tentativa de ecoar os altos índices de aprovação de Lula. A partir dessas

considerações iniciais, quais questões políticas, econômicas e conjunturais indicam que a CNI

pendeu novamente em direção à política neoliberal? Como entender a mudança de posição da

burguesia industrial no processo político? Dadas as características que mencionamos, há

sinais que apontam para um processo de desgaste nessa frente política já no segundo ano do

governo Dilma. Para que possamos, enfim, entrar no campo das explicações, no primeiro item

deste capítulo faremos uma reconstituição do programa da CNI a partir das propostas

apresentadas aos candidatos à presidência da República, de 1994 a 2014. Com isso,

procuraremos identificar quais foram as principais mudanças no posicionamento da

Confederação, refletindo o conjunto da burguesia industrial, a fim de verificar a ocorrência de

um movimento pendular entre o neoliberalismo e neodesenvolvimentismo. Na seção seguinte,

apresentaremos um balanço das principais medidas adotadas no primeiro governo Dilma,

procurando demonstrar a existência de pontos em comum entre o programa aplicado pelo

governo, batizado de nova matriz econômica, e as demandas dos industriais. Na terceira e

última seção abordaremos a crise do governo Dilma e o abandono da NME em prol de um

retorno ao programa neoliberal, buscando qualificar a atuação da CNI e da burguesia

industrial nessa conjuntura, a partir dos conflitos entre classes, frações de classes, e

instituições do Estado, e discutiremos algumas hipóteses sobre as razões que levaram à crise

da frente neodesenvolvimentista.

3.1 – A agenda da CNI: entre o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo

Diante da questão central sobre o posicionamento político da burguesia industrial,

cabe observar com mais atenção como as demandas da Confederação Nacional da Indústria

variaram ao longo do período pesquisado. Como apontamos no capítulo anterior, os anos

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931990 foram marcados por uma intensa reestruturação produtiva da indústria brasileira

diretamente relacionada à adoção da agenda neoliberal. Contudo, como aponta Bianchi (2010,

p. 194), a implantação do neoliberalismo no Brasil não seria possível sem a participação da

burguesia industrial. É nesse contexto que procuramos compreender a ação política da

Confederação Nacional da Indústria e seu movimento ora de proximidade, ora de

distanciamento, em relação ao neoliberalismo. Com o processo de redemocratização, a CNI

recuperou um papel mais ativo na representação dos interesses da burguesia industrial. Esse

processo esteve aliado a um aprimoramento do corpo técnico da entidade, e teve como sua

principal manifestação a publicação, desde os anos 1990, de uma grande quantidade de

documentos e estudos, através dos quais é possível identificar visões a respeito de temas de

interesse dos industriais. Nesta seção, nossa proposta é utilizar uma dessas publicações, o

caderno de propostas apresentado durante as eleições presidenciais contendo as principais

posições da CNI acerca da política econômica. Vejamos, então, como se deu esse processo, a

fim de verificarmos se é possível notar uma mudança de posicionamento ao longo do período

1994-2014.

Para tanto, elaboramos uma tabela (abaixo) resumindo a evolução das principais

demandas da Confederação apresentadas nos cadernos de acordo com seis temas que

identificamos como de maior relevância para a entidade: política macroeconômica; papel do

Estado; Custo Brasil; política industrial; política externa; desigualdade e combate à pobreza.

Posteriormente, apresentaremos considerações a respeito de cada um desses documentos,

procurando estabelecer os principais pontos de continuidades e rupturas entre cada um deles,

realizando uma análise que leve em conta a conjuntura política e o posicionamento mais geral

da CNI quando da publicação dos documentos.

Tabela 2 – Principais propostas da CNI aos candidatos à Presidência da República

Publicação/Prioridades

1994 1998 2002 2006 2010 2014

Políticamacroenômica

- Estabilidade - Redução dos juros

- Deve ir além dabusca pela estabilidade e conter agenda para o crescimento

- Política de câmbio e juros voltada para o crescimento e não apenas para estabilização

- Crescimento - Investimento - Ampliação do mercado interno- Redução dos juros

- Estabilidade - Previsibilidade- Investimento

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94

Papel do Estado

- Garantir uma economia de mercado e livre competição - Maior autonomia para oBC - Privatizações- Fim das restrições ao capital estrangeiro - Insulamento tecnocrático

- O Estado possui seu papel, mas ele pode ser mais eficaz - Ciência e tecnologia - Coordenar a política industrial, reduzir o Custo Brasil, estabelecer parcerias com o mercado

- Função reguladora - Condução de políticas típicas do poder público - Menos interferência nas questões econômicas e maior ênfase na produção de um ambiente favorável

- “Poder de iniciativa” para implantar uma agenda de crescimento e desenvolvimen-to - Reforma do Estado para aumentar a eficiência e reduzir a burocracia - Maior previsibilidade e transparência do BC

- Formulação e planejamento da estratégia econômica - Deve estar livrede influências partidárias e ideológicas - Aprimoramen-to e profissionali-zação da gestão pública

- Gestão eficientedo gasto público

Custo Brasil (competitividade)

- Reformas estruturais (tributária, previdenciária, trabalhista, do Estado e privatizações)

- Reformas estruturais (tributária, previdenciária, e trabalhista) - Infraestrutura- Educação - Meio ambiente - Custo do capital

- Foco na competição externa - Tributação, financiamento, relações de trabalho, infraestrutura, meio ambiente, regulação

- Deve estar relacionado com o crescimento: 1) redução do gasto público 2) tributação 3) infraestrutura 4) financiamen-to 5) relações de trabalho 6) desburocrati-zação 7) inovação 8) educação 9) política comercial e de acesso a mercados 10) meio ambiente

1) segurança jurídica 2) macroecono-mia do alto crescimento 3) tributação e gasto público4) financiamen-to5) relações de trabalho 6) infraestrutura 7) educação8) inovação 9) comércio exterior 10) meio ambiente 11) burocracia12) micro e pequena empresa

1) Tributação 2) Relações de trabalho 3) Ambiente macroeconô-mico 4) Educação 5) Infraestrutura 6) Segurança jurídica e burocracia 7) Eficiência do Estado 8) Desenvolvimen-to de mercados 9) Inovação e produtividade 10) Financiamento

Política industrial

- Criação de estratégias para aumentar a competitividade- Entrada de tecnologia externa

- Política macroeconômi-ca não é suficiente e deve ser complementada - Mecanismos que corrijam e cooperem com o mercado, mas não o substituam - Viés exportador- Uso do BNDESe bancos públicos

- Brasil deve superar o dilema de adotar ou não uma política industrial- Elevação da competitividade- Fomento da inovação- Apoio a pequenas e médias empresas - Redução das disparidades regionais- Não mais proteger empresas da competição, mas prepará-las para competir - P&D

- Apoio à nova política industrialdo governo Lula (PITCE)- Maior inserção na economia global e agregação de valor às exportações - Câmbio e juros devem fazer parte da PI - Maior participação e facilidade de acesso ao BNDES

- Reduzir o Custo Brasil - Transformar a estrutura industrial - Integração do mercado doméstico- Internacionali-zação- InovaçãoProjetos propulsores (pré-sal, habitação, copa e olimpíadas)- Baixa emissão de carbono - P&D

- Redução do Custo Brasil - Transformação da estrutura produtiva

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95

Política externa

- Integração à economia internacional - Multilateralis-mo - Proteção contraa competição desleal

- Prioridade ao Mercosul e América do Sul - Setor privado deve participar das negociações - Outros acordos (ALCA e UE)

- Papel de destaque na política industrial- Viés pró-exportador - Prioridade ao Mercosul - Com países desenvolvidos: necessário pesar custos e benefícios - Com países em desenvolvimento:objetivos ambiciosos

- Manutenção da dinâmica exportadora iniciada em 2002- Apoio à Camex(Câmara de Comércio Exterior) - Competitivi-dade e política cambial - Aprimoramen-to e expansão do Mercosul para uma área de livrecomércio da América do Sul - Foco nos paísesem desenvolvimen-to

- Aumentar a participação no mercado internacional e participar dos elos de maior valor agregado das cadeias produtivas globais

- Mercosul é importante, mas insuficiente para as necessidades da indústria brasileira - Expandir os acordos bilaterais- Prioridades: EUA, UE, países em desenvolvimento - Reformar Mercosul e expandir a integração na América do Sul

Pobreza edesigualdade

social

- Poucas referências - Integração social e regional se daria pela adoção dos mecanismos de mercado

- Praticamente não há referência

- Deve fazer parte da política de desenvolvimento do país - Ampliar investimentos eminfraestrutura nasregiões mais atrasadas - Melhorar a eficiência e universalização do gasto social - Reforçar a rede de proteção social - Reformar a legislação trabalhista para reduzir a informalidade - Incorporação demais brasileiros ao mercado interno

- Programa nacional que busque desenvolvimentocom inclusão social - Diminuição dasdesigualdades sociais e regionais- Aproveitamento das potencialidades de cada regiãoIntegração produtivaInvestimento em infraestrutura para atrair investimentos privados-Investimento social em educação e saúde

- Deve fazer parte da política de desenvolvimen-to- Eficiência do sistema educacional- Empreende-dorismo (associado a micro e pequenasempresas)- Importante parao crescimento da economia

- Educação comoprincipal mecanismo para combate à pobreza e à desigualdade

Fonte: CNI (1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014). Elaboração própria.

Depois de uma campanha mal sucedida em defesa da reforma constitucional de

1993, em documento publicado pela CNI no ano seguinte, coordenado pelo seu então

presidente em exercício Mario Amato, a entidade consolida a defesa de posições neoliberais

que já vinham sendo esboçadas desde 1989. Ao apresentar um programa econômico para o

novo governo, a CNI estrutura uma visão que identifica como inevitável o processo de

liberalização pelo qual vinha passando a economia brasileira desde o governo Collor, o que

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96denota uma crítica implícita ao modelo nacional desenvolvimentista que havia vigorado nas

décadas anteriores. Em diversos momentos, a CNI destaca a inviabilidade de se retornar ao

modelo anterior de substituição de importações que caracterizou o período

desenvolvimentista, e que um processo de “modernização” seria imprescindível (CNI, 1994).

Como vimos, essa crítica ganhou força em razão da crise que o país atravessava, e das

tentativas mal sucedidas de controle da inflação no governo Sarney, especialmente pelo Plano

Cruzado (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 3).

Nesse contexto, a entidade constrói seu programa em torno de dois eixos

principais: a estabilidade macroeconômica e a realização das reformas estruturais como

principais condicionantes para recuperação da economia (CNI, 1994, p. 9). A estabilidade

macroeconômica se refere ao controle da inflação, o que levou a CNI a apoiar o recém-

lançado Plano Real; já as reformas estruturais – a versão adotada pela Confederação para as

chamadas “reformas para o mercado” típicas do neoliberalismo – são um conjunto de

mudanças legislativas, a maior parte delas requerendo emendas constitucionais, que têm por

objetivo reduzir os custos das empresas e o gasto público. A adoção dessas reformas, que

impactaria diretamente na redução do desequilíbrio fiscal, também contribuiria para o

controle da inflação e seria sinônimo de uma gestão eficiente na visão dos industriais. Dentre

as reformas, o documento destaca a tributária, a previdenciária, das relações de trabalho, e do

Estado – o que inclui realizar um amplo programa de privatizações. Além disso, o documento

pede o fim das restrições à entrada de capital estrangeiro no país.

A defesa desse conjunto de reformas foi alvo de intensa campanha não apenas da

CNI, mas de outras entidades patronais e associações de empresários, a exemplo do

movimento Ação Empresarial, fundado com vistas a atuar junto ao processo de revisão da

constituição. A estratégia do movimento e das demais entidades de classe era influenciar os

congressistas a aderirem ao posicionamento liberal defendido pelos representantes da

Indústria (Diniz e Bresser-Pereira, pp. 7-9). Porém, como mencionamos, a ação não atingiu os

resultados desejados. Em relação a isso, a CNI destaca por diversas vezes sua frustração com

a conclusão do processo de revisão constitucional, que é qualificado como “fracasso” (CNI,

1994, p. 13).

A crítica da CNI à Constituição de 1988 está centrada nos dispositivos que

oferecem um maior nível de proteção social e, consequentemente, aumentam o gasto público.

Como aponta a entidade, “O maior erro da carta de 1988 foi distribuir benefícios sem

assegurar os recursos necessários para o seu financiamento adequado. Na verdade, o sistema

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97de seguridade social definido em 1988 não tem viabilidade econômica” (CNI, 1994, p. 17).

Nesse ponto, em particular, ficam evidentes as frustrações da CNI em relação às disputas

originadas no processo constituinte, refletindo o aparente paradoxo neoliberal ao qual fizemos

referência no capítulo anterior. Ao defender o fim da estabilidade e a possibilidade de demitir

no serviço público, a Confederação defende que o novo governo, para realizar as reformas

necessárias para viabilizar um novo ciclo de crescimento, deverá aumentar seu grau de

“insulação tecnocrática”. Nesse sentido, seria necessário produzir uma nova administração

pública mais eficiente e bem remunerada, o que incluiria acabar com a estabilidade do serviço

público (CNI, 1994, p. 19). Ou seja, as resistências provocadas em reação a política neoliberal

podem exigir uma ação mais intensa e autônoma do Estado, ainda que se defenda a redução

de suas funções.

Com a abertura comercial “inevitável”, a pauta da redução de custos se tornou o

centro do debate no setor industrial. Em 1995, a CNI organizou o seminário “Custo Brasil –

Diálogo com o Congresso Nacional” (Mancuso, 2007, p. 27), e no ano seguinte publicou o

documento “Custo Brasil” (Diniz e Boschi, 2007, p. 52), sintetizando nessa expressão a nova

agenda, apoiada pela burguesia industrial, que predominou nos anos 1990, a fim de superar o

paradigma do nacional desenvolvimentismo. Segundo a concepção da CNI, conforme

apontamos no capítulo 2, o Custo Brasil reúne todos os fatores que tiram competitividade das

empresas brasileiras se comparadas às concorrentes estrangeiras. Desse modo, a CNI entendia

que elementos externos às empresas eram os grandes responsáveis pela perda de

competitividade do setor industrial, e caberia ao poder público “retirar” esses obstáculos para

permitir o crescimento da produção, com uma agenda ampla que contemplava desde a

reforma trabalhista às negociações de acordos de livre-comércio, como a Área de Livre

Comércio das Américas (ALCA) (Guilmo, 2015, p. 48). Cabe destacar que o “clamor” dos

industriais pela redução do Custo Brasil esteve relacionado não apenas a competir em

melhores condições com concorrentes estrangeiros no mercado interno mas, alinhado com os

princípios do neoliberalismo e da “globalização”, também a conquistar novos mercados fora

do país33 (Mancuso, 2007, p. 45). Essa pauta foi incorporada não apenas pela Confederação,

mas por diversos outros órgãos da indústria, e esteve presente nos documentos da CNI desde a

33 Em discurso durante a cerimônia de posse do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,Sérgio Amaral, em agosto de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso lançou o lema “exportar oumorrer”. Na presença de importantes líderes industriais, o presidente declarou que esse lema se comparava aum “novo tipo de independência” (Silveira, 2001).

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98década de 1990, geralmente relacionada a uma frequente referência à prioridade em exportar

(CNI, 1998, p. 9).

Com efeito, as principais pautas defendidas junto ao governo e ao Congresso

Nacional nesse período, inclusive as reformas constitucionais, estavam relacionadas de

alguma forma com a redução do Custo Brasil. Como procuramos identificar no capítulo

anterior, a formulação da pauta do Custo Brasil esteve relacionada a uma visão de que as

reformas liberais e a abertura comercial eram inevitáveis para a modernização da economia

brasileira. Nesse cenário, só restaria à indústria se adaptar, mas caberia ao governo fazer sua

parte e trabalhar pelo aumento da competitividade das empresas instaladas no país. Bianchi

(2010) aponta que esse processo esteve relacionado a disputas de projetos no interior da

própria burguesia industrial, das quais o projeto neoliberal saiu vitorioso.

Com a crise do modelo desenvolvimentista e os sucessivos fracassos dos planos

econômicos dos anos 1980, diferentes setores da burguesia, incluindo a maior parte da

burguesia industrial, aderiram à agenda neoliberal que naquele momento se tornava

hegemônica, dominada pelos interesses do capital financeiro e do capital internacional, tendo

os industriais como sócios minoritários. Contudo, os conflitos de interesses entre os setores

que compunham a coalizão neoliberal, como observamos na metáfora dos círculos

concêntricos, provocavam um persistente desacordo com relação à forma e ao ritmo com que

a nova agenda seria implementada (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 6).

Cabe mencionar, ainda, como um fator relevante na relação de forças dessa

conjuntura, a reestruturação do movimento operário e popular em torno do novo sindicalismo,

e a ameaça, do ponto de vista da burguesia, simbolizada por Lula e pelo Partido dos

Trabalhadores. Como apontado por Bianchi (2010, p. 235): “a aproximação e o afastamento

das entidades representativas do empresariado industrial do projeto neoliberal stricto sensu

era, portanto, o resultado da relação de forças no interior do empresariado e deste com as

classes subalternas”.

O que os industriais rejeitavam não eram as propostas do candidato petista,

muito embora suas críticas ao plano Real, mesmo moderadas, repercutissem

mal na pirâmide da FIESP. Eram os movimentos sociais identificados com a

história de seu partido o que lhes provocava repulsa. A candidatura de

Fernando Henrique Cardoso condensava um projeto estratégico que

prometia a estabilidade econômica e a continuidade da política liberal como,

também, a desejada pacificação dos movimentos sociais, particularmente dos

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99sindicatos. […] Foi a esse projeto que os empresários aderiram (Bianchi,

2010, p. 240).

Ou seja, na prática, o Plano Real e a direção geral do governo FHC estavam em

acordo com os desejos expressos pela CNI no documento de 1994, resumido em estabilidade

e reformas estruturais, embora houvesse críticas à política de juros e à valorização da taxa de

câmbio (CNI, 1994, p. 13).

O Plano Real tem todas as chances de se constituir no início da etapa final da

longa caminhada até a estabilização. Primeiro porque, tal como acima

descrito, foi lançado em um contexto em que o país amadureceu e no qual as

condições econômicas prevalecentes são as mais favoráveis. Segundo,

porque o plano em si tem méritos que o tornam radicalmente distinto dos

anteriores. Sua principal virtude foi ter sido anunciado com antecedência e

ter se baseado em um mecanismo de desinercialização da economia

negociado e transparente (CNI, 1994, p. 13).

Apesar do apoio inicial da CNI e do conjunto da burguesia industrial, o

aprofundamento das medidas iniciadas por Collor, no governo FHC, em especial a

sobrevalorização do real causada pela suspensão do imposto sobre importações para combater

a inflação, pelo uso do câmbio com o mesmo fim, pela política de crescimento com poupança

externa e a desregulamentação dos fluxos financeiros, acabou por provocar uma crise cambial

em 1998, e também intensificou a reestruturação da indústria brasileira.

Frente a esse processo, as reações dentro da burguesia industrial não foram

uniformes, até porque houve quem ganhasse em meio a essa reestruturação, seja com os

processos de privatizações ou de parcerias com o capital estrangeiro (Diniz e Bresser-Pereira,

2013, pp. 8-9). A própria CNI (1994, p. 21) havia defendido fortemente o fim das restrições à

entrada do capital estrangeiro no Brasil. Essa é uma das faces do neoliberalismo que

permitem o movimento pendular da burguesia industrial: ao mesmo tempo em que apoia

quase integralmente diretrizes fundamentais da política neoliberal, como a desregulamentação

do mercado de trabalho e a redução do gasto público via supressão de direitos sociais, as

demais frentes dessa política provocam fissuras entre os industriais, ou até mesmo, em

determinadas conjunturas, sofrem forte oposição desta parcela da burguesia.

Não se pode, portanto, definir a priori as posturas do patronato em relação a cada

um desses temas. Daí a importância de uma perspectiva relacional que leve em conta as

disputas em que se está envolvido. A abertura comercial, por exemplo, prejudicou a indústria

com o aumento da concorrência externa, mas foi apoiada num primeiro momento pela CNI. O

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100grande argumento neoliberal para promover a abertura comercial era de que ela promoveria

uma modernização da indústria instalada no Brasil, obrigando que as empresas se adequassem

ao novo ritmo de competição, segundo os parâmetros de mercado. A consequência real foi a

reestruturação industrial já mencionada. Mesmo com grande parcela dos industriais

prejudicada, a força do discurso pró-mercado que foi dominante nos anos 1990 não viabilizou

uma retomada do protecionismo que caracterizou o nacional desenvolvimentismo. No que se

refere à desregulamentação financeira, por sua vez, ao mesmo tempo em que facilita a

captação de recursos no exterior, contribui para a valorização da moeda brasileira,

prejudicando as exportações da indústria. Ao mesmo tempo, o documento praticamente não

fazia referência a demandas das classes trabalhadoras, ou tentava incorporá-las à pauta da

indústria. Ao contrário, as propostas de reforma previdenciária e trabalhista, centrais no

programa econômico apresentado, atingiam diretamente os interesses dos trabalhadores. Há

apenas uma referência à questão da redução da pobreza, e o sentido geral da proposta dos

industriais era de que a boa aplicação dos mecanismos de mercado seria suficiente para

enfrentar esse problema (CNI, 1994, p. 10).

Ou seja, enquanto a política neoliberal promovia um ataque às classes

trabalhadoras, também foi responsável, em determinadas conjunturas, por aguçar contradições

no interior da burguesia. Essas contradições não explicam, por si próprias, as dificuldades que

a coalizão neoliberal atravessou ao longo dos anos 1990, a despeito de sua dominância, mas

permitem entender como se deu a aproximação dos setores que constituíram a frente

neodesenvolvimentista. No caso da indústria, a velocidade e o alcance da abertura comercial,

por exemplo, foram alvo de disputa entre os sócios do empreendimento neoliberal (Diniz e

Bresser-Pereira, 2013, p. 6).

Esse processo foi responsável por provocar reações em uma parcela importante do

patronato que teve seus interesses prejudicados. No documento apresentado aos candidatos à

presidência em 1998, a CNI dá os primeiros sinais com maior contundência nesse sentido.

O expressivo ônus do ajuste a que vem sendo submetida a indústria

brasileira, agravado pela insuficiente redução dos entraves ao aumento da

competitividade, pelo persistente desequilíbrio fiscal, de tamanho

inaceitável, e pela timidez no combate à concorrência desleal, torna esta

manifestação da indústria não só oportuna, como inadiável (CNI, 1998).

Em linhas gerais, o documento “Competitividade e Crescimento: A Agenda da

Indústria”, de 1998, mantém como prioridade o aumento da competitividade, cujo principal

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101foco são as exportações. Contudo, como apontamos, a CNI passou a manifestar seu

descontentamento com o ajuste que atingiu a indústria brasileira, intensificado pelo caráter

inconcluso das reformas que reduziriam o Custo Brasil, e o baixo crescimento econômico.

Este, destaca-se, constitui a principal diferença entre os documentos de 1994 e 1998.

Enquanto em 1994 a estabilidade era o principal objetivo a ser perseguido, a partir de 1998 os

industriais afirmam que “A estabilidade é um pré-requisito para o crescimento; porém a

política para o crescimento não se esgota na política de estabilização” (CNI, 1998, p. 9).

A preocupação com a política de juros, que havia sido citada brevemente em

1994, passou a ocupar um espaço importante ao lado dos demais itens que diminuem a

competitividade dos produtos brasileiros. No item “Custo do capital e financiamento de longo

prazo”, as críticas da CNI não se limitam apenas à política de juros altos do governo, como

atingem igualmente o sistema bancário nacional, em razão das elevadas taxas de spread. As

principais medidas da agenda de redução do custo do capital passam, portanto, pela disciplina

fiscal do governo, o aumento da concorrência no setor bancário, e a adoção de uma política de

aumento do crédito, inclusive utilizando os bancos públicos (CNI, 1998, pp. 39-44). No

campo das negociações internacionais, a entidade passa a defender o caráter estratégico do

aprofundamento do Mercosul, o que resultaria na prioridade das negociações com o bloco e os

demais países sul-americanos, independentemente do avanço para a criação da ALCA (CNI,

1998, pp. 91-93).

O documento de 1998 marcou uma inflexão importante no posicionamento da

CNI, que seria confirmada na década seguinte. Com a crise do segundo governo FHC, depois

do terremoto que atingiu a indústria nacional nos anos 1990, a Confederação passou a ver a

eleição presidencial de 2002 como um momento-chave para o país. Naquele ano, marcado

pela eleição de Lula, houve uma divisão entre as forças que deram apoio, em diferentes graus,

ao programa neoliberal. O próprio slogan do então candidato da situação, José Serra,

“continuidade sem continuísmo” (Franco, 2008), marcava um afastamento, pelo menos diante

da opinião pública, do governo que em tese deveria representar. A aproximação do setor

industrial – junto de outros setores da burguesia interna – com o Partido dos Trabalhadores foi

um movimento lento que teve início ainda no final dos anos 90.

A nova estratégia da burguesia industrial se mostrava com maior clareza no

documento público apresentado pela CNI aos candidatos à presidência em 2002. Logo na

apresentação, o então presidente da entidade, Fernando Bezerra, fala em uma frustração

causada pelo “baixo e oscilante” crescimento dos anos anteriores, e que o país precisava

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102mobilizar instrumentos para além das reformas estruturais para garantir um novo ciclo de

crescimento (CNI, 2002, p. 7). Com efeito, essa nova agenda configura um distanciamento do

neoliberalismo ortodoxo da década anterior, como fica claro nas próprias palavras de Bezerra.

As reformas orientadas para o mercado que foram implementadas na década de 1990, tratadas

quase sempre de maneira genérica, são vistas como uma conquista a ser preservada, mas não

possuem mais o protagonismo de outrora. Há, na verdade, uma frustração com o baixo

crescimento verificado no período neoliberal que, em conjunto com a reestruturação sofrida

pela indústria nacional, viabilizou a reordenação de forças políticas nos anos 2000.

Nas novas propostas defendidas pelos industriais – cabe destacar que embora

sejam feitos sob a coordenação da CNI, os documentos apresentados aos candidatos são

elaborados a partir de discussões envolvendo empresários de diversos setores da indústria,

representantes de associações setoriais e de federações estaduais – a política macroeconômica

segue as diretrizes do documento anterior e não está vinculada apenas ao controle da inflação,

mas é defendida como principal mecanismo na busca do crescimento, ao lado de uma política

industrial mais agressiva. Outra diferença no âmbito macroeconômico em relação aos

documentos apresentados nas eleições anteriores é a centralidade da política cambial, e a

consolidação de uma crítica direcionada ao governo FHC: “Em grande parte deste período, a

política cambial esteve voltada muito mais para a estabilização do que para a manutenção das

condições de competitividade dos produtos brasileiros” (CNI, 2002, p. 20).

A política industrial, englobando as políticas de comércio exterior, inovação e

desenvolvimento e integração nacional, passa a ocupar um lugar central, equivalente ao da

“agenda de competitividade”, cuja superação continua sendo considerada importante, mas não

suficiente para os objetivos da indústria. Em relação a essa questão, há a tentativa de superar

um argumento tipicamente neoliberal, que a entidade classifica de “falso dilema”. Tal

argumento defende que, ao viabilizar um ambiente institucional e macroeconômico adequado

para os negócios, a política industrial seria dispensável e até ineficiente. Em oposição, a CNI

passou a defender uma posição central para política industrial que caminhasse ao lado da

agenda de redução do Custo Brasil. A defesa de uma estratégia específica para o

desenvolvimento industrial é apresentada como uma tendência do século XXI, que em nada

teria a ver com os objetivos e instrumentos utilizados pela política que vigorou entre os anos

1950 e 1980, baseada na substituição de importações via subsídios, protecionismo e

interferências no sistema de preços (CNI, 2002, p. 29). Desse modo, a CNI define sua nova

política industrial baseada em três objetivos principais: priorizar as exportações, através da

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103desoneração e abertura de novos mercados – em especial o Mercosul; promover incentivos à

inovação, desde a elevação do nível de escolaridade até o financiamento de atividades de

inovação e proteção à propriedade intelectual; e promoção do desenvolvimento e integração

regional, visando melhorar as condições socioeconômicas das regiões do país (CNI, 2002, p.

35).

Por sua vez, a agenda de competitividade, reunindo os itens que compõem o

Custo Brasil, não se resume às reformas estruturais, mas inclui, além da questão do

financiamento, a exemplo do documento de 1998, os problemas de infraestrutura, ambientais

e regulação do mercado, que exigem um papel mais atuante do Estado. Para clarear a

discussão, é importante ressaltar que os governos dos anos 90, e em especial o governo FHC,

lograram implementar parte dessas reformas estruturais, em especial no que se refere às

questões trabalhistas e previdenciárias. Isso explica, em parte, a redução na ênfase da CNI em

reivindicá-las como ponto central de sua agenda. Contudo, destacamos que explica apenas em

parte, uma vez que as reformas aprovadas, ainda que tenham enfrentado resistência popular,

ficaram aquém da pauta apresentada pela entidade em seus primeiros documentos. O

aprofundamento das mudanças na legislação trabalhista e previdenciária, por exemplo,

aparece “diluído” entre uma série de outros itens que influenciam na competitividade.

Portanto, é necessário entender a mudança da CNI considerando, também, outros aspectos, e

buscar resgatar a historicidade desse processo.

Antes de prosseguirmos a análise, cabe fazer uma última observação sobre

documento de 2002. Pela primeira vez, a CNI inclui uma seção exclusiva para abordar a

questão da inclusão social e desenvolvimento. A entidade apresenta uma análise acerca da

pobreza, desigualdade social e regional do país, que são entendidas como um obstáculo ao

crescimento e desenvolvimento. O caráter liberal da análise é evidente, já que esses problemas

são associados principalmente ao caráter corporativista e patrimonialista do Estado brasileiro,

dominado por grupos que historicamente se apropriaram de suas benesses, criando leis em seu

interesse e reforçando a exclusão social (CNI, 2002, 134). Ainda assim, a inclusão dessa

avaliação guarda uma diferença significativa com os documentos anteriores, que praticamente

não abordam o tema. As soluções apontadas pela Confederação se concentram no

aperfeiçoamento das políticas públicas e do gasto social, o que é compatível com a ideia de

“profissionalização” da gestão pública.

Alguns autores interpretam a mudança estratégica da CNI a partir dos anos 2000

como parte de uma tentativa da burguesia industrial de recuperar o poder perdido para outros

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104setores do capital nos anos 1990 com o processo de abertura econômica. Nesse sentido, Diniz

e Bresser-Pereira (2013, pp. 10-11) apontam que somente por curtos períodos a burguesia

tende a se unificar e a reduzir as tensões internas. Como exemplo, citam o início dos anos

1960, durante a crise do governo João Goulart e o acirramento das disputas internacionais

desencadeado pela Revolução Cubana. Dessa forma, a “década neoliberal” termina com o fim

do relativo consenso que unificou o projeto do “fim da Era Vargas”, marcando uma nova

divisão no interior da classe capitalista, aproximando o conjunto da burguesia interna, em

contraposição à parcela da burguesia perfeitamente integrada ao imperialismo.

Gradualmente foi se tornando claro no Brasil e no restante da América

Latina (a região que se submetera mais claramente ao Consenso de

Washington) que as reformas econômicas neoliberais e as políticas

macroeconômicas ortodoxas não conduziam nem à estabilidade financeira

nem ao desenvolvimento econômico e, sim, ao baixo crescimento, ao

aumento da vulnerabilidade externa, bem como à concentração de renda em

benefício do setor financeiro e dos dois por cento mais ricos da população de

cada país (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 10).

Os autores destacam, ainda, que a identificação dos princípios do neoliberalismo aos Estados

Unidos concederam à crítica ao Consenso de Washington um certo caráter nacionalista. Esse

nacionalismo, por sua vez, era diferente do nacionalismo que vigorou durante o período

nacional desenvolvimentista, e reivindicava, na verdade, retomar a capacidade de o país

internalizar a tomada de decisões. Essa visão encontrou eco nas críticas elaboradas

principalmente pelo Partido dos Trabalhadores à interferência do FMI nas decisões tomadas

pelo Brasil, e na submissão do governo FHC aos Estados Unidos. Foi esse, portanto, o cenário

que viabilizou a aproximação de parte importante dos industriais da frente

neodesenvolvimentista. A mudança do programa defendido pela CNI, consequentemente, está

dentro desse contexto.

Como discutiremos na próxima seção, do ponto de vista das forças que compõem

a frente neodesenvolvimentista, há um importante ponto de vulnerabilidade em torno das

disputas entre a burguesia interna e o movimento sindical e popular. Desse modo, os governos

petistas corresponderam a um equilíbrio instável entre essa parcela da burguesia e a classe

trabalhadora na execução do programa neodesenvolvimentista. Ao passo que a política

econômica procurava atender a interesses da burguesia interna, produziu folgas que

proporcionaram conceder ganhos aos trabalhadores, principalmente através da recuperação do

salário mínimo, dos programas de transferência de renda e da ativação do mercado interno.

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105Essas pequenas concessões, contudo, não eram apoiadas plenamente pelo conjunto da

burguesia interna (Boito Jr., 2012, p. 72-73). Ao mesmo tempo em que, a partir dos anos

2000, a CNI reduz a ênfase na defesa de uma ampla reforma trabalhista, a crítica ao que

chama de gastos excessivos do Estado permanece como pauta importante dos industriais,

mantendo sempre o caráter instável dessa frente.

Em linhas gerais, os documentos produzidos pela CNI nas eleições de 2006 e

2010 seguem – e em alguma medida aprofundam – as diretrizes lançadas em 2002. A partir de

então, passam a se basear no Mapa Estratégico da Indústria (2005), estudo produzido como

referência para o período de 2007-2015, que reúne um conjunto de objetivos, metas e

programas desenvolvido pela Confederação Nacional da Indústria em parceria com

federações, associações e empresários, para impulsionar o crescimento. A exemplo do

processo que vinha em curso, a ênfase se dá em torno da política macroeconômica e

industrial, e a agenda do Custo Brasil, embora nunca tenha saído de pauta, aparece de maneira

complementar.

A principal premissa apresentada é a de que o crescimento econômico é o

principal desafio para o Brasil, que naquele momento tinha um desempenho aquém dos

demais países classificados como emergentes, por exemplo, China, Índia, Chile e México

(CNI, 2006, p. 20). Com efeito, a crítica à condução da política econômica recai sobre a

necessidade de elevar a taxa de investimento e ao binômio câmbio valorizado e juros

elevados, responsável por reduzir a competitividade da indústria nacional. Defendendo a

manutenção do regime de câmbio flutuante, a CNI critica a forte valorização do real no

período 2003-2006 – cabe lembrar que a desvalorização ocorrida a partir de 1999 se deu sob

outro contexto, e não como parte de uma estratégia de competitividade, mas como resultado

de uma crise – e defende a redução da taxa de juros como caminho para uma taxa de câmbio

real em equilíbrio. Para isso, caberia ao governo tomar medidas para a redução do gasto

público e a obtenção de superávits primários que mantivessem a dívida pública estável, e

viabilizassem a queda progressiva dos juros (CNI, 2006, p. 25).

Esse é o aspecto central que orienta o que a Confederação chamou de “Nova

governança macroeconômica e ambiente institucional pró-crescimento” (CNI, 2006). Todos

os dez itens que compõem a pauta de prioridades, selecionados a partir dos levantamentos

feitos durante a confecção do Mapa da Indústria, “têm uma forte conexão com a agenda do

crescimento”. São eles: 1) redução do gasto público; 2) tributação; 3) infraestrutura; 4)

financiamento; 5) relações de trabalho; 6) desburocratização; 7) inovação; 8) educação; 9)

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106política comercial de acesso a mercados; e 10) meio ambiente (CNI, 2006, p. 37). Ou seja, a

questão do Custo Brasil continua presente no discurso da entidade, mas ela se transforma ao

longo dos anos até se tornar um “acelerador” para o crescimento econômico.

Ainda que sem atacar intensamente a questão dos juros, e sob uma forte

apreciação cambial, fruto principalmente do boom das commodities, o segundo governo Lula

promoveu um salto no crescimento econômico em relação aos 15 anos anteriores, que foi

acompanhado pelo crescimento do produto industrial. A taxa de crescimento anual do período

2007-2010 alcançou 4,6%, mesmo considerando o crescimento negativo registrado em 2009,

em razão da crise desencadeada pelo sistema financeiro internacional. Essa média superou em

mais de 1% a registrada no primeiro governo Lula, de 3,5% ao ano, que já era superior à

média de crescimento do período FHC.

O sucesso econômico vivido pelo país foi registrado no documento produzido em

2010. Ao afirmar que o país “mudou para melhor” no século XXI, a CNI defende que o foco

da economia deve ser, a partir dali, crescer “mais e melhor”, o que significa “desenvolver-se

de forma sustentada; reduzir a pobreza e a desigualdade; preservar a sustentabilidade

ambiental; e garantir a diversificação e transformação da estrutura produtiva”. (CNI, 2010, p.

11). Nesse documento, dois pontos merecem destaque em nossa visão: o primeiro deles, de

que a indústria deve ocupar o centro da estratégia de crescimento; e o segundo de que o país

deve passar por uma transformação em sua estrutura produtiva. Os cinco itens apresentados

para concretização desse desafio são: 1) integração do mercado doméstico; 2)

internacionalização; 3) inovação industrial; 4) utilização de projetos propulsores (exploração

do pré-sal, expansão das políticas de habitação, obras estratégicas para a Copa do Mundo de

2014 e a Olimpíada de 2016); e 5) transição para uma economia de baixo carbono,

incorporando novas tecnologias para produção de energia limpa. Isso implica dizer que a

indústria deveria ocupar um lugar diferente do que havia ocupado até agora. Como

mencionamos no capítulo anterior, o setor industrial, embora tenha aproveitado o crescimento

geral da economia durante o governo Lula, esteve em um plano secundário frente a outros

segmentos da burguesia interna. O documento de 2010 reconhece a queda de participação da

indústria no PIB e o risco de que o país passe por um processo de desindustrialização,

apontando para um novo papel para a indústria dentro de um projeto de desenvolvimento mais

intenso.

Nesse contexto ganha destaque a transição para o governo Dilma, que havia se

dado sob a perspectiva de continuidade, mas logo apresentou sua ênfase desenvolvimentista

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107pautada numa agenda industrialista. Com a eleição de Dilma Rousseff em 2010 a mudança do

governo em direção ao novo desenvolvimentismo se acentua. Seu governo é uma

continuidade política ao de Lula, mas enquanto este estava essencialmente preocupado com a

redução da desigualdade, e no plano econômico falhou em baixar substancialmente a taxa de

juros e evitar uma grave sobreapreciação da taxa de câmbio, a nova presidente revelou-se

determinada a enfrentar esse problema (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 20).

Nesse sentido, comparando a reconstituição que fizemos acerca dos dois primeiros

anos do governo Dilma com o documento da CNI publicado em 2010, acreditamos que a

estratégia industrialista, à qual fizemos referência, corresponde em muitos pontos ao

programa de transformação estrutural da indústria proposto pela Confederação (CNI, 2010, p.

25).

No entanto, o otimismo inicial, tanto do governo Dilma, como da CNI, deu lugar

ao “desânimo” do qual falava Singer (2013b), à medida que a desaceleração da economia

caminhou para um quadro de estagnação em 2014 e, posteriormente, evoluiu para uma

recessão. No campo político, esse cenário foi marcado pelo distanciamento gradual dos

industriais da base de apoio do governo, o que fez com que o pêndulo da burguesia industrial

se movesse novamente em direção ao neoliberalismo. Dessa constatação, surge a pergunta:

quando os industriais passaram a dar sinais desse movimento?

Ainda durante o período em que vigorou a nova matriz econômica, a CNI lançou,

no 7º Encontro Nacional da Indústria, realizado em dezembro de 2012, o documento “101

propostas para a modernização trabalhista34”. O documento consistia em uma cartilha extensa

que apresentava medidas que, segundo a entidade, melhorariam a competitividade das

empresas no âmbito das relações de trabalho. Na realidade, a maior parte das 101 propostas já

havia sido apresentada pela CNI e outras entidades patronais desde os anos 90, portanto não

se tratavam exatamente de novidades, sendo seu principal eixo a prevalência da negociação

sobre a legislação (CNI, 2012). Tampouco o termo escolhido, “modernização”, era novo: no

documento apresentado ao governo eleito em 1994 – portanto quase 20 anos antes – as

reformas propostas à legislação trabalhista já eram defendidas como modernização. As

medidas apresentadas seguem na direção da supressão de mecanismos de proteção ao trabalho

previstos na CLT, dentre os quais destacamos a possibilidade de acordos entre empregadores

e empregados se sobreporem à legislação, e a regulamentação da terceirização irrestrita,

inclusive de atividades-fim. Tais medidas são apresentadas como solução para o alto custo da

34 Documento cuja relevância também foi apontada por Singer (2015).

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108mão de obra que, segundo a entidade, seria o principal entrave ao desenvolvimento

econômico do país e à competitividade das empresas.

Em linhas gerais, o argumento apresentado pela CNI é de que tal legislação foi

elaborada nos anos 1940, ainda no governo Vargas e, portanto, seria antiquada e não

responderia às necessidades de uma economia moderna. Embora não esteja entre nossos

objetivos apresentar uma visão crítica sobre as posições da CNI, mas entendê-las sob o ponto

de vista das disputas políticas, cabe destacar, entre outros fatores, que esse argumento não

considera uma série de alterações que foram feitas ao longo de décadas na legislação

trabalhista. Desse modo, a CLT de 2012, quando o documento foi publicado, não é a mesma

promulgada por Vargas (CESIT, 2016, p. 14). Ou seja, embora o controle sobre a organização

sindical tenha se mantido, o sistema de regulação do trabalho foi modificado no decorrer

desses 70 anos, inclusive no período neoliberal. As justificativas também recaem sobre a

possibilidade de gerar mais empregos se os custos do trabalho diminuírem, algo que entra em

conflito com a própria experiência histórica recente, já que no período de maior criação de

vagas35 (Gráfico 2), durante os governos Lula e o primeiro governo Dilma, houve uma relativa

manutenção de direitos trabalhistas e aumento do salário real (Krein e Biavaschi, 2015, pp.

80-81), o que indica que as causas do desemprego não guardam, necessariamente, relação

direta com a legislação trabalhista (CESIT, 2016, p. 20).

35 Para efeito de comparação, os demais governos do período democrático – FHC (5.016.672), Itamar Franco(1.394.398) e Sarney (3.994.437), sem considerar o governo Collor, que extinguiu mais de 2 milhões devagas – criaram, juntos, 10.405.507 postos de trabalho (Gantois e Londres, 2010), contra 20.887.597gerados no período 2003-2014 (CESIT, 2016, p. 24).

Gráfico 2 – Evolução do saldo de emprego formal (Brasil) – 2003 – 2015

Fonte: RAIS - DEC nº 76.900/75 MTB. In: CESIT, 2016, p. 24.

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109Abordaremos essa questão novamente na próxima seção, ao tratar dos conflitos

entre capital e trabalho no interior da frente neodesenvolvimentista, mas apresentamos essa

consideração inicial como evidência da tese de que as propostas neoliberais, em especial a

retirada de direitos trabalhistas e sociais, ganham força em conjunturas críticas36.

Já em 2013, a CNI organizou o seminário internacional “O trabalho e a

competitividade no Brasil e no mundo”, em alusão aos 70 anos da CLT, em conjunto com a

CUT e o TST, e contando com a participação de quadros do governo Dilma. Embora a

constituição heterogênea do seminário sugerisse a busca de consensos, o discurso geral do

patronato era de que as relações de trabalho no Brasil não estavam de acordo com as

tendências internacionais, o que seria responsável por tirar competitividade da indústria local.

No mesmo ano, por iniciativa de diversas entidades patronais, se recolocou em

pauta o tema da regulamentação da terceirização, que já estava presente nas “101 propostas”.

A CNI, reverberando uma posição ampla do patronato, se colocou favorável à terceirização

irrestrita, inclusive em atividades fins (CNI defende…, 2013). A principal justificativa da

entidade era de que a aprovação da medida aumentaria a segurança jurídica das relações de

trabalho e reduziria a informalidade. A mesma justificativa é apresentada em relação ao

principal ponto proposto pela Confederação para a reforma da legislação trabalhista, a saber,

de que itens negociados entre patrão e empregado possam prevalecer sobre a legislação. Essa

prática era, até então, limitada pela CLT, que entendia que não existe isonomia entre as partes,

de modo que a negociação é permitida apenas para garantir melhores condições aos

trabalhadores, considerados hipossuficientes, do que as previstas na legislação. Diante desse

quadro, não houve acordo com as principais entidades de trabalhadores, em especial a CUT37.

Assim como a ideia de modernização, o argumento que diz respeito ao aumento da segurança

jurídica é um dos expedientes utilizados pelo patronato para apresentar seu próprio interesse

como sendo do conjunto da sociedade, dos trabalhadores e do próprio Estado, entendido nesse

argumento como uma esfera isolada do tecido social.

Em 2014, a CNI publicou seu documento com propostas aos candidatos à

Presidência da República. Diferentemente dos anteriores a partir de 2002, esse documento,

intitulado apenas como “Propostas da Indústria para as eleições de 2014”, retoma a ideia de

36 Em 2017 foi aprovada uma reforma trabalhista que contemplou muitas das propostas da CNI, das quais aprincipal era a de dar força de lei aos acordos entre patrão e empregado, em um cenário de grandedesemprego e ataque aos direitos trabalhistas e sociais.

37 Outras centrais sindicais, em especial a Força Sindical, apoiaram a terceirização irrestrita, endossando ajustificativa da CNI de que essa alteração aumentaria a segurança jurídica dos contratos de trabalho. Essaposição da Força Sindical, que havia participado dos governos do PT, demonstra a ampliação dos conflitosno interior da frente neodesenvolvimentista, e dentro do próprio conjunto das classes trabalhadoras.

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110que o crescimento da indústria, e do país, depende do aumento da competitividade (CNI,

2014, p. 13). Dentre os itens que compõem a agenda de competitividade, é dado destaque,

pela primeira vez desde a publicação dos documentos para as eleições, ao crescimento da

produtividade. A entidade cita que nos últimos anos o salário real dos trabalhadores da

indústria cresceu acima dos indicadores de produtividade, o que tem limitado a expansão da

produção, e acrescenta que “ao contrário do passado, não se pode esperar

que o crescimento da força de trabalho seja o principal determinante do crescimento da

economia brasileira” (CNI, 2014, p. 13). Ao lado da questão da produtividade, a

Confederação aponta que outros custos, como o tributário, a energia, e a valorização cambial

contribuem para deixar o país “caro” frente aos principais concorrentes no mercado externo.

Para o combate desses problemas, a CNI apresenta 42 propostas de ações,

reunidas em dez grandes frentes: 1) tributação; 2) relações de trabalho; 3) ambiente

macroeconômico; 4) educação; 5) infraestrutura 6) segurança jurídica e burocracia; 7)

eficiência do Estado; 8) desenvolvimento de mercados; 9) inovação e produtividade; 10)

financiamento. A reconfiguração das propostas remete à pauta original do Custo Brasil, como

elaborada nos anos 1990. O aumento do peso relativo de questões como as relações de

trabalho, por exemplo, vão no mesmo sentido. As medidas relativas a esse ponto convergem

para um diagnóstico de que os custos do trabalho são muito elevados no Brasil, destacando

que nos últimos anos o crescimento dos salários foi muito superior ao crescimento da

produtividade e, por isso, diminuíram a competitividade das empresas brasileiras. As

propostas apresentadas para corrigir o problema seguem as que estão presentes no documento

de 2012, e se resumem a permitir a terceirização em todas as atividades e permitir que as

negociações entre patrão e empregados se sobreponham à legislação.

A leitura dos documentos produzidos para divulgação pela CNI revela a tentativa

de transparecer que suas análises são exclusivamente técnicas e que os interesses da Indústria

são também os interesses do conjunto da sociedade. Contudo, um olhar atento sobre a ação

política da entidade revela que as posições defendidas correspondem a interesses políticos, ora

mais, ora menos explícitos. Dessa forma, vimos que a partir de 2012, a defesa de uma reforma

trabalhista que descaracterizaria a CLT passou a fazer parte da ordem do dia na CNI,

rompendo um dos principais compromissos que mantinham na frente constituída com o

movimento sindical e, evidentemente, dificultando sua manutenção. Na próxima seção,

veremos como esses e outros fatores se relacionaram com a crise da frente

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111neodesenvolvimentista, depois de uma tentativa de aprofundamento do

neodesenvolvimentismo durante o primeiro governo Dilma.

3.2 – A nova matriz econômica: o programa dos industriais

Dado o pouco tempo decorrido desde os fatos abordados na pesquisa, bem como a

relativa ausência de trabalhos discutindo com maior profundidade o papel dos industriais no

período neodesenvolvimentista, a reconstrução histórica da relação entre a principal entidade

patronal da indústria e o Governo Dilma Rousseff é importante para qualificar com maior

precisão o movimento pendular desse setor da burguesia. Procuraremos, dessa forma,

recuperar essa cronologia a partir das relações entre a CNI, o governo e as organizações dos

trabalhadores.

No início de 2011, o recém-empossado governo Dilma dava sinais de que

manteria as diretrizes gerais de seu antecessor. A manutenção de quadros importantes na

equipe ministerial, como o chefe da Fazenda Guido Mantega, era um desses sinais. A

popularidade de Dilma começou elevada (Mazenotti, 2011), e alguns analistas apostavam que

o fato de a nova presidente não ter a mesma ligação que o ex-presidente Lula com o

movimento sindical e popular pudesse ajudá-la a superar a resistência que alguns setores

empresariais ainda nutriam pelo ex-metalúrgico e pelo Partido dos Trabalhadores.

Do ponto de vista da relação com a indústria, a presidente não poderia estar

melhor: em entrevista à Folha de S. Paulo, em fevereiro de 2011, Robson de Andrade,

também recentemente eleito presidente da CNI, demonstrou sua confiança no novo governo –

o que o jornal classificou como “alinhamento” – e afirmou que o Brasil possuía uma oposição

não responsável e pobre no Congresso Nacional (Brito, A., 2011). Coincidentemente, essa

entrevista também aponta para um dos motivos que futuramente causariam problemas ao

frágil equilíbrio que sustentava a existência de uma frente neodesenvolvimentista. A principal

razão da reclamação de Andrade à oposição era a disputa em torno do novo salário mínimo

que seria estabelecido naquele ano. O presidente da CNI defendia a proposta de reajuste do

governo, de R$ 545, enquanto a oposição queria um valor que alcançasse R$ 600, fazendo

alusão à proposta apresentada pelo candidato derrotado na eleição de 2010, José Serra. As

centrais sindicais, por sua vez, reivindicavam um aumento para R$ 580 (CUT…, 2011), o que

demonstra que, mesmo havendo divergência com o governo, a proposta da oposição não havia

sido levada a sério pelas principais entidades dos trabalhadores. Para Andrade, essa seria uma

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112demonstração de que o governo estava disposto a ser austero com o gasto público, um dos

pilares da política econômica defendida pela CNI.

A dificuldade para o governo consistia em um dos obstáculos fundamentais para

manutenção da frente neodesenvolvimentista: dar sinais de responsabilidade fiscal aos setores

empresariais, e manter a política de valorização do salário mínimo em benefício de sua

principal base social, a principal política responsável pelo fortalecimento do mercado interno

que o país havia visto na última década (Singer, 2012). Em meio aos – ainda – pequenos

conflitos, esse era um bom começo para um governo que tinha como objetivo principal

fomentar a reindustrialização do país (Rossi e Mello, 2016, p. 254).

A primeira medida tomada nesse sentido foi o anúncio, em agosto de 2011, do

Plano Brasil Maior, principal projeto de política industrial do governo Dilma. O Plano foi

lançado como Medida Provisória, e previa 287 ações em sua versão original (Singer, 2016, p.

28), a ser avaliada por comissão tripartite formada por governo, sindicatos e setor privado.

Entre outras medidas, contemplava R$ 25 bilhões em desonerações em dois anos (esse valor

seria ampliado ao longo do primeiro mandato de Dilma); a criação de um regime tributário

especial para o setor automotivo; a regulamentação do programa de compras governamentais,

para preferência de produtos e serviços nacionais; abertura de novas linhas de crédito

estratégicas do BNDES; além de outros incentivos às exportações, investimento e inovação

(Veja…, 2011).

A sintonia entre o governo e o setor industrial era nítida, ao ponto de Robson de

Andrade declarar que o plano recolocaria a indústria como eixo do desenvolvimento

(Rodrigues, A., 2011). É interessante notar que, quando do lançamento do plano, não houve

críticas relevantes em relação ao intervencionismo do governo na escolha de setores

prioritários, na definição de alíquotas diferenciadas, ou no impacto das medidas no gasto

público. O setor industrial, nas palavras de Andrade, atuaria como parceiro do governo,

superando o velho dilema liberal que opõe Estado e iniciativa privada.

Depois de um primeiro semestre de ajuste fiscal, o lançamento do Plano Brasil

Maior marcou o início do programa que o governo batizaria de Nova Matriz Econômica.

Segundo Guido Mantega, a NME tinha como objetivo principal corrigir um problema

estrutural da economia brasileira: as altas taxas de juros. O ministro colocava a redução da

taxa básica de juros como caminho natural para a economia brasileira depois da estabilização

monetária promovida pelo Plano Real e do processo de distribuição de renda ocorrido nos

governos Lula (Mantega, 2012).

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113Mais do que medida necessária para o incentivo à produção industrial, o ministro

classificava as taxas de juros brasileiras, historicamente elevadas, como uma “anomalia” que

não se justificava sob nenhuma das explicações de diferentes correntes econômicas. Ainda no

artigo em questão, Mantega responsabiliza os juros altos por outras duas distorções da

economia brasileira, a saber, o câmbio valorizado e a elevada carga tributária. Ao contrário de

análises mais ortodoxas, o então ministro da Fazenda atribui às altas taxas de juros a má

alocação de recursos na economia. Dessa forma, o governo Dilma dá um importante passo em

direção contrária ao receituário dos chamados economistas de mercado, dominantes nos

grandes veículos de comunicação do país. Como veremos posteriormente, essa frente de

disputa com os setores ortodoxos foi crucial para o enfraquecimento da nova matriz

econômica ao longo do primeiro governo Dilma.

A despeito dos conflitos que se seguiriam, ao menos em agosto de 2011, quando

se inicia a redução gradual da taxa de juros, o governo contou com apoio massivo do setor

industrial, em especial da CNI. Em nota publicada após a decisão do Comitê de Política

Monetária (COPOM), a CNI elogiou o corte de juros aliado à política de contenção do gasto

público (Redução…, 2011). Mais do que uma pauta necessária, continua a nota, a medida

demonstrava que o governo estava preocupado com a recuperação da economia no cenário de

crise que se aprofundava, em especial no continente europeu. Posteriormente, Flávio Castelo

Branco, gerente executivo da CNI, também declarou que a expectativa da entidade era de que

a redução impactasse positivamente os indicadores econômicos (Lima, 2011). A trajetória de

queda da taxa de juros continuaria até abril de 2013, chegando a um nível real inferior a 2%

ao ano, quando o Banco Central (BC) dá sinais de ceder à pressão da coalizão rentista, que

intensifica os ataques ao governo, acusando-o de ser complacente com a inflação.

Entendemos esse movimento de fato como uma disputa, uma vez que, segundo relatado por

Singer (2016, pp. 37-39), o diagnóstico do BC que respaldou a interrupção da trajetória de

queda dos juros não era compartilhado pelo restante governo. É importante ressaltar que a

redução da taxa de juros, no contexto em que de fato ocorreu, era uma das principais

demandas da Confederação Nacional da Indústria apresentadas aos candidatos à presidência

da república em 2010 (CNI, 2010). Como veremos mais à frente, apesar de a redução de juros

ser uma demanda central dos industriais, o próprio Mantega apontou, em seu artigo sobre a

NME, que poderia gerar dificuldades para as empresas do setor produtivo no curto prazo.

Nesse interstício, a NME avançou em outras frentes em oposição ao campo

neoliberal. No início de 2012, o governo passa a atuar de maneira mais intensa pela

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114diminuição do spread bancário, também um dos maiores do mundo e alvo de críticas da CNI

e demais entidades industriais (CNI, 2007). Singer (2016, pp. 33-36) faz um relato detalhado

das disputas entre a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e o governo Dilma. Nesse

ponto, cabe um parêntese para ressaltar um aspecto da estratégia utilizada pelo governo na

condução da política econômica: o uso intensivo dos bancos públicos (Rossi e Mello, 2017, p.

21). Tanto no caso do BNDES, para financiamento de investimentos que totalizaram cerca de

R$ 400 bilhões entre 2011 e 2014 (Singer, 2016, p. 29), como a utilização do Banco do Brasil

para forçar os bancos privados a diminuírem seu spread através do acirramento da

concorrência. Essa estratégia é significativa da política assumida pelo governo, se

considerarmos que grande parte da estrutura do Estado desenvolvimentista foi desmontada ao

longo dos anos 1990 com as privatizações. Ou seja, lançando mão dos instrumentos que lhe

restavam, o governo Dilma não hesitou em intervir de maneira vigorosa, ao menos se tratando

do capitalismo brasileiro pós-anos 90, para viabilizar sua nova matriz econômica.

Ao lado da redução da taxa de juros, as duas outras principais distorções da

economia brasileira segundo o ex-ministro Guido Mantega, a carga tributária e o real

sobrevalorizado, também foram atacadas pela nova matriz econômica. Como já

mencionamos, o governo Dilma fez um extenso programa de desonerações, que em 2014

atingiam 42 setores e ao todo totalizaram mais de R$ 100 bilhões (Singer, 2012, pp. 29-30).

Embora criticadas por diversos economistas por terem contribuído com as dificuldades fiscais

do setor público sem que lograssem atingir os efeitos esperados, as desonerações vieram

atender uma demanda antiga da indústria pela redução da carga tributária.

A própria CNI apresentou uma proposta abrangente de reforma tributária no

documento “A Indústria e o Brasil: uma estratégia para crescer mais e melhor”, de 2010.

Contudo, a reclamação sobre o volume de impostos pago pelo setor produtivo é alvo

prioritário das entidades patronais pelo menos desde os anos 1990. É possível que, diante das

dificuldades de realizar uma ampla reforma tributária (Rocha, 2010; Dilma…, 2012) – o que

pressionaria o governo também em relação às demandas do movimento sindical pela

implantação de um sistema mais progressivo – tenha se optado por realizar um amplo

programa de desonerações, sem, contudo, que se tivesse obtido o principal resultado esperado,

qual seja, o aumento na taxa de investimento.

Em relação à taxa de câmbio, tratava-se de uma disputa herdada do governo

anterior. A valorização excessiva da moeda brasileira – cerca de 50% entre 2002 e 2011

(Carneiro, 2017, p. 12), se por um lado havia promovido a modernização dos padrões de

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115consumo de uma parcela importante do mercado interno e ajudara a conter a inflação, por

outro dificultava as exportações de produtos brasileiros, tornando a indústria nacional menos

competitiva. A sobrevalorização cambial foi reconhecida por membros da equipe

governamental como um problema a ser enfrentado (Barbosa, 2013, p. 85), contudo essa

tarefa ficou por conta do novo governo38. Embora seu governo tenha promovido uma ampla

valorização do câmbio, o presidente Lula, após a eleição de sua sucessora, deu declarações à

imprensa se referindo a uma “guerra cambial” promovida por Estados Unidos e China, que

tinham como objetivo tornar suas moedas competitivas num cenário de acirramento da

concorrência global. O então presidente e a presidente eleita foram à Coreia do Sul denunciar

a estratégia, defendendo a competitividade do real e antecipando a política que seria adotada

por Dilma Rousseff.

Nesse cenário, Dilma aumentou os esforços para desvalorizar o câmbio, levando o

valor do dólar para 2,05 reais em 2012, quando permaneceu relativamente estável, sobretudo

no segundo semestre (Rossi e Mello, 2017, p. 17). A questão da taxa de câmbio ainda é

polêmica entre os economistas heterodoxos, em especial os alinhados ao novo-

desenvolvimentismo. Bresser-Pereira (apud Singer, 2016, p. 32), por exemplo, apontava que,

no contexto de 2011-2012, a taxa de câmbio competitiva seria de cerca de 2,75 reais por

dólar, portanto demandaria um esforço além do que o governo havia realizado, o que teria

sido determinante para seu insucesso. A despeito desses questionamentos pertinentes, o

principal interessado no aumento do câmbio – o setor industrial – demonstrava seu otimismo

com a desvalorização promovida pelo governo. Embora endossasse os cálculos que sugeriam

uma taxa entre R$ 2,40 e R$ 2,60 por dólar, Robson Andrade afirmou que a desvalorização

promovida pelo governo seria suficiente para estimular a recuperação da indústria, e inclusive

estimular a substituição de importações de componentes por similares nacionais (Brito, R.,

2012). Do ponto de vista da burguesia industrial, aferido pelo que era exposto através de

declarações à imprensa, não havia dúvidas de que o governo caminhava na direção certa. As

38 A questão em torno da taxa de câmbio é ilustrativa para a discussão sobre as diferenças entre um ensaiodesenvolvimentista (Singer, 2016), expressão que sugere que não havia uma política de desenvolvimento noperíodo 2003-2010, e outras interpretações que enfatizam a continuidade entre os dois governos, como abaseada no conceito de neodesenvolvimentismo (Boito Jr., 2012). De nossa parte, acreditamos que houve apartir de 2011, no primeiro governo Dilma, um aprofundamento de uma visão desenvolvimentista que jáestava presente no governo Lula, principalmente após Guido Mantega assumir a Fazenda, voltada aoinvestimento produtivo, e que implicou se contrapor a interesses de setores rentistas e da burguesiaassociada. Em razão disso, utilizaremos a ideia de “aprofundamento do desenvolvimentismo” e“industrialismo” para nos referir às diferenças entre o governo Dilma e seu antecessor. O próprio papeljogado pela presidente é relevante nesse aprofundamento. Ver a respeito Braga e Fernandes, 2016.

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116discussões, no caso do câmbio, se deram no campo de quanto deveria ser a desvalorização da

moeda nacional.

A pauta industrialista do governo Dilma seguiu também no setor da infraestrutura.

Em entrevista ao Estadão (Dias, 2012), em setembro de 2012, Robson de Andrade atentou

para essa questão como um gargalo para o desenvolvimento do setor industrial. Na

oportunidade, o presidente da CNI pede parcerias com o governo federal, na forma de

concessões e PPPs (Parcerias público-privadas), para viabilizar obras de infraestrutura no

país. O pacote preparado pelo governo incluía ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Ao ser

questionado se a criação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) seria um avanço para

lidar com essa questão, Andrade foi enfático: “Com certeza, é um avanço. Aliás, é algo que

foi demandado pela CNI e que o governo atendeu”.

Na mesma entrevista, o presidente da CNI toca em outro ponto crucial levado a

cabo no final de 2012, a polêmica MP 579, que promoveu a reforma do setor elétrico. A ação

consistia, entre outras medidas, em antecipar a renovação de contratos de concessão para

produção e distribuição de energia, com investimentos já amortizados, e com isso reduzir as

contas de luz. O objetivo do governo era reduzir o valor das contas para consumidores

residenciais e indústrias. “Na verdade, o problema do setor elétrico não é de abastecimento, é

de preço. E esse problema está sendo resolvido com o novo pacote”, disse Robson Andrade ao

Estadão. Além da CNI, a FIESP também se manifestou enfaticamente a favor da MP e da

redução de custo da energia elétrica (Warth, 2012).

A exemplo do que ocorrera na recém-vencida disputa em torno do spread

bancário, o discurso do governo para lançar mão de sua investida no setor elétrico era de que

o custo de amortização de investimentos na construção de usinas hidrelétricas já havia sido

pago, e por isso a cobrança das empresas era indevida. Novamente o governo Dilma atacava o

que julgava ser o lucro excessivo e injustificável de empresários, responsável por gerar

distorções que impediam a aceleração da economia. Para além das disputas ideológicas, o

impacto das ações do governo nas empresas concessionárias foi imediato, no que se refere à

queda no seu valor de mercado e das perdas dos investidores (Singer, 2012, pp. 29-30). Vale

ressaltar que o debate público em torno da reforma do setor elétrico foi altamente

partidarizado, com as concessionárias de Estados governados pelo PSDB – São Paulo, Minas

Gerais e Paraná – se recusando a participar do processo (Única…, 2017).

Nesse sentido, Singer (2016, pp. 30-31) destaca o papel catalisador da reforma e

concede grande importância à questão da intervenção do Estado na economia, que pode ter

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117provocado uma indisposição – que se transformaria em oposição – de setores da burguesia em

relação ao governo Dilma. Considerando também que nesse caso houve perdas reais de

grandes companhias e fundos internacionais, associadas a uma campanha que reverberava na

grande mídia e na imprensa internacional, é possível considerar que houve um impacto

ideológico em relação ao papel do Estado em setores da burguesia. Entre debates sobre a

natureza das ações realizadas pelo governo, de um lado se estaria em curso um novo processo

de privatização como ocorrido nos anos 1990 (Singer, 2013a), de outro se prevaleceria o viés

desenvolvimentista e intervencionista de Dilma, fato é que a presidente levou em

consideração o pleito das entidades representativas dos industriais em suas decisões. Como

também é fato que as medidas tomadas com esse intuito não lograram induzir o aumento do

investimento.

Do outro lado da disputa política, a coalizão neoliberal intensificava as críticas à

nova matriz econômica, críticas que repercutiam em especial entre a classe média (O

fracasso…, 2013). Um expediente comum dos grandes veículos de comunicação, emissoras

de TV e jornais em especial, majoritariamente alinhados ao discurso liberal, é apresentar o

conjunto de medidas do tripé macroeconômico como algo positivo para o país, e

consequentemente para o conjunto da população. Alguns economistas sustentam que num

primeiro momento a desvalorização cambial, numa economia dependente como a brasileira,

reduz o poder de compra e pode trazer consequências inflacionárias. Dificilmente, porém,

encontramos explicações razoavelmente esclarecedoras na grande mídia a respeito dessa e

outras questões. Não se busca convencer o grande público sobre os efeitos de um câmbio

valorizado, mas confundir a respeito dos eventuais objetivos da desvalorização. Nesse

sentido, a utilização de amplo espaço na mídia para combater políticas como a desvalorização

cambial e a queda dos juros, em uma disputa se não ignorada, mal combatida pelo governo,

foi um fator de desgaste para os construtores da nova matriz econômica.

Após dois anos de avanço da pauta industrialista, que coincidiram com a

aprovação recorde da presidente Dilma (Campanerut, 2013), a partir do início de 2013 o

governo começa a enfrentar dificuldades não apenas em impor sua agenda econômica, mas

também pelos resultados esperados que não vieram. A maior intensidade dos ataques movidos

por veículos de imprensa, associada à queda de popularidade da presidente após a onda de

manifestações que tomou o país em junho de 2013, se manifestou em um mal-estar

generalizado, ainda que, naquele momento, não fosse possível identificar críticas localizadas

no setor industrial.

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118Singer (2013b) também observou algo parecido, já em agosto de 2013, depois das

manifestações que reviraram as peças do tabuleiro político: “Embora o capital não faça

manifestação de rua, existe uma espécie de greve de investimentos, apelidada de “desânimo”,

a qual está longe de ser o menor dos problemas políticos de Dilma Rousseff”. O autor

explicita uma série de medidas tomadas pelo governo atendendo aos anseios do empresariado

do setor produtivo, sem que nada tivesse surtido efeito na reanimação da economia. É certo

que não podemos atribuir, automaticamente, a ausência de investimentos ao posicionamento

político da burguesia frente ao governo. Como veremos mais à frente, alguns fatores de ordem

econômica, como o nível de endividamento das empresas, contribuíram com esse cenário de

queda. Contudo, embora não fosse possível prever esse desfecho em 2013, o cenário que se

desenhou naquele ano demonstrou mais uma tendência do que uma situação conjuntural. O

que se seguiu foram recuos do governo que levaram à flexibilização de seu programa inicial, a

fim de conquistar o apoio que faltou da burguesia industrial. Segue Singer: “Mesmo assim,

nada se moveu. Precisará o governo cortar o gasto até o osso, avalizar leis que reduzam o

custo da mão de obra e demitir o titular da Fazenda para conquistar os capitalistas? Estará

disposto a ir tão longe?”. Singer estava certo em relação à pauta que seria exigida do governo,

mas no que se refere a “conquistar os capitalistas”, como veremos na próxima seção,

tampouco surtiu efeito.

3.3 – A burguesia industrial em conflito: a crise da frente neodesenvolvimentista

“É hora de mudar. Os empresários, assim como todos os brasileiros, esperam que

nossos representantes no Congresso Nacional façam sua parte para que o Brasil possa voltar a

sonhar com um futuro melhor”. Foi assim que o presidente da CNI, Robson Braga de

Andrade, encerrou carta endereçada aos deputados federais no dia 12 de abril de 2016 (Ramos

e Viegas, 2016), menos de três anos depois da análise de Singer, às vésperas da votação que

determinou o prosseguimento do processo de impeachment contra a presidenta Dilma. Na

carta, o industrial destaca o péssimo desempenho da economia e afirma que “os brasileiros

têm reais motivos para a desesperança”. A avaliação da CNI era de que o governo não reunia

as condições necessárias para superar a crise política e econômica, o que exigiria uma

mudança de rumo.

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119Em tom diferente do habitual, Andrade criticou enfaticamente a “guinada da

política econômica”, em referência à substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no

Ministério da Fazenda, atribuindo a essa política, representada pelo novo ministro, o “cenário

catastrófico” em que o país se encontrava. A diferença estaria no modelo de política

econômica representado por cada um deles. O ex-ministro, oriundo do sistema bancário e com

credenciais liberais, representava a política de ajuste fiscal que vinha sendo aplicada desde

que a presidente Dilma fora reeleita, em 2014. Já o novo ministro tinha a imagem associada à

política econômica heterodoxa dos dois primeiros anos do primeiro governo Dilma. Em uma

manifestação ainda mais rara, considerando os pronunciamentos típicos da CNI, Andrade

denunciou a complacência do governo com “grupos sociais que pregam a radicalização e o

confronto como forma de impor suas ideias”. Não é difícil imaginar que ele se referia à CUT

e ao MST, os principais movimentos populares organizados que fizeram atos de apoio à então

presidente.

Embora não deixasse explícito, o recado foi claro para os principais veículos de

comunicação, quase todos também apoiando o processo de impeachment (Manfrini e Warth,

2016). A CNI abandonava definitivamente a frente que ajudara a sustentar e apostava suas

fichas num governo de Michel Temer, então vice-presidente, que à época já havia deixado

bastante clara a direção neoliberal que daria à política econômica39, caso ocupasse o Palácio

do Planalto. A carta da CNI demarcava, assim, dois movimentos simultâneos da entidade em

nome da burguesia industrial brasileira, algo que a FIESP já havia feito há algum tempo: o

distanciamento da política neodesenvolvimentista e o afastamento das entidades

representativas de trabalhadores.

Antes de entrar no cerne da questão do afastamento dos industriais e da crise da

frente neodesenvolvimentista, apresentaremos uma breve consideração das interpretações que

dominaram o debate econômico sobre a nova matriz econômica, para compreender como a

situação política evoluiu a tal ponto. Em linhas gerais, essas análises consideram que a gestão

39 A ofensiva do capital financeiro na cena política ficou evidente em outubro de 2015 quando, ainda comovice-presidente, Michel Temer apresentou um documento intitulado “Uma ponte para o futuro”. De caráterultraliberal, o conjunto de medidas reunia uma proposta de política econômica aos sabores do mercado paraenfrentar a crise. Entre outros pontos do documento, destacamos a prioridade ao ajuste fiscal, com oestabelecimento de um teto de gastos; ampliação de privatizações e concessões; mudança no regime deexploração do pré-sal; reorientação da política externa, dando prioridade a Estados Unidos, União Europeiae Ásia; e a promoção de uma reforma trabalhista que permitisse que as negociações coletivas prevalecessemsobre as normas legais. Algumas semanas antes, o então presidente do Senado, Renan Calheiros, tambémapresentou um programa nos mesmos moldes denominado “Agenda Brasil” (Agenda…, 2015). Já emsetembro de 2016, ocupando a presidência, Temer cometeu um ato falho, falando a empresários em NovaYork, ao confessar que o processo de impeachment havia sido instaurado porque o governo Dilma nãoadotara a “Ponte para o futuro” (Fernandes, 2016).

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120econômica do primeiro governo Dilma cometeu erros que levaram ao insucesso do

aprofundamento do neodesenvolvimentisto – vale lembrar a referência feita por Robson de

Andrade à “política econômica que levou o país a um cenário catastrófico”. Para apresentar as

principais correntes envolvidas no debate, utilizaremos o mapeamento formulado por Rossi e

Mello (2016). Posteriormente, defenderemos a análise dos conflitos de classe como forma de

melhor compreender o fracasso da política industrialista, e a consequente crise do

neodesenvolvimentismo, e relacioná-la com características estruturais do capitalismo

brasileiro. Cabe destacar, ainda, que, segundo os autores, até pelo curto período de

distanciamento histórico, o debate econômico sobre o governo Dilma ainda carrega um forte

componente ideológico, que buscaremos considerar para melhor ilustrá-lo.

A primeira interpretação, identificada principalmente com economistas liberais,

atribui a desaceleração da economia ao abandono do tripé-macroeconômico e à mudança para

a nova matriz econômica. Para esses economistas, que possuem espaço de destaque na grande

imprensa, entre os quais podemos citar Samuel Pessôa, Marcos Lisboa e Alexandre

Schwartsman, as medidas que resultaram na recessão foram, principalmente, a política fiscal

expansionista; o abandono do regime de metas de inflação, fixando taxas de juros

artificialmente baixas; a expansão exacerbada de crédito dos bancos estatais, provocando

endividamento excessivo; a manipulação artificial da taxa de câmbio pelo Banco Central;

além da atuação do governo no controle de preços, como no caso dos combustíveis e da

energia elétrica, por exemplo. Ainda segundo a interpretação liberal, o principal mecanismo

que gerou o efeito negativo foi causado pelo excesso de intervenção estatal, gerando uma má

alocação de recursos, o que tirou a capacidade dos agentes privados construírem cenários e,

consequentemente, realizar investimentos (Rossi e Mello, 2016, p. 253).

Essa interpretação ganhou força no debate público com a proximidade das

eleições de 2014, e atribui um papel central à disputa entre empresários, de maneira geral, e o

papel do Estado na gestão de Dilma Rousseff. Independentemente das críticas a essa visão, a

penetração de alguns desses argumentos no meio industrial nos ajudam a entender a mudança

de discurso da CNI40. Por exemplo, as críticas à atuação do governo ganhariam muita força

dentro de setores da burguesia, como o sucroalcooleiro, que acumulou perdas em razão da

política de controle do preço da gasolina pela Petrobras41. Em um primeiro momento, essa

40 Diniz e Bresser-Pereira (2013, p. 21) destacam a influência de uma visão liberal no interior do empresariadoindustrial brasileiro.

41 A política de controle do preço da gasolina tinha como objetivo conter a inflação e reduzir custos daindústria nacional. Já em 2015, no início do segundo mandato de Dilma, essa medida foi amplamentecriticada na grande imprensa e apontada como responsável por causar uma série de distorções na economia,

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121insatisfação foi canalizada no movimento “Volta, Lula”, defendido nos bastidores por

empresários, setores do próprio governo e do Partido dos Trabalhadores, que desejavam que o

ex-presidente se lançasse candidato em 2014. Segundo se noticiou na imprensa à época, Lula

teria melhor diálogo com o conjunto do empresariado do que sua sucessora, o que pode ser

entendido, dado o contexto, como a defesa de uma postura menos intervencionista. Já nas

eleições, os argumentos liberais ganharam força principalmente com a candidatura de Aécio

Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), na defesa da autonomia do Banco Central, por exemplo.

O candidato mineiro chegou a anunciar o ex-presidente do BC no governo FHC, Armínio

Fraga, um quadro fortemente ligado ao mercado financeiro, como seu ministro da Fazenda

caso eleito, o que mostrava uma mudança de ventos vindos da burguesia. Embora a presidente

Dilma tenha sido reeleita com um discurso à esquerda, dois movimentos marcaram sua

capitulação ante a pressão neoliberal: a demissão virtual do ministro Guido Mantega ainda

durante a campanha, e a posterior nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda, um economista

com as credencias da Escola de Chicago e buscado no sistema financeiro, mais precisamente

entre os executivos do banco Bradesco.

A segunda interpretação apresentada por Rossi e Mello (2016, pp. 253-254) que

também aponta para erros na condução da política econômica, mas de natureza bastante

distinta da interpretação liberal, se identifica com a corrente novo-desenvolvimentista. Tendo

como principal expoente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, os economistas alinhados

ao novo-desenvolvimentismo creditam ao câmbio excessivamente elevado – principalmente

durante o governo Lula – a inviabilização das medidas tomadas por Dilma e, no limite, do

próprio futuro do governo. Vale ressaltar que, entre as ações da nova matriz econômica,

estava a desvalorização da taxa de câmbio, que chegou a atingir R$ 2,05 em maio de 2012

(Singer, 2016, p. 31). Contudo, tal desvalorização teria sido insuficiente para tornar a

indústria brasileira competitiva em um cenário de acirramento da concorrência global.

Ao lado da sobrevalorização do real, segundo os intelectuais dessa corrente

teórica, a elevação dos salários acima da produtividade – parte fundamental da política social

dos governos neodesenvolvimentistas – teria sido responsável por pressionar as margens de

rentabilidade do setor industrial e impedir os investimentos. No que pesem suas visões

opostas, a questão do crescimento dos salários acima da produtividade encontra eco tanto

entre novo-desenvolvimentistas como entre liberais. Embora esse fator tenha um peso

questionável no aumento de custos da indústria, ao menos no período 2002-2010 (Diegues,

a exemplo do choque inflacionário daquele ano – quando os preços foram reajustados – e por ter contribuídopara o endividamento da Petrobras. Ver a respeito Mello (2014).

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1222015, pp. 70-71), essa foi uma das reclamações da CNI no âmbito das últimas eleições

presidenciais (CNI, 2014, p. 59).

Uma terceira interpretação destaca o impacto negativo do ajuste fiscal realizado

no início de 2011, que teria funcionado como um freio para o desempenho da economia nos

anos seguintes. Segundo os defensores desta visão, a contração fiscal e monetária teve papel

crucial na forte desaceleração do crescimento nos anos seguintes (Rossi e Mello, 2016, p.

254). A despeito das críticas recebidas, o governo defendeu essa estratégia como essencial

para dar início à política de queda dos juros. Posteriormente, o então ministro Guido Mantega

admitiu que a hipótese que sustentara a ação do governo em 2011, de que economia mundial

estaria se recuperando, estava errada (Singer, 2016, p. 39).

A quarta e última linha de interpretação apresentada pelos autores entende que a

política econômica adotada no primeiro governo Dilma tinha por objetivo garantir a

competitividade da indústria nacional em um cenário de acirramento da concorrência externa,

através da redução dos custos de insumos e do crédito, além da desvalorização do câmbio e de

uma série de desonerações fiscais, denominada “estratégia industrialista”. Essa foi uma

tentativa do governo de responder aos desafios estruturais do complexo industrial brasileiro, e

às pressões políticas das entidades industriais42. Entretanto, continuam os autores, as medidas

industrialistas não foram suficientes para superar os entraves da economia naquele momento.

Em um cenário de aprofundamento da concorrência internacional, principalmente após a crise

iniciada em 2008, as empresas brasileiras também sofreram com a queda da demanda interna,

e se utilizaram dos benefícios fiscais concedidos para recompor parcialmente suas margens de

rentabilidade, em vez de utilizá-los para alavancar os investimentos, como era o objetivo do

governo (Rossi e Mello, 2016, pp. 253-254).

Os erros de condução de política econômica, como apontados pelas diferentes

correntes de economistas, contudo, tocam superficialmente as causas da crise do

neodesenvolvimentismo, quando de seu aprofundamento no governo Dilma. Para que

possamos incluir eventuais erros na condução da política econômica em nossa análise,

devemos observá-los à luz do conflito de classes que caracterizou o período

neodesenvolvimentista, e dos próprios entraves estruturais da economia brasileira. Para além

das questões estritamente econômicas, nosso objetivo é identificar qual o papel dos conflitos

entre classes e frações de classe, e como levam à crise do neodesenvolvimentismo. Para

42 Como procuramos destacar, essas ações do governo estavam alinhadas com a pauta apresentada pela CNIacerca das necessidades da indústria brasileira, em especial no que consta no documento “A Indústria e oBrasil: uma agenda para crescer mais e melhor”, de 2010.

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123responder nossa principal questão, partimos da análise de Singer (2016), que encontra no

afastamento da burguesia industrial da frente neodesenvolvimentista e no fortalecimento da

coalizão neoliberal, as principais causas para a crise do governo Dilma. Tendo em vista estas

considerações iniciais, pretendemos qualificar os vários aspectos desse processo – políticos,

econômicos e ideológicos – para compreender melhor a crise da frente neodesenvolvimentista

e da própria NME. Singer mapeia as explicações para o afastamento da burguesia industrial

da base de sustentação do governo Dilma a partir de quatro aspectos principais, os quais

buscaremos desenvolver a seguir. Cabe destacar que tais aspectos, embora enfatizem questões

diferentes, não são excludentes entre si, mas, ao contrário, complementares (Singer, 2016, p.

50). Desse modo, seguimos o entendimento de que a crise da frente neodesenvolvimentista é

multicausal, portanto não pode ser explicada por uma única variável (Martuscelli, 2017, p.

16).

Como primeiro aspecto, Singer (2016, p. 45) apresenta o que chama de

“características estruturais” da burguesia brasileira. Segundo essa interpretação, a recente

financeirização do capital em escala global, promovida pelo neoliberalismo, teria provocado

uma fusão entre capital industrial e financeiro, ou ao menos reduzido suas nuances. Nesse

cenário, uma parte considerável dos ganhos dos grupos econômicos tidos como industriais

viria de atividades ligadas à tesouraria43. Isso contribuiria com a fragilidade das alianças

produtivas entre classes sociais, já que faria com que os empresários tivessem menos ímpeto

em realizar alianças com trabalhadores voltadas ao desenvolvimento produtivo. Nesse

cenário, a burguesia industrial não mais dependeria exclusivamente, ou majoritariamente, de

atividades produtivas, mas obteria cada vez mais lucro em práticas rentistas.

Essa argumentação possui alguns problemas, já que mesmo com as

transformações estruturais características do capitalismo neoliberal, as divisões internas da

burguesia não são abolidas. A própria organização dos empresários em entidades patronais

voltadas a defender interesses específicos de diferentes setores econômicos é um indício em

prol do argumento de que os grupos econômicos possuem uma atividade prioritária e orientam

suas principais ações em torno delas. Ou seja, podemos considerar a hipótese levantada por

Singer se tomarmos alguns cuidados, a fim de incorporar uma série de outros argumentos

econômicos ao debate. Nesse sentido, para entender as mudanças estruturais no interior da

43 Apenas para ilustrar o argumento, em maio de 2017 veio a público um episódio envolvendo a compra dedólares e venda de ações pela JBS com intuito de obter ganhos com o movimento especulativo do mercadodiante da divulgação da delação premiada dos donos do grupo no âmbito da Operação Lava Jato. Ver UOL,2017.

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124burguesia industrial brasileira que se iniciam no período neoliberal, recorremos

principalmente às análises de Diegues (2015) e Diegues e Rossi (2016), que veem as

transformações ocorridas na estrutura produtiva como um novo padrão de organização e

acumulação que denominam Doença Brasileira. Embora o nome seja uma referência ao

conceito de Doença Holandesa, as duas definições guardam diferenças entre si, que

abordaremos mais à frente.

Em vez de restringir os problemas da NME à condução econômica do governo

Dilma, essa perspectiva teórica os insere no âmbito da economia política. Em linhas gerais, a

tese da Doença Brasileira parte da observação da coexistência de um processo de

especialização regressiva da estrutura produtiva na primeira década dos anos 2000, com fortes

indícios de desindustrialização, ao mesmo tempo em que há a manutenção, e até ampliação,

da acumulação do capital investido na esfera industrial. Com efeito, o baixo dinamismo da

indústria local, entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, seria, na verdade, o

resultado de um novo modelo exitoso de acumulação, em resposta à reestruturação produtiva

sofrida após o processo de abertura econômica (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 2).

Segundo os autores, esse padrão de organização deriva de grandes transformações

levadas a cabo nas últimas décadas do século XX, que permitiram a fragmentação global do

processo produtivo e provocaram mudanças no âmbito das empresas industriais, demandando

grande liquidez e desempenho de curto prazo. Isso exigiu a concentração das empresas em

atividades não manufatureiras, em especial as financeiras, com o objetivo da maximização de

seu valor acionário (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 12). Além das transformações na esfera

empresarial, a indústria brasileira passou por outro condicionante que a induziu ao novo

modelo de acumulação: a crise do nacional desenvolvimentismo e do modelo de

industrialização por substituição de importações que, por sua vez, teve sua origem na

transição para o paradigma da microeletrônica, conforme assinalado por Coutinho (1992 apud

Diegues e Rossi, C., pp. 12-13), colocando o complexo eletrônico como elemento central da

atividade econômica e da competitividade. No campo político, esse fenômeno esteve

associado a uma ofensiva liberal que influenciou a abertura comercial e a liberalização

financeira, que culminaram na reestruturação produtiva atravessada pela indústria brasileira,

como já abordado.

A reação da burguesia industrial brasileira a essas transformações foi defensiva,

no sentido de se adaptar ao novo cenário mundial perdendo complexidade, em lógica oposta à

diversificação do parque industrial ocorrida no período de industrialização por substituição de

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125importações. A tese central da Doença Brasileira dá conta de que essa reação defensiva por

parte dos industriais deu origem a um processo de adaptação em direção a um novo modelo

de acumulação, no qual as empresas brasileiras passam a fundamentar seu dinamismo, em

diferentes graus, no seguinte tripé:

a) reorganização das empresas industriais locais, promovendo sua integração às

cadeias globais de valor como importadoras;

b) aproveitamento do aumento do mercado interno, ocorrido durante os governos

Lula44;

c) consolidação da “vocação” do parque produtivo nacional como grande

exportador de produtos intensivos em recursos naturais (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 13).

Esse movimento, portanto, reforçou a tendência de inserção subordinada da economia

brasileira no capitalismo global (Paulani, 2013).

Como mencionamos, esse novo modelo de acumulação disseminado na indústria

brasileira guarda diferenças com o conceito a que faz referência. De maneira bastante

simplificada, a Doença Holandesa compreende o fenômeno da desindustrialização em

decorrência da apreciação da moeda local, que ocorre em virtude de um desempenho pujante

na exportação de commodities. O fenômeno foi batizado em referência ao processo ocorrido

na Holanda nos anos 1960 que, com o aumento do preço do gás, produto no qual o país era

rico, viu a entrada maciça de capital proveniente da exportação do recurso natural o que, por

sua vez, provocou a apreciação da moeda holandesa, tirando competitividade da indústria

local (Diegues e Rossi, C., 2016, pp. 14-15). Ao contrário da Doença Holandesa, que prevê

que com a perda de competitividade haverá redução da lucratividade das empresas industriais,

a Doença Brasileira explica justamente o efeito contrário. O baixo dinamismo do setor

industrial, dada sua especialização regressiva, constitui parte de um novo padrão exitoso de

acumulação. Esse novo padrão, por sua vez, é resultado de um processo de adaptação à

conjuntura global e se baseia na redução de conteúdo local adicionado à produção, bem como

o crescimento das importações de componentes e até de produtos finais (Diegues e Rossi, C.,

2016, pp. 14-15). A principal diferença entre os dois fenômenos, portanto, é que ao contrário

do que ocorre num cenário de Doença Holandesa, onde se espera a fragilidade da indústria

local com redução de margens de lucro, o lucro da atividade industrial no Brasil, no período

entre 2000 e 2010, quase dobrou (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 16).

44 Como apontamos no item anterior, as referências ao mercado interno passam a ocupar maior espaço naagenda política da CNI nos anos 2000.

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126Em resumo, embora a análise de Diegues ainda seja relativamente recente, alguns

pressupostos nos parecem importantes para melhor compreender o que ocorreu no primeiro

governo Dilma e suas consequências para a estabilidade da frente neodesenvolvimentista.

Retomando o que havíamos ponderado a respeito de sua aplicabilidade no campo da

economia política do neodesenvolvimentismo, o processo de reestruturação da indústria

brasileira ocorrido após os anos 1990, embora não tenha acabado com as divisões no interior

da burguesia, como defendido por algumas correntes teóricas, contribui para entender o apoio

hesitante – que posteriormente se converteu em oposição – dos industriais à nova matriz

econômica. Esse movimento dos industriais em direção à oposição, por sua vez, foi

influenciado pela piora dos indicadores econômicos a partir de 2011, e pela queda da taxa de

lucros no ano seguinte.

A segunda explicação apresentada por Singer (2016, pp. 45-46) enfatiza o

acirramento do conflito entre capital e trabalho. Essa visão parte da consideração do avanço

do número de greves no período que vai de 2008-2013, e do crescimento real do salário médio

nesse período, fruto direto da política de pleno emprego comandada pelo governo Dilma até

2014. A intervenção do governo no mercado de trabalho teria sido responsável por provocar a

indisposição da burguesia, que viu seu poder sobre a política econômica enfraquecido sem ter

a sua disposição o recurso das demissões em massa, e manifestou seu descontentamento por

meio de uma greve de investimentos. As consequências foram mais sentidas pela classe

trabalhadora a partir do final de 2014, com o abandono da política de pleno emprego em razão

de pressões do conjunto da burguesia. Ainda segundo essa interpretação, o desenvolvimento

desse processo estaria ligado ao acirramento da luta de classes no Brasil, que permanecera

relativamente controlada nos anos Lula (Singer, 2012).

Ainda que concordemos com Singer que os dados que apontam para um

acirramento do conflito de classes, também é necessário ponderar que existem – pelo menos

até o momento – poucos indícios de que a burguesia industrial tenha adotado uma estratégia

de greve de investimentos exclusivamente em oposição ao intervencionismo do governo.

Alguns economistas dão conta de que o endividamento do setor produtivo foi um dos fatores

determinantes para o governo Dilma não ter repetido o ritmo de crescimento da taxa de

investimento do governo Lula, que se transformou em queda a partir de 2014. De acordo com

Rezende (2016), durante o momento de maior crescimento econômico e de melhora das

expectativas, algo que durou até 2011, muitas empresas se endividaram com o intuito de

expandir suas atividades. Com a queda na taxa de lucro vista em 2012, e a piora nas

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127expectativas dos empresários que se confirmou nos anos seguintes (Revista PEGN, 2014),

essas empresas do setor produtivo se viram “asfixiadas” pelo alto endividamento e pararam de

investir. As medidas tomadas pelo governo para conter esse processo, principalmente as

desonerações, aliviaram parcialmente a situação de endividamento, mas não lograram

aumentar o investimento, seu objetivo inicial. Com o ajuste fiscal, em 2015, a situação foi

agravada.

Com efeito, esse cenário de aumento do endividamento e queda da taxa de lucro

das empresas correspondeu à ofensiva da CNI e outras entidades patronais por uma reforma

trabalhista, como já mencionado. Ao mesmo tempo, o país atravessava um novo ciclo de

greves (Boito Jr. e Marcelino, 2010) que permitira uma série de ganhos aos setores mais

organizados da classe trabalhadora, ou ao menos evitara perdas. De modo que, a partir de

2012, começou a se construir um cenário em que a NME não logrou produzir o crescimento e

revitalização do parque industrial esperados, mas sustentou o nível de emprego e de renda da

classe trabalhadora, o que pode ter impactado na perda de apoio dos industriais.

Ao longo dos governos Lula e Dilma, setores do sindicalismo já haviam rompido

com a frente neodesenvolvimentista. Em um primeiro momento, parte dessas defecções

ocorreu à esquerda, pelo fato de os governos do PT terem aberto mão de reivindicações

históricas da classe trabalhadora, ou por divergências com a ala majoritária da CUT, e

culminaram com a criação de novas organizações sindicais, em especial Conlutas e

Intersindical (Galvão; Marcelino; Trópia, 2015). A partir do momento em que se inicia a crise

do governo Dilma, outra parcela importante do movimento sindical abandona a frente

neodesenvolvimentista, mas para se aproximar do campo neoliberal (Boito Jr., 2016, p. 160),

cujo caso emblemático é o da Força Sindical. Entretanto, os conflitos não ficaram restritos ao

setor do sindicalismo que rompeu em direção ao campo neoliberal. A divulgação das 101

propostas da CNI foi mal recebida pela CUT, maior central sindical brasileira e principal base

de apoio da frente neodesenvolvimentista entre o movimento operário. Em seu site, a Central

disponibilizou um artigo de seu diretor executivo nacional, Julio Turra (2012), afirmando que

não aceitaria qualquer tipo de negociação em relação às propostas da CNI, que “reduziriam a

pó os direitos inscritos na Consolidação das Leis do Trabalho”. O secretário de relações do

trabalho da CUT-RJ, Marcello Azevedo (2012), foi ainda mais incisivo, ao classificar o

documento da CNI como a “modernidade da selvageria”, responsável por impor, no século

XXI, relações de trabalho do século XIX. Ou seja, ao menos do ponto de vista do governo e

da frente neodesenvolvimentista, se formou uma tempestade perfeita.

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128Cabe ressaltar, contudo, que embora a luta popular tenha contribuído com o

surgimento e agravamento da crise do neodesenvolvimentismo e institua uma contradição

importante no interior da frente, ela ocupou papel secundário se comparada à ofensiva da

coalização neoliberal iniciada em 2012 (Boito Jr., 2016, p. 159). Isso ocorreu porque o

crescimento do movimento sindical visto durante o período neodesenvolvimentista se traduziu

em ganhos reais sem, contudo, resultar em um salto organizativo do movimento dos

trabalhadores. A luta popular se manteve, assim, no plano reivindicativo e segmentada por

categorias (Boito Jr., 2016, pp. 159-160). O cenário que se construiu mostrava que, embora o

aumento dos ganhos dos trabalhadores não fosse a principal contradição enfrentada pela

frente neodesenvolvimentista, era um preço que a burguesia industrial não estava mais

disposta a pagar.

Além do acirramento do conflito distributivo que atingiu o país durante o governo

Dilma, conflitos no cenário internacional impactaram a frente neodesenvolvimentista. Esse é

o terceiro aspecto levantado por Singer (2016, pp. 47-49), que aponta para uma reordenação

internacional ocorrida a partir da crise de 2008 que implicou em mudanças na relação entre a

burguesia interna e o capital internacional. Desde o governo Lula, a política externa brasileira

foi orientada em um eixo Sul-Sul, o que implicou o fortalecimento do Mercosul e das relações

com os demais países da América Latina e da África, a China, e também implicou na

formação dos BRICS. Esse movimento teve como um de seus pontos de inflexão a articulação

de diversos governos de esquerda latinoamericanos para vetar a implantação da ALCA, em

2005. A própria CNI fez parte desse processo, como apontamos no capítulo 2, já que a

política externa neodesenvolvimentista procurou fortalecer a burguesia interna e,

consequentemente, os industriais (Boito Jr. e Berringer, 2013, pp. 34-35).

Essa reordenação das grandes disputas internacionais, ainda segundo Singer, faria

com que o Brasil tivesse que optar claramente entre um bloco liderado pelos Estados Unidos e

outro pela China. Essa disputa entre os dois polos de poder internacionais também guarda

correspondência com disputas na política brasileira que, por sua vez, correspondem a

interesses de classe. Enquanto a política externa iniciada no governo Lula foi fundamental

para levar a cabo alguns pontos do programa neodesenvolvimentista, uma política que optasse

pela maior proximidade com os Estados Unidos implicaria o retorno ao neoliberalismo típico

do Consenso de Washington. Como retomaremos mais à frente, a CNI, que em certa medida

apoiou a política Sul-Sul dos governos Lula, e a grande burguesia interna, sua principal

beneficiária, sinalizam, sobretudo entre 2013 e 2014, para uma reaproximação com os Estados

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129Unidos e a União Europeia, sob a justificativa de se inserirem nas cadeias globais de valor.

Apenas para citar dois exemplos nesse sentido, Robson de Andrade esteve nos Estados

Unidos em 2013 para um encontro entre empresários e defendeu que o Brasil deveria começar

a planejar um acordo de livre comércio entre os dois países (Nicácio, 2013). No ano seguinte,

já nomeado novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando

Monteiro seguiu pelo mesmo caminho de seu sucessor na presidência da CNI, e declarou que

o Brasil deveria “mudar e fazer novas apostas” em relação à política externa, priorizando a

relação com os Estados Unidos e a União Europeia (Saída…, 2014).

Logo, a opção pela proximidade com os Estados Unidos é um fator importante

para compreender a orientação geral da burguesia industrial em uma determinada conjuntura.

Para compreender essas mudanças, cabe recuperar uma visão cunhada pelo neoliberalismo a

respeito da dinâmica das disputas internacionais que ganhou força nos anos 1990:

[…] perdeu visibilidade a clivagem centro vesus periferia, e os países

hegemônicos passaram a ser vistos como colaboradores do desenvolvimento

econômico brasileiro ao invés de seus concorrentes: não se fala mais em

imperialismo e nacionalismo, mas em integração a uma rede transnacional

de interesses diferenciados (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 9).

Nesse sentido, embora o neodesenvolvimentismo não se caracterize por uma

postura anti-imperialista, conforme a distinção feita por Boito Jr. (2012, pp. 67-68) entre

burguesia interna e a antiga burguesia nacional, a maneira de inserção do país no cenário

internacional é alvo de disputa com as forças neoliberais. O que se viu a partir de 2013 foi

uma lenta reorganização das forças da burguesia, e nesse caso em especial da burguesia

industrial, em direção ao neoliberalismo.

Essa consideração não é menos relevante quando analisamos a trajetória do

neoliberalismo em perspectiva histórica, já que os Estados Unidos foram os grandes

responsáveis pela disseminação da política neoliberal na América Latina, inclusive apoiando a

eleição de governos alinhados a essa política (Duménil e Lévy, 2014, pp. 19). Esse interesse,

por sua vez, visa tirar os países subdesenvolvidos da competição internacional (Diniz e

Bresser-Pereira, 2013, p 19). A influência histórica dos Estados Unidos na América Latina e a

tentativa de recuperar a influência perdida na região com a eleição dos governos de esquerda

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130nos anos 200045 demonstram que o continente é uma esfera de influência importante para os

norte-americanos em tempos de crise.

O último dos quatro aspectos apresentados por Singer se refere ao componente

ideológico que se manifesta a partir das contradições da frente neodesenvolvimentista e que

levaram a burguesia interna a se reaproximar da coalizão neoliberal. Singer (2016, pp. 49-50)

defende que, diante do aprofundamento da política desenvolvimentista de Dilma, a coalizão

neoliberal mobilizou um extenso aparato de formulação de ideias liberais, que encontra nos

grandes veículos de comunicação seu principal meio de divulgação, embora tenha logrado

desenvolver novos meios de disseminação dessas ideias, como os thinks tanks e novos

movimentos de direita através das redes sociais46.

Cabe destacar que tal ofensiva ideológica teve êxito muito em razão do baixo grau

de sucesso da política desenvolvimentista levada a cabo pelo governo Dilma, que falhou em

seu objetivo de promover o crescimento econômico e impulsionar a indústria nacional, pelos

motivos que já mencionamos. Se não podemos atribuir exclusivamente a crise da frente

neodesenvolvimentista à piora nos indicadores econômicos, podemos afirmar que o baixo

crescimento no governo Dilma abriu flancos que serviram ao ataque da coalização neoliberal.

A grande mídia passou a usar o termo “pibinho” para se referir ao crescimento econômico do

primeiro governo Dilma, em especial a partir de 2013, creditando o fraco desempenho na

economia exclusivamente às mudanças promovidas pela NME, descartando qualquer impacto

externo ou conjuntural. Nesse contexto, prossegue Singer, críticas ao governo se aglutinaram

sob o manto do “anti-intervencionismo”, pauta cara à burguesia desde a campanha contra a

estatização no governo Geisel. Dessa forma, a piora do cenário econômico foi uma condição

necessária, mas não única, para a mudança de posição da burguesia industrial. As

características estruturais de dependência do capitalismo brasileiro também possuem seu grau

de influência, já que levam o setor industrial a ser atraído pela ideologia liberal (Diniz e

Bresser-Pereira, 2013, p. 21).

Há ainda outro elemento destacado por Singer (2016, p. 50) que alimentou a

campanha ideológica movida contra o governo Dilma e a nova matriz econômica: a piora dos

indicadores econômicos acompanhada pela queda generalizada da margem de lucro ocorrida

45 Em um intervalo de pouco mais de 10 anos, a América Latina viu eleitos Hugo Chávez, na Venezuela(1998), Lula, no Brasil (2002), Néstor Kirchner, na Argentina (2003), Tabaré Vásquez, no Uruguai (2004),Evo Morales, na Bolívia (2005), Rafael Correa, no Equador (2006) e Fernando Lugo, no Paraguai (2008),entre outros.

46 Destacamos, entre outros: Instituto Liberal, Instituto Mises Brasil, Instituto Millenium, no primeiro grupo; eMovimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online, no segundo.

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131em 2012. A retomada da pauta de uma ampla reforma trabalhista por parte da CNI indica que

essa questão tocou profundamente a burguesia industrial, colocando em xeque a frente com a

classe trabalhadora e trazendo ao debate público críticas não só ao intervencionismo do

Estado, mas resgatando antigos jargões como o de “república sindical”, em referência à

participação de quadros no governo oriundos de sindicatos (Galvão, 2012, p. 190). Embora

não sejam temas pautados diretamente por representantes da CNI, é possível perceber sinais

de que ecoam por todo o espectro da burguesia.

A manutenção de parte dos ganhos da classe trabalhadora, como a política de

valorização do salário mínimo e o pleno emprego (Tomazelli, 2014), enquanto a economia

dava sinais de estagnação e o governo já não contava com apoio maciço da burguesia interna,

provocou um cenário complexo que se consolidou na eleição de 2014, no âmbito da cena

política, marcado por uma ofensiva do campo neoliberal. A reeleição da presidente Dilma se

deu com a menor margem de votos em relação ao segundo colocado, o senador Aécio Neves,

do PSDB, desde a redemocratização. O processo eleitoral, além de refletir conflitos de classes

presentes na sociedade brasileira, contou com uma grande reviravolta: a morte do candidato

Eduardo Campos, em um acidente aéreo, já durante a campanha. O ex-governador de

Pernambuco era, até o ano anterior, um dos principais aliados do Partido dos Trabalhadores

em esfera nacional. O rompimento com o governo e o anúncio de sua candidatura pelo PSB,

buscando apoio dos setores da burguesia que estavam descontentes com a presidente, era sinal

de que a frente neodesenvolvimentista não estava coesa como antes.

A morte de Campos alçou ao posto de cabeça de chapa Marina Silva, que havia

rompido com o campo neodesenvolvimentista ao deixar o cargo de ministra do Meio

Ambiente no governo Lula. Ainda que fosse apontada pela mídia como uma candidata

próxima do lulismo47, Marina Silva, assim como Aécio Neves, procurou apoio principalmente

entre a burguesia associada ao capital financeiro, na figura do mercado (Lima e Fernandes,

2014). Embora a candidatura da ex-ministra tenha se esvaziado rapidamente e terminado em

terceiro lugar, num primeiro momento chegou a liderar as pesquisas de intenção de voto.

Publicamente, a candidata apresentou como seu principal assessor o economista Eduardo

Gianetti da Fonseca, alinhado ao liberalismo, além de contar com o apoio da educadora Neca

Setúbal, acionista do Banco Itaú, na coordenação de sua campanha.

O principal aceno em direção ao campo neoliberal, contudo, não se deu através da

escolha de sua equipe, mas pela proposta de independência do Banco Central garantida por47 Utilizamos aqui o termo lulismo de maneira livre, como o conjunto de forças políticas que se organiza em

torno da figura do ex-presidente Lula, da forma com que frequentemente é usado pela imprensa.

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132lei, também defendida, ainda que com outras palavras, por Aécio Neves (Caleiro, 2014). Essa

era uma proposta antiga do grande capital financeiro, que foi apresentada na campanha

eleitoral como uma maneira de garantir que o BC não estaria submetido a pressões políticas.

Como vimos no capítulo 2, este é um dos pilares da ideologia neoliberal: a redução dos

mecanismos de controle das instituições de Estado, que devem ser comandadas por técnicos

livres de pressões políticas48. A presidente Dilma, por sua vez, foi contrária à proposta e

politizou o debate, sob o argumento de que o governo não poderia abrir mão de qualquer

controle sobre a autoridade monetária. Uma inserção de campanha da candidata do PT gerou

grande repercussão, ao associar a autonomia do BC, que ficaria à mercê dos interesses do

sistema financeiro, com a falta de comida nos lares brasileiros. Ao mesmo tempo em que a

presidente optou por apresentar uma visão oposta à do campo neoliberal, foi durante o

governo Lula que o BC ganhou “autonomia operacional”, flexibilizando os mecanismos de

controle pelo presidente da República e se consolidando como um centro de poder do capital

financeiro (Boito Jr. e Saad-Filho, 2015; Boito Jr., 2018, p. 236). Essa disputa é importante,

pois expõe as próprias contradições da frente neodesenvolvimentista, entre os setores

financeiro e produtivo, e suas limitações em romper com o neoliberalismo, bem como o poder

estrutural do capital financeiro no capitalismo neoliberal (Bastos, 2017, p. 11).

Com a ofensiva do campo neoliberal, a presidente recorreu, em especial no

segundo turno, à sua base de apoio composta pelo movimento sindical e popular, a fim de se

distanciar do candidato do PSDB. A estratégia surtiu efeito, rendendo a quarta vitória

consecutiva em eleições presidenciais ao Partido dos Trabalhadores. Após as eleições,

contudo, ao passo que o campo neoliberal continuou sua ofensiva, o governo desmobilizou

sua base procurando recuperar o apoio do conjunto da burguesia, num movimento de recuo

gradual, adotando diversos pontos do programa apresentado pelas candidaturas neoliberais.

Os dois principais movimentos políticos que enfraqueceram a base de apoio da presidente

reeleita foram a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, o que incluía o

anúncio de um pesado ajuste fiscal; e as sucessivas tentativas de anular o resultado da eleição

por parte de seus adversários, com pedidos de recontagem de votos e uma ação no Tribunal

Superior Eleitoral contra a chapa vencedora. Ou seja, o cenário que se consolidou durante o

período eleitoral e nos meses seguintes foi decisivo para o aprofundamento da crise do

governo Dilma e da frente neodesenvolvimentista.

48 Nesse sentido a política é sempre apresentada como algo pejorativo, e não como a luta entre interessesconflitantes.

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133Para melhor compreender os efeitos ideológicos que se intensificaram a partir de

2013, partiremos da distinção feita por Martuscelli (2017, pp. 9-12) entre hegemonia política

e hegemonia ideológica. Enquanto a primeira se refere à acomodação de uma fração de classe

no bloco no poder, a segunda, baseada no conceito de fração reinante como elaborado por

Poulantzas, passa a designar a fração que detém hegemonia ideológica sobre o conjunto da

sociedade. O autor aponta que o fortalecimento político da grande burguesia interna no bloco

no poder foi possível graças a sua constituição como fração reinante. Cabe ressaltar que este

fortalecimento não é sinônimo de conquista da hegemonia política dentro do bloco no poder,

já que essa posição continua ocupada pela burguesia associada, mas promove uma melhora

relativa para a burguesia interna. O processo de conquista da hegemonia ideológica, por sua

vez, embora tenha sido bem-sucedido durante os governos do PT, também evidencia as

fragilidades da burguesia interna diante das demais frações burguesas e do imperialismo, pois

exigiu a aproximação do movimento sindical e popular, bem como do Partido dos

Trabalhadores, para lograr êxito. A “ideologia neodesenvolvimentista”, como denominada

pelo autor, “se pautava na ideia de uma recuperação do emprego, do salário, da promoção da

atividade industrial, do ativismo do Estado e do realinhamento em termos de política Sul-Sul”

(Martuscelli, 2017, p. 10), e foi responsável por cimentar a aproximação da frente

neodesenvolvimentista.

Embora classifique os governos do PT como sociais-liberais, principalmente em

razão das diferenças entre seu discurso e sua prática política, Martuscelli (2017, pp. 10-11)

aponta que a ideologia neodesenvolvimentista, que os influenciou e sustentou a hegemonia

ideológica da burguesia interna, se choca contra os pilares da política neoliberal ortodoxa,

pautada nas virtudes do livre mercado e do Estado mínimo. De modo que o processo de

ofensiva do campo neoliberal, que abordamos nos parágrafos anteriores, se dá em

contraposição à ideologia neodesenvolvimentista. É essa a principal disputa no plano

ideológico que se manifesta na crise do governo Dilma.

A ofensiva do neoliberalismo, por sua vez, se dá sob um verniz conservador, uma

vez que a burguesia associada, ligada principalmente a atividades comerciais, bancárias e

financeiras, também tem dificuldades em apresentar seus interesses particulares como

interesses do conjunto da sociedade (Martuscelli, 2017, p. 10). Com efeito, o principal recurso

utilizado pela coalizão neoliberal no ataque à frente neodesenvolvimentista foi a luta contra a

corrupção. O campo neoliberal, com apoio dos grandes veículos de comunicação e respaldado

pela Operação Lava Jato, teve êxito em projetar a corrupção como principal problema

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134nacional e atribuí-la aos governos do PT. Esse movimento contou com a influência da crise

econômica, que se aprofundou em 2015, e a desmobilização de grande parte da base de apoio

do governo com as medidas do ajuste fiscal e o aumento do desemprego.

“Foi a partir desse discurso contra a corrupção que a ideologia neoliberal de

caráter mais ortodoxo, que havia perdido protagonismo nos anos 2000 no

âmbito da cena política, passou a ganhar espaço na luta de ideias e se

apresentar como interesse geral. A luta contra a corrupção foi a máscara

utilizada pelos defensores da política neoliberal ortodoxa para ir ao baile da

cena política. Nesse sentido, o golpe de Estado desferido contra o governo

Dilma pode ser concebido como uma medida de força utilizada pela

burguesia associada para recuperar a hegemonia ideológica perdida nos

governos petistas para aprofundar, assim, as contrarreformas neoliberais”

(Martuscelli, 2017, p. 16).

A partir de 2014, e com maior intensidade no ano seguinte, o tema da corrupção

passou a ser um elemento central na cena política brasileira e serviu de verniz à ofensiva

neoliberal. Como apontamos, esse tema foi instrumentalizado pelo campo neoliberal como

principal meio de ataque contra a frente neodesenvolvimentista, principalmente por meio da

Operação Lava Jato. Conduzida por setores da Polícia Federal, Ministério Público e Poder

Judiciário, desde seu início, em março de 2014, a Lava Jato procurou centralizar ações nos

principais setores da economia ligados à política neodesenvolvimentista: a Petrobras, as

grandes construtoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS e o Partido dos Trabalhadores

(Martuscelli, 2017, p. 16). Contando com repercussão diária nos grandes veículos de

comunicação, o que fazia parte de uma estratégia deliberada dos membros da força tarefa de

promover a espetacularização de suas ações, a Lava Jato rapidamente se tornou o centro das

manifestações lideradas pelos novos movimentos de direita que pediam o impeachment da

presidente Dilma – Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua, Revoltados Online, etc. – e passou

a ocupar o espaço de partido da alta classe média (Boito Jr., 2016, p. 3). Além de utilizar a

narrativa construída pela Lava Jato como elemento estrutural de seu programa político, esses

movimentos também iniciaram uma campanha de ataque ideológico intensivo ao movimento

sindical e popular, aos partidos de esquerda e ao pensamento crítico de modo geral. O slogan

adotado pelo governo Temer “Vamos tirar o Brasil do vermelho” e o movimento “Escola sem

partido” são os dois principais exemplos dessa ofensiva conservadora (Martuscelli, 2017, p.

14).

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135A burguesia interna, por sua vez, apresentou comportamento oscilante durante

esse processo. Isso ocorre porque as frações que compõem a burguesia em geral não possuem

clareza de interesses, unidade política e capacidade organizativa como alguns analistas

supõem, mas, ao contrário, agem de acordo com circunstâncias dadas (Boito Jr., 2017). A

partir dos conflitos que procuramos apresentar, a presença da burguesia interna na frente

neodesenvolvimentista passou a custar cada vez mais caro para o governo, e os próprios

setores dominantes passaram a questionar a capacidade de a presidente Dilma realizar as

reformas neoliberais exigidas pela burguesia associada e pelo capital financeiro, devido à

relação histórica do Partido dos Trabalhadores com o movimento sindical e popular

(Martuscelli, 2017, p. 16). A burguesia industrial tendeu a se integrar à ofensiva

conservadora, com algumas defecções, como parte do setor naval (Boito Jr., 2017), e

procurando apenas resistir seletivamente a pontos do programa neoliberal (Martuscelli, 2017,

p. 14). Entre as entidades de classe do setor também prevaleceu a aproximação ao campo

neoliberal. Enquanto a CNI apenas apresentou oficialmente seu posicionamento às vésperas

da votação do pedido de impeachment da presidente Dilma na Câmara dos Deputados,

embora estivesse atuando nos bastidores nesse sentido, a FIESP foi uma das lideranças do

movimento pela destituição do governo (Maciel, 2016). O resultado desse processo foi o

realinhamento da maior parte da burguesia interna ao campo político composto pela burguesia

associada e o capital financeiro, apoiando o processo de impeachment a fim de retomar o

controle do governo e impor integralmente esse programa.

Ou seja, observando esse cenário com mais cuidado, percebemos o movimento

pendular da burguesia industrial, representada aqui pela CNI, como um processo complexo e

contraditório. Complexo pelos diversos aspectos envolvidos em sua causalidade, e

contraditório pois o afastamento dos industriais da frente neodesenvolvimentista foi

caracterizado por avanços e recuos, e não houve uniformidade entre os diferentes setores que

compõem essa parcela da burguesia49. Nesse sentido, o aprofundamento do

desenvolvimentismo no governo Dilma, em meio às contradições da frente

neodesenvolvimentista, colocou os industriais novamente em uma encruzilhada típica do

capitalismo brasileiro, como bem resumido por Singer (2016, p. 54): ao mesmo tempo em que

a burguesia industrial apoia uma política desenvolvimentista por se sentir fortalecida, recua

quando se sente ameaçada pelo Estado e pela classe trabalhadora.

49 Algumas lideranças do setor industrial se manifestaram contrárias, ou permaneceram neutras, em relação aoprocesso de impeachment da presidente Dilma. Ver, por exemplo, “Setor produtivo apoia Dilma contra oimpeachment”, 2015.

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136Considerações finais

Ao longo desta dissertação, procuramos mostrar as mudanças de posicionamento

político da Confederação Nacional da Indústria desde a implantação do modelo neoliberal no

Brasil. Qualificamos esse movimento como pendular, na medida em que oscilou do apoio ao

neoliberalismo no início da década de 1990, posteriormente se afastando em direção ao

neodesenvolvimentismo, e retornando mais uma vez ao neoliberalismo a partir de 2012, sendo

determinante para a crise do governo Dilma. Procuramos identificar os principais movimentos

da CNI, enquanto representante da burguesia industrial brasileira, como indicativos desse

movimento pendular. Essa mudança esteve relacionada tanto a características estruturais dessa

fração de classe, quanto a circunstâncias conjunturais e aos resultados da disputa política, e

teve no caráter contraditório da frente neodesenvolvimentista um de seus elementos cruciais.

Em um primeiro momento, o conjunto dos industriais apoiou as reformas

neoliberais, consideradas pela CNI e outras organizações patronais como inevitáveis. Esse

apoio esteve relacionado não apenas ao conteúdo das reformas propostas, mas por adesão a

um movimento que unificou politicamente a burguesia brasileira em oposição ao movimento

sindical e popular. Com o avanço da pauta neoliberal, a burguesia industrial, e em especial os

segmentos do pequeno e médio capital que a compõem, acabou prejudicada pela abertura

comercial, um dos pilares desse programa. Ainda que mantivesse o apoio ao sentido geral

dessa política, a reestruturação produtiva imposta à indústria provocou defecções na coalizão

neoliberal, o que, por sua vez, gerou a aproximação do setor industrial, acompanhando o

conjunto da burguesia interna, a setores da classe trabalhadora e, no campo da cena política,

ao Partido dos Trabalhadores. Essa aproximação culminou com a formação da frente política

que denominamos, seguindo Boito Jr. (2012), de neodesenvolvimentista, composta por um

arco de forças amplo e heterogêneo, envolvendo principalmente a grande burguesia interna, o

movimento popular e sindical, e a parcela majoritária da massa de trabalhadores

desorganizados e subempregados do capitalismo brasileiro. Essa frente política foi a principal

base de sustentação dos governos do PT e permaneceu relativamente estável até, pelo menos,

os primeiros dois anos do governo Dilma.

Para melhor embasar a utilização da CNI como objeto, buscamos fazer uma

reconstituição da trajetória da Confederação Nacional da Indústria, a fim de compreendê-la

como resultado da consolidação dos conflitos sociais em que a burguesia industrial esteve

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137envolvida. Amparados por uma perspectiva relacional, abordamos tanto os conflitos

horizontais, entre as diferentes frações da burguesia e o Estado, como verticais, entre a

burguesia e a classe trabalhadora. Essa perspectiva relacional se diferencia das abordagens

essencialistas ao identificar nos conflitos sociais as explicações para a ação política de classes,

frações de classes e suas formas institucionais. A partir da configuração atual da CNI,

buscamos mostrar a viabilidade de utilizar essa organização como fonte para o estudo do

conjunto da burguesia industrial brasileira, bem como apontar os limites de dessa opção.

De maneira complementar, levando em consideração sua constituição histórica,

procuramos apontar a viabilidade da utilização do conceito de burguesia interna para

caracterizar a burguesia industrial brasileira, em vez da utilização do conceito de burguesia

nacional. Ao contrário de uma burguesia interna, uma burguesia nacional pode, a depender da

conjuntura, adotar uma postura anti-imperialista. Como pudemos ver ao longo do trabalho, tal

posição nunca foi reivindicada pela burguesia brasileira, sequer pelos seus setores autóctones.

Pelo contrário, muitas vezes a burguesia industrial defendeu menos restrições para a entrada

de capital estrangeiro no país, a exemplo do início dos anos 1990. A formação de burguesias

internas, por sua vez, está ligada ao processo de internacionalização capitalista promovido

pelo imperialismo, que tende a fazer desaparecer as burguesias nacionais, embora não acabe

com o fracionamento da classe burguesa, tampouco elimine os conflitos entre a burguesia

local (interna) e o capital imperialista. Com efeito, a burguesia interna também guarda

diferenças com a fração da burguesia plenamente integrada ao capital estrangeiro.

Em seguida, procuramos apresentar um breve histórico do neoliberalismo e de

como ele está relacionado com interesses e conflitos de classe. Vimos que, embora essa

política tenha unificado politicamente a burguesia durante a maior parte dos anos 1990, ela

não beneficiou igualmente seus diferentes segmentos, inclusive prejudicando alguns deles. A

reivindicação por proteção frente à concorrência externa foi o que levou alguns desses

segmentos, mais especificamente os setores que compõem a burguesia interna, a abandonarem

a coalizão neoliberal e constituírem a frente neodesenvolvimentista. A formação de um bloco

envolvendo uma parte importante da burguesia interna, em especial a parcela correspondente

ao grande capital, não eliminou as disputas entre os diferentes segmentos que a compõem, dos

quais destacamos os existentes entre o capital bancário e industrial. Esses conflitos surgem

com maior intensidade a partir do segundo governo Lula, quando a CNI e outras entidades

dos industriais passam a aumentar as críticas à política monetária restritiva e às altas taxas de

spread bancário no Brasil. Ainda assim, a frente neodesenvolvimentista permaneceu estável

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138ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, superando conflitos políticos de maior

envergadura, como a crise política de 2005/2006.

No capítulo 3, apresentamos de maneira mais sistemática as mudanças de

posicionamento da CNI, expostas nos cadernos de propostas apresentados aos candidatos à

Presidência da República de 1994 a 2014. Além da exposição das propostas em si,

procuramos relacioná-las com a conjuntura atravessada durante as publicações, e do próprio

posicionamento da CNI no embate político em cada um desses momentos. Com isso,

pudemos verificar que esse posicionamento confirmou nossa hipótese de movimento pendular

da burguesia industrial brasileira ao longo desse período.

Em linhas gerais, em 1994 as principais demandas dos industriais estavam

relacionadas com a estabilidade macroeconômica através do controle da inflação. Para

enfrentar essa questão, a CNI defendeu a adoção de reformas neoliberais, a exemplo da

abertura do mercado brasileiro à economia internacional, e de uma requalificação do papel do

Estado brasileiro. Na esfera política, esse movimento se deu através de um apoio em massa à

candidatura de Fernando Henrique Cardoso, com vistas a isolar o candidato do Partido dos

Trabalhadores.

A estabilidade política atingida pelo governo FHC permitiu o avanço da pauta

neoliberal para muito além do que havia sido iniciado por Fernando Collor, e

temporariamente interrompido pela crise que provocou seu impeachment. Procuramos

sustentar, com base na bibliografia sobre as relações de classe e a ação política dos industriais

no Brasil nos anos 1990, que o avanço do neoliberalismo se, por um lado, unificou a

burguesia em torno de propostas de redução de direitos sociais e trabalhistas, causou fissuras

nesse bloco por afetar de maneira distinta as diferentes frações burguesas. A partir de meados

dos anos 1990, a CNI passou a verbalizar críticas à abertura comercial, desenvolvendo a pauta

do Custo Brasil. Essa pauta surgiu do entendimento de que a liberalização da economia era

inevitável, mas que o Estado deveria tomar medidas para evitar a “concorrência desleal” com

produtos estrangeiros. Com efeito, para a CNI, as empresas brasileiras estavam fazendo sua

parte encarando os sacrifícios da abertura comercial, e caberia ao governo fazer a dele.

A questão do Custo Brasil se tornou o carro-chefe da Confederação dali em

diante, e os estudos e diagnósticos que sustentavam a visão da indústria passaram a pautar as

demais organizações empresariais da burguesia industrial. Esse crescimento do papel da CNI

na defesa dos interesses dos industriais esteve ligado ao fortalecimento da entidade observado

na década de 1990.

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139A partir de 1998, os documentos da CNI aos presidenciáveis passam a enfatizar

não apenas a busca pela estabilidade, mas também o crescimento econômico como prioridade

da política do governo. Essa mudança é significativa, uma vez que é compatível com uma

visão de que não cabe ao Estado garantir apenas o funcionamento dos mecanismos de

mercado, mas o de atuar – ainda que moderadamente – como um agente indutor da atividade

econômica. É importante destacar que não identificamos nesse movimento da CNI o retorno a

um padrão típico do nacional-desenvolvimentismo, mas que ele marca uma diferença

significativa em relação ao pensamento neoliberal. Nos documentos seguintes essa inflexão é

mantida, sinalizando a adoção de uma nova agenda pela CNI, que não rompe com o

neoliberalismo, mas busca atenuar alguns dos efeitos dessa política sobre o setor industrial. O

auge dessa pauta se dá em 2010, quando, além do crescimento econômico, a Confederação

apresenta mais claramente uma demanda pela “transformação estrutural da indústria”, e a

participação da indústria brasileira nas principais cadeias internacionais de produção.

Nos dois primeiros anos do governo Dilma, houve uma proximidade muito

grande entre a agenda do Planalto, sintetizada na chamada nova matriz econômica, e as

propostas expostas e defendidas publicamente pela CNI. Identificamos como os principais

objetivos dessa política manter uma taxa de crescimento econômico comparável à obtida no

segundo governo Lula, e garantir a competitividade das empresas brasileiras em um cenário

de aumento da concorrência externa, concedendo um papel central nessa estratégia ao setor

industrial. A frente neodesenvolvimentista, por sua vez, responsável por representar esses

novos interesses na cena política, esteve atravessada por diversas contradições, estruturadas

na existência de interesses conflitantes entre as forças que a constituíram. Ao longo do

terceiro capítulo, procuramos apontar como essas contradições, aguçadas por uma nova

conjuntura e pela ofensiva dos setores neoliberais, acabaram por deflagar uma crise durante o

governo Dilma. Essa situação ficou mais evidente depois que as medidas adotadas pelo

governo, baseadas na NME, não surtiram o efeito esperado.

Ainda em 2012, a CNI passou a conceder maior ênfase à realização de uma a

reforma trabalhista baseada na prevalência da livre negociação entre empregadores e

empregados. Essa pauta foi mantida no documento aos presidenciáveis de 2014 que, a

exemplo de 1994, apontou a estabilidade econômica como principal preocupação da política

macroeconômica. Nesse sentido, pudemos distinguir dois movimentos simultâneos realizados

pela CNI e pelo conjunto da burguesia industrial: o primeiro deles de avanço em relação aos

direitos dos trabalhadores; o segundo de recuo em relação à ofensiva neoliberal liderada pelo

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140grande capital financeiro e internacional. Esses dois movimentos, realizados em conjunto,

caracterizaram a ação pendular da burguesia industrial brasileira.

A fim de qualificar com maior clareza essa questão, no último item do capítulo

procuramos introduzir e desenvolver algumas hipóteses sobre o porquê desse novo

movimento pendular, colocando como ponto central as contradições da frente

neodesenvolvimentista. Partindo de hipóteses apresentadas por Singer (2016), destacamos

quatro aspectos complementares que podem indicar as razões que levaram a burguesia

industrial a uma reaproximação com o campo neoliberal.

O primeiro faz referência a causas estruturais relativas ao desenvolvimento dessa

fração da burguesia, como apontamos também no capítulo 1. O caráter dependente e

periférico da economia brasileira e o processo de internacionalização capitalista conduzido

pelos países centrais tiveram influência sobre a formação da burguesia brasileira. Esse caráter

dependente foi reforçado a partir da adoção do neoliberalismo nos anos 1990, proporcionando

uma regressão tecnológica da indústria instalada no Brasil. Levantamos, ainda, a possibilidade

de que esse caráter de regressividade faça parta de um novo padrão de acumulação, exitoso do

ponto de vista da burguesia industrial, denominado por Diegues (2015) de Doença Brasileira.

O segundo aspecto diz respeito ao acirramento do conflito capital/trabalho,

agravado com a piora do cenário econômico europeu em 2011. A queda da taxa de

desemprego e a melhoria das condições dos trabalhadores, ocorridas durante o governo Lula e

os primeiros anos do governo Dilma, impulsionaram um novo ciclo de greves nos anos 2000,

como apontado por Boito Jr. e Marcelino (2010), que possibilitou uma série de ganhos para as

classes trabalhadoras. Como resposta a esse processo, em seu documento aos presidenciáveis

em 2014, a CNI apontou o crescimento do salário real acima do aumento da produtividade

como uma das principais distorções presentes nas relações de trabalho. Esse diagnóstico foi

acompanhado pelo apoio a medidas que reduzissem o salário real no setor industrial, em

especial o fim da política de pleno emprego e a aprovação de uma reforma trabalhista que

reduzisse direitos dos trabalhadores, tornando inviável a manutenção de uma frente com o

movimento sindical.

O terceiro aspecto considera o impacto provocado na política brasileira pelas

mudanças atravessadas no cenário internacional. Os anos 2000, especialmente depois de

superados os efeitos econômicos provocados pelo atentado de 11 de setembro de 2001 nos

Estados Unidos e a crise mundial em 2008, foram marcados por uma relativa estabilidade

internacional acompanhada de crescimento econômico. Por sua vez a ascensão de governos de

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141esquerda em vários países da América Latina no mesmo período modificou o cenário de

hegemonia norte-americana na região. A integração latino-americana e a ascensão de novos

parceiros comerciais, como a China, ajudou a reconfigurar a geopolítica regional. O Brasil, a

partir da eleição de Lula e da adoção da política externa Sul-Sul, ocupou uma posição central

nesse cenário, não apenas liderando o processo de integração do subcontinente, mas

estabelecendo acordos que concorriam com o centro capitalista, dentre os quais se destaca a

formação dos BRICS.

A partir de 2012, ainda sob influência da crise americana de 2008, o cenário

geopolítico começa a mudar mais rapidamente. Partidos e coalizões de direita passam a

ganhar espaço e a conquistar, com o apoio dos Estados Unidos, governos na América Latina

tanto por via eleitoral, quanto através de manobras parlamentares, como na deposição de

Fernando Lugo no Paraguai, em 2012. Procuramos apontar que a CNI acompanhou esse

movimento ao defender, depois de diversos anos como entusiasta das relações com os países

em desenvolvimento, uma maior aproximação do Brasil com os norte-americanos e a União

Europeia, através da celebração de acordos bilaterais. Gradualmente, a prioridade dos

industriais deixou de ser o comércio com os países da América de Sul e a China, para se

voltar aos Estados Unidos e à Europa. O papel da burguesia interna brasileira diante do

reordenamento geopolítico iniciado em 2012, bem como os ataques sofridos pelos grandes

grupos brasileiros pela Operação Lava Jato, ainda são temas relativamente inexplorados e que

demandam mais pesquisas para serem melhor compreendidos.

O quarto e último aspecto que apontamos no capítulo três se refere ao papel da

disputa ideológica nessa conjuntura. A partir de 2012, e mais visivelmente em 2013, a

ofensiva dos setores neoliberais foi acompanhada de uma forte campanha ideológica contra o

governo Dilma e a frente neodesenvolvimentista. A exemplo de outros momentos na história

brasileira, os setores conservadores se utilizaram do tema da corrupção como forma de

aglutinar apoio popular. Nesse sentido, o julgamento do caso do “mensalão” em 2012 e a

Operação Lava Jato, a partir de 2014, ocuparam papel central na disputa político-ideológica.

O discurso do combate à corrupção utilizado pelas forças neoliberais, por sua vez, foi

fortemente relacionado a medidas tomadas pelos governos neodesenvolvimentistas, como a

política de campeões nacionais do BNDES, o financiamento de obras em países latino-

americanos, em especial Cuba e Venezuela, e a aproximação com países em desenvolvimento.

Essas medidas eram apresentadas como “ideológicas” e fonte de corrupção do governo junto a

aliados “de esquerda”. Cabe ressaltar que essa ofensiva ideológica esteve apoiada na piora dos

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142indicadores econômicos, que se intensificou em 2015, com o aumento da inflação e do

desemprego em um cenário de recessão.

Esses fatores, observados em conjunto, lançam luz ao movimento pendular da

burguesia industrial, que buscamos identificar a partir da CNI. Procuramos, com isso, mostrar

que esse movimento político é complexo e multifacetado, e pode ser melhor compreendido

através da análise dos conflitos entre classes e frações de classe.

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