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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
JOÃO AURELIO SOARES VIANA
EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL: ELEMENTOS
EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO
CAMPINAS
2017
JOÃO AURELIO SOARES VIANA
EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL: ELEMENTOS
EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO
TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE
GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR
EM POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ORIENTADORA: PROF(A). DR(A). MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO JOÃO AURELIO
SOARES VIANA E ORIENTADA PELA PROF(A). DR(A).
MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI
CAMPINAS
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9036-5593
Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de Geociências
Marta dos Santos - CRB 8/5892
Viana, João Aurelio Soares, 1951-V654e ViaExtensão rural e inovação agrícola no Brasil : elementos evolucionários
para um olhar prospectivo / João Aurelio Soares Viana. – Campinas, SP : [s.n.],2017.
ViaOrientador: Maria Beatriz Machado Bonacelli.ViaTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto deGeociências.
Via1. Agricultura - Assistência técnica. 2. Tecnologia agrícola. 3. Políticaagrícola. I. Bonacelli, Maria Beatriz Machado, 1962-. II. Universidade Estadualde Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Rural extension and agricultural innovation in Brazil: : evolutionary elements for a prospective outlookPalavras-chave em inglês:Agricultural assistanceAgricultural technologyAgricultural policiesÁrea de concentração: Política Científica e TecnológicaTitulação: Doutor em Política Científica e TecnológicaBanca examinadora:Maria Beatriz Machado Bonacelli [Orientador]Antônio Márcio BuainainJosé Roberto VicenteLeda Maria Caira GitahyMarcos Paulo FuckData de defesa: 10-10-2017Programa de Pós-Graduação: Política Científica e Tecnológica
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
AUTOR: João Aurelio Soares Viana
EXTENSÃO RURAL E INOVAÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL:
ELEMENTOS EVOLUCIONÁRIOS PARA UM OLHAR PROSPECTIVO
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Beatriz Machado Bonacelli
Aprovado em: 10 / 10 / 2017
EXAMINADORES:
Profa. Dra. Maria Beatriz Machado Bonacelli - Presidente
Prof. Dr. Antonio Marcio Buainain
Profa. Dra. Leda Maria Caira Gitahy
Prof. Dr. José Roberto Vicente
Prof. Dr. Marcos Paulo Fuck
A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,
consta no processo de vida acadêmica do aluno.
Campinas, 10 de outubro de 2017.
DEDICATÓRIA
A Deus.
À memória de meus pais Antônio e Maria,
Té e Placídia.
À minha esposa, Zenira, aos filhos, João e Tomás.
À minha família cearense.
À minha família baiana, uma feliz e definitiva adoção.
À Professora Maria Beatriz Machado Bonacelli.
DEDICO
AGRADECIMENTO
Nesta tese, este é um dos capítulos mais importantes, talvez por isso seja o primeiro de
todos, mesmo sem numeração e sem referências. Ele expõe um sentimento genuinamente
particular, ao tornar pública a mais profunda gratidão àqueles que desprendidamente
emprestaram a sua contribuição para que se pudesse chegar até aqui.
Muito embora apareça um único autor, essa não é uma caminhada de um só individuo,
ela é tão grandiosa que necessariamente envolve muitas pessoas. Entretanto, este capítulo se
assemelha aos demais ao carregar algum risco, nesse caso, o da ingratidão do esquecimento;
portanto, de início, peço ainda mais compreensão para que tolerem esses eventuais e
imperdoáveis deslizes.
A porta da minha trajetória rumo ao doutorado foi aberta pela Professora Maria
Beatriz Machado Bonacelli. À Professora Bia devo muito. Muito mais que uma orientadora,
uma coexecutora de sonhos, às vezes prestes a serem tão apenas sonhos. Uma conselheira
firme e afável. Agradeço o privilégio da sua orientação e da sua amizade.
Registro o meu agradecimento à Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola-
EBDA, por ter proporcionado todas as condições para que eu realizasse esse curso, nas
pessoas dos seus Presidentes, Dr. Emerson José Osório Pimentel Leal e Dr. Elionaldo de Faro
Teles. O primeiro, dotado de generosidade incomum, que não hesitou em apoiar a iniciativa,
sempre guiado pelas perspectivas dos benefícios futuros que a sua decisão traria para a
empresa. O segundo, por ter mantido e assegurado todas as condições iniciais para uma
satisfatória e tranquila conclusão de curso.
De igual gratidão à Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
Federal da Bahia, por ter facultado as condições necessárias para o meu afastamento, sem o
qual o curso não teria sido realizado. Nesse caso, particularizo os meus agradecimentos aos
colegas do outrora Departamento de Produção Animal, na pessoa do seu Chefe, Prof. Dr.
Adelmo Ferreira de Santana, e na pessoa do Sr. Diretor da Escola, Prof. Dr. José Vasconcelos
Lima de Oliveira, especialistas na remoção de obstáculos.
Ao Instituto de Geociências, ao qual está vinculado o Departamento de Política
Científica e Tecnológica, da UNICAMP, promotor do curso, abrigo de notáveis mestres e
núcleo do estímulo à busca incessante do melhor e do mais útil conhecimento para a
sociedade, ambiente alicerçado pela valorização das pessoas nas suas mais distintas
dimensões. Nesse ambiente, destaco o meu agradecimento a todos aqueles que fazem a
administração do Instituto andar com eficiência e extrema simplicidade, nas pessoas das
senhoras Gorete Bernardelli e Valdirene Pinotti, a Val, sempre com respostas e orientação
para infindáveis dúvidas, as âncoras de todos de nós.
Agradeço de forma muito especial aos professores que compuseram a banca do Exame
de Qualificação, Antônio Márcio Buainain e Marcos Paulo Fuck, sem a contribuição talentosa
e a paciência de cada um a “insegurança do rumo” poderia ter assumido proporções
indesejáveis.
Do mesmo modo, presto minha sincera gratidão aos professores que compuseram a
banca de defesa do trabalho de tese: Antônio Márcio Buainain, José Roberto Vicente, Leda
Maria Caira Gitahy, Marcos Paulo Fuck e Maria Beatriz Machado Bonacelli, pela acuidade e
desvelo em contribuir para melhorar. Se erros e imprecisões persistem é porque não fui hábil
em captar as suas mensagens.
Aos meus colegas de curso no DPCT, a cada aula, a cada debate, a cada seminário, a
cada encontro, tudo me fez crescer. Os nomes e o bem que me fizeram são indeléveis.
Desejo agradecer de modo particular à assistência técnica e extensão rural da Bahia
(Ancarba, Emcerba, Ematerba e EBDA), berço e ancoradouro das mais legítimas e nobres
contribuições à agricultura baiana, ambiente em que tive o privilégio de conviver com pessoas
especiais, movidas pelo incansável desejo de construir uma história inapagável e digna de ser
valorizada por muitas gerações.
Por último e primeiro, devo a Deus tudo feito até agora, aqui e fora daqui. Da Sua
infinita misericórdia recebi forças para superar o mais temível dos desafios, o desafio da mais
temível das doenças, interposto na caminhada deste curso. Uma gratidão que não se mensura
com palavras, mas com o profundo desejo de comunicar a todos a extraordinária experiência
de se sentir filho, amparado por Ele, sobretudo naqueles momentos em que tudo parece fugir
do controle e do conhecimento dos homens e da ciência.
EPÍGRAFE
Ya seamos de la opinión del sociólogo Marcuse o de la novelista
Simone de Beauvoir, que consideram la tecnologia sobre todo como
un medio de esclavitud y destrucción humana, o dela de Adam Smith,
que ante todo la juzga uma força prometeica libertadora, todos
estamos implicados em su desarrollo. Por mucho que lo deseeamos,
no podemos eludir su impacto sobre nuestras vidas cotidianas, ni los
dilemas morales, sociales y económicos que nos plantea. Podremos
maldercirla o bendecirla, pero no podremos ignorarla.
FREEMAN, Christopher (1975, p. 19).
RESUMO
A agricultura é um dos setores da economia brasileira que mais se modernizou nas últimas décadas.
Na média do período 1993 a 2013, o Brasil se posicionou entre os três maiores produtores mundiais de
soja, suco de laranja, cana de açúcar, milho, café e carnes. Seus produtos penetraram em mais de 180
países e a participação do Brasil, segundo o MAPA, no comércio mundial de produtos agropecuários
cresceu de 5,8%, em 2004, para 7,6%, em 2013, demonstrando competitividade, mesmo com a crise
mundial. No ano de 2016, as exportações do agronegócio representaram 46% do total das exportações
Brasileiras. O talento dos produtores agropecuários é um dos grandes responsáveis por essas
conquistas, associado à infraestrutura de produtos e serviços e aos instrumentos de política agrícola,
como a pesquisa agrícola e o crédito, dentre outros. Esta tese discute um desses instrumentos, a
"Assistência Técnica e Extensão Rural"(ATER) governamental, em face da sua responsabilidade com
os produtores participantes dessa história de sucesso, mas, sobretudo, com aqueles que não vêm
participando e que são a grande maioria. Recorrentemente, é atribuída à ATER governamental a
responsabilidade principal pela precária tecnificação da grande parte desses produtores, equívoco que
não diminui sua responsabilidade com esse monumental desafio. Por tal razão, esta tese tem como
pergunta orientadora: a ATER brasileira está estruturada para responder às questões que permeiam a
agricultura brasileira hoje e num futuro próximo? Considerando que a estrutura institucional da ATER
é fundamentada pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura
Familiar e Reforma Agrária (Pnater), a hipótese aqui testada é a de que a Pnater não tem considerado
aspectos essenciais do contexto de mudança na forma da organização e da difusão do conhecimento, a
evolução e introdução das novas tecnologias (especialmente as TICs) no ambiente agrícola brasileiro.
Assim referenciado, este estudo tem como objetivo explorar os elementos que configuram a
estruturação da ATER governamental, à luz dos aspectos que envolvem os desafios impostos à
agricultura (segurança alimentar com mudanças climáticas, sustentabilidade, multifuncionalidade e
novas tecnologias) e à luz da evolução do contexto de geração, desenvolvimento e difusão do
conhecimento (que invocam um sistema de pesquisa e inova-ção, com inúmeros atores, públicos e
privados). O respaldo teórico-metodológico utilizado para lastrear essas discussões é dado pela teoria
evolucionária, especificamente pela abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA) e
pelo exame das experiências dos serviços de ATER da África do Sul, Argentina, França e Estados
Unidos. As conclusões indicam que a ATER governamental, por integrar o SNIA, não deve ser
responsabilizada individualmente pelos êxitos ou fracassos da adoção de inovações na agricultura.
Além disso, a Pnater não beneficiou a ATER governamental, pelo contrário, aprofundou suas
fragilidades diante de grandes desafios como a segurança alimentar e a redução da pobreza, num
cenário de mudanças climáticas. Outras conclusões apontam debilidades que marcam a ATER
governamental, como a dificuldade de integração orgânica com a pesquisa e com o sistema de ensino,
além da permanência de atuação sob inspiração do modelo linear de inovação.
Palavras-chave: agricultura-assistência técnica; tecnologia agrícola; política agrícola
ABSTRACT
In the last two decades, agriculture was one of the most modernized sectors of Brazilian economy.
During the period 1993 to 2013, Brazil has consolidated among the three largest soy producers, orange
juice, sugar cane, corn, coffee and meat, on average. According to Ministry of Agriculture, Livestock,
and Food Supply, Brazilian goods have been exported for more than 180 countries and the
participation of Brazil in global market of farming products has increased from 5,8%, in 2004, to
7,6%, in 2013, which means competitiveness, despite the world crisis. In the year 2016, agribusiness
represented 46% of total Brazilian exportations. One of the great responsible for these achievements
was the talent of agricultural producers linked with services and goods infrastructure, agricultural
policy instruments, as research, funding and others. This dissertation discusses one of these
instruments: governmental Agricultural Extension (AE), in the light of its responsibility with not only
all the rural producers of this history of success, but also with those who do not participate, which are
the vast majority. It is common to attribute governmental AE the main responsibility for the precarious
situation of these rural producers, considering technical aspects. This misunderstanding point of view
do not decreases the responsibility to face this great challenge. For this reason, the following is the
dissertation's leading question: is Brazilian Agricultural Extension (ATER) well founded in order to
answer the questions implied into Brazilian agriculture today or in the next future? Considering that
ATER institutional structure is supported by National Policy of Agricultural Extension for Family
Farming and Land Reform (Pnater), the hypothesis tested here is Pnater has not considered essential
aspects of the changing context in the organization and knowledge diffusion, the evolution and new
technologies (specially ICTs) in brazilian agricultural sector. According to mentioned, this study has
the objective of explore the elements that build governmental Agricultural Extension (AE) in the light
of aspects that involves agriculture's challenges (food safety in climate chang-ing, sustainability, multi
functionality and new technologies). In addition, this dissertation intent to analyze the context of
knowledge diffusion, considering aspects of generation and development (which requires a research
and innovation system, counting with many actors in private and public sectors). The theoretical and
methodological background, used to found these discussions, is given by the evolutionary theory,
specifically according to National System for Agricultural Innovation (SNIA) and by the study of
agricultural advisory system's experience in South Africa, Argentina, France and United States.
Conclusions indicate that governmental AE, as a part of SNIA, cannot be the only responsible for the
success or defeats of the innovation process in agriculture. Beyond that, the Pnater had not benefit
governmental AE service, but did increase and deepened his weakness to face great challenges, such
as food safety and poverty reduction in climate changing scenario. Additional conclusions revealed
problems in governmental AE service, such as the difficulty of organic integration and systemic
integration with research and educational system and the maintenance influence of linear innovation
model.
Keywords: Agricultural assistance; Agricultural technology; Agricultural policies
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICOS
Gráfico 1 - Participação (%) do PIB Agrícola no PIB Total dos países selecionados, 2000 a
2013 ........................................................................................................................................ 104
Gráfico 2 - Proporção feminina da PEA dedicada à agricultura nos países selecionados e no
mundo, 1980, 1995 e 2010 (%) .............................................................................................. 238
BOX
BOX 1- A Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão Agrícola-CREA .... 131
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – As Revoluções Tecnológicas ou “ondas de inovação," as transformações na
agricultura e a evolução conceitual e institucional da Extensão Rural no mundo e no Brasil, no
período de 1700 a 2016 ............................................................................................................ 49
Quadro 2 – Características do National Agricultural Research Systems (NARS), Agricultural
Knowledge Systems (AKS), Agricultural Knowledge and Information Systems (AKIS),
Agricultural Innovation Systems (AIS) e National Agricultural Innovation Systems (NAIS) 90
Quadro 3 – Competências da Anater (Decreto nº 8.252/2014, de 26/05/2014) ..................... 189
Quadro 4 – Atores do SNIA do Brasil sob a perspectiva da ATER ....................................... 200
Quadro 5 – Formatos jurídicos dos órgãos públicos estaduais de “Pesquisa Agrícola”,
“ATER” e “Pesquisa & ATER” no Brasil (2016) .................................................................. 270
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Superfície, População, Área total colhida com cereais, proporção da área total
colhida com cereais na superfície total do país e IDH dos países selecionados ..................... 103
Tabela 2 - PIB Total, PIB Agrícola e participação do PIB Agrícola no PIB Total no mundo e
nos países selecionados (em US$ correntes) .......................................................................... 104
Tabela 3 – Orçamento do Agricultural Research Council (ARC) – 2012-2013 .................... 117
Tabela 4 - Dimensão da Pesquisa, Extensão e Educação no NIFA, Ano Fiscal 2015 ........... 141
Tabela 5 - Fontes de financiamento da ATER governamental no Brasil, 2010. .................... 183
Tabela 6 - Unidades Descentralizadas e Escritórios da Embrapa e das Instituições públicas
federal e estaduais executoras das políticas de “Pesquisa”, “Extensão Rural” e “Pesquisa +
Extensão” no Brasil, por Grandes Regiões, 2016 ................................................................... 197
Tabela 7 - Brasil -Cursos de Nível Superior em Ciências Agrícolas, por estado e Grande
Região (07/2014) .................................................................................................................... 203
Tabela 8 - Brasil - Estabelecimentos agropecuários de até 10 ha de área total e oferta de
cursos de Ciências Agrárias no Brasil, por Grandes Regiões ................................................ 204
Tabela 9 - Cursos selecionados de Ensino superior agrícola oferecidos no Brasil por
instituições de ensino superior públicas (federais ou estaduais ou municipais) e por
instituições privadas de ensino superior com e sem fins lucrativos (julho, 2014) ................. 205
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACAR-MG Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais
ACTA Association de Coordenation Technique Agricole
ACTIA Association de Coordination Technique pour l'Industrie
Agroalimentaire
AGRAER/MS Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural
AKIS Agricultural Knowledge and Information Systems
ANATER Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
ANR Agence Nationale de la Recherche
APTA Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
ARC Agricultural Research Council
ASBRAER Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência
Técnica e Extensão Rural
ATER Assistência Técnica e Extensão Rural
BANCEN Banco Central do Brasil
CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação
CEMAGREF/IRSTEA Institut National de Recherche en Sciences et Technologies pour
l'Environnement et l'Agriculture
CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
CETA Centres d’Études Techniques Agricoles
CIRARD Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique
pour le Développement
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNRS Centre National de La Recherche Scientifique
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CREA Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão
Agrícola
CTI Centres Techniques Industriels
DATER/RR Departamento de ATER de Roraima
EMATER-AC Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Acre
EMATER-PA Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará
EMATER-RO Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Rondônia
EMATERs Empresas Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMBRATER Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMEPA Empresa de Pesquisa Agropecuária da Paraíba
EMPARN Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio Grande do
Norte
ESITPA Ecole d'Ingénieurs en Agriculture
FASER Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da
Assistência Técnica e Extensão Rural e do Setor Público Agrícola
do Brasil
FASFIL Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos
FEPAGRO Fund. Estadual de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Sul
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FUNDEAGRO Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão
IAP Investigación Acción Participativa
IAPAR Instituto Agronômico do Paraná
IDAM/AM Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Floresta
Sustentável do Estado do Amazonas
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INFREMER Institut Français de Recherche pour l'exploitation de la Mer
INMET Instituto Nacional de Meteorologia
INRA Institut National de La Recherche Agronomique
INSA Instituto Nacional do Semiárido
INTA Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria
IRD Institut de Recherche pour le Développement
ISAAA International Service for the Acquisition of Agri-biotech
Applications
JICA Japan International Cooperation Agency
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MPA Ministério da Pesca e da Aquicultura
MST Movimento dos Trabalhadores sem Terra
NAIS National Agricultural Innovation System
NARS National Agricultural Research Systems
OEPAS Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária
P&ER&I Sistema Nacional de Pesquisa, de Extensão Rural e de Inovação
Agrícola no Brasil
PEA População Economicamente Ativa
PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a
Agricultura Familiar e Reforma Agrária
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONATER Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na
Agricultura Familiar e na Reforma Agrária
RURALTINS/TO Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins
RURAP Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá
SAF Secretaria Nacional de Agricultura Familiar
SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural
SNPA Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária
SPInA Sistema Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação Agrícola
STR Sindicatos de Trabalhadores Rurais
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 19
1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES .. 31
1.1. Evolução do entendimento das atividades de ater: perspectiva histórica .............. 31
1.2. As transformações na agricultura e na dinâmica de inovação e os reflexos na
evolução conceitual da ater: perspectiva teórico-institucional ....................................... 44
1.3. A ATER e a sua inserção no (novo) desenvolvimento rural .................................... 55
1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o
papel da pesquisa e da extensão ......................................................................................... 58
1.4.1. O papel da agricultura e os desafios postos à ATER .............................................. 58
1.4.2. Elementos da estratégia da ATER e da pesquisa para superar os desafios ............. 68
1.4.3. Inclusão competitiva: um desafio do tamanho do Brasil ........................................ 71
2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E
DESAFIOS .............................................................................................................................. 76
2.1. O modelo linear e o modelo dinâmico de inovações ................................................. 77
2.2. O sistema nacional de inovação e a agricultura: uma abordagem conceitual ....... 80
2.3. Coordenação e governança ......................................................................................... 94
2.4. Condicionantes da ação da ATER e o ônus pela proximidade ao produtor rural . 96
3. O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA E O PAPEL DA ATER E
PESQUISA AGRÍCOLA EM PAÍSES SELECIONADOS .............................................. 101
3.1. Premissas da escolha, os países selecionados e uma caracterização geral ............ 101
3.2. Pesquisa agrícola e extensão rural nos países selecionados: evolução e
configuração recente ......................................................................................................... 106
3.2.1 África do Sul .......................................................................................................... 106
3.2.2. Argentina ............................................................................................................... 119
3.2.3. Estados Unidos ...................................................................................................... 134
3.2.4. França .................................................................................................................... 146
3.3. Síntese dos "elementos" e os insumos para novos atributos da ATER ................ 159
4. ATER NO BRASIL: PASSADO DE CONTRIBUIÇÕES, FUTURO DE
INCERTEZAS ...................................................................................................................... 163
4.1. A evolução dos serviços públicos de pesquisa e de ATER no Brasil ..................... 163
4.1.1. As origens da pesquisa e da ATER ....................................................................... 164
4.1.2. A trajetória da ATER no Brasil ............................................................................. 167
4.1.3. A coordenação Nacional da ATER ....................................................................... 171
4.1.4. Pnater e Pronater ................................................................................................... 176
4.1.5. Anater, a nova coordenação nacional de ATER ................................................... 187
4.1.6. A evolução do sistema governamental de geração e difusão de tecnologia no Brasil
......................................................................................................................................... 190
4.2. A configuração do SNIA sob a ótica da ATER do Brasil ....................................... 199
4.2.2. Domínio das "Instituições ponte" .......................................................................... 207
4.2.3. Domínio dos Negócios e das Empresas ................................................................ 213
4.2.4. Domínio Governamental e órgãos colegiados ...................................................... 216
4.2.5. Domínio Institucional ............................................................................................ 224
4.3. Contribuições da abordagem do SNIA à discussão sobre a sustentabilidade dos
serviços de pesquisa agrícola e de ATER no Brasil ....................................................... 225
5. ATER E PESQUISA AGRÍCOLA NO BRASIL E NOS PAÍSES SELECIONADOS:
SIMETRIAS, ASSIMETRIAS E OS CONDICIONANTES PARA UMA MAIOR
EFETIVIDADE .................................................................................................................... 230
5.1. Traços de simetrias, assimetrias e perspectivas de aprendizado entre a pesquisa e
a ATER nos países selecionados e no Brasil ................................................................... 230
5.1.1. Mudanças climáticas e ambiente agrícola ............................................................. 231
5.1.2. Base científica e tecnológica da ATER e da pesquisa - o papel do Ensino .......... 233
5.1.3. A agricultura familiar e reforma agrária ............................................................... 234
5.1.4. Novas demandas e novos conteúdos para a pesquisa e ATER ............................. 236
5.1.5. Articulação internacional ...................................................................................... 241
5.1.6. Organização da produção e empoderamento (empowerment) dos produtores ..... 242
5.1.7. Financiamento da Pesquisa e da ATER ................................................................ 244
5.2. Condicionantes para a modernização da ATER no Brasil .................................... 245
5.2.1. ATER governamental e o atraso da modernização da agricultura familiar: de onde
vem essa relação? ............................................................................................................ 245
5.2.2. O papel da ATER e o perfil do extensionista: debate para o futuro que já começou
......................................................................................................................................... 249
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 253
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 284
APÊNDICE A – Instituições públicas federais e estaduais de “PESQUISA”, “ATER” e
“ATER + PESQUISA” no Brasil, por Estado e Grande Região, 2016. ........................... 309
19
INTRODUÇÃO
Esta tese tem como tema central o papel da Assistência Técnica e Extensão Rural
(ATER) na modernização da agricultura brasileira, percebido à luz das mudanças atualmente
enfrentadas pela agricultura e à luz do processo de geração, difusão e adoção do
conhecimento.
Forjando tais mudanças, encontram-se os desafios presentes e futuros que demandarão
da agricultura brasileira: produzir alimentos para sua população e para outras populações do
resto do mundo; ser competitiva interna e internacionalmente; constituir-se num espaço de
oportunidade de trabalho e de sobrevivência dignos não apenas para agricultores, quanto para
os outros segmentos da cadeia mais tecnificados e envolvidos com mercados mais dinâmicos;
e internalizar as mudanças institucionais, políticas, técnico-científicas e ambientais,
relacionadas ao contexto agrícola.
A tradução desses desafios significa a promoção das condições para o produtor viver
do seu trabalho, significa a modernização da agricultura do país, que conta com quase quatro
milhões de estabelecimentos que estão à margem desse processo, significa atenção para as
pressões de várias ordens e de vários segmentos para a estabilidade da produção agrícola.
Significa, ainda, responder às questões como a segurança alimentar num ambiente de
mudanças climáticas, a sustentabilidade, a incorporação das novas tecnologias no campo e o
novo contexto da geração, da organização e da difusão de inovações, num cenário
crescentemente complexo, no qual o fenômeno da multifuncionalidade da agricultura é cada
vez mais presente.
A segurança alimentar tem-se constituído historicamente num dos principais
desafios da agricultura mundial. Todavia, esse desafio vem tendo a sua dimensão
ampliada face às restrições que são crescentemente colocadas à atividade agrícola, como
os necessários cuidados ambientais e, por último, a mais grave restrição que são as
mudanças climáticas. Acrescente-se a tais restrições um persistente e injustificado
número elevado de pessoas que ainda passam fome no mundo – segundo a FAO, cerca de
795 milhões, em 2015, em que pesem os avanços recentes (FAO, 2015, p. 4).
A rigor, o desafio da segurança alimentar tem sido algo permanente ao longo da
história da agricultura, o fato novo é associá-lo às mudanças climáticas, elemento de
repercussão direta na atividade agrícola e de um potencial de dano devastador.
Os ditames da segurança alimentar, por outro lado, vêm crescentemente colocando
novos padrões e novas exigências à produção agrícola, o que significa um desafio
20
monumental para todos os atores do ambiente agrícola. Esse fato tem indicado a necessidade
de se atentar para elementos antes não considerados na dinâmica da agricultura convencional,
como: uso excessivo de agroquímicos (defensivos, herbicidas, fertilizantes, antibióticos,
hormônios etc.), necessidade de rastreabilidade da produção agrícola e animal, e atenção aos
princípios de bem-estar animal. No campo da sustentabilidade, incluem-se a parcimônia na
utilização da água, a observância às leis e regulações relativas ao trabalho agrícola, à
preservação e à conservação da natureza, os princípios da equidade social e os de cunho
econômico, dentre outros.
As novas tecnologias sempre permearam a evolução humana e atualmente os desafios
quanto ao seu uso e à introdução na agricultura não poderiam ser diferentes. A velocidade
crescente da sua penetração no meio agrícola é algo irreversível, destacando-se nesse caso o
advento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como um dos marcos da
sociedade atual e com repercussão profunda em todo o setor agrícola.
Segundo Mendes (2015), as tecnologias da informação possuem parcela importante
nas transformações dos modelos de produção e acumulação até então vigentes e
compreendem desde as tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware),
internet, gerenciamento de bancos de dados, sistemas de informação, de telecomunicação,
redes de computadores, até software e portais para o agronegócio, dispositivos eletrônicos
para o armazenamento de informações sanitárias, nutricionais e genéticas, canais de televisão
etc. (MENDES, 2015).
Dadas as suas variadas aplicações, o papel das TICs no trabalho da ATER ganha um
significado especial face a sua velocidade e capilaridade no meio rural, elementos cruciais
para um bom desempenho da ATER. Contudo, no caso da agricultura brasileira, Mendes
(2015) afirma que o país sofre de uma "indigência tecnológica", em relação ao uso das TICs
na agricultura, quando os indicadores são uso de internet e acesso a computadores no campo.1
Segundo a mesma autora, um dos grandes obstáculos para a ampliação do uso dessas
tecnologias é a necessidade de expansão da infraestrutura, que pode se configurar com um
vetor inicial de disseminação das TICs no espaço rural (MENDES, 2015, p. 121). Essa
constatação, ao invés de desestímulo, deve ser considerada como mais um desafio para
ATER, no sentido de não apenas ampliar o uso das TICs na sua prática de trabalho, como
também, atuar na sua difusão e adoção junto aos produtores rurais. Essa afirmação tem
embasamento em Espíndola (2015), ao olhar para a América Latina e assegurar: “En los
1 Segundo o Censo Agropecuário do Brasil de 2006, apenas 4,54% dos estabelecimentos rurais possuíam
computador e 1,87% tinham acesso à internet.
21
territorios rurales hay una situación de brecha digital amplia al mismo tiempo que es
observable que se va reduciendo día a día y eso crea mejores condiciones para la utilización
de TIC en la extensión rural”.
Além desses aspectos de inegável relevância, juntam-se as mudanças no contexto da
geração, organização e difusão da pesquisa, da tecnologia e da inovação, em geral e na
agricultura em particular. De um modelo linear, passou-se para uma organização sistêmica,
dado o próprio entendimento da dinâmica do progresso técnico e da sua relação com o
processo inovativo. Com isso, a evolução do conhecimento técnico-científico ficou mais
realista, mas, também, mais complexa, dada a percepção da necessidade de se envolver desde
os primeiros movimentos em torno de uma nova tecnologia/conhecimento, diferentes atores,
com diferentes lógicas e naturezas, o que exige diferentes políticas públicas e estratégias dos
segmentos/atores envolvidos.
Tal contexto impacta fortemente as atividades de ATER, no mundo e no Brasil. As
atividades de ATER vêm de longa data e se aprimoraram com o decorrer do tempo,
procurando justamente incorporar novas concepções e definições da relação homem –
agricultura – natureza – conhecimento. Isso significa, especialmente no caso brasileiro,
considerar as ações das empresas privadas – tanto na geração como na difusão do
conhecimento, ou seja, estreitando o espaço por muito tempo ocupado por instituições
públicas de pesquisa e de ATER e alargando os velhos e criando novos espaços para entidades
privadas e do terceiro setor. Entretanto, a transformação do entendimento de tantas mudanças
em políticas públicas, em política agrícola, em política de pesquisa agrícola e em política de
ATER nunca foi óbvia em várias partes do mundo e especialmente no Brasil. E o país tem-se
ressentido fortemente disso.
No caso da ATER brasileira, ator central desta tese, o marco legal que lhe dá
conformação institucional é a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para
a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater), sancionada pela Presidência da República
em 11 janeiro de 2010, pela Lei Nº 12.188. Nessa Lei, Assistência Técnica e Extensão
Rural – ATER é definida como um
serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove
processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e
dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades
agroextrativistas, florestais e artesanais.2
2 No Capítulo 2, a evolução conceitual da ATER será melhor aprofundada, ao se tratar de “Extensão Rural" e de
"Assistência Técnica" como elementos com diferenciações conceituais, porém de conteúdos indissociáveis na
prática do trabalho extensionista.
22
Um dos pilares para a execução da Pnater no país é o conjunto das organizações
governamentais de ATER, distribuídas em todos os estados e no Distrito Federal. Em alguns
estados, os serviços públicos de ATER e de pesquisa agrícola estão reunidos numa única
organização.3 Sobre essas organizações, a Lei estabelece no seu Artigo 1º-Parágrafo único que
"Na destinação dos recursos financeiros da Pnater, será priorizado o apoio às entidades e aos
órgãos públicos e oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER".
Uma inovação da Lei foi estabelecer que a execução da Pnater será realizada
pelo conjunto de organizações públicas somado ao grupo das organizações não
governamentais, estas, inclusive, com acesso a recursos públicos, conforme determina a
Pnater, no seu Artigo 11.4
Em maio de 2014, face à inexistência de uma coordenação para a ATER no Brasil,
papel exercido pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater),
extinta em 1990, o governo federal criou a Agência Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Anater). Esta entidade está caracterizada como pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública. Dentre suas
competências, duas são aqui destacadas:
I - promover, estimular, coordenar e implementar programas de assistência técnica e
extensão rural, visando à inovação tecnológica e à apropriação de conhecimentos
científicos de natureza técnica, econômica, ambiental e social; II - promover a integração do sistema de pesquisa agropecuária e do sistema de
assistência técnica e extensão rural, fomentar o aperfeiçoamento e a geração de
novas tecnologias e a sua adoção pelos produtores.5
Somente em junho de 2015, a Anater teve a sua diretoria nomeada. Em 10 de maio de
2016, tomaram posse os membros do Conselho Assessor Nacional e do Conselho Fiscal da
Anater; em 12 de maio de 2016, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), ministério
que exercia a supervisão da Anater e cujo ministro presidia o seu Conselho de Administração,
foi incorporado ao novo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, por força da
Medida Provisória Nº 726, de 12 de maio de 2016. Esses fatos, em resumo, significam que a
Agência demorou a entrar na plenitude do seu funcionamento tornando ainda mais agudos os
problemas já existentes no sistema. Há, porém, uma expectativa positiva quanto ao seu papel
3 A Lei de ATER, como também é chamada, institui no seu Art.6º o Programa Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (Pronater), como o principal instrumento de
implementação da Pnater. 4 O Art. 11 da Lei de ATER estabelece: "As Entidades Executoras do Pronater compreendem as instituições ou
organizações públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, previamente credenciadas na forma desta Lei, e
que preencham os requisitos previstos no art. 15 desta Lei". 5 Criação da Anater: Decreto Nº 8.252, de 26 de maio de 2014.
23
na liderança da modernização da ATER pública no Brasil, minimizando a fragilidade e as
recorrentes crises verificadas em todo o sistema de ATER.6 Todavia, a demora na efetiva
operação da Anater acrescenta mais um ingrediente importante às "recorrentes crises na
ATER pública do Brasil", ou seja, paradoxalmente, a solução vem se transformando em
problema. A constatação da fragilidade e das crises recorrentes também pode ser percebida a
partir de menções de Peixoto (2014), nas quais é possível pressupor os danos na credibilidade
da ATER pública no Brasil. A primeira delas data de 1980:
(...) as restrições fiscais e a diminuição da participação do crédito rural na
determinação do ritmo da adoção de inovações agrícolas agravaram ainda mais a
crise da extensão pública, cuja capacidade de atuação, alcance e resultados já
vinham sendo duramente questionados. (PEIXOTO, 2014, p. 910)
Em seguida, na década de1990, por força da extinção da Embrater, ocorrida nesse
mesmo ano, outro comentário do mesmo autor retrata uma das causas de uma outra crise na
ATER brasileira, que, como se percebe, avança numa segunda década.
Apesar de, na Constituição Federal de 1988, a assistência técnica e a extensão rural
terem sido previstas entre as prioridades da política agrícola, a Embrater foi extinta
em 1990, acarretando a desarticulação do Sibrater na década seguinte, uma vez que
as entidades estaduais, em sua maioria, dependiam fortemente de verbas federais
(em alguns casos, até 90% de seus orçamentos). (PEIXOTO, 2014, p. 911)
Esse fato provocou em cada Unidade da Federação uma onda de autonomia, gerando,
a princípio, um sentimento de orfandade do governo federal, acompanhado de drásticas
restrições orçamentárias. Mas, em seguida, constata-se um dano maior que é a quebra da
unidade do sistema, levando cada estado a adequar a sua organização ao modelo que melhor
se ajustasse às suas condições não apenas financeiras, mas também políticas. Ou seja, houve
uns poucos estados em que a ATER foi fortalecida, caso da Bahia, em outros muitos foi
negligenciada. Por tal razão, atualmente, é possível verificar uma grande diversidade de
estruturas organizacionais, modelos e estratégias nos vários serviços governamentais de
ATER no Brasil.
6 O "sistema" mencionado foi denominado de "Sibrater" pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Embrater), empresa criada em 1975 (Decreto Nº 75.373, de 14 de fevereiro de 1975), que o
coordenava. À época, o Sibrater era integrado pela Embrater, Ematers e pelas Associações de Assistência
Técnica e Extensão Rural- Aster (Territórios). Além disso, eram credenciados pela Embrater e se integravam ao
Sibrater, 913 escritórios privados de assistência técnica à agropecuária (EMBRATER s/d). Em 2005, o antigo
MDA reestruturou o Sibrater, dando-lhe a seguinte definição: "o Sistema Brasileiro Descentralizado de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater) tem como objetivo organizar a prestação de serviços públicos de
Ater, sob a orientação da Política Nacional de Ater (Pnater)”.
24
Sobre esse momento, anos 1990, o mesmo autor afirmava:
(...) o Sistema, que continuou em crise, sobretudo por desinteresse político ou
incapacidade econômica dos governos estaduais em investir nos serviços oficiais. Os
resultados foram o sucateamento das estruturas, a defasagem dos salários e os
extensionistas desestimulados. (PEIXOTO, 2014, p. 911)
Em 2013, o Tribunal de Contas da União, auditando um dos programas de ATER
executado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) à época, concluiu:
De acordo com o relatório, o MDA tem conseguido avanços na coordenação dos
serviços de Ater, mas ainda enfrenta desafios significativos para o aperfeiçoamento
das atividades. As entidades contratadas para prestar a assistência, por exemplo,
apresentam dificuldades para manter a continuidade dos serviços devido ao curto
prazo dos contratos. (PEIXOTO, 2014 p. 912)
Nesse último caso, a expressão "dificuldades para manter a continuidade dos
serviços" significa a precariedade na oferta ou até mesmo falta do serviço de ATER, ou
seja, o ápice da crise. Nesta mesma direção, outro exemplo de igual gravidade é dado
pelo estado da Bahia, que extinguiu, em 2015, a Empresa Baiana de Desenvolvimento
Agrícola (EBDA), responsável no estado pelas políticas governamentais de pesquisa
agrícola e de ATER desde 1954. Não muito distante daqui, o serviço de Extensão dos
Estados Unidos completou um século de existência em 2014.
A partir dessas motivações, as atenções centrais deste estudo estão voltadas para as
discussões sobre o papel e perspectivas da ATER pública brasileira na modernização da
agricultura, ancoradas por dois referenciais analíticos: de um lado, os grandes desafios postos
à agricultura e à ATER e, de outro, a conformação política, técnica e institucional da própria
ATER para o enfrentamento desses desafios.
Do ponto de vista metodológico, cabe assinalar que em todo este estudo foram
utilizados dados obtidos de fontes documentais disponíveis, de obtenção direta ou
apresentados por meio de processo de sistematização. Inicialmente, partiu-se da análise dos
principais desafios colocados à agricultura e à ATER, refletindo-se, em seguida, sobre a sua
evolução conceitual, no mundo e em especial no Brasil, avaliando suas principais influências,
natureza do seu trabalho e modelos de atuação. O objetivo é o de compreender, do ponto de
vista histórico e conceitual, a inteireza do objeto estudado, à luz das grandes transformações
tecnológicas e à luz dos desafios postos.
Dados esses passos iniciais, buscou-se na abordagem dos Sistemas Nacionais de
Inovação Agrícola (SNIA) o respaldo teórico capaz de ajudar a interpretar a complexa
dinâmica da inovação na agricultura, na sua dimensão evolucionária e sistêmica. Essa
25
abordagem tem a virtude de se constituir num avanço para a compreensão do processo
inovativo, até então visto sob a perspectiva do modo linear, largamente utilizada em inúmeros
estudos com as mesmas características deste.
Na perspectiva linear, a pesquisa científica é o principal driver da inovação,
concebendo novos conhecimentos e tecnologias que podem ser transferidos e/ou adaptados a
diferentes situações. Já a perspectiva do "sistema nacional de inovação" reconhece a inovação
como um processo interativo, que envolve indivíduos e organizações que dispõem de
diferentes tipos de conhecimento em um dado contexto econômico, político e institucional
(WORLD BANK, 2006, p. 11).
A abordagem SNIA, que tem como fundamento teórico o conceito de Sistema
Nacional de Inovação, a ser aprofundado mais adiante, trata de uma evolução no pensamento
dos modelos conceituais sobre o conhecimento agrícola. Essa evolução é iniciada a partir do
modelo conceitual denominado por National Agricultural Research Systems (NARS),
concebido nos anos 1970, de inspiração neoclássica, que tinha foco nos sistemas de pesquisa
agrícola dos países desenvolvidos7 (SPIELMAN e BIRNER, 2008).
A ideia subjacente que justifica a utilização da abordagem SNIA é a de que o
comportamento de qualquer ator envolvido no processo de inovação na agricultura não deve
ser explicado na sua plenitude a partir do comportamento/performance individual daquele
ator, mas, sim, a partir das relações e articulações que se estabelecem no interior do sistema
de inovação, que integra não apenas os ofertantes de conhecimento. Esse raciocínio torna-se
aqui particularmente útil, haja vista a sua aderência direta com os sistemas de ATER mais
modernos (WORLD BANK, 2006).
No sentido de se empreender uma análise de conteúdo mais globalizado, foi
também útil recorrer a experiências de sistemas de ATER e, em muitos casos, de pesquisa
agrícola localizadas em outros países, com o propósito de incorporar elementos novos à
discussão brasileira. Nesse caso, contou-se com as experiências da África do Sul, da
Argentina, da França e dos Estados Unidos. De cada uma delas foram destacados
aspectos relevantes, denominados de "elementos de síntese", que se constituíram mais à
7 Refere-se à teoria econômica Neoclássica, cujas premissas mais importantes são: (i) A firma é vista como uma
“caixa-preta”, que combina fatores de produção disponíveis no mercado para produzir produtos
comercializáveis. (ii) O mercado, embora possa apresentar situações transitórias de desequilíbrio, tende a
estabelecer condições de concorrência e informações perfeitas. A firma também se depara com um tamanho
“ótimo” de equilíbrio. (iii) As possibilidades tecnológicas são usualmente representadas pela função de
produção, que especifica a produção correspondente a cada combinação possível de fatores. As tecnologias estão
disponíveis no mercado, seja através de bens de capital ou no conhecimento incorporado pelos trabalhadores.
(iv) É assumida a racionalidade perfeita dos agentes, diante de objetivos da firma de maximização de lucros”
(TIGRE, 1998, p. 70).
26
frente em "pontos de contato" para uma reflexão ampliada vis-à-vis os "elementos de
síntese" recolhidos da experiência brasileira.
Na análise da experiência brasileira de ATER, expandiu-se a discussão para
envolver a evolução das trajetórias da pesquisa agrícola e da ATER governamentais e o
aparato institucional envolvido no desenvolvimento rural e agrícola, com ênfase nos
sistemas de pesquisa, de ATER e de ensino agrícola. Procedeu-se também uma incursão
nas organizações do terceiro setor voltadas ao setor agrícola, com destaque para o
sistema cooperativista.
A reflexão sobre o conjunto dos elementos recolhidos das experiências
brasileiras e dos países selecionados foi sistematizada a partir de sete núcleos temáticos:
mudanças climáticas; ensino agrícola; agricultura familiar e reforma agrária; novas
demandas e novos conteúdos; articulação internacional; organização da produção e
empoderamento (empowerment) dos produtores; e financiamento da pesquisa e da
ATER.
Essa reflexão permitiu a estruturação de um rico quadro de simetrias, assimetrias e de
ensinamentos úteis para iluminar o debate sobre a contribuição do sistema de ATER na
melhoria da competitividade da agricultura brasileira, especialmente da fração de produtores
agrícolas com baixo ou nenhum grau de tecnificação.8
Esse tipo de produtor rural, geralmente também com baixo grau de instrução, possui
historicamente uma grande identidade com o trabalho de ATER no Brasil, condição que fez
da ATER o ator do SNIA com mais proximidade ao produtor. Tal proximidade se deve ao
fato de caber ao extensionista, por dever funcional, a necessidade de conhecer in loco toda a
propriedade, suas características de clima, solo, oferta hídrica, ambiente, socioeconomia,
infraestrutura, mercado etc., sob pena de comprometer a qualidade do seu trabalho de propor
melhorias no sistema de produção. Além dessa característica, compete ainda ao extensionista
8 Para Fajzylber (1988), no plano internacional, “competitividade é a capacidade de um país para sustentar e
expandir a sua participação no mercado internacional, e aumentar, simultaneamente, o padrão de vida de sua
população. Isto requer um aumento da produtividade e, por conseguinte, a incorporação de progresso técnico”
(FAJZYLBER, 1988, p. 13). Para Jank e Nassar (2000), competividade é a “Capacidade sustentável de
sobreviver e, de preferência, crescer nos mercados correntes ou em novos mercados.” (JANK e NASSAR, 2000,
p. 140).Alves e Souza (2014), com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006, estimam a existência de 2
milhões de estabelecimentos rurais marginalizados da modernização agrícola, considerados como "muito pobres"
aqueles que conseguiram em 2006 remunerar os fatores de produção e situados numa faixa de área de zero a 100
hectares, incluídos os assentados da reforma agrária. Mesmo considerando que não há recursos disponíveis para
atendimento às demandas deste quantitativo, os autores consideram como o público potencial prioritário para a
assistência do sistema de ATER do Brasil. Esses 2 milhões de estabelecimentos também são considerados de
baixa tecnificação (ALVES e SOUZA, 2014).
27
viabilizar o acesso dos produtores a outras políticas agrícolas, promover a sua capacitação e a
articulação institucional.9
A mencionada proximidade, decorrente das naturais atribuições do seu ofício, confere
ao trabalho de ATER uma responsabilidade diferenciada dentre os demais atores, não apenas
aqueles voltados à inovação, mas também ao desenvolvimento rural. A maior proximidade da
ATER ao produtor agrícola não significa maior importância nem a liderança do processo, mas
significa maior vínculo com o produtor e famílias rurais. Essa circunstância torna o agente de
extensão um conselheiro quase que permanente da comunidade rural, criando-lhe,
naturalmente, uma atribuição de articulação entre o produtor e demais atores, condição que
diferencia o papel da ATER dos outros atores do SNIA.
Entretanto, as crises recorrentes da ATER governamental brasileira obrigaram outros
atores a desempenhar as funções da ATER para não verem seu esforço inovativo
descontinuado; este é o caso da Embrapa, que incorporou e intensificou o uso de diversas
estratégias de difusão, como dias de campo eletrônicos, programa de rádio, dentre outras, no
conjunto de suas práticas de trabalho.
Embora louvável, a iniciativa da Embrapa é limitada a algumas circunstâncias, como:
perfil do pesquisador, natureza local da própria inovação e pela dimensão do seu quadro de
pessoal em relação às dimensões continentais do Brasil. Nesse sentido, Mendes (2015) traz
observação pertinente:
Um condicionante inibidor da transferência de tecnologia é que a “Embrapa está
praticamente sozinha na rede nacional de pesquisa agrícola. Tem as universidades
federais, mas sua atuação é local. A rede nacional de pesquisa e de transferência está
na mão da Embrapa e não é sua missão fazer extensão rural. Então, quando se olha a
cadeia de produção do conhecimento e a cadeia de produção agrícola, nota-se que há
um hiato pelo caminho que é de uma década ou mais que gera um problema. Não
vai dar certo gerar conhecimento num lugar e incorporar conhecimento em outro
sem contar com a assistência técnica e a extensão rural”. (Grifo no original)
(MENDES, 2015, p. 195).
Assim, é plausível imaginar que a ATER, por sua maior proximidade ao produtor
rural, pode ser mais impactada no seu desempenho no caso da inexistência das condições
mínimas de funcionamento do sistema. Essa condição talvez explique o fato de a ATER ser
9 Tais como crédito rural, seguro, insumos, programa de alimentos, além de elaborar projetos técnicos, laudos e
pareceres. É também atribuição do agente de extensão executar treinamentos, promover a articulação junto a
entidades de pesquisa agrícola e de outras políticas de governo, como classificação de produtos, defesa animal e
vegetal. Por último, e não menos importante, a função de compartilhar inovações, agrícolas, ambientais,
gerenciais, sociais, dentre as quais aquelas relativas à organização da produção.
28
recorrentemente responsabilizada, conforme analisam Alves e Pastore (2013), por grande
parte do atraso tecnológico de milhões de estabelecimentos rurais de base familiar no Brasil.
A partir dessas circunstâncias contextuais e introdutórias, têm-se elementos analíticos
que possibilitam formular a seguinte pergunta de pesquisa que esta tese busca responder: a
ATER governamental está preparada ou estruturada para dar conta das questões que
permeiam a agricultura do país hoje e num futuro próximo?
A hipótese da tese é que a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) não tem considerado aspectos
essenciais do contexto de mudança na forma da organização e da difusão do conhecimento, a
evolução e a introdução das novas tecnologias (especialmente as TICs) no ambiente da
agricultura brasileira – o que exige um outro perfil de profissional de extensão rural, como
também outros tipos de ferramentas de trabalho – além de fatores centrais que passaram a
fazer parte do rol das atividades agrícolas mais ativamente – segurança alimentar,
sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas, a entrada da iniciativa privada nos
trabalhos de pesquisa e de difusão agrícola, tornando mais complexas a modernização e a
efetividade das ações de assistência técnica e extensão rural no país.
Decorrente desta preocupação e sob uma perspectiva teórica de matriz
neoschumpeteriana, o objetivo central da tese é explorar analiticamente os elementos que
configuram a estruturação da ATER no Brasil à luz dos aspectos que envolvem os desafios
impostos à agricultura (segurança alimentar com mudanças climáticas, sustentabilidade,
multifuncionalidade e novas tecnologias) e à luz da evolução do contexto de geração,
desenvolvimento e difusão do conhecimento (que invocam um sistema de pesquisa e
inovação, com inúmeros atores, públicos e privados).10
10
Matriz neo-schumpeteriana deriva da escola do pensamento econômico inaugurada por Joseph Alois
Schumpeter, nascido em 1883, segundo a qual “a atividade inovativa passou a ser concebida como elemento
endógeno à dinâmica econômica, constituindo artefato essencial à determinação dos movimentos cíclicos que
caracterizam a dinâmica capitalista e aspecto que possibilita a própria reprodução e evolução do capitalismo”.
No mesmo sentido e “utilizando-se do conceito de destruição criadora, Schumpeter afirmou que o capitalismo
constitui um espaço para o enfrentamento de capitais de agentes econômicos distintos, no qual se busca a
valorização de seus investimentos, através da inovação em produtos e processos... Depreende-se da visão
schumpeteriana a ideia de que a economia não viveria em uma posição de equilíbrio, mas justamente o contrário:
a busca por desequilíbrios, obtidos através da inovação, caracterizava a lógica natural de funcionamento do
sistema econômico” (VALLE, BONACELLI e SALLES-FILHO, 2002, p. 10). As ideias originais de
Schumpeter motivaram estudiosos a aprofundá-las e a ampliarem seu alcance. Dentre esses estudiosos,
denominados de neoschumpeterianos, destacam-se: Christopher Freeman, Richard Nelson, Sidney Winter,
David Mowery, Natan Rosenberg, Luc Soete, Giovanni Dosi, Franco Malerba, Lundvall B.A, entre outros.
Segundo Possas (2008), “Há muito a economia vem flertando com as ideias de evolução e seleção natural, com o
darwinismo e com a biologia evolucionária, mas até recentemente sem maiores compromissos”. Ele completa,
afirmando que: “O marco principal na incorporação efetiva de argumentos evolucionários no campo da teoria
econômica foi o trabalho de Nelson & Winter (1982), que inaugurou um novo terreno fértil para a expansão do
29
De modo específico, a tese perseguirá os seguintes objetivos secundários:
1. Apresentar a evolução conceitual de ATER, também como elemento de
contribuição ao entendimento da “evolução” institucional de ATER;
2. Identificar e discutir o contexto de desenvolvimento da ATER em países
selecionados e indicar elementos que possam ser úteis para reestruturação da ATER no Brasil;
3. Analisar o ambiente da difusão do conhecimento agrícola, a partir da
identificação, caracterização e qualificação dos seus principais modelos e das organizações
atuantes nesse segmento no Brasil, frente aos principais desafios e transformações impostos à
agricultura;
4. Refletir sobre as semelhanças e assimetrias entre os principais modelos
públicos de ATER atuantes no Brasil e outros modelos em âmbito internacional;
5. Analisar a aderência da abordagem dos Sistemas Nacionais de Inovações
Agrícolas para a interpretação dos fatores que condicionam o desempenho do serviço de
ATER governamental do Brasil, frente às transformações e desafios a serem enfrentados pela
agricultura.
A expectativa é a de que, como resultado desse estudo, a partir das generalizações
analíticas obtidas, possam surgir contribuições que enriqueçam a discussão sobre o
aperfeiçoamento dos modelos de ATER governamental no Brasil, ensejando avanços
qualitativos no processo de modernização da agricultura brasileira, no desempenho das
instituições e no uso dos recursos públicos.
Esta tese está estruturada em sete capítulos, incluídas esta introdução e uma última
reflexão denominada de conclusões. O segundo capítulo apresenta reflexões sobre a evolução
conceitual de ATER, de modo a suscitar elementos que facilitem a compreensão do processo
da evolução institucional da ATER no mundo e no Brasil. No terceiro, aprofunda-se a
abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola, que oferece o respaldo teórico para a
compreensão do quadro analítico discutido neste estudo. No quarto capítulo, desenha-se um
quadro geral descrevendo a evolução da agricultura e a conformação da pesquisa e da
extensão agrícolas em países selecionados. Já o quinto capítulo trata da evolução da ATER
governamental no Brasil e a sua inserção no Sistema Nacional de Inovação Agrícola,
dedicando um olhar especial sobre o ambiente da difusão do conhecimento agrícola; o sexto
escopo e das ferramentas para uma análise da dinâmica evolutiva em economia”. Possas (2008) conclui que: “a
ênfase dos autores na mudança estrutural centrada nas inovações como princípio dinâmico essencial, por sua vez,
remete – de novo explicitamente – a Schumpeter, justificando tratar a abordagem ali iniciada como
"evolucionária neo-schumpeteriana" (POSSAS, 2008, p. 281).
30
capítulo está reservado para duas reflexões relacionadas: a primeira, a análise e discussão das
mais relevantes simetrias, assimetrias e aprendizados extraídos das reflexões sobre a ATER
do Brasil e dos países selecionados; e a segunda reflexão, sobre os fatores que condicionam e
são condicionados pela ATER governamental.
Por fim, o estudo apresenta um conjunto de conclusões que representa uma síntese das
análises e discussões sobre os mais relevantes desafios a serem enfrentados pela ATER
governamental brasileira. Tais desafios, integrados em nove categorias temáticas, se
devidamente interpretados e internalizados, podem, ao mesmo tempo, se constituir em
insumos estratégicos para a construção de uma "ATER moderna", de modo a estruturá-la e
estimulá-la a oferecer um padrão de contribuição à modernização da agricultura brasileira
superior ao padrão oferecido atualmente.
O primeiro elemento desse conjunto entende que a grande maioria da ATER
governamental brasileira não está estruturada para enfrentar os desafios impostos pela
necessidade de contribuir para a segurança alimentar, para a redução da pobreza, que envolve
a gigantesca tarefa de contribuir com a inclusão competitiva de 3,9 milhões de
estabelecimentos rurais que estão à margem do processo de modernização, desafios
circunscritos num cenário de uma agricultura cada vez mais multifuncional e num cenário de
mudanças climáticas apontadas como dramáticas.
Os principais fatores que indicam a fragilidade da ATER governamental para enfrentar
tais desafios foram identificados como de natureza exógena e endógena à ATER. Os de
natureza exógena estão localizados na ausência de prioridade objetiva à agricultura na política
de desenvolvimento do país, que deveria estar articulada estrategicamente com a política de
Ciência, Tecnologia e Inovação. Como decorrência, são identificados outros fatores, tais
como as dificuldades de coordenação e governança do SNIA, ou seja, fatores inerentes à
dinâmica do processo de inovação, no qual estão incluídas a persistência do modelo
linear/ofertista e a desarticulação entre Sistema Educacional, de Pesquisa e de Extensão.
De natureza endógena, verificou-se, até então, a incapacidade da Pnater e da Anater
de contribuírem com a reestruturação e revitalização da ATER governamental do país,
modernizando a sua gestão institucional e organizacional, promovendo, por exemplo, um
maior protagonismo dos produtores rurais nas decisões estratégicas dos sistemas de ATER
governamental. Por último, o estudo aponta para as “curvas de aprendizado”, incorporadas e
internalizadas, ao longo da história, na cultura da ATER governamental, algo que pode ser
considerado um elemento diferenciado e útil num eventual processo de reorganização e
revitalização da ATER governamental em todo o país.
31
1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES
Este capítulo tem a pretensão de responder a um objetivo central: aprofundar reflexões
sobre o desenvolvimento conceitual e institucional de ATER. Para tanto, as análises a serem
desenvolvidas se pautarão por duas perspectivas distintas, embora complementares: a
primeira, uma reflexão sobre a evolução conceitual da ATER no mundo e no Brasil, sob uma
perspectiva histórica; a segunda, uma análise da trajetória da ATER, à luz das transformações
na agricultura e na dinâmica da inovação, porém, sob uma perspectiva teórico-institucional.
Nessa última perspectiva, o caminho percorrido será iniciado pela discussão sobre a
evolução conceitual da ATER, com ênfase em registros históricos indicativos, desde os
primeiros sinais, daquilo que seria a atividade extensionista. Em seguida, busca-se extrair
possíveis relações entre as grandes revoluções tecnológicas e institucionais vivenciadas no
mundo e na agricultura e os seus eventuais impactos sobre a ATER.
A partir de então, o passo seguinte é o de se avaliar a inserção da ATER no (novo)
desenvolvimento rural, à luz das expectativas do papel da agricultura num ambiente em fortes
transformações, extraindo-se e qualificando-se os principais desafios postos à ATER no
Brasil.
Com base nesse substrato analítico, a discussão colocará em evidência dois elementos
basilares para o desenvolvimento de todas as reflexões seguintes: o primeiro, os fundamentos
que colocam a inovação no centro da estratégia para o enfrentamento dos desafios
identificados; e o segundo, a necessidade da compreensão do papel da ATER e da sua
dimensão nesse processo de superação dos desafios identificados.
1.1. Evolução do entendimento das atividades de ater: perspectiva histórica
Um dos primeiros registros de orientações sobre práticas agrícolas é abordado por
Swanson et al. (1997), dando conta que no ano de 1800 a.C. arqueólogos descobriram na
Mesopotâmia algumas tabuletas contendo inscrições que orientavam cuidados com a irrigação
de culturas e a forma de combate a ratos, que prejudicavam seriamente as colheitas
(SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).
Pode-se considerar como um outro registro, igualmente importante, sobre algo
parecido ao que se concebe hoje como "assistência técnica e extensão rural", a passagem
32
bíblica, transcrita a seguir, mais especificamente em Isaías, Capítulo 28, versículos de 24 a
29:11
Quando o agricultor ara a terra para o plantio, só faz isso o tempo todo? Só fica
abrindo sulcos e gradeando o solo? Depois de nivelado o solo, ele não semeia o
endro e não espalha as sementes do cominho? Não planta o trigo no lugar certo, a
cevada no terreno próprio e o trigo duro nas bordas? O seu Deus o instrui e lhe
ensina o caminho. Não se debulha o endro com trilhadeira, e sobre o cominho não se
faz passar roda de carro; tira-se o endro com vara, e o cominho com um pedaço de
pau. É preciso moer o cereal para fazer pão; por isso ninguém o fica trilhando para
sempre. Fazem passar as rodas da trilhadeira sobre o trigo, mas os seus cavalos não
o trituram (BÍBLIA, ISAÍAS, 28:24-29).
Parece implícita no texto do profeta Isaías a também presença da “pesquisa”, na
medida em que as orientações e instruções dadas parecem ser consequência de observações e
de, possivelmente, algumas experimentações, como as do tipo "tentativas de acerto-erro".
Daquele período até hoje, o desenvolvimento da História produziu contribuições de muitos
estudiosos sobre o tema, aperfeiçoando e ampliando a sua base conceitual.
Para Swanson et al. (1997), o trabalho de extensão no mundo, embora respeitável, tem
pouco registro histórico. Para eles, o trabalho de extensão significa uma importante inovação
social, uma força importante nas transformações agrícolas, que tem sido criado e recriado,
desenvolvido e adaptado ao longo dos séculos, algo como quatro mil anos, embora sua
evolução mais intensa e moderna tenha ocorrido nos dois últimos séculos (SWANSON;
BENTZ; SOFRANKO, 1997).
Para Ban e Hawkins (1996), na origem da extensão rural está o termo "extensão
universitária" ou "extensão da universidade", que teve seu uso iniciado na Inglaterra em 1840,
sendo ampliado a diversas universidades, chegando-se a 1880 com a denominação de
"movimentos de extensão", que se caracterizavam como a "saída" da universidade dos seus
intramuros para levar serviços a comunidades no seu entorno (BAN; HAWKINS, 1996, p. 8).
No entanto, o uso ampliado da noção de "estender" a informação relevante e útil para a
população adulta em geral é anterior ao movimento de extensão universitária. No início do
século XIX, um político britânico, Lord Henry Brougham, um defensor influente da educação
formal para os pobres e da educação de adultos em massa, fundou a Sociedade para a Difusão
do Conhecimento Útil (Society for the Diffusion of Useful Knowledge) em 1826. Seu objetivo
era “transmitir informações úteis para todas as classes da comunidade, especialmente para os
que não têm capacidade de estudar com professores experientes e que preferem aprender por
11
O profeta Isaías viveu por volta de 700 anos a.C. Acredita-se que seus escritos foram atualizados e
complementados por outros profetas da "escola Isaíana" e depois recolhidos por volta do final do século 4º a. C.
(Bíblia Sagrada, tradução da CNBB, com introdução e notas, 2ªedição, Edições Loyola, São Paulo, 2002).
33
si mesmos”. A sociedade tentou fazer isso, em grande parte, através da produção de
publicações de baixo preço e estabeleceu comitês locais em todo o país “para estender o
objetivo da Sociedade” (Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil, 1827).
Durante seus vinte anos de existência, os temas agrícolas foram bem cobertos em
publicações da Sociedade. Outras associações semelhantes, mas com curta duração, também
foram estabelecidas antes de 1840 em vários outros países europeus, além de Índia, China
Malásia e Estados Unidos (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).
Avançando-se um pouco mais na História, é instrutivo o que afirmam Swanson et al.
(1997), ao destacarem que, para o surgimento do trabalho formal de extensão agrícola,
algumas condições recorrentes têm sido observadas em várias circunstâncias. A primeira
condição é que a informação exista de forma sistematizada e que esteja disponibilizada por
intermédio de boas práticas agrícolas, inovadoras ou adaptadas a um ambiente particular,
baseadas no acúmulo de experiências ou em resultados de pesquisa, por mais simples que
sejam. Em segundo lugar, é importante destacar que essa informação ou prática seja utilizada,
dentre outras coisas, para educar os agricultores profissionais, que ainda podem adaptá-la ou
aperfeiçoá-la, transformando-se em seus novos promotores e multiplicadores. Em terceiro
lugar, é necessário que exista uma estrutura administrativa ou organizacional adequada, pelas
quais possam ser concebidas, definidas e executadas as ações de extensão. Em quarto lugar, é
necessário que haja um suporte institucional e legal que demonstre que o trabalho de extensão
agrícola é desejável e deve ocorrer. Em quinto lugar, há, invariavelmente, uma variedade de
antecedentes que têm suscitado iniciativas de organizações voltadas para prover a informação
agrícola, o aconselhamento ou o assessoramento. Além disso, a incidência de situações
críticas, como a fome, a perda de safra, o esgotamento do solo, condições econômicas
precárias, podem se constituir em razões imediatas para justificar a organização do trabalho
de extensão. Este conjunto ou várias dessas condições estão presentes no surgimento e na
evolução das formas modernas de extensão agrícola (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO,
1997).
A propósito da primeira condição, a existência do novo conhecimento, cabe lembrar
que, na Europa da década de 1840, a ciência agrícola estava evoluindo rapidamente, com
avanços notáveis sendo feitos na Alemanha, por Justus von Liebig, em Giessen, no campo da
química agrícola, e com o estabelecimento de experimentos agrícolas em Rothamsted, na
Inglaterra, por John Bennet Lawes e Henry Gilbert.
As sociedades agrícolas e seus programas agrícolas estavam florescendo e havia a
produção de numerosas publicações e periódicos que tinham agricultores como público alvo.
34
Escolas agrícolas tinham se estabelecido na maioria dos países europeus. Adicionalmente,
uma pequena minoria de fazendeiros e agricultores mais jovens tinha recebido uma educação
formal em práticas agrícolas que, ao lado de outros agricultores treinados para prestarem
serviços agrícolas, estavam disponíveis para serem contratados como assessores, conselheiros
ou professores. Muitos dos proprietários de terra mais progressistas contratavam tais
assessores para viajar às suas propriedades e implantar os métodos aperfeiçoados junto aos
seus trabalhadores ou arrendatários. Com a "existência do conhecimento," estava dado o
principal elemento necessário para a criação dos serviços de extensão agrícola, elemento
importante já presente na França, Alemanha e Estados Unidos naquela época.
Outro exemplo clássico de condição necessária ao surgimento do serviço de extensão é
dado pelas circunstâncias de criação do primeiro serviço de extensão da época moderna, que
foi o da Irlanda. A criação desse serviço foi motivada pela ocorrência de uma praga na cultura
da batata, principal alimento da dieta de uma população majoritariamente agrícola. A praga
atingiu toda a Europa em 1845, sendo mais grave na Irlanda. A "fome da batata", como ficou
conhecida, persistiu até 1851. A iniciativa de criação do serviço teve também a decisiva
participação do novo vice-rei britânico nomeado para a Irlanda em 1847, o conde de
Clarendon, que, logo após sua chegada em Dublin, escreveu uma carta ao presidente da Royal
Society of Agricultural Improvement Ireland (fundada em 1841), que atuava como sociedade
central de numerosas sociedades agrícolas locais. Esta carta se constituiu numa diretriz
oficial, conclamando a sociedade a nomear professores itinerantes que percorressem os
bairros com mais dificuldades com o objetivo de informar e mostrar aos pequenos
agricultores, em termos simples, a forma de melhorar o seu cultivo e como progredir sem o
cultivo da batata.
"Instrutores práticos do Senhor Clarendon", como ficaram conhecidos, foram
nomeados, pagos e disponibilizados semanalmente para a sociedade em Dublin. Ao longo dos
quatro anos de sua existência, o esquema foi financiado em sua metade por proprietários de
terras e doações de caridade e o restante vindo de fundos controlados pelo governo
(SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).
Em 1879, a França foi o primeiro país a criar um serviço de extensão agrícola totalmente
financiado pelo Estado. O trabalho que havia sido iniciado anteriormente a essa data feito por
agricultores itinerantes passa agora a ser feito por professores das ciências agrícolas também
itinerantes (professeur departamental d'agriculture). Uma das funções de cada professor
agrícola, que se movimentava dentro do município, era a de preparar professores do ensino
primário e, principalmente, de:
35
“(...) manter os agricultores informados sobre as modernas descoberta se as novas
invenções que poderiam ser aplicados economicamente e com vantagem”; “para ser
um popularizador (vulgarisateur) de progresso”; “para iluminar o coração da zona
rural”. O número desses extensionistas cresceu rapidamente até o final da década de
1880 toda a França estava sendo servida (JONES; GARFORTH, 1997; tradução
nossa)
Desse modo, percebe-se na iniciativa francesa a presença dos elementos conceituais
relevantes que fariam parte de outras experiências que viriam a ser espalhadas pelo mundo,
como: o caráter educativo do trabalho, na medida em que realizado por professores e que
contribuía na formação de novos professores; a promoção da difusão de inovações agrícolas
competitivas; a harmonia do novo conhecimento e as características locais; e a motivação dos
produtores agrícolas e comunidades rurais.
Um pouco mais adiante, o termo "extensão agrária" ganha musculatura institucional e
avança nos Estados Unidos, não sendo pretensioso afirmar que uma das conceituações
pioneiras e formais da história da extensão agrária/agrícola no mundo está na Lei Smith
Lever, de 1914, que criou o Serviço Cooperativo de Extensão Rural dos Estados Unidos. Este,
seguramente, influenciou a criação de inúmeros serviços semelhantes em muitos outros
países, inclusive o do Brasil. A Lei mencionada estabelecia conceitualmente que:
O trabalho cooperativo de extensão agrícola consistirá no desenvolvimento de
aplicações práticas dos conhecimentos de pesquisa, em ações de orientação e
demonstrações práticas de tecnologias ou práticas existentes ou melhoradas na
agricultura, na utilização de energia solar, no que diz respeito à agricultura,
economia doméstica e energia rural. (SMITH LEVER ACT; tradução nossa)12
Por essa Lei, a "extensão agrícola" era considerada um órgão legal de educação, ligada
ao Ministério da Agricultura, sob a forma de um sistema nacional mantido e assessorado pelos
governos federal, estaduais e municipais, de modo cooperativo, envolvendo: ensino, pesquisa,
empresas privadas, representação de produtores, entre outros (OLINGER, 1996, p. 18).
Como se observa, o termo "assistência técnica" não está explicitamente presente nesse
fragmento da Lei; por outro lado, é destacado de modo absolutamente claro e direto o papel
da pesquisa e dos meios e métodos de comunicação para tornar o trabalho de difusão, com
ênfase no efeito demonstrativo, algo prático e acessível a qualquer tipo de público.
Para Olinger (1996), o extensionismo como instituição pública nasceu nos Estados
Unidos para conciliar uma oportunidade de desenvolvimento que apresentava, de um lado,
12
Disponível em:<http://www.csrees.usda.gov/about/offices/legis/pdfs/smithlev.pdf>. Acesso em 10 mar. 2014.
36
oferta abundante de terras agricultáveis a preços baixos e, do outro, a escassez de recursos
humanos qualificados, capazes de proporcionar produção agrícola rentável. Assim, surge
A extensão como instrumento de ensino e educação informais, fora dos moldes
da escola clássica, precisamente para que agricultores, donas de casa e jovens
rurais tivessem a oportunidade de aprender sem prejudicar as lides rurais ou
domésticas... (OLINGER, 1996, p. 12).
Para o mesmo autor e dito de outro modo, o serviço de extensão rural dos Estados
Unidos tinha como objetivo: ajudar a difundir entre as famílias rurais, informações úteis e
práticas sobre assuntos relacionados com agricultura e economia doméstica e encorajar a
aplicação das mesmas (OLINGER, 1996, p. 23).
Um vasto panorama do termo "extensão", usado em vários países no mundo, é traçado
por Ban e Hawkins (1996). Nesse panorama, é possível perceber o real significado atribuído à
atividade de extensão a partir da etimologia da palavra empregada para designá-la. Na
Holanda, por exemplo, é usada a palavra voorlichting, significando “iluminar o caminho à
frente para ajudar as pessoas a encontrar o seu próprio caminho”. Ingleses e alemães utilizam
a expressão Beratung, que pode ser traduzida como “assessorar”; já a Espanha utiliza o
significado de “capacitação”.
Numa tentativa de síntese, os dois autores buscaram formular um conceito que
incorporasse todas as nuances desses vários significados, chegando à seguinte
definição: “extensão envolve o uso deliberado da comunicação e da informação para
ajudar as pessoas a formar opiniões racionais e a tomar decisões acertadas” (tradução
nossa). A análise dos inúmeros conceitos levou também os dois estudiosos a uma outra
conclusão importante: a de que não está bem definida a linha que separa a “extensão”
da educação de adultos (BAN; HAWKINS, 1996, p. 12).13
Ban e Hawkins (1996) também chamam atenção para aqueles agentes de extensão que
executam tarefas de orientação quanto ao controle de pragas e doenças, ou quanto ao uso de
13
Segundo Vogt e Alves (2005), “na acepção que se tem na atualidade, a educação de adultos teve seu início no
século XIX, na Europa, em um momento marcado pelas mudanças sociais decorrentes da industrialização e
urbanização, gerando necessidade aos poderes públicos de criarem meios de instrução, como capacitação ao
trabalho o que, naquele momento, significava um progresso e avanço social”. A 5ª Conferência Internacional
sobre Educação de Adultos, realizada em Hamburgo, Alemanha e promovida pela UNESCO, em 1997, definiu
que: “Por educação de adultos se entende o conjunto dos processos de aprendizagem, formal ou não, graças ao
qual, as pessoas, cujo entorno social as considera adultas, podem desenvolver suas capacidades, enriquecer seus
conhecimentos e melhorar as suas competências técnicas ou profissionais ou orientar-se para atender suas
próprias necessidades e da sociedade. A educação de adultos abrange a educação formal e a educação
permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes
numa sociedade educativa multicultural, em que são reconhecidas as abordagens teóricas e baseadas na prática”
(UNESCO, 1997, p. 7; tradução nossa).
37
insumos diversos, tais como fertilizantes, ou ainda quanto ao cumprimento de normas e
padrões, trabalho ao qual eles classificaram de "assessoramento" ou "aconselhamento", algo
distinto, quando executado isolado do trabalho de extensão (BAN; HAWKINS, 1996, p. 13).
Dessa diferenciação, parece então surgir a ideia embrionária do conteúdo conhecido
atualmente como "assistência técnica", conteúdo invariavelmente inserido na tarefa de
extensão, justificando-se assim a expressão "assistência técnica e extensão rural" (ATER),
empregada especialmente no Brasil, mas também em outros países.
Ainda na tentativa de formular uma síntese conceitual para o trabalho de extensão
rural, é oportuno destacar uma definição relevante surgida no âmbito de dirigentes de
organismos de extensão rural no mundo, reunidos em Tegucigalpa (Honduras) em 1984,
quando acordaram que:
A Extensão Rural é um processo de educação e capacitação de caráter permanente,
que se caracteriza pela relação e comunicação recíproca e constante dos técnicos
com os produtores, suas famílias e suas organizações. O propósito desse trabalho é
alcançar, por meios participativos, a análise da problemática da agropecuária, tanto
das propriedades em particular, como das comunidades, zonas e regiões agrícolas
onde os agricultores se desenvolvem; a definição e a caracterização dos problemas
mais prementes; a seleção das melhores soluções para esses problemas, com ênfase
na utilização dos recursos disponíveis no próprio meio; a realização de programas de
capacitação que surjam dessa análise e a avaliação permanente do processo
(EMBRATER, 1987, p. 5).
No Brasil, em 1948, ocorreu a primeira iniciativa formal de extensão rural com a
criação da Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (ACAR-MG). A
essência do surgimento da ACAR-MG está na concepção de que o "crédito" somado à
"assistência técnica", realizada por meio do processo educativo, possibilitaria elevar o nível
de vida das famílias rurais de Minas Gerais (OLINGER, 1996, p. 48). De acordo com a
Embrater (1986a), o modelo conceituado extensão rural em Minas Gerais foi inspirado no
modelo Farm Security Administration, dos Estados Unidos, estando assim estruturado
conceitualmente:
A Associação de Crédito e Assistência Rural - ACAR, fundada em 1948, foi a
primeira experiência brasileira direcionada para a introdução de novas técnicas de
agricultura e economia doméstica, de incentivo à organização e de aproximação do
conhecimento gerado nos centros de ensino e de pesquisa aos produtores rurais.14
14
Disponível em:< http://www.emater.mg.gov.br/portal.cgi?flagweb=site_tpl_paginas_internas2&id=2#.
U8mjksi5dac>. Acesso em18 jul. 2014
38
Do exemplo da ACAR-MG derivam várias outras instituições semelhantes em outros
estados brasileiros, em todas utilizando-se o termo “Assistência Rural”. A expansão do
modelo de extensão de Minas Gerais para quase todo o Brasil ocorreu sob o patrocínio técnico
e financeiro das instituições norte-americanas American International Association (AIA) e
Escritório Técnico de Agricultura (ETA), dos governos federal, estaduais e municipais e
agroindústrias, assim como dos produtores. A participação das instituições norte-americanas
revela a reprodução do modelo conceitual de Minas Gerais nos outros estados e territórios
brasileiros (EMBRATER, 1986a).
Mesmo sob inspiração do serviço de extensão dos Estados Unidos, apenas a partir de
1952 o termo “extensão” ganhou uso cotidiano na ACAR, motivação ocorrida por intermédio
de um curso havido na Escola Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV), Minas Gerais
(OLINGER, 1996, p. 44).
Em 1956, o modelo ACAR alcança a dimensão de Sistema, com a criação da
Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar), uma associação nacional, sem
fins lucrativos e de direito privado, que tinha a função de coordenar o serviço de extensão no
Brasil, tendo em vista que a participação do ETA, que vinha desenvolvendo esse papel, era
respaldada por um convênio com prazo de extinção (OLINGER, 1996; EMBRATER, 1986a).
Para a Abcar, o conceito de ATER que orientava as ações de suas associadas em todo
o Brasil, tinha o seguinte conteúdo:
Extensão Rural é, em essência, um processo de ação educativa, envolvendo os
agricultores e suas famílias e as próprias comunidades, orientado de modo a induzir
mudanças quanto ao comportamento individual e coletivo, por via de novos
conhecimentos, atitudes, hábitos e habilidades, em face dos problemas de produção,
comercialização e administração da propriedade e do lar, saúde e outros que
obstaculizam o progresso da agricultura. Elevação dos níveis de renda do agricultor
e a melhoria das condições de vida das populações rurais. (ABCAR, 1965, p. 5)
A partir de 1964, o modelo conceitual da Abcar passa por mudanças importantes ao
incorporar as diretrizes do governo federal, estabelecidas no Plano Quinquenal (1961-1965),
segundo as quais o crédito subsidiado se constituiria no elemento viabilizador da tecnificação
da agricultura para a produção de excedentes exportáveis. O público prioritário da extensão
seria constituído por médios e grandes produtores, considerados como aqueles que dariam
melhores e mais rápidas respostas à proposta de tecnificação, fenômeno denominado a seguir
como "modernização conservadora" da agricultura brasileira (EMBRATER, 1986a).
As consequências de tais transformações conceituais tiveram repercussão imediata na
ênfase ao trabalho de atendimento individualizado a produtores rurais, especialmente
39
relacionado à concessão de crédito rural e orientações técnicas, em detrimento ao trabalho
com grupos de produtores de cunho mais participativo e organizativo. Há registros atestando
que “o trabalho com as famílias rurais foi questionado e arrefecido” (EMBRATER, 1986a, p.
10).
Ainda de acordo com a mesma fonte, verificava-se no ano de 1969 a redução da
influência norte-americana, com o encerramento do convênio com a AIA, deixando esta de
participar da junta governativa da Abcar. Este espaço que foi ocupado integralmente pelo
Ministro da Agricultura, como presidente daquela Associação e pelos secretários estaduais de
agricultura como presidentes das juntas governativas das entidades estaduais (ACAR); esse
fato guarda relevância com os contornos conceituais da extensão rural no país a partir de
então.
Como consequência da mudança e do amadurecimento do Sistema, já se observava
nas suas programações de 1972 e 73 um destaque à priorização do enfoque regional e o
retorno do trabalho com os pequenos produtores.15
Nessa fase, as estratégias privilegiavam a
difusão de tecnologia agropecuária, o fortalecimento da empresa agropecuária, a
comercialização da produção e o desenvolvimento de recursos humanos (EMBRATER,
1986a).
Em 1974, é criada a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Embrater) e estimulada a transformação das associações estaduais (ACAR) em também
empresas estaduais (Emater), compondo assim o Sistema Embrater. Do ponto de vista
conceitual, o novo sistema passa a: (i) priorizar a difusão da “moderna” tecnologia
agropecuária e gerencial, por produto, para médios e grandes produtores; e (ii) para os
pequenos produtores, o novo sistema cria o Projeto de Promoção de Produtores de Baixa
Renda, com o apoio financeiro do Banco Mundial (EMBRATER, 1986a).
Ainda com o objetivo de compreender o sentido evolutivo do conceito de
extensão rural, vale destacar que, em 1980, sob a coordenação da Embrater, o
Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater) afastou da sua
denominação jurídica a menção ao “crédito” e incorporou a expressão “assistência
técnica e extensão rural”" na maioria das suas associadas públicas.16
Ademais, o Sibrater deixava explícitos, no seu documento “Objetivos e
Diretrizes para o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural - período
15
Por exemplo, com a participação nos programas de colonização da região Norte, do programa de acesso à terra
no Nordeste e no programa dos corredores de exportação da região Sul. 16
O Sibrater era composto por 10.428 técnicos da rede pública e 7.000 técnicos da rede privada.
40
programático 1980-1985,” aspectos da maior relevância que ajudam a compreender a
sua evolução conceitual, tais como: (i) os programas de ATER no Brasil teriam como
objetivo difundir conhecimentos científicos, de natureza técnica, econômica e social,
necessários ao desenvolvimento do setor rural, compatíveis com as prioridades
nacionais à época (combate à inflação, redução da dívida externa, produção de energia e
melhor distribuição da renda nacional); (ii) à rede pública caberia o trabalho de ATER e
à rede privada o trabalho de assistência técnica; e (iii) o Sibrater adotaria como público
prioritário os pequenos e médios produtores rurais, com o objetivo de intensificar a
produção de alimentos básicos.17
Ao se buscar mais contribuições no sentido de ter mais clara a trajetória conceitual que
a extensão rural governamental experimentou ao longo do período aqui relatado, é possível
verificar que, na essência, o conceito de extensão apresentou variações importantes desde as
suas primeiras formulações. Entretanto, a forma e o método de abordagem ao produtor, o
perfil do produtor alvo, as características da tecnologia, a participação do produtor em todo o
processo de modernização e a compreensão do caráter dinâmico das etapas de geração,
difusão e adoção de tecnologia foram, seguramente, os elementos que mais impactos
causaram nos conteúdos trabalhados pela extensão rural do seu início no Brasil até hoje.
De forma sintética, além da conceituação trazida pela Lei Smith Lever que
fundamentou o trabalho de extensão nos Estados Unidos, depois multiplicado em vários
outros países, acrescente-se aquela proclamada pelos dirigentes de extensão em Honduras em
1984, mencionada anteriormente, além de outras interpretações que foram dadas ao trabalho
de extensão.
Essas definições, no seu conjunto, permitem construir um pouco dessa trajetória,
fortemente influenciada pelas transformações ocorridas na agricultura e no ambiente que a
envolve. Uma dessas contribuições é de Olinger (1996), segundo a qual:
Extensão é um processo educativo com e em favor das famílias rurais, com
repercussão benéfica aos consumidores de produtos agropecuários, em geral. O
sujeito de sua ação é o ser humano, e o modo principal é a produção e a
comercialização das safras, com o mínimo possível de dano ao meio
ambiente (OLINGER, 1996, p. 25).
17
De acordo com o mesmo documento de “Objetivos e Diretrizes”, em 1979 existiam no Brasil 5 milhões de
estabelecimentos agrícolas, dos quais 4 milhões com área inferior a 50 ha, estando a maioria classificada como
médios e pequenos produtores, responsáveis por mais de 70% da produção de alimentos básicos, além de
participarem com 90% das exportações de carnes de aves e suínos e com 80% das exportações de soja do país
(EMBRATER, s/d).
41
A visão de Lopes (1967), outro importante ex-dirigente da Embrater, não difere da
conceituação de Olinger (1996), embora adicione-lhe alguns novos elementos: “processo
educacional que visa a induzir o povo a interpretar e responder, de maneira apropriada, às
mensagens de mudanças para a promoção do desenvolvimento socioeconômico do meio rural,
através da integração das forças vivas da comunidade” (LOPES, 1967, p. 14).
O elemento comum nas duas conceituações anteriores está em caracterizar a extensão
como um “processo de educação”. Todavia, o educador Paulo Freire, ao estudar o trabalho de
extensão no Chile, apresenta em seu livro “Extensão ou Comunicação?”, publicado
inicialmente em 1969, uma crítica clássica e contundente ao trabalho extensionista, enquanto
perspectiva de processo educacional.
Em sua crítica, Paulo Freire argumenta a contradição presente no conceito e na prática
da extensão. Para ele, o trabalho do extensionista é persuadir o produtor a adotar, de modo
autoritário, tecnologias, ignorando toda a experiência acumulada pelo produtor, e impondo-
lhe receitas técnicas que, em tese, beneficiam muito mais as companhias que tiram proveito
do uso das tecnologias do que o produtor. Segundo o mesmo autor, de sujeito, que de fato
deveria ser, o produtor, é transformado pelo extensionista num mero objeto, depositário
passivo de tecnologias nem sempre as mais adequadas para aquela realidade. Ou seja, o
produtor se torna um "escravo" do extensionista, o dono do saber, quando, de fato, se o
trabalho do extensionista fosse de cunho educativo, ele teria a função de “libertar” o produtor,
conscientizando-o a tornar-se o senhor do seu próprio destino e não escravo da extensão, das
tecnologias e da “propaganda”. Essa crítica ainda hoje provoca repercussão no seio da
extensão e em outros ambientes, a exemplo do meio acadêmico.18
"Extensão Educativa"- a expressão só tem sentido se toma a educação como prática
de "domesticação”. Educar e educar-se na prática da liberdade não é estender algo
desde a "sede do saber" até a "sede da ignorância" para "salvar" com este saber, os
que habitam nesta (FREIRE, 1983, p. 15).
Em 1998, motivado pelo vigor dos conceitos da Agroecologia, que preconiza uma
agricultura mais harmonizada com homem e com a natureza, assim como por uma ATER
menos dependente de "insumos modernos" e menos dependente dos métodos difusionistas
18
Herrera, Amilcar (1981), embora não se referindo especificamente à extensão rural, já alertava para a
importância da “participação local” das pessoas das áreas rurais em programas de desenvolvimento, cujos
beneficiários seriam elas próprias. Essa participação não ocorreria por uma simples posição ideológica, mas sim,
por um direito a elas assegurado, sendo a negação dessa participação a razão do insucesso de muitos programas
de desenvolvimento voltados para estas populações.
42
tradicionais, Caporal (1998) propôs uma "extensão agroecológica" que poderia ser
conceituada como:
La extensión rural agroecológica podría ser definida como un proceso de
intervención de carácter educativo y transformador, basado en metodologías de
investigación-acción participante que permitan el desarrollo de una práctica social
mediante la cual los sujetos del proceso buscan la construcción y sistematización de
conocimientos que os lleve a incidir conscientemente sobre la realidad, con el
objeto de alcanzar un modelo de desarrollo socialmente equitativo y
ambientalmente sostenible, adoptando los principios teóricos de la Agroecología
como criterio para el desarrollo y selección de las soluciones más adecuadas y
compatibles con las condiciones específicas de cada agroecosistema y del sistema
cultural de las personas implicadas en su manejo. (CAPORAL,1998, p. 446)
Em sentido contrário ao que pensa Caporal (1998), Abramovay (2007), ao ser
instado sobre uma proposta de política para a extensão rural no Brasil, advoga que dentre
os pressupostos para um moderno serviço de extensão, a agroecologia não poderia ser
imposta aos produtores beneficiados pela extensão como uma doutrina oficial do Estado,
do mesmo modo que a homeopatia não pode ser imposta aos clientes dos sistemas de
saúde (ABRAMOVAY, 2007).
No que diz respeito à diferenciação conceitual entre "Assistência Técnica" e "Extensão
Rural", a posição de Bicca (1992) permite delimitar bem esses espaços. Para ele, "Assistência
Técnica" pode ser definida como:
Conjunto de ações integradas, objetivando dar condições ao usuário de adotar e
utilizar técnicas recomendadas para o êxito do seu empreendimento. Essas ações
abrangem: elaboração de estudos, de planejamento e de projetos; direção, execução
e fiscalização de obras e serviços técnicos; avaliações, análises, vistorias, perícias,
pareceres e divulgação técnica, consultoria e orientações no emprego de técnicas ou
insumos. A assistência técnica tem a vantagem de resolver problemas técnicos de
forma imediata, com resultados observáveis no curto prazo. Na maioria dos casos é
acessível mediante pagamento. (BICCA, 1992, p. 55)
Assim, a percepção atual é que o trabalho exclusivo de "assistência técnica" é,
tradicionalmente, desenvolvido por organizações prestadoras de serviço, empresas
comercializadoras de insumos ou de produtos agrícolas ou as empresas integradoras. Já as
cooperativas, fundações, ONG e instituições governamentais normalmente operam as duas
43
vertentes, a assistência técnica e a extensão rural. Desse modo, podem ser consideradas
organizações que operam a ATER, ou seja, operam os dois conteúdos de forma indissociável.
Em resumo, e analisando-se o conjunto da maioria das contribuições que tratam da
evolução conceitual da ATER no Brasil, percebe-se como traço comum a todas elas a
identificação conceitual da ATER como um sistema educativo rural, não formal, tendo como
objetivo o desenvolvimento rural, exceção feita à crítica clássica de Freire (1983).19
Relativamente ao conceito do tipo de educação realizada pela ATER, presente na Lei
Nº 12.188, assim como no parágrafo acima, “sistema educativo rural não formal”, cabe um
breve esclarecimento, sobre os termos “educação formal, educação não-formal e educação
informal”.
Segundo Bianconi e Caruso (2005),
a educação formal pode ser resumida como aquela que está presente no ensino
escolar institucionalizado, cronologicamente gradual e hierarquicamente estruturado,
e a informal como aquela na qual qualquer pessoa adquire e acumula
conhecimentos, através de experiência diária em casa, no trabalho e no lazer. A
educação não-formal, porém, define-se como qualquer tentativa educacional
organizada e sistemática que, normalmente, se realiza fora dos quadros do sistema
formal de ensino (BIANCONI; CARUSO, 2005, p. 20).
Em aprofundamento, Gohn (2006), acrescenta:
A educação não-formal designa um processo com várias dimensões, tais como: a
aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação
dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ ou
desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e o exercício de práticas que
capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para
a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que
possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de
compreensão do que se passa ao seu redor. (GOHN, 2006)
Assim, por todas as características reunidas no trabalho de ATER, o termo “educação
não formal” parece ser aquele que mais se harmoniza à prática extensionista e por tal razão é
adotado em todo o curso desta tese.
Outro dado importante que tem merecido destaque na trajetória conceitual é o do
caráter vital e necessário de intercomplementariedade das ações de ATER e dos demais
instrumentos de política agrícola, destacando-se a pesquisa agrícola, dentre esses.
Em síntese, e considerando a diversidade de ângulos sob os quais o trabalho de ATER
pode ser observado, é cabível concordar com o que afirmam Oakley e Garforth (1985):
19
Para detalhes sobre os fatores que caracterizam o processo de desenvolvimento rural, ver Kageyama (2008, p.
84).
44
Extensão é um termo que está aberto a variadas interpretações. Cada agente de
extensão ou extensionista, provavelmente, tem a sua compreensão própria do que
seja extensão. Esta compreensão está baseada nas experiências pretéritas e no tipo
particular do serviço de extensão no qual aquele agente atua ou atuou. Em outras
palavras, não há uma única definição de extensão que seja aceita universalmente ou
que seja aplicada em todas as situações. Além disso, extensão é um conceito
dinâmico, no sentido de que sua interpretação reflete o ambiente que está sempre em
movimento. Extensão, portanto, não é um termo que possa ser definido
precisamente, mas, aquele que descreve um contínuo processo de mudança no meio
rural.
Numa perspectiva de futuro para a ATER, Jones e Garforth (1997), em documento
publicado pela FAO, afirmam que:
A necessidade de informação agrícola e rural e de serviços de consultoria deve se
intensificar no futuro próximo. Em grande parte do mundo, a agricultura enfrenta o
desafio de manter o ritmo de produção, dado o rápido aumento da população e as
poucas reservas de terras potencialmente cultiváveis. Os agricultores terão de se
tornar mais eficientes e especializados.
Do ponto de vista dos impactos conceituais, assim como nas metodologias e nas
estratégias de trabalho, os mesmos autores acreditam que em quaisquer cenários os
serviços de ATER continuarão importantes, independente dos movimentos de
privatização. Contudo, para prestarem um serviço de qualidade deverão incorporar nas
suas agendas de trabalho novos conteúdos inerentes aos desafios atuais. Ao se referirem
aos “desafios atuais”, os autores estão, certamente, fazendo alusão aos “novos atores”,
aos “novos conceitos”, à “nova institucionalidade”, enfim, à “nova agricultura”, desafios
que serão objeto de debate mais à frente.
1.2. As transformações na agricultura e na dinâmica de inovação e os reflexos na evolução
conceitual da ater: perspectiva teórico-institucional
Nesta seção, pretende-se investigar as influências dos grandes avanços do
conhecimento técnico-científico e das transformações institucionais, em geral, e na agricultura
em particular, sobre a evolução conceitual e institucional da ATER. Essa investigação será
desenvolvida sob uma outra perspectiva, a teórico-institucional, complementar à anterior, de
cunho predominantemente histórico.
A ideia a ser perseguida supõe que a evolução conceitual da ATER também sofreu
influência da forma e da natureza dos modelos com os quais as instituições se organizam e
interagem no âmbito do processo de inovação, cujo entendimento também passou por uma
45
forte mudança nos últimos 50 anos. Dito de outro modo, esta seção busca identificar e
compreender possíveis relações entre as grandes revoluções tecnológicas ocorridas no mundo,
em especial na agricultura, e a evolução conceitual e institucional da ATER.
Uma primeira "revolução" de impacto inquestionável sobre a forma de se fazer
agricultura no mundo foi a Revolução Agrícola Inglesa, ocorrida entre 1700 a 1750. No
entendimento de Hayami e Ruttan (1988, p. 51), essa revolução pode ser assim caracterizada:
A revolução agrícola inglesa consistiu na evolução de um sistema intensivo,
integrado, de técnicas de lavoura e zootecnia. No processo, o sistema de rotação de
culturas de Norfolk substituiu o sistema de três campos abertos, no qual a terra
arável era alocada entre cultivos permanentes e pastagens permanentes. Isto
envolveu a introdução e uso mais intensivo de novas culturas forrageiras e de
adubação verde e um aumento na disponibilidade e no uso de adubos de origem
animal. Estas novas técnicas culturais permitiram a intensificação da produção de
culturas agrícolas e da criação de gado, através da reciclagem de nutrientes vegetais,
sob a forma de adubos animais com o objetivo de manter a fertilidade do solo. Os
progressos na tecnologia foram acompanhados pela consolidação e pelo fechamento
das propriedades rurais com cercas e por investimentos no desenvolvimento de
terras. O efeito final foi um crescimento substancial, tanto na produção agrícola total
como na produção por hectare.
Para os mesmos autores, o sistema que deu base à revolução agrícola inglesa se
desenvolveu por vários séculos, sendo popularizado no final do século XVIII e início do
século seguinte, sendo a sua difusão responsável pela base técnica da desenvolvida agricultura
inglesa, a partir do período 1850/1870 (HAYAMI; RUTTAN, 1988).
Os dois estudiosos afirmam que em sociedades pré-industriais eram factíveis taxas
sustentadas de crescimento agrícola na casa de 1,0% ao ano. “Com o advento da
industrialização, os potenciais para o crescimento da produção agrícola deslocaram-se de
1,5% a 2,5% ao ano” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 47). Eles acrescentam:
Após a Revolução Industrial, taxas de crescimento dessa ordem ocorreram, durante
períodos relativamente longos, na Europa Ocidental, América do Norte e Japão.
Desde a metade do século 20, o potencial de crescimento da produção agrícola,
aparentemente, elevou-se novamente para taxas anuais de crescimento superiores a
4%. Taxas sustentadas de crescimento dessa ordem foram observadas,
principalmente, em economias que começaram a se desenvolver recentemente, como
México, Brasil, Formosa e Israel (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p 47).
Ainda segundo os mesmos autores, a revolução agrícola inglesa criou as bases para a
Revolução Industrial, que teve no ano de 1771, como “ano inaugural”, segundo Perez
(2009), que a denomina de “Revolução Tecnológica” ou “primeira onda de inovação”. Para
Perez (2009, p. 8; tradução nossa), “Revoluções Tecnológicas” são definidas como “(..) um
46
conjunto de descobertas radicais interligadas, formando uma grande constelação de
tecnologias interdependentes; um cluster de clusters ou de um sistema de sistemas”.
O advento da Revolução Industrial, por sua vez, realimentou e aprofundou as
transformações na agricultura, especialmente no vigoroso aumento da produtividade do
trabalho e da terra, dada a introdução contínua de máquinas e equipamentos.
Para Perez (2009), a "Era do Vapor", considerada a "segunda onda de inovação", vem
acompanhada de inúmeros avanços com impactos diretos sobre a atividade agrícola. Por
exemplo, os avanços alcançados na química agrícola pela Europa, simultâneos à profusão de
experimentos agrícolas, ocorridos por volta de 1840, que produziram, por um lado, a geração
de novos conhecimentos e, por outro, o estímulo à difusão desses resultados.
Como exemplo, nessa época, última metade do século XIX, o Império Britânico
organizava o trabalho de descoberta e exploração de plantas por intermédio de um sistema de
"jardins botânicos", que foi "desenvolvido para facilitar a transferência, o teste e a introdução
de materiais vegetais", ou seja, o embrião de uma estratégia de geração e difusão de inovações
agrícolas. Essa estratégia não diminuía uma outra que consistia na observação empírica e no
aprendizado sobre as diferenças substanciais na produtividade da terra ou da mão de obra
entre fazendeiros e entre regiões (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 58).
Na sequência, tendo 1875 como "ano do big bang" ou "ano inaugural" da revolução,
presenciava-se a "Era do Aço" ou a "terceira onda", marcada pelas conquistas nas
engenharias pesada, elétrica, química, civil e naval. Logo em seguida,1879, surge o primeiro
serviço de extensão rural público da Europa, localizado na França, cujo objetivo era o de
transmitir o conhecimento gerado nas academias de ciência agrícola aos agricultores.
Acompanhando tais movimentos, os principais modelos de atuação da ATER
caracterizavam-se essencialmente como difusionistas e transmissores de informações
técnicas úteis aos produtores rurais. Três e meia décadas adiante, 1914, surge um dos
serviços de extensão agrícola melhor estruturados no mundo, o serviço de extensão
agrícola dos Estados Unidos.
Para Fonseca (1985), a criação do Serviço Cooperativo de Extensão Rural nos Estados
Unidos (1914) pode ser considerada como fruto de um desejo do governo americano de
introduzir na sociedade rural “conhecimentos úteis e práticos relacionados à agricultura, à
pecuária e à economia doméstica para a adoção de métodos mais eficientes na administração
da propriedade rural e do lar”.
Ainda segundo Fonseca (1985), a concepção teórica do modelo adotado pela Extensão
Rural dos Estados Unidos tinha o caráter difusionista clássico e objetivava a elevação no
47
nível de conhecimento da população rural e consequentemente o “desenvolvimento de novas
habilidades em suas atividades produtivas” (FONSECA,1985, p. 39). No modelo difusionista
clássico,
o conhecimento é transmitido das fontes de origem ao povo rural. No contexto da
Extensão, a comunicação é o meio pelo qual o povo rural estabelece contato com a
nova tecnologia, advindo, em consequência, uma mudança tecnológica permanente.
Portanto, o propósito básico da Extensão dentro do contexto do modelo clássico é o
de transmitir conhecimento ao povo rural e levar os problemas do povo às fontes de
pesquisa. (FONSECA, 1985, p. 40)
No caso da América Latina e, em particular, na implantação do serviço de Extensão
Rural no Brasil, 1948 a 1962, o arcabouço teórico do modelo de extensão rural (ou agrícola)
adotado foi denominado de “Difusionista Inovador”, ou “Humanista Assistencialista”. Para a
mesma autora, essa concepção deveu-se ao Professor Everett M. Rogers ao compatibilizar: (i)
estudos e pesquisas realizadas por antropólogos em regiões colonizadas por países europeus,
que geraram novas teorias, dentre as quais o “difusionismo”, cuja essência indicava que o
desenvolvimento dessas colônias se originava de estímulo externo e (ii) a Teoria dos Sistemas
Sociais de Talcott Parsons.
O modelo apresentado e seguido pelos serviços de extensão rural de vários países,
inclusive o do Brasil, como se pode deduzir da discussão anterior, inspirava-se claramente na
abordagem linear, refutada pela teoria evolucionária, como será discutido adiante. O modelo,
além de receber de Fonseca (1985) e de outros estudiosos críticas contundentes, foi
considerando “alienante e descompromissado com os interesses reais e imediatos das
populações rurais latino-americanas” (FONSECA, 1985, p. 52).
No caso brasileiro, a base institucional embora considerasse a integração entre a
pesquisa agrícola e a extensão rural uma diretriz sempre presente, os serviços operavam de
forma individualizada, diferentemente, portanto, do modelo dos Estados Unidos, que uniu a
pesquisa, a extensão e o ensino em uma única instituição que era a universidade.
Para Hayami e Ruttan (1988, p. 59), o modelo difusionista exerceu influência direta na
base conceitual em que se apoiavam a pesquisa e a extensão: “O modelo de difusão do
desenvolvimento agrícola forneceu a base intelectual mais importante para uma grande parte
do trabalho de pesquisa e extensão em uso nas propriedades rurais e na economia de produção
(...).”
Entretanto, Hayami e Ruttan (1988) também reconhecem que o modelo difusionista
possuía limitações para o planejamento do desenvolvimento agrícola, pois os programas de
48
assistência técnica e desenvolvimento neles baseados não tecnificaram as fazendas
tradicionais nem aumentaram a taxa de crescimento da produção agrícola.
Em síntese, a natureza da crítica de Hayami e Ruttan (1988) difere da crítica de
Fonseca (1985). Para os dois autores, a transferência de uma tecnologia de uma região para
outra apenas terá chances de sucesso se as condições agroclimáticas e de apoio técnico forem
próximas. Eles exemplificam que a transferência da tecnologia do milho híbrido dos Estados
Unidos para a Europa Ocidental foi exitosa porque as condições de clima eram semelhantes e
porque havia capital humano na Europa Ocidental (cientistas agrícolas e técnicos agrícolas)
capaz de promover a pesquisa de validação e adaptação. Ou seja, uma situação privilegiada e
rara, quando comparada à transferência que ocorre entre regiões ou países de graus de
desenvolvimento distintos.
Segundo Rodrigues (1997), no Brasil, o modelo praticado quando da implantação da
ATER no país, denominado “Humanista Assistencialista”, tinha como características:
privilegiar a categoria dos pequenos agricultores; ter como unidade de trabalho a família rural;
oferecer uma orientação pedagógica pautada no lema “ensinar a fazer, fazendo”; e o
extensionista desempenhava o papel de “indutor de mudanças no comportamento”. A
tecnologia assumia nesse modelo um papel “apenas subjacente, enquanto instrumento para
melhorar as condições de vida da família rural” (RODRIGUES, 1997, p. 122).
O Quadro 1, a seguir, tem a pretensão de sistematizar esse conjunto de eventos
disruptivos no campo da Ciência, da Tecnologia e da Inovação, ocorridos no mundo e
discutidos nos parágrafos anteriores, além de buscar possíveis relações de influência destes
com as transformações na agricultura e com a ATER.
49
Quadro 1 – As Revoluções Tecnológicas ou “ondas de inovação," as transformações na
agricultura e a evolução conceitual e institucional da Extensão Rural no mundo e no
Brasil, no período de 1700 a 2016
Fontes: (1) Corazza e Bonacelli (2014) e Perez (2009); (2) Rodrigues (1997, p. 122); (3) A expressão foi usada pela primeira
vez por William Gaud em 1968, para referir-se à tecnologia de novas cultivares de cereais de alta produtividade (HAYAMI;
RUTTAN, 1988, p. 86); (4) Conceito de Ecodesenvolvimento, por Ignacy Sachs, em 1980; ver em Buarque, S.C.,(1996, p.
6); (5) para Perez (2009), ano no qual ocorreu um evento inicial, uma espécie de evento inaugural da Revolução; (6) Hayami
e Ruttan (1988,p. 51); (7) MAPA (Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/folder_agricultura_F02.pdf>. (8)
Kageyama (1987); (9) Barros (2014).(10) Guimarães, A,P (1979).
EVENTOS
PERÍODO
REVOLUÇÕES
TECNOLÓGICAS
OU "ONDAS DE
INOVAÇÃO"(1)
TRANSFORMAÇÕES NA
AGRICULTURA
EVENTOS DE DESTAQUE
NA EXTENSÃO RURAL
MUNDIAL E BRASILEIRA
MODELOS DE ATER
1700-
1800
Revolução Agrícola
Inglesa. (1700-1750)
Mecanização da indústria Têxtil; Crescimento da taxa da produção
agrícola de 1,5% para 2,5% a.a (6). Avanços tecnológicos na
agricultura inglesa: preparo e
correção dos solos; sementes
selecionadas, abandono do sistema de “afolhamento”
(pousio); introdução de rotação
de culturas, plantio de forragem
(sistema Norfolk); drenagem e
irrigação de pântanos.
Na Inglaterra-
Organização de
propriedades-modelo; realização de eventos de
difusão de tecnologia,
inventos mecânicos, publicações técnicas,
com destaque para o
livro de difusão de tecnologia agrícola,
escrito pelo “cientista” e
agricultor, Jetrho Tull (1731).(10)
1ª Onda-"Revolução Industrial"; (máquinas,
fábricas, canais);
(Inglaterra). "Big bang
inicial da
revolução":1771
1800-
1850
2ª Onda- "Era do
Vapor"; (carvão, ferro, ferrovias, telégrafo...);
(Inglaterra).
"Big bang inicial da Revolução":1829.
Doutrina do esgotamento do
solo por Liebig (2º quarto do séc. 19).(6).
Avanços na Química Agrícola e
na experimentação agrícola; alimentos conservados
IRLANDA- Criação do 1º serviço de extensão da época
moderna (1845). Motivação:
praga na cultura da batata (fome da batata –perdurando
até 1851)
Difusionista- modelo
baseado na utilização professores intinerantes.
1850-
1900
3ª Onda- "Era do Aço";
Engenharia pesada", química, elétrica e
naval; (USA, Inglaterra
e Alemanha). "Big bang inicial da
revolução":1875
Avanços na mecanização e na criação de Fertilizantes e
Defensivos.
Alimentos refrigerados e congelados
Criação do
1º serviço público de Extensão Rural no mundo
(França 1879)
Difusionista
1900-
1950
4ª Onda-'"Era do
Automóvel”; (Petróleo, petroquímicos,
produção em massa...);
(Estados Unidos). "Big bang inicial da
revolução”; 1908
Mudança da base técnica da
produção agrícola iniciada depois da II Guerra Mundial
(maior utilização de
equipamentos e insumos, aumentando a produtividade dos
fatores).(8)
Criação do Serviço
Cooperativo de
Extensão Rural nos Estados Unidos, 1914.
Difusionista clássico; Base
institucional: integração
Pesquisa-Extensão-Ensino
1950-
2000
5ª Onda-
"Era da Tecnologia da Informação e
Comunicação" (internet,
fibra ótica, satélite...); (Estados Unidos).
"Big bang inicial da
revolução":1971
Revolução Verde
(década de 1960/70) (3)
Criação da Associação Brasileira de Crédito e
Assistência Rural- ABCAR-
1956
Difusionista-inovador ou Humanista
assistencialista (1948-
1962); Brasil. (
Desenvolvimento
Sustentável (1980) (4)
Desestruturação do
Sibrater (1992) (Brasil);
Surgimento do Pronaf (1995) (Brasil)
Modernização Agrícola
Difusionismo
Produtivista (1963 - 1984) (2);
Base institucional:
Pesquisa e Extensão individualizadas; Brasil.
Agricultura de precisão. No Brasil introduzida no início da
década de 1990 (7)
Criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(1995); (Brasil)
Embrião do trabalho
com a agricultura
familiar; Brasil (1995 a 2002)
2000-
2016
Possível 6ª Onda- "Era da biotecnologia,
bioeletrônica e
nanotecnologia"
Consolidação do segmento
“agronegócio”, na economia
brasileira, que tem no progresso técnico, o centro de seu modelo
de negócios (Brasil). (9)
Ênfase na agricultura familiar
e Reforma Agrária; (Brasil)
Exclusividade na
assistência à agricultura familiar. Modelo
baseado no
Desenvolvimento Rural Sustentável e na
Extensão Rural
Agroecológica (2003-2014)
Criação e
Institucionalização da Pnater (2003 e 2010)
Criação da Anater
(2013); (Brasil)
50
O objetivo é analisar eventuais nexos que possam explicar ou justificar as
transformações ocorridas na ATER e, mais que isso, que possam substantivar a sua evolução
conceitual e institucional, como também, indicar sinais de transformações futuras no ambiente
da ATER.
O Quadro traz as cinco revoluções tecnológicas descritas por Perez (2009) e uma
sexta, em formação, também admitida por Corazza e Bonacelli (2014). Para cada uma das
cinco primeiras, Perez (2009) identifica um ano de “inauguração” da revolução
(respectivamente, 1771, 1829, 1875, 1908 e 1971), denominando-o de “Big bang inicial da
revolução”. Corazza e Bonacelli (2014) apontam períodos de aproximadamente cinco décadas
como períodos de consolidação de uma “onda”, indicação aqui também utilizada para a
periodização estabelecida (CORAZZA; BONACELLI, 2014; PEREZ, 2009). Exceção feita
apenas para o primeiro período (1700-1880), cujo propósito foi destacar a Revolução Agrícola
da Inglaterra como evento de importância capital na história da evolução tecnológica da
agricultura no mundo.
A tentativa da busca de influências identifica também possíveis repercussões na
agricultura, a exemplo da repercussão da “primeira onda”, “Revolução Industrial”, sobre a
mecanização da cadeia do algodão, o que gerou aumento dos padrões de produção e
produtividade, potencializando os efeitos da revolução agrícola inglesa.
Percebe-se também os efeitos da terceira (química, grandes pontes e túneis etc.) e
quarta (petroquímicos, tratores, etc.) "ondas de inovação", desdobrando-se especialmente nos
avanços na química agrícola, fertilizantes, defensivos e na ampliação das experimentações
agrícolas.
Mais à frente, década de 1960, constata-se o surgimento da "Revolução Verde", que
significou um modelo de produção que incorporava de forma integrada grande parte desses
avanços anteriores, gerando níveis de produtividade nunca vistos antes (ROMEIRO, 2014).
Tais avanços, não por acaso, repercutiram na ATER brasileira, por exemplo,
traduzidos pela utilização dos modelos de atuação denominados “difusionista produtivista”.
Nesse momento, meados da década de 1970, o modelo “difusionista produtivista” passa a ser
operado por uma base institucional e organizacional renovada e fortalecida, representada pela
criação de duas empresas públicas, a Embrapa e a Embrater. Estas organizações passam a
configurar uma base institucional ampliada, em relação ao modelo anterior, e que incorpora o
crédito rural como elemento central na viabilização e na velocidade do processo de adoção
das inovações agrícolas.
51
Em seguida, década de 1980, constata-se o surgimento do movimento pelo
“desenvolvimento sustentável”, inspirado na necessidade de se diminuir o ritmo frenético dos
padrões de consumo e de produção, sobretudo dos países desenvolvidos. Esse movimento
apontava para a urgência de preservação dos recursos naturais, face os danos graves
ambientais e na qualidade de vida da geração atual, além do risco de esgotamento dos
recursos naturais para as gerações futuras. Essa evidência, conjugada a outras circunstâncias,
repercutiu na ATER, indicando a necessidade de se valorizar modelos de difusão menos
agressivos à natureza, além da preocupação com aqueles produtores que ficaram à margem da
tecnificação, na sua grande maioria, denominados de agricultores familiares (EMBRATER,
1990).
No caso brasileiro, o modelo “Difusionista Produtivista” caracterizava-se por adotar os
grandes e médios produtores como público preferencial; a unidade de trabalho deslocou-se
para o produtor, ao invés da família rural; a elaboração de planos de crédito se constituiu no
grande papel do extensionista como mecanismo essencial na viabilização da difusão da
tecnologia, incumbida de promover aumentos nos níveis de produtividade da terra e do
trabalho.
Com o decorrer do tempo, a aplicação do modelo ao caso brasileiro foi apontada como
contribuidora para a exclusão do processo de tecnificação de milhares produtores familiares.
Nesse sentido, registra a Embrater (1990) que o processo de modernização da agricultura
brasileira prevalecente nas décadas de 1970 e de 1980 produziu aumentos "progressivos e
significativos" nos níveis de produção e produtividade agropecuárias, todavia, contribuiu
também para outros efeitos como:
A ocupação desordenada do espaço rural, com nítidos e indesejáveis prejuízos
ecológicos; Uma alteração profunda da base tecnológica da produção agrícola, da
composição das culturas e dos processos de produção de forma concentrada,
marginalizando a maioria dos agricultores; Uma concentração da propriedade da
terra, afetando sensivelmente as relações de trabalho no campo; Um forte êxodo
rural, o crescente assalariamento da força de trabalho agrícola e a alta sazonalização
do emprego rural; Alterações quantitativas e qualitativas no processo de
urbanização... (EMBRATER, 1990, p. 11).
Soma-se ao registro da Embrater (1990) uma outra constatação já apontada
anteriormente por Hayami e Ruttan (1988) sobre os resultados, nos anos 1960, da aplicação
do mesmo modelo noutros países:
As limitações do modelo de difusão para o planejamento do desenvolvimento
agrícola tornaram-se cada vez mais evidentes. Isto se deu porque os programas de
52
assistência técnica e de desenvolvimento comunitário, baseados explícita ou
implicitamente no modelo de difusão, foram incapazes de modernizar as fazendas
tradicionais ou acelerar as taxas de crescimento do produto agrícola. (HAYAMI;
RUTTAN, 1988, p. 60)20
De modo geral, a crítica mais contundente feita à ATER brasileira era a de que o
modelo do difusionismo produtivista além de ter contribuído com a exclusão de milhares de
pequenos produtores do processo de modernização agrícola, aprofundou ainda mais as
desigualdades no meio rural.
Com relação à natureza dessa crítica, de se atribuir à ATER governamental a
responsabilidade pelo atraso da modernização da agricultura familiar brasileira, esta tese
voltará ao tema no sentido do seu aprofundamento.
Todo esse cenário serviu de motivação para o surgimento de um novo modelo de
extensão, inserido também num novo momento político de redemocratização do Brasil,
denominado de “Humanismo Crítico”.
A liderança da implementação deste novo modelo coube a Romeu Padilha de
Figueiredo que, ao tomar posse na presidência da Embrater em 1985, destacou como
justificativa para a adoção do modelo “Humanismo Crítico”: “a prioridade aos pobres, no
contexto brasileiro, é uma exigência não só ética como também econômica, social e
política” (EMBRATER, 1986b, p. 8).
Assim, o novo modelo vigente, de 1985 a 1989, priorizou os pequenos produtores,
arrendatários, parceiros, posseiros, boias-frias, assentados da reforma agrária e assalariados,
assim como a organização dos produtores como estratégia central para o trabalho de extensão
(EMBRATER, 1986b, p. 8 e 12).
Ao se retornar ao passado da ATER no Brasil (1948), percebe-se que o “Humanismo
Crítico” voltou a valorizar os pequenos e médios produtores como no período do início da
atuação da ATER no país; a unidade de trabalho retornou o seu núcleo para a família rural; a
orientação pedagógica assumiu a concepção “dialógico-problematizadora”, concebida pelo
educador Paulo Freire; e, nesse modelo, coube ao extensionista o papel de um agente
“catalisador de processos sociais”. A tecnologia, nessa nova etapa, era considerada essencial
ao trabalho da ATER, embora circunscrita aos padrões de equilíbrio ecológico, energético e
20
Numa abordagem mundial, afirmam Feder et al. (1999) que: “Nos anos 1960, ainda no início da Revolução
Verde, os serviços de extensão rural no mundo se caracterizavam pelo uso dos princípios da transferência de
tecnologia, da comunicação interpessoal e do desenvolvimento de comunidades. Nos anos 1970, as
características principais do serviço de Extensão incluíam a abordagem do desenvolvimento rural integrado
(DRI), o surgimento do sistema de Treinamento e Visita (T&V) e a substituição do modelo de difusão de
inovações pelo de oferta de pacotes de serviços integrados” (FEDER; WILLETT; ZIPJ, 1999, p. 4); (tradução
nossa). Dentre esses serviços, estariam a pesquisa agrícola, o crédito rural, a extensão rural, etc., como
instrumentos redutores das limitações à adoção de tecnologias.
53
social (MASCARENHAS, 1997, p. 122). Esse movimento produziu um intenso processo de
capacitação dos extensionistas em todo o país, face a sua concepção inovadora e distinta
daquelas até então trabalhadas pela ATER brasileira. Todavia, o modelo do “Humanismo-
Crítico” teve pouco tempo para a sua plena implementação perdendo força com a extinção da
Embrater em 1990.
O Quadro 1 indica também uma maior ênfase, no início da década de 1980, da
temática do desenvolvimento sustentável, com repercussão direta sobre a agricultura, nas
suas dimensões econômica, social e ambiental.
Decorrido algum tempo, durante o qual a economia brasileira passou por sucessivas
crises, surge na política agrícola brasileira um movimento de valorização da agricultura
familiar, em meados da década de 1990; a emergência da temática do desenvolvimento
sustentável exerce influência sobre essa valorização. O sinal mais forte dessa valorização é
traduzido pela criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) pelo governo federal.21
O Pronaf, para sua implementação, requeria um serviço de
ATER atuante e ativo, características ausentes na ATER pública do Brasil naquele momento,
haja vista a crise que se abatera sobre a ATER governamental brasileira, após a extinção da
Embrater.
Efetivamente, o Pronaf provoca um novo ânimo na ATER pública, que abraça o
programa em todo o país, tornando-se o seu mais importante executor.22
Esse fato
também contribuiu, mais à frente, (2003) para a criação e institucionalização da Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma
Agrária (Pnater), em sua primeira versão, que estabeleceu, como seu primeiro princípio, a
promoção do “desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada
dos recursos naturais e com a preservação do meio ambiente”.23
21
A propósito, vale registrar que em 1994 havia sido criado pelo governo federal o Programa de Valorização da
Pequena Produção Rural (PROVAP), operando com crédito do BNDES, basicamente. Para detalhes ver em
Belik, Walter. Avaliação da Operacionalização do Programa Pronaf. Disponível em:<http://www.eco.unicamp.
br/artigos/artigo175.htm>. Acesso em 11 nov.2014. 22
Um elemento relevante no "ressurgimento" da ATER foi a iniciativa do governo federal, entidades
representantes dos trabalhadores rurais, dos extensionistas e FAO ao elaborarem a proposta: "Uma nova
Assistência Técnica e Extensão Rural centrada na agricultura familiar", que estabelecia diretrizes dessa "nova
ATER", abrindo o diálogo e orientando os novos caminhos a seguir, sendo a criação do Pronaf o grande
instrumento desse novo momento. Para detalhes sobre a proposta, ver: ASBRAER, CONTAG, FASER,
MA/SDR/Dater, PNUD. Uma nova Assistência Técnica e Extensão Rural centrada na agricultura familiar,
PNUD/Projeto BRA 92/020, Brasília-DF, Brasil, 1997. 23
Pnater, disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm>.Acesso
em 8 fev.2015.
54
A criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater),
também indicada no Quadro 1, caminha na mesma direção de incorporar os sinais dados pelas
grandes transformações analisadas. Esses dois eventos, Pnater e Anater, pelo menos no plano
das intenções, podem ser considerados os dois eventos mais importantes ocorridos na história
da ATER brasileira no período 2003 a 2014. Infelizmente, a Anater apesar de criada
formalmente em maio de 2014, apenas teve sua diretoria nomeada em junho de 2015.
Em resumo, o objetivo desta seção, como dito no início, foi o de se refletir sobre
os conteúdos teórico institucionais que têm fundamentado os modelos/abordagens
utilizados pela ATER, em especial no Brasil. Busca-se também identificar uma eventual
relação de tais conteúdos com as grandes “revoluções tecnológicas” e com as
transformações na agricultura, ocorridas no mundo desde os anos 1700 aos dias atuais e
que produziram substantivos impactos em toda a sociedade.
O que se pode extrair dessas reflexões é que os modelos utilizados pela ATER
governamental, sobretudo no Brasil, sofreram influência direta de grandes revoluções
tecnológicas, mesmo considerando importantes defasagens de tempo entre a sua emergência e
a correspondente inserção na cultura da ATER (caso das TICs que ainda hoje não penetraram
massivamente na ATER governamental brasileira).
Simultaneamente, os modelos de ATER também foram influenciados pelo ambiente
político vivenciado pelo país em cada momento destacado. Assim, percebe-se, uma
conjugação de forças que impulsionaram a mudança. Forças tais com atuação não apenas no
plano tecnológico ou de concepção teórica, mas, também, forças atuantes no campo político e
institucional que, como resultante, conformaram a ATER dos dias atuais. No caso do Brasil, a
Pnater e Anater refletem essas tendências ao estabelecerem nos seus princípios preocupações
com as políticas de desenvolvimento sustentável, agroecologia, de gênero, raça, etnia, de
soberania e segurança alimentar e nutricional.
Considerando o dinamismo no ambiente político, característica quase que permanente
no contexto brasileiro, tal qual ocorreu com a mudança ocorrida na cúpula do governo federal
em 2015, é provável que as novas diretrizes emanadas do novo governo venham, mais uma
vez, a produzir reflexos importantes na política nacional de ATER.
55
1.3. A ATER e a sua inserção no (novo) desenvolvimento rural
Aqui, torna-se relevante uma breve incursão no ambiente no qual se desenvolve o
trabalho de ATER e, o mais importante, uma incursão sobre as consequências produzidas pelo
seu esforço. Assim, para que se tenha uma caracterização da ATER naquilo que se relaciona
com o seu alcance, enquanto instrumento de política agrícola, é adequado que se discuta o seu
papel no processo de desenvolvimento rural, desaguadouro natural das ações da ATER.
Segundo Kageyama (2008), o "desenvolvimento rural não é identificado com
crescimento econômico, mas visto como um processo que envolve múltiplas dimensões:
econômica, sociocultural, político-institucional e ambiental" (KAGEYAMA, 2008, p. 52). Ou
seja, em sua trajetória evolutiva mais recente, vertentes como desenvolvimento humano e
sustentabilidade ambiental passaram a integrar o conceito de desenvolvimento rural. Essa
evolução incorpora não mais e tão somente a visão de desenvolvimento, medido apenas pelo
crescimento do produto, mas avança em perceber o desenvolvimento como progressos nos
campos do bem-estar e ambiental.
Nesse sentido, ao se cotejar a estrutura conceitual da ATER, discutida até aqui, com as
quatro dimensões do (novo) desenvolvimento rural, mencionadas no parágrafo anterior,
percebe-se que o trabalho de ATER, em maior ou menor grau, expressa um relevante
potencial de contribuição a todas elas.
Kageyama (2008), ao relacionar bem-estar e desenvolvimento, faz referência às
ideias de Amartya Sen, segundo as quais o padrão ou a qualidade de vida não se mede
pela posse de um conjunto de bens, nem pela utilidade deles decorrente, mas está
presente nas capacidades (capabilities) de que os indivíduos possuem para mobilizar os
bens e deles obterem satisfação ou felicidade.24
Também sob o enfoque das capacidades, parece aceitável imaginar uma importante
contribuição potencial da ATER para o desenvolvimento rural sustentável, no sentido da
possibilidade de, por intermédio de um processo educativo, despertar e aprimorar as
capacidades presentes nos indivíduos (produtores rurais e comunidades) de modo que eles
próprios possam assumir o protagonismo do seu desenvolvimento.
Implícito está o papel educativo da ATER, referido anteriormente, assim como o papel
de "difusão de inovações", este mais relacionado às dimensões econômica e ambiental.
24
Ideias contidas no clássico "Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation", 1982, de Amartya
Sen.
56
Assim, a contribuição potencial da ATER estaria presente na consecução do objetivo
do processo de desenvolvimento, que seria viabilizado pela expansão e aprimoramento das
capacidades humanas, assim como pelo crescimento econômico, sendo este menos
importante, embora necessário para o alcance daquele.
No plano objetivo, as transformações por que passa o conceito de desenvolvimento
rural, algo apontado por Vander Ploeg et al (2000), já eram perceptíveis na Europa por volta
dos anos 2000 e já presentes nos dias atuais noutros países, inclusive no Brasil.
De acordo com Van der Ploeg et al. (2000), a agricultura continuará no núcleo do
desenvolvimento rural, entretanto, o paradigma da modernização agrícola como elemento
central para o aumento da renda no meio rural cedeu lugar para a produção de outros produtos
e serviços, que configuram um novo modelo para o desenvolvimento rural.
A nova base desse novo modelo não privilegia as economias de escala e a
verticalização da produção, opta, sim, por mais flexibilidade da organização da produção e
por valorizar a pluriatividade do núcleo familiar (Van der Ploeg et al., 2000, p. 393).
O novo modelo surgiu na Europa como se fora uma resposta às consequências do
modelo anterior, que suscitou no mesmo estudo o seguinte comentário:
O êxodo rural, a diminuição do número de fazendas e uma queda acentuada nas
oportunidades de emprego eram vistos como o resultado inevitável deste modelo.
Além disso, aumentaram as disparidades regionais e cresceram as tensões entre a
agricultura, por um lado, e paisagem, natureza, meio ambiente e qualidade de
produtos, por outro. (Van der Ploeg et al., 2000, p. 392; tradução nossa)
Nessa nova configuração, está presente, por exemplo, a produção de bens públicos
como a "gestão da natureza" (paisagem), onde sinergias e articulações são construídas e
geridas não mais apenas no plano de uma propriedade rural, mas na perspectiva de um
ecossistema, envolvendo muito mais atores. Surgem, também, outras oportunidades de
negócio como o turismo rural, o artesanato rural, os produtos orgânicos, o aproveitamento da
pluriatividade familiar e da multifuncionalidade da agricultura, dentre outras.
Enfim, essa nova base do desenvolvimento rural, um processo que envolve várias
instâncias, vários e novos atores, e inúmeras feições, cria novos produtos e serviços
associados a novos mercados, privilegia os recursos internos às fazendas e à região ou
território e valoriza a "redução de custos, a partir de novas trajetórias tecnológicas"
(VANDER PLOEG et al., 2000, pp. 391-6).
Acrescente-se que, sob a influência desse movimento, pode-se pressupor o surgimento
de um rico ambiente de inovações e de aprendizagem, que produzirá outros avanços
57
decorrentes, inclusive nos padrões de formação e desenvolvimento de pessoas, como
explicam Corazza e Bonacelli (2014):
A inovação envolve a interação de agentes distintos, que aprendem com essa
dimensão interativa. A aprendizagem está socialmente imersa.... Ela é um processo e
envolve cumulatividade e path dependence (existem trajetórias ou vias de
progressão que se delineiam em função das capacidades cognitivas dos agentes
envolvidos, por exemplo). (CORAZZA; BONACELLI, 2014, p. 106)
Por último, e como consequência imediata e direta dessas transformações em
curso no processo de desenvolvimento rural, é possível imaginar que, no caso do Brasil,
deve emergir a necessidade do aprimoramento dos perfis profissionais voltados para
lidar com esses novos serviços, produtos e negócios, especialmente no que se relaciona
ao assessoramento aos novos empreendedores e a toda a cadeia que passa a se
estabelecer a partir dessa nova configuração.
Do conjunto dos profissionais envolvidos, tanto na esfera pública quanto privada, os
profissionais de ATER seguramente estarão entre aqueles com maior afinidade aos novos
padrões de aprimoramento da sua formação profissional, tendo em vista os seus vínculos com
a realidade rural e o background acumulado ao longo do tempo, elementos facilitadores de
sua atuação mesmo em novos cenários.
Dessa constatação, deriva uma outra que diz respeito aos formadores dos
profissionais envolvidos com o novo desenvolvimento rural, em especial, os agentes de
ATER. Ou seja, a nova feição do desenvolvimento rural demandará dos profissionais do
ensino um novo projeto de formação profissional, haja vista serem eles responsáveis
por interpretar a situação atual, projetar os cenários futuros, aperfeiçoar os perfis dos
profissionais atuais e formar os novos profissionais que deverão estar habilitados atuar
no novo desenvolvimento rural.
Nesse sentido, duas perguntas parecem pertinentes: estarão os serviços de ATER
governamental no Brasil estruturados com profissionais de perfil compatível com as novas
demandas e os novos desafios do novo desenvolvimento rural? E a segunda: estará o
sistema de ensino preparado para (re)formar esses "novos" profissionais?
58
1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o papel
da pesquisa e da extensão
A importância da inovação na agricultura constitui-se no epicentro das discussões que
são desenvolvidas neste trabalho. Para tanto, os esforços analíticos se debruçam sobre uma
complexa rede de elementos e de relações que envolvem o tema, dedicando uma atenção
especial ao papel desempenhado no processo de inovação na agricultura pelos serviços de
ATER e de pesquisa agrícola frente aos principais desafios postos à agricultura.
De modo mais específico, o desenho da discussão que se pretende aqui empreender é
dado, de um lado, pela identificação de um cenário em que são explicitados os principais
desafios postos à agricultura mundial e brasileira e, de outro lado, pela contribuição esperada
dos serviços de ATER na superação desses desafios.
1.4.1. O papel da agricultura e os desafios postos à ATER
Tratar de inovação na agricultura significa preocupar-se com segurança alimentar, com
a produção de energia limpa, com a redução da pobreza e com o desenvolvimento sustentável,
pois são essas as principais expectativas do papel da agricultura no mundo, além da produção
de alimentos e da valorização do capital.
Por decorrência, ao atribuir à agricultura essas expectativas, tem-se também a
dimensão da contribuição da ATER para o alcance dessa missão. Dito de outro modo: a partir
das grandes expectativas que se colocam à agricultura, o interesse da discussão desta sessão é
refletir sobre os principais desafios que são postos à ATER, constituindo-se assim numa das
mais importantes referências analíticas para o desenvolvimento deste estudo.
Para se mensurar a dimensão desses desafios, apenas para o caso da segurança
alimentar, a FAO e WWC (2015) estimam que, em 2050, a população mundial, mesmo
em crescimento desacelerado, alcance a ordem de 9 a 10 bilhões de pessoas, trazendo
como consequência natural para as próximas quatro décadas a necessidade de duplicação
da demanda por alimentos, rações, fibras e outras matérias-primas.25
Mesmo assim, os
dois organismos afirmam que a insegurança alimentar e nutricional persistirá em muitas
regiões. Por tal razão, o mesmo estudo considera inevitável a necessidade de
investimentos públicos em pesquisa agrícola e ATER (FAO; WWC, 2015).
25
A FAO trabalha com a perspectiva para um consumo médio de alimentos de 3.130 kcal/pessoa/dia, para
2050(FAO, 2011, p. 272).
59
Estima ainda a FAO que a quase totalidade desse aumento populacional estará
localizada nos países em desenvolvimento, produzindo um grau de urbanização por volta de
70%, bem acima dos 49% atuais. Ou seja, em 2050, para alimentar essa população maior,
mais urbanizada e com melhores níveis de renda, a produção de alimentos, excluída a parte
destinada aos biocombustíveis, deverá crescer 70%. A produção anual de cereais necessitará
atingir 3 bilhões de toneladas e a de carne 470 milhões de toneladas, respectivamente, 1
bilhão de toneladas adicionais de cereais e 200 milhões de toneladas adicionais de carne, em
relação à produção de 2005/2007 (FAO, 2011).
Imbricada nesse primeiro desafio, há uma questão de igual importância que a ATER
haverá de enfrentar, que é o de contribuir com a segurança alimentar, de modo harmonizado
com as melhores práticas ambientais e de segurança na qualidade dos alimentos. Segurança às
pessoas, quer trabalhadoras na agricultura, quer consumidoras. Isso significa um modo de
produção diferenciado, consentâneo como os ditames do desenvolvimento sustentável.
Nessa direção, impõe-se à agricultura um novo padrão de desenvolvimento, diferente
daquele que marcou por longos períodos a história agrícola de muitos países, que pautavam o
seu crescimento em função exclusivamente do aumento da área cultivada e aumento dos
rebanhos. Esse novo padrão está exigindo a elevação dos níveis de competitividade,
traduzidos pela sustentabilidade econômica, produtividade física, qualidade dos produtos,
manejo digno dos animais, total respeito às condições de trabalho e de absoluta intolerância às
agressões ambientais. Caracteriza-se, desse modo, o compromisso da atividade de produção
agrícola aliada a sua função social, materializando-se, assim, a dimensão multifuncional da
agricultura (LABARTHE, 2009).
Além desses elementos, a FAO também constata e alerta que muitos países estão
desprovidos de políticas articuladas que os preparem para: (i) eventuais crises nos mercados
globais de alimentos, (ii) possíveis reformas nas regras do comércio internacional, (iii) criação
de sistemas de apoio financeiro às populações afetadas por novas subidas inesperadas dos
preços dos alimentos e (iv) eventuais desastres localizados.
A preparação dos países para fazer face a essas eventuais ameaças deve, seguramente,
incluir a ATER no conjunto de instrumentos de política capazes de ajudar as populações
rurais a enfrentar tais ameaças, tarefa que se constitui num grande desafio para a ATER e que
exige uma formação profissional e organizacional distinta da atual.
Quanto ao papel da agricultura na redução da pobreza, este talvez seja o desafio mais
relevante para a ATER. Estudo da FAO (2009) indica que o crescimento oriundo da
agricultura, em particular da agricultura familiar, é pelo menos duas vezes mais eficaz em
60
beneficiar os mais pobres do que o crescimento oriundo dos setores não agrícolas. Acrescenta,
contudo, que o crescimento econômico não é por si só suficiente para reduzir a pobreza, são
necessárias outras políticas complementares, tais como: assistência alimentar e nutricional,
saúde e saneamento, educação e treinamento, dentre outras (FAO, 2009, p. 3, tradução
nossa).26
Coloca-se desse modo evidente, sobretudo para a ATER, que para superar esses
desafios, a tecnologia agrícola exerce um papel ainda mais crucial para os avanços que a
agricultura requer, que é o de estar alicerçada em padrões contemporâneos de sustentabilidade
e de competitividade. Reforça esse argumento a assertiva da FAO, segundo a qual 90% do
aumento da produção de alimentos previsto para 2050 será oriundo da elevação dos níveis de
produtividade física e intensidade de cultivos, cabendo o valor remanescente ao aumento da
área cultivada (FAO, 2011).
Nesse cenário de elevação dos níveis de produtividade e de intensidade de cultivo, a
tecnologia da agricultura irrigada desponta como uma alternativa importante para contribuir
com a superação dos desafios a serem vivenciados pela agricultura mundial até 2050.
Contudo, trata-se de uma alternativa que não está disponível em todos os espaços onde as
necessidades de produção se façam sentir de modo mais agudo, além de se constituir na
atualidade num recurso cada vez mais valorizado, face às evidências e perspectiva de escassez
de água em vários cantos do planeta.
É assim que a FAO (2011) projeta para 2050, nos países em desenvolvimento, um
crescimento das áreas com infraestrutura de irrigação em uso para 32 milhões de hectares, ou
seja, um acréscimo de 11%, em relação aos níveis do período 2005/2007.27
Porém, o dado que
chama atenção é que o aumento projetado da área (32 milhões de ha) é inferior em quase um
quarto ao aumento ocorrido nos 44 anos precedentes (145 milhões de ha), significando uma
queda na taxa de crescimento de 1,7% para 0,24% por ano.
O mesmo estudo atribui essa queda ao menor ritmo de crescimento da produção
agrícola, combinada com a escassez de áreas disponíveis e adequadas para irrigação e dos
recursos hídricos, assim como dos elevados custos da agricultura irrigada. Além disso, atribui-
26
“Growth originating in agriculture, in particular the smallholder sector, is at least twice as effective in
benefiting the poorest as growth from non-agriculture sectors” (FAO, 2009, p. 2). 27
A FAO (2011) faz uma distinção entre áreas com infraestrutura de irrigação (aquelas em manutenção ou até
fora de operação) e áreas em uso. Nos países desenvolvidos, a FAO projeta um crescimento apenas marginal das
áreas com infraestrutura de irrigação. Para os países em desenvolvimento, que liderarão as projeções de
crescimento da área irrigada, a relação entre as duas categorias de áreas projetadas para 2050 é 88%. Ou seja,
para 2050 projeta-se 222 milhões de ha de irrigação em uso e 251 milhões de ha equipados com infraestrutura de
irrigação (FAO, 2011, p. 254).
61
se à agricultura, com 70% do consumo de água, a principal responsável pela escassez de água
do planeta (FAO, 2011). Muito embora a FAO reconheça que, de modo geral, os países em
desenvolvimento não terão escassez de água para irrigação até 2050, salvo raras exceções.
Todos esses elementos conduzem à percepção de que se torna urgente a
necessidade de melhor qualificar as práticas da agricultura irrigada, melhorando sua
eficiência, não apenas com relação à minimização dos seus impactos negativos sobre os
recursos naturais, em especial sobre os solos, mas, sobretudo, antecipando-se a uma
situação de incompatibilidade entre a saudável prática da agricultura irrigada e os
padrões de sustentabilidade.28
Para a FAO (2011), uma conclusão que se pode antecipar é que os aumentos previstos
na ampliação da produção de alimentos nas áreas de sequeiro e nas áreas irrigadas não virão
de forma espontânea, impulsionados apenas pelas forças do mercado, esse novo esforço vai
exigir grandes intervenções e investimentos públicos, particularmente na pesquisa agrícola,
na prevenção e mitigação de danos ambientais, assim, como, na ATER, orientando e
capacitando produtores nas tecnologias da agricultura irrigada. Ou seja, a intervenção pública
continuará a ser necessária para desenvolver a agricultura e adaptá-la às circunstâncias locais
e estabelecer redes de segurança social (FAO, 2011).
Novamente aqui, percebe-se que a melhoria das práticas da agricultura irrigada, no
sentido da redução de custos, eficiência no uso e impactos sobre o ambiente, etc., reserva à
ATER mais um papel importante na superação desse desafio.
No entanto, a própria FAO chama atenção para o fato de que as inovações
tecnológicas terão um desafio adicional: os ganhos de produtividade global dos principais
cereais, que cresceram à taxa média anual de 3,2% no ano de 1960, declinaram para 1,5% no
ano de 2000. De onde se conclui que, se os aumentos da produtividade forem lineares e
contínuos, seguindo os padrões alcançados nas últimas cinco décadas, a produção agrícola
não será suficiente para suprir as necessidades de alimentos projetadas para 2050 (FAO, 2009,
p. 2).
O desafio de reverter essa tendência de declínio da velocidade de crescimento da
produtividade, a ser superado pela adoção de inovações tecnológicas, é condicionado
fortemente pelos investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), variável que deve
ser observada cuidadosamente na perspectiva de médio e longo prazo. O fato de os
28
A rigor, o uso eficiente da água é definido como a relação entre o consumo estimado de água para irrigação e a
água captada para irrigação. Em média, a partir de dados 2005/2007, para o mundo, essa relação foi estimada em
44%, variando de 22% para países com abundância de água, exemplo da África subsaariana, a 54% para países
com escassez, caso dos países do Sul da Ásia (FAO, 2011, p. 259).
62
investimentos em P&D apresentarem elevadas taxas de retorno, em torno de 30% a 75%,
muitos países têm negligenciado sua importância, especialmente aqueles considerados “low
income”29
.
No caso dos países em desenvolvimento, para o Banco Mundial representados
pelo conjunto dos países considerados “low income” e “middle income”, as ações de
P&D agrícola em sua grande extensão estão (ainda) sob domínio do setor público, o que
significa serem as fontes de recursos oriundas dos orçamentos governamentais,
portanto, sujeitas à instabilidade.
O avanço dos investimentos da iniciativa privada nas ações da P&D agrícola nesses
países, ainda segundo a FAO, depende da resolução de questões relativas aos direitos de
propriedade intelectual, fato que se relaciona com a necessidade de garantia de acesso dos
produtores rurais familiares às novas tecnologias (FAO, 2009). A propósito da expressão
“produtor familiar”, há na literatura inúmeras definições e caracterizações; aqui, nesta tese, se
fará uso daquela constante da Lei N º 11.326, de 24 de julho de 2006, tendo em vista
constituir-se na referência legal para acesso aos serviços públicos de ATER e outras
políticas.30
Sobre a tendência dos investimentos em P&D agrícola, Pardey e Alston (2012)
destacam que:31
Em décadas recentes, assistimos na maioria dos países um abrandamento da taxa do
crescimento nos gastos em P&D agrícola, especialmente o segmento de P&D
orientado para melhorar a produtividade agrícola. Essa tendência é perceptível em
países mais ricos do mundo, na sua maioria aqueles que foram no passado os
29
Para finalidades analíticas e operacionais, o Banco Mundial (World Bank), com base no indicador Gross
National Income (GNI) per capita, classifica as economias dos países em 3 grandes categorias: low income,
middle income (subdividida em lower middle and upper middle), e high income. Brasil, Argentina e África do
Sul, por exemplo, estão classificados como upper middle; enquanto França e Estados Unidos estão classificados
como high income. (Disponível em:< http://data.worldbank.org/about/country-classifications>. Acesso em 10
jun.2013. 30
Neste trabalho e para o caso brasileiro, “agricultor familiar” será aquele produtor que: (i) não detenha, a
qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; (ii) utilize predominantemente mão de obra da própria
família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento (iii) tenha percentual mínimo da
renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma
definida pelo Poder Executivo; (iv) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. Conceito
estabelecido na Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, Artigo 3º, Lei que estabelece as diretrizes para a
formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm>, retificado pela Lei nº 12. 512 de 14
de outubro de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12512.htm#art39>. 31
Os mesmos autores registram que nas últimas décadas, o crescimento da produtividade agrícola tem sido o
principal elemento de contribuição para o crescimento da oferta de alimentos e fibras. Ao longo da última
metade do século, a taxa média de longo prazo do crescimento da produtividade agrícola tem oscilado em torno
de 1% a 2% ao ano, mais rápido do que o crescimento da produtividade no resto da economia (PARDEY;
ALSTON, 2012, p. 21).
63
principais impulsionadores da ciência agrícola global e inovação. Isso tem
acontecido apesar de evidências convincentes sobre os grandes retornos para os
investimentos públicos em P & D agrícola. Junto com a desaceleração nos
investimentos de pesquisa, temos assistido a um abrandamento do crescimento da
produtividade agrícola na maioria dos países - China e Brasil são exceções notáveis.
Estas tendências têm implicações potencialmente significativas para a política
mundial de segurança alimentar, a menos que mudanças na política sejam
implementadas no sentido de, em breve, recompor os investimentos para
rapidamente revigorar a ciência agrícola e inovação, tendo em vista especialmente
as longas defasagens temporais entre a realização do investimentos em P & D e a
obtenção dos resultados nos campos dos agricultores. (PARDEY; ALSTON, 2012,
p. 20; tradução nossa)32
Em suma, o comportamento dos investimentos e o vigor dos fundos de financiamento
da P&D agrícola refletem-se diretamente no crescimento da produtividade, que deverá ser
suficiente para atender ao crescimento da demanda por produtos agrícolas. Portanto, um baixo
nível de investimento em P&D agrícola, aliado a outros fatores, pode produzir efeitos
dramáticos na segurança alimentar global, com danos ainda maiores sobre os países mais
pobres (PARDEY; ALSTON, 2012, p. 19).33
Adicionalmente, os mesmos autores mostram que, em média, ao longo das últimas três
décadas, a relação entre os investimentos (público e privado) realizados em P&D agrícola e
alimentos versus os investimentos totais em ciência situaram-se, pelo menos, em torno de 5%
para os países "high-income", dos anos 1980 até o ano 2006.
Para os países "low- and middle-income", a mesma relação situou-se nos 20% na
década de 1980, decrescendo acentuadamente a partir de meados dos anos 1990, até
aproximar-se dos 10% nos anos 2000. Embora a tendência de declínio desse último conjunto
de países seja um sinal de negativas repercussões futuras sobre a segurança alimentar e sobre
a fome no mundo, os mesmos autores afirmam que a tendência do comportamento da
dinâmica dessa relação é de contínua mudança nos próximos anos (PARDEY; ALSTON,
2012, p. 25).
Para confirmar a tendência de “contínua mudança” apontada pelos dois autores, dados
do ASTI/IFPRI/CGIAR (2016), relativos ao crescimento dos gastos em P&D agrícola na
32
Como reforço ao argumento da preocupação com a queda de produtividade agrícola no mundo, constata-se
que até mesmo nos Estados Unidos as taxas de crescimento médio da produtividade agrícola, medidas pelo
Agricultural multifactor productivity apontam uma queda substancial para todos os produtos em todas as regiões,
a partir de 1990 até 2007, da ordem de 1,18% a.a. No período anterior (1949-1990), essa taxa situava-se em
torno de 2,02% a.a (PARDEY; ALSTON, 2012, p. 22). 33
Pardey e Alston (2012) apontam como principais elementos que explicam a queda de produtividade: as
mudanças do clima ou climáticas, a degradação dos solos, a exploração ou ampliação de áreas de cultivos
agrícolas em ambientes desfavoráveis, a reação dos produtores à escassez de recursos, elevados preços de
insumos, mudanças nas instituições públicas, maior impacto das pragas e doenças, dentre as mais importantes
(PARDEY; ALSTON, 2012, p. 24).
64
América Latina e Caribe, apontam que, no período 2009-2012/2013, tais gastos cresceram
10%, em média. De todos os 17 países, apenas cinco, México, Chile, Panamá, Costa Rica e
Peru tiveram crescimento negativo nos seus gastos com P&D agrícola no período.34
Em resumo, pode-se afirmar que, mesmo sendo complexa a identificação de uma
tendência do comportamento dos dispêndios em P&D agrícola, uma vez que varia de país a
país, portanto, variando de acordo com a conjuntura política e econômica, algo cíclico
sobretudo nos países considerados "low- and middle-income", trata-se de variável de extrema
relevância para a política de segurança alimentar tanto no plano global, quanto no plano de
cada país ou região individualmente. O acesso a mercados é outro grande obstáculo com o
qual se defrontarão muitos países, que ainda dependerão do mercado internacional para
garantir a sua política de segurança alimentar. Também nesse caso, o papel da ATER é
relevante, no sentido da sua contribuição à organização dos produtores e da produção.
A FAO estima que, em 2050, os países em desenvolvimento, importadores líquidos de
cereais, terão que mais que duplicar as suas importações de cereais para assegurar a oferta
interna de alimentos, algo como 300 milhões de toneladas, quando comparadas às 135
milhões importadas em 2008/2009.
Nesse caso, a FAO advoga que a dimensão desses números e a sensibilidade para a
natureza do tema (segurança alimentar), aliadas às distorções de um mercado, que precisa ser
mais competitivo e justo, requerem a integração de políticas especiais de apoio aos produtores
agrícolas dos países em desenvolvimento. Em assim sendo, esses produtores poderiam ter
acesso aos grandes mercados internacionais de alimentos, em condições de igualdade com
produtores de outros países, por um lado e, por outro, estaria sendo criada a possibilidade
dotar-se esse mercado de um maior grau de confiabilidade e segurança (FAO, 2009, p. 3).
Um outro papel importante colocado historicamente à agricultura é a sua contribuição
à produção de energia limpa. Nos tempos presentes, esse papel torna-se ainda mais
relevante face às responsabilidades ambientais de cada agente de desenvolvimento, como
também face às crescentes restrições ambientais.
Nesse campo da produção de energia limpa, a ênfase dada por vários países à
produção e uso do “Biodiesel” merece um destaque especial, como esclarecem Sampaio e
Bonacelli (2016):
Esse biocombustível passou a fazer parte da matriz energética no segmento de
transportes, amplamente dominado pelos derivados de petróleo. As consequências
do padrão fóssil, poluição, aquecimento global e insegurança energética, motivam a
34
Disponível em: <http://www.asti.cgiar.org/benchmarking/lac#>. Acesso em: 17 out. 2016.
65
busca por novas alternativas sustentáveis alicerçadas em políticas públicas. (...)
Nessas condições a produção mundial vem crescendo, sendo Europa, Estados
Unidos e América do Sul, os principais produtores. Na Europa, Alemanha, França,
Itália e Espanha se destacam com seus programas alinhados às Diretivas da União
Europeia e como o mercado de maior potencial para países exportadores de
biodiesel. (SAMPAIO; BONACELLI, 2016, p. 1)
Essa tendência que se consolida em escala global impõe à agricultura uma
responsabilidade adicional que é a de harmonizar todas as suas grandes missões (produção de
alimentos, produção de energia, redução da pobreza, preservação ambiental, dentre outras) de
modo a continuar sendo compreendida como um dos mais importantes vetores de
sustentabilidade para a humanidade. Como decorrência imediata, o papel das inovações na
superação desse desafio ganha relevo ainda maior, impondo à pesquisa agrícola e à extensão
rural, atores do interesse desta tese, a assunção de compromissos de igual relevância.
As mudanças climáticas e os seus impactos sobre a produção agrícola se constituem
no principal desafio que a ATER e a pesquisa agrícola haverão de enfrentar, pois se colocam
como riscos importantes à segurança alimentar no longo prazo.
Estudo Coppe/UFRJ (2008) em conjunto com a Embaixada do Reino Unido,
analisando o impacto das mudanças climáticas sobre o sistema energético brasileiro, alerta
para os graves impactos na produção de energia, como também na agricultura, em especial na
região nordeste do Brasil, caso se confirmem as previsões dadas:
O sistema brasileiro de energia é vulnerável às mudanças climáticas. Os resultados
obtidos revelam uma tendência à perda de capacidade de geração de energia de todas
as fontes estudadas, salvo a cana-de-açúcar, e em todas as regiões. O impacto da
mudança do clima global será mais intenso no Nordeste. Caso se confirmem as
projeções de alterações climáticas para o Brasil no período 2071–2100, a região terá
reduções importantes na capacidade de geração de energia hidráulica, eólica e de
biodiesel. A produção de energia das usinas hidrelétricas da bacia do rio São
Francisco pode cair em até 7,7%. O potencial de energia eólica se concentraria na
costa, reduzindo-se no interior e afetando o total nacional, que pode cair em até
60%. A produção de biodiesel no Nordeste também seria prejudicada,
principalmente por causa dos impactos sobre os cultivos de soja e mamona, o que
afetaria o programa governamental de incentivo à agricultura familiar para produção
de biocombustíveis. (COPPE/UFRJ, 2008, p. 31)
Zullo Junior (2012), pesquisador do Cepagri/Unicamp também adverte para o impacto
das mudanças climáticas na agricultura brasileira, embora ressalvando a capacidade que o
setor agrícola dispõe de mitigar os efeitos das mudanças, chama a atenção da necessidade do
desenvolvimento de um trabalho de geração e de difusão de tecnologia e do risco do
despreparo de o país enfrentar o problema:
É interessante observar que, embora a agricultura e a pecuária sejam vulneráveis às
mudanças climáticas, nas avaliações feitas até agora, elas também parecem ter uma
66
capacidade de adaptação muita maior que outros setores, tais como a indústria e as
áreas urbanas. Para tanto, é preciso continuar avaliando os impactos das possíveis
mudanças climáticas na agricultura e pecuária e, também, desenvolver técnicas de
adaptação e redução de impactos ambientais. Afinal de contas, um setor tão
importante para o país e para o mundo, já que o Brasil é um grande exportador de
produtos agrícolas, não pode ficar despreparado face ao risco cada vez maior de
mudanças das condições climáticas atuais. (ZULLO JUNIOR, 2012)
Numa perspectiva distinta, Speranza et al (2010), avaliando os efeitos de longo prazo
das mudanças climáticas globais sobre a agricultura brasileira, encontraram evidências do
impacto das mudanças sobre o preço da terra, variando de acordo com o bioma e de acordo
com o tamanho do estabelecimentos, demonstrando a profundidade do impacto e a
necessidade da adoção de mais estudos que possam subsidiar adoção de políticas de
minimização dos efeitos negativos sobre a economia como um todo (SPERANZA et al,
2010).
Um dos mais recentes estudos sobre mudanças climáticas no Brasil, liderado pelo
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Brasil, 2016), adverte que:
há uma forte tendência de aumento de frequência de dias com temperaturas
superiores a 34°C nos próximos anos. Tais fatos já estão sendo verificados nas
últimas décadas. Os impactos desses eventos extremos são abortamento de flores de
café, feijão, morte em frangos, abortamentos em porcas e redução da produção de
leite. Uma das soluções para a redução dos efeitos na produção vegetal e a busca por
cultivares tolerantes as altas temperaturas e, consequentemente, ao déficit hídrico.
No caso dos animais, deve-se buscar ampliar cada vez mais os estudos sobre
ambiência animal.
Os impactos na produção vegetal, caso não se busque soluções de manejo e
adaptação, podem atingir mais de 90% de redução na produção de milho safrinha e
80% na produção de soja. Diversos caminhos de adaptação e de busca por novos
sistemas de produção estão sendo testados para reduzir os impactos estimados nos
cenários estudados. (BRASIL, 2016, p. 184)
As conclusões do estudo sinalizam de forma implícita para a necessidade de um
esforço importante, principalmente da pesquisa agrícola e da ATER, no sentido de viabilizar
as proposições técnicas prescritas, além de outras estratégias próprias ao cenário desenhado.
Considerando que os resultados dos projetos de pesquisa demandam um tempo relativamente
largo para sua validação e difusão, torna-se essencial um planejamento de médio e longo
prazo das organizações de pesquisa e de ATER, em especial, para fazer frente a este desafio,
talvez o mais importante dentre todos aqui mencionados.
Para os países em desenvolvimento, as mudanças climáticas devem afetar a todos, mas
tendem a incidir de modo mais forte sobre os segmentos mais vulneráveis. Assim, a adoção de
estratégias, em se configurando os cenários mais dramáticos, devem levar em conta duas
dimensões: a dimensão das iniciativas de proteção aos mais pobres, especialmente com
67
relação à saúde e à qualidade nutricional e, a segunda, no que tange à adoção de iniciativas
que orientem o aumento da produtividade da agricultura como um todo, e, em especial, da
agricultura familiar, que se constitui em algo ainda mais desafiador, em se tratando de um
cenário de mudanças climáticas.
No conjunto, as estratégias de intervenção sugeridas, ao promoverem investimentos no
setor agrícola, trariam, adicionalmente, pelo menos três importantes benefícios: promover
investimentos mais substantivos em P&D agrícola (dado um elemento novo na agenda da
pesquisa), minimizar os efeitos deletérios de décadas do comércio agrícola global e, por
último, imprimir uma maior consistência de política para o setor agrícola (FAO, 2011, p. 89).
Não bastassem os desafios postos à ATER e à pesquisa mencionados anteriormente
nesta seção, outros estudos adicionam novos elementos à análise das dificuldades na adoção
de inovações e na modernização da agricultura. Por exemplo, os serviços de ATER, cuja
missão seria o de apoiar as mudanças, frequentemente, reagem às mudanças de forma lenta.
Algumas vezes, essas instituições continuam a prover serviços e orientações dirigidos a
necessidades obsoletas e, portanto, alheios às novas demandas dos produtores e da sociedade,
tornando ainda mais demorado o processo de adoção (KNICKEL et al., 2008, p. 891).
Solórzano (2012), por outro lado, acredita que o mercado pode ser considerado o
principal estímulo para as mudanças na agricultura. Pondera, no entanto, que o mercado ao
impulsionar, por um lado, o desenvolvimento agrícola, por outro, face à rapidez da sua
própria dinâmica, produz dificuldades de interpretação da natureza e a dimensão das
mudanças, por parte de modelos de interpretação desses fenômenos como é o caso do
"Agricultural Knowledge Systems" (AKS) retardando a adoção das alternativas de solução
(SOLÓRZANO, 2012, p. 92).
Ou seja, tais dificuldades possuem elevado potencial de repercussão negativa no
planejamento de médio e longo prazo e no desempenho da maioria dos atores envolvidos nas
cadeias agrícolas de valor e, em especial, no ambiente dos serviços de educação, geração,
difusão e adoção de inovações.
Uma das dificuldades na capacidade de interpretação pode estar relacionada à
distribuição do impacto das inovações sobre distintos grupos de público-alvo objeto da ação.
Importante estudo conduzido por Ávila, Salles-Filho e Alonso (2010), ao avaliar o impacto do
investimento público em P&D&I agrícola no Peru, precisamente a experiência do Projeto
INCAGRO, confirma essa característica da distribuição diferenciada do impacto da inovação
e acrescenta que os benefícios trazidos pela inovação podem também ser influenciados por
"inovações complementares":
68
La efectividad de los impactos de la innovación tecnológica es directamente
proporcional a una presencia de innovaciones complementarias, como por ejemplo
de logística, de comercio, distribución, etc. Muchas veces los productores han
cambiado la base técnica de producción, pero esto no siempre resulto en impactos
económicos precisamente porque el valor creado en la producción no fue apropiado
en la realización de la producción. (AVILA et al., 2010, p. 116)
Ainda decorrente do mesmo estudo, uma segunda conclusão emerge trazendo consigo
um desafio importante que seguramente também se coloca à agricultura brasileira: "Los
productores con más experiencia, escolaridad y con propiedad de la tierra, de regiones mas
desarrolladas, son los que presentaran impactos más profundos" (AVILA et al., 2010, p.
116).
No caso brasileiro, conforme já apontado por Buainain (2007), igualmente ao peruano,
grande parte dos produtores familiares que reúne, dentre outras, essas quatro características,
encontra-se à margem do processo de modernização. Assim, impõe-se a todos os agentes dos
setores público e privado, e de modo particular, aos serviços de pesquisa agrícola e de ATER
a tarefa gigantesca de promover a sua inclusão competitiva no processo de desenvolvimento
agrícola do país (BUAINAIN, 2007, p. 97).
Em resumo, ao se interpretar as evidências objetivas, percebe-se que a agricultura
mundial atravessa importantes transformações, que trazem impactos diretos e impõem à
ATER e à pesquisa, desafios permanente e evolutivamente sofisticados.
Assim e de modo geral, a ATER será desafiada a oferecer contribuições cada vez mais
adequadas à redução da pobreza, à segurança alimentar, à produção de energia limpa,
num cenário de mudanças climáticas e de multifuncionalidade da agricultura. Para tanto,
deverá utilizar como instrumento estratégico a difusão dialógica de inovações, promotoras
da inclusão competitiva daquelas unidades produtivas que ainda se encontram à margem do
processo de modernização, contribuindo, em última instância, para o desenvolvimento
sustentável.
1.4.2. Elementos da estratégia da ATER e da pesquisa para superar os desafios
Nesse complexo e diversificado ambiente, atribui-se aos sistemas de pesquisa agrícola
e de ATER um papel de relevância crescente, não apenas por suas históricas
responsabilidades institucionais, mas, sobretudo, por se esperar deles um comportamento e
um perfil de atuação compatíveis e harmonizados com a natureza das mudanças e dos
69
desafios a serem enfrentados, sob pena de terem os seus espaços de atuação questionados e
talvez até ameaçados.
No campo interno aos sistemas de P&D agrícola e de ATER, a busca pelo crescimento
da produtividade com competitividade continuará sendo um dos principais pontos da agenda,
contudo, sob um novo enfoque estratégico.
Esse novo enfoque deverá ser orientado pela abordagem dinâmica que envolve o
processo de inovação e que demanda essencialmente articulação e cooperação entre todos os
atores (SOLÓRZANO, 2012, p. 93).35
Esta perspectiva é também compartilhada por outros
estudiosos, dentre os quais Knickel e outros (2008), que destacam a obsolescência do modelo
linear como instrumento utilizado por muito tempo para interpretar o processo de inovação, a
ser detalhado no próximo capítulo (KNICKEL et al., 2008, p. 886).
Para demonstrar o quão complexa é a tarefa de desenhar um cenário para o futuro da
agricultura basta uma consulta à literatura sobre o tema para se verificar a existência de
distintas tendências de pensamento, todavia, dentre essas, ganha destaque o tema da
sustentabilidade.
BRUNORI et al. (2008), por exemplo, analisando um melhor modelo conceitual para
os processos de inovação na agricultura e para o desenvolvimento rural, advogam que, em
virtude dos cenários desenhados para agricultura do futuro, o aumento da produtividade pode
não se configurar como o principal objetivo de política de inovação a ser contemplado na
agenda da P&D agrícola. Esse grupo acredita que tal objetivo pode ser substituído por outro
denominado “competitividade por intermédio da sustentabilidade”. Ou seja, mesmo
classificando esses objetivos como de “interesse público” ou de “interesse privado”, o grupo
entende que a busca da “competitividade por intermédio da sustentabilidade” seria um
objetivo de interesse privado, fazendo parte de um “paradigma alternativo”.36
Em certo
sentido, o grupo insere sua análise num novo momento histórico denominado de sociedade
pós-produtivismo ou pós-produtivista (BRUNORI et al., 2008, p. 885).
Subjacente ao conjunto de mudanças e de desafios que se coloca aos serviços de
pesquisa agrícola e de ATER, encontra-se uma outra revolução caracterizada pelo dinamismo
e pela capacidade de inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).
35
De modo específico, o estudo se refere à abordagem Agricultural Innovation Systems, que contribui de modo
central para o desenvolvimento da agricultura, promovendo a articulação e a interação entre diversos atores
envolvidos, destacando dentre os quais: produtores, governos municipais, estaduais e federais, instituições de
pesquisa e educacionais e o setor privado (indústria, comércio, etc.). 36
A título de complementação do raciocínio, um outro objetivo da política, “crescimento e produtividade”,
estaria classificado também como de “interesse privado", inserido, no entanto, no campo do “paradigma
existente”, uma espécie de contraponto ao paradigma alternativo, de caráter moderno.
70
O papel exercido pela rede mundial de computadores, os fóruns promovidos pelas
redes sociais, a disseminação extraordinária da telefonia móvel e outros inúmeros
instrumentos de colaboração online têm provocado mudanças substantivas no acesso, nos
benefícios produzidos pelo processo de conhecimento e na produção de novos conhecimentos.
Essas ferramentas não podem ser ignoradas por qualquer sistema que atue no campo da
inovação, como é o caso dos serviços de pesquisa e de extensão rural.
Perez, Marin e Alemán (2013) argumentam que a revolução provocada pelas TICs em
todos os setores da economia é muito mais profunda do que apenas aquela simbolizada pelo
uso de ferramentas de gestão. Os autores preveem a ampliação de transformações ainda
maiores, inclusive nas trajetórias de inovação.
La revolución de las TICs ha transformado de forma radical el espacio de
oportunidad desde la década de 1980. La globalización, las organizaciones de
redes, la subcontratación, la deslocalización, la segmentación de mercados así
como otros cambios en la estructura y estrategias de las empresas generaron un
contexto completamente distinto, al igual que un conjunto de posibilidades
diferentes. El acenso de Asia y la incorporación al sistema de mercado del entonces
denominado segundo mundo, han acelerado el ritmo de crecimiento de la demanda
de energía, alimentos y materias primas al punto de acercarse a los límites de los
recursos, generando expectativas de un alza de precios. Las amenazas del
calentamiento global y de otras limitaciones ambientales han modificado los
requerimientos tanto de los productores como de los consumidores finales, y es
posible que lleven a una reglamentación e impuestos que cambiarán aún más las
especificaciones de la demanda, e influirán en las trayectorias de innovación. Todas
estas transformaciones han tenido un profundo impacto en las posibilidades
abiertas para los productores de recursos naturales. (PEREZ; MARIN; ALEMÁN.
2013, p. 31)
No aprofundamento dos impactos das TICs, o estudo prevê oportunidades relevantes
para o setor agrícola, em especial na América Latina, por sua dotação favorável nos setores
relacionados com o uso de recursos naturais, destacando-se os produtos destinados a nichos
de mercados, muito valorizados, caso dos cultivos orgânicos, entre outros vários segmentos.
Na tentativa de uma resposta-síntese para esse profundo e diversificado conjunto de
transformações e de desafios, Knickel et al. (2008) desenvolveram um modelo conceitual
sobre a inovação na agricultura. Para os autores, o primeiro sinal a ser interpretado reside
sobre o fato de que o papel tradicional da propriedade agrícola apenas como espaço de
produção de alimentos vem sofrendo mudanças expressivas, a partir da compreensão factual
do papel multifuncional da agricultura e das áreas rurais. De acordo com o estudo, em
muitas regiões, os produtores podem ter suas rendas ampliadas, a partir de novas modalidades
de empreendimentos rurais, explorando novos produtos e serviços e novos mercados, dentre
71
outras oportunidades. Contudo, frequentemente, há um hiato entre essas novas possibilidades
e a capacidade de inovação das agências de apoio em prestarem suporte aos produtores.
Diante dessa constatação, segundo o modelo, o processo atual de inovação,
desenvolvido pelas instituições de pesquisa, de ATER e de outros apoios aos produtores rurais
deve ter seus princípios, estratégias e execução reestruturados, de modo a adaptar-se às
transformações em curso, sob pena de essas instituições se constituírem em verdadeiros
obstáculos ao desenvolvimento dos produtores rurais (KNICKEL et al., 2008, p. 883).
Portanto, parece ser inegável que todas essas transformações e desafios enfrentados
pela agricultura e que haverá de enfrentar nas próximas décadas exercerão uma repercussão
forte e direta sobre os modelos de pesquisa agrícola e de ATER. De modo especial naqueles
países em que a agricultura detém importância crítica no seu processo de desenvolvimento. E,
nestes países, não seria distante supor que a ATER e a pesquisa governamentais, na medida
em que não derem respostas adequadas aos desafios colocados, tenham seus espaços de
trabalho ameaçados por outros atores capazes de prover respostas mais ágeis e apropriadas às
expectativas da sociedade.
1.4.3. Inclusão competitiva: um desafio do tamanho do Brasil
Atualmente, o agronegócio se posiciona como um dos setores mais dinâmicos da
economia nacional, contribuindo, em números aproximados, em 2015, com 21,5% do PIB,
20% do emprego total e com 46% (US$ 89 bilhões) das exportações totais do país,
apresentando um saldo da balança comercial do agronegócio superior a US$ 75 bilhões em
2015.37
As estimativas da produção agrícola de grãos para a safra 2016/2017 indicam para
uma safra de 232 milhões de toneladas, ocupando uma área de 60,36 milhões de hectares
(Conab, 2017).38
A despeito dessa performance, a agricultura brasileira ainda conta com um expressivo
e majoritário quantitativo de estabelecimentos rurais à margem do processo de tecnificação.
Essas duas caraterísticas antagônicas suscitam uma motivação singular para o estudo do papel
de ATER e da pesquisa, no enfrentamento desse que significa o grande desafio do
37
Disponível em: http://cepea.esalq.usp. br/macro/ e http://cepea.esalq.usp. br/macro/. Acesso em: 17 out.2016 38
Para detalhes, ver Conab, disponível em: < http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos
/17_05_12_10_37_57_boletim_graos_maio_2017.pdf >. Acesso em: 02 jun. out.2017.
72
agronegócio brasileiro, que é o da inclusão competitiva desse enorme contingente de
produtores rurais.39
A expressão “inclusão competitiva” aqui utilizada tem inspiração nos estudos de
Fernandez-Stark et al. (2012), que propõem metodologia que objetiva a inclusão de pequenos
e médios produtores rurais latino-americanos em cadeias agrícolas de alto valor (globais,
nacionais ou regionais), por intermédio do aumento da competitividade. O modelo proposto
nos estudos está alicerçado em limitações comuns que esses produtores enfrentam para
competir nos mercados nacionais e internacionais: acesso a mercados; acesso à assistência
técnica; coordenação e colaboração, entre atores; e acesso a financiamentos.
Para o caso específico dos agricultores familiares brasileiros, esta tese optou por
acrescentar, às limitações apontadas nos estudos, parte do conjunto dos “condicionantes de
desempenho e da adoção de tecnologias pelos agricultores familiares”, proposto por Buainain
(2007), dada a sua relevância para o aumento da competitividade e aderência ao caso
brasileiro.
Cabe registar o uso da mesma expressão, “inclusão competitiva” por Silva e Leitão
(2009), que, conceitualmente, restringem-na à condição de “sobrevivência” dos produtos da
agricultura familiar no mercado (SILVA; LEITÃO, 2009, p. 18).
Assim, no entendimento desta tese, a “inclusão competitiva”, por envolver atributos
como produtividade, qualidade, preço, sustentabilidade, dentre outros, se constitui num
aprofundamento da condição da “inclusão produtiva”, ensejando não apenas participação,
mas, também a ampliação da participação dos produtos da agricultura familiar nos mercados.
Para compreender um pouco do início desse processo de modernização da agricultura
brasileira, Buainain et al. (2013) afirmam que as "as raízes mais promissoras da moderna
agricultura brasileira" foram fincadas na década de 1960, seguindo um modelo de inspiração
norte-americana, cujos alicerces eram constituídos por uma política de crédito rural
subsidiado, extensão rural e pesquisa agrícola públicas. Os autores atestam que o desempenho
desse modelo foi positivo, embora reconheçam que o modelo produziu, por outro lado, um
“processo discriminatório quanto às regiões, aos tipos de cultivos favorecidos e aos
beneficiários” (BUAINAIN et al., 2013, p. 108).
39
O termo “agronegócio” será aqui empregado na sua concepção mais ampla, tal a definição original cunhada
por John Davis e Ray Goldberg, em 1957: “a soma total das operações de produção e distribuição de
suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e
distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles” (Tradução nossa) (DAVIS, J. H., e
GOLDBERG, R. A, 1957). No conceito, portanto, não há nenhuma menção à agricultura empresarial ou à
agricultura familiar, estando ambas contempladas, embora constate-se que, no Brasil, popularizou-se o conceito
de “agronegócio” como contraposição ao de “agricultura familiar”.
73
O processo discriminatório a que se referem Buainain et al. (2013) é abordado por
Alves, Souza e Rocha (2013), ao analisarem dados do Censo Agropecuário de 2006, segundo
os quais, 500 mil estabelecimentos rurais, de um total de 4,4 milhões, geraram 87% da renda
bruta, cabendo a 3,9 milhões de estabelecimentos uma contribuição de 13%. Destes, 2,9
milhões participaram com 3,27% da renda bruta gerada. A conclusão dos autores é que a
tecnologia explicou a maior parte (68,1%) das desigualdades da renda bruta no Brasil e nas
regiões; a terra explicou apenas 9,6% e o trabalho explicou 22, 3% do crescimento da renda
bruta. Noutras palavras, “a tecnologia explica a dispersão da renda bruta, ou seja, as
desigualdades na ótica da renda bruta e sua concentração” (ALVES; SOUZA; ROCHA, 2013,
p. 74). Adicionalmente, os autores chamam atenção para fato da perda de hegemonia do fator
terra, o que os leva a admitir a possibilidade de fracasso dos programas de assentamentos de
agricultores, caso a geração de tecnologia não seja privilegiada, ao lado da extensão rural e
das políticas de mercado.
O estudo de Alves et al. (2013) associa-se às conclusões de Gasques et al. (2012)
que apontam o rendimento como sendo a variável que explicou a quase totalidade do
aumento da produção agrícola no Brasil, ao analisarem as contribuições entre área
explorada e rendimento. Assim, Alves et al. (2013) concluem que existe um grande desafio
para a sociedade que é o de incluir 3,9 milhões de estabelecimentos que ficaram à
margem do processo de modernização da agricultura brasileira, possibilitando-lhes, por
intermédio de políticas públicas de pesquisa e de ATER, em especial, o acesso à tecnologia
e à remoção das imperfeições do mercado40
(ALVES et al., 2013, p. 75).
De modo complementar ao estudo de Alves et al. (2013), cabe alusão ao estudo da
OCDE (2012), que analisa os níveis de proteção ao setor agrícola nos países associados, assim
como de países emergentes, entre os quais o Brasil. O estudo faz referência a dois
indicadores: (i) “Producer Support Estimate (PSE)”, para os períodos 1995-97 e 2008-10,
apresentado como um percentual da receita agrícola bruta; (ii) o segundo, “Total Support
Estimate (TSE)”, também para os mesmos períodos, 1995-97 e 2008-10, apresentado como
um percentual do PIB. No primeiro indicador, o nível de proteção ao setor agrícola do Brasil,
medido pelo PSE, para o período mais recente, 2008- 2010, só foi maior do que o índice da
África do Sul, ficando atrás da Rússia, China e Ucrânia. Para o segundo indicador, TSE, a
situação é idêntica à do primeiro havendo apenas uma alteração na ordem daqueles países que
40
Os autores sublinham uma distinção conceitual: "Distingue-se concentração da renda bruta de desigualdade da
renda bruta. Se a concentração está presente, significa que uma minoria de estabelecimentos gera porcentagem
elevada da renda bruta e a grande maioria contribui pouco para produção" (ALVES et al., 2013, p. 68).
74
estão à frente do Brasil: China, Ucrânia e Rússia, para o período 2008- 2010 (OCDE, 2012, p.
33).
O estudo da OCDE ratifica a necessidade de o Brasil aperfeiçoar suas políticas de
proteção e de apoio ao setor agrícola, sobretudo ao segmento mais excluído dessas políticas,
algo já apontado por Brandão (2013), que defende um redirecionamento dos recursos para as
áreas de treinamento, educação e extensão rural, com menos ênfase no crédito subsidiado.
Sobre o papel do crédito, o autor pondera que muitas propriedades rurais não
utilizam tecnologia, dadas as severas restrições de acesso ao uso do crédito rural. Os
bancos comerciais, em geral, devido ao elevado risco associado aos empréstimos à
agricultura, têm uma participação muito pequena na oferta de crédito, limitando assim, a
oferta de crédito correspondente aos recursos alocados pelo Tesouro Nacional. Registre-
se a prática de algumas grandes empresas fornecedoras de insumos ou empresas que
compram produtos agrícolas que ofertam crédito para os produtores; todavia, essa prática
não contempla a grande maioria dos produtores (BRANDÃO, 2013, p. 48).
Até mesmo no caso bem-sucedido da pesquisa agrícola no Brasil, cabem mais
ressalvas dignas de reflexão. Salles-Filho et al (2011) apontam que, apesar de a pesquisa e
produção agrícolas estarem muito próximas, os caminhos por onde ocorre essa aproximação
são às vezes “tortuosos e de baixa eficiência”. Segundo o mesmo estudo, essa relação precisa
ser melhorada antes que o modelo atual se esgote, devido, sobretudo, à redução de
determinados investimentos em pesquisa.
Em comparação com a agricultura dos Estados Unidos, umas das mais modernas do
mundo, estudo de Fornazier e Vieira Filho (2013), ao examinar a heterogeneidade estrutural
no setor agropecuário nos Estados Unidos e no Brasil verificou que a Produtividade Total do
Fatores (PTF) tem crescido nos dois países, em grande medida devido à adoção de tecnologias
poupadoras de mão de obra e do mais racional uso de insumos. No entanto, "o Brasil, mesmo
diminuindo a diferença, não está próximo do índice de produtividade dos Estados Unidos",
muito embora estejam presentes importantes questões particulares que marcam o processo de
modernização dos dois países (FORNAZIER; VIEIRA FILHO, 2013, p. 5).
Em resumo, o que se pode perceber de toda discussão empreendida até aqui pode ser
sintetizada com as seguintes constatações: (i) que a agricultura continuará importante para
toda a sociedade nas próximas quatro ou cinco décadas, tanto quanto o foi no passado; (ii)
que os desafios (segurança alimentar, pobreza, mudanças climáticas, produção de energia
limpa, inclusão competitiva, multifuncionalidade etc.) enfrentados e a enfrentar pela
agricultura no mundo e no Brasil são igualmente proporcionais à sua importância e possuem
75
um potencial importante de desestabilizar o processo de desenvolvimento em muitas regiões
do mundo; (iii) que o processo de inovação na agricultura é vital para o enfrentamento dos
desafios e essencial para dar concretude às transformações exigidas; (iv) que os
transbordamentos que o processo de inovação vier a irradiar deverão contemplar todos os
atores envolvidos no sistema;41
e (v) que nesse quadro de transformações, cabe às instituições
de pesquisa agrícola, de extensão rural e de educação um papel determinante para o êxito das
transformações.
Dito de outro modo: para que a agricultura possa dar à sociedade a resposta que ela
espera com a qualidade desejada e no prazo adequado, o caminho mais curto e contemporâneo
será o de incorporar à sua própria dinâmica, nela incluídos todos os atores do sistema, um
comportamento permanentemente inovativo. Esse é, portanto, o grande desafio que se
coloca especialmente para a ATER e para a pesquisa agrícola, assim como, para o interesse
analítico desta tese.
Dados os argumentos já postos e considerando os cenários e desafios discutidos, além
do estoque de conhecimento acumulado pela ATER brasileira, esta tese compreende o
significado do termo Assistência Técnica e Extensão Rural como um processo educativo
não formal, de natureza dialógica, que incorpora no seu quadro conceitual: (i) as demandas
dos produtores rurais e os desafios de uma agricultura permanentemente mais competitiva,
como ponto de partida para suas ações; (ii) a implementação compartilhada (produtores,
extensionistas, pesquisadores, educadores e outros atores relacionados) de projetos
viabilizadores de inovações técnicas, sociais e organizativas;42
e (iii) a contribuição à
melhoria de vida dos produtores, famílias e comunidades e ao desenvolvimento sustentável,
como ponto de chegada do trabalho extensionista.
41
Aqui compreendido conceitualmente como um sistema setorial de inovação, que tende a ser cada vez mais
diversificado e completo e que terá sua discussão aprofundada no capítulo seguinte (FAPESP, 2011, p. 10-13). 42
Essa categorização de inovações é citada por Freeman e Louçã (2004, p. 154), atribuindo a sua concepção à
Carlota Perez; de todo modo, tal categorização não conflita com aquela contida na 3ª edição do Manual de Oslo,
segunda a qual as inovações podem ser de quatro tipos: Inovação de Produto; Inovação de Processo; Inovação
Organizacional; e Inovação de Mercado (OECD, 2013, p. 10).
76
2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E
DESAFIOS
Embora a literatura seja farta no tratamento analítico do ambiente que cerca os
processos de geração, difusão e adoção de inovações na agricultura, o papel do conhecimento
nesse ambiente ganha relevo crescente, avançando na direção do melhor entendimento sobre
as relações que envolvem, por um lado, ciência, tecnologia e inovação e, por outro, as
estratégias de promoção do desenvolvimento agrícola sustentável.
Nesse caminho, uma contribuição importante para o entendimento mais completo de
todas as interações que permeiam esse ambiente é dada pela abordagem dos sistemas
nacionais de inovação, segundo a qual o comportamento inovativo de um país, região ou setor
não pode ser mensurado levando-se em conta tão somente o desempenho das empresas, haja
vista que o processo de inovação é resultante de articulação e influências entre distintos atores
de variadas esferas institucionais.43
Para Freeman e Soete (2008), o ambiente nacional pode facilitar, retardar ou impedir
as atividades inovativas das instituições e organizações que dele participam. Na abordagem de
sistema nacional de inovação reside a base teórica sobre a qual repousarão as análises,
discussões e inferências presentes, de modo específico, neste capítulo, e de modo geral, ao
longo da tese.
Este capítulo tem o objetivo de oferecer o substrato teórico sobre o qual se
assentarão as discussões e reflexões desta tese e está dividido em quatro seções: a
primeira trata das relações entre o modelo linear e o modelo dinâmico de inovação; a
segunda expõe os fundamentos teóricos que respaldam a abordagem do Sistema Nacional
de Inovação e sua vertente agrícola. A terceira seção destaca o papel essencial da
coordenação e da governança na dinâmica dos sistemas de inovação; a última seção
discorre sobre os elementos que condicionam a atuação da ATER no Brasil e que são
condicionados por ela, assim como sobre a necessidade de se debater a atualização de um
novo perfil extensionista, frente às transformações e desafios postos à agricultura.
43
Para uma visão completa, ver Freeman e Soete (2008), Lundwall (1992) e Nelson (1993).
77
2.1. O modelo linear e o modelo dinâmico de inovações
Com a atenção voltada para as mudanças e desafios do setor agrícola, mas também
com a atenção dirigida aos enfoques sobre a estrutura de apoio à inovação na agricultura, que
prevaleceram em passado recente, pode-se constatar que até a primeira década dos anos 1990
tais enfoques depositavam suas bases teóricas inspiradas no modelo ofertista ou linear de
tecnologia.
A visão linear é um modelo interpretativo da relação ciência, tecnologia e
inovação, surgido a partir da Segunda Guerra Mundial, que pressupõe na pesquisa
científica a origem de todo o processo de inovação. Segundo o modelo, numa etapa
seguinte, as descobertas da pesquisa científica seriam trabalhadas, aperfeiçoadas,
configuradas, ou seja, passariam por uma segunda fase, a de “desenvolvimento”. A fase
seguinte seria a de produção da inovação que, em sequência, seria levada ao mercado,
numa quarta fase, para a sua difusão e adoção (KLINE; ROSENBERG, 1986, p. 285).
Ainda para Kline e Rosenberg (1986), o modelo linear apresenta inúmeros espaços de
questionamentos, destacando-se entre eles:
grande parte das inovações tecnológicas ocorre sem a participação da pesquisa
científica, originando-se em iniciativas das empresas privadas, que desejam atender demandas
do mercado. No outro extremo, existem inovações tecnicamente perfeitas, mas que não foram
bem recebidas pelo mercado, caso do supersônico Concorde, dentre inúmeras outras,
indicando que existem outros elementos, além daqueles originados na pesquisa, definidores
do grau de adoção da inovação; em suma, para os autores, o centro do processo de inovação
não é a ciência, mas a concepção da inovação;
o caráter estático e linear do modelo desconhece o feedback como elemento
essencial ao aperfeiçoamento do processo inovativo, tendo em vista serem os inputs, por
definição, uma prerrogativa da pesquisa científica. Kline e Rosenberg (1986) argumentam que
tanto a inovação radical, quanto a incremental prosperam melhor quando alimentadas por
múltiplas fontes de insumos informais. Ou seja, no modelo linear, o potencial usuário da
inovação só teria contato com a inovação na última etapa do processo, quando da sua difusão
no mercado;
a estruturação do modelo linear pressupõe o processo de inovação como algo
plano, regular, uniforme e bem-comportado, o que contrasta com o movimento das forças
sociais envolvidas no processo, dando-lhe, assim, um caráter dinâmico e, portanto, em
constante movimento;
78
para o modelo linear, o conhecimento científico e tecnológico em “estoque” é
aquele que é gerado permanentemente, tem caráter público e pode ser apropriado livremente.
Na realidade objetiva, a apropriação desses conhecimentos, na imensa maioria dos casos,
requer expressivos dispêndios em recursos humanos e financeiros, o que, por si só, restringe
consideravelmente a sua apropriação.
Ponderam, ainda, os dois estudiosos, que o mais curioso é que, embora contendo
imensas lacunas na sua base de fundamentação, o modelo linear é largamente utilizado. Para
Thomas Kuhn, citado por Kline e Rosenberg (1986), a explicação mais razoável para esse
fenômeno reside no fato do elevado grau de complexidade dos novos modelos, o que dificulta
a plena substituição do modelo linear, de muito mais fácil entendimento (KLINE;
ROSENBERG, 1986, p. 287).
Antevendo o ciclo das grandes transformações nos modelos de interpretações teóricas,
Thomas Kuhn (2007) ensina que o processo pelo qual um novo candidato a paradigma
substitui o seu antecessor é semelhante a qualquer nova interpretação da natureza, seja ela
uma descoberta ou uma teoria, ela aparece na mente de um ou mais indivíduos, são eles os
primeiros a aprender a ver a ciência e o mundo de nova maneira.
Sua habilidade para fazer essa transição é facilitada por duas circunstâncias
estranhas à maioria dos membros da sua profissão: invariavelmente tiveram sua
atenção concentrada sobre problemas que provocam crises. Além disso, são
habitualmente tão jovens ou tão novos na área que em crise que a prática científica
os comprometeu menos profundamente que os seus contemporâneos à concepção de
mundo e às regras estabelecidas pelo velho paradigma. (KUHN, 2007, p. 185)
Todas essas evidências não fizeram o modelo linear ser afastado totalmente das
análises sobre o comportamento do processo inovativo, como bem ilustra a citação de Stokes
(2005):
Nas palavras de Nathan Rosenbeg, “todos sabem que o modelo linear de inovação
está morto”, mesmo que ele ainda sobreviva em partes da comunidade científica e de
políticas e entre o público em geral. Ele sofreu ferimentos mortais causados pela
percepção disseminada do quanto são múltiplas, complexas e desigualmente
percorridas as trajetórias entre o progresso científico e tecnológico; de quão
frequentemente a tecnologia serve de inspiração à ciência, em vez de ocorrer o
contrário; e de quantas melhorias da tecnologia nem sequer esperam pela ciência.
(STOKES, 2005, p. 133)
O surgimento de um novo modo de interpretar o progresso técnico, que supera
as lacunas do modelo linear, denominado de “evolucionário’, de inspiração
neoschumpeteriana, fundamentou Furtado e Freitas (2004) a ponderarem, conforme a
citação a seguir, sobre os dois modos de interpretar o progresso técnico. Sobre este, a
79
corrente evolucionista, representada por Nelson e Winter (1982), Dosi et al. (1988),
Freeman (1974) e Rosenberg (1979), enfatiza que as formas de relacionamento entre
pesquisa e atividade econômica são múltiplas e o processo de inovação é interativo e
multidirecional. Assim, Furtado e Freitas (2004) entendem que:
(...) a tecnologia não requer necessariamente o avanço da ciência. Muitas vezes o
avanço da ciência anda a reboque da tecnologia. O que é mais, muita inovação é
feita lançando mão de conhecimento tecnológico existente... A sequência linear
entre C,T&I é apenas umas das possibilidades de inovação. (FURTADO; FREITAS,
2004, p. 61)
Para o caso específico da agricultura, Salles-Filho (1993), assim como Possas,
Salles-Filho e Silveira (1994) chamavam a atenção para as fontes geradoras do processo
de inovação na agricultura que, por sua própria natureza, configuravam a complexidade e
o caráter dinâmico das interações presentes, difíceis de serem capturadas por modelos de
traço linear. Para tornar mais precisas as ideias dos autores, cabe mencionar as fontes
sobre as quais eles estavam se referindo: fontes privadas de organização empresarial
industrial; fontes institucionais públicas (universidades, instituições de pesquisa agrícola,
nacionais ou locais de pesquisa, órgãos de transferência de tecnologia ou de assistência
técnica e extensão rural); fontes privadas relacionadas às agroindústrias verticalizadas ou
às integrações e semi-integrações agroindustriais; fontes privadas, mas de organizações
coletivas sem fins lucrativos (cooperativas e associações de produtores agrícolas e/ou
agroindustriais); fontes privadas relacionadas à oferta de serviços técnicos especializados;
a unidade agrícola de produção (SALLES-FILHO, 1993; POSSAS; SALLES-FILHO;
SILVEIRA, 1994).
Indo na mesma direção, a partir da metade da primeira década dos anos 2000,
surgem estudos importantes, apontando para uma nova perspectiva analítica, agora à luz
da abordagem de Sistemas de Inovação, também de matriz neoschumpeteriana, na busca
da melhor compreensão das relações que se desenvolvem no ambiente da inovação na
agricultura. Entre esses estudos estão os de Spielman (2005; 2006), que manifestava suas
convicções teóricas sobre o modelo linear e a abordagem evolucionária afirmando que a
abordagem sobre o Sistema de Inovação era um divisor de águas entre a abordagem
linear convencional e a interpretação dinâmica da pesquisa e do desenvolvimento, por
proporcionar um modelo teórico que explora as complexas relações entre agentes
heterogêneos e entre instituições econômicas e sociais. Além disso, para ele, a nova
80
abordagem determina, endogenamente, as oportunidades tecnológicas e institucionais
(SPIELMAN, 2005).44
Três anos mais tarde da publicação desse artigo, Spielman & Birner (2008) reafirmam
a necessidade de modelos analíticos mais atuais para se compreender melhor a natureza das
transformações na agricultura (WORLD BANK, 2006), constatando o crescente
reconhecimento que a inovação agrícola é muito mais complexa e menos linear do que se
acreditava anteriormente. Desse fato, segundo eles, decorria a necessidade de se redefinir os
mecanismos conceituais e analíticos usados para identificar como as políticas e os
investimentos podem melhor promover o comportamento e as práticas inovativas no setor
agrícola, contribuindo, portanto, com a redução da pobreza e com a melhoria sustentável das
condições de vida da população rural pobre (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 1).45
Na raiz de todo esse desenvolvimento teórico está a criação do conceito de
Sistema Nacional de Inovação (SNI), que foi desenvolvido simultaneamente nos Estados
Unidos e em diferentes partes da Europa, nos anos 1980. Atribui-se à colaboração entre
Christopher Freeman e o grupo IKE da Universidade de Aalborg, no início dos anos
1980, como decisiva na formulação das primeiras versões do conceito: Freeman em 1982
e Lundvall em 1985 (LUNDVALL, 2005).
2.2. O sistema nacional de inovação e a agricultura: uma abordagem conceitual
Ainda segundo Lundvall (2005), as ideias fundadoras do conceito surgem com C.
Freeman a partir do seu profundo conhecimento do processo de inovação e visão histórica,
percebendo, por um lado, a ligação entre o papel do Estado e os processos de catching up, e
por outro, inspirando-se também nas ideias de estudiosos franceses sobre "sistemas nacionais
de produção" e de "complexos agroindustriais", nos quais a interação vertical se mostrava
crucial para o desempenho e concepção do processo (LUNDVALL, 2005, p. 3).
Com base nesses pressupostos que deram forma ao conceito dos Sistemas Nacionais
de Inovação pode-se refletir sobre os vínculos conceituais presentes na formulação de C.
Freeman e nas referências anteriores aqui elaboradas, que tratavam as fontes de inovação da
44
"The innovation systems literature represents a significant change from the conventional, linear approach to
research and development by providing an analytical framework that explores complex relationships among
heterogeneous agents, social and economic institutions, and endogenously determined technological and
institutional opportunities" (SPIELMAN, 2005, p. ii). 45
Disponível em:<http://siteresources.worldbank.org/INTARD/Resources/InnovationIndicatorsWeb.pdf>.
81
agricultura, o que demonstra um encadeamento importante entre a lógica do SNI e a temática
agrícola.
O conceito de Sistema Nacional de Inovação ganhou, inicialmente, divulgação
ampla por intermédio da obra de Freeman (1987) e Freeman e Lundvall (1988), sendo
seguidas por importantes estudos posteriormente. Para Lundvall (1992), “um sistema de
inovação é constituído por elementos e relações que interagem na produção, difusão e no
uso de novos conhecimentos, economicamente úteis” (LUNDVALL, 1992, p. 2). Ainda
para o mesmo autor, o conceito de Sistema Nacional de Inovação pressupõe a existência
de um Estado-nação, que apresenta duas dimensões: uma nacional-cultural e outra
político-estatal. O Estado-nação, abstrato, é o local onde essas duas dimensões
coincidem, isto é, o local onde todos os indivíduos, pertencentes a uma nação, são
definidos como tal por apresentarem identidades cultural, étnica e linguística, estão
reunidos em um único espaço geográfico e controlados por uma autoridade estatal central
(LUNDVALL, 1992)
Para Nelson (1993), o Sistema Nacional de Inovação é representado por um conjunto
de instituições cujas interações influenciam o comportamento da inovação das empresas
nacionais. O mesmo autor afirma não partir da pressuposição de que o “sistema” foi
conscientemente planejado ou mesmo que o conjunto das instituições envolvidas trabalha
junto, harmônica e coerentemente.46
Do mesmo modo, a amplitude do conceito de
“inovação,” adotado pelo autor, conduz a um significado que vai além da ação de atores
apenas realizando pesquisa e desenvolvimento.47
Por último, Nelson (1993) relativiza o termo
“nacional”, também de grande amplitude, ao ponderar que os sistemas de apoio à inovação
localizam-se em vários campos do conhecimento, que, às vezes, se sobrepõem. Além desse
fato, constata-se, atualmente, a atuação crescentemente transnacional de muitas empresas, o
que deixa a dúvida sobre o real sentido do termo “nacional”. Para os governos nacionais, o
termo faz todo o sentido, todavia, presunção e realidade podem não estar no mesmo
alinhamento (NELSON, 1993).48
Na mesma direção e como a mesma base teórica, Albuquerque (1996) ressalta que um
sistema nacional de inovação é
46
O autor faz referência aos conceitos restrito e amplo. O restrito define inovação como a introdução de um
produto ou processo substancialmente novo no mercado. O conceito amplo, adotado pelo autor, como sendo a
introdução de algo que é novo para a firma (NELSON, 2006, p. 433). 47
A amplitude do conceito de inovação cria espaço para uma outra discussão sobre o que está incluído no
sistema de inovação e o que está fora dele (NELSON, p. 5, 1993). 48
A esse respeito ver também Nelson, 2006, p. 458.
82
uma construção institucional, produto de uma ação planejada e consciente ou um
somatório de um conjunto de ações não planejadas e desarticuladas que
impulsionam o progresso tecnológico em economias capitalistas complexas.
(ALBUQUERQUE, 1996, p. 57)
Ele argumenta que os arranjos institucionais que conformam os Sistemas Nacionais de
Inovação (SNI), envolvem firmas, redes de interação entre empresas, órgãos governamentais,
universidades, institutos de pesquisa, laboratórios de empresas, atividades de cientistas e
engenheiros. Ainda de acordo com ele, são “...arranjos institucionais que se articulam com o
sistema educacional, com o setor industrial e empresarial e também com as instituições
financeiras, completando o circuito dos agentes que são responsáveis pela geração,
implementação e difusão das inovações” (ALBUQUERQUE 1996, p. 57).
A propósito, no entendimento de Nelson (2006), a íntima relação entre a ciência e a
tecnologia, ocorrida há mais de um século, levou ao surgimento dos laboratórios de pesquisa
industrial como o principal local da inovação tecnológica, inicialmente na indústria química,
depois na elétrica, em seguida nas demais (NELSON, 2006, p. 432).
No caso da agricultura, estão dedicados ao progresso tecnológico, além dos
laboratórios, as fazendas experimentais, públicas ou privadas. Semelhante ao modo
industrial, na agricultura, participam desse esforço inovativo cientistas, engenheiros,
técnicos das ciências agrárias, econômicas, sociais, biológicas, dentre outras. Embora
todos os atores sejam importantes, Nelson (2006) chama atenção para dois deles que
exercem influência marcante no processo inovativo: as estruturas científicas e técnicas,
onde se localizam as universidades e os governos e suas políticas (NELSON, 2006).49
Acrescenta Lundvall (1992) que o conceito de Sistemas Nacionais de Inovação pode
ser útil quando ele inspira políticas públicas nos níveis nacional e internacional, indicando,
assim, o que o governo pode fazer na direção de promover a inovação (LUNDVALL, 1992).
Nessa mesma linha de raciocínio, Nelson (2006) afirma que a performance
inovadora não pode ser claramente separada da performance econômica e da
competitividade, em suas expressões mais abrangentes. Por essa razão, o exame das
políticas governamentais voltadas à inovação não pode abstrair a abordagem às políticas
monetárias e de comércio exterior, por exemplo (NELSON, 2006).
Assim, a perspectiva dos sistemas consegue, por exemplo, explicar melhor muitas das
novas mudanças ocorridas na realidade inovativa da agricultura de muitos países em
49
Importantes tanto na formação dos quadros técnicos que vão operar as inovações, quanto na execução de
pesquisas tecnológicas, embora haja diferenciação do caso agrícola para o industrial (NELSON, 2006, p. 434).
83
desenvolvimento, outrora “explicadas” pelos modelos / sistemas de conhecimento agrícola
ou de apoio à inovação na agricultura, como aqueles denominados de National Agricultural
Research Systems (NARS) e Agricultural Knowledge Innovation Systems (AKIS).50
Nessas
abordagens, o foco principal da análise era dirigido para o papel da educação, da pesquisa
agrícola, da extensão rural na oferta de novos conhecimentos e tecnologias para o produtor
(SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 1).
Os dois modelos, NARS e AKIS, compõem um conjunto de sistemas conceituais
dedicados a caracterizar e orientar a trajetória dos sistemas de conhecimento agrícola, como
também de guiar os investimentos no sentido do fortalecimento do desenvolvimento agrícola
em países ou regiões (WORLD BANK, 2006).
De acordo com a OCDE (2012a), o conjunto completo é composto por: Agricultural
Khowledge System (AKS), National Agricultural Research Systems (NARS), Agricultural
Khowledge and Information System (AKIS), Agricultural Innovation System (AIS) e o
National Agricultural Innovation System (NAIS) (OCDE, 2012a, p. 95).
Cada um desses sistemas ou modelos possui uma orientação diferente, podendo
concentrar-se na geração e transferência de tecnologia ou na disseminação do conhecimento e
da tecnologia, ou em inovação institucional e inovação tecnológica (WORLD BANK, 2006).
Agricultural Khowledge Systems (AKS)
Para a OCDE (2012a), o AKS é representado por um conjunto de atores, tais como
pesquisadores, assessores e educadores, que trabalham principalmente em institutos de
conhecimento agrícola. A ênfase está nesses atores e na capacidade de produção de
conhecimento formal dos sistemas nacionais de pesquisa agrícola. Este conhecimento é
então transferido para o setor agrícola por meio de serviços de extensão agrícola e educação".
O surgimento do sistema AKS ocorreu na década de 1960 como resultado de novas políticas
agrícolas que tinham dois objetivos específicos: primeiro, o AKS seria o responsável por
coordenar a inovação através da transferência de conhecimento. Em segundo lugar, trabalhar
com os ministérios da agricultura na tentativa de implementar uma estrutura de serviços
públicos de pesquisa, ensino e extensão rural a nível nacional. O objetivo principal foi o de
acelerar a modernização agrícola, especialmente nos países do terceiro mundo (OCDE, 2012a,
p. 96).
50
Também denominados de Modelos de Conhecimento Agrícola (World Bank, 2006) ou de Modelos de Apoio à
Pesquisa Agrícola (OCDE, 2012a)
84
National Agricultural Research Systems (NARS)
O modelo “NARS”, desenvolvido na década de 1970, apoia-se na economia
neoclássica, destacando as falhas de mercado para justificar a performance da pesquisa a
agrícola nos países em desenvolvimento. Esse sistema é representado por um conjunto de
organizações, cujo principal objetivo é promover pesquisa e desenvolvimento agrícola dentro
de um país; a sua base teórica deriva do modelo linear e têm sido utilizados por mais 40 anos.
A ideia geral consiste no desenvolvimento de pesquisas agrícolas, cujos resultados são
difundidos, objetivando a sua adoção e o consequente aumento da produtividade. O modelo
NARS atribui ênfase no desenvolvimento do sistema de pesquisa e geralmente tem sido
ineficiente nas etapas de transferência de tecnologia (difusão) e adoção de tecnologia (OCDE,
2012a).
Para Spielman e Birner (2008), muito embora inúmeros estudos demonstrem
empiricamente as altas taxas de retorno geradas pela pesquisa agrícola nos países em
desenvolvimento, os benefícios privados foram frequentemente limitados pela precária
estrutura de mercado e pelo pequeno poder de compra de produtores rurais, requerendo
invariavelmente investimentos públicos no sentido de suprir o crônico desabastecimento
verificado nessas regiões. Assim, o modelo “NARS” enfatizava a otimização dos
investimentos públicos em organizações de pesquisa agrícola e, mais tarde, em universidades
públicas e nos serviços de extensão rural, como forma de desenvolver e difundir tecnologias
para promover a transformação agrícola e o desenvolvimento.
Agricultural Knowledge Innovation Systems (AKIS)
Sistema originalmente denominado de Agricultural Knowledge and Information
Systems foi introduzido na década de 1970 pela OCDE e FAO, conceituado como:
a set of agricultural organizations and persons and the links and the interactions
between them engaged in the generation, transformation, transmission, storage,
retrieval, integration, diffusion and utilization of knowledge and information, with
the purpose of working synergistically to support decision making, problem solving
and innovation in agriculture. (OCDE, 2012a, p. 96)51
51
Conjunto de organizações agrícolas e/ou de pessoas e as articulações e interações entre eles, envolvidos em
cada processo, tais como a geração, transformação, transmissão, armazenamento, recuperação, integração,
difusão e utilização do conhecimento e da informação, com o propósito de promover um trabalho sinérgico que
possa apoiar a tomada de decisão, a resolução de problema e inovação na agricultura (OCDE, 2012a, p. 96,
tradução nossa).
85
Posteriormente sua denominação foi alterada de "sistemas de informação" para referir-
se aos "sistemas de inovação", principalmente para considerar “a influência e a complexidade
dos sistemas de inovação e de conhecimento nos espaços rurais". Este conceito amplia a
noção de Sistemas de Conhecimento Agrícola, considerando que inclui atores que estão fora
dos ambientes do ensino e da pesquisa agrícola. Além disso, o AKIS passa a se relacionar
fortemente com o conceito de inovação com ênfase na transferência e criação de
conhecimento através da inovação.
Ainda para Spielman e Birner (2008), o modelo “AKIS”, apesar da definição
ampla, foi principalmente aplicado num sentido mais restrito, pois preconizava o estudo
da mudança tecnológica, a partir da disseminação e difusão do conhecimento e da
informação, com destaque específico para os fluxos de informação e conhecimento
entre pesquisadores, agentes de extensão rural, educadores e produtores rurais, que
eram o coração do triângulo do conhecimento".52
Agricultural Innovation Systems (AIS)
No final dos anos 1990, e alicerçada na perspectiva evolucionária, surge a abordagem
denominada Agricultural Innovation System (AIS), cuja proposta, segundo Spielman e
Birner (2008), é a de interpretar a dinâmica do setor agrícola sob o olhar da abordagem
evolucionária.
Para o World Bank (2006), o conceito de Sistema Nacional de Inovação Agrícola
valoriza as capacidades e processos enfatizados nos marcos conceituais do NARS e AKIS,
incluindo os canais que proporcionam aos agricultores o acesso, com recursos adequados, à
informação atualizada e às organizações de pesquisa científica e de capacitação. Este conceito
de sistema de inovação identifica a interação de um amplo conjunto de atores e disciplinas ou
setores envolvidos no processo de inovação, particularmente o setor privado em suas mais
diferentes formas ao longo da cadeia de valor.
No mesmo estudo, o World Bank admite que a abordagem do sistema de inovação
reconhece que a criação de um ambiente facilitador que apoie a utilização do conhecimento
é tão importante quanto disponibilizar esse conhecimento por intermédio dos mecanismos
de pesquisa e difusão. Ademais, a inclusão de processos de adaptação criativa e de
52
World Bank (2006) esquematicamente caracteriza o AKIS como se fora o "triângulo do conhecimento", onde
em cada ângulo estariam a pesquisa agrícola, a extensão rural e a educação e, no centro, o produtor rural. Na
versão original: “Farmers are at the heart of this knowledge triangle” (WORLD BANK, 2006, p. 5).
86
financiamento à inovação, por exemplo, significa que a ampliação do conjunto de atores e
organizações participantes possibilita, em primeiro lugar, a inserção de elementos mais
qualificados na promoção da inovação. Em segundo lugar, significa incluir um conjunto
ampliado de atores e contextos, o que permite também adequar o potencial inovativo do
sistema às permanentes mudanças presentes nos mercados e nos ambientes da tecnologia,
assim como, às condições sociais e políticas vivenciadas pela agricultura.
O mesmo texto esclarece que a abordagem de sistemas de inovação, largamente
aplicada e comprovadamente útil para análise do setor industrial, é extremamente fiel e
positiva ao proporcionar uma visão holística que fortalece a capacidade do setor para criar,
difundir e utilizar o conhecimento. Todavia, para o World Bank (2006), a abordagem dos
sistemas de inovação carece de uma aplicação prática no setor agrícola, haja vista a
dificuldade de se diagnosticar as interações e as dimensões institucionais da capacidade de
inovação face à inadequação dos dados estatísticos disponíveis (WORLD BANK, 2006, p.
26).
Nesse âmbito, pode-se afirmar que a abordagem Agricultural Innovation Systems
(AIS) significa um avanço e uma crítica à visão linear de interpretação do processo de
inovação, segundo a qual a inovação configura-se como uma sequência natural da ação da
pesquisa, do desenvolvimento e da difusão, para uma visão que reconhece a inovação como
uma complexa rede de relações entre indivíduos e organizações, notadamente aquelas de
cunho privado e de ação coletiva, todas contribuindo de alguma forma para a adoção do
novo conhecimento ou da nova informação ou daqueles já existentes. Para Spielman e
Birner (2008), essa perspectiva introduz novas questões, como:
a capacidade de indivíduos e das organizações para aprender, mudar e inovar; a
natureza interativa e o processo interativo de aprendizagem entre os agentes da
inovação; e os tipos de intervenções que fortalecem tanto capacidades quanto
processos. (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 2)
Segundo Larsen, Kim e Theus (2009), a abordagem AIS inova ao incorporar no seu
quadro analítico os principais agentes do sistema, como as universidades, as empresas e outras
organizações que podem acessar o crescente estoque de conhecimento global, além de
assimilar e adaptar o conhecimento às necessidades locais e gerar novas tecnologias e novos
produtos.53
Os mesmos autores acrescentam que o AIS, ao se fundamentar no substrato
53
Spielman e Birner (2008) denominam a abordagem Agricultural Innovation System (AIS), ao introduzir
elementos essenciais do sistema nacional de inovação, de National Agricultural Innovation System (NAIS)
(SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 6).
87
teórico mais geral da perspectiva dos Sistemas de Inovação, reconhece que muitos tipos de
inovação (tecnológica, organizacional, de processo, produto ou de mercado) podem ocorrer
em qualquer tempo em diferentes lugares, no interior do sistema mais geral. Eles também
chamam atenção para uma característica importante contida no AIS, que é o papel
desempenhado pela integração de instituições fortes e dos atores presentes no sistema.
A integração se constitui em elemento essencial na promoção do processo
inovativo na agricultura, mas requer um apoio coordenado para a pesquisa agrícola,
extensão rural e o setor educacional, estimulando-os na formação de parcerias e
vínculos facilitadores da inovação, ao longo e além das cadeias agrícolas de valor e na
criação de um ambiente propício para o desenvolvimento agrícola. Ou seja, para os
autores, a abordagem AIS é capaz de capturar as transformações que vêm ocorrendo na
agricultura, quanto à crescente complexidade dos mercados agrícolas, quanto ao
fortalecimento da redes de conhecimento, quanto à presença de vantagens competitivas
cada vez mais associadas às capacidades de aplicação de conhecimento, transformações
que criam uma “nova agricultura” que demanda instituições mais bem qualificadas,
coordenação e aperfeiçoamento da integração entre os principais atores do sistema de
inovação.54
Nessa perspectiva, a abordagem Agricultural Innovation Systems (AIS)
dirige sua atenção para a totalidade e para o conjunto dos atores e fatores necessários à
inovação, assumindo, assim, que a inovação deriva de um processo interativo e
dinâmico que crescentemente acredita na ação coletiva e nas múltiplas fontes de
conhecimento em suas diversas escalas. Os mesmos autores argumentam que o AIS está
construído sob a premissa de que as interações dentro de um setor são mais inclusivas,
devido ao fato de viabilizarem recursos coletivos de atores distintos, que incluem o
setor privado, a sociedade civil, e as representações de produtores rurais (LARSEN;
KIM; THEUS, 2009 p. 6).
Em resumo, o conceito AIS foi desenvolvido para melhorar a compreensão de
como sistemas de conhecimento agrícola podem fazer melhor uso dos novos
conhecimentos e mudanças econômicas. A abordagem AIS também envolve
intervenções alternativas que vão além de investimentos em pesquisa, reconhecendo
diferentes atores, disciplinas e setores envolvidos na inovação, especialmente o setor
privado. A premissa que justifica essa estratégia está alicerçada no fato de que
promover inovações na agricultura requer um apoio coordenado da pesquisa agrícola,
54
Para detalhes sobre “nova agricultura” ver WORLD BANK, 2006, p. 8.
88
extensão rural e educação, de modo a viabilizar parcerias para a inovação, criando,
assim, um ambiente favorável para o desenvolvimento agrícola (OCDE, 2012a).
National Agricultural Innovation Systems (NAIS)
No contexto de um país, o NAIS é definido como um conjunto de atores
(organizações agrícolas; ofertantes de insumos; empresas de processamento de
produtos e comercialização; instituições de pesquisa, de educação, de crédito, de
extensão rural e de informação; empresas privadas de consultoria, agências
internacionais de desenvolvimento e de governos) que contribui para o
desenvolvimento, difusão e uso de novas tecnologias agrícolas e inovações
institucionais que influenciam, direta e/ou indiretamente, o processo de conhecimento
da agricultura, aprendizagem e mudança em nível nacional. Nessa abordagem, como
indicado anteriormente, a inovação é utilizada e gerida a nível nacional. Essa
abordagem compreende um conjunto mais amplo de relações em que os atores
econômicos gerem e utilizam o conhecimento. Esses atores são também promotores da
interação entre a pesquisa e as atividades econômicas conexas, assim como
viabilizadores da criação de um ambiente propício que incentive a interação e que ajude
a dar ao conhecimento um uso social e economicamente produtivo. Ao final, as relações
entre atores e setores devem promover as capacidades de inovação daquele país
(OECD,2012a).
O Quadro 2, a seguir, sistematiza as principais características dos cinco
sistemas/abordagens mencionados na discussão anterior, destacando as principais
diferenciações entre cada um deles, tendo como referências as contribuições do World Bank
(2006) e aperfeiçoamentos da OCDE (2012a), para os casos do AKS e NAIS.
Da análise do Quadro 2 é possível destacar que alguns modelos como NARS, AKS e
AKIS, caracterizados por terem como base teórica o modelo linear, portanto superados
quando comparados ao AIS e NAIS, que adotam a perspectiva evolucionária; mesmo assim,
aqueles modelos de base linear ainda são praticados em muitos países ou regiões.
Outra característica marcante nos cinco modelos é a aquela relacionada ao "grau de
integração dos mercados": nos modelos NARS, AKS e AKIS, o processo de inovação não
contempla ou contempla em baixa intensidade a integração com os mercados. Diferentemente
dos sistemas AIS e NAIS que introduzem no seu corpo teórico "alto grau de integração com
89
os mercados", algo coerente com a perspectiva evolucionária, na medida em que o mercado se
constitui em referência relevante como orientador do processo de inovação (OCDE, 2012a).
Um dado importante é trazido pelo modelo NARS no que refere aos “resultados”
esperados, ao qualificá-los como “invenção tecnológica e transferência de tecnologia”. Nesse
caso, torna-se adequado recorrer ao World Bank (2006) para compreender que a invenção
culmina com a criação da oferta de conhecimento. Já a inovação envolve os fatores que
afetam a demanda e o uso de conhecimento em formas novas e úteis. A noção de novidade é
fundamental para a invenção, mas a noção de processo de criação de mudança local, algo
novo para o usuário, é fundamental para a inovação. Esta, de modo específico, significa o
processo através do qual as organizações dominam e implementam a concepção e a produção
de bens e serviços que são novos para elas, independentemente de o serem para seus
concorrentes, seu país e para o mundo (WORLD BANK, 2006, p. 15).
90
Quadro 2 – Características do National Agricultural Research Systems (NARS),
Agricultural Knowledge Systems (AKS), Agricultural Knowledge and Information Systems
(AKIS), Agricultural Innovation Systems (AIS) e National Agricultural Innovation
Systems (NAIS)
Fonte: elaboração própria a partir de World Bank (2006) e OECD (2012a).
CARACTERÍSTICAS
DO MODELO NARS AKS AKIS AIS NAIS
Objetivo
Planejar a
capacidade da
pesquisa agrícola, do
desenvolvimento da
tecnologia e da transferência da
tecnologia
Acelerar a
modernização
agrícola, principalmente
nos países do 3º
mundo, via transferência de
tecnologia.
Fortalecer a oferta
dos serviços de
comunicação e de conhecimento para a
população rural
Fortalecer a capacidade de
inovação ao longo
dos sistemas de produção agrícola e
dos mercados
agrícolas
Contribuir para o desenvolvimento,
difusão e uso de
novas tecnologias agrícolas e
institucionais, no
nível nacional.
Atores
Organizações
nacionais de
pesquisa agrícola,
instituições de
ensino agrícola (universidades ou
faculdades),
serviços de extensão rural e
produtores rurais
Pesquisadores,
consultores e
educadores de instituições de
educação
agrícola, sob a coordenação do
Ministério da
Agricultura
Organizações nacionais de
pesquisa agrícola,
instituições de
ensino agrícola
(universidades ou
faculdades), serviços de extensão
rural, produtores
rurais, Organizações Não
Governamentais e
empresas atuantes nas áreas rurais
Todos os atores
potenciais dos
setores públicos e
privados, envolvidos
com a criação,
difusão, adaptação e uso de todos os tipos
de conhecimento
relevante para a produção agrícola e
para o mercado
Atores econômicos
que produzem e usam
conhecimento.
Resultados
Invenção
tecnológica e
transferência de tecnologia
Tecnologia incorporada em
produtos
Adoção e inovação de tecnologia na
produção agrícola
Combinação de
inovações técnicas e institucionais,
inseridas na
produção, no mercado, na política
de pesquisa e no
contexto empresarial
Diferentes tipos de
inovação.
Princípio Organizador
do sistema
Uso da ciência para
criar novas tecnologias
Difusão de conhecimento e
novas
habilidades
Acesso ao
conhecimento agrícola
Descoberta de novos
usos do
conhecimento para a mudança social e
econômica
Utilização e gestão
da inovação em âmbito nacional.
Mecanismo de
inovação
Transferência de tecnologia
Transferência de conhecimento
através da Extensão e
Educação
Agrícolas
Aprendizado interativo
Aprendizado interativo
Aprendizado interativo
Grau da integração dos
mercados Nulo Baixo Baixo Alto Alto
O Papel da Política
Pública
Na alocação de
recursos e
estabelecimento de prioridades
Na difusão de
conhecimento
para o aumento da produtividade
Na criação de
ambiente facilitador
Na integração de setores e ambiente
facilitador
Na aceleração da cooperação entre
atores e na criação
de um modelo favorável à
inovação
Recursos financeiros
viabilizadores das
prioridades
Infraestrutura
científica e de recursos humanos
Infraestrutura científica e de
recursos
humanos
Meios de
comunicação
Plataformas de
interação
Plataformas de
interação baseadas no conhecimento
Natureza estratégica da
atuação do sistema
Fortalecimento e
desenvolvimento de
recursos humanos e de infraestrutura
Fortalecimento do processo
educacional dos
produtores na adoção novas
habilidades
Fortalecimento da
comunicação entre
os atores do setor rural
Fortalecimento das
interações entre
atores; desenvolvimento
institucional e apoio
à interação, ao aprendizado e à
inovação; e criação
de ambiente favorável.
Fortalecimento das
interações entre todos os atores
econômicos no
plano nacional
91
No Brasil, dentre os modelos mencionados, a ATER parece ainda atuar essencialmente
nos modelos de característica linear, herança trazida desde a sua implantação no país por volta
da década de 1950.
Outra constatação, à luz dos modelos mencionados, é a de que a interpretação
oferecida pelos modelos mais modernos como AIS ou NAIS demonstra os desafios com os
quais se defronta a parte expressiva da agricultura familiar brasileira, devido
fundamentalmente às dificuldades infraestruturais, de integração e articulação entre os
principais atores do sistema, fato que, provavelmente, deve contribuir para o enorme gap
tecnológico presente em quase 4 milhões de estabelecimentos rurais.
No caso da agricultura empresarial, essa dificuldade parece superada, considerando-se
a agilidade do setor privado em criar ambientes favoráveis à inovação, relativamente
independentes do setor público, a exemplo da assistência técnica e pesquisa agrícola,
comprovação percebida pelo elevado grau de competitividade alcançado pela agricultura
empresarial brasileira, representada por aproximadamente 500 mil estabelecimentos rurais.55
De acordo com Spielman e Birner (2008), no âmbito nacional, os elementos
essenciais constituidores do Sistema Nacional de Inovação Agrícola (National Agricultural
Innovation Systems), descritos na Figura 1, a seguir, possibilitam uma visão ampliada da
concepção e do fluxo operacional do sistema, permitindo ainda uma incursão importante no
seu conteúdo conceitual.
55
Como exemplo, pode-se recorrer a Furtado, Scandiffio e Cortez (2011), que, ao estudarem o sistema de
inovação da cana-de-açúcar para o Brasil, concluíram que a constituição de um sistema setorial de inovação teve
papel central no sucesso da política de etanol para o país. O estudo também revela a importância do sistema na
mobilização e articulação institucional para o enfrentamento dos principais desafios tecnológicos econômicos,
sociais, no momento em que o etanol se transformou numa oportunidade real frente aos combustíveis fósseis e
no momento em que o estado de São Paulo perdia a liderança da produção de cana para a região nordeste do
país. Outra constatação importante no uso desse referencial teórico, em outro estudo dos mesmos autores, foi a
de que, mesmo com a crise do modelo do setor, instalada a partir da extinção, em 1990, do Instituto do Açúcar e
do Álcool (IAA), não se verificou a desarticulação do sistema. Pelo contrário, o sistema respondeu prontamente
com o aumento da participação do setor privado, especialmente quanto ao financiamento e à execução da P&D e
quanto ao aumento da interatividade no sistema de inovação (FURTADO; SCANDIFFIO; CORTEZ, 2011, p.
165; 2008, p. 20).
92
Figura 1 – Diagrama conceitual do Sistema Nacional de Inovação Agrícola
(National Agricultural Innovation System)
Fonte: Spielman e Birner (2008)
Incursão que pode ser iniciada afirmando-se que esses elementos essenciais
abrangem três domínios centrais: (i) o domínio do conhecimento e da educação; (ii) o
domínio dos negócios e das empresas; e (iii) o domínio das “Instituições-ponte”,
responsáveis pelas articulações entre os dois primeiros domínios.
O primeiro domínio, “do conhecimento e da educação”, representado no lado esquerdo
do diagrama, é constituído pela pesquisa agrícola e pelo sistema educacional formal. O
domínio “dos negócios e das empresas”, do lado direito do diagrama, compreende o conjunto
de atores presentes nas cadeias produtivas (ou cadeias de valor) e organizações afins, assim
como as atividades que utilizam tanto os produtos oriundos do domínio do “conhecimento e
da educação”, como aqueles oriundos de ações inovativas independentes.56
56
Cadeias de Valor, aqui também denominadas de Cadeias Produtivas, podem ser definidas como: “Conjunto de
atividades interligadas, geradoras de valor, conduzidas por uma empresa ou grupo de empresas para desenvolver,
produzir e oferecer e manter um produto ou serviço. A partir da perspectiva das ‘cadeias de valor’, o desafio
fundamental é ligar a oferta à demanda do modo mais efetivo, assim como o compartilhamento de informações
no sentido de estabelecer possíveis vínculos entre produtores e consumidores” (World Bank, 2006, p. 21).
93
Entre esses dois domínios estão as chamadas “Instituições-ponte”, representadas pelos
canais políticos, pelo conjunto de “stakeholders”, pelos serviços de extensão rural (vinculados
aos setores público ou privado ou de outra natureza), assim como pelas organizações/instituições
próprias para promover a integração entre as cadeias de valor; enfim, as “Instituições-ponte”
seriam aquelas responsáveis por facilitar e operar os fluxos de conhecimento e informações entre
os domínios.
O sistema contempla ainda referências ao conjunto de condições que facilitam ou
inibem as inovações, tais como as políticas públicas de inovação para a agricultura; as
instituições informais que estabelecem as regras, normas e atributos culturais da sociedade; e
os comportamentos, práticas e atitudes que condicionam as formas pelas quais os indivíduos e
as organizações, dentro de cada domínio, agem e interagem.
O sistema também pressupõe a presença dos produtores rurais, tanto sob a forma de
consumidores e produtores de conhecimento e de informação, sob a forma de consumidores
de produtos e serviços agrícolas, quanto sob a forma elementos de ligação entre as instituições
e como atores das cadeias de valor.
Nas “fronteiras” do sistema, parte inferior do diagrama, estão importantes elementos
que exercem influência direta sobre a sua dinâmica, descritos como: “as articulações com
outros setores da economia”, a exemplo dos bens manufaturados e dos serviços; “as
articulações com a política de ciência e tecnologia”; os atores internacionais, dentre os quais
as fontes de conhecimento e os mercados; e o "sistema político", todos produzindo
repercussões em todo o sistema a todo tempo.
Em síntese, o Sistema Nacional de Inovação Agrícola pode ser definido como uma
rede de organizações, empresas e indivíduos determinados em promover novos produtos,
novos processos e novas formas de organização de uso econômico da agricultura, atuando em
conjunto com instituições e políticas que influenciam o comportamento e o desempenho do
sistema.
Salles-Filho et al. (2011), por sua vez, restringem e aprofundam um pouco mais o
"corte" setorial agrícola, dirigindo seus esforços analíticos para a caracterização e análise do
sistema paulista de ciência, tecnologia e inovação agrícola (SPInA), em sua evolução recente,
os seus principais atores e relações. O estudo introduz uma reflexão sobre o agronegócio
paulista e brasileiro, amplia as análises para o ambiente internacional, discute o conjunto dos
principais insumos do SPInA, destacando os dispêndios públicos e privados, assim como a
formação de recursos humanos para a CT&I. Nesse mergulho, o estudo avança na discussão
sobre os resultados e impactos do sistema à luz da produção científica e tecnológica, e sobre a
94
formação de competências gerada pelo SPInA. As perspectivas futuras do sistema são
analisadas ao final do estudo.
No caso específico desta tese, o interesse recairá sobre o contexto nacional do
ambiente organizacional e institucional, privilegiando os arranjos dedicados à extensão rural
em especial e à pesquisa agrícola de modo complementar.
Assim, o propósito é o de incorporar as contribuições do modelo apresentado por
Spielman e Birner (2008), bem como, do modelo SPInA, no sentido de sistematizar e refletir
sobre os principais elementos que configuram o Sistema Nacional de Inovação Agrícola no
Brasil.
A partir dessas contribuições, acredita-se que, por um lado, as análises e discussões
que serão desenvolvidas não se afastarão da referência do ambiente integral e, por outro,
aprofundar-se-ão no domínio da assistência técnica e extensão rural brasileira (ATER), foco
central das atenções deste estudo. Entende-se, também, que este domínio deve ser partilhado
em alguns momentos pelas análises da pesquisa agrícola, tendo em vista a
intercomplementariedade de atuação desses dois atores no processo de inovação agrícola.
2.3. Coordenação e governança
Do ponto de vista conceitual e operacional, a coordenação do sistema, dada a sua
relevância para a funcionalidade do próprio sistema, merece um comentário especial. Para o
World Bank (2012), a capacidade de coordenação e de integração entre os diversos atores são
fundamentais para que a utilização prática da abordagem do Sistema Nacional de Inovação
Agrícola possa produzir aperfeiçoamentos nos processos de concepção, execução e avaliação
de políticas agrícolas em todo o setor agrícola. A negligência desses dois elementos no
comportamento dos diversos atores atuantes no Sistema tem trazido prejuízos à ação coletiva
essencial ao alcance dos resultados pretendidos (WORLD BANK, 2012, p. 15).
O mesmo estudo acredita que as dificuldades de integração e de coordenação têm as
mesmas causas que inviabilizam as ações de natureza coletiva, como: o comportamento
oportunista; a falta de confiança, de incentivos e de capacidade; e as dificuldades no
cumprimento e no estabelecimento de regras. No caso dos países em desenvolvimento, as
dificuldades de integração e de coordenação nos seus sistemas de inovação têm sido
alimentadas pela fragmentação dos mercados, pelos diferentes regimes tecnológicos, pela
95
ausência de uma cultura colaboracionista, por incentivos inadequados, pelos frágeis canais de
comunicação e pelas insuficientes capacidades de inovação (WORLD BANK, 2012, p. 15).57
Na visão da OCDE (2012a), a governança do Sistema Nacional de Inovação Agrícola
(SNIA) pode ser melhorada, tanto com uma melhor integração na estratégia da política
nacional de inovação, quanto com uma maior coordenação entre os vários atores do SNIA e
as políticas afins. Para tanto, torna-se particularmente importante definir claramente os papéis
dos setores público e privado, assim como as áreas de interesse mútuo e de cooperação
possível.
Esse aspecto reforça a ideia de que outro aspecto fundamental, também abordado pela
OCDE (2012a), para melhorar o desempenho do SNIA é a necessidade de se buscar
coerência das políticas ao nível nacional. Em particular, os objetivos devem ser definidos
claramente para aperfeiçoar, por exemplo, o design de produtos nacionais, a política
comercial e o marco regulatório, elementos que podem impactar a inovação agrícola. Um
outro ponto diz respeito à cooperação internacional, que também pode contribuir
significativamente para melhorar a relação custo-benefício do SNIA, com o compartilhamento
de recursos e de resultados e ainda permitindo alguma especialização. Além disso, os esforços
coordenados são cada vez mais necessários para enfrentar os desafios globais e questões
relativas aos países fronteiriços.
Em estudo recente, Bonacelli, Fuck e Castro (2015) concluem que o Sistema de
Inovação Agrícola (SIA) do Brasil, embora relacionado a um dos segmentos mais
exitosos da economia brasileira, apresenta fragilidades, destacando entre elas a baixa
capacidade de diálogo entre setores e atores:
A evolução do SIA Brasil evidencia ainda uma baixa capacidade de organização
sistêmica entre seus principais atores: de um lado, o ensino e a pesquisa nas
universidades; de outro, os institutos de pesquisa, com pouca conexão entre si e com
os demais atores. (BONACELLI; FUCK; CASTRO, 2015, p. 105).
Em que pesem essas questões, a OCDE (2013) considera que os Sistemas Nacionais
de Inovação Agrícola (SNIA) são fundamentais para melhorar o desempenho econômico,
ambiental e social do setor agrícola. A prova disso é que nas duas últimas décadas, muitos
países estão trabalhando em reformas para melhorar a eficiência econômica e a capacidade de
57
A definição utilizada no estudo para “Innovation capabilities” significa a presença de habilidades para
construir, integrar e articular os recursos internos e externos e para lidar com problemas ou aproveitar
oportunidades (WORLD BANK, 2012, p. 16).
96
resposta às necessidades sociais dos seus Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola (OCDE,
2013, p. 5).
Nesse sentido, o foco das reformas tem se voltado para reforçar a coordenação e a
governança, desenvolver interações dentro do sistema e com outros campos da inovação,
melhorar a cooperação entre países e fortalecer os mecanismos de difusão da inovação
(OCDE, 2013, p. 7).
Ainda para OCDE (2013), os SNIA se deparam com muitos desafios: restrições
orçamentárias, conflitos de informação sobre as prioridades da pesquisa agrícola, duração
longa de tempo entre pesquisa, adoção e resultados. Mas, por outro lado, esses mesmos
Sistemas apresentam também muitas oportunidades: mercados de commodities fortalecidos,
incremento dos investimentos em agricultura e uma reorientação internacional dirigida para a
necessidade de se combater a insegurança alimentar global de forma sustentável.
Para o mesmo estudo, os SNIA também podem se beneficiar de outras circunstâncias
existentes em muitos países, como é o caso da presença predominante de políticas agrícolas.
Estas são particularmente importantes para o processo de inovação agrícola, na medida em
que podem promover a remoção das distorções nos mercados de produtos e insumos, assim
como estimular medidas que facilitem o investimento, incluindo a proteção dos direitos de
propriedade, ou ainda removendo ou simplificando regulações onde possível.
Adicionalmente, as políticas agrícolas nacionais podem também acelerar o processo de
inovação na agricultura atuando na melhoria da infraestrutura rural, de comercialização e na
prestação de serviços no meio rural. O mesmo estudo da OCDE destaca ainda que, como a
maioria das inovações é criada fora das unidades produtivas, atenção especial deve ser dada à
educação e à extensão agrícola, considerando o papel que desempenham na viabilização da
adoção oportuna de inovação por parte dos agricultores (OCDE, 2013, p. 5).
2.4. Condicionantes da ação da ater e o ônus pela proximidade ao produtor rural
No interior do SNIA, de acordo com Spielman e Birner (2008), a ATER é considerada
uma "instituição-ponte”, por se constituir numa das instituições responsáveis pela articulação
com o conjunto de outros atores, representantes do núcleo "pesquisa agrícola e sistema
educacional", de um lado, e com os "atores das cadeias de valor e organizações afins", do
outro).
97
Convém deixar ainda mais explícito que o instrumento que materializa essas
articulações é a inovação, que é considerada por Buainain et al. (2008) "o vetor do
desenvolvimento presente e futuro em todas as suas dimensões" e o objetivo dessa articulação
é a promoção do aumento da competitividade daquele empreendimento (BUAINAIN et al.,
2008, p. 58).58
Assim, é possível perceber que a ação da ATER não se completa com a
simples difusão da inovação, é necessário que a inovação seja incorporada ao sistema de
produção e produza os resultados esperados.
Um dado relevante a enfatizar é que, dentre todos os atores, a ATER é aquele que está,
pela natureza do seu próprio trabalho, mais próximo ao produtor. Assim, a ATER é um ator
privilegiado por atuar com a inovação junto ao produtor, e demais atores relacionados,
podendo identificar quase que imediatamente o sucesso ou fracasso da adoção de uma
inovação. Esse fracasso pode ocorrer principalmente de duas formas: (i) a não adoção da
inovação; (ii) ou mesmo adotada, a inovação não produzir os efeitos esperados, como por
exemplo, melhoria da renda, ou das condições de vida, ou ainda das condições ambientais.59
No caso brasileiro, acredita-se que decorrente dessa circunstância, a proximidade da
ATER ao produtor e o seu papel na difusão da inovação e de articulação com os demais
atores, é recorrentemente atribuída à ATER governamental a responsabilidade pelo eventual
insucesso do processo inovativo.60
Uma das inúmeras evidências dessa afirmação está no
estudo de Alves et al., 2012) ao concluir que:
1. Constatou-se grande concentração do valor da produção, ou seja, um número
pequeno de estabelecimentos produziu a maior parte do valor da produção e a
grande maioria deles contribuiu com muito pouco;
2. A área do estabelecimento tem pequeno poder de explicar a concentração. Nesta
explicação, a maior responsabilidade é da tecnologia.
Sendo assim, existe no Brasil um problema grave de difusão de tecnologia, qual seja
criar condições para que os que produziram pouco se modernizem também, e eles
são milhões. (ALVES et al., 2012, p. 20; grifo nosso)
58
Competitividade agrícola no mesmo sentido utilizado por Fuck e Bonacelli (2009, p. 9). 59
Como exemplo recente, tem-se o caso da incidência de praga nas lavouras da região oeste da Bahia, provocada
pela lagarta "Helicoverpa armigera", causando prejuízos relevantes à economia agrícola do estado. A principal
estratégia adotada pelos produtores da região foi a adoção das variedades (DP 1228 e a DP 1231) de algodão,
resistentes à lagarta, já na safra 2013/2014. As variedades resistentes adotadas, detentoras da tecnologia Bt2,
apesar de mostrarem-se realmente resistentes à praga, demonstraram redução do rendimento de fibra do algodão
de 40% para 36%, situação que também trouxe prejuízos aos produtores. Isso motivou questionamento dos
produtores junto à empresa detentora das variedades, ensejando uma negociação para reparação dos danos aos
produtores. Esse fato revela que a adoção de uma inovação, mesmo eficiente num sentido, pode produzir efeitos
indesejáveis, às vezes capazes de reduzir ou até anular os benefícios de adoção daquela inovação, trazendo
possíveis consequências negativas para o trabalho da assistência técnica, uma das responsáveis pela difusão das
variedades. Disponível em:<http://www.seagri.ba.gov.br/noticias/ 2014/10/09/monsanto-ter%C3%A1-que-
indenizar-produtor-de-algod%C3%A3o-da-bahia>. Acesso em: 16 nov.2014. 60
A respeito da responsabilidade da ATER na modernização das propriedades agrícolas no Brasil, ver Alves e
Pastore (2013).
98
Observando-se de forma integrada, tal qual enseja a abordagem do SNIA, nessa
possibilidade do insucesso do processo inovativo é possível visualizar um conjunto de
variáveis que pode determinar o fracasso do processo de adoção. De forma ampla, essas
variáveis ou condicionantes podem acelerar, retardar ou até impedir o processo de
modernização da agricultura e podem estar associadas aos distintos atores, inclusive
associadas à própria ATER.
Dito de outra forma: algumas dessas variáveis/condicionantes podem ser inerentes à
própria inovação (acesso, adequação, Direitos de Propriedade Intelectual, etc.); ou inerentes
ao perfil do produtor rural (escolaridade, aversão ao risco, etc.); ou às condições de
infraestrutura da propriedade agrícola (qualidade de solos, disponibilidade de energia, oferta
hídrica, estradas, armazenamento, etc.); ou ainda às condições dos outros instrumentos de
política (acesso e adequação do crédito rural, da política de preços, da política de seguro, da
política de acesso à terra, etc.); ou às condições da posse da terra (arrendatário, posseiro,
assentado da reforma agrária, etc.); ou às condições dos regulamentos legais (licenciamento
ambiental, código florestal, defesa sanitária animal e vegetal, tributação, etc.), ou às condições
de mercado (acesso, concorrência, oferta de insumos, estruturas de intermediação, preços,
etc.); e, por último, inerentes às condições do próprio serviço de assistência técnica e
extensão rural (acesso, qualidade, disponibilidade, etc.).
Um outro aspecto a ser considerado é que o conjunto dessas variáveis/condicionantes
mencionado acima que atua favorecendo, retardando ou até impedindo o progresso técnico da
propriedade rural tem um impacto diferenciado a depender do perfil do produtor. Este último
aspecto foi qualificado por Mendes, Buainain e Fasiaben (2015) como heterogeneidade
produtiva, de infraestrutura e socioeconômica. Nesse propósito, é esclarecedora a discussão
trazida pelos três estudiosos ao elencar entre os principais condicionantes do processo de
adoção de inovações na agricultura brasileira, exógenos à Embrapa:
(...) a fragilidade da extensão rural e da assistência técnica; a criação da Agência
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) e o risco de confusão de
papéis de pesquisa e extensão; a existência de dois Ministérios (da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário) que atuam no espaço
rural; a heterogeneidade produtiva, de infraestrutura e socioeconômica dos
agricultores; a elevada taxa de analfabetismo no meio rural; a dicotomia entre
agricultura familiar e agricultura empresarial como sendo um falso dilema; e a
hierarquia de comando nas cadeias produtivas agrícolas, que interfere na decisão da
tecnologia a ser adotada. (MENDES; BUAINAIN; FASIABEN, 2015, p. 167)
99
Ou seja, dentre os demais condicionantes, pode-se destacar que quanto mais acentuada
for a heterogeneidade produtiva, infraestrutural e socioeconômica do produtor, maior será o
impacto sobre o processo de modernização daquela propriedade ou daquela comunidade.
Para o caso dos produtores com grau de heterogeneidade mais próximo à pobreza, o
desafio de promover a adoção de tecnologias de responsabilidade do serviço de extensão
rural, um dos poucos instrumentos de política ao qual essa categoria de produtor ainda tem
acesso, pode ser considerado uma tarefa das mais complexas. Esse fato concorre para que a
ATER torne-se um dos atores mais questionados sobre a sua responsabilidade na ausência de
modernização das propriedades rurais, sobretudo no Brasil. Aqui, o curioso é que, de acordo
com o Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, cerca de 78% dos estabelecimentos
rurais brasileiros não receberam nenhum tipo de orientação técnica naquele ano. Nesse caso, a
quem deve ser atribuída a responsabilidade pelo atraso tecnológico?
Em síntese, pode-se perceber que embora o modelo do SNIA apresente a ATER como
um ator de atuação semelhante a todos os demais, em algumas situações particulares, como no
caso do Brasil, a ATER possui características específicas, relacionadas principalmente à
natureza do seu trabalho, o que implica numa maior proximidade ao produtor rural,
característica que a torna um ator com alguma diferenciação em relação aos demais.
De fato, essa proximidade da ATER junto ao produtor traz consigo um grau de
responsabilidade importante, do qual a ATER não pode se eximir, especialmente quando se
constitui num verdadeiro primeiro "filtro" daquelas inovações que a ATER julga inadequadas
e que, às vezes, nem são difundidas a um determinado produtor.
Mesmo assim, detentora dessa responsabilidade, por exercer, dentre outras, a condição
de maior proximidade, natural do papel de assessoramento ao produtor rural, a ATER não
pode, contudo, responsabilizar-se unicamente pelo atraso tecnológico do conjunto das
propriedades por ela assistido, quiçá, talvez, apenas naqueles casos onde o "filtro" possa ter
falhado. Ou seja, embora uma constatação óbvia, por tratar-se de um sistema constituído por
vários atores, torna-se aqui justificável face à recorrência da crítica que individualiza a
responsabilidade na ATER.
Das discussões empreendidas neste capítulo, é possível destacar alguns elementos que
se constituem em referências teóricas para a compreensão da complexidade do processo
inovativo na agricultura, no sentido mais amplo, assim como sobre o papel da ATER nesse
mesmo processo.
O primeiro desses elementos diz respeito à escolha do referencial teórico apoiado na
abordagem dos Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola (SNIA), concebida como a
100
referência mais adequada para abranger e qualificar um conjunto de múltiplas relações que se
verifica no interior do ambiente inovativo, envolvendo outro conjunto diversificado de atores,
seja do setor governamental ou não, e que produz repercussões nas esferas econômica, social,
científica, ambiental e político-institucional.
Um outro elemento de destaque é aquele relacionado com a importância das instâncias
de coordenação e de governança elementos essenciais à fluidez dos sistemas nacionais de
inovação agrícola. Nesse caso, torna-se particularmente crítica a necessidade de uma melhor
integração na estratégia da política nacional de inovação com as demais políticas a nível
nacional, em especial as políticas agrícolas, o que leva a necessidade de clareza de papéis e
funções de cada ator envolvido.
Novamente, ao se olhar para o caso brasileiro, no qual a agricultura é responsabilidade
de dois ministérios, torna-se nítido identificar o potencial de ampliação das dificuldades de
coordenação e governança, fato que por certo se refletirá nas dinâmicas dos SNIA.61
O último elemento a se destacar está relacionado com o papel da ATER no SNIA. A
partir da trajetória dos sistemas de "conhecimento agrícola" nos quais o papel da ATER ganha
importância gradativamente, desde o papel de difusão simples, até um protagonismo maior na
construção social da inovação. Essa evolução teórica, entretanto, não eximiu a ATER, por
força da natureza do seu próprio trabalho de se constituir no ator mais próximo ao produtor
rural, atribuindo-lhe uma responsabilidade a mais no plano operacional do processo de
inovação.
Em escala global, segundo o World Bank (2012), esse fato é acrescido por um
conjunto variado de problemas vivenciados histórica e constantemente pela ATER
governamental, tais como: insuficiência de financiamento, tecnologias inadequadas, precária
qualificação das equipes técnicas, frágil integração com a pesquisa agrícola e limitada
participação dos produtores. É inegável que este conjunto de problemas exerce repercussão
direta e negativa na credibilidade da ATER, sendo mais aguda quanto maiores forem a sua
proximidade ao produtor rural e a sua responsabilidade funcional no SNIA.
61
Os dois ministérios eram o da Agricultura (MAPA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A
partir da reforma administrativa de 2016, com o novo governo, as funções do MDA foram transferidas para a
Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), agora vinculada a outro
ministério, Ministério da Casa Civil da Presidência da República.
101
3. O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA E O PAPEL DA ATER E
PESQUISA AGRÍCOLA EM PAÍSES SELECIONADOS
O objetivo deste capítulo é o de proporcionar uma caraterização ampla e evolutiva dos
principais serviços de extensão rural e, complementarmente, da pesquisa agrícola, em países
selecionados, de forma articulada com o ambiente agrícola que os circunda.
O interesse central dessa caracterização é que sejam identificados elementos analíticos
que possibilitem o estabelecimento de referências conceituais e funcionais, que possam
permitir uma adequada compreensão entre o perfil institucional, organizacional e operacional
desses serviços, em comparação com os seus congêneres no Brasil.
O capítulo é desenvolvido a partir da discussão sobre as razões que nortearam a
seleção dos países e pela análise do ambiente agrícola nos quais se inserem os serviços de
pesquisa agrícola e extensão rural, com ênfase especial para a relação desses serviços com os
respectivos Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola.
Em seguida, descreve-se a evolução dos serviços de extensão rural e de pesquisa
agrícola nos países selecionados, com o intuito de se identificar elementos de diferenciação
analítica na trajetória de cada um deles, que possam explicar ou conformar traços de
sustentabilidade institucional nessas trajetórias.
As referências mais importantes aqui obtidas para cada país e apresentadas sob a
forma de “elementos de síntese” são, ao final, destacadas e ordenadas na "Síntese dos
Elementos", devendo constituir-se em insumos indicativos que contribuam para o debate de
um novo perfil da ATER e do extensionista brasileiros.
3.1. Premissas da escolha, os países selecionados e uma caracterização geral
Considerando a impossibilidade de o estudo contemplar o exame dos principais
serviços de extensão rural e de pesquisa agrícola existentes num grande número de países, em
face também da existência de fortes assimetrias entre eles, o que produziria um volume
considerável de informações, números e análises, entre outros, optou-se por trabalhar com
uma amostra de cinco países, incluindo-se o Brasil (tema do Capítulo 5).
Para tanto, referenciou-se a escolha à aderência de cada país a um conjunto de
premissas que refletisse a importância da agricultura para o desenvolvimento de cada um
102
deles, assim como de elementos constituidores de um sistema de apoio à inovação agrícola,
com destaque para o serviço de ATER.
A primeira das premissas considerada na seleção da amostra dos países está ligada à
presença de um setor agrícola com importância econômica e/ou estratégica, caracterizado
como um vetor relevante para o processo de desenvolvimento daquele país. A segunda
premissa considerou o grau de integração da agricultura na economia, expresso pela presença
de cadeias de valor, denotando encadeamentos da produção agrícola com o setor
agroindustrial, demonstração de uma certa maturidade e robustez da economia agrícola. A
terceira premissa privilegiou a ocorrência de serviços de pesquisa agrícola e de assistência
técnica e extensão rural com algum grau de tradição e maturidade. Uma quarta premissa
identificou como relevante a presença de elementos relacionados diretamente ao perfil do
setor agrícola de cada país que guardassem alguma articulação com a concepção teórica dos
Sistemas Nacionais de Inovação, aspecto essencial para os objetivos deste estudo. A quinta
premissa entendeu adequado considerar importante a presença do segmento caracterizado
como agricultura de base familiar, articulado ou não com segmentos de agricultura
empresarial, na realidade agrícola do país selecionado. A sexta e última premissa, a rigor, uma
recomendação, sugeriu que a localização espacial dos países, observadas as recomendações
anteriores, fosse a mais diversificada possível, buscando-se, assim, capturar eventuais
elementos positivos oriundos das distintas realidades socioambientais e econômicas.
Desse modo, seguindo as orientações estabelecidas no conjunto das premissas
discutidas anteriormente e compatibilizadas com os propósitos deste estudo, os países
selecionados foram Argentina, Estados Unidos, França e África do Sul.
Uma breve caracterização geral dos países selecionados demonstra que os Estados
Unidos se colocam como o país de maior superfície total e também de maior área colhida com
cereais em 2013, sendo seguidos, em ambas as situações, por Brasil, Argentina, África do Sul
e França. Cabe destacar que a área colhida com cereais nos Estados Unidos em 2013 foi
superior em mais de 14 milhões de hectares à soma das áreas colhidas dos demais países.
Quanto à população, os Estados Unidos também despontam como o país mais
populoso dentre aqueles selecionados, com mais de 316 milhões de habitantes, ficando a
Argentina em último lugar com mais de 41 milhões de pessoas (Tabela 1). O importante dessa
informação é notar que os Estados Unidos, embora possuam a maior população dos países
aqui selecionados, é também o país que possui, proporcionalmente, a menor participação da
PEA-Agrícola na PEA Total (FAO, 2013).
103
Tabela 1- Superfície, População, Área total colhida com cereais, proporção da área total
colhida com cereais na superfície total do país e IDH dos países selecionados
MACRO INDICADORES ARGENTINA BRASIL FRANÇA ÁFRICA DO
SUL
ESTADOS
UNIDOS
Superfície do país em 1000 ha. (1) 278.040 851.577 54.909,1 121.909 983.151
População em 1000 hab. (2) 41.446,2 200.361,9 65.939,8 53.157,4 316.128,8
Taxa alfabetização adultos /Pop.
Total (3) 97,91 91,33 - 93,72 -
Área total colhida c/ cereais em
1000 ha. (4) 10.962 20.906,1 9.544,1 3.992,8 59.472,6
Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) (5) 0,808 0,744 0,884 0,658 0,914
Fontes: (1)(2) World Bank (2013); (3) World Bank (2012); (4) FAOSTAT. 2013; e (5) Pnud /ONU- 2013 (Disponível
em:<http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2013.aspx.FAOSTAT).
Outra informação relevante, para os propósitos desta tese, trazida pela Tabela 1 diz
respeito à taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais, indicador no qual o Brasil
aparece, em 2012, como o país de menor taxa dentre os países selecionados. Admitindo-se
que essa situação é ainda mais grave no meio rural, tem-se, assim, a presença de um elemento
condicionante importante da adoção de inovações na especialmente na agricultura brasileira.62
Uma tentativa da aferição da qualidade de vida nos países selecionados é mensurada
pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), índice que demonstra o posicionamento
líder dos Estados Unidos, seguidos pela França, Argentina, Brasil e África do Sul (Tabela 1).
Visto por outro ângulo, é curioso notar que os três últimos países na escala do IDH,
Argentina, Brasil e África do Sul, são exatamente aqueles nos quais a agricultura tem o maior
peso da economia, ao se analisar a relação PIB agrícola / PIB total (Tabela 2).
Quanto à relevância da economia agrícola, os quatro países selecionados, acrescidos
ao Brasil, possuem um peso expressivo no cenário da agricultura global, representando, em
2013, aproximadamente 20% do PIB agrícola mundial (Tabela 2).
62
Segundo dados do Censo 2010, a taxa de analfabetismo alcançou 28% nos municípios com até 50 mil
habitantes na região do Nordeste brasileiro. (Disponível em:< http://www.censo2010.ibge.gov.br/pt/noticias-
censo?view=noticia&id=3&idnoticia=2019&busca=1&t=indicadoressociais-municipais-2010-incidencia-
pobreza-maior-municipios-porte-medio>.Acesso em: 31 maio 2015.
104
Tabela 2 - PIB Total, PIB Agrícola e participação do PIB Agrícola no PIB Total no
mundo e nos países selecionados (em US$ correntes)
PAÍSES
PIB Total
(US$ bilhão)
2013
PIB-A (¹) / PIB Total
(%)
(2010-2013) (²)
PIB-A
(US$ bilhão)
2013
Argentina 609,89 7,5 45,74
Brasil 2.245,67 5,4 121,27
França 2.806,43 1,8 50,52
África do Sul 366,06 2,5 9,15
E. Unidos 16.768,10 1,3 217,99
MUNDO 75.621,86 3,1 2.344,28
(¹) PIB -A = PIB Agrícola;
(²) Para os E. Unidos e Mundo, considerou-se média do período:2010-2012
Fonte: World Bank e estimativas do autor.
Embora constate-se que a participação do PIB agrícola no PIB total dos países
selecionados apresente contribuição bem inferior, relativamente aos seus respectivos
setores industrial e de serviços, além de comportamento levemente decrescente no
período de 2000 a 2013 (Gráfico 1), a FAO (2013) estima que um terço da população do
mundo obtenha sua sobrevivência da atividade agrícola.63
Gráfico 1 - Participação (%) do PIB Agrícola no PIB Total dos países selecionados, 2000
a 2013
Fonte: World Bank (2015).
63
Utilizando-se o conceito de "Agronegócio", cunhado por Davis e Goldberg (1957) e Goldberg (1968), o PIB
do agronegócio do Brasil, por exemplo, participou com 22% do PIB total, em 2013, valor bem superior aos 5,4%
da Tabela 2. Dados sobre o agronegócio brasileiro, disponíveis em: <http://cepea.esalq.usp. br/pib>. Acesso em:
31 mai. 2015.
105
Ainda no plano interno aos países selecionados, na média 2010-2013, a
Argentina é o país cuja contribuição da agricultura na formação do PIB tem sido bem
superior à dos demais, sendo quase 40% superior à contribuição do Brasil, que é o
segundo colocado. Os Estados Unidos, embora tenham apresentado no período 2010-
2013 a menor contribuição relativa média, é aquele em que a estimativa do valor
absoluto do PIB agrícola foi a mais destacada para 2013, representando quase que a
soma do PIB agrícola dos demais países selecionados.
Ademais, não se pode deixar de considerar que esses números do PIB agrícola e
PIB total possuem uma relação direta com o grau de desenvolvimento dos setores
industrial e de serviços do país. Em certo sentido, os Estados Unidos e a França, países
tradicionalmente mais desenvolvidos, possuem economias mais modernas e
diversificadas, nas quais o setor agrícola, contabilizado apenas como o setor primário, é
um dos grandes indutores da dinâmica econômica, produzindo ligações e articulações a
montante e a jusante com os demais setores, dando a falsa impressão de ser um setor de
pequena dimensão e gerador de poucos empregos.
Um outro movimento importante constatado ao se observar a caracterização
geral da agricultura dos países selecionados é o crescimento da participação relativa
feminina na PEA agrícola na Argentina, no Brasil e nos Estados Unidos.64
Saliente-se
que, embora a França e a África do Sul não apresentem as mesmas tendências de
crescimento dos outros três países, a participação feminina desses dois países na PEA
agrícola é a mais expressiva entre todos os selecionados ao longo das mesmas três
últimas décadas. Tendências dessa natureza devem, seguramente, fazer parte das novas
estratégias dos serviços de extensão e de pesquisa, outrora marcadas pela presença
masculina majoritária.
Nesse quadro geral e introdutório, é possível perceber em países como Brasil,
Argentina e África do Sul, a presença marcante de uma agricultura de dupla face: uma
avançada, competitiva e uma outra, pouco tecnificada e de base familiar, constituída por um
contingente expressivo de pessoas e de estabelecimentos agropecuários, cujo atendimento da
demanda por serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural de qualidade, dentre outros,
parece urgente e estratégico.
64
Fonte: FAO-El estado mundial de la agricultura y la alimentación 2010-11.
106
3.2. Pesquisa agrícola e extensão rural nos países selecionados: evolução e configuração
recente
A partir da caracterização de natureza introdutória elaborada na seção anterior,
acredita-se melhor sedimentado o terreno para a discussão que é feita nesta seção sobre a
evolução e a configuração recente dos serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural, em
cada um dos países selecionados.
3.2.1 África do Sul
A opção analítica pelos serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural da África do
Sul foi fundamentada em argumentos contextuais mais recentes, respeitado o conjunto de
premissas. O primeiro argumento é oriundo da United Nations Commission for África ao
afirmar que a África é o continente no qual a maioria dos países tem na agricultura o seu
principal vetor de crescimento, 70% das pessoas vivem em áreas rurais e 90% da população
rural tem na agricultura a sua principal fonte de renda (LARSEN; KIM; THEUS, 2009, p. 3).
Mais recentemente, o Africa Progress Panel no seu Relatório de Progresso de 2015, alerta
que:
“Grande parte da agricultura africana está bloqueada num círculo vicioso de produtividade
baixa, pobreza e degradação ambiental. Entre 2000 e 2010, perderam-se cerca de 2 milhões de
hectares de floresta por ano” (AFRICA PROGRESS PANEL, 2015, p. 22; tradução nossa).65
Em contrapartida, a FAO apontava para uma transformação importante nesse cenário:
a África subsaariana pode estar revertendo esta situação, haja vista os resultados positivos da
produção de alimentos, aliados a outras mudanças que ocorrem no continente, como a redução
do número de conflitos armados, a melhoria da capacidade de instituições regionais e sub-
regionais e os avanços realizados em prol do desenvolvimento do ambiente de negócios,
eventos que criam uma atmosfera otimista para a agricultura africana (FAO, 2010, p. 2).
Uma demonstração dessa nova realidade foi a adoção, em 2003, pelos governos
africanos do Comprehensive Africa Agriculture Development Program (CAADP), uma
iniciativa africana sob o patrocínio da New Partnership for African Development
65
“Land use should be a focal point for strategies aimed at unlocking these benefits. Much of African
agriculture is locked in a vicious circle of low productivity, poverty and environmental degradation. Around 2
million hectares of forest were lost annually between 2000 and 2010” (AFRICA PROGRESS PANEL, 2015, p.
21).
107
(NEPAD), que objetiva a eliminação da fome e a redução da pobreza, por meio do
crescimento sustentável da agricultura. O programa é fundamentado em quatro pilares,
sendo um deles o trabalho intensivo em pesquisa agrícola e extensão e estabelece
como meta o crescimento da produção agrícola em 6% anuais, nos próximos 20 anos. O
programa também prevê o compromisso de os governos investirem um mínimo de 10%
na agricultura dos seus orçamentos anuais. Deve-se registrar que o Programa tem
apresentado alguns problemas na sua implementação, como a falta de envolvimento do
setor privado, mas, por outro lado, tem revelado o apoio de alguns governos em
investimentos superiores ao que preconiza o programa (UNITED NATIONS, 2013, p.
106).66
Dentre os países que mais têm-se destacado nesse ambiente de transformação do setor
agrícola africano está a África do Sul, cuja ênfase ao papel da ciência, tecnologia e inovação
tem impulsionado o país a alcançar novos padrões de desenvolvimento agrícola, priorizando a
competitividade e a sustentabilidade, conforme atesta o seu Plano estratégico 2011/2012 a
2014/2015 (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2011).
O segundo e mais importante argumento que justifica a opção pela África do Sul está
relacionado ao fato de o país apresentar uma agricultura com características muito próximas
às da agricultura brasileira, com a presença de uma agricultura empresarial e outra de base
familiar, tal como se observa no Brasil.67
Ainda numa visão macro, a África do Sul possui a maior economia e a maior
superfície dos países do continente africano, todavia, possui, também elevado grau de
desigualdade, em ambos os aspectos. Segundo Lariff (2007), nenhum país africano sofreu
maior expropriação de terras, inicialmente indígenas, do que a África do Sul. A ação de
colonizadores holandeses e britânicos foi iniciada cedo, 1650, e durou por muito tempo, cerca
de 300 anos.68
66
Embora louvável a iniciativa, o World Bank (2016) emitiu recentemente o seguinte alerta: “O crescimento da
produtividade agrícola na África está aquém do registado noutras regiões. Enquanto os aumentos da produção
noutras regiões do mundo foram impulsionados pelo melhor uso dos fatores de produção e por melhorias em
tecnologias de produção, na África eles resultaram sobretudo da expansão da área de cultivo” (World Bank,
2016). Disponível em:< http://www.worldbank.org/pt/news/press-release/2016/09/29/africas-economic-growth-
continues-to-falter-yet-some-countries-show-signs-of-resilience>. Acesso em 29 abr.2017. 67
Aqui não se ignora a possibilidade da existência de “subtipos” dentro dessas categorias, conforme esclarecem,
por exemplo, Barril e Almada (2007, p. 1), aprofundamento que será tratado mais adiante. 68
No período imediatamente anterior à transição democrática, o país apresentava um perfil distributivo da terra
com grandes distorções: cerca de 82 milhões de hectares da agricultura comercial (equivalentes a 86% das terras
agricultáveis e 68% da área total), eram de propriedade da minoria branca, quase 11% da população, área
distribuída em, aproximadamente, 60 mil unidades produtivas. Com o fim do regime do Apartheid, a questão
fundiária se constituiu em elemento fundamental no contexto das políticas de reparação, sendo, portanto, objeto
de inclusão na carta constitucional, por intermédio das políticas de reforma agrária (KAHN, 2007, p. 3).
108
Extensão rural na África do Sul
A primeira atividade agrícola de contornos comerciais que se tem notícia na África do
Sul se refere à implantação de áreas de cana-de-açúcar, localizadas na Província de Kwa-
Zulu-Natal, no ano de 1848.
Quase 150 anos depois, a queda do regime do “apartheid”, ocorrida em 1994,
provocou também no mesmo ano mudanças importantes na indústria açucareira do país,
dentre as quais a transferência da responsabilidade pelo financiamento dos serviços de
extensão para os produtores de cana. O argumento das usinas era o de que o serviço de
extensão era voltado principalmente para o atendimento direto aos produtores e não para a
indústria. Mesmo assim, os usineiros decidiram contribuir com o financiamento do serviço de
extensão, através de uma taxa adicional, calculada sobre uma unidade de referência
denominada de “tonelada básica”.
De fato, há registros que a South Africa Sugar Association (SASA)69
não dispunha
de recursos suficientes para prover um serviço de extensão eficiente para os pequenos
produtores emergentes de Kwa Zulu-Natal. Em contrapartida, disponibilizou a sua
infraestrutura de pesquisa para todos os produtores, além de instituir uma representação
dos pequenos produtores no Comitê Gestor das estações experimentais. Ao lado dessa
providência, a direção da Estação Experimental propôs ao Ministério da Agricultura a
formação de uma parceria com o objetivo de oferecer um serviço de extensão rural aos 46
mil pequenos produtores de cana da província, superando as dificuldades individuais de
cada instituição na prestação desse importante serviço. Desse modo, em 1995, fruto da
parceria iniciativa privada e governo, foi firmado um acordo, criando o programa de
extensão, para o qual a SASA disponibilizava quatro equipes de especialistas na cultura de
cana e produção de açúcar, enquanto o órgão do governo colocava 36 técnicos com a
função de agentes de extensão à disposição do programa (RIVERA; ALEX, 2004b, p.
43). Esta parceria incluía inúmeros parceiros informais que, em certo sentido,
conformavam a cadeia produtiva da cana na região; dentre os parceiros informais,
estavam: agentes das usinas, comerciantes, produtores de médio porte, Comitê de
69
Organização privada, sem fins lucrativos, mantida por produtores e usineiros de cana-de-açúcar.
109
Usineiros de Cana, organizações de produtores, fornecedores de insumos, outros
fornecedores, autoridades tribais e representantes municipais.70
Abstraindo-se a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, o serviço de extensão rural no
resto do país não era diferente. Podia ser considerado como um dos responsáveis pelas
dificuldades enfrentadas pelos produtores de cana mencionadas anteriormente, ou seja,
atendimento precário às principais necessidades dos demais produtores rurais, sobretudo
aqueles de menor porte.
No propósito de superar esse quadro, o Ministério da Agricultura encomendou um
estudo, que apontasse para um novo modelo de ATER para o país.71
Esse estudo, que contou
com a participação de atores-chaves oriundos das nove províncias, e não se limitou a apontar
um modelo, mas identificou importantes princípios balizadores do modelo de uma nova
ATER para o país, recomendando, por fim, a implementação da “Participatory Programmed
Extension Approach” (PPEA). Com base nesse estudo, o Ministério da Agricultura aprovou,
em 2005, um estudo denominado de “Norms and Standards” sobre o qual deveriam se
estruturar os serviços de extensão rural e assistência técnica do país. A expectativa gerada por
essa iniciativa pode ser traduzida pela seguinte afirmação:
Norms and standards for extension and advisory services in agriculture came about
as a response to the gaps prevalent in the extension and advisory services in South
Africa. The lack of a national framework for extension and advisory services created
confusion with regard to the roles and responsibilities of different stakeholders on
service delivery. (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. V)72
Nesse mesmo estudo, “extensão” é definida como: um sistemático processo de
trabalho com produtores ou comunidades no sentido de ajudá-los a adotar conhecimentos
agrícolas úteis e relevantes, possibilitando-lhes competência para aumentar a produtividade
agrícola. Para os serviços de “assistência técnica ou consultoria”, o estudo os define como
“um serviço técnico prestado aos produtores por especialistas, organizações privadas ou por
empresas prestadoras de serviços comerciais” (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 1).
70
Para os autores do estudo, os parceiros envolvidos nos programa, formais ou informais, estavam convencidos e
motivados de que o aumento da produção de cana conduziria ao desenvolvimento regional, sendo esse o “fio
condutor” que balizava a iniciativa do conjunto dos atores envolvidos (RIVERA & ALEX, 2004b, p. 43). 71
Estudo que teve o patrocínio financeiro do Governo da Holanda (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p.
1). 72
“A abordagem sobre as Normas e Padrões para extensão e serviços de consultoria na agricultura surgiu como
uma resposta às lacunas prevalecentes na extensão e nos serviços de consultoria na África do Sul. A falta de uma
referência regulatória nacional para extensão e serviços de consultoria criou confusão no que diz respeito aos
papéis e responsabilidades dos diferentes atores na prestação de serviços” (Tradução nossa).
110
As transformações pretendidas para os serviços de extensão e de assistência técnica ou
de consultoria, contidas no documento “Norms and Standards”, perseguiam três objetivos de
grande alcance: (i) melhorar a eficiência, a relevância e a eficácia do custo do financiamento
público dos serviços de extensão rural e de consultoria; (ii) promover uma abordagem
participativa para extensão agrícola e para os serviços de consultoria; e, por último, (iii)
promover e implementar a abordagem de cadeia de valor para garantir um serviço de apoio
mais integrado e articulado (REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL, 2009, p. 1).
Ainda no mencionado documento, de forma complementar aos objetivos e com o
intuito de tornar mais claros os limites sobre os quais esses mesmos objetivos deveriam se
situar, foram instituídas seis funções básicas, denominadas de “áreas-foco”, que indicavam,
com especificidade, a natureza qualitativa desejada para a modernização dos serviços de
extensão e de assistência técnica/consultoria do país:
(1) Facilitar o acesso aos serviços de extensão e de consultoria, que levam à
geração sustentável de renda pelos clientes; (2) proporcionar e facilitar o acesso à
informação agrícola para uma melhor planificação e tomada de decisão; (3) facilitar
o acesso à tecnologia e, se possível, fornecer tais tecnologias;(4) Proporcionar e
facilitar o acesso ao assessoramento sobre produção agrícola sustentável; (5)
Proporcionar e facilitar assessoramento sobre o desenvolvimento de competências
na agricultura; (6) Fortalecer as parcerias para a prestação eficaz dos serviços.
(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 1; tradução nossa)73
No contexto dessas transformações, outra iniciativa complementar importante foi
tomada pelo Ministério da Agricultura ao encomendar outro estudo, cujo objetivo foi o de
avaliar o perfil do pessoal da extensão existente. O perfil existente verificado seria então
confrontado com o perfil ideal preconizado pelo estudo “Norms and Standards”, e inspirado
à luz das novas atribuições a serem requeridas pelos “novos” serviços de extensão e de
assistência técnica do país. De posse desses elementos, o propósito do trabalho apresentado ao
Encontro de Ministros em 2007 seria o de eliminar as diferenças existentes entre os dois
perfis.74
Ou seja, estabelecia-se no seio do governo a convicção de que o perfil do
extensionista seria crucial para o sucesso do modelo da nova extensão.
73
“(i)Facilitate access to extension and advisory services that lead to sustainable income generation by clients.
(ii) Provide and facilitate access to agricultural information for improved planning and decision making.(iii)
Facilitate access to technology and where possible, provide such technologies.(iv) Provide and facilitate access
to advice on sustainable agricultural production.(v)Provide and facilitate advice on skills development in
agriculture.(vi)Strengthen partnerships for the effective delivery of services” (REPUBLIC OF SOUTH
AFRICA, 2009, p. 1). 74
Departmental Executive Committee (DEXCO) e Intergovernmental Technical Committee on Agriculture and
Land Affairs (ITCAL).
111
De acordo com as recomendações aprovadas e contidas no documento Republic of
South Africa (2005), todos os prestadores de serviços de extensão rural e de assistência
técnica (“advisory services”) para responderem aos objetivos da “nova extensão” deviam
possuir um perfil profissional que contemplasse o domínio das seguintes áreas: (i) orientação
ao cliente e foco no cliente (significa prestar serviço com excelência de qualidade, para a qual
as boas relações interpessoais são uma exigência); (ii) comunicação (partilhar informações e
ideias de forma clara e concisa apropriadas ao público-alvo, a fim de explicar, persuadir,
convencer e influenciar, no sentido de alcançar os resultados desejados); (iii) gerenciamento
de projetos (competência e habilidade para planejar, gerenciar, monitorar e avaliar atividades
específicas); (iv) gestão do conhecimento (capacidade para promover a geração e a partilha de
conhecimentos e aprendizagens, a fim de aumentar a produtividade do (s) agricultor (es),
incluindo a competência num determinado campo de especialização, como produção
agrícola, pecuária, horticultura, negócios agrícolas, ordenamento territorial, entre outros)
(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2005, p. 7; tradução nossa).
A partir da publicação dos documentos “Norms and Standards” e do relatório sobre o
perfil dos serviços de extensão e de assistência técnica/consultoria, tomou-se a decisão de
responsabilizar o Deparment of Agriculture (DoA) de organizar, em março de 2008, uma
conferência sobre os serviços, denominada “Extension Indaba”, que teria, dentre outros
objetivos, aquele de propor novas abordagens para o serviços de extensão e de assistência
técnica/consultoria, de modo a torná-los mais visíveis e transparentes para seus clientes, os
produtores rurais.75
Fechando o ciclo do planejamento traçado para a estruturação das bases sobre as
quais deveriam se posicionar as transformações requeridas pelos serviços de extensão e
de assistência técnica/consultoria, a Conferência “Extension Indaba” estabeleceu oito
recomendações principais, que revelavam, por consequência, as fragilidades do serviço
de ATER e que deveriam ser superadas, assim como os avanços que deveriam ser
buscados. Nessas recomendações, todas importantes, dado o interesse deste estudo,
chama-se a atenção para duas delas, que enfatizam: a necessidade de serem “reforçados
os acordos de cooperação com instituições de pesquisa, ensino e extensão"; a segunda
que enfatizava que "cada província deveria definir uma política de TICs, na qual estariam
75 Para detalhes sobre os outros objetivos da conferência, ver Republic of South Africa (2009, p. 2).
112
contempladas as necessidades do pessoal do serviço de extensão e de assistência
técnica/consultoria.76
A partir de então, 2008/2009, o Ministério da Agricultura, na condição de
coordenador nacional dos serviços de extensão rural e assistência técnica, em conjunto
com as suas representações regionais (Provincial Departamentos of Agriculture-PDAs),
passou a implementar a execução do “National Extension Recovery Plan”, em todo o país
(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. V).
National Extension Recovery Plan
O National Extension Recovery Plan ou o Plano Nacional de Recuperação da
Extensão foi definido como sendo a "estratégia utilizada pelo Ministério da Agricultura da
África do Sul para promover a imagem do serviço de extensão rural no país".77
Em síntese,
este Plano pode ser considerado como produto das conclusões do Relatório sobre o “perfil”
dos serviços de extensão e de assistência técnica, do documento “Norms and Standards” e dos
resultados obtidos a partir da conferência “Extension Indaba”.
A partir da trajetória e dos fundamentos descritos até então, o “National Extension
Recovery Plan” foi estruturado em cinco eixos básicos:
i) Assegurar que o serviço de extensão seja dotado dos princípios da visibilidade e
“accountability”;
76
As oito recomendações principais: (i) que todas as nove províncias (Eastern Cape, Free State, Gauteng,
KwaZulu-Natal, Limpopo, Mpumalanga, Northern Cape, North West e Western Cape) desenvolveriam e
implementariam um Plano de Extensão, que deveria: (a) incorporar as diretrizes contidas nos documentos
“Norms and Standards”, “perfil do pessoal de extensão” e “Extension Indaba”; (b) estar compatível com as
condições de financiamento estabelecidas na “Division of Revenue Act”- DORA e previstas no “Medium Term
Expenditure Framework”-MTEF; e (c) definir metas/produtos, sistemas de comunicação e relatórios; (ii) o
documento “Norms and Standards”, deveria ser revisado e ampliado, de modo a propiciar os elementos
necessários à construção de um consistente ambiente regulatório para os serviços; (iii) todas as províncias
deveriam adotar, para os agentes de extensão e de assistência técnica/consultoria contratados, um termo de
compromisso de metas de desempenho, que deveria fazer parte do planejamento das atividades; (iv) cada
província deveria definir uma política de TICs, na qual estariam contempladas as necessidades do pessoal do
serviço de extensão e de assistência técnica/consultoria, no que se refere a equipamentos e demais ferramentas
necessárias ao trabalho a ser desenvolvido, assim como as responsabilidades desse pessoal com o contínuo
aprimoramento da política; (v) os serviços de extensão e de assistência técnica/consultoria deveriam criar
estruturas de acompanhamento/monitoramento sistemático da implementação do Plano de Recuperação da
Extensão; (vi) deveriam ser reforçados acordos de cooperação com instituições de pesquisa, ensino e extensão;
(vii) um plano nacional de coordenação do processo de treinamento e empoderamento do pessoal atual de
extensão deveria ser viabilizado de imediato; (viii) um sistema de reconhecimento e premiação por desempenho
deveria ser colocado em prática dentro de cada serviço de extensão e de assistência técnica/consultoria
(REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 2, tradução nossa). 77
De acordo com o mesmo estudo, “Extension Recovery Plan- ERP”: “A strategy used by the DoA to improve
the image of extension services in the country” (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2009, p. 1, tradução nossa)
113
ii) Promover o profissionalismo e a melhoria da imagem do serviço de extensão;
iii) Promover a requalificação e a reorientação da extensão;
iv) Prover a infraestrutura de Tecnologia de Informação e outros recursos;
v) Recrutar 1000 profissionais para a extensão, conforme estabelece o MTEF.78
Ultrapassada a fase de planejamento, os serviços de extensão rural público e o de
consultoria técnica passaram à fase de execução do Plano, na expectativa de alcançar a
“recuperação” da sua credibilidade junto à comunidade rural e ao próprio governo, cujos
principais resultados serão analisados a seguir.
Com base em relatórios anuais de desempenho do Plano, primeiro ano de execução
(2008/2009) e a versão relativa ao ano 2010/2011, constata-se que o Plano seguiu o
planejamento estabelecido e avançou em seus diversos “eixos”.79
Tais avanços dizem
respeito, principalmente, ao atingimento de metas de natureza administrativa, como a
contratação e capacitação de pessoal ou a aquisição de equipamentos, dentre outros.
Coincidentemente, estes indicadores são também muito comuns nos relatórios de atividades
do serviço de ATER do Brasil, que invariavelmente privilegiam os meios em detrimento dos
fins.80
Para se investigar sobre o desempenho qualitativo da ATER, buscou-se o Plano
Estratégico DAFF 2013/2014 a 2017 /2018 que, ao se referir à extensão rural, afirma que
o National Extension Recovery Plan apesar de ter méritos, especialmente quanto a maior
presença de extensionistas no campo, o serviço ainda não atende às necessidades dos
produtores. Este fato que está conduzindo o Ministério da Agricultura a liderar a criação
de uma política nacional de extensão e serviços de consultoria. Dentre outros objetivos, a
nova política deve propor o uso de metodologias de extensão alternativas, possíveis
novos arranjos institucionais para a prestação de serviços de extensão, incluindo as
“parcerias público-privadas”, assim como a criação de um grupo de especialistas para
assessorar os profissionais da extensão (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2013, p. 4).
Existem, no entanto, outras expectativas sobre papel do serviço de extensão
rural no país, sobretudo quando diante de desafios relevantes a serem enfrentados
pelo setor agrícola nacional, como é o caso das mudanças climáticas. A esse
78
Medium Term Expenditure Framework (MTEF). 79
Fonte: Annual Report Performance of the Extension Recovery Plan 2010/2011. Disponível em:<
http://www.nda.agric.za/doaDev/sideMenu/NationalExtensionSup Annual report Performance of the Extension
Recovery Plan 2010/201port/docs/anual%20rep_extension%20recoery%20plan%282%29.pdf>. Acesso em: 21
set. 2015. 80
Quanto ao conteúdo dos relatórios do serviço extensão rural no Brasil, ver, por exemplo, em Peixoto (2008, p.
22).
114
propósito, Findlanter (2013) lembra que a África do Sul por ser considerado um país
de clima semiárido, com média de precipitação na casa dos 450 mm anuais, deve
ampliar as preocupações com relação às estratégias de enfrentamento das mudanças
climáticas.81
O mesmo autor afirma que as mudanças climáticas deverão repercutir
sobre as temperaturas e as chuvas e, por decorrência, sobre agricultura do país,
aumentando a incidência de pragas e doenças e perdas de ecosystem services, como o
processo de polinização. Essas mudanças vão exigir aperfeiçoamentos nos sistemas
de produção, objetivando assegurar a estabilidade produtiva e segurança alimentar,
sobretudo dos pequenos produtores, os mais vulneráveis e público preferencial da
extensão rural.82
Todavia, com relação ao serviço de extensão, Bhorat, Westhuizen e Jacobs
(2011) reconhecem que permanece uma grande a distância entre a tecnologia disponível
e a sua adoção por parte dos produtores rurais, sobretudo aqueles ditos pequenos
produtores emergentes que são os mais carentes de assistência. Nesse sentido,
acreditam os autores que o desafio principal a ser enfrentado pelo serviço de extensão é
a precária formação técnica específica dos extensionistas. Essa deficiência é apontada
pelos próprios produtores que percebem a falta de competências e habilidades no
domínio dos conteúdos técnicos exigidos numa produção agrícola mais moderna,
dificuldade tão importante quanto àquelas inerentes à insuficiência de financiamento
agrícola (BHORAT; WESTHUIZEN; JACOBS, 2011, p. 32). Esta preocupação tem
correspondência com um dos compromissos indicados para a política de extensão e
serviços de consultoria mencionada nesta seção (“criação de um grupo de especialistas
para assessorar os profissionais da extensão”).
81
Para efeito comparativo, o Semiárido brasileiro possui uma área de 982,6 mil km², muito próxima à área total
da África do Sul (1,2 milhão de km²), abrange 1.133 municípios de nove estados do Brasil, nos quais vivem 22
milhões de pessoas, 11,8% da população brasileira. A Região Semiárida foi delimitada com base na isoieta de
800 mm, no Índice de Aridez de Thorntwaite de 1941 (municípios com índice de até 0,50) e no Risco de Seca
(superior a 60%).Disponível em:< http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/semiarido.shtm?c=4>.
Acesso em: 26 set.2015; e em: < http://www.integracao.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=5106593d-
2ac0-477e-a539-632c1b5967e6&groupId=10157>.Acesso em 17 nov. 2013. 82
Os pequenos produtores ou de subsistência são particularmente importantes para o país no contexto das
políticas de reparação pós- Apartheid (FINDLATER, 2013, p. 2).
115
Pesquisa agrícola e desenvolvimento
Para Liebenberg, Pardey e Kahn (2010), a estrutura de P&D voltada ao setor agrícola
da África do Sul experimentou mudanças expressivas por todo o século XX, fruto importantes
mudanças no perfil do setor agrícola sul-africano, tais como o crescimento da área média das
fazendas, paralelamente à redução do seu número (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010,
p. 40).
Do ponto de vista do setor público, há mais de um século o governo tem sido o maior
patrocinador da pesquisa agrícola na África do Sul. É também ao longo de quase um século
que se constata uma vigorosa transformação na estrutura de pesquisa agrícola no país, com
substantivos aumentos de mais de 10 vezes no número de cientistas e nos dispêndios com
pesquisa agrícola, por exemplo (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 41).83
A partir de 1970, as agências nacionais passaram a executar aproximadamente 60% da
pesquisa pública agrícola da África do Sul, as agências regionais 23% e as universidades
17%. Na primeira metade do século XX, as mesmas participações eram de 48%, 42% e 10%,
respectivamente. Nos anos recentes, a participação da indústria no financiamento de pesquisa
executada por agências públicas tem se situado ao redor de 20% dos dispêndios totais, fluindo
por intermédio do Agricultural Research Council-ARC (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN,
2010, p. 42).
Visto numa perspectiva de longo prazo, os autores do estudo acreditam que os
desenvolvimentos obtidos no âmbito da P&D agrícola são positivos, pois demonstram que, de
um início tímido no século passado, o país aumentou sua capacidade de formar cientistas
agrícolas, desenvolveu um razoável aparato institucional, além de criar estratégias de
autofinanciar-se, elementos essenciais para construir e manter uma forte estrutura de P&D
(LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 42).
O aparato institucional de pesquisa agrícola é liderado pelo Agricultural Research
Council (ARC) que é a principal instituição de pesquisa agrícola na África do Sul, criada em
1990, por intermédio da Agricultural Research Act 86. Tem caráter público e a missão de
liderar o processo de pesquisa e desenvolvimento agrícola no país, envolvendo a geração e a
transferência de tecnologia e de informação.
Com o apoio da Tabela 3, busca-se ilustrar a magnitude e a natureza do orçamento
com o qual trabalhou o ARC no exercício 2012/2013. Neste, constata-se que quase 70% das
83
Os cientistas que eram 120 no ano de 1911, chegaram a 1279, em 2007 (LIEBENBERG et al., 2010, p. 41).
116
receitas obtidas são de origem pública. O restante da receita é obtido de outras fontes, esforço
que se busca ampliar a cada ano. A proporção das receitas que é destinada ao pagamento de
despesas com pessoal (2.322 funcionários permanentes84
) situa-se um pouco além da metade
do total das receitas da instituição. Neste mesmo Relatório, o ARC destaca uma nova
estratégia de atuação que é a busca por equilíbrio no esforço de P&D entre as demandas da
agricultura comercial e a pequena agricultura de base familiar ou emergente (ARC, 2013, p. 4;
13).
84
Do total de 2322 funcionários: 835 desempenham as funções de pesquisador, destes, 173 com Ph.D., 248, com
Sc. e 24 Veterinários e Engenheiros. Do total de funcionários: 60% homens e 40% mulheres (ARC, 2013, p.
.81).
117
Tabela 3 – Orçamento do Agricultural Research Council (ARC) – 2012-2013
NATUREZA 2012 /2013
(Milhões-RANDE) US$¹ %
Receitas Públicas 747 70.403,90 68
Receitas Externas 333 31.384,88 30
Outras Receitas 23 2.167,72 2
Total das Receitas 1104 103.956,5 100
Despesas com Pessoal 612 57.680,32 55
¹Data cotação utilizada: 31/12/2013; Taxa85
: 1 Dólar dos EUA = 10,6102034 Rande/Africa Sul.
Fonte: ARC (2013).
Numa visão de curto prazo, Liebenberg, Pardey e Kahn, (2010) advertem que as
perspectivas são menos otimistas, haja vista que os valores reais de financiamento público
para a P&D não têm crescido desde 1992, os investimentos em P&D agrícola também estão
estagnados e, o mais grave, o país tem perdido um número substancial de cientistas agrícolas
bem treinados e experientes (LIEBENBERG; PARDEY; e KAHN, 2010, p. 42).
No âmbito do governo, a consciência clara sobre a importância do setor agrícola
motivou a elaboração e aprovação de um Plano Estratégico de médio prazo, 2011/12–
2014/15. Neste plano, seis objetivos fundamentais se destacam, apontando para o futuro da
atividade agrícola desejado pelo país, reservando um papel de relevância para os serviços de
pesquisa agrícola, assistência técnica e extensão rural.86
O grande resultado esperado é o atendimento à demanda da produção de alimentos,
garantindo, de modo sustentável, a segurança alimentar e contribuindo para a redução da
pobreza. O Plano também objetiva a melhoria da competitividade do setor agrícola, da renda
das pessoas e das indústrias de base agrícola, propósitos ameaçados pelas ponderações
expostas anteriormente especialmente por Liebenberg, Pardey e Kahn (2010) (REPUBLIC OF
SOUTH AFRICA, 2011a, p. 54).
85
Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em:<http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>.
Acesso em:19 nov.2014. 86
Objetivos do Plano Estratégico: (i) Gerar, desenvolver e aplicar novos conhecimentos, ciência e tecnologia
agrícolas para atender à demanda da produção de alimentos, aumentar a segurança alimentar e contribuir com a
redução da pobreza; ii) Promover o uso sustentável e a gestão dos recursos naturais para garantir a
competitividade do setor agrícola e aumentar a riqueza para as pessoas e indústrias dependentes de recursos
naturais com base na agricultura; iii) Melhorar a nutrição e a segurança alimentar, aperfeiçoando os sistemas de
produção agrícola e animal, incluindo a segurança das sementes; iv) Ofertar informações e soluções técnicas que
permitam ao setor agrícola gerenciar e minimizar os riscos e ameaças à prática agrícola; v) Difundir informação
e transferir tecnologia oriundas da P&D; vi) Promover o crescimento e a sustentabilidade organizacionais.
Disponível em: <http://www.info.gov.za/view/DownloadFileAction?id=146747>. Acesso em 18 jul. 2011;
tradução nossa).
118
Elementos de síntese
Em essência, da experiência do modelo utilizado pela África do Sul para abordar o
setor agrícola e, em especial, os serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural, é possível
extrair importantes elementos de elevado potencial analítico e úteis para a reflexão neste
trabalho. Dentre eles, merecem relevo os seguintes:
i. A queda do regime de apartheid incorpora insumos particulares na história
recente da sociedade sul-africana como um todo, incluindo-se também nesse quadro a
organização do setor agrícola do país, portanto uma experiência singular e específica, de
difícil sentido de extrapolação. Mesmo assim, é louvável a capacidade de planejamento que o
país está estruturando, no sentido de superar os desafios postos.
ii. É forçoso reconhecer que a energia gasta na reestruturação do setor agrícola até
então deve ser entendida como uma primeira fase, própria da complexa transição. Contudo, a
urgência dos desafios indica que é preciso ir além das intenções contidas nos vários planos,
programas e projetos e atuar de modo efetivo a reverter as limitações mais sérias que estão
impactando o setor agrícola sul-africano. Uma dessas limitações é o fato constatado por
Liebenberg, Pardey e Kahn (2010), segundo o qual o aumento da produção agrícola verificado
ao longo das últimas décadas é, em grande parte, estimulado pelo elevado valor das
commodities agrícolas. Esse fato coloca um desafio importante para a P&D agrícola que é o
de fundamentar o estímulo ao aumento da produção em avanços tecnológicos, perspectiva
confirmada pelo World Bank (2016) conforme mencionado no início dessa seção
(LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 40).
iii. Um ponto vital para o vigor da P&D é a formação, manutenção e renovação do
quadro de cientistas agrícolas no país, incluem-se aí os agentes de extensão. A experiência da
África do Sul, de acordo com o relato de Liebenberg, Pardey e Kahn (2010) tem se dirigido
no sentido contrário dessa assertiva. Ou seja, o país tem perdido cientistas agrícolas, embora o
governo tenha anunciado uma estratégia de reversão desse movimento, atitude que o
confirma. Esse fato que deve preocupar os policy makers, tendo em vista que o tempo de
formação de um cientista, aliado ao tempo de maturação do trabalho de geração e adoção de
tecnologias, considerado médio prazo, pode trazer danos irreparáveis à competitividade da
agricultura do país (LIEBENBERG; PARDEY; KAHN, 2010, p. 42).
iv. A estagnação dos volumes de financiamento público destinado à P&D, mesmo
considerando-se uma participação razoável do setor privado, em torno de 20% do total,
associada à perda de cientistas agrícolas, remete a uma preocupação com o futuro da P&D,
119
que está diretamente relacionada com a competitividade do setor agrícola no médio e longo
prazo. A lição que se pode extrair é a necessidade de se estabelecer novas estratégias de
elevação dos volumes de financiamento à P&D agrícola, pública e/ou privada.
v. A ausência de abordagem sistêmica para a análise do setor agrícola sul-africano e o
papel preponderante do governo na atividade agrícola é outra lição que a experiência da
África do Sul oferece aos demais serviços de pesquisa agrícola e de ATER. A importância da
presença da abordagem dinâmica está relacionada com a necessidade de se pensar os dois
serviços sob a ótica da abordagem do SNIA. A partir dessa perspectiva teórica é possível
perceber a complexidade das relações que se estabelecem no interior do Sistema,
demonstrando a ineficácia de atitudes isoladas, que desconhecem a dinâmica de articulação,
de influências e de repercussão nele presentes.
vi. As preocupações e iniciativas demonstradas pelo país, relacionadas aos impactos
eventuais a serem causados pelas mudanças climáticas na agricultura sul-africana, por si só
vulnerável por suas condições agroclimáticas, se constituem numa lição a ser considerada
pelos serviços de pesquisa e ATER brasileiros, essencialmente àqueles com atuação na região
nordeste do Brasil.
vii. Por último, chama-se atenção para o fato da mudança de diretriz do serviço público
de pesquisa agrícola sul-africano ao reconhecer a necessidade de se harmonizar os esforços
públicos de P&D no sentido de atender de forma equilibrada às demandas tanto da agricultura
familiar como as da agricultura comercial, ignorando o inútil conflito entre as "duas"
agriculturas, muito comum no Brasil.87
3.2.2. Argentina
Para Reca (2006), uma síntese da história da economia agrícola argentina entre 1875 e
2005, vista sob o ângulo da evolução do PIB e do Valor Agregado Agropecuário, demonstra
que ao longo desses 130 anos a taxa de crescimento da economia foi sempre superior à taxa
de crescimento da produção agropecuária.
87
Embora o processo de reforma agrária na África do Sul não tenha sido objeto de discussão nesta tese, vale
registrar que aquele país possui a maior economia e a maior superfície dos países do continente africano, todavia,
possui também elevado grau de desigualdade, em ambos os aspectos. Segundo Lariff (2007), nenhum país
africano sofreu maior expropriação de terras, inicialmente indígenas, do que a África do Sul. A ação de
colonizadores holandeses e britânicos foi iniciada cedo, 1650, e durou por muito tempo, cerca de 300 anos.
120
Na visão do autor, isso significa que o setor agrícola propiciou um componente de
estabilidade ao conjunto da economia, mesmo com a constatação de que a participação do
setor na formação do PIB tenha se mostrado declinante ao longo desse mesmo período. Ainda
assim, ressalta o autor o fato de o setor agropecuário vir apresentando, nos últimos anos da
série analisada, taxas de crescimento semelhantes às mais altas verificadas na história da
agricultura argentina (RECA, 2006, p. 7).
Do ponto de vista geográfico, a agropecuária argentina se desenvolve em dois
ambientes claramente definidos: a região “dos pampas ou pampeana” e a região “não-
pampeana”. A região “pampeana” se localiza no centro e no leste do país, sendo caracterizada
por ser a maior produtora de grãos, sementes oleaginosas, gado e leite. Já a região “não-
pampeana”, corresponde ao restante do território argentino, tendo a diversidade da produção
agrícola como a sua grande marca. Lá se produz desde as uvas e outras frutas irrigadas na
porção oeste; no Noroeste, açúcar, citros e o fumo; no Nordeste, o algodão e o chá-mate; até
as ovelhas na Patagônia, ao sul. A região “pampeana” é a mais dinâmica das duas regiões,
sendo líder tanto na produção, quanto na exportação de produtos agrícolas.
No seu conjunto, em 2014, a soja contribuiu com 46% do valor bruto da produção
argentina e foi o principal produto da pauta agrícola, seguida pela pecuária bovina, vindos a
seguir milho, leite, trigo e uva, os quatro últimos participaram com 13,2%, 11,6%, 5,6% e 3,1
%, respectivamente (FAOSTAT).
No plano do desenvolvimento tecnológico, a escolha do “caso argentino” também é
motivada muito mais por semelhanças do que por diferenças com a agricultura brasileira. Por
exemplo, a Argentina foi um dos primeiros países no mundo a introduzir variedades agrícolas
geneticamente modificadas, já por volta de 1993 (FUCK, 2009, p. 81). No Brasil, a
comercialização de OGM foi proibida em 1998, por força de uma ação do Instituto de Defesa
do Consumidor (IDEC), apenas sendo suspensa em 2003. Mas, por outro lado, há outros
elementos que expressam semelhanças importantes, como é o caso da matriz produtiva da
agricultura dos dois países, na qual, dos 10 principais produtos argentinos produzidos em
2014, seis deles também participavam da pauta dos 10 principais produtos brasileiros, naquele
mesmo ano, segundo a FAO.88
A seleção do “caso argentino” que, ao lado do Brasil, representa um segundo país
dentro da América do Sul, significa também a possibilidade de se tentar minimizar o eventual
88
Os seis produtos comuns aos “top 10” da Argentina e Brasil são: soja, carne bovina, leite, milho, algodão e
cana-de-açúcar. Disponível em: <http://faostat.fao.org/DesktopDefault.aspx?pageid=339&country=9&lang=es>.
Acesso em 02/06/2017.
121
viés das comparações com outros países, especialmente a França (e europeus ocidentais de
forma geral). Para estes, por exemplo, a política de apoio ao processo de modernização
agrícola e rural apresentou uma abundância de recursos públicos e privados em infraestrutura
social e produtiva no meio rural bem diferente daquilo que ocorreu na América Latina, fatos
que podem distorcer eventuais análises comparativas (KAGEYAMA, 2008, p. 75).
Além de todas essas características presentes na agricultura argentina, há uma outra de
grande importância que passou a ser melhor qualificada a partir do Censo Agropecuário de
2002, que é a dimensão da sua agricultura familiar. Para a Argentina, como unidade de
exploração agropecuária familiar entenda-se aquela unidade na qual se verificam o trabalho
direto do produtor e o trabalho da família, aceitando-se a possibilidade da incorporação de até
dois trabalhadores assalariados permanentes. Quanto à área da unidade, ela não é considerada
um critério de enquadramento para a condição de unidade familiar, porém, foi estabelecido
um limite superior de área e de capital.89 Do conceito, também foram excluídas aquelas
unidades de produção juridicamente caracterizadas como sociedades anônimas ou sociedades
por ações.90
O estudo Obschatko (2009), com base no último Censo Agropecuário 2002, revelou a
existência de 251.116 unidades familiares de produção agropecuárias, significando 75,5% do
total das unidades de produção agropecuária de todo o país. Ainda de acordo com o mesmo
estudo, as unidades familiares de exploração agropecuárias ocupavam 30,9 milhões de
hectares, ou seja, 17,7% da área total explorada pelas atividades agropecuárias na Argentina.
Ao pressupor produtividades médias, o estudo estima que as unidades familiares de
produção contribuíram no ano do Censo com 27% do total do valor da produção agropecuária
do país. No total, as unidades agropecuárias familiares abrigavam, por ocasião do censo de
2002, mais de 823 mil pessoas, representando cerca de 67% da população das unidades de
produção agropecuárias. Dessas mais de 823 mil pessoas, 21% eram produtores, 65% eram
familiares e 14% eram compostos de não familiares e outros. Do total de residentes, 44%
eram mulheres e 28% eram de jovens com idade inferior a 14 anos.
Do ponto de vista mais amplo, a população residente nas unidades de produção
agropecuárias familiares possui, na média, um razoável grau de instrução, sendo este um
89
Ver Obschatko (2009, p. 10). 90
Segundo Ramilo e Prividera (2013), a agricultura familiar é uma forma de vida e uma questão cultural que tem
como principal objetivo a “reprodução social da família em condições dignas. A gestão da unidade produtiva e
as inversões nelas realizadas são feitas por indivíduos que mantêm entre si laços de família”, a maior parte do
trabalho é aportada pelos membros da família; a propriedade dos meios de produção (nem sempre a terra)
pertencem à família e é no seu interior que se realiza a transmissão de valores, práticas e experiências
(RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 5; tradução nossa).
122
relevante fator de sensibilidade à adoção de inovações: 72% de toda a população residente
possui nível primário; 18% possuem o nível secundário e 7% possuem o nível terciário
(superior), em todos os casos, completo ou incompleto (OBSCHATKO, 2009, p. 61).
Uma outra característica relacionada ao padrão tecnológico diz respeito à utilização de
mecanização agrícola pelas unidades familiares, que representa 25% de toda a área contratada
por todas as unidades agropecuárias. Esse dado tem repercussão direta sobre a produtividade
do trabalho, assim como indica a incorporação "indireta" de mão de obra na unidade familiar.
No caso da utilização de insumos agroquímicos, a agricultura familiar argentina tem
padrões muito semelhantes à agricultura empresarial ou não familiar: 81% da área cultivada
recebeu aplicação de herbicidas, 52% de inseticidas e 14% de fungicidas. Os fertilizantes
foram aplicados em 28% da área cultivada pelas unidades familiares. O plantio convencional
foi predominante entre os produtores familiares, contudo, já à época do Censo, cerca de 40
mil produtores realizaram cultivo mínimo e plantio direto, com o plantio direto cobrindo três
milhões de hectares.
No que concerne à gestão das unidades produtivas, 19% elaboram registros de
produção e contábeis; 5 a 6% elaboram cálculos econômicos e apenas 2,7% utilizam
computadores na administração e na contabilidade. Com relação à capacidade associativa, o
cooperativismo é a modalidade predominante, contemplando 14% das unidades familiares.
Seguem-se outras formas e práticas associativas, como pool agrícola-pecuário, a União
Transitória de Empresas (UTE) e a integração com agroindústrias, que embora apresentando
uma pequena participação relativa, significam uma presença importante por sua diversificação
e buscar responder a uma questão crucial para a agricultura familiar que é a obtenção de
escala de produção (OBSCHATKO, 2009, p. 12).
Por último, recorre-se ao trabalho de Ramilo e Providero (2013) que, em 12 estudos de
casos abrangendo diversas regiões do país, revela ser a extensão rural um segmento
considerado importante e muito valorizado pela agricultura familiar argentina; no entanto,
revela também a percepção de alguns produtores familiares, digna de registro, segundo a qual,
“parece haver uma expectativa de que se exige um modelo de extensão que comece a partir
das necessidades e preocupações do produtor e não das prioridades dos profissionais ou
instituições das quais eles fazem parte” (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 275).
De acordo com os mesmos autores, e na mesma linha da expectativa sobre a extensão
rural, já existem iniciativas no campo da pesquisa agrícola que direcionam sua atenção para
enfoques metodológicos de natureza mais participativa, como é o caso das experiências com
123
Investigación Acción Participativa-IAP (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 242). Essa
experiência, que envolveu um conjunto de organizações e instituições públicas e privadas
comprometidas com o desenvolvimento rural e educacional na Província de Corrientes,
parece apontar caminhos para a pesquisa, a exemplo da ATER, diferentes dos caminhos
atuais, ou seja, apontando para uma ação mais crítica e reflexiva e de natureza bottom-up.
Pesquisa e extensão rural
Para o melhor entendimento do momento atual, faz-se necessário um breve recuo no
tempo. De 1850 a 1930, coube ao estado argentino fomentar a produção agrícola, tendo como
estratégia o processo de colonização. Nesse período, atribui-se à Sociedade Rural Argentina
(SRA) representante do setor privado, ocupar-se do papel de modernização do setor,
difundindo técnicas agropecuárias aos seus associados (THORNTON; CIMADEVILLA,
2008, p. 59).
Até meados do século XX, a produção agrícola argentina demonstrava estagnação,
fruto de grandes períodos de insuficiência na incorporação de novas tecnologias (INTA, 2004,
p. 2). Mais à frente, a derrota do regime peronista em setembro de 1955 reforça o ambiente
propício à liberalização e à ruralização da economia argentina. A adoção do Plano Prebish
consolida as medidas favoráveis à modernização da agropecuária no período pós-peronista
(GIRBAL-BLACHA, 2010, p. 5). Em 1956, à frente da Comissão Econômica para América
Latina (CEPAL), o economista Raúl Prebisch apresentou ao novo governo argentino uma
proposta com recomendações para enfrentar a situação econômica, que tinha como ponto de
partida a superação do atraso tecnológico no campo. Para tanto, o Plano Prebish, como foi
chamado, enfatizava a atenção ao desenvolvimento da ciência e tecnologia na agropecuária e
recomendava o estabelecimento de um programa de tecnificação do campo, centrado da
criação de um instituto público de pesquisa agrícola e de difusão tecnológica, que seria
incumbido de promover as inovações desenvolvidas no país e no exterior (OEI, 2012).
Nesse caminho, o Ministério da Agricultura promoveu algumas iniciativas no âmbito
da difusão de tecnologia e em dezembro de 1956 foi criado o Instituto Nacional de Tecnología
Agropecuaria (INTA), com o objetivo de tirar o país do retrocesso produtivo.91
Do ponto de
91
Uma dessas iniciativas do Ministério da Agricultura foi criar a Direción de Agronomías Regionales (57
unidades regionais e 220 locais) e a sua função era a difusão de conhecimentos, objetivando a melhoria
econômica, cultural e social da população rural. Nesse período, são iniciadas as primeiras experiências-piloto de
extensão rural, que não prosperam e a produção agrícola fica estagnada por outras razões contextuais
(THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).
124
vista formal, o INTA foi concebido como um organismo nacional com a “finalidade de
impulsionar, vitalizar e coordenar o desenvolvimento da pesquisa e extensão agropecuárias e
acelerar, com os benefícios dessas funções fundamentais, a tecnificação e o melhoramento da
empresa agrária e da vida rural” (INTA, 2011).92
A estratégia adotada pelo INTA seguiu o padrão difusionista do modelo extensionista
americano, propondo-se à difusão de inovações que proporcionassem o aumento da produção
e das exportações.93
O público beneficiário era constituído pela família rural, todavia, as
mulheres e os jovens eram trabalhados de forma separada e o propósito era o da melhoria de
vida e a redução dos níveis de migração (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).
Duas visões distintas, porém, coincidentes na busca do desenvolvimento rural, formam
o marco teórico que fundamentou o nascimento da ATER no INTA. A primeira, de ordem
técnica, relacionada diretamente com objetivos econômicos e com as condições de produção e
exploração racional dos recursos. A segunda, de ordem educacional, que enfatizava a
mudança de mentalidade do homem rural, no sentido de torná-lo apto a uma vida moderna.
Ou seja, o objetivo do trabalho de ATER seria o de alcançar melhores níveis de produtividade
agrícola, que proporcionariam melhores níveis de vida no campo, por meio de um processo
educativo da família rural. Assim, pode-se dizer que a ATER é criada no INTA com a
perspectiva de “levar o Ministério da Agricultura ao campo”, o que lhe facilitou consolidar
uma ampla cobertura territorial, através das Agências de Extensão Rural (AER), promovendo
um contato direto com a população rural e a implementação das suas propostas de trabalho
(ALEMANY, 2003, p. 143).
De modo sucinto, é possível assegurar-se que da década de 1960 até parte da década
de 1970, o INTA desempenhou um importante papel nas funções de geração e difusão de
tecnologia, que em muito contribuiu com as mudanças ocorridas no setor agropecuário
argentino, sendo nessa época um ator quase que único na missão de modernizar a
agropecuária do país (INTA, 2012).
No período compreendido entre os anos de 1970 e 1980, ocorre na Argentina um
episódio denominado por alguns estudiosos como “quiebre institucional”, no qual o
Estado se enfraquece, abrindo mão de seus papéis.94
No caso argentino, havia escassez de
92
O INTA foi criado por meio do Decreto-lei 21.680/56. Disponível em:<http://inta.gob.ar/sobre-el-
inta/historia>. 93
Também conhecido como “transferencismo”, componentes do modelo também conhecido como Rogeriano
(THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60). 94
Durante a década compreendida entre 1973-1983 o crescimento mundial é freado, há expressiva alta nos
preços dos combustíveis e nos níveis de inflação. Com a crise mundial, o PIB da Argentina se retrai, entre 1973-
125
recursos, inexistência de políticas, de coordenação e de implementação. Nessa fase,
verifica-se no INTA, um alargamento da distância entre pesquisa e a ATER. Como
resultante de todos esses fatores, o serviço de extensão sofre duras consequências, perde
muitos dos seus funcionários, e sua presença no meio rural é bastante reduzida. Como
decorrência imediata, surgem organizações não governamentais (ONGs), ocupando o
espaço deixado e priorizando a atuação com pequenos produtores minifundiários
(THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60). Aliam-se a esses fatos, os cortes
permanentes nos orçamentos do INTA, associados a intensos debates em favor da
privatização do órgão (INTA, 2004, p. 3)
É justamente nesse cenário que, a partir da metade dos anos 1980, o setor agropecuário
passou a ser impactado por importantes mudanças estruturais que produziram desaceleração
relativa nos índices de produtividade agrícola e transformações nos mercados de produtos
primários, levando o INTA a operar um profundo redesenho organizacional que se ajustasse
ao novo cenário do setor, com destaque para as medidas no campo da participação, da
descentralização e integração.
Para dar consequência aos princípios da participação e descentralização, o Instituto
tomou a decisão de constituir 15 Conselhos de Centros Regionais e 3Conselhos de Centros de
Pesquisa, com autonomia para definir prioridades e alocar recursos. Os Conselhos eram
constituídos por associações de produtores, representantes dos governos provinciais,
comunidade científica e universidades. O princípio da integração se materializou a partir das
formas conjuntas de atuação com a iniciativa privada, tendo como instrumento principal os
convênios de vinculação tecnológica. No âmbito público, a nova postura possibilitou a
execução, por exemplo, de dois importantes programas governamentais: o Programa Federal
de Reconversão Produtiva (Câmbio Rural), destinado a médios e pequenos produtores e o
Prouvera, implementado para fomentar a produção de alimentos para populações carentes
(INTA, 2012).95
Thornton e Cimadevilla (2008), referindo-se aos últimos anos, registram que os
programas estavam passando por mudanças estruturais importantes e até traumáticas,
estimulados por uma política institucional renovada, indicando a necessidade de se fortalecer
76; fábricas são fechadas, instituições bancárias são inauguradas, o volume das exportações declina 21,3% e o
poder de compra das exportações cai em quase 46%. Na década de 1980, a economia agrária argentina deve ser
analisada à luz da crise mundial e da política financeira ortodoxa, que produziu o Processo de Reorganização
Nacional (GIRBAL-BLACHA, 2010, p 6). 95
A experiência anterior do INTA em programas com essas características parece positiva, tendo em vista os
bons resultados obtidos com o apoio a diversos setores produtivos, ação que atenuou processo de exclusão social
e migração rural. (INTA, 2004, p. 43).
126
a ATER quanto aos seus enfoques, procedimentos e estruturas. Na opinião dos autores, essa
etapa demandaria “uma extensão rural comprometida com a sustentabilidade e com uma
prática baseada no enfoque territorial” (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60).
Em resumo, o primeiro projeto institucional da ATER no INTA pode ser descrito
como concebido sob o “paradigma educacional”, que perdurou ao longo dos primeiros vinte
anos do Instituto, de 1956 a 1976, e que fincou as bases de importantes transformações que
deram origem ao segundo projeto institucional, denominado de “transferencista”, já
mencionado anteriormente. Este segundo projeto prevaleceu até o início dos anos 1990,
momento a partir do qual iniciaram-se as mudanças com o foco dirigido para a privatização
ATER, assim como no desenvolvimento de novas formas de intervenção no meio rural.
Ao final da década de 1990, tem origem no INTA um outro debate, que propõe uma
nova orientação para o trabalho de ATER e, consequentemente com repercussão no trabalho
da pesquisa, orientação que estaria voltada para responder às importantes demandas sociais,
ambientais e tecnológicas impostas pelas circunstâncias atuais96
(INTA, 2003, p. 141). A
capacidade de mudança e de adaptação às diferentes visões do processo de desenvolvimento
explicam a continuidade institucional alcançada pelo INTA nesse percurso. O INTA pode ser
considerado a única organização latino-americana de desenvolvimento rural que alcançou um
elevado grau de longevidade nesse complexo panorama agrícola da região, elemento
diferencial que se soma à conjunção da pesquisa agrícola e extensão rural, numa única
instituição (INTA, 2003, p. 140).97
Na história da ATER do INTA há uma singular constatação que a torna muito
semelhante à história inicial da ATER no Brasil, muito embora existam diferenças na
formatação institucional adotada pelos dois países. No relato do estudo do INTA (2003)
registra-se que as equipes de extensionistas argentinos conseguiram desenvolver uma
verdadeira “cultura extensionista” e uma "mística" que transcendiam à esfera profissional. O
convencimento da missão educativa que os extensionistas desempenhavam e o caráter social
que imprimiam à sua tarefa levaram a extensão rural a ocupar um lugar de destaque junto às
populações rurais. Naquela época, o extensionista do INTA sentia-se muito mais que um
empregado público, pois percebia que a sociedade valorizava o seu papel social, assim como a
importância do seu trabalho (INTA, 2003, p. 143).98
96
O Plano Estratégico do INTA para o período 2005-2015 trata com detalhes sobre o futuro desenhado para a
Pesquisa Agrícola e ATER no país, tema que será tratado mais à frente. 97
A partir de 1993, o INTA constituiu a Fundação ArgenINTA e a INTEA S.A, compondo o Grupo INTA. Para
mais detalhes, acessar <http://inta.gob.ar/sobre-el-inta/grupo-inta>. 98
Para o caso brasileiro, consultar OLINGER (1996, p. 281).
127
Ainda com relação à difusão de tecnologia, a contribuição específica dada pelo
trabalho da ATER desenvolvido pelo INTA, principalmente nos Programas Câmbio Rural e
Minifúndios, é também considerada de grande importância nos avanços na modernização do
setor agrícola, contudo não se pode desconhecer a contribuição dada pelo setor privado nesse
processo, essencialmente quando se trata da adoção de práticas como a ampliação da
utilização da mecanização, agroquímicos e sementes melhoradas, oferta de insumos e
comercialização da produção (INTA, 2000, p. 7).99
Entretanto, em contraposição aos elementos positivos anteriores, a visão de Bisang
(2008) sobre a modernização da agropecuária argentina é crítica ao afirmar que todos os
avanços alcançados são oriundos do processo desencadeado pela “Revolução Verde” e que
foram incorporados pela agropecuária argentina de forma tardia, por décadas. Todavia, como
que amenizando a crítica, ele afirma que o país se mostra na vanguarda quanto à sua inserção
no bojo de uma nova revolução em curso que é a da “biotecnologia”. Para ele, as
modificações substantivas na própria tecnologia, induzindo mudanças nas formas de
organização, na reconfiguração dos agentes econômicos, nos sistemas de relações e até nos
marcos institucionais, indicam mudanças na direção do surgimento de um novo paradigma
tecnológico. Nesse ambiente, convivem novos e velhos modelos de funcionamento e
organização, nos limites de uma atividade agrícola muito dinâmica que aprofunda suas bases
na inserção externa da agroindústria (BISANG, 2008, p. 9).
A soja é o principal exemplo, em face da ampliação da área cultivada e no uso de
insumos, movimentos que têm provocado debates sobre os seus efeitos na
sustentabilidade ambiental, algo também verificado na utilização de terras consideradas
frágeis na região não-pampeana, com relação à ampliação dos cultivos irrigados. A
concentração das atividades econômicas em algumas regiões e províncias, decorrente da
dinâmica agropecuária, mereceu também destaque no Plano Estratégico 2005-2015,
concentração que, associada às questões de sustentabilidade ambiental, constituem-se em
desafios para a pesquisa agrícola e extensão rural públicas (INTA, 2004, p. 14).
99
Um bom exemplo do papel desempenhado pela iniciativa privada é a Associação Argentina de Consócios
Regionais de Extensão Agrícola - CREA. Segundo o estudo de Thornton e Cimadevilla, (2008), esse movimento
surge na década de 1950, com os mesmos objetivos do INTA, porém de natureza privada; movimento que será
melhor discutido adiante (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).
128
O futuro da pesquisa e da extensão
A partir das discussões anteriores, cabe agora refletir sobre a configuração futura
idealizada para os serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural na Argentina, tomando-se
como uma das referências a visão do INTA, face a sua importância no cenário da
agropecuária do país.
Para tanto, recorreu-se ao Plano Estratégico Institucional do INTA proposto para o
período 2005-2015 que, mesmo já tendo seu prazo oficial finalizado, significa um dos
instrumentos adequados para os propósitos da discussão que aqui se deseja empreender. O
foco central da estratégia definida pelo Plano é a inovação tecnológica. Segundo a concepção
do documento, para o caso de numa economia globalizada, que articula espaços regionais e
locais com mercados mundiais, a inovação tecnológica, deve apoiar-se em quatro
componentes estratégicos: “Pesquisa e Desenvolvimento” (P&D), "Transferência de
Tecnologia e Extensão", "Relações Institucionais" e "Vinculação Tecnológica" (INTA, 2004,
p. 38). No caso do componente “Transferência de Tecnologia e Extensão”, a diretriz é que
sejam adaptados e incorporados conhecimentos e tecnologias aos processos de
desenvolvimento territorial e local, assegurando formas de inserção nos mercados e produção
de excedentes (INTA, 2004, p. 38).
Ainda nesse mesmo componente, o tema de importância estratégica está relacionado
com a capacidade de inovação tecnológica e organizativa dos produtores, que prevê
participação ativa das organizações locais no seu processo de desenvolvimento rural. Como
resultado, espera-se a produção de capacidades regionais, com o desenvolvimento de equipes
de ATER, que farão o papel de articuladores dos diversos atores e demandantes das cadeias
de valor do território.
Nesse desenho, as exigências de um novo perfil do agente de ATER se tornam ainda
mais evidentes frente ao caráter diversificado dos clientes e atores presentes na agenda do
trabalho participativo do serviço de extensão, destacando-se dentre eles: empresas grandes e
médias; empresas pequenas e médias (PyMES); pequenos produtores, minifundiários e
produtores familiares; e setores excluídos e mais vulneráveis da sociedade (INTA, 2004, p.
45). Ao considerar todas as categorias de público como beneficiárias da sua ação, a ATER do
INTA se diferencia da Pnater brasileira que não prioriza grandes e médios produtores.
Ainda no plano dos objetivos, o INTA assume o compromisso de aumentar de modo
expressivo até 2020 a produção dos grãos, carnes e frutas, assim como aprofundar a
integração entre a pesquisa e a extensão em seis áreas prioritárias: agroenergia, mudança
129
climática, tecnologia de alimentos, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs),
biotecnologia e nanotecnologia. No mesmo sentido, o Instituto pretende vincular as
capacidades institucionais com os processos de intercâmbio comercial e tecnológico, além de
institucionalizar a vinculação com o Sistema Internacional de Ciência e Tecnologia (INTA,
2011b).
Sobre os resultados alcançados pela implementação do Plano, recorreu-se ao estudo de
Benitez e Leitão (2012), que tem como foco avaliar o desempenho da estratégia do
desenvolvimento territorial, prevista no Plano, mas que traz outras importantes contribuições
sobre o desempenho da ATER e da pesquisa no INTA. Dentre essas contribuições, destacam-
se as seguintes: (i) quanto à territorialização, o estudo analisou a participação de
extensionistas do INTA, "instituição historicamente centralizadora", na proposta de
desenvolvimento dos territórios levada adiante pela Regional La Pampa – San Luís, concluiu
que o Plano não trouxe nenhuma mudança na metodologia de avaliação dos projetos em
relação à metodologia anterior100;
(ii) o processo de avaliação, elemento fundamental para o
redirecionamento dos caminhos do projeto e da instituição, é pouco participativo, "não
havendo possibilidades de uma participação dialogada" para os extensionistas envolvidos nos
projetos institucionais que buscam o desenvolvimento dos territórios; (iii) os elementos
extraídos até então revelam uma estreita relação dos métodos de trabalho como um modelo de
extensão "muito mais voltado para o sentido da transferência”; (iv) o exercício da nova
proposta de gestão trazida pelo Plano, em grande parte, não flexibiliza o poder de decisão da
instituição. O estudo admite que
ante uma Instituição com características históricas de verticalização nas tomadas de
decisão, compreende-se que parte das ações adotadas na formulação da proposta se
encontra estreitamente vinculada com procedimentos que ainda persistem e que são
próprios de antigos modelos de extensão. (BENITEZ; LEITÃO, 2012, p. 33)
No item (v), o estudo conclui que apesar da razoável participação inicial de atores
externos na discussão e formulação dos projetos a serem trabalhados pelo INTA, o retorno
dessa participação, uma espécie de "prestação de contas" da efetiva contribuição de cada ator
100
Para Benitez e Leitão (2012), a premissa para a adoção da abordagem territorial reside no fato de que o
aprofundamento do modelo no país baseado no livre mercado, cujo apogeu se deu durante a década de 1990,
contribuiu para o surgimento da crise socioeconômica que atravessou a República Argentina no princípio do
século XXI, impactando notavelmente sobre o conjunto da sociedade civil e sobre os rumos adotados pelas
políticas do Estado, possibilitando assim, a viabilização de propostas alternativas de desenvolvimento, como é o
caso do paradigma do Desenvolvimento Territorial. O INTA ingressou nessa nova época adequando seus
objetivos e metodologias de intervenção. Nesta nova etapa são reorientados os objetivos gerais do INTA,
incorporando os territórios como novo âmbito de intervenção, sem deixar de lados os tradicionais
agroecossistemas e cadeias produtivas (BENITEZ; LEITÃO, 2012, p. 5).
130
externo, não ocorreu de forma plena, "colocando em dúvida os princípios de uma
participação verdadeiramente democrática para a construção de uma mudança" (BENITEZ e
LEITÃO, 2012, p. 38). Apesar dessa crítica, na apresentação do documento INTA (2010), que
trazia ao debate referências teóricas sobre participação e desenvolvimento, o presidente do
INTA à época assegurava que:
En ese marco, la Extensión Rural ha ocupado un lugar cada vez más protagónico.
Para ello, una de sus principales banderas fue promover la participación como
plataforma comunicacional democrática. Pero sostener ese principio implica
compromisso. (INTA, 2010, p. 23)101
O Box 1, a seguir, destaca um exemplo marcante de outros formatos consolidados de
organização dos produtores e da produção na agricultura argentina que é o caso da
Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão Agrícola (CREA). Neste
exemplo, as funções de pesquisa e de assistência técnica são desenvolvidas no âmbito da
Associação, cujo financiamento é de responsabilidade dos produtores associados.
101
“Neste contexto, a Extensão Rural tem ocupado um lugar de protagonismo cada vez maior. Para fazer isso,
uma de suas principais bandeiras era promover a participação democrática como uma plataforma de
comunicações. Mas sustentar esse princípio implica em compromisso” (INTA, 2010, p. 23; tradução nossa).
131
BOX 1- A Associação Argentina de Consócios Regionais de Extensão Agrícola-CREA102
Apesar da sua importância na modernização do setor agrícola argentino, o INTA não é a única
organização a desempenhar as funções de pesquisa e de ATER no país, existindo outras, algumas com igual
tradição. Dentre estas, está a Associação Argentina de Consorcios Regionales de Experimentación Agrícola
(CREA). Trata-se de uma associação civil argentina, sem fins lucrativos, que integra os Consórcios Regionais de
Experimentação Agrícola, conhecidos na Argentina e Uruguai como “Grupos CREA”. São grupos de produtores
rurais, cujo objetivo é promover o desenvolvimento tecnológico da agropecuária e coordenar de forma mais
eficiente o trabalho agrícola. Os grupos de produtores mantêm vínculos de cooperação com o INTA,
universidades e outras organizações com interesses comuns.103
A CREA, fundada em 1960, a partir de projeto concebido em 1957 pelo arquiteto e seu primeiro
presidente, Pablo Hary, que afirmava ter se inspirado na informação de um amigo, Enrico Capele. Este teria lido
numa revista francesa uma curiosa experiência sobre alguns agricultores daquele país, em número de 10 a 12,
que se reuniam sistematicamente para compartilhar conhecimentos, experiências e informações sobre as
novidades tecnológicas do setor. Estes grupos de agricultores formavam os Centres d’Études Techniques
Agricoles (CETA), que tinham obtido como principais resultados a multiplicação da adoção de inovações e a
redução ou a divisão de custos. Com base nesse modelo, foi concebida a CREA. Os primeiros objetivos do
Consórcio argentino foram a redução da erosão dos solos, o controle de plantas daninhas, a identificação de
culturas apropriadas à rotação e o dimensionamento das cargas de pastoreio para evitar a deterioração do solo.
Assim, a CREA até hoje atua com grupos de 10 a 12 produtores, que são assistidos por um técnico especializado,
majoritariamente agrônomo ou veterinário, que além de responsabilizar-se pela coordenação do grupo, tem a
tarefa de buscar soluções às questões locais, utilizando-se de projetos de capacitação, de validação e
transferência de tecnologia, levando sempre em consideração as experiências dos produtores.
Atualmente, na Argentina, 1950 empresas agropecuárias estão associadas ao “Movimento CREA”,
proprietários ou administradores de mais de 4,5 milhões de hectares. São 224 Grupos CREA, distribuídos em 18
regiões, atendidos por mais 300 assessores/consultores técnicos atuam na Associação nas suas 18 unidades
regionais de forma individualizada ou nos grupos de produtores (CREA, 2016).104
O núcleo decisório da CREA
é composto por um presidente, produtor rural, com mandato de dois anos, e por um Conselho formado por um
representante da CREA regional. Cada membro da CREA paga uma taxa anual, que varia de acordo com a área
cultivada pelo associado. As fontes de receita da CREA são as taxas cobradas de cada associado, os contratos
com o setor privado, a publicidade em eventos e revistas, e, em menor escala, financiamentos oriundos de
agências de fomento à ciência (ORLOVE et al., 2011, p. 124).
102
Atualmente, o movimento passou a utilizar a marca CREA, em substituição a anterior AACREA. 103
Disponível em:<http://es.wikipedia.org/wiki/Asociaci%C3%B3n_Argentina_de_Consorcios_Regionales_de_
Experimentaci%C3%B3n_Agr%C3%ADcola 104
Fonte: Reporte Anual CREA 2015-2016. Disponível em:< http://www.aacrea.org.ar/index.php/reporte-anual-
crea>. Acesso em 01mai.2017. De acordo com essa mesma fonte, o Movimento CREA, em 2016, teve forte
presença nas redes sociais: Facebook (20.500 fãs); Twiter (18.500 seguidores) e You tube (211.000
reproduções).
132
Elementos de síntese
O primeiro elemento diz respeito à configuração e à longevidade dos serviços de
ATER e pesquisa agrícola na Argentina. Os dois serviços nasceram numa única organização
pública, o INTA, que os abriga até hoje, mais de 60 anos decorridos, que continua sendo a
principal estrutura pública a prestar os serviços de pesquisa agrícola e ATER, apesar da
presença de outras importantes organizações, como a CREA e as não governamentais, dentre
outras.
O segundo elemento está relacionado com o fato de a Argentina demonstrar
explicitamente uma da preocupação crescente com o segmento denominado de “agricultura
familiar”, ou seja, um conjunto expressivo de pequenos produtores rurais que ficou à margem
do processo de desenvolvimento, detentores ou não da posse da terra, que demanda políticas
públicas específicas e integradas, nestas incluídas a pesquisa agrícola e ATER.105
O terceiro elemento é um indicador do distanciamento ou "impotência" progressiva da
pesquisa agrícola e da ATER públicas em relação a alguns segmentos da cadeia agrícola de
valor mais avançados tecnologicamente e de maior demanda por parte de médios e grandes
produtores, como é o caso do setor de sementes, na Argentina. O comentário de Fuck (2009) é
exemplificador desse fato:
Isso posto, percebe-se que, sobretudo no caso da soja e do milho, a participação do
INTA na pesquisa e no mercado de sementes dessas culturas vem retrocedendo nas
últimas décadas. O avanço na utilização de variedades transgênicas de soja
evidenciou uma situação de impotência do setor público frente às novas opções
tecnológicas. Os trabalhos que vêm sendo realizados pelo INTA em relação a essa
questão estão mais próximos à extensão rural do que propriamente à pesquisa.
(FUCK, 2009, p. 138)
Outro indicador desse distanciamento é o fato de o trabalho da CREA, entidade não
governamental, ter origem e progredido na região pampeana, região mais próspera da
agricultura argentina, tendo seus associados uma área média superior a 2.200 hectares por
unidade produtiva, distante, portanto, dos 107 hectares de área média dos agricultores
familiares FONAF (2008, p. 6).106
Tais fatos parecem indicar que nesses segmentos típicos de
médio e grande produtores, os serviços públicos de pesquisa agrícola e ATER estariam
gradativamente cedendo espaço para o setor privado, concentrando seus esforços na área de
regulação e em estratos de produtores menos capitalizados, caso da agricultura familiar.
105
Linha de pensamento também defendida por Girbal-Blacha (2010, p. 9). 106
Quino (2014), disponível em <http://www.crea.org.ar>. Acesso em: 24 jun. 2015.
133
Como exemplo está a criação da Secretaria Federal da Agricultura Familiar em 2005, criação
que indica de fato essa prioridade para o setor público.107
O quarto elemento trata-se de um fator-chave na sustentabilidade institucional da
pesquisa agrícola e ATER que é a integração entre os dois serviços. No caso do INTA, essa
preocupação parece assumir uma dimensão de maior importância por duas razões: a primeira
pelo fato de os dois serviços se localizarem fisicamente numa única organização; e a segunda,
paradoxalmente, pela recorrência de manifestações sobre a “necessidade de intensificação da
integração” expressas em diversas ocasiões nos documentos oficiais aqui analisados.108
Essa
questão produz repercussão direta sobre os modelos organizacionais adotados pelos inúmeros
serviços de extensão e de pesquisa existentes, quer aqueles públicos que estão abrigados numa
mesma organização, quer aqueles que estão em distintas organizações. Ou seja, não é
suficiente estarem a pesquisa e ATER juntas numa mesma organização para que esteja
assegurada a integração. Todavia, o fato de estarem em organizações distintas deve criar uma
dificuldade adicional para a integração.
Um quinto elemento que sobressai do caso argentino é o fato da presença de uma
conjunção de políticas públicas convergindo no sentido do desenvolvimento regional. Nesse
caso, novamente, a região pampeana é o cenário nítido dessa convergência, onde não apenas a
existência de recursos naturais de qualidade e a presença dos serviços de pesquisa agrícola e
de ATER foram suficientes para promoverem o processo de desenvolvimento ostentado pela
região.
A propósito, Barksky e Gelman (2001) esclarecem que o desenvolvimento da região
pampeana se deveu a fatores e condições de natureza nacional e internacional, como a
revolução ocorrida nos transportes terrestres e marítimos, a injeção de capitais e a massiva
onda de migração. Esses fatores tornaram factível a organização da região em uma economia
agroexportadora, movida por uma profunda reconversão técnica e produtiva das unidades
pecuárias, em função das demandas do setor frigorífico e do desenvolvimento da produção de
grãos.
A esse conjunto de fatores e condições se somam a reestruturação dos sistemas de
comercialização e transportes, assim como a difusão de tecnologias de produção, as
107
Empresas grandes e médias; empresas pequenas e médias (PyMES); pequenos produtores, minifundiários e
produtores familiares; e setores excluídos e mais vulneráveis da sociedade (INTA, 2004, p. 45). 108
A exemplo da menção no Plano Estratégico ao se referir aos mecanismos integração a serem adotados pelos
serviços de pesquisa e extensão e de que modo intentam abordar os seus clientes, produtores ou não; assim como
a preocupação com as estratégias a serem adotadas pelos dois serviços para enfrentarem os obstáculos que
surgirão no caminho das transformações pretendidas” (INTA, 2004, p. 32).
134
mudanças no regime de propriedade e posse da terra e outras políticas agrícolas que
conformaram uma das maiores transformações estruturais da história econômica e social
da Argentina.109
O mesmo estudo esclarece ainda que na região se estabeleceu um quadro
de relações complexas e diversas no setor agrícola, onde coexistem produtores de várias
categorias, produtores agrícolas e pecuaristas, proprietários e não proprietários, unidades
produtivas de distintos tamanhos, porém um quadro diferente da visão tradicional e
dominante noutras outras regiões, onde se contrapõem latifúndios de pecuária de um lado
e pobres “chacareiros” arrendatários, do outro (BARKSKY; GELMAN, 2001).
Este quinto elemento será particularmente útil para o presente estudo por demonstrar
que a apropriação da abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola pode possibilitar
uma visão mais ampla e integrada do conjunto das relações e transformações vivenciadas pela
região, oferecendo, assim, elementos de maior consistência analítica.
3.2.3. Estados Unidos
Para Morrison (2012), antes mesmo de se tornar oficialmente uma nação, percebia-se
nos Estados Unidos um sentimento manifesto de se utilizar a ciência no progresso da
agricultura, sentimento trazido por imigrantes britânicos e europeus que se mudaram para o
país. A diversidade de solos e culturas obrigou os produtores instalados, por meio de
tentativas de “acerto e erro”, a buscarem respostas, desde muito cedo, para tornar produtivas
as terras ocupadas. A sensibilidade e a convicção quanto à importância da ciência para a
modernização da agricultura eram compartilhadas não apenas por agricultores profissionais,
com também por vários líderes da Revolução Americana (MORRISON, 2012).
A evolução da agricultura e o surgimento do modelo Land Grant College
A abolição da escravatura, dentre outros episódios, como o Homestead Act e a criação
do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, ambos em 1862, dá início a uma
mudança importante na essência da modernização da agricultura dos Estados Unidos. A
109
Se um dos indicadores dessa afirmação for o avanço da biotecnologia na agricultura, constata-se que o país
teve a sua área cultivada com variedades transgênicas, passando de 37 mil hectares em 1996 para 16,3 milhões
de hectares em 2005, chegando a 2014 com uma área cultivada superior a 24 milhões de hectares, com soja,
milho e algodão, o que coloca o país entre os três países líderes no uso dessa tecnologia em todo o mundo
(International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications – ISAAA).
135
abolição concorre para a escassez relativa de mão de obra e estimula a geração e difusão de
novas tecnologias, inicialmente mecânicas, que deveriam ser capazes de promover o aumento
da produtividade do trabalho e, mais que isso, que dessem conta também da ampliação das
áreas cultivadas110
(HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 242).
A transformação de uma agricultura escravista para uma de modo capitalista ensejou,
dentre outros produtos, o surgimento de movimentos organizativos de, principalmente,
médios e pequenos produtores, buscando sensibilizar o governo para apoiá-los na adoção de
tecnologias que pudessem capacitá-los na competição com a agricultura mais capitalizada e
tecnificada.
Na segunda metade do século XIX, e caminhando na direção do atendimento às
reivindicações dos pequenos e médios produtores, o governo americano, por intermédio do
“Morril Act”, de 1862, doou aos estados terras destinadas à construção das escolas
"superiores de ensino agrícola e artes mecânicas" (Land-grant colleges111
), que deveriam
contemplar áreas para a instalação de estações experimentais, responsáveis pela geração de
tecnologias agrícolas (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 244).
Assim, esses dois atos da autoridade federal, criação do Departamento de Agricultura
e a doação de terras para a criação das estações experimentais por parte dos estados, podem
ser considerados como os primeiros pilares sobre os quais se desenvolveria o sistema nacional
de pesquisa agrícola nos Estados Unidos. Esse modelo tinha inspiração da tradição alemã de
apoio a laboratórios de pesquisa e às estações experimentais agrícolas (HAYAMI; RUTTAN,
1988, p. 244).
Como apenas poucos estados criaram suas estações experimentais, o governo institui a Lei
Hatch, de 2 de março de 1887, que previa a alocação de recursos, inicialmente da ordem de
US$ 15,000.00, por ano, para cada estação experimental.112
A Lei Hatch concedia recursos
contínuos na aplicação em ciência e tecnologia agrícola, tendo como objetivos: “promover
110
O progresso na tecnologia mecânica foi impressionante durante a última metade do século dezenove
(HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 242). 111
A denominação decorre do fato de, inicialmente, essas instituições terem sido financiadas com recursos
oriundos das vendas de terras governamentais (GUSTAFSON, 1997, p. 45). 112
A primeira estação experimental estadual, a Estação Agrícola Experimental do Estado de Connecticut,
(Connecticut State Agricultural Experiment Station) somente foi estabelecida em 1877 (HAYAMI; RUTTAN,
1988, p. 245). Treze outros estados seguiram Connecticut na década anterior à Lei Hatch, provendo fundos para
apoiar as estações experimentais. Por ordem, Califórnia, Carolina do Norte, Massachusetts, Nova Iorque, Nova
Jersey, Ohio, Tennessee, Alabama, Wisconsin, Louisiana, Maine, Kentucky e Vermont. Em Louisiana, o
Legislativo autorizou a criação de uma estação experimental em 1884, mas não chegou a colocar a unidade em
operação até 1886.Talvez por essa razão, um grupo de produtores de açúcar estabeleceu a sua própria estação
privada de açúcar em 1885, localizada em uma fazenda perto de Kenner, cidade da Lousiana. No total, em 1887,
quatorze estados tinham criado suas estações experimentais agrícolas (MORISSON, 2012).
136
investigação científica e experiências, respeitando os princípios e aplicações da ciência
agrícola, (...) articulando-se com a indústria agrícola dos Estados Unidos, (...) levando em
conta as diferentes condições e necessidades dos respectivos estados” (MORISSON, 2012).
Mesmo assim, o fato é que as expectativas criadas com a implantação das estações
experimentais não estavam sendo correspondidas, na medida em que os produtores alegavam
que as tecnologias geradas nas estações não chegavam até eles. Isso motiva o seguinte
comentário de Hayami e Ruttan (1988): “Ao revisar a história da pesquisa agrícola, entre
1880 e 1890, a questão mais interessante não é: com que o sistema contribuiu para o
crescimento da produção e produtividade? Em vez disso, a pergunta mais apropriada é: por
que contribuiu tão pouco?” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 245).
Os mesmos autores esclarecem que as respostas são várias, todavia deixam a entender
que uma delas está relacionada com a inexistência de um mecanismo que aproximasse as
tecnologias geradas, nas estações experimentais públicas e em outras fontes, dos produtores,
sobretudo os médios e pequenos. De forma mais direta, eles apontam que: “Antes de 1914, as
estações experimentais e as escolas superiores estaduais de agricultura, juntamente com as
revistas agrícolas, tinham executado a maior parte do trabalho de extensão, durante muitos
anos de forma desorganizada...” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 290).
Essa constatação também é apontada por Morisson (2012), ao observar que nos anos
que se seguem à criação dos Land-grant, os agricultores começaram a exigir resultados
objetivos, de acordo com as expectativas e compromissos assumidos pelas novas faculdades
para a modernização da agricultura. Ele acrescenta que uma dificuldade adicional para a
difusão de resultados que atendessem às demandas dos agricultores estava relacionada ao
“restrito estoque” de conhecimento com base científica por parte dos professores agrícolas. As
demonstrações práticas e as fazendas-modelo passaram a se constituir nas estratégias
principais de trabalho, dando origem, em seguida, aos primeiros trabalhos de pesquisa
agrícola.
Daniel Gustafon (1997) também argumenta que à época, universidades tradicionais
como Harvard e Princeton eram vistas como elitistas, sem muitas preocupações com a solução
dos problemas objetivos da população e sem “trabalhos práticos”. Assim, a missão de
expandir conhecimentos e de resolver problemas práticos da agricultura e das “artes
mecânicas”, atribuída aos Land-grant colleges, permeou a sua trajetória de ensino e pesquisa,
gerando a criação de cursos para agricultores e outras iniciativas na área de extensão, como
por exemplo, até 1910, a criação 35 departamentos de extensão rural em escolas de ensino
agrícola dos Estados Unidos (GUSTAFSON, 1997, p. 45).
137
A criação do Serviço Cooperativo de Extensão e o sistema “ensino-pesquisa-
extensão”
Quase que como consequência natural dessa sequência de eventos, em 1914, Hoke
Smith, senador pela Geórgia, e o deputado Asbury Lever, da Carolina do Sul, propuseram a
criação do Serviço Cooperativo de Extensão, que atuaria como um braço educacional do
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A Lei de criação do Serviço
Cooperativo de Extensão Rural, Smith-Lever Act, como foi denominada em alusão aos seus
criadores, foi assinada pelo presidente Wilson em 8 de maio de 1914, estabelecendo o Serviço
Cooperativo de Extensão como uma parceria entre o USDA e as Universidades, as State land-
grant universities (USDA113
).
Assim, por meio do “Smith Lever Act” foi criado o Serviço, que se auto instituía
cooperativo pelo fato de a Lei prever uma participação dos governos federal e estadual em
proporções iguais, por meio do “Plano 50/50”, estabelecendo que para cada dólar do governo
federal, investido no serviço de extensão rural, caberia aos governos estaduais igual valor
(HAYAMI & RUTTAN, 1988, p. 290). Atualmente, a forma de alocação dos recursos para
cada estado guarda relação direta com o peso relativo da população.
O “Smith-Lever Act” atribuiu ao serviço público de extensão rural função e modo de
atuação bastante claros, estabelecendo que o serviço de extensão deveria ser parte integrante
da universidade, um serviço educativo e transmissor de informação aos fazendeiros, por
meio de preleções, ilustrações, demonstrações, excursões, etc.114
Segundo o National Institute
of Food and Agriculture (NIFA), órgão vinculado ao USDA, o “coração” do trabalho de
extensão, de acordo com o Smith Lever Act, poderia ser sumarizado como o “desenvolvimento
de aplicações práticas da pesquisa agrícola e a oferta de educação e demonstrações práticas de
processos ou tecnologias agrícolas existentes ou aperfeiçoadas” (tradução nossa)115
. Em
síntese, pode-se afirmar que apesar dos avanços, as Land-grant colleges apresentavam
algumas limitações na sua capacidade de produção de novos conhecimentos científicos e
técnicos para o desenvolvimento agrícola, limitações ainda maiores do que aquelas
apresentadas pelo Departamento de Agricultura.
113
Disponível em<http://http://www.nifa.usda.gov/about/offices/legis/pdfs/smithlev.pdf>.Acesso em: 07 mar.
2012. 114
Disponível em:<http://http://www.nifa.usda.gov/about/offices/legis/pdfs/smithlev.pdf>. Acesso em: 07 mar.
2012. 115
Disponível em:<http://www.csrees.usda.gov/qlinks/extension.html#yesterday>. Acesso em: 07 mar. 2012.
138
Somente em 1914, com a aprovação da Lei Smith-Lever, criando o Serviço
Cooperativo de Extensão Rural, o país criou uma base institucional firme de pesquisa, ensino
e extensão, quando então as "novas estações experimentais puderam ser consideradas como
fontes produtivas de novo conhecimento ou promotoras decisivas para o crescimento da
produtividade na agricultura americana” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p.245).
Para Cruzado (2012), a história do serviço de pesquisa e extensão nos Estados Unidos
não deve deixar de registrar que a concepção e inspiração de todo esse complexo sistema
criado nos Estados Unidos, que alcança todo o país, devem ser atribuídas, em grande parte, a
Seaman Asahel Knapp, conhecido como The Father of Extension. Para ele, o sistema de
difusão das inovações só poderia funcionar se houvesse a presença de alguém que, de forma
prática, objetiva e presencial, na fazenda e junto ao agricultor, fizesse o papel de uma ponte
que superasse as diferenças geográficas e culturais. Assim, surgia a figura do extensionista,
respaldada pelo ensinamento de Seaman Knapp, segundo o qual, “o fazendeiro deve resolver
o problema em sua própria fazenda e com as próprias mãos ... O que um homem ouve, ele
pode duvidar, o que ele vê, ele também pode duvidar, mas o que ele faz, ele não pode
duvidar” (CRUZADO, 2012, p. 6; tradução nossa).
O primeiro grande teste para medir o desempenho do serviço de extensão rural nos
Estados Unidos ocorreu por ocasião da Primeira Guerra Mundial, quando, ao final da qual, no
período de 1913 a 1919, os resultados foram considerados muito positivos: aumento da área
cultivada de trigo de 47 para 74 milhões de acres; apoio ao Ministério da Agricultura na sua
missão institucional de estimular o aumento da produção agrícola, as práticas de
comercialização da produção e de conservação de alimentos perecíveis; e equacionamento da
escassez de mão de obra motivada pela guerra, especialmente nos momentos de colheita, por
intermédio da organização das mulheres e dos jovens, movimentos denominados Women's
Land Army e The Boys' Working Reserve (NIFA).116
No período da Grande Depressão, o papel da extensão rural também foi
reconhecido como de grande importância para a sociedade dos EUA. Naquela ocasião, os
trabalhos de extensão priorizavam práticas educativas grupais, como a comercialização
coletiva de produtos, incentivando, por exemplo, o cooperativismo. Em paralelo, junto às
mulheres rurais, eram estimuladas outras práticas na área da economia doméstica,
relativas à produção, qualidade e conservação de alimentos e incentivo à novas
116
Disponível em:<http://www.csrees.usda.gov/qlinks/extension.html>. Acesso em 29 out. 2013.
139
habilidades, ações que no seu conjunto minimizavam os efeitos da crise, ajudando muitas
famílias a superarem um dos períodos mais dramáticos da vida econômica daquele país.
Por ocasião da Segunda Guerra Mundial, o objetivo era assegurar aumentos na
produção agrícola essenciais ao esforço da guerra. O resultado também foi expressivo: a
produção de alimentos de 1944 representou um aumento de 38% na média da produção obtida
no período 1935-1939. Uma das estratégias operadas pelo serviço de extensão foi a
implementação do "The Victory Garden Program", que se constituía no estímulo ao uso de
sementes, fertilizantes e de ferramentas simples para o cultivo de hortícolas e outros vegetais
para consumo "in natura". Como resultado, no ano de 1942, por volta de 15 milhões de
famílias implantaram as hortas do Programa, sendo este número superado em 1943, iniciativa
considerada como uma das mais importantes na história da extensão rural dos E. Unidos
(NIFA).
À rica história da pesquisa e extensão dos Estados Unidos, acrescente-se o fato de
a agricultura estadunidense ter registrado um expressivo decréscimo da população atuante
na agricultura. Do final do século XIX até 2010, a PEA agrícola saiu de 60% para 1,6%,
respectivamente. Esse fato revela quão intensas foram as transformações ocorridas no
meio rural dos Estados Unidos, movimento que produziu e está produzindo repercussões
importantes em toda política agrícola daquele país e, em especial, nos serviços de
pesquisa agrícola e de extensão rural (FAO, 2011).
O momento atual
A institucionalização dos serviços públicos de pesquisa agrícola e de extensão rural
dos Estados Unidos, ocorrida entre 1860 e 1920, pode ser considerada como evento positivo
para a agricultura americana por duas razões: primeira, pelo fato de os dois serviços terem
sido capazes de, entre 1920 a 1960, alavancar recursos de forma bastante ágil; e, segunda, de
terem apresentado resultados expressivos de crescimento rápido do novo conhecimento
técnico e científico (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 246).117
117
Em 1989, por ocasião do 75º aniversário de criação do Smith-Lever Act, o Presidente George Bush assim se
manifestou, em reconhecimento ao serviço de Extensão (Proclamation 5969): “O Sistema Cooperativo de
Extensão tem feito muito para garantir que adultos e jovens, urbanos e rurais, tenham as melhores oportunidades
para desenvolverem todo o seu potencial. O Sistema tem sido construído sob o espírito e a tradição de seus
fundadores, adaptando-se com sucesso às novas mudanças e desafios ao longo dos anos, enquanto assistindo a
família rural americana, no sentido da obtenção de produções eficientes e a oferta confiável de alimentos e fibras
para consumidores do nosso país e do mundo afora. Os empregados do Sistema e três milhões de voluntários que
habilmente assistem e ajudam a produtores individuais, famílias e comunidades a aplicarem conhecimentos
gerados pela pesquisa e técnicas de liderança para enfrentar os problemas que ocorrem na agricultura americana
140
Atualmente, a agricultura americana é considerada uma das maiores do mundo, não
apenas pelos volumes produzidos, mas, também por seu perfil tecnológico, cuja contribuição
do trabalho da pesquisa agrícola e da extensão rural pode ser considerada de grande
relevância.118
Das mudanças mais expressivas ocorridas na agricultura americana está o fato
de que, em 1914, quando foi criado o Serviço Cooperativo de Extensão Rural, mais de 50%
da população morava na zona rural. Hoje, decorrido mais de um século, apenas 17% da
população mora nas zonas rurais. O número de propriedades agrícolas, entre 1950 e 2012,
decresceu de 5,4 milhões para 2,1 milhões, segundo o Censo Agropecuário de 2012
(USDA/NIFA).119
Do ponto de vista organizacional, na base do serviço de extensão rural americano
estão mais de 100 Land-grant colleges e universidades.120
O sistema tem, portanto, a tripla
função de ensino, pesquisa e extensão. Em síntese, o Sistema Cooperativo de Extensão é
uma rede educacional de abrangência nacional. Cada estado ou território possui um escritório
articulado com uma “universidade land-grant” e a uma rede de escritórios regionais. Esses
escritórios estão apoiados por um ou mais especialistas, que atuam com informações úteis e
práticas, baseadas em pesquisa agrícola, tendo como clientes produtores agrícolas, pequenos
empresários, jovens, consumidores e outros atores das áreas rurais e comunidades diversas.121
Os programas de extensão rural são administrados por, aproximadamente, 3.000 Conselhos de
Extensão e escritórios regionais.
Do lado governamental, o NIFA, uma espécie de coordenador do sistema, é o
responsável pelo apoio às universidades, aos escritórios locais de extensão rural e pela
representação da parceria federal junto ao Cooperative Extension System (CES), cuja missão é
levar o trabalho de extensão rural diretamente aos produtores rurais americanos. O NIFA tem
a missão de aportar, anualmente, os recursos federais, aprovados pelo Congresso, para apoiar
todos os dias”. (Tradução nossa). Disponível em: < http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=23504>. Acesso
em 07 mar. 2017. 118
Não é sem razão que, de acordo com o USDA/NIFA, em 1945, eram necessárias 14 horas de trabalho para
produzir 100 bushels de milho, em 2 acres de terra; em 1987, foram necessárias 3 horas, para produzir os
mesmos 100 bushels de milho, em apenas 1 acre; e em 2002, os mesmos 100 bushels foram produzidos em
menos de 1 acre de terra. Outro dado importante é aquele que demonstra que, em 1950, um produtor produzia
alimentos para 15,5 pessoas; em 1990 para 100 pessoas; e em 1997 para quase 140 pessoas (USDA/NIFA). 119
Em 2012, eram 3,2 milhões de agricultores, operando 2,1 milhões de fazendas em 914.5 milhões de acres de
terras agrícolas. Disponível em:<http://www.agcensus.usda.gov/Newsroom/2014/05_02_2014.php>.Acesso em:
01 mai. 2017. 120
Disponível em: <www.csrees.usda.gov/qlinks/partners/partners>. Acesso em: 07 nov. 2016. 121
Disponível em: <http://www.csrees.usda.gov/Extension/USA-text.html>.Acesso em: 07 nov. 2016.
141
estados e Conselhos, obedecidas as prioridades estratégias nacionais.122
Em síntese, o NIFA
representa a estrutura federal líder na criação e difusão do conhecimento nos domínios das
ciências biológicas, físicas e sociais, relacionados à pesquisa agrícola, análise econômica,
estatística, extensão e ensino superior. Os principais temas a serem apoiados pela Agência, em
2015, estavam voltados para a "segurança alimentar e fome", "mudanças climáticas",
"sustentabilidade energética", "pequenos negócios" "obesidade","disponibilidade de água" e
"qualidade dos alimentos", dentre outros.123
A Tabela 4 demonstra a dimensão da agência de coordenação nacional do sistema de
Pesquisa, Extensão e Educação nos E. Unidos. A estrutura de pessoal na função de
coordenação é relativamente compacta, em relação à magnitude da tarefa desempenhada pela
agência. Os recursos totais orçados para o Ano Fiscal de 2015 reservavam a sua maior parte,
55%, para a promoção da Pesquisa e Educação, cabendo 33% ao apoio à Extensão. Um dos
dados mais relevantes diz respeito ao envolvimento sistemático de mais de uma centena das
Land-grant universities, compondo a solidez do sistema quanto à valorização da base de
conhecimento.
Tabela 4 - Dimensão da Pesquisa, Extensão e Educação no NIFA, Ano Fiscal 2015
Dimensão Quantitativos
1. Funcionários 350
2. Orçamento total (em US$ de 2015) 1,435.013.000
2.1. Pesquisa e Educação 791,959.000
2.2. Extensão 471,691.000
2.3. Integração 30,900.000
2.4. Execução Obrigatória 140,463.000
3. Número de Land-grant Universities parceiras 112
Fonte: <http://www.nifa.usda.gov/about/pdfs/factsheet.pdf>.
É curioso notar que os avanços nos índices dos rendimentos da agricultura americana,
assim como o reconhecimento da importância do papel dos extensionistas nesses avanços ao
longo dos anos caminharam juntos com o decréscimo do número de escritórios de extensão
rural de forma progressiva, resultando, atualmente, em cerca de 2900 escritórios de extensão
122
Recursos previstos para o ano fiscal de 2015, “formula grants annually,” se aproximavam de US$ 1,5 bilhão. 123
Disponível em: < http://www.nifa.usda.gov/about/pdfs/factsheet.pdf >Acesso em: 02 out. 2016.
142
em todo o país (USDA/NIFA). Quanto aos recursos recebidos pelo serviço de extensão rural
americano, a expressão oficial contida no site do NIFA é esclarecedora por si só:
“increasingly, extension serves a growing, increasingly diverse constituency with fewer and
fewer resources.”124
A evolução da extensão rural ao longo da sua história tem mostrado facetas
importantes e diferenciadas. O início da formação do serviço cooperativo de extensão nos
Estados Unidos coincide com o processo de industrialização do país, com o início do grande
movimento migratório rural-urbano e com a capitalização da agricultura familiar.
No que concerne aos papéis institucionais e financiamento, com algumas variações
entre os estados, o serviço de extensão funciona até hoje como concebido em 1914, no âmbito
das universidades e com o controle parcial dos três níveis de governo (GUSTAFSON, 1997,
p. 45). O sistema Cooperativo de Extensão é ainda hoje financiando exclusivamente pelos
governos federal, estaduais e locais. Quanto aos conteúdos técnicos, às estratégias e
articulações, às formas de abordagem e aos avanços das ciências, é inegável que o serviço de
extensão acompanhou as grandes transformações vivenciadas pela sociedade e pela
agricultura dos Estados Unidos, modernizando-se e trabalhando em programas demandados
pelas novas realidades (GUSTAFSON, 1997, p. 48).
De modo geral e institucional, segundo o NIFA (2017), o serviço de extensão rural dos
Estados Unidos está incumbido dos seguintes papéis: transformar conhecimentos teóricos em
aplicação prática; identificar questões de pesquisa emergente; encontrar respostas e incentivar
a aplicação da ciência e tecnologia para melhorar as condições agrícolas, econômicas e
sociais; preparar as pessoas para romperem o ciclo da pobreza, incentivar estilos de vida
saudáveis; preparar os jovens para a vida adulta responsável; dar uma resposta rápida sobre
desastres e emergências; conectar as pessoas à informação e à assistência disponível online
(NIFA)125
.
O sistema também teve a capacidade de, ao longo da sua história, atrair milhares de
voluntários que compartilham tempo e experiência.
124
Disponível em: <http://www.stateconservation.org/maine/article/Cooperative-Extension-Service/181>.
Acesso em 01 mai. 2017. 125
“Translate science for practical application; Identify emerging research questions, find answers and
encourage application of science and technology to improve agricultural, economic, and social conditions;
Prepare people to break the cycle of poverty, encourage healthful lifestyles, and prepare youth for responsible
adulthood; Provide rapid response regarding disasters and emergencies; Connect people to information and
assistance available online”. Disponível em:< https://nifa.usda.gov/extension#>. Acesso em: 02 mai. 2017;
tradução nossa).
143
Umas dessas novas realidades é o uso da rede mundial de computadores como
elemento de comunicação e de trabalho entre extensionistas e comunidades. O “The eXtension
Web” trata-se de um mecanismo de informação coordenada, no qual os clientes têm acesso em
tempo integral à informação personalizada e especializada em ampla variedade de temas,
questões de interesse específico, eventos e fóruns de discussão. O suporte técnico e científico
dessa estratégia é dado pelas equipes das Land-grant colleges, incluindo artigos técnicos,
perguntas e respostas e outras plataformas educativas, dentre as quais, as Communities of
Practice – COP (NIFA).126
Acrescente-se que o Censo Agropecuário de 2012 revelou redução no número das
fazendas, em relação ao último Censo de 2007, o aumento da área média de cada
estabelecimento, assim como a constatação de que 75% das fazendas geraram receita anual
inferior a US$ 50 mil, representando 3% do total da renda bruta do setor. Do outro lado, 4%
das propriedades agrícolas geraram receita superior a US$ 1 milhão, contribuindo com 66%
da receita bruta total do setor. Esse fato indica sinais do aumento da concentração de renda
(por categoria de propriedade e geograficamente) no campo, o que deve se constituir em mais
um desafio para os serviços de pesquisa e extensão rural daquele país.127
Quanto ao perfil do extensionista dos Estados Unidos, é possível constatar que no
início de sua formação, a extensão enfatizava a assistência técnica, ou a chamada difusão de
tecnologia; todavia, o fortalecimento do setor privado na agricultura fez com que essa ênfase
se deslocasse para uma ação mais típica da extensão rural que foi a atenção às necessidades
mais amplas das famílias, quanto ao processo de tomada de decisão, ao empreendedorismo, à
gestão da produção e à organização comunitária.
Na tentativa de se caracterizar um perfil para esse profissional, pode-se afirmar que o
extensionista dos Estados Unidos vem desempenhando um o papel cada vez mais de
educador junto a indivíduos e grupos, utilizando-se para tanto da gestão inteligente das
informações disponíveis, quer sejam de fontes públicas ou privadas. Há, contudo, temas que
vem obtendo maior atenção e atuação dos extensionistas, considerando sua relevância para os
produtores, que são: preservação ambiental, prospecção de novos mercados e apoio às
comunidades na atração de novos empreendimentos geradores de novos empregos. Ou seja, o
papel da assistência técnica é, em grande medida, cumprido pelo setor privado, enquanto o
126
Disponível em: < https://extension.org/>. Acesso em 02 mai. 2017. 127
De acordo com o último Censo Agropecuário dos Estados Unidos, cinco estados concentraram quase 40% da
receita agrícola em 2012 (California: 42,6; Iowa :30,8; Texas:25,4; Nebraska:23,1; e Minnesota:21,3 bilhões
dólares). Disponível em:< http://www.agcensus.usda.gov/Newsroom/2014/05_02_2014.php>. Acesso m: 20 jun.
2015.
144
setor público se incumbe da extensão rural, que ainda é vista como integrante da extensão
universitária, e, portanto, de caráter público.
Elementos de síntese
O primeiro elemento a destacar está circunscrito à longevidade e à estabilidade do
Sistema Cooperativo de Extensão, que sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, com
mais de 100 anos de existência, completados em 2014, uma marca singular, respaldada por
um desempenho aprovado pela sociedade dos Estados Unidos.
O segundo elemento pode ser traduzido pelo destaque à concepção de visão sistêmica
que fundamentou a criação do Sistema Cooperativo, desde a sua origem. Naquela ocasião, a
base formal residia sobre a pesquisa agrícola, o ensino e a extensão, no entanto, incluía outros
instrumentos de política agrícola/agrária, como com foi o caso da ocupação da fronteira do
Oeste, além ao estimular, por exemplo, o uso dos sistemas de patentes, que fornecia a
proteção suficiente para induzir inventores e fabricantes a assumirem os custos da pesquisa e
do desenvolvimento. Ou seja, custos necessários para introduzir um fluxo contínuo de
insumos industriais novos, planejados para cultivar mais terra e reduzir exigências de mão de
obra por unidade de área (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 243).
O terceiro elemento enfatiza o caráter institucionalizado de divisão de
responsabilidades entre os atores do sistema, presentes no modelo do Sistema
Cooperativo de Extensão, na medida em que estimula a participação organizada de
produtores, por meio de cooperativas, por exemplo, ou estimulando a participação da
iniciativa privada nos espaços onde o Estado se mostra menos preparado, como é o caso
da oferta de assistência técnica mais especializada, modalidade em franco crescimento
no modelo cooperativo dos Estados Unidos. Essa divisão de responsabilidade tem
também a prerrogativa de tornar o sistema ainda mais transparente, com uma qualidade
adicional que é o poder de decisão exercido pelas instâncias locais, como esclarece
Gustafson (1997, p. 47):
(...) o nível federal estabelece a política nacional e o sistema funciona sob a tutela do
USDA (...). Independentemente na variação que existe na responsabilidade da
administração local em financiar os serviços como a extensão rural, no nível local há
conselhos, ou de agricultura ou de extensão, que influenciam ou determinam os
recursos locais para a extensão, aprovam os planos anuais de trabalho e avaliam o
trabalho dos extensionistas. Podem decidir não dar prioridade à extensão e até optar
por não ter um escritório local.
145
O quarto elemento a ser destacado como fator de sustentabilidade do Sistema
Cooperativo é a estabilidade na provisão de recursos financeiros, assegurando a
implementação de programas e projetos sem os sobressaltos da descontinuidade, tão nocivos
em todos os campos de atividade, mas, sobretudo danosos às atividades de pesquisa, que
trabalham com escala temporal de médio e longo prazo. A exceção ocorreu apenas no
governo Reagan, mas que não compromete o restante de toda a série histórica.
(GUSTAFSON, 1997, p. 49).
Um quinto elemento que estabelece traço especial no modelo dos Estados Unidos é a
ligação umbilical do sistema de extensão à universidade e à pesquisa. A articulação com a
Universidade possibilitou uma maior estabilidade institucional e uma maior aceitação política
à extensão rural. Do ponto de vista interno, é razoável presumir que essa vinculação sistêmica
assegurou uma maior consistência dos conteúdos técnicos trabalhados tanto pelos
extensionistas, quanto pelos pesquisadores na formulação dos seus projetos de pesquisa, por
um lado, assim como no aperfeiçoamento do processo de formação de profissionais para atuar
na área de extensão, por outro.
O sexto elemento diferenciador é o elevado nível educacional e o sofisticado perfil
tecnológico dos produtores rurais, características que fazem deles usuários frequentes das
mais variadas fontes de informação, quer públicas ou privadas, além de dotar esse público de
considerável poder de influência e exigência na defesa de seus interesses e ideias. Essas
características, em outro sentido, influenciam positivamente a qualidade do trabalho de
extensionistas e pesquisadores, assim como, o comportamento das suas instituições
(GUSTAFSON, 1997, p. 51).
Um sétimo elemento grandemente responsável pela sustentabilidade do Sistema
Cooperativo de Extensão Rural dos Estados Unidos está na premissa de atender com
qualidade às necessidades do seu público beneficiário. Para Gustafson (1997), o
atendimento às demandas dos clientes da extensão tem sido fator de sustentabilidade mais
importante do que a estabilidade de financiamento do Sistema. Ou seja, para ele, se o Sistema
for impulsionado pelas necessidades dos clientes (“demand-driven”) terá muito mais
oportunidades de financiamento e respaldo político (GUSTAFSON, 1997, p. 52).
Como oitavo elemento, marcante na diferenciação do Sistema Cooperativo de
Extensão, está aquele relacionado ao padrão de governança e coordenação alcançado pelo
Sistema. Ou seja, enquanto a agricultura dos Estados Unidos atinge os mais elevados índices
de produtividade no cenário mundial, a extensão pública encolhe, deixando espaço para o
setor privado ocupar-se daquilo em que está melhor habilitado, cabendo à extensão outras
146
tarefas não menos nobres e mais relacionadas com o perfil público. Em síntese, há um
movimento de competitividade nas duas esferas: pública (mais eficácia da máquina pública) e
privado (setor agrícola mais competitivo e abertura de novas oportunidades de atuação
qualificada para o setor privado) trazendo em última instância, ganhos consideráveis para a
sociedade como um todo, razão de ser do próprio setor público.
3.2.4. França
No caso da França, a principal razão da sua escolha como referência de análise se
deveu ao fato de o seu modelo de pesquisa agrícola e extensão rural (vulgarisation agricole)
possuir um forte conteúdo estatal, porém, com uma característica especial, que é a
participação importante das representações de produtores rurais no âmbito das altas decisões
desses dois serviços públicos, sobretudo no de extensão.128
Essa característica do modelo
adotado pelos serviços franceses de pesquisa agrícola e de extensão rural desperta a atenção
em face de sua singularidade institucional, enquanto elemento diferenciador dos modelos dos
demais países selecionados.
Uma outra razão da escolha do “caso francês” está relacionada à evidência de ter sido
a França o país da Europa que menos implementou mudanças radicais nos seus serviços de
pesquisa agrícola e de extensão rural, destacando-se nestas mudanças, a comercialização e a
privatização, movimentos que estiveram presentes em muitos países europeus. Mesmo assim,
para Labarthe (2009), os serviços de pesquisa e de extensão rural franceses podem ser
considerados como serviços de formato público-privado (LABARTHE, 2009, p. S198).
Além dessas razões, cabe considerar que o serviço de extensão rural francês foi
fundado em 1879, totalmente financiado pelo Estado, podendo, assim, ser considerado
como um dos mais antigos do mundo.129
Ao lado da extensão, a França possui o mais
antigo organismo de pesquisa agronômica da Europa, o Institut National de La Recherche
Agronomique (INRA), criado em 1946.130
Para os objetivos e metodologia deste estudo, todas essas evidências reunidas
possuem um significado especial, tendo em vista a possibilidade de reflexão que elas ensejam,
pois são decorrentes do conjunto das inúmeras e ricas mudanças sofridas pelo setor agrícola,
128
Ver LABARTHE, 2009, p. S196. 129
Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/w5830e/w5830e03.htm>. Acesso em 20 jun.2015. 130
Fonte: http://www.inra.fr/60ans/histoire.
147
francês, em particular, e europeu, num sentido mais amplo, impactando, inevitavelmente,
todos os serviços de apoio à atividade agrícola.131
A agricultura da França é constituída, como na maioria dos países do oeste europeu,
por pequenas unidades familiares de produção, apresentando elevados custos de produção.132
Enquanto a atividade econômica se concentra num pequeno número de grandes empresas, a
agricultura continua a ser feita por pequenas empresas de carácter predominantemente
familiar. Na maioria das explorações agrícolas francesas, o proprietário da exploração
trabalha sozinho, contando com a ajuda ocasional de outros trabalhadores ou membros da
família (CHAMBRES D’AGRICULTURE, 2012).133
Neste ambiente, o serviço de extensão rural, responsável historicamente por atuar com
difusão e validação de inovações tecnológicas, encontra dificuldades de sucesso, face às
características das próprias unidades produtivas (LABARTHE, 2009, p. S196). Essas
características que condicionam, em grande medida, a sobrevivência e o crescimento das
pequenas propriedades agrícolas foram objeto de estudo no qual Perrier-Cornet & Aubert
(2009) argumentam que a concentração da produção agrícola entre poucas empresas cresce
continuamente, sendo este o perfil da agricultura avançada.134
Essa característica também se
constitui em um dos elementos diferenciadores entre a agricultura dos países desenvolvidos e
daqueles em desenvolvimento.135
Ou seja, é o modelo de produção adotado que assegura a
eficiência das grandes empresas, sejam familiares ou semi assalariadas nos países avançados,
que se fundamenta no crescimento do tamanho da unidade de produção agrícola e no
crescimento econômico continuado da empresa.
O mesmo estudo aponta que na França, de 2000 a 2007, a média da área das unidades
agrícolas “profissionais” cresceu de 64,5 para 78 hectares, numa velocidade de dois hectares
por ano, dinâmica que os autores consideram de particular importância para a consolidação do
monopólio da terra no país. (PERRIER-CORNET; AUBERT, 2009, p. 2). Ratificando o
estudo mencionado, por ocasião do recenseamento agrícola de 2010, constatou-se a existência
131
Para citar apenas uma dessas transformações, a França possui, ao lado dos Estados Unidos, uma das menores
participações da PEA agrícola na PEA total, no mundo e dentre os países aqui selecionados. 132
Pelo lado do contribuinte europeu, nesses custos devem ser incluídos os custos com os subsídios patrocinados
pela União Europeia nos programas de apoio à agricultura, a exemplo da Common Agricultural Policy (CAP),
que tem se revelado, inclusive no caso da França, como de resultado negativo em relação à melhoria na evolução
da eficiência técnica das unidades de produção agropecuária (DESJEUX; LATRUFFE, 2010, p. 2 e 4). 133
Disponível em: <http://www.chambres-agriculture.fr/fileadmin/user_upload/National/002_inst-site-
chambres/pages/infos_eco/FicheAgri_Portugais.pdf>. Acesso em 13 nov. 2016. 134
A escala de produção também pode ser considerada um condicionante do desempenho da extensão rural. 135
Nesse estudo, a França foi o país analisado.
148
de 515 mil unidades de exploração agrícola na França (continente e territórios ultra
periféricos), enquanto que no ano 2000 este número era de 665 mil, uma redução importante
de quase 30%. Atualmente, mantém-se esta tendência demográfica de longo prazo e não
deverá parar nos próximos tempos (CHAMBRES D’AGRICULTURE,2012).
O estudo conclui afirmando que, por um lado, não existem mais terras sem
exploração ou terras de reserva para serem incorporadas ao processo produtivo, por outro,
a rígida estrutura de propriedade limita o acesso das terras em produção. Desse modo, os
autores afirmam que o acesso à terra se constitui em um dos problemas determinantes
para se compreender as dificuldades enfrentadas pela pequena produção agrícola francesa
(PERRIER-CORNET; AUBERT, 2009, p. 2).
As câmaras de agricultura e a extensão rural (vulgarisation agricole)
Por ocasião do período pós-Segunda Guerra Mundial e na tentativa de superar as
dificuldades enfrentadas pela pequena produção, surgiu uma ideia, dentre outras, de estimular
o processo de modernização agrícola do país, a partir de esforços na injeção de investimentos
na produção de novos conhecimentos, sendo o serviço de extensão rural um dos protagonistas
e, ao mesmo tempo, um dos beneficiários dessa política (LABARTHE, 2009, p. S196).
A gênese do serviço de extensão francês, segundo Rolland (1984), foi inspirada na
criação, em 1879, do cargo de professor de agricultura em cada município, cuja missão era
oferecer curso completo de agricultura nas escolas normais primárias, além de proferir
palestras em todo o país sobre técnicas agrícolas modernas. Essa iniciativa teve papel
preponderante na formação das organizações de produtores rurais (associações, cooperativas,
sindicatos, etc.). Depois de 1919, a instituição dos “conselhos de desenvolvimento” em cada
município (departamento) passou a ampliar os serviços de extensão. Estes conselhos, embora
desativados em 1935, deixaram suas raízes, produzindo, pós 1945, inúmeras atividades
extensionistas de bons resultados, movimento que veio a causar conflitos entre grupos de
interesse que buscavam o controle da atividade extensionista (ROLLAND, 1984, p. 11).
Nessa direção, cabe sublinhar que uma primeira iniciativa, sob a forma de lei federal,
abriu caminho para a transferência da administração da extensão rural da esfera
governamental para o âmbito privado ou até profissional. Essa primeira Lei de abril de 1959
estabeleceu um texto-compromisso, uma espécie de “estatuto” da extensão, definindo-a como
“a difusão de conhecimentos técnicos, econômicos e sociais, necessários aos agricultores”. O
mesmo texto reconheceu a possibilidade de a atividade de extensão desenvolver-se na esfera
149
da iniciativa pública ou privada ou ainda profissional. Previa também que a coordenação da
extensão fosse exercida por um Conselho Nacional, nomeado pelo Ministro da Agricultura e,
no plano municipal, por um “comitê departamental da extensão para o progresso agrícola”, a
ser presidido pelo prefeito municipal (ROLLAND, 1984, p. 15).
O acirramento das disputas pelo controle da extensão rural levou as autoridades
responsáveis pelo trabalho oficial de extensão a implementar uma reformulação no Ministério
da Agricultura, que culminou com o Decreto de 4 de outubro de 1966, decidindo por conceder
às organizações dos produtores a liderança do controle das atividades de extensão rural
(ROLLAND, 1984, p. 11). A organização escolhida foram as Câmaras de Agricultura que
são o centro da representação política dos produtores rurais na França, representação
constituída a partir de eleições nos sindicatos da categoria. A transferência da
responsabilidade dos serviços de extensão pode ser analisada como um arranjo institucional
que permitiu nesse período o domínio da representação dos produtores que passaram a ter um
papel importante no Sistema de Conhecimento Francês (French Knowledge System).
A entidade selecionada representava principalmente um determinado grupo social de
produtores, os dos “produtores profissionais”. A consequência imediata e previsível foi a de
que esses “produtores profissionais” foram os beneficiários prioritários do trabalho de
extensão no país. Por outro lado, eles se constituíam na principal base produtiva do setor
agrícola, assim como, nos maiores contribuintes para os investimentos em extensão,
investimentos derivados de taxas que eram impostas à atividade agrícola (LABARTHE, 2009,
p. S198).
Assim, atualmente, um dos principais ofertantes dos serviços de extensão rural na
França é a Câmara de Agricultura, que faz parte de um sistema liderado pelo Ministério da
Agricultura, do qual participam, ainda, o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA),
as escolas de engenharia agrícola e o segmento de Educação Agrícola136
. Este sistema conta
ainda com a participação da Federação Nacional dos Produtores-FNSEA, da Associação
Nacional para o Desenvolvimento Agrícola- ANDA e dos institutos de pesquisa aplicada,
colocando-se numa instância intermediária entre o INRA e as Câmaras de Agricultura
(LABARTHE, 2009, p. S196).
A entidade “Câmaras de Agricultura” é uma organização dos produtores rurais, criada
na década de 1924 com a missão de viabilizar a interlocução entre o setor público e os
produtores rurais. Dados de 2016 apontam que a organização possui uma forte estrutura, com
136
INRA (Institut National de La Recherche Agronomique).
150
111 unidades públicas, distribuída em todo o território nacional, composta por: 89 câmaras de
representação municipal (Câmaras departamentais e interdepartamentais), 19 câmaras de
representação regional e 1 estrutura no nível nacional, representada pela Assembleia
Permanente das Câmaras da Agricultura (ACA). Conta nos seus quadros com
aproximadamente 8.010 colaboradores, incluindo 6.055 engenheiros e técnicos.
Em 2016, seu orçamento foi de US$ 966,7 milhões ($ 702 milhões de Euros),
oriundos das seguintes fontes137
: 42% oriundos de impostos e taxas; 27% de rendas por
serviços prestados a agricultores, empresas, etc.; 25% oriundos de contratos e acordos
com governo, autoridades locais, União Europeia, etc.; e 6% de outras fontes. A entidade
“Câmaras de Agricultura” elegeu na última eleição 4.200 representantes, escolhidos num
universo de três milhões de eleitores. A entidade conta ainda com uma instituição de
ensino superior e de pesquisa, a Esitpa, com a missão de "formar atores e tomadores de
decisão para o futuro da agricultura", objetivando a promoção da produção de bens e
serviços agrícolas voltados à alimentação mundial138
. Em 2013, a Espipa havia formado
6.000 profissionais, e abrigava 500 alunos em formação (CHAMBRES
D’AGRICULTURE)139
.
Do ponto de vista de diretriz de atuação, a extensão rural e a pesquisa agrícola
seguiram a política agrícola nacional da Europa, que teve como objetivo central, no período
dos pós Segunda Guerra (1945-1990), a garantia da segurança alimentar, buscada por
intermédio do aumento da produção e da produtividade agrícolas. As estratégias para o
alcance desse objetivo eram concretizadas em investimentos tangíveis e intangíveis. A
implantação do serviço de extensão rural fez parte desse conjunto de investimentos,
localizando-se no nível nacional e financiada a partir de investimentos públicos140
. Na França,
esses investimentos foram crescentes até a década de 1980, fato parcialmente refletido pela
evolução do número disponível de extensionista por produtores, que variou de 1: 900, em
137
Data cotação utilizada: 31/12/2013. Taxa: 1,3771 Dólar dos-EUA = 1 Euro. Fonte:
<http://www4.bcb.gov.br>. 138
Escola criada em, Paris, 1919, como l'ITPA (Institut technique de pratique agricole). Em 1964: a instituição
foi autorizada para oferecer o curso de engenharia na agricultura; em 1967 a ESITPA / ITPA passa a atuar sob a
égide de 23 Câmaras de Agricultura; em 1981, integra-se à estrutura da Assembleia Permanente das Câmaras de
Agricultura. A partir de então, a Escola constitui-se num serviço da Assembléia Permanente das Câmaras de
Agricultura, tornado-se reconhecida como uma das instituições públicas de educação agrícola superior que se
dedicam à missão da educação agrícola, atuando sob concessão governamental. Em 2007, passa a chamar-se
Ecole d'ingénieurs en agriculture. Fonte: <http://www.esitpa.org/l-esitpa/historique/>. Acesso em 03 jan.2014. 139
Disponível em: <http://www.chambres-agriculture.fr/chambres-dagriculture/nous-connaitre/dates-et-chiffres-
cles-du-reseau/>. Acesso em 13 mar.2016. 140
O termo “vulgarisation” foi cunhado como central para significar o papel do novo serviço, sugerindo a
popularização do conhecimento técnico.
151
1949, para 1: 560, em 1967; e para 1:145, em 1982. O termo “parcialmente” foi empregado
devido ao fato de que o número de produtores rurais também sofreu importante decréscimo no
mesmo período, naquele país, embora numa taxa menor do que a taxa da relação
extensionista/produtores (LABARTHE, 2009, p. S195).
No plano das articulações institucionais, a relação entre o serviço de extensão e
os institutos de pesquisa aplicada, que também foram constituídos no nível nacional,
com estrutura que refletia em seus departamentos o perfil da agricultura do país, pode
ser considerada como vetor importante no processo de inovação na agricultura francesa
(LABARTHE, 2009, p. S196).
Aparentemente, o modelo adotado pela França revela, a princípio, o caráter linear da
sua atuação, entretanto, estudo citado por Labarthe (2009) argui que os avanços tecnológicos
na agricultura francesa eram resultados de uma coprodução de conhecimento, proporcionada
pelas articulações de diversos atores, tais como: produtores, extensionistas, organizações de
produtores, institutos de pesquisa aplicada, dentre outros141
(LABARTHE, 2009, p. 196).
Já no plano das articulações entre pesquisa agrícola, extensão rural e produtores, os
movimentos de troca de experiências e debates, como os grupos de produtores, clubes de
estudo ou grupos atuantes nos Centros de Análise de Técnicas Agrícolas (CETA),
desempenhavam importante papel na implementação da pesquisa agronômica, embora se
reconheça que a participação de produtores mais tradicionais e pobres nesses movimentos seja
cada vez mais escassa. Ainda, com relação às ações de pesquisa agrícola e sua relação com a
extensão, cabe um breve complemento. Diferentemente do Brasil, a tarefa de conceber,
elaborar e implementar a política nacional de pesquisa e inovação é da responsabilidade do
Ministério da Educação Superior e Pesquisa em colaboração com o Ministério da Agricultura
e Pesca.
Quanto aos recursos financeiros, os principais responsáveis pelo financiamento do
sistema de pesquisa na França são os Ministérios, da Agricultura & Pesca e da Educação
Superior & Pesquisa, por intermédio da Agência Nacional de Pesquisa (Agence Nationale
de la Recherche-ANR), criada em 2005, com a missão principal de financiar grandes
programas de pesquisa científica e tecnológica. Fora do âmbito do governo, são também
141
O estudo citado é o de Leewis e Van den Ban (2004). A coprodução de conhecimento pode ser exemplificada
pelo papel desempenhado pelas estações experimentais e as redes de fazendas experimentais que contribuíam
para a validação de tecnologias, através de inúmeros experimentos e diversidade de inovações. Noutro exemplo
estão o Ministério da Agricultura e as organizações de produtores que eram responsáveis pelo financiamento das
estações e das fazendas experimentais. Acrescente-se ainda a intensa produção de literatura coeditada pelos
diversos atores (LABARTHE, 2009, p. S196).
152
financiadores a União Europeia, as empresas, as organizações públicas territoriais e
regionais, as associações e fundações (ARIMNET, 2010, p. 4).142
Feito esse panorama geral, resta esclarecer como e onde ocorre a integração da
pesquisa agrícola com o serviço de extensão. O modelo concebido para o sistema de
pesquisa conta com um espaço de “transferência de conhecimento agrícola”, no qual
estão presentes 20 universidades de ensino superior, que empregam 2.500
funcionários, atendendo a 14.000 estudantes. No caso do ensino superior relacionado
especificamente à agricultura, os trabalhos de desenvolvimento e extensão são
executados por meio de 60 “centros tecnológicos”, 122 agências dos distritos
agrícolas, beneficiando 600.000 produtores e 4.000 pequenas e médias empresas
agroindustriais. Os centros tecnológicos são organizações “semi públicas”,
articulados em três redes, lideradas pela ACTA (Association de Coordenation
Technique Agricole), pela ACTIA (Association de Coordination Technique pour
l'industrie Agroalimentaire) e pelos CTI (Centres Techniques Industriels), que atuam
de modo federativo, com pesquisa aplicada e transferência de tecnologia sob
demanda dos usuários (ARIMNET, 2010, p. 37).
Em outro estudo, Compagnone, Petit e Lémery (2008) concluem que o novo papel a
ser desempenhado pelas Câmaras trata-se de um papel de mediação que, embora exercido
com competência ao longo dos anos, na relação com inúmeros e diversos atores e na liderança
de programas e projetos, tem se caracterizado com um papel ambíguo, especialmente pelo
fato de restar às Câmaras pequeno grau de autonomia, no mérito dessas novas questões, que
possuem impacto direto sobre a atuação da extensão rural, especialmente em suas estratégias
de atuação e na formação do seu quadro técnico (COMPAGNONE; PETIT; LÉMERY; 2008,
p. 875).
Privatização e comercialização na extensão rural no contexto da multifuncionalidade
Desde 1990, o formato institucional dos serviços de extensão rural em muitos
países europeus tem sofrido ajustes consideráveis, os principais deles dizem respeito aos
142
Segundo dados da ARIMNET, os principais atores do sistema público de pesquisa agrícola da França (INRA,
CIRARD, CNRS, INFREMER e IRD) empregavam em 2008 um total de 14.000 pessoas, dos quais 3.556
pesquisadores, com orçamento anual de 1,180 bilhão de Euros (US$ 1,625 bilhão-Taxa de câmbio calculada pelo
Banco Central do Brasil, em 31/12/2013, 1 EURO = 1,3771 Dólar dos EUA). Disponível em:
http://www.arimnet.net/ARIMNet%20country%20report_FRANCE1010%20MDMO%20final4.pdf. Acesso em
03 mai. 2017.
153
movimentos de sua privatização e comercialização.143
A privatização tem ocorrido como
mecanismo de substituição dos atores públicos por um novo ator privado, os consultores
privados, sobretudo os especializados em complexos agroindustriais. Como exemplo
trazido por Labarthe (2009), está o caso da Holanda, que privatizou os serviços de
extensão rural e o sistema de produção de conhecimento, no período 1999/ 2000144
. A
França, nesse sentido, é o único país europeu que tem operado menos mudanças no
serviço de extensão rural. Por outro lado, tem sido aguda a crise que envolve o sistema de
cogestão do serviço de extensão francês, particularmente no que se refere ao desmonte da
ANDA. Quanto à modalidade conhecida como comercialização, ela tem significado que
os produtores agrícolas, cada vez mais, têm sido cobrados pelos serviços que lhe são
prestados. Nessa direção, alguns estudos têm apontado que a diversidade da economia
agrícola de muitos países industrializados no pós-Segunda Guerra tem suscitado a
possibilidade de os serviços de extensão serem substituídos pelo modelo de consultoria
privada, face à sua obsolescência145
(LABARTHE, 2009, p. S194).
A perspectiva trazida pelos movimentos privativistas do serviço de extensão rural
impõe à França importantes desafios para o sistema nacional de inovações agrícolas, no
contexto da abordagem multifuncional da agricultura. Assim, é possível afirmar que os
principais desafios que os serviços de extensão rural e de pesquisa agrícola vêm se
defrontando na França dizem respeito às expectativas colocadas pelo padrão multifuncional
da agricultura, como a necessidade de novos conhecimentos que possam levar em
consideração a integração das várias e importantes funções da unidade agrícola: produção
primária, proteção ambiental e segurança alimentar.
Sobre a multifuncionalidade da agricultura na França, que exerce influência direta
sobre o perfil dos agentes de extensão rural, cabe um comentário breve baseado em Laurent
(2013). A multifuncionalidade na agricultura francesa ganhou expressão e apoio das
estratégias governamentais por muitos anos por reconceituar competitividade, a partir da
inserção de novas atividades derivadas da agricultura, contribuindo para o desenvolvimento
local/territorial. Essas atividades, de modo integrado e articulado, proporcionam no seu
conjunto um novo padrão de desenvolvimento local que se contrapõe à falta de
143
A redução dos investimentos públicos em extensão rural tem sido drástica nesse período, mais na Holanda do
que na França. Na Holanda, a redução entre 1999 e 2000 chegou a 90% (LABARTHE, 2009, p. S198). 144
Labarthe (2009, p. S200) a privatização dos serviços de extensão tem promovido a desconstrução das ligações
e articulações dentro do sistema agrícola de produção de conhecimento o que poderá acarretar graves danos ao
sistema. 145
Estudos como os de Knutson & Outlaw, (1994) e Rivera, (2000), citados por Labarthe (2009).
154
competitividade internacional vista pelos olhos da tradição econômica até então. Ou seja, a
multifuncionalidade corresponde às inúmeras e articuladas contribuições da agricultura para o
desenvolvimento social, econômico e ambiental e político. A multifuncionalidade criou na
agricultura da França mediterrânea, por exemplo, cenários do que seria a expressão objetiva
do desenvolvimento rural sustentável, no que se refere à promoção do emprego local, à
redução da pobreza, à oferta e qualidade de produtos e serviços, dentre outros benefícios,
como o surgimento de uma agricultura periurbana de pequena escala, agroturismo, etc.
(LAURENT, 2013, p. 2).
Ao lado desse movimento, tem surgido outro de significado também relevante
para os segmentos de pesquisa e de assistência técnica e extensão rural que é o
crescimento vigoroso e contínuo da agricultura orgânica em todo o país. Riffiod (2012)
demonstra que o mercado para esse tipo de agricultura quadruplicou no período 1999 a
2011, estimando-se aproximar-se dos US$ 5,5 bilhões.146
Para a mesma autora, no final
de 2011 o país já contava com mais de 23 mil propriedades consideradas como unidades
de produção orgânica, significando 4,6% do total das propriedades do país, com uma área
de 950 mil hectares manejados organicamente. No mesmo ano, o setor de orgânicos
contava com 12 mil unidades de processamento e de distribuição de produtos.
Em 2017, o delegado-geral da Federação Nacional de Agricultura Orgânica na França,
Julien Adda, informou que o mercado de orgânicos cresce de 10 a 15% ao ano e o número de
produtores, que já alcançou 30 mil, aumenta em 20% também por ano, sendo a França o país
que lidera a conversão da agricultura tradicional pela orgânica em toda a Europa.147
Na base desse mercado em franca ascensão, especialmente a partir de 2008, está a
constatação de que 40% consumidores franceses consomem produtos orgânicos regularmente,
atribuindo à melhoria da saúde e do meio ambiente a principal justificativa para o seu
consumo (RIFFIOD, 2012).
De modo mais específico, os desafios tratados até então tomam dimensões mais
complexas para o serviço de extensão rural, com reflexos diretos sobre o perfil dos
extensionistas, haja vista a necessidade de dispor de respostas para os novos objetivos das
unidades produtivas, alguns vinculados aos desafios da multifuncionalidade e outros ligados à
organização global dos segmentos de P&D agrícola.
146
Riffiod (2012) estima que o mercado de orgânicos movimentou em 2011, aproximadamente a US$
5,5milhões (4 bilhões de Euros), convertidos em 31/12/2013, a uma taxa de 1 Euro=1,3771Dólardos EUA.
(Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. 147
Disponível em:< http://www.canalrural.com.br/noticias/rural-noticias/producao-organicos-franca-cresce-ate-
ano-64142>. Acesso em 03 mai. 2017.
155
Essa dimensão de desafio é igualmente válida para a pesquisa. O próprio INRA,
segundo maior instituto público de pesquisa na França, coloca como um dos seus grandes
objetivos contribuir com a sociedade na direção da disponibilidade e da segurança alimentar
no mundo até o ano 2050, atuando no campo da redução da emissão de gases e efeito estufa,
oriundos da atividade agrícola, e na promoção de práticas agrícolas e florestais alternativas
que possam minimizar e reverter as mudanças climáticas. Numa escala mais específica, a
pesquisa agrícola da França busca também novas formas de produção de energia e de
materiais de origem agrícola, além de inovações que possam limitar os impactos ambientais
globais (INRA, 2014).148
Novas demandas e um novo perfil extensionista
Acrescentam-se aos desafios mencionados na seção anterior, outros deles decorrentes
tão complexos quanto e de caráter ainda mais urgente, que se colocam igualmente importantes
nas agendas da pesquisa e da extensão rural na França, assim como em outros países da
comunidade europeia. Trata-se do conjunto de normas e padrões oriundos de toda
comunidade que diz respeito às questões ambientais, agroindustriais, de segurança e qualidade
alimentar e de saúde do trabalho, dentre outras, conjunto de normas e padrões ao qual os
produtores têm que se adaptar e seguir. Para tanto, pesquisadores e técnicos ligados à
assistência técnica terão que conhecer as novas demandas impostas e construir novos
conhecimentos e inovações para serem discutidos, validados e integrados aos vários sistemas
de produção existentes e aos vários públicos a que se destinam: pequenos e grandes
produtores, produtores “part-time” e “full-time”, produtores de produtos orgânicos e
convencionais, jovens e mulheres produtoras, enfim, para cada público ou cada sistema de
produção há necessidade de um planejamento e uma estratégia específicos.
Nesse quadro, há ainda de se compreender os papéis distintos que devem desempenhar
as instituições de pesquisa e de assistência técnica e extensão rural públicas e privadas. Em
resumo, isso significa um extraordinário ambiente de mudanças em permanente movimento
no campo das inovações e da criação de competências técnicas, com repercussão direta não
apenas na pesquisa e na assistência técnica, mas também no ambiente das instituições de
ensino, exigindo que todos sejam capazes de apresentar e/ou construir respostas para as
demandas dos variados sistemas de produção e dos distintos públicos produtor e consumidor,
148
INRA, disponível em:< http://institut.inra.fr/en>. Acesso em 10 jan. 2014
156
tudo convergindo para o aperfeiçoamento de novas competências e habilidades de formação
profissional.
O novo perfil para agentes da extensão rural e da pesquisa que passa a ser requerido
tem origem, segundo Labarthe e Laurent (2013a), também nas novas exigências impostas
pelos novos padrões e regulação, originados nos estados nacionais. Essas exigências
“aumentam a complexidade da gestão de sistemas de produção e geram novas necessidades de
conhecimento agronômico e inovação”149
(LABARTHE; LAURENT, p. 21, 2013a).
O conjunto das novas exigências suscita, por outro lado, a discussão sobre a
necessidade de melhoria dos serviços de pesquisa e de assistência técnica e extensão rural na
União Europeia para o atendimento das demandas dos produtores rurais. Como consequência
inevitável, ressurge, então, a necessidade de se aprofundar a discussão sobre o processo de
privatização desses serviços, iniciado na década de 1980-1990.150
Ainda para os mesmos autores, o processo de privatização enfraqueceu seriamente os
organismos que são responsáveis por viabilizar a interlocução entre as demandas dos
produtores e a oferta de serviços de P&D agrícola. Os autores acreditam que a evolução dos
serviços de consultoria técnica tende a priorizar o atendimento às médias e grandes
propriedades, marginalizando as pequenas propriedades, tanto na modalidade front-office
quanto back-office, com o agravante de esta última requerer um volume maior de
investimento e assim deslocar sua atenção para relações de melhor custo-benefício, não sendo
o caso das pequenas propriedades. Em se tornando realidade essa perspectiva, há de se
considerar que os investimentos em atividades do tipo back-office tornam-se um aspecto
relevante para a formulação da política de inovação agrícola (LABARTHE; LAURENT, p.
25, 2013b).
Em suma, o novo perfil especialmente dos agentes de assistência técnica e extensão
rural pressupõe o desenvolvimento de capacidades no campo da multifuncionalidade, que
envolve ações e práticas de atividades e serviços agrícolas e não agrícolas, assim como em
outros campos da atividade produtiva. Por exemplo, no campo das novas exigências
149
Como decorrência dessas exigências os países da União Europeia (UE) passam a ter a obrigação de criar
Farm Advisory Systems (FAS), com o objetivo de garantir que cada agricultor possa se beneficiar do
conhecimento adequado para cumprir com os diferentes padrões criados pela U.E. relativos às questões:
ambiental, social e sanitária. 150
Front-office: trabalho realizado na presença do beneficiário e permite a elaboração conjunta da demanda e/ou
a coprodução da solução. Back-office; significa o trabalho que é realizado sem a presença dos beneficiários na
formulação da oferta do produto ou serviço. Como exemplo estão as atividades como o
monitoramento/avaliação/validação de tecnologia, treinamento de consultores técnicos na construção de bases de
dados e até mesmo a produção de conhecimento original, por meio de experimentação e P&D (LABARTHE;
LAURENT, 2013a, p. 21).
157
regulatórias, que envolve o conjunto de normas e padrões oriundos de toda comunidade e que
diz respeito às questões ambientais, agroindustriais, de segurança e qualidade alimentar e de
saúde do trabalho; no campo das práticas de enfrentamento das mudanças climáticas, além
daquelas competências tradicionais inerentes ao campo da produção vegetal e animal, quer
convencional ou agroecológica. Embora novas e contemporâneas demandas, em nada
conflitam com o que determinava a primeira Lei de abril de 1959, o “estatuto” da extensão,
definindo-a como “La vulgarisation est la diffusion des connaissances techniques,
économiques et sociales nécessaires aux agriculteurs” (ROLLAND, 1984, p. 15; grifo
nosso).151
Elementos de síntese
O primeiro elemento a ser destacado é o papel desempenhado pela representação dos
produtores rurais franceses na liderança da administração dos serviços de extensão rural
prestados no país, algo diferenciador dos demais modelos debatidos até então. O fato de a
França ser o país europeu que menos mudanças tenha operado no seu serviço de extensão
rural, no sentido da privatização ou movimentos afins, pode ter sua explicação relacionada
com a sua forma de administração, liderada pelos produtores, nas Câmaras de Agricultura.
Adicionalmente, essa característica parece também indicar que o serviço de extensão inserido
nesse modelo ganha maior autonomia e espaço político, devido ao fato de caber aos
produtores a defesa desses interesses junto ao poder público, principalmente. Ou seja, noutros
modelos, essas reivindicações são lideradas recorrentemente pelos próprios extensionistas,
ficando os principais usuários do serviço, os produtores rurais, num segundo plano, subtraindo
em alguma medida a densidade política das reivindicações.
Um segundo elemento está relacionado à articulação entre o serviço de extensão,
o “sistema de pesquisa agrícola” e as Universidades. No “sistema”, o espaço reservado
para articulação e integração está dirigido para a atuação junto aos institutos técnicos ou
centros tecnológicos, cuja missão principal é o trabalho com pesquisa aplicada. Essa
feição do modelo que parece, a princípio, distanciar os centros de concepção e produção
do conhecimento da extensão rural, aproximando-o da tecnologia pronta para a difusão,
suscita a suspeição de um modelo com característica ofertista ou linear, embora essa ideia
seja contestada, como mencionado anteriormente (LABARTHE, 2009, p. S196).
151
“A extensão é a difusão de conhecimentos técnicos, econômicos e sociais necessários aos agricultores”
(ROLLAND, 1984, p. 15; tradução nossa).
158
Reforça essa suspeição a diretriz contida no documento de orientação do INRA para
atuação no período 2010-2020 (INRA, 2010), no qual é explicitado que a maioria dos atores
consultados para a feitura do documento manifestou expectativas e propostas sobre a postura
da pesquisa e sobre os seus métodos de trabalho e parcerias. Destacando-se, dentre esses, um
pedido ”unânime” para uma melhor difusão dos resultados da pesquisa, transmissão de
conhecimentos e de processos ou instrumentos, por intermédio da extensão, para que possam
ser adaptados e implementados em uma situação real. Acrescentam-se outras manifestações
dos parceiros e da sociedade para que possam participar mais diretamente dos programas, das
avaliações, dos trabalhos de campo, propondo, assim, uma postura de coparticipação e de
visão multidisciplinar na produção do conhecimento (INRA, 2010, p. 54).
Um terceiro elemento, de estreita relação com o segundo, reside nos desafios
impostos pela emergência de respostas ao padrão multifuncional que vem assumindo
a agricultura, não apenas na França, circundada pela nova abordagem territorial. Esse
desafio, dada à sua complexidade, desperta uma repercussão ampla nos serviços de
pesquisa agrícola e extensão rural.
Assim, é crível acreditar que a postura dos organismos de pesquisa e extensão deve
internalizar novos conteúdos e estratégias que possam tornar essas organizações mais
habilitadas a dialogar com os novos desafios. Uma dessas possíveis mudanças de postura na
matriz das organizações de pesquisa e de extensão pode estar dirigida para o próprio novo
perfil profissional a ser demandado, que certamente exigirá, por exemplo, um forte conteúdo
transdisciplinar, o que exigirá mais atenção do Ensino no aperfeiçoamento dos currículos para
formação de pesquisadores e extensionistas, dentre outros.
Um quarto elemento a ser destacado na experiência da extensão francesa, diz respeito
a presença no modelo liderado pelas Câmaras de Agricultura de uma unidade de ensino
superior agrícola e de pesquisa, a Esitpa. A importância desta unidade parece não estar
restrita à formação de quadros técnicos para o próprio sistema ou para outros, mas, também
por se constituir em um núcleo de pensamento importante do sistema, articulando-se,
apoiando e influenciando a política de pesquisa, extensão e de inovação de uma representação
política da agricultura das mais relevantes do país e do continente.
Um quinto elemento está ligado à dinâmica criada a partir das exigências da
União Europeia relacionadas a padrões e normas, no plano ambiental, da segurança
e dos aspectos laborais, que demandam esforço intensivo na produção e difusão de
novos conhecimentos, tanto dos serviços de pesquisa, assistência técnica e extensão
rural, quanto do ensino superior e técnico. Embora essa questão diga respeito à
159
realidade específica daquela região, ou seja, dos países de maior padrão de
agroindustrialização, esse fato pode ser traduzido como de importância para aqueles
países em processo de agroindustrialização, no sentido de adotarem, em suas agendas
de planejamento, ações e estratégias que incorporem cenários futuros tais como os
vivenciados hoje pela União Europeia. Em situação análoga está o crescimento da
agricultura orgânica, que também se configura como um desafio e que deve
suscitar reflexões dos vários atores da pesquisa, da assistência técnica e extensão
rural e do ensino, no sentido de contribuírem na construção de respostas e soluções
para as inúmeras demandas que este novo e promissor segmento deverá exigir num
futuro que já parece ter chegado.
Um sexto e último elemento a ser realçado diz respeito aos movimentos de
privatização e de comercialização de serviços de assistência técnica e extensão tão
comuns e antigos na comunidade europeia e também presentes em menor grau na
experiência francesa. O que se pode extrair para uma reflexão contextualizada para os
demais países selecionados é o fato de que, à medida que um setor agrícola se
moderniza, suas demandas por conhecimento se aprofundam, se especializam e
ganham volume, exigindo respostas cada vez mais rápidas e elaboradas, nem sempre
passíveis de atendimento pelo setor público.
A lição francesa aponta para uma questão dessa trajetória que parece ser
inexorável, que é a necessidade do atendimento às demandas das propriedades de
pequenas escalas, aquelas marginalizadas do processo de modernização da
agricultura em muitos países da comunidade europeia, impossibilitadas que foram de
pagar pelos serviços de suporte à modernização.
3.3. Síntese dos "elementos" e os insumos para novos atributos da ater
O objetivo desta seção é extrair da narrativa dos países selecionados, ordenada nos
"Elementos de Síntese”, o que há de mais relevante nas experiências visitadas, ou seja,
formular uma síntese dos "elementos de síntese". Com esta, busca-se destacar daqueles temas
tidos como relevantes, aqueles essenciais, na medida em que possam se constituir em insumos
para a discussão de um novo perfil para a ATER e para o extensionista do Brasil.
A primeira consideração, à luz das experiências dos países selecionados, diz
respeito à demarcação conceitual entre a agricultura empresarial, mesmo de pequeno
160
porte, e a agricultura familiar, dependente da ação governamental direta, que inclui as
áreas de reforma agrária. Para o primeiro caso, "agricultura empresarial", todos os países
visitados dispõem, cada vez mais, de serviços de assistência técnica (também
denominados de consultoria, aconselhamento ou assessoria) prestados por empresas
privadas ou por profissionais autônomos ou prestados pelas organizações dos próprios
produtores, portanto de algum modo, financiados pelos produtores, serviços que vêm
crescendo e adequadamente atendendo à demanda. No caso da agricultura familiar,
incluídas as áreas de reforma agrária, caso específico da África do Sul e da Argentina e
do Brasil, o serviço de ATER é, na maioria dos casos, oferecido diretamente pelo
governo, ou financiado por este e executado por intermédio de organizações não
governamentais. Nesse caso, o papel do governo tem sido de presença permanente,
embora com crescentes dificuldades de financiamento e operacionais, o que se desdobra
em casos de recorrente precariedade. Assim, os elementos a serem destacados aqui,
embora tratem da ATER como um todo, devem levar em conta essa demarcação
conceitual, que reflete em maior ou menor grau o fenômeno da heterogeneidade
estrutural presente na agricultura, destacadamente na África do Sul, porém comum em
outros países, como é o caso do Brasil.
Feitas essas considerações iniciais, o primeiro elemento essencial, recolhido da
“visita” aos países selecionados, que pode contribuir para a configuração de um novo perfil
para a ATER, diz respeito à necessidade da presença diretiva de um “Sistema Nacional de
Inovação Agrícola”, no qual se insira o serviço de ATER e que integre os demais atores, todos
responsáveis pelo processo inovativo. Portanto, em um novo perfil da ATER, não há espaço
para a abordagem linear, mesmo que ainda presente em muitas realidades.
O segundo elemento está relacionado com um traço comum nas experiências exitosas
visitadas que é a presença orgânica do “Ensino” na base do conhecimento agrícola que
alimenta continuadamente a Pesquisa e a ATER em todas as dimensões da sua atividade, não
apenas junto aos produtores, com também junto aos mercados. No mesmo caminho da
integração de serviços, cabe destacar as experiências dos Estados Unidos, em cujo modelo a
universidade congrega a pesquisa e a extensão rural, assim como o modelo argentino, no qual
Pesquisa e Extensão estão juntas no INTA, experiências que demonstram a longevidade como
uma característica relevante da sua atuação. Esse modelo, embora não assegure, tende a
produzir canais de articulação e integração de conteúdos mais ágeis e mais próximos da
realidade do produtor, do que o modelo com instituições individualizadas.
161
O terceiro elemento essencial identificado com a conformação de um “novo perfil
para a ATER” se relaciona com o conjunto das novas demandas impostas à agricultura e que
exigem da ATER e do profissional de ATER e da pesquisa uma postura técnica compatível e
sintonizada com esses novos desafios que demandam novos conhecimentos, habilidades e
competências. Um novo perfil que incorpora também o modelo das privatizações, que recebeu
críticas, pelo menos na Europa, onde marginalizou da modernização aqueles produtores que
não tinham condições de pagar pelos serviços de consultoria ou de apoio técnico.
Nesse conjunto, estão as “mudanças climáticas” que já estão a exigir uma
completa reformulação dos conceitos, dos espaços e dos sistemas de produção sob pena
de comprometer o objetivo central da segurança alimentar. Não menos importante, a
“multifuncionalidade da agricultura” se constitui numa outra demanda presente nas
experiências selecionadas que inevitavelmente provocará mais mudanças no perfil atual
dos agentes de pesquisa e de ATER.
Além das características específicas de cada realidade rural, moldando a ação do
agente de ATER, como aquelas relativas ao assessoramento aos novos “negócios de base
agrícola” e à “atração de investimentos”, questões comuns na experiência dos Estados
Unidos, mas absolutamente urgentes noutras realidades, dentre as quais a brasileira.
De igual importância, adicione-se aquela trazida pela exigência de “novas normas e
padrões”, relacionados às questões ambientais, qualidade dos alimentos e de saúde do
trabalho, comuns na França e Europa e, por certo, em breve noutros países. Somam-se a essas
novas demandas aquela relativa às “novas formas de organizações” dos produtores (clusters,
rede, pool, etc.) e a crescente “participação feminina” na atividade agrícola, movimentos para
os quais a ATER e a pesquisa terão necessariamente de se capacitar para promover mais
fluidez no diálogo. A prática da “agricultura de base agroecológica”, com destaque para a
agricultura orgânica é outra imposição dos novos tempos na realidade dos países selecionados
e de muitos outros. Essa forma diferenciada de fazer agricultura impõe uma reformulação
expressiva de conceitos e de currículos e do modo de atuação de pesquisadores, extensionistas
e educadores, produzindo, seguramente “novos perfis” profissionais institucionais e
curriculares.
As experiências dos Estados Unidos (Conselhos) e França (Câmaras de Agricultura)
quanto ao papel da organização dos produtores, influenciando diretamente os destinos da
política agrícola do país, da ATER e da pesquisa, revelam a diretriz de estimulo ao
protagonismo dos produtores nas decisões em âmbito nacional, significando também, um
162
antídoto eficaz contra as interferências políticas nefastas à boa gestão da pesquisa e da ATER,
principalmente, e ainda presentes entre nós.
Um último elemento está vinculado à “emergência da TICs” nas atividades agrícolas,
constituindo-se em instrumento de transformação profunda das práticas de todos os atores do
SNIA. Embora a inserção das TICs na realidade rural de países como Brasil, Argentina e
África do Sul ainda seja tímida, esse é um movimento irreversível e que provocará mudanças
substantivas na relação produtor/extensionista/ pesquisador.
Por fim, do conjunto dos elementos mais relevantes recolhidos da “visita” aos quatro
países selecionados é razoável perceber que agricultura, no seu sentido mais completo, vem
operando transformações importantes na busca da superação dos desafios que lhe são
impostos, atuais e futuros. Essas transformações repercutem em todo o mercado e, de modo
especial, repercutem também no SNIA.
O resultado final é que atividade agrícola vai assumindo novas feições, sem, contudo,
abandonar as suas principais responsabilidades históricas com a segurança alimentar e com a
redução da pobreza. No entanto, as novas feições exigem mais competitividade com
sustentabilidade, uma equação de resolução complexa que demanda um novo aparato de
conhecimento e de apoio técnico e institucional.
Nesse caso, insere-se o extensionista/consultor técnico, instado a contribuir com os
novos padrões da agricultura, o que lhe exige novos atributos, que abrangem, dentre outras
áreas: o domínio sobre a abordagem do desenvolvimento territorial; a sensibilidade para a
descoberta e atração de novos negócios de base agrícola; a habilidade para o estímulo ao
empreendedorismo; a capacidade de atuar numa agricultura multifuncional; o conhecimento
de normas relativas a questões ambientais, de qualidade dos alimentos e de saúde do trabalho;
desenvoltura na articulação com organizações/representações de produtores; competência no
trato das questões de mercado e de marketing; competência técnica no manejo de questões
ligadas às mudanças climáticas; habilidade para lidar com a emergência da liderança feminina
nos negócios agrícolas; habilidade no uso de novas ferramentas de trabalho disponibilizadas
pelas TICs, etc. O novo perfil extensionista que vem sendo desenhado impõe, por outro lado,
uma reformulação profunda também nas estruturas de ensino de formação profissional,
localizadas não apenas nas universidades, assim como, nas estruturas institucionais de
concepção e formulação de políticas agrícolas e de ciência, tecnologia e inovação.
163
4. ATER NO BRASIL: PASSADO DE CONTRIBUIÇÕES, FUTURO DE
INCERTEZAS
Este capítulo, referenciado pela discussão dos desafios impostos à agricultura mundial
e brasileira, pelas reflexões sobre os segmentos de difusão e de geração de tecnologia
agropecuária dos países selecionados e pelo suporte teórico dado pela abordagem Sistema
Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), pretende alcançar três objetivos. O primeiro deles,
contextualizar a evolução recente da ATER no Brasil. Para atender a esse objetivo, o ponto de
partida da discussão é a análise da evolução do perfil institucional do sistema público de
geração e difusão de tecnologia no Brasil, destacando-se aquilo que de mais relevante
contribuiu para o processo de modernização da agricultura brasileira.
Um segundo objetivo, decorrente do primeiro, é extrair elementos analíticos
relevantes da experiência extensionista brasileira, que possam se constituir em subsídios
que inspirem a configuração de um sistema de nacional de inovação agrícola, visto sob a
perspectiva da ATER. Esta configuração se constituirá no terceiro objetivo deste capítulo.
Em última instância, o que se pretende como grande objetivo é que todos esses elementos
sistematizados e integrados possam oferecer substrato analítico, que suscite e estimule o
debate sobre o aperfeiçoamento dos modelos de ATER governamental no Brasil, a partir
de uma concepção sistêmica do processo.
4.1. A evolução dos serviços públicos de pesquisa e de ATER no Brasil
Em decorrência dos objetivos do capítulo mencionados acima, esta seção tem o
propósito de desenvolver uma análise crítica da trajetória do serviço público de ATER no
Brasil e, de modo complementar, do serviço público de pesquisa agrícola, naqueles aspectos
nos quais possua relação direta com a ATER. O contexto da trajetória percorrerá seis
momentos, iniciando-se com o detalhamento das origens, passando pelas especificidades da
instância da coordenação nacional de ATER, pela criação da Pnater e Anater, chegando-se até
a evolução atual do perfil institucional do sistema público de geração e de difusão de
tecnologia agrícola brasileiro.
164
4.1.1. As origens da pesquisa e da ATER
É bastante rica a experiência do Brasil na execução de programas públicos de geração
e difusão de tecnologia agrícola, concebidos para apoiar o processo de desenvolvimento do
país e que aqui serão tratados de modo integrado.152
Seguindo a ordem cronológica dos
acontecimentos, a origem da pesquisa agropecuária no Brasil está intimamente ligada ao
ensino agrícola no país. De acordo com Capdeville (1991), o ensino agrícola teve seu início
em 15 de fevereiro de 1877 com a inauguração da Imperial Escola Agrícola da Bahia, no
Engenho de São Bento das Lajes, hoje município de Cruz das Almas no Estado da Bahia.
Importante destacar desse fato e da relação pesquisa e ensino que, de acordo com
Tourinho (s/d), a criação da Imperial Escola foi uma tentativa de se resolver a grave crise pela
qual passava a lavoura canavieira à época: preços do açúcar deprimidos, pragas e doenças,
carência de mão de obra especializada, obsolescência de equipamentos, atraso tecnológico,
enfim, falta de competitividade.153
A citação a seguir sintetiza as circunstâncias de criação da
Imperial Escola, a primeira da América Latina: “Ã mingua de capitaes, de braços, de
instrução e de instrumentos aratorios, a nossa lavoura luta contra um mal que a corroe como
ferrugem ao ferro, a rotina.” (Fala do Presidente da Província de 1863) (TOURINHO, s/d).
Praticamente em paralelo com as primeiras iniciativas na área do ensino, surgem
também os primeiros trabalhos no campo da pesquisa agrícola, cabendo ao estado de São de
Paulo merecer os primeiros registros, dado o seu pioneirismo com a criação da primeira
estação experimental no território nacional. Assim é que no caso da geração de tecnologia,
esta experiência remonta ao século XIX, precisamente no ano de 1887, com a fundação da
Imperial Estação Agronômica de Campinas, hoje, o Instituto Agronômico (IAC), instituição
de pesquisa agrícola vinculada ao Governo do Estado de São Paulo.154
Considerando os laços do ensino com a pesquisa, torna-se útil mencionar que a
evolução do ensino das ciências agrárias no Brasil seguiu em 1891 com a criação da Escola
Superior de Agricultura Eliseu Maciel, em Pelotas, Rio Grande do Sul; em 1901 da Escola
152
Aqui, o termo “difusão” será considerado sinônimo de assistência técnica e extensão rural e “geração” como
sinônimo de pesquisa agrícola. 153
Deve-se ao Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, criado em 1859 por personalidades ligadas à
agroindústria açucareira com a pretensão de “salvar do aniquilamento a lavoura nacional”, por intermédio da
criação e a manutenção da Eschola Agrícola da Bahia (TOURINHO, s/d). 154
Nesse âmbito, embora com funções distintas, deve-se registrar a criação do primeiro jardim botânico do
Brasil, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, fundado em 1808, atualmente denominado Instituto de Pesquisas
Jardim Botânico do Rio de Janeiro, nome que recebeu em 1995. Trata-se de um órgão federal vinculado ao
Ministério do Meio Ambiente e constitui-se como um dos mais importantes centros de pesquisa mundiais nas
áreas de botânica e conservação da biodiversidade.
165
Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), em Piracicaba (SP); e em 1908 da Escola
Superior de Agricultura de Lavras (MG). Do início na Bahia, em 1877, até 1910 - ano da
primeira regulamentação oficial, funcionaram oito cursos de Agronomia. Já a primeira escola
superior de Medicina Veterinária do Brasil foi inaugurada em 1913, na Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro. Até 1929 já existiam 20 escolas de Agricultura e Veterinária no
Brasil.
Em janeiro de 1990, eram 72 os cursos de Agronomia; os de Veterinária, 43; os de
Engenharia Florestal, 14; os de Zootecnia, 16; e os de Engenharia Agrícola, 8. Em
março de 1961, foi inaugurado, na então Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais, hoje Universidade Federal de Viçosa, o primeiro curso de pós-graduação, no
Brasil, no modelo norte-americano do Master of Science ou Magister Scientia. Em
janeiro de 1990, havia 108 cursos de mestrado e 28 de doutorado em Ciências
Agrárias, no Brasil. (CAPDEVILLE,1991)
Segundo Azevedo (1994), por um razoável período de tempo a liderança da pesquisa
agropecuária no Brasil coube às escolas de agronomia e de veterinária. No período
compreendido entre 1940 e 1960 foram surgindo outras instituições de pesquisa, caso dos
institutos estaduais, vinculados principalmente às secretarias de estaduais de agricultura e ao
próprio Ministério da Agricultura.
No começo do século, 1905, o estado de São Paulo sai à frente dos demais com a
criação do Posto Zootécnico Central, hoje Instituto de Zootecnia, dedicado a pesquisas
científicas nas áreas de produção animal e pastagens, dentre outras155
. Em 1919, o estado do
Rio Grande do Sul inaugura trabalhos de pesquisa agrícola com a criação da Estação de
Seleção de Sementes de Alfredo Chaves, hoje Veranópolis, trajetória que se ampliou e
transformou-se atualmente na Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Ainda
no âmbito estatal, registre-se a criação, em 1927, do Instituto Biológico em São Paulo,
inicialmente destinado prioritariamente ao estudo da broca do café, Hypothenemus hampei,
praga de enorme importância para a economia cafeeira, encontrada em Campinas (SP) pela
primeira vez no Brasil, em 1913 (AZEVEDO, 1994).
Nesse horizonte temporal, a presença na iniciativa privada pode ser considerada tímida
no campo da pesquisa agrícola no Brasil, apesar de algumas iniciativas importantes de criação
de centros de pesquisa por produto, como é o exemplo, também em São Paulo, da Copersucar,
em 1959, com cultura da cana-de-açúcar.156
155
Disponível em: < http://www.iz.sp. gov.br/pagina.php?id=20>. Acesso em: 18 fev. 2014. 156
Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo, inicialmente
Cooperativa Central, à época congregava dez unidades produtoras paulistas e duas cooperativas regionais, a
Coopira e a Coopereste.
166
Como iniciativas públicas mais recentes estão os casos do Instituto Agronômico do
Paraná (Iapar) e da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (EMBRAPA), criados em
1972 e 1973, respectivamente. A Embrapa, criada no ambiente do Ministério da Agricultura,
absorveu em grande parte a rede das instituições de pesquisa pertencentes ao próprio
Ministério da Agricultura e hoje, pode ser considerada uma referência mundial em pesquisa
agrícola, e que merecerá um detalhamento maior a seguir.
Já o segmento de ATER possui uma história mais recente no Brasil. Embora haja
registros de experiências anteriores, oficialmente ele foi instituído em 1948, com a criação da
Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (Acar-MG), uma iniciativa da
entidade privada American International Association for Economic and Social Development
(AIA) com o governo de Minas Gerais.
Sobre as origens do serviço de extensão rural no Brasil, há visões distintas para o
mesmo evento, importantes de registro, pois vão às raízes das “circunstâncias da criação da
extensão rural no Brasil”, entre elas, destacam-se duas:
A primeira experiência de campo válida, ocorrida no Brasil, teve lugar em Santa
Rita do Passa Quatro-SP, a partir de outubro de 1948. Por influência do professor
John B. Greefing, diretor da Escola de Agronomia de Viçosa e ex-dirigente da
American International Association for Economic and Social Development (AIA),
uma instituição filantrópica, presidida pelo Sr. Nelson Rockfeller, contratou o Eng.
Agrônomo Marcos C. Pereira para implantar um trabalho cooperativo entre os
agricultores, prefeitura, firmas locais e o governo do Estado, através das Secretarias
de Agricultura e Saúde, no município paulista de Santa Rita do Passa Quatro. O
serviço abrangia assuntos de agropecuária e economia doméstica e tinha por objetivo
aumentar a produção, a produtividade e a renda das famílias rurais, garantindo-lhes
um melhor nível de vida...A ideia repercutia, favoravelmente, no Estado de Minas
Gerais, na época governado pelo ilustre jurista brasileiro Milton Campos.
(OLINGER, 1996, pp. 46-7)
A segunda visão, de conteúdo mais abrangente, enxergava a criação da ATER no
Brasil, da seguinte forma:
As visitas do Sr. Rockfeller, e consequentemente a fundação da Acar-MG,
entretanto só podem ser compreendidas no contexto dos acontecimentos pós-30 que
marcaram importantes mudanças no cenário da política interna brasileira, como
também no cenário da política externa, principalmente no que diz respeito às
relações com os Estados Unidos da América do Norte. (FONSECA, 1985, p. 60)157
157
Com relação ao “pós-30”, a autora estava se referindo à revolução de 1930. Além disso, ela recorria a
Weffort, F. (1978) para esclarecer, acrescentando: “Com efeito, a revolução de 30 é o ponto de partida de uma
nova fase da história brasileira, em que se assiste a um completo desenvolvimento histórico político, cujos
traços dominantes são as tendências do Estado Oligárquico, alicerçado em uma estrutura agrária voltada para o
mercado externo e a formação de um Estado Democrático apoiado principalmente nas massas populares urbanas
e nos setores sociais ligados à industrialização" (FONSECA, 1985, p. 60).
167
Diferentemente de outros países, como nos Estados Unidos, onde a pesquisa agrícola e
a assistência técnica e extensão rural públicas nasceram e se desenvolverem na universidade,
portanto, em um único ambiente institucional, no Brasil, esses serviços ganham um contorno
heterogêneo, assumindo formas híbridas em todo o país, que foram se aprofundando ao longo
de inúmeras transformações ocorridas na sua história.
Assim, no Brasil, os serviços públicos de geração e de difusão de tecnologia agrícola
nasceram de forma individualizada, embora a grande maioria das abordagens teóricas sobre o
assunto aponte para o caráter de complementaridade que os envolve, qualificando-os, desse
modo, como partes de um único processo, o de modernização da agricultura.
4.1.2. A trajetória da ATER no Brasil
De forma pioneira, a Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais-
Acar-MG, fundada em 1948, foi a primeira experiência brasileira destinada à introdução de
novas técnicas de agricultura, pecuária e economia doméstica, de incentivo à organização dos
produtores e da produção e de aproximação do conhecimento gerado nos centros de ensino e
de pesquisa aos produtores rurais.
A atuação inovadora e de relativo sucesso da Acar-MG provocou o interesse de vários
estados brasileiros em criar o seu próprio serviço de extensão rural. No caso da região
Nordeste, o surgimento do Banco do Nordeste, em 1954, reforçou a criação no mesmo ano da
Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (Ancar), sociedade civil, sem fins
lucrativos com sede em Recife (Pernambuco), e com atuação, através de Programas Estaduais,
em todos os estados nordestinos, exceto Maranhão.158
Os estados do Sul e Sudeste seguiram o mesmo caminho e, de 1957 a 1967, o serviço
de Extensão Rural já estava presente em todo o país. Para coordenar o sistema brasileiro de
extensão rural, que se estruturou naquele período, foi instituída, em 1956, no Rio de Janeiro, a
Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar).
Já em meados da década de 1970, segundo Peixoto (2009), uma das consequências
do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) foi a estatização do Sibrater, através
da Lei nº 6.126, de 06 de novembro de 1974. Esta Lei autorizou o Poder Executivo a
instituir a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater),
empresa pública, vinculada ao Ministério da Agricultura, com personalidade jurídica de
158
Programas Estaduais que foram transformados posteriormente em associações de crédito e assistência rural,
(ANCAR’s) sociedades civis, sem fins lucrativos.
168
direito privado e patrimônio próprio, cuja função era a de coordenar o "novo" sistema de
ATER, que se estruturara à época (PEIXOTO, 2009).
A mesma Lei, além de estabelecer os objetivos, as fontes de recursos da Embrater,
promovia a sua integração com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
autorizando-as a dar apoio financeiro às instituições estaduais oficiais que atuassem em
ATER e pesquisa agropecuária (PEIXOTO, 2009). Sobre a criação da Embrapa, ocorrida em
26 de abril de 1973, com o papel de coordenar e executar a política de pesquisa agropecuária
do país, vale mencionar um dado importante, registrado no site da própria Embrapa, que trata
sobre as circunstâncias da sua criação, relacionadas à ATER:159
No âmbito do Ministério da Agricultura, um grupo debatia a importância do
conhecimento científico para apoiar o desenvolvimento agrícola. Nesse momento, os
profissionais da extensão rural começaram a levantar a questão da falta de
conhecimentos técnicos, gerados no País, para repasse aos agricultores.
(EMBRAPA; grifo nosso)160
Do ponto de vista da sua estruturação, o segmento público de geração se caracterizava
por um sistema de amplitude nacional, congregando as organizações públicas estaduais de
pesquisa, coordenado pela Embrapa.161
Quanto ao segmento de difusão, a sua estruturação nacional ocorreu de forma análoga
ao segmento de geração, com apenas uma diferença: as organizações públicas estaduais de
difusão existentes à época, que aderissem ao novo sistema - Sistema Brasileiro de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Sibrater), liderado por uma empresa federal, a Embrater, deveriam
transformar-se em empresas estaduais de assistência técnica e extensão rural (EMATERs),
medida que contou com a adesão de quase todos os estados da federação.162
Assim, ficaram constituídos os "novos" sistemas públicos de geração e difusão de
tecnologia agrícola, de forma individualizada, coordenados nacionalmente por duas
empresas federais estatais, vinculadas diretamente ao poder executivo federal, mais
precisamente ao Ministério da Agricultura.
159
Criada a EMBRAPA, por intermédio da Lei nº 5.851, sancionada em 7/12/1972, pelo então presidente da
República, Emílio Garrastazu Médici, que autorizava o Poder Executivo a instituir a empresa pública, vinculada
ao Ministério da Agricultura. A sua primeira diretoria tomou posse em 26/04/ 1973, no Ministério da
Agricultura. Fonte: <http://hotsites.sct.Embrapa.br/pme/historia-da-Embrapa>. 160
Disponível, em: <http://hotsites.sct.Embrapa.br/pme/historia-da-Embrapa>. Acesso em 21 mar. 2012. 161
Atualmente, tais organizações são denominadas de OEPAs, Organizações Estaduais de Pesquisa
Agropecuária. 162
Essas organizações, na maioria dos estados brasileiros, eram associações, entidades sem fins lucrativos,
denominadas Associações de Crédito e Assistência Rural (ANCAR ou ACAR ou ASCAR).
169
Não é difícil perceber que nessa ocasião, década de 1970, o modelo de
desenvolvimento agrícola guardava forte inspiração na “revolução verde” e privilegiava a
estratégia da difusão de pacotes tecnológicos, de concepção liderada pela Embrapa. O
público-alvo da extensão passa ser preferencialmente os grandes e médios produtores e o
principal objetivo passa a ser o aumento da produção e produtividade, contando com o forte
apoio de uma abundante oferta de crédito rural, sistema criado em 1965 (PEIXOTO, 2009, p.
12). Como decorrência dessa nova postura, os trabalhos iniciais da ATER de apoio aos
aspectos educacionais não agrícolas, componentes do ambiente da família rural, como por
exemplo, aqueles materializados pela ação do trabalho da economia doméstica foram
relegados a um segundo plano, considerando que as prioridades da política agrícola buscavam
a modernização, via aumento de produtividade.
Para Fonseca Júnior e outros (2009), a modernização da agricultura brasileira foi
fundada sob três pilares básicos: a criação de um sistema nacional de pesquisa
agropecuária, liderado pela Embrapa, de um sistema nacional de difusão de tecnologias,
coordenado pela Embrater, e por um programa de crédito rural, oferecido aos produtores
para que adotassem as tecnologias agropecuárias preconizadas (FONSECA JÚNIOR et
al., 2009, p. 80). Assim, o modelo fundante da modernização agrícola do país àquela
época, marcadamente difusionista e linear, pressupunha a geração da tecnologia pelo
agente da pesquisa, a sua transferência para o extensionista e deste para o produtor rural,
a quem caberia a decisão de adotar ou rejeitar a tecnologia. Do ponto de vista teórico,
apesar de pouco explorado na prática, havia espaço no modelo para que os produtores
reivindicassem soluções para os seus problemas tecnológicos, que poderiam ser objeto de
projetos de pesquisa.
No âmbito da pesquisa agrícola, no início dos anos 1970, o modelo difusionista passou
a sofrer críticas agudas nos Estados Unidos, como aquela que indicava um caráter
excessivamente institucionalizado, em que técnicos e burocratas definiam os objetos de
pesquisa e a prioridade dos assuntos a serem pesquisados. Uma outra crítica apontava que o
sistema de pesquisa estava estruturado para favorecer às grandes corporações e às
agroindústrias e não a maioria dos agricultores (FONSECA JÚNIOR et al., 2009, p. 81).
Críticas que também atingiram a extensão rural brasileira, traduzindo-a como um
“projeto educativo para o capital” (FONSECA, 1985, p. 183). Assim, na opinião desses e de
outros críticos, os sistemas nacionais públicos de geração e difusão de tecnologia agrícola,
coordenados, tanto pela Embrapa, quanto pela Embrater, se constituíram em instrumentos
importantes dessas transformações pelas quais passou a agricultura brasileira.
170
Oliveira (1999), ao elaborar uma síntese equilibrada sobre as visões, umas puristas
outras críticas, relativas à significação da “extensão rural como projeto educativo para o
capital”, esclarece que as abordagens não são completas, na medida em que esquecem outros
projetos, até mais abrangentes do que a extensão, que seriam bem mais funcionais ao
capitalismo, como é caso ..."das escolas formais e informais, as universidades e os seus
serviços de extensão universitária, o rádio, a televisão, os serviços de pesquisa, etc. etc.,etc.”
(OLIVEIRA, 1999, p. 131). Na percepção do autor, a visão de um projeto educativo para o
capital não deixa de ser correta, porém, mais que isso, é óbvia, pelas razões expostas na sua
citação anterior. Para ele, o mais apropriado seria afirmar que a extensão rural brasileira
trocou de capitalismo: abandonando “a vertente democrática, criadora de oportunidades, pela
patrimonialista, excludente e concentradora" (OLIVEIRA, 1999, p. 132).
No outro extremo, há aqueles que advogam que os inegáveis ganhos de produtividade
alcançados pela agricultura brasileira, contribuindo, dentre outros aspectos, para a redução das
estatísticas de desmatamento, tão nocivo à prática de desenvolvimento sustentável, devem ser
creditados, em grande medida, aos sistemas Embrater e Embrapa.
De algum modo, parece que essas críticas sensibilizaram o governo, que buscou apoio
do Banco Mundial, que à época liderava programas de desenvolvimento rural integrado, com
foco em produtores de "baixa renda"; portanto, um encontro de interesses recíprocos.163
Nessa
direção, foram contratados programas junto ao Banco Mundial e outras instituições similares,
que lideravam iniciativas dessa natureza, priorizando “produtores de baixa renda”, no
contexto da filosofia de Programas de Desenvolvimento Rural Integrado, os PDRIs,
programas que posteriormente foram implementados especialmente na região nordeste do
país. Do ponto de vista conceitual, os PDRIs estruturavam-se na ideia de desenvolvimento
integrado, que contemplava não apenas ações no plano da pesquisa, da extensão e do crédito,
mas integrava também ações de educação, de saúde, de organização comunitária e de
infraestrutura, ou seja, obedecia um enfoque sistêmico e integrado. A partir de 1980, e com
forte apoio nos PDRIs, a Embrater redireciona sua ação, no sentido de conceder prioridade
aos pequenos e médios produtores, transferindo o atendimento aos grandes, sobretudo aquele
relativo ao crédito rural, para que fosse realizado pelos escritórios privados de planejamento
de assistência técnica à agropecuária.
O período compreendido entre 1985 a 1989, conhecido como o período da
redemocratização, traz consigo conflitos importantes para o país e, por decorrência, para a
163
Refere-se ao período de gestão de Robert McNamara, analisado por Pereira (2011).
171
extensão rural. Enquanto o serviço de extensão se preparava para uma nova forma de atuar,
pautada na prioridade àqueles produtores e famílias excluídos da modernização,
principalmente, na última década, o país passa a apresentar índices inflacionários fora de
controle, levando a uma completa desordem no sistema econômico, apesar das inúmeras
tentativas de organização da política econômica, por intermédio de seguidas e frustradas
edições de “planos econômicos”.
Nesse contexto de crise, em 1988, o governo federal propõe ao Congresso Nacional
uma reforma administrativa, objetivando racionalizar a máquina pública federal, nesta
reforma está presente a extinção da Embrater. Uma grande mobilização do serviço de
extensão rural de todo país, consciente de que a extinção da Embrater produziria o
desmantelamento ou, pelo menos, a desorganização, do sistema em todo o país, num
verdadeiro “efeito dominó”, conseguiu sensibilizar o Congresso e este rejeitou, em 1989, a
proposta do Governo Sarney de extinção da Embrater. Esta década, denominada de “a década
perdida”, deixou também sequelas profundas na organização e no desempenho da ATER em
todo o país, trazendo apenas como contrapartida o mérito do aprendizado da luta pela
sobrevivência do sistema.
Paradoxalmente, torna-se oportuno lembrar que no ano de 1988 havia sido promulgada
uma nova Constituição Federal e, com ela, no seu artigo 187, o reconhecimento da ATER
como importante instrumento de política agrícola, agora consagrado na Carta Magna do
Brasil.164
4.1.3. A coordenação Nacional da ATER
Os anos 1990 iniciam-se com um novo Governo, “Governo do presidente Collor” que,
no bojo de medidas radicais, propõe, novamente, a extinção da Embrater, desta vez, aceita
pelo Congresso Nacional.165 Nove meses depois de extinta, ainda em 1990, o mesmo governo
164
Art. 187. "A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor
de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I - os instrumentos creditícios e fiscais; II -
os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; III - o incentivo à pesquisa e à
tecnologia; IV - a assistência técnica e extensão rural; V – o seguro agrícola; VI - o cooperativismo; VII - a
eletrificação rural e irrigação; VIII - a habitação para o trabalhador rural". Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 fev. 2014. 165
A reforma do novo Governo também atingiu outros órgãos do “precário” aparato agrícola governamental: a
Comissão de Financiamento da Produção (CFP), a CIBRAZEM e a COBAL foram fundidas na Companhia
Nacional de Abastecimento. Foram extintos o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), o Instituto Brasileiro do
Café (IBC) e o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) (SILVA, 1998, p. 136).
172
delibera que a Embrapa assuma a coordenação nacional do serviço de extensão rural.166
Essa
função de coordenação nacional da extensão rural pela Embrapa produziu inúmeros conflitos
internos de rejeição e de apoio, tendo uma vida, infelizmente, breve, para aqueles que
almejavam uma experiência unificada e orgânica.
Do ponto de vista conceitual, a assunção da coordenação nacional de ATER pela
Embrapa “coincidia “com o pressuposto teórico de que a geração e a difusão e tecnologia
agropecuária são partes de um mesmo processo, ou seja, Embrapa e Embrater numa única
organização poderia ser considerado algo positivo. Entretanto, parte da comunidade da
Embrapa não compreendia dessa forma. Grupos internos à Embrapa demonstravam
insatisfação com a presença da coordenação do sistema de ATER naquela instituição,
manifestação afirmada em documento apócrifo, de grande repercussão.
O citado documento, por outro lado, recebeu crítica de outros cientistas da Embrapa, a
exemplo de Silva (1993), que questiona: "Por que, diante de questão tão relevante quanto a
localização institucional da coordenação do SIBRATER, o MAARA aceitou um documento
apócrifo como referência inicial para discutir e decidir sobre o tema?" (SILVA, 1993, p. 3).
As crises no Governo Federal prosseguem. Afastado do poder, por intermédio de um
processo de “impeachment”, em 1993, o Governo do presidente Collor dá lugar ao Governo
do presidente Itamar Franco que, insatisfeito com a localização da coordenação nacional do
serviço público de Extensão Rural na Embrapa, assina Decreto transferindo-a para o
Ministério da Agricultura, onde é criado, em 1994, o Departamento de Assistência Técnica e
Extensão Rural (DATER). Desse modo, a ATER, sob a coordenação da Embrapa, durou
pouco tempo, quase três anos, de 17 de outubro de 1990, quando foi transferida para o
Ministério da Agricultura, em setembro de 1993. Assim, a tese do documento apócrifo
pareceu prevalecer. Essa decisão parece reiterar a opção pelo modelo linear, mesmo sabendo-
se que o formato institucional não seria suficiente para determiná-lo.
Em síntese, a década de 1990 para a extensão rural brasileira pode ser caracterizada
como um período de grandes dificuldades, face à redução drástica dos recursos federais para
os estados. Estes, agora por estarem mantendo praticamente sozinhos os serviços públicos
estaduais de extensão, passaram a ter uma crescente autonomia, desobrigados então de
cumprirem alguns padrões de comportamento estabelecidos pela Embrater.167
Esse fato
166
Por intermédio do Decreto Nº 99.616, de 17 out. 1990. 167
Por exemplo, cabia à Embrater indicar/sugerir aos governos estaduais o nome de um diretor para compor a
diretoria dos órgãos de extensão.
173
provocou, dentre outras repercussões, uma interferência mais acentuada e negativa da política
partidária estadual nos órgãos locais de extensão rural pública.
A partir de então, os serviços estaduais de pesquisa agrícola, mas, principalmente os
de extensão, passaram a experimentar novas formas, padrões, modelos e estratégias de
atuação, decisão tomada sob a ótica e capacidade de financiamento do gestor público do
momento. Ou seja, ao seu arbítrio, o gestor público adotava o modelo que ele julgasse o mais
adequado para enfrentar os desafios da redução dos recursos federais, conciliando-os com as
conveniências políticas do momento. Assim, a ausência/fragilidade de uma coordenação
nacional de ATER e a redução dos recursos federais produziram inúmeros modelos
institucionais públicos de geração e difusão espalhados pelo país afora, como será detalhado a
seguir.
Como discutido na seção anterior, as mudanças havidas nos segmentos públicos de
geração e difusão de tecnologia não se restringiram ao Brasil. Muitos outros países, além de
também sofrerem com a crise do petróleo foram, também, “tocados” pela “onda do Estado
mínimo”, tendência que, certamente, contribuiu para a criação de um razoável número de
modelos alternativos de geração e difusão de tecnologias fora do Brasil (LABARTHE, 2009,
p. S198). Na América do Sul, para países como Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile os
governos passaram a estimular, dentre outras formas, as organizações dos produtores a
contratarem seus próprios serviços de extensão rural, a partir de subvenções recebidas,
principalmente, do próprio governo, pelo menos, num primeiro momento (THORNTON;
CIMADEVILLA, 2006, p. 66).
No Brasil, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi uma das
instituições públicas pioneiras a delegar às organizações dos produtores nos diversos
assentamentos de Reforma Agrária a decisão sobre a escolha da contratação do serviço de
ATER que melhor conviesse aos assentados.168
Essa iniciativa do Incra, em muitos estados,
ignorou por completo os serviços públicos estaduais de ATER ali presentes.169
De positivo, a crise promoveu o surgimento de duas entidades voltadas para a
defesa dos interesses da extensão rural pública, mesmo em campos de atuação distintos: a
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Assistência Técnica e
Extensão Rural e do Setor Público Agrícola do Brasil (Faser), entidade representativa dos
168
A esse modelo o Incra denominou de “Projeto Lumiar”. 169
No estado da Bahia, por exemplo, o INCRA, insatisfeito, deixou o modelo de ATER executado por
organizações não governamentais voltando, em 2008, a contratar a ATER governamental para atendimento aos
seus mais de 500 assentamentos, envolvendo uma área superior a um milhão de hectares e 35 mil famílias.
174
funcionários e a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Asbraer), representando os dirigentes dos serviços governamentais de
extensão estaduais, organizações atuantes até hoje.
A instabilidade política do país vivenciada à época também acrescentou elementos
negativos ao quadro já fragilizado, produzindo repercussões ainda mais agudas na extensão
rural brasileira. Como por exemplo, no caso da gestão federal da agricultura onde em apenas
em um período de Governo (“período Collor - Itamar”) passaram pelo Ministério da
Agricultura nada mais que sete ministros da Agricultura, numa média, de quase um ministro
por semestre, o que se há de convir que não é positivo para a consistência da política agrícola
do país.170
No governo seguinte, do presidente Fernando Henrique Cardoso, 1995, o surgimento e
a implementação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf,
que pressupunha como seu principal executor o serviço de ATER, restituem à extensão rural
uma importante responsabilidade, retirando esse serviço de um certo ostracismo que os
eventos anteriores lhe impuseram. Ainda no mesmo governo, a coordenação do Pronaf, o
mais importante programa destinado à agricultura familiar, é transferida do Ministério da
Agricultura (MAPA) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).171
Neste
momento, a agricultura familiar passa a se constituir num elemento-chave de atenção da
política social do governo, associada a outros elementos de proteção social no âmbito urbano,
esboçando-se, assim, uma ação governamental de apoio a segmentos mais vulneráveis da
sociedade.
Em 2003, já no Governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, é transferida, mais
uma vez, a “coordenação nacional “do serviço de extensão rural para o MDA/Secretaria
Nacional de Agricultura Familiar (SAF), onde já estava o Pronaf, posicionando a extensão
rural próxima ao programa e, mais ainda, colocando sob um único comando dois dos mais
relevantes instrumentos de política agrícola do governo172
. Em complementação a essas
medidas, o Governo cria o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER)
no âmbito da SAF, e institui a Política Nacional de ATER. Apesar do caráter positivo dessas
iniciativas, o que se constata é o posicionamento da coordenação nacional de ATER e do
170
Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/ministerio/historia/galeria-de-ministros>. Acesso em 13 fev.
2014. 171
A agricultura familiar brasileira se tornou no principal cliente da extensão rural pública. Os recursos de
crédito rural aplicados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf- evoluíram:
de R$ 2,2 bilhões, em 2000, para R$ 28,9 bilhões, em 2015. Disponível m em: <http://www.mda.gov.br/. Acesso
em 30 jun. 2015. 172
Através do Decreto Nº 4.739 – de 13 de junho de 2003 – DOU DE 16 de junho de 2003.
175
Pronaf, em um ministério, no MDA, e a pesquisa agrícola pública, a Embrapa, posicionada no
outro ministério, o MAPA; ou seja, uma decisão que tornou ainda mais distante a já tênue
articulação/integração pesquisa e extensão.
Em 2008, a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Asbraer) defendeu, no Fórum “60 Anos de Extensão Rural no Brasil,” duas
reivindicações importantes: a criação de uma Lei Geral de Assistência Técnica e Extensão
Rural – ATER (transformação da Política de ATER em Lei) e a criação dos Fundos Nacional
e Estaduais para a extensão rural. Segundo a própria Asbraer (2009), o objetivo maior da
criação dos Fundos e da Lei Geral seria o de possibilitar aos serviços de ATER a
sustentabilidade institucional e financeira tão necessárias para garantir estabilidade política e
oferta adequada de recursos financeiros, compatíveis com a dinâmica dos seus serviços.173
Do ponto de vista da sustentação financeira, a Asbraer (2014) informava que, em
2010, de um orçamento total de US$ 725,7 milhões (R$ 1,7 bilhão) os Estados participavam
com 79,2% do orçamento da extensão rural no Brasil, o Governo Federal com 7,5%, os
governos municipais com 5,2%, a prestação de serviços contribuía com 4%, os convênios
internacionais com 0,5% e os restantes 3,5% eram oriundos de outras fontes (ASBRAER,
2014, p. 22)174
.
Em 2015, segundo liderança da frente parlamentar da ATER do Brasil, a situação
financeira da ATER governamental não se alterou em relação ao ano de 2010, como
apresentado pela Asbraer (2014). Os governos dos estados continuam assumindo a quase
totalidade das responsabilidades financeiras, com quase 85% do orçamento da ATER (US$
853,75 milhões ou R$ 2 bilhões).175
A expectativa dessas lideranças era a de que a nova
Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), criada pelo governo
federal em 2014 para coordenar e articular a ATER no país, viesse a aportar o mesmo valor
que os governos estaduais aportavam, o que possibilitaria avanços na estrutura da ATER
governamental. Contudo, como a Anater não funcionou em 2014, o seu orçamento foi
remanejado para a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). Para 2015, o orçamento foi de
RS 1,1 bilhão (US$ 469,56 milhões), número que não atendeu às expectativas das lideranças
173
Disponível em:<http://www.agrosoft.org.br/agropag/103324.htm>. 174
Conversão de acordo com Bancen, taxa de 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real BRASIL, calculada em 31/12/2013. 175
Fonte ASBRAER. Disponível em:<http://www.asbraer.org.br/noticias,em-cerimonia-de-anuncio-do-plano-
safra-presidenta-anuncia-presidente-da-anater,88502>. Acesso em 29 set. 2015. Conversão de acordo com
Bancen, taxa de 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real Brasil, calculada em 31/12/2013.
176
da Asbraer, assim como do presidente da Anater.176
4.1.4. Pnater e Pronater
Do ponto de vista institucional, a Pnater e a criação da Anater foram as grandes
mudanças potenciais ocorridas na extensão rural brasileira na presente década até agora,
portanto, as discussões sobre esse tema irão demandar um pouco mais de tempo e paciência
do leitor.
Antes de recorrer à análise sobre a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) em vigor, cabe um
esclarecimento inicial da história recente dessa política no país. De 2004 a 2015, a extensão
rural brasileira atou sob a égide de duas versões da Pnater: a primeira versão de 2004,
instituída no âmbito do antigo MDA e a segunda, uma versão aprimorada da primeira,
mantidos os princípios básicos presentes na versão anterior, que foi aprovada pelo Congresso
Nacional e sancionada pela Presidência da República em janeiro de 2010, também conhecida
como Lei Geral de ATER.
Na versão de 2004, e mantido na Lei de 2010, um aspecto importante destacado por
Peixoto (2008a), relativo à organização do Sistema Nacional Descentralizado de ATER
Pública e seus organismos executores merece a atenção e o interesse desta tese:
Ela incorpora a visão inovadora de que os serviços de ATER devem ser
caracterizados por uma pluralidade de formas institucionais. Entre as
inovações da Pnater está a definição de que a nova ATER deverá organizar-se
na forma de um Sistema Nacional Descentralizado de ATER Pública, do qual
participem entidades estatais e não estatais.... Estão compreendidas como
entidades, instituições ou organizações que podem participar do Sistema
Nacional Descentralizado de ATER Pública: as instituições públicas estatais
de ATER (municipais, estaduais e federais); as empresas de ATER
vinculadas ou conveniadas com o setor público; os serviços de Extensão
Pesqueira; as organizações dos agricultores familiares que atuam em ATER;
as organizações não governamentais que atuam em ATER; as cooperativas de
técnicos e de agricultores que executam atividades de ATER;
estabelecimentos de ensino que executem atividades de ATER na sua área
educacional; as CFR (Casas Familiares Rurais), EFA (Escolas Família
Agrícola) e outras entidades que atuem com a Pedagogia da Alternância e que
executem atividades de ATER; redes e consórcios que tenham atividades de
176
Disponível em:< http://revistagloborural.globo.com/Noticias/Economia-e-Negocios/noticia/2015/07/anater-
busca-triplicar-orcamento-para-garantir-extensao-rural-no-pais.html>.Acesso em: 29 set. 2015. Conversão de
acordo com Bancen, taxa de 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real BRASIL, calculada em 31/12/2013.
177
ATER; outras, que atuem dentro dos princípios e diretrizes desta Política.
(PEIXOTO, 2008a, p. 19)177
A “segunda” versão, a Lei nº 12.188 sancionada pela Presidência da República, em 11
de janeiro de 2010, instituiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para
a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) e o Programa Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – Pronater.
Embora tenha recebido contribuições importantes no Congresso, na sua essência,
pouco foi modificado, em relação à versão original enviada pelo Poder Executivo.178
Considerando a importância dessa Lei para o futuro da extensão rural brasileira, dando-lhe
conteúdo e forma mais duradouros, cabe aqui destacar alguns dos seus eixos principais.
No seu Artigo terceiro, o Projeto de Lei aprovado estabelece como “Princípios” da
Pnater: o desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada dos
recursos e com a preservação do meio ambiente; a gratuidade, qualidade e acessibilidade aos
serviços de assistência técnica e extensão rural; a adoção de metodologia participativa, com
enfoque multidisciplinar e interdisciplinar buscando a construção da cidadania e a
democratização da gestão da política pública; a equidade nas relações de gênero, geração, raça
e etnia; e a contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional.
Os doze “Objetivos” da Lei aprovada contemplam a promoção do
desenvolvimento rural sustentável; o apoio às iniciativas econômicas que promovam as
potencialidades e vocações regionais e locais; o aumento da produção, a qualidade e a
produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agro
extrativistas, florestais e artesanais; a promoção da melhoria da qualidade de vida de seus
beneficiários; a promoção do desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas
e organizativas, adequadas ao público beneficiário; a integração da ATER com a
pesquisa, aproximando a produção agrícola e o meio rural do conhecimento científico;
aumentar a renda do público beneficiário e agregar valor à sua produção, dentre outros.
Os “beneficiários” da Pnater são: “os assentados da reforma agrária, povos indígenas,
remanescentes de quilombos e demais povos e comunidades tradicionais; os agricultores
familiares ou empreendimentos familiares rurais, silvicultores, aquicultores, extrativistas e
pescadores, bem como os beneficiários de programas de colonização e irrigação”,
177
Cabe mencionar que a Pnater 2004 estabelecia que tais entidades para fazerem parte do Sistema deveriam
credenciar-se junto ao Fórum Nacional de Gestão da Ater Pública ou nos Conselhos Estaduais de
Desenvolvimento Rural Sustentável. 178
Lei nº 12.188, sancionada em 11 de janeiro de 2010. Disponível:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm>. Acesso em 26 fev. de 2014.
178
enquadrados nos limites Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006, Lei que estabelece as
diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
Familiares Rurais.
No conjunto dessa nova ordem institucional criada para a extensão rural brasileira está
o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na
Reforma Agrária (Pronater). O Pronater constitui-se no principal instrumento programático
de implementação da Pnater e tem como objetivo a organização e a execução dos serviços de
ATER ao público beneficiário e sendo implementado pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário e pelo Incra, em parceria com os conselhos estaduais e distrital de desenvolvimento
rural sustentável ou similares.
Os órgãos executores do Pronater são as instituições ou organizações públicas ou
privadas, com ou sem fins lucrativos, previamente credenciadas na forma da Lei, detalhados
na citação de Peixoto (2008a) acima e que preencham os requisitos previstos na Lei, podendo
ser dispensado o processo licitatório (Art. 27).
Em 2006, numa primeira avaliação sobre os resultados da Pnater (primeira versão)
obtidos até aquela data, o MDA atestava que a implementação dos novos e fundamentais
princípios que balizavam a política não estava acontecendo como o previsto, apesar do apoio
oficial oferecido:
Apesar dos esforços do DATER para executar um sub programa de formação de agentes
de ATER e do apoio financeiro direto e continuado que tem oferecido às entidades de
Assistência Técnica e Extensão Rural, ainda se observa uma enorme força de inércia que
faz com que os serviços sigam pautados por velhas práticas difusionistas, usando as
obsoletas metodologias de extensão que, se foram úteis para a etapa de introdução da
“modernização conservadora,” mostram-se ineficientes e inadequadas quando se
preconiza a necessidade de uma nova Extensão Rural, baseada no enfoque
agroecológico. (CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 5)
Mais à frente, o mesmo estudo concluiu que a nova Pnater embora tenha produzido
uma mudança no discurso oficial, "essa mudança não se materializa na prática da gestão, nem
na ação dos agentes de ATER junto aos agricultores" e conclui observando uma provável
explicação para a não implementação da nova política:
(...) em razão de um crescimento da demanda de trabalho, os profissionais de ATER
acabam envolvendo-se em serviços de vacinação, de distribuição de sementes, etc. e,
com isso, acabam negligenciando as ações planejadas ou previamente acordadas
com as famílias e comunidades com as quais trabalham (ou deveriam trabalhar).
(CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 21)
179
Dado o caráter inovador da nova política, apoiada de forma massiva e bem estruturada
pelo MDA, a justificativa para a sua não implementação como imaginado parece
simplificadora por desconhecer a complexidade que envolve o ambiente da ATER frente à
mudança proposta.
Sobre a Pnater, em sua “segunda” versão, aprovada em 2010, em que pese ser não ser
considerada uma iniciativa nova, esta versão veio revestida como política de Estado e não
mais como política de governo, o que é positivo, embora outros aspectos devam ser
considerados:179
i) O primeiro aspecto a ser observado está relacionado com a dimensão arrojada
de alguns dos objetivos da Lei, a exemplo de: "(I) promover o desenvolvimento rural
sustentável" e de "(IV) promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários".
Ora, responsabilizar a ATER pelo alcance de objetivos tão ambiciosos no âmbito da
agricultura familiar é desconhecer a existência de um sistema maior e mais complexo, como
também desconhecer o que ensina Buainain (2007) ao analisar os principais "Condicionantes
de Desempenho e da Adoção de Tecnologias pelos Agricultores Familiares".
Do conjunto, percebe-se que dos 13 condicionantes apontados pelo estudo, ainda
muito atual, os serviços de ATER se constituem em apenas uns deles, embora seja inegável a
sua importância180
(BUAINAIN, 2007). Assim, não é razoável criar expectativas que a nova
Lei seja suficiente para operar ou garantir as transformações estruturais no perfil da
agricultura familiar brasileira.
Para se buscar uma eficácia maior da nova Lei, o adequado seria a implementação
simultânea de outras políticas, no sentido de se influenciar o conjunto de condicionantes
apontados, sob pena de tornar a Lei inócua ou a ela debitar responsabilidades que ela de
fato não as tem.
Ademais, os condicionantes referidos no estudo, em grande medida, espelham os
179
A primeira versão da Pnater seguiu a determinação dada em 2003 ao antigo MDA, que passou a ser
responsável pelas atividades de ATER, como estabelece o Decreto Nº 4.739, de 13/06/2003. Coube à Secretaria
da Agricultura Familiar – SAF, coordenar a elaboração da nova política, para tanto foram promovidos
audiências, encontros e seminários, envolvendo representações dos agricultores familiares, de movimentos
sociais e de prestadoras de serviços de ATER governamentais e não governamentais. "Este processo,
democrático e participativo que envolveu mais de 100 entidades e mais de 500 pessoas, levou à construção de
alguns consensos e a um conjunto de acordos e redundou no documento que sintetiza a Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural" (CAPORAL, 2005, p. 1). 180
Os condicionantes apontados pelo estudo são: características socioeconômicas do produtor e sua família; grau
de organização dos agricultores familiares; disponibilidade e acesso à informação; risco; características da
produção e sistemas produtivos; características das propriedades: tamanho e localização; disponibilidade de mão
de obra; características físico–ambientais da propriedade; condição fundiária do produtor; fatores sistêmicos;
contexto macroeconômico, institucional e políticas públicas; serviços de assistência técnica e extensão rural; e
direitos de propriedade (BUAINAIN, 2007, p. 95) .
180
elementos presentes no arcabouço teórico mais moderno e atual da abordagem do Sistema
Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), discutida no Capítulo 2, abordagem que avança em
relação à abordagem linear, contribuindo para que se tenha uma compreensão integrada do
complexo agrícola, que vai além da agricultura familiar.
ii) Um aspecto relevante da Lei é que ela possibilitou a contratação de forma
mais ágil de entidades prestadoras de serviços de ATER, criando as condições para o
aumento do número beneficiários a ser alcançado pelos serviços, governamentais e não
governamentais de ATER. Nesse sentido, a Pnater trouxe uma novidade quanto à
aplicação da Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública, ao flexibilizar a contratação de entidades prestadoras de serviços
de ATER sem licitação, adotando o modelo de "chamadas públicas". A exceção criada na
Lei 8.666 pela Pnater está demonstrada pela citação do Art. 24 - XXX, a seguir:
Art. 24. É dispensável a licitação:
XXX - na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem
fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no
âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na
Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal (Incluído pela
Lei nº 12.188 de 2010).
O novo procedimento, se por um lado, torna mais ágil o processo de contratação, sob
os argumentos das especificidades do período agrícola e da complexidade burocrática dos
processos licitatórios, por outro lado, torna mais vulneráveis tais processos, podendo criar
ainda mais desgastes na qualidade e na imagem dos serviços de ATER.
A propósito da necessidade de se ampliar o número de beneficiários da ATER, o
Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, contabilizou um universo de 4.367.902
estabelecimentos familiares. De acordo com o mesmo Censo, a rede de ATER governamental
atendeu a 491.607 estabelecimentos rurais, ou seja, 11% dos estabelecimentos familiares
contabilizados naquele ano.181
Concluindo-se que há uma grande demanda de agricultores
familiares a serem atendidos, demanda que supera em muito a capacidade atual da ATER
governamental, em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal).
Dados do antigo MDA demonstram que a Pnater, ao flexibilizar a Lei nº 8.666, dando
mais agilidade à contratação de entidades prestadoras de serviços de ATER, já apresentou os
181
O Censo Agropecuário de 2006 também contabilizou 10,1 milhões de pessoas com 14 anos e mais ocupadas
nos estabelecimentos familiares naquele ano. Disponível em
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/agri_familiar_2006/familia_censoa
gro2006.pdf>. Acesso em 20 ago. 2015. De acordo com dados mais recentes da Asbraer (2014), a ATER
governamental atendeu, em 2010, a 2,3 milhões de beneficiários, por intermédio de 16 mil extensionistas,
atuando em 96% dos municípios das 27 unidades da federação.
181
seus primeiros resultados em 2009/2010, quando as entidades credenciadas junto ao MDA
totalizavam 449, incluídas 37 entidades governamentais (empresas públicas, prefeituras,
secretarias de agricultura)182
. Em março de 2012 o número de entidades credenciadas para
prestar serviços de ATER já alcançava 670 entidades, incluídas aí as entidades públicas, um
aumento de quase 50%, em aproximadamente um ano de aprovação da Lei.
Em resumo, a diretriz de ampliar o número de beneficiários da ATER é positiva, no
entanto, o questionamento da Asbraer é que a Pnater tem buscado ampliar esse número por
meio da contratação de entidades não governamentais, em detrimento das instituições
governamentais (Asbraer, 2014), tendo em vista as dificuldades (limitação de recursos,
burocracia, impedimentos legais, etc.) da ATER governamental em acessar recursos das
"chamadas públicas"183
.
iii) Um terceiro aspecto da maior relevância diz respeito à oportunidade perdida pela
nova Lei de influenciar a criação da possibilidade de reestruturação do serviço
governamental de ATER. Considerando que este serviço, apesar de todas as críticas, ainda se
constitui na mais próxima e habilitada estrutura de apoio à agricultura familiar, o Projeto de
Lei aprovado não aponta nenhum mecanismo de apoio diferenciado, no sentido de atenuar os
graves problemas da ATER governamental, como: falta de ampliação dos serviços, quase
nenhuma renovação, inexistência de políticas de valorização de pessoal, baixos salários e a
drástica redução da política de qualificação profissional.
Além desses problemas, a Pnater pareceu ignorar a existência de outros tão graves
quanto aqueles já mencionados, como a prática das ingerências políticas em todos os níveis e
a existência de numerosos e vultosos passivos judiciais, principalmente trabalhistas.
Todos esses elementos, em conjunto e interagindo entre si, têm produzido crises de
variada natureza, tais como: desmotivação, baixa atratividade de novos profissionais, precário
padrão credibilidade e ameaça à sobrevivência institucional futura, tudo convergindo para a
182
Lei nº 8666 que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. 183
Além das críticas da Asbraer, o Tribunal de Contas da União (TCU) em Relatório de auditoria realizada no
ATER, no âmbito do Programa Brasil sem Miséria, em 2012, concluiu que: “Sobre as atividades de Ater
desenvolvidas junto aos agricultores familiares, as análises realizadas evidenciaram que o formato de contratação
realizado por meio de chamadas públicas representa avanço em relação ao modelo anterior de celebração de
convênios. No entanto, o modelo ainda apresenta limitações que afetam o alcance dos resultados esperados no
sentido de provocar mudanças efetivas nas condições de vida das famílias assistidas. Fatores que prejudicam a
qualidade da prestação do serviço de Ater estão relacionados à descontinuidade desses serviços, ao tamanho dos
lotes, ao pouco aproveitamento da ATER para promoção do acesso a programas sociais, ao formato das
atividades propostas nas chamadas públicas e à sistemática de diagnóstico e da avaliação de resultados.
Disponível em:
<http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D92792C014D9286605
53D87>. Acesso em 03 mai. 2017.
182
prestação de um serviço de qualidade questionável à agricultura brasileira na grande maioria
dos estados da federação e, portanto, agindo em sentido contrário à Pnater.
iv) A nova Pnater não se preocupou em criar estímulos à modernização dos
modelos de atuação, aos métodos de abordagem e à modernização da gestão.
A Pnater também frustrou a expectativa de que a nova Lei de ATER fosse também um
instrumento de aproximação definitiva da ATER governamental a novos parceiros. Parceiros
que dariam sentido na criação de bases mais duradouras de aprofundamento dos conteúdos
técnicos e de qualificação continuada de pessoal e de gestão, como seria o caso da parceira
com o “Ensino”. No formato atual, a parceria com o segmento de Educação apenas se
verifica de forma ocasional ou episódica. Ou seja, a nova Lei poderia ter caminhado na
direção de criar as bases do estímulo largo e definitivo na promoção de vínculos mais
estreitos, permanentes e continuados do serviço de ATER com o “Ensino”, aproveitando-se as
boas lições de outras realidades mundo afora, algumas discutidas aqui no caso dos países
selecionados.
v) Uma questão relevante, tida como grande expectativa pela nova Pnater é aquela
que se relaciona com os recursos financeiros do sistema de ATER. Segundo a Asbraer (2014),
os governos estaduais arcavam com 79,2 % dos gastos totais com seus serviços estaduais de
ATER, enquanto, o apoio federal, que à época, 2010, era de apenas 7,5% desses gastos,
embora importante, porém insuficiente frente à magnitude das necessidades estaduais (Tabela
5).
A Asbraer, ao reivindicar a institucionalização de uma Lei Geral, quando da comemoração
dos 60 anos do Serviço Público de Extensão Rural no Brasil, reivindicou também a criação de
Fundos Estaduais e Federal, como forma de garantir a sustentabilidade financeira dos
serviços. Todavia, a Lei aprovada se restringiu a reformatar o modelo de transferências
federais atuais, pautado na celebração de convênios, para o modelo de “chamada pública”.
183
Tabela 5 - Fontes de financiamento da ATER governamental no Brasil, 2010.184
Fonte: Asbraer (2014)
vi) Cabe assinalar que Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional pelo
antigo MDA, ao diagnosticar e eleger, quase que exclusivamente, a exigência da Lei nº 8.666
como o grande entrave à eficácia e à eficiência da execução da política de ATER no Brasil,
demonstrou pouca preocupação com a qualidade dos serviços que serão prestados aos
beneficiários. Isso pode ser percebido pelo fato de o Projeto original exigir apenas um ano de
constituição legal de entidades candidatas à prestação de serviços de ATER, prazo corrigido,
felizmente, pelo Congresso para cinco anos, quando da Lei aprovada em seu texto final.185
vii) A Pnater também inovou quanto à “orientação técnica” ao definir como
princípio a "adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque
preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis", portanto uma
versão mais branda do aquela inserida na versão da Pnater 2003/4, que estabelecia a adoção:
"de um paradigma tecnológico baseado nos princípios da agroecologia”.186
Esse
abrandamento do princípio talvez tenha se dado devido às críticas de alguns estudiosos,
dentre os quais Abromovay (2007) ao destacar que a agroecologia não poderia ser adotada
como uma "doutrina oficial de Estado", argumentando:
184
Orçamento da ATER governamental no Brasil, em 2010, foi de R$1,7bilhão ou US$ 725,7 milhões (Asbraer,
2014). Conversão em 31/12/2013, de acordo com o Bancen, a uma taxa de 1 Real Brasil = 0,4268761 Dólar dos
EUA. 185
Projeto de Lei 219, de 2009, no seu Artigo 15, inciso II. 186
Disponível em:
<http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A
%2F%2Fjararaca.ufsm.br%2Fwebsites%2Fdeaer%2Fdownload%2FVIVIEN%2FTexto02%2FPnaterVersao2004
.doc&ei=EnqWVc3zOoudgwTv2K_QAw&usg=AFQjCNFAL3WSYLOhPicMR4hcx6S_0_MURg&sig2=QZD
K4X1NbECrJ2ZAlf1N9A&bvm=bv.96952980,d.eXY>. Acesso em 03 jul. 2015.
Fontes Participação (%)
Governo Estadual 79,2
Governo Federal 7,5
Governo Municipal 5,2
Prestação de serviços 4,0
Outras receitas 3,5
Convênios internacionais 0,5
184
O que caracteriza a agronomia como ciência – e a distingue da religião – é que
possui diversas correntes de pensamento, diferentes tradições intelectuais na
tentativa de conhecer os dilemas ligados a este grande desafio e propor-lhe soluções.
A ideia de que exista uma doutrina superior a outras é contrária ao conceito de
crítica em que se apoia a própria atividade científica. (ABRAMOVAY, 2007, p. 7)
viii) Um aspecto de crucial relevância, embora ausente no projeto original, mas
corrigido pelo Congresso Nacional na versão aprovada, diz respeito à importância da
"integração/articulação pesquisa e extensão". Os elementos discutidos até aqui que tratam
do SNIA fazem crer que este aspecto que não poderia ter sido esquecido no projeto original,
pois, em pelo menos 11 estados da federação, as organizações governamentais de ATER
estavam à época integradas institucionalmente ao segmento de pesquisa agropecuária; em
outros nove existem organizações de pesquisa independentes, além do papel que a Embrapa
pode desempenhar nesse ambiente, dada a sua história de sucesso e imensa credibilidade.
Felizmente, também, na versão final da Pnater esse aspecto da integração foi corrigido pelo
Congresso Nacional.
É fato que a força da Lei individualmente não é capaz de realizar a tão sonhada e
decantada “integração”, mas não se pode negar que a Lei aprovada é um instrumento
poderosíssimo para motivar decisões políticas que transformem o objetivo XI “da
integração” em realidade. A participação mais destacada da Embrapa no núcleo decisório
da Anater (uma inovação na estrutura da Anater a ser discutida à frente) parece tratar-se
de uma iniciativa no sentido corrigir essa dificuldade.
Um último aspecto da Lei a ser discutido aqui é relacionado com a geração de
tecnologia e a agricultura familiar, elementos de destaque na Pnater, portanto do pleno
interesse desta tese.
Sousa (2006), contrariando a afirmação de que a Embrapa não dedica atenção à
agricultura familiar, faz alusão ao estudo "Agricultura Familiar na Dinâmica da Pesquisa
Agropecuária", que surge como um contraponto às críticas, reconhecendo a importância da
agricultura familiar para o Brasil e apontando de maneira robusta inúmeras tecnologias
geradas, adaptadas ou validadas pela empresa para a agricultura familiar em todos os
ecossistemas do país.187
187
Dentre as menções sobre a falta de prioridade da Embrapa à agricultura familiar, está a publicação da Fapesp
(2003) alusiva aos 30 anos da Embrapa, na qual há a constatação da necessidade de equilíbrio programático entre
agricultura familiar e empresarial. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp. br/wp-
content/uploads/2003/03/76_agropecu%C3%A1ria.pdf?f95b2d. Acesso em 04 mai. 2017. Ver também
pronunciamento do presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento
Agropecuário (Sinpaf), Vicente Almeida. Disponível em: >
185
O documento discorre ainda sobre “mitos” que envolvem a agricultura familiar, que se
melhor conhecidos, ensejariam questionamentos mais consistentes. Um desses mitos diz
respeito ao equívoco frequente de se reconhecer a agricultura familiar como homogênea. A
partir da compreensão imprecisa, esclarece o documento, equivoca-se quem propugna
soluções tecnológicas ou institucionais únicas.
Outra ponderação importante feita pelo documento é sobre o “caráter transversal das
tecnologias agropecuárias”. Ou seja, esse caráter, para o estudo, imprime na tecnologia uma
dimensão que ultrapassa as fronteiras geográficas e de tipologia de produtor, podendo
“beneficiar um número ampliado de atores sociais, econômicos, políticos e institucionais em
distintas regiões”, podendo até, a depender das circunstâncias objetivas, beneficiar diferentes
categorias de produtores (SOUZA; SILVA, 2006, p. 34).
Um terceiro mito, de muita pertinência quanto à oportunidade de abordagem do SNIA
destacada nesta tese, está relacionado àqueles que acreditam que a “tecnologia isolada” é a
solução para todos os problemas, enganam-se esses pois, “... De fato, a agricultura não se
resume ao seu momento produtivo. Trata-se de um sistema sociotécnico complexo com
múltiplas dimensões, cujas necessidades vão além das necessidades tecnológicas”
(CRESTANA; SOUZA, 2006, p. 19).
Na mesma linha, além de mencionar o volume importante de recursos investidos em
2005 em projetos e programas de pesquisa voltados para a agricultura familiar, a Embrapa
reafirma que “acima de qualquer modismo, a preocupação da Embrapa com a agricultura
familiar tem suas raízes fincadas no nascedouro da própria empresa” (CRESTANA; SOUZA,
2006, p. 22).
Hoffmann (2014) também alerta para um outro “mito” que têm ganho espaço em
vários ambientes que é o de se afirmar que a “agricultura familiar produz 70% dos alimentos
consumidos no Brasil”. Para o estudioso, a “afirmativa é falsa”, tendo em vista que o “valor
monetário de toda a produção da agricultura familiar corresponde a menos de 25% do total
das despesas das famílias Brasileiras com alimentos”. Após destacar outros argumentos que
apontam para a inconsistência da afirmação, ele conclui: “ ‘A agricultura familiar produz 70%
dos alimentos consumidos no Brasil’ não tem base e, pior, não tem sentido. O reconhecimento
da importância da agricultura familiar no Brasil não precisa de dados fictícios”
(HOFFMANN, 2014, p. 420).
Um outro mito é colocar a agricultura familiar em “antagonismo ao agronegócio”,
http://www.agroecologia.org.br/2012/08/31/embrapa-investe-4-do-orcamento-em-agricultura-familiar/>. Acesso
em 03 mai 2107.
186
situação que já parece consolidada equivocadamente em grande parte dos espaços que tratam
do tema. Como ressalta Zylbersztajn (2014), o termo agribusiness criado por Davis e
Goldberg (1957) “em nenhum momento se limitou à produção em larga escala, muito embora,
no Brasil, o termo tenha sido adotado como significado de grande escala e capital intensivo”.
Para o mesmo autor, o antagonismo só tem sentido se o argumento for a tese que advoga a
existência de uma agricultura não baseada no mercado, caracterizada como “agro-não-
negócio”, que seria “mantida por meio de políticas públicas de transferência de renda, cuja
viabilidade a longo prazo seria questionável” (ZYLBERSZTAJN, 2014, p. 279).
O que se pode avaliar de todas essas referências é que todas estão bem posicionadas
consistente e tecnicamente. Entretanto, segundo Alves e outros (2013), o fato objetivo é que
há ainda no país um monumental número de estabelecimentos rurais, 3,9 milhões, à margem
do processo de modernização da agricultura brasileira e que a grande maioria destes é
tipificada na categoria de agricultura familiar. Assim, não seria demasiado afirmar a
necessidade de se ampliar esse esforço de geração e de difusão de tecnologia, no sentido de se
multiplicar os efeitos da modernização sobre os grupos de produtores ainda não beneficiados
e historicamente desprestigiados de políticas públicas de geração e difusão de tecnologia no
Brasil. A segunda inferência que se obtém dessa discussão diz respeito à importância da
natureza da tecnologia em si como elemento condicionante da sua adoção nos sistemas de
produção.
A grande expectativa da nova Lei, traduzida pela força do seu ineditismo e pela forte
demanda social própria da agricultura familiar, era de que ela pudesse atuar sobre os graves
problemas presentes na ATER governamental na maioria dos estados brasileiros. Ou seja,
diante do quadro de precariedades da ATER governamental seria sensato imaginar que a nova
Pnater poderia ter induzido ou estimulado a adoção pelos órgãos governamentais de ATER de
mecanismos modernização institucional. Dentre estes, por exemplo, promover estímulos para
a profissionalização dos quadros técnicos, induzindo a promoção de um processo massivo e
continuado de qualificação e de desenvolvimento de pessoas, ambiente hoje repleto de
terceirizações e escasso em concursos públicos.
A justificativa de se imaginar a Pnater, com a sua força de Lei Federal, estimulando ou
induzindo melhorias nos serviços estaduais governamentais de ATER seria a de que tais
serviços são ainda são necessários, embora não suficientes, para o êxito da Pnater. A
estratégia adotada pelo antigo MDA para contribuir para a melhoria da ATER governamental
foi a de estimular a concorrência com a ATER não governamental, por intermédio das
"chamadas públicas". Nesse quadro, segundo a Asbraer (2014), o governo federal continuava
187
aportando os “mesmos escassos recursos” na ATER governamental em relação àqueles
disponibilizados antes da nova Pnater188
(ASBRAER, 2014). Consequência dessa estratégia
do MDA: com menos recursos, já que algumas organizações governamentais devido a
problemas fiscais sequer conseguiam acessar os recursos federais, a ATER governamental
teve seus problemas agravados.
Mesmo assim, a Pnater tem o mérito de buscar promover um sistema de ATER melhor
estruturado, de discutir a universalização do serviço, de conceder atenção à reforma agrária e
a grupos minoritários do setor agrícola, como indígenas, quilombolas e de ampliar
consideravelmente a participação de organizações não governamentais na execução da ATER
no país. Contudo, pecou ao não dedicar uma atenção maior aos médios produtores, de não
conseguir atuar como efetivo instrumento de melhoria na estruturação do serviço
governamental de ATER nos estados brasileiros e de não promover uma verdadeira e orgânica
integração da ATER com o ensino e com a pesquisa agrícola.
4.1.5. Anater, a nova coordenação nacional de ATER
Desde a extinção da Embrater, em 1990, o sistema público de ATER operou na
ausência de uma coordenação nacional, apesar de algumas iniciativas bem-intencionadas,
porém quase todas sem o respaldo institucional correspondente ao tamanho da
responsabilidade e, portanto, de desempenho frequentemente instável com os estados, onde,
de fato, a ATER é executada.
Uma das iniciativas mais recentes foi traduzida pela transferência, em 2003, do
Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER) do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para o âmbito do antigo Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA). Ficando este último com a missão de coordenar a política
nacional de ATER para a agricultura familiar, iniciativa que não se mostrou suficiente para
promover a reorganização do sistema de ATER no país.189
No sentido de superar essa situação de fragilidade organizacional do sistema, com
reflexos graves no desempenho da política de geração e difusão de tecnologia agrícola, além
de contabilizar expressivo desgaste institucional, em 18 de dezembro de 2013, por meio da
Lei Nº 12.897, a Presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei de criação da
188
Convém lembrar que, de modo geral, as ONGs possuem estrutura e encargos administrativos menos onerosos
do que as organizações estatais tradicionais. 189
Através do Decreto nº 4.739, de 13 de junho de 2003.
188
Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).190
A Anater foi
constituída como:
Serviço Social Autônomo, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de
interesse coletivo e de utilidade pública, com a finalidade de promover a execução
de políticas de desenvolvimento da assistência técnica e extensão rural,
especialmente as que contribuam para a elevação da produção, da produtividade e da
qualidade dos produtos e serviços rurais, para a melhoria das condições de renda, da
qualidade de vida e para a promoção social e de desenvolvimento sustentável no
meio rural.191
A expectativa é que a nova agência venha a estabelecer um novo ciclo na história da
coordenação do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural, ciclo que sucede
o anterior, que durou 23 anos, desde a extinção da Embrater em 1990 até final de 2013.
Em 26 de maio de 2014, dando consequência à Lei Nº 12.897, foi publicado o Decreto
Nº 8.252/2014 (Decreto do Executivo) instituindo a Anater, cujas competências estão no
Quadro 3, a seguir:
190
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12897.htm>.Acesso em 18
fev. 2013. 191
Todavia, a criação da Anater não foi bem recebida por alguns movimentos sociais, como foi o caso dos 170
participantes do I Seminário Nacional de Educação em Agroecologia, reunidos nos dias 3, 4 e 5 de julho de
2013, em Paulista, Pernambuco, que oficializaram uma moção de contestação afirmando que: "Reconhecem a
importância da assistência técnica e extensão rural comprometida com a sustentabilidade e fundamentada nos
princípios da Agroecologia. Contestam a explícita tentativa de retorno ao difusionismo e à centralidade da
produção científica na inovação tecnológica, aparentemente apolítica, gerada em gabinetes e sem a devida
interlocução com o saber popular. Finalmente repudiam a tentativa de uso de recursos públicos para financiar e
difundir inovações tecnológicas para o fortalecimento do agronegócio responsável pela degradação sócio
ambiental". Disponível em: <http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/noticias-para-o-boletim/495-
mocao-Anater-agencia-nacional-de-assistencia-tecnica-e-extensao-rural>. Acesso em 13 mai. 2014.
189
Quadro 3 – Competências da Anater (Decreto nº 8.252/2014, de 26/05/2014)
Dentre as competências da Anater, chama-se atenção para o destaque dado, logo no
item I do Art. 2, ao papel central da “inovação” na missão da agência. De forma
complementar, o segundo destaque é dado para a “integração” com a Embrapa, como
estratégia relevante para promover a geração, o aperfeiçoamento e a adoção de tecnologias
pelos produtores.
Outra novidade importante trazida pela Anater trata da participação mais destacada da
Embrapa no núcleo decisório da agência, por intermédio da presença de dois representantes:
um dos três Diretores Executivos e um dos 11 membros do Conselho de Administração, sendo
um diretor vinculado à área de transferência de Tecnologia e o Presidente da Embrapa,
respectivamente. Trata-se de uma tentativa de assegurar a integração (pesquisa & ATER) e a
inserção da “inovação” no contexto operacional da agência.
Além dessa importante iniciativa, a Anater também incluiu os médios produtores
rurais como público beneficiário das suas ações, corrigindo a lacuna deixada pela Pnater.
Art. 2º COMPETÊNCIAS DA ANATER (Decreto do Executivo nº 8.252/2014)
I
Promover, estimular, coordenar e implementar programas de assistência técnica e extensão
rural, visando à inovação tecnológica e à apropriação de conhecimentos científicos de
natureza técnica, econômica, ambiental e social;
II
Promover a integração do sistema de pesquisa agropecuária e do sistema de assistência
técnica e extensão rural, fomentar o aperfeiçoamento e a geração de novas tecnologias e a
sua adoção pelos produtores;
III Apoiar a utilização de tecnologias sociais e os saberes tradicionais utilizados pelos
produtores rurais;
IV Credenciar e acreditar entidades públicas e privadas prestadoras de serviços de assistência
técnica e extensão rural;
V Promover programas e ações de caráter continuado, para a qualificação dos profissionais de
assistência técnica e extensão rural que contribuam para o desenvolvimento rural sustentável
VI Contratar serviços de assistência técnica e extensão rural, conforme disposto no regulamento
de que trata o inciso II do caput do art. 19 da Lei nº 12.897, de 2013;
VII Articular-se com os órgãos públicos e entidades privadas para o cumprimento de seus
objetivos;
VIII
Colaborar com as unidades da Federação na criação, implantação e operação de mecanismo
com objetivos afins aos da Anater, por meio de instrumento específico estabelecido no
Regulamento a que se refere o inciso II do caput do art. 19 da Lei nº 12.897, de 2013;
IX Monitorar e avaliar os resultados dos prestadores de serviços de assistência técnica e
extensão rural com que mantenha contratos ou convênios;
X Promover a universalização dos serviços de assistência técnica e extensão rural para os
agricultores familiares e os médios produtores rurais; e
XI
Promover a articulação prioritária com os órgãos públicos estaduais de extensão rural
visando a compatibilizar a atuação em cada unidade federada e ampliar a cobertura da
prestação de serviços aos beneficiários.
Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8252.htm>
190
Noutro sentido, reiterando dispositivo da Pnater, a nova agência valorizará o uso de
tecnologias sociais e os saberes tradicionais utilizados pelos produtores rurais.
Um outro importante avanço espelhado nas competências da Anater está na disposição
de "Promover programas e ações de caráter continuado, para a qualificação dos profissionais
de ATER", sendo esta uma contribuição de inegável valor na reestruturação, principalmente,
dos serviços governamentais dos estados, aspecto vital negligenciado pela Pnater.
No mais, o aspecto negativo que enfraquece a expectativa positiva criada em torno da
Anater reside no fato de que, apenas no dia 23 de junho de 2015, foi anunciado o nome do
primeiro do seu presidente, portanto, depois de 18 meses de promulgada a Lei de criação da
agência. Este fato deixou a agência inoperante por muito tempo, o que também impossibilita
aqui uma análise do seu desempenho objetivo.192
4.1.6. A evolução do sistema governamental de geração e difusão de tecnologia no Brasil
Ao analisar o que ocorreu com os serviços públicos de pesquisa e de ATER nos
estados brasileiros ao longo dos últimos 25 anos (da extinção da Embrater, em 1990, até
2016), percebe-se que, de uma forma ou de outra, poucos foram os estados que não realizaram
alterações na estrutura organizacional desses serviços. O ambiente estadual parece ser um
aspecto relevante, pois são os estados que, de fato, executam junto aos produtores os serviços
de ATER e parcialmente os de pesquisa agrícola
Considerando que o Brasil conta com serviços governamentais de ATER em todos os
estados da federação, a análise de todos eles se tornaria demasiado longa e inapropriada para
este espaço. Por tal razão, optou-se por trabalhar com uma amostra, para a qual foram
escolhidos cinco estados: São Paulo, Sergipe, Goiás, Pará e Bahia, que representam 19% do
universo da ATER governamental no Brasil, amostra que tenta reproduzir o comportamento
médio das transformações havidas no país. Uma particularidade a ser registrada refere-se ao
192
A imprensa atribui a divergências político-partidárias a demora na escolha do presidente da Anater, tais
divergências se tornaram públicas na disputa entre os dois ministros que tratam da agricultura, MDA e MAPA
(Jornal Valor Econômico, edição de 2,3 e 4 de maio de 2015, p. A10). Sobre o estágio atual do desenvolvimento
das ações da Anater- após um período de um ano sem diretoria nomeada e, em seguida, com a mudança do
governo federal, apenas agora, no mês de abril de 2017, o Conselho Administrativo da Anater reuniu-se para
discutir e aprovar dois documentos importantes para o funcionamento da agência: o regulamento de licitação,
contratos, convênios e instrumentos congêneres da Anater e o regulamento da agência para credenciamento de
entidades executoras de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Ou seja, a Agência está adotando as
providências iniciais e básicas para o começo de seu trabalho Disponível
em:http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/conselho-administrativo-da-anater-discute-e-aprova-regulamentos.
Acesso em 5 mai. 2017.
191
estado do Pará que possui um serviço de ATER governamental que sofreu poucas
transformações institucionais nos últimos 50 anos, situação semelhante ocorrida com o
serviço de ATER de outros 13 estados brasileiros, como se verá adiante. Diferentemente do
Estado da Bahia, no qual as funções de ATER, pesquisa agrícola e classificação de produtos
de origem vegetal que eram desenvolvidas por uma única organização, a EBDA, foi extinta
em dezembro de 2014.
O objetivo é que a amostra seja diversificada espacialmente, diversificada quanto à
dimensão da economia agrícola e que represente um relevante grau de transformações
institucionais ocorridas na ATER governamental do país no período.
São Paulo, localizado na região Sudeste, estado de economia mais vigorosa, o
mais importante estado da federação, vanguarda em tecnologia agrícola e detentor de
serviços públicos de ATER e de pesquisa agrícola de elevada qualidade e de razoável
longevidade. O Estado conta com a CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica
Integral), criada em 1967, sendo responsável, até hoje, pelos serviços de ATER, e por
outros serviços de apoio à agropecuária paulista.193
A rede dos serviços de ATER é
distribuída por meio dos seus mais de 40 Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs),
localizados nas várias regiões do estado, que englobam as 594 “Casas de Agricultura
municipais”, presentes em todos os municípios do estado, além dos seus 21 núcleos de
produção de semente ou mudas.194
Por outro lado, estão os serviços de pesquisa
agropecuária e de outros ramos de investigação de responsabilidade do estado,
representados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto de Zootecnia (IZ),
Instituto de Tecnologia dos Alimentos (ITAL), Instituto de Pesca (IP), Instituto Biológico
(IB) e pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA). Muito embora esses serviços
continuem, desde a sua criação, operando de forma individualizada, em 11 de maio de
2000, o governo paulista constituiu a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
(APTA) com a finalidade de integrar esses serviços, dando-lhes um sentido harmônico e
orgânico, referenciados, a partir de então, por diretrizes que refletiam uma visão de 193
Embora criada em 1967, a história da assistência à agricultura em São Paulo começa bem antes da CATI, que
herdou um pouco dessa estrutura, como esclarece a Revista Casa da Lavoura (2017), em sua Edição Especial:
“No período de 1927 até 1942 acontece a consolidação da organização da assistência técnica oficial à agricultura
paulista, de caráter fomentista, articulada com a pesquisa). 1942 – O Departamento de Fomento da Produção
Vegetal é incorporado pelo Instituto Agronômico. Por meio dessa fusão, nasce o Departamento da Produção
Vegetal (PDV). A função de fomento agrícola passa à Divisão de Fomento Agrícola (DFA). São criadas as
Casas da Lavoura, que constituíram a base de todo o trabalho de assistência técnica aos agricultores e difusão
de tecnologias” (CATI. Revista Casa da Agricultura. Ano 20- Nº 1. Edição Especial. 2017, p. 17. Disponível em:
<http://www.cati.sp. gov.br/revistacasadaagricultura/28/RevistaCasadaAgricultuta_Especial_50_anos.pdf.>.
Acesso em 14 nov 2017). 194
Disponível em:<http://www.cati.sp. gov.br/new/index.php>. Acesso em 14 fev. 2014.
192
conjunto para todo o setor agrícola, embrião de um "subsistema" de inovação agrícola, de
âmbito estatal.195
Esta configuração institucional é a marca diferenciadora do Estado de
São Paulo dos demais estados, além de o Estado contar com melhor padrão de ensino
superior agrícola do país.
Já Sergipe, o menor estado do país, localizado na região Nordeste, implantou, em
abril de 1962, o seu serviço de assistência e extensão rural, denominado de Associação
Nordestina de Crédito e Assistência Rural de Sergipe, a Ancar-SE. Em outubro de 1973,
transformou a Ancar-SE em Emater-SE, Empresa de Assistência e Extensão Rural de Sergipe,
ainda com a função principal de prestar serviços de ATER. Todavia, em setembro de 1991, o
governo do estado cria a Emdagro – Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe,
responsabilizando-se pelas ações de ATER, e absorvendo as ações das extintas Fundase
(Fundação de Assuntos Fundiários do Estado de Sergipe), Sudap (Superintendência da
Agricultura e Produção), Empease (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Sergipe) e Ceasa
(Centrais de Abastecimento de Sergipe S.A.).
Por fim, em agosto de 2004, é criado o Departamento Estadual de Desenvolvimento
Agropecuário de Sergipe (Deagro/SE), com a finalidade de executar as políticas de
desenvolvimento agropecuário, da pesca, compreendendo as atividades inerentes à ATER, à
pesquisa agropecuária, ao fomento, à sanidade vegetal e animal, à organização agrária e rural,
aos serviços de apoio à comercialização e ao abastecimento, em todo o Estado de Sergipe. Em
continuação ao “dinâmico processo de transformações”, em dezembro de 2007, foi aprovado
na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe o Projeto de Lei que extinguiu as autarquias
criadas no governo anterior, retornando às empresas. Entre elas, o Departamento de
Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Deagro), que volta a ser empresa, Empresa de
Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe, Emdagro196
. Sergipe constitui-se num dos estados
em que mais ocorreram mudanças no formato organizacional da ATER em todo o Brasil.
No caso do Estado de Goiás, na região Centro-Oeste, uma das mais dinâmicas
agriculturas na atualidade brasileira, as mudanças institucionais também foram prolíferas, por
isso merecem a menção aqui como forma de demonstrar a amplitude dessas transformações.
Em março de 1959, é fundada a Associação de Crédito e Assistência Rural do Estado de
195
Ver Decretos do Governo do Estado de São Paulo: nº 44.885, de 11 de maio de 2000 e nº 46.488 de
08/01/2002. 196
A Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), empresa pública estadual vinculada à
Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, dotada de personalidade jurídica de direito
privado com patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, constituída nos termos das Leis n. º
2.960, de 9 de abril de 1991, e 2.986, de 23 de maio de 1991, alterada ex vi da Lei n.º 3.310, de 23 de março de
1993, e da Lei nº 4.749, de 17 de janeiro de 2003, e pela Lei nº 6.333, de 02 de janeiro de 2008.
193
Goiás (Acar-Goiás) uma sociedade civil, sem fins lucrativos, criada para executar a política de
extensão rural no Estado, que contemplava a promoção do crédito rural educativo. Pouco mais
de quinze anos mais tarde, em outubro de 1975, é criada a Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Estado de Goiás (Emater-GO), fruto da unificação da Acar-Goiás com a
Coordenadoria de Assistência Técnica, da Secretaria da Agricultura.
Duas décadas depois, dezembro de 1995, foi promovida a incorporação da Empresa
Goiana de Pesquisa Agropecuária (Emgopa) à Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural de Goiás (Emater-GO) incorporando-se também à Emater-GO os serviços de
classificação de origem vegetal, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Continuando o
ciclo de mudanças, já em novembro de 1999, cria-se a Agência Goiana de Desenvolvimento
Rural e Fundiário (Agenciarural), autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, que absorve as atividades da Emater-GO, sendo esta, em conjunto
com os demais órgãos, extintos no mesmo momento, e colocada em processo de liquidação.197
Em dezembro de 2003, mais uma mudança: é criada a Agência Goiana de Defesa
Agropecuária (Agrodefesa), deslocando-se para esta as atividades de defesa agropecuária,
anteriormente de responsabilidade da Agenciarural. Em maio de 2008, é extinta a
Agenciarural, transferindo suas atividades institucionais e quadro de pessoal para a Secretaria
de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seagro). Em abril de 2010, a Emater-GO é
retirada do processo de liquidação e reativada, retomando o seu vínculo com a Secretaria de
Agricultura, assim como as suas atividades originais de pesquisa, ATER e classificação de
produtos de origem vegetal e de certificação de produtos de origem animal, estabelecendo a
agricultura familiar como seu público prioritário. Menos de um ano após, em janeiro de 2011,
cria-se a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária
(Emater) uma autarquia estadual, dotada de personalidade jurídica de direito público interno,
com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com as mesmas responsabilidades da
sua antecessora, a Emater- GO, que agora é recolocada em liquidação.
Um quarto caso refere-se ao Estado do Pará, representante da região Norte do país.
Neste estado, o órgão responsável pelo serviço público de ATER, há mais de 50, anos é a
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará, fundada com o nome de
Acar-Pará, em dezembro de 1965, por determinação do Governo do Estado do Pará; por força
do decreto de nº 9.958, de 29 de dezembro de 1976, tornou-se a Empresa de Assistência
197
A Agência Goiana de Desenvolvimento Rural e Fundiário desenvolvia, além das atividades de assistência
técnica, social e gerencial aos produtores rurais e de pesquisa agropecuária era também responsável pela
promoção da política estadual de regularização fundiária, assentamentos e reforma agrária, foi criada pela Lei
nº13. 550, de 11 de novembro de 1999.
194
Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA), empresa pública de direito
privado.198
O exemplo do Estado do Pará, onde as atividades de ATER permaneceram numa
única instituição, apesar da mudança de denominação foi, até hoje, seguido pelos estados do
Acre, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Piauí, Roraima, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia e Distrito Federal e pelo Estado de São Paulo. Ou
seja, a escolha do Estado do Pará tenta refletir as transformações nesses 13 outros estados.
Um caso diferenciado daqueles tratados anteriormente é o caso do serviço de ATER
do Estado da Bahia, localizado na região Nordeste. Neste estado, a origem do serviço de
Extensão Rural ocorre em 1954, ainda sob a forma de Programas Estaduais, motivados pelo
surgimento do Banco do Nordeste do Brasil, em 1952, que pretendia viabilizar o crédito rural
supervisionado. Assim, é criada a Associação Nordestina de Assistência Rural (Ancar), uma
sociedade sem fins lucrativos, com sede e foro em Recife, Estado de Pernambuco, abrangendo
oito estados da região, exceção apenas para o Estado do Maranhão. De início, as atividades de
ATER contemplaram Pernambuco, Ceará e Bahia. A ação de ATER na Bahia abrangeu
inicialmente poucos municípios do estado. Em novembro de 1963, o Programa Estadual foi
transformado na Associação Nordestina de Assistência Rural da Bahia (Ancarba), com sede e
foro no Estado da Bahia, procedimento seguido pelos demais estados.
Na região cacaueira, entretanto, o trabalho de ATER era de responsabilidade da
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), órgão vinculado ao
Ministério da Agricultura, criado em 1957. O trabalho efetivo de ATER da Ceplac iniciou-se
em 1962, com a criação do Centro de Pesquisa do Cacau (CEPEC), uma estrutura interna da
CEPLAC, que criou as bases de geração de tecnologia para a atuação do Departamento de
Crédito e Extensão (DECEX), que foi estruturado seguindo as diretrizes do Sibrater
(RANGEL, 1982, p. 65). Este registro se faz importante pelo fato de demonstrar que, no
mesmo Estado da Bahia, existiam duas organizações de assistência à agricultura, criadas na
mesma década, operando com distintos modelos de ATER. A CEPLAC contava, e conta até
hoje, na sua estrutura organizacional com os segmentos de pesquisa e de extensão. Quanto às
unidades de ensino de nível médio foram transferidas desde 2013 para o Ministério da
Educação, compondo a estrutura dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
Registre-se que o modelo CEPLAC era inspirado no modelo dos Estados Unidos, como visto
no capítulo anterior, que reunia numa única organização a pesquisa, o ensino e a extensão
rural, daí o interesse deste estudo em inserir a Ceplac nas análises.
198
Disponível em:< http://www.emAter.pa.gov.br/PortalEmAter/pgHistorico. jsp>. Acesso em: 14 fev.2014.
195
Em 1974, é criada a Empresa de Crédito e Extensão Rural da Bahia (Emcerba),
vinculada à Secretaria Estadual da Agricultura, que incorpora a Ancarba e o Instituto Baiano
de Crédito Rural (IBCR), um órgão da mesma secretaria, incumbido de operar assistência
técnica e crédito rural. Para atender a ajustes impostos pelas características institucionais e a
legislação da Embrater, ainda em 1974, é criada a Empresa de Assistência e Extensão Rural
da Bahia (Ematerba), uma empresa pública de direito privado criada com a missão de
executar a política de ATER no Estado da Bahia, que sucede à Emcerba (NOGUEIRA, 1990).
Em 1991, é criada a Empresa de Desenvolvimento Rural da Bahia (EBDA), abrigando a
Ematerba, a Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia (Epaba) e o Instituto Biológico da
Bahia (IBB), este último responsável pela execução da política de defesa agropecuária do
estado.199
Portanto, uma iniciativa pioneira na região nordeste do país, no sentido de integrar a
pesquisa e a ATER em uma única organização. O Estado de Pernambuco veio a tomar igual
atitude em 2003, com o IPA incorporando a ATER.
No meado da década de 1990, o governo percebeu que as funções de ATER não eram
compatíveis com as ações de fiscalização e de sanções próprias da defesa agropecuária, para
serem realizadas pela mesma organização, assim, resolveu transferir da EBDA as funções de
defesa agropecuária para Secretaria da Agricultura, que, posteriormente, em 1999, criou um
órgão específico, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), em atuação até o
momento.200
Desse modo, a EBDA estabeleceu sua presença em quase todos os municípios do
estado, por intermédio de uma rede de ATER, de pesquisa agrícola, de classificação de
produtos agrícolas, capacitando produtores, viabilizando crédito e outras políticas públicas,
numa existência de quase 60 anos. O caso do Estado da Bahia, no qual as funções de ATER,
pesquisa agrícola e, eventualmente, de outros serviços são desenvolvidas por uma única
organização, a EBDA, é semelhante à situação de outros oito estados: Alagoas, Espírito
Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Santa Catarina e Sergipe.
Todavia, as transformações na EBDA continuarem céleres até o ano de 2014, quando
o Governo do Estado, em um dos últimos atos do seu mandato, solicitou autorização à
Assembleia Legislativa para extinguir a EBDA, vinculada à Secretaria da Agricultura. Tal
medida fez parte de uma reforma administrativa implementada pelo novo governo estadual,
iniciada em janeiro de 2015, estando fundamentada na Lei nº13.204 de 11 de dezembro de
2015. Essa reforma propôs a criação da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e
Extensão Rural (BAHIATER), um órgão em Regime Especial de Administração Direta, 199
Por intermédio da Lei Nº 6.074 de 22 de maio de 1991.
200
Criação da ADAB: Lei Nº 7.439 de 18 de janeiro de 1999.
196
vinculado a uma nova Secretaria de Desenvolvimento Rural, que tem por finalidade:
promover a execução de políticas de desenvolvimento da assistência técnica e
extensão rural, especialmente as que contribuam para a elevação da produção, da
produtividade e da qualidade dos produtos e serviços rurais, para a melhoria das condições de renda, da qualidade de vida e para a promoção social e o desenvolvimento
sustentável no meio rural baiano.201
A Bahiater tem na sua estrutura organizacional quatro diretorias: uma de Assistência
Técnica e Extensão Rural, uma de Inovação e Sustentabilidade, uma outra Operacional, além
da Administrativa e Financeira.202
A nova organização, a Bahiater, não executará diretamente as ações de ATER, isso
será feito por intermédio de organizações não governamentais, utilizando-se a modalidade de
"chamadas públicas". O papel da Bahiater, pelo que foi revelado pelas autoridades
responsáveis, será o de contratar, acompanhar e avaliar os serviços a serem prestados.203
A
função de pesquisa agrícola está atribuída à diretoria de "Inovação e Sustentabilidade",
considerando-se o que se pode extrair da Lei Nº 13.204 de 11 de dezembro de 2014:
§ 4º - A Diretoria de Inovação e Sustentabilidade tem por finalidade planejar,
articular e executar atividades de inovação tecnológica e sustentabilidade, voltadas
para o fortalecimento da agricultura familiar e suas organizações, em consonância
com os pilares estratégicos estabelecidos para o desenvolvimento sustentável da
Bahia.
Além de não deixar claro como se desenvolverá a função “pesquisa agrícola", o
que é preocupante, a Lei também não explicita qual será o destino da estrutura física,
fazendas experimentais, laboratórios e centros de treinamentos de produtores, estrutura
distribuída em todo o estado. Na prática, todo esse patrimônio está sendo doado a
diversas instituições federais, estaduais e municipais. A maioria das Estações
experimentais está ocupada por movimentos sociais e uma pequena parte dos animais
oriundos dessas estações foi doada à Escola de Medicina Veterinária da UFBA, que
pretende dar continuidade às pesquisas desenvolvidas pela EBDA. A Lei também não
201
Diário Oficial do Estado da Bahia, edição de 12/12/2014, disponível em:
<http://www.egba.ba.gov.br/diário/DO12/DO_frm0.htm>. 202
A Diretoria de Assistência Técnica e Extensão Rural tem por finalidade executar as atividades de
planejamento, gestão, monitoramento e avaliação das ações de assistência técnica e extensão rural, bem como
formação de técnicos, agricultores familiares e demais segmentos, captação de recursos, acompanhamento,
supervisão de contratos e convênios de assistência técnica e extensão rural, desenvolvimento de projetos
estratégicos e de apoio às cadeias produtivas e articulação de políticas públicas relacionadas à assistência técnica
e extensão rural. 203
Ver programa Globo Rural, edição de 13 de março de 2016. Disponível em:
http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2016/03/assistencia-tecnica-rural-esta-em-crise-na-
bahia.html>. Acesso em 03 mar. 2017.
197
orientou sobre o destino dos 1.130 funcionários (pesquisadores, extensionistas e
administrativos) da EBDA que foram demitidos, mesmo detentores privilegiados de parte
importante da memória da agricultura baiana, algo provavelmente útil no aprendizado da
nova organização.204
Esse modelo de ATER é inédito entre os estados da federação,
apesar de já praticado pelo antigo MDA, no plano federal.
Embora a análise desta tese tenha contemplado apenas uma amostra de cinco estados,
é possível pressupor que o produto de todo esse conjunto de transformações ocorridas no
domínio dos serviços públicos de pesquisa e de ATER do país tenha atingido a maioria dos
estados, gerando perfis institucionais, modelos e estratégias com características diversas e
múltiplas, como será demonstrado mais à frente.
De modo mais específico, para o país com um todo, a situação das instituições
públicas que executam as políticas de geração e de difusão de tecnologia agropecuária,
visualizada na Tabela 6, diferencia-se em três categorias: (1) as instituições públicas que
atuam somente com geração de tecnologia agropecuária, incluindo-se nesta situação a
Embrapa; (2) as instituições públicas que atuam somente com difusão de tecnologia
agropecuária; e (3) as instituições públicas que atuam com geração e difusão de tecnologia
agropecuária, onde se inclui a Ceplac, a única instituição federal a atuar com Pesquisa e
ATER.
Tabela 6 - Unidades Descentralizadas e Escritórios da Embrapa e das Instituições públicas
federal e estaduais executoras das políticas de “Pesquisa”, “Extensão Rural” e “Pesquisa +
Extensão” no Brasil, por Grandes Regiões, 2016
Fonte: elaboração do autor, com base no Apêndice A.
204
Por força de decisão judicial, um total de 348 ex-funcionários da EBDA foram aproveitados pela Bahiater,
por intermédio de contratos temporários de trabalho (Fonte: Sintagri- Disponível em:
<http://sintagri.blogspot.com.br/>. Acesso em 22 mar. 2017. Para outros detalhes, ver também Decreto Nº
17.037, de 23 de setembro de 2016, que trata sobre o processo de liquidação da EBDA. Disponível em:
<http://www.portaldoservidor.ba.gov.br/sites/default/files/Nomea%C3%A7%C3%A3o%20sem%20efeito_2.pdf
>. Acesso em: 22 mar. 2017.
GRANDES REGIÕES/
(Número de Estados) Embrapa
Instituições Públicas Estaduais e Federal (Ceplac)
Pesquisa Extensão Pesquisa +
Extensão
Região Norte (7) 8 0 7 3
Região Nordeste (9) 11 2 4 6
Região Centro-Oeste (4) 17 0 2 3
Região Sudeste (4) 14 9 3 2
Região Sul (3) 12 2 2 1
Nº unidades 62 13 18 15
198
Ainda pelo exame da Tabela 6, percebe-se que as regiões Norte (exceção para o
Estado do Tocantins/Unitins) e Centro-Oeste são as únicas que não possuem unidades
estaduais específicas de pesquisa agrícola, embora contem com a presença de unidades da
Embrapa nos seus territórios. Por outo lado, as regiões Centro-Oeste e Sudeste, compostas de
oito estados, são as melhores dotadas de unidades de pesquisa, com 31 unidades apenas da
Embrapa, ao lado de 19 unidades estaduais de “Pesquisa” e “Pesquisa & ATER”. É
importante esclarecer, neste caso, que apenas o Distrito Federal (Centro-Oeste) conta com
nove unidades da Embrapa, sendo oito “Unidades Descentralizadas" e um ”Escritório de
Negócios”, podendo todos serem compreendidos como de abrangência nacional,
extrapolando, pois, aos limites regionais.205
Em síntese, a Tabela registra que:
(a) quanto à difusão - o sistema está constituído por 18 instituições estaduais de ATER
e 15 instituições de “pesquisa + ATER”, incluindo-se, neste grupo, 6 unidades da Ceplac,
instituição vinculada ao MAPA (Apêndice A).
(b) Quanto à geração - compõem o sistema 14 instituições estaduais de pesquisa, além
de 15 outras em conjunto com a ATER, incluída a Ceplac, de natureza federal, como já
mencionado. O sistema é também integrado pela estrutura da Embrapa, composta por 46
Unidades Descentralizadas e 16 Escritórios de Negócio, estando presente em quase todos os
Estados da Federação (Apêndice A). Além dessas unidades no Brasil, a empresa desenvolve
projetos e negócios no exterior, por meio de quatro estratégias operacionais: Cooperação
Científica, Cooperação Técnica, Políticas Globais e Negócios Tecnológicos, que se
desdobram em vários programas e projetos. A empresa está presente em todos os continentes,
com parcerias com algumas das principais instituições e redes de pesquisa do mundo, esforço
coordenado pela Secretaria de Relações Internacionais.206
A Embrapa exerce, ainda, a coordenação do Sistema Nacional de Pesquisa
Agropecuária (SNPA)207
. Como síntese de toda a discussão desenvolvida nesta seção, pode-se
afirmar que, apesar das dimensões continentais do Brasil, a rede existente de Pesquisa e
ATER no país apresenta uma razoável cobertura espacial. Todavia, em recente publicação, a
205
A estruturação programática da Embrapa é composta por Unidades Descentralizadas e Escritórios de
Negócios. As Unidades Descentralizadas contemplam: Unidades de Pesquisa de Produto, Unidades de Pesquisa
de Temas básicos e Unidades de Pesquisa ecorregional e Unidades de Serviço. (Fonte: Embrapa. Disponível em
<https://www.embrapa.br/embrapa-no-Brasil>. Acesso em 22 mar. 2017 206
Fonte: Embrapa. Disponível em:< https://www.embrapa.br/atuacao-internacional>. Acesso em 22 mar. 2017. 207
Formado por instituições públicas federais, estaduais, universidades, empresas privadas e fundações, que, de
forma cooperada, executam pesquisas nas diferentes áreas geográficas e campos do conhecimento científico.
Disponível em: < http://www.Embrapa.br/a_Embrapa/missao_e_atuacao>. Acesso em 23 nov. 2016.
199
Asbraer (2014), ao consultar todas as suas 27 associadas, concluiu por constatar como "pontos
fracos" as dificuldades e até inexistência de integração/articulação sistêmica entre a
pesquisa pública e a ATER governamental.
Sobre os modelos, o que se pode perceber é que embora as organizações estaduais que
atuam com Pesquisa e ATER num único ambiente recebam críticas quanto às dificuldades de
integração, acredita-se que as outras organizações que atuam com pesquisa ou ATER de
forma isolada devam sofrer ainda maiores dificuldades quanto à integração. Sobretudo, em
face de ausência de uma programação de trabalho única, de eventos periódicos conjuntos, do
tratamento conjunto de demandas dos setores produtivos e da sociedade civil, dentre outros
momentos que suscitam articulação e interação. Deve restar claro que, embora importante, o
modelo organizacional constitui-se em apenas um aspecto no complexo quadro de variáveis
determinantes de um bom desempenho das instituições de pesquisa e de ATER no país.
4.2. A configuração do SNIA sob a ótica da ATER do Brasil
Com o respaldo do quadro teórico institucional debatido até aqui, é possível dar início
à discussão sobre a configuração de um Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), sob a
perspectiva da ATER no Brasil. Assim, o objetivo buscado nesta seção é o de aproximar a
concepção teórica do SNIA, discutida no capítulo 2, à realidade da agricultura brasileira,
aproximação elaborada sob o olhar da ATER.
Apesar de a perspectiva analítica ter como centro a ATER, aqui, novamente, depara-se
com a dificuldade de isolar-se a ATER da pesquisa agrícola e estas do ensino, mesmo que
para efeito de decodificação analítica. Desse modo, e coerente com os princípios da teoria
evolucionária, a ATER, a pesquisa e o ensino serão tratados numa relação de totalidade, não
impedindo, porém, que em alguns momentos, as especificidades sejam abordadas de modo
individualizado.
O passo inicial no sentido da "aproximação" pretendida será dado na direção da
seleção dos atores mais importantes que compõem o SNIA, concomitante a uma breve
descrição do seu espaço de atuação, reiterando-se que a seleção e a descrição são justificadas
sob o angulo de atuação da ATER. A seleção e o posicionamento dos atores selecionados
estão inspirados no modelo conceitual apresentado por Spielman e Birner (2008), com
adaptações ao caso brasileiro e aos objetivos desta tese (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 6).
200
Em síntese, a configuração do SNIA sob a ótica da ATER está apresentada em cinco
grandes áreas, aqui denominadas de: “domínio do conhecimento”, “domínio das Instituições-
ponte", “domínio dos negócios e das empresas”, “domínio governamental e órgãos
colegiados” e “domínio institucional”. Todos os atores ou arranjos presentes nessa
configuração do SNIA possuem relação direta com a ATER, ou seja, é possível que algum
ator relevante do sistema não esteja citado, devido a opção meramente didática de não
apresentar relação direta com a ATER (Quadro 4).
Quadro 4 – Atores do SNIA do Brasil sob a perspectiva da ATER
DOMÍNIO DO
CONHECIMENTO
DOMÍNIO DAS
"INSTITUIÇÕES-
PONTE"
DOMÍNIO DOS
NEGÓCIOS E
DAS
EMPRESAS
DOMÍNIO
GOVERNAMENTAL E
ÓRGÃOS
COLEGIADOS
DOMÍNIO
INSTITUCIONA
L (1)
Instituições de Ensino
Agropecuário (Técnico
e Superior)
Organizações
Executoras de
ATER
Órgãos
governamentais de
ATER (ou ATER
e pesquisa)
ONGs/OSCIPs de
ATER
Empresas privadas
prestadoras de
Assistência
Técnica
Empresas privadas
agroindustriais
integradoras
Cooperativas
SENAR
Sebrae
Empresas
Agropecuárias e
agroindustriais
Organizações
governamentais de
coordenação/
governança/regulação
e de apoio à
agricultura
MAPA
SEAD
MCTIC
MMA
ANATER
Pnater
Pronater
Organizações
executoras de pesquisa
agrícola
Embrapa
Órgãos
governamentais de
Pesquisa agrícola (ou
pesquisa e ATER)
ONGs/OSCIPs de
pesquisa agrícola
Empresas privadas
de pesquisa agrícola
Fundações privadas
de Pesquisa agrícola
Instituto Nacional do
Semiárido (INSA)
Produtores rurais
individuais Programa Nacional
de Reforma
Agrária.
Empresas de
Serviços à
Agricultura
Agências de
financiamento à
agricultura
Bancos
públicos
operadores de
crédito rural
Bancos
privados
operadores de
crédito rural
Cooperativas
de Crédito
Pronaf
Fundos Setoriais Órgãos colegiados
Condraf
Sibrater
SNPA
Consepa
Asbraer
Lei de Proteção de
Cultivares
Instituições
internacionais de
cooperação para a
agricultura
Lei que regula
direitos e
obrigações relativos
à propriedade
industrial.
Entidades de
representação
dos produtores
CNA
CONTAG
OCB
MST
FETRAF
Constituições
Federal e Estaduais
Outros Outros Outros Outros Outros
Obs.: (1). Refere-se: (i) às leis, regulamentos, normas, regras e afins, relacionados com o setor agrícola nacional;
(ii) às políticas /programas/ projetos e fundos, de âmbito nacional, de apoio à agricultura, pecuária, pesca e
aquicultura e à ciência, tecnologia e inovação; e (iii) às instituições informais que determinam padrões culturais,
comportamentos, etc.
Fonte: Autor, adaptado de Spielman e Birner (2008, p. 6).
201
4.2.1. Domínio do Conhecimento
Esse domínio contempla, para os objetivos dessa seção, as instituições de ensino
agropecuário (técnico e superior), com destaque para o ensino superior e as organizações
executoras de pesquisa agrícola.
Ensino agropecuário
Esse ator, dada a sua importância inequívoca para o funcionamento e para
competitividade de todo o sistema e, em especial, para os segmentos de ATER e de pesquisa
agrícola, não requererá aqui maiores detalhamentos, exceção feita para a sua dimensão e
distribuição no território nacional.
As instituições do "domínio do conhecimento" estão caracterizadas como aquelas
instituições de ensino agropecuário de nível superior ou técnico, responsáveis pela formação
de recursos humanos atuantes nos sistemas de pesquisa e de ATER no Brasil. Essas
instituições podem ser classificadas em: Instituição pública federal, estadual ou municipal, e
Instituição privada com e sem fins lucrativos. Para efeito apenas de ilustração e de
dimensionamento, obedecida a classificação acima, apresentam-se aqui dados sobre a oferta
de cursos de nível superior nas áreas das Ciências Agrárias, representadas pelos cursos de
Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia, Engenharia Florestal e Agroecologia.
O ensino tem-se colocado como elemento estratégico na conformação atual e futura
dos principais serviços de ATER dos países selecionados. No Brasil, o sistema de ensino
superior agrícola e a ATER não possuem vínculos orgânicos, como ocorre nos Estados
Unidos e, em menor grau, na França. Esta parece ser uma diferença importante em relação a
uma das fragilidades da ATER brasileira, também considerada pela Asbraer (2014) como um
"ponto fraco" do sistema nacional de ATER (ASBRAER, 2014).
A relação ATER-Ensino aqui referida não se restringe aos eventos de capacitação
comuns ao serviço de ATER. Refere-se, sim, a um trabalho mais aprofundado de formação
continuada que seria proporcionado, por exemplo, pela relação ATER-Universidade,
organizada de forma contínua e permanente, que acompanharia a dinâmica da agricultura,
desafiando a ATER e a própria universidade, enriquecendo e alimentando os dois serviços
cotidianamente, infelizmente elo não presente na experiência brasileira.
Ao se analisar o vetor ensino, com o auxílio da Tabela 7, constata-se que o ensino
agrícola no Brasil é distribuído em todas as regiões do Brasil, sendo que as regiões Sul e
202
Sudeste oferecem mais de 54% de todos os cursos em Ciências Agrícolas oferecidos no país,
sejam eles natureza privada ou pública: federais, estaduais ou municipais. Em contraposição,
as regiões Norte e Nordeste suprem as necessidades desses profissionais em quase 32% do
total da oferta nacional. Esses números guardam relação direta com o padrão de
desenvolvimento tecnológico das suas respectivas agriculturas, ou seja, as regiões Sul e
Sudeste possuem a maior oferta de cursos, apresentando também uma agricultura considerada
de elevado nível tecnológico, quando comparada em padrões médios com a agricultura
praticada nas regiões norte e nordeste.
Por outro lado, o Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, demonstrou que
4.030.587 estabelecimentos agropecuários (78% do total) não receberam qualquer tipo de
"Orientação Técnica" naquele ano. Dentre estes, os estabelecimentos no estrato de área
variando de zero até 10 hectares de área total foram aqueles, proporcionalmente, mais
impactados pela ausência de orientação técnica. Ou seja, 2.122.569 estabelecimentos (53%)
na faixa de até 10 hectares de área total não receberam qualquer tipo de assistência técnica em
2006.
203
Tabela 7 - Brasil -Cursos de Nível Superior em Ciências Agrícolas, por estado e Grande
Região (07/2014)
Grandes Regiões /
Estados
Cursos de Nível Superior
Ag
roeco
log
ia
Ag
ron
om
ia
En
g.
Ag
ron
ôm
ica
En
g.
Ag
ríc
ola
/
Am
bie
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l
En
g.
Flo
rest
al
En
g.
Pesc
a/a
qu
ic.
Med
. V
et.
Zoo
tecn
ia
To
tal
Su
bto
tal
%
1. Acre 2 0 2
2
1 1 8
2. Amazonas 3 3
1 2 3 4 2 18
3. Amapá
1
2 1
4
4. Pará 1 12
10 4 4 6 37
5. Rondônia
6
2 2 4 5 19
6. Roraima 1 3
1
1 1 7
7. Tocantins
4 1
1
2 2 10
NORTE 103 12,99
8. Alagoas 1 2
2 1 2 3 11
9. Bahia 2 11 4 1 3 3 9 4 37
10. Ceará
4
1
1 3 4 13
11. Paraíba 6 2
1 1
3 1 14
12. Pernambuco 2 6 1 1 1 2 5 4 22
13. Piauí
0 7
1 1 2 3 14
14. Sergipe 1 0 1 1 1 1 2 1 8
15. Maranhão
5
1 1 2 2 6 17
16. Rio G. do Norte 1 2
3 2 2 2 2 14
NORDESTE 150 18,92
17. Distrito Federal
3
1
4 2 10
18. Goiás
18
3 4 1 9 8 43
19. Mato G. do Sul 1 9
2 1 5 4 22
20. Mato Grosso
20
2 4
4 6 36
CENTRO-OESTE 111 14,00
21. Minas Gerais 1 36 9 4 8
29 16 103
22. São Paulo 1 32 13 1 5 2 45 10 109
23. Espírito Santo
5
1 3 6 2 17
24. Rio de Janeiro
2
2 1
15 2 22
SUDESTE 251 31,65
25. Santa Catarina
16 1
5 2 14 3 41
26. Rio G.e do Sul 2 24
7 3 1 15 7 59
27. Paraná 2 27 3 3 7 4 25 7 78
SUL 178 22,45
TOTAL 27 253 42 32 73 37 217 112 793 793 100
Fonte: Elaboração própria a partir de <http://emec.mec.gov.br/>. Nota: A tabela refere-se aos cursos de nível superior em atividade,
presenciais, aqui denominados de cursos em Ciências Agrícolas, do interesse deste estudo. Estão contabilizados os cursos de: Agroecologia, Eng. Agronômica, Agronomia, Eng. Agrícola e Ambiental, Eng. Florestal, Eng. de Pesca/Aquicultura, Medicina Veterinária e Zootecnia.
204
Ao se projetar a dimensão do estrato de até 10 hectares para o ano 2014, com base nos
dados censitários, percebe-se com o auxílio da Tabela 8 que a oferta de cursos de Ciências
Agrárias encontra-se proporcionalmente bastante favorável em relação à presença deste tipo
de estrato em todas as Grandes Regiões do país, exceto para região nordeste. Ou seja, esta
região conta com 26,4% dos estabelecimentos agropecuários na faixa de área de até 10
hectares e com apenas 19% da oferta de cursos de Ciências Agrárias do Brasil. A expectativa
ideal seria a de que a oferta de cursos de Ciências Agrárias, enquanto instrumento importante
de desenvolvimento agrícola, fosse, pelo menos, proporcional à presença desse estrato de
estabelecimento, a exemplo do que se verifica nas demais regiões.
Tabela 8 - Brasil - Estabelecimentos agropecuários de até 10 ha de área total e oferta de
cursos de Ciências Agrárias no Brasil, por Grandes Regiões
Grande Região
Participação dos Estabelecimentos Agropecuários
de até 10 ha no total do Brasil (%)
Oferta de
Cursos³ (%)
1996¹ 2006¹ 2014² 2014
Norte 2,8 2,4 2,2 13,0
Nordeste 32,3 29,0 26,4 18,9
Sudeste 5,9 7,6 9,3 31,7
Sul 7,8 7,9 7,9 22,5
Centro-Oeste 0,7 1,0 1,4 14,0
Brasil 49,4 47,9 47,2 100,0
Fontes: Elaboração própria, com base em: (1) Censos Agropecuários; (2) Estimativas do autor a partir dos
Censos Agropecuários; e (3) Tabela 7.
Embora a oferta adequada de cursos e de profissionais de ciências agrícolas não seja o
único fator determinante do grau de competitividade da agricultura, esse elemento possui peso
expressivo na difusão de inovações e na implementação das políticas públicas agrícolas,
sobretudo para os segmentos pouco modernizados. Nesse contexto, torna-se relevante o que
asseguram Salles-Filho et al. (2011):208
“Seja em centros públicos e privados de pesquisa, seja
em universidades, as Ciências agrárias no país têm sido particularmente importantes, tanto
para a produção de conhecimento quanto para a incorporação deste à produção” (SALLES-
FILHO et al., 2011, pp. 10-11).
208
Competitividade agrícola empregada no mesmo sentido utilizado por Fuck e Bonacelli (2009).
205
Tabela 9 - Cursos selecionados de Ensino superior agrícola oferecidos no Brasil por
instituições de ensino superior públicas (federais ou estaduais ou municipais) e por
instituições privadas de ensino superior com e sem fins lucrativos (julho, 2014)
Cursos de nível Superior em Ciências Agrícolas
Áreas temáticas Número Participação (%)
Agroecologia 27 3,40
Agronomia 253 31,90
Eng. de pesca e aquicultura 37 4,67
Eng. florestal 73 9,21
Eng. Agrícola e ambiental 32 4,04
Eng. Agronômica 42 5,30
Medicina Veterinária 217 27,36
Zootecnia 112 14,12
Total 793 100,00
Fonte: elaboração própria com base em dados disponíveis em:<. http://emec.mec.gov.br/>.
Quanto aos cursos, os de Engenharia Agronômica/Agronomia, Eng. Agrícola e
Ambiental, Zootecnia e de Medicina Veterinária são aqueles que possuem a maior oferta no
país, participando com mais de 82% da oferta total, alcançando quase o número dos 800
cursos, dados de julho de 2014. Um dado curioso revelado pela mesma Tabela 9 é que os
cursos de Agroecologia, recentemente criados, já se aproximam da oferta dos cursos de
Engenharia de Pesca e Aquicultura, lembrando-se serem estes últimos mais antigos, de maior
tradição, além de apresentarem quantitativamente uma expressão muito aquém do imenso
potencial do país nesse segmento produtivo.
Organizações executoras de pesquisa agrícola
Constituem-se em um dos atores mais importantes do SNIA, aqui representados pelos
institutos públicos de pesquisa (IPP), as empresas privadas de pesquisa agrícola, as fundações
mantidas por produtores e as ONGs/ OSCIP, entre as principais organizações executoras de
pesquisa agrícola no país.
No caso da pesquisa agrícola brasileira, os IPP são liderados pela Embrapa, que
coordena um sistema nacional, do qual participam organizações governamentais estaduais de
pesquisa, dispersas na maioria das unidades da federação, estruturadas de forma singular ou
206
em conjunto com as organizações de ATER.209
Nesse grupo, estão incluídos a CEPLAC, que
conta com um departamento de pesquisa, e o Instituto Nacional de Pesquisa do Semiárido (INSA),
que é uma unidade de pesquisa integrante do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC), com enfoque no semiárido brasileiro. O INSA, embora possa ser
considerada uma unidade ainda jovem, pois seu primeiro concurso público para a composição de
parte do seu quadro técnico-científico e administrativo ocorreu em agosto de 2008, possui a
responsabilidade relevante de estabelecer como pressuposto de trabalho "a busca de ações
articuladas entre as unidades de pesquisa, bem como as demais instituições de ensino, pesquisa e
extensão atuantes em regiões áridas e semiáridas", diretriz ajustada à Estratégia Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação (Encti 2016-2019).210
As organizações privadas de pesquisa agrícola têm assumido um papel cada vez mais
relevante no mundo, algo já visualizado por Fuck e Bonacelli (2007), indicando a crescente
tendência da presença do setor privado na área de biotecnologia. Mais recentemente, o mesmo
fato merece de Salles-Filho e Bin (2014, p. 432), a afirmação: “A assunção da pesquisa
privada nas chamadas ciências de vida aplicadas à agricultura e pecuária, especialmente em
melhoramento, geração de variedades, atropelou, sem a menor cerimônia, mais de um século
de tradição da pesquisa pública”.
Ainda segundo Salles-Filho et al. (2011), a pesquisa agrícola privada associada aos
atores públicos do Estado de São Paulo tem tido influência crescente em outros estados do
Brasil, ou por intermédio de parcerias, ou na realização de pesquisas em laboratórios e
campos experimentais internos. Nesse campo da pesquisa agrícola privada, ganham espaço as
fundações, associações e cooperativas (Salles-Filho et al., 2011, pp. 10-20).
As fundações de pesquisa são entidades sem fins lucrativos, mantidas ou apoiadas por
produtores rurais, contam com apoio de universidades e de instituições governamentais e têm
sido no Brasil um outro modelo em expansão e com bons resultados. Esse modelo não deixa
de ser uma decorrência do avanço da ação privada na execução das atividades de pesquisa
agrícola, porém, na maioria dos casos, possui uma ação mais regionalizada. São exemplos a
209
A Embrapa, a maior organização de pesquisa pública do Brasil, contou em 2015 com um orçamento de US$
1,28 bilhão (R$ 3 bilhões), atuando com 9.704 empregados: 2.463 pesquisadores; 2.546 analistas; 1.715
técnicos; e 2.980 assistentes. (Data da cotação Bancen 31/12/2013- 1 Dólar dos EUA = 2,3426001 Real Brasil).
Disponível em: <https://www.embrapa.br/quem-somos>. Acesso em: 21 mai. 2017. 210
Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI 2016-2019). Disponível em:
<http://www.mcti.gov.br/documents/10179/1712401/Estrat%C3%A9gia+Nacional+de+Ci%C3%AAncia%2C%
20Tecnologia+e+Inova%C3%A7%C3%A3o+2016-2019/0cfb61e1-1b84-4323-b136-8c3a5f2a4bb7>. Acesso em
20 mai. 2017
207
Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), a Fundação de
Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento do Oeste Baiano (Fundação Bahia), dentre outras.
Com relação a algumas áreas específicas, como a da produção de sementes, a
iniciativa privada tem o domínio desse segmento. A pesquisa privada em sementes, por
exemplo, é concentrada nos laboratórios das principais empresas do ramo, como Monsoy e
Agroceres, do grupo Monsanto; Bayer CropScience/Aventis; Syngenta e Pioneer, que aliam a
pesquisa de melhoramento genético com biotecnologia aos insumos relacionados com as
sementes (SALLES-FILHO et al., 2011, p. 17).
Ainda no campo privado, as empresas dedicadas a biociências no Brasil têm
apresentado um desempenho vigoroso. Segundo a Biominas (2011), o país saltou, em 2007,
de 70 empresas na área de biotecnologia para 143, em 2011. Do total das empresas de
biociências existentes no Brasil, em 2011, cerca de 272 empresas, 31% estão dedicadas ao
agronegócio, apesar da forte concentração dessas empresas nas regiões Sul e Sudeste, em
quase 90%. Para Salles-Filho e Bin (2014), o avanço do setor privado na pesquisa agrícola no
Brasil ocorreu materializando-se no ingresso de grandes empresas transnacionais nas áreas de
insumos químicos; insumos mecânicos (implementos, equipamentos elétricos e eletrônicos);
insumos biológicos (genética e melhoramento vegetal e animal); práticas agrícolas( forma de
produção agrícola); tecnologias transversais baseadas no acesso e uso de informação, voltadas
principalmente para a gestão da produção, da comercialização e logística.
De modo geral, o desempenho da pesquisa agrícola pública e privada no Brasil pode
ser considerado de boa qualidade, usando nessa afirmação não apenas o desempenho de per
si, mas sobretudo, quando se percebe o grau de adoção das inovações nos sistemas de
produção, o que ressalta o papel do sistema e não apenas de um único ator. Nesse sentido,
Salles-Filho et al. (2011) formulam um quadro fiel sobre a pesquisa agrícola no Brasil:
A pesquisa agrícola no Brasil refere-se a um dos segmentos mais bem-sucedidos em capacitação interna
e desenvolvimento tecnológico nacional. É também nas áreas do conhecimento ligadas ao setor agrícola que se
encontram mais recursos humanos qualificados e maior volume de produção de pesquisa (SALLES-FILHO et
al., 2011, p. 10-11).
4.2.2. Domínio das "Instituições ponte"
Neste segundo domínio, estão contemplados os principais organismos responsáveis
diretos pela execução das políticas de ATER no país, dentre estes podem ser destacados:
organizações governamentais de ATER (de formato organizacional individualizado ou em
208
conjunto com a pesquisa), atuantes no âmbito estadual, distrital ou municipal, organizações já
tratadas nos capítulos anteriores. Cada unidade federativa e o Distrito Federal possuem, pelo
menos, uma organização governamental estadual de ATER. No caso dos estados do
Amazonas, Pará, Espírito Santo, Bahia, Rondônia e Mato Grosso, além do órgão estadual há
também a presença do órgão governamental federal de ATER e pesquisa voltado à cultura do
cacau, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).
A ATER não governamental
Compõem o conjunto das organizações não governamentais executoras das políticas
de ATER no Brasil: as organizações não governamentais (ONG); as empresas privadas
prestadoras de assistência técnica211
; as cooperativas; o Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural (Senar), e o Serviço de apoio à pequena e média empresa (Sebrae), como os mais
importantes.
De acordo com a Pnater, o antigo MDA, hoje Sead, conta com a prerrogativa de
contratar serviços de ATER com organizações governamentais e não governamentais para
operar a política de ATER no Brasil, dirigida à agricultura familiar. Para tanto, a
flexibilização da "Lei de Licitações" (Lei Nº 8.666) foi a estratégia adotada, por intermédio do
sistema de "Chamadas Públicas", para conceder mais agilidade à contratação de serviços de
ATER exclusivos para a agricultura familiar. Essa estratégia se contrapôs à modalidade de
"convênios", tida como um dos fatores de dificuldade na universalização da prestação de
serviços de ATER de qualidade no Brasil, iniciativa que estimulou o crescimento das
organizações não governamentais na prestação de serviços de ATER no país.
O Censo Agropecuário 2006 tratou a "Orientação Técnica" não governamental como
aquele serviço prestado por cooperativas, empresas agroindustriais integradoras, empresas
privadas de planejamento, organizações não governamentais (ONG), consultores privados
(pessoas físicas contratadas pelo produtor). Além destes, o IBGE também considerou aquela
orientação prestada pelo próprio produtor, este quando profissional habilitado nas áreas das
ciências agrárias a prestar assistência às atividades desenvolvidas no estabelecimento, como
as principais formas de orientação técnica à agricultura no Brasil. Nesse mesmo Censo, a
"orientação técnica" não governamental foi responsável por aproximadamente 60% de toda a
211
Nessa categoria não se aplica a expressão "extensão rural", conforme esclarecem Bicca (1992) e Peixoto
(2008a).
209
orientação técnica prestada aos estabelecimentos rurais brasileiros naquele ano, cabendo à
ATER governamental os restantes 40%.212
Segundo Peixoto (2008a), o movimento crescente da participação das ONGs na
prestação de serviços de ATER e outros serviços, vem ocorrendo no Brasil desde a década de
1980, com a redemocratização do país. Em seguida, década de 2000, ganha ainda mais força
com a implementação de políticas públicas, a exemplo da Pnater, contando com o forte apoio
do governo federal, todos respaldados pela Constituição de 1988. Para Weid (2012), por
exemplo, essa decisão governamental foi importante também pelo fato de as instituições não
governamentais estarem sofrendo gradativa redução dos recursos oriundos de cooperação
internacional com os quais uma grande parcela dessas entidades atuava. Ele apresenta uma
explicação para a "relativa superioridade" no acesso dos recursos federais por parte das
ONGs, afirmando que: "talvez possa ser explicada pelo fato de que estas entidades estavam
mais focadas nas prioridades da Pnater, com mais experiência do que as Ematers na prática da
promoção do desenvolvimento agroecológico". Sem discutir o mérito da declaração, o fato é
que vinda de uma liderança importante, ela revela a condição inferior de acesso aos recursos
federais por parte da ATER governamental. Reforçando a declaração anterior, segundo a qual
Weid (2012) fazia referência ao maior acesso aos recursos federais por parte das ONGs em
relação à ATER governamental, outra justificativa para essa preferência, ainda na visão de
Weid (2012), era a de que o trabalho de ATER na última década encontrou dificuldades em
operar a principal diretriz da Pnater que é a de promover a conversão dos conteúdos
tradicionais de ATER para aqueles de matriz agroecológica.213
Essas considerações são úteis para demonstrar a crescente presença das organizações
não governamentais na prestação de serviços de ATER, contratadas, principalmente, pelo
governo federal, desde a promulgação da Pnater que preconizava a pluralidade na oferta da
ATER pública na busca da universalização. A outra constatação é a de que a presença das
212
Brito (2012), ex-Presidente da Asbraer, afirma que, em 2012, o orçamento do MDA para as ações de ATER
em todo o país, incluindo os recursos do Incra, foi, em números aproximados, de R$ 500 milhões ou US$ 213,43
milhões. Quando somados aos recursos de outras fontes federais (outros ministérios e órgãos), estes valores
ultrapassaram a R$ 1 bilhão ou US$ 426,87 milhões. Esses recursos, segundo Brito (2102), contemplaram
repasses para parte das mais de 700 organizações não governamentais de ATER e de serviços existentes no
Brasil, como Senar, Sescoop, Sebrae, sistema OCB, que prestam serviços de ATER em praticamente todos os
municípios brasileiros. (Cotação de acordo com o BANCEN, em 31/12/2013. Taxa: 1 Dólar dos EUA =
2,3426001 Reais do Brasil. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. Acesso em:
21 jul. 2015). 213
Weid (2012) afirma o crescimento da dependência dos agricultores familiares dos insumos químicos, das
sementes produzidas por grandes empresas e do crédito do Pronaf, gerando endividamento e inadimplência,
iniciativas que contaram com a participação da ATER governamental, com o apoio dos gerentes de instituições
financeiras, que consideravam essas tecnologias mais seguras e de baixo risco e ainda contavam com o respaldo
da demanda de muitos produtores.
210
ONGs, enquanto instrumento de ampliação da oferta de serviços de ATER, passou a se
constituir em elemento de concorrência dos recursos públicos escassos em relação às
organizações de ATER governamentais, que passaram a contar com menos recursos públicos
do que anteriormente, com efeito na redução dos serviços prestados.
Cooperativas: instrumento para superar muitos desafios
O cooperativismo, movimento de larga tradição histórica no Brasil, surgido com a
primeira cooperativa de consumo em Ouro Preto (MG) em 1889, possui uma perfeita
compatibilidade com as principais necessidades da agricultura brasileira, seja ela familiar ou
empresarial. Isso se deve ao fato de poder contar no seu portfólio trabalho com instrumentos
de política da maior importância para agricultura, tais como: ATER, pesquisa agrícola,
crédito, seguro agrícola, educação agrícola, armazenamento, agroindustrialização,
comercialização, transporte, marketing, além de possuir a capacidade de promover escala no
processo produtivo, tudo reunido numa única instituição, tal como se fosse um “subsistema”
de inovação, em escala reduzida. Assim, muito embora a ATER funcione dentro de uma
cooperativa como um dentre os demais serviços prestados, nesse caso há uma diferença
fundamental, tendo em vista que os extensionistas são funcionários da cooperativa. Portanto,
são considerados um elo vital entre os produtores, a tecnologia e a própria cooperativa,
entendida como a sua direção e os demais serviços prestados por ela. Desse modo, o elo
representado pela ATER atua também potencializando e otimizando o desempenho dos
produtores e, por decorrência, da cooperativa. O outro ramo são as cooperativas de trabalho,
ou seja, especializadas, por exemplo, em prestar serviços de assistência técnica. São as
cooperativas de trabalho formadas por técnicos habilitados em prestar assistência técnica e/ou
extensão rural aos produtores por elas contratados, constituindo-se em um serviço de natureza
privada.
No primeiro caso, cooperativas agropecuárias, é fácil constatar que o trabalho de
ATER por elas promovido ou a elas associado ganha potencialmente um padrão de eficácia
diferenciado quando realizado na ausência desse instrumento de organização social da
produção agrícola Infelizmente, no Brasil, o avanço qualitativo do cooperativismo não é
homogêneo em todas as regiões do país.214
Dados da OCB, relativos a 2015, revelam que são
214
A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), representação maior do cooperativismo no Brasil, além
de congregar o sistema cooperativista em todo o país, está presente em 32 diversos e importantes colegiados
nacionais, sendo assim um participante ativo do pensamento e da formulação de políticas públicas em diversos
211
1.597 cooperativas do ramo agropecuário, possuindo mais de um milhão de produtores
associados e gerando 164 mil empregos diretos.215
A grande maioria atua no desenvolvimento
e na disseminação de novas tecnologias aos produtores, no fornecimento de insumos, na
comercialização, na agroindustrialização, entre outros serviços (OCB, 2013).
Com relação à inovação, cabe assinalar que o Sistema OCB estabeleceu parceria
formal com a Embrapa desde 2012, tendo assinado um Protocolo de Intenções com o
objetivo de "conjugarem esforços para a realização de projetos de interesse do
cooperativismo, com destaque para estudos e pesquisas, e ações de formação para
assistência técnica e inovação tecnológica". O suporte técnico dessa iniciativa é dado pelo
Serviço Nacional e Aprendizagem do Cooperativismo-Sescoop (OCB, 2015). O Sescoop é
responsável pelo processo de capacitação, aperfeiçoamento e monitoramento das
cooperativas em todo o território nacional, instrumento vital para longevidade produtiva de
uma instituição que lida em um ambiente de mudanças permanentes (CHADDAD,
2013).216
Outro segmento de grande importância para o desenvolvimento da agricultura,
aliado importante no processo de adoção de inovações, é o ramo das cooperativas de
crédito, com 1.034 unidades no Brasil, em 2013, apesar de que nem todas se referirem ao
ramo agrícola, no entanto, não se pode negar o seu peso preponderante no conjunto. É útil
destacar que a maioria das operações de crédito está associada à presença da “assistência
técnica”, como elemento indutor de competitividade e de redução do risco da operação.
Ademais, as cooperativas de crédito do ramo agropecuário possuem papel relevante no
apoio a todos os cooperados, mas, de modo particular, àquela expressiva parcela de 67% de
seus associados que são produtores com áreas inferiores a 50 hectares. Isso significa que o
setores da vida do país. Dentre eles, destacam-se: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES),
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca
(Conape), Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA), Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES),
Conselho do Agronegócio (Consagro), Fórum Permanente do Seguro Rural, Programa de Desenvolvimento da
Aquicultura do Semiárido, Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul (FCES) e Instituto para o
Agronegócio Responsável (Ares). A presença destacada da representação das cooperativas do Brasil nos
colegiados mencionados permite dimensionar a relevância que o segmento possui na política agrícola do país
(OCB, 2015). 215
Dados da Agenda Institucional do Cooperativismo 2015 da OCB. Disponível em:
<http://www.Brasilcooperativo.coop.
br/GERENCIADOR/ba/arquivos/agenda_institucional_do_cooperativismo_2015.pdf >. Acesso em: 21 mai.
2017. 216
Sescoop foi criado pela Medida Provisória nº 1.715, de 3 de setembro de 1998, e suas reedições,
regulamentado pelo Decreto nº 3.017, de 6 de abril de 1999.
212
sistema cooperativista se constitui em ator qualificado para o aumento da competitividade e
para a inserção da agricultura familiar nos mercados (CHADDAD, 2013a, p. 27).217
Em resumo, muitos estudiosos comungam do mesmo princípio, de acordo com o qual
o cooperativismo é instrumento poderoso não apenas para a geração e difusão de tecnologia,
mas, em especial, por se constituir na melhor opção para promover a “igualdade de
oportunidade” entre grandes e pequenos produtores (ALVES; SOUZA; e ROCHA, 2013, p.
74).218
Buainain (2006), de modo mais ampliado, acredita que o caminho é o mesmo, ou seja,
o “fortalecimento das associações produtivas dos agricultores é a única alternativa para
superar a desvantagem imposta pela escala de produção” (BUAINAIN, 2006, p. 125). Embora
a prática cooperativista esteja sendo fortemente disseminada por todo o Brasil, com
crescimento de quase 88% no número de cooperados, contra 12% de crescimento da
população brasileira, entre 2004 e 2013, sua presença mais forte e consolidada está nas
regiões Sul e Sudeste, berço do seu surgimento, e regiões de agricultura mais tecnificada,
mais organizada e de maior densidade de produção (OCB, 2015).
Por último, nesse “domínio das instituições ponte” estão o Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (Senar), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) e as instituições internacionais de cooperação para a agricultura. O Senar, criado
em 1991, é uma entidade de direito privado, paraestatal, mantida pela classe patronal rural,
vinculada à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e administrada
por um Conselho Deliberativo tripartite. Seu objetivo é promover ações de formação
profissional rural, atividades de promoção social, ensino técnico de nível médio, presencial e
à distância, e “produção assistida”. A execução do trabalho de formação, qualificação e de
assistência àqueles produtores que não têm acesso a outras modalidades de apoio é realizado
pelas 27 administrações estaduais, beneficiando, em média, 2 milhões de pessoas por ano.219
O Sebrae é uma organização privada, de abrangência nacional, criada em 1972, que
assessora empreendimentos também na área agrícola, classificados como de micro e pequeno
porte – cujo limite de faturamento bruto anual de até US$ 1,5 milhão (R$ 3,6 milhões).220
O
foco do Sebrae está voltado para o fortalecimento do empreendedorismo e aceleração do
217
Disponível em: http://www.Brasilcooperativo.coop.
br/site/servicos/noticias_detalhes.asp?CodNoticia=12218. Acesso em 16 ago. 2013. 218
Para detalhes, disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/>. 219
Disponível em: <http://www.senar.org.br/quem-somos>. Acesso em: 07 ago. 2015. 220
Um Dólar dos EUA = 2,3426001 Reais do Brasil. Cotação Bancen em: 31/12/2013. Disponível
em:<http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. Acesso em 15 ago. 2015.
213
processo de formalização da economia por meio de parcerias com os setores público e
privado, programas de capacitação, acesso ao crédito e à inovação, estímulo ao
associativismo, feiras e rodadas de negócios. Embora numa escala reduzida, o Sebrae presta
assistência técnica a empreendedores rurais, notadamente no ramo agroindustrial.
Nas instituições internacionais de cooperação para a agricultura estão incluídos
organismos de atuação global ou regionais prestadores apoio técnico e/ou financeiro e de
relação direta, principalmente, com os serviços de ATER e pesquisa agrícola, tais como FAO
/ FIDA, World Bank, JICA, dentre outros.
4.2.3. Domínio dos Negócios e das Empresas
Esse domínio pertence às empresas agropecuárias e agroindustriais, aos produtores
rurais individuais de quaisquer categorias, às empresas de prestação de serviços à agricultura,
as agências de financiamento à atividade agrícola em todas as suas etapas. Participam,
também, as mais importantes entidades representativas dos produtores rurais do país. Nesse
domínio, também estariam presentes as entidades representativas de todos os elos das cadeias
de valor, todavia, o destaque feito aqui se justifica àquelas entidades com relação mais direta
com a ATER.
Agências de financiamento à agricultura
Dentre as agências operadoras de linhas do crédito rural, estão o Banco do Brasil, o de
maior tradição e de maior atuação no crédito; o Banco do Nordeste, com atuação restrita à
região de atuação da Sudene, operando com exclusividade um fundo constitucional mais
importante da região que é o Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste - FNE,
que é alimentado por recursos do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e do Imposto
de Renda-IR, os mais relevantes impostos federais. Além desses, o país conta com o Banco de
Desenvolvimento da Amazônia (Basa), que também opera com o Fundo Constitucional de
Desenvolvimento da Amazônia (FDA). Um quarto banco público a apoiar empreendimentos
agrícolas é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atuando
diretamente em empreendimentos de médio e grande porte e como repassador a agentes
financeiros no caso do Pronaf. Ao lado desses, estão os bancos comerciais privados com
atuação tímida no crédito rural, ficando no penúltimo lugar em volume de aplicações, à frente
apenas dos bancos oficiais estaduais, e atrás das cooperativas de crédito e bancos oficiais
214
federais, respectivamente, como ocorreu de 2010 a 2012, segundo dados dos Anuários
Estatísticos do Banco Central do Brasil. No caso do crédito subsidiado, a presença do tesouro
nacional é cada mais reduzida, exceção para o Pronaf, no entanto, para as demais categorias
de produtores, outras fontes foram mobilizadas o que não provocou nenhum estrangulamento
no sistema de crédito rural no país após a retirada dos subsídios pelo Tesouro Nacional
(BUAINAIN, 2013; CONTI; ROITMAN, 2011).
Entidades representativas dos produtores
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é responsável por
congregar associações e lideranças políticas e rurais em todo o País. Na sua estrutura estão os
sindicatos rurais, congregados em federações estaduais que estão representadas por uma
Confederação Nacional, a CNA. Sua missão é atuar na defesa dos interesses dos produtores
rurais brasileiros junto ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e aos tribunais superiores
do poder Judiciário. O sistema CNA é formado pelo Senar e pelo Instituto CNA. Destes, o
Senar é aquele que possui estreita relação com o trabalho de ATER, como já abordado no
conjunto das organizações executoras de ATER, nesta seção. A Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag), fundada em 22 de dezembro de 1963, reúne as 27
Federações de Trabalhadores na Agricultura (Fetags) e mais de 4 mil Sindicatos de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) filiados, compondo o Movimento Sindical de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), atuando na defesa de um público estimado
de 15,7 milhões de pessoas, incluindo-se agricultores familiares, acampados e assentados da
reforma agrária, assalariados rurais, meeiros, comodatários, extrativistas, quilombolas,
pescadores artesanais e ribeirinhos.221
Segundo informação do antigo MDA, algumas
federações atuam executando atividades de ATER, patrocinadas e financiadas pelo governo
federal.
A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) constitui-se no principal
organismo de representação do cooperativismo no Brasil. Essa organização congrega 11,5
milhões de cooperados e, por ter sido abordado anteriormente, dispensa maiores comentários.
O Movimento Sem Terra (MST), fundado em 1984, em Cascavel, Paraná, surgiu
como um movimento camponês nacional, com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar
pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país. O MST está organizado em 24
221
Disponível em: <http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=227&nw=1>.
Acesso em 07 ago. 2015.
215
estados da federação, nas cinco regiões do país e afirma que tem como filiadas cerca de 350
mil famílias que tiveram acesso à terra, por meio das suas estratégias de atuação.222
Do ponto
de vista organizacional, as famílias presentes nos assentamentos e nos acampamentos
organizam-se em núcleos e destes são escolhidos os coordenadores do assentamento ou do
acampamento, estrutura que se reproduz em nível regional, estadual e nacional. Os
Congressos realizados, em média a cada 5 anos, são os principais espaços de tomada de
decisão do Movimento. Com relação à ATER prestada ao público objeto das ações do MST,
principalmente os assentados da reforma agrária, ela é patrocinada pelo Incra, que a contrata
ou por intermédio da modalidade de "chamadas públicas", executada por ONGs, ou por
intermédio de convênios com os órgãos de ATER dos governos estaduais.
A Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura
Familiar (Fetraf-Brasil/CUT) nasceu em julho de 2004 e hoje está organizada em 18
Estados, com mais de 600 sindicatos e associações sindicais em mais de 1.000 municípios em
todo o Brasil, com aproximadamente 500 mil agricultores associados.223
Assim, ao lado da
Contag, a Fetraf constitui-se em movimento de base sindical rural sendo a agricultura familiar
o seu espaço de atuação.
Do conjunto de entidades de representação dos produtores rurais reunidas nessa seção,
o que se pode compreender é que tais entidades representam, na sua expressão maior a
dualidade da agricultura brasileira, traduzida entre agricultura familiar e agricultura
empresarial, exceção feita ao cooperativismo que na maioria dos casos contempla os dois
segmentos. De comum a todas as representações dos produtores aqui mencionadas está a
importância que todas conferem à assistência técnica, constituindo-se, por um lado, em
reivindicação permanente em suas pautas de trabalho ou de oferta do serviço por outro.
Apresentados os quatro domínios iniciais, parece adequado recorrer-se a Buainain et
al. (2013), que chamam atenção para a ampliação do papel da iniciativa privada em vários
espaços das cadeias de valor e não apenas na oferta de assistência técnica mencionada
anteriormente ou na pesquisa agrícola. A vigorosa ampliação da participação privada tem
ocorrido simultaneamente ao processo de encolhimento do Estado brasileiro no desempenho
de alguns desses papéis, como: no fornecimento do crédito, na oferta de insumos, na
aquisição da produção, no processamento, na comercialização, nos serviços de apoio à
produção e à comercialização (a exemplo de informações meteorológicas, assessoramento nas
222
Disponível em: <http://www.mst.org.br/quem-somos/ >. Acesso em 07 ago. 2015. 223
Disponível em: <http://www.fetraf.org.br/conteudo/1/quem-somos>. Acesso em 07 ago. 2015.
216
operações em bolsas de mercadorias, etc.) na logística do pós-colheita (BUAINAIN et al.,
2013).
Mendes (2015), em sequência aos argumentos de Buainain et al. (2013) sobre o
“encolhimento” do Estado brasileiro, afirma que tal movimento tem alcançado também a
dinâmica da pesquisa agrícola no processo de difusão ou de transferência de tecnologia,
esclarecendo que, para algumas cadeias de valor:
(...) o papel de vetor da inovação se desloca, claramente, dos IPP para as empresas
privadas, que passam a ser as interlocutoras dos IPP, em substituição aos produtores,
que tradicionalmente eram o foco das ações de TT.
Outra transformação refere-se aos reflexos da desestruturação da extensão rural no
Brasil, ocorrida nas últimas décadas, que impôs aos institutos públicos de pesquisa a
busca por novas estratégias para transferência de suas tecnologias geradas.
(MENDES, 2015, p. 9)
O que se pode constatar é uma mudança importante na ampliação da presença do setor
privado, suscitando alterações profundas no papel do Estado brasileiro na sua forma de apoiar
a agricultura. Considerando-se o conflito na execução de alguns de papeis, a lentidão e a
inadequação no processo decisório, tem-se a nítida impressão que tais alterações ainda não
foram percebidas em toda a sua extensão pelos policy makers governamentais,
principalmente.
4.2.4. Domínio Governamental e órgãos colegiados
O "Domínio Governamental e órgãos colegiados" aqui representado detêm uma
importância marcante na concepção e execução das políticas inerentes ao setor agrícola e,
portanto, com repercussão imediata e direta sobre o desempenho do setor e naturalmente
sobre todos os atores presentes no SNIA. Apresentam-se aqui dois conjuntos de atores no
âmbito governamental. O primeiro, denominado de "organizações governamentais de
formulação de política, coordenação e governança/regulação”, destacando-se: Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Secretaria Especial de Agricultura
Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead), vinculada à Casa Civil da Presidência da
República, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o
Mnistério do Meio Ambiente (MMA) e a Agência Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Anater).
217
No segundo conjunto, entre os organismos colegiados mais importantes que exercem
influência direta nas políticas nacionais de ATER e de pesquisa agrícola, estão: o Conselho de
Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária
(SNPA), o Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Sibrater), o Conselho Nacional dos Sistemas Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Consepa),
e a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Asbraer).
Aqui, com propósito contextual, será desenvolvida uma descrição das principais
instituições, seus objetivos, políticas, programas, projetos e sua estrutura organizacional, na
tentativa de permitir uma visão geral do papel da instituição no sistema. Por outro lado, busca-
se refletir sobre a correspondência entre os objetivos da instituição e sua prática, mesmo que,
neste primeiro momento, à luz apenas do formalismo dos seus documentos constituidores.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-Mapa224
Cabe ao MAPA a gestão das políticas públicas de apoio à agropecuária, o fomento ao
agronegócio e a liderança da regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. O
agronegócio, apoiado pelo ministério, contempla a atenção ao pequeno, médio e grande
produtor rural. O objetivo do MAPA é o de garantir a segurança alimentar da população
brasileira e a produção de excedentes para exportação, fortalecendo o setor produtivo nacional
e favorecendo a inserção do Brasil no mercado internacional. A estrutura operativa do MAPA
é constituída por cinco secretarias (de Defesa Agropecuária, SDA; de Relações Internacionais
do Agronegócio, SRI; de Mobilidade Social, do Produtor Rural e do Cooperativismo-SMC; e
de Política Agrícola, SPA), 27 superintendências estaduais e suas respectivas unidades, uma
rede de seis laboratórios, além de duas instituições vinculadas, o Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmet) e a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).225
O MAPA conta ainda duas empresas públicas: a Embrapa e a Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), além organizações descentralizadas, organizadas
sobre a forma de sociedades de economia mista. A atuação do Ministério se efetiva por
intermédio da coordenação de ações e políticas voltadas para atender à dinâmica de 26
Câmaras Setoriais e seis Câmaras Temáticas relacionadas aos diversos setores produtivos
224
Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/ministerio>. 225
Toda essa estrutura conta com o concurso de aproximadamente 11 mil servidores, distribuídos por todo
território nacional.
218
do agronegócio brasileiro. No elenco das atribuições das cinco Secretarias Nacionais que
compõem a estrutura do Ministério, para os propósitos deste estudo, destacam-se as
seguintes responsabilidades: adoção de práticas sustentáveis no agronegócio brasileiro;
esforços para estímulo ao cooperativismo; práticas de agricultura sustentável;
desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e proteção intelectual; a regulação e
estímulo a práticas de agropecuária sustentáveis, que preservem o ambiente e os recursos,
por intermédio de políticas de estímulo à produção de alimentos orgânicos
(Agroecologia), Sistemas de Produção Integrada para rastreabilidade e qualificação da
produção e Sistemas de Conservação de Solos e Águas, este último relativo à manutenção
e recuperação de áreas degradadas, etc. Cabe registrar que na estrutura organizacional do
MAPA não há nenhuma menção a políticas de ATER, embora haja citação explícita a
essa função no Decreto Nº 8.852, de 20/09/2016, que trata das competências do
Ministério. Para evitar generalizações imprecisas, há, todavia, no site do MAPA um
único e singelo registro de ação de ATER, que afirma: “o MAPA viabilizou ações de
levantamento de dados em parceria com as entidades estaduais de ATER, com objetivo
de identificar, mapear e qualificar a demanda de assistência técnica e extensão rural do
médio produtor rural”(s/d; grifo nosso).
No caso da pesquisa agrícola, as responsabilidades pertinentes estão localizadas na
estrutura da Embrapa.
Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário
(Sead)/Casa Civil Presidência da República 226
A Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead),
outrora Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é vinculada à Casa Civil da
Presidência da República e tem sob suas responsabilidades institucionais os seguintes temas:
(i) reforma agrária; (ii) promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural
constituído pelos agricultores familiares; e (iii) identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos
quilombos. Em caráter extraordinário, a Sead atuará nas responsabilidades relativas à
regularização fundiária na Amazônia Legal. Na sua estrutura organizacional, a Sead tem a
responsabilidade de operar os seguintes temas: Reordenamento Agrário, Crédito Fundiário;
226
Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/institucional/Estrutura_do_MDA>.
219
Financiamento e Proteção da Produção, Desenvolvimento Territorial, e Assistência Técnica e
Extensão Rural, destacando-se as seguintes atribuições:
contribuir para a formulação da política agrícola, no que se refere à
assistência técnica e extensão rural;
formular, coordenar e implementar as políticas de assistência técnica
e extensão rural, capacitação e profissionalização de agricultores familiares;
supervisionar a execução e promover a avaliação de programas e
ações no que diz respeito à assistência técnica e extensão rural;
fomentar a inovação tecnológica na agricultura familiar;
implementar ações, elaborar, promover e avaliar a execução de
programas e projetos de fomento específicos no que diz respeito à assistência técnica
e extensão rural;
promover a integração entre os processos de geração e transferência
de tecnologias adequadas à preservação e recuperação dos recursos naturais;
coordenar o serviço de assistência técnica e extensão rural; e
promover a compatibilidade das programações de pesquisa
agropecuária e de assistência técnica e extensão rural. (BRASIL-MDA, 2013)
A Sead dispõe ainda na sua estrutura: Delegacias Federais de Desenvolvimento
Agrário, presentes nas unidades da federação e uma entidade vinculada, o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Como se percebe no plano do governo federal, a parte das competências de caráter
nacional sobre a ATER está concentrada na Sead/ Casa Civil, o que a associa ao segmento da
agricultura familiar. Do mesmo modo, a ATER é mencionada no Decreto Nº 8.852, que
disciplina a estrutura do MAPA. Dito de outro modo, resta incongruente perceber que as
atividades do Governo Federal de apoio à agricultura, em todos os seus aspectos, mesmo
depois da reforma administrativa de 2016, continuam dispersas entre dois ministérios, Sead /
Casa Civil e MAPA.
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC227
A gestão e execução dos principais programas e ações do MCTIC são efetivadas por
intermédio de quatro secretarias, dentre estas, aquela de maior relação com a ATER é a
Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (SECIS), que tem a finalidade de
realizar a articulação com outros órgãos públicos de políticas que viabilizem o
desenvolvimento econômico, social e regional, especialmente da Amazônia e do Nordeste, e
a difusão de conhecimentos e tecnologias apropriadas em comunidades carentes no meio
rural e urbano. No conjunto dos mecanismos de financiamento das ações de CT&I utilizados
227
Disponível em: < http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/105.html?execview= >.
220
pelo Ministério está o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT), que também conta com recursos dos Fundos Setoriais. Os executores dos Fundos
Setoriais são a Finep e o CNPq. Chama-se a atenção aqui para o Fundo Setorial de
Agronegócio, cujo objetivo guarda estreita relação com a ATER e a pesquisa agrícola,
aspectos centrais dessa discussão.228
Ministério do Meio Ambiente - MMA229
O MMA tem a missão de “promover a adoção de princípios e estratégias para o
conhecimento, a proteção e a recuperação do meio ambiente, o uso sustentável dos recursos
naturais, a valorização dos serviços ambientais e a inserção do desenvolvimento sustentável
na formulação e na implementação de políticas públicas, de forma transversal e
compartilhada, participativa e democrática, em todos os níveis e instâncias de governo e
sociedade”. Os recursos naturais, objeto central da existência do MMA, se constituem num
dos elementos vitais do trabalho da ATER e da pesquisa agrícola. Portanto, a presença do
MMA na composição do conjunto dos atores que configura um sistema de geração e difusão
de inovação para agricultura é perfeitamente justificada, considerando, sobretudo, o trecho da
sua missão ao se referir à inserção do “desenvolvimento sustentável na formulação e na
implementação de políticas públicas, de forma transversal e compartilhada, ... em todos os
níveis e instâncias de governo e sociedade”.
Ademais, nas competências que são atribuídas ao MMA, três destas, pelo menos,
indicam a relação direta da ação ministerial com as políticas e práticas desenvolvidas pela da
ATER e da pesquisa agrícola: (i) política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos;
(ii) políticas para a integração do meio ambiente e produção; e (iii) zoneamento ecológico
econômico. Como uma decorrência natural, com relação à estrutura organizacional do MMA,
composta por cinco órgãos, todos eles em maior ou menor grau, desenvolvem conteúdos
transversais com aqueles conteúdos objeto do trabalho da pesquisa e da ATER, são eles: a
Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
228
“Estimular a capacitação científica e tecnológica nas áreas de agronomia, veterinária, biotecnologia,
economia e sociologia agrícola, promover a atualização tecnológica da indústria agropecuária, com introdução
de novas variedades a fim de reduzir doenças do rebanho e o aumento da competitividade do setor; estimular à
ampliação de investimentos na área de biotecnologia agrícola tropical e de novas tecnologias.” (Disponível em:
<http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/105.html?execview= > Acesso 12 mai. 2016). 229
Disponível em:<http://www.mma.gov.br/ >. Acesso em 19 ago. 2016.
221
(ICMBIO), o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e o Serviço
Florestal Brasileiro (SFB). Com relação a este último, o próprio MMA prevê um trabalho de
ATER florestal, seguindo os princípios da Pnater.230
Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater)
Ja descrita anteriormente.
Órgãos colegiados com influência direta nas políticas nacionais de ATER e de
pesquisa agrícola
O Condraf é um órgão colegiado integrante da estrutura da Sead, que tem “por
finalidade propor diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas
estruturantes, constituindo-se em espaço de concertação e de articulação entre os diferentes
níveis de governo e as organizações da sociedade civil, para o desenvolvimento rural
sustentável, a reforma agrária e a agricultura familiar”. É integrado por 46 (quarenta seis)
membros, sendo 18 representantes governamentais e 28 representantes da sociedade civil,
com direito a voz e voto nas deliberações do Colegiado.231
Neste colegiado, foi constituído
um órgão assessor, denominado de Comitê de ATER, que é um dos componentes do
Sibrater, formado pelos Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável
(CEDRS), suas Câmaras de ATER, representantes das Redes de ATER, organizações da
agricultura familiar e do governo.
O Sibrater, em sua versão mais recente, foi institucionalizado pelo antigo MDA em
outubro de 2005, com o objetivo "organizar a prestação de serviços públicos de ATER, sob a
orientação da Política Nacional de ATER (Pnater)", sendo atualmente coordenado pela Sead.
230
“A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com ênfase em atividades florestais, é fundamental para o
sucesso do manejo florestal comunitário e familiar. Trata-se da prestação de serviço de educação não formal no
meio rural de forma contínua, que aprimora processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das
atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, incluindo atividades agroextrativistas, florestais e
artesanais. Esta modalidade de ATER refere-se não apenas à solução de problemas técnicos produtivos ou de
transmitir novidades e informações técnicas, mas também a facilitar, orientar e assessorar os processos de
transformação das propriedades e das comunidades para adequarem-se às exigências de legalidade e mercado. Dada
a diversidade de contextos do meio rural, as ações de assistência devem ser adaptadas à realidade local.” (Disponível
em: <http://www.florestal.gov.br/extensao-e-fomento-florestal/assistencia-tecnica-e-extensao-florestal/assistencia-
tecnica-e-extensao-florestal>. Acesso em 05 jul. 2015). 231
O CONDRAF foi criado em 1999 com a denominação de Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural
Sustentável (CNDRS). Em 2003, teve sua designação alterada, inorporando à sigla as iniciais das principais
políticas à época, “Reforma Agrária” e “Agricultura Familiar”. Trata-se de um espaço para concertação e
articulação entre governo e sociedade civil. Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/condraf/arquivos/
view/1360614252.pdf>. Acesso em 08 ago. 2016.
222
O SNPA, criado em 1992, por ato do Ministério da Agricultura, é guiado por 10
objetivos, sendo o mais importante aquele que reflete a razão do sistema: “Compatibilizar as
diretrizes e estratégias de pesquisa agropecuária com as políticas de desenvolvimento,
definidas para o País, como um todo, e para cada região, em particular”.232
O SNPA é formado pela Embrapa, que o coordena, e suas Unidades de Pesquisa e de
Serviços, pelas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas), por universidades
e institutos de pesquisa de âmbito federal ou estadual, bem como por outras organizações,
públicas e privadas, direta ou indiretamente vinculadas à atividade de pesquisa agropecuária.
O conjunto de objetivos norteadores das ações do SNPA não explicita nenhuma ação de
cunho específico com o sistema de extensão rural. A ausência de menção à ATER enseja
imaginar-se a desimportância ou a falta de prioridade estratégica à ATER, embora a
possibilidade de articulação com outros sistemas possa estar prevista, genericamente, noutro
objetivo. A falta de menção explícita à articulação com a ATER nos objetivos do SNPA é
curiosamente contraditória ao se constatar que, das 17 Oepas que compõem o SNPA, 9 delas
(53%) também são responsáveis pela política de ATER nos seus respectivos estados.233
As Oepas existentes no País possuem cerca de 11 mil funcionários, sendo 2.032
pesquisadores, dos quais 408 graduados, 706 mestres e 918 doutores, atuando em 250
unidades, fazendas e estações experimentais. O conjunto das Oepas conta com 230
laboratórios e desenvolve, em média, de 2.000 projetos de inovação e pesquisa tecnológica.234
Quanto à dimensão do SNPA no conjunto das políticas de desenvolvimento, e de
acordo com o que pensam Beintema, Ávila e Fachinni (2010), é possível afirmar que o Brasil
tem um dos mais bem desenvolvidos e bem financiados sistemas de pesquisa agrícola entre os
países em desenvolvimento, ocupando o terceiro lugar em investimentos para pesquisa
agrícola e desenvolvimento (P&D), depois da China e da Índia (BEINTEMA; ÁVILA;
FACHINNI, 2010).
O Consepa, criado em 1993, trata-se de uma associação civil, de direito privado, sem
fins lucrativos é constituído pelas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária
(OEPAs), representadas pelos seus respectivos dirigentes máximos ou representantes legais
232
SNPA criado através da Portaria nº 193, de 7 de agosto de 1992, do Ministério da Agricultura, autorizado pela
Lei Agrícola (Lei nº 8.171, de 17/1/1991). 233
Oepas que são também responsáveis pela política de Ater nos seus estados: Epagri (SC), Emdagro (SE),
Incaper (ES), IPA (PE), Emater (AL), Apta (SP), Emater (GO), Empaer (MT) e Agraer (MS). 234
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/418880-
REPRESENTANTES-DAS-OEPAS-PEDEM-GARANTIA-DE-RECURSOS.html>. Acesso em 07 jul. 2015.
223
por eles indicados. O Consepa é responsável pelo fortalecimento institucional dessas
Organizações e, ao lado da pesquisa realizada pela Embrapa e pelas universidades, é
considerado a retaguarda do desenvolvimento do agronegócio brasileiro.
Por último, nesse conjunto de organizações estão a Asbraer, representando os
dirigentes dos serviços governamentais estaduais de ATER, e a fazer, entidade
representativa dos funcionários da ATER em todo o país. As duas instituições têm
assento em importantes fóruns nacionais e regionais.
Agências públicas de apoio à pesquisa agrícola
Caracterizam-se como aquelas organizações, principalmente, públicas que aportam
suporte técnico e financeiro às instituições de pesquisa, financiando projetos e programas de
pesquisa, notadamente por meio de “chamadas públicas”. Esse apoio tem ampliado a
infraestrutura do sistema de pesquisa nacional de pesquisa agrícola, além de contribuir para o
aperfeiçoamento dos recursos humanos locais e para a integração e articulação com as várias
redes de pesquisa no país e fora dele. Essa modalidade de financiamento tem substituído
crescentemente a escassez de recursos dos próprios orçamentos dos IPP.
A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) exerce a função de Secretaria Executiva
do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) um dos
principais instrumentos destinado a financiar a expansão do sistema de C&T no país.235
A
Finep tem a missão de “promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil por meio
do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação em empresas, universidades, institutos
tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas”, com atuação em toda a cadeia da
inovação. No seu currículo, a Finep demonstra papel importante ao apoiar a diversos projetos
da Embrapa e de universidades, importantes para o desenvolvimento tecnológico da
agricultura brasileira. No Brasil, além da Finep, destacam-se como agências de apoio
financeiro à inovação o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
por intermédio do Funtec (Fundo Tecnológico) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico CNPq, órgãos vinculados ao Governo Federal, atuando sob a forma
de subvenção, financiamento, venture capital (capital empreendedor) ou de concessão de
bolsas de pesquisa.
235
“O FNDCT se tornou o principal instrumento de fomento às atividades de C&T na década de 70 e na primeira
metade dos anos 80.” (VALLE; BONACELLI; SALLES-FILHO, 2002, p. 9)
224
As principais unidades da federação contam também com agências de financiamento
das atividades de CT&I, extrapolando o âmbito da atividade agrícola, com destaque para a
Fapesp do Estado de São Paulo, uma das mais qualificadas e mais importante do país em
volume de recursos disponibilizados.
4.2.5. Domínio Institucional
Esse domínio, como indicado no modelo conceitual Spielman e Birner (2008), é
caracterizado por conter o conjunto de regras, normas, leis, políticas, programas,
projetos, que dão suporte institucional à execução dos mandatos dos vários atores
participantes do SNIA. No caso presente, a menção completa ao conjunto da
institucionalidade relativa ao ambiente da ATER e da pesquisa agrícola se tornaria algo
demasiado longo, optando-se por registrar aqueles de maior significado, a título tão
somente ilustrativo atendendo aos propósitos desta discussão.
Entre os elementos exemplificadores do domínio institucional estão: a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), o Programa Nacional de
Reforma Agrária, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf), os diversos Fundos Setoriais, a Lei de Proteção de Cultivares (Lei Nº 9.456,
de 25/04/1997), Lei que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial
(Lei Nº 9.279, de 14/05/1996), dentre outras.
Tão importantes quanto essas, adicione-se o caso da Constituição Federal de
1988, naqueles artigos relacionados à ATER e à pesquisa, exemplo do Artigo 187, que
trata sobre a política agrícola, assegurando menção especial à ATER e à pesquisa. No
plano das constituições estaduais, há situações que determinam ao Estado a oferta
gratuita dos serviços de ATER a pequenos produtores.236
Na seção seguinte, os elementos de maior relevância extraídos dessa
"aproximação" entre o modelo conceitual do SNIA, discutidos no Capítulo 2 e a
realidade agrícola, com foco na ATER brasileira serão decodificados, no sentido se
avançar no entendimento do papel da ATER no sistema, em um ambiente de mudanças
permanentes.
236
Ver Constituição do Estado da Bahia, Artigo 191- IV - "a oferta, pelo Poder Público, de assistência técnica e
extensão rural gratuita, com exclusividade de atendimento a pequenos produtores rurais e suas diversas formas
associativas, bem como aos beneficiários de projetos de reforma agrária”. (Grifo nosso)
225
4.3. Contribuições da abordagem do SNIA à discussão sobre a sustentabilidade dos serviços
de pesquisa agrícola e de ATER no Brasil
Esta seção tem o propósito de extrair da discussão anterior sobre a aproximação do
modelo conceitual do SNIA à realidade da ATER brasileira elementos que ofereçam a esta
avanços na compreensão da sua inserção no SNIA, objetivando contribuir na melhoria do seu
desempenho. Os principais elementos são os seguintes:
i) Dada a complexidade de papéis e de funções do SNIA, a diversidade dos
atores e a dimensão dos objetivos a serem alcançados, a análise do conjunto dos atores aqui
apresentados não identificou a presença de uma estratégia que promova a unidade do
planejamento desejado, sobretudo no âmbito do setor público. Ou seja, não se identificou no
sistema uma diretriz de planejamento que oriente o desenvolvimento do setor agrícola em um
único rumo para o qual convirjam todos os esforços. A ausência sentida estaria no âmbito de
um plano de desenvolvimento estratégico para o país, no qual inovação seria o fio condutor da
competitividade na agricultura. A esse respeito, Mendes (2015) percebe a mesma lacuna ao
analisar a Embrapa:
No entanto, a ausência de definição e valorização da ciência como motor de
desenvolvimento para o Brasil é o caminho contrário ao percorrido por países que
buscaram diminuir o hiato tecnológico em relação aos países líderes após a Segunda
Guerra Mundial, a exemplo da Coreia do Sul e Taiwan. (MENDES, 2015, p. 313)
ii) A abordagem SNIA, a partir dos elementos aqui analisados e discutidos, reflete
com precisão a realidade da agricultura brasileira naquilo que lhe é mais perceptível e
desafiador que é o fenômeno da "heterogeneidade estrutural", mencionado por Buainain et al.
(2013). Para os autores, o que produz e caracteriza a "heterogeneidade estrutural" na
agricultura brasileira são as distintas dinâmicas agrícolas, determinadas não apenas por
padrões tecnológicos "supostamente excludentes", mas, também, pela conjunção de outros
inúmeros fatores e situações.
Estes ainda precisam ser estudados para compreender por que, por exemplo, o mapa
do Mato Grosso, um polo de dinamismo da produção de grãos, está manchado de
regiões dinâmicas ao lado de outras fortemente atrasadas, embora ambas tenham
recursos naturais semelhantes. (BUAINAIN et al., 2013, p. 1166)
iii) A abordagem SNIA também permite capturar a visão institucional pública
brasileira para lidar com o fenômeno da “heterogeneidade estrutural”, que é a de tratá-lo como
se fora a existência de duas agriculturas caracterizadas por padrões tecnológicos e escala de
produção distintos e, por tal razão, sob a ótica do governo, abrigadas por duas diferentes
226
estruturas governamentais (MAPA e Sead). Esta solução adotada, por vezes, não tem
facilitado a comunicação e os fluxos institucionais e, por conseguinte, a articulação entre as
duas estruturas de governo. O exemplo mais recente desses desencontros foi a interminável
discussão sobre qual dos dois ministérios à época (MAPA e MDA) exerceria o “poder de
supervisão” sobre a nova agência, a Anater.237
Ainda a propósito desse tema, Buainain (2006,
p. 48), ressalta que:
Polemizar com as visões que equiparam a agricultura alternativa e convencional
como o bem e o mal, assim como fazem com a agricultura familiar e o agronegócio,
não é o mote. Há muitas evidências de práticas sustentáveis e virtuosas no âmbito da
agricultura convencional e do agronegócio e que não deveriam ser condenadas, pelo
menos para fins de políticas públicas, por razões ideológicas, até porque respeitam
os princípios e são consistentes com os objetivos mais amplos do desenvolvimento
sustentável.
iv) A complexidade percebida na quantidade de atores, nas funções e papéis de cada
um deles, discutida anteriormente, espelha também uma espécie de “gigantismo" tal no SNIA
que, mesmo com as simplificações aqui introduzidas, torna-se evidente perceber que gera
dificuldades de coordenação e governança, principalmente no âmbito do setor governamental.
Ao “gigantismo”, acrescentam-se as áreas sombreadas relativas às competências, repercutindo
negativamente na divisão de trabalho e nas atribuições individuais de cada ator.
Adicionalmente, com reflexos também negativos no setor privado, a exemplo das frequentes
críticas do setor privado ao processo de licenciamento ambiental liderado pelo setor público.
v) Esse gigantismo ficou evidenciado ao se constatar, por exemplo: dois ministérios
para a agricultura, caso do MAPA e o antigo MDA; um ministério para cuidar da pesca e da
aquicultura, caso do também antigo MPA238
; uma agência criada para coordenar um sistema,
ficando mais de um ano inoperante, devido a não nomeação de cargos diretivos, face a
divergências político-partidárias, caso Anater; um instituto de pesquisa federal com foco no
semiárido, ao lado de uma unidade de pesquisa também federal dedicada a mesma tarefa e
localizada no epicentro da região semiárida, caso do IASA e da Embrapa semiárido; atores de
ATER governamental federal e estaduais atuando nos mesmos espaços rurais, caso da Ceplac
e Emater, enquanto milhões de estabelecimentos sem nenhuma assistência. Tais casos servem
apenas para ilustrar a suspeita sobre a dificuldade de diálogo entre os atores do SNIA e entre
237
De acordo com o Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1976, no seu Art.19: “Todo e qualquer órgão da Administração
Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os
órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República”. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm>. Acesso em 17 ago. 2013. 238
Em 5 de outubro de 2015, em reforma ministerial, o governo anunciou a incorporação das funções de "pesca
e aquicultura" ao MAPA.
227
os produtores rurais e demais atores. A sobreposição e as lacunas presentes ao mesmo tempo,
gerando custos de transação, diferentemente do que ocorre num sistema “sadio”,
fundamentam o ensinamento de Bonacelli, Fuck e Castro (2015, p. 92):
São diversas e diferentes instituições, com várias concepções, naturezas e papéis, e
que deveriam, em sua grande maioria, trabalhar de forma a sustentar um processo
virtuoso de uma atividade econômica não apenas das mais antigas do país, mas das
mais importantes econômica e socialmente. Entretanto, tal riqueza não se apresenta
desta forma e a efetividade não é um dos aspectos mais marcantes do SIA do país.
vi) A declinante capacidade de financiamento do setor público para manter e
aperfeiçoar todo o seu aparato de ATER, de pesquisa e de serviços à agricultura, mesmo
naquelas áreas de imprescindível presença, caso da agricultura familiar, defesa agropecuária,
dos grandes programas nacionais, como o de reforma agrária, entre outros, vem
gradativamente reduzindo a capacidade de o setor público atuar em projetos estruturantes e
longo alcance. Desnecessário afirmar que os reflexos desse quadro produzem prejuízos
dramáticos na expectativa de melhoria da competitividade da agricultura, ainda dependente da
ação governamental direta.
vii) A respeito das últimas observações, o comentário de Buainain et al. (2013, p.
117) é modelar:
Apesar da citada perda relativa de importância orçamentária, o número de políticas e
ações de diversos ministérios e suas agências não para de crescer. Mas são, na
maioria, iniciativas fragmentadas, improvisadas e sem nítidos objetivos estratégicos.
É situação que parece confirmar a hipótese acerca do “autismo” do Estado em
relação às mudanças estruturais das últimas décadas. Suscita, portanto, a pergunta: o
que realmente quer o Estado do mundo rural brasileiro? Se os interesses rurais no
âmbito das instituições políticas decisórias permitiram a “fuga do Estado” no
período, sem contrapartidas de aportes em áreas estratégicas, é inescapável concluir
que tais instituições políticas são setores que também parecem desconhecer as
tendências do desenvolvimento agrário no Brasil.
viii) A relevância da abordagem SNIA, enquanto instrumento de promoção e
valorização do processo de inovação na agricultura, ganha significado ainda mais expressivo
partir da constatação da emergência de um novo padrão de desenvolvimento da agricultura
brasileira, segundo o qual a terra deixa de ser a “principal fonte de formação e apropriação de
riqueza”. Esse papel preponderante da terra vem dando lugar ao capital “em todas as suas
modalidades”, sob a forma de investimentos em infraestrutura, máquinas, tecnologia, na
qualidade da própria terra, recursos ambientais e no treinamento do capital humano.239
Nesse
239
Não é sem razão que a prática do "arrendamento", onde a liquidez e flexibilidade dos investimentos podem
ser preservadas e ampliadas, vem sendo cada vez mais utilizada nas cadeias de grãos, sucroalcoleira e de
celulose e papel, dentre outras (BUAINAIM et al., 2013, p. 110).
228
novo padrão, as inovações ganham espaço destacado, como elementos centrais nos ganhos de
produtividade e de competitividade das cadeias (ALVES; SOUZA; ROCHA, 2013, p. 74;
BUAINAIN et al., 2013, p. 110).
ix) De modo específico quanto à pesquisa agrícola, mas em adição às
constatações anteriores, é oportuno reiterar algo já apontado por Fuck, Bonacelli e Carvalho
(2007) de que não se trata de um antagonismo entre setor público e o setor privado na gestão
da pesquisa agrícola, mas, sim, da necessidade de se promover a racionalidade das dinâmicas
técnicas concorrenciais dos setores envolvidos.
Em resumo, o conjunto de todas essas evidências permite concluir pela dificuldade
que enfrenta o aparelho estatal na prestação de serviços de qualidade à agricultura, incluindo
aí a de assistência técnica e extensão rural, face a sua quase incapacidade de acompanhar a
dinâmica das transformações em curso no espaço rural e da redução do seu poder de
interferência.
Portanto, é também possível aferir, dentre outros aspectos, que o atraso tecnológico de
3,9 milhões estabelecimentos rurais no Brasil, além de ser incorreto atribuí-lo
primordialmente à ATER, terá imensas dificuldades de ser superado, pelo menos no curto e
médio prazos, tendendo, pelo contrário, a agravar-se.
Esse aparente pessimismo se justifica pelo fato de que a superação desse desafio não é
responsabilidade de um único ator, mas de um sistema, portador de fragilidades já apontadas.
Instituir políticas, programas, instituições, leis ... não basta. Tal voluntarismo tem pautado a
agenda de inúmeras políticas no país – vide a de inovação – e já está mais do que evidente que
sem uma clareza dos propósitos, governança, avaliação, correção de rumos, definição de
estratégias e “uso” (no sentido positivo) das competências dos atores envolvidos, não há
milagres, não se vai a lugar nenhum. Para tanto, o sistema deve ter a capacidade de se
reinventar, no sentido de integrar interesses públicos e privados na direção de um objetivo
maior, a elevação da competitividade da agricultura brasileira, com a inclusão de uma parcela
significativa e valiosa de agricultores, os quais podem contribuir com muito mais produção
agrícola, caso tenham oportunidade, caso o descaso saia de cena e entre a promoção de uma
agenda séria em relação a uma das mais importantes atividades do país – a agricultura. A
ATER brasileira tem muito a contribuir pra isso, caso a ela também seja dada a oportunidade
de se mostrar verdadeira em seus princípios – os quais não precisam de um emaranhado de
instituições, de programas e de iniciativas que somente vêm servindo para obscurecer seu
relevante papel de inclusão social e produtiva e transformação do perfil daqueles que se
229
dedicam à terra – dando-lhes dignidade e respeito – como demonstram os casos dos países
estudados nesta tese, dentre outros exemplos positivos no próprio país.
230
5. ATER E PESQUISA AGRÍCOLA NO BRASIL E NOS PAÍSES SELECIONADOS:
SIMETRIAS, ASSIMETRIAS E OS CONDICIONANTES PARA UMA MAIOR
EFETIVIDADE
Este capítulo tem a pretensão de buscar uma síntese das discussões promovidas nos
capítulos anteriores, identificando e enfatizando os pontos de maior importância encontrados
nas práticas dos serviços de ATER e de pesquisa agrícola dos países visitados vis-à-vis a
situação brasileira e apontando elementos para uma maior efetividade de suas ações para dar
conta dos desafios da agricultura brasileira.
Além desse propósito, e com o respaldo do substrato analítico dos capítulos anteriores,
o capítulo também aprofunda a discussão sobre as características mais específicas que
envolvem o trabalho da ATER, quando relacionadas às dos demais atores, nas suas missões
de contribuir com o desenvolvimento rural sustentável.
Nessa direção, este capítulo está estruturado em duas seções para atender aos dois
objetivos principais: o primeiro, sistematizar e refletir os elementos de relevância
identificados nas experiências dos países selecionados e do Brasil; e o segundo, identificar e
analisar os condicionantes da ação da ATER e a necessidade do debate sobre as repercussões
das mudanças na dinâmica da agricultura e do desenvolvimento rural sobre o perfil do
extensionista.
5.1. Traços de simetrias, assimetrias e perspectivas de aprendizado entre a pesquisa e a
ATER nos países selecionados e no Brasil
Esta seção será desenvolvida no sentido de atender ao primeiro objetivo que é o de
refletir analítica e sinteticamente os elementos mais relevantes obtidos das experiências da
pesquisa e da ATER nos países selecionados, incluindo-se o Brasil. Estas experiências estão
referenciadas pelos seus Sistemas Nacionais de Inovação Agrícola, de modo a identificar
características qualitativas que tenham o potencial de conferir sustentabilidade aos modelos de
pesquisa e de ATER no Brasil. A reflexão aqui desenvolvida tem como insumo fundamental
as discussões formuladas nos dois capítulos iniciais, sendo sistematizadas a partir de sete
temas-base de convergência, quais sejam: mudanças climáticas; papel do ensino; agricultura
familiar e reforma agrária; novas demandas e novos conteúdos; articulação internacional;
organização da produção e empoderamento (empowerment) dos produtores; e financiamento,
tratados a seguir.
231
5.1.1. Mudanças climáticas e ambiente agrícola
Em todas as experiências aqui discutidas, a importância da agricultura no processo de
desenvolvimento parece inquestionável, às vezes nem tanto na sua contribuição à formação do
PIB total de cada país, mas, sobretudo, por ser um vetor estratégico no desenvolvimento de
cada realidade visitada. Sua importância pode ser avaliada sob inúmeros ângulos, muitos já
mencionados, mas, em primeiro lugar, está cada vez mais presente a questão da segurança
alimentar, no seu espectro mais amplo, que toca todas as sociedades, suscitando-lhes
atenção, cuidado e atitude proativa.
Ademais, apesar da redução histórica do pessoal ocupado na agricultura, esta atividade
detém, intrinsecamente, uma capacidade relevante de criação competitiva e de
descentralização espacial das oportunidades de desenvolvimento, problema comum e aflitivo
em muitos países. Em países como a África do Sul e Brasil, em que pese a heterogeneidade
dos sistemas agrícolas, o papel da agricultura no processo de desenvolvimento ganha um
caráter ainda mais relevante que é o desafio de contribuir com a redução da pobreza,
incorporando ao processo de modernização milhões de estabelecimentos rurais que se
encontram à margem desse processo.
A Embrapa reconhece que esse desafio possui uma dimensão tecnológica e outra não
tecnológica. Nesta última, o sucesso do empreendimento estaria ligado à organização do seu
entorno, condição que independe da escala do empreendimento; para tanto, a prática do
associativismo reúne todas as condições para uma “inclusão produtiva” exitosa.
Na dimensão tecnológica, o mesmo estudo elenca sete estratégias que contribuiriam
enormemente para a superação do desafio da inclusão desses estabelecimentos
marginalizados, categorizados como de base familiar, mesmo admitindo a larga
heterogeneidade existente entre eles, acrescida aos desafios das mudanças climáticas: (i)
Fortalecer o manejo sustentável dos recursos da agrobiodiversidade, visando ao
desenvolvimento e à validação de sistemas de produção; (ii) Desenvolver métodos adequados
para prospecção, avaliação e validação de tecnologias para a Agricultura Familiar, incluindo
produção orgânica e agroecológica; (iii) Desenvolver modelos de soluções viáveis para
agroindústrias familiares, priorizando as cadeias curtas de comercialização; (iv) Desenvolver
e promover o acesso de máquinas e equipamentos adequados para a Agricultura Familiar; (v)
Desenvolver e validar sistemas de produção agroecológico e orgânico; (vi) Desenvolver
metodologias para potencializar o uso de recursos genéticos próprios, especialmente as
sementes (convencionais e crioulas), visando à segurança alimentar e nutricional; (vii)
232
Desenvolver e validar tecnologias sociais para e com a Agricultura Familiar e produção
orgânica e agroecológica (EMBRAPA, 2014, p. 126).
Em resumo, as estratégias propostas podem ser compreendidas como parte importante
das condições sob as quais o desafio pode ser enfrentado no front da inovação. Uma
característica presente em todas as estratégias preconizadas pela Embrapa, é que a sua
materialidade objetiva não se constitui em responsabilidade exclusiva da pesquisa agrícola,
mas, sim, de vários atores do SNIA, dentre estes, de forma destacada, a ATER.
No momento atual, torna-se irreal e incompleto discutir o papel da agricultura no
desenvolvimento sem associá-la a um cenário de mudanças climáticas, situação que desperta
inúmeras inquietações. O tema "mudanças climáticas" tem recebido uma atenção toda
especial de organismos técnicos em todo o mundo, mas, requer mais do isso, requer uma
atitude vigorosa e estratégica dos governos. De modo especial, requer extrema dedicação dos
seus instrumentos de pesquisa, ensino e ATER, face às ameaças de impactos severos sobre as
temperaturas na direção de regiões de maiores latitudes, casos dos hemisférios norte e sul.
Desse modo, deposita nos serviços de pesquisa e de ATER dessas regiões uma
responsabilidade adicional, na análise, dentre outros planos, de estratégias racionais de
manejo do solo e da água, no sentido de evitar/minimizar eventuais comprometimentos na
produção de alimentos. Este tema tem recebido manifestações recorrentes de preocupação e
de planejamento dos serviços de pesquisa e ATER da maioria dos países selecionados,
devendo ocupar lugar prioritário na agenda de todos, sem exceção. Portanto, o desafio da
segurança alimentar toma uma dimensão ainda mais complexa que é a segurança alimentar
num cenário de mudança climática.
Nesse cenário, as diretrizes que devem orientar as plataformas da pesquisa e da ATER
no Brasil devem indicar a direção da geração e da difusão de tecnologias que priorizem a
conservação dos recursos naturais. Nesse caminho, a redução do desmatamento, que é uma
exigência global, deverá ser encarada como a condição prioritária para o crescimento da
produção agrícola. Ou seja, as estratégias a serem estimuladas pela pesquisa e pela ATER
para o aumento da produção deverão enfatizar a intensificação das áreas já cultivadas, pela via
da diversificação de cultivos e do aumento da produtividade da terra.
A Embrapa (2014) aponta para um cenário de necessidade de avanços tecnológicos
ainda mais rápidos do que foram até então, o que impõe à ATER um comportamento também
mais qualificado e ágil no processo de difusão; de modo mais específico, a empresa de
pesquisa prevê:
233
O aumento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia exigirá sofisticação
tecnológica que permita o uso mais eficiente dos recursos naturais (água, solo,
biodiversidade, etc.), e dos serviços ambientais (reciclagem de resíduos, suprimento
de água, qualidade da atmosfera, etc.) necessários à produção agropecuária e
florestal (EMBRAPA, 2014, p. 60).
A sofisticação tecnológica implica numa melhor qualificação dos atores do SNIA,
assim como no aprimoramento das condições de governança e coordenação.
Embora a questão do ensino seja tratada adiante, cabe destacar aqui que ao ensino
agropecuário é também reservado um papel de extrema importância, no sentido da
identificação, localização e dimensionamento dos impactos das mudanças climáticas.
Importância que deve ser atribuída não apenas na proposição de projetos de mitigação dos
efeitos sobre a produção agrícola, mas igualmente útil na formação de técnicos que serão
pesquisadores e agentes de difusão de tecnologias e de políticas.
Os impactos das mudanças climáticas seguramente não são nem serão distribuídos
homogeneamente em todos os espaços agrícolas, sendo assim, exigirão estratégias distintas da
pesquisa e da ATER, principalmente. Para ilustrar, é possível recolher da experiência da
África do Sul as preocupações com os possíveis impactos a serem causados pelas mudanças
climáticas na agricultura do país, de reconhecida vulnerabilidade em face das suas condições
agroclimáticas, haja vista que grande parte do território é considerada de clima semiárido. As
preocupações sul-africanas são de extrema utilidade para o Brasil, que detém imensa área da
sua região nordeste também marcada pelo clima semiárido.
A região semiárida do nordeste brasileiro, que também não pode ser considerada um
todo homogêneo, abriga 1,7 milhão de estabelecimentos agropecuários, sendo a previsão dos
impactos das mudanças climáticas sobre a atividade agrícola das mais inquietadoras, situação
que exigirá, especialmente, da pesquisa, da ATER e do ensino uma postura de esforços mais
intensos e sinérgicos, dado que os avanços obtidos por cada um desses atores individualmente
foram insuficientes até então para transformar a realidade regional na sua maior porção.
5.1.2. Base científica e tecnológica da ATER e da pesquisa - o papel do Ensino
Vem da experiência dos Estados Unidos, e em menor grau da França, o componente
que parece ser o principal diferenciador da robustez qualitativa da base científica que alimenta
os serviços de pesquisa e de ATER, que é a associação seminal, institucional e orgânica destes
com o ensino superior.
234
Embora deva ser reconhecida a contribuição relevante da pesquisa privada no sucesso
da agricultura dos Estados Unidos, deve também ser reconhecida a excelência do ensino
atingido por aquele país, o que se reflete diretamente na formação de pesquisadores e
extensionistas ou consultores, quaisquer que sejam as suas funções, se públicas ou privadas. O
sistema, como dito anteriormente, desempenha a tripla função de pesquisa, ensino e extensão.
No caso da ATER, uma rede de uma centena de Land Grant Colleges dá suporte às ações
extensionistas em cada estado ou território. Por outro lado, a articulação estreita entre
pesquisa, ensino e extensão contribui para aproximar as demandas dos produtores da agenda
do mundo acadêmico, fato que, além de fortalecer a atividade agrícola, valoriza o produtor,
aumenta a credibilidade do ensino/pesquisa e eleva as competências e habilidades do
extensionista.
No caso brasileiro, o serviço de ATER pública padece da ausência de um sistema
qualificado, sistêmico e permanente de seleção e formação continuada de seus profissionais,
não tendo a tradição dos Estados Unidos que, paradoxalmente, serviu de inspiração para a
criação da ATER no Brasil. A superação dessa lacuna, já que historicamente o ensino e ATER
governamentais estão distanciados, se daria mediante uma aproximação institucional e
orgânica da ATER e o ensino superior. Tal aproximação promoveria um processo de
formação continuada de extensionistas por um lado, e alimentaria o ambiente acadêmico das
demandas do setor agrícola, desafiando-o permanentemente, por outro. A Asbraer (2014)
chegou a cogitar o modelo da universidade corporativa virtual como alternativa de solução.
5.1.3. A agricultura familiar e reforma agrária
As evidências obtidas da África do Sul, Argentina, França e Brasil não deixam
dúvidas da necessidade de se conceder uma importância especial a esse segmento da
agricultura, dada a sua expressão não apenas econômica e social, mas, especialmente por se
constituir em vetor de relevância para o sucesso de um processo de desenvolvimento
sustentável.240
O papel de apoio da pesquisa e da ATER na modernização da agricultura
familiar, além de representar uma responsabilidade social importante, principalmente no caso
240
No Brasil, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, a Agricultura Familiar compreende 4,3 milhões
de unidades produtivas (84% do total), distribuídas em 80,2 milhões de hectares (24% da área total dos
estabelecimentos), conta com 14 milhões de pessoas ocupadas, algo em torno de 74% das ocupações no campo.
Tem participação importante na produção de alimentos essenciais, na preservação da agrobiodiversidade e na
geração de emprego rural no Brasil.
235
do setor público, significa também um desafio considerável face à complexidade da sua
dinâmica e da sua própria natureza.
Em todas as experiências, mas em especial evidência no caso brasileiro, a primeira
característica da agricultura familiar é a sua heterogeneidade. Em segundo lugar, ainda
considerando o contexto brasileiro, existem na agricultura familiar fatores denominados por
Buainain (2007) de “sistêmicos”, que atuam “fora da porteira” e que condicionam a adoção de
inovações e, por decorrência, o desempenho dos empreendimentos familiares (BUAINAIN,
2007, p. 109). Noutras palavras, o que se pode extrair das experiências dos países
selecionados no ambiente da agricultura familiar é que a pesquisa e a ATER, embora sejam
essenciais para a modernização das unidades familiares, são insuficientes para assegurar a
modernização, entendida como garantidora da melhoria da renda líquida e de vida do produtor
familiar.
No caso da agricultura familiar, as experiências demonstram ser essencialmente dos
governos a responsabilidade de prover os serviços de pesquisa e de ATER, direta ou
indiretamente, em articulação com os demais instrumentos de política condicionantes da
modernização das unidades familiares. No caso específico da reforma agrária, este é um tema
de especial interesse apontado pelas experiências da África do Sul e do Brasil. Apesar de não
estar na pauta agrícola dos demais países selecionados, a sua menção aqui se deve à
importância histórica e política nas realidades recentes dos dois países. O público objeto dos
programas de reforma agrária na África do Sul e no Brasil é também considerado como de
base familiar, portanto, ainda com mais razão, portador de uma maior responsabilidade social
dos governos e, por conseguinte, dos serviços de pesquisa e de ATER. Para efeito contextual,
cabe registrar que no caso da África do Sul o programa ainda carece de uma definição do
modelo a seguir, face às dificuldades vivenciadas com os modelos já experimentados. No caso
brasileiro, a área destinada à reforma agrária ultrapassava, em abril de 2017, os 88 milhões de
hectares, com 9.368 assentamentos criados, onde vivem 977.039 famílias assentadas, uma
população estimada pelo Incra em mais de 5 milhões de pessoas (INCRA, 2017)241
.
Avaliações realizadas até então demonstram que a simples doação da terra não tem
sido suficiente para garantir modernização tecnológica e muito menos melhoria de vida das
populações assentadas242
. Também nesse caso, os “fatores sistêmicos” parecem explicar a
241
Disponível em: < http://www.incra.gov.br/tree/info/file/11933>. Acesso em 21 mai. 2017. 242
De acordo com o Incra, disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/questao-
agraria/numeros-da-reforma-agraria/file/1817-area-incorporada-ao-programa-de-reforma-agraria>. Acesso em 3
de mar. 2014. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a área total dos 5.175.636 estabelecimentos
236
dificuldade da adoção de inovações nos assentamentos de reforma agrária (BUAINAIN, 2007,
p. 113). A falta de uma visão atualizada sobre a dinâmica da agricultura, da sua promoção,
dos seus mercados, de suas necessidades e da forma de inclusão de grande parte dos
agricultores no circuito produtivo, impede que os resultados da chamada “reforma
agrária/colonização agrária” realizada no país há mais de 50 anos sejam efetivos e tenham
reflexos positivos na economia do país e na vida das famílias assentadas.
Sobre o desempenho da ATER no programa de reforma agrária brasileiro, o Censo
Agropecuário de 2006 informava que aproximadamente 70% daqueles estabelecimentos
agropecuários classificados como “Assentado sem titulação definitiva” não receberam
orientação técnica no ano do Censo. Apenas 19% receberam orientação técnica
“ocasionalmente” e 11% receberam-na “regularmente” (IBGE, Censo Agropecuário, 2006)243
.
A ausência de orientação técnica na grande maioria dos quase 10 mil assentamentos aliada a
outros problemas na execução do programa de reforma agrária brasileiro, como a falta de
tradição agrícola no perfil de grande parte dos assentados, são alguns dos elementos que
permitem dimensionar a magnitude do desafio. Ao lado dessa situação do programa em
execução, o fenômeno da concentração de terra no Brasil permanece agudo, indicando a
incapacidade de o Estado brasileiro liderar um processo, não apenas de democratização da
posse da terra, mas de transformação produtiva, traduzida por melhoria da qualidade de vida
dos assentados e vetor de desenvolvimento regional.244
5.1.4. Novas demandas e novos conteúdos para a pesquisa e ATER
A dinâmica inovativa da agricultura e do SNIA impõe a todos os atores envolvidos um
trabalho permanente de criação de competências e habilidades para lidar com novas demandas
e novos conteúdos. Nessa direção, o ensino, a pesquisa agrícola e a ATER são, talvez, os
segmentos mais exigidos dentro dessa dinâmica da inovação da atividade agrícola.
As experiências visitadas nesta tese são ricas em demonstrar o quão complexo é
manter-se competitivo nesse sistema. A França, por exemplo, destaca a característica cada vez
mais acentuada da multifuncionalidade da agricultura, fato que é acrescido do intenso
agropecuários totalizava 333.680.037 ha. Nesta superfície, incluem as áreas com "lavouras","matas e florestas “e
"pastagens". 243
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/2006/>. Acesso
em 03 mar. 2014. 244
A permanência da desigualdade pode ser mensurada pela estabilidade do índice de Gini em 0,856, quando da
comparação entre os Censos de 1996 e 2006 (HOFFMANN; NEY, 2010, p. 7).
237
movimento de aperfeiçoamento dos sistemas de segurança ambiental, segurança laboral e de
qualidade de alimentos. Destes, derivam os novos padrões e normas preconizados pelos
órgãos reguladores que exigem dos produtores o novo conhecimento e uma nova postura
adaptativa. Ainda no caso da França, torna-se inescapável destacar o avanço da agricultura
orgânica, fenômeno que ganha corpo em outras realidades, fundamentada pelo avanço da
agroecologia, ciência de rápida inserção em muitas grades curriculares e nas agendas de
diversos movimentos sociais.
Dos Estados Unidos, a leitura que se faz é que os clientes da pesquisa, do ensino e da
ATER demandam de seus pesquisadores, professores e conselheiros orientações seguras sobre
a prospecção de novos mercados e sobre estratégias para a atração de novos “agro-
investimentos”, enfim, recorrem a novas oportunidades e novos negócios que fortaleçam o
desenvolvimento agroindustrial da local, regional e, por decorrência, do país.
A experiência da Argentina destaca avanços consideráveis no emprego da
biotecnologia na agricultura, com o país já exercendo uma liderança no cenário mundial. Esta
condição, inevitavelmente, acarreta uma responsabilidade relevante para a pesquisa agrícola e
outros atores locais, no que tange à manutenção e ampliação dos padrões de competitividade,
assim como, da questão da segurança nos campos ambiental, do consumidor e do trabalhador.
Neste caso argentino, é relevante a observação de Fuck e Bonacelli (2009, p. 9): "a Argentina
adotou uma política liberalizante, apostando nos transgênicos como forma de ampliação de
sua competitividade agrícola".
Uma outra demanda de igual relevância que vem se impondo de modo vigorosamente
crescente à ATER, à pesquisa e às políticas públicas nas experiências visitadas são as
influências de gênero no ambiente agrícola. O que se pode constatar é que, embora dados da
FAO demonstrem o declínio da participação da mulher na PEA dedicada à agricultura, tanto
no mundo quanto nos países selecionados nesta tese (Gráfico 2), a situação de inferioridade da
mulher nos vários campos das relações sociais tem proporcionado movimentos importantes de
reversão ou de, pelo menos, redução desse quadro de profunda desigualdade.
238
Gráfico 2 - Proporção feminina da PEA dedicada à agricultura nos países selecionados e
no mundo, 1980, 1995 e 2010 (%)
Fonte: FAO (2011). Disponível em:< http://www.fao.org/docrep/013/i2050s/i2050s08.pdf>.
Um desses movimentos foi a pactuação entre os 191 estados membros das Nações
Unidas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, surgida a partir da Declaração do
Milênio. Esse grande acordo surge como um esforço para consolidar diversos acordos
internacionais sobre meio ambiente, desenvolvimento e direito das mulheres. Tal iniciativa
estimulou inúmeras outras pelo mundo, com destaque para aquelas surgidas no âmbito da
agricultura. Iniciativas que vão ao encontro do que declara a FAO (2011, p. vi):
Las mujeres aportan contribuciones fundamentales a las empresas agrícolas y rurales
en todas las regiones de los países en desarrollo, en calidad de agricultoras,
trabajadoras y empresarias. Sus funciones varían según las regiones, pero en todas
partes las mujeres tienen limitaciones propias de su género que reducen su
productividad y limitan sus contribuciones a la producción agrícola, el crecimiento
económico y el bienestar de sus familias, comunidades y países. Las mujeres se
enfrentan a una importante brecha de género en el acceso a los recursos productivos.
Controlan menos tierras que los hombres, las que controlan suelen ser de peor
calidad y carecen de seguridad sobre su tenencia. Las mujeres poseen menos
animales de trabajo necesarios para la agricultura que los hombres. A menudo
tampoco controlan los ingresos generados por los normalmente pequeños animales
que gestionan. Las agricultoras son menos susceptibles que los hombres de utilizar
insumos modernos, tales como semillas mejoradas, fertilizantes, medidas de control
de plagas y herramientas mecánicas. Asimismo, utilizan menos crédito y no suelen
controlarlo cuando lo obtienen. Por último, las mujeres tienen un nivel inferior de
educación y un menor acceso a los servicios de extensión, por lo que les resulta más
difícil acceder a algunos de los otros recursos, como la tierra, el crédito y los
África do Sul Argentina BrasilEstadosUnidos
França Mundo
1980 15,8 3,1 26,3 1,6 7,4 53,5
1995 8,1 2,6 11,2 1,2 3,4 48,7
2010 4,2 1,9 6,1 0,9 1,4 42
15,8
3,1
26,3
1,6
7,4
53,5
8,1
2,6
11,2
1,2 3,4
48,7
4,2 1,9
6,1
0,9 1,4
42
0
10
20
30
40
50
60
1980
1995
2010
239
fertilizantes, así como utilizarlos. Estos factores también impiden a las mujeres
adoptar nuevas tecnologías con la misma facilidad que los hombres. ... Dichos
obstáculos implican que las mujeres agricultoras obtienen rendimientos inferiores a
los de sus homólogos masculinos. Sin embargo, las mujeres agricultoras son tan
eficaces en su trabajo como los hombres. Datos empíricos sólidos muestran que si
las agricultoras utilizaran la misma cantidad de recursos que los hombres en las
tierras que cultivan, obtendrían los mismos rendimientos que ellos.
Em muitos países, notadamente o Brasil, um conjunto de políticas públicas foi
concebido como contribuição à proposta global, fato que vem abrindo novos espaços para as
mulheres, que demonstram ser possuidoras de inúmeras competências, mas colocam, por
outro lado um grande desafio para os extensionistas, acostumados que foram a atuar quase
que exclusivamente com homens no papel de únicos tomadores de decisão de suas unidades
de produção agrícola e de suas comunidades..
No caso do Programa de Apoio ao Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf),
no qual o segmento de crédito rural é considerado um dos mais importantes instrumentos de
apoio à agricultura familiar, a participação das mulheres como tomadoras do crédito vem
crescendo a cada plano safra, ocupando gradativamente uma posição quase que hegemônica
dos homens.245
A criação de uma linha de crédito específica para as mulheres, “Pronaf
Mulher”, vem ao encontro dessa tendência. Tendência que é reforçada pelo índice de
mulheres titulares de lotes da reforma agrária, que aumentou de 24,1%, em 2003, para 55,8%
em 2007, e pelo crescimento do número total de mulheres chefes de família em relação ao
total de beneficiários que cresceu de 13,6% para 23% no mesmo período.246
Seguramente, esses fatos e tendências indicam aos serviços de pesquisa agrícola e de
ATER uma necessidade de adequar suas estratégias de trabalho à nova realidade imposta pela
presença feminina mais acentuada na gestão das unidades produtivas, que obedece a padrões
diferenciados em relação aos padrões masculinos, trabalhados tradicionalmente pelos dois
serviços.
Uma última e relevante referência aos “novos conteúdos” diz respeito ao emprego das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) pela ATER, em especial. A afirmação de
Espindola (2015) reflete o poder de disseminação das TICs em todos os setores e espaços da
sociedade, e a ATER não poderia ser exceção: “Todo esto en el marco del vertiginoso
desarrollo de la Sociedad de la Información y Comunicación, de la sociedad digital, del
245
De acordo com o antigo MDA (Disponível em:<http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/mulheres-batem-
recorde-de-acesso-ao-pronaf-na-safra-20142015>. Acesso em 24 ago. 2015. 246
Fonte: Sead. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/dpmr-org/sobre-o-programa>.
Acesso em 21 mai. 2017.
240
mundo globalizado. Las TIC cada día están más presentes en todas las áreas de la economía,
de la cultura, de la política, de la sociedad, de la producción” (ESPÍNDOLA, 2015).
O mesmo estudioso observa que nos espaços rurais ainda há grande falta de
infraestrutura digital, mas, simultaneamente, essa lacuna vai se reduzindo dia a dia, surgindo,
assim, melhores condições para o uso das TICs pela ATER.
No Brasil, segundo Mendes (2015), o meio rural ainda sofre um verdadeiro processo
de marginalização digital, no qual, dados de 2012, revelavam que 84% dos domicílios rurais
não possuíam computador e 90% não tinham acesso à internet. Se os dados forem os do
Censo Agropecuário de 2006, o último disponível, a situação das regiões norte e nordeste é
ainda mais grave, em relação às demais regiões do Brasil. De qualquer modo, a presença das
TICs é irreversível e só tende a crescer, o que indica a necessidade de a ATER se preparar o
quanto antes para tornar mais ágeis seus processos de trabalho, admitindo a existência de
alguns obstáculos, que a instituição deverá se defrontar. Sobre esses obstáculos, Espíndola
(2015) argumenta que, para o ingresso pleno no universo das TICs, a ATER deverá enfrentar
alguns fatores críticos, perfeitamente aplicáveis ao caso brasileiro:
i) a falta de uma cultura digital nas instituições e entre os extensionistas: a ideia é
que as TICs sejam internalizadas como ferramenta prioritária de apoio à informação, à
comunicação e à gestão, principalmente.
ii) as escassas competências nessa nova linguagem no conjunto do pessoal técnico
e administrativo, além de uma certa resistência ao uso das TICs.
iii) o fato de o desenho de ferramentas, espaços e serviços serem concebidos muito
mais a partir da "oferta da informação" e muito menos a partir das "demandas dos produtores
e da população rural".
iv) o baixo nível de investimento, alfabetização e empoderamento digital das
populações rurais.
v) a utilização majoritária de ferramentas e softwares não concebidos
especificamente para os propósitos da ATER.
De fato, a ATER brasileira precisa implantar uma cultura digital, que alcance todas as
suas unidades, essencialmente as mais longínquas, e que nas quais não apenas os seus
processos de gestão sejam modernizados, mas, sobretudo, que a qualidade de seu trabalho
junto ao produtor seja dinamizada.
241
5.1.5. Articulação internacional
A articulação internacional pode ser considerada uma outra característica relevante
verificada em muitos dos países selecionados, especialmente para o caso da pesquisa agrícola.
A abordagem do Sistema Nacional de Inovação Agrícola ao contemplar com ênfase, no seu
modelo conceitual, as relações e articulações de âmbito local, regional e nacional preconiza
também articulações com atores internacionais, tais como as fontes de conhecimento.
Articulações entendidas não apenas episódicas, mas de caráter sistêmico, como analisado no
Capítulo 2, conforme preconizam Spielman e Birner (2008, p. 7; tradução nossa) ao se
referirem ao Diagrama Conceitual do “Agricultural Innovation System”: “Além das fronteiras
do sistema, fatores importantes exercem influência e se articulam com outros setores da
economia (manufatura e serviços); com a Política geral de ciência e tecnologia; com atores
internacionais, fontes de conhecimento e mercados; e com o sistema político.”247
No caso brasileiro, a empresa pública de pesquisa agropecuária, Embrapa, exercita
com denodo essa articulação internacional, possuindo projetos internacionais de cooperação
que dispõem de bases físicas e pessoal no exterior, que aproximam a Embrapa das fontes de
conhecimento, no âmbito das “políticas de inovação agrícola e de investimento”. No caso da
ATER brasileira, é curioso constatar que já a Embrater em 1989, por intermédio do seu
presidente à época, propunha como diretriz a intensificação das relações internacionais da
instituição.
Incentivo às atividades de reciclagem profissional dos Extensionistas Rurais, para
que lhes seja possível atender às atuais demandas dos agricultores com o máximo de
eficiência. A formação dos recursos humanos tem sido uma constante do Sistema
Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural-Sibrater. Desde sua formação,
em 1975, o Sistema vem se preocupando de modo efetivo com seus técnicos,
enviando-os ao exterior para aperfeiçoamento em cursos de mestrado, de doutorado
e de especialização, além de outras iniciativas em âmbito nacional. (LOPES, 1989,
p. 27)
Reiterando a preocupação com a articulação internacional do Sibrater, a Embrater
(1989), ao propor uma Política de Assistência Técnica e Extensão Rural para o novo Governo
247 Em referência ao diagrama conceitual discutido no capítulo 2, Spielman e Birner (2008, p. 7) esclarecem:
“Beyond the borders of the system, though nonetheless important, are influencing factors such as linkages to
other sectors of the economy (manufacturing and services); general science and technology policy; international
actors, sources of knowledge, and markets; and the political system”.
242
Federal que se instalaria no ano de 1990, consignou nas suas Linhas de Atuação a “Promoção
de intercâmbio técnico-científico pelo Sistema, a nível nacional e a nível internacional”
(EMBRATER, 1989, p. 15). A curiosidade se deve ao fato de que após 27 anos, em pleno
processo de globalização, a Anater e muito menos a Pnater tenham mencionado esse tema
(articulação internacional) nos seus principais documentos constituidores.248
A quebra do
isolacionismo da cena internacional, seguramente colocaria a ATER brasileira em sintonia
permanente com as mais atualizadas discussões e fóruns sobre o ambiente das inovações na
agricultura, criando oportunidades relevantes e continuadas para a participação do debate
global, alimentando aprendizados e, certamente, antecipando pautas para a agenda da ATER
no Brasil.
5.1.6. Organização da produção e empoderamento (empowerment) dos produtores
A experiência dos Estados Unidos, com o sistema cooperativo de extensão rural, o
caso da França com a Câmara de Agricultura, o exemplo argentino da CREA e o caso
brasileiro com as cooperativas, ou empresas integradoras do Sul e do Sudeste e as fundações
de pesquisa, permitem concluir que essa estratégia tem sido empregada com sucesso, na
medida que minimiza os “fatores sistêmicos” negativos.
Ocorre que, principalmente no caso dos agricultores familiares das regiões norte e do
nordeste brasileiro, onde a sua concentração é a maior do Brasil (as duas regiões reúnem
quase 51% do total de estabelecimentos familiares), o cooperativismo/associativismo não tem
sido explorado com a ênfase devida, fato que tem deixado esse público fora do alcance da
maioria das políticas agrícolas, às vezes, simplesmente por falta de informação. Uma das
razões históricas e compreensíveis da dificuldade de o cooperativismo do norte e nordeste não
expressar a mesma pujança do Sul e do Sudeste é explicitada por Cechin (2014), confirmando
a mesma conclusão a que chegara BURSZTYN (1984), concluindo que:
248
Para não se cometer injustiças sobre o isolacionismo pleno da ATER brasileira dos fóruns internacionais,
cabe registrar a participação recente da Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento
Agrário (Sead) na Rede Latino-americana de Serviços de Extensão Rural (RELASER). Esta Rede foi criada em
outubro de 2010, em Santiago do Chile, ocasião em que um conjunto de instituições públicas e privadas de
Extensão Rural, sob a liderança internacional do Fórum Global para Serviços de Consultoria Rural (GFRAS),
decidiu criar um espaço para discussão sobre o status e evolução atual dos sistemas de extensão rural na América
Latina, no sentido de atuar para a sua melhoria. A missão da Rede é “apoiar a consolidação dos sistemas público
e privado de extensão na América Latina, compreendidos como parte dos sistemas de inovação, contribuindo
para a promoção do desenvolvimento sustentável...”. Fonte: RELASER. Disponível em: <
http://www.relaser.org/index.php/pt/quem-somos/o-que-e-relaser.>. Acesso em 24 mai. 2017.
243
Os movimentos cooperativos do Norte e Nordeste estão mais distantes do ideal
europeu que originou o cooperativismo. As cooperativas no Nordeste apresentam
fragilidades que se devem, principalmente, a um modelo de prática coronelista e
elitista, em que os cargos mais elevados sempre são ocupados pelos grandes
proprietários e pelas lideranças políticas locais e regionais, com objetivo de controle
social e político. (CECHIN, 2014, p. 498)
Mesmo assim, a tendência dada pelo amadurecimento do processo democrático
brasileiro aliado ao crescimento de cooperados em relação às taxas de crescimento da
população indicam que esses obstáculos devem ser superados, em face do valor estratégico do
cooperativismo/associativismo para o desenvolvimento regional, sendo este um instrumento
importante que não pode ser ignorado no conjunto dos elementos facilitadores do processo de
modernização da agricultura brasileira. A organização da produção destacada acima possui
uma relação direta com o grau de organização dos produtores, devendo ser tratada sempre que
possível de forma integrada, considerando o seu caráter estratégico para o desenvolvimento
sustentável.
Não é sem razão que um fato bastante perceptível e relevante nos modelos públicos de
pesquisa agrícola e de ATER adotados na França e nos Estados Unidos é que, ao inserirem a
representação dos produtores nos seus núcleos decisórios, assumiram, por um lado, um
compromisso de elevado grau de responsabilidade, mas, por outro, encontraram uma
estratégia de triplo efeito positivo na gestão dos dois serviços: (i) assumiram um compromisso
permanente e prioritário com as demandas dos produtores; (ii) atraíram um aliado de
expressiva densidade política para viabilizar seus pleitos junto aos governos e à sociedade,
principalmente de àqueles relacionados a financiamento; e (iii) atraíram um forte aliado para
se contrapor às ingerências políticas consideradas negativas na gestão das instituições. No
caso dos Estados Unidos, a presença dos mais de 3.000 Conselhos Locais traduz o
empoderamento da sociedade nos destinos da instituição pública na instância mais próxima da
execução e, portanto, exerce um poder de avaliação e monitoramento das ações de modo
privilegiado e imediato.
A ATER brasileira, como já debatido anteriormente, padece dos mesmos problemas
que deram origem à "estratégia de triplo efeito" mencionada acima, no entanto, vem adotando
a "estratégia da convivência" com esses perigosos tumores que nada mais são do que uma
ameaça à sobrevivência institucional.
244
5.1.7. Financiamento da Pesquisa e da ATER
Revelou-se comum em todas as experiências analisadas que o financiamento das
atividades de pesquisa e de extensão se constitui em uma permanente dificuldade até mesmo
para as economias mais estruturadas, casos da França e dos Estados Unidos. Nestes casos, os
orçamentos públicos ainda são imprescindíveis, porém convivem com atividades não públicas
ou sob regime de comercialização de serviços.
Dos Estados Unidos vem a constatação de que ao lado dos avanços da agricultura,
uma referência mundial, a extensão rural tem diminuído de tamanho, cedendo espaço para a
atuação dos consultores privados naquelas tarefas nas quais a capacidade do estado é limitada.
Grosso modo, é como se, crescentemente, a atividade de assistência técnica fosse sendo
desenvolvida pela iniciativa privada, enquanto ao setor público caberiam as atividades de
extensão rural, mais voltadas para as questões do desenvolvimento das comunidades, tais
como a atração de novos negócios, preservação ambiental, prospecção de novos mercados,
etc. Da África do Sul vem a constatação de que os recursos públicos destinados à pesquisa
estão estagnados há algum tempo, embora a participação da iniciativa privada no
financiamento da pesquisa pública seja de 20%, o que pode ser considerado uma contribuição
expressiva.
No Brasil, a pesquisa agrícola em sua maior parte é financiada com recursos de origem
pública federal. Do mesmo modo, a ATER governamental, dirigida à agricultura familiar, é
quase que exclusivamente custeada por recursos públicos estaduais (80%); o governo federal
participa, em média, com apenas com 8%, e os governos municipais com aproximadamente
5%, o restante vem de outras fontes (Asbraer, 2014). Neste caso, esclarece Buainain (2007), o
baixo padrão de capitalização de expressiva parcela de agricultores familiares brasileiros não
lhes faculta a capacidade de assumir os custos de ATER. Esse fato tipicamente brasileiro,
aliado a outras características da agricultura familiar, caso do baixo grau de instrução dos
produtores, o que torna ainda mais difícil o processo de adoção de tecnologia, produz uma
diferença importante com relação à ATER nos Estados Unidos quanto ao crescimento da
assistência técnica privada em substituição à ATER pública.
Em resumo, a lição extraída é de que as fontes de financiamento da Pesquisa e da
ATER devem ter como busca estratégica a diversificação, sob pena de que outras demandas
sociais mais urgentes e, cada vez mais presentes, sejam prioritárias na obtenção dos recursos
públicos, cada vez mais escassos. O estímulo à atuação em redes e a formação de consórcios
245
de pesquisa, dentre muitos outras, são também estratégias para se ganhar eficácia na gestão e
na obtenção de resultados.
Enfim, todos esses elementos e outros aqui não destacados, aliados à sua crescente
natureza transdisciplinar, constituem-se em insumos que vêm produzindo diariamente um
conjunto de novas demandas, novos conteúdos e novas disciplinas sobre os serviços de
ATER, pesquisa e ensino. O que se pode perceber é que todo esse movimento observado nas
experiências aqui visitadas, já parece produzir reconfigurações nos modelos de pesquisa, de
ensino e, sobretudo, de ATER, na medida em que impulsiona ou pelo menos inspira a
concepção articulada de uma nova formação de talentos humanos, novos modelos e
estratégias. É muito provável que os reflexos dessa dinâmica já estejam incidindo sobre a
ATER brasileira, que ainda não os percebeu.
5.2. Condicionantes para a modernização da ATER no Brasil
Esta seção tem o objetivo de, em aprofundando análise sobre a ATER brasileira
empreendida nos capítulos anteriores, compreender melhor a dinâmica da sua atuação recente,
identificando seus principais condicionantes e a dinâmica da sua relação com os demais atores
no Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA). Para o alcance desse objetivo, a discussão
se dá a partir da tentativa de responder à questão: por que se atribui, recorrentemente, à ATER
governamental o atraso da modernização da agricultura familiar brasileira?
5.2.1. ATER governamental e o atraso da modernização da agricultura familiar: de
onde vem essa relação?
Sobre os fatores condicionantes ou determinantes para a adoção de inovações na
agricultura, há no Brasil uma farta literatura de qualidade já disponível. Uma das mais
importantes, desenvolvida por Buainain (2007), relaciona 13 condicionantes do desempenho
econômico e da adoção de tecnologia na agricultura familiar.
Na sua grande maioria, a literatura inclui a ATER como um condicionante importante,
mas, a coloca com as mesmas responsabilidades dos demais. O curioso é que frequentemente
à ATER é atribuída a responsabilidade maior sobre a não modernização da agricultura
familiar no Brasil, exigindo-se dela atribuições além das suas possibilidades e competências,
conforme demonstram Alves e Pastore (2013): “Muitos atribuem esse atraso à precariedade
246
dos serviços de extensão rural que até hoje não souberam levar aos pequenos agricultores a
modernidade das novas técnicas de plantar e colher”.
Uma das razões que pode explicar a exigência de uma responsabilidade maior recair
sobre a ATER parece ser o fato da sua proximidade ao produtor rural, sendo aquele ator que
mantém um relacionamento mais estreito e de contato mais permanente em relação aos
demais atores. Uma outra razão, derivada da primeira, pode ser explicada a partir das próprias
funções desempenhadas pelo extensionista junto ao agricultor familiar. Dentre essas funções,
quatro mais relevantes parecem aquelas que mais emprestam sentido à "responsabilidade
maior" da ATER no progresso técnico da agricultura familiar no Brasil, são elas: (i) difusão
de tecnologia (agropecuária, social, gerencial, ambiental); (ii) assessoramento na seleção,
implantação e acompanhamento dos melhores projetos/ atividades econômicas; (iii)
capacitação técnica de agricultores para a adoção das inovações e execução dos projetos; e
(iv) viabilização do acesso dos produtores familiares aos instrumentos de política agrícola
(cadastramento, planos de crédito, seguro, preços, obtenção de insumos, etc.).
De fato, essas funções denotam não apenas maior proximidade da ATER ao produtor,
mas, carregam consigo um padrão de compromisso mais intenso da ATER, em relação aos
demais atores. Por outro lado, o conjunto dessas funções pode se constituir numa explicação
razoável para a correlação indevida que é feita entre a modernização da agricultura familiar e
o desempenho da ATER no Brasil. A partir desse contexto inicial, torna-se importante
perceber que na presente análise, a ATER se constitui no ponto central sobre o qual será
observada a dinâmica do processo de modernização agrícola. Assim, ao desempenhar essas
funções, a ATER está lidando diretamente com a possibilidade:
• de a inovação ser apropriada ou não àquela situação específica (e cada
propriedade rural se caracteriza como uma situação específica);
• de trabalhar com um produtor não escolarizado ou não organizado;
• de trabalhar com um produtor com quantidade de terra insuficiente, ou de má
qualidade, ou localizada em regiões inóspitas, ou distante dos mercados, ou com deficiente
infraestrutura de energia, estradas, armazenamento, comunicação e de oferta hídrica;
• de os instrumentos de política agrícola não serem acessíveis ou inadequados;
• de se defrontar com uma oferta insuficiente ou inadequada de insumos e de
mão de obra;
• de trabalhar com uma agricultura cada vez mais multifuncional e famílias cada
vez mais pluriativas.
247
Portanto, não é difícil chegar à conclusão de que estes elementos com os quais a
ATER lida diretamente e fazem parte da sua dinâmica de trabalho possam condicionar ou
serem condicionados pela ação da própria ATER, produzindo efeitos imediatos sobre o
sucesso ou o fracasso da adoção da inovação. Na hipótese de que os elementos mencionados
(no todo ou em parte) não sejam adequados ao projeto de modernização daquela propriedade
rural ou região, o desempenho da ATER será condicionado pelas restrições dos elementos,
frustrando a modernização. Por outro lado, se os elementos mencionados forem adequados,
mas se a qualidade do serviço de ATER oferecida for inadequada ao projeto de modernização,
a ATER estará condicionando negativamente o desempenho dos atores responsáveis por tais
elementos.249
Na perspectiva do produtor, a ausência da ATER ou a inadequação dos elementos
citados acima podem ser encaradas como determinantes para o atraso tecnológico da sua
propriedade ou da sua comunidade ou região. O Censo Agropecuário de 2006 aponta que
quase 76% dos estabelecimentos rurais no Brasil, em 2006, não receberam nenhum tipo de
assistência técnica, isso significou 3,93 milhões de estabelecimentos. A ATER governamental
(federal, estadual e municipal) beneficiou a 9,5% do total dos estabelecimentos.
Assim, é razoável presumir que uma das estratégias para tornar o processo inovativo
bem-sucedido deve contemplar articulações e interações cada vez mais intensas entre
produtores, extensionistas, pesquisadores, educadores, iniciativa privada e policy
makers, no sentido de inibir as restrições dos fatores condicionantes e tornar as inovações
cada vez mais próximas das necessidades dos produtores, dos mercados e harmonizadas com
os sistemas de produção e com os padrões de sustentabilidade. Isso requer coordenação e
governança no sistema. Ou seja, ao se examinar de modo mais específico cada elemento
condicionante individualmente, pode-se afirmar, por exemplo, que a inovação ou o conjunto
de inovações a ser trabalhado pela ATER deve apresentar uma precisa compatibilidade com a
realidade agroecológica, social e econômica daquela unidade produtiva ou daquela
comunidade, sob pena de comprometer os resultados finais esperados. Em caso de frustação, é
inevitável não atribuir parcela dessa responsabilidade à ATER, haja vista ser a difusão
daquela inovação um elemento central na sua agenda de trabalho.
Por todos esses argumentos, a responsabilização maior à ATER, embora imprecisa,
parece compreensível e inevitável, em virtude dessa proximidade ao produtor, que é inerente
249
A qualidade do serviço governamental de ATER pode ser influenciada por condições endógenas (modelo de
atuação, gestão, qualidade dos recursos humanos, etc.) e/ou exógenas (prioridade da política agrícola ou da
política de desenvolvimento, etc.) à própria ATER.
248
aos deveres do seu próprio ofício, como por exemplo: dominar conhecimentos técnicos sobre
a realidade daquela propriedade, comunidade ou região, conhecimentos que são obtidos in
loco na maioria das situações, em contato permanente e direto com o produtor e/ou
comunidade.
Com os avanços das TICs e de outras tecnologias, é possível imaginar que a presença
física de um agente técnico qualquer possa ficar gradativamente menos necessária em uma
propriedade ou comunidade rural. Entretanto, em determinadas situações, como o diagnóstico
de uma doença em uma lavoura ou em um animal, a identificação, a localização e a
construção de uma prática conservacionista, o treinamento de produtores para o uso de um
equipamento, ou a promoção de estratégias objetivando a organização da produção e dos
produtores, por exemplo, dificilmente prescindirão da presença de um técnico, extensionista
ou não. Ademais, o trabalho de extensão rural, muito mais do que o trabalho de assistência
técnica, pressupõe uma ênfase na relação presencial, como fundamento central do diálogo
educativo, característica vital da prática extensionista.
Por tais razões, ao longo do tempo, a participação do extensionista na vida cotidiana
do produtor ou da comunidade o tornou um dos agentes técnicos mais presentes e mais
identificados com a realidade rural. É crível prever que, na medida em que o padrão
educacional da população rural brasileira avance, junto com a dinâmica da economia agrícola
e da infraestrutura rural, as demandas do produtor e da comunidade passem a exigir um outro
perfil de apoio técnico distinto daquele vigente até hoje. Essa dinâmica, por outro lado, exige
de todos os atores do SNIA e, em especial, do extensionista e do pesquisador, um trabalho
permanente de atualização e de aperfeiçoamento contínuo, condição que justifica a
necessidade da relação continuada e orgânica com o “ensino”, abordada anteriormente.
Alves e Pastore (2013) ao aprofundarem o debate sobre a existência de outros fatores
que dificultam ou inibem a modernização da agricultura familiar no Brasil e que possuem
relação direta com a performance da ATER, esclarecem que:
1. Entre os pequenos produtores, o baixo nível de educação constitui sério
empecilho para a adoção de novas tecnologias, o que também limita o acesso às
políticas públicas, em especial ao crédito subsidiado.
2. As políticas de garantia de preços e de compra antecipada da safra pouco chegam
aos pequenos produtores. A seleção é perversa: quem menos precisa é que mais se
beneficia.
3. Os regulamentos das políticas agrícolas são bastante rigorosos e afastam grande
parte dos que não dispõem de um título adequado de posse da terra, que não têm
condições para obedecer às regras do Código Florestal ou para apresentar projetos
detalhados da produção pretendida. Afinal, os bancos emprestam a quem tem bons
cadastros e o costume de pagar.
249
4. Os pequenos produtores vendem sua produção por preço bem menor que os
grandes produtores e compram os insumos por preços mais elevados. Como as
despesas superam os ganhos, as tecnologias se tornam não lucrativas. Sem lucro,
não há nada que faça o agricultor se modernizar.
Para concluir, os mesmos autores argumentam o equívoco que é atribuir
principalmente à ATER o atraso tecnológico a que estão submetidos milhões de agricultores
familiares no Brasil. Esta conclusão remete à pergunta: por que atribuir recorrentemente à
ATER a responsabilidade maior pelo atraso, dada a existência de vários e importantes outros
atores e condicionantes? A resposta a esta indagação reforça a tese de a que proximidade do
agente de ATER ao produtor possa explicar essa responsabilização demasiada pelo atraso
tecnológico, haja vista ser a ATER o verdadeiro “porta voz” das políticas agrícolas e
inovações - e se essas são incoerentes, lacunares, descontínuas, repletas de insegurança, não
será outro o resultado que se alcança do trabalho da ATER no Brasil.
A conjugação dessas forças adversas explica em grande parte a concentração da
produção agrícola e o baixo desempenho dos pequenos produtores no Brasil. Nem a
melhor extensão do mundo é capaz de reverter a perversidade do quadro atual. O
Pronaf busca atenuar o seu impacto. Mas não está livre de uma seleção perversa: as
regiões Sul e Sudeste, já modernizadas, se apropriam da maior parte dos recursos,
quando comparados com o que vai para o Nordeste, que concentra mais de 60% da
pobreza rural. (ALVES e PASTORE, 2013)
Assim, dada a complexidade que envolve o atraso tecnológico de milhões de
propriedades de base familiar no Brasil parece simplismo atribuir a responsabilidade principal
a esse ou aquele ator ou a esse ou aquele elemento condicionante. O que parece mais
adequado é perceber que não apenas o concurso de vários elementos negativos, mas, também,
a interação de vários deles atuando ao longo do tempo produzem e consolidam o atraso. A
razão da responsabilização da ATER governamental ocorre apenas em face da sua
proximidade ao produtor e por seu papel de instituição-ponte, como preconizado no modelo
conceitual do SNIA.
5.2.2. O papel da ATER e o perfil do extensionista: debate para o futuro que já começou
Esta seção, “Condicionantes para a modernização da ATER no Brasil”, completa o seu
propósito discutindo características que poderiam ser incorporadas ao papel da extensão rural
e da assistência técnica e ao perfil do extensionista ou consultor técnico diante dos desafios e
transformações postos à agricultura brasileira.
250
Para o desenvolvimento das discussões propostas, foram utilizados os insumos
produzidos nos capítulos anteriores, especialmente àqueles relacionados aos “países
selecionados”.
Preliminarmente, é relevante assinalar que o sentido basal das discussões sobre as
características sobre o papel da ATER e sobre o perfil do extensionista deve ser dado pelo
estabelecimento “ex ante” da natureza e dimensão do desafio a ser enfrentado.
Das discussões anteriores o que se constata é que, no caso brasileiro, um dos grandes
desafios nacionais é a necessidade de modernização de 3,9 milhões de estabelecimentos
rurais, promovendo a sua inclusão competitiva no mercado. Acrescente-se à complexidade
intrínseca do próprio desafio, a circunstância de que ele deverá ser enfrentado num ambiente
de incertezas quanto às alterações do clima e seu impacto na agricultura, de uma nova
dinâmica da modernização agrícola e de uma agricultura crescentemente multifuncional,
dentre outros fatores.
Extraiu-se também das lições anteriores que o desafio da modernização pretendida,
compõe um quadro de responsabilidades que envolve a articulação e a integração de um
conjunto de atores formadores do Sistema Nacional de Inovação Agrícola (SNIA), no qual
está aquele que se constitui no foco principal da atenção deste estudo, a ATER.
Na configuração do papel a ser desempenhado pelas organizações de ATER é
relevante resgatar a caracterização de organizações governamentais e não governamentais de
ATER. Nas primeiras, localizam-se aquelas entidades executoras, mantidas e operadas
diretamente pelos governos, a exemplo das organizações estaduais (Ematers e Oepas),
municipais ou federais (universidade, Ceplac, etc.). A grande maioria dessas organizações tem
como público preferencial a agricultura de base familiar.
No conjunto das organizações não-governamentais estão aquelas apoiadas ou não pelo
governo e que tem como público-alvo a agricultura familiar ou empresarial. Nesse caso, estão
as ONGs, as cooperativas, o SENAR, o SEBRAE, as representações de produtores
(federações, movimentos sociais, etc.).
Também no grupo das organizações não governamentais, estão as organizações que
prestam serviços de consultoria ou aconselhamento aos agricultores, sendo consideradas como
organizações prestadoras de serviços de “assistência técnica”. Nesse grupo, das não
governamentais, encontram-se também as agroindústrias, agroindústrias integradoras, os
escritórios de planejamento e assistência técnica, etc. Normalmente, os produtores pagam por
esses serviços.
251
Assim, reforça-se a caracterização preliminar de que é razoável entender o papel da
ATER dividido em duas grandes vertentes: (i) assistência técnica e extensão rural e (ii)
assistência técnica. No caso da assistência técnica, o público que demanda esse serviço é
aquele cuja preocupação primeira é a elevação da competitividade do seu negócio,
independente do porte. Para essa vertente, o perfil do consultor técnico deve contemplar uma
visão do negócio agrícola, ou seja, pressupõe conhecimento na dimensão completa da cadeia
de valor (“antes”, “dentro” e “depois” da unidade produtiva). Na tentativa de agregar outras
características ao perfil desse consultor técnico, cabe reler as experiências dos países aqui
selecionados, pois permitem imaginar que é possível que a assistência técnica à agricultura do
Brasil venha a se deparar no futuro com o mesmo tipo de demanda ocorrida naqueles países.
O caso da França é exemplar. A necessidade crescente de competências relativas ao
conjunto de normas e padrões oriundos de toda comunidade europeia que diz respeito às
questões ambientais, agroindustriais, de segurança e qualidade alimentar e de saúde do
trabalho, dentre outras, conjunto ao qual os produtores têm que se adaptar e cumprir, impôs
um novo perfil aos consultores técnicos daquele continente.
O domínio por parte do consultor técnico de competências sobre a prospecção de
novos negócios, produtos ou serviços, assim como atração de novos empreendimentos
relacionados às cadeias agrícolas, características demonstradas pela experiência dos Estados
Unidos, aponta para a análise da possibilidade de um padrão semelhante de exigência no
perfil de um agente da assistência técnica do Brasil.
No caso da assistência técnica e extensão rural governamental ou não, entende-se
que a sua atividade prioritária é dirigida à agricultura de base familiar e o seu papel é, no caso
brasileiro, incluir de forma competitiva a grande maioria dos estabelecimentos familiares no
mercado.
Da experiência dos Estados Unidos origina-se a lição de que a extensão rural passou a
dedicar maior atenção às “necessidades mais amplas das famílias, quanto ao processo de
tomada de decisão, ao empreendedorismo, à gestão da produção e à organização
comunitária”, ou seja, uma postura essencialmente educativa, ampla e integrada. Da
experiência da França, além do controle da representação dos agricultores sobre a oferta dos
serviços de “vulgarisation agricole”, despontam a multifuncionalidade da agricultura e a
agricultura de base ecológica, aliadas a uma nova abordagem sobre desenvolvimento rural,
como elementos indutores de um novo perfil para o extensionista rural.
No Brasil, ao se considerar as experiências dos Estados Unidos, da França e a
dinâmica que envolve os desafios e as transformações presentes na agricultura, tudo isso
252
observado numa perspectiva de demandas potenciais para a ATER, é inescapável pensar em
novas características para o perfil do extensionista brasileiro. Nessa linha de raciocínio, o
perfil “atualizado” do extensionista brasileiro exigirá deste profissional conhecimento e
iniciativa para, a exemplo da assistência técnica, prospectar, orientar e atrair novos negócios
ancorados nas possibilidades abertas pela multifuncionalidade da agricultura, pela agricultura
de base ecológica e pela pluriatividade das famílias e comunidades.
Todo o ambiente de transformações e desafios que permeia a atividade agrícola suscita
também a necessidade de se buscar no perfil dos extensionistas atributos até então pouco
debatidos, tais como: a habilidade para o estímulo ao empreendedorismo; desenvoltura na
articulação com organizações/representações de produtores; competência no trato das
questões de mercado e de marketing; competência técnica no manejo de questões ligadas às
mudanças climáticas e preservação ambiental; habilidade para lidar com a emergência da
liderança feminina nos negócios agrícolas; aptidão para o trato da abordagem territorial;
preparo técnico no conhecimento operacional de políticas agrícolas; familiaridade no uso de
novas ferramentas de trabalho disponibilizadas pelas TICs, como o monitoramento climático
por satélite para o auxílio do gerenciamento da crise hídrica, dentre outras aptidões.
De modo comum, tanto à ATER quanto à assistência técnica, o alerta da Embrapa
(2014) é especialmente atual e oportuno de referência ao se tratar de perfil técnico. Ou seja, a
crescente demanda por produtos agrícolas, inexoravelmente exigirá tecnologias mais
aperfeiçoadas para o uso racional dos recursos naturais, que irão ser submetidos a
regulamentos cada vez mais restritivos, circunstâncias que imporão ao técnico e ao ensino a
necessidade de formação mais sofisticada e atualizada permanentemente.
Elementos, portanto, elegíveis de fazerem parte da agenda de discussão das
organizações de pesquisa, ensino e de extensão rural, compondo, assim, o quadro de
características passíveis de incorporação no perfil de extensionistas e consultores técnicos.
Por último, não parece pretensioso afirmar que o debate sobre as características passíveis de
incorporação a um novo perfil do extensionista ou do consultor técnico aqui tratadas, dada a
sua complexidade, deve envolver o concurso de outros atores, especialmente daqueles do
domínio da “Pesquisa agrícola e Sistema educacional”, incumbidos de conceber a agenda de
pesquisa e o conteúdo dos currículos profissionais, discutidos no interior da abordagem dos
SNIA, no capítulo 2.
253
CONCLUSÃO
O conjunto dos argumentos aqui apresentados envolveu a análise do ambiente no qual
interagem o ator central das preocupações deste estudo, a ATER, e os demais atores
responsáveis pelo processo de modernização da agricultura, com destaque especial à pesquisa
agrícola, identificando-se as principais transformações em curso e os desafios mais
importantes que esse ambiente impõe aos atores aqui eleitos.
A conjunção de todos esses elementos permitiu elaborar um conjunto de conclusões, a
seguir detalhadas, que não têm a pretensão de serem definitivas, mas de criarem outros
espaços de reflexão para o futuro da ATER governamental no Brasil.
Inicialmente, é importante reconhecer, à luz do conjunto de elementos aqui discutidos,
que ATER do Brasil sofreu críticas de diferentes matizes ao longo de sua história de quase 70
anos de existência. As críticas caminhavam desde o “assistencialismo alienador”, passando
pelo “produtivismo funcional ao capital”, pelo “descompromisso com os segmentos mais
vulneráveis da agricultura”, pelo “apoio cético e instrumental à Revolução Verde” e a
“contribuição à degradação ambiental”, sendo até apontada como um dos principais
responsáveis pelo “atraso tecnológico” da agricultura familiar brasileira.
A propósito do atraso tecnológico, Buainan (2014) ressalta que suas causas vão além
da questão tecnológica, sendo este apenas um risco a que está submetida a atividade
agropecuária, para ele a razão maior está na própria dinâmica da inovação. Os demais riscos
(político-institucional, financeiro, sanitário, associado à logistica e sociais) estão associados a
essa dinâmica e ao próprio SNIA, na medida em que:
(...) enfrentar tantos riscos não é tarefa de uma instituição isolada; ela exige a
participação de muitos outros atores, que operam ou deveriam operar um verdadeiro
sistema nacional de inovação em um pais como o Brasil. O setor privado tem tido
um papel tão estratégico quanto a Embrapa, mas nem sempre reconhecido, e as
vezes até desestimulado. Universidades e institutos estaduais de pesquisa são
também atores relevantes, mas trabalham separadamente, sem maiores articulações
entre si, mesmo quando respondem diretamente a demanda dos próprios produtores.
Finalmente, a heterogeneidade da agricultura brasileira está a cobrar mecanismos
mais eficazes de transferência de tecnologia e de promoção da inovação para os
milhões de retardatários. (BUAINAIN, 2014, p. 206)
A compreensão da dinâmica da inovação na agricultura (seja tecnológica,
organizacional ou institucional), observada sob a perspectiva da abordagem do Sistema
Nacional de Inovação Agrícola desenvolvida no capítulo 2, aliada aos elementos recolhidos
das experiências dos países visitados, capítulo 4, permitem identificar que, de fato, a ATER
254
governamental no Brasil atravessou e atravessa persistentes crises. Estas, grande parte de
origem externa e outras de âmbito interno ou doméstico, tiveram e continuam tendo a
capacidade de fragilizar a ATER governamental de modo agudo, na maioria das unidades da
federação.
Mas, por outro lado, esse mesmo respaldo teórico do SNIA possibilita concluir que a
ATER governamental brasileira, embora desfrute de uma responsabilidade diferenciada dos
demais atores do SNIA, derivada das suas funções e papéis, características de uma
“instituição-ponte”, não é capaz de, individualmente, produzir todos esses resultados
inspiradores das críticas que lhe são atribuídas.250
Isso porque a plenitude da ação da ATER apenas ocorre a partir do concurso de outros
atores. Esse fato não exime a ATER governamental das suas responsabilidades institucionais
e funcionais, as quais, ao não serem bem executadas ou ausentes, também comprometem o
desempenho não apenas daqueles atores envolvidos diretamente com a ATER (crédito,
pesquisa, governança...), mas, também, produzem efeitos negativos em todo o processo de
modernização da agricultura.251
Para se evitar generalizações imprecisas, é importante registar que o raciocínio acima
não se aplica a uma parte da agricultura familiar brasileira, que é beneficiada pelos serviços
de assistência técnica privada, prestados por cooperativas ou por organizações privadas, a
exemplo dos complexos agroindustriais de aves ou suínos. Estes complexos mantêm sob o seu
comando e controle outras variáveis determinantes do sucesso do negócio, como por exemplo:
insumos, crédito, processamento, logística de transporte, sistema de produção,
comercialização e a própria assistência técnica. O domínio do complexo sobre tais variáveis,
minimiza sensivelmente as dificuldades de governança e coordenação tão presentes em outras
cadeias produtivas. Trata-se, portanto, de uma modalidade de assistência técnica distinta da
ATER governamental, centro da atenção principal desta tese.
Ao se considerar o expressivo contingente de estabelecimentos agropecuários
brasileiros que está à margem do processo de modernização agrícola é razoável concluir, de
início, que o conjunto dos atores do SNIA não cumpriu adequadamente o seu papel, inclusive
a ATER. Se, como visto, uma expressiva maioria desses estabelecimentos não teve acesso aos
serviços governamentais de ATER, como esperar resultados positivos dos outros instrumentos
250
Principais funções de uma “instituição-ponte": operar a difusão de inovação; capacitar e mobilizar produtores;
viabilizar importantes instrumentos de política pública (não apenas agrícola), articular atores públicos e privados,
dentre outras. 251
Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, 76% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil não
receberam orientação técnica de qualquer natureza, pública ou privada.
255
de política se o agente responsável por viabilizar/articular esse acesso não estava disponível
para a grande maioria dos estabelecimentos rurais familiares?
Em essência, a ideia aqui desenvolvida parte das constatações teóricas e daquelas
recolhidas das experiências visitadas nos países selecionados, segundo as quais um sistema de
geração e difusão de inovações tecnológicas para a agricultura para ser efetivo deve estar
organicamente inserido na política de desenvolvimento do país e, por decorrência, na sua
política de ciência, tecnologia e inovação. Desse modo, a ausência de ATER governamental e
de outros instrumentos de política agrícola para um contingente expressivo e majoritário de
estabelecimentos agropecuários pode significar a falta de prioridade de tais políticas à
agricultura familiar.
No Brasil, a inexistência de uma política de desenvolvimento rural, harmonizada com
os objetivos de uma política de CT&I que dialogue com o SNIA, concorreria para reduzir os
resultados daquilo que se poderia denominar de “contradições da política agrícola”. Ou seja,
de um lado, a disponibilidade dos serviços de geração de conhecimento, de assistência
técnica, de crédito rural, de políticas de reforma agrária, de preços de garantia da produção, de
aquisição de produtos e insumos agrícolas, de zoneamento e de seguros etc.; e, do outro lado,
a existência de 3,9 milhões de estabelecimentos rurais excluídos do processo de modernização
tecnológica.
Reforçando esse mesmo sentido, Furtado (1987, p. 242), ao analisar a formação
econômica do Brasil, antevia que:
O processo de integração econômica dos próximos decênios, se por um lado exigirá
a ruptura de formas arcaicas de aproveitamento de recursos em certas regiões, por
outro requererá uma visão de conjunto do aproveitamento dos recursos e fatores no
país. A oferta crescente de alimentos nas zonas urbanas, exigida pela
industrialização, a incorporação de novas terras e os traslados inter-regionais de mão
de obra, são aspectos de um mesmo problema de redistribuição geográfica de
fatores.
Na compreensão deste estudo, o autor se referia aos desafios de longo prazo a serem
exigidos pelo processo de desenvolvimento, ao mencionar o “processo de integração
econômica”, que exigiria a necessidade de uma “visão de conjunto” do país. Em seguida, ao
destacar a necessidade de “ruptura das formas arcaicas de aproveitamento dos recursos”,
indicava a estratégia a ser seguida pelo modelo de desenvolvimento, que significava
valorização da política de ciência e tecnologia ou, no plano mais específico, a introdução do
progresso técnico na agricultura, por exemplo. Portanto, ambas as visões são convergentes ao
entender que a prioridade à CT&I deriva de uma decisão política mais ampla sobre os rumos
256
do processo de desenvolvimento desejado pelos países e, nesta prioridade, para o caso da
agricultura, está necessariamente presente a valorização da pesquisa agrícola e da extensão
rural, como pressupostos para progresso técnico da agricultura.
Spielman & Birner (2008), ao descreverem a sua concepção de Sistema Nacional de
Inovação Agrícola, atribuem à “Articulação com a Política de Ciência, Tecnologia e
Inovação” o mesmo nível de importância às “Articulações com outros setores econômicos” e
às “Articulações com atores internacionais”. Ainda de acordo com a abordagem, essas três
categorias de articulações exercem uma influência direta sobre as “Políticas de Inovação e de
Investimentos”, repercutindo suas decisões e atitudes, num movimento recíproco de
relacionamento sobre os “domínios do conhecimento e da educação”, nos quais se localiza a
pesquisa agrícola, e sobre o “domínio das instituições-ponte”, no qual se verifica a presença
dos sistemas de extensão agrícola, quer sejam públicos, privados ou de outra natureza.
No Brasil agrícola, duas situações antagônicas – uma de extrema modernização (500
mil estabelecimentos rurais) e outra de marginalização tecnológica (3,9 milhões de
estabelecimentos) – revelam uma política de desenvolvimento incapaz de integrar a grande
maioria dos seus estabelecimentos rurais na dinâmica do desenvolvimento agrícola ou
rural.252
Desse paradoxo, o que de se pode concluir é que o sistema não vem operando como
um verdadeiro sistema, inexistindo, dentre outros atributos, articulação, governança e
harmonia entre as políticas de desenvolvimento, de CT&I e de ATER, alvo do interesse desta
tese. Para confirmar essa assertiva, Mendes et al. (2015) ao analisarem a performance recente
do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), coordenado pela Embrapa, concluem
que: “a consequência é a pouca governança efetiva e a execução de um trabalho desarticulado,
pelos agentes do SNPA” (MENDES et al., 2015, p. 176). Esse desempenho exerce
repercussão direta sobre as ações de ATER, por exemplo.
Decorre daí que, dadas as responsabilidades da ATER e a sua proximidade ao produtor
rural, mais que outro ator, o que se pode deduzir é que as fragilidades do sistema apontadas
impactam de modo mais forte a ATER do que os demais atores do SNIA, o que pode
justificar a frequente responsabilização da ATER governamental pelo atraso da agricultura de
base familiar, seu público preferencial de atuação.
252
Reitera-se aqui a afirmação de Buainain et al. (2013), segundo a qual o desempenho da agricultura brasileira
foi positivo, embora reconheçam que o modelo produziu, por outro lado, um “processo discriminatório quanto às
regiões, aos tipos de cultivos favorecidos e aos beneficiários” (BUAINAIN et al., 2013, p. 108).
257
No plano interno ou doméstico da ATER, a reflexão a ser feita a seguir leva em
consideração as discussões anteriores e confronta o conjunto dos desafios com a capacidade
de a ATER incorporá-los como elementos estratégicos de atuação. Ou seja, as reflexões a
seguir buscam resposta à seguinte indagação: à luz dos desafios eleitos e analisados ao longo
desta tese, como se posiciona a ATER governamental do Brasil? Está estruturada para superá-
los? Pode ser considerada uma ATER moderna?
Como preliminar, entende-se que a ATER será moderna hoje na medida em que
possa contribuir efetivamente para a redução da pobreza, para a segurança alimentar, para a
preservação do meio ambiente, para responder a novas demandas (como as relativas aos
biocombustíveis – especialmente a produção de biodiesel, para dar apenas um exemplo),
considerando um cenário de incertezas climáticas. Como resultado, e com o concurso de
outras políticas e de uma orgânica integração com a pesquisa agrícola e com o ensino, espera-
se da ATER moderna uma contribuição eficaz para a inclusão competitiva daquelas unidades
produtivas que se encontram à margem do processo de desenvolvimento agrícola. Como
estratégia central, a ATER moderna deverá privilegiar a difusão dialógica de inovações,
utilizando como ferramentas prioritárias as Tecnologias da Informação e Comunicação na sua
aplicação mais abrangente.
Em sequência, no sentido de se refletir sobre a indagação relativa à estruturação da
ATER governamental brasileira, elabora-se o encontro analítico do conjunto dos oito
principais desafios identificados com a capacidade de a ATER governamental vir a superá-
los. Para tanto, julgam-se pertinentes as seguintes considerações, relacionadas a cada um dos
principais desafios eleitos.
Os impactos das mudanças climáticas sobre a pobreza, a segurança alimentar e a
ATER
As mudanças climáticas e os seus impactos sobre a agricultura e, por decorrência,
sobre a contribuição na redução da pobreza e na promoção da segurança alimentar parecem
ser um dos grandes desafios a ser considerado nas políticas de pesquisa agrícola e ATER
desde “ontem”, como já fazem alguns dos países selecionados.
A possibilidade de mudanças drásticas na disponibilidade e distribuição de água e de
redução das colheitas colocam elementos de extrema importância nas estratégias dos dois
serviços em todo o mundo. No caso do Brasil, há a perspectiva de o aquecimento ampliar-se a
áreas de altas latitudes, incluindo-se aí os hemisférios norte e sul, exigindo novos padrões de
258
agricultura compatíveis com as novas temperaturas, além dos novos padrões de umidade e de
stress de água. A possibilidade de impactos sobre as regiões semiáridas do planeta adiciona
um elemento de preocupação ainda maior para o Brasil, que se localiza na região semiárida do
nordeste brasileiro. Sobre esse tema, é absolutamente claro e grave o que descreve o estudo de
Marengo et al (2011, p. 415):
Mudanças climáticas no Brasil ameaçam intensificar as dificuldades de acesso à
água. A combinação das alterações do clima na forma de ausência ou escassez de
chuva acompanhada de altas temperaturas e altas taxas de evaporação e com
competição por recursos hídricos pode levar a uma crise potencialmente catastrófica,
sendo os mais vulneráveis a população mais carente, como os agricultores do
semiárido.
Embora o semiárido brasileiro não seja homogêneo, abrigando situações
agroclimáticas diferenciadas, é nesta região onde se concentra um elevado número de
estabelecimentos rurais. No total, mais de 1,7 de milhão de estabelecimentos agropecuários,
quase 33% em relação ao total no país, e mais de 6,3 milhões de pessoas ocupadas na
agropecuária, 38,3% do total do país, segundo o Censo Agropecuário de 2006. Estes, em sua
imensa maioria, estabelecimentos de base familiar, que estão à margem do processo de
tecnificação agrícola. Ou seja, hoje, esse grupo de estabelecimentos já se constitui em um
desafio monumental, que acrescido da perspectiva dos impactos das mudanças climáticas
torna-se um desafio dramático para toda a sociedade, em especial para a pesquisa e ATER
públicas.
De modo mais específico, o estudo de Marengo et al. (2011, p. 414) apresenta
prováveis impactos das mudanças climáticas no nordeste semiárido, em dois cenários, um
otimista e outro pessimista, identificados a partir dos resultados do Relatório de Clima do
INPE:
- aumento de 3 ºC ou mais na temperatura média e reduções nas chuvas de até 3 a 4
mm dia (20 a 50%) deixariam bem mais secos os locais que hoje têm déficit hídrico
agravando ainda mais a seca no semiárido;
- uma frequência maior de dias secos consecutivos e de ondas de calor decorrente do
aumento na frequência de veranicos;
- alto potencial para evaporação no Nordeste, combinado com o aumento de
temperatura, causaria diminuição da água nos lagos, açudes e reservatórios e nas
vazões dos rios, levando a uma redução da produção de energia elétrica nas usinas
do rio São Francisco;
- a área atualmente ocupada pelo semiárido poderia estender-se geograficamente no
futuro, de forma particular na região que compreende o norte da Bahia, o leste do
Piauí e o oeste de Pernambuco;
- o semiárido nordestino ficaria vulnerável a chuvas torrenciais e concentradas em
curto espaço de tempo, resultando em enchentes e graves impactos sócio ambientais;
- a produção agrícola de subsistência de grandes áreas pode tornar-se inviável,
colocando em risco a própria sobrevivência da população;
259
- a caatinga pode dar lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com
predominância de cactáceas; e
- as mudanças climáticas podem ter impactos sociais e econômicos graves, como
aumento do desemprego, especialmente no setor agrícola, problemas de saúde e
aumento de migração para áreas urbanas da região ou para outras regiões.
Em importante relatório, o Banco Mundial (2014) produziu o mais grave alerta acerca
das mudanças climáticas e seus efeitos sobre a agricultura mundial, de modo particular sobre
o Brasil. Em face da sua contundência, o seu teor também merece o destaque da citação a
seguir:
Os riscos de redução da produtividade agrícola e perdas de produção crescem
rapidamente com um aquecimento acima de 1,5°C a 2°C. Nas regiões do Oriente
Médio e África Setentrional e da América Latina e Caribe, caso não haja novas
adaptações, devem ocorrer fortes reduções do potencial produtivo em um cenário
com aquecimento em torno de 2°C. Por exemplo, uma queda de 30% a 70% na
produtividade da soja e um recuo de até 50% no caso do trigo no Brasil, uma
diminuição de 50% do trigo na América Central e Caribe e uma redução de 10% a
50% dessa mesma cultura na Tunísia. (WORLD BANK, 2014, p. 3).
As projeções indicam que a maioria das regiões áridas ficará ainda mais seca, e
maioria das regiões úmidas ficará mais úmida. As reduções na precipitação chegam
a até 20% a 40% no Caribe, América Central, região central do Brasil e Patagônia na
hipótese de 4°C de aquecimento. As condições de secura devem aumentar em mais
de 20%. Se o aquecimento foi limitado a 2°C, as projeções apontam para uma
redução significativa do risco de secas: para um aumento de 1% dos dias com
condições de secura no Caribe e um aumento de 9% no caso da América do Sul. Ao
mesmo tempo, um aumento da frequência e intensidade das ocorrências de extremos
de precipitação é projetado especialmente para o litoral tropical e subtropical do
Pacífico e para o sul do Brasil. (WORLD BANK, 2014, p. 6)
Um exemplo é o declínio da produtividade do trigo na América Central e Caribe,
que pode chegar a até quase 70%. Isso implica que a mudança climática ameaça não
apenas os pequenos produtores e as comunidades rurais e indígenas, mas também os
produtores de commodities (soja, milho) em larga escala, os fazendeiros e o
agronegócio, com repercussões negativas para a segurança alimentar e os preços dos
alimentos na região e fora dela. (WORLD BANK, 2014, p. 9)
Considerando as dificuldades estruturais com que se depara a ATER governamental
aqui analisadas, não se percebe no ATER um movimento nacional forte de estruturação e de
planejamento de médio e longo prazos para enfrentar esse desafio que já apresenta mostras
de estar presente na realidade brasileira: “a seca que assolou a região semiárida nordestina nos
anos 2011 a 2013 foi considerada a mais drástica dos últimos 50 anos, conforme a ONU”. 253
Em harmonia com o que pensa a FAO (2013), esse é um desafio extraordinário para a política
253
Essa mesma fonte adverte que a previsão das Nações Unidas é de que até 2030 quase metade da população
mundial estará vivendo em áreas com grande escassez de água. “Já identificamos a tendência de que as
temperaturas se elevam no mundo acima do normal. Em novembro de 2012 tivemos o mês de número trezentos e
trinta e três em que as temperaturas subiram, seguidamente, acima do normal no século” (ONU). Disponível em:
<http://www.onu.org.br/pior-seca-dos-ultimos-50-anos-no-nordeste-brasileiro-confirma-estatisticas-da-onu-
sobre-escassez/ >. Acesso em: 20 mai. 2014.
260
de CT&I, para os governos e para a sociedade; para os serviços de pesquisa e de extensão
rural uma responsabilidade vital para as próximas décadas.
A relevância do desafio da segurança alimentar e da redução da pobreza num cenário
de mudança climática, dada a sua urgência e possibilidade de impactos dramáticos, instiga a
todos em pensar e contribuir nas melhores estratégias para o seu enfrentamento. A propósito,
em recente relatório patrocinado pelo Word Bank, Hallegatte et al. (2017) afirmam que a
América Latina e o Caribe são uma das regiões do mundo mais prejudicadas pelas inundações
e secas severas provocadas pelas mudanças climáticas. Em média, as perdas causadas por
esses fenômenos chegam a 84 bilhões de dólares por ano. O fenômeno é agravado para os
pobres, tendo em vista que os desastres naturais produzem elevação nos preços dos alimentos,
produtos que por consomem a maior parte da renda dessas pessoas.
Nessa perspectiva, os elementos aqui reunidos devem ser percebidos como uma
contribuição ao debate para a superação do desafio. Ou seja, uma sinalização aos serviços de
ATER governamental que, ao formularem suas estratégias de enfrentamento, não devem
deixar de levar em conta: em primeiro lugar, entender que esse desafio se coloca no âmbito
das políticas nacionais, e não no âmbito setorial de um ou de outro ator. Em segundo lugar,
mesmo sob o comando de uma política nacional que estabeleça prioridade absoluta ao
enfrentamento do desafio, o esforço de todos não admite individualizações; no caso
específico, pesquisa, ATER, ensino e iniciativa privada convém caminharem de forma
articulada, mesmo com objetivos e metas correspondentes à ação de cada ator. Em terceiro
lugar, a organização dos produtores, em cooperativas, associações, condomínios, ou qualquer
outra forma associativa, parece ser a estratégia central que deve anteceder às demais,
permitindo ganhos de escala das iniciativas, racionalidade e agilidade na prestação de serviços
e garantir o protagonismo do público beneficiário. Em quarto lugar, a decodificação de
planos de trabalho conjuntos, porém com responsabilidades individuais, que estabeleçam
áreas e público prioritários de atuação (seguramente não haverá recursos para todos),
monitoramento permanente de experiências nacionais e internacionais relacionadas, criação
de núcleo de inteligência estratégica e criação de um sistema de avaliação e reprogramação
em tempo real. No entanto, antecede à ação operativa a reestruturação institucional dos
atores governamentais, em especial a ATER, no sentido do estabelecimento das condições
funcionais de trabalho adequadas à dimensão do desafio, relativas à qualificação de pessoal,
equipamentos, gestão e recursos financeiros, dentre os centrais.
261
A multifuncionalidade da agricultura e a capacidade da ATER para enfrentar os
desafios decorrentes
Nos países selecionados, acrescidos do Brasil, o que se vislumbra até então são
transformações profundas por que passam a agricultura e o processo de desenvolvimento rural
que, naturalmente, produzem (ou deveriam produzir) impactos consideráveis nos serviços de
pesquisa, de extensão rural e no sistema de ensino. Tais impactos, em última instância,
também se transformam em grandes desafios a serem enfrentados.
O primeiro desses desafios, uma espécie de antevisão que vem dos países
selecionados, trata-se do padrão multifuncional que vem assumindo a agricultura não apenas
na França, mas em toda a Europa. Esse fenômeno vem acompanhado de uma abordagem
denominada de uma “nova ruralidade”, que emerge da crise do modelo produtivista de
modernização agrícola e das transformações recentes do meio rural dos países avançados
(KAGEYAMA, 2008, p. 21).254
Embora sendo um fenômeno de caráter europeu, que tem
exigido novos conteúdos e estratégias da pesquisa e da extensão, já há sinais de sua presença
na realidade brasileira. Os principais elementos que caracterizam a “nova ruralidade”,
recolhidos por Kageyama (2008) da obra de Maria Nazaré Wanderley255
são: (i)
diversificação social- o rural passa a ser atrativo para categorias sociais urbanas, com fins
produtivos, residenciais ou preservacionistas; (ii) relações de complementaridade com o
urbano, ao invés de antagonismo; (iii) crescimento demográfico pela redução da migração
para a cidade e pelos fluxos de atração; (iv) modernização rural - pela elevação das rendas e
pelo acesso às facilidades e conforto de produtos e serviços outrora exclusivos das cidades;
(v) valorização dos patrimônios natural e cultural, que passam a ser fontes de emprego e renda
para a população local (desenvolvimento); (vi) novos papéis aos agricultores que passam a ser
“agricultores territoriais”. Dado o interesse desta pesquisa por “esses novos papéis”, além
daqueles já citados, pois vão demandar estratégias diferenciadas dos serviços de pesquisa e
extensão e do sistema de ensino, vale a citação na íntegra:
Entre as novas exigências do desenvolvimento rural estão a oferta de empregos para
a população rural, a segurança alimentar e a garantia da qualidade de produtos, bem
como a proteção ambiental. Os agricultores deverão contribuir ainda para a
construção e fixação das paisagens rurais e para a guarda e reprodução das tradições
culturais rurais, estendendo suas atividades profissionais para além do núcleo
254
“O conceito de multifuncionalidade responde à ideia de que a atividade agrícola assegura simultaneamente
‘funções’ econômicas, sociais, espaciais e ambientais” (KAGEYAMA, 2004, p. 386). 255
Trata-se do estudo “A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas, ‘o rural’
como espaço singular e ator coletivo”, publicado no ano 2000.
262
produtivo agrícola, tornando-se polivalentes e pluriativos. (KAGEYAMA, 2008, p.
21)
Para o caso brasileiro, Kageyama (2008), utilizando dados da PNAD/2005, apresenta
“Indicadores de Pluriatividade no meio rural para o Brasil e Unidades da Federação”, segundo
os quais, o Brasil possuía 18,4% de domicílios pluriativos, 28% de ocupações não agrícolas e
44,7% dos rendimentos oriundos do trabalho não agrícola. O conjunto de dados trabalhados
levou a autora a concluir que:
A pluriatividade, considerada como uma forma avançada de desenvolvimento
rural e decisiva na redução da pobreza nos países desenvolvidos, não parece
atualmente uma rota promissora para a superação dos problemas enfrentados pelo
desenvolvimento rural da maioria das regiões Brasileiras, apesar do crescimento da
população não agrícola no meio rural nas duas últimas décadas. (KAGEYAMA,
2008, p. 197; grifo nosso)
Adiciona-se à conclusão da autora, o seu argumento de que a atividade agropecuária
ocupa a grande maioria da população rural brasileira, 71% do total de ocupados, embora os
empregos rurais não agrícolas sejam de baixa qualidade, na maioria das regiões, mesmo
assim, os indicadores de pluriatividade já são visíveis no Estados do Rio de Janeiro e São
Paulo (KAGEYAMA, 2008, p. 201).
A crise pela qual ainda passa a Europa deve ter repercutido ainda mais nos padrões
desse novo desenvolvimento rural. As políticas de desenvolvimento, de CT&I e, por
decorrência, de pesquisa e de ATER devem também ter assumido estratégias diferentes para
inserir nos seus cenários a crise recente e que ainda persiste, embora em menor grau.256 Esta é
uma lição importante para a reflexão das políticas de desenvolvimento do Brasil.
Nessa direção, aqui no Brasil, o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel
(PNPB) iniciado em 2004, que tinha como objetivo “a implementação de forma sustentável,
tanto técnica, como econômica, da produção e uso do biodiesel, com enfoque na inclusão
social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda”, parece se constituir
no exemplo mais didático para necessidade de se refletir sobre as políticas de desevolvimento
e suas eventuais contradições.
256
Em comunicado recente, maio de 2015, a Comissão do Parlamento Europeu e outros órgãos informaram que
embora a situação de crise mais grave esteja desaparecendo, mesmo assim a União Européia ainda enfrenta
deficiências subjacentes, como resultado da crise e as tendências de crescimento de longo prazo ainda são
baixas. A situação do emprego está melhorarando gradualmente, devido às reformas implementadas em vários
Estados-Membros nos últimos anos, mas a taxa de desemprego ainda é intoleravelmente alta (9,6%),
adicionalmente, a pobreza e marginalização aumentaram. (Fonte: Communication from the Commission to the
European Parliament, the Council, the European Central Bank, the European Economic and Social Committee,
the Committee of the Regions and the European Investment Bank- Brussels, 13/05/2015, disponível em:
<http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/csr2015/eccom2015_en.pdf>. Acesso em 31 ago. 2015).
263
Duas das principais diretrizes do PNPB eram: (i) a garantia de preços competitivos,
qualidade e suprimento; e (ii) a produção de biodiesel a partir de diferentes fontes oleaginosas
fortalecendo as potencialidades regionais para a produção de matéria prima. A expectativa
inicial gerada foi a de que os produtores familiares de mamona da região nordeste, por
exemplo, (maior produtora nacional) seriam grandes beneficiados pelo Programa, atendendo,
assim, aos objetivos de inclusão social e de redução das desigualdades regionais.
No entanto, segundo Sampaio e Bonacelli (2016, p. 12) o que se pode verificar com o
desenvolvimento do Programa é um distanciamento crescente dos seus objetivos iniciais,
apesar do aumento da produção de biodiesel no país257
:
A soja responde por cerca de 75% da produção brasileira de biodiesel, seguida do
sebo bovino com 20% e o restante fica com o algodão e outros materiais graxos.
Essa composição determina a distribuição da produção com destaque para os estados
importantes na produção de soja, como Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás,
frustrando as expectativas iniciais do programa. (SAMPAIO; BONACELLI, 2016,
p. 12)
Para as mesmas autoras, esse quadro revela a necessidade da construção de condições
tecnológicas e econômicas para a diversificação das matérias-primas na produção de
biodiesel, o que ratifica o desafio permanente que se coloca para a pesquisa agrícola, extensão
e o ensino, além da necessidade de maior organização dos produtores familiares, no sentido
de reivindicar os compromissos dos demais instrumentos de política preconizados pelo
programa.
O exemplo do PNPB reforça a ideia da necessidade de o Brasil conceber políticas
agrícolas e de desenvolvimento consentâneas com os grandes desafios globais (aquecimento
global) e ajustadas aos desafios nacionais (inclusão competitiva da agricultura familiar e
redução das desigualdades regionais). Essa decisão política, por decorrência, promoveu
alterações no planejamento interno da pesquisa e da ATER, no sentido de ajustar-se às
políticas. Mas, por outro lado, o exemplo do PNPB, também evidencia que a concepção e a
execução de políticas contemporâneas não asseguram o alcance pleno dos objetivos
propostos, frustrando, de algum modo, o esforço da pesquisa e minando a credibilidade da
ATER, na medida em que esta assumiu o papel “porta voz” do programa junto aos
agricultores familiares das regiões deprimidas.
257
No Brasil, a produção de biodiesel passou de 69 mil m³ (2006) para 3,9 milhões m³ (2015). Em 2015, as
regiões Centro Oeste (44,4%) e a Sudeste (38,4%) contribuíram com mais de 82% da produção nacional. (Fonte:
ANP. Disponível em:< http://www.anp. gov.br/wwwanp/publicacoes/anuario-estatistico/2441-anuario-
estatistico-2016#Seção 4 ¿ Biocombustíveis>. Acesso em 26 mai. 2017).
264
O conjunto de elementos abordado acima poderia se constituir em um dos caminhos
estratégicos para se lidar com os novos desafios da multifuncionalidade, da agricultura
familiar inclusiva, da presença da mulher na liderança das decisões da unidade produtiva, da
presença das novas disciplinas como aquelas de base ecológica, da questão ambiental, e da
biossegurança, dentre outras, tanto no âmbito privado quanto público.
Ainda com relação ao plano interno, e continuando-se no cotejamento da capacidade
endógena de a ATER governamental enfrentar os desafios postos, cabe a ela um esforço
relevante no sentido de superar antigos obstáculos a uma prática mais moderna, mas que
parecem consolidados na cultura da ATER brasileira. Dentre esses "obstáculos consolidados",
os mais relevantes são analisados a seguir.
A desarticulação entre os Sistemas Educacional, de Pesquisa e de Extensão
De acordo com abordagem do SNIA, o conjunto dos atores que caracteriza o “domínio
do conhecimento”, no qual estão presentes a Pesquisa Agrícola e o Sistema Educacional
(ensino fundamental e técnico), articula-se, numa dimensão dentre várias outras, com os
atores do “domínio dos negócios e das empresas”, por intermédio das “Instituições-ponte”,
caracterizadas como sendo os “canais políticos”, a “plataforma de stakeholders”, as “cadeias
de valor” e o “sistema de extensão”.
No diagrama conceitual proposto por Spielman & Birner (2008) para o SNIA, cabe às
“Instituições-ponte” manter e ampliar fluidez dos movimentos entre o “domínio do
conhecimento” e o “domínio dos negócios e das empresas”. O mesmo diagrama possibilita
visualizar e compreender as articulações que se fazem entre organizações constituídas
individualmente, sendo necessária, portanto, a presença de atores que estabeleçam as “pontes”
entre os dois domínios, daí a razão das “Instituições-ponte”. Assim, fica evidente que o
modelo discutido pelos dois autores é aquele que retrata a grande maioria dos modelos de
sistemas educacionais, dos serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural existentes no
mundo, constituídos em organizações individualizadas. Compreende-se, assim, que as
eventuais dificuldades de integração face ao modelo individualizado são superadas por
intermédio da atuação das "Instituições-ponte".
Entretanto, a literatura é abundante ao identificar casos em que as articulações entre
os três atores (Sistema Educacional, a Pesquisa e a Extensão) são precárias e frágeis,
quando não existentes. No presente estudo, são exemplos dessa afirmação os casos da
Argentina, África do Sul e Brasil, além da existência de casos generalizados de falta de
265
integração constatados nos 89 projetos de desenvolvimento agrícola, liderados pelo Banco
Mundial em 34 países (PURCEL; ANDERSON, 1997, pp. 19-24).
Dos países selecionados, chama-se atenção para o modelo cooperativo de extensão
rural adotado pelos Estados Unidos, criado desde a sua origem sobre o fundamento da
articulação orgânica entre Ensino, Pesquisa e Extensão, cuja matriz do modelo residiu nas
instituições Land-grant colleges. Ao longo dos seus mais de 100 anos de existência, o modelo
dos Estados Unidos, com já mencionado aqui, mostrou-se sólido, estável técnica e
financeiramente. Além disso, o modelo apresentou uma das mais importantes características
de sustentabilidade institucional que é a flexibilidade para compreender e adotar princípios,
objetivos e estratégias renovados, frente aos novos desafios que foram colocados para a
agricultura estadunidense no curso desse mais de um século de existência do serviço
cooperativo de extensão. Mesmo com razões sobejamente positivas, não se cogita aqui propor
a reprodução do modelo dos Estados Unidos a todos os demais países, pois cada contexto é
permeado de particularidades de replicação improvável, mas, por outro lado, não se pode
deixar de constatar que o modelo dos Estados Unidos, que integra sob um mesmo marco
conceitual e institucional o ensino, a pesquisa e a extensão tem dado demonstração de
longevidade, superação e eficácia. Considerando-se, é claro, o contexto histórico, econômico,
social, cultural e político no qual cresceu e se desenvolveu.
Uma outra vertente dessa mesma dimensão que trata da articulação orgânica entre o
sistema educacional, a pesquisa e a extensão pode ser observada nos casos da Argentina e do
Brasil. No caso da Argentina, o INTA é a organização federal que coordena e abriga os
serviços públicos de pesquisa agrícola e de extensão, em todo o país, desde a sua origem.
Sistema que tem presença física em todo o território, por intermédio de estações
experimentais e unidades locais ou regionais. Mesmo abrigando os dois serviços em única
organização, as preocupações e recomendações com a integração entre ambos são
permanentes em todas as fontes oficiais consultadas, ou seja, mesmo constituindo-se numa
única organização, essa condição não garante a tão almejada integração orgânica entre
pesquisa agrícola e extensão.258
Aqui pode ser relembrada a experiência da China, que, de
acordo com o relato de Helene Dillard, à extensão rural caberia beneficiar 900 milhões de
produtores rurais, que representam 70% da população total do país. A reforma, financiada e
liderada pelo governo, priorizou a integração da pesquisa agrícola, da extensão e da educação,
nucleadas em 11 universidades rurais. Como resultados imediatos da reforma tem-se o
258 Disponível em: <http://webiica.iica.ac.cr/bibliotecas/repiica/B2007e/B2007e.pdf>. Acesso em 09 mai. 2017.
266
aumento das práticas de demonstrações de novas tecnologias para produtores em estações
experimentais, o aumento de escolas agrícolas e de centros de treinamento, o incremento do
uso das tecnologias de comunicação para beneficiar produtores com dificuldades de acesso,
dentre outras (DILLARD, 2009, p. 29).
Na Europa, o constante movimento por que passa a agricultura exige também uma
dinâmica de respostas também imediatas, especialmente da assistência técnica, da pesquisa e
do ensino. Ou seja, a articulação desses três atores é cada vez mais exigida e necessária, caso
contrário serão superados por outros atores capazes de prover respostas mais rápidas, de
qualidade e de menor custo. A exemplo do surgimento de inúmeras organizações privadas ou
não governamentais que ocupam lugares outrora ocupados por entes públicos, tais como as
cooperativas, os serviços privados de ATER ou aqueles prestados por ONGs, etc.
pesquisadores e técnicos ligados à assistência técnica terão que conhecer as novas
demandas impostas e construir novos conhecimentos e inovações para serem
discutidos, validados e integrados aos vários sistemas de produção existentes e aos
vários públicos a que se destinam: pequenos e grandes produtores, produtores "part-
time" e "full-time", produtores de produtos orgânicos e convencionais, jovens e
mulheres produtores, enfim, para cada público ou cada sistema de produção há
necessidade de um planejamento e uma estratégia específicos. Em resumo, isso
significa um extraordinário ambiente de mudanças em permanente movimento no
campo das inovações e da criação de competências técnicas, com repercussão direta
não apenas na pesquisa e na assistência técnica, mas também no ambiente das
instituições de ensino, exigindo que todos sejam capazes de apresentar e/ou construir
respostas para as demandas dos variados sistemas de produção e dos distintos
públicos produtor e consumidor (LABARTHE; LAURENT, 2013a, p. 21; tradução
nossa).
Ainda para Labarthe e Laurent (2013a), as novas exigências colocadas pela imposição
de novos padrões e regulação, que também têm origem nos estados nacionais, “aumentam a
complexidade da gestão de sistemas de produção e geram novas necessidades de
conhecimento agronômico e inovação” (LABARTHE; LAURENT, 2013a, p. 21). 259
No caso do Brasil, esse quadro de falta de competências e habilidades é provável que
também venha a ocorrer nos serviços de ATER governamental em muitos estados, tendo em
vista duas razões principais: (i) a inexistência de um processo de formação e aperfeiçoamento
profissional de qualidade e continuado; e (ii) a incidência de inúmeros casos de profissionais
contratados por intermédio da prática das “terceirizações” ou dos regimes de contratação
temporária. Essas duas modalidades são ainda mais deficientes em relação à qualificação
259
Como decorrência dessas exigências, os países da União Europeia (U.E.) passam a ter a obrigação de criar
Farm Advisory Systems (FAS), com o objetivo de garantir que cada agricultor possa se beneficiar do
conhecimento adequado para cumprir com os diferentes padrões criados pela U.E. relativos às questões
ambiental, social e sanitária.
267
profissional dos profissionais efetivos, em face de uma estrutura das organizações
terceirizadas, no geral, ainda em formação, influenciadas severamente pela variabilidade
temporal dos contratos, nunca superior a um período de governo, quatro anos. É oportuno
constatar que, em levantamento realizado pelo autor junto às organizações governamentais de
ATER, das 27 unidades da federação, no período 2014 a 2017 (abril), verificou-se a
realização de apenas cinco concursos para cargos efetivos de extensionistas de nível médio e
superior, totalizando 300 e 507 vagas respectivamente, num universo de 16.000 extensionistas
em todo o país.260
Assim, conclui-se que, se o objetivo a ser perseguido é a competitividade da
agricultura nacional, os sistemas governamentais de pesquisa agrícola e de ATER devem se
posicionar em espaços organizacionais nos quais as articulações que facilitem ou acelerem o
alcance desse objetivo possam ser desenvolvidas. Em resumo, a necessidade de uma relação
sistêmica e orgânica entre Ensino, Pesquisa e Extensão, no sentido mais amplo é uma questão
a ser enfrentada de imediato, sobretudo pela ATER governamental, em face, principalmente,
dos questionados resultados obtidos até agora pelo modelo atual.
Persistência do modelo linear/ofertista
Dos modelos adotados pelos serviços de pesquisa agrícola e de extensão aqui
analisados, registre-se que apenas nos casos dos Estados Unidos e da França não se percebeu
a presença do modelo linear/ofertista. No caso brasileiro, o caráter linear/ofertista do processo
de modernização agrícola, segundo o qual a pesquisa gera, a extensão rural difunde e o
produtor adota/rejeita a tecnologia, ainda prevalece hoje na esmagadora maioria dos modelos
públicos de geração e difusão em uso nos estados brasileiros e, portanto, no país.
As raízes desse modelo estão de há muito fincadas na economia brasileira, como
lembra Bonacelli (2013): “A política de C&T no Brasil entre os anos 50 e 90 do século XX
foi fortemente baseada na concepção linear do processo de inovação, permeada pelos ideais
desenvolvimentistas dos anos 1950 e dos anos 1970”.
Em que pesem as várias críticas, algumas já referidas em capítulos anteriores, como as
de Castro (1984), faz-se justo assinalar que, nos anos 1970, o modelo linear, liderado pela
260
Os cinco estados que realizaram concurso para extensionista de cargo efetivo foram: Acre (2014; 170 vagas);
Mato Grosso (2014; 225 vagas); Paraná (2014; 400 vagas); Rio Grande do Sul (2014; 11 vagas); Distrito Federal
(2016; 1 vaga).
268
Embrapa e Embrater, apoiado no crédito rural e usando como estratégia a difusão dos
“pacotes tecnológicos”, contribuiu para resultados expressivos para a agricultura brasileira. A
produção de grãos, entre 1965 e 1980, partiu de 25,1 para 49,9 milhões de toneladas, com
destaque para a soja, que, de uma produção quase inexistente em 1965, passa para 112,85
milhões de toneladas, na safra 2016/2017, ficando atrás apenas dos Estados Unidos com
117,21 milhões de toneladas, na mesma safra.261
Sousa (1993), com base em dados obtidos de ampla pesquisa que objetivava
compreender melhor as origens definidoras de um problema de pesquisa, caso da pesquisa
pública agropecuária no Brasil, admitia que: "é muito provável que a maioria das instituições
de C&T agropecuária ainda esteja exercitando o modelo centrado na sua capacidade de ofertar
tecnologia e informação agropecuária” (SOUSA, 1993, p. 186)262
. Para Castro (2005, p. 35), o
sucesso do modelo linear residia muito mais na oferta abundante do crédito, alimentado por
significativos subsídios, do que na eficiência do próprio modelo. Nessa mesma linha de
raciocínio, Scholottfeldt, em 1991, já advertia que:
O grande subsídio creditício viabilizou a adoção desses pacotes por segmento de
produtores que tinham acesso ao crédito, independentemente do retorno econômico
”real” que pudessem ter em condições normais de produção e mercado. Este fato
proporcionou uma certa legitimidade ao modelo “linear” de geração e transferência
de tecnologia, em que a pesquisa “gerava”, a extensão “transferia” e produtor
“adotava”, nessa ordem, um determinado pacote tecnológico. Este, por sua vez, era
desenhado para substituir inteiramente o sistema de produção em uso, o que só era
possível, evidentemente por força do subsídio, exceto em alguns casos
especialíssimos.
Poucos notavam na época, a artificialidade socioeconômica desse sistema de
mudança tecnológica nas condições do País e a sua perigosa e crescente dependência
das finanças públicas, que, no final, foram fatores decisivos para sua falência aqui e
em outras partes do mundo. (SCHLOTTFEDT, 1991, p. 102)
A persistência do modelo linear/ofertista também já havia sido apontada como
elemento de retardamento do processo de inovação em pesquisa mais ampla liderada pelo
Banco Mundial sobre o desempenho de sistemas nacionais de pesquisa agrícola e de extensão
rural em países em desenvolvimento, fundamentado numa amostra de 89 projetos, executados
261
Na safra 2016/2017, os Estados Unidos cultivaram uma área de 33,48 milhões de hectares, obtendo uma
produtividade de 3.532 kg/ha, enquanto o Brasil, na mesma safra, cultivou 33,92 milhões de ha e obteve 3.327
kg/ha. Disponível em: <ftp://ftp.p.
iibge.gov.br/Producao_Agricola/Levantamento_Sistematico_da_Producao_Agricola_[mensal]/Fasciculo/lspa_20
1704.pdf > e <https://apps.fas.usda.gov/psdonline/circulars/production.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2017. 262
O universo dessa pesquisa, formulada em 1985, abrangeu 5598 pesquisadores do setor público agropecuário
do Brasil, de diferentes especialidades, vinculados aos governos federal e estaduais e universidades. A amostra
dos pesquisadores respondentes à pesquisa foi de 1091 questionários (SOUSA, 1993, p 77).
269
em 34 países, durante a década de 1980 e início dos anos 1990.263
A contribuição de Stokes
(2005) parece extremamente elucidativa ao considerar que no âmago dessa questão está a
relação entre a ciência, a tecnologia e a inovação. Para ele, na raiz do problema ainda está o
modelo linear vinculado ao paradigma do pós-guerra. A passagem da forma de pensar do
paradigma estático para o dinâmico reside no fato de se perceber que: “Embora o modelo
linear considerasse os avanços da ciência como determinando integralmente o
desenvolvimento da tecnologia, vimos que o relacionamento entre ambos é muito mais
interativo, com a tecnologia exercendo às vezes uma poderosa influência sobre a ciência”
(STOKES, 2005, p. 137).
A interpretação e uso do modo linear parecem, portanto, explicar também a razão das
dificuldades “ocultas” em se operar modelos mais interativos entre a pesquisa agrícola e a
extensão rural governamentais, simbolicamente aqui traduzidas como as instâncias da ciência
básica e da inovação tecnológica, respectivamente.
Em síntese, e por todas as evidências aqui analisadas, não parece demasiado concluir
que o modelo linear ainda é aquele prevalecente na grande maioria dos modelos
governamentais de ATER no Brasil (por razões já mencionadas no capítulo 2), o que contribui
para a falta de integração, algo de reconhecimento quase unânime.
Gestão institucional e organizacional da ATER: outra lacuna
Ainda no âmbito interno, um ponto a ser considerado nesse quadro de reflexões que
busca repercutir o questionamento central desta tese se relaciona à gestão institucional e
organizacional da ATER governamental no Brasil. Para atender a esse propósito, a discussão
se desenvolverá em duas instâncias analíticas: do modelo de gestão e da localização da
coordenação nacional de ATER.
Gestão institucional e organizacional é aqui compreendida sob os mesmos
pressupostos colocados por Salles-Filho e Bonacelli (2007) para se referirem ao modelo
gerencial, relacionando-o: à forma de se fazer pesquisa e extensão, à forma de a pesquisa e
extensão se articularem com os demais atores presentes no SNIA, à forma de se comunicarem
com a sociedade e à forma de exercerem influência na concepção das políticas que lhe dizem
respeito. Nesse propósito, é elucidativo e ainda atual o estudo promovido pelo Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos-CGEE (de 2006), destinado a analisar a possibilidade de
263
Os países estudados localizavam-se nos cinco continentes, com representação menor na Ásia Oriental e
Central, exceto a Turquia.
270
ampliar o esforço do Brasil na pesquisa agropecuária, que partiu da constatação de que uma
parcela significativa da pesquisa agropecuária pública estadual se encontrava
institucionalmente muito debilitada, especialmente aquela parte que estava atuando junto com
a ATER em uma única organização:
(...) a junção da pesquisa a outras atividades relacionadas a diferentes culturas
institucionais, diferentes temporalidades e visualização de retornos e diferentes
percepções de substituibilidade, como a da pesquisa estadual, percebida como
substituível pela de Centros da EMBRAPA, produz resultados fortemente negativos
à atividade de pesquisa no âmbito da organização estadual. Os estados, entretanto,
são livres para fazer suas escolhas, sendo recomendado que: onde houver
multifuncionalidade, seja a pesquisa tratada com equidade. (CONSEPA, 2006, p.
16)
Outra conclusão importante trazida pelo mesmo estudo do Consepa (2006) diz respeito
à maneira como as Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuárias (OEPAs) estão
organizadas: “as formas jurídicas, por exemplo, segundo as quais estão constituídas,
espraiam-se entre quase todo o conjunto de formas possíveis existentes na legislação
brasileira”, esta situação se aplica também aos modelos de ATER, conforme demonstra o
Quadro 5, que atualizou para 2016 os dados oferecidos pelo Consepa em 2006 (CONSEPA,
2006, p. 119).
Quadro 5 – Formatos jurídicos dos órgãos públicos estaduais de “Pesquisa Agrícola”,
“ATER” e “Pesquisa & ATER” no Brasil (2016)
Formatos Jurídicos Número de organizações nas
unidades da Federação
Empresas públicas de direito privado 15
Autarquias 16
Fundação pública 01
Órgãos da administração direta 02
Agências 03
Associação 01
TOTAL 38
Fontes: Elaboração própria, com base em Asbraer (2016) e sites dos governos estaduais (2016)
Os formatos jurídicos, como aponta o Quadro 5, contemplam a maioria da variedade
prevista na legislação brasileira, com uma leve predominância das "autarquias" de direito
privado, sobre as “empresas públicas” que são o segundo formato mais prevalente, os dois
271
formatos totalizam quase 80% do universo. Em seguida estão as “agências” e “órgãos da
administração direta”, e por último, uma “fundação” e uma “associação”.264
Quanto à articulação entre pesquisa e ATER, no interior das organizações que abrigam
os dois serviços, o estudo é ainda mais direto e revelador:265
“A reunião de pesquisa e ATER
na mesma entidade não tem assegurado a sua integração, porquanto as duas áreas, o mais das
vezes, se mantêm desarticuladas, com diretorias que, na prática, não se comunicam. Quase
sempre resulta em prejuízo para área de pesquisa” (CONSEPA, 2006, p. 119).
No capítulo das recomendações, o estudo do Consepa afirma que as Oepas deverão:
“intensificar a cooperação entre pesquisa e extensão rural, com foco na alimentação de
informação à pesquisa e na disseminação das tecnologias por elas desenvolvidas”
(CONSEPA, 2006, p. 15).266
Tal recomendação, por um lado, soa curioso especialmente para
as Oepas que abrigam a ATER numa única estrutura, por tratar-se de algo redundante, por
outro, pressupõe um ambiente no qual predomina o modelo linear, o que reforça a conclusão
anterior.
Adicionalmente, o mesmo estudo reconhece que a crise das Oepas não era recente,
tendo sido objeto, em 1998, de avaliação coordenada por Albuquerque e Salles-Filho (1998),
solicitada pela Embrapa, que apontava caminhos para impulsionar a integração dentro do
"sistema Oepas", recomendações que não foram seguidas e que mais adiante produziram
ainda mais deterioração (CONSEPA, 2006, p. 22). No caso da ATER governamental, o
diagnóstico da Asbraer, entidade que representa as entidades governamentais estaduais, não é
diferente daquele apontado para a pesquisa como se pode constatar pela afirmação a seguir:
Há entidades em três estágios diferentes: entidades com capacidade de gestão e
trabalho, com quadro de pessoal renovado, passivos judiciais e trabalhistas
resolvidos, e estão investindo na modernização gerencial; entidades que estão se
reestruturando, tendo adotado iniciativas de modernização e dinamização, mas ainda
de forma incipiente; e, entidades que ainda necessitam definir seu papel e sua
situação institucional. Sendo que estas duas últimas são as que necessitam de maior
atenção e apoio. (ASBRAER/ABER, 2010, p. 17)
O que o diagnóstico não detalha é o número de organizações em cada estágio; todavia,
ao se avaliar pelos posicionamentos do próprio MDA à época, já discutidos, não seria
264
A APTA, embora “agência” na designação, trata-se de órgão da administração direta. 265
No caso do estudo, as organizações que abrigavam pesquisa e ATER eram nove unidades. 266
A propósito desta recomendação, registre-se que já em 1982, portanto, 24 anos antes da recomendação do
Consepa, a Embrapa e a Embrater formalizaram conjuntamente um documento importante denominado
“Diretrizes para Articulação Pesquisa-Extensão”, cujo objetivo, claramente identificado pelo título, era o de
instrumentalizar e viabilizar a “integração institucional tão necessária” (EMBRAPA-EMBRATER,1982, p. 3).
272
demasiado afirmar que a grande maioria das organizações de ATER governamental no Brasil
está atualmente localizada nos dois últimos estágios do estudo da Asbraer/ABER (2010).
Nesse âmbito, o documento Asbraer/ABER (2010) aponta como fragilidades relevantes no
sistema da ATER governamental a necessidade de renovação do quadro de colaboradores, a
abundância de passivos judiciais e trabalhistas e a indefinição de papéis e situação
institucional de algumas das entidades estaduais. A partir dessa constatação da entidade
representante do sistema é possível chegar-se a outra conclusão: que o processo de “revisão
dos modelos “institucionais e gerenciais” proposto por Salles-Filho e Bonacelli (2007) para a
pesquisa pública também possa ser aplicada, ainda hoje, ao caso da ATER pública
governamental.
À questão da gestão institucional se soma uma outra de conteúdo correlato, que
também repercute de forma negativa no desempenho da ATER governamental no Brasil, que
é instabilidade na localização institucional da sua coordenação nacional.
Toda a discussão empreendida até aqui apoiada nas reflexões sobre a história da
ATER no Brasil é repleta de inúmeras e variadas inversões de prioridades, sempre submetidas
ao humor do dirigente da época. Isso demonstra uma certa vulnerabilidade da ATER,
enquanto sistema, que tem na sua essência o processo educativo como valor central e que
requer tempo para um sólido aprofundamento teórico para a sua maturação, transformação e
visualização de resultados. Sem esse tempo adequado, o sistema perde eficácia e se desgasta a
cada mudança inspirada em razões, muitas vezes, conjunturais ou repentinas. As mudanças na
coordenação nacional do serviço público de ATER foram inúmeras ao longo desses quase 70
anos, passando do Ministério da Agricultura em 1990, para a Embrapa, voltando ao
Ministério da Agricultura, daí para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e deste para a
Casa Civil da Presidência da República, em 2017.
É muito provável que essas inúmeras e frequentes mudanças da coordenação da
nacional da ATER contribuíram de modo negativo no desempenho e na credibilidade da
instituição ao longo desses últimos 25 anos. Isso se deve ao fato de que as inúmeras e
frequentes mudanças da coordenação da ATER acarretaram perdas de sinergias,
descontinuidades, interrupção na execução de projetos, incongruências na política de
valorização de pessoal, danos na imagem, efeitos danosos nas unidades da federação, falta de
perspectivas de longo prazo, pouca atratividade no ingresso de novos profissionais, dentre
outros prejuízos. Dentre estes, está aquele que atribui à ATER uma grande parte da
responsabilidade sobre a falta de modernização tecnológica de expressiva quantidade de
273
estabelecimentos rurais brasileiros, essencialmente aqueles de base familiar. Ou seja, essa
crítica também possui razões oriundas do ambiente interno à ATER.
A instabilidade na localização da coordenação nacional revela também uma falta de
clareza de como o setor público brasileiro percebe a ATER como instrumento útil de política
agrícola, pois tem sistematicamente negligenciado o aproveitamento de todo o seu potencial
de atuação. Por potencial de atuação entenda-se explorar pouco a sua capacidade de
interpretar demandas, de contribuir na validação e adaptação e de difusão de tecnologias, de
interiorizar políticas (crédito rural, preços, insumos, seguro, etc.), de mobilização, de
capacitação e qualificação de produtores rurais, dentre outros importantes atributos. A história
recente da ATER governamental brasileira aqui relatada demonstra a ATER percebida muito
mais como um instrumento de política de governo do que como instrumento de política de
Estado, apesar de todo o seu respaldo constitucional. 267
Atualmente, a coordenação nacional de ATER está localizada na Secretaria Especial
de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), estrutura da Casa Civil da
Presidência da República. A criação da Anater, em 2013, voltou a reabrir o debate, que durou
mais de um ano, sobre a melhor localização da coordenação nacional da ATER: se MAPA ou
o antigo MDA. Neste momento, a Anater está vinculada também à Casa Civil da Presidência
da República.
No âmbito das experiências visitadas, uma chama atenção: nos Estados Unidos, como
já mencionado, os dois serviços públicos (pesquisa e extensão) estão, desde a sua origem,
localizados numa única instituição, que é a Universidade, desde 1914, ou seja, há mais de um
século.
No Brasil, dois ministérios cuidam da agricultura, as coordenações nacionais dos
serviços públicos de extensão rural e de pesquisa agrícola sempre atuaram em organizações
distintas. Entretanto, as mudanças na coordenação da pesquisa foram menos intensas do que
na ATER. A Embrapa, criada em 1973, permanece até hoje vinculada ao Ministério da
Agricultura, apresentando um razoável grau de autonomia técnica e gerencial, política
consistente de valorização e qualificação de pessoal, o que tem produzido junto com outros
fatores, prestígio e credibilidade elevados, tanto dentro quanto fora do país.
Diante dessas sobejas evidências, conclui-se que a instabilidade na localização da
coordenação nacional da ATER no Brasil, além de ter contribuído negativamente com as
267
O intenso uso de terceirizações de serviços finalísticos de ATER por vários estados da federação é um
exemplo dessa afirmação.
274
dificuldades atuais, sinaliza também no sentido do comprometimento da governança e
coordenação no âmbito do SNIA.
Atualizando o perfil do extensionista
A natureza e a dimensão das transformações e desafios que se colocam à agricultura,
inevitavelmente, exigem uma nova postura dos agentes de ATER. Essa nova postura se
expressa, principalmente, na necessidade de ampliação dos conteúdos técnicos que esses
agentes haverão de dominar. Tais conteúdos, na sua grande maioria, extrapolam áreas do
conhecimento tradicional da produção vegetal ou animal. Eles transitam na área de gestão, na
área negocial, assim como, nas áreas da organização social da produção e da articulação
institucional, dentre outras. A exigência de conteúdos multidisciplinares, por certo, implicará
na composição ou recomposição de equipes extensionistas de perfil também multidisciplinar.
As “visitas” aos países selecionados ajudam a compreender e a antecipar cenários
relativos aos conteúdos técnicos passíveis de serem agregados ao perfil do extensionista
brasileiro. Nesse sentido, um primeiro conteúdo possivelmente útil ao perfil extensionista
será o de atuar de modo integrado e articulado com demais atores do SNIA, como forma de
potencializar o seu trabalho e o trabalho dos demais atores. As circunstâncias postas à
agricultura criam expectativas no produtor de que o extensionista vai orientá-lo quanto à
prospecção e atração de novos negócios, que possam oferecer melhores condições de vida
comunitária. Na nova postura, o extensionista ou a equipe de extensionistas deve desenvolver
uma visão sistêmica de todo o negócio agrícola, ultrapassando a visão tradicional focada
apenas na dinâmica interna da unidade produtiva. É frequente perceber que grande parte dos
obstáculos à modernização de uma propriedade agrícola, não raras vezes, está localizada fora
dela.
Outra exigência que se tornou permanente e que deve compor o perfil extensionista é a
preocupação e ação com a difusão de tecnologias que promovam o uso racional e eficiente
dos recursos naturais: água, solo e biodiversidade. Por outro lado, o perfil extensionista deve
também incorporar conteúdo que promovam o uso mais eficiente dos serviços ambientais
(reciclagem de resíduos, suprimento de água, qualidade da atmosfera etc.). Antecipando o que
vem se exigindo dos agentes de assistência técnica na Comunidade Europeia, não seria
ilusório pensar em proporcionar ao perfil dos agentes de ATER brasileiros o desenvolvimento
de competências relacionadas aos marcos regulatórios pertinentes às questões ambientais,
agroindustriais, de segurança e qualidade alimentar e de saúde do trabalho, dentre as mais
275
centrais. Adicione-se a esses atributos, as competências relativas às modernas práticas do
empreendedorismo e da identificação de novos negócios, tais como aqueles oriundos dos
processos de “identificação geográfica”, dentre muitos outros.268
Os desafios aqui debatidos e as lições extraídas dos países selecionados suscitam
outros importantes atributos que devem ser considerados quando da configuração de um perfil
extensionista: manejo de questões ligadas às mudanças climáticas; emergência da liderança
feminina nos negócios agrícolas; abordagem territorial; conhecimento operacional de políticas
agrícolas; dentre outros atributos. Junte-se a isso o necessário conhecimento e domínio de
novos instrumentos e máquinas, desde os correspondentes às TICs (softwares interativos,
plataformas integradoras de programas e sistemas, entre inúmeros outros), até instrumentos de
precisão agrícola, veículos não tripulados, máquinas autônomas, rastreamento por satélite,
para citar alguns exemplos.
O trabalho em redes é hoje nos ambientes que lidam com ciência quase que uma
exigência funcional. Os pesquisadores já estão mais habituados a essa nova forma de
relacionamento, mas os extensionistas precisam explorá-la mais. Não é sem razão que Salles-
Filho e Bonacelli (2003) já anteviam, com relação à pesquisa e à biotecnologia, que:
O avanço da moderna biotecnologia altera forma e conteúdo do desenvolvimento científico e
tecnológico. Altera a forma de se fazer pesquisa pelos seus requisitos de escala que, sendo crescentes,
exigem a mobilização de conjuntos cada vez maiores de competências - as redes de pesquisa e de
inovação estão no coração da organização da biotecnologia. Altera conteúdo por introduzir um novo
universo de investigação de causas e efeitos na construção da vida. É, ao mesmo tempo, uma
transformação quantitativa e qualitativa.269
Por fim, as discussões sobre a incorporação de novos atributos ao perfil do
extensionista brasileiro devem corresponder a um esforço preliminar das instituições de
Ensino, no sentido de promover as respectivas mudanças curriculares, respaldando e
preparando teoricamente a ação de pesquisadores e extensionistas.
268
“A indicação geográfica (IG), hoje regulamentada no Brasil pela Lei de Propriedade Industrial (BRASIL,
1996), é um instrumento de propriedade intelectual utilizado por diversos países, direcionado à proteção e
valorização de produtos tradicionais vinculados à sua origem de produção” (JUK; FUCK, 2015, p. 187). 269
Disponível em:< http://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/agronegocio/15.shtml>. Acesso em 27
mai. 2017.
276
Os impactos da Pnater e da Anater
A expectativa com o advento da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) era de que parte das
dificuldades vivenciadas pela ATER fosse enfrentada e removida e que a ATER
governamental fosse beneficiada. Todavia, o que se pode concluir é que criação da Pnater,
embora considerada um marco institucional dos mais relevantes na história recente da ATER
no Brasil, não a exime de ter provocado efeitos adversos importantes na ATER
governamental brasileira.
O primeiro deles foi o fato de ter ignorado a necessidade provocar um processo de
reestruturação vigoroso na ATER governamental, de modo que esta, reestruturada,
contribuísse na grande tarefa da Pnater de se constituir em instrumento eficaz de
desenvolvimento rural sustentável, qualificando e modernizando a ATER, a agricultura
familiar e outros públicos marginalizados do progresso técnico. A necessidade de
reestruturação na ATER governamental na maioria das unidades da federação não era algo
desconhecido do antigo MDA, instância que era responsável pela coordenação da Pnater,
como se observa pela clareza e gravidade expressas no texto MDA/SAF/Dater (2007)
denominado "Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (2007)", a seguir:
A consequência desse processo de afastamento do Estado e diminuição da oferta de
serviços públicos de ATER ao meio rural e à agricultura aparece, hoje, evidenciada
pela comprovada insuficiência destes serviços em atender à demanda da agricultura
familiar e dos demais povos que vivem e exercem atividades produtivas no meio
rural, principalmente nas áreas de maior necessidade, como as regiões Norte e
Nordeste. Com isso, restringem-se as possibilidades de acesso das famílias rurais ao
conhecimento, aos resultados da pesquisa agropecuária e a políticas públicas em
geral, o que contribui para ampliar a diferenciação a exclusão social no campo.270
Diante dessa evidência e com a urgência de beneficiar um maior número produtores
familiares e outros públicos marginalizados do processo de modernização, a Pnater optou por
estimular de forma massiva a inserção de organizações não governamentais para ampliarem a
prestação de serviços de ATER. Esta decisão, apesar de eficiente na ampliação da quantidade
de beneficiários e na execução orçamentária não assegurou, pelo menos de imediato, a
melhoria plena da qualidade da assistência prestada pelas ONGs. Resultado já esperado e algo
natural de ocorrer na medida em que grande parte dessas organizações ainda não havia
270
Disponível em: <http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/Pnater.pdf>. Acesso em 19
mai. 2014.
277
acumulado as devidas competências e estruturação necessárias para desenvolver tarefa de
relativa complexidade, especialmente quando se refere à vertente educativa.
Por outro lado, o estímulo vigoroso à ampliação da presença da ATER não
governamental ampliou a concorrência pelos recursos federais finitos, tornando-os ainda
mais escassos à ATER pública governamental. O pressuposto parecia ser o de que, ao
competir por importantes recursos com outras organizações não governamentais mais ágeis e
modernas, a ATER governamental, instada a lutar por sua sobrevivência, se tornaria também
mais ágil, moderna e competitiva ou então estaria fora do mercado. Na prática, essa estratégia
não se verificou. Isso porque esta lógica parece não ser a mais apropriada para recuperar uma
instituição com esse tipo de perfil da ATER, no qual a presença do investimento público é
vital. Ou seja, a estratégia de aumentar a concorrência para melhorar a qualidade do serviço
prestado, exitosa nas telecomunicações, serviços bancários, serviços administrativos, por
exemplo, devem compreender a diferenciação e a complexidade do perfil de serviços ligados
à CT&I para se obter resultados semelhantes. Neste caso, para o Brasil, estão a pesquisa
agrícola, a extensão rural e o ensino, onde o aumento da oferta de instituições privadas de
ensino superior não superou de imediato o padrão de qualidade da universidade pública.
Donde se conclui que o perfil de cada serviço deve ser observado com profundidade e à luz da
realidade local, sob pena de a estratégia de simples substituição do governamental pelo não
governamental poder não produzir os resultados esperados.
O segundo impacto adverso produzido pela Pnater na ATER é percebido ao se
verificar que o contexto atual da ATER governamental na maioria dos estados da federação
continuou caracterizado como de baixo índice de renovação de pessoal, elevado número de
funcionários terceirizados, idade média avançada, insuficiência de programas de
desenvolvimento de pessoas (envolvendo qualificação, política salarial, ascensão funcional,
etc.), acúmulo de volumosos passivos trabalhistas, obsolescência de modelos de
relacionamento com ambiente da inovação e de modelos de gestão, além de marcado por um
fluxo de ingerências políticas, geralmente de baixa qualidade, abrangente e perigosamente
crescente. Ou seja, contexto de debilidades importantes, prevalecente antes da instituição da
Pnater. Como decorrência da redução dos investimentos públicos, houve ao longo dos anos
uma deterioração da infraestrutura física (unidades físicas, centros de treinamento para
técnicos e produtores, fazendas experimentais, laboratórios, bibliotecas etc.) e de
equipamentos básicos para a atuação da ATER. Muito mais grave quanto, a deterioração
atingiu, na maioria da ATER governamental, a falta de investimentos na capacitação de
pessoal e na criação e ampliação de uma infraestrutura de suporte às novas tecnologias da
278
informação e comunicação, infraestrutura vital a qualquer processo de modernização
organizacional.271
O que se pode concluir é que a Pnater, ao ignorar esse cenário, ou pelo
menos em não influenciar na sua reversão, optando por uma estratégia de buscar novos
parceiros, aprofundou a fragilidade da ATER governamental, um ator que, se revitalizado,
poderia contribuir qualitativamente no alcance dos ambiciosos objetivos daquela política.
Ao lado da Pnater, a Anater se constitui no fato mais relevante ocorrido na história
recente da ATER pública. Embora criada em 2013, a nomeação da sua primeira diretoria
executiva só veio a ocorrer em junho de 2015. Por essa razão, a discussão pretendida fica
frustrada, tendo em vista a debilidade de resultados da sua atuação até o presente momento,
haja vista o tempo decorrido para a nomeação da diretoria e, em seguida, a mudança de
governo, o que provocou novas mudanças no quadro diretivo.272
E o protagonismo dos produtores?
Do ponto de vista da reestruturação da ATER, outro elemento diferenciador da
experiência de extensão rural de países como a França, Estados Unidos e Argentina é, sem
sombra de dúvidas, o protagonismo dos produtores nos destinos das instituições. Dentre os
países selecionados, os casos dos Estados Unidos e da França apontam na direção do papel de
protagonismo dos produtores rurais como fator de equilíbrio dos modelos de pesquisa agrícola
e de extensão rural, participando não apenas nas grandes decisões, mas, sobretudo, quando
dos momentos de crise ou de questionamento pelos quais passaram e passam esses dois
serviços em várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, em sua própria concepção original
foi estabelecido o caráter cooperativo que deveria marcar o serviço, não apenas dirigido ao
processo de tomada decisão, mas, também, no compartilhamento do financiamento.
Ao se buscar outras experiências no plano mundial, observa-se que a participação dos
produtores e das suas demandas nas agendas, principalmente das organizações de pesquisa
agrícola, foi também estudada por Agbamu (2000) para uma amostra de sete países com
diferentes níveis de desenvolvimento: Indonésia, Japão, México, Nigéria, Coreia do Sul,
Tanzânia e Tailândia. Destes, apenas o modelo de pesquisa e de extensão do Japão foi
271
Curiosamente, ainda hoje há muitas unidades da ATER governamental localizadas no interior do país que não
dispõem de canais de comunicação via web. 272
O novo presidente da Agência Nacional de Assistência Técnica Extensão Rural (Anater), Valmisoney
Moreira Jardim, foi nomeado 16/12/2016, em substituição a Paulo Guilherme Cabral que havia sido nomeado em
junho de 2015 e exonerado em dezembro do mesmo ano. Ou seja, mais uma vez, a Anater permaneceu 6 meses
sem Presidente titular.
279
considerado como aquele que proporcionava maiores espaços para a participação dos
produtores nas decisões não apenas da pesquisa, mas também da extensão. As razões para
essa performance, na visão do autor, estão relacionadas ao fato de, no Japão, a pesquisa e a
extensão se encontrarem no mesmo status de importância e estarem juntas numa única
organização, cuja base da maior oferta dos serviços e do processo de tomada de decisão se
localiza nos estados, ou seja, o modelo adotado é do tipo preconizado pela abordagem
“bottom-up”. No mesmo estudo, o autor esclarece que, no geral, as decisões sobre a seleção
dos problemas e demandas dos produtores, como temas anuais de pesquisa, são concluídas ao
nível dos estados, por intermédio de um comitê composto por pesquisadores, administradores,
especialistas, extensionistas, pessoas de notório conhecimento e representação de produtores.
A instância nacional, embora não esteja envolvida diretamente, participa dessas discussões
oferecendo sugestões sobre temas de pesquisa ainda não resolvidos e do interesse do
Ministério da Agricultura (AGBAMU, 2000, p. 6).
No caso da França, a presença da representação dos produtores rurais como
coordenadores do sistema público de extensão rural talvez possa explicar porque aquele
país foi o que menos, em toda a Europa, empreendeu mudanças radicais no serviço de
extensão, mudanças quase sempre na direção da extinção, privatização ou terceirização dentre
outras. Sobre o protagonismo dos produtores no âmbito da pesquisa agrícola, Purcel e
Anderson (1997, p. 32; tradução nossa) assim se posicionavam:
A pesquisa, para ser eficaz, deve ser baseada nas necessidades expressas pelos
clientes e responder a elas. Ao adotar esse conceito, o Banco, invariavelmente,
poderia fazer mais pelos países tomadores de seus empréstimos, no sentido de
orientá-los sobre como envolver os produtores na concepção e avaliação da pesquisa
(...).
No caso do Brasil, o serviço público de pesquisa, liderado pela Embrapa, possui na sua
estrutura organizacional o Conselho Nacional Assessor (CNA), cuja função é assessorar a
empresa na coordenação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA)273
. O CNA
possui na sua composição, de 15 membros, dois representantes dos produtores rurais: um
indicado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e um
indicado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Embora seja um espaço
importante, ainda está distante do protagonismo praticado na França ou nos Estados Unidos.
No caso da ATER, a Sead, substituta do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), antigo coordenador deste serviço, conta na sua estrutura com o Conselho de
273
Disponível em: <http://www.Embrapa.br/a_Embrapa/direcao/cons_ass>. Acesso em 11abr.2015.
280
Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF).274
Neste colegiado, foi constituído um
órgão assessor, denominado de Comitê de ATER, que é um dos componentes do Sibrater,
formado por representantes das Redes de ATER, organizações da agricultura familiar e do
governo. O seu objetivo principal é: “apoiar o Dater na definição de diretrizes, prioridades e
projetos do Programa Nacional de ATER (Pronater), formular e propor estratégias visando a
implementação da Pnater e a qualificação e universalização dos serviços públicos de
assistência técnica e extensão rural (MDA)”.275
O Comitê de ATER, criado em 2004 por meio da Resolução n° 40 do CONDRAF, é
composto por 31 membros, dos quais seis são representantes dos produtores rurais e
pescadores, além de dois representantes da comunidade quilombola e outro dos indígenas. Os
demais, 23 membros, representam o setor público federal ou estadual e entidades não
governamentais e, como no caso da pesquisa agrícola, as representações dos produtores
presentes nos colegiados têm a função principal de assessoramento, distantes, portanto, de
uma posição de maior destaque e influência sobre os destinos das instituições.
Assim, resta concluir que a prática do protagonismo dos principais usuários e
beneficiários, razão de ser das organizações de pesquisa e de ATER, embora possa ser
considerado elemento de sustentabilidade institucional em vários países, no Brasil e
principalmente na ATER, ainda se insere no plano meramente burocrático, particularmente
nos estados da federação, espaço no qual se efetiva a ação da ATER.
As "curvas de aprendizado” do ATER
Sobre o fluxo de conhecimento e de informação que é produzido e acumulado no
interior das organizações de pesquisa e de extensão ao longo dos anos, cabem algumas breves
ponderações, por se considerar um atributo institucional relevante no enfrentamento de cada
desafio anteriormente posto.
A primeira está relacionada a uma possível analogia com a abordagem “do avanço
tecnológico cumulativo” apresentada por Nelson e Winter (2005), segundo a qual “em muitas
histórias de tecnologias, o novo não é apenas o melhor do que o velho; de certa forma, o novo
274
Disponível em:
<http://www.mda.gov.br/portal/condraf/arquivos/view/resolu-es-
condraf/35.%20Regimento%20Interno%20do%20CONDRAF.%20(formato%20pdf).pdf>. Acesso em 11 abr.
2015. 275
Disponível em: <http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/programas/assistenciatecnica/2301269>. Acesso
em 11 abr. 2015.
281
evolui a partir do velho”. Uma explicação dos autores estaria no fato de que o produto dos
mecanismos de buscas de hoje não é simplesmente uma nova tecnologia, mas, sim, o aumento
do conhecimento que servirá de base para novos avanços amanhã (NELSON; WINTER,
2005, p. 371). Do mesmo modo, os autores asseguram que tanto quanto os produtos, os
processos também evoluem, valem-se, para tanto, do conceito de “curvas de aprendizado” de
W.Z. Hirsch (1952, p. 374), que destacava três tipos de mecanismos pelos quais se dava a
evolução dos processos: “os trabalhadores aprendem a fazer melhor as suas tarefas; a
administração aprende a se organizar com mais eficiência e os engenheiros aprendem a
redesenhar o produto para facilitar as tarefas e para substituir o trabalho, onde for possível e
econômico fazê-lo.”
A segunda consideração diz respeito à possibilidade de que o conhecimento
acumulado ao longo dos anos esteja moldado por determinados limites que norteiam a própria
evolução tecnológica, o que N. Rosenberg denominou de “imperativos tecnológicos”. Nelson
e Winter (2005) caracterizam esses caminhos evolutivos, quando tratam de uma tecnologia
específica, como “trajetórias naturais”; mas quando de caráter mais genérico, os dois autores
cunharam o termo “regime tecnológico”. Eles admitem aproximarem-se do conceito de “meta
função de produção”, utilizado por Hayami e Ruttan, ao tratarem da agricultura, para se
referirem a uma “fronteira de aptidões realizáveis, definida em suas dimensões econômicas
relevantes, limitada por restrições físicas, biológicas e outras, dentro de uma maneira
genericamente definida de fazer as coisas” (NELSON; WINTER, 2005, p. 375).
Em termos mais gerais, Malerba e Orsenigo (1996, 1997) admitem que um regime
tecnológico seja composto por condições de oportunidade e de apropriabilidade, graus de
cumulatividade de conhecimento tecnológico e de características de relevante conhecimento
de base (MALERBA, 2002, p. 252). Ou seja, o conjunto de conhecimentos acumulados,
obtido a partir de processos de interação e aprendizado, mesmo moldado pelos “regimes
tecnológicos” pode ser considerado como ativos intangíveis de grande valor para as
organizações de pesquisa e extensão. Noutras palavras, esse conjunto de conhecimentos
acumulados pode se constituir em elemento de expressivo valor para os avanços da P&D não
apenas no plano tecnológico, mas, também, como elemento de aprimoramento das
articulações e integração entre os atores de um sistema de inovação na agricultura, que
envolvem, por exemplo, as relações com os mercados, com o ambiente das políticas e do
ensino.
282
Em meados da década de 1990, Possas, Salles-Filho e Silveira (1994) propuseram uma
interpretação do processo de inovação tecnológica na agricultura, respaldando-se em alguns
conceitos dinâmicos da Economia da Inovação, observados pela visão evolucionária,
demonstrando e revelando, assim, um apropriado referencial teórico para a análise da
inovação também no ambiente agrícola. O estudo avança na análise da complexidade do
regime tecnológico, explicada a partir das interpretações relativas às trajetórias tecnológicas,
assim como, na análise das transformações conjunturais do regime e discute a formação de
novas trajetórias no futuro (POSSAS; SALLES-FILHO; SILVEIRA, 1994, p. 9).
A "antecipação" do futuro também parece não se constituir em algo relevante para as
organizações de ATER governamental. O que se pode concluir sobre a frágil capacidade
estratégica de os serviços governamentais de ATER internalizarem nas suas culturas uma
preocupação permanente com os mecanismos de se anteciparem aos desafios, em harmonia
estreita com a política de CT&I, e demais atores do SNIA, criando estratégias de diálogo para
a conversão da preocupação em ação. Na percepção da tese, essa se configura uma outra
lacuna importante no ambiente atual da ATER governamental brasileira. No entanto, não se
pode creditar essa lacuna ao despreparo tão somente da ATER. O que parece ser o maior
desafio é vencer a prática imediatista das políticas governamentais, na maioria das vezes, com
horizontes temporais iguais aos períodos de um governo, prazos incompatíveis com os
calendários para a boa formação de cientistas, especialistas, concepção e execução de bons
projetos de pesquisa e de criação de infraestrutura adequada ao enfrentamento dos desafios.
A partir da reflexão do conjunto de elementos aqui reunidos e na tentativa de uma
resposta à questão central formulada na introdução e que balizou todo o esforço analítico
desta tese, a conclusão síntese que emerge é a de que a ATER governamental brasileira, em
que pese a longa folha de serviços prestados à agricultura do país ao longo de quase 70 anos
de existência formal, parece não estar, no momento atual, devidamente estruturada para
enfrentar os principais desafios atuais e futuros postos à agricultura brasileira.
Esta afirmação é justificada pela presença na cena agrícola de complexos desafios,
como aqueles aqui analisados, de novos atores, novos conteúdos e novas disciplinas, que
não foram devidamente observados e muito menos incorporados na dinâmica da grande parte
da ATER governamental do país, por razões de natureza endógena e exógena, conforme
examinado. Todavia, as competências e habilidades acumuladas ao longo da sua história e,
sobretudo, a sua intimidade com a realidade do produtor rural, possibilitando-lhe incorporar
um conhecimento valoroso da realidade agrícola, se constituem num capital intangível
diferenciado e privilegiado no conhecimento da agricultura brasileira. Esses elementos,
283
denominados por W.Z. Hirsch como "curvas de aprendizado", não devem ser
negligenciados em qualquer esforço nacional, integrado e moderno, de promoção da
competitividade da agricultura e na inclusão competitiva de segmentos historicamente órfãos
do progresso técnico.
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APÊNDICE A – Instituições públicas federais e estaduais de “PESQUISA”, “ATER” e
“ATER + PESQUISA” no Brasil, por Estado e Grande Região, 2016.
REGIÕES/
ESTADOS PESQUISA ATER ATER + PESQUISA
REGIÃO NORTE
Acre – AC U.D. Embrapa Acre Emp. de Assistência Técnica
Extrativista Rural do Acre (EMATER)
Amapá – AP U.D. Embrapa Amapá Instituto de Desenvolvimento Rural do
Amapá-RURAP
Amazonas – AM U.D. Embrapa Amazônia Ocidental
Escritório Embrapa da Amazônia
Instituto de Desenvolvimento
Agropecuário e Floresta Sustentável do
Estado do Amazonas (IDAM)
Ceplac - Gerência de Desen. da
Região Cacaueira do Amazonas
(GERAM)
Pará – PA U.D. Embrapa Amazônia Oriental Emp. de ATER do Pará
(EMATER-PA)
Ceplac - Superint. de Desen. da
Região Cacaueira do Pará (SUEPA)
Roraima – RR U.D. Embrapa Roraima Departamento de ATER de Roraima
(DATER/RR)
Rondônia-RO U.D. Embrapa Rondônia Emp. de ATER de Rondônia
(EMATER-RO)
Ceplac - Superint. de Desen. da
Região Cacaueira de Rondônia
(SUERO)
Tocantins – TO U.D. Pesca e Aquicultura Instituto de Desenvolvimento Rural do
Tocantins (RURALTINS/TO)
REGIÃO NORDESTE
Alagoas – AL
Instituto de Inovação para o
Desenvolvimento Rural
Sustentável de Alagoas
(Emater - AL)
Pernambuco – PE Escritório Embrapa Petrolina
U.D. Embrapa Semiárido
Instituto Agronômico de
Pernambuco
(IPA/ PE)
Piauí – PI U.D. Embrapa Meio Norte Instituto de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Piauí (EMATER)
Bahia – BA U.D. Embrapa Mandioca e Fruticultura
Superintendência Baiana de
Assistência Técnica e Extensão Rural
(Bahiater)
Ceplac-Superintendência de
Desen. da Região Cacaueira da
Bahia (SUEBA)
Ceará – CE
U.D. Embrapa Agroindústria Tropical
U.D. Embrapa Caprinos e Ovino
Emp. de ATER do Ceará (Emater-CE)
Maranhão – MA U.D. Embrapa Cocais
Escritório- Embrapa - de Imperatriz
Agência Estadual de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural
do Maranhão (AGERP/MA)
Paraíba – PB
Emp. Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba
(Emepa)
U.D. Embrapa Algodão
Escritório Embrapa de Campina Grande
Emp. de ATER da Paraíba (EMATERs
PB)
Rio G. do Norte – RN Emp. Pesquisa Agropecuária do Estado do RN
(EMPARN)
Instituto de ATER do Rio G. do Norte
(EMATER- RN)
Sergipe – SE U.D. Embrapa Tabuleiros Costeiros
Emp. de Desenvolvimento
Agropecuário do Sergipe
(EMDAGRO/SE)
REGIÃO CENTRO-OESTE
Mato Grosso – MT U.D. Embrapa Agrossilvopastoril
Escritório- Embrapa de Rondonópolis
Emp. Mato-Grossense de
Pesquisa, Assistência e Extensão
Rural S/A (EMPAER/MT);
Ceplac-Gerência de Desen. da
Região Cacaueira do Mato
Grosso (GEREM)
Mato Grosso .do Sul –
MS
U.D. Embrapa Agropecuária Oeste
U.D. Embrapa Gado de Corte
U. D. Embrapa Pantanal
Escritório Embrapa de Dourados
Agência de Desenvolvimento
Agrário e Extensão Rural
(AGRAER/MS)
Goiás – GO U.D. Embrapa Arroz e Feijão
Escritório Embrapa de Goiânia
Agência Goiana de Assistência
Técnica, Extensão Rural e
Pesquisa Agropecuária–Emater
Distrito Federal – DF
U.D. Embrapa Agroenergia
U.D. Embrapa Café
U.D. Embrapa Cerrados
U.D. Embrapa Hortaliças
U.D. Embrapa Informação Tecnológica
U.D. Embrapa Produtos e Mercado
U.D. Embrapa Quarentena Vegetal
U.D. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
Escritório Embrapa de Brasília
Emp. de ATER do Distrito Federal
(Emater DF)
APÊNDICE A-(cont.) Instituições públicas federais e estaduais de “PESQUISA”,
“ATER” e “ATER + PESQUISA” no Brasil, por Estado e Grande Região, 2016
Fonte: Autor, a partir de ASBRAER (2016), Embrapa, governos estaduais e Ceplac.
REGIÃO SUDESTE
Espírito Santo – ES
Instituto Capixaba de Pesquisa,
Assistência Técnica e Extensão
Rural (INCAPER);
Ceplac- Gerência de Desen. da
Região Cacaueira do Espírito
Santo (GERES)
Minas Gerais – MG
Emp. de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
(EPAMIG);
U.D. Embrapa Gado de Leite
U.D. Embrapa Milho e Sorgo
Escritório Embrapa de Sete Lagoas
Escritório Embrapa do Triângulo Mineiro
Empresa de ATER do
Estado de Minas Gerais
(Emater MG)
São Paulo – SP
Agência Paulista de Tecnologia
do Agronegócio (APTA)-Regional
Instituto Agronômico (IAC)
Instituto Biológico (IB)
Instituto de Economia Agrícola (IEA)
Instituto de Pesca (IP)
Instituto de Zootecnia (IZ)
Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital)
U.D. Embrapa Gestão Territorial
U.D. Embrapa Informática Agropecuária
U.D. Embrapa Instrumentação
U.D. Embrapa Meio Ambiente
U.D. Embrapa Monitoramento por Satélite
U.D. Embrapa Pecuária Sudeste
Escritório Embrapa de Campinas
Coordenadoria de
Assistência Técnica
Integral de São Paulo
(CATI/SP)
Rio de Janeiro – RJ
Emp. de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de
Janeiro (PESAGRO-RIO)
U.D. Embrapa Agrobiologia
U.D. Embrapa Agroindústria de Alimentos
U.D. Embrapa Solos
Emp. de ATER do Rio de
Janeiro (Emater RJ)
REGIÃO SUL
Paraná – PR
Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR)
U.D. Embrapa Florestas
U.D. Embrapa Soja
Escritório Embrapa de Londrina
Escritório Embrapa de Ponta Grossa
Instituto Paranaense de
Assistência Técnica e
Extensão Rural –
EMATER
Rio G. do Sul – RS
Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária do
Estado do Rio Grande do Sul (FEPAGRO)
U.D. Embrapa Clima Temperado
U.D. Embrapa Pecuária Sul
U.D. Embrapa Trigo
U.D. Embrapa Uva e Vinho
Escritório Embrapa de Capão do Leão
Escritório Embrapa de Passo Fundo
Associação Riograndense
de Empreendimentos de
Assistência Técnica e
Extensão Rural
(Emater RS)
Santa Catarina – SC U.D. Embrapa Suínos e Aves
Escritório Embrapa de Canoinhas
Emp. de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina
S/A (EPAGRI)