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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
BEATRIZ FERREIRA SILVA
METADISCURSIVIDADE EM ENTREVISTAS: A INSCRIÇÃO
DE MANO BROWN NO CAMPO JORNALÍSTICO
CAMPINAS,
2015
BEATRIZ FERREIRA SILVA
METADISCURSIVIDADE EM ENTREVISTAS: A INSCRIÇÃO DE
MANO BROWN NO CAMPO JORNALÍSTICO
Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de
Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas para obtenção do título de Mestra em
Linguística.
Orientadora: Profª. Drª. Anna Christina Bentes da Silva
Este exemplar corresponde à versão
final da Dissertação defendida pela
aluna Beatriz Ferreira Silva e orientada pela Profª. Drª. Anna Christina Bentes da Silva
CAMPINAS,
2015
Para Maria Genoveva (in memoriam) e Maria,
minhas avós. Mulheres batalhadoras, cujas
histórias e a gana de viver tanto me inspiram.
AGRADECIMENTOS
Nos momentos de finalização do trabalho, vejo que a gratidão cotidiana, aquela que
nos acompanha de maneira difusa e nos dá o ânimo para seguir, ganha a forma das pessoas com
as quais convivi e que me ajudaram de tantas e diferentes formas ao longo desses mais de dois
anos.
À Anna Christina Bentes, agradeço primeiramente. Para além do aprendizado
acadêmico, pelas oportunidades que tem me dado, por sua presença autêntica, gentil,
inspiradora a seus alunos e orientandos. Também pela compreensão, pelo apoio e pelos
conselhos ao longo desse tempo, nos momentos de dificuldades que enfrentei. Devo a nossa
convivência muito do amadurecimento que posso ter tido.
Aos meus pais, Terezinha e Paulo, marco o agradecimento constante, eterno, por
tudo. São as pessoas que sempre se dedicaram a mim, mesmo que isso significasse renúncias.
Foi por meio deles que primeiramente tomei conhecimento da Linguística enquanto área de
estudo pela qual eu parecia ter alguma afinidade. Intencionalmente ou não, sempre me indicam
os caminhos... Quero expressar minha gratidão também ao Victor e ao Renan, meus irmãos,
sobretudo pela curiosidade que sempre desenvolvemos juntos em relação às coisas, aos eventos,
aos temas do mundo. São duas presenças intrínsecas em mim, não importa a distância.
Ao Guilherme, o Preto, o agradecimento mais difícil de ser posto em palavras: seu
apoio aos meus sonhos tem se dado sob todas as formas possíveis. Seu amor tem sido meu
motivo mais feliz para tentar, todos os dias, ser uma pessoa melhor.
À Rafaela Mariano, amiga que admiro intensamente, obrigada mil vezes! Pelas
vezes em que me socorreu, pela parceria de sempre, pelos momentos em que compartilhamos
nossos sonhos. Que alegria é poder ter sua amizade!
Para Marianna, Cássia, Gabriela, José Rodolfo os agradecimentos são muitos e
felizes. Amigos com quem dividi 4 casas, em 2 cidades, além de conversas, aflições, conquistas,
em diferentes momentos desses últimos oito anos.
Aos professores Renato Cabral Rezende, Rosane Alencar e Mário Augusto
Medeiros da Silva, agradeço profundamente pela leitura do trabalho e pela disposição em
discuti-lo, apesar do pouco prazo para que o fizessem. Sinto-me honrada pela colaboração
desses pesquisadores!
Agradeço também à Profª. Edwiges Morato pelo valioso conhecimento que me
transmitiu em suas aulas ao longo desse tempo, bem como pelas discussões enriquecedoras
sobre meus trabalhos. Aos colegas do grupo COGITES, meu muito obrigada pela acolhida nas
reuniões das quais tenho participado e pelas discussões interessantes que o trabalho conjunto
proporciona.
Sinto-me agradecida, ainda, pelo convívio com os amigos e colegas pesquisadores
José Cláudio Vasconcelos da Silva, Cláudia Goulart Morais, Vivian Cristina Rio Stella, Cássia
Michela Alves Nogueira, e Lívia Granato, cujas pesquisas colaboraram muito para minha
formação. Um último agradecimento, pelos momentos de discussão de meus trabalhos, devo
ainda à Profª. Vivian e ao Prof. Renato – e fico alegre em perceber que esses pesquisadores que
admiro são interlocutores de meu trabalho desde a graduação.
Muito obrigada também a Capes, cujo apoio institucional no financiamento da
pesquisa garantiu minha oportunidade de dedicação e execução do trabalho.
A todos esses, meus mais sinceros agradecimentos. Faço uma prece para que o
tempo conceda a cada um os sonhos que têm buscado.
“(...) Meu sonho é coletivo, agora se eu descolar
uma casa no meio do mato para ouvir um som e
pá, é um sonho nem tão distante que eu gostaria de
realizar. Mas a maioria dos meus sonhos são
coletivos, o que eu quero é difícil, eu quero pra
muita gente.”
(Mano Brown, revista Rap Nacional)
“(...) Compreender é primeiro compreender o
campo com o qual e contra o qual cada um se fez.”
(Pierre Bourdieu, Esboço de auto-análise)
RESUMO: O presente trabalho busca compreender as funções da metadiscursividade como
recurso textual-discursivo presente na produção textual de Mano Brown em duas entrevistas do
campo jornalístico, concedidas ao programa Roda Viva (TV Cultura, 2007) e ao programa Papo
com Benja (L!TV, 2011). Para isso, partimos dos estudos textuais-interativos sobre a
autorreflexividade e sua materialização no metadiscurso (KOCH, 2004; RISSO E JUBRAN,
1998; LIMA, 2009), bem como sobre os trabalhos de Bourdieu (1989a [1975]; 1989b; 1996
[1994]; 1997 [1996]) acerca da noção de campo social e dos mecanismos de organização do
campo jornalístico. A nosso ver, a metadiscursividade consiste em um recurso textual-
discursivo por meio do qual Mano Brown, agente representativo e prestigiado no movimento
hip hop e no campo da produção cultural da periferia, busca lidar com a interação no decorrer
das entrevistas, mas também com sua posição e representação no campo jornalístico. Nossa
hipótese é de que sua participação nas entrevistas selecionadas é marcada por expedientes
metadiscursivos cujas funções estão associadas aos tópicos discursivos em questão e à posição
do entrevistado no interior do movimento hip hop e no campo da produção cultural da periferia.
Para a investigação dessa hipótese, percorremos, primeiramente, os escritos de Bourdieu na
obra Sobre a televisão (1997 [1996]). Além disso, dedicamo-nos a uma observação dos modos
de socialização de Mano Brown (Cf. SILVA, 2012), haja vista que, embora sua trajetória faça
com que disponha de prestígio e representatividade no campo da produção cultural da periferia
e no movimento hip hop, a nosso ver, não deixa de incidir sobre o rapper uma estigmatização
(GOFFMAN, 1988 [1963]) decorrente de sua posição de liderança e de um posterior contato
com outros campos, como o jornalístico. Nossos passos metodológicos envolveram uma
discussão sobre a metadiscursividade em entrevistas jornalísticas e uma reconstrução dos
contextos jornalísticos que compõem nossas amostras. Foram feitos levantamentos dos
expedientes metadiscursivos produzidos por Mano Brown nas entrevistas selecionadas, com
vistas a analisar a incidência desses recursos nos diferentes tópicos discursivos desenvolvidos
nos programas. A partir desses passos, dedicamo-nos às análises de exemplos característicos da
produção do metadiscurso na fala do rapper em alguns tópicos discursivos. As conclusões
demonstram uma manifestação contínua da reflexividade de Mano Brown em ambas as
entrevistas, seja para discutir os pressupostos, perspectivas e valores expostos nas falas dos
entrevistadores, seja para se posicionar sobre diversas questões. Além disso, as análises indicam
a participação do metadiscurso nas tomadas de posição de Mano Brown, sobretudo quando
tópicos que versam sobre sua representatividade ou sua estigmatização são instaurados nessas
entrevistas.
Palavras-chave: Metadiscurso – Entrevistas - Campo social - Teoria da prática - Linguística
Textual.
ABSTRACT: The purpose of this study is to understand the metadiscourse functions as a
resource on Mano Brown’s speech, in two journalistic interviews granted for TV shows: Roda
Viva (TV Cultura, 2007) and Papo com Benja (L!TV, 2011). To that end, text/interactive studies
related to self-reflexivity and its materialization in metadiscourse (KOCH, 2004; RISSO AND
JUBRAN, 1998; LIMA, 2009), and the studies of Bourdieu (1980; 1989a [1975]; 1989b; 1991;
1996 [1994]; 1997 [1996]) regarding the notion of social field and the organization mechanisms
of the journalistic field were used as a start point to the research. Within this study,
metadiscourse is considered a resource from which Mano Brown – representative and renowned
player of the hip hop movement and the periphery’s cultural production field –, in the course of
the interviews, tries to handle not only his interaction, but his position and representation in the
journalistic field. To research this assumption, Bourdieu’s book, On Television (1997 [1996]),
was used as early reference. Furthermore, Mano Brown’s modes of socialization were also
observed (Cf. SILVA, 2012), considering that, although his trajectory provides him with
prestige and representation in the cultural production field of the periphery and the hip hop
movement, to our understanding, it does not seize to impose on the rapper a stigmatization
(GOFFMAN, 1988 [1963]) resulting from his leadership position and from a later contact with
other fields, such as journalistic. The study methodolgy includes a discussion on the
metadiscourse in journalistic interviews and a reconstruction of the journalistic contexts that
form the samples here used. A survey was performed on the metadiscursive resources present
in these interviews, particularly the ones produced by Mano Brown, to analyze the occurrence
of such resources within the different discourse topics developed in the shows. From these steps,
analyses were performed on characteristic examples of the metadiscourse production in the
rapper speech, regarding a number of discourse topics. Our conclusions demonstrate an ongoing
manifestation of Mano Brown’s reflexivity in both interviews, whether to discuss the
assumptions, perspectives and values present in the interviewers’ speech, or to set his position
on a number of matters. Furthermore, the multiple analyses indicate that metadiscourse takes
part in Mano Brown’s position statement, especially when topics related to his reflexivity or
stigmatization are brought into these interviews.
Keywords: Metadiscourse – Interviews - Social field - Practice theory - Text Linguistics.
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13
1. SOBRE A NOÇÃO DE CAMPO SOCIAL E O CAMPO JORNALÍSTICO ............. 20
1.1 Propriedades da noção de campo social ....................................................................... 21
1.2 Sobre o papel da linguagem e do metadiscurso nos campos sociais ............................ 27
1.3 O campo jornalístico segundo a visão de Pierre Bourdieu ........................................... 34
1.4 Mecanismos de organização do campo jornalístico na visão bourdiana ...................... 39
1.5 Algumas conclusões ..................................................................................................... 43
2. METADISCURSIVIDADE EM ENTREVISTAS: SOBRE AS CATEGORIAS DE
ANÁLISE, OS RECORTES METODOLÓGICOS E A CONTEXTUALIZAÇÃO DO
CORPUS ................................................................................................................................... 45
2.1 A metadiscursividade como dispositivo analítico de entrevistas jornalísticas ............. 45
2.2 Dos recortes metodológicos.......................................................................................... 53
2.2.1 Seleção e transcrição das amostras de entrevista.......................................................... 53
2.2.2 Identificação e seleção dos expedientes metadiscursivos............................................. 56
3. RECONSTRUINDO O CONTEXTO SOCIAL: A TRAJETÓRIA DE MANO
BROWN E AS ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS .............................................................. 60
3.1 Representatividade e estigmatização de Mano Brown ................................................. 62
3.2 O negro drama: trajetória de Mano Brown no campo da produção cultural da periferia .
...................................................................................................................................... 71
3.3 A inscrição de Mano Brown no campo jornalístico ..................................................... 82
3.4 Reconstruindo o contexto das entrevistas ..................................................................... 90
3.4.1 O programa Roda Viva ................................................................................................. 91
3.4.2 O programa Papo com Benja...................................................................................... 103
3.5 Algumas conclusões ................................................................................................... 111
4. EXPEDIENTES METADISCURSIVOS: RECURSOS TEXTUAIS-DISCURSIVOS
NA FALA DE MANO BROWN EM ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS ......................... 116
4.1 Analisando o programa Roda Viva de 24/09/2007 ..................................................... 117
4.1.1 Tópicos desenvolvidos no programa .......................................................................... 117
4.1.2 Expedientes metadiscursivos presentes na fala de Mano Brown no programa Roda
Viva .................................................................................................................................... 123
4.1.3 Expedientes metadiscursivos nas falas dos entrevistadores do programa Roda Viva.146
4.1.4 Distribuição dos expedientes metadiscursivos nos diferentes supertópicos do programa
Roda Viva ............................................................................................................................... 149
4.1.5 Algumas conclusões ................................................................................................... 151
4.2 Analisando o programa Papo com Benja de 06/2011 ................................................ 152
4.2.1 Tópicos desenvolvidos no programa .......................................................................... 152
4.2.2 Expedientes metadiscursivos presentes na fala de Mano Brown no programa Papo
com Benja ............................................................................................................................... 158
4.2.3 Expedientes metadiscursivos presentes na fala do entrevistador no programa Papo
com Benja ............................................................................................................................... 170
4.2.4 Distribuição dos expedientes metadiscursivos nos supertópicos do programa Papo com
Benja .................................................................................................................................... 175
4.2.5 Algumas conclusões ................................................................................................... 177
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 179
BIBLIOGRAFIA: ................................................................................................................... 185
ANEXOS ................................................................................................................................ 193
13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como ponto de partida o contato entre as proposições
teóricas da Linguística Textual, enquanto disciplina integrativa voltada para a produção textual,
e conceitos formulados nos estudos da teoria da prática, de base sociológica. Tomaremos como
princípio a ideia de que é preciso, mesmo de dentro da pesquisa e da análise linguística,
reconhecer que os fenômenos linguísticos não são apenas linguísticos stricto sensu, de modo
que nosso campo de estudo, a depender dos interesses de pesquisa, possa recorrer a teorias de
base social mais forte com vistas a dar conta, em alguns níveis, da complexidade das ações de
linguagem, quer sejam mais cotidianas ou mais institucionalizadas.
Na construção desse ponto de contato, parecem fundamentais as asserções de
autores como Koch (2004: 175), ao afirmar que
(…) a Linguística Textual vem-se tornando, cada vez mais, um domínio
multidisciplinar, em que se busca compreender e explicar essa entidade
multifacetada que é o texto – fruto de um processo extremamente complexo
de interação social e de construção social de sujeitos, conhecimento e
linguagem.
Os postulados de Koch (2004) sobre os rumos da Linguística Textual enquanto
disciplina aventam a ideia de que, sendo a língua uma dimensão social e a própria condição de
sociabilidade, recebe a chancela para tratar daquilo atribuído ao “social” enquanto fenômeno
de análise. No entanto, assumir a Linguística Textual como interdisciplinar não significa deixá-
la desprovida de rigor, mas, talvez, estabelecer modos de investigar as relações entre a
materialidade linguística e, por exemplo, a prática e os usos da linguagem, na medida em que
na língua também são manifestas a trajetória e a natureza histórica dos sujeitos.
Dentre outros empreendimentos analíticos desenvolvidos a partir da arbitragem
entre estudos textuais-interativos - que tomam a ideia do texto enquanto fenômeno e enquanto
evento comunicativo (KOCH, 2004, BEAUGRANDE, 1997) - e estudos sociolinguísticos,
encontram-se os trabalhos de Bentes (2008; 2009), Bentes e Rio (2006), Bentes, Mariano e
Ferreira-Silva (2013), Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013), dentre outros. Embora
interessados em fenômenos assaz diversos, esses trabalhos contém como um segundo ponto
comum o interesse em processos de produção textual e a elaboração de estilos, conforme tratado
por abordagens interacional-interpretativas no âmbito da Sociolinguística.
Os trabalhos sobre a produção de estilos, que contemplam interesses de pesquisa da
“terceira onda” (ECKERT, 2012) dos estudos sobre variação, encontraram embasamento inicial
14
sobretudo nas proposições de Eckert (2001), acerca do significado social da variação linguística
e de seu papel na construção dos estilos. Seus estudos trouxeram os processos de estilização,
por meio da linguagem, à agenda da Sociolinguística e contribuíram para um olhar voltado à
fala dos indivíduos compreendidos como ícones sociolinguísticos (ECKERT, 2001).
Na delimitação do recorte analítico do presente trabalho, partimos da compreensão
aludida pelo trabalho de Mariano (2012) acerca dos processos de estilização presentes na fala
de um rapper considerado como um ícone sociolinguístico de parcela assaz significativa de
jovens e adultos. Como sugere a autora, processos textuais podem compor alguns traços da
manipulação estilística de sujeitos representativos como Mano Brown – o que liga o rapper a
nosso interesse em observar as relações entre ações de textualização e ações sociais mais
amplas.
Posteriormente, o trabalho de Ferreira-Silva (2011) envolveu a observação de uma
entrevista concedida por Mano Brown ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Ao enfocar o
problema das inter-relações entre referenciação e progressão tópica, seu trabalho demonstrou a
intensa negociação dos objetos-de-discurso que emergem ao longo das falas no decorrer da
entrevista e sinalizou essa negociação como constitutiva às questões de manutenção e reforço
de identidades sociais.
Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013) demonstraram como certos recursos
textuais-discursivos (como o uso de marcadores discursivos, a gestão do tópico discursivo, a
negociação de referentes e o emprego de estratégias de atenuação e de impolidez) podem
consistir em estratégias mobilizadas por Mano Brown. Segundo as autoras, o rapper e
protagonista de movimento social empregaria tais recursos para lidar com situações
comunicativas ou sociais nas quais precisa, a um só tempo, atender a restrições do contexto
interacional em que está presente e regular implicações mais gerais de suas ações de linguagem
para sua representação social.
Os trabalhos brevemente considerados até aqui partem de pesquisas
sociolinguísticas para compreender os processos de estilização em termos dos papéis e das
atividades que indivíduos como Mano Brown desempenham nas suas relações sociais, no
âmbito das comunidades de práticas. No entanto, o presente trabalho propõe outro locus de
observação da relação entre as ações de textualização e ações sociais mais amplas levadas a
cabo por sujeitos representativos como Mano Brown em contextos específicos. A nosso ver, a
compreensão das relações que se estabelecem nas práticas linguísticas mais institucionalizadas
de Mano Brown faz com que possamos mobilizar conceitos da teoria da prática, tal como
15
desenvolvida por Pierre Bourdieu (1980; 1989a [1975]; 1989b; 1991; 1996 [1994]; 1997
[1996]) e, posteriormente, tratada nos estudos de Hanks (2008) sobre a prática comunicativa.
Consideramos que a representatividade de ícones sociolinguísticos como Mano
Brown não o isenta da estigmatização que incide sobre agentes ligados ao movimento hip hop
no campo da produção cultural da periferia. A trajetória de ascensão de indivíduos como Brown,
por meio de uma produção cultural e musical que representa as vivências da periferia, faz com
que disponha de capital simbólico e econômico que o distingue dos demais agentes ligados ao
campo. É possível considerar que sua trajetória, a um só tempo, imprime sua marca como porta-
voz da periferia e também como indivíduo que não mais apresenta um pertencimento exclusivo
ao grupo de indivíduos que convivem com o cotidiano de sanções retratado em suas letras (Cf.
GOFFMAN, 1988 [1963]).
É preciso considerar que a trajetória de ascensão de sujeitos representativos e
estigmatizados como Mano Brown os insere em práticas linguísticas que, a nosso ver, consistem
em contextos privilegiados para a observação de fenômenos linguísticos ligados às ações de
textualização e a seus impactos. Isso porque sua posição de ícone sociolinguístico
representativo do campo da produção cultural da periferia no movimento hip hop1 faz com que
esteja inserido em outros campos sociais fortemente organizados, nos quais o prestígio de sua
posição não está dado a priori. É o que ocorre, por exemplo, com a inserção de Mano Brown
no campo jornalístico, estruturado por uma série de mecanismos que podem conferir mais ou
menos poder simbólico e legitimidade a muitos de seus agentes, sejam internos (como
jornalistas, produtores ou diretores) ou externos (como os participantes convidados).
Nesse sentido, cabe analisarmos contextos específicos de sua inserção no campo
jornalístico, como as entrevistas jornalísticas concedidas por Mano Brown que foram
selecionadas para compor o corpus do presente trabalho. As amostras consistem em entrevistas
concedidas por Mano Brown a diferentes instituições midiáticas: os programas Roda Viva
(transmitido pela TV Cultura, em 2007) e Papo com Benja (exibido pela L!TV, em 2011).
1Ao nos referirmos ao movimento hip hop, consideramos um universo de produção cultural que abrange não apenas
a música. De acordo com Zeni (2004: 230), o hip hop envolve quatro elementos: “o break (a dança de passos
robóticos, quebrados e, quando realizada em equipe, sincronizados), o grafite (a pintura, normalmente feita com
spray, aplicada nos muros da cidade), o DJ (o disc-jóquei) e o rapper (ou MC, mestre de cerimônias, aquele que
canta ou declama as letras sobre as bases eletrônicas criadas e executadas ao vivo pelo DJ). A junção dos dois
últimos elementos resulta na parte musical do hip hop: o rap (abreviação de rythym and poetry, ritmo e poesia, em
inglês)”. Zeni (2004) chama atenção para um quinto elemento considerado presente no hip hop por diversos de
seus integrantes: os valores de conscientização, de compreensão e valorização da etnia e da herança cultural negra,
a luta contra o preconceito racial e uma conduta de rejeição à ganância, ao sucesso fácil e até mesmo à fama por
meio da presença na grande mídia.
16
Interessa especialmente a este trabalho a investigação dessa relação entre ações
sociais mais amplas, como as tomadas de posição no campo jornalístico, e ações de
textualização, como o emprego de expedientes metadiscursivos em entrevistas. A nosso ver, a
inspeção da metadiscursividade em contextos como os mencionados acima permite
compreender como Mano Brown gerencia e configura sua posição e representação nas
entrevistas presentes no campo jornalístico. Uma vez que entram em jogo distintos interesses,
habitus e diferentes formas de poder simbólico entre os participantes de uma entrevista, o
emprego do metadiscurso pode se tornar um recurso para as ações sociais mais amplas de
entrevistados como o rapper, cuja participação nesses contextos representa um ponto de
conexão entre campos sociais distintos e fortemente organizados.
Para Koch (2004: 120), a produção textual envolveria “estratégias metadiscursivas”
que “tomam por objeto o próprio ato de dizer”. Nas palavras da autora,
(...) ao colocar em ação tais estratégias, o locutor avalia, corrige, ajusta,
comenta a forma do dizer; ou, então, reflete sobre sua enunciação,
expressando a sua posição, o grau de adesão, de conhecimento, atenuações,
juízos de valor etc., tanto em relação àquilo que está a dizer, como em relação
a outros “ditos”. Em outras palavras: os enunciados resultantes da atuação de
estratégias metadiscursivas têm um estatuto discursivo diferente daquele dos
enunciados veiculadores de conteúdo informacional: enquanto as estratégias
de organização do conteúdo proposicional atuam imediatamente no plano do
enunciado, as estratégias metadiscursivas atuam no âmbito da própria
atividade discursiva. Evidencia-se, nelas, a propriedade auto-reflexiva da
linguagem, isto é, a potencialidade que têm os discursos de se dobrarem a si
mesmos. (KOCH, 2004: 120)
Importa ressaltar que compreender os expedientes metadiscursivos2 como recursos
textuais-discursivos empregados por sujeitos em contextos complexos pressupõe seu
tratamento como estratégias. Contudo, como esclarece Rezende (2010), pressupor a existência
de um sujeito estrategista, cujas ações são forjadas em função de seu diálogo com o espaço
social e das disposições que incorpora e pratica em diferentes contextos, não se confunde com
assumir a ideia de um sujeito mentalista volitivo. Segundo o que demonstra o autor, o
tratamento da metadiscursividade enquanto recurso textual-discursivo presente na prática
2Como exemplificação breve dos expedientes metadiscursivos com os quais nos deparamos, podemos citar
segmentos como “agora também vou falar dos acertos” ou “tem um barato que eu digo sempre”, ou ainda os
trechos “você usa o termo ‘traficante’- vamos usar “comerciante’” e “quem sou eu para dizer o que é...?” – todos
esses presentes nos dados de fala de Mano Brown que coletamos. Quanto aos expedientes presentes nas falas dos
entrevistadores, referimo-nos a expedientes como “Mano, você costuma dizer que...” ou “antes de falar de futebol,
vamos falar de música...”.
17
comunicativa corrobora uma noção de sujeito como agente que incorpora possibilidades de
pensar e agir, passíveis de serem ativadas em suas ações linguísticas.
Consideramos que o trabalho de Bourdieu nos ajudará na compreensão das ações
de textualização presentes em nossos dados, haja vista que sua obra nos fornece um grande
arcabouço de categorias para tratar da dinâmica social tal como se apresenta nas entrevistas. A
nosso ver, partir das contribuições de Bourdieu (1980; 1989a [1975]; 1989b; 1991; 1996 [1994];
1997 [1996]), por meio da teoria da prática, permite observarmos os fenômenos textuais-
discursivos sem que se esvaia a materialidade linguística, mas também compreendendo-os
enquanto ações e processos ocorridos numa teia de relações mais amplas que contingenciam
em algum modo a linguagem.
As justificativas para que se delimitasse o recorte analítico do presente trabalho
partiram de um interesse em alinhar o corpus desta pesquisa linguística a dados que nos
desafiassem na busca pela compreensão de realidades e configurações sociais atuais. Nesse
sentido, consideramos que o tratamento de dados nos quais sujeitos representativos como Mano
Brown participam de contextos midiáticos podem ser interessantes, posto, primeiramente, que
as ações midiáticas e a própria atuação do campo jornalístico têm se colocado como questão
frequente, cotidiana (e, por que não, preocupante?), no seio dos debates nacionais atuais.
Uma segunda razão para a delimitação do recorte analítico feito no presente
trabalho pode ser melhor explicada se levarmos em conta o que se anuncia sobre os grupos
sociais do Brasil: após incluir dezenas de milhares de pessoas em um novo status econômico-
social, o país já ocuparia posição entre as grandes economias mundiais. Além disso, fala-se da
ascensão de grupos sociais aos espaços antes ocupados apenas por uma pequena parcela da
população brasileira. No entanto, sabemos que o viés economicista pouco descreve de nossa
realidade social (SOUZA, 2009), sobretudo das ações, sejam cotidianas ou mais
institucionalizadas, das mulheres e homens que se tornaram seres visíveis aos olhos de toda a
população e, mais ainda, aos olhares de campos sociais fortemente organizados e interessados
naquilo que podem representar as trajetórias de ascensão e representatividade de muitos
indivíduos.
Trabalhos como o de Silva (2011) têm compreendido o recente alcance da produção
cultural de sujeitos ligados à periferia e à literatura negra e literatura periférica, mais
especificamente. Como mostra o autor, a repercussão recente da produção cultural desses
sujeitos, se, por um lado, proporciona-lhes novos contextos de exposição e alcance para seu
trabalho – por exemplo, no campo jornalístico, capaz de difundir sua produção, suas vivências
e a própria periferia enquanto ideia –, por outro lado, não logrou livrá-los dos estigmas que
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compõem sua trajetória e sua produção cultural. A nosso ver, considerações como essa sobre a
inserção de sujeitos ligados à produção cultural literária podem fornecer pistas importantes
sobre os modos de inserção de indivíduos como Brown3 nos contextos jornalísticos como os de
entrevista.
Acreditamos que contextos de participação na mídia nos quais estejam presentes
agentes representativos como Mano Brown por vezes podem fazer com que venham à tona os
conflitos constitutivos da posição desses agentes. Por conta disso, são necessárias análises que
lancem um olhar sobre as práticas desses sujeitos e, mais especificamente, sobre as práticas
linguísticas desses sujeitos. Conforme tratamos em estudos anteriores, muitas das situações
comunicativas envolvendo Mano Brown, por exemplo, consistem em contextos nos quais há
um movimento interessante da periferia ao centro (BENTES, FERREIRA-SILVA e
MARIANO, 2013). Nossa hipótese é de que sua participação nas entrevistas selecionadas é
marcada por expedientes metadiscursivos cujas funções textuais-discursivas são semelhantes
em ambos os contextos, apesar das profundas diferenças dessas entrevistas no interior do campo
jornalístico.
Além disso, acreditamos que, ao longo dos contextos analisados, a
metadiscursividade na fala de Mano Brown representa um modo de agir frente aos tópicos
instaurados pelos entrevistadores (em função das perspectivas mobilizadas nesses tópicos e dos
impactos que esses tópicos teriam para sua representação social como um todo) e um recurso
para suas tomadas de posição no interior dos diferentes contextos no campo jornalístico.
Os pressupostos teóricos e os interesses de pesquisa anunciados até o momento
fazem com que possamos delinear os seguintes objetivos gerais: a) caracterizar a(s) função(ões)
da metadiscursividade como recurso textual-discursivo presente nas entrevistas concedidas por
Mano Brown aos programas Roda Viva e Papo com Benja; b) compreender o papel da
metadiscursividade como recurso para que Mano Brown, agente prestigiado no movimento hip
hop do campo da produção cultural da periferia, possa atuar no interior desses contextos
específicos do campo jornalístico. Como objetivos específicos, o presente trabalho se propõe a
analisar os expedientes metadiscursivos produzidos por Mano Brown nas entrevistas,
considerando os seguintes aspectos: (i) suas propriedades de acordo com estudos textuais-
interativos produzidos por Koch sobre as estratégias metadiscursivas (2004) e por Risso e
Jubran sobre o processamento metadiscursivo do texto (1998); (ii) sua ocorrência nos tópicos
3Ligado à produção cultural musical e ao movimento hip hop, Mano Brown pode ser elencado como um dentre
outros diversos atores sociais que ocupam uma posição semelhante, marcada pela representatividade e pela
estigmatização resultantes de suas posições em campos sociais distintos (Cf. SILVA, 2012).
19
discursivos desenvolvidos ao longo das entrevistas; (iii) suas funções com relação à interação
estabelecida entre Mano Brown e seus entrevistadores em ambos os programas e (iv) seu papel
como recurso textual-discursivo para qualificar a inserção do rapper no campo jornalístico.
Ainda que tenhamos como objetivo compreender um fenômeno textual-discursivo
específico (a metadiscursividade) enquanto um recurso presente em dois contextos do campo
jornalístico, uma descrição densa (Cf. GEERTZ, 1973) desses dados demandaria outras análises
sobre os processos históricos presentes em ambas as entrevistas. A nosso ver, as limitações do
trabalho nos impedem de produzir (mas, talvez, não de sinalizar e/ou relacionar) uma análise
que reconstrua em sua totalidade o momento histórico das entrevistas selecionadas para
tratarmos do campo jornalístico. No entanto, tais limitações não impedem que lancemos luzes
sobre o papel da linguagem na complexidade das práticas de um ator social inscrito nesse
campo.
20
1. SOBRE A NOÇÃO DE CAMPO SOCIAL E O CAMPO JORNALÍSTICO
No presente capítulo, discutimos a contribuição de Bourdieu (1980; 1989a [1975];
1989b; 1991; 1996 [1994]) para os estudos linguísticos, por meio do conceito de “campo social”
e sua relação com a linguagem, bem como algumas questões de seus escritos sobre o campo
jornalístico divulgados na obra Sobre a televisão (1997 [1996]). Além disso, consideraremos
de que modo podemos observar as entrevistas que compõem nosso corpus à luz da teoria da
prática, sem que nosso foco de análise deixe de ser, em última instância, a linguagem. Num
primeiro momento, uma apresentação do conceito de campo social, bem como uma discussão
sobre o campo jornalístico podem auxiliar na compreensão das relações que tomam forma em
nosso corpus de análise.
De acordo com Hanks (2008), dentre os modos pelos quais um estudioso da
linguagem pode ler Bourdieu, um primeiro está ligado às noções de performatividade, língua
legítima, descrição e censura, por exemplo, e mobiliza o que afirmou o autor sobre a língua e a
linguística. Um segundo modo de interpelar a obra de Bourdieu poderia consistir na discussão
acerca de sua visão sobre teóricos da linguagem como Chomsky, Saussure, Benveniste, Labov
ou Austin (HASAN, 1999, apud HANKS, 2008) – embora, para Hanks (2008: 35), esse modo
de leitura revele “mais sobre Bourdieu do que sobre a língua”, já que poderia partir de dizeres
que porventura ocorreram em alguma polêmica na qual se envolveu o autor. No entanto, como
assinala Hanks (2008:35), “uma leitura de segundo nível” da obra de Bourdieu poderia ser mais
produtiva para um estudioso da linguagem, pois permitiria explorar o tratamento dado pelo
sociólogo a uma miríade de fenômenos sociais que, embora não delimitem a língua enquanto
seu opus operatum, compreendem os fenômenos linguísticos como um modus operandi.
Ao circunscrever a obra de Bourdieu como importante à análise linguística, Hanks
(2008) atenta para a “profunda consonância entre muito da teoria da prática e o arcabouço
intelectual da linguística antropológica” (GODDARD, 2002, e HANKS, 1996 apud Hanks,
2008: 56) e cita alguns fenômenos que, a partir da contribuição do sociólogo, fizeram parte do
interesse de pesquisadores da linguagem, como a oficialização, a dominação, a autorização e a
legitimação, por exemplo. No entanto, segundo afirma Hanks (2008: 56), a relação entre os
conceitos de habitus e campo pode delimitar diversos fenômenos – como a ideologia linguística,
o estilo, a interação, assim como outros fenômenos linguísticos correlatos ao conceito de
habitus – nas palavras do autor, ainda lacunares na área, mas “fecundos para pesquisa futura na
prática linguística”.
21
Consideramos que o trabalho de Bourdieu nos ajudará na compreensão das ações
de textualização presentes em nossos dados, haja vista que sua obra nos fornece um grande
arcabouço de categorias para tratar da dinâmica social tal como se apresenta nas entrevistas que
compõem nosso corpus. Analisar qual o papel de algumas das ações de textualização do rapper
Mano Brown no bojo das relações que se estabelecem ao longo das entrevistas pode significar
um maior entendimento acerca das dinâmicas próprias do campo jornalístico e da complexidade
da inserção dos sujeitos nesses contextos. Nas palavras de Bourdieu (1989b: 69):
A teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir a forma
específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos e os conceitos
mais gerais (capital, investimento, ganho), evitando assim todas as espécies
de reducionismo, a começar pelo economismo, que nada mais conhece além
do interesse material e da busca da maximização do lucro monetário.
Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a
necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo da linguagem que
nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é
explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-
motivado os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como
geralmente se julga, reduzir ou destruir.
Quando menciona a compreensão do “jogo da linguagem” como parte da gênese
social de um campo, Bourdieu trata da linguagem como dimensão de significação importante à
análise das ações que se dão no interior de um campo social. É nesse sentido que se constrói a
proposta de articulação teórica do presente trabalho, pois, a nosso ver, partir das contribuições
de Bourdieu (1980; 1989a [1975]; 1989b; 1991; 1996 [1994]; 1997 [1996]), permite
observarmos os fenômenos textuais-discursivos sem que se esvaia a materialidade linguística,
mas também compreendendo-os enquanto ações e processos ocorridos numa teia de relações
mais amplas que contingenciam, em alguma medida, a linguagem.
1.1 Propriedades da noção de campo social
O conceito de campo, cuja reflexão por parte de Bourdieu se inicia nos anos de
1960 (CATANI, 2011), representa uma confluência entre trabalhos do próprio autor sobre a
sociologia da arte e alguns pontos da obra de Max Weber (1992), na qual pode ser vista uma
reinterpretação de termos oriundos da economia (como “monopólio religioso”, “concorrência”,
“oferta”, “procura”). De acordo com Bourdieu (1989: 68), a construção de seus objetos de
análise exigiu uma reinterpretação relacional de propriedades gerais aplicáveis ao campos que
haviam sido assinaladas pela teoria econômica. Para Arribas (2012), a sociologia da religião na
22
obra de Max Weber (Cf. WEBER, 1992) talvez tenha sido, dentre os trabalhos clássicos, o mais
marcante para Bourdieu e para outros grandes sociólogos como Norbert Elias e Erving
Goffman. Arribas (2012) lembra a elaboração da noção de “esferas de valor” por parte de Weber
(1992) como um método de regionalizar o mundo social com vistas a compreender as ações
cotidianas dos indivíduos em diversos domínios – o que se aproximaria da regionalização do
espaço social tal como feita por Bourdieu com a noção de campo. Segundo a autora,
(...) ao segmentar o mundo social em esferas autônomas de valor, Weber
mostra que os microcosmos econômico, jurídico, artístico, religioso, etc.
articulam-se, ao longo do tempo, por meio de uma lógica inerente ou, nas
palavras de Weber, conforme sua 'legalidade própria'. (ARRIBAS, 2012: 54)
Tais considerações sobre o trabalho de Weber nos indicam semelhanças com o
empreendimento analítico de Bourdieu (1996 [1994]), tendo em vista que a elaboração da noção
de campo se apresenta como uma proposta do sociólogo francês para analisar de modo
relacional os microcosmos de ação dos sujeitos (BOURDIEU, 1989b: 23-34), à luz das relações
de poder responsáveis pela dominação simbólica nos mais diferentes modos - e não apenas
economicamente, uma vez que uma explicação puramente economicista para o espaço social
parece ser encarada por Bourdieu como um grande reducionismo (Cf. CATANI, 2011;
ARRIBAS, 2012; SOUZA et al., 2009).
É preciso destacar que, para Bourdieu (1989b; 1996 [1994]), um campo é
identificado por “(a) uma configuração de papéis sociais, de posições dos agentes e de estruturas
às quais estas posições se ajustam; (b) o processo histórico no interior do qual estas posições
são efetivamente assumidas, ocupadas pelos agentes (individuais e coletivos)”, tal como
sistematiza Hanks (2008: 43). Encontram-se, na sistematização de Hanks (2008:43),
informações que tratam da relação entre a própria definição de um campo social e a prática de
seus agentes. Essa relação pode ser melhor compreendida se tomarmos as seguintes
considerações de Bourdieu (1996 [1994]: 159):
Todos os mundos sociais relativamente autônomos, que chamo de campos –
campo artístico, campo científico, campo filosófico etc. – exigem daqueles
que neles estão envolvidos um saber prático das leis de funcionamento desses
universos, isto é, um habitus adquirido pela socialização prévia e/ou por
aquela que é praticada no próprio campo.
As posições e os papéis ocupados pelos indivíduos num determinado campo,
segundo Bourdieu (1989b; 1996 [1994]), devem ser observados em termos de sua oposição e
da possibilidade que têm os sujeitos de ocuparem posições específicas num campo: assim é que,
23
na esteira desse pensamento, podemos tomar o campo jornalístico, por exemplo, para entender
enquanto posições diferentes aquelas desempenhadas por produtores e jornalistas televisivos
ou por entrevistadores, diretores e entrevistados (estes últimos, como notaremos adiante, podem
se inscrever nesse campo sujeitos a diferentes impactos). Com isso, podemos dizer que
Bourdieu (1989b; 1996 [1994]) constrói uma observação sociológica que busca apreender a
relação constitutiva entre indivíduo e sociedade.
As escolhas que os indivíduos efetivamente podem ou não por em curso nos campos
em que atuam, de acordo com os papéis que ocupam nessa estrutura, são tratadas por Bourdieu
(1996 [1994]: 61) como “tomadas de posição”, que podem fazer com que se inscrevam no
campo de modo mais ou menos prestigiado, por exemplo. É o que expressa o autor no seguinte
excerto:
Vemos que a relação que se estabelece entre as posições e as tomadas de
posição nada tem de uma determinação mecânica: cada produtor, escritor,
artista, sábio constrói seu próprio projeto criador em função de sua percepção
das possibilidades disponíveis, oferecidas pelas categorias de percepção e de
apreciação, inscritas em seu habitus por uma certa trajetória e também em
função da propensão a acolher ou recusar tal ou qual desses possíveis, que os
interesses associados a sua posição no jogo lhe inspiram. (Bourdieu, 1996
[1994]: 64)
Ao tratar das tomadas de posição, vemos que Bourdieu não ignora que a descrição
de um campo necessita levarmos em conta sua relação com os agentes, através dos valores que
os regem, bem como através das trajetórias dos sujeitos e seu habitus durante sua inserção e
experiência no campo. Importa ressaltar que, para o autor (BOURDIEU, 1996 [1994]), a
inserção dos sujeitos nos campos sociais, isto é, suas posições sociais, criam disposições para
agir de determinado modo e não de outro.
As condutas individuais, nesse caso, tanto podem representar a externalização de
um sistema de regras e valores presentes em cada campo como podem ser moldadas em função
das práticas dos sujeitos num determinado campo. Assim é que podemos ligar o conceito de
campo social à noção de habitus formulada por Bourdieu (1996 [1994]), já que vincular-se a
socializações de campos específicos faz com que os sujeitos sejam moldados pelas posições
que ocupam ou tomam nesses campos. Desse modo, por lidar com a relação entre o espaço
social e a prática individual, a noção de campo pode ser vista como ferramenta heurística que
nos auxilia na compreensão dos mecanismos de dominação e de reprodução, na medida em que,
assim como conceitos correlatos de capital simbólico e de habitus, colabora para a
desnaturalização e o desvendamento dessas relações (Cf. CATANI, 2011).
24
Como mencionamos acima, para Bourdieu (1996 [1994]), a noção de campo
necessita ser compreendida em sua relação com as categorias de capital simbólico e de habitus.
Compreendemos o habitus enquanto um conjunto de disposições para agir de formas
específicas (BOURDIEU, 1996 [1994]: 21-22). Quando inseridos em socializações nos mais
diversos campos, como o familiar e o escolar, por exemplo, os sujeitos desenvolveriam
esquemas específicos de perceber a realidade e conceberiam perspectivas individuais definidas.
Nas palavras do autor (1996 [1994]: 42),
Os “sujeitos” são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um
senso prático (título que dei ao livro no qual desenvolvo essa análise), de um
sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (o que
comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são
essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas) e de
esquemas de ação que orientem a percepção da situação e a resposta adequada.
O habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em dada
situação – o que chamamos, no esporte, o senso do jogo, arte de antecipar o
futuro do jogo inscrito, em esboço, no estado atual do jogo.
As considerações acima sustentam a ideia de que, para Bourdieu, “através do
habitus, o social fica impresso no individual” – conforme afirma Hanks (2008: 36) – em termos
de “estruturas cognitivas” e de “esquemas de ação”. Assim, apesar de Bourdieu (apud
WACQUANT, 2007) atentar-se sobretudo para as disposições corporais advindas do habitus
dos sujeitos, podemos perceber que o autor reconhece a estruturação do habitus também na
definição social do falante em termos mentais e não apenas fisicamente. O habitus designaria
uma habitualidade corporificada e também um esquema incorporado de disposições para agir,
pensar e sentir, como um senso prático pré-reflexivo (Cf. SOUZA et al., 2009). Para Bourdieu
(1996 [1994]), o habitus caracteriza-se como um sistema durável e transponível de disposições,
uma estrutura estruturada, posto que resulta das socializações, e estruturante, dado que pode
configurar as práticas dos indivíduos. Portanto, é por meio do habitus que “o espaço de
posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas de posição” (BOURDIEU, 1996 [1994]:
42).
Já à noção de capital (BOURDIEU, 1996 [1994]: 97-114) diz respeito todo recurso
ou poder num acúmulo de bens simbólicos – não apenas econômicos. Desse modo, o capital
simbólico como um todo reuniria a detenção de capital econômico (proveniente da renda ou
facilmente revertido em montantes financeiros através, por exemplo, de imóveis e
propriedades), além de considerar que os agentes são identificados no espaço social e ocupam
posições nos mais variados campos também segundo a mobilização de seu capital cultural
25
(resultante dos conhecimentos e saberes reconhecidos, em geral, institucionalmente, através de
diplomas e títulos) e de seu capital social (no qual se convertem as relações sociais dos
indivíduos, assumindo que seu lugar numa teia de relações pode constituir um recurso de
dominação ou uma possibilidade de tomada de posição).
Importa ressaltar que a assunção de certos papéis e posições nos campos sociais não
exclui a existência de disputas, o que confere a esses espaços sociais específicos uma dinâmica
pautada pelo poder e pela legitimidade. Com isso, a relação entre os agentes que constituem um
campo pode ser compreendida, segundo Bourdieu (1996 [1994]), em função de disputa e
competição. Acerca disso, atentamos para as palavras de Arribas (2012: 61), para quem
(...) a corrida pelo poder e pela dominação em cada campo é justamente um
de seus fatores estruturantes, e ela vai depender da maior ou menor capacidade
de movimentação naquele microcosmo e da habilidade no manuseio de
estratégias – habilidade proveniente do habitus dos indivíduos – que consigam
impor uma visão de mundo como legítima sobre as demais.
Nessa situação de competição, organizam-se de forma relacional as posições
entre os que detêm e os que carecem do poder específico ao campo: os que
ocupam posições dominantes, a ortodoxia, e os que pretendem dominar, a
heterodoxia. Essa luta expressa o caráter hierarquizado e a busca incessante
por legitimidade em cada domínio social, cuja dimensão simbólica não deixa
de se referir, em última análise, a fatores de ordem econômica.
As possibilidades de êxito para adquirir certas posições nas disputas internas ao
campo conectam-se às trajetórias dos agentes nessas dimensões sociais e variam também
conforme a convergência entre os valores do campo e aqueles desempenhados pelos sujeitos
em função de seu habitus. Além disso, as disputas e relações de poder que se estabelecem num
campo são norteadas, de acordo com Bourdieu (1996 [1994]), pelo prestígio, pela autoridade e
pelo reconhecimento, bem como pelo capital - seja propriamente econômico, cultural ou social
- do qual os agentes dispõem. Para o autor, esses microcosmos funcionariam de modo seletivo,
considerando os recursos que não se quer ver amplamente compartilhados, mas que funcionam
como modos de diferenciação e distinção entre os agentes do campo e para aqueles que
procuram se inscrever em um campo.
A relação dos agentes com um campo social se constrói, ainda, em função de uma
consciência tácita e profunda dos atores sociais, que atribuem valor às regras e às lutas daqueles
campo. Essa relação de reconhecimento de valor é tratada por Bourdieu (1996 [1994]: 140)
como uma illusio própria do campo:
26
Todo campo social, seja o campo científico, seja o campo artístico, o campo
burocrático ou o campo político, tende a obter daqueles que nele entram essa
relação com o campo que chamo de illusio. Eles podem querer inverter as
relações de força no campo, mas, por isso mesmo, reconhecem os alvos, não
são indiferentes. Querer fazer a revolução em um campo é concordar com o
essencial do que é tacitamente exigido por esse campo, a saber, que ele é
importante, que o que está em jogo aí é tão importante a ponto de se desejar
aí fazer a revolução.
Também a relação entre diversos campos é tratada por Bourdieu (1996 [1994]), ao
levar em conta a questão da autonomia. Segundo o autor, a restrição de acesso aos campos
torna-se necessária para sua delimitação própria e seus mecanismos de restrição serão mais
eficazes a medida que atuem tacitamente, apagados e compartilhados. Essas restrições de acesso
auxiliam num funcionamento relativamente autônomo dos campos, na medida em que seus
agentes podem contar com suas próprias regras e validar suas próprias ações. No entanto, esse
funcionamento relativamente autônomo não exclui a necessidade de contato entre os diversos
campos que, apesar de submetidos a disputas e desafios diferentes, dependem uns dos outros
para desempenhar suas ações (e, muitas vezes, para alcançar a legitimação de suas ações) –
assim, trataríamos de campos menos ou mais autônomos que outros, conforme a especificidade
e dependência de seus elementos organizacionais.
Hanks (2008) nos indica que uma leitura de Bourdieu não tem a ganhar com
propostas rígidas de definições para os conceitos-chave elaborados pelo sociólogo. Contudo,
consideramos que vale assinalar algumas propriedades da noção de campo, posto que certas
delas são descritas como fundamentais ou invariantes no tratamento desse conceito (Cf.
ARRIBAS, 2012; LAHIRE, 2002). A partir dos artigos Quelqués propriétés des champs e Les
champs littéraire publicados por Bourdieu, respectivamente, em 1980 (na obra Questions de
sociologie) e 1991, Lahire (2002) extraiu e elencou algumas dessas propriedades importantes
ao estudo dos campos sociais, quais sejam:
Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo
espaço social (nacional) global.
Cada campo possui regras do jogo e desafios específicos, irredutíveis às regras
do jogo ou aos desafios de outros campos (o que faz “correr” um matemático
– e a maneira como “corre” – nada tem a ver com o que faz “correr” – e a
maneira como “corre” – um industrial ou um grande costureiro).
Um campo é um “sistema” ou um “espaço” estruturado de posições.
Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam as
diversas posições.
As lutas dão-se em torno da apropriação de um capital específico do campo
(o monopólio do capital específico legítimo) e/ou da redefinição daquele
capital.
27
O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existem, portanto,
dominantes e dominados.
A distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo, que é,
portanto, definida pelo estado de uma relação de força histórica entre as forças
(agentes, instituições) em presença no campo.
As estratégias dos agentes são entendidas se as relacionarmos com suas
posições no campo.
Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a oposição entre as
estratégias de conservação e as estratégias de subversão (o estado da relação
de força existente). As primeiras são mais frequentemente as dos dominantes
e as segundas, as dos dominados (e, entre estes, mais particularmente, dos
“últimos a chegar”). Essa oposição pode tomar a forma de um conflito entre
‘antigos’ e ‘modernos’, “ortodoxos’ e ‘heterodoxos” (...).
Em luta uns contra os outros, os agentes de um campo têm pelo menos
interesse em que o campo exista e, portanto, mantêm uma “cumplicidade
objetiva” para além das lutas que os opõem.
Logo, os interesses sociais são sempre específicos de cada campo e não se
reduzem ao interesse de tipo econômico.
A cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições incorporadas)
próprio do campo (por exemplo, o habitus da filologia ou o habitus do
pugilismo). Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do campo tem
condições de jogar o jogo e de acreditar n(a importância d)esse jogo.
Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus e
sua posição no campo.
Um campo possui uma autonomia relativa; as lutas que nele ocorrem têm uma
lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (econômicas, sociais, políticas...)
externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das relações de força
internas. (LAHIRE, 2002: 47-48)
1.2 Sobre o papel da linguagem e do metadiscurso nos campos sociais
Para além das propriedades elencadas acima e dos conceitos de habitus e capital
simbólico, Hanks (2008: 45) afirma que algumas características adicionais encontradas em
qualquer campo foram especificadas pelo sociólogo francês, quais sejam:
(a) uma disputa linguística em que determinados fins são perseguidos
mediante o uso de determinados recursos discursivos segundo normas
estabelecidas; (b) um conjunto de crenças e assunções que preparam a disputa,
e (c) os interesses específicos em jogo (o que pode ser perdido, ou ganho,
como e por quem).
A partir dessas características, observamos que Bourdieu (1996 [1994]) assinala
que as práticas linguísticas são um dos desdobramentos da relação entre campo, habitus e
capital simbólico, pois, menciona o autor, a inserção num campo impacta os recursos
discursivos empregados nas tomadas de posição e nas disputas entre os agentes, por exemplo.
28
Alguns trabalhos de Bourdieu se propuseram a analisar com maior densidade os
mecanismos de violência simbólica e sua presença na linguagem, como a Ontologia política de
Martin Heidegger (1989a), por exemplo. Na obra, Bourdieu (1989a) se volta para os aspectos
políticos da filosofia produzida por Heidegger e busca demonstrar como a ambiguidade do
discurso de Heidegger fazia com que o autor circulasse em dois campos, isto é, com referências
não apenas ao campo filosófico, mas também ao campo político enquanto um espaço social que
é também mental e ideológico.
Ao tratar da obra do filósofo alemão, Bourdieu se opõe a autores que tentam traçar
sentidos “únicos legítimos” para os conceitos de Heidegger, pois, segundo ele (BOURDIEU,
1989a [1975]: 95), falta a esses autores a discussão sobre dois pontos-chave:
Primeiramente, o fato de que as palavras e, de maneira mais ampla, o discurso,
só recebem sua determinação completa, e, entre outras coisas, seu sentido e
seu valor, na relação pragmática com um campo funcionando como um
mercado e, de modo mais secundário, o caráter polissêmico, ou melhor,
polifônico que o discurso de Heidegger deve à capacidade particular que seu
autor tem de falar de muitos campos e muitos mercados ao mesmo tempo.
(grifo do autor)
Por meio do excerto acima, Bourdieu destaca que alguns autores não levam em
conta duas dimensões de significado do discurso produzido por Heidegger, quais sejam, suas
propriedades polissêmicas ou polifônicas que o levam a se relacionar, em outra dimensão de
significação, a outros campos que não apenas o filosófico. Interessa a Bourdieu, nessa obra, um
questionamento profundo de um estatuto extra-social à Filosofia, de modo que a pretensa
neutralidade e a autonomia do discurso filosófico sejam postas em xeque (BOURDIEU, 1989a:
12). Para o autor (1989ª: 13), tanto os pensadores que anunciavam uma redução da Filosofia às
condições de sua produção quanto aqueles que pregavam a autonomia absoluta do discurso
filosófico,
(...) todos entram em acordo, por ignorar que a filosofia de Heidegger poderia
ser somente a sublimação filosófica imposta pela censura específica do campo
de produção filosófica, dos princípios políticos ou éticos que determinaram a
adesão do filósofo ao nazismo. (grifo do autor)
O entendimento de Bourdieu (1989a) acerca da obra de Heidegger, portanto, se
baseia na ideia de uma complexa relação do filósofo alemão com um campo político, mas
também com um campo filosófico, no qual sua produção de linguagem encontrava recursos
(como a ambiguidade, a polissemia, a polifonia) para fugir de uma censura própria ao campo.
Para Bourdieu (1989a), Heidegger, intelectual importante de um “humor völkisch” e de uma
29
“revolução conservadora”, soube operar as regras do dizer e soube “por em forma” sua
linguagem, de sorte que galgou posições e se inscreveu na história desses campos. Segundo
Bourdieu, esse trabalho de “por em forma” a linguagem permitiu com que Heidegger acentuasse
semelhanças morfológicas entre os conceitos por ele formulados e vocábulos da linguagem
comum. Essa habilidade de Heidegger, afirma Bourdieu (1989ª [1975]: 91-92) pode ser
explicada também com base em evocações que o filósofo alemão é capaz de fazer, inconsciente
e conscientemente, acerca de outros discursos:
O trabalho ao mesmo tempo consciente e inconsciente de eufemização e de
sublimação, que é necessário para tornar dizíveis os impulsos expressivos
mais inconfessáveis em um estado determinado da censura do campo, consiste
em pôr em forma e pôr formas. O êxito deste trabalho e os proveitos que ele
pode obter num determinado estado da estrutura das probabilidades de ganho
material ou simbólico, através do qual se exerce a censura do campo,
dependem do capital específico do produtor, isto é, de sua autoridade e de sua
competência específicas. (grifos do autor)
Conforme expressa a passagem acima, Bourdieu considera que permeiam o
discurso posto em forma por Heidegger ações tantos inconscientes como conscientes de
adaptação a diferentes registros e de evocação de outros pensamentos (como o socialismo, o
positivismo). Assim, seria possível fazer com que seu discurso correspondesse a tomadas de
posição também no campo político, por meio de um discurso adaptado e adequado às censuras
tácitas vigentes no campo da produção filosófica. Pode-se dizer que Bourdieu dá destaque à
habilidade de Heidegger nesse sentido, pois “o filósofo profissional se opõe ao “filósofo
amador” que, como o pintor “primitivo” no seu universo, não sabe propriamente expressar o
que diz nem o que faz (BOURDIEU, 1989b: 52).
Os efeitos retóricos mais notáveis de um estilo como o de Heidegger, de acordo
com Bourdieu (1989a: 92), têm como justificativa a convergência entre dois fatores: seu habitus
relativamente adequado à posição que ocupava no campo e a necessidade do próprio campo,
àquela época, de um novo estado, ao qual Heidegger se ajustava. De acordo com Bourdieu
(1989a [1975]: 129),
Vê-se aí que a entrada em filosofia, a illusio propriamente filosófica, não se
reduz à adoção de uma linguagem, mas supõe a adoção de uma postura mental
que levanta outros sentidos a partir das mesmas palavras. O discurso filosófico
pode ser colocado nas mãos de todos, mas os únicos que o saberão ler
verdadeiramente são os que terão não somente o código conveniente mas o
modo de leitura que fará ressoar o sentido próprio das frases, situando-as no
registro conveniente, isto é, no espaço mental comum a todos os que estão
autenticamente comprometidos no espaço social da filosofia.
30
Assim, a inscrição de Heidegger no campo filosófico e no campo político, como
afirma Bourdieu, deu-se em função de sua posição no campo, seu habitus e suas tomadas de
posição que ocorreram também por meio de recursos de linguagem. O modo como Heidegger
soube “por em forma” o seu dizer, contando com construções morfológicas polissêmicas e
adequadas à linguagem comum, isto é, a um registro comum que extrapolava a linguagem do
campo da produção filosófica, fez com que seu discurso ecoasse num espaço mental também
comum a muitos indivíduos, à época da cultura de Weimar e da ascensão do nazismo na
Alemanha.
Ao mobilizar esse trabalho acerca da ontologia política de Heidegger, nosso
interesse reside nas informações discutidas por Bourdieu acerca do papel da linguagem nas
relações que estabelecem nos campos sociais, a partir de questões como:
i. a influência do habitus e da posição ocupada pelos atores sociais sobre seus
dizeres (já que os agentes de um campo desenvolvem, e têm de desenvolver, um
conjunto de disposições que se desdobram em maior ou menor medida sobre a
língua);
ii. o papel da linguagem dos agentes, mais especificamente, para tomadas de
posição num determinado campo, sobretudo em campos fortemente organizados
como o campo filosófico, o campo político ou o campo jornalístico, para o qual
se volta nosso trabalho;
iii. as tomadas de posição de certos indivíduos, intelectuais como Heidegger e
ícones sociolinguísticos como Mano Brown, que parecem reunir disposições
para operar recursos de linguagem importantes em suas tomadas de posição e
em sua trajetória num campo.
Interessa especialmente a este trabalho a investigação dessa relação entre ações
sociais mais amplas, como as tomadas de posição no campo jornalístico, e ações de
textualização, como o emprego de expedientes metadiscursivos em entrevistas. A nosso ver, o
uso de expressões metadiscursivas consiste em um ponto de análise privilegiado para a
compreensão de como os agentes gerenciam e reconfiguram suas posições nos contextos de
entrevista presentes no campo jornalístico. Uma vez que entram em jogo distintos interesses,
habitus e diferentes formas de poder simbólico entre os participantes de uma entrevista, o
emprego do metadiscurso pode se tornar um recurso para entrevistados como Mano Brown,
cuja participação nesses contextos representa um ponto de conexão entre campos sociais
31
distintos e fortemente organizados - a saber, o movimento hip hop ligado ao campo da produção
cultural da periferia e o campo jornalístico.
Ainda a respeito da relação entre a linguagem e os campos sociais, cabe lembrarmos
Hanks (2008: 44), para quem “a produção da fala e do discurso são formas de ocupar posições
em campos sociais”, visto que compõem a trajetória dos falantes nos diferentes mundos sociais.
Analogamente, as ações de linguagem podem ainda exibir características da relação entre os
falantes e o campo.
A nosso ver, ações de textualização como as que se engendram no uso do
metadiscurso são, a um só tempo, estruturadas pela inserção dos indivíduos nos campos sociais
e estruturantes de disposições que podem configurar, pela prática, sua inserção no campo –
nesse sentido, a circularidade, atribuída por Bourdieu (1996 [1994]), às ações que se dão no
interior de um campo, bem como a reversibilidade, atribuída por Hanks (2008: 169-201 ) ao
discurso, aplicam-se também ao entendimento do metadiscurso enquanto fenômeno textual-
discursivo. Consideramos que os estudos do texto podem auxiliar a compreender como os
contextos (nas suas dimensões emergencial e incorporada a um campo) estruturam as
interações, mas também a compreender em que medida as ações de textualização que ocorrem
nas interações corroboram para a (re)configuração das dimensões contextuais e, muitas vezes,
fazem com que os sujeitos incorporem novos nuances a sua prática.
Faz-se necessário esclarecer que nossa escolha pela noção de campo social para
tratar de duas dinâmicas sociais (o microcosmo jornalístico e, a nosso ver, a dinâmica presente
no movimento hip hop do campo da produção cultural da periferia) não ignora a
problematização feita por autores como Lahire (2002) que estão, a um só tempo, circunscritos
numa perspectiva convergente e crítica da teoria da prática tal como formulada por Bourdieu.
Para Lahire (2002), seria importante que o tratamento do legado bourdiano se desse
não em função de uma repetição-reprodução de seu trabalho pelos sociólogos contemporâneos,
mas sim a partir de um prolongamento crítico, objetivado pelo autor em seus trabalhos sobre a
pluralidade disposicional dos indivíduos. Para Lahire (2002), uma rediscussão criadora da
herança de Bourdieu exigiria pensarmos, por exemplo, que os modos de socialização dos
indivíduos são bastante complexos. Lahire (2002; 2007) propõe observarmos a realidade tendo
em vista que os indivíduos entram em contato com experiências socializadoras heterogêneas e
até mesmo contraditórias e, por conta disso, seus contextos de ação os levam a desenvolver
disposições e competências plurais (RIO, 2010).
O interesse de Lahire (2007) se baseia na investigação de variações intraindividuais
dos comportamentos culturais em sociedade. Além de assumir uma vertente disposicional e
32
contextual para a análise dos comportamentos e habitus, o prolongamento crítico feito por
Lahire (2002: 50) envolve também ressalvas feitas sobre a noção de campo social. Nas palavras
do autor:
A teoria dos campos empenha muita energia para iluminar os grandes palcos
em que ocorrem os desafios de poder, mas pouca para compreender os que
montam esses palcos, instalam os cenários ou fabricam seus elementos,
varrem o chão e os bastidores, xerocam documentos ou digitam cartas etc.
Do mesmo modo, todas as atividades em que nos inscrevemos de modo apenas
temporário (a prática do futebol amador, os encontros e conversas ocasionais
com amigos num bar ou na rua...) não podem ser atribuídas a campos sociais
particulares, porque elas não são sistematicamente organizadas na forma de
espaços de posições e de lutas entre os diferentes agentes que ocupam essas
posições. A teoria dos campos mostra, portanto, pouco interesse para a vida
fora-do-palco ou fora-do campo dos agentes que lutam dentro de um campo.
Ao contrário do que as fórmulas mais gerais podem levar a acreditar, nem tudo
(indivíduo, prática, instituição, situação, interação...), portanto, pode ser
incluído em um campo.
A problematização feita por Lahire (2002) sobre a noção de campo, como vemos
acima, envolve a aplicação desse conceito para contextos nos quais os agentes se inserem de
modo mais externo, ou simultaneamente a sua inserção em outros campos. O autor propõe,
então, que os sujeitos participam dessas práticas como “jogos”, contextos muitas vezes mais
delimitados no que concerne aos impactos para disposições mais duráveis que compõem o
habitus.
Ainda que estejamos de acordo com Lahire (2002) sobre a possibilidade de que os
indivíduos se situem em espaços sociais específicos sem que para eles tais espaços configurem
um campo, isto é, sem que estejam investidos da illusio pertencente a um microcosmo, nossa
escolha pelo trabalho com a noção de campo leva em conta os seguintes pontos:
i. é preciso considerar que a inserção de Mano Brown no que estamos
nomeando como o movimento hip hop no campo da produção cultural
da periferia não se limita ao papel de rapper, mas abrange diversas
práticas4 não delimitadas temporalmente, por exemplo;
ii. o hip hop, movimento de produção cultural ligado às periferias urbanas,
como a paulistana, parece representar um subcampo de produção
cultural, na medida em que reúne a construção de capital simbólico de
4 Sobre a relação de Mano Brown com algumas das práticas presentes no movimento hip hop do campo da
produção cultural da periferia, consultar o capítulo 3.
33
diversos tipos (Cf. SILVA, 2012) para indivíduos como Brown - cuja
inserção no hip hop ocorreu ainda durante a juventude; considerar o
movimento hip hop dessa forma pressupõe sua significação enquanto
espaço criador de capital cultural (já que, muitas vezes, representa um
momento em que tantos jovens experimentam um papel de produção
cultural, e não apenas de fruição), de capital econômico (pois o fazer
musical pode ser revertido em atividade profissional pelos rappers,
produtores etc) e de capital social (se levarmos em conta que os jovens
têm no hip hop e no rap uma importante dimensão simbólica provedora
de respeito mútuo e solidariedade, que muitas vezes lhes falta em outros
contextos nos quais se inserem);
iii. algumas tomadas de posição de Mano Brown demonstram que reconhece
o rap e o hip hop na periferia como uma dinâmica de forças que requer
engajamento, “compromisso” e “atitude” – noções frequentemente
citadas por Brown quando se refere ao fazer dos rappers (KEHL, 1999).
A nosso ver, esse reconhecimento afasta a ideia de que seu envolvimento
com esse microcosmo pode ser apenas marginal ou esporádico e,
contrariamente, reforça nossa visão de que sua entrada nesse
microcosmo demanda, por parte do rapper, o desenvolvimento
processual de diversas disposições;
iv. para além do contato de Mano Brown com a dinâmica social ligada à
periferia e ao hip hop, é possível verificar também que sua participação
em entrevistas, isto é, sua inscrição nos contextos jornalísticos, não
parece se dar de modo trivial: pelo contrário, são contextos nos quais
Mano Brown se insere de modo bastante reflexivo e nos quais, por vezes,
a própria participação do rapper é topicalizada – o que, a nosso ver,
corrobora que sua participação na televisão, per se, pode ser tida como
estratégica e/ou extraordinária.
Esses pontos, acerca da inserção de Mano Brown no campo jornalístico, em
entrevistas concedidas pelo rapper, serão tratados por nós num segundo capítulo. Por ora,
importa ao presente trabalho justificar que as questões acima expostas, a nosso ver, indicam
que a noção de campo pode ainda ser adequada ao tratamento que pretendemos dar à inscrição
de Mano Brown tanto no subcampo da produção cultural da periferia no movimento hip hop
34
quanto no campo jornalístico. Nesse sentido, entendemos que se faz necessária uma observação
dos contextos de entrevista televisiva enquanto situações comunicativas inseridas no campo
jornalístico. A partir disso, esperamos caracterizar, segundo as observações de Bourdieu
presentes na obra Sobre a televisão (1997 [1996]), alguns dos valores e algumas das posições,
das regras e das estratégias que regem o campo jornalístico e as relações entre os participantes
das entrevistas que analisaremos.
1.3 O campo jornalístico segundo a visão de Pierre Bourdieu
Publicado em 1996 na França, Sobre a televisão reúne três textos de Bourdieu,
dentre os quais dois foram reproduzidos a partir de um curso do Collège de France ministrado
pelo autor e transmitido pela televisão francesa. A obra chegou aos best-sellers da França e
gerou ampla controvérsia, envolvendo jornalistas e editorialistas que durante meses reagiram
para criticá-la – na opinião de Bourdieu, “com extrema violência5” (1997 [1996]: 131). Após
as reações, o autor optou por incluir um posfácio à edição brasileira, no qual buscava responder
às críticas suscitadas por suas análises dos mecanismos presentes nesse microcosmo. Bourdieu,
no prólogo da obra, informa que tais escritos consistem numa “intervenção” sua no campo
jornalístico, cujas razões à época envolviam uma tentativa para que “um extraordinário
instrumento de democracia direta não se converta em instrumento de opressão simbólica”
(BOURDIEU, 1997 [1996]: 11; 13).
Bourdieu (1997) descreve o mundo do jornalismo como um microcosmo provido
de leis próprias e definido por sua relação de aproximação ou distanciamento com outros
microcosmos. Essa caracterização atribui autonomia ao campo jornalístico e, com isso, sinaliza
que será necessária ao entendimento desse microcosmo uma inspeção interna de seu
funcionamento, para além de explicações fornecidas unicamente com base em fatores externos
a ele. Afirma Bourdieu (1997 [1996]) que no século XIX o campo jornalístico formou-se a
partir de duas lógicas de mercado e princípios de legitimação opostos presentes em diferentes
tipos de jornais. Um primeiro modo de organização e legitimação se daria em função do
reconhecimento dos pares, isto é, daqueles agentes internos que reconhecem mais
completamente os “valores” do campo, e se concretizaria na produção de “análises” e
5Podemos considerar que as reações a essa intervenção do sociólogo francês trouxeram consigo a medida do poder
simbólico do campo jornalístico na relação com agentes externos - mesmo os legitimados em outros campos, como
o próprio Bourdieu - que se dispõem a refletir e a desvelar sua dinâmica de forças. Isso porque tais reações, a nosso
ver, não deixam de representar uma tentativa de manutenção da força de legitimação do campo jornalístico - e,
com isso, podem ter colaborado para reforçar as considerações do autor sobre a organização dessas dinâmicas
sociais.
35
“comentários” sobre fatos e eventos, baseada num princípio de “objetividade”. Esse valor de
objetividade seria abertamente afirmado para marcar uma distinção com relação ao segundo
modo de organização, voltado para o reconhecimento do campo jornalístico por uma maioria,
formada por leitores, ouvintes e espectadores, norteado pelo alcance de um público vasto e
conquistado, sobretudo, por “notícias”, preferencialmente “sensacionais” ou “sensacionalistas”,
nas palavras de Bourdieu (1997 [1996]).
Salienta o autor que nem sempre a televisão esteve no centro da produção e do poder
no campo jornalístico, posto que ainda nos anos cinquenta mal se pensava nesse meio difusor
ao tratar do jornalismo como um todo. A dependência das subvenções do Estado e a ligação
com os poderes políticos traziam a ideia de que a televisão era dominada econômica, cultural e
simbolicamente; com isso, menos eficiente ou poderosa. Para Bourdieu (1997 [1996]), o
processo de mudança do estatuto da televisão no campo jornalístico “precisaria ser descrito em
detalhe” (BOURDIEU, 1997 [1996]: 59), visto que, com o passar dos anos, a inversão se deu
de tal modo que a dominação econômica e simbólica da TV no campo pode ser atestada
inclusive pela situação de ameaça na qual se encontram muitos jornais.
Por ocasião do curso oferecido pelo sistema audiovisual do Collège de France e
reproduzido em textos que compõem a obra Sobre a televisão (1997 [1996]), Bourdieu utiliza
sua participação para levantar diversas questões sobre o campo jornalístico, descrevendo seus
bastidores e as estruturas tacitamente atuantes para telespectadores e, muitas vezes, também
para agentes internos ao campo, como os jornalistas. Para o autor, sua intervenção na forma de
um desvendamento dos princípios que regem esse campo poderia ser bem vista também pelos
jornalistas que, submetidos à autoridade de outros cargos e posições acima das suas, muitas
vezes não têm a ideia dos mecanismos que estão ajudando a reproduzir no campo.
Alguns eixos de discussão foram destacados por Bourdieu (1997 [1996]) para tratar
do campo jornalístico e, a nosso ver, cabe apresentá-los de modo mais destacado. Assim,
veremos a partir daqui como são tratadas pelo autor questões como o grau de autonomia do
campo, a sua organização em termos das distintas posições ocupadas pelos agentes, as suas
estratégias de conservação e regras invisíveis, os seus dilemas internos e a sua relação com
outros campos.
Consideramos que Bourdieu inicia sua observação sobre o grau de autonomia do
campo jornalístico ao refletir sobre sua própria participação na TV, por ocasião do curso
ministrado pelo Collège de France. Nesse momento, o autor salienta que seu curso consistiu
numa participação incomum na televisão, haja vista que detinha o domínio sobre esse
instrumento de produção (BOURDIEU, 1997 [1996]: 16), ao contrário do que ocorre com a
36
grande maioria das exibições na TV, nas quais os sujeitos se inserem de modo extremamente
controlado em relação ao tempo e ao tema de suas falas, sobretudo.
A partir de sua inserção própria nesse contexto, Bourdieu (1997 [1996]) prossegue
se perguntando sobre quais as razões que levam ainda tantos indivíduos a aceitar as condições
impostas por programas de televisão e participar desses contextos. Para o autor, afora questões
como a necessidade de “ser percebido” na e pela televisão, o alcance informacional
proporcionado pelo meio difusor audiovisual apresenta-se como decisivo para que muitos
indivíduos ainda participem desses programas, e decisivo também para que afastemos a ideia
de que os sujeitos devam recusar essa possibilidade ou condená-la. Além disso, vemos que
Bourdieu assume a grande autonomia e a força simbólica do campo, já que lembra o autor que
a oportunidade de participação na TV per se fomenta a produção intelectual e cultural de todo
um contingente de indivíduos esperançosos por serem levados à TV e que veem nisso uma
espécie de consagração.
Embora uma recusa estrita de participações televisivas não seja defensável aos
olhos de Bourdieu (1997 [1996]: 17-18), não é possível dizer que a opção por exprimir-se nesse
meio se deva dar sem a cautela de levantar previamente alguns questionamentos. Quanto a esses
questionamentos, tomemos as palavras do autor:
Penso mesmo que, em certos casos, pode haver uma espécie de dever de fazê-
lo [exprimir-se na televisão], com a condição de que isso seja possível em
condições razoáveis. E, para orientar a escolha, é preciso levar em conta a
especificidade do instrumento televisual. Com a televisão, estamos diante de
um instrumento que, teoricamente, possibilita atingir todo mundo. Daí certo
número de questões prévias: o que tenho a dizer está destinado a atingir todo
mundo? Estou disposto a fazer de modo que meu discurso, por sua forma,
possa ser entendido por todo mundo? Pode-se mesmo ir mais longe: ele deve
ser entendido por todo mundo? (BOURDIEU, 1997 [1996]: 17-18)
Consideramos que as questões indicadas por Bourdieu (1997 [1996]) buscam o
reconhecimento do contexto jornalístico no qual os sujeitos têm a possibilidade de se inserir.
Isso porque permitem que os participantes em potencial tomem conhecimento do público a
quem se destina sua fala, da relação desse público com sua posição enquanto convidado e ainda
das reais possibilidades de uma convergência entre as expectativas de representação social do
convidado e as do meio difusor. Nesse momento, portanto, vemos que as colocações de
Bourdieu (1997 [1996]) se dão no sentido de afastar dos indivíduos um tipo de participação que
esteja inteiramente ao dispor dos ditames do campo televisivo, posto que isso já inscreveria os
sujeitos como dominados nesse campo. Além disso, suas indagações buscam fazer com que os
37
sujeitos se inscrevam nesse campo sem se esquecer de refletir sobre sua participação em
contextos televisivos em termos dos impactos possivelmente resultantes para o poder simbólico
que possuem.
Ainda que os indivíduos decididos a se exprimir na televisão não reflitam sobre tais
pontos, questões como as citadas anteriormente, segundo Bourdieu, são feitas por críticos de
televisão e telespectadores, por exemplo, ao se perguntarem: “ele tem algo a dizer? Está em
condições de poder dizê-lo? O que ele diz merece ser dito nesse lugar? Em uma palavra, que
faz ele ali?” (BOURDIEU, 1997 [1996]: 18). Apesar disso, vemos que tais pontos questionam
unicamente o poder simbólico do qual dispõem os participantes da TV, mas nenhum
questionamento fazem a respeito de qual seja efetivamente o estatuto da TV para que escolha
lhes exibir isso ou aquilo como pertinente.
Por meio desses questionamentos acerca das possibilidades de participação de
agentes externos no campo jornalístico, Bourdieu (1997 [1996]: 77) caracteriza o grau de
autonomia do campo jornalístico, também tratado pelo autor, por exemplo, no seguinte trecho:
O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo
econômico por intermédio do índice de audiência. E esse campo muito
heterônomo, muito fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele
próprio, uma pressão sobre todos os outros campos, enquanto estrutura.
Tendo em vista as palavras acima, vemos que a relação com outros campos se dá
de modo bastante particular para o campo jornalístico: entendido como meio influenciador de
tantos outros campos, seu grau de autonomia se restringiria pelas demandas do mercado. Apesar
dessa forte autonomia e influência, Bourdieu (1997 [1996]) atenta para o fato de que o campo
jornalístico é também “muito mais dependente das forças externas que todos os outros campos
de produção cultural” (BOURDIEU, 1997 [1996]: 76), visto que suas produções pretendem ter
como objeto os eventos, as informações e as tendências dos demais campos. A nosso ver,
embora o campo jornalístico seja designado como um meio de sanção e de legitimação de outros
campos, não nos parece existir espaços sociais que, ao campo jornalístico, desempenhem com
força semelhante o mesmo papel de aferição ou de sanção, de modo que são escassos os espaços
de crítica ao jornalismo como um todo e à televisão.
Dessa forma, haveria uma relação entre o poder simbólico detido pela televisão e o
fato de que a exibição e consagração de indivíduos e práticas no e pelo campo jornalístico se
constituem como meios de legitimação dos agentes em seus campos outros de atuação. A
respeito disso, Bourdieu (1997 [1996]: 67) salienta:
38
Não há discurso (análise científica, manifesto político etc. nem ação,
manifestação, greve etc.) que, para ter acesso ao debate público, não deva
submeter-se a essa prova de seleção jornalística, isto é, a essa formidável
censura que os jornalistas exercem, sem sequer saber disso, ao reter apenas o
que é capaz de lhes interessar, de “prender sua atenção”, isto é, de entrar em
suas categorias, em sua grade, e ao relegar à insignificância ou à indiferença
expressões simbólicas que mereceriam atingir o conjunto dos cidadãos.
Para Bourdieu (1997 [1996]: 28), uma explicação possível acerca do poder
simbólico e de legitimação conquistado pelo campo jornalístico pode advir do “efeito de real”
construído pela televisão, isto é, da particularidade de “fazer ver e fazer crer no que faz ver”. É
preciso lembrar que a televisão evoca ideias e constrói representações sobre uma gama de fatos
e eventos, sobre variedades, incidentes, acidentes cotidianos etc, de modo que mesmo um relato
presencial como o de um repórter consiste numa realidade por ela reorganizada. As evocações
do real transmitidas pela televisão podem ocasionar diversos efeitos sociais, como movimentos
de mobilização e desmobilização, haja vista que a televisão, em poucas horas, pode reunir como
telespectadores um número bastante superior ao de leitores de vários jornais impressos e,
portanto, pode ser grande a circulação de uma realidade reorganizada e homogeneizada.
O “efeito de real” presente nas exibições em televisão faz parte de um processo de
seleção de conteúdo bastante problemático, de acordo com Bourdieu, pois o princípio norteador
das escolhas se daria em função da busca pelo “sensacional”, pelo “espetacular”. Exemplos
dessa construção do real sensacional seriam os modos de dramatização de um acontecimento
por parte do jornalismo disposto a exagerar a gravidade de casos que possam gerar comoção
popular ou as categorizações utilizadas nos anúncios das principais notícias, pois estas carregam
consigo a possibilidade de “causar estragos”6 (BOURDIEU, 1997 [1996]: 26) muitas vezes
criando representações falsas do acontecimento e dos eventos transmitidos.
Um segundo fator a partir do qual se dá a seleção de conteúdo reside nos interesses
dos agentes internos ao campo responsáveis pelas escolhas, como os jornalistas. Na visão de
Bourdieu, os jornalistas têm como alvo os conteúdos excepcionais, afora o fato de que aquilo
considerado excepcional para eles pode ser visto como banal por tantos outros. Segundo o autor,
“os jornais cotidianos devem oferecer cotidianamente o extra-cotidiano, não é fácil...”
(BOURDIEU, 1997 [1996]: 26). Assim, para Bourdieu (1997 [1996]), a seleção de conteúdo
6Nas palavras de Bourdieu (1997 [1996]: 26), “nomear, como se sabe, é fazer ver, é criar, levar à existência. E as
palavras podem causar estragos: islã, islâmico, islamita – o véu é islâmico ou islamita? E se porventura se tratasse
simplesmente de um xale, sem mais? Acontece-se ter vontade de retomar cada palavra dos apresentadores que
falam muitas vezes levianamente, sem ter a menor idéia da dificuldade e da gravidade do que evocam e das
responsabilidades em que incorrem ao evocá-las diante de milhares de telespectadores, sem as compreender e sem
compreender que não as compreende. Porque essas palavras fazem coisas, criam fantasias, medos, fobias ou,
simplesmente, representações falsas”.
39
seria limitada pela imposição da perseguição ao “furo” jornalístico. A partir de mecanismos
como esses presentes na seleção de conteúdo é possível observar a estratégia de “ocultar
mostrando” como norteadora do campo jornalístico televisivo. Tal expressão designaria os dois
mecanismos contraditórios presentes no campo jornalístico televisivo, o de se dedicar à
transmissão de informação ainda que ocultando os processos e os participantes que influenciam
a seleção de conteúdo.
1.4 Mecanismos de organização do campo jornalístico na visão bourdiana
Outras regras invisíveis e estratégias de conservação do poder simbólico são vistas
nos mecanismos que organizam a dinâmica social das produções jornalísticas televisivas. Uma
primeira regra apresentada por Bourdieu estaria presente na censura invisível exercida pela
televisão, mecanismo que se dá pelas imposições de certas condições de comunicação aos
agentes presentes do campo, sejam eles convidados ou mesmo jornalistas. Para o autor, essa
censura incidiria sobre os temas e as seleções de conteúdo, sobre o tempo reservado às
discussões, bem como sobre as restrições que são feitas sobre o discurso.
Além disso, é preciso levar em conta as censuras econômicas que se impõem à
televisão, essas através de anúncios e projetos publicitários e das subvenções fornecidas pelo
Estado. Ainda que o objetivo de transmissão de conteúdo seja visto como o primordial ao campo
jornalístico televisivo, a lógica econômica que proporciona esse trabalho é silenciada ou tratada
como não divergente a um princípio de livre informação, de modo que se faz pensar que os
anunciantes e patrocinadores entram em cena apenas em momentos delimitados à publicidade
e não exercem influência sobre os demais conteúdos transmitidos. Para Bourdieu (1997 [1996]),
a ocultação de mecanismos como esse, relativos à verdadeira influência - para além dos
anúncios em intervalos comerciais – da publicidade e do campo econômico na TV adensam a
ideia de uma censura invisível e da estratégia de “ocultar mostrando”, levando a crer numa
conservação da ordem simbólica através do campo jornalístico televisivo.
Se, para a descrição dos mecanismos presentes num campo social, faz-se necessário
observar os agentes que o compõem, importa lembrar também o papel dos jornalistas inseridos
no microcosmo jornalístico. Para Bourdieu, “os produtos jornalísticos são muito mais
homogêneos do que se acredita” (1997 [1996]: 30), de tal modo que algo dizem sobre a
trajetória dos agentes internos ao campo. Ainda que exista concorrência, se diferentes veículos
jornalísticos e televisivos se encontram sob as mesmas restrições e sob a influência dos mesmos
anunciantes, as possibilidades de tomadas de posição para agentes internos, como os jornalistas,
40
não seriam dramaticamente distintas – segundo Bourdieu (1997 [1996]: 31), “basta ver com
que facilidade os jornalistas passam de um jornal a outro”. Não se pode dizer que Bourdieu
(1997 [1996]) negligencia as diferenças internas ao campo no que diz respeito às posições de
seus agentes, porquanto seu raciocínio reconhece os conflitos, a concorrência e a hostilidade
que marcam o meio jornalístico. De modo semelhante, o autor considera a existência de
posturas tidas como “subversivas” por parte de jornalistas que se esforçam em semear
diferenças em meio a essa homogeneização do campo. No entanto, para a ideia acerca da
homogeneidade, o pensamento de Bourdieu leva em conta outra particularidade do campo
jornalístico, no qual a pauta é baseada também por aquilo que está sendo dito e pautado pelos
concorrentes. Acerca disso, tomemos as palavras de Bourdieu (1997 [1996]: 34):
As escolhas que se produzem na televisão são de alguma maneira escolhas
sem sujeito. Para explicar essa proposição talvez um pouco excessiva,
invocarei simplesmente os efeitos de mecanismo de circulação circular a que
aludi rapidamente: o fato de os jornalistas, que, de resto, têm muitas
propriedades comuns, de condição, mas também de origem e formação, lerem-
se uns aos outros, verem-se uns aos outros, encontrarem-se constantemente
uns com os outros nos debates em que se revêem sempre os mesmos, tem
efeitos de fechamento e, não se deve hesitar em dizê-lo, de censura tão
eficazes – mais eficazes mesmo, porque seu princípio é mais invisível –
quanto os de uma burocracia central, de uma intervenção política expressa.
A partir do excerto acima, vemos que Bourdieu (1997 [1996]) considera o clipping,
prática jornalística que consiste na seleção de notícias e temas, um instrumento de trabalho que
ocorre muito em função da repercussão de conteúdos anteriormente ou simultaneamente
trabalhados em outros jornais ou emissoras de televisão. Esse mecanismo corrobora a ideia de
homogeneidade entre as ações dos agentes internos ao campo e sua compreensão desvela uma
lógica jornalística pautada pela “circulação circular de informação”, segundo a expressão
cunhada pelo autor para designar esta estratégia de conversação do campo.
Comentamos anteriormente sobre a busca pelo extraordinário e pelo furo no campo
jornalístico. Não podemos deixar de lembrar que esse ponto se liga a outra regra invisível que
permeia a televisão, a pressão pela urgência, e o próprio dilema interno vivido pelo campo, a
busca pela audiência. Para Bourdieu (1997 [1996]), os mecanismos voltados à busca pela
audiência se retraduzem na urgência de primeiramente transmitir certos conteúdos e, com isso,
podemos dizer que os efeitos desse dilema interno são vistos também nas decisões sobre o que
é exibido. Já a pressão pela urgência impactaria diretamente os conteúdos transmitidos na
televisão, sobretudo as falas produzidas por agentes supostamente externos ao campo que são
trazidos para os contextos jornalísticos como especialistas em temas que se discutirá.
41
A ideia de Bourdieu acerca da contradição entre a urgência e a participação de
especialistas tem em vista uma impossibilidade de real discussão e de verdadeira
problematização sobre um tema diante de circunstâncias nas quais se deve pensar em
velocidade acelerada. Nesse sentido, as produções televisivas que supostamente se dispõem à
discussão e ao debate seriam marcadas pela participação de fast-thinkers, uma espécie de
agentes de fast-food cultural, pois, pela pressão da urgência, produzem “alimento cultural pré-
digerido, pré-pensado” (BOURDIEU, 1997 [1996]: 41). De acordo com o autor, a presença dos
fast-thinkers nas produções televisivas implicaria na vasta transmissão de “ideias feitas”, a
respeito das quais o autor afirma:
Quando emitimos uma “idéia feita” é como se isso estivesse dado; o problema
está resolvido. A comunicação é instantânea porque, em certo sentido, ela não
existe. Ou é apenas aparente. A troca de lugares-comuns é uma comunicação
sem outro conteúdo que não o fato mesmo da comunicação. Os “lugares-
comuns” que desempenham um papel enorme na conversação cotidiana têm
a virtude de que todo mundo pode admiti-los e admiti-los instantaneamente:
por sua banalidade, são comuns ao emissor e ao receptor. Ao contrário, o
pensamento é, por definição, subversivo: deve começar por desmontar as
“idéias feitas” e deve em seguida demonstrar. Quando Descartes fala de
demonstração, ele fala de longas cadeias de razões. Isso leva tempo; é preciso
desenvolver uma série de proposições encadeadas por “portanto”, “em
consequência”, “dito isto”, “estando entendido que”... Ora, esse
desdobramento pensante está intrinsecamente ligado ao tempo. (BOURDIEU,
1997 [1996]: 40-41)
A visão crítica de Bourdieu (1997 [1996]: 40) sobre esses “pensadores que pensam
mais rápido que sua sombra”, tem como base um julgamento a respeito das trajetórias e dos
habitus desses agentes supostamente externos ao campo jornalístico e supostamente
especialistas em suas áreas de atuação - frequentemente, o campo da produção cultural. Na
visão de Bourdieu (1997 [1996]), esses “especialistas” e “articulistas”7 tornam-se falantes
obrigatórios na televisão, na medida em que são sempre convidados com base numa mesma
lista de contatos sobre “quem chamar” para tratar desse ou daquele tema. Em sua crítica o autor
7A nosso ver, seria possível pensar que a escolha dos especialistas e articulistas ocorre, em larga medida, no sentido
de criar uma convergência entre aquelas perspectivas sobre o fato jornalístico apresentadas por esses agentes e a
perspectiva dos agentes internos à televisão, como os jornalistas e apresentadores desses contextos jornalísticos,
ou da própria emissora como unidade governada por posicionamentos e objetivos específicos dos que ocupam seus
papéis de autoridade. Desse modo, seria possível pensar que esse tipo de participação, por inúmeras vezes, busca
agentes que na verdade possam referendar - revestidos da legitimação de outros campos - os posicionamentos que
o meio televisivo pretende transmitir. Contudo, a tentativa desse tipo de convergência por vezes pode “falhar”, de
modo que certos desacordos se instauram entre agentes internos e externos ao campo. A respeito disso trata o
artigo de Martins (2014) sobre o embate de perspectivas, e sua emergência nas categorizações e no direcionamento
do tópico discursivo, em uma entrevista concedida pelo sociólogo Silvio Caccia Bava ao canal de TV por assinatura
Globo News.
42
sinaliza também relações que podem ser feitas entre a frequência desses agentes no microcosmo
jornalístico e sua posição - prestigiada ou desprestigiada? - no campo da produção cultural em
que estão inseridos.
Bourdieu (1997 [1996]) demonstra, ainda, como as estratégias de conservação do
campo se encontram presentes em contextos jornalísticos específicos, como os debates entre
agentes internos (apresentadores e jornalistas) e externos (convidados). Para ele, esses
contextos se configurariam como “debates verdadeiramente falsos” ou “falsamente
verdadeiros”. Acerca do primeiro tipo, o autor destaca a contradição exibida pela presença,
numa interação específica, de indivíduos que à primeira vista colocam em cena pensamentos
bastantes díspares, embora fora dos espaços midiáticos atuem sem as distinções por eles
exibidas na televisão, por vezes tendo relações bastante próximas de amizade. Já ao tratar dos
debates “falsamente verdadeiros”, Bourdieu (1997 [1996]) chama atenção para a figura do
apresentador nesses contextos de interação, pois esses agentes mobilizariam uma série de
recursos – como as categorizações ou as pistas de contextualização (GUMPERZ, 1982) dadas
através do direcionamento do olhar etc –, de modo mais ou menos consciente, para firmar
diferentes posições perante os participantes do debate. Assim, embora o papel desses agentes
seja muito ligado a uma administração justa das “regras do jogo”, nesses debates as regras
possuiriam uma “geometria variável” (BOURDIEU, 1997 [1996]: 44), posto que não são as
mesmas para diferentes sujeitos que detêm distintos tipos de capital simbólico. Na configuração
desses debates “falsamente verdadeiros”, soma-se ao papel dos apresentadores a composição
dos estúdios nos quais essas interações ocorrem, no intuito de criar um ambiente de equilíbrio
democrático, e as regras tácitas que circulam a respeito do próprio discurso, já que os
enfrentamentos devem ocorrer numa linguagem formal e erudita.
Todos esses mecanismos estão presentes na organização tácita do microcosmo
jornalístico e nela se perpetuam, de acordo com Bourdieu (1997 [1996]). No cerne da
problematização feita sobre o mundo do jornalismo e da crítica de Bourdieu a respeito desse
microcosmo não estaria, em verdade, um ataque aos agentes internos ao campo ou aos agentes
externos que o frequentam. As observações de Bourdieu (1997 [1996]) têm como ponto crucial
o desvelamento de uma relação de forças que já nos anos noventa sobrepunha o campo
jornalístico – dominado pela lógica comercial - ao campo de produção cultural. A partir dessa
relação de força, as possibilidades dos agentes do campo da produção cultural frente a um
trabalho desvinculado do meio jornalístico televisivo se tornariam bastante limitadas, e muito
permeadas pelos ditames desses outros campos. É isso que nos mostra o autor em excertos como
o seguinte:
43
O objeto, aqui, não é o “poder dos jornalistas” - menos ainda o jornalismo
como “quarto poder” -, mas a influência que os mecanismos de um campo
jornalístico cada vez mais sujeito às exigências do mercado (dos leitores e dos
anunciantes) exercem, em primeiro lugar sobre os jornalistas (e os
intelectuais-jornalistas) e, em seguida, e em parte através deles, sobre os
diferentes campos de produção cultural, campo jurídico, campo literário,
campo artístico, campo científico. Trata-se então de examinar como a
restrição estrutural exercida por esse campo, ele próprio dominado pelas
pressões do mercado, modifica mais ou menos profundamente as relações de
força no interior dos diferentes campos, afetando o que aí se faz e o que aí se
produz e exercendo efeitos muito semelhantes nesses universos
fenomenicamente muito diferentes. (BOURDIEU, 1997 [1996]: 101)
1.5 Algumas conclusões
Até o momento, nossa discussão sobre o campo jornalístico no presente trabalho
pretendia resgatar a caracterização de Bourdieu (1997 [1996]) a respeito desse microcosmo
específico para que pudéssemos compreender como se dá, em ambas as entrevistas que
compõem nosso corpus, a participação do rapper Mano Brown, um dos sujeitos cuja trajetória
está ligada às posições de prestígio no movimento hip hop e no subcampo da produção cultural
da periferia. Os objetivos do capítulo envolveram também uma apresentação da noção de campo
social (assim como de conceitos correlatos como o habitus e o capital simbólico) e da
compreensão de Bourdieu sobre o papel da linguagem para a inserção dos agentes num campo.
Nosso esforço teve como tentativa uma ponderação sobre as análises mais críticas presentes nas
obras Ontologia política de Martin Heidegger (1989a [1975]) e Sobre a Televisão (1997
[1996]), para que pudéssemos construir uma descrição parcimoniosa das relações sob as quais
se fundamentam nossas análises.
As entrevistas jornalísticas são tomadas por nós como interações específicas que
representam um momento de contato entre o campo jornalístico e o movimento hip hop do
subcampo da produção cultural da periferia representado pelo entrevistado Mano Brown. Ora,
ao assumirmos as considerações de Bourdieu sobre a relação de forças entre a televisão e os
demais campos, é possível pensar que a participação do rapper e protagonista de movimento
social nos contextos de entrevista que analisaremos representa um movimento das margens para
o centro (BENTES, FERREIRA-SILVA e MARIANO, 2013), na medida em que poderia
significar o interesse do campo jornalístico televisivo em transmitir conteúdos sobre sujeitos
representativos de boa parte da população brasileira, sobretudo aos jovens das periferias
urbanas.
44
No entanto, para compreender as relações que emergem nesses dados de entrevista,
através de recursos textuais-discursivos como os expedientes metadiscursivos, por exemplo,
devemos levar em conta também a trajetória de Mano Brown no movimento hip hop ligado ao
campo da produção cultural da periferia, bem como suas tomadas de posição na relação com o
campo jornalístico. A nosso ver, o rapper ocuparia posição de destaque em meio a diversos
agentes externos à televisão, e dentre diversos agentes internos ao movimento hip hop no campo
da produção cultural da periferia, por conta de como se insere nesses espaços simbólicos que
poderiam impactar de diversos modos sua representação social e poder. Nossa hipótese é de
que sua participação nas entrevistas jornalísticas é marcada pelo emprego de expedientes
metadiscursivos como modo de negociar as ações e perspectivas em jogo entre os participantes
de ambas as entrevistas e como forma de adequar sua participação nos tópicos instaurados pelos
entrevistadores, em função dos impactos que esses tópicos teriam para sua representação social
como um todo.
Além disso, ainda que possamos prever a consonância entre os mecanismos
descritos por Bourdieu que aqui recuperamos e as interações emergentes em nossos dados, será
preciso dar um tratamento mais aprofundado a cada uma das entrevistas em análise - passando
pela contextualização dos programas televisivos e dos órgãos de imprensa nos quais são
produzidos - segundo sua posição e seu peso simbólico nos espaços sociais midiáticos. Será
preciso ter em conta, ainda, certas considerações sobre cada um dos participantes presentes
nesses espaços interativos, para que possamos considerar sua relação (mais interna ou externa,
de maior ou menor prestígio, suas tomadas de posição) com o campo jornalístico. Esses fatores
serão por nós explorados em duas seções do terceiro capítulo, na reconstrução contextual dos
programas Roda Viva e Papo com Benja. Já a relevância da observação dos expedientes
metadiscursivos, para compreendermos essas questões, será abordada no início do capítulo
seguinte.
45
2. METADISCURSIVIDADE EM ENTREVISTAS: SOBRE AS
CATEGORIAS DE ANÁLISE, OS RECORTES METODOLÓGICOS E
A CONTEXTUALIZAÇÃO DO CORPUS
No presente capítulo, abordamos a metadiscursividade enquanto fenômeno textual-
discursivo por meio do qual tecemos nossa análise. Para isso, será preciso considerar as
interações em entrevistas como loci relevantes a uma observação do metadiscurso. Ato
contínuo, procuraremos apresentar nossos recortes téorico-metodológicos e a justificativa para
a escolha de nossas amostras.
2.1 A metadiscursividade como dispositivo analítico de entrevistas jornalísticas
Consideramos que a inserção de sujeitos representativos e estigmatizados como
Mano Brown em contextos do campo jornalístico não se dá de modo trivial, já que sua
participação pode gerar diversos impactos para a posição construída pelo rapper no movimento
hip hop e no campo da produção cultural da periferia. Além disso, a configuração das entrevistas
deve ser compreendida também enquanto resultante de certas regras, mecanismos e papeis
atuantes no microcosmo jornalístico, segundo o que nos mostra o trabalho de Bourdieu (1997
[1996]).
Nosso olhar sobre as entrevistas procura conjugar uma reflexão ampla (no âmbito
das relações que se estabelecem entre os agentes e os campos sociais) à compreensão das ações
de textualização nesses contextos, tomando como foco de análise os expedientes
metadicursivos. Para estabelecer essa relação integrativa entre níveis de análise “macro” e
“micro”, cumpre apresentarmos as entrevistas como interações nas quais certos fenômenos
textuais-discursivos, como o metadiscurso, parecem emergir de modo privilegiado.
As entrevistas jornalísticas que compõem o corpus do presente trabalho foram
concedidas por Mano Brown ao programa Roda Viva, da TV Cultura, e ao programa Papo com
Benja, da L!TV. Nossas observações sobre os dados passam a refletir a correlação entre uma
concepção de linguagem como prática comunicativa – tal como evocada pelos trabalhos de
Hanks (2008), capaz de estabelecer relações entre indivíduos e campos sociais. Na esteira dessa
concepção de língua, tomamos o texto enquanto o “evento comunicativo” no qual convergiriam
essas ações linguísticas, cognitivas e sociais – referimo-nos, aqui, ao desenvolvimento da noção
de texto tal como feito por Beaugrande (1997, apud KOCH, 2004: 170).
46
Segundo Fávero et al. (2010) e Aquino (2000) as entrevistas jornalísticas
constituem-se como situações interativas complexas, visto que os objetivos dos sujeitos têm
como foco não apenas os participantes presentes (entrevistadores e entrevistado), mas também
os telespectadores que compõem a audiência. Dessa forma, consideramos que há interesse dos
participantes em explicitar ou preservar sua opinião sobre certos tópicos8 tido como
“ameaçadores”, a depender da representação que os sujeitos esperam ter perante a audiência.
Ao tratar da influência da audiência para os papéis de entrevistadores e entrevistados, afirmam
Fávero et al. (2010) que os participantes caracterizam-se como “cúmplices, no que diz respeito
à comunicação, e oponentes, quanto à conquista desse mesmo público”.
No que diz respeito às entrevistas, haveria relação entre a instauração e
desenvolvimento dos tópicos e a estrutura de participação dessas interações. Nesses contextos,
os papéis de entrevistadores e entrevistado pressupõem o par pergunta-resposta, a partir do qual
ficaria a cargo dos participantes entrevistadores a instauração de novos tópicos e a cargo do
entrevistado Mano Brown o acatamento e desenvolvimento destes. Fávero et al. (2010) atentam
para a importância deste último ponto, afirmando que em entrevistas as perguntas são
responsáveis por direcionar o texto, sendo capazes também de modificar as relações entre os
sujeitos participantes.
Segundo Fávero et al. (2010), as entrevistas caracterizam-se como uma “criação
coletiva”, cujos participantes constroem relações especiais de “dominância ou igualdade,
convivência ou conflito, familiaridade ou distância”, de modo que o discurso produzido nesses
contextos frequentemente envolve acordos e negociações (Cf. AQUINO et al. 2000: 69). Com
8Voltando-nos para o tratamento da noção de tópico, primeiramente a afastamos aqui de sua acepção enquanto
“tópico frasal”. Assim, não nos referimos a construções próximas da sintaxe altamente incidentes no português
brasileiro que o fazem uma “língua com proeminência de tópico e sujeito”, tal como postulado por Pontes (1987).
No entanto, partilhamos de algumas considerações trazidas pela autora, na medida em que seus estudos já
afirmavam que construções tópicas na sentença também podem sinalizar a entrada de um novo tópico discursivo.
Como afirma Mira (2012), a dicotomia entre acepções acerca do tópico foi dissolvida pelo empreendimento do
grupo Organização textual-interativa no âmbito dos estudos do Projeto Gramática do Português Falado, que
agregaram à noção de tópico o estatuto de uma categoria textual-interativa. Portanto, tem-se aqui a noção de tópico
tal como postulada pelo grupo Organização textual-interativa do PGPF e, posteriormente, revisitada em Jubran
(2006: 35) qual seja: “tópico é tomado no sentido de ‘acerca de’ que se fala, isto é, um conjunto de referente
explícitos ou inferíveis concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem”. Ao conceito
de tópico discursivo estão atreladas duas propriedades chave, de acordo com Jubran (2006). São elas: centração –
a propriedade definidora, segundo a autora – e organicidade. A propriedade de centração abriga três outros
aspectos: (i) a concernência, que designa a integração e a interdependência de elementos textuais obtidas através
de processos referenciais; (ii) a relevância: determina que os elementos textuais constituintes do tópico são
elementos que se sobressaem, isto é, “são projetados como focais” e (iii) a pontualização: determina que podem
ser encontrados em algum ponto do texto os elementos textuais referentes ao tópico. Quanto à propriedade tópica
de organicidade, esta se refere às relações hierárquicas entre tópicos, bem como às articulações, resultantes das
adjacências e interposições tópicas ao longo do discurso – trata-se, portanto, das relações de interdependência entre
tópicos.
47
base em Goffman (1967), Aquino et al. (2000) afirmam que a negociação nas interações é
produto de uma divergência e, ao longo da interação, a finalidade é a de se chegar a uma forma
de acordo – mesmo que esse acordo seja apenas a mera constatação de que se deveria chegar a
um acordo.
As considerações desses autores, inscritos nos Estudos do Texto, não deixam de
chamar atenção para a necessidade de observarmos as entrevistas também pelo modo como se
configuram as relações entre seus agentes. Ao demonstrar as diversas possibilidades de
distribuição de poder nos papeis estabelecidos nas entrevistas, as considerações de Fávero et al.
(2010) e Aquino et al. (2000) indicam o caminho para que possamos articular abordagens
sociológicas como as de Bourdieu (1996 [1994]; 1997 [1996]) a uma compreensão contextual
do papel de recursos textuais-discursivos em interações como as entrevistas.
Fávero et al. (2010) destacam ainda certas questões acerca da progressão textual
das entrevistas e de sua relação com as perguntas, responsáveis por direcionar o texto e por
instaurar os tópicos perante os sujeitos entrevistados. Para os autores, as perguntas são capazes
também de modificar as relações entre os sujeitos participantes, na medida em que mobilizam
informações que podem significar aproximações ou conflitos. Vemos, portanto, que ao longo
das entrevistas as perguntas proporcionam uma reorganização do contexto e conferem um
caráter bastante dinâmico à organização sequencial dos tópicos discursivos desenvolvidos.
Importa lembrar que, segundo os autores, certos tópicos se constituem como “mais
ameaçadores” para certos entrevistados, fazendo com que o entrevistador deva formular os
enunciados de forma mais estratégica e polida.
O papel das perguntas e dos tópicos discursivos no andamento das entrevistas pode
ser articulado ao pensamento de Bourdieu (1996 [1994]; 1997 [1996]) quando, por exemplo,
assumirmos o papel da linguagem nas tomadas de posição dos agentes de um determinado
campo. Se, para o sociólogo, muitas ações para “por em forma” o discurso resultariam em
tomadas de posição, bem-sucedidas conforme a adequação desse discurso ao momento histórico
de um campo, as considerações de Fávero et al (2010) acerca do papel dos tópicos discursivos
parecem algo compatíveis a esse pensamento, haja vista o reconhecimento de que tópicos
ameaçadores são tratados como ações de textualização (ajustáveis, negociáveis) que podem
impactar a representação social dos falantes.
Acerca da metadiscursividade, é preciso, primeiramente, considerar brevemente
diferenças no tratamento do que significa a atribuição do componente “meta” e, por
conseguinte, aquilo que compreendemos no presente trabalhando enquanto uma manifestação
do metadiscurso na língua. De acordo com Morato (2012: 47),
48
(...) a metadiscursividade tende a não se identificar com operações
metalinguísticas (como os grupos nominais metalinguísticos ou as
categorizações de referentes) e isso em função do fato de que o metadiscurso
não pode ser subsumido por metalinguagem – pelo menos não no sentido de
uma metalinguagem tomada em termos de uma capacidade mental, uma
metalinguagem dissociada ou separada dos contextos de uso social da
linguagem.
Segundo Morato (2005), alguns autores (Cf. CULIOLI, 1982) postularam
diferentes níveis de consciência sobre o objeto linguístico para sustentar uma dicotomia entre
operações epilinguísticas (hesitações, autocorreções, reelaborações, repetições, frequentes na
fala) e metalinguísticas (que tomam a própria atividade discursiva como objeto de reflexão).
Outros autores afirmaram que, ainda que as operações epilinguísticas demonstrem um trabalho
reflexivo sobre a língua, sobre o “já dito”, há diferenças quando o grau de distanciamento
reflexivo dos sujeitos incide sobre “o dizer enquanto se diz”, introjetando no decurso da fala a
própria instância da enunciação (Cf. AUTHIEZ-REVUZ, 1998). No entanto, ainda para a
autora, torna-se difícil corroborar uma forte diferenciação entre operações epi e
metalinguísticas, ou mesmo entre operações epilinguísticas e metaenunciativas, na medida em
que fenômenos como as hesitações, autocorreções e repetições também representam uma
“capacidade ‘mais ou menos’ consciente que os falantes têm do uso que fazem da língua (e da
linguagem)”9.
Foi a partir do trabalho de Borillo (1985) que a questão da autorreflexividade esteve
recoberta de um maior interesse nos Estudos do Texto. Segundo o tratamento dado por Borrillo
(2005), a autorreflexividade manifesta na língua remeteria "tanto à estrutura da língua enquanto
sistema, quanto à sua ativação em situação de comunicação" (LIMA, 2005). As funções da
metalinguagem ao longo da enunciação foram descritas por Borillo (1985) levando em conta
três modos a partir dos quais a autora compreende o metadiscurso:
a) a que faz referência ao discurso, especificando aspectos do código em uso
na elaboração do texto; b) a que se refere ao discurso como fato enunciativo,
para explicitar algumas de suas condições, ligadas à gestão do diálogo, tendo
em vista sua inteligibilidade; c) a que se refere ao discurso enquanto
construção de enunciados, para explicitar seu desenvolvimento, sua estratégia
e organização argumentativa. (apud LIMA, 2005: 2)
9A abordagem de Morato (2005: 253) não deixa de considerar, por exemplo, que “nem toda reformulação implica
um distanciamento metaenunciativo”, mas trabalha com a ideia de que essas diferenciações devam ser analisadas
nos processos de significação, permeados pela intersubjetividade e pela negociações das intenções manifestas ou
pretendidas pelos falantes.
49
No Brasil, Risso e Jubran (1998) se voltaram para o estudo da autorreflexividade a
partir dos pressupostos teóricos desenvolvidos pelos estudos textuais-interativos, segundo os
quais a linguagem é entendida como uma atividade verbal compartilhada, situada e permeada
por relações sociais muitas vezes complexas entre os participantes (RISSO e JUBRAN, 1998).
Posteriormente, Jubran (2005) e Morato (2005), dentre outros autores, tomaram a
metadiscursividade como fenômeno a ser explorado na pauta das discussões sobre os processos
de referenciação e de desenvolvimento do tópico discursivo. Ao analisarem os processos de
referenciação metadiscursiva, por exemplo, Jubran (2005) e Morato (2005) têm como base a
ideia de que o metadiscurso pode ser observado como recurso presente nas atividades
compartilhadas de uso da linguagem, nas constituição da significação pelos interactantes, nos
movimentos intersubjetivos da construção de sentido (MORATO, 2005: 251).
Os autores mencionados, tendo em vista o estatuto assumido pela
autorreflexividade nesses processos, parecem concordar sobre a complexidade envolvida nas
operações que tomam por objeto a própria língua, indicando que por meio dessas operações os
falantes se exibem como observadores e gestores da própria fala.
Como ponto central para o presente trabalho, tomaremos a manifestação da
autorreflexividade tal como discutida no âmbito dos Estudos do Texto por autores como Risso
e Jubran (1998), Risso (2000), Koch (2004), Jubran (2005) e Morato (2005), em termos da
metadiscursividade. Sob essa concepção, a autorreflexividade é compreendida como processo
atinente à construção de sentidos, de sorte que pode incidir sobre diversos níveis da atividade
verbal ou não-verbal e introjetar diferentes aspectos do contexto interacional no próprio
discurso. O metadiscurso estaria abarcado, com isso, pelas ações de textualização por meio das
quais os falantes dão forma a seus propósitos comunicativos.
Koch (2004), Jubran (2005) e Morato (2005) entendem que a manifestação da
reflexividade na língua se relaciona com os propósitos comunicativos dos sujeitos nos contextos
interacionais. Para Koch, a metadiscursivdade revelaria “um trabalho do locutor sobre a língua,
sobre seus efeitos e suas circunstâncias pragmáticas” (KOCH, 2004: 121). Desse modo, a autora
(2004) discute diferentes tipos de estratégias metadiscursivas. A nosso ver, sua abordagem
enfatiza as ações dos falantes e permite compreender como estes se valem do metadiscurso
enquanto um recurso de construção de sentidos, por meio do qual concretizam seus projetos-
de-dizer. A proposta de Koch (2004: 120-128) sobre diferentes modalidades da
metadiscursividade compreende as seguintes estratégias:
50
i. metaformulativas (dado que podem exibir a reflexão feita pelos sujeitos
sobre o código usado, sobre a estruturação do texto ou sobre o papel de
um segmento para a organização textual);
ii. metapragmáticas ou modalizadoras (posto que podem inserir ressalvas
ou atenuações e indicar o comprometimento ou afastamento do locutor
com seu dizer, bem como seu grau de certeza sobre o dito);
iii. metaenunciativas (tendo em vista que o metadiscurso pode ter como
glosa a própria a situação de enunciação). Para a autora, podem ser vistos
como modalizadoras, em sentido amplo, todos os três tipos de
estratégias, embora cada um dos tipos se diferencie, por exemplo, pelo
grau de reflexividade (maior no caso das metaenunciativas), pelos
diferentes aspectos que são tidos como escopo (aspectos textuais, no caso
das metaformulativas; relações intersubjetivas estabelecidas a partir das
atitudes em jogo na interação, no caso das pragmáticas; e aspectos
enunciativo-discursivos, no uso das metaenunciativas).
Posto que os dados selecionados consistem em interações face a face configuradas
como contextos de entrevista, importa ressaltar a ligação entre a produção oral e a
metadiscursividade. Lima (2009) atenta para a dimensão particular em que se encontra a língua
falada em relação à possibilidade do uso do metadiscurso: segundo o autor, as condições em
que se estabelece a produção oral estariam mais fortemente relacionadas ao uso do
metadiscurso, fazendo com que os sujeitos manifestassem os próprios fatores enunciativos na
estrutura textual. Segundo Risso e Jubran (1998), a dinamicidade das interações face a face e
sua ancoragem num entorno espaço-temporal favorecem a representação de traços da
enunciação na materialidade verbal. A autorreflexividade, propriedade marcante do
metadiscurso, pode ser encontrada nessa integração entre enunciado e enunciação explicitada
pelo metadiscurso (LIMA, 2005), na medida em que os falantes, simultaneamente, produzem o
discurso e uma glosa sobre o discurso, de acordo com Risso (2000).
Ao considerar que a metadiscursividade não se manifesta apenas no verbal, Morato
(2010) aponta para a necessidade de considerarmos a participação de semioses não verbais nas
ocorrências do metadiscurso. A nosso ver, semioses não verbais podem compor expedientes
metadiscursos (muitas vezes em co-ocorrência com o verbal) por meio de pistas de
contextualização (Cf. GUMPERZ, 1998 [1982]), como o direcionamento do olhar, a postura
corporal, a modulação da fala numa ênfase ou na mudança do fluxo verbal e também por meio
51
da gestualidade dos sujeitos. Segundo a autora, as diferentes modalidades do metadiscurso
representam as dimensões de significação que podem ser introjetadas e materializadas
verbalmente, uma vez que o metadiscurso incide
(...) ora sobre o enunciado, ora sobre a enunciação, ora sobre os recursos
linguísticos; ora sobre o contexto interacional, ora sobre outros processos
cognitivos cuja realidade semiológica vincula-se à linguagem, mas não se
manifesta de forma necessariamente verbal. (MORATO, 2010: 105)
Assim, consideramos que tomar "por objeto o próprio ato de dizer" (KOCH, 2004:
120) envolve reflexões e procedimentos que incidem sobre a eficácia comunicativa (JUBRAN,
2003) pretendida pelos sujeitos ao longo das interações. Por conta do modo como refletem e
operam sobre as interações, torna-se possível associar as estratégias metadiscursivas a recursos
dos quais os sujeitos lançam mão para sua inscrição em campos sociais como o jornalístico, por
exemplo, uma vez que a participação em entrevistas pode consistir em momentos nos quais os
entrevistados têm de lidar, simultaneamente, não apenas com as interações face a face
estabelecidas com os entrevistadores, mas também com a representação que será feita sobre seu
papel (previamente trilhado em campos específicos) perante uma audiência telespectadora.
Acreditamos que a autorreflexividade característica do emprego da
metadiscursividade (RISSO e JUBRAN, 1998; KOCH, 2004) pode estar na base das
negociações presentes ao longo das entrevistas e colabora para a participação que os sujeitos
constroem para si durante sua inserção num determinado contexto e campo social. Assim,
consideramos que, na utilização de estratégias metadiscursivas, o entrevistado Mano Brown,
encontra a possibilidade de uma adequação da força ilocutória de seus dizeres, de um
planejamento verbal estratégico alinhado a seus objetivos interacionais e de cumprimento de
seu papel discursivo (RISSO e JUBRAN, 1998). Com isso, o metadiscurso se relacionaria com
sua inscrição cautelosa e refletida no campo jornalístico.
Embora outros fenômenos (como a referenciação, a modalização e o uso de
marcadores conversacionais, os itens e expressões ligados à polidez ou à argumentação)10 se
façam presentes nos expedientes descritos aqui como metadiscursivos - alguns deles tendo sido
objeto de estudo dentre trabalhos recentes (Cf. LIMA, 2009; MODENA, 2009) - a bibliografia
por nós consultada pareceu não contar com estudos que reunissem a compreensão desses
fenômenos sobre o traço da metadiscursividade. Mais do que isso, a nosso ver se demonstraram
10Alguns desses fenômenos utilizados por Mano Brown como recursos atenuadores são abordados na análise de
Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013).
52
escassos estudos que relacionassem fenômenos de propriedade autorreflexiva a uma
compreensão mais ampla das ações de linguagem, de modo que vários trabalhos se voltam para
como esses fenômenos e recursos operam localmente, a nível interacional, mas não os
relacionam às ações que se constroem no interior de um campo social, por exemplo. Diante
disso, o presente trabalho se propõe a uma compreensão integrativa da metadiscursividade, ou
seja, observando-a enquanto recurso textual-interativo com funções delimitadas ao longo das
interações e enquanto recurso linguístico capaz de (re)configurar a participação de certos
agentes nos campos sociais.
A nosso ver, em função das reações aos tópicos instaurados, os participantes,
entrevistadores e entrevistados lançam mão de recursos textuais-discursivos que permitem a
fixação de interesses e (ou) a negociação das perspectivas em jogo nessas interações (BENTES,
FERREIRA-SILVA, MARIANO, 2013). Nesses casos, a metadiscursividade representaria a
textualização da reflexão sobre a situação comunicativa, sobre a participação dos sujeitos, sobre
as perspectivas em jogo, sobre as relações estabelecidas no decorrer da interação, sobre seus
dizeres ou mesmo sobre certas categorizações que são feitas nesses momentos – como veremos
adiante.
Nesse sentido, consideramos válida a tentativa de estabelecer uma correlação entre
o emprego de expedientes metadiscursivos e outros fenômenos textuais-discursivos, como os
tópicos desenvolvidos ao longo das entrevistas jornalísticas. É preciso levar em conta que os
tópicos discursivos instaurados pelas perguntas que são feitas ao entrevistado estabelecem
relações (tanto mais como menos verdadeiras ou consensuais) entre o entrevistado e um sem
número de ações e circunstâncias suas no espaço social, o que pode incidir sobre a posição
social desse agente no campo social da produção cultural da periferia, por exemplo. Contudo,
nessas entrevistas, tais relações e circunstâncias expressas nos tópicos discursivos podem ser
reiteradas ou recusadas pelo entrevistado Mano Brown. Além disso, os tópicos discursivos
instaurados pelos entrevistadores podem também representar atributos sobre a realidade (seja
como um todo, seja sobre a realidade do campo social da periferia e do hip hop, por exemplo)
de modo divergente ao experimentado por Mano Brown.
Uma vez que os expedientes metadiscursivos podem se referir às construções de
sentido que são expressas no interior dos tópicos desenvolvidos ao longo das entrevistas,
decidimos (i) analisar a relação entre os tópicos e os expedientes metadiscursivos e (ii) observar
como esses expedientes se integram às ações textuais levadas a cabo por Mano Brown nesses
dois contextos inseridos no campo jornalístico.
53
Como veremos adiante, as relações entre o desenvolvimento do tópico discursivo e
o uso de expressões metadiscursivas podem fornecer pistas importantes para a compreensão de
como se relacionam as ações de textualização e as tomadas de posição de Mano Brown no
campo jornalístico. Assim, por meio da análise desses processos de textualização poderíamos
compreender melhor as estratégias levadas a cabo pelos sujeitos em contextos de fala nos quais
estão em jogo sua posição no campo, seja na forma de sua representatividade, seja na forma de
sua estigmatização).
2.2 Dos recortes metodológicos
2.2.1 Seleção e transcrição das amostras de entrevista
Apresentamos aqui as justificativas para a seleção das entrevistas concedidas por
Mano Brown aos programas Roda Viva e Papo com Benja e os recortes metodológicos que nos
permitiram analisar os expedientes metadiscursivos empregados nas entrevistas em função de
(i) suas propriedades de acordo com estudos textuais-interativos produzidos por Koch sobre as
estratégias metadiscursivas (2004) e por Risso e Jubran (1998) sobre o processamento
metadiscursivo do texto; (ii) sua ocorrência nos tópicos discursivos desenvolvidos ao longo das
entrevistas; (iii) suas funções com relação à participação de Mano Brown em ambos os
programas e (iv) seu papel como recurso textual-discursivo para qualificar a inserção do rapper
no campo jornalístico.
Nossa pesquisa envolveu, primeiramente, uma busca por entrevistas concedidas
pelo rapper Mano Brown divulgadas na modalidade oral. Assim, foram encontradas, além da
entrevista concedida ao programa Roda Viva, sob a qual já havíamos nos debruçado em
pesquisa de iniciação científica, outras sete entrevistas televisionadas ou divulgadas pelos
sistemas de TV online: ao programa YO! MTV, ao programa Papo com Benja, ao canal
Afropress, à TV Folha, ao Catraca Livre, ao programa Manos & Minas (TV Cultura) e à revista
online Rap Nacional.
A escolha pelas entrevistas concedidas aos programas Roda Viva e Papo com Benja
leva em conta a ideia de manter a seleção de uma entrevista pautada mais pela formalidade,
como é o caso da primeira, e selecionar também uma entrevista que pode ser localizada em
outro polo num continuum entre formalidade e informalidade – como veremos adiante. Com
isso, contaríamos também com entrevistas de extensão razoavelmente distinta: 87 minutos, no
caso do programa Roda Viva, e 38 minutos, no caso do programa Papo com Benja. A nosso
54
ver, essas escolhas fariam com que déssemos espaço às diferenças que pudessem surgir em
termos da quantidade e da extensão dos tópicos tratados nas entrevistas, assim como em termos
dos expedientes metadiscursivos.
Uma segunda razão para a escolha de ambos os programas consiste no intuito de
privilegiar entrevistas que não passaram por processos de edição prévios a sua divulgação, os
quais poderiam incidir sobre tópicos, sobre semioses verbais ou não verbais (muitas vezes
consideradas, nesses processos, como excrescências linguísticas) ou sobre a própria
manifestação dos expedientes metadiscursivos. Ambos os programas encontram-se registrados
em sua integralidade. A entrevista concedida por Mano Brown ao programa Roda Viva foi
transmitida pelo canal TV Cultura ao vivo, na noite de 24/09/2007, e o programa Papo com
Benja com a presença do rapper data de junho de 2011, conforme as informações divulgadas
no sítio da agência LANCEPRESS! na internet.
Como mencionamos anteriormente, o trabalho com o programa Roda Viva teve
início no projeto de iniciação científica desenvolvido entre 08/2010 e 07/2011. Nesse momento,
por meio da pesquisa nomeada Referenciação e progressão tópica em uma entrevista
jornalística (FERREIRA-SILVA, 2011) foi possível observar como a negociação e a
recategorização dos referentes fazem com que o entrevistado Mano Brown redirecione tópicos
discursivos, propostos pelos entrevistadores, tidos como “ameaçadores”. Além disso, iniciamos
nossas observações sobre a relação entre estratégias de gestão do tópico e aquelas empregadas
pelos sujeitos participantes para a representação de seu “eu” social – nos termos de Goffman
(1995).
Posteriormente, os dados da entrevista concedida pelo rapper ao programa Roda
Viva foram analisados no trabalho desenvolvido por Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013).
Foram enfocadas as estratégias de atenuação e impolidez empregadas por Mano Brown ao
longo da entrevista – como a utilização de marcadores discursivos, o questionamento de
pressupostos presentes nas perguntas dos entrevistadores, e a (re)categorização dos objetos-de-
discurso, o redirecionamento do tópico discursivo, a inversão do par pergunta-resposta
característico das entrevistas –, como recursos que também corroboram sua construção
estilística. Essa relação entre estratégias de atenuação e impolidez e manipulação estilística nos
indicou possibilidades de um olhar direcionado para as ações sociais mais amplas colocadas em
cena pelos participantes da entrevista, sobretudo focando na participação de Mano Brown,
convidado do programa. Destacamos, a seguir, algumas observações sobre essas ações sociais
mais amplas presentes no artigo produzido por Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013: 313):
55
(...) a construção do estilo por Mano Brown nessa entrevista revela que o
rapper ora faz uso de recursos que exibem de forma aberta o conflito entre ele
e os “de fora”, reforçando sua identidade de ator social comprometido com a
periferia e com os seus moradores, ora faz uso de recursos atenuadores para
se adequar às restrições genéricas. MB, portanto, não se furta ao conflito
interno constitutivo de sua produção discursiva, tal como observou Bentes, já
que, ao mesmo tempo em que procura se adequar à situação comunicativa e
construir uma legitimação para o lugar enunciativo que ocupa, irá se deparar
com momentos nos quais o reforço a uma identidade social (e, por
conseguinte, linguística), local e de classe se mostra mais do que necessário
para expor o ponto de vista daquele que vê de dentro as questões sociais da
periferia, diferentemente da visão “de fora” exposta e defendida pela mídia
sobre essas mesmas questões sociais.
As amostras selecionadas para compor o corpus do presente trabalho contemplam
metodologias distintas de transcrição de dados. Quando do início do trabalho com os dados do
programa Roda Viva, o trabalho de Ferreira-Silva (2011) em seu projeto de iniciação científica
procedeu à transcrição da entrevista concedida por Mano Brown de acordo com a notação
utilizada pelo grupo de pesquisa COGITES (“Cognição, Interação e Significação”) na versão
de 2007. O modelo se mostrou adequado aos interesses do projeto desenvolvido, já que sua
notação permite tratar de dados da língua falada à luz de aspectos textuais-conversacionais e de
semioses co-ocorrentes11. A construção do protocolo de transcrição realizada pelo grupo
COGITES tem como base o “modelo Jefferson” (apud MARCUSCHI, 1986; LODER, 2008),
acrescido de detalhamentos e aprimoramentos contínuos que buscam trazer uma melhor
compreensão das interações em sua dimensão multimodal.
As demais entrevistas pesquisadas para o desenvolvimento do presente trabalho,
dentre elas o programa Papo com Benja, foram transcritas a partir de 2013, em convergência
com as atividades desenvolvidas pelo grupo de pesquisa do projeto “'É nóis na fita': a formação
de registros e a elaboração de estilos no campo da cultura urbana popular paulista”, coordenado
pela professora doutora Anna Christina Bentes. O acervo de dados pertencente ao projeto se
baseia no protocolo de transcrição empregado nos estudos sociolinguísticos do projeto ALIP
(Amostra Linguística do Interior Paulista), coordenado pelos professores Sebastião Carlos Leite
Gonçalves e Luciani Ester Tenani (Unesp). O protocolo de transcrição desenvolvido pelo
projeto ALIP se mostra adequado aos objetivos do presente trabalho, não apenas porque
11O registro de semioses co-ocorrentes em interações face a face se faz importante para a análise do grupo CCA,
Centro de Convivência de Afásicos entre sujeitos afásicos e não-afásicos. Segundo as informações divulgadas no
portal do grupo COGITES (<http://cogites.iel.unicamp.br/p/aphasiacervus.html>), coordenado pela profa. Dra.
Edwiges Morato: “A análise de recursos expressivos de indivíduos afásicos, bem como de pessoas com Doença
de Alzheimer, torna-se mais consistente a partir de um sistema de transcrição multimodal da conversação, capaz
de possibilitar uma investigação mais rigorosa do papel de processos semióticos co-ocorrentes (tais como gestos,
expressões fisionômicas, postura corporal, etc.) nas práticas discursivas.”
56
permitiria a convergência entre os dados coletados aqui e aqueles que compõem o acervo do
projeto “É nóis na fita...”, mas também em função das marcações possibilitadas por seu sistema
de notação – desenvolvido para permitir a observação de fenômenos atinentes ao registro dos
falantes, sem que incidam correções gramaticais a nível morfológico ou sintático.
Ambos os protocolos de transcrição utilizados para a transposição do discurso
presente nas amostras contam com marcações gráficas que nos permitem a observação dos
expedientes metadiscursivos. A notação pertencente ao grupo COGITES possibilita a inserção
de sinais para dar conta, por exemplo, de fenômenos segmentais como os truncamentos de
palavras, características prosódicas e ações não verbais simultâneas ao emprego dos
expedientes metadiscursivos (os quais ocorrem, por vezes, em meio à hesitação ou
reformulação nas palavras inicialmente pronunciadas, com entoações e ênfases específicas e
junto a pistas de contextualização que podem ser sinalizadas por comentários do transcritor). O
protocolo pertencente ao projeto ALIP e utilizado pelo projeto “É nóis na fita...” também
possibilita a marcação dos truncamentos de palavras e a inserção de comentários do transcritor,
além de permitir a marcação de mudanças no fluxo discursivo e segmentos característicos da
metalinguagem dos informantes (nos quais mencionam referentes e o código).
Nesse sentido, consideramos que a presença de amostras transcritas a partir de dois
protocolos distintos não pareceu prejudicial à representação e à identificação dos expedientes
metadiscursivos. Os protocolos utilizados para a transcrição das amostras encontram-se em
anexo ao final do trabalho.
2.2.2 Identificação e seleção dos expedientes metadiscursivos
Para os recortes metodológicos dos expedientes metadiscursivos, seguimos os
seguintes passos: a identificação dos segmentos conforme as propriedades apontadas por Risso
e Jubran (1998) e Koch (2004), a separação e listagem desses expedientes, levando em conta
os tópicos e supertópicos nos quais emergem, bem como a contagem e quantificação da
incidência de expedientes em cada supertópico.
Esses passos, alguns deles atinentes a uma abordagem quantitativa, mostraram sua
relevância para o entendimento das funções dos expedientes metadiscursivos em cada um dos
contextos de entrevista e também para uma caracterização mais ampla desses recursos segundo
seu papel nesse momento de inserção de Mano Brown no campo jornalístico.
Como salientam Risso e Jubran (1998) e Rezende (2010), as listagens exaustivas e
a tentativa de tipologias prévias para identificar os segmentos relativos ao metadiscurso se
57
mostram pouco produtivas, haja vista que sua composição pode se dar através de categorias e
expressões as mais variadas. Por conta disso, parece adequado aos propósitos do presente
trabalho a identificação dos expedientes metadiscursivos tais como compreendidos pelas
autoras (RISSO E JUBRAN, 1998; KOCH, 2004), que aludem a diversas manifestações da
metadiscursividade pautando-se pelos propósitos mais gerais subjacentes a sua utilização, sem
ignorar os nuances desses propósitos nas interações e os diferentes níveis de linguagem
introjetados pelo metadiscurso.
As transcrições dos dados anexadas ao fim do trabalho contam com destaques em
diferentes cores para os expedientes metadiscursivos presentes nas entrevistas, no intuito de que
o trabalho possa dar acesso à identificação desses dados.
2.2.3 Da contextualização do corpus
Ainda que compreendamos essas entrevistas como práticas sociais relativamente
estáveis (HANKS, 2008), nosso acesso a elas não se deu de forma direta, mas sim mediado
pelos dados já coletados. Sem que tenhamos nos exposto à realidade de Mano Brown no campo
jornalístico, ou no movimento hip hop do campo da produção cultural da periferia, nossas
análises necessitaram de uma reconstrução contextual da posição e da trajetória de Mano Brown
nesses campos. Somente a partir da reconstrução de algumas das dimensões contextuais que
emergem nas entrevistas selecionadas é que poderíamos compreender as ações de textualização
do rapper como ligadas a ações mais amplas no interior desses dois campos sociais.
Nesse sentido, é possível dizer que a articulação proposta pelo trabalho pressupõe,
uma integração entre níveis “micro” e “macro” de análise para a compreensão da
metadiscursividade enquanto recurso textual-discursivo presente nas ações que ocorrem no
interior de um campo. No entanto, tendo em vista que nossos objetivos não residem na
tipificação das entrevistas enquanto gênero discursivo (Hanks, 2008), foi possível tomá-las
enquanto dois diferentes contextos do campo jornalístico, situados em momentos históricos
algo distintos.
Na reconstrução das entrevistas enquanto contextos do campo jornalístico,
tomamos como base a composição analítica de Hanks (2008). A nosso ver, sua abordagem
acerca daquilo considerado como contexto poderia fazer com que a trajetória no campo (e as
disposições para agir que dela resultam) de sujeitos como Brown deixasse de ser tanto
negligenciada quanto tomada como único parâmetro explicativo para tudo o que nas entrevistas
ocorre.
58
Para explicitar aquilo que evocamos ao tratar desses dois contextos do campo
jornalístico, importa lembrar que, nas abordagens linguísticas, embora a descrição do contexto
seja de suma importância para a apresentação do dado – podendo refinar ou dar mais relevância
aos fenômenos que queremos estudar -, o contextualismo pode tornar-se perigoso. Isso porque,
muitas vezes, ao buscarmos a remissão excessiva ao contexto, acabamos por perder o
linguístico em si. Contudo, na busca por abordagens do contexto em que este não se apresente
como conceito ontologizado ou simplesmente como “pano de fundo” dos fenômenos
linguísticos, encontram-se propostas teóricas como a de Van Dijk (2012) e também como a de
Hanks (2008).
Para Hanks (2008), algumas abordagens linguísticas tradicionais procuraram
reduzir as estruturas sociais aos comportamentos individuais, restando ao contexto um papel
efêmero em que este estaria localizado no processo emergente da fala, como simultâneo da
conversação e da interação. Outras abordagens tomaram o contexto apenas em seu sentido
global, baseando-se em amplas teorias sociais e históricas e apontando o foco da análise textual
para aspectos anteriores ao momento de produção do enunciado. Ambas as abordagens,
segundo Hanks (2008), culminaram no mesmo problema de distorção da significação e
corroboram a existência de uma dicotomia entre os níveis macro e micro.
Em contrapartida, sua abordagem se apresenta como uma tentativa interdisciplinar
de conceber o contexto fugindo das limitações impostas pela lacuna da dicotomia entre
“interno” e “externo” e através de uma proposta que defende a incorporação da situacionalidade
do discurso às experiências sociais como um todo. Desse modo, com vistas a construir essa
articulação nos são apresentadas as noções de emergência (emergence) e
incorporação/encaixamento (embedding) na constituição do contexto interacional.
Ponto central para o presente trabalho é a ideia de que a entrada de Mano Brown
nos contextos de entrevista se relaciona com a situacionalidade das interações nos programas
Roda Viva e Papo com Benja, mas também com suas experiências sociais como um todo –
indicando a relação entre emergência e incorporação tal como proposta por Hanks (2008).
Desse modo, propusemo-nos a uma inspeção integrativa do contexto, em nível “macro” e
“micro”, isto é, iniciado com uma incursão, neste capítulo, a certas tomadas de posição
ancoradas na trajetória de Mano Brown.
Segundo afirma Hanks (2008), a emergência se configura como dimensão dinâmica
do contexto e designa aspectos estruturais que surgem na temporalidade dos processos de
produção e de recepção dos enunciados. Diz respeito, assim, às ocorrências durante a co-
presença verbal estabelecida entre os falantes. Ao tratar da emergência como uma das
59
dimensões do contexto, o autor chama atenção para o fato de que o contexto se constrói em
várias trajetórias e diferentes níveis e incorre, então, na distinção entre situação e cenário:
enquanto aquela se define como o espaço de monitoramento existente na co-presença dos
falantes e por sua possibilidade de percepção e acesso sensório-motor uns aos outros, o
tratamento dado ao que é chamado de cenário pressupõe a existência de um julgamento por
parte dos falantes sobre essa situação vigente e sobre seus respectivos elementos e aspectos
relevantes.
Ao tratar da dimensão “incorporada” como complementar ao nível emergencial, o
autor ressalta o fato de que o contexto é formulado, criado e transformado a partir das dimensões
simbólica e indicial intrínsecas aos enunciados que, por sua vez, são presentes nos cenários
concebidos pelos participantes. Sendo assim, o modelo de análise pressupõe que diferentes
sujeitos agem com base em seus próprios sistemas de relevância e também a partir de “campos
sociais”: estes se relacionam a “formações sociais” que fazem circular valores específicos e
proporcionam contextos incorporados, embora em âmbito não-local. A incorporação dessas
dimensões contextuais envolveria, portanto, a relação existente entre situações, cenários,
campos demonstrativos e campos sociais.
No presente capítulo, nosso percurso se voltou, primeiramente, para a apresentação
da metadiscursividade e daquilo que sejam os expedientes metadiscursivos, categoria de análise
com a qual trabalharemos para a compreensão mais geral da relação entre ações de textualização
e a inscrição de Mano Brown no campo jornalístico. Além disso, foi possível apresentar as
razões que motivaram a seleção das entrevistas concedidas pelo rapper aos programas Roda
Viva e Papo com Benja. Ato contínuo, comentamos sobre os passos metodológicos aos quais
nos lançamos para o tratamento do corpus, tanto na transcrição dos dados quanto no tocante
aos expedientes metadiscursivos. Por fim, buscamos nos postulados de Hanks (2008) a
fundamentação teórica da reconstrução textual que daremos a nossos dados, atentando para a
convergência da perspectiva teórica do autor com a articulação pretendida pelo trabalho, a
saber, entre os trabalhos sociológicos de Bourdieu acerca dos campos sociais e a perspectiva
textual-interativa sobre a metadiscursividade. No capítulo seguinte, procederemos à
reconstrução contextual que acreditamos ser necessária às análises que envolvam o conceito de
campo social e as ações de textualização.
60
3. RECONSTRUINDO O CONTEXTO SOCIAL: A TRAJETÓRIA DE
MANO BROWN E AS ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS
No presente trabalho, partimos da ideia de que é preciso, mesmo de dentro da
pesquisa e da análise linguística, reconhecer que os fenômenos linguísticos não são apenas
linguísticos stricto sensu, de modo que nosso campo de estudo, a depender dos interesses de
pesquisa, possa recorrer a teorias de base social mais forte com vistas a dar conta, em alguns
níveis, da complexidade das ações de linguagem, quer sejam mais cotidianas ou mais
institucionalizadas.
Analisar as ações de textualização de Mano Brown significa atentar para o fato de
que os sujeitos, com efeito, têm a percepção do impacto de suas palavras e de suas ações de
linguagem no mundo. Não raro, as falar do rapper indiciam com maior nitidez a percepção
sobre o impacto de suas ações de textualização, como ocorre, por exemplo, em uma de suas
afirmações ao programa Roda Viva (2007): “na verdade hoje eu me lembro até de dizer... acho
que discurso é corda pra se enforcar, entendeu?... eu sou/ eu procuro ser livre”. Por meio de
falas como essa, Mano Brown parece indicar que embora os indivíduos sejam, por vezes,
fortemente e rapidamente vinculados a seus discursos – ou a interpretações, errôneas ou não,
que se tem sobre seu discurso e suas falas -, esses indivíduos podem se encontrar em situações
nas quais julgam necessário trazer à tona essa tentativa, por parte de outrem, de relacionar suas
falas a “um discurso” prévio. Em meio a outros indivíduos com os quais a mesma vinculação
acontece, o rapper Mano Brown parece se destacar pelo modo como percebe essa tentativa de
associação entre ele mesmo e “um discurso” e também pelo modo como explicita essa
associação feita por sujeitos que são seus interlocutores (como entrevistadores, repórteres,
jornalistas) com vistas a rechaçá-la.
Essa aguçada percepção da relação entre as ações de textualização e as ações sociais
mais amplas é inúmeras vezes exposta por Mano Brown, como quando indica, em entrevista ao
programa YO!MTV (2002), toda a seriedade e o cuidado necessários para revestir suas palavras:
(...) Vagabundo de antena pa registrar falha de cantor de rap não falta... o rap
hoje é o que fala a re/ é o que fala dos problema... então todo mundo qué(r)
registrá(r) quem fala... os que num fala ninguém vê(r) ninguém vê(r)... os que
fala todo mundo fica registran(d)o qué(r) dizê(r) grupo de rap (es)tá todo
mundo de oio... todo mundo registran(d)o pra vê(r) se dá mancada vê(r) se
fala coisa errada vê(r) se... vai ganhá(r) dinhe(i)ro e vai metê(r) carro
importa::do... essa é a fita hoje todo mundo registran(d)o o rap.
61
Segundo o Mano Brown, já que não faltam “antenas” para registrar o que os
rappers falam – sobretudo “antenas” para captar as palavras daqueles “que fala(m)” e que se
atrevem a explicitar12 em suas letras de música as mazelas sociais presentes numa realidade
marcada pela desigualdade -, torna-se necessário não apenas perceber atentamente as relações
entre o código linguístico e a situação de comunicação em si, mas também tentar deter algum
controle das implicações de seus enunciados num sistema simbólico com relações de poder
estabelecidas.
De modo geral, os enunciados apresentados acima, retirados de duas entrevistas
concedidas pelo rapper Mano Brown, indicam-nos a sua reflexão sobre alguns pontos das ações
discursivas praticadas tanto por ele quanto por seus interlocutores. Além disso, sugerem que,
nos contextos interacionais dos quais o rapper participa como convidado, estão presentes ações
discursivas que podem ser compreendidas em diferentes níveis de análise: ora as informações
e os conteúdos instaurados nessas entrevistas somam-se a tantos outros para constituir a
experiência e prática discursiva de Mano Brown, ora os conteúdos desenvolvidos são voltados
para refletir sobre a própria prática discursiva em entrevistas, por exemplo.
No caso das entrevistas concedidas pelo rapper Mano Brown, vemos que os tópicos
discutidos, simultaneamente, mobilizam informações contextuais anteriores, mas também
expõem informações responsáveis por reconfigurar o contexto de entrevista entre os
participantes da situação comunicativa, já que a reflexividade, presente em muitas das falas do
rapper ao longo de contextos interacionais como as entrevistas, atenta para a reversibilidade da
qual o contexto e o discurso são dotados (HANKS, 2008; VAN DIJK, 2012). Consideramos
que a participação de Mano Brown nesses contextos de entrevista, a um só tempo, integra as
inúmeras experiências que compõem sua prática comunicativa e proporciona a configuração de
suas práticas sociais mais amplas, já que permitem reflexões posteriores que, em outros
momentos, são trazidas à tona pelo rapper, conforme veremos adiante.
12Bentes (2008: 211-212) demonstrou como certos recursos multimodais presentes no rap A vítima, dos Racionais
MC's, participam da mobilização de campos semióticos, tendo em vista que “o narrador (um dos integrantes do
grupo) conta, em função do pedido que lhe fez um amigo, o seu envolvimento em um acidente de carro na Marginal
Tietê, em São Paulo, que resultou na morte de um homem jovem”, bem como as consequências do acidente, como
sua presença no Fórum para prestar esclarecimentos sobre o ocorrido. Em Bentes e Rio (2006) temos uma análise
dos tópicos presentes na canção Tô ouvindo alguém me chamar, também de autoria dos Racionais MC's. Nesse
caso, a análise demonstrou que a letra da canção tem como supertópico a “vida bandida” de seu narrador-
personagem. Embora essas duas letras de raps produzidos pelos Racionais MC's não desenvolvam mais
centralmente tópicos ligados à desigualdade social, ambas consistem em histórias em perspectiva (BENTES e
RIO, 2006), retratam tanto a sorte das personagens (jovens das periferias urbanas) como também alguns de seus
processos de subjetivação a partir de determinadas experiências sociais vividas no contexto social da periferia.
62
Partindo da percepção de Mano Brown sobre a relação entre suas ações de
textualização presentes nas entrevistas e dos impactos destas como ações sociais mais amplas,
procuraremos, primeiramente, compreender duas visões que comumente incidem sobre o
rapper: sua representatividade e sua estigmatização. Na segunda seção do capítulo,
procuraremos apresentar o rapper e protagonista de movimentos sociais, Mano Brown, segundo
seus modos de socialização, em alguns momentos, com base em informações biográficas
retiradas de declarações feitas pelo músico (em algumas entrevistas publicadas em revistas) e a
partir do que foi discutido por Silva (2012). Em uma terceira seção, caracterizaremos a inserção
de Mano Brown nesses contextos interacionais de entrevista, explorando informações das
mídias entrevistadoras sobre o rapper e também algumas considerações do rapper sobre o
campo jornalístico.
Ponto importante para o presente trabalho é a ideia de que as ações de textualização
(como as que engendram os expedientes metadiscursivos) podem se tornar recursos para que
sujeitos que ascenderam a diferentes campos sociais e que agora têm sua prática linguística
presente em contextos mais formais ou institucionais, como Mano Brown, logrem êxito em
certas tomadas de posição. Assim, tais recursos contribuem também para que esses indivíduos
não vejam seus dizeres, em interações complexas como as entrevistas, apenas enquanto “uma
corda para se enforcar”.
3.1 Representatividade e estigmatização de Mano Brown
Importa-nos nesse momento descrever dois olhares que são, a nosso ver,
comumente lançados a Brown nos campos sociais dos quais participa, ainda que tratemos de
sua posição enquanto agente do próprio campo da produção cultural da periferia, quais sejam:
sua (i) representatividade enquanto sujeito ligado à periferia e enquanto protagonista do
movimento hip hop - característica que ao menos à primeira vista lhe renderia um poder
simbólico maior – e sua (ii) estigmatização, na medida em que sua trajetória de ascensão não
logrou livrá-lo de uma posição intermediária entre diferentes campos – posição cujas
responsabilidades e cobranças se (re)produzem por meio de diferentes facetas.
Consideramos que as canções produzidas pelos raps dos Racionais MC's, grupo
liderado por Brown, constituem-se em um tipo de representação simbólica das vivências dos
moradores da periferia, respeitando ainda a heterogeneidade dos diferentes grupos encontrados
nesses espaços. Nesse sentido é que se pode entender a alcunha comumente dada aos rappers
de “sociólogos da periferia”, como lembra Silva (2012): sua socialização nesses espaços e sua
63
dedicação à cultura hip hop e à música fazem com que estejam, a um só tempo, outorgados a
retratar as vivências da população dos bairros pobres com legitimidade e munidos de uma
consciência de grupo ou classe responsável por uma atitude que não deixa de ser reflexiva13, da
qual suas canções são resultantes. Expressões como essa, empregadas para se referir a Brown,
salientam a posição ocupada por Mano Brown enquanto agente interno do campo de produção
cultural da periferia inserido no movimento hip hop e, simultaneamente, parecem sugerir certas
disposições reflexivas como características de sua tomada de posição nesse campo social.
Kehl (1999) lembra que, no caso dos Racionais MC's e do movimento hip hop como
um todo, o retrato e o questionamento do modelo de sociedade atual, tal como presente nas
letras, guarda diferenças com as de outros movimentos musicais, como o movimento punk, por
exemplo. Para a autora, o “discurso de oposição” que reveste as músicas dos Racionais MC's
tem como marca a “consciência” e a “atitude” – inclusive como palavras bastante mencionadas
nas letras do grupo -, ideias atinentes a um conjunto de disposições que incentivam o “orgulho
da raça negra e lealdade para com os irmãos de etnia e pobreza”14. Afirma Silva (2012: 143)
que, nesse caso “a inquietação social estaria ligada à negação da atitude cordial esperada dos
moradores das favelas, morros e periferias”. Nesse sentido, o rap produzido por grupos como
os Racionais MC's também se afasta de um potencial unicamente transgressivo, como lembra
Silva, contrariamente a diversos grupos musicais cujas letras, embora sejam revestidas de
críticas ao status quo, não chegam a representar uma ideia de mobilização das massas retratadas.
Importa ressaltar que o movimento hip hop está ligado a uma série de outras
iniciativas oriundas da própria periferia no sentido de fomentar e legitimar suas produções
culturais. Assim é que podem ser vistas iniciativas, por exemplo, como a Cooperifa15, as rádios
comunitárias16, os jornais que circulam nas próprias comunidades, as obras de escritores da
13A respeito da reflexividade do rapper sobre sua condição de classe, ver Bentes (2009). 14Kehl (1999: 95-96) lembra um trecho da canção Raio X no Brasil: “Sabem para quem estão falando, e sabem
sobretudo de onde estão falando: '―Mil novecentos e noventa e três, fodidamente voltando, Racionais/ usando e
abusando de nossa liberdade de expressão/ um dos poucos direitos que um jovem negro ainda tem neste país./
Você está entrando no mundo da informação/ autoconhecimento, denúncia e diversão./ Este é o raio-X do Brasil,
seja bem-vindo' (grifos da autora)”. 15A Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa) é um projeto cultural voltado para a poesia, o teatro e a
literatura, idealizado pelo poeta Sérgio Vaz, cujos encontros semanais, livres à população e dedicados à criação e
à leitura de poesia, ocorrem em saraus promovidos às quartas-feiras no Jardim Guarujá, bairro administrado pela
subprefeitura do M'Boi Mirim. Ao descrever o projeto, Sérgio Vaz afirma: “[...] Muita gente que nunca havia lido
um livro, nunca tinha assistido uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema, começou, a partir desse
instante, a se interessar por arte e cultura. O sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural [...]”. 16Alguns bairros, como o Capão Redondo, contam com rádios comunitárias desde o fim da década de noventa,
como é o caso do projeto de rádio comunitária e rádio web desenvolvido no bairro pela Associação de Moradores
do Conjunto Habitacionais Chico Mendes. No Capão Redondo e nos bairros da Brasilândia, Jardim São Luís e
Vila Nova Cachoeirinha existem projetos culturais ligados a estúdios de gravação que recebem artistas das
comunidades para o trabalho de produção musical. Ambos esses projetos, ligados à música, têm como objetivo a
inclusão e difusão das manifestações artísticas produzidas pela própria periferia para a comunidade, estando a
64
literatura periférica17 e as entidades culturais filantrópicas18 surgidas nas comunidades com
vistas ao estabelecimento de uma identidade cultural legítima de seus bairros.
Com vistas a uma descrição do reconhecimento e da representatividade que
atribuímos a Brown, cabe levar em conta, inicialmente, as palavras cantadas pelo rapper na
canção Negro Drama19. Consideramos que ao dizer “eu vi, eu vivi, eu vivo o negro drama, eu
sou o negro drama”, Mano Brown indica-nos uma reivindicação de autoridade etnográfica
acerca das questões tratadas por ele. De modo complementar, esse pequeno texto parece ser
uma resposta às críticas surgidas após uma trajetória de ascensão, sucesso e estigmatização
narrada pelo eu lírico da canção. Interessa-nos, nesse caso, atentar para o fato de que o rapper,
nesse momento da letra, encena sua representatividade como sujeito que vivenciou e vivencia
os conflitos vividos por milhares de brasileiros, conferindo uma maior legitimidade ao seu
discurso.
Desse modo, cumpre levantar algumas questões importantes acerca das condições
da representatividade de sujeitos como Mano Brown. A nosso ver, é preciso levar em conta que
essa característica atribuída a Brown se dá em função de um conjunto de disposições
desenvolvidas pelo rapper ao longo de sua trajetória capaz de marcar sua maneira de pensar,
sentir e agir de um modo que, se é semelhante às trajetórias de milhares de outros moradores
da periferia, também se diferencia em algo pelo modo como criou as condições para que
assumisse uma posição simbólica de destaque no movimento hip hop do campo da produção
cultural da periferia.
Consideramos que a representatividade, nesse caso, guarda relações também com
uma posição de liderança assumida por Brown na teia de relações que cunhou ao longo de sua
trajetória pessoal e profissional. Assim, a socialização de Mano Brown - seja por uma inserção
a priorística ou por engajamento seu nesse campo - foi capaz de conferir poder simbólico à sua
serviço das necessidades e dos interesses locais desses bairros. 17Como as obras Capão Pecado (Ferrez, 2001) e Colecionador de Pedras (Sérgio Vaz, 2007). Os autores Ferrez e
Sérgio Vaz são expoentes do movimento conhecido como literatura periférica (cf. SILVA, 2011). 18Cabe ressaltar a iniciativa da marca 1DaSul, idealizada por Ferrez, que se volta para a comercialização de artigos
de moda (camisetas, bonés etc) produzidos na própria periferia, cujas receitas ajudam no patrocínio de eventos
culturais (quermesses, shows de hip hop, festas comunitárias, oficinas literárias) realizados na periferia. A marca
também tem como objetivo o fomento à valorização das comunidades associadas, através da construção de uma
estética e identidade autênticas aos moradores, sobretudo aos jovens. O nome 1DaSul faz alusão ao número que
representaria a unidade dos moradores do bairro (“todos somos 1”) e à Zona Sul de São Paulo, região da capital
na qual se situam diversos bairros ligados à marca. 19A canção foi lançada em 2002 e figura no álbum Nada como um dia após outro dia - composta pelo próprio
Brown em parceria com Edy Rock, e sua temática consiste numa reflexão crítica do eu lírico acerca da repercussão
do sucesso alcançado.
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representação social enquanto rapper e protagonista do movimento hip hop. Nesse sentido,
cabe lembrar as palavras de Elias (1994 [1987]: 50), para quem
A pessoa, individualmente considerada, está sempre ligada a outras de um
modo muito específico através da interdependência. Mas, em diferentes
sociedades e em diferentes fases e posições numa mesma sociedade, a margem
individual de decisão difere em tipo e tamanho. E aquilo a que chamamos
“poder” não passa, na verdade, de uma expressão um tanto rígida e
indiferenciada para designar a extensão especial da margem individual de
ação associada a certas posições sociais, expressão designativa de uma
oportunidade social particularmente ampla de influenciar a auto-regulação e
o destino de outras pessoas.
Nesse sentido, a partir das palavras de Elias (1994 [1987]) acerca da relação
existente entre indivíduo e sociedade, consideramos que a representatividade de Brown deve
ser entendida como caudatária do poder simbólico que adquiriu a partir de relações de
interdependência estabelecidas ao longo de sua socialização. Esse poder simbólico, além disso,
traz novas possibilidades para Mano Brown em termos das tomadas de posição nos campos
sociais, no sentido de que sua margem de ação - seja profissional, musical, pessoal, através do
que diz, veste, consome e de tantas outras atitudes – pode influenciar a trajetória de outrem,
como uma liderança.
Elias (1994 [1987]) salienta que, para grupos sociais desfavorecidos, a discrepância
de oportunidades efetivas para desenvolver instrumentos de poder social faz com que as
condições para a iniciativa pessoal sejam drasticamente reduzidas aos membros desses grupos,
de tal modo que suas lideranças representam para essas classes as únicas possibilidades reais
de iniciativa pessoal capaz de obter êxito na busca por mudanças positivas. A inserção de Mano
Brown no movimento hip hop e no campo da produção cultural da periferia, portanto, faz com
que disponha de capital cultural, social e econômico para agir seja nesse campo ou em outros,
como o jornalístico que, segundo vimos em capítulo anterior, frequentemente tem como
fundamento a busca pelo “extraordinário”, pelo que extrapola o comum. Podemos dizer que a
participação do rapper em entrevistas jornalísticas significa aos meios televisivos a presença
de agentes que ocupam posição de liderança em campos sociais e movimentos sociais influentes
nas ações de inúmeros indivíduos.
No entanto, a representatividade de Brown e a posição de liderança assumida por
ele não são revestidas apenas de aspectos positivos reforçados pelos grupos com os quais tem
contato. Como mencionamos, sua trajetória anterior ao sucesso serve para legitimá-lo e
fortalecê-lo enquanto ocupante de uma posição detentora de relativo poder simbólico no
66
movimento hip hop do campo cultural da periferia (e também em outros campos dos quais
porventura participe). Contudo, por conta de seu reconhecimento, sua representação social deve
também frequentemente prestar contas às comunidades, já que, enquanto “porta voz”, não pode
retratar aquilo que não corresponde à realidade e, enquanto músico de sucesso, não mais é
atingido por uma série de restrições econômico-sociais que ainda marcam o cotidiano daqueles
cujas vivências são retratadas em suas canções. A nosso ver, à representatividade de Mano
Brown soma-se sua estigmatização, como trataremos a seguir.
Para Goffman (1988), a identificação de um estigma deve levar em conta uma
análise relacional, na medida em que um mesmo atributo pode tanto estigmatizar quanto atestar
“a normalidade20” de alguém. Desse modo, no caso de MB, é preciso levar em conta tanto sua
socialização no movimento hip hop do campo da produção cultural da periferia quanto sua
posição e representação para além desse campo. A esse aspecto relacional da estigmatização,
Goffman (1988: 13) chama atenção com o seguinte exemplo:
Por exemplo, alguns cargos na América obrigam seus ocupantes que não
tenham educação universitária esperada a esconderem isso; outros cargos,
entretanto, podem levar os que os ocupam e que possuem uma educação
superior a manter isso em segredo para não serem considerados fracassados
ou estranhados. De modo semelhante, um garoto de classe média pode não ter
escrúpulos de ser visto entrando numa biblioteca; entretanto, um criminoso
profissional escreve: 'lembro-me de que, mais de uma vez, por exemplo, ao
entrar numa biblioteca pública perto de onde eu morava, olhei em torno duas
vezes antes de realmente entrar, para me certificar que nenhum de meus
conhecidos estava me vendo'.
Desse modo, é preciso considerar também as diferenças entre os tipos de atributos
de estigmatização. Ao assumirmos a classificação de Goffman (1988), para quem “estigmas
tribais de raça, nação e religião” são transmitidos como atributos involuntários aos sujeitos,
podemos observar a complexidade das relações sociais encenadas por Mano Brown, na medida
em que, por exemplo, sua cor, sua origem e religião (inicialmente professada no camdomblé, e
depois nas igrejas evangélicas), podem não ser vistos como características estigmatizadas aos
grupos presentes nas periferias, mas ser vistas como atributos depreciativos aos indivíduos com
os quais Mano Brown convive em outros contextos.
De modo semelhante, as influências da literatura de líderes como Malcolm X e
Martin Luther King, que sabidamente compuseram o pensamento de Brown acerca das questões
20O autor explica que chamará de “os normais” aqueles que “não se afastam negativamente das expectativas
particulares em questão”, quando analisada a possibilidade de um atributo ser estigmatizante ou não (GOFFMAN,
1988: 14).
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do movimento negro e da condição social da periferia, podem ser vistas como bastante notórias
pelos participantes de contextos como os das entrevistas jornalísticas21, por exemplo, ou como
práticas pretensiosas e egóicas para um homem negro e pobre na visão, até mesmo, de um
homem que também seja negro e pobre. Assim, aos estigmas tribais, dos quais muito
dificilmente se escapa - por conta da externalidade de suas contingências visuais e corporais -
podem somar-se os estigmas relacionados às mais diversas práticas desempenhadas pelos
sujeitos (como os estigmas em relação aos vícios, à orientação sexual, ao desemprego, à
desonestidade, ao comportamento político radical etc).
Na diferenciação que faz quanto aos modelos de socialização nos quais o indivíduo
estigmatizado se inscreve, Goffman (1988) comenta sobre a condição daqueles que mais
imediatamente experenciam a convivência com a ideia de que carregam um atributo
depreciativo. Aos indivíduos com estigmas de cor e origem, por exemplo, a incorporação do
ponto de vista dos outros e a percepção valorativa sob si mesmo incidem desde as primeiras
socializações, de sorte que, desde seu nascimento, esses sujeitos convivem com as ideias de
outrem sobre seu estigma e também com as condições delineadas a ele e resultantes do estigma.
Para o autor, a relação entre essas duas percepções, como duas fases pelas quais os sujeitos
estigmatizados passam, delimitam opções de “carreira moral” disponíveis a esses indivíduos,
dentre as quais se exemplifica o estigma congênito daqueles que são socializados numa situação
de desvantagem, inclusive aprendendo e incorporando os padrões responsáveis por perpetuar
sua posição desfavorável.
Ainda de acordo com Goffman (1988), embora a infância e as primeiras
socializações ainda tenham como característica um certo resguardo em relação aos
estigmatizados, no momento em que esses sujeitos deixam de conviver fundamentalmente no
espaço doméstico – tempo que coincide com a juventude e com as relações de trabalho –
provavelmente as novas relações estabelecidas farão com que tenham de encarar de frente um
momento crítico em relação a seu estigma, consistindo numa experiência moral que pode ser
marcante. Experiências como essa, nas quais o sujeito aprende que é portador de um estigma e
nas quais se vê limitado por ele, segundo o autor, fazem com que os sujeitos possam estabelecer
novas relações com os demais estigmatizados.
Goffman (1988: 36) salienta, além disso, algumas situações pelas quais passam
aqueles que se encontram numa situação de representantes da categoria estigmatizada:
21Como lembra Goffman (1988: 24), essa possível visão se justifica até mesmo pela tendência, aos olhos dos
“normais”, a tornar-se um grande feito mesmo a prática mais prosaica ou natural de um sujeito estigmatizado, do
qual, muitas vezes, não se espera muito.
68
Pode-se acrescentar que desde que uma pessoa com um estigma particular
alcança uma alta posição financeira, política ou ocupacional – dependendo a
sua importância do grupo estigmatizado em questão – é possível que a ela seja
confiada uma nova carreira: a de representar a sua categoria. Ela encontra-se
numa posição muito eminente para evitar ser apresentada por seus iguais como
um exemplo deles próprios. (A fraqueza de um estigma pode, assim, ser
medida pela forma pela qual um membro da categoria, por mais importante
que seja, consegue evitar estas pressões.)
O autor comenta ainda sobre a posição delicada na qual se encontram esses “líderes
'nativos'”, pois sua posição de distinção em relação aos demais faz com que tenham que lidar,
por exemplo, com representantes de outras categorias, construindo contatos que aos olhos de
seus grupos se dão com grupos nocivos ou opostos. Nesses casos, os aspectos positivos da
representatividade e da liderança desses sujeitos podem ser revertidos, uma vez que se cria um
entendimento de que “estão rompendo o círculo fechado de seus iguais” (GOFFMAN, 1988:
36). O mesmo entendimento por parte de seu grupo pode levar à impressão de que esses
indivíduos que atingiram uma posição de liderança “em vez de se apoiar em suas muletas,
utilizam-nas para jogar golfe, deixando de ser, em termos de participação social, os agentes das
pessoas que representam” (GOFFMAN, 1988: 36).
Consideramos que uma relação pode ser traçada entre essas observações de
Goffman acerca de “líderes ‘nativos'” e a participação de Mano Brown, indivíduo prestigiado
no movimento hip hop do campo da produção cultural da periferia, em eventos típicos do campo
jornalístico. Isso porque há a possibilidade de que as entrevistas concedidas pelo rapper sejam
compreendidas por demais agentes do movimento hip hop e também do campo da produção
cultural da periferia - e mesmo por tantos outros indivíduos - como uma obtenção indevida de
vantagem ou poder simbólico por parte de Brown, à custa da condição de outros estigmatizados.
A partir de aspectos como esse, é possível verificar a complexidade das relações
nas quais se inscreve Mano Brown, enquanto sujeito estigmatizado tanto por campos sociais
mais distantes em relação ao de suas primeiras socializações, mas com os quais mantém
relações por conta de sua ascensão, como por aqueles com os quais considera ter um
pertencimento de grupo. Nesse sentido é que podem ser compreendidas algumas de suas falas,
como a seguinte, presente na entrevista concedida por Mano Brown à revista Rap Nacional
(2014), encontra-se a seguinte passagem:
[Pergunta:] Qual é a melhor e pior coisa que você criou em sua carreira ao
longo dessa caminhada?
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[Resposta de] Mano Brown: A pior coisa que eu criei foi esse estigma, que eu
nem sei se eu criei, mas sou responsável, que até o rap carrega certo estigma,
acho que foi a pior coisa que eu criei” (grifos nossos).
A nosso ver, falas como essa demonstram que o rapper reconhece os nuances de
sua posição enquanto agente prestigiado. Além disso, segundo a fala de Brown nesse momento,
“esse estigma” se estenderia ao movimento hip hop como um todo. Um segundo exemplo,
presente na entrevista à revista Rap Nacional, no ano de 2014 – posteriormente às duas
entrevistas que compõem nossos dados -, Mano Brown é questionado sobre o que pensa sobre
um possível abandono, tal como dito por alguns, de um “viés social” no rap. Ao longo de sua
resposta, cabe destacar o seguinte trecho:
E eu não acho que o rap tem que ser o único movimento social político, o
samba tem que ser, o funk tem que ser, o forró tem que ser, porque o povo é
o povo, a causa é de todos os brasileiros. Aí é que eu entro no assunto do
estigma, porque que o rap tem que falar de assunto a, b e c e os outros falam
de tudo? Que tira proveito de tudo e praticamente usufrui de tudo, e o rap não
usufrui quase nada. Usufrui da fama e do estigma. Não acho certo isso. Agora,
abandonar a ideia é uma coisa que eu também não apoio não. O rap é a música
da liberdade, você não pode empurrar na boca da juventude o que é que eles
tem que falar, senão eles vão pular o muro da escola e vão embora.
A resposta de Brown faz menção a um estigma do rap, segundo o qual esse gênero
musical estaria decididamente vinculado a um “viés social”, embora, na visão do rapper, essa
vinculação apenas restringiria o gênero musical e o próprio fazer musical dos rappers, além de
cercear a liberdade de mudanças dessa produção cultural.
Cabe destacar ainda uma fala de Brown, presente em seus primeiros versos na
música Negro Drama, quando diz “Crime, futebol, música... [...] eu também não consegui fugir
disso aí, eu sou mais um”. A nosso ver, nesse momento são sinalizados por Brown os estigmas
que, em sua visão, incidem sobre os homens negros de grupos sociais menos desprestigiados: a
eles, as trajetórias possíveis para a valorização social se dariam apenas em torno da
criminalidade, da posição de atleta no futebol ou na produção cultural por meio da música. Ao
colocar-se como mais um dentre esses homens que, ainda que tenham alcançado o sucesso, não
deixaram de escapar ao estigma, é possível perceber que Mano Brown emprega sua produção
cultural para refletir sobre sua própria condição. Assim, esse momento de sua fala pode exprimir
sua posição tanto no campo produção cultural da periferia como no campo jornalístico, marcada
pela ideias de representatividade e estigmatização.
A partir desses estigmas, podemos entender um pouco mais dos impactos
vinculados à ascensão – simbólica, social, econômica – de Mano Brown, como indivíduo pobre
70
que, a partir de sua carreira musical, alcançou notoriedade em certos campos sociais. Tais
especificidades acerca dessa condição são constatadas por Goffman (1988: 37), como quando
afirma que
Cada vez que alguma pessoa que tem um estigma particular alcança
notoriedade, seja por infringir a lei, ganhar um prêmio ou ser o primeiro em
sua categoria, pode-se tornar o principal motivo de tagarelice de uma
comunidade local; esses acontecimentos podem até mesmo ser notícia nos
meios de comunicação da sociedade mais ampla. De qualquer forma, todos os
que compartilham o estigma da pessoa em questão tornam-se subitamente
acessíveis para os normais que estão imediatamente próximos e tornam-se
sujeitos a uma ligeira transferência de crédito ou descrédito. Dessa maneira,
sua situação leva-os facilmente a viver num mundo de heróis e vilões de sua
própria espécie, sendo a sua relação com esse mundo sublinhada por pessoas
próximas, normais ou não, que lhe trazem notícias do desempenho de
indivíduos de sua categoria.
O autor atenta para a dualidade da posição desses sujeitos, que podem ser vistos
como “heróis e vilões de sua própria espécie”, a depender, em maior ou menor grau, do modo
como consigam construir sua representação social. No caso de Mano Brown, é preciso
considerar que, à sua estigmatização como homem negro vindo de periferias urbanas,
acrescentam-se os estigmas daqueles que ascenderam socialmente e que, pela própria periferia,
podem ser vistos como figuras rechaçadas por não mais viver na pele e no cotidiano as sanções
da pobreza, ao mesmo tempo em que são vistos pelos “de fora” como pessoas ainda sim
desqualificadas, sobre as quais não deixam de recair toda sorte de preconceitos cultivados pelas
camadas médias e altas.
Desse modo, com base nessa relação entre a representatividade, enquanto
característica fundamentalmente positiva atribuída a Brown, e a estigmatização, quando se leva
em conta os atributos negativos enxergados pelos outros em função da condição do rapper,
devemos considerar os contatos “mistos” das entrevistas jornalísticas na complexidade de
relações que nelas se manifestam, em níveis micro e macro.
Como sinalizado por Goffman (1988), a participação desse indivíduo estigmatizado
nos contextos em que venha a ser o foco, como ocorre com a posição de um entrevistado, guarda
relações com as estratégias mobilizadas pelos sujeitos. Assim, consideramos que situações
como essa fazem com que Mano Brown “leve sua autoconsciência e controle sobre a impressão
que está causando a extremos e áreas de conduta que supõe que os demais não alcançam”
(GOFFMAN, 1988: 24). Assumimos que a “autoconsciência” apontada pelo autor como
consequência dos contatos mistos nos quais se encontram os indivíduos estigmatizados nos leva
à ideia do papel da reflexividade em contextos mistos como os de entrevista televisiva, por
71
exemplo, nos quais Mano Brown se insere como o participante fundamental desse tipo de
interação ao tomar a posição de entrevistado.
Um ponto importante do presente trabalho consiste na ideia de que a
metadiscursividade teria, nas interações sob a configuração do gênero entrevista, uma
oportunidade singular para emergir em ações de textualização – e, quando tomamos o
apontamento feito por Goffman (1988) sobre o que ocorre em contatos mistos, o entendimento
desse ponto é facilitado. A ideia dessa “autoconsciência” e sua manifestação em termos da
metadiscursividade vista nas ações textuais de Mano Brown será por nós abordada adiante, mas
não sem antes apresentarmos alguns momentos da trajetória do rapper no campo da produção
cultural da periferia, mais especificamente, e o modo cuidadoso, e certamente bastante refletido,
com que Mano Brown maneja sua participação em entrevistas jornalísticas como as que serão
objeto de nossa análise.
3.2 O negro drama: trajetória de Mano Brown no campo da produção cultural da
periferia
Nascido em São Paulo no dia 22 de abril de 1970, Pedro Paulo Soares Pereira é filho
único de Ana Soares Pereira, que “deixou a Bahia com doze anos após brigar com o pai dela”
(programa Roda Viva, 2007). Mulher negra e empregada doméstica, Ana criou Mano Brown
sem a ajuda do marido branco, que a abandonou22 ainda durante o primeiro mês de gravidez
(KALILI, apud SILVA, 2012). Em diversas entrevistas, Mano Brown é questionado sobre sua
relação com o pai, e afirma a ausência de contato entre os dois:
(...) não na verdade eu não::-eu não: não tive um pai né?... teve um pai mas eu
não::-não conheci não conheço... também não quero conhecer... certo? não
faço questão... eh:::... poucas coisas eu não tenho muita coisa pra falar sobre
pai... não tenho. (Programa Roda Viva, 2007)
Silva (2012) chama atenção para a resposta dada por Brown à revista Teoria em
Debate acerca da ausência de seu pai:
22Algumas letras dos Racionais MC's fazem referências à Ana, mãe de Mano Brown, de modo específico. Como
é o caso da canção “Negro drama”, em cujos momentos finais o rapper canta “É o negro drama/ Eu não li, eu não
assisti/ Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama/ Eu sou o fruto do negro drama/ Aí dona Ana, sem palavras,
a senhora é uma rainha, rainha”. No início da mesma faixa, alguns momentos da letra fazem alusão à trajetória
vivida por Brown e sua mãe: “Uma negra/ e uma criança nos braços/ Solitária na floresta/ De concreto e aço […]
Família brasileira/ dois contra o mundo/ mãe solteira de/ um promissor vagabundo […] gravando a cena vai/ um
bastardo/ mais um filho pardo/ sem pai.” A canção foi lançada em 2002 e figura no álbum Nada como um dia após
outro dia - composta pelo próprio Brown em parceria com Edi Rock, e sua temática consiste numa reflexão crítica
do eu lírico acerca da repercussão do sucesso alcançado.
72
Quando eu era criança, pensava nesse fato de eu não ter pai, de o meu pai ser
branco, e eu tinha ódio, o maior ódio. Mas com o tempo, o ódio começa a virar
dor. Você vê que não é só você que passa por isso. Eu nunca fui de ter dó de
mim mesmo, de me sentir coitado. Eu sou um cara guerreiro. O rap para mim
não é jogo, é guerra e nessa guerra eu tenho que conviver com as minhas dores
sabendo que tem mais gente que sofre no mundo e que pelo menos através do
rap pode se aliviar. O rap vai diretamente até os que mais sofrem. (Revista
Teoria em Debate, 2000, apud SILVA 2012: 100)
De acordo com Silva (2012), de fato a ausência paterna foi fator comum na trajetória
de diversos músicos, como Bob Marley23, e também de vários outros rappers como Thaíde,
MV Bill e Dexter24. O autor chama a atenção para as primeiras socializações de Brown, que ao
longo de certo tempo contou com a presença apenas da mãe, da família do primo Paulo Eduardo
Salvador (futuro parceiro dos Racionais MC's, Ice Blue) e de seu Isaac, pai-de-santo que “não
cobrava, por algumas vezes, o aluguel”. Sobre a forte ajuda dada por seu Isaac, Brown afirma
que "como não tinha o pai presente, seu Isac era o homem de barba que beijávamos no rosto”
(revista Rolling Stone Brasil, 2009). Outros membros da família só se tornaram conhecidos25
pelo rapper já depois de sua fama, quando de passagem pela cidade da mãe, na Bahia, no
intervalo de uma turnê:
Brown conta que durante um dos shows de lançamento do CD Sobrevivendo
no Inferno na cidade de Salvador, em 1999, resolveu visitar a cidade em que
mãe nasceu, Riachão do Jacuípe, perto de Feira de Santana, Bahia. ―Indo lá,
eu descobri que tinha muito parente meu em São Paulo que morreu. Durante
a minha infância, eles estavam em São Paulo e eu não sabia. (Revista Rolling
Stone Brasil, 2009)
Nas entrevistas concedidas por Mano Brown, há diversas referências também à
escolarização do rapper. Tendo estudado somente até a oitava série, Brown foi bolsista em uma
escola particular na cidade de São Paulo, através do pagamento feito por Dona Ana e por seu
patrão à época, que custeava metade dos gastos. Silva (2012) atenta para o fato de que Ana
algumas vezes compareceu à escola do filho, convidada à instituição para “conversar com as
23O músico jamaicano Bob Marley (1945-1981) também foi filho de mãe negra com pai branco. Mano Brown
atenta para a semelhança entre a cor de sua pele e a do músico. 24Segundo as informações apresentadas por Silva (2012), Thaíde (nome artístico de Altair Gonçalves), foi criado
somente pela mãe, no bairro Cidade Ademar. Rejeitado pelos pais biológicos, Dexter (nome artístico de Marcos
Fernandes de Omena), desde seus treze dias de vida, foi acolhido e criado por sua mãe, Dona Marina. Na família
de MV Bill (nome artístico de Alex Pereira Barbosa), o pai, dependente químico e trabalhador não qualificado em
diversas funções, deixou a família quando Bill ainda era criança. 25À revista Rolling Stone Brasil (2009), o rapper afirma: “Nunca tive família de sangue. Queria ver se alguém
parecia comigo, se o meu nariz era de lá. Mas eu descobri que não. A minha raiz tem muito a ver com meu pai.
Meus primos são diferentes de mim, são mais escuros. Não tem influência branca no meio deles - talvez muito
pouco, bem menos do que eu. E eles são humildes mesmo. Povo do Nordeste, do Norte, sofredor, guerreirão
mesmo”.
73
professoras, que queriam saber porque o menino, sempre calado e pensativo, só usava roxo,
marrom e preto nos seus desenhos” (SILVA, 2012: 104). Após a passagem pelo Ensino
Fundamental, Brown passou a pagar a própria mensalidade para cursar o Ensino Médio, mas
afirma não ter se adaptado à escola, finalizando sua instrução regular na oitava série26.
Criado em bairros humildes da cidade de São Paulo, Brown aproxima-se em
meados dos anos oitenta dos encontros ocorridos na estação São Bento do metrô, no centro da
cidade, onde o movimento hip hop crescia e se consolidava com a participação de vários de
seus protagonistas atuais em rodas de break – Rappin Hood27, Dj HUM, Thaíde, os grafiteiros
Os Gêmeos e diversos músicos eram alguns dos frequentadores. Brown forma a dupla BB Boys
(Black Bad Boys) com seu primo Paulo Eduardo e, em 1988, ambos se unem a Edvaldo Pereira
Nunes (Edy Rock) e Kléber Geraldo Lélis Simões (DJ KL Jay) para formar o Racionais MC's28,
tendo como inspiração alguns grupos estadunidenses (Public Enemy e RMC) e sob a sugestão
do produtor Milton Salles que, segundo o próprio Brown, foi grande responsável por sua visão
de mundo, como um “segundo pai”. Acerca da formação dos Racionais MC's, Silva (2012) dá
destaque às seguintes palavras de Mano Brown em entrevista à revista Teoria em Debate:
Eu sempre gostei de música, mas nunca imaginei que fosse fazer música. Eu
estudava pra tentar ser algum barato, pra não fazer vergonha pra minha mãe.
Tudo o que ela fez sempre foi pra eu estudar. Aí, saí fora do barato, comecei
a ir pra São Bento escondido (estação de metrô em São Paulo onde os
dançarinos de break e fãs de rap da cidade se encontravam na década de 80).
Estava desempregado, derrubado, comecei a me envolver numas fitas, vinha
pouco em casa. Foi quando começou a ter muito pé-de-pato (grupos de
extermínio formados em sua maioria por policiais) na área também, e eu não
podia vir. Tive problema com eles, então comecei a ficar lá mesmo. Conheci
o Kléber (KL Jay, o DJ dos Racionais), falei 'ah, mano, é aqui que eu vou
ficar'. (Revista Teoria em Debate, 2000, apud SILVA 2012: 105)
De acordo com Silva (2012), a entrada de Mano Brown no movimento hip hop se
assemelha à postura de tantos outros jovens das periferias urbanas, haja vista que a essa
juventude de meninos negros e pobres não são abertas a essa idade opções de continuidade de
26Em entrevista ao Roda Viva, quando questionado sobre a oportunidade de continuar estudando, o rapper afirma:
“[...]tive [oportunidade] mas não gostei... tive assim... eu tava empregado resolvi pagar o:: primeiro:: o primeiro
ano colegial... colegial... –- colegial né? -- ... e não gostei da escola... não me adaptei não gostei das-do convívio...
[saí fora]”. 27Rappin Hood (nome artístico de Antônio Luiz Júnior), Dj HUM (nome artístico de Humberto Martins) e Thaíde
são grandes nomes e pioneiros do movimento hip hop no Brasil. Dj HUM atua ainda hoje como produtor musical.
Rappin Hood e Thaíde foram, em temporadas diferentes, apresentadores do programa “Manos e Minas” na TV
Cultura, cujo conteúdo é dedicado ao resgate da cultura brasileira e ao universo jovem da periferia (Cf.
GRANATO, 2011; MARIANO, 2014). 28De acordo com Silva (2012), o nome do grupo faz referência ao álbum duplo Tim Maia Racional lançado em
1975 por Tim Maia. O disco contém letras de exaltação à chamada Cultura Racional, da qual o cantor foi adepto
durante algum tempo, e tem inspiração na sonoridade do soul e do funk norte-americanos.
74
estudos ou de ascensão por meio de um trabalho qualificado que lhes confira valorização social.
Nesse sentido é que se pode compreender a decisão desses jovens de se ligar de modo mais
estreito à produção cultural e de se dedicar à dimensão simbólica, bem como às oportunidades
que possam surgir dessas práticas e que possam garantir patamares de segurança contra o risco
da exclusão social. Ao reagirem à falta de formação escolar e de ganhos financeiros
inexpressivos que o cotidiano de um emprego desqualificado lhes daria, o movimento hip hop
passa a representar uma opção que lhes pode atribuir um papel de criação (e não apenas
reprodução) cultural, além de ser construtor de uma identidade cultural distinta.
É preciso compreender também que, ainda segundo Silva (2012), o pertencimento
ao movimento hip hop constitui-se como um espaço de agregação juvenil no qual esses jovens
constroem relações de pertencimento, de modo que os encontros com os amigos para essas
práticas se tornam um dos únicos espaços de sociabilidade externa à família e à exclusão sofrida
nas escolas29. O ambiente de efervescência cultural proporcionado pelo hip hop, além disso, faz
com que os adolescentes nesse momento possam lidar com uma miríade de referências,
símbolos e representações dos quais são protagonistas, conferindo-lhes disposições importantes
ligadas ao respeito mútuo30, à autoestima, ao orgulho.
As considerações de Silva (2012) desenvolvem alguns dos aspectos que assumimos
ao tratar o movimento hip hop como um elemento do campo da produção cultural da periferia.
A nosso ver, a oportunidade de socialização, de produção cultural, e mesmo de reversão dessa
produção cultural em ganhos monetários e profissionais, faz com que possamos pensar num
microcosmo relativamente autônomo da periferia e do hip hop, na busca por capital social,
cultural e econômico para seus agentes. Ainda que o presente trabalho não tenha como objetivo
uma caracterização desse campo social, consideramos que também a dinâmica social da
periferia e do hip hop pode ser analisada com base em seu grau de autonomia, suas regras
29A respeito daquilo que representa o espaço escolar a tantos jovens de setores pobres das classes sociais brasileiras,
ler o capítulo A instituição do fracasso – A educação da ralé, de SOUZA et al. (2009). Para os autores, o espaço
escolar seria reprodutor de uma má-fé institucional e acabaria por apenas conferir a jovens dos setores pobres das
classes sociais brasileiras (chamados provocativamente de “ralé”) o selo que comprova seu fracasso. Isso ocorre,
segundo os autores, porque esses jovens são inseridos no espaço escolar desprovidos das “pré-condições” mínimas
necessárias para o aprendizado (o habitus de sua classe social não foi capaz de assegurar disposições ligadas à
autodisciplina, à autoestima, à concentração, ao pensamento prospectivo e à valoração do capital cultural de um
ambiente escolar poderia proporcionar). 30Cabe lembrar aqui a forma de tratamento “mano” que, ao referir-se ao outro com base numa relação de
“irmandade” e de “confraria”, configura uma relação simétrica e horizontal que parece designar traços de
identificação subjetiva e respeito mútuo dentre os jovens da cultura hip hop (SOUZA, 2009, apud SILVA, 2012),
ainda que o termo se estenda hoje a diversos grupos de jovens, muito provavelmente com diferentes atribuições
de significado.
75
invisíveis, as tomadas de posição e disputas que se dão entre seus agentes, sua relação com
outros campos e outros mecanismos que a organizam enquanto um campo no espaço social.
Em relação à carreira musical dos Racionais MC's, são muitos os comentários
encontrados acerca da projeção do grupo ligado aos shows nas periferias e às letras que retratam
o cotidiano marcado pela desigualdade e pela violência nesses espaços. Ainda no fim da década
de 80 e já nos anos 90, a música do grupo alcança as regiões mais pobres de todo o país, como
lembram as informações usadas no início do programa Roda Viva que se referem a Brown:
Líder do maior grupo de rap do Brasil, os Racionais MCs ele é um dos artistas
mais ouvidos nas regiões mais pobres do país... o grupo formado em São Paulo
em mil novecentos e oitenta e oito tem além de Mano Brown Ice Blue Edy
Rock e o DJ KL Jay... nesse ano eles/ participaram com duas faixas na
coletânea “Consciência\ Black” dois anos depois em mil novecentos e noventa
saiu o primeiro disco do grupo o “Holocausto Urbano” com denúncias de
racismo e da miséria na periferia de São Paulo em mil novecentos e noventa
e sete com o disco “Sobrevivendo no Inferno” os Racionais MCs venderam
mais de quinhentas mil cópias sem uma grande rede de distribuição por trás e
ganharam vários prêmios... o DVD “Mil Trutas Mil Tretas” foi lançado em
dois mil e sete com shows extras e um documentário sobre a história dos bailes
black na periferia de São Paulo. (Programa Roda Viva, 2007)
Após o sucesso do álbum Nada como um dia após o outro dia, lançado em 2002,
algumas coletâneas foram lançadas pelo grupo, cujos integrantes se dedicam desde então
também a diversos projetos musicais paralelos. Após doze anos sem o lançamento de um álbum
de inéditas, em novembro de 2014 os Racionais MC's iniciam a divulgação do álbum Cores e
Valores, sexto trabalho produzido em estúdio pelo grupo a partir de 1990, quando da estreia do
primeiro CD.
À revista Rap Nacional, em entrevista no ano de 2014, o rapper comenta reflete
sobre o impacto do rap em sua trajetória, quando questionado sobre “como seria Mano Brown
sem a música”, ao que afirma:
Não seria Mano Brown né?! Seria o Pedro Paulo. Não tinha o que comer, tinha
dificuldade pra arrumar um emprego, e de me relacionar com o patrão. Várias
dificuldades… Através do rap eu comecei a compreender algumas
dificuldades que eu tinha na vida, através do rap eu compreendi, sem o rap eu
não entenderia, seria um louco, um rebelde sem uma causa justa.
Interessa notar que Mano Brown, nesse momento, parece aludir as consequências
de sua entrada no movimento hip hop e nesse campo de produção cultural da periferia em
termos de valores e de disposições que desenvolveu para reconhecer e compreender sua própria
posição como agente, como indivíduo situado no momento histórico. Além disso, podemos
76
considerar que sua fala faz uma associação entre o hip hop e algumas das disposições que
puderam ser desenvolvidas por ele nesse movimento do campo da produção cultural da
periferia: disposições ligadas a um modo de compreensão da realidade (e das “dificuldades”) e
disposições que permitiram um direcionamento dos componentes psico-afetivos (resultantes de
sua situação inicial de desprestígio e desigualdade) para uma “causa justa”, para que pudessem
sem revertidos em algo benéfico a si.
Em dezembro de 2005, Mano Brown foi um dos contemplados pelo I Prêmio
Cooperifa, dentre um total de 100 pessoas responsáveis por projetos literários, fotográficos,
teatrais, educacionais e musicais, cujos impactos foram reconhecidamente positivos para a
periferia. O prêmio dado a Brown merece destaque pois, segundo o trabalho de Nascimento
(2006: 141), naquele momento ocorreu a primeira cerimônia de reconhecimento aos que
“contribuíram para uma periferia melhor” organizada por iniciativa da própria periferia. A
premiação marca, com isso, a legitimidade e reconhecimento de Mano Brown junto às ações
culturais desenvolvidas na periferia da Zona Sul de São Paulo. Ainda que a premiação envolva
não apenas o impacto do trabalho musical de Mano Brown no grupo Racionais MC’s, algumas
falas demonstram o resguardo de Brown ao tratar de sua participação como apoiador de projetos
sociais presentes na periferia, como mostra o exemplo a seguir, retirado da entrevista concedida
à revista Rap Nacional (2014):
[Pergunta dos entrevistadores] Você que apóia alguns projetos sociais,
sabemos que nem gosta muito de falar sobre isso, conta um pouco sobre os
projetos aqui no Capão Redondo.
[Resposta de] Mano Brown: A maior revolução que foi feita aqui, e não foi
feita por uma ou duas pessoas só, porque a revolução ou ela é do povo ou ela
não é de ninguém, e o que eu sempre quis é que as pessoas assumissem as
responsabilidades delas. [...] O que me deixa mais feliz é ver os caras que tão
comigo, a família toda. Fundão é uma família, o Rosana Bronx é uma família,
Morro do Piolho… São famílias que criaram esse trabalho social que não é de
um cantor de RAP ou de um político, é de um coletivo. (grifos nossos)
Na passagem acima, é possível notar que Mano Brown se refere aos trabalhos
sociais presentes na periferia e, mais especificamente, na Vila Fundão, região do bairro do
Capão Redondo, como uma “revolução” feita por diversos grupos, e não apenas por “um cantor
de rap”. Nesse momento, é possível compreender a recusa de Brown a deixar com que seu
nome seja diretamente relacionado a algum projeto social, sob pena de que se apagasse o
trabalho coletivo envolvido nessas circunstâncias – assim, fica reiterada a ideia presente na
própria pergunta feita a Brown, de que o entrevistado “nem gosta muito de falar sobre isso”.
77
Além da notoriedade da trajetória profissional de Brown ligada à música, algumas
outras práticas pessoais do rapper são discutidas nas entrevistas escritas, de modo geral, com
vistas a abordar os traços mais proeminentes da representação social de Mano Brown, como a
religião e o gosto do rapper pelo futebol, por exemplo. Segundo o próprio Brown, em sua
prática religiosa, já se dedicou ao candomblé ao longo de sua criação e crescimento e frequentou
também igrejas evangélicas na periferia. No entanto, à revista Rolling Stone Brasil o rapper
afirma ser hoje em dia “contra a religião”, criticando o fato de ter “virado empresa” a
promulgação da fé do modo como se dá em nossos tempos atuais – Brown afirma que “Deus
está nas pequenas coisas”.
Mano Brown é conhecido por ser um fervoroso torcedor do Santos Futebol Clube,
clube paulista no qual jogaram grandes ídolos da torcida brasileira a seu tempo, como Edson
Arantes do Nascimento, o Pelé, e Robson de Souza, o Robinho. Filiado à Torcida Jovem (nome
dado à torcida organizada do Santos), em 2007 Brown é preso acusado de envolvimento num
incidente entre torcedores do Santos e de um clube rival – foi solto após a investigação afirmar
que não havia provas de sua participação na briga. Frequentador de muitos jogos do Santos F.
C. e também de eventos promovidos pela direção do clube, em 2011 Mano Brown esteve
presente, por exemplo, na final do campeonato Libertadores da América, quando o Santos F.
C. venceu o time uruguaio Club Atlético Peñarol e conquistou o título como melhor equipe do
continente americano naquele ano. Alguns meses depois, o Santos F. C. chegaria à final do
Mundial Interclubes de futebol, enfrentando o time espanhol Futbol Club Barcelona.
É exatamente nesse período, entre a obtenção do título americano e a partida na
qual o Santos F. C. disputaria o título mundial de melhor clube, que Mano Brown concede a
entrevista ao programa Papo com Benja, uma das entrevistas selecionadas para compor o
corpus do presente trabalho31.
Em 2004, Brown foi detido por desacato à autoridade, após ter sido seguido por
policiais militares até sua casa, sob a acusação de porte de drogas; naquela ocasião, foi solto
após o pagamento de sessenta reais como fiança. Além da acusação de envolvimento no
incidente de 2007, em 2015, Mano Brown foi detido pela polícia militar de São Paulo, mais
uma vez sob a acusação de desacato à autoridade. Parado em uma blitz no bairro do Campo
Limpo, Brown afirmou ter sido agredido pelos policiais durante a abordagem; estes, por sua
vez, alegaram que o rapper teria tentado furar o bloqueio de trânsito organizado pela polícia. A
31Informações mais detalhadas sobre o programa Papo com Benja são apresentadas em seção posterior do presente
capítulo. Sobre o momento histórico no qual a entrevista ocorreu, consultar o capítulo 4 presente trabalho.
78
repercussão do caso fez com que o Secretário de Direitos Humanos do município de São Paulo,
o ex-senador Eduardo Suplicy32, comparecesse à delegacia para apuração dos fatos. Ao ser
detido, a polícia militar divulgou informações de que a carteira de habilitação de Mano Brown
encontrava-se com prazo de validade expirado, assim como o documento que comprovava o
licenciamento do automóvel que Brown dirigia. O rapper, nessa ocasião, foi solto após assinar
um termo circunstanciado por “desobediência” e seu automóvel permaneceu apreendido.
Em entrevista à revista Rap Nacional, ainda em 2014 - anteriormente ao episódio
envolvendo a blitz – podemos ver como Mano Brown se posiciona sobre esse assunto:
[Pergunta:] E quando você é parado em uma blitz, em uma geral, eles te
reconhecem, tem um tratamento pior, ou falam não vamos pegar mais leve
porque ele é o porta voz?
[Resposta de] Mano Brown: Eu tenho que tomar cuidado. Eu tomo cuidado,
não posso dizer que é isso ou aquilo, porque eu encontro dentro da PM cara
que queria um autógrafo e cara que queria me matar na hora. Se pudesse me
mataria na hora. Uma vez eu fui enquadrado pela Rota e o cara falou assim
pra mim: “Eu não gosto de você, não gosto de sua música, mas o meu filho,
se eu não comprar o CD pra ele, eu não entro nem em casa”. [...] Há pouco
tempo eu fui abordado por dois policias negros, a gente conversou meia hora
sobre raça, polícia, racismo. Os caras me cumprimentaram e mandaram eu ir
embora, na madrugada. (grifos nossos)
Os conflitos envolvendo Mano Brown e a polícia podem ser melhor compreendidos
ao tratarmos do trabalho musical dos Racionais MC’s no que diz respeito (i) às letras que
descrevem ações violentas e abusivas dos policiais com os homens negros e com a população
da periferia de modo geral, (ii) e no que se refere ao contato dos membros dos Racionais MC’s
com detentos e ex detentos, tanto nos trabalhos musicais do grupo como em suas relações
pessoais. De acordo com Zeni (2004: 233),
A relação do rap com o universo prisional é de intimidade e reciprocidade.
Por ser uma música surgida entre a população pobre, o rap tem, na grande
massa carcerária brasileira, composta majoritariamente de negros e pobres,
um público fiel e rapper em potencial. O movimento é de mão dupla: o rap
tematiza o mundo da cadeia, ponto final daqueles que se envolvem com o
crime e com a violência – ameaça vivida de forma próxima e intensa por
grande parte dos moradores da periferia –, e as prisões produzem rap.
Zeni (2004) destaca ainda a composição da canção Diário de detento, feita em
parceria33 pelos Racionais MC’s e por Jocenir Prado, detento no presídio do Carandiru, em São
32Eduardo Suplicy é conhecedor do trabalho dos Racionais MC’s, já esteve presente em shows do grupo e fez a
leitura de algumas de suas letras em plenário e comissões do congresso nacional. 33Segundo Zeni (2004: 234), Diario de um detento (presente no álbum Sobrevivendo no inferno, de 1997)
79
Paulo, à época de seu encontro com os membros do grupo. Os eventos envolvendo a presença
dos membros do grupo Racionais MC’s em alguns presídios, a parceria musical do grupo, por
exemplo, na canção Diário de um detento e, por fim, o “movimento de mão dupla” entre o rap
e os indivíduos encarcerados são fatores que estão na base (Cf. ZENI, 2004) de uma associação
estigmatizada sobre o grupo: a ideia de que os Racionais MC’s e a figura de Mano Brown são
responsáveis por apologia ao crime.
Os fatos envolvendo Mano Brown e a polícia consistem em momentos bastante
polêmicos de sua carreira, somando-se à repercussão negativa após incidentes ocorridos em
dois shows dos Racionais MC's: em um show em 1994, ocorreram conflitos entre os presentes;
e, em 2007, em show do grupo na Praça da Sé, na Virada Cultural de São Paulo, policiais
militares e o público entraram em confronto após 30 minutos do início do show dos Racionais
MC’s. A repercussão dos conflitos envolvendo a polícia e os presentes no show da Virada
Cultural estendeu-se pela grande mídia televisiva, digital e impressa, com questões sobre a
origem das incitações à violência que teriam causado o conflito – dentre os possíveis
responsabilizados pela origem do conflito, questionavam a participação dos policiais, do
público presente, daqueles que estavam no local (embora sem participar como público do
show), bem como da participação do próprio Mano Brown nas “provocações” que teriam
iniciado o incidente.
É exatamente no ano de 2007, cerca de 4 meses após os conflitos ocorridos durante
o show da Virada Cultural na madrugada na Praça da Sé, que Mano Brown concede ao
programa Roda Viva, da TV Cultura, a entrevista selecionada para compor os dados do presente
trabalho34.
A periferia, quase sempre abordada nas entrevistas com Mano Brown pesquisadas
para compor nosso corpus, consiste numa marca forte de sua trajetória musical e pessoal. De
acordo com Silva (2012: 103), “em 1994, depois de conseguir juntar R$ 7 mil ―embaixo do
colchão, quantia ganha com o rap, Brown financia um apartamento de um conjunto habitacional
(COHAB) e deixa, junto com a sua mãe, o aluguel.” Embora o rapper mantenha muito
“descreve os acontecimentos daquele que foi a maior chacina da história das prisões brasileiras. A letra foi
composta numa parceria entre Mano Brown e o ex-detento Jocenir, que, à época de lançamento do disco, ainda
estava preso na Casa de Detenção de São Paulo, o presídio do Carandiru, desativado em 2002. O líder dos
Racionais costumava visitar o presídio com freqüência e, durante uma de suas visitas, soube da existência de um
detento que escrevia poemas e letras de música. Brown pediu para conhecer o preso e, depois de dar uma olhada
nos seus cadernos de anotação, saiu da Detenção com algumas páginas escritas por Jocenir. A partir dessas
anotações, Brown compôs a letra do rap”. 34 Informações mais detalhadas sobre o programa Roda Viva constam em seção posterior deste capítulo. Sobre o
momento histórico no qual ocorreu a entrevista, consultar o capítulo 4 dp presente trabalho.
80
resguardada sua vida pessoal, recusando-se a comentar sobre sua família35, algumas reportagens
produzidas sobre Brown informam que o rapper vive hoje em dia no Campo Limpo36, bairro
vizinho ao Capão Redondo situado na Zona Sul de São Paulo, junto à sua esposa Eliane37 e seus
dois filhos, Kaire Jorge38 e Domênica.
Ainda que não mais resida com sua família na região da periferia, Mano Brown
reafirma a lealdade ao público nela presente, responsável, segundo ele, por fazer com que sua
música seja ouvida e pelas mudanças em sua vida. A própria “lealdade à periferia” pergunta
frequentemente destinada a Brown em algumas entrevistas, assim como a responsabilidade que
os Racionais MC's teriam, segundo afirmam alguns entrevistadores, em promover ações que
gerem benefícios à população. Diante dessa postura dos críticos ao grupo e ao próprio rapper
vinda de fora, a reação de Brown expõe o caráter punitivo que a ele parece estar por trás da
cobrança feita ao grupo e a tantos que se atrevem a mostrar a realidade e os problemas vividos
por milhares de pessoas nas periferias urbanas dos grandes centros.
Ao tratarmos de sua trajetória no movimento hip hop do campo da produção cultural
da periferia, cabe ressaltarmos brevemente algumas passagens de suas letras em músicas
gravadas pelos Racionais MC’s. A nosso ver, sua produção cultural não deixa de marcar suas
disposições reflexivas, na medida em que, por meio de algumas letras, Mano Brown também
problematiza sua própria condição e trajetória. Suas letras podem consistir num conjunto de
dados importantes que, embora extrapolem o escopo dos dados deste trabalho, ajudam a
compreender a visão do rapper acerca de diversos tópicos discursivos sobre os quais os
entrevistadores o questionam nos programas que analisaremos. Além disso, a nosso ver, alguns
versos cantados por Brown indicam sua visão acerca dos conflitos atinentes a sua
representatividade e a sua estigmatização enquanto agente prestigiado do movimento hip hop e
do campo da produção cultural da periferia.
35Ao entrevistador Paulo Lima, presente no programa Roda Viva em 2007, Brown afirma: “quanto à família que
cê perguntou da família... uma coisa que eu não gosto é de falar sobre a minha família justamente pra que dure
mais”. 36O bairro do Campo Limpo é conhecido por sua ocupação heterogênea, dividida entre casas populares de
programas habitacionais, moradores de baixa renda que vivem em favelas e grandes empreendimentos residenciais
para as classes média e média alta, conforme informações coletadas nos dados da Fundação Seade (Sistema de
análise de dados do Estado de São Paulo). 37Segundo uma matéria publicada pelo portal de notícias UOL, “Tanto Brown quanto Eliane não conheceram os
pais --foram criados pelas mães. Ela trabalhou como empregada doméstica, e ele, como office boy antes de os
Racionais estourarem. Só anos depois do nascimento dos filhos é que Eliane voltou a estudar. Hoje, ela é advogada,
além de mãe exigente” (ENGLER, 2014). 38Como afirma Silva (2012), o pré-nome dado ao filho, indica a escolha por um primeiro nome de origem africana,
como Kaire, e um nome entendido como alusão a uma das grandes influências musicais que sabidamente norteiam
Brown, o cantor e compositor Jorge Ben Jor.
81
Se pudermos tratar algumas passagens de canções dos Racionais MC’s em termos
das noções da teoria da prática, interessa notar, por exemplo, o seguinte verso cantado por Mano
Brown ao fim da canção Negro Drama: “Aê, você sai do gueto mas o gueto nunca sai de você,
morou irmão? Você tá dirigindo um carro o mundo todo tá de olho em você, morou?”. Os
conteúdos dessa passagem parecem fazer alusão não apenas ao estigma, mas também a
estruturas objetivas que, embora sejam mutáveis, são também duradouras, incorporadas à
trajetória e aos modos de ação dos atores sociais (mesmo que esses se inscrevam em outros
espaços) impedindo uma desvinculação total dos indivíduos com seus espaços sociais de origem
e de aquisição de um habitus primário (BOURDIEU, 1996 [1994]).
Ainda que brevemente, podemos tomar um segundo exemplo de como a produção
musical das letras de Mano Brown pode consistir em dado relevante para que compreendamos
sua própria trajetória, representatividade e estigmatização: as expressões utilizadas pelo rapper
para designar a si mesmo em suas letras. Numa passagem da música Negro Drama, sobre a qual
comentamos anteriormente, encontra-se o seguinte trecho: “Eu sou o mano/ Homem duro do
gueto, Brown/ Obá/ Aquele louco que não pode errar/ Aquele louco que você odeia/ Amar nesse
instante”. Nesse caso, destacam-se as expressões referenciais “aquele louco que não pode
errar”, na qual parecem ser mobilizadas características ligadas à estigmatização do rapper, e a
expressão “aquele louco que você odeia amar nesse instante”, na qual se observa uma
categorização da dualidade da visão sobre o rapper.
Sobre as categorizações utilizadas por Brown para definir a si mesmo, podemos
tomar como exemplo também sua resposta concedida à revista Rap Nacional: quando
questionado sobre “como se define”, sua resposta, nesse momento, deu-se apenas pela escolha
da seguinte categorização: “lutador”. A nosso ver, a designação própria de Mano Brown, nesse
momento, consiste numa categorização bastante reflexiva: isso porque o referente “lutador” não
dá como aceitas as características de sua representatividade, mas o inscreve como aquele que
está em meio (talvez permanentemente) a um processo, cujos resultados não podem ainda ser
classificados positiva ou negativamente.
Em oposição a essas designações feita por si, a atribuição de “voz da periferia” dada
a Mano Brown e aos Racionais MC's, apesar de ainda frequentemente negada pelos próprios
integrantes (em função dos encargos com os quais têm de lidar a partir da cobrança resultante
dessa rotulação) sustenta-se em inúmeras letras de rap produzidas e gravadas em seus álbuns.
Os temas abordados se referem ao cotidiano injusto e verdadeiramente desigual e violento com
o qual os moradores da periferia se deparam, à exposição de um verdadeiro “holocausto urbano”
no qual muitos estão “programados pra morrer”, pois não conseguiram escapar da condição de
82
“negro limitado” - expressão que se refere àqueles que rechaçam a consolidação de uma
“consciência” e “atitude” para os moradores da periferia a partir, por exemplo, das ações dos
rappers. Ao negro limitado, segundo as letras dos Racionais MC`s, restaria uma vida voltada
ao consumo de drogas, ao trabalho precarizado, às relações com mulheres e à tentativa de
delimitação de um status pessoal marcado pelo consumo de itens associados às classes médias
e altas.
São descritas também as trajetórias errantes dos que não resistiram à influência da
criminalidade, que se apresentava como oportunidade de status e de ganho monetário mais fácil,
sucumbindo ao crime no dilema de escolher entre “viver pouco como um rei” ou “morrer como
um Zé”. Diversas cenas de desigualdade são expostas e narradas nas letras e formam um “raio
X do Brasil”, como o passeio em um fim de semana no parque quando moradores da periferia
se dão conta de sua posição de desprestígio social ao observar as ações dos frequentadores de
um clube voltado para as classes abastadas. Diante da impossibilidade de reverter as diferenças
existentes “da ponte pra cá”, são cantados também os sentimentos de “sobreviventes do
inferno”, cujo cotidiano árduo do trabalho e do que ele representa em termos da possibilidade
de uma vida honesta e digna demonstra que também “no lixão nasce flor”39.
3.3 A inscrição de Mano Brown no campo jornalístico
Num esforço para produzir análises baseadas numa arbitragem entre estudos
textuais-interativos - que tomam a ideia do texto enquanto fenômeno e enquanto evento
comunicativo (KOCH, 2004; BEAUGRANDE, 1997) - e estudos sociolinguísticos, Bentes,
Ferreira-Silva e Mariano (2013) demonstraram como certos recursos textuais-discursivos
(como o uso de marcadores discursivos, a gestão do tópico discursivo, a negociação de
referentes e o emprego de estratégias de atenuação e de impolidez) podem consistir em
estratégias mobilizadas pelos atores sociais para dar conta de situações comunicativas ou sociais
nas quais precisam, a um só tempo, atender a restrições do contexto interacional em que estão
presentes e regular implicações mais gerais de suas ações de linguagem para suas
representações e relações sociais.
Ao retomarmos brevemente as considerações de Bentes, Ferreira-Silva e Mariano
(2013), atentamos para a caracterização anterior a respeito do rapper Mano Brown feita em
39O álbum Holocausto Urbano foi lançado em 1990; a música Negro limitado está no álbum Escolha seu caminho
(1992); a faixa Fim de semana no parque pertence ao CD Raio X do Brasil; o álbum Sobrevivendo no inferno foi
lançado em 1997. Algumas outras expressões usadas nesse trecho foram retiradas das canções Vida Loka I, Negro
drama, Da ponte pra cá e Vida Loka II, pertencentes ao álbum duplo Nada como um dia após o outro dia (2002).
83
momentos nos quais é apresentado (aos participantes, à audiência) no início das entrevistas
jornalísticas de que participa como convidado. Saliente-se, por exemplo, a apresentação feita
pelo programa Roda Viva, com o qual as autoras trabalharam. Segundo Bentes, Ferreira-Silva
e Mariano (2013: 18-19), tal caracterização considerava Mano Brown como aquele que:
(i) analisa a realidade e percebe que os maiores conflitos são de ordem social
e racial; (ii) faz da sua música um protesto e uma denúncia contra esses
conflitos (raciais e sociais) e, por isso, é considerado a voz da periferia; (iii)
tem um caráter 'durão' como o da mãe; (iv) é polêmico (pegaria em armas para
fazer uma revolução) e (v) raramente vai à mídia.
Outras caracterizações de Mano Brown presentes nos momentos iniciais de
entrevistas por ele concedidas a algumas revistas, podem ser encontrada nos primeiros trechos
da matéria publicada na revista Rolling Stone Brasil, produzida por André Caramante. Nele, o
jornalista se refere a seu percurso pelo trânsito da cidade de São Paulo para encontrar Mano
Brown, momentos antes de chegar ao lugar agendado para a entrevista, como podemos ver
abaixo:
O roteiro chega pelo celular. É noite abafada, começo de novembro, quando
deixo a porta da Escola de Samba Pérola Negra, na Vila Madalena, em São
Paulo, reduto contemporâneo da boemia paulistana, rumo a um bairro vizinho.
Da outra ponta da linha chega mais uma senha: 'É pique rua de periferia, tem
casinhas humildes'. Nos quase dez minutos para percorrer as ruas da área oeste
de São Paulo, um flashback: a conversa cara a cara prestes a começar, na
verdade, era o desfecho de um debate iniciado três anos antes. (Revista Rolling
Stone Brasil, edição 39, 2009)
O jornalista Renato Rovai, editor da Revista Fórum, expõe uma caracterização
ainda semelhante a essas acima, no trecho de abertura de uma entrevista com o rapper Mano
Brown publicada em 2011. Vejamos o exemplo a seguir:
Ele tem pelo menos 12 anos de rap. E 31 de periferia. Pedro Paulo Soares
Pereira é um sobrevivente do inferno. Preto, pobre e mesmo sem ser craque
de bola ou pagodeiro, Mano Brown ficou notório – como ele mesmo diz. A
força das suas palavras e de seu protesto dão o tom do trabalho do Racionais
MC´s, grupo que não aparece no Gugu, Xuxa, Faustão e que tais e mesmo
assim vende centenas de milhares de CDs. Aliás, mais de 1 milhão deles.
Brown é hoje um dos poucos berros ouvidos na periferia brasileira. Durão no
jeito e no portar-se, não faz discurso bonitinho. E não se acha o bambambam
por ter espaço para expor seus pensamentos. Ao contrário, com clareza, diz
que a imprensa fala dos Racionais por achar o grupo excêntrico: um bando de
pobres e pretos que falam umas coisas diferentes. Sem dó rasga o verbo, dá
porrada e chuta na canela quando é necessário.
Nesta entrevista exclusiva para a Fórum, Brown revela sua profissão de fé
evangélica e ao mesmo tempo diz que pegaria em armas para fazer a
84
revolução. De resto, em meio a um ou outro palavrão traduz a agonia da
maioria. Boa nitroglicerina pura, caro leitor. (Revista Fórum, 15/10/2011)
Silva (2012: 94) lembra ainda o comentário presente na revista Caros Amigos sobre
a adesão do rapper a esses contextos:
No segundo especial que a revista Caros Amigos (2005) fez sobre o hip-hop,
na seção ―As grandes figuras, aparece o comentário: ―Mano Brown é hors-
concurs, mas não é por isso que ele não aparece neste grupo de luminares do
hip-hop. É porque ele não quer mesmo aparecer.
Os exemplos retirados de entrevistas com o rapper publicadas em revistas escritas
e presentes no programa Roda Viva nos permitem constatar que, embora haja um espaço da
mídia interessado em produções nas quais Mano Brown seja um convidado, a opção do rapper
se dá, diversas vezes, pela recusa de sua participação em contextos midiáticos ligados à grande
mídia do campo jornalístico. Mais do que o julgamento feito por Mano Brown em relação aos
diferentes veículos de mídia atuantes no país, interessa-nos observar, a partir desses exemplos,
a regulação cuidadosa, estratégica, que parece marcar seu relacionamento com o campo
jornalístico.
Sabemos que, mesmo levando em conta a disposição do campo jornalístico em abrir
espaço aos rappers e protagonistas de movimentos sociais, ou a outros ícones ligados à
periferia, não se pode considerar que a participação desses sujeitos em contextos midiáticos se
dê de modo harmonioso ou vantajoso a ambas as partes. Pelo contrário, é preciso que eles
saibam lidar com situações comunicativas bastante complexas, nas quais operam várias regras
invisíveis e mecanismos estratégicos, como vimos anteriormente.
Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013) sinalizam que as entrevistas com o rapper
Mano Brown podem ilustrar um movimento da periferia para o centro, no qual são postas à
mesa, simultaneamente, a negociação de diferentes perspectivas e a necessidade de fixação de
interesses dos participantes e dos grupos por eles representados. De acordo com as autoras, a
participação de Mano Brown enquanto entrevistado faz com que o rapper tenha de lidar com
uma mediação que se faz necessária entre um tipo de participação que atenda às normas sociais
pressupostas por esse tipo de entrevista e uma forma de reforçar sua identidade – assim, alguns
recursos textuais e discursivos, bem como estratégias atenuadoras, como afirmam as autoras,
estariam a serviço dessa mediação. Nesse sentido, a visão das autoras (2013) corrobora nossa
ideia, segundo a qual essas entrevistas representam um momento de contato entre o campo
85
jornalístico e o movimento hip hop do campo da produção cultural da periferia, já que têm como
entrevistado um agente representativo (e estigmatizado) como Mano Brown.
Dentre os fatores que parecem contribuir para que Mano Brown de fato tenha um
comportamento cuidadoso em relação a sua participação no campo jornalístico, está a sua
percepção tanto do papel de alguns veículos de comunicação ligados à grande mídia, como do
papel dos Racionais MC's enquanto grupo de rap ligado à periferia. Como afirma Kehl (1999:
96),
(...) os integrantes dos Racionais apostam e concedem muito pouco à mídia.
'Não somos um produto, somos artistas', diz KL Jay em entrevista ao Jornal
da Tarde (5/8/98), explicando por que se recusam a aparecer na Globo (uma
emissora que apoiou a ditadura militar 'e que faz com que o povo fique cada
vez mais burro') e no SBT ('Como posso ir ao Gugu se o programa dele só
mostra garotas peladas rebolando ou então explorando o bizarro'?). Até
mesmo o rótulo de artista é questionado, numa recusa a qualquer tipo de
'domesticação'. 'Eu não sou artista. Artista faz arte, eu faço arma. Sou
terrorista'. (Mano Brown)
Assim, a negativa de Mano Brown e dos Racionais MC's de participação em
contextos midiáticos ligados à grande mídia pode ser vista, segundo Kehl (1999), como uma
recusa da ascensão própria para o grupo através dos ditames de uma lógica de mercado da qual
grande meios de comunicação fazem parte e sob a qual se constrói esse “sistema” excludente
criticado em suas canções. Como afirma Kehl (1999), esse tipo de atitude alude a uma escolha
de não reprodução, por parte dos Racionais MC's e de vários outros rappers e hip hoppers, de
processos segundo os quais
(...) dois ou três indivíduos excepcionais são tolerados por seu talento e podem
mesmo se destacar de sua origem miserável, ser investidos narcisicamente
pelo star system e se oferecer como objetos de adoração, de identificação e de
consolo para a grande massa de fãs, que sonham individualmente com a sorte
de um dia também virarem exceção. (KEHL, 1999: 96)
Em entrevista concedida em 2002 ao programa YO! MTV, Brown atenta para os
motivos que, segundo ele, levam à grande procura em geral pelo rap:
(...) eu acho que o Brasil (es)tá de olho no rap... todas as tendência de música
já foi utilizado... foi::... capitalizado em forma de dinhe(i)ro... foi explorado...
foi mostrado e hoje num tem mais eles têm o rap... (es)tá ligado? o rap/ eles
ve/ eles veem o rap como um zoológico... (es)tá ligado? só gente estranha só
gente – engraçado – a gente (es)tá no Brasil desde que o Brasil é Brasil nós
(es)tamo(s) no Brasil... só que a gente é estranho pra eles até hoje... os preto
são estranho no Brasil hoje eles num/ entendeu? eles num conhece eles têm/
eles (es)tão ansioso pra vê(r) o que que os preto pensa... o que que os preto
86
qué(r):: qual'é o preto mais perigoso qual'é o mais (…). (Programa YO! MTV,
2002)
As palavras de Brown indicam que a procura e a curiosidade produzidas em torno
do rap e do campo social da periferia e do hip hop podem revelar os conflitos de cor e classe
presentes no Brasil, tendo em vista os movimentos culturais pertencentes ao seio das periferias
urbanas paulistas e ligados, sobretudo, à população negra. A contundência e a dureza que,
segundo muitos, frequentemente estão presentes em suas falas e com as quais exporia esses
conflitos são salientadas por Kehl (1999), ao tratar de algumas letras produzidas pelo grupo
Racionais MCs. Para a autora, não deixa de existir um certo viés autoritário nas letras cantados
por Brown e pelos Racionais MC's, além de uma marca moral (não confundida com
moralismo), posto que alguns versos exprimem “a certeza de que uma causa coletiva está em
jogo”:
Trata-se de estancar o derramamento de sangue de várias gerações de negros,
de barrar a discriminação sem recusar a marca originária. Nada de abaixar a
cabeça, fazer o “preto de alma branca” que a elite sempre apreciou. Trata-se
de produzir “melhoria” na vida da periferia. Mas para isto – aí vem a segunda
razão – é necessário “transmitir a realidade em si”. Isto porque a maior ameaça
não vem necessariamente da violência policial, nem da indiferença dos
“boys”. Vem da mistificação produzida pelos apelos da publicidade, pela
confusão entre consumidor e cidadão que se estabeleceu no Brasil neoliberal,
que fazem com que o jovem da periferia esqueça sua própria cultura,
desvalorize seus iguais e sua origem, fascinado pelos signos de poder
ostentados pelo burguês”. (KEHL, 1999: 99)
Outro modo de referência à representatividade de Mano Brown como ator social
ligado aos problemas da periferia está presente no tratamento dado pelo entrevistador Paulo
Markun, do programa Roda Viva, quando emprega o termo “espelho”:
(...) numa/ da::s- das poucas entrevistas que você concedeu e que: a gente
acompanhou\ aqui pela pesquisa que foi feita para/ o Roda Viva você se define
como uma espécie de esPElho um espelho que retrata a realidade nesses eh
quase vinte anos em que você tá na estrada como:: artista como compositor
eh-o espelho Mano Brown eh:: registra alguma coisa de melhor ou a: realidade
piorou de lá pra cá?
No trecho acima, o apresentador e mediador do programa, Paulo Markun, resgata o
referente “espelho” para se referir a Brown, lembrando que o mesmo termo já teria sido
empregado até mesmo pelo rapper para designar a si mesmo. Nesse caso, observamos que a
representatividade de Mano Brown no movimento hip hop do campo cultural da periferia incide
87
sobre a categorização40 que é feita, indicando-nos mais uma vez uma atribuição daquele que
fala sobre a realidade que vivencia como alguém que aos nossos olhos representa e patenteia o
real. Além disso, mais uma vez, deparamo-nos com expressões que caracterizam o rapper
sugerindo suas disposições reflexivas, posto que um homem que logra êxito em empregar sua
produção cultural para dar forma à realidade, “retratando-a”, não se encontra apenas situado em
um meio de fruição de um habitus específico, mas sim como alguém capaz de identificar e
problematizar sua condição.
Os exemplos vistos até o momento nesta seção podem ser tomados para tratar da
caracterização de Mano Brown tal como feita pela mídia. No entanto, poucos foram os
exemplos encontrados que correspondessem a avaliações do rapper sobre a mídia e seu papel.
Com vistas a uma maior ponderação a inscrição do rapper no campo jornalístico, cabe
consideramos também o seguinte trecho da entrevista concedida por Brown à revista Rap
Nacional (2014):
[Pergunta] Você já recusou a participação em eventos, programas de TV e
reportagens em algumas emissoras. Porque você concordou em dar está
entrevista pra nós da revista Rap Nacional?
[Resposta de] Mano Brown: Por motivos óbvios. Mas eu podia também ter
falado “não” se o posicionamento de vocês na caminhada não fosse certo. É
lógico que eu ia olhar com mais carinho, mas se eu não achasse o
posicionamento da revista bom eu não faria. Eu considero a revista Rap
Nacional uma mídia competente, se não for competente pode fazer estrago,
até porque vocês estão lidando direto com a minha rapaziada. A nossa né?!
Na minha visão estamos na mesma caminhada, na mesma luta e por isso eu
aceitei. Agora, se vocês tivessem outra direção, eu não aceitaria. Vocês tem
qualidade, por isso que eu aceitei e por acreditar que vocês podem chegar
ainda mais alto. (grifos nossos)
Apesar de termos recorrido a diversos exemplos para indicar a visão de alguns
agentes e instituições do campo jornalístico sobre a inserção de Mano Brown nesse espaços
social, o excerto acima nos parece exemplo privilegiado para tratar do outro lado dessa relação,
ou seja, da visão do próprio Mano Brown acerca de sua inscrição no campo jornalístico. Isso
porque, sua fala nesse momento nos permite levantar pontos importantes como os seguintes:
40 Os referentes utilizados para designar Mano Brown são analisados, no presente trabalho, a partir de uma
perspectiva textual-interativa, embora sugiram a relação entre o fenômeno da referenciação, tal como o estamos
tratando, e a categorização social ou rotulação de indivíduos estigmatizados, fenômeno abordado por sociólogos
como Becker (2008, [1963]) e Goffman (1988 [1963]). Para Becker (2009 [1963]), um comportamento de desvio
de indivíduos outsiders muitas vezes é precedido da aplicação de rotulações e categorizações de um grupo, como
forma de sanção a esse indivíduo. Assim, a categorização e a rotulação social (que incidem também sobre a
linguagem) agem coercitivamente sobre o indivíduo, de modo a moldar suas ações e motivações para um
comportamento de desvio.
88
i. primeiramente, quando adverte que “podia ter falado ‘não’”, Mano Brown
comprova que sua participação no campo jornalístico é vista em termos de uma
“possibilidade” e adverte que tal possibilidade se concretiza a depender “do
posicionamento” da revista – é preciso considerar que seu julgamento sobre a
revista se estende as outras instituições do campo jornalístico.
ii. além disso, quando frisa que “não faria” caso não achasse bom o posicionamento
da revista, o rapper indica que é preciso que haja sintonia entre si e a posição
das instituições midiáticas num espectro de atuação no campo jornalístico. Essa
convergência condicionante é melhor explicada quando Mano Brown afirma que
analisará o posicionamento dessa instituição do campo jornalístico em termos de
sua competência e dos “estragos” que podem ser gerados. Consideramos que,
nesse momento, Brown comprova uma questão importante às análises do
presente trabalho: a ideia de que sua participação no campo jornalístico pode
(re)configurar sua posição neste e em outros campos, em termos positivos
(reiterando sua representatividade) ou negativos ((re)produzindo sua
estigmatização).
iii. por fim, o trecho nos permite concluir que a convergência responsável pela
decisão de Mano Brown em conceder a entrevista à revista Rap Nacional,
especificamente, relaciona-se a uma semelhança (“mesma caminhada”, “mesma
luta”) ou simetria entre as trajetória e/ou as posições ocupadas por esses agentes
e os campos sociais nos quais se inserem.
Outras questões importantes para compreender de modo mais completo a inscrição
de Mano Brown no campo jornalístico podem ser suscitadas a partir da seguinte fala do rapper,
também por ocasião da entrevista concedida à revista Rap Nacional:
[Pergunta] Como está o seu envolvimento com a mídia?
[Resposta de] Mano Brown: Sempre teve assédio. Até nos momentos em que
a gente estava silencioso causava curiosidade em algumas pessoas da mídia.
Apesar de eu estar mais experiente, eu continuou não acreditando na mídia,
porque eu sei que eu posso virar um produto, uma coisa enlatada, uma moda.
Se eu não me posicionar certo, também viro moda, posso virar uma coisa
descartável pela mídia. Por mais que a gente viva um momento de desconstruir
mitos, o Brasil vive querendo construir celebridades, querendo construir
mitos. É talvez uma forma de jogar areia no olho do povo, toda hora lança
uma celebridade nova. Eu estou na condição real, eu estou na condição de
trabalhador da causa, não embaixador. (grifos nossos)
89
A partir do trecho acima, podemos destacar alguns dos pontos que parecem nortear
o contato de Mano Brown com o campo jornalístico, quais sejam:
i. sua não compactuação com aquilo que a mídia representa, tendo em vista,
segundo ele, os mecanismos dos quais dispõe para moldar (“enlatar”) a
representação social de sujeitos como Brown;
ii. a ideia de que sua inserção no campo jornalístico requer um “posicionamento”,
isto é, uma participação refletida, estratégica, sob pena de restringir-se aos
ditames e interesses específicos e temporários desse campo;
iii. sua recusa em tornar-se uma celebridade desvinculada de uma trajetória real e
concreta ligada ao lado de certos grupos sociais;
iv. a negação de uma visão do campo jornalístico sobre si, pautada na ideia de que
seria “um embaixador da causa” e não um dentre aqueles que trabalham pela
causa.
As questões evocadas pela resposta de Brown à revista Rap Nacional demonstram
que sua relação com o campo jornalístico não deixa de levar em conta o modo como os
contextos desse campo mobilizam informações sobre sua representatividade no movimento hip
hop e no campo da produção cultural da periferia. Além disso, sua resposta à revista Rap
Nacional indica que sua participação nos contextos do campo jornalístico é marcada pela
mobilização de aspectos ligados a sua estigmatização, na medida em que seria atribuído ao
rapper um papel de “embaixador da causa” ao qual são feitas cobranças específicas.
É preciso considerar que avaliações expressas por Mano Brown sobre a mídia, uma
vez que consistem em pontos que marcam sua relação com o campo jornalístico, podem ser
entendidas como juízos que marcarão suas tomadas de posição nesse campo, por exemplo, em
entrevistas jornalísticas como as que compõem o corpus do presente trabalho. Nesse sentido,
cabe às análises do presente trabalho a observação da metadiscursividade enquanto as ações de
textualização que compõem as tomadas de posição do rapper em dois contextos do campo
jornalístico.
Os dois últimos exemplos acima, portanto, trazem a ideia de que Mano Brown
reconhece suas ações no campo jornalístico como um manejo de forças – desse modo, reforçam
nossa ideia de tomar essas dimensões segundo a visão bourdiana dos campos sociais. As
atitudes de Brown em relação a sua participação em entrevistas estão relacionadas, a nosso ver,
com um modo de agir em relação (i) aos veículos de comunicação ligados à grande mídia, e ao
90
que esses representam, (ii) ao público telespectador desses contextos midiáticos, abrangendo
tanto a audiência “curiosa” em conhecer o mundo dos rappers, dos hip hoppers e dos negros
quanto a população que forma e que pratica os movimentos culturais nas periferias, e como um
modo de agir em relação (iii) a sua própria trajetória pessoal e à trajetória dos Racionais MC's,
guiadas por um sentimento que de certo modo é marcado por uma moral coletiva, que lhes
permita escapar da condição de “negro limitado” e pela não compactuação com diversos
parâmetros do status quo.
3.4 Reconstruindo o contexto das entrevistas
Nas seções seguintes do presente capítulo, tomaremos como base as considerações
de Bourdieu a respeito dos campos sociais e, mais especificamente, sobre o campo jornalístico
para refletir de que maneira a caracterização desses espaços sociais tal como feita pelo autor se
desdobra nas ações ocorridas nos programas Roda Viva (em setembro de 2007) e Papo com
Benja (em junho de 2011).
Desse modo, pretendemos adensar a reconstrução contextual que acreditamos ser
necessária a um trabalho com as noções de campo (fundamentalmente relacional) e de
metadiscurso (em ações de textualização) que podem estar a serviço de ações sociais mais
amplas. Ainda que não pretendamos exaurir, em termos de uma descrição densa (Cf. GEERTZ,
1973) essa contextualização do campo jornalístico no qual se situam as entrevistas selecionadas
para nossa análise, será preciso levar em conta diferentes dimensões contextuais que abrangem
a interação nos dois programas. De acordo com Barros Filho (2002: 167),
O campo jornalístico é constituído por muitos sub-campos. Embora estes
apresentem aspectos comuns que justifiquem a constituição de um campo
geral do jornalismo – relativamente autônomo em relação a qualquer outro
espaço social – discrimam-se por singularidades que também os constituem
enquanto espaços sociais com autonomia relativa. Assim, os jornalismos
televisivo, radiofônico e impresso aproximam-se e, ao mesmo tempo, se
singularizam como espaços destinados a uma produção específica e, portanto,
a uma subjetivação própria de um certo profissional.
As considerações do autor evocam algumas das diferenças e dos nuances do campo
jornalístico que, a nosso ver, marcam as entrevistas selecionadas para o presente trabalho, como
uma primeira distinção entre o fazer jornalístico televisivo, radiofônico ou impresso, por
exemplo. A nosso ver, as posições ocupadas pelos programas Roda Viva e Papo com Benja no
campo jornalístico são fortemente distintas, por motivos que passaremos a tratar a seguir.
91
3.4.1 O programa Roda Viva
Transmitido ao vivo em rede nacional pela TV Cultura (emissora inserida na
televisão pública brasileira e pertencente à Fundação Padre Anchieta) o Roda Viva consolidou-
se como um dos mais tradicionais programas de entrevistas da televisão brasileira. No
programa, são tratados temas de interesse do momento sócio histórico nacional e internacional,
com questões voltadas à política, cultura, economia etc (LIMA, 2009; PALUMBO, 2008). Ao
longo de seus anos de exibição (iniciada em 1986), os participantes convidados caracterizam-
se como personalidades importantes, profissionais do campo jornalístico, ou mesmo de outros
campos, muitas vezes tidos como especialistas em suas áreas de atuação41.
Para que possamos compreender como o programa Roda Viva se situa no campo
jornalístico, tomemos as seguintes informações divulgadas no portal de comunicação da
Fundação Padre Anchieta42. Como mencionamos, a fundação é mantenedora da TV Cultura,
emissora responsável pelo programa de entrevistas Roda Viva:
A Fundação Padre Anchieta - Centro Paulista de Rádio e TV Educativas,
instituída pelo governo do Estado de São Paulo em 1967, é uma entidade de
direito privado que goza de autonomia intelectual, política e administrativa.
Custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos
próprios obtidos junto à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta
mantém uma emissora de televisão de sinal aberto, a TV Cultura; uma
emissora de TV a cabo por assinatura, a TV Rá-Tim-Bum; e duas emissoras de
rádio: a Cultura AM e a Cultura FM.
Por inspiração de seus fundadores, as emissoras de sinal aberto da Fundação
Padre Anchieta não são nem entidades governamentais, nem comerciais. São
emissoras públicas cujo principal objetivo é oferecer à sociedade brasileira
uma informação de interesse público e promover o aprimoramento educativo
e cultural de telespectadores e ouvintes, visando a transformação qualitativa
da sociedade.
A partir do excerto retirado do sítio de divulgação na internet, é possível observar
uma primeira referência ao grau de autonomia da Fundação Padre Anchieta enquanto
instituição midiática. As informações são expostas de modo a sugerir uma atuação autônoma
tanto em relação à administração e à gestão da instituição, em relação a seu contato com outras
instâncias de poder e também no que diz respeito ao âmbito intelectual, entendido como os
princípios e influências que norteariam a produção e seleção de conteúdo. Além disso, em
função de não se apresentar como uma “entidade governamental” e tampouco “comercial”,
podemos notar que a Fundação Padre Anchieta busca uma localização num espectro de atuação
41 Disponível em: <http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/sobre-o-programa>. Acesso em: 03/06/2015. 42Disponível em: <http://cmais.com.br/fpa/quem-somos>. Acesso em 03/06/2015.
92
midiática que não a identifique como diretamente ligada ao Estado, mas também não
diretamente ligada ao mercado.
Outras informações se referem à relação da Fundação Padre Anchieta com o campo
econômico. Assim, esclarece-se que o custeio dos trabalhos da fundação se dá em função de
um capital econômico oriundo tanto de subvenções estatais quanto de recursos obtidos junto à
iniciativa privada. Quanto a isso, podemos considerar que seu modo de arrecadação e, por
conseguinte, sua relação com o campo econômico não se diferenciam de outras grandes
instituições midiáticas. Além disso, nota-se o fato de que a fundação se dedica à produção
midiática para além do meio televisivo em canal aberto, abrangendo também emissoras de rádio
e de TV por assinatura.
Consideramos que as demais informações expostas no excerto acima fazem
referência aos modos e princípios que norteiam a produção e seleção de conteúdo da Fundação
Padre Anchieta. Destaca-se, assim, o “interesse público” como fator relevante no oferecimento
de conteúdo. Como é possível notar, há ainda uma referência ao modo como a fundação espera
se inserir na sociedade em função de sua atuação no campo, visto que um “aprimoramento
educativo e cultural” e uma “transformação da sociedade” são apontados como os objetivos das
emissoras que compõem essa instituição midiática. A nosso ver, é possível considerar que
haveria diferença entre a TV Cultura, como emissora pertencente à Fundação Padre Anchieta,
e outras emissoras em canal aberto ou da grande mídia em termos dos objetivos e dos conteúdos
produzidos, tendo em vista que as informações expostas acima ligam a produção de conteúdo
da TV Cultura – e das demais emissoras ligadas à Fundação Padre Anchieta – não diretamente
ao entretenimento, mas sim ao próprio campo da produção cultural de modo mais estreito. Essa
ideia de uma proposta educativa ligada a conteúdos do campo da produção cultural poderia
representar importantes diferenças quando comparada a objetivos e conteúdos de outras
emissoras ligadas à grande mídia.
Cabe ressaltar que a informação de que visa “a transformação qualitativa da
sociedade”, a nosso ver, parece apresentar como pressuposto uma crença naquilo que pode
representar a instituição midiática enquanto microcosmo atuante no espaço social, isto é, a
crença numa capacidade das instituições midiáticas em serem atuantes e “transformadoras” da
sociedade – nesse sentido, a informação parece revestir de grande poder simbólico as
instituições de mídia.
Para além de uma caracterização da Fundação Padre Anchieta realizada com base
numa descrição própria, divulgada no sítio da Fundação na internet, cumpre buscarmos
informações outras a respeito dessa instituição do campo jornalístico. A Fundação Padre
93
Anchieta, mantenedora da TV Cultura, deve ser situada como instituição a qual pertence uma
concessão pública televisiva e radiofônica, e, a nosso ver, deve também ser tomada em sua
relação com outros campos que não o jornalístico.
Ainda que as informações divulgadas pela Fundação Padre Anchieta delimitem
uma independência da instituição e uma vocação da TV Cultura como emissora voltada para a
elaboração de conteúdo televisivo a serviço da cultura e da educação, não deixa de haver
contrassensos em relação a esse posicionamento auto afirmado. De acordo com Bucci (2010:
13), a respeito das concessões públicas de televisão no Brasil,
A TV Cultura de São Paulo (estado que também possui a Univesp TV, além
de emissoras de rádio em AM e FM) é sem dúvida a mais independente e a
mais influente emissora pública do país. Mas ainda assim, na prática, tal
independência apresenta limitações.
As considerações de Bucci (2010) acercas das limitações de independência e
influência da TV Cultura levam em conta a relação entre sua mantenedora, a Fundação Padre
Anchieta, e poderes políticos e econômicos. É preciso destacar que, uma vez instituída pelo
governo estadual de São Paulo, a Fundação Padre Anchieta vincula-se aos poderes políticos: a
decisão sobre a presidência da fundação estaria submetida a um conselho curador e ao
governador do estado de São Paulo, responsável pela aprovação do nome escolhido pelo
conselho, como lembra Bucci (2010). Ainda que seja expressiva a ideia de um conselho curador
com prerrogativa de voto para eleger a presidência da Fundação, é preciso ressaltar que os
membros desse conselho são agentes de campos sociais distintos, e a distribuição do voto e do
poder de decisão nesse pleito não ocorre de modo igualitário, como lembra Bucci (2010: 12):
Na TV Cultura, dos 44 membros do conselho curador, 22 são eletivos, três,
vitalícios, dezoito, membros natos, e um representa os funcionários da
instituição. Em tese, essa proporção bastaria para impedir que a vontade dos
membros natos, que são secretários de estado e reitores de universidades
públicas e privadas, entre outros — alguns deles ligados ao governador ou
exercendo cargos para os quais contaram com a nomeação do governador —
pudesse definir as deliberações do conselho. Na prática, porém, embora eles
sejam minoritários, a liderança do governo é decisiva. O histórico das
principais decisões do conselho comprova que, de um modo ou de outro, em
momentos agudos, a posição prevalecente é aquela patrocinada pelo governo
paulista. Assim, foi assim com a escolha de todos — sem exceção — os
presidentes da instituição; assim ocorre com a escolha dos membros eletivos.
É raro e bastante improvável, embora não impossível, que um nome que
desagrade ao Executivo estadual seja conduzido ao conselho curador da
Fundação Padre Anchieta.
94
Tendo em vista as informações apontadas por Bucci (2010) acerca do poder de
deliberação do Executivo estadual paulista nas decisões sobre a presidência da Fundação Padre
Anchieta, a ideia de uma independência política da instituição e da própria emissora, TV
Cultura, ganha um contrassenso importante, já que essas informações ligam diretamente a
instituição do campo jornalístico ao campo do poder, representado pelo poder público do estado
de São Paulo. Nesse sentido, fortalecem-se as considerações de Bourdieu a respeito do baixo
grau de autonomia do campo jornalístico em relação aos poderes políticos e econômicos –
acerca dos poderes econômicos, é possível ao menos supor sua influência na TV Cultura quando
se afirma uma ligação da Fundação com entidades “comerciais”.
A TV Cultura é frequentemente destacada como “a mais exitosa experiência de TV
pública já realizada no Brasil” (LEAL FILHO, 2009: 324), ainda que existam percalços e
dificuldades, quando se compreende o risco de que a Fundação Padre Anchieta possa se tornar
uma instituição do campo jornalístico utilizada como possibilidade de expansão dos interesses
de outros campos do poder.
A nosso ver, embora sua organização administrativa comprometa sua autonomia,
ainda assim não a impede de se diferenciar da grande mídia, ao menos em termos do capital
simbólico pelo qual luta, das às regras invisíveis presentes e de suas estratégias de conservação.
Isso porque, sua posição administrativa e econômica intermediária, ligada ao Executivo
estadual de São Paulo, faz com que esteja vinculada às fases de um poder público eleito num
sistema democrático; nesse sentido, a emissora guardaria diferenças importantes com outros
grupos midiáticos do país, cujas posições de poder se perpetuam por laços familiares, por
exemplo, dramaticamente menos suscetíveis a mudanças e aos interesses coletivos.
Além disso, na qualidade de emissora pública mais exitosa, a TV Cultura se
diferenciaria das demais, pertencentes à grande mídia, pela tentativa em firmar posição no
campo jornalístico sobretudo pelos ganhos de um capital simbólico ligado ao comprometimento
com a produção cultural e com uma programação educativa, e não apenas pela sobrevivência
advinda dos dividendos econômicos. Com isso -para prosseguir com as questões tratadas por
Bourdieu sobre o campo jornalístico -, as estratégias de conservação e as regras invisíveis da
TV Cultura poderiam (dando destaque ao fato de que a possibilidade pode não se reverter num
fato) inscrevê-la como emissora televisiva mais compromissada com o registro de uma
sociedade democrática. Sua posição no campo jornalístico, apesar da autonomia, ainda abriria
possibilidades para que escapasse à crítica bourdiana, segundo a qual a televisão deixaria de
descrever para prescrever uma ordem simbólica.
95
Acreditamos que as considerações com relação à autonomia da Fundação Padre
Anchieta e da TV Cultura podem aventar características importantes do posicionamento dessa
instituição no campo jornalístico. No entanto, como dissemos anteriormente, uma reconstrução
contextual das entrevistas selecionadas para o presente trabalho necessita levarmos em conta
outras dimensões contextuais do programa Roda Viva, a começar pelos agentes presentes na
entrevista, decisivos para as ações que se dão no interior do programa de 24 de setembro de
2007.
Nesse sentido, cumpre ressaltarmos, primeiramente, a presença do apresentador e
mediador Paulo Markun na entrevista concedida por Mano Brown ao programa Roda Viva. É
preciso salientar que Paulo Markun, à época da entrevista, ocupava também a presidência da
Fundação Padre Anchieta – tendo exercido o cargo entre maio de 2007 e fim de 2010. As
muitas informações divulgadas à época informam que o nome do jornalista Paulo Markun para
ocupar a presidência da Fundação foi decisão consensual na votação do conselho curador e
acatada pelo governador José Serra, chefe do Executivo estadual de São Paulo no ano de 2007.
Como ocupante da presidência executiva da fundação e como apresentador e
mediador do programa Roda Viva, Paulo Markun se apresenta como agente importante para
que possamos compreender o contexto de entrevista do rapper Mano Brown ao programa. Isso
porque sua trajetória no campo jornalístico faz com que esteja ligado a uma posição específica,
por exemplo, em relação à seleção dos conteúdos presentes na emissora TV Cultura. Acerca
disso, tomemos as informações divulgadas pela revista Carta Maior43 sobre o jornalista, em
repercussão à sua eleição para presidir a Fundação Padre Anchieta:
Jornalista de reconhecida competência e de longa carreira na TV Cultura,
desde a década de 60 - quando foi convidado à chefia de reportagem por
Vladimir Herzog-, Markun encaminhou uma carta de agradecimentos ao
conselho curador, lembrando passos importantes da trajetória interrompida de
seu chefe daqueles anos duros e de seu próprio caminho que o levou de volta
à casa em 1998, pelas mãos do Jorge da Cunha Lima, para apresentar o Roda
Viva, programa que depois, durante a gestão de Mendonça, dirigiu.
Evocando o estatuto da Fundação e a Constituição Federal, Markun afirmou
categoricamente que se propõe a uma linha que dará prioridade absoluta às
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promovendo a
cultura nacional e regional e estimulando a produção independente.
Esconjurou a censura e relembrou o caráter da TV pública de independência
e autonomia em relação a governos, partidos, correntes, tendências, grupos
políticos, artísticos, culturais, econômicos e religiosos.
Já assuntando a controversa temática da produção e exibição de audiovisual
no Brasil, Markun posicionou-se contra o monopólio do modelo centralizado
43Revista Carta Maior, 28/04/2007. Disponível em: <http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Paulo-Markun-
foi-o-nome-do-consenso-afirma-Jorge-da-Cunha-Lima/12/13221> Acesso em: 20/07/2015.
96
e vertical e evocou a lei aprovada na Câmara, mas que tramita no Senado
desde 2003, de iniciativa da deputada Jandira Feghali, que abre espaço para a
produção regional e independente. Enfatizou ainda que a Cultura terá
compromisso com a sociedade e não com o mercado, buscará participar de
processos de inclusão social e trabalhará pelo direito à comunicação.
As informações divulgadas pela revista tratam de um pronunciamento feito por
Paulo Markun quando de sua eleição. A partir dessas informações, observa-se que o jornalista
delimita para si um posicionamento no campo jornalístico comprometido o jornalismo público,
independente, voltado para a produção cultural e para a inclusão social. Entretanto, é preciso
ressaltar que sua conduta, talvez por representar uma posição de heterodoxia no campo
jornalístico, não garante o sucesso da implantação dessas metas, sobretudo se lembrarmos que
a autonomia da Fundação Padre Anchieta é suscetível aos poderes políticos do estado de São
Paulo, cujos interesses nas atividades da TV Cultura podem ser outros.
De modo geral, as considerações sobre a trajetória e a posição de Paulo Markun no
campo jornalístico interessa ao trabalho na medida em que nos permite evocar mais uma
dimensão do contexto do Roda Viva no momento da entrevista concedida pelo rapper Mano
Brown ao programa. A nosso ver, o convite feito a Mano Brown para sua participação num dos
mais consagrados programas de entrevista da televisão brasileira relaciona-se com algumas das
ações levadas a cabo pela TV Cultura para tentar dar voz à produção cultural da periferia e ao
movimento hip hop numa emissora pública de televisão. É preciso chamar atenção para a
cobertura que a produção cultural da periferia passou a ter na TV Cultura em 2008 – no segundo
ano de Paulo Markun à frente da emissora -, semanalmente, com a estreia do programa Manos
& Minas, apresentado naquele ano por Rappin Hood, agente prestigiado movimento hip hop
(Cf. GRANATO, 2011; MARIANO, 2014).
Como mencionamos, a presença de Paulo Markun na entrevista concedida pelo
rapper Mano Brown ao Roda Viva se dá não apenas em momento no qual ocupa a presidência
da Fundação Padre Anchieta, mas também na posição do jornalista como apresentador e
mediador do programa. Na estrutura de participação do programa, Paulo Markun é responsável
pelo gerenciamento do tempo, pelos agradecimentos feitos aos presentes e ao público, assim
como pela abertura e encerramento do programa. Além disso, fica reservado ao papel do
apresentador-mediador fazer uma breve apresentação do entrevistado e entrevistadores ao
público, bem como intervir na troca de turnos entre os participantes quando há muitas
sobreposições de vozes.
Além da figura do apresentador mediador, a exibição de 24/09/2007 do programa
contou com sete participantes entrevistadores (incluindo o apresentador-mediador) e treze
97
participantes ouvintes que, ao longo da exibição da entrevista, não participaram enquanto
falantes.
Quanto aos participantes entrevistadores, salientamos algumas informações, com
o auxílio da tabela a seguir:
Tabela 1- Participantes entrevistadores no programa Roda Viva em 24/09/2007
Entrevistador
Inserção no
campo
jornalístico
Modo de
apresentação
veiculado pelo
programa
Posição
ocupada na
bancada
José Nêumanne (JN):
Nascido em 1951, começou sua
carreira de jornalista em 1968. Foi
crítico de cinema, repórter da polícia e
chefe de redação, tendo trabalhado
também como assessor político. À
época da entrevista com o rapper
Mano Brown, trabalhava como
editorialista, colunista na internet e
comentarista de rádio. É escritor e
poeta, sendo membro da Academia
Paraibana de Letras44.
Jornalismo
cinematográfico;
jornalismo
político;
jornalismo
econômico;
jornalismo
policial.
- Menção feita por
PM: “editorialista do
Jornal da Tarde
comentarista da
Rádio Jovem Pan e
do SBT”
- Inscrição na tela:
“Jornal da Tarde”.
E3
Renato Lombardi (RL):
Nascido na Itália, é especialista em
jornalismo de segurança, justiça e
jornalismo policial. Trabalhou em
diversas emissoras de televisão do
país, tendo sido também apresentador
de programas policiais na TV45.
Comentarista de
segurança;
jornalismo
policial.
- Menção feita por
PM: “jornalista da
TV Cultura”
- Inscrição na tela:
“TV Cultura”.
E5
Paulo Lima (PL):
Formou-se em direito pela USP.
Trabalhou como colunista em diversos
jornais. Aos 24 anos, fundou a Trip
Editora, responsável pelas revistas
Trip e Tpm, por exemplo. Além disso,
trabalha como consultor de programas
de TV e como apresentador de
programas no rádio46.
Editorialista
(Editora Trip;
revista Trip e
revista TPM);
jornalismo
impresso.
-Menção feita por
PM: “editor da
Trip”.
-Inscrição na tela:
“Revista Trip”.
E6
Ricardo Franca Cruz (RF):
Publicitário, trabalhou no jornalismo
impresso em diversas revistas, foi
editor chefe da revista Rolling Stone
Publicitário;
editorialista
(Revista Rolling
Stone Brasil);
jornalismo
- Menção feita por
PM: “editor chefe da
revista Rolling Stone
Brasil”.
E4
44 Disponível em: <http://neumanne.com/>. Acesso em: 03/06/2015. 45Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,renato-lombardi-assume-o-reporter-
cidadao,20040524p6540>. Acesso em: 03/06/2015. 46Disponível em: <http://bei.com.br/autor/paulo-lima>, <http://jornalismosp.espm.br/geral/jornalista-e-pago-para-
entender-o-mundo-diz-paulo-lima>. Acesso em: 03/06/2015.
98
Brasil (2006 a 2011) e atualmente é
editor da revista GQ47.
impresso. - Inscrição na tela:
“Revista Rolling
Stone”.
Maria Rita Kehl (MR):
Nascida em 1951, formou-se em
psicologia pela USP e, posteriormente,
tornou-se doutora em psicanálise pela
PUC-SP. É também crítica literária,
poetisa e cronista. Trabalhou com
movimentos sociais como o MST,
como editora e como colunista em
jornais da mídia impressa. Participou
como integrante convidada da
Comissão da Verdade, instalada em
201248.
Psicologia;
jornalismo
alternativo;
direitos humanos.
-Menção feita por
PM: “psicanalista”.
-Inscrição na tela:
“Psicanalista”.
E2
Paulo Lins (PLS):
Nasceu em 1958, no Rio de Janeiro e
foi criado na Cidade de Deus (bairro
da periferia carioca). Possui formação
em Letras e é autor da obra Cidade de
Deus. É escritor, professor de literatura
e roteirista de cinema49.
Professor;
escritor; roteirista;
literatura
periférica.
- Menção feita por
PM: “escritor
professor de
literatura e roteirista
de cinema”;
- Inscrição na tela:
“Escritor”.
E1
Paulo Markun (PM):
Nascido em 1952, formou-se em
comunicação pela USP, em 1974. Foi
preso em 1975, por “atividades
subversivas” ligadas ao Partido
Comunista. Trabalhou como repórter,
editor, comentarista, chefe de
reportagem e diretor de redação em
diversas emissoras de televisão, jornais
e revistas.
Em junho de 2007, Paulo Markun
assumiu o comando da Fundação
Padre Anchieta, gestora da TV Cultura
– já se encontrava no posto, portanto,
quando da entrevista com o rapper
Mano Brown, datada de 25 de
setembro de 2007.50
Ativismo político;
jornalismo
impresso;
jornalismo
televisivo;
editorialismo;
literatura;
documentarista.
Não é mencionado. E7
47Disponível em: <http://administrativocasper.fcl.com.br/noticias/index.php/2010/09/24/eu-nao-escolhi-o-
jornalismo:-fui-escolhido,n=3995.html >, < http://gq.globo.com/expediente.html>. Acesso em 03/06/2015. 48Disponível em: <http://www.mariaritakehl.psc.br/agenda.php>. Acesso em: 03/06/2015. 49Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa200515/paulo-lins>;
<http://revistaforum.com.br/digital/135/paulo-lins-democracia-nao-e-boa-para-o-negro/>. Acesso em:
03/06/2015. 50 Disponível em:<http://paulo.markun.com.br/>; <http://markun.com.br/memoriacoletiva/>. Acesso em
03/06/2015.
99
A Tabela 1 busca descrever informações relevantes sobre os sete participantes
entrevistadores de acordo com um levantamento feito por nós (primeira coluna) acerca de sua
trajetória e segundo a apresentação desses sujeitos tal como feita pelo programa Roda Viva
(terceira coluna), seja pelas palavras anunciadas pelo apresentador-mediador Paulo Markun
(doravante, “PM”) no momento de apresentação dos convidados, seja pelas inscrições que
surgem nas imagens do programa nos momentos em que tais convidados detém o turno de fala.
A segunda coluna se refere a áreas de atuação dos convidados que, a nosso ver, podem ser
encaradas como posições dos entrevistadores ligadas ao campo jornalístico – desse modo,
seriam relações entre o campo jornalístico e posições que justificariam a presença desses
agentes enquanto entrevistadores do rapper Mano Brown.
Acerca do contexto de participação desses entrevistadores no programa Roda Viva,
podemos notar através das informações dispostas na tabela que os diferentes participantes
entrevistadores se inscrevem no campo jornalístico de modos distintos. Assim, José Neumanne
(doravante, “JN”) e Renato Lombardi (doravante, “RL”), por exemplo, possuem em comum
uma trajetória ligada ao chamado “jornalismo de segurança” ou “jornalismo policial”, voltado
para a cobertura e discussão de temas e eventos ligados ao crime e à violência em geral. Já os
entrevistadores Paulo Lima (doravante, “PL”) e Ricardo Franca Cruz (doravante, “RF”)
possuem em comum uma trajetória mais voltada para as revistas impressas de temáticas
destinadas a grupos específicos (sobretudo no caso da revista TPM e revista Trip, nas quais
trabalhou PL) e a coberturas sobre a produção cultural ligada à música (sobretudo no caso da
revista Rolling Stone Brasil que teve RF como editor à época da entrevista).
Já os entrevistadores Paulo Lins (doravante, “PLS”) e Maria Rita Kehl (doravante,
“MR”) parecem se posicionar de modo mais externo ao campo jornalístico quando em
comparação aos demais entrevistadores. Se levarmos em conta as trajetórias brevemente
evocadas na primeira coluna e às inscrições exibidas nas imagens do programa acerca desses
participantes, é possível notar que, dentre todos os sujeitos entrevistadores, apenas PLS e MR
não são apresentados por nomes de instituições jornalísticas de teledifusão (como a TV Cultura,
no caso da apresentação de RL) ou de mídia impressa (como no caso do Jornal da Tarde, em
referência a JN, da revista Trip, em referência a PL e da revista Rolling Stone Brasil, em
referência a RF).
Na reconstrução contextual do programa Roda Viva, é importante considerar
também que os conteúdos exibidos em programas televisivos não são produtos isolados, já que
se inserem, por exemplo, em um espaço cenográfico (construído por produtores e recursos
tecnológicos) gerador de efeitos de sentido (PALUMBO, 2008). Sendo assim, no caso do
100
programa Roda Viva, pode-se afirmar que o lugar no qual os interactantes se inserem, assim
como o direcionamento e o público do programa, também são fatores que impactam na maneira
como os participantes produzem seus enunciados. As figuras abaixo reproduzem a organização
cenográfica do programa quando da entrevista concedida por Mano Brown, a partir das imagens
que chegaram aos telespectadores.
Figura 1- Organização cenográfica do programa Roda Viva em 24/09/2007
Figura 2- Organização cenográfica do programa Roda Viva em 24/09/2007
101
Figura 3- Organização cenográfica do programa Roda Viva em 24/09/2007
Como mostra a Figura 3 acima, no espaço cenográfico do programa encontram-se
dois níveis de bancadas diferentes em forma circular, sendo o centro dessa circunferência
ocupado por uma cadeira giratória reservada ao entrevistado. Na bancada mais próxima ao
entrevistado situam-se os participantes entrevistadores e, dispostos na bancada superior, os
participantes ouvintes – todos esses, brevemente apresentados ao longo do programa pelo
apresentador-mediador, ocupante da posição E7.
Dentre os ouvintes, encontram-se o cartunista Paulo Caruso (O1), os demais
membros do Racionais MC’s - Ice Blue (O2), KL Jay (O3), Edy Rock (O4) -, músicos
integrantes de grupos promovidos por Mano Brown - Dom Pixote (O13), Negovando (O12),
Do Bronx (O11), Negredo (O10) – e convidados da produção do programa - Caio Blat (ator;
O5), F. E. (bancário; O6), P. C. (estudante de economia; O7), C. Z. (estudante de jornalismo;
O8) e S. R. S. S. (bancário; O9). Importa destacar a presença dos músicos como ouvintes na
bancada programa, como demais agentes da produção cultural da periferia que acompanham de
perto as ações de um indivíduo prestigiado do movimento hip hop.
Lima (2009) destaca que a participação da bancada de entrevistadores durante a
interação se dá de maneira livre, visto que por vezes os participantes entrecortam os turnos uns
dos outros e, não raro, assaltam o turno do entrevistado. Dessa forma, verifica-se ao longo da
102
interação que o discurso é produzido de modo bastante participativo e colaborativo – embora
não exclua a ocorrência de conflitos -, conferindo ao programa o caráter dinâmico responsável
por sua peculiaridade como dado interacional. Tal ocupação do espaço acaba produzindo um
tom inquisitorial ao programa – como lembra Lima (2009) -, ao longo do qual o entrevistado
responde a questões propostas pelos componentes da bancada.
A organização cenográfica conta ainda com aparelhos eletrônicos atinentes à
captação das imagens e à produção do programa como um todo, como as três câmeras dispostas
em meio às bancadas, três monitores que permitem aos participantes a visualização instantânea
das imagens captadas e também o microcomputador utilizado por E7 ao longo da entrevista. Há
também a presença fixa nas exibições no programa do cartunista Paulo Caruso, criando charges
que se baseiam nos mais sutis acontecimentos e nos temas abordados na entrevista. Importa
salientar que as charges criadas veiculam um tipo de humor que satiriza os participantes e o
modo como interagem.
Cabe acrescentar as considerações de Palumbo (2008: 21-22) quanto ao nome do
programa:
A respeito do nome do programa e de seu slogan (Roda Viva: o Brasil passa
por aqui), se lembrarmos da história do jornalismo, dos momentos de opressão
ocorridos nas décadas de 60 a 80, sobretudo da questão da liberdade de
imprensa, é possível pensarmos em uma ligação com a peça teatral Roda Viva
escrita por Chico Buarque e estreada em 1968. A peça tornou-se símbolo
contra a ditadura militar e a censura dos palcos dos teatros brasileiros. O
próprio termo rodaviva, no dicionário Aurélio, refere-se à ação de
movimentar, correr, fazer acontecer.
As informações apresentadas até o momento têm o intuito de uma reconstruir
algumas das dimensões contextuais mais amplas da entrevista com o rapper Mano Brown no
programa Roda Viva, por meio de algumas considerações que podem ser retomadas do seguinte
modo:
i. sobre o posicionamento da Fundação Padre Anchieta no campo jornalístico brasileiro,
foi possível notar que, embora se apresente como entidade autônoma, independente
administrativamente e em relação à seleção de conteúdo, é possível dizer que essa
instituição do campo jornalístico ainda está suscetível à influência do poder público do
Executivo estadual de São Paulo, por meio da escolha da presidência da fundação, assim
como de poderes econômicos, por meio das subvenções comerciais e estatais que
garantem o funcionamento da fundação.
ii. sobre o posicionamento da TV Cultura no campo jornalístico, observamos que,
103
enquanto emissora pública de televisão no Brasil, sua atuação bem-sucedida de
produção de conteúdo (cultural, educativo e voltado ao interesse público) ainda esbarra
em limitações, por conta da vinculação aos poderes públicos (e seus possíveis interesses
específicos) na emissora.
iii. verificamos que entre 2007 e 2010 a emissora esteve sob a presidência do jornalista
Paulo Markun, agente interno ao campo e comprometido com um ideal de televisão
pública democrática, alçado ao cargo pelos votos consensuais do conselho curador da
Fundação e pela nomeação do governador José Serra, chefe do Executivo estadual de
São Paulo em 2007.
iv. além da posição de presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun esteve à
frente da apresentação do programa Roda Viva no momento da entrevista com o rapper
Mano Brown. Compunham a bancada de entrevistadores, ainda, outros 6 agentes ligados
ao campo jornalístico de distintos modos.
v. foi possível notar também os elementos contextuais evocados a partir da organização
cenográfica do programa, por meio da localização do entrevistado ao centro de uma
arena, na qual deve se movimentar constantemente, seja para ouvir as perguntas, seja
para direcionar sua fala e seu olhar aos entrevistadores.
Em capítulo posterior, buscaremos demonstrar como esses aspectos contextuais se
desdobraram nas ações de textualização presente ao longo da entrevista concedida por Mano
Brown ao programa. Nosso foco incidirá sobre o papel dos expedientes metadiscursivos nas
tomadas de posição do rapper para sua inscrição no campo jornalístico, sem deixar de aludir a
outras semioses que também estiveram presentes nessas ações mais amplas levadas a cabo pelo
entrevistado.
3.4.2 O programa Papo com Benja
No intuito de observar como o programa Papo com Benja está inserido no campo
jornalístico, será preciso partir de algumas considerações a respeito da agência
LANCEPRESS!51, instituição jornalística responsável pelo grupo Lance!. Abaixo, seguem
algumas informações sobre a agência:
Com 14 anos no mercado, a LANCEPRESS! se destaca por ser uma agência
especializada na cobertura esportiva, marca registrada do grupo LANCE!, do
51Disponível em: <http://www.agencialance.com.br/>. Acesso em: 03/06/2015.
104
qual compartilha o conhecimento do maior diário esportivo da América
Latina, que dá nome ao grupo.
Por registrar exclusivamente eventos ligados ao esporte, sobretudo do futebol
nacional, disponibiliza conteúdo com olhar diferenciado e especializado no
registro. Com parceiros nas cinco regiões do país, nossa cobertura se
notabiliza pela amplitude, qualidade e agilidade do material oferecido aos
nossos clientes.
A LANCEPRESS! atualmente comercializa conteúdo de texto, foto e vídeo
para veículos do Brasil e do exterior e vem ampliando sua carteira de clientes
entre agências de publicidade e comunicação, assessorias e editoras.
Mais que uma agência convencional, a LANCEPRESS! adapta e desenvolve
projetos personalizados às necessidades do cliente, trazendo soluções no
fornecimento de conteúdo esportivo.
O excerto acima foi divulgado no sítio de divulgação na internet pertencente ao
grupo LANCE!. A partir dele, podemos observar referências a sua posição no campo
jornalístico. Num primeiro momento, é possível observar informações quanto à delimitação do
conteúdo produzido pelo grupo midiático: a cobertura jornalística esportiva, “sobretudo do
futebol nacional”. São também apresentadas informações que se referem à atuação do grupo
em diversos tipos de mídia para a produção desse conteúdo, em fotos, textos e vídeo. Tais
informações, a nosso ver, circunscrevem a produção de conteúdo da agência LANCEPRESS!
ao jornalismo esportivo.
Consideramos que outras informações expostas no excerto acima se referem à
posição da agência LANCEPRESS! no campo jornalístico e a sua autonomia também em relação
ao campo econômico. Se tomarmos a ideia de que “comercializa” conteúdos ligados ao esporte
para diversos “clientes”, será possível compreender que a agência se apresenta como instituição
midiática não inteiramente autônoma, na medida em que fornece as informações produzidas
para outras instituições do campo jornalístico e tem nesse serviço uma fonte de suas receitas e
de seu capital econômico.
Tendo em vista o pensamento de Bourdieu a respeito do campo jornalístico (1997
[1996]), a nosso ver, é possível notar que as atividades da LANCEPRESS! se relacionam mais
estreitamente a lógica empresarial que está na base do campo jornalístico: isso porque a agência
se posiciona como produtora dos conteúdos (fotos, vídeos, notícias) que serão comprados por
outras instituições para elaboração de seus produtos jornalísticos – numa espécie de
terceirização da produção jornalística, que tem na LANCEPRESS! um estágio intermediário
entre o meio de divulgação final e o evento reportado.
Ressalte-se, também quanto a isso, as informações que fazem referência a sua
experiência no “mercado” (de notícias) e que a caracterizam pela adaptação de soluções para
cada cliente, a ampla cobertura em diversas regiões e a “agilidade” na produção de conteúdo.
105
Nesse sentido, as informações fornecidas pela agência LANCEPRESS! parecem corresponder à
caracterização feita por Bourdieu acerca de alguns mecanismos de organização do campo
jornalístico, como a produção rápida das notícias e dos “furos” e a “circulação circular de
informação” por várias instituições midiáticas.
Além do excerto de apresentação divulgado em seu domínio na internet, importa
considerar alguns pontos da própria trajetória da agência LANCEPRESS! no campo jornalístico,
iniciada em 1997 com a fundação do jornal LANCE!. Sediada inicialmente no Rio de Janeiro,
a produção se voltou desde sua fundação para o conteúdo esportivo nacional tanto em mídia
impressa (com o jornal LANCE!) quanto pela internet (por meio do sítio denominado
LANCENET52) o qual contava com a divulgação das notícias, das reportagens e com a L!TV
como plataforma de divulgação de programas televisivos produzidos pelo grupo somente para
a internet.
O jornal LANCE! durante diversos anos contou com ampla tiragem em território
nacional, sobretudo no estado de São Paulo onde se encontra ainda dentre as maiores vendagens
realizadas em bancas pelas cidades. Após tempos voltados para impressão do jornal LANCE! e
para a divulgação pela LANCENET e pela L!TV, a produção do grupo passou a envolver ainda
duas outras distribuições impressas, ligadas ao futebol (Fut!Lance) e destinadas ao público
masculino (revista A+), além da produção de conteúdo jornalístico esportivo comercializada
para outras instituições. Desse modo, é possível observar que a ainda recente trajetória da
agência LANCEPRESS! dedicou-se, desde sua fundação, à produção de conteúdo pelos meios
digital e impresso.
Quando observamos a atuação da agência LANCEPRESS!, é possível perceber que
sua posição no campo não pode ser descrita pelas diferenças, muitas vezes estanques, entre
jornalismo televisivo ou impresso. A nosso ver, casos como o da agência LANCEPRESS!
mereceriam uma observação detalhada para dar conta das mudanças que parecem ocorrer no
campo jornalístico em função das possibilidades trazidas pela web. Consideramos que o
trabalho na internet, por meio do jornalismo online, tal como feito pela LANCEPRESS!, tem
feito com que instituições midiáticas combinem práticas antes mais vinculadas à mídia impressa
(como a produção de reportagens escritas, textos, notícias, colunas semanais) a outras antes
restritas ao meio televisivo (como a exibição de programas semanais de entrevistas).
52 Disponível em: <http://www.ejornais.com.br/jornal_lance.html>. Acesso em: 03/06/2015.
106
Consideramos que o programa Papo com Benja exemplifica esse tipo de atuação
online no campo jornalístico possibilitada pela web. Exibido em meio digital pela L!TV53, o
programa Papo com Benja tem como entrevistador o jornalista esportivo Benjamin Back. No
programa, “Benja”, apelido pelo qual o jornalista é conhecido, recebe como convidados atletas
profissionais ou ex atletas de futebol, treinadores, dirigentes de clubes de futebol, jornalistas
esportivos e também outros entrevistados que não atuam profissionalmente no esporte. Desse
modo, podemos notar que o programa de entrevistas é composto por agentes internos e
legitimados no campo esportivo, mas também por entrevistados cuja ligação com esse campo
se dá de modo mais externo, como os integrantes de bandas e músicos brasileiros já
entrevistados ao longo da exibição do programa.
Na reconstrução contextual do programa, parece-nos fundamental considerar a
trajetória do apresentador do programa Papo com Benja e o modo como suas ações influenciam
o contexto de entrevista no qual esteve presente Mano Brown. Benjamin Back, segundo as
informações das quais dispusemos, teve toda sua inserção no campo jornalístico voltada para o
jornalismo esportivo, em canais de rádio e de televisão aberta. Economista de formação, sua
entrada no campo jornalístico teve início com as relações profissionais feitas no meio
radiofônico ainda quando a empresa na qual trabalhava divulgava seus anúncios na Energia 97
FM, rádio na qual era transmitido o programa esportivo Estádio 97. Por conta dos contatos
feitos à época, Benjamin Back recebeu um convite para atuar como radialista no programa
Estádio 97, segundo ele54, tanto por seu conhecimento sobre o futebol quanto por seu humor
extrovertido. Após essa atuação, Benja atuou ainda como produtor de conteúdo para o site
Fanáticos FC, também voltado ao jornalismo esportivo. Em 2001, já contratado pelo grupo
LANCE!, tornou-se colunista, mantenedor de um blog no sítio do diário na internet e
apresentador do programa semanal de entrevistas, Papo com Benja55.
De modo geral, podemos considerar que a trajetória de Benjamin Back no
jornalismo esportivo está ligada a uma série de práticas recentes do campo, no âmbito do
jornalismo online. Nesse sentido, acreditamos que sua posição no campo jornalístico deva ser
compreendida como marcada ainda pela busca de oficialização e legitimidade próprias das
práticas jornalísticas na web. Embora as entrevistas em instituições jornalísticas da web nos
53 Disponível em: <http://www.lancetv.com.br/>. Acesso em 03/06/2015. 54 Disponível em: <https://esportes.yahoo.com/blogs/tv-esporte/benjamin-back-onde-e-que-esta-escrito-que-nao-
192829351.html> Acesso em: 20/07/2015. 55 Disponível em: <http://blogs.lancenet.com.br/benja/>,
<http://natelinha.ne10.uol.com.br/noticias/2014/10/10/benjamin-back-sobre-fox-sports-deixaram-eu-brincar-ser-
irreverente-80905.php>. Acesso em: 03/06/2015.
107
pareçam ainda pouco estudadas, são vários os trabalhos que se propõem a tratar da atuação no
campo jornalístico dos blogs, como o mantido por Benjamin Back ao longo de 13 anos atuando
profissionalmente pelo jornal LANCE!. Braganholo (2011) afirma que a prática jornalística em
blogs caminha para a regularização e oficialização (enquanto gêneros textuais) por meio de
recursos vários, como, por exemplo, a recorrência à legitimação e a trajetória profissional de
seus autores e também em função das possibilidades de interação dos autores com o público
leitor, por meio dos comentários presentes nos blogs.
As considerações a respeito dos blog jornalísticos, a nosso ver, auxiliam numa
descrição da trajetória de Benjamin Back no campo jornalístico, pois aventam o que parece ser
uma marca importante do fazer jornalístico desse agente: as referências a seu comportamento
extrovertido e informal no campo jornalístico. Outra marca de sua trajetória nesse campo está
na “exclusividade” de algumas de suas entrevistas, tendo em vista que muitos indivíduos pouco
afeitos a participações na mídia fariam concessões ao se tratar de Benjamin Back como
entrevistador. Acerca dessa característica, tomemos o seguinte trecho:
[Entrevistador] E por que você acha que essas pessoas, de conhecidas
personalidades tão fortes, abrem concessões exclusivamente para você?
[Benjamin Back] Acho que é muita arrogância falar isso, certo seria perguntar
pra eles…
[Entrevistador] Mas o poder de persuasão é seu…
[Benjamin Back] Você quer que eu responda? Tá bom, vou te dizer o que eu
acho. É porque respeito os caras. Não trago ninguém aqui pra polêmicas de
15 anos atrás. Eles sabem que não estão vindo pra território inimigo, não trago
os caras pra ferrá-los, não é esse meu objetivo, não gosto disso. (grifos nossos)
Em resposta ao blog TV Esporte, do portal Yahoo de notícias online, Benjamin Back
justifica a exclusividade de algumas de suas entrevistas em função de sua conduta nessas
interações: seu respeito aos entrevistados faria com que não estabelecesse interações pautadas
pelo conflito e por polêmicas anteriores – por meio, por exemplo, da instauração de tópicos
“ameaçadores” – e, nesse sentido, as entrevistas não ofereceriam prejuízos à posição de seus
convidados. Acreditamos que essas características da trajetória de Benjamin Back estão
presentes na entrevista concedida por Mano Brown ao Papo com Benja de junho de 2011, num
primeiro momento, em função da informalidade estabelecida nas interações ao longo do
programa.
Importa ressaltar duas questões suscitadas pela própria nomeação dada ao programa
de entrevistas Papo com Benja. A primeira diz respeito, a nosso ver, a uma centralização ou a
um destaque da figura do entrevistador Benja (alcunha pela qual o entrevistador é conhecido)
108
nas interações que se estabelecem no programa, ao sugerir que ações estabelecidas nesse
contexto podem ser compreendidas algo mais por sua relação com o entrevistador, isto é, por
estar num “papo com Benja”. Nesse sentido, o programa parece destacar a figura do
apresentador enquanto agente reconhecido no campo jornalístico esportivo, sobretudo, na
medida em que uma interação com esse agente é usada como expressão referencial para
designar o contexto de entrevista.
Outra questão suscitada pelo nome do programa se refere ao emprego do referente
“papo”56, categorização que, a nosso ver, alude à informalidade e à descontração como
propriedades importantes para a compreensão das relações que se estabelecem sob a
configuração do contexto de entrevista nesse caso. Por conta disso, consideramos que a
nomeação do programa evoca a figura do apresentador como central para essa interação e
algumas das características de como essa entrevista, comandada por ele, localiza-se num
continuum de formalidade e informalidade.
É preciso destacar, ainda, algumas questões da organização cenográfica do
programa Papo com Benja, para compreendermos como se formulam diferentes dimensões
contextuais que corroboram uma interação pautada pela descontração, pela informalidade e pelo
apresentador Benja como figura importante na entrevista. O programa Papo com Benja contou
com exibições semanais entre os anos de 2001 e 2013 e as entrevistas eram realizadas num
estúdio do jornal LANCE! envolto em janelas de vidro pelas quais era possível observar, ao
fundo, outras dependências do local. Outros aspectos do cenário podem ser compreendidos
pelas figuras a seguir:
Figura 4- Organização cenográfica do programa Papo com Benja em 06/2011
56As características elencadas até o momento para compreender a entrevista concedida por MB ao Papo com Benja
demonstram que a configuração do programa parece corresponder às entrevistas conhecidas como “talk-shows”
(FÁVERO et al., 2010).
109
Figura 5- Organização cenográfica do programa Papo com Benja em 06/2011
Figura 6- Organização cenográfica do programa Papo com Benja em 06/2011
A Figura 6 representa a organização cenográfica do programa Papo com Benja no
momento da entrevista concedida por Mano Brown. Nela, podem ser vistos dois ambientes: a
Sala 1, representando as dependências (com computadores e mobílias de escritório) do entorno
da sala de entrevista, e a Sala 2, na qual estavam o entrevistador Benjamin Back (BB) e os
entrevistados Mano Brown (MB) e William Magalhães (WM). A partir do direcionamento da
câmera instalada na Sala 2 para a entrevista, era possível que os espectadores visualizassem
também o que ocorria na Sala 1, envolta por aberturas de vidro que proporcionavam a amplitude
da visão desse espaço.
110
No momento da entrevista, encontrava-se na Sala 2 também uma mesa,
representada pelo quadrilátero de cor laranja na figura acima. Três objetos estavam dispostos
sobre a mesa no estúdio: duas camisetas de uniformes comemorativos de times de futebol (O1
e O3) e, em meio a elas, um recipiente de bebida energética. Tais objetos compõem o cenário
do programa - portanto, a situação enunciativa como um todo – e foram mencionados pelos
participantes da interação e, por conta disso, sinalizados na figura acima.
A nosso ver, a disposição cenográfica do programa Papo com Benja relaciona-se
com uma maior simetria no que diz respeito à estrutura de participação dessa interação, haja
vista que os lugares ocupados pelo entrevistador e pelos entrevistados encontram-se alinhados
quanto à possibilidade de visão por parte dos espectadores do programa. Além disso,
consideramos que a possibilidade de que sejam avistados outros espaços que compõem a
localidade da instituição midiática atenta para a simultaneidade entre a entrevista e outras
atividades que se dão no seio do campo jornalístico e no cotidiano de seus outros agentes.
Acreditamos que, juntas, essas características da organização cenográfica do programa
proporcionam condições mais ligadas à informalidade para essa entrevista enquanto contexto
situado no campo jornalístico.
Além do entrevistado Mano Brown, o programa contou também com a participação
de William Magalhães, entrevistado levado ao programa a convite do próprio Brown, como
mencionado pelo entrevistador Benja. William Magalhães é instrumentista (pianista),
arranjador e produtor musical. À época, integrava um projeto musical realizado por Mano
Brown57. O entrevistador Benja se refere inicialmente à presença de William Magalhães no
programa como uma “surpresa” e como uma “surpresaça”, o que, acreditamos, vale ser
considerado numa observação sobre o contexto do programa quanto à formalidade ou
informalidade. Isso porque, o fato de que se possa receber um segundo entrevistado no
programa como convidado “surpresa” nos remete a um planejamento menos ritualístico para
essa situação e, por conseguinte, mais flexível no que concerne às regras de produção
estabelecidas pelo campo jornalístico e por essa instituição midiática, especificamente.
As informações apresentadas até o momento têm o intuito de uma reconstruir
algumas das dimensões contextuais mais amplas da entrevista com o rapper Mano Brown no
programa Papo com Benja, por meio de algumas considerações que podem ser retomadas do
seguinte modo:
57 Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/william-magalhaes/biografia>,
<http://oglobo.globo.com/blogs/amplificador/posts/2012/08/31/black-rio-prepara-trilogia-supernovasambafunk-
462980.asp>. Acesso em: 03/06/2015.
111
i. sobre a agência LANCEPRESS!, foi possível notar que a comercialização de seu
conteúdo a outras instituições faz com que ocupe uma posição mais voltada à lógica
comercial do campo jornalístico. Além disso, sua trajetória, ainda recente, dedica-
se exclusivamente à elaboração de conteúdo esportivo, tanto em meio impresso
como pela web.
ii. observamos que o programa Papo com Benja se vincula às práticas do campo
jornalístico na web e que as entrevistas divulgadas pelo canal L!TV correspondem a
conteúdos antes restritos ao jornalismo televisivo que, de modo mais recente, agora
são divulgados online.
iii. para compreender o contexto do programa Papo com Benja, recorremos a algumas
informações da trajetória profissional de Benjamin Back, uma vez que consideramos
de suma importância observar como sua posição no campo jornalístico é marcada
por traços de seu comportamento e de sua conduta enquanto entrevistador.
iv. assim, foi possível notar que a representação social de Benjamin Back é fundamental
na compreensão do contexto do Papo com Benja, em termos da informalidade
presente nas interações do programa e até mesmo para compreender a
“exclusividade” de alguns de seus convidados.
v. notamos também como o nome do programa (uma categorização da interação
informal com o apresentador) e alguns aspectos da organização cenográfica (como
o alinhamento entre o assentos e o próprio local da entrevista) contribuem para a
construção de um contexto pautado pela descontração e informalidade.
No capítulo 4 do presente trabalho, buscaremos demonstrar como esses aspectos
contextuais se desdobraram nas ações de textualização presentes ao longo da entrevista
concedida por Mano Brown ao programa. Para isso, não deixaremos de levar em conta outras
semioses presentes nessas ações do entrevistado.
3.5 Algumas conclusões
Procuramos, no presente capítulo, reconstruir diferentes níveis contextuais da
participação do rapper Mano Brown em entrevistas, tomadas enquanto contextos interacionais
do campo jornalístico. Tal percurso, a nosso ver, faz-se necessário às próximas seções, posto
que nos auxiliará a compreender como as categorias textuais podem ser aventadas para construir
112
um empreendimento analítico que articule a materialidade linguística, a nível textual-
discursivo, a uma compreensão mais ampla das relações entre texto e contexto.
Na elaboração do capítulo, perfilamos uma certa estrutura conceptual que não se
esgota numa estrutura linguística stricto sensu. Partimos das noções de representatividade e
estigmatização como características comumente associadas à posição de Mano Brown, seja na
própria periferia ou por agentes que não se inserem nesse campo, e recorremos a informações
sobre sua trajetória pessoal e profissional, no intuito de compreender a construção dessa
representação social em torno do rapper. Esse conjunto de informações, a nosso ver, pode
compor uma descrição contextual mais ampla de sua inserção nas entrevistas, visto que nos
permite relacionar ações e disposições ancoradas nas socializações anteriores do rapper com as
ações de textualização emergentes na temporalidade dos programas de entrevista.
A inscrição de Brown no campo jornalístico também foi evocada no presente
capítulo, já que, a nosso ver, sua participação Brown em contextos midiáticos anteriores nos
indica algumas de suas tomadas de posição no campo. Consideramos, primeiramente, visão do
campo jornalístico sobre o rapper. Nesse momento, foi possível compreender como os
contextos de entrevista podem trazer à tona questões diretamente ligadas à representatividade e
à estigmatização do rapper - seja como “a voz da periferia” ou como aquele que, após sua
ascensão, deve praticar ações em prol da periferia, tendo em vista que conhece e relata os
problemas da população desses espaços. Observamos, ainda, algumas características da visão
do próprio Brown acerca do campo jornalístico e daquilo que sua participação nesse campo
pode significar. Segundo as informações que levantamos, Mano Brown reconhece o campo
jornalístico como um espaço de forças e de distribuição desigual de poder: sua escolha em
conceder entrevistas, portanto, deve levar em conta os prejuízos que o campo jornalístico é
capaz de causar a sua posição, por meio de uma representação de si que seja incoerente àquilo
projetado pelo rapper. Além disso, outros prejuízos podem ocorrer também por sua ligação
com instituições midiáticas cujas trajetória e posição sejam incompatíveis com os interesses de
Brown. De modo geral, a observação de sua inscrição no campo jornalístico nos possibilitou
descrever algumas de suas tomadas de posição e compreender como esse ator social
representativo e estigmatizado percebe sua participação no campo, em recortes cujas dimensões
podem ser tanto locais como mais macro (Hanks, 2008).
Na reconstrução que buscamos fazer, percorremos também diferentes dimensões
contextuais do Roda Viva e do Papo com Benja, no intuito de compreender como se situam no
campo jornalístico esses programas. Os diferentes níveis contextuais, assim como algumas das
características importantes discutidas por nós, podem ser ilustrados pelas figuras abaixo:
113
Figura 7- Diferentes dimensões na reconstrução do contexto (Roda Viva)
As informações da Figura 7 indicam que a entrevista concedida por Mano Brown
ao programa Roda Viva pode ser tomada como um ponto de contato, em sentido amplo, entre o
campo jornalístico e o movimento hip hop no campo de produção cultural. Nesse sentido, foi
necessário compreender a posição da Fundação Padre Anchieta como instituição de
reconhecida autonomia, ainda que suas práticas jornalísticas ainda possam estar suscetíveis aos
poderes públicos estaduais de São Paulo. Observamos, além disso, o papel da TV Cultura como
emissora de TV pública com experiência exitosa no Brasil, voltada para conteúdos que possam
promover a educação e a produção cultural, inclusiva e democraticamente. Verificamos, ainda,
que a entrevista concedida por Mano Brown ao programa Roda Viva contou com a presença de
entrevistadores cujas posições no campo jornalístico são distintas, além de ter contato também
com a presença de Paulo Markun, presidente da fundação à época da entrevista e agente
reconhecido no campo jornalístico. Por fim, consideramos como questões relevantes ao
114
contexto o cenário do programa Roda Viva e a presença dos ouvintes, outros agentes
reconhecidos do movimento hip hop e do campo da produção cultural da periferia.
Por sua vez, a reconstrução contextual do programa Papo com Benja pode ser
retomada pelas informações dispostas na seguinte figura:
Figura 8- Diferentes dimensões na reconstrução do contexto (Papo com Benja)
Conforme indica a Figura 8, também a entrevista concedida por Mano Brown ao
Papo com Benja é tomada por nós como um ponto de contato entre o campo jornalístico e o
movimento hip hop no campo da produção cultural. Os diferentes níveis contextuais explorados
no presente capítulo demonstraram que a posição da agência LANCEPRESS! parece ser
caracterizada pela lógica comercial própria ao campo, por meio da produção e comercialização
de conteúdo a outras instituições. Voltada exclusivamente para os conteúdos sobre esporte, as
práticas jornalísticas da agência se dão em meio impresso e digital, seja pelo sítio eletrônico do
115
jornal LANCE!, seja pela L!TV, canal online no qual se divulgava o programa Papo com Benja.
Observamos como a trajetória do apresentador Benjamin Back está ligada às ações do programa
Papo com Benja, na medida em que sua conduta e seu tratamento aos entrevistados, assim como
as questões evocadas pelo cenário de entrevista, proporcionam a informalidade das interações
ali estabelecidas.
De modo geral, as figuras acima resumem questões que nos permitem localizar os
programas Roda Viva e Papo com Benja em posições fortemente distintas no campo jornalístico
e num continuum de formalidade-informalidade. Em função disso, podemos considerar que
distinções igualmente fortes se dão entre as entrevistas concedidas pelo rapper Mano Brown a
esses programas. Portanto, devemos pensar como se dá o uso dos expedientes metadiscursos
por parte do entrevistado Mano Brown em cada um desses diferentes contextos de entrevista,
inseridos em distintos lugares do campo jornalístico como um todo. Qual a relação desses
expedientes metadiscursivos com as ações mais amplas que se estabelecem em cada um desses
contextos de entrevista? Como o metadiscurso presente nas duas entrevistas, de modo geral,
ajudam a caracterizar a inscrição de Mano Brown no campo jornalístico? Qual, então, o lugar
da textualidade no bojo dessas ações sociais que estamos discutindo? A partir daqui, nosso
enfoque residirá em esboçar respostas a esses questionamentos.
116
4. EXPEDIENTES METADISCURSIVOS: RECURSOS TEXTUAIS-
DISCURSIVOS NA FALA DE MANO BROWN EM ENTREVISTAS
JORNALÍSTICAS
Os dados que compõem o corpus do presente trabalho consistem em duas
entrevistas concedidas pelo rapper Mano Brown a diferentes veículos de comunicação nos anos
de 2007 e 2011. Nossa hipótese é a de que as estratégias metadiscursivas qualificam a força
ilocutória da produção textual de Mano Brown de modos diferentes quando levamos em conta
as entrevistas aos programas Roda Viva e Papo com Benja, relacionando-se também à tomada
de posição do rapper no campo jornalístico como um todo. Acreditamos que um tratamento
qualitativo da presença dos expedientes metadiscursivos nas entrevistas jornalísticas que
compõem nossos dados possa se aliar a algumas observações quantitativas sobre a incidência
desses recursos em certos tópicos. Assim, será possível compreendermos como a
metadiscursividade pode estar, a um só tempo, a serviço de relações interacionais locais e de
representações mais amplas de sujeitos como Mano Brown em campos sociais fortemente
organizados, como é o caso do campo jornalístico.
As análises, como mencionamos anteriormente, buscam compreender os
expedientes metadiscursivos empregados por Mano Brown nas entrevistas em função de (i)
suas propriedades de acordo com estudos textuais-interativos produzidos por Koch (2004) sobre
as estratégias metadiscursivas e por Risso e Jubran (1998) sobre o processamento
metadiscursivo do texto; (ii) sua ocorrência nos tópicos discursivos desenvolvidos ao longo das
entrevistas; (iii) suas funções com relação à participação de Mano Brown em ambos os
programas e (iv) seu papel como recurso textual-discursivo para qualificar a inserção do rapper
no campo jornalístico.
Num primeiro momento, será preciso ter em conta quais os tópicos desenvolvidos
nas entrevistas concedidas aos programas Roda Viva e Papo com Benja. Isso nos permitirá,
como segundo passo analítico, focar na observação de exemplos importantes desses expedientes
– nessa observação, tentaremos abordar tanto os efeitos dessas estratégias para os objetivos
mais locais no decorrer das entrevistas como aquilo que seu uso pode representar para a
inscrição de Mano Brown no campo jornalístico.
117
4.1 Analisando o programa Roda Viva de 24/09/2007
4.1.1 Tópicos desenvolvidos no programa
O capítulo 3 do presente trabalho envolveu a contextualização de ambas as
entrevistas que compõem os dados selecionados para a análise. Com isso, foi possível observar
algumas questões importantes acerca do programa Roda Viva como, por exemplo, as
informações sobre os diferentes participantes entrevistadores e algumas informações mais
gerais que caracterizam a Fundação Padre Anchieta como instituição do campo jornalístico.
Os participantes entrevistadores têm posições distintas no campo jornalístico,
ligadas ao jornalismo de segurança ou jornalismo policial (RL e JN), ao jornalismo impresso e
a revistas sobre estilo, comportamento e música (PL e RF) e, mais externamente, ligadas a
trabalhos em colunas jornalísticas sobre psicologia, sobre direitos humanos e movimentos
sociais (MR) ou sobre literatura marginal e sobre o campo social da periferia (PLS).
É preciso ter em conta que essas distintas posições dos participantes entrevistadores
no campo jornalístico pode ter impactos para os tópicos instaurados ao longo do programa. Não
somente sua posição no campo jornalístico será fator correlacionado ao desenvolvimento dos
tópicos, mas também a própria inscrição do entrevistado Mano Brown (doravante, “MB”) e os
objetivos do Roda Viva enquanto programa de entrevistas. Para observações mais detalhadas,
tomemos a listagem a seguir, na qual se encontram organizados hierarquicamente os tópicos
desenvolvidos no programa:
Tabela 2- Tópicos desenvolvidos no programa Roda Viva em 24/09/2007
Supertópicos Tópicos Subtópicos
Supertópico
“Mano
Brown”
“Trajetória”
Trajetória de MB
Compra da casa de MB
Problema de moradia de MB
Grau de instrução de MB
“Família”
Pai de MB
MB como pai
Casamento de MB
“Mudanças”
Mudança na realidade (Exemplo 1)58
Mudança no espaço do grupo
Mudança na estrutura de vida de MB
Mudança nos raps de MB
Mudança no discurso de MB
58 Encontram-se sinalizados, na tabela, os subtópicos correspondentes aos exemplos coletados e analisados neste
capítulo.
118
“Personalidade”
Separação entre MB (rapper) e Pedro Paulo (indivíduo)
Temperamento de MB (Exemplo 12)
Discussão na torcida do Santos
Contradições de MB
Pensamento socialista de MB
Lembrança do choro de MB
Cobrança de atitude feita por MB (Exemplo 10)
Definição de MB para amor
O apelido Mano Brown
O retorno de Pedro Paulo
“Gosto musical”
Gosto de MB por MPB
Influência da Música Popular na música de MB
Grandes ídolos brasileiros
“Gosto Literário” Gosto de MB por poesia
Leitura de MB sobre Malcolm X
“Entrevista de MB no Roda
Viva”
Entrevistadores do programa
Transmissão do programa
Participação do cartunista
Participação do telespectador
Intervalo comercial do programa
Ida de MB ao Roda Viva
Os sorrisos de MB no programa
Agradecimentos do programa
28 anos do programa Roda Viva
Liberdade garantida do programa
Supertópico
“Sociedade
brasileira”
“Política”
Lula
Derrota de Marta Suplicy na eleição
Bolsa Família (Exemplo 11)
Obrigações do governo com o povo
Importância do ensino superior
“Cor”
Perseguição ao negro no Brasil
Pensamento de negros e brancos
Diferenças culturais entre pretos e brancos
Convivência entre pretos e brancos na periferia (Exemplo 11)
Dívida do Brasil com o negro
Cotas raciais
“Movimentos sociais em SP”
Movimentos sociais em SP (Exemplo 2)
Movimento Capão Cidadão (Exemplo 2)
MST (Exemplo 2)
“Situação atual do Brasil”
Desonestidade da sociedade
Solução da sociedade pela lei
Responsabilidade de MB como exemplo
Classe média no Brasil
O exemplo de Cuba
Pensamento do brasileiro
Integração da classe média
Mudança inicial contra a desigualdade (Exemplo 9)
Males do comércio de álcool
Legalização da maconha (Exemplo 7)
119
“Presídios”
Mensagem de MB nos presídios
Sabedoria encontrada nos presídios
Amigos presos de MB
Supertópico
“Periferia”
“Violência e poder”
Vida do criminoso
Entrada na criminalidade
Controle social na favela (Exemplo 5)
Papel da polícia na favela
Mudança dos criminosos na periferia
Organização do poder na favela (Exemplo 6)
Uso do termo traficante/comerciante (Exemplo 6)
Recriminação (ao traficante/comerciante)
“Habitação”
Investimento na periferia
Direito de sair da periferia
Lealdade à periferia
“Honestidade x
Desonestidade”
Presença da desonestidade
Dificuldade em falar de desonestidade (Exemplo 3)
Honestidade dos jovens na periferia (Exemplo 3)
“Igrejas Evangélicas”
Evangélicos na periferia
Contato de MB com a igreja evangélica
Combate dos evangélicos ao candomblé
Acertos dos evangélicos
“Projetos sociais na
periferia”
ONGs na periferia
CEU (Exemplo 8)
“Arte”
Papel da música na periferia
Ritmos ouvidos na periferia
Produção artística da periferia
Boné de MB
Supertópico
“Música”
“Rap”
Surgimento do rap
Discos dos Racionais MC's
Cobrança ao rapper
Espaço da poesia no rap
Unificação do Movimento hip hop no Brasil
Mudança do movimento hip hop no Brasil
Crescimento numérico do movimento hip hop
Ouvintes da classe média
Diferença entre rap americano e rap brasileiro
Discurso social no rap
Tratamento do rap à mulher
Papel do rap
“Racionais”
Começo do grupo no bairro
Os manos nos raps dos Racionais MC's
Traição nos raps dos Racionais MC's
“Sobrevivendo no inferno” e “Vida Loka”
Fórmula mágica da paz
Ações de orientação feitas pelo Racionais Mc's (Exemplo 5)
Mensagem passada pelo Racionais MC's
Significado da letra de MB sobre ele mesmo
Público dos shows de MB
120
“Estilo Cachorro”
“12 de outubro”
Pirataria
“MB como músico”
Conselhos de MB (Exemplo 4)
Inveja
Selo musical de MB
Direcionamento artístico de MB aos rappers
Processo de composição de MB
A partir da listagem feita na tabela acima, observamos o desenvolvimento de 4
supertópicos ao longo do programa, abarcando os conteúdos que se referem: ao entrevistado
Mano Brown de modo mais centrado (nos tópicos “Trajetória”, “Família”, “Personalidade”,
“Mudanças”, “Gosto musical”, “Gosto literário”, “Entrevista de MB no Roda Viva”), à
Sociedade Brasileira em diferentes temas (a partir dos tópicos “Política”, “Cor”, “Movimentos
sociais em SP”, “Situação atual do Brasil” e “Presídios”), à Periferia (nos tópicos “Violência e
Poder”, “Habitação”, “Honestidade x Desonestidade”, “Igrejas Evangélicas”, “Projetos Sociais
na periferia”, ”Arte”) e à Música (nos tópicos “Rap”, “Racionais MC's” e “MB como músico”).
Se retomarmos a ideia, tratada de modo mais detalhado no capítulo 2 do presente
trabalho, acerca do interesse e da procura midiática por indivíduos representativos como Mano
Brown (agente de posição prestigiada no movimento hip hop do campo cultural da periferia),
será possível perceber a relação entre essa posição anterior de MB no campo e os tópicos
desenvolvidos ao longo da entrevista. Nesse sentido, interessa notar a presença dos diversos
subtópicos que compõem o quadro tópico “Periferia”, por exemplo. A nosso ver, esses tópicos
proporcionam o acesso dos entrevistadores e da audiência a informações de um campo social
bastante conhecido pelo rapper, no intuito de expor a realidade desse campo social (uma “outra”
realidade?) a partir da perspectiva de um agente interno legitimado. Além disso, os subtópicos
que estão subordinados aos tópicos “Mano Brown” e “Música” se relacionam, com maior ou
menor centração, às trajetórias pessoais e profissionais de MB enquanto músico e vocalista do
grupo Racionais MC's. Consideramos que os subtópicos subordinados aos tópicos “Mano
Brown e Música” são importantes para que a entrevista receba e transmita informações sobre o
rapper, agente alçado ao campo jornalístico nesse momento.
Os subtópicos que se subordinam ao tópico “Sociedade Brasileira”, a nosso ver,
também sinalizam informações importantes. Neles, são abarcados questionamentos feitos a MB
acerca de seu pensamento político ou sobre a questão racial no Brasil, bem como os
redirecionamentos tópicos feitos por MB que o fizeram tratar de temáticas outras. Além disso,
121
compõem esse quadro tópico os subtópicos nos quais os entrevistadores questionam MB acerca
de soluções contra a desigualdade e de sua responsabilidade como exemplo.
Acreditamos que os tópicos desenvolvidos considerando o supertópico “Sociedade
Brasileira” dimensionam a posição e o poder simbólico de MB como agente representativo no
campo cultural da periferia e no hip hop, mas também como agente “outorgado” ao tratamento
de questões que extrapolem as temáticas desse campo e que envolvam outros campos, como o
político, por exemplo. Além disso, tendo em vista que o campo jornalístico per se pode consistir
em instância legitimadora (BOURDIEU, 1997 [1996]), a presença de MB num programa de
entrevistas como o Roda Viva para ser ouvido sobre tais tópicos pode ser entendida como um
momento de sua prática linguística que reforça, pelo poder simbólico de que dispõe o
microcosmo jornalístico, sua legitimação como agente a ser consultado sobre essas temáticas.
Se levarmos em conta que a inserção num campo impacta os recursos discursivos
empregados nas tomadas de posição de seus agentes (HANKS, 2008), será possível observar
que os tópicos desenvolvidos no programa parecem convergir com as temáticas pressupostas
nos campos sociais aos quais se ligam os perfis profissionais dos sujeitos entrevistadores:
participam do programa jornalistas especializados em temas afeitos à segurança, à violência -
como os desenvolvidos nos subtópicos que compõem o tópico “Periferia” -, ao comportamento
e ao estilo - como os subtópicos presentes nos tópicos “Personalidade”, “Gosto
musical”, ”Gosto literário” -, à música - como os subtópicos presentes no supertópico “Música”
- e a presença de agentes ligados à periferia e aos movimentos sociais e aos direitos humanos.
As informações evocadas até o momento têm o intuito de situar a entrevista de
24/09/2007 na compreensão dos tópicos discutidos no programa e nesse contexto local do
campo jornalístico. Assim, foi possível notar que o os conteúdos expressos nos tópicos
discursivos instaurados pelos entrevistadores podem também representar atributos sobre a
realidade, seja sobre a realidade brasileira como um todo, seja sobre a realidade do campo da
produção cultural da periferia, por exemplo. Os tópicos identificados por nós como
desenvolvidos ao longo da entrevista concedida por MB de fato corroboram essa asserção. No
entanto, nesse momento os tópicos desenvolvidos ao longo do programa devem ser observados
com base na relação entre os diferentes sujeitos participantes e suas posições em campos sociais
específicos.
Na reconstrução contextual do programa Roda Viva, abordada no terceiro capítulo
do presente trabalho, aludimos ao momento histórico no qual MB está presente no programa.
Foi possível notar que, em 2007, durante o show do grupo Racionais MC’s na Praça da Sé, na
Virada Cultural de São Paulo, policiais militares e o público entraram em confronto. A
122
repercussão dos conflitos envolvendo a polícia e os presentes no show da Virada Cultural
estendeu-se pela grande mídia televisiva, digital e impressa, com questões sobre a origem das
incitações à violência que teriam causado o conflito. Cerca de 4 meses após os conflitos
ocorridos durante o show da Virada Cultural na madrugada na Praça da Sé, MB concede ao
programa Roda Viva.
É preciso considerar que a repercussão desse conflito impacta em diversos sentidos
a interação que se estabelece ao longo da entrevista com o rapper:
i. primeiramente, na presença de MB no programa, na medida em que, num
período de grande repercussão midiática (negativa) em torno dos Racionais
MC’s, o rapper comparece a um dos mais tradicionais programas de entrevistas
no Brasil, transmitido ao vivo pela televisão para todo o país;
ii. na instauração e no desenvolvimento de alguns tópicos (sobretudo nos tópicos
“MB como músico”, “Rap” e “Racionais MC’s”, subordinados ao supertópico
“Música”, e no tópico “Personalidade de B”, subordinado ao supertópico “Mano
Brown”), nos quais são a atuação profissional do rapper e seu temperamento são
tratados como temas revestidos de polêmicas e controvérsias;
iii. nas frequentes negociações presentes no programa, na medida em que MB
parece reconhecer sua presença no Roda Viva enquanto um contexto delicado,
no qual sua participação importará tanto em termos da interação com os
entrevistadores quanto naquilo que representar para a audiência como um todo.
Além desses impactos, consideramos que o momento histórico no qual MB está
presente no programa Roda Viva também se relaciona com as atenuações presentes na
entrevista, tais como discutidas por Bentes, Ferreira-Silva e Mariano (2013). Segundo as
autoras, a participação do rapper foi marcada por uma série de recursos para explicitar de modo
mitigado suas discordâncias em relação às perspectivas dos entrevistadores. Soma-se a essas
circunstâncias relacionadas ao momento histórico da entrevista ainda a presença dos demais
integrantes dos Racionais MC’s e de outros agentes prestigiados do movimento hip hop ao
longo do programa, como ouvintes. De modo geral, podemos considerar que todas essas
circunstâncias criam um contexto local de participação do entrevistado no programa Roda Viva
bastante complexo e delicado.
Sua participação como entrevistado representa um ponto de contato entre o campo
jornalístico e o campo da produção cultural da periferia por meio do movimento hip hop,
123
largamente estigmatizado e associado a contextos de violência por conta da repercussão
midiática negativa acerca do show de seus agentes mais prestigiados num evento recente. Nesse
sentido, a presença dos demais agentes do movimento hip hop acompanhando a gravação do
programa se alinha à configuração dessa solenidade e daquilo que pode vir a representar (em
termos dos prejuízos ou benefícios) esse momento histórico da entrevista do rapper Mano
Brown ao programa Roda Viva.
A partir daqui, cabe ao presente trabalho considerar como também as ações de
textualização engendradas nos expedientes metadiscursivos impactaram esse momento
histórico do campo jornalístico, ao ponto de se tornarem recursos importantes para as tomadas
de posição desse entrevistado no campo jornalístico.
4.1.2 Expedientes metadiscursivos presentes na fala de Mano Brown no programa
Roda Viva
Os momentos da entrevista concedida por MB ao programa Roda Viva que
apresentamos abaixo foram coletados com base em sua relação exemplar e representativa
perante a totalidade das amostras. Tomemos o primeiro caso, relativo à incidência dos
expedientes metadiscursivos já nos primeiros momentos de entrevista. Nesse momento, o
presidente da Fundação Padre Anchieta à época da entrevista e apresentador do programa Roda
Viva, Paulo Markun (PM), dirige a MB uma primeira pergunta, instaurando um tópico
subordinado ao supertópico “Mano Brown”, como mostra o trecho a seguir:
Exemplo 1- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
PM boa noite Mano Brown
MB °boa noite°
PM numa/ da::s- das poucas entrevistas que você concedeu
e que: a gente (.) acompanhou\ aqui pela pesquisa que
foi feita para/ o ““Roda viva”” (.) você (.) se define
como uma espécie de esPElho (.) um espelho que retrata
(.) a realidade (.) .h nesses (.) eh quase vinte anos
em que você (.) tá na estrada como: (.) artista como
compositor (.) eh-o espelho Mano Brown eh:: registra
alguma coisa de melhor (.) ou a: realidade piorou de
lá pra cá?...
Mudança na
realidade
124
MB .h ah eu diria diferente... diferente... eh:: .h se
eu dizer que melhorou pode parecer assi::m...
((balbucio)) melhorou um grão de areia entendeu?
PM °sei°
MB do-dentro do que a gente vê como:: do que precisa ser
melhorado então: eu me recuso a dizer que melhorou
(.) mas também não so::u cego de perceber mudanças...
mudou... mudar mudou... entendeu? (.) mudou pra::
agora:...
PM menos do que deveria ser neces[sário?]
MB [bem me]nos do que
deveria (.) bem menos do que poderia [°xx°]
(...)
A partir do Exemplo 1, vemos que a entrevista de MB ao programa Roda Viva se
inicia com a instauração por parte de PM do tópico "Mudança na realidade". É possível notar
que o tópico instaurado por PM mobiliza diretamente a representação social e posição de MB
no campo da produção cultural da periferia, quando o entrevistador inicia sua fala lembrando o
fato de MB ter se definido como um "espelho que retrata a realidade". Assim, vemos que a
pergunta sobre uma possível "mudança na realidade" envolve, por parte de MB, uma resposta
na qual condensará sua própria trajetória como sujeito representativo e protagonista do
movimento hip hop e do campo da produção cultural da periferia. A nosso ver, nesse momento
MB deve tratar de um tópico delicado, tendo em vista que a pergunta demanda um
posicionamento sobre "melhora" ou "piora" na realidade como um todo, de modo que sua
resposta o comprometeria com uma generalização bastante ampla.
Ao responder que a realidade se encontra "diferente", MB de fato evita um
comprometimento com as categorias usadas pelo entrevistador ("melhor" ou "pior") e, em
seguida, dá continuidade a sua resposta afirmando "se eu dizer que melhorou, pode parecer,
assim...". Consideramos que, ao utilizar a expressão "se eu dizer/disser que", MB faz uso de
estratégias metadiscursiva que introjeta comentários sobre um possível enunciado seu. Por meio
desse procedimento metadiscursivo, o rapper reflete sobre os impactos que poderiam advir de
seu comprometimento com um posicionamento mais estanque, de melhora ou piora.
Além disso, é preciso levar em conta as pistas de contextualização (GUMPERZ,
1982) produzidas pelo rapper nesse momento, uma vez que nosso entendimento acerca da
metadiscursividade envolve sua manifestação co-ocorrente em semioses verbais e não verbais,
ambas presentes na prática linguística dos sujeitos. Consideramos que, nesses momentos, a
125
disposição corporal de MB corrobora nossa percepção de que já o primeiro tópico da entrevista,
instaurado por PM, pode ser compreendido como delicado, haja vista aquilo que representa na
dimensão simbólica da participação e Brown. Por conta disso, importa salientarmos dois gestos:
antes do início de sua resposta, a expressão facial com os lábios cerrados da Figura 9 (o que a
nosso ver indica sua autorreflexividade sobre um tópico delicado que deverá ser desenvolvido)
e, o direcionamento de seu olhar, na Figura 10, no momento de pronúncia do expediente
metadiscursivo “se eu dizer que melhorou, pode parecer assi::m”, quando, durante o
prolongamento da sílaba (indicado pela notação com os dois pontos, na marcação gráfica
“assi::m”) MB fixa seu olhar para cima (gesto que pode representar todo o planejamento
simultâneo de sua fala que está ocorrendo nesse momento).
Figura 9- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Roda Viva)
Figura 10- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Roda Viva)
Vemos, nesse caso, que os expedientes metadiscursivos produzidos nesses
momentos revelam que a enunciação (bem como a posição de MB) como um todo está jogo,
haja vista que MB faz uma glosa sobre uma possível atitude sua ao longo da interação, isto é, a
de "dizer que a realidade melhorou".
126
Após a resposta de PM, vemos que MB procede a uma reformulação durante o
trecho "dentro do que a gente vê como do que precisa ser melhorado". Nesse momento, MB
substitui a formulação anterior (“dentro do que a gente vê como::”) pelo expediente "dentro do
que precisa ser melhorado" - o momento dessa reformulação é indicado pelo alongamento da
vogal final na palavra "como", quando podemos observar o prolongamento da vogal
simultaneamente a outra atitude que está sendo efetuada pelo entrevistado: olhar para cima.
Ainda no mesmo trecho, notamos o expediente metadiscursivo “eu me recuso a
dizer que melhorou". Nesse momento, o expediente tem a função de marcar um posicionamento
mais firme de MB a respeito do tópico "Mudança na realidade", designando uma atitude
declarativa que em sentido estrito não será tomada por MB, apesar de sua percepção sobre os
nuances que permeiam o posicionamento em jogo. O metadiscurso tem como glosa, então, a
introjeção dessa possibilidade de enunciação. Quando diz que "se recusa a dizer que melhorou",
MB reconhece e evidencia esse micro ato do discurso (ADAM, 2008) em questão (de "recusar-
se a dizer" algo), com o qual sua declaração corresponderia também a uma ação inscrita no
campo jornalístico. A produção desse expediente metadiscursivo indica a autorreflexividade de
MB e uma sucessiva "calibragem" dos sentidos que se dão nesse momento e que são
manifestadas na materialidade verbal por meio da explicitação de um posicionamento mais
decisivo nesse tópico.
Acreditamos que ambos os expedientes metadiscursivos presentes nesse exemplo
revelam o controle de MB sobre responsabilizações possíveis de serem a ele atribuídas em
função de sua participação nesse contexto do campo jornalístico. Nesse sentido, o emprego da
metadiscursividade reequilibra sua participação nessa interação e ajusta sua inscrição nesse
contexto do campo jornalístico de forma importante: pois sinaliza que, já na instauração do
primeiro tópico, o rapper decidiu não se comprometer com as categorizações postas por PM
sem, no entanto, deixar de cumprir seu papel discursivo de entrevistado.
Ato contínuo, a entrevista tem prosseguimento com a pergunta de PM acerca da
“Mudança no espaço do grupos” Racionais MC’s e com a exposição de MB sobre a contestação
sofrida pelo grupo mesmo em seu bairro de origem, Capão Redondo, em São Paulo. Ao final
da resposta da resposta de MB, o apresentador e mediador do programa cede o turno de fala à
entrevistadora MR (Maria Rita Kehl), para sua instauração sobre os tópicos que envolvem
“Movimentos sociais em SP”. Tomemos o seguinte excerto:
127
Exemplo 2- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
PM Maria Rita?
MR ºeh- eu queria saber sobre já que você pergunta° de-
eh o Paulo Markun perguntou de melhorias>... o que
que você/ acha de movimentos\ sociais (.) que surgiram
também/ nesse tempo (.) que os Racionais tão aí na
estrada\... tem um movimento lá no Capão (.) quer
dizer não é no Capão é em São Paulo .h mas que é muito
expressivo no Capão (.) que é o MTST eh movimento dos
trabalhadores sem teto [...] eu gostaria de saber sua
opinião sobre: esses dois movimentos sociais se você
é otimista (.) com (.) a: (.) presença deles no Brasil
ou não...
Movimentos
sociais em SP
MB sim então... eh: (.) junto com esses eh:-o:
((balbucio)) vou dizer os que eu acompanho mais certo?
eh:: tem alguns movimentos que são hoje: sã::o
organizados dentro do Capão (.) que eu acompanho
alguns de perto... esses eu considero como mudança
reAL tipo tem o Capão Cidadão [...] eh:-o que eu
acompanho de perto...
Movimento
Capão Cidadão
os outras (.) organizações talvez eu acompanhe de longe...
MR ((sorrindo)) e de lon:ge que que cê acha do MST? (.)
[perguntando de cara]
MB [o que eu acom]panho de longe... acompanho que tem um
cara preso (.) certo? lutando por uma causa que não é
só dele (.) que é de milhões (.) e ele vai-pelo que
eu to vendo vai pagar sozinho é isso?...
MR ((balcucio)) num sei (.) acho que não ((rindo)) [tem
muita gente presa]
MB
[que tem um] cara preso lutando por uma causa que é
de muitos... né? eu acho que::... que é: José Rainha
é isso?
MR isso
MB eu até eu-tenho que dizer que eu sou um cara que eu
leio pouco mêmo... sou mal informado sobre muitas
coisa (.) mas... as coisa que me interessam (.) eu me
informo... en[tendeu?]
MST
128
No trecho acima, é possível notar como incidem os expedientes metadiscursivos
nas construções de sentido que se elaboram conjuntamente ao longo da interação com MB no
programa Roda Viva. Primeiramente, é preciso considerar o impacto da organização
cenográfica do programa, abordado por nós anteriormente, na configuração da interação que se
estabelece: no momento em que um segundo entrevistador instaura um novo tópico no
programa, o entrevistado MB deve se reposicionar para acompanhar o turno de fala de MR,
movimentando-se com a cadeira que ocupa para alinhar sua postura corporal diante da
entrevistadora. Assim, MB, cuja postura se encontra frente a PM (posição E7), alinha-se até
que consiga encontrar a posição na bancada ocupada por MR (E2), cuja fala já estava em
andamento, como mostra a Figura 11:
Figura 11- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Roda Viva)
É preciso considerar que essa movimentação do entrevistado ao longo da interação
ocorre constantemente, sendo de fato atinente ao papel de um convidado e à organização
cenográfica no programa Roda Viva. Consideramos que essa dimensão contextual deve ser
evocada por corresponder a uma semiose que se associa a outras dimensões contextuais da
entrevista concedida pelo rapper. Assim, toda a movimentação do convidado no programa cria
disposições corporais e proxêmicas que sugeririam uma participação arredia para o
entrevistado, já que sempre deverá se reposicionar frente às interpelações (muitas vezes,
simultâneas) dos diversos entrevistadores. Nesse sentido, tendo em vista que os movimentos
corporais de MB se dão em reação ou resposta às ações dos entrevistadores, é possível
pensarmos em disposições subjacentes a contextos de ataque, por parte dos entrevistadores, e
defesa, por parte de entrevistado.
129
Voltando-nos para os expedientes metadiscursivos produzidos nesse momento, é
possível notar sua presença já na instauração da pergunta feita por MR: assim, o expediente “já
que você pergunta – eh o Paulo Markun perguntou”. Esse segmento (que também representa
uma reformulação) tem como função permitir que MR se refira aos enunciados precedentes
para promover uma transição entre o tópico instaurado por PM (sobre “melhorias”) e aquele
que ela própria instaura nesse momento – por meio de uma ligação entre “melhorias” e
movimentos sociais surgidos ao longo da trajetória do grupo Racionais MC’s. Desse modo,
uma função desse expediente está ligada à continuidade e progressão tópica da entrevista por
meio de novas perguntas dos entrevistadores. Um segundo expediente metadiscursivo
produzido por MR ainda durante a instauração do tópico está presente em “quer dizer não é no
Capão e em São Paulo”. Nesse momento, o procedimento metadiscursivo está ligado a outra
função, a saber, introjetar, comentar e refazer a formulação do enunciado da própria MR, já que
o movimento social que será mencionado pela entrevistadora (MTST) atua não apenas no
Capão Redondo, mas sim em vários lugares da cidade de São Paulo.
A resposta de MB dá início a negociações entre a entrevistadora e o entrevistado
em torno do tópico instaurado. Observamos, com isso, o papel do expediente “vou dizer os que
eu acompanho mais”, quando o procedimento metadiscursivo de MB se volta para os conteúdos
tópicos em jogo e para seu papel na entrevista. Assim, ao anunciar que falará de movimentos
sociais específicos, MB sinaliza em que sentido sua atitude como entrevistado irá atender a
proposição de MR, redirecionando o conteúdo. Saliente-se que esse momento de produção do
metadiscurso também não ocorre sem que estejam presentes outras pistas de contextualização,
capazes de evidenciar a autorreflexividade que incide sobre a língua em níveis vários. Assim,
essa ocorrência do metadiscurso é acompanhada pela quebra do fluxo informacional da fala de
MB, expressa pelo balbucio produzido nesse momento, e pelo movimento corporal do rapper
ao direcionar seu olhar para baixo, ajeitar o boné59 usado por ele e sua posição no assento que
ocupa (Figura 12).
59 Cabe acrescentar que as disposições corporais de MB, no contexto do programa Roda Viva, também são
marcadas pela produção da periferia, tendo em vista que o boné usado pelo rapper nesse momento corresponde ao
artigo fabricado pela DRR, Defensores do Ritmo da Rua, posse conhecida pela produção de vestimentas ligadas
ao hip hop (em outros momentos da entrevista, MB é questionado sobe o uso do boné).
130
Figura 12- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Roda Viva)
Contudo, é possível notar que o redirecionamento do tópico, expresso por MB por
meio do expediente metadiscursivo, não é acatado pela entrevistadora MR, que se vale da
complementação feita por MB sobre os movimentos sociais “que acompanha de longe” para
propor que o entrevistado trate especificamente do MST como movimento social. Nessa nova
tentativa de MR, observa-se a produção do expediente “perguntando de cara”, cujo
procedimento metadiscursivo está na introjeção de uma avaliação de sua atitude discursiva,
bastante direta (“de cara”) nesse momento.
Interessa notar que as respostas dadas por MB trazem novas características a sua
participação nesse contexto de entrevista. Isso porque, quando expõe as informações que possui
sobre o movimento social em questão, MB se vale de algumas expressões para marcar e checar
o cumprimento de seu papel discursivo perante aquilo solicitado pela entrevistadora. Nesses
momentos de checagem é que podemos notar a presença do expediente “ele vai – pelo que eu
tô vendo ele vai pagar sozinho”: a nosso ver, esse expediente metadiscursivo indica que a
formulação do rapper necessita ser ajustada, para marcar que a informação em jogo (“ele vai
pagar sozinho”) consiste numa opinião sua, e não num fato dado como certo. As semioses não
verbais co-ocorrentes às falas da entrevistadora e do rapper (Figura 13), nesse caso, revelam
tanto uma postura mais assertiva de MB (por meio de perguntas dirigidas à entrevistadora)
quanto expressões faciais (sorrisos) com as quais MR procurou atenuar sua pergunta.
131
Figura 13- Semioses não verbais na produção do metadiscurso
Na continuidade da interação, as falas de MB ocasionam uma inversão do par
pergunta-resposta característico das entrevistas (FÁVERO et al., 2010), segundo o qual caberia
ao entrevistador a instauração de novos tópicos, por meio dos questionamentos, e ao
entrevistado o desenvolvimento desses conteúdos. Nesse sentido, podemos considerar que as
ações de textualização de MB (re)configuram o contexto de entrevista nesse momento. Quando
dirige seus questionamentos à MR, o rapper circunscreve a entrevistadora numa participação
em que ela própria deverá dar respostas. As semioses não verbais que identificamos nesse
momento (Figura 14) sugerem a posição pouco confortável na qual a entrevistadora se encontra
e, a nosso ver, exprimem sua hesitação (expressa também na transcrição, pelas marcações de
balbucio) em participar como aquela que deve responder ao entrevistado.
Figura 14- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Roda Viva)
Já no término da discussão desses subtópicos, MB apresenta uma informação sobre
o líder do movimento social MST (“é José Rainha, é isso?”) mais uma vez retornada à MR,
para que a entrevistadora possa checar a validade da informação e o cumprimento de seu papel
discursivo no desenvolvimento desse tópico. Diante do fato de que MR dá como certa a
informação de MB, o rapper responde finalizando o tópico por meio da fala iniciada com o
132
expediente metadiscursivo “eu até tenho que dizer que eu sou um cara que...”. Nesse momento,
o procedimento metadiscursivo de MB evoca a própria situação de enunciação e seu
engajamento com as informações que estavam em jogo no desenvolvimento do tópico proposto
por MR. Ao colocar-se como alguém “que lê pouco”, MB expressa seu distanciamento perante
os conteúdos que envolvem especificamente o movimento social MST, acompanhado “de
longe” pelo rapper. Desse modo, as informações apresentadas pelo entrevistado nesse momento
funcionam também como ressalvas para que possa justificar como ocorreu o cumprimento de
seu papel discursivo nesse momento.
Para além das funções textuais-discursivas dos expedientes metadiscursivos
presentes nesse momento, interessa notar aquilo que significam esses recursos nas tomadas de
posição de MB já nos primeiros momentos de entrevista. Por meio do Exemplo 1, foi possível
notar como o metadiscurso (nas semioses verbais e não verbais nele presentes) colabora para
que MB possa regular os efeitos de sentido de seus enunciados nesse contexto complexo de sua
participação no campo jornalístico e, por meio desse segundo exemplo, podemos dizer que suas
ações de textualização auxiliam-no a firmar sua posição nessa entrevista como aquele que retém
um certo tipo de informação sobre os movimentos sociais em São Paulo, ainda que não seja
profundo conhecedor de certas atuações como as do MST.
É preciso ter em mente, na compreensão das tomadas de posição do rapper nesse
momento, também a estigmatização atinente a sua posição no campo da produção cultural da
periferia e no movimento hip hop, posição que, em algumas visões, faz com que esteja
associado de modo geral as demandas de grupos outros que se encontram numa trajetória de
reivindicações sociais. Assim, muitas vezes se supõe que a líderes prestigiados como Brown
não faltam informações e conhecimento sobre uma miríade de iniciativas que, na verdade,
podem não ser conhecidas “de perto” pelo rapper. Outro fator importante a ser levado em conta
no desenvolvimento desses tópicos no programa é a posição de MR no campo jornalístico, haja
vista o fato de que a trajetória profissional da entrevistadora está ligada ao trabalho com grupos
sociais diversos, dentre os quais, o MST. Desse modo, confirma-se a correlação entre os tópicos
desenvolvidos no programa e não apenas a trajetória do sujeito entrevistado, mas também
aqueles associados às trajetórias dos sujeitos entrevistadores.
Consideramos que os exemplos analisados até o momento nos permitiram tratar dos
expedientes metadiscursivos levando em conta: as diferentes semioses que co-ocorrem em sua
produção, o modo como emergem em situações de construção conjunta dos sentidos nessa
interação, algumas das diferentes instâncias da enunciação introjetadas por esses recursos, sua
relação com alguns dos tópicos desenvolvidos na entrevista. A partir daqui, passaremos a tratar
133
de outros exemplos cuja importância e representatividade nas amostras do programa estão
ligadas aos tópicos nos quais foram utilizados e às diferentes funções textuais-discursivas que
desempenham. Tomemos, então, o exemplo abaixo:
Exemplo 3- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
PLS é/ muito difícil falar prum garoto (.) pobre preto...
que vive na periferia (.) que ele tem que ser honesto?
(.) diante dasse-desse exemplo?... .h por que eu falo
isso? porque cê falou que é assim: (.) ele se espelha
em quem tá mais perto... .h agora o exemplo do
Brasil... se a gente for ver do modo geral... é muito
maior do que tá perto... tem muito ladrão no Brasil
todo... .h fica difícil você falar pruma criança (.)
sem pa:I (.) passa fome e tal (.) que ele tem que ser
honesto que ele não pode roubar?
Dificuldade em
falar de
honestidade
MB eu chego a dizer que eu nem considero eles desonestos
né? (.) dentro da realidade da arma-das armas que
eles têm pra lutar (.) e que eles aprenderam como
meio de sobrevivência eles são honesto... eu tenho
certeza que com os parceiro deles eles são honesto...
com a família deles eles são honesto... com os mano
que tá preso eles são honesto... tá ligado? eles são
honesto com quem tem-com quem é honesto com eles (.)
entendeu? onde tá a honestidade são valores/ né?...
(...)
Honestidade
dos jovens da
periferia
O trecho exibido no Exemplo 3 corresponde ao momento em que se desenvolvem
os subtópicos “Dificuldade em falar de honestidade” e “Honestidade dos jovens da periferia”.
Ambos são subtópicos que se subordinam ao tópico “Honestidade X desonestidade”, ligado ao
supertópico “Periferia”. Consideramos importante o tratamento desse excerto, haja vista que
ele exemplifica uma função geral dos expedientes metadiscursivos ao longo do supertópico
“Periferia” na entrevista: intensificar a força ilocucionária dos conteúdos topicalizados por MB
como resposta aos questionamentos dos entrevistadores.
Nesse momento da interação, o entrevistador Paulo Lins (PLS), ligado ao campo da
produção cultural literária da periferia, questiona MB acerca da dificuldade na transmissão,
pelas músicas dos Racionais MC's e por seu exemplo, de uma ideia de honestidade perante a
realidade que circunda os jovens da periferia. O questionamento de PLS, como podemos ver, é
baseado num contraste entre a honestidade pretendida por uma espécie de “mensagem” de MB
134
e dos Racionais MC's e a presença de exemplos “desonestos” aos jovens da periferia. No
entanto, é possível notar que a resposta de MB não atende diretamente ao tópico proposto por
PLS, no sentido de que não se volta para afirmar ou negar a “dificuldade” em falar sobre
honestidade aos jovens, mas sim para expor sua perspectiva em relação ao pressuposto presente
no questionamento do entrevistador nesse momento.
No intuito de marcar seu posicionamento acerca da dicotomia entre honestidade e
desonestidade dentre os jovens da periferia, MB emprega primeiramente o expediente “eu
chego a dizer que...”, assim, marcando o contraste de seu comentário em relação ao pressuposto
assumido por PLS – de certo modo, como aquele que vai adiante para enunciar algo para além
do esperado. Momentos depois, MB faz uso do expediente “eu tenho certeza que” como forma
de elencar situações nas quais está presente a honestidade nas ações dos jovens da periferia.
Podemos considerar ambos os expedientes como estratégias metadiscursivas que acentuam a
força ilocucionária dos dizeres de MB nesse momento, dado que a primeira expressão modaliza
uma informação possivelmente inesperada (a de que os jovens da periferia não são desonestos)
e a segunda expressão, por sua vez, marca o grau de certeza e de engajamento desse locutor
relativos à honestidade dos jovens da periferia com seus parceiros. Nesse momento, portanto, é
possível dizer que MB não atende diretamente ao tópico proposto por PLS, questiona o
pressuposto sob o qual se baseia a pergunta e esclarece seu posicionamento com o auxílio dos
expedientes metadiscursivos mencionados.
Para além de observações quanto aos efeitos mais locais, consideramos que ambas
as expressões, nesse caso, colaboram para que MB não se mostre comprometido com asserções
do entrevistador PLS, nesse momento, acerca das vivências dos jovens nas periferias. Saliente-
se o fato de que, durante essa passagem, MB parece por em cena suas ressalvas quanto aos
parâmetros de PLS para marcar a distinção, comumente utilizada para classificar os jovens das
periferias, entre atitudes de honestidade e de delinquência (Cf. SOUZA, 2009). Nesse sentido,
a resposta de MB marcaria uma perspectiva diferente do apresentado por PLS nesse contexto
do campo jornalístico, visto que demonstra uma complexidade outra para lidar com a distinção
entre honestidade e desonestidade (“onde tá a honestidade são valores, né?”).
Interessa notar as diferentes perspectivas acerca dessa questão apresentadas por MB
e por PLS. Dentre os entrevistadores que compuseram a bancada do programa Roda Viva nessa
entrevista, podemos dizer que é PLS o mais ligado às vivências da periferia (e, assim como MB,
ao campo de produção cultural da periferia, embora por meio da literatura) e, por conseguinte,
àquilo que se poderia dizer em termos da honestidade ou desonestidade dos jovens nesses
espaços sociais. No entanto, as diferentes perspectivas expostas por MB e PLS nesse momento
135
sustentam que, ao menos nesse caso, não se comprova uma pressuposição de que as
discordâncias ocorridas na entrevista se dariam apenas nas interações entre o entrevistado e
entrevistadores cujas trajetórias e posições fossem mais profundamente distintas das suas.
Uma outra característica parece marcar o emprego dos expedientes metadiscursivos
presentes nas falas do entrevistado. Para compreendê-la, tomaremos como base o exemplo
adiante:
Exemplo 4- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
RL [e: qual a mudan]ça do Mano Brown que no começo da
carreira cantava:: raps que/ falavam de amo:r que
falavam dos próprios bailes (...) como é que é isso?
essa mudança
Mudança nos
raps de MB
MB é °isso aí:°... .h bom eh-a gente chama eh:: da onde
a gente chama-da onde a gente vem a gente chama de
oreiada... oreiada é quando a gente dá risada dá uma-
conselho né? (.) espécie/ de conselho não tem outra
palavra a não ser\ isso (.) oreiada é conselho é
tipo como se fosse assim:... conversando com um
parceiro seu (.) dando uma oreiada... dando uma: uma
dura (.) vamos dizer assim uma: (.) uma: (.) uma idéia
(.) mais séria (.) [na vida mesmo]
PM
[e essa dura] emplaca?
MB ahn?
PM cê acha que essa DUra-essas duras emplacam? (.) [elas
fazem a cabeça?]
MB
[sim em (todo lugar)] é eu costumo::... receber né?
((sorrindo))
(...)
Conselhos de
MB
O excerto acima corresponde ao desenvolvimento do subtópico “Conselhos de
MB”, subordinado ao tópico “MB como músico” e ao supertópico “Música”. Nele, MB
redireciona o tópico proposto por RL, ao responder por meio de uma explicação em que se volta
de modo mais explicativo ao significado do termo “oreiada”. Primeiramente, o entrevistado
especifica que a variante utilizada para nomear a expressão subsequente está relacionada a um
registro específico desempenhado por ele, quando afirma “da onde a gente chama-da onde a
136
gente vem a gente chama de oreiada”. Nesse caso, o procedimento metadiscursivo se refere a
introjetar e ressaltar propriedades do signo linguístico na própria enunciação.
Além disso, é possível notar a presença de expedientes metadiscursivos que
regulam o sentido dessa expressão, como em “uma espécie de conselho”, “não tem outra
palavra a não ser isso”, “é tipo como se fosse” e “vamos dizer assim”. De modo geral, esses
expedientes operam como articuladores metaenunciativos (KOCH, 2004), inserindo a
enunciação de MB (e suas escolhas lexicais) em seu próprio enunciado e avaliando essas
escolhas em termos de sua eficácia comunicativa. É possível notar, ainda, a presença de um
expediente metadiscursivo na fala do entrevistador PM, correspondente à paráfrase saneadora
“cê acha que essa dura- essas duras emplacam? elas fazem a cabeça?” – tal procedimento
metadiscursivo pode estar relacionado, a nosso ver, com a dinâmica de turnos da entrevista uma
vez que, com a sobreposição do turno de fala de PM à resposta de MB, foi preciso que o
entrevistador reformulasse sua pergunta, diante do fato de que MB não a havia compreendido
(como expressa o marcador discursivo“ahn?” utilizado pelo entrevistado).
A observação de uma outra função para os expedientes metadiscursivos presentes
na fala de MB ao longo da entrevista ocorre quando tomamos os tópicos desenvolvidos abaixo.
Nesse caso, o entrevistador RL tratava das “Ações de orientação feitas pelo Racionais MC's”,
antes que os participantes tivessem dado início ao tópico “Controle social na favela”
(subordinado ao tópico “Violência e poder”):
Exemplo 5- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
RL independente das letras né?... das suas músicas/ de
orientação que mais o teu grupo faz... pra poder
orientar... pra poder abrir a cabeça das pessoas né?
(.) que tão da-dessa juventude toda que tá aí com
droga em TUdo quanto é esquina... com violência em
tudo quanto é esquina... que mais cês fazem?...
independente das letras e dos sho-da mensagem que
vocês passam?
Ações de
orientação
feitas pelo
Racionais Mc's
MB .h eu vou te falar um negócio cabuloso agora... por
incrível que pareça... o/ lugar onde tem menos
violência hoje é na favela... entendeu? onde tem menos
violência hoje é numa favela (.) você vai ver
violência no asfalto dentro duma favela tem controle
(.)
RL de quem? do traficante?
Controle social
na favela
137
MB não... da população (.) da opinião da maioria... e da
justiça
MR [e a violência da polícia (Mano)?]
MB [e o cer]to (.) o certo tem que
prevalecer
MR [e a violên]cia da polícia?
MB [não interessa que]...((vira-se para MR)) ºnão
entendi°
(...)
No Exemplo 5, podemos notar que a instauração da pergunta feita por RL
(entrevistador ligado ao jornalismo de segurança e ao jornalismo policial) se refere, de modo
semelhante a conteúdos que, ao menos anteriormente, já foram categorizados pelo entrevistado
MB como modos de cobrança aos rappers e até mesmo como um meio de “punição” aos que
expõem a desigualdade social. A pergunta sobre alguma outra atitude feita pelos Racionais
MC's (“que mais cês fazem? independente das letras...”) e pelo próprio MB, nesse sentido,
consiste num tópico visto como “ameaçador”. Interessa notar que, nesse caso, a resposta de MB
se inicia com um procedimento metadiscursivo no qual o entrevistado faz uma glosa sobre o
enunciado que ele próprio desenvolverá (“vou te falar um negócio cabuloso agora”) e um
comentário sobre o impacto das informações que estão por vir (“um negócio cabuloso”) - assim
como o que ocorre no uso do expediente “por incrível que pareça”, que sinaliza um conteúdo
algo inesperado. As informações subsequentes elencadas por MB são organizadas no sentido
de questionar um dos pressupostos presentes nas asserções do entrevistador RL, mais
especificamente, a ideia de que a juventude se depara com “violência em tudo quanto é
esquina”.
A presença do expediente metadiscursivo, nesse caso, parece estar ligada à própria
natureza dos tópicos em questão e à função de exprimir a deliberação de MB a respeito desses
tópicos, seja encerrando um tópico indesejado, seja redirecionando um tópico potencialmente
ameaçador (“Ações de orientação feitas pelos Racionais MC's”) – ou “sabidamente
ameaçador”, tendo em vista sua reflexão prévia sobre as ações discursivas que geralmente
surgem em entrevistas das quais participa no campo jornalístico.
Ainda no tocante a esse exemplo, cabe considerarmos a posição de RL na
instauração de tópicos que mobilizem informações sobre a violência, a criminalidade, e o papel
ou a responsabilidade de MB perante a presença desses problemas na periferia. Na reconstrução
138
contextual do programa Roda Viva, comentamos sobre a atuação de RL como agente do campo
jornalístico ligado ao chamado “jornalismo de segurança” ou “jornalismo policial”. Nesse
sentido, a trajetória profissional desse agente se ligaria mais estreitamente a um habitus
profissional (BARROS FILHO, 2002), na medida em que seu trabalho se dá com base em
pautas específicas produzidas por ele no campo jornalístico, assim como considera Bourdieu
(1997 [1996]).
É preciso ressaltar que, a partir desse momento, a interação no programa se volta
para uma maior centração nos tópicos subordinados ao quadro tópico “Violência e poder”,
especialmente para tratar dessas temáticas na periferia. Consideramos, com isso, ser necessária
uma maior compreensão da função dos expedientes metadiscursivos durante o desenvolvimento
desses tópicos. Para isso, importa observar também o excerto a seguir:
Exemplo 6- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
MB por exemplo... quem dá segurança pros comerciantes da
favela?... quem:: quem protege a favela?... a polícia
protege?... são perguntas né? perguntas já outras né?
tô perguntando (.) quem protege?
RL não sei... [SI]
PM você acha então você vê a coisa como se fosse uma
guerra
MB não vejo como guerra... eu vejo como uma situação...
[tá]
MR mas o [tra]ficante protege de quem? protege dele
mesmo?
MB não
MR [(porque você fala muito nas suas letras)]
MB [ele protege do sistema ele prote-ele já é o]-o-o-o-
o...
Organização do
poder na favela
o-o –- entre aspas – cê chama de “traficante” (x) chama de
“comerciante”... o cara que comercializa cocaí:na
vamos\ dizer assim já abertamente ou /a maco:nha...
ou qualquer tipo de droga é um comerciante... como
qualquer outro
MR sim [mas eles tem um sistema de impo::r]
Uso dos termos
traficante ou
comerciante
139
RL [que leva que leva as pessoas] pra cadeia e
não pro cemitério né?
(...)
No excerto acima, é possível notar a finalização do subtópico “Organização do
poder na favela” e o início do subtópico “Uso dos termos traficante ou comerciante”, do qual
participam três entrevistadores (PM, MR, RL) e o entrevistado. O trecho tem início com o
expediente metadiscursivo “por exemplo”, a partir do qual MB indica a composição textual de
seu enunciado subsequente: uma série de questionamentos elaborados no intuito de gerar a
reflexão dos demais participantes sobre o papel desempenhado por alguns agentes para a
organização do poder na periferia. Em seguida, a pergunta feita por PM sobre a questão da
criminalidade na periferia – retomada a partir da expressão referencial “a coisa” - é respondida
de forma direta por MB, quando o entrevistado explicita seu desacordo (“não vejo como
guerra... vejo como uma situação”).
Destaca-se, aqui, o desacordo de MB sobre as expressões referenciais empregadas
pelos entrevistadores. Assim, o referente “uma guerra”, proposto por PM para demonstrar ou
sumarizar a visão de MB sobre a questão da criminalidade, é explicitamente negado pelo
entrevistado. MB, então, recategoriza empregando a descrição definida “uma situação”.
Após esse primeiro momento, a pergunta de MR se volta especificamente para o
papel do traficante na organização e na segurança da periferia (“o traficante protege de quem?
protege dele mesmo?”) e contém uma justificativa para suas considerações nesse subtópico tido
como “ameaçador”, quando a entrevistadora alude a uma fala anterior do rapper (“porque você
fala muito nas suas letras”).
Saliente-se, em seguida, a presença do expediente metadiscursivo “entre aspas”
(formulado por MB) que, a nosso ver, marca o início de sua reflexão sobre as expressões
referenciais usadas, indicando um distanciamento para promover uma glosa sobre o enunciado
subsequente. Ato contínuo, observa-se que o entrevistado traz à tona a negociação dos
referentes que categorizam os agentes envolvidos nessas ações de poder na periferia, quando
responde no intuito de propor a utilização do termo “comerciante” para nomear o objeto-de-
discurso antes tratado como “traficante”. Vê-se, portanto, que nesse caso o expediente
metadiscursivo tem como glosa a própria categorização dos referentes presentes nesse
subtópico (“cê chama de traficante... chama de comerciante”). Um terceiro expediente
metadiscursivo está presente no trecho “vamos dizer assim já abertamente”, por meio do qual
MB reflete sobre a enunciação do trecho “o cara que comercializa cocaína”: nesse caso, o
140
segmento “vamos dizer assim já abertamente” age como articulador para evidenciar que, na
autorreflexão de MB, o enunciado “o cara que comercializa cocaína” corresponde a um modo
de dizer aquilo que pensa “abertamente”, ou seja, segundo aquilo que corresponde mais
fielmente a sua atividade axiológica.
De modo geral, a partir do Exemplo 6 podemos compreender que recorrer à
metadiscursividade pode significar a MB um modo de expor mais claramente (e de regular) as
diferentes perspectivas subjacentes ao problema da categorização referencial nos tópicos em
questão. Por conseguinte, esses expedientes metaenunciativos agem para negociar a
representação dos sujeitos atuantes nas posições de poder no cotidiano da periferia. Tal
posicionamento de MB acerca desses sujeitos é intensamente questionado por parte dos
entrevistadores. Com isso, parece estabelecer-se mais uma importante diferença das
perspectivas presentes nesse contexto do campo jornalístico, além do fato de que se reproduz,
por parte dos entrevistadores nesses momentos, a estigmatização de MB como agente envolto
em polêmicas no que concerne à legalidade de algumas de suas ações.
Os tópicos subordinados ao quadro tópico “Violência e poder” são, em seguida,
redirecionados, uma vez que o entrevistador JN, percebendo as diferentes perspectivas em
relação à legalidade da atuação dos sujeitos “comerciantes” ou “traficantes”, instaura o tópico
“Legalização da maconha”, dando início a momentos da entrevista nos quais se tratará de
tópicos subordinados ao supertópico “Sociedade”. Quanto à presença do metadiscurso nesse
supertópico, tomemos o seguinte exemplo:
Exemplo 7- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
JN cê é a favor da legalização?
MB ((suspiro)) se é pra negar todas as droga (.) nega
todas... entendeu? [pra acabar a hipocrisia]
JN [°você° é a favor de legalizar]
MB &não não sou a favor de nada... vamos ser-dizer assim
eu sou a favor que todo mundo vivesse bem... não
precisasse de droga nenhuma... pra entender nada que
você conseguisse entender o mundo que cê vive sem
usar nada... eu sou a favor disso... mas quando você
passa a não entender o mundo que você vive você
reCORre a alguma coisa... quem sou eu pra dizer que
ele é isso ele é aquilo ele é b ele é c ele é
traficante ele é usuário... eu não sou ninguém meu...
Legalização da
maconha
141
sã:o situações... você vive numa situação hoje que cê
tá bem (.) cê é jornalista cê opina cê fa-forma
opiniã:o... amanhã\ cê não sabe mano... a vida é
assim... ((sorrindo)) a gente aprendeu isso... a vida
é assim... você tá (.) legal... amanhã cê não sabe...
cê pode estar no beco dos tristes lá... tá ligado? cê
pode estar lá...
(...)
O excerto selecionado representa momentos do desenvolvimento do subtópico
“Legalização da Maconha”. Após diversos momentos em que MB expôs seu pensamento acerca
da organização do poder e do papel da venda de drogas ilícitas na periferia, JN (entrevistador,
como vimos, cuja trajetória esteve ligada ao jornalismo de segurança e jornalismo policial)
questiona MB acerca de seu posicionamento frente à “Legalização da maconha”. Nesse
momento, notamos que MB se vale da negação da formulação utilizada por JN (“não sou a
favor de nada”) para, só então, marcar seu posicionamento. Interessa notar a presença do
expediente metadiscursivo “vamos dizer assim”, introjetando a instância da enunciação nessa
fala de MB.
É preciso considerar que o uso desse expediente revela o controle pari passu de MB
sobre a produção de sentido, já que, por meio da expressão “vamos dizer assim”, o entrevistado
reorienta tanto a significação do que disse antes (mudando um pouco sua opinião de “não sou
a favor de nada” para “sou a favor de que todo mundo vivesse bem...”) como também a
interação com o seu interlocutor, já que ao amenizar a negação direta do pressuposto da
pergunta feita (a possibilidade de ser a favor da legalização), MB coloca-se não apenas como
autocomentador de suas palavras, mas também como um sujeito que se preocupa com o seu
interlocutor ao precisar melhor o que quer dizer nesse momento (KOCH, 2004). Nos momentos
seguintes, podemos notar a utilização de um expediente modalizador que, à primeira vista,
poderia sugerir a ideia de que MB apenas minimiza e atenua seus dizeres (“quem sou eu para
dizer...?”). No entanto, essa estratégia faz mais do que isso, já que ao mesmo tempo em que
atenua a autoridade do locutor em relação ao tópico, também possibilita a sustentação de uma
posição central de MB nesse momento, favorável à ideia de que se prescinda do uso de
substâncias ilícitas em sentido amplo ou então, uma vez que esse consumo existe, que não se
julgue essa conduta sob certo ponto de vista.
Assim como em outros momentos de tópicos relacionados à “Situação atual do
Brasil”, podemos notar que MB busca se posicionar de modo mais direto acerca dos
questionamentos feitos pelos entrevistadores – pois estes, muitas vezes, carregam pressupostos
142
e acarretamentos capazes de ligar MB a uma representação e posição por ele indesejadas, seja
perante os participantes da interação em andamento, seja perante a audiência como um todo.
Cabe ressaltar que a negação de MB especificamente acerca de um posicionamento favorável
à “Legalização da maconha” parece se relacionar com críticas feitas ao grupo Racionais MC's,
e a outros grupos musicais, sobre canções suas cujas letras são vistas como apologia às drogas.
Nesse sentido, podemos compreender a resposta de MB como uma adequação a esse contexto
de crítica, procurando um intermédio entre os posicionamentos controversos quanto a essa
questão.
Apesar de responder diretamente ao tópico instaurado por JN, podemos dizer que,
no Exemplo 7, MB procura se afastar de uma discussão que o comprometa com um
posicionamento definido em relação ao tópico “Legalização da maconha” e, para isso, não
apenas se vale da negação para rechaçar os sentidos possíveis das asserções iniciais de JN (“ser
a favor da legalização”) como também rechaça a própria ideia de que alguém em sua posição
deva ou possa opinar sobre o assunto, por meio de expediente um metadiscursivo (“quem sou
eu para dizer isso?”). Com isso, o procedimento metadiscursivo permite-lhe participar desse
contexto jornalístico tentando não se comprometer com perspectivas vistas por ele mesmo como
indesejadas e, simultaneamente, expondo sua própria perspectiva sobre os conteúdos em jogo.
Dando continuidade à observação das manifestações da metadiscursividade no
programa, tomemos agora um exemplo importante e representativo das amostras do programa
Roda Viva, uma vez que representa vários expedientes metadiscursivos produzidos ao longo do
quadro tópico “Projetos sociais na periferia”:
Exemplo 8- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
RL mas aí fechou o CEU lá?
MB ahn?
RL fechou?
MB nã::o.. meu filho é usuário do CEU... meu filho vai
no CEU... meus sobrinhos vão no CEU...
PLS (como é que lá tá hoje?)
MB meus priminho vão no CEU
PLS mas o CEU tava co-hoje ele funciona do jeito que-
quando começou? ou tá
CEU
143
MB na verdade... os-o jeito que teria que funcionar
realmente eu não sei como que teria que ser... cem
por cento mas o que eu vi lá... acho que só de você
estar lá dentro convivendo com aquelas coisa tendo
aquele: aquele universo pra você viver ali dentro
explorar aquilo ali... já é uma glória... agora se
vai dar resultado daqui vinte ano nós vamos ver... se
vai sair um [Bethoven]
PM [quan]
MB lá do Capão
(...)
O excerto acima diz respeito ao desenvolvimento do subtópico “CEU”, subordinado
ao tópico “Projetos sociais da periferia” e ao supertópico “Periferia”.
Nesse momento, RL produz uma paráfrase saneadora (KOCH, 2004) ao refazer a
pergunta que instaura o subtópico “CEU”: assim, o entrevistador substitui o segmento “mas aí
fechou o CEU lá?” por uma forma condensada da pergunta “fechou?”. PLS dá continuidade ao
subtópico quando questiona MB acerca de seus conhecimentos sobre o “Centro Educacional
Unificado” do Capão Redondo, unidade educacional, esportiva e cultural dentre as pertencentes
ao projeto administrado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. É possível dizer
que PLS tenta estabelecer uma relação mais estreita entre MB e um projeto social da periferia,
ao perguntar sobre funcionamento vigente na instituição (“hoje ele funciona do jeito que
quando começou?”).
MB responde ao tópico, dessa vez, por meio de uma ressalva ao tratamento dessa
questão, pois se coloca como pouco conhecedor dos conteúdos necessários para comentar sobre
o funcionamento do projeto social (“na verdade... o jeito que teria que funcionar realmente eu
não sei...”). O procedimento metadiscursivo no uso dessa modalização destacada por nós diz
respeito também ao recurso de topicalização operado por Mano Brown em relação à fala de
PLS, tendo em vista que, ao produzir o segmento “o jeito que teria que funcionar”, MB introjeta
o enunciado de PLS em sua fala reconhecendo-o como um momento anterior de instanciação
da composição textual e da proposição de um novo tópico.
Importa ressaltar que, nesse caso, a conjugação verbal empregada ao mencionar não
saber “o jeito que teria que funcionar”, indica a opção do rapper por negar um conteúdo mais
propositivo a esse tópico, isto é, por demonstrar sua impossibilidade em propor melhoras e
soluções – algo diferente daquilo que havia sido instaurado por PLS ao perguntar sobre a
situação vigente no projeto social.
144
Após essa passagem na qual emprega o expediente metadiscursivo, interessa notar
que MB marca seu envolvimento com o projeto social (“mas o que eu vi lá.”) e esboça sua
resposta a partir da ideia de que vale a pena estar incluído num projeto como CEU sob diversos
aspectos, ainda que MB não possa afirmar com certeza como se dá o funcionamento dessa
instituição.
O que parece ser colocado em xeque por MB nesse momento se refere a uma
evocação, feita por PLS, segundo a qual MB, agente prestigiado no campo da produção cultural
da periferia e no movimento hip hop, possuiria não apenas o conhecimento sobre o
funcionamento de um projeto social como o CEU (ou sobre como haveria de funcionar o
projeto), mas também os meios necessários para um melhor desempenho de iniciativas que
beneficiem a periferia. Para compreender a manifestação da metadiscursividade nesse caso,
buscaremos, adiante, ir além dessa situação comunicativa de interação em entrevista,
enxergando-a como um contexto jornalístico no qual certas perguntas mobilizam informações
sobre as quais MB tem um posicionamento prévio – por vezes formado em função de
participações anteriores em entrevistas, a partir das quais teve de realizar procedimentos de
proteção de sua face. Esse tipo de função dos expedientes metadiscursivos usados por MB pode
ser observado em outro exemplo, retirado de momentos posteriores da entrevista:
Exemplo 9- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Roda Viva)
(...)
PLS pra melhorar o Brasil... pra gente conseguir melhorar
assa-assa-essa desigualda:de... esse a-a gente
deveria começar por onde? qual seria o primeiro
ponto... que quando você pensa “não isso aqui tá
mui... deveria mudar a gente deveria começar por
aqui” qual seria a primeira atitude?
MB eu não tô nesse grau de sabedoria... pra saber...
como é que a gente vai resolver entendeu? eu tô no-
eu tô no olho do furacão tá ligado? do problema...
na verdade eu sou-eu faço parte do problema né?...
eu tô igual você porque eu tô procu-procurando uma
solução procurando o que-qual que é a melhor
solução... pra mim... e pros que tão perto de mim...
aí vo-vai ampliando né?... aí os que tão perto os que
tão-vai ficando mais longe que você vai tentando
ampliar... as coisa que você sonha pra você... e fazer
as pessoa sonhar junto com você... tá ligado? mas
aí... você tem aquele
(...)
Mudança inicial
contra a
desigualdade
145
O excerto acima se refere ao desenvolvimento do subtópico “Mudança inicial
contra a desigualdade”, subordinado ao tópico “Situação atual do Brasil” e ao supertópico
“Sociedade”. É possível notar que PLS questiona MB sobre ideias suas para por fim à
desigualdade. Assim como ocorreu no exemplo anterior, MB responde atenuando a força
ilocucionária de seus dizeres, como alguém que não reúne as capacidades necessárias para
propor soluções a essa desigualdade e que não está “no grau de sabedoria” exigido ao
tratamento da questão. Desse modo, o segmento “eu não tô nesse grau de sabedoria” tem a
função de deliberar sobre o tópico proposto pelo entrevistado, correspondendo à justificativa
para a recusa de MB em propor soluções.
Nesse momento, MB se volta para sua própria enunciação, por meio do expediente
metadiscurivo, para propor uma outra relação sua perante o problema da desigualdade social:
se antes afirmou estar “no olho do furacão”, do problema, MB se coloca como parte do
problema, na passagem “na verdade eu sou-eu faço parte do problema”. Assim, a ressalva
produzida por meio do expediente metadiscursivo “na verdade” reflete, a nível textual, uma
nova orientação da significação, permite a introdução da justificativa para o seu não saber sobre
como resolver a situação de desigualdade no Brasil. Numa dimensão interacional, o expediente
metadiscursivo também indicia também uma atenuação do não atendimento do tópico tal como
proposto por PLS.
No entanto, seus dizeres nesse momento podem ser relacionados também a uma
outra dimensão de construção de sentido. Se, por meio da ressalva presente no procedimento
metadiscursivo em questão, MB parece conferir a si mesmo uma posição de menor poder
simbólico perante o que foi expressado pelo entrevistador, uma abordagem relacional pode nos
mostrar outro nuance na compreensão de como esse recurso metadiscursivo está a serviço de
ações mais amplas e das tomadas de posição do rapper nesse contexto do campo jornalístico.
Se levarmos em conta nossa proposta de analisar a inserção de Mano Brown nesse
contexto do campo jornalístico a partir da situacionalidade de duas entrevistas e também em
função de uma sua inscrição no campo jornalístico, será possível compreender o expediente
metadiscursivo nesse exemplo acima como um modo não apenas de atenuação da força
ilocucionária das respostas de MB - sobre o funcionamento de CEU ou sobre ideias de ações
contra a desigualdade social -, mas também como uma estratégia para lidar com ações
discursivas por meio das quais os sujeitos entrevistadores (mesmo aqueles que se supõe serem
mais familiarizados com os problemas da periferia e de suas possibilidades de solução, como
PLS) atribuem a MB um papel extremado de reflexão e de resolução dos problemas ligados à
periferia.
146
Momentos como esse facilitam a compreensão da complexidade que permeia a
inscrição de MB no campo jornalístico, pois a representatividade desse agente no campo da
produção cultural da periferia se reverte no estigma (GOFFMAN, 1988 [1963]) segundo o qual
teria também a responsabilidade de solução pelos problemas que denuncia. Ao longo da
entrevista com o rapper no programa Roda Viva, não foram escassos os momentos nos quais
se tratou dessas atribuições à posição de MB nas vivências da periferia, de sorte que poderíamos
tratar, talvez, de uma configuração mais comum na representação que esse contexto do campo
jornalístico faz sobre um agente da produção cultural (BOURDIEU, 1997 [1996]). Nesse
sentido, esses movimentos de atribuir certas tarefas à posição de um agente do campo da
produção cultural poderiam representar aquilo que Bourdieu (1997 [1996]) critica fortemente
no campo jornalístico: sua atuação incisiva sobre os campos de produção cultural e o modo
como cria realidades perante esses campos que podem ser entendidas como uma forma de
cerceá-los.
4.1.3 Expedientes metadiscursivos nas falas dos entrevistadores do programa Roda
Viva.
Até o momento, nossas análises estiveram voltadas para os expedientes metadiscursivos
utilizados por Mano Brown ao longo do programa Roda Viva. Para aprofundar a compreensão
das funções desempenhadas pelos expedientes metadiscursivos nas falas dos entrevistadores,
tomemos primeiramente o seguinte excerto, do qual participa a entrevistadora Maria Rita Kehl
(MR):
Exemplo 10- Expedientes metadiscursivos na fala dos entrevistadores (Roda Viva)
(...)
MR [então eu queria te perguntar]... quando cê falou que
não tem um discurso... fiquei meio confusa porque eu
acho que-a-a-tenho impressão como:: ouvinte que os
Racionais tem um discurso... não “discurso” de botar
regra pro mundo inteiro mas... quando você fala
“pensar... a gente como a gente”... ou o negro se
identificar com a sua cultura... queria que você
falasse um pouco de uma coisa que sempre achei muito
com-muito coerente... nas letras... .h que é a
cobrança de atitude... do negro que que é
isso?... °cobrança [de atitude°]
MB
[eu não cobro] atitude... mesmo porque eu não tenho
Cobrança de
atitude feita por
MB
147
condições de cobrar nada... certo? eu sou um cara [que
sou cobrado]
MR
[mas que que cês] chamam de atitude?
(...)
No excerto acima, a entrevistadora MR desenvolve seu turno de fala para instaurar
o subtópico “Cobrança de atitude feita por MB”, subordinado ao tópico “Personalidade” e ao
supertópico “Mano Brown”. Podemos observar, nesse exemplo, a presença de expedientes
metadiscursivos. Acreditamos que os expedientes “eu acho que-a-a-tenho impressão” e “achei
muito com- coerente” relacionam-se com as operações de correção e reformulação presentes
num turno de fala mais prolongado, de modo que representam estratégias de construção do
sentido (KOCH, 2004) dos entrevistadores para ajustar seus dizeres e sua eficácia comunicativa.
Já os expedientes metadiscursivos “eu queria te perguntar...” e “queria que você
falasse um pouco...” evocam a enunciação característica do papel discursivo da entrevistadora
(“perguntar”) e do entrevistado (“falar um pouco”), embora sua função nos pareça, lato sensu,
modalizadora, posto que operam como prefaciadores (RISSO e JUBRAN, 1998) para o tópico
que está sendo instaurado nesse momento.
Interessa notar também a presença de outras expressões, como “eu acho que...” e
“uma coisa que sempre achei...”: ambas, a nosso ver, sinalizam o grau de envolvimento e de
certeza da entrevistadora sobre uma possível “cobrança de atitude feita por MB”. Acrescidas
da compreensão sobre os procedimentos metadiscursivos levados a cabo por MB nesse
momento, essas formas podem ser compreendidas como recursos por meio dos quais a
entrevistadora MR fundamenta seu conhecimento sobre a posição de MB como músico e agente
do campo da produção cultural da periferia e do movimento hip hop, bem como modaliza esse
conhecimento e sua demanda nessa interação.
Um outro exemplo, exibido a seguir, pode ser observado para caracterizarmos as
funções dos expedientes metadiscursivos presentes nas falas dos entrevistadores:
Exemplo 11- Expedientes metadiscursivos na fala dos entrevistadores (Roda Viva)
(...)
MB entendeu? cê pode viver lá dentro e não gostar... na
verdade periferia é isso... é mil pessoas e mil
universos diferente mil mente diferente...
Convivência
entre negros e
brancos na
periferia
148
PL Brown [falando em]
MB [mil intelingência]
PL & falando em probreza em:: convívio social que cê tá
dizendo agora... tem uma entrevista tua de dois mil
e um aqui que tem uma-uma... uma:-uma:: fala sua o
seguinte “dar condição pras pessoas ganharem o seu
dinheiro o povo não quer ganhar nada de graça...
ninguém quer ser filho de assistência [social]
MB [isso]
PL &favelado tem orgulho...
(...)
Bolsa Família
O excerto acima representa a finalização, por parte de MB, do subtópico
“Convivência entre negros e brancos na periferia”. Nesse caso, cabe destacar o papel do
entrevistador PL (em cuja fala estiveram presentes um conjunto significativo de expedientes
metadiscursivos) que, ao perceber o encerramento do turno de fala do entrevistado, sobrepõe
sua fala a de MB para iniciar o turno com o qual pretende instaurar um novo tópico. O
entrevistador PL recorre, então, à utilização dos expedientes metaenunciativos “falando em
pobreza, em convívio social” e “que cê tá falando agora”, como duas referências à fala de MB
e, para promover uma transição do subtópico anterior para o subtópico “Bolsa família”, faz
referência a temas que – a seu ver – vinham sendo tratados pelo entrevistado (“pobreza” e
“convívio social”). Assim, podemos compreender que os expedientes metaenunciativos
empregados por PL produziram glosas que, por instanciar momentos da composição textual
anterior (RISSO e JUBRAN, 1998), auxiliam o entrevistador na transição entre os tópicos
desenvolvidos, dando continuidade à interação e, simultaneamente, prevenindo-o dos impactos
negativos resultantes de uma possível descontinuidade tópica.
Como último exemplo, vejamos o trecho no qual o apresentador-mediador PM
instaura o subtópico “Temperamento de MB”, pertencente aos momentos finais da entrevista
ao programa Roda Viva:
Exemplo 12- Expedientes metadiscursivos na fala dos entrevistadores (Roda Viva)
(...)
PM nosso tempo tá [acabando]
MB [então não pode] cobrar dele
Temperamento
de MB
149
PM &e eu queria fazer uma última pergunta... já que...
((sorrindo)) cê disse que ninguém te provocou... eu
vou te provocar de leve aqui... a essa altura do
campeonato só de leve... eh::: quando eu era...
jovem... a onda era... o movimento de paz e amor...
festival de Woodstock rock pra todo mun:do... né?...
todo mundo numa boa... você é um cara paz e amor?
MB não...
PM você é um cara [de que tipo?]
MB [eu sonho com] paz e amor mas a vida
não é isso
(...)
Nesse excerto, podem ser observados dois expedientes metadiscursivos
empregados pelo entrevistador PM: “eu queria fazer uma última pergunta” e “eu vou te
provocar de leve aqui”. Ambas as ocorrências se referem à ação discursiva levada a cabo nesse
momento por PM, explicitando as propriedades axiológicas que o metadiscurso pode revelar
sobre os enunciados postos em cena. Os expedientes metadiscursivos usados por PM produzem
glosas que classificam o enunciado subsequente como “uma última pergunta” e também como
“uma provocação” do entrevistado ao entrevistador e, por conta disso, é possível dizer que
introjetam também aspectos da natureza da interação que está sendo finalizada.
É possível dizer que a pergunta feita por PM, última da entrevista concedida pelo
rapper ao programa Roda Viva, evoca mais uma vez as características de MB em sua posição
como agente prestigiado, representativo e estigmatizado. Quando tomamos a resposta “eu
sonho com paz e amor, mas a vida não é isso”, podemos compreender melhor a trajetória de
Mano Brown, na medida em que, mais uma vez, o rapper expõe o descompasso visto por ele
entre a realidade na qual se insere e a realidade que busca. O modo como sumariza sua condição,
nesse sentido, faz com que sua fala possa ser entendida como mais um momento de exposição
da profunda reflexividade que parece compor seu conjunto de disposições para agir, seja no
campo da produção cultural da periferia, seja no campo jornalístico.
4.1.4 Distribuição dos expedientes metadiscursivos nos diferentes supertópicos do
programa Roda Viva
Para uma compreensão mais geral acerca da prática do metadiscurso nesse contexto
do campo jornalístico, cabe tecermos também algumas considerações acerca da distribuição
150
desses recursos empregados por MB nos diferentes supertópicos desenvolvidos ao longo do
programa. Tomaremos como base a tabela a seguir:
Gráfico 1- Expedientes metadiscursivos na fala de MB nos diferentes supertópicos (Roda
Viva)
O Gráfico 1 foi elaborado a partir da listagem e da contagem dos expedientes
metadiscursivos presentes nos dados da entrevista concedida por MB ao programa Roda Viva.
A partir dela, é possível constatar a presença de um total de 120 expedientes metadiscursivos
na fala do entrevistado MB durante a entrevista. Interessa notar um relativo equilíbrio na
presença do metadiscurso nos diferentes supertópicos que compõem o programa, ainda que
possamos falar num maior número expedientes presentes na fala de MB nos momentos em que
tópicos subordinados ao supertópico “Mano Brown” e (43) ao supertópico “Periferia” (35) estão
em andamento.
É preciso levar em conta a natureza dos supertópico “Mano Brown” e “Periferia”
para que possamos compreender o que representa essa concentração de boa parte dos
expedientes metadiscursivos nesses supertópicos. Os exemplos selecionados para compor
nossas análises demonstraram que o supertópico Mano Brown abrange o desenvolvimento de
temáticas ligadas à posição de Mano Brown no movimento hip hop do campo da produção
cultural da periferia, assim como envolve sua representatividade e estigmatização como agente
prestigiado desse campo. Por sua vez, o supertópico “Periferia”, de acordo com os exemplos
que pudemos analisar, abrange tópicos nos quais os entrevistadores mobilizam suas
perspectivas sobre uma miríade de questões presentes nas vivências desses espaços sociais,
36% (43)
29% (35)
17% (20)
18% (22)
Mano Brown
Periferia
Música
Sociedade brasileira
151
sobretudo suas perspectivas acerca de uma presença intensa da violência, da criminalidade e do
tráfico de drogas na periferia.
Nesse sentido, acreditamos que a maior incidência de expedientes metadiscursivos
nesses supertópicos representa a utilização desses recursos textuais-discursivos por Mano
Brown como meio de reação frente a duas ações que ocorrem nessa entrevista: uma
caracterização em certo sentido específica e estigmatizada que é feita sobre o próprio rapper
(segundo a qual a posição de MB no campo da produção cultural atribuiria a ele uma
responsabilidade e um papel na resolução de problemas); uma caracterização também mais
específica e estigmatizada, na entrevista, feita sobre as vivências da periferia (enquanto espaço
social repleto de ações fora da legalidade e marcado somente pela exclusão).
Segundo a incidência dos expedientes metadiscursivos nos tópicos subordinados ao
supertópico “Sociedade” e ao supertópico “Música”, pode-se compreender que a menor
concentração desses recursos textuais-discursivos nesses momentos está ligada ao fato de que
esses tópicos ocorrem na entrevista, de modo geral, no sentido de dar acesso aos entrevistadores
e à audiência ao fazer musical próprio, particular de MB (com isso, pouco envolvido em
conflitos e desacordos) e à situação da sociedade brasileira atualmente na perspectiva pessoal
do entrevistado.
4.1.5 Algumas conclusões
As análises da entrevista concedida por MB ao programa Roda Viva demonstraram
algumas questões importantes que podem ser retomadas do seguinte modo:
i. Quanto aos tópicos desenvolvidos ao longo da interação, vimos que os
conteúdos instaurados extrapolam aqueles que se referem de modo mais
direto ao campo da produção cultural da periferia e, mais
especificamente, ao movimento hip hop, no qual MB se insere como
agente de posição prestigiada. Desse modo, a variedade dos tópicos
presentes na entrevista dimensiona a posição e o poder simbólico do qual
MB dispõe quando apresentado ao campo jornalístico.
ii. Os tópicos discursivos desenvolvidos nesse contexto acabam por
(re)configurar a prática comunicativa de MB e consistem em meios pelos
quais os entrevistadores impõem a MB que tome uma posição sobre
152
diversos temas – pelas posições que exibir, sobretudo em relação a certos
tópicos “ameaçadores”, MB poderia, então, receber mais ou menos
prestígio desse contextos e desses agentes do campo jornalístico. Nessa
compreensão, é preciso levar em conta o papel do campo jornalístico na
sanção e na legitimação dos sujeitos.
iii. Podemos dizer que os tópicos discursivos presentes na entrevista são
convergentes às temáticas tratadas pelos participantes entrevistadores em
suas posições no campo jornalístico. Além disso, a variedade dos tópicos
presentes, em certa medida, reflete alguns dos objetivos da Fundação
Padre Anchieta e da TV Cultura, responsáveis pelo programa Roda Viva,
em transmitir conteúdo ligado ao campo da produção cultural.
iv. Contudo, essa convergência entre os tópicos e as atuações dos
participantes, entrevistadores e entrevistado, não configura, a priori, uma
inserção nesse contexto que seja pautada por acordos. É preciso levar em
conta as intensas negociações de sentido que ocorrem ao longo da
entrevista concedida por MB ao programa.
v. As principais características da presença dos expedientes
metadiscursivos revelam a importância desses recursos textuais-
discursivos para o andamento da interação ao longo da entrevista e para
a inserção de MB no campo jornalístico. Essas principais funções, bem
como aquilo que representam para as ações sociais mais amplas de MB
nesse contexto serão sistematizadas em nosso capítulo conclusivo.
4.2 Analisando o programa Papo com Benja de 06/2011
4.2.1 Tópicos desenvolvidos no programa
Nos momentos dedicados à reconstrução contextual dos dados, observamos
algumas características do programa Papo com Benja no que diz respeito aos participantes, ao
cenário do programa e à relação da instituição midiática LANCEPRESS! com o campo
jornalístico. Com isso, foi possível perceber que o programa Papo com Benja se notabiliza pela
produção de conteúdo voltado ao campo esportivo, mais especificamente ao futebol, bem como
que a organização cenográfica do programa favorece uma interação mais simétrica e informal
153
entre os participantes da entrevista e, ainda, que o apresentador Benja e seu papel discursivo
consistem em marcas importantes para a interação que se estabelece na entrevista.
Ao analisar os tópicos desenvolvidos no programa, buscaremos, primeiramente,
compreender a relação entre os conteúdos que se instauram ao longo da entrevista e esses
elementos contextuais anteriormente abordados. Com o auxílio de trechos exemplares dessas
relações, procuraremos compreender as funções do metadiscurso para que o entrevistado possa
lidar com esse contexto do campo jornalístico.
Primeiramente, tomemos a tabela a seguir, na qual se encontra uma listagem da
organização hierárquica dos tópicos desenvolvidos ao longo da entrevista concedida por MB
ao programa Papo com Benja:
Tabela 3- Tópicos desenvolvidos no programa Papo com Benja em 06/2011
Supertópicos
Tópicos Subtópicos
Supertópico
“Música”
Shows Show do Mario Rogers
Ida de BB ao show de James Brown
Rap
Mudança no rap
Bloqueio sofrido pelo rap
Gosto musical de MB e WM
Músicos que MB admira
Encontro de MB com Guilherme Arantes
Gosto por Guilherme Arantes
Gosto por Silvio Santos
Gosto de MB por MPB
Convivência de MB com a MPB
Gosto de MB por Clube da Esquina
Apresentação de MB à MPB
Comportamento de MB e WM
como músicos
Emoção de MB como torcedor e como músico
Emoção do artista em um show
Importância de MB para a música brasileira
Influência da MPB no som de MB
Importância de WM para a música
Importância de Jorge Ben
Representatividade de MB para a música brasileira
(Exemplo 19)60
Projetos musicais de MB e WM
Participação de WM no Boogie Naipe
Boogie Naipe (Exemplo 16)
Pegada funk (Exemplo 16)
Divulgação da Boogie Naipe por BB
Lançamento do disco da banda Black Rio
Críticas ao novo disco da banda Black Rio
Músicas de MB Música Nego Drama
Música Racionais capítulo 4 versículo 3
Relação entre a letra e Edinho
60 Encontram-se sinalizados, na tabela, os subtópicos correspondentes aos exemplos coletados e analisados neste
capítulo.
154
Supertópico
“Futebol”
Comportamento de MB e WM
como torcedores
Torcida/gosto de WM no futebol
Encontro de MB com Pelé
Presença de MB no Pacaembu
Amizade de MB com Edinho
Presença de Pelé no Pacaembu
Geração Pelé
Ida de BB e MB ao estádio do Corinthians
Rivalidade de MB com o Corinthians
Brincadeiras sofridas por MB nas derrotas do Santos
Brincadeiras de MB na vitória do Santos na Libertadores
Sentimento em ver o time campeão
Racismo
Atitude do jogador de futebol ao racismo
Racismo no futebol
Reação ao racismo
Postura de Roberto Carlos
Reação ao protesto do negro
Racismo contra Pelé
Santos
Vitória do Santos na Libertadores
Música para o Santos
Época das vacas magras do Santos
Espaço para ex jogadores nos times
Preferência entre times do Santos (Exemplo 17)
Jogo da estreia do Muricy no Santos (Exemplo 15)
História de reação do Santos
Influência de Muricy no Santos (Exemplo 18)
Santos x Corinthians
Comportamento dos amigos corinthianos
Jogos entre Santos e Corinthians (Exemplo 17)
Gol de Ronaldo na derrota do Santos para o Corinthians
(Exemplo 17) Reação de MB à derrota do Santos para o Corinthians
Derrota do Corinthians para o Juventude
Derrota do Corinthians para o Botafogo
Santos x Barcelona Jogo entre Santos e Barcelona
Time do Barcelona
Ida de MB à final entre Santos e Barcelona
Jogadores
Neymar (Exemplo 14)
Robinho (Exemplo 14)
Zé Love (Exemplo 15)
Acertos de Zé Love (Exemplo 15)
Messi
Contestação de Messi
Supertópico
“Sociedade
brasileira”
Copa do Mundo
Copa do Mundo no Brasil
Sigilo no orçamento da Copa do Mundo no Brasil
Abertura da Copa do Mundo em SP
Relação de MB com SP
Desconfiança nos grandes eventos no Brasil
Realidade atual Temáticas tratadas por MB sobre o Brasil (Exemplo 13)
Mudança no Brasil (Exemplo 13)
Atualidade de músicas antigas (Exemplo 13)
Política Governo Lula (Exemplo 13)
Feitos do governo Lula
Supertópico
“Programa
Papo com
Benja”
Entrevista com MB e WM
Aniversário do Papo com Benja
Programa com MB e WM (Exemplo 13)
Presença de WM no programa
Bebida para MB
Camisetas sorteadas no programa
Audiência do Programa com MB (Exemplo 19)
Próximo programa
155
A listagem acima exibe os diferentes supertópicos, tópicos e subtópicos
identificados a partir da transcrição dos dados da entrevista em questão. Nela, está indicada a
existência dos supertópicos “Música” (com os tópicos “Shows”, “Rap”, “Gosto musical de MB
e WM”, Comportamento de MB e WM como músicos”, “Projetos musicais de MB e WM” e
“Músicas de MB”), “Futebol” (abarcando os tópicos “Comportamento de MB e WM como
torcedores”, “Racismo”, “Santos”, “Santos x Corinthians”, “Santos x Barcelona” e
“Jogadores”), “Sociedade brasileira” (a partir do qual se desenvolveram os quadros “Copa do
Mundo”, “Realidade atual” e “Política”) e o supertópico “Programa Papo com Benja”
(indicando os conteúdos que dizem respeito à própria “Entrevista com MB e WM”).
É possível observar que a entrevista de MB ao programa Papo com Benja, apesar
da menor duração quando comparada à entrevista concedida por MB ao programa Roda Viva,
também conta com diversos subtópicos e supertópicos. Destaca-se, nesse caso, a emergência
das temáticas que envolvem o “Futebol” como supertópico no programa e a ausência, por
exemplo, de temáticas que envolvam a periferia e o movimento hip hop como supertópico, ao
contrário do que ocorre na participação de MB no programa Roda Viva.
Além da emergência das temáticas atinentes ao “Futebol” como supertópico, é
possível notar que diversos subtópicos, ainda que hierarquizados nos quadros tópicos
pertencentes à “Música” ou à “Sociedade”, também estabelecem relações com o esporte, como
é o caso, por exemplo, dos subtópicos “Copa do mundo no Brasil” e “Música para o Santos”.
Por conta de relações como essas, consideramos que as temáticas ligadas ao “Futebol” exercem
papel central nas interações que se estabelecem na entrevista e agem como uma espécie de fio
condutor para os supertópicos outros, a partir de transições entre os tópicos que estabelecem
relações entre o campo esportivo, o entrevistado MB e um terceiro tema, por assim dizer.
Interessa observar, ainda com relação aos tópicos desenvolvidos na entrevista, os
poucos diferentes subtópicos ligados ao supertópico “Sociedade brasileira”. Esses conteúdos
mais externos ao campo esportivo contém pouca centração e repercussão ao longo da interação
que se estabelece no programa. O tópico “Política”, subordinado a esse supertópico, cabe
ressaltar, abriga dois subtópicos instaurados pelo próprio entrevistado e desenvolvidos apenas
por ele, sem participação do entrevistador, Benja (doravante, “BB”), ou de William Magalhães
(doravante, “WM”), participante entrevistado convidado por MB.
O supertópico “Música” corresponde a conteúdos que envolvem não apenas o
entrevistado MB, mas também sua relação com WM e os projetos nos quais este se envolve.
Além disso, alguns subtópicos inscritos em “Música” envolvem também a relação do próprio
156
entrevistador BB com “Shows” e com as músicas de MB, como ouvinte e fã do trabalho do
entrevistado. Outros conteúdos desse supertópico, como mencionamos, exploram a relação
entre a música, a atuação de MB e o futebol.
De modo geral, a relação que se estabelece na entrevista a partir de BB como agente
ligado ao jornalismo esportivo, e a outros campos e temas, demonstra um alinhamento entre as
temáticas pressupostas nos contextos jornalísticos produzidos pela agência LANCE!PRESS e
pela TV!LANCE. A participação de BB no desenvolvimento dos tópicos também sugere uma
convergência entre as questões comentadas aqui e as características do programa Papo com
Benja enquanto contexto do microcosmo jornalístico, haja vista que muito da centração dos
tópicos de fato envolve o esporte e o futebol e que tais tópicos exploram de modo bastante
razoável as opiniões dos participantes, incluindo as opiniões do próprio entrevistador.
Importa ressaltar que, a nosso ver, essa configuração concernente ao contexto do
programa e aos tópicos nele desenvolvidos parece ser um dos fatores que colaboram para que
os turnos de fala, ao longo da entrevista, sejam turnos curtos e, geralmente, entrecortados, de
modo que a distribuição das falas não necessariamente se baseia numa estrutura de participação
segundo a qual caberia a BB a instauração dos tópicos e, apenas aos entrevistados (sobretudo a
MB) o desenvolvimento dos tópicos.
Na reconstrução contextual a qual procedemos no capítulo 3, evocamos ainda outras
dimensões que impactam o momento histórico da entrevista concedida por MB ao programa
Papo com Benja, algumas ligadas à trajetória do rapper, outras ligadas à posição do programa
no campo jornalístico. Assim, é preciso considerar o fato de que MB é conhecido por ser um
fervoroso torcedor do clube paulista Santos Futebol Clube.
Em 2011 Mano Brown esteve presente na final do campeonato Libertadores da
América, quando o Santos F. C. venceu o time uruguaio Club Atlético Peñarol e conquistou o
título como melhor equipe do continente americano naquele ano. Alguns meses depois, o Santos
F. C. chegaria à final do Mundial Interclubes de futebol, enfrentando o time espanhol Futbol
Club Barcelona. É exatamente nesse período, entre a obtenção do título americano e a partida
na qual o Santos F. C. disputaria o título mundial de melhor clube, que Mano Brown concede
a entrevista ao programa Papo com Benja.
Quando levamos em conta as práticas de MB como torcedor do Santos Futebol
Clube e sua representatividade no movimento hip hop, do campo da produção cultural da
periferia, é possível compreender melhor o convite recebido pelo rapper para participar como
entrevistado nesse contexto. A posição de Brown no campo da produção cultural da periferia
faz com que o programa Papo com Benja possa contar com a participação de um agente bastante
157
prestigiado perante uma audiência para o programa que também está ligado às temáticas do
Futebol.
Além disso, aquilo que representa a presença de MB no programa não deixa de
refletir a posição da agência LANCEPRESS!, mais ligada à lógica comercial do campo
jornalístico. Isso porque, após a vitória do Santos Futebol Clube num campeonato internacional
importante, o programa Papo com Benja recebe convidado um reconhecido torcedor desse
clube. Consideramos que a participação de Brown se alinha, nesse momento, com os objetivos
do programa na produção de uma maior audiência para o programa, mas também com interesses
na divulgação do próprio Santos Futebol Clube – é preciso levar em conta que, a depender do
bom ou mau desempenho dos diversos times ao longo dos campeonatos, os convidados do
programa seriam outros, a cada semana, para que se pudesse promover uma “boa fase” ou “má
fase” dos clubes.
É possível dizer que o momento histórico de participação de MB nessa entrevista é
ligado à promoção, por parte do programa, da fase pela qual passava o time recém-vencedor da
Libertadores da América e futuro candidato ao título de máximo reconhecimento de um clube
de futebol. Além disso, a presença de WM, convidado levado ao programa pelo entrevistado
MB, revela que o momento histórico da entrevista é permeado pela convivência entre os dois
músicos, em função de uma parceria musical entre eles que ocorria à época. Com isso, a ida do
rapper ao programa Papo com Benja se configura por relações que, a princípio, estabelecem
um contexto de interação mais pautado pelas possibilidades de acordo e de alinhamento de
perspectivas.
Além das questões envolvendo o momento histórico, as características elencadas
até o momento para compreender a entrevista concedida por MB ao programa Papo com Benja,
sejam elas as textuais ou as circunscritas numa dimensão contextual mais ampla, demonstram
que a configuração do programa corresponde às entrevistas conhecidas como talk-shows.
Fávero et al. (2010) mencionam algumas características desse tipo de entrevista, quais sejam:
a proximidade física entre entrevistador e entrevistado, capaz de produzir um efeito de
intimidade entre os participantes; seu aspecto consensual e intimista, baseado numa relação de
confiança entre entrevistador e entrevistado e, ainda, a prioridade pelo divertimento, em
detrimento do informar. Com isso, evidencia-se uma configuração interacional cujo elemento
básico é o apresentador e as relações estabelecidas a partir de si (FÁVERO et al., 2010) e cuja
inserção no campo jornalístico se baseia no entretenimento, segundo as considerações de
Bourdieu (1997 [1996]) acerca das diferentes ênfases de conteúdo e de produtos produzidos
pela televisão.
158
Ao levarmos em conta o momento histórico no qual ocorre o programa e o tipo de
interação que proporciona a configuração do programa e seu cenário, podemos dizer que, se no
programa Roda Viva, o contexto local de interação colaborava para que existissem disposições
ligadas a movimentos de ataque dos entrevistadores e defesa do entrevistado, na presença de
Mano Brown ao programa Papo com Benja, essas disposições se estabelecem de outro modo:
nesse caso, uma maior informalidade e simetria no contexto de interação pode proporcionar
disposições ligadas a movimentos de defesa e de ataque de ambos os lados, isto é, tanto por
parte do entrevistador BB como por parte de MB. No entanto, posto que o programa Papo com
Benja está inserido num contexto de promoção e divulgação do futebol e do trabalho dos clubes
e que, além disso, o apresentador do programa se coloca, em sua trajetória profissional, como
entrevistador que não dá espaço a polêmicas e ao desconforto do entrevistado, podemos esperar
que essa configuração de ação e reação ganhe um sentido específico: no qual as ações de
textualização do entrevistador não representarão movimentos de ataque a Mano Brown.
Ao tomarmos como ponto de partida essas características do programa Papo com
Benja e também os tópicos desenvolvidos, às relações entre os participantes e à sua localização
no campo jornalístico, interessa observar, então, quais as funções exercidas pela
metadiscursividade nessa entrevista. Para isso, partiremos à observação dos expedientes
metadiscursivos presentes nas falas dos participantes do programa.
4.2.2 Expedientes metadiscursivos presentes na fala de Mano Brown no programa
Papo com Benja
Ainda que o supertópico “Futebol” esteja abarcando boa parte dos conteúdos
tópicos desenvolvidos na entrevista concedida por Mano Brown ao programa Papo com Benja,
os momentos iniciais da entrevista foram voltados para a discussão sobre outros tópicos.
Consideramos importante partir desses primeiros momentos com os participantes do programa,
uma vez que neles podemos compreender uma utilização mais interativa e negociada dos
expedientes metadiscursivos, como ocorre no exemplo abaixo:
159
Exemplo 13- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Papo com Benja)
BB minha camiseta já::... é um(a)' homenagem pos cara aqui
velho... os cara (es)tão feliz hoje já tirô(u) sarro
de mim falô(u) que Deus existe... Mano Brown ((risos
de BB, cumprimentando MB com uma das mãos))
MB salve
BB grande Brown... William Magalhães rapaz... PIanista
né Brown? PIanista... da banda Black Rio
((cumprimentando WM com uma das mãos))... cara::ca
véi olha só
WM ((risos))
BB hoje até quem gosta de black music aqui tem aula
meu... eu num posso nem abri(r) a boca aqui... [...]
Programa com
MB e WM
BB ô Brown... (vo)cê sempre falô(u) né?... cri::me futebol
música... não dá pra sai(r) disso?
MB tem que/ tem que sai::(r) né?... tem que
melhorá(r)::... né:::
BB mas na música "Nego Drama" (es)tá lá... cri::me...
futebol::... 3[mú::sica]
MB 3[si::m]... pode sê(r) tam(b)ém... mas a:::
tendência eu acho que é:: -- e a nossa luta -- é
que amplie né?... advogado médico engenhe(i)ro
arquite::to ((risos))... ((muda a voz))
presiDEN::te
Temas tratados
por MB
BB ô Brown... o Brasil mudô(u)?
MB ah o Brasil (es)tá mudan(d)o (es)tá em transição o
Brasil (es)tá em muda/ (es)tá em mudança (es)tá em
processo de mudança
Mudança no
Brasil
BB a gente ouve músicas... de dez quinze vinte trinta
anos atrás... principalmente músicas... de protesto
que falava de uma realidade... essas músicas
continuam atuais até hoje?
MB sim... guardado as proporções da época certo?...
eh:: pô se você:: você fô(r) vê(r)/
Atualidade de
músicas antigas
tem um barato que eu falo sempre... nós (es)tamo(s) no
terce(i)ro governo de esquerda... né? já são doze/
é:: -- oito com mai(s) -- nove anos aí:: de um
governo eleito de esquer::da coisa que a gente
luTAva... a gente perdeu três eleição c'o Lu::la...
é aquela/ aquele pessoal que começô(u) com o rap em
noventa noventa e um... já veio c'o Lula...
Governo Lula
160
lutan(d)o e a gente viu o Lula perden(d)o três
eleição consecutiva... ((sorrindo)) era que nem o
Santos
WM ((risos))
(...)
Nesse primeiro exemplo, é possível notar que o programa tem início com a
topicalização da presença dos convidados MB e WM na entrevista para comentar sobre a
solenidade envolvida de algum modo numa entrevista na qual constem agentes importantes do
campo da produção cultural musical. Importa destacar que, em sua primeira fala, o apresentador
BB evoca uma ação anterior à própria gravação do programa, quando emprega o expediente
metadiscursivo “já tirou sarro de mim falou que Deus existe”. Nesse momento, consideramos
que o procedimento metadiscursivo produz uma glosa sobre toda uma ação anterior de
descontração entre MB, WM e BB, designando, nesse caso uma brincadeira pelos participantes
tendo BB como alvo.
Além disso, a compreensão do segmento “falou que Deus existe” pode se dar
quando evocamos o momento histórico no qual se insere a entrevista, de uma recente conquista
do Santos Futebol Clube num campeonato internacional: nesse caso, o efeito de sentido do
segmento envolve atribuir jocosamente a uma providência e à existência de Deus uma vitória
como a do clube apoiado por MB. Ainda durante a topicalização da própria presença dos
entrevistados no programa, notamos o expediente “eu num posso nem abrir a boca aqui”,
produzido por BB. Interessa notar que, por meio desse segmento, BB se refere ao que representa
seu papel discursivo na entrevista e sua posição nesse contexto, diante da presença de indivíduos
como MB e WM, prestigiados por uma série de práticas suas.
Com isso, quando afirma a impossibilidade de “abrir a boca” no programa, o
entrevistador parece assumir uma posição como alguém a cujos dizeres não será atribuído o
mesmo valor, na comparação com os demais presentes. Importa destacar o papel das semioses
não verbais na produção desse expediente metadiscurso, pois, a nosso ver, tanto a expressão
facial como o gesto de BB, movimentando a mão à frente de seu corpo (Figura 15), corroboram
para que o efeito de sentido do metadiscurso enfatize questões positivas da posição de prestígio
de MB e WM (em função da perspectiva de BB sobre sua posição).
161
Figura 15- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Papo com Benja)
Na continuidade desses momentos iniciais, notamos a mudança de subtópicos
realizada por BB, quando o entrevistador instaura o subtópico “Temas tratados por MB”. A
nosso ver, a instauração desse tópico representa várias questões que permeiam a interação entre
BB e WM ao longo da entrevista: ao se referir a “crime, futebol, música” como temas tratados
por MB, BB está, na verdade, aludindo à letra da canção Negro Drama, composta por Mano
Brown, na qual o rapper afirma que, assim como ele, para muitos jovens negros, sobretudo
homens, uma inserção social prestigiada se daria apenas em função da atuação nessas três
esferas sociais (no crime, no futebol ou na música). A nosso ver, esse momento da entrevista é
bastante representativo de outros nos quais BB se coloca como conhecedor da trajetória pessoal
de MB e também como ouvinte e fã de sua produção musical. Assim é que podemos
compreender o expediente metadiscursivo “você sempre falou, né?” produzido por BB: por
meio desse recurso, o entrevistador marca seu conhecimento sobre os temas tratados por MB,
em referência a um momento anterior à entrevista; BB marca também o envolvimento do
próprio MB com essa asserção quando se refere à frequência (“sempre”) com que esse
pensamento foi tratado pelo rapper.
Já nos momentos em que MB desenvolve o tópico instaurado por BB, notamos a
presença do expediente “e a nossa luta”. Nesse caso, o procedimento metadiscursivo se refere
à introjeção de uma complementação simultânea ao desenvolvimento da ideia que está sendo
construída pelo entrevistado. As semioses não verbais produzidas por MB nesse momento,
presentes na Figura 16, indicam a quebra do fluxo informacional do que estava sendo
pronunciado, pois ocorre uma mudança tanto na modulação da voz do entrevistado como no
direcionamento de seu olhar, que, fixado até o momento para baixo, volta-se, então, para BB.
As pistas de contextualização que estamos tratamos como semioses não verbais nos permitem
compreender como o metadiscurso se elabora como uma construção parentética (JUBRAN,
2005), frequentemente causadora de uma quebra do fluxo informacional da fala.
162
Figura 16- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Papo com Benja)
Assim, MB marca seu envolvimento com uma ideia de ampliação do papel dos
jovens negros na sociedade: essa ampliação e inclusão dos jovens negros não se trataria apenas
de uma tendência, mas sim de uma “luta” na qual o próprio entrevistado se insere para esses
grupos sociais frequentemente marginalizados possam ocupar posição de “advogado, médico,
engenheiro, arquiteto”. Importa destacar que, na continuidade desse momento em que elenca
posições sociais de prestígio que já estão sendo e devem ser ocupadas pelos grupos sociais em
questão, MB produz, simultaneamente à ao termo “presidente”, algumas semioses não verbais
ligadas à descontração, como a expressão facial marcada pelo riso e a modulação de sua voz
com timbre mais grave, como mostra a figura abaixo:
Figura 17- Semioses não verbais (Papo com Benja)
Nos momentos seguintes, MB realiza uma transição do subtópico “Atualidade de
músicas antigas”, subordinado ao supertópico “Música”, para o subtópico “Governo Lula”,
subordinado ao supertópico “Sociedade”. Conforme mencionamos anteriormente, a maioria dos
subtópicos presentes no supertópico “Sociedade” foi desenvolvida apenas pelo entrevistado
Mano Brown, de sorte que resultam de redirecionamentos tópicos produzidos por ele mesmo,
163
como mostra o excerto acima. O redirecionamento tópico, nesse caso, ocorre quando, ao ser
perguntado sobre a “atualidade de músicas antigas” (“essas músicas continuam atuais até
hoje?”), MB pondera, em sua resposta, que a atualidade dessas músicas existe, embora leve em
conta as “proporções da época”. A partir desse momento, o entrevistado se volta para
caracterizar as mudanças acompanhadas pelos rappers, centrando-se no “Governo Lula” como
desencadeador dessas diferentes “proporções” entre as épocas.
Interessa notar, no momento de redirecionamento do tópico, a presença do
expediente metadiscursivo “tem um barato que eu falo sempre”. A nosso ver, esse segmento
revela o procedimento metadiscursivo de produzir uma glosa sobre a porção textual
subsequente, com vistas a marcar o grau de envolvimento do locutor em relação ao enunciado.
Nesse caso, o expediente marca a frequência com que o entrevistado MB aborda as mudanças
acompanhadas pelos rappers ao longo do “governo Lula”. No momento de transição entre os
subtópicos, o planejamento verbal de MB (na checagem que faz da informação de “doze anos”
de um governo de esquerda) consiste num segundo expediente metadiscursivo visto nesse
exemplo: dessa vez, é possível notar, por meio do expediente “já são doze/ é:: – oito com mais
– nove anos” a reflexão de MB acerca da validade das informações imediatamente expostas
sobre a duração do governo de esquerda vigente no país. Outros expedientes metadiscursivos
presentes no excerto apontam, mais uma vez, para as correções e reformulações dos enunciados
que vão sendo feitas pelo entrevistador, como as que ocorrem no segmento “é aquela/ aquele
pessoal que começou...” e no segmento “a grande mu/ a grande PÁ”.
É preciso levar em conta, acerca desse exemplo, tanto a instanciação de um
expediente metadiscursivo (“tem um barato que eu falo sempre”) para comentar sobre um
enunciado subsequente, por meio do envolvimento do locutor com esse enunciado, quanto a
presença desse segmento num momento de redirecionamento tópico realizado pelo próprio
entrevistado. A nosso ver, ambos esses fatores fazem com que possamos pensar em uma ênfase
pretendida pelo entrevistado ao se referir a esses conteúdos que marcam o subtópico “Governo
Lula”, sobretudo quando levamos em conta a relação estabelecida pelo rapper entre o governo
Lula e a trajetória dos grupos aos quais ele mesmo pertence (“a gente lutava... a gente
perdeu...”).
É preciso considerar, ainda, o papel das semioses não verbais durante a produção
dos expedientes metadiscursivos por MB, no desenvolvimento do tópico “Governo Lula”.
Quando realiza a transição entre os subtópicos em questão, a produção do metadiscurso ocorre
em simultaneidade à mudança do direcionamento do olhar de MB, mais uma vez, de baixo,
voltado ao chão, para o entrevistador BB (Figura 18). Já no momento em que a produção do
164
metadiscurso envolve a checagem das informações que está enunciando, ocorre a mudança de
sua expressão facial (Figura 19), de modo que fica cerrado um de seus olhos, enquanto seu olhar
se volta para cima (nesse sentido, a expressão facial de MB indica o próprio cálculo e
recobração das informações necessárias à reformulação que está sendo feita).
Figura 18- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Papo com Benja)
Figura 19- Semioses não verbais na produção do metadiscurso (Papo com Benja)
De modo geral, o tratamento desses momentos iniciais da entrevista concedida por
Mano Brown ao programa Papo com Benja nos permite compreender os seguintes traços
importantes: a descontração e informalidade como marcas do programa em vários momentos e
a relação que se estabelece entre o apresentador BB e o entrevistado MB, pautada por um
posicionamento de BB como conhecedor e admirador do trabalho de MB no campo da produção
cultural da periferia. Além disso, foi possível compreender o papel de algumas semioses co-
ocorrentes na produção do metadiscurso, por meio de expressões faciais, gestos e do
direcionamento de olhar dos participantes. A partir daqui, voltaremo-nos para o tratamento de
alguns exemplos que expõem algumas outras funções e especificidades dos expedientes
metadiscursivos produzidos por MB ao longo da entrevista ao programa Papo com Benja.
Com o prosseguimento da entrevista, os tópicos instaurados rapidamente se voltam
para o supertópico “Futebol”, o qual levaremos em conta nesse momento para tratar da
165
produção de expedientes metadiscursivos por parte de Mano Brown. A nosso ver, o
desenvolvimento dos subtópicos “Neymar” e “Robinho” sugerem uma outra função para o
metadiscurso do entrevistado ao longo da entrevista:
Exemplo 14- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Papo com Benja)
(...)
BB mas (vo)cê viu Neymar né?
MB ((abre os braços)) porra
BB pra você o Neymar da tua geração.. [...]
Neymar
(vo)cê considera pós Pelé da geração de vocês o Neymar é o
maior jogador que (vo)cê viu jogá(r) no Santos o(u)
não?
MB Neymar:: Robinho
BB não... escolhe um
MB não/ aí é difícil... nã::o aí seria injustiça... que
o:: o::s dois pa torcida do Santos têm um peso muito
parecido... próximo
Neymar
BB (vo)cê (vo)cê num acha que o Robinho virô(u) um
jogador comum?
MB não
BB eu num vejo o Robinho jogá(r) bola há muito tempo
MB eu acho que o Robinho tin/ tinha que vim embora pa
casa dele rápido... virá(r) rei no Santos que é o
lugar dele... ocupá(r) o lugar dele que é de
destaque... sê(r) campeão uma vez um ano sim um ano
não pelo Santos... depois virá(r) dirigen:::te
(...)
Robinho
O Exemplo 14 exibe a instauração de pergunta feita pelo entrevistador sobre “o
maior jogador pós Pelé” na equipe do Santos. Podemos notar que MB responde ao
questionamento referindo-se tanto ao jogador Neymar quanto a um segundo jogador, Robinho.
Nesse momento, podemos ver a utilização do expediente metadiscursivo “não... escolhe um”,
por meio do qual BB produz uma glosa que comenta o enunciado anterior do entrevistado: a
seu ver, a resposta de MB não se adequa à escolha de “um maior jogador”, de modo que o
entrevistado deveria decidir entre apontar ou Neymar ou Robinho como o maior jogador do
166
Santos F. C., depois da atuação de Pelé no clube paulista. Importa ressaltar, nesse caso, o papel
do verbo “escolher”, que é utilizado para se referir, na verdade, à produção textual tal como BB
pretende que seja feita por MB, isto é, refere-se ao fato de que ele deve “falar apenas de um”
dos jogadores como o maior jogador do Santos F. C. após Pelé.
Na resposta de MB, podemos ver a presença de dois expedientes metadiscursivos:
ao afirmar que “não/ aí é difícil” e que “não, aí seria injustiça”, MB avalia como negativa a
produção de um possível enunciado no qual devesse “escolher um” dos jogadores e, nesse
sentido, comenta sobre os possíveis impactos resultantes de sua resposta. De modo semelhante
ao que vimos ocorrer ao longo da entrevista concedida por MB ao programa Roda Viva,
podemos dizer que nesse momento o entrevistado exibe sua reflexão sobre os impactos de seus
dizeres para sua posição e representação social e que, ao avaliar os possíveis prejuízos dessa
resposta, emprega os expedientes metadiscursivos como forma de exprimir que esse se constitui
como um subtópico “ameaçador” e que, portanto, não será desenvolvido do modo como
proposto pelo entrevistador.
Para compreender aquilo que representa um comprometimento maior de MB no
tópico em questão, é preciso lembrarmos seu reconhecimento como torcedor do Santos Futebol
Clube e evocarmos o fato de que, não raramente, MB comparece como convidado do clube a
eventos internos realizados entre jogadores e dirigentes. Desse modo, quando compreendemos
o fato de que o rapper tem relacionamento mais próximo com os jogadores sobre os quais se
está comentando no desenvolvimento desses tópicos, é facilitada a nossa compreensão de sua
recusa em apontar apenas um único maior jogador da história do Santos Futebol Clube visto
por ele
Segundo o que foi possível acompanhar por meio do levantamento dos expedientes
metadiscursivos, o tópico “Jogadores”, subordinado ao supertópico “Futebol”, concentra
diversos expedientes metadiscursivos presentes na fala de MB ao longo do programa. Para uma
observação detalhada do funcionamento da metadiscursividade nesses casos, tomemos o
exemplo a seguir:
Exemplo 15- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Papo com Benja)
(...)
BB e o Zé Love?... (vo)cê acha bom jogador?
MB gosto ((faz sinal de positivo com a cabeça))
BB jura?
Zé Love
167
MB bom jogador po time... bom jogador
BB quando ele perdeu aquele gol ali (vo)cê acha que ele
perde gol PA caramba meu?
MB perde... perde porque participa muito tam(b)ém... mas
abre muito espaço pos jogadores ele ele tem sintonia
c'o/ c'o Neymar... eles são ami::go ele jo/ o mole/ o
moleque procura ele sempre ele erra dez vez o moleque
procura ele de novo... (es)tá ligado? e:::... e eles
vai/ --
pô agora também vô(u) pe/ falá(r) dos acerto -- ele... pô o
cruzamento do gol contr(a)'o Corinthians foi do Zé
Love no começo do jogo... ali definiu... certo? foi
de::le... aquele prime(i)ro gol lá no:: -- aonde foi
no Chile?... de cabeça de ca/ logo no começo?... Chile
né?... Colo Colo... Chile?... -- foi gol do Zé Love
de cabeça
Acertos de Zé
Love
BB naquele jogo lá que o::: a estréia do Muricy... que
puta (es)tava/ a coisa (es)tava feia po 30[Santos]
desfalcado tal (vo)cê acreditava ou (vo)cê (es)tava
meio (vo)cê falô(u) "puta aqui num vai dá(r) meu"?...
porque aquele jogo pra mim... acho que foi o jogo que
mudô(u) a história do Santos na Libertadores não foi
não?
MB 30[(es)tava]...
(...)
Jogo da estreia
de Muricy no
Santos
No excerto acima, têm início os subtópicos que se referem a um dos jogadores que
compunham, à época da entrevista, a equipe do Santos Futebol Clube, clube do qual é MB é
torcedor. É possível notar que os conteúdos se desenvolvem, nesse momento, a partir de um
questionamento de BB para que MB comente a atuação do jogador, conhecido pelo apelido de
“Zé Love”. Podemos perceber que a resposta de MB comenta positivamente a atuação do
jogador para o time (por meio dos segmentos “gosto” e “bom jogador po time”). No entanto,
BB mobiliza novas informações que buscam fazer com que o entrevistado considere uma
segunda vez seu julgamento positivo sobre o jogador e, nesses momentos, observamos a
presença da pergunta “você acha que ele perde gol pra caramba...?”, acompanhada de uma
asserção que conduzirá a resposta do entrevistado – visto que MB deverá julgar mais uma vez
o desempenho do jogador.
A resposta que MB, nesse excerto, exibe seu julgamento sobre a asserção presente
na pergunta de BB, quando o entrevistado afirma que o fato de que o jogador “perde” gols se
deve a uma maior participação sua nas jogadas da equipe (“perde porque participa muito”).
168
Vemos, então, que MB de fato procede ao julgamento da asserção elaborada por BB, mas faz
com que essa asserção não seja vista como contraponto a sua posição, de Zé Love como um
bom jogador para o time do Santos F. C.. MB, em seguida, busca exemplificar boas atuações
de Zé Love a partir de sua relação com o jogador Neymar.
A continuação da resposta de MB dá início ao subtópico “Acertos de Zé Love”: é
nesse momento que podemos perceber a produção de uma série de expediente metadiscursivos.
O primeiro deles encontra-se em “pô agora também vou falar dos acertos”, quando MB produz
uma glosa sobre a enunciação em andamento e sinaliza que redirecionará do tópico. Assim,
quando passa a enumerar situações que exemplificam a atuação positiva do jogador, MB se
refere a um “primeiro gol” da equipe do Santos e, nesse momento, outros expedientes
metadiscursivos explicitam a busca do entrevistado pelas informações corretas no enunciado
que está sendo formulado. A transcrição dos dados indica a quebra no fluxo informacional, por
meio do sinal “--”, bem como a entoação interrogativa nos expedientes “aonde foi, no Chile?”,
“de cabeça no começo?”, “Chile, né?”, “Colo-Colo... Chile”. Tais expedientes refletem,
portanto, o acúmulo de uso e menção (KOCH, 2004: 127) para essas expressões que vão sendo
enunciadas por MB, no intuito de procurar, perguntar a si mesmo se essas informações ditas
são de fato as corretas para compor o enunciado que se desenvolve. Com isso, é possível dizer
que nesse momento os expedientes metadiscursivos são usados para refletir sobre o “dizer
enquanto se diz” (KOCH, 2004: 127) e demonstram a autorreflexividade de MB incidindo sobre
a interação e seu enunciado.
Com relação aos expedientes metadiscursivos presentes na fala de MB ao longo do
desenvolvimento do supertópico “Música”, tomemos o seguinte exemplo:
Exemplo 16- Expedientes metadiscursivos na fala de MB (Papo com Benja)
BB pra quem não sabe... pa quem não sabe né Brown? eu
vô(u) explicá(r)... Boogie Naipe é o/ é o::: projeto
novo do Brown... SÓ com cara fera... e é po pessoa::l
é um black::: pos cara dançá(r):: é isso Brown?...
swin:::g... pos cara se diverti(r):::... essa é a
pegada?
MB é o lance é fazê(r) o funk né? o som de/ o som negro
38[né?]
Boogie Naipe
BB 38[o funk funk né?]... que o funk carioca 39[deu uma
banalizada no termo]
WM 38[o funk das]... 39[não]
Pegada funk
169
MB 39[tam(b)ém ma(s) é funk tam(b)ém]
WM é::
MB na tradução da palavra é funk tam(b)ém agora o funk
que eu quero fazê(r) é aquele funk do::
WM setentista né?... 40[funk da década de setenta...
disco rock]
MB 40[é:: aquele funk::... aquele funk] do James Bro::wn
aquilo:: -- sem pretensão quem sô(u) eu pa fazê(r) o
funk do James Brown? --... mas... eu quero (es)tá(r)
perto dos cara ((aponta para WM)) que saiba fazê(r)
acredito nesse::... eh::: nessa tendência... pa
periferi::a essa tendência de som pra/ pa juventude
essa tendên/ pos estuDAN::te... morô(u)?... pra:: pa
quem traba:::lha pa quem (es)tá lá na pista luta pela
vi::da são músicas que fala da vi::da... das pequenas
co:::isas... ((sorrindo)) a revolução é feita de
pequenas coisas
O trecho em questão diz respeito ao momento em que o entrevistador BB se volta
para a explicação (marcada pelo procedimento metadiscursivo presente na passagem “eu vô(u)
explicá(r)...”) sobre o novo projeto musical no qual MB está envolvido, em parceria com WM,
a saber, conhecido como Boogie Naipe. A fala de MB nesse exemplo dá início ao subtópico
nomeado como “Pegada Funk”, tendo em vista que se instaura uma breve discussão sobre o
escopo do referente “funk” para designar diversos nuances da produção musical.
Quando MB afirma que o projeto está ligado ao “lance de fazer o funk”, o
entrevistador BB procura enfatizar o termo “funk” tal como mencionado por MB: em sua visão,
uma manifestação mais genuína daquilo que pode ser chamado de “funk” corresponde ao que é
produzido por MB, mas não pelo funk carioca, por exemplo (como mostra o trecho “o funk
carioca deu uma banalizada no termo”). Interessa notar, no entanto, que essa distinção
estabelecida por BB não é sustentada por MB em sua resposta, quando afirma que a produção
musical carioca “também é funk também” e que “na tradução da palavra é funk também”.
Podemos considerar que os procedimentos metadiscursivos, nesse caso, justificam-
se pelo uso, tanto de BB como de MB, desse momento de enunciação para trazer à tona as
questões da categorização referencial expressa pelo termo “funk”, e da adequação desse
referente a vários escopos de significação que compuseram os enunciados dos participantes -
de modo semelhante ao que vimos ocorrer no programa Roda Viva, em seção anterior deste
170
capítulo. Saliente-se que, também nesse caso, há um contraponto manifestado por MB quanto
à categorização feita pelo entrevistador, haja vista que, se para BB o referente “funk” segrega
outras produções musicais (como o “funk” carioca, por exemplo), para MB, ainda que as
diferenças entre as produções musicais existam, o referente “funk” poderia ser usado numa
aplicação mais ampla. Nesse sentido, as falas posteriores de MB nesse exemplo se dão no
sentido de incluir modificadores ao referente funk para especificar, por grau de semelhança, o
tipo de música que compõe seu projeto musical: assim é que podemos entender o emprego do
expediente “aquele funk do James Brown”, na qual se vê a combinação Det + N + Mod (o
determinante “aquele”, acrescido do nome, “funk”, e da expressão modificadora “do James
Brown”).
Após estabelecer uma semelhança entre a sonoridade de seu projeto musical e
“aquele funk do James Brown”, as falas subsequentes de MB se dão no sentido de modalizar
uma ação potencialmente pretensiosa: o procedimento metadiscursivo do expediente “sem
pretensão quem sou eu pa fazê(r) o funk do James Brown?” denota a reflexão normativa de MB
sobre sua ação anterior, no sentido de atenuar a força ilocucionária do que havia dito
anteriormente.
Acreditamos que os diferentes exemplos observados até aqui demonstram as
principais funções promovidas pela presença dos expedientes metadiscursivos nos diferentes
tópicos que foram desenvolvidos durante a entrevista de MB ao programa Papo com Benja.
Adiante, tentaremos sistematizar essas características, mas não sem atentar, antes, para os
expedientes metadiscursivos presentes na fala do entrevistador BB.
4.2.3 Expedientes metadiscursivos presentes na fala do entrevistador no programa
Papo com Benja
Os levantamentos dos tópicos desenvolvidos ao longo do programa demonstraram
uma maior centração dos conteúdos que se referem “Futebol” enquanto supertópico. Importa
observar uma maior incidência de expedientes metadiscursivos por parte do entrevistador BB
nos tópicos “Santos” e “Santos x Corinthians”, ambos subordinados ao supertópico “Futebol”.
Para ilustrar a função dos expedientes metadiscursivos nesses momentos, tomemos o
desenvolvimento dos seguintes subtópicos:
171
Exemplo 17- Expedientes metadiscursivos na fala de BB (Papo com Benja)
(...)
BB qual time (vo)cês preferem o de dois mil e dois ou
esse de a/ ou esse de agora?
MB ah::: os dois
Preferência
entre times do
Santos
eu (es)tava no dois mil e dois lá no Morumbi eu (es)tava
BB não vamo(s) lembrá(r) o passado aqui não
MB eh::: então... e agora tam(b)ém dois mil e onze
tam(b)ém cont(r)a o Corinthians eu (es)tava
BB eu (es)tava em dois mil e nove... ahn::: conta/
contra o Santos tam(b)ém
MB ((risos))
BB ((risos de todos)) ah chega pô só (es)tô(u) toman(d)o
porrada de você Brown (es)tá de sacanagem comigo meia
hora de (vo)cê só me zuan(d)o
Jogos entre
Santos e
Corinthians
MB então aquele/ aquele gol ali foi foda... a matada do
Ronaldo quando ele dominô(u) a bola que o zague(i)ro
foi pum lado a bola po o(u)t(r)o ali já vi o gol...
ali é veneno a maldade pura...
(...)
Gol de Ronaldo
na derrota do
Santos para o
Corinthians em
2009
No exemplo 17, a fala inicial de BB propõe a instauração do subtópico “Preferência
entre times do Santos” a partir de do julgamento entre a equipe do ano de 2002 ou a equipe de
2011, que havia obtido o título do campeonato Libertadores dias antes da entrevista concedida
por MB ao programa Papo com Benja. Em sua resposta, podemos observar que MB redireciona
o tópico proposto pelo entrevistador, já que, além de afirmar que prefere ambas as equipes de
anos diferentes do Santos F. C., esteve “no 2002 lá no Morumbi”. Nesse momento, é preciso
levar em conta o conhecimento compartilhado entre os participantes da entrevista acerca do
tópico instaurado a partir desse redirecionamento de MB. Quando se refere a um jogo em 2002
no Morumbi, o entrevistado MB mobiliza as informações sobre o ano e o local (“estádio
Morumbi”) de uma partida entre o Santos F. C. e o Sport Club Corinthians Paulista: é preciso
lembrar, portanto, que MB é reconhecido como torcedor santista, enquanto o entrevistador BB
é conhecido por ser torcedor de um time rival, o Sport Club Corinthians Paulista. Assim, será
172
possível compreender que as informações mobilizadas por MB se referem a uma vitória do
Santos F. C. sobre o time apoiado por BB em sua torcida – a vitória do Santos F. C. sobre o
Sport Club Corinthians Paulista, nesse caso, ocorreu na partida de dispusta pelo título do
Campeonato Brasileiro de Futebol da série A, em 2002, jogo marcante para esses torcedores.
Interessa notar que o compartilhamento dessas informações por parte de ambos os
participantes se reflete na produção do expediente metadiscursivo por parte de BB, no trecho
“não vamos lembrar o passado aqui não”. Nesse momento, é possível dizer que BB reconhece
a referência de MB sobre a derrota de seu time na ocasião de 2002. O procedimento
metadiscursivo, nesse caso, diz respeito, primeiramente, ao reconhecimento de BB sobre a
topicalização, feita por MB, dessas informações acerca da derrota de seu time; além disso, o
procedimento metadiscursivo de MB inclui avaliar o enunciado de MB em termos de outras
propriedades, como, por exemplo, uma forma de “lembrar o passado”. Desse modo, recusando-
se “a lembrar o passado”, BB poderia se recusar a desenvolver esses conteúdos que se referem
à derrota do time que apoia.
Esses momentos da entrevista corroboram, de modo geral, uma ideia de
descontração para a entrevista, com sucessivas brincadeiras entre o entrevistado MB e o
entrevistador BB acerca de derrotas e vitórias nas disputas entre seus times, até o momento em
que BB se refere, dessa vez, a uma vitória do Sport Club Corinthians Paulista sobre o Santos
F. C. pela final do Campeonato Paulista de Futebol série A (“eu (es)tava em dois mil e nove...
ahn::: conta/ contra o Santos tam(b)ém”). Como mostram as notações da transcrição, no
momento em que BB também se refere a uma vitória de seu time sobre o time do entrevistado
MB, a interação passa a contar com os risos de seus participantes, o que exprime a continuidade
da descontração estabelecida nesse momento.
O entrevistador BB, nessa passagem, produz expedientes metadiscursivos que, a
nosso ver, avaliam e justificam sua devolutiva na brincadeira com MB sobre os times. A reação
do entrevistador - às ações que teriam sido produzidas por MB até o momento e que tiveram
como alvo o próprio entrevistador – é justificada pelos expedientes “só tô toman(d)o porrada
de você Brown” (para refletir e avaliar os enunciados de MB e as brincadeiras já ocorridas como
“porradas”), “tá de sacanagem comigo” (para refletir e avaliar sobre os enunciados de MB que
topicalizaram derrotas do Sport Club Corinthians Paulista) e “meia hora de cê só me zoando”
(para avaliar os efeitos dos enunciados e das brincadeiras de MB para a interação antes dos
momentos de reação de BB).
Muitos dos expedientes metadiscursivos produzidos por BB tiveram função
semelhante a essa observada no exemplo 17, de modo que consideramos como característica da
173
entrevista a relação entre tais expedientes e os momentos de descontração ao longo do
programa. Podemos dizer, então, que os expedientes metadiscursivos presentes nessas falas de
BB produzem glosas sobre os enunciados e sobre aspectos da própria interação, pautados pela
ideia descontração e de brincadeira entre os participantes.
Ainda dentro do supertópico “Futebol”, pode ser elencada uma última função para
os expedientes metadiscursivos utilizados pelo apresentador BB, como mostra o seguinte
exemplo:
Exemplo 18- Expedientes metadiscursivos na fala de BB (Papo com Benja)
(...)
BB ((dirige o olhar a alguém atrás das câmeras))
(es)per(a)' aí só pra terminá(r) a última
rapidinho... qual a influência do/ o Muricy pra você
é um dos grandes responsáveis dessa mudança? (vo)cê
acha que o Muricy quando chegô(u) no Santos a pegada
mudô(u)?
MB então chapa eu penso assim ó(lha)... eh::: de u(m)a
liga né?... deu u(m)a liga... (vo)cê percebe de longe
que deu u(m)a liga tipo paizão dos cara né?... ele é
um malan::dro... que pôs os moleque malandro pa
jogá(r) que os moleque são malandro (vo)cê vê(r)
qu(e)'é:: o clima é malandro quem num (es)tá na
sintonia dos moleque é ro/ é roça... entendeu?
(...)
Influência de
Muricy no
Santos
O trecho em questão corresponde a momentos finais da entrevista, nos quais BB
propõe ainda a instauração de alguns tópicos, como o subtópico “Influência de Muricy no
Santos”, subordinado ao tópico “Santos”. No excerto, é possível notar a presença dos
expedientes metadiscursivos “só pra terminar” e “a última rapidinho” que se referem à situação
de enunciação: no caso do primeiro, BB comenta sobre o andamento e a finalização da
entrevista por meio de uma pergunta que seria “a última” feita por ele no programa, como indica
o segundo expediente destacado.
Consideramos, nesse caso, que os expedientes metadiscursivos presentes na fala
de BB possibilitam que o entrevistador se refira ao andamento da entrevista enquanto situação
de enunciação e que comente sobre sua atividade como aquele que conduz os tópicos, o início
e o fim da interação.
174
Exemplo 19- Expedientes metadiscursivos na fala de BB (Papo com Benja)
(...)
BB (o)brigado Brown pela presença pela moral aí...
falá(r) de Santos falá(r) com você é sempre uma
puta duma alegria...
Programa com MB
e você sabe (vo)cê num gosta que eu falo mas pra mim é
me(s)mo pra mim é Jorge Ben Tim Maia e Mano Brown
MB que isso
WM ((risos))
BB a continuação a saga continua... ele num gosta que
eu fale mas é verdade
WM ((acena com a cabeça em sinal de positivo)) tem
uma representatividade muito grande
(...)
Representatividade
de MB para a
música brasileira
Nos momentos finais do programa, o entrevistador retoma as ações ocorridas ao
longo da entrevista a partir do subtópico “Programa com MB”, no qual comenta sobre a
presença dos entrevistados e, em seguida, sobre a representatividade do convidado MB para a
música brasileira. Nesse caso, podemos notar a presença de expedientes metadiscursivos como
“falar de Santos” e “falar com você”, por meio dos quais BB produz glosas nas quais classifica
a enunciação ocorrida até o momento e os tópicos que se fizeram presentes. Além disso, os
expedientes metadiscursivos “você num gosta que eu falo” e “ele num gosta que eu fale” se
referem a avaliação do entrevistador sobre a impressão de MB acerca dos enunciados
subsequentes nesse momento, quais sejam, os comentários de BB sobre a importância de Mano
Brown para a música brasileira.
Vemos, nesses casos, que o entrevistador, apesar de reconhecer e avaliar uma
possível reação de MB frente aos elogios sobre sua representatividade, não deixa de comentar
positivamente a posição do entrevistado por meio, dessa vez, da passagem “pra mim é mesmo,
pra mim é Jorge Bem, Tim Maia e Mano Brown”, na qual se vê o entrevistado situado como o
terceiro da hierarquia construída por BB sobre grandes nomes do campo da produção cultural
e da música brasileira.
Desse modo, podemos observar que, no tratamento do supertópico “Música” e,
sobretudo, nos subtópicos que se referem à posição e à representação social de Mano Brown, a
função dos expedientes metadiscursivos produzidos pelo entrevistador BB se diversifica e
assume nova característica ligadas a esse contexto do campo jornalístico.
175
4.2.4 Distribuição dos expedientes metadiscursivos nos supertópicos do programa Papo
com Benja
Para uma compreensão mais geral acerca da prática do metadiscurso nesse contexto
do campo jornalístico, importa considerarmos algumas observações acerca da distribuição
desses recursos na fala de MB nos diferentes supertópicos desenvolvidos ao longo do programa,
como mostra a tabela a seguir:
Gráfico 2- Expedientes metadiscursivos na fala de MB nos diferentes supertópicos (Papo com
Benja)
Gráfico 3- Expedientes metadiscursivos na fala de BB nos diferentes supertópicos (Papo com
Benja)
O Gráfico 2 e o Gráfico 3 acima mostram uma maior incidência de expedientes
metadiscursivos na fala do entrevistador (total de 42 expedientes) em comparação à fala do
entrevistado Mano Brown (total de 20 expedientes). Saliente-se, com isso, uma importante
45% (09)
35% (07)
20% (04)
0% (00)Futebol
Música
Sociedade
Programa Papo comBenja
50% (21)
24% (10)
2% (01) 24% (10)
Futebol
Música
Sociedade
Programa Papo comBenja
176
diferença com relação à produção do metadiscurso nesse contexto do campo jornalístico. A
nosso ver, essa alta incidência de expedientes metadiscursivos na fala do apresentador está
relacionada ao contexto interacional do programa, evocado anteriormente por nós, no qual se
estabelece uma estrutura de participação que prevê o papel de BB como central para as
interações estabelecidas no programa, bem como para o contexto de informalidade e
descontração ao longo do programa. Importa ressaltar a concentração de expedientes
metadiscursivos (somados os presentes na fala de BB e de MB) durante o desenvolvimento dos
tópicos subordinados ao supertópico “Futebol”, o que, a nosso ver, pode indiciar o fato de que
quanto mais associado o tópico à posição do indivíduo em um determinado campo, mais os
recursos metadiscursivos terão condições de emergir na fala.
Quanto às falas do entrevistado MB e de BB, cabe destacar a presença dos
expedientes metadiscursivos ao longo do desenvolvimento dos tópicos ligados à “Música”.
Ainda que a distribuição do metadiscurso ocorra de modo semelhante na fala do entrevistador
e do entrevistado no supertópico “Música”, a mesma proporção não se repete quanto tomamos
a presença do metadiscurso na produção dos tópicos ligados à “Sociedade”. Isso pode refletir
inversamente a nossa proposição acima, uma vez que quanto menos associado o tópico à
posição do indivíduo em um determinado campo, menos possibilidade haverá de emergência
de expedientes metadiscursivos na fala.
Sendo assim, é preciso que consideremos a natureza dos supertópicos em questão
para melhor compreendermos a distribuição dos expedientes metadiscursivos ao longo do
programa. Isso porque, ao longo do desenvolvimento dos tópicos atinentes à “Música”, por
exemplo, a produção do metadiscurso na fala de MB esteve ligada à exposição de informações
sobre seu projeto musical com WM e daquilo de como esse projeto de situa numa produção
musical ligada ao funk. Já a produção do metadiscurso nos tópicos abarcados pelo supertópico
“Sociedade” conecta-se à trajetória de MB e a sua posição de engajamento constante com certos
temas mais gerais, como a estigmatização e inclusão dos jovens e os efeitos do governo Lula.
Em relação ao supertópico “Futebol”, os expedientes presentes na fala de MB se relacionam às
discordâncias entre ele e BB acerca de certas questões que envolvem jogadores e a fase pela
qual passava o Santos F. C.
Além disso, nesses tópicos, a produção do metadiscurso por parte de MB parece
estar ligada à possibilidade, nesse contexto, de expor o planejamento verbal simultâneo à
própria interação, calibrando o sentidos procurados pelo entrevistado. Nesse sentido,
acreditamos que a produção dos expedientes metadiscursivos no supertópico “Futebol” é
bastante associada ao contexto de informalidade e descontração do programa, no qual é possível
177
que MB exponha suas discordâncias e, até mesmo, aja de modo a circunscrever BB como aquele
que “está tomando porrada”.
4.2.5 Algumas conclusões
Na análise do programa Papo com Benja, optamos por observar de modo mais
detalhado tanto os expedientes metadiscursivos produzidos por Mano Brown quanto aqueles
presentes na fala do entrevistador BB. Isso porque, a nosso ver, as informações contextuais
sobre o programa, vistas anteriormente, indicam o papel central do apresentador enquanto
agente do campo jornalístico envolvido nesse contexto de entrevista. Quanto à organização do
programa, aos tópicos desenvolvidos e à presença dos expedientes metadiscursivos, faz-se
necessário atentarmos para as seguintes considerações até o momento:
i. O desenvolvimento das temáticas que envolvem o “Futebol” compõem
supertópico com maior centração ao longo do programa. Além disso, são
ausentes as temáticas que envolvam a periferia e o movimento hip hop
como supertópico, ao contrário do que ocorre na participação de MB no
programa Roda Viva.
ii. Os turnos de fala, ao longo da entrevista, são geralmente turnos curtos e
entrecortados, de modo que a distribuição das falas não necessariamente
se baseia numa estrutura de participação segundo a qual caberia a BB a
instauração dos tópicos e, apenas aos entrevistados (sobretudo a MB) o
desenvolvimento dos tópicos.
iii. A participação de BB no desenvolvimento dos tópicos também sugere
uma convergência entre as questões comentadas aqui e as características
do programa Papo com Benja enquanto contexto do microcosmo
jornalístico, haja vista que muito da centração dos tópicos de fato envolve
o campo esportivo e do futebol e que tais tópicos exploram de modo
bastante razoável as opiniões dos participantes, incluindo as opiniões do
próprio entrevistador.
iv. A configuração do programa parece corresponder às entrevistas
conhecidas como “talk-shows”, quando levamos em conta características
como: a proximidade física entre entrevistador e entrevistado; o aspecto
consensual e intimista da interação, baseado numa relação de
178
descontração entre entrevistador e entrevistado e, ainda, a prioridade pelo
divertimento, em detrimento do informar.
v. Evidencia-se uma configuração interacional cujo elemento básico é o
apresentador e as relações estabelecidas a partir de si (FÁVERO et al.,
2010) e cuja inserção no campo jornalístico se baseia no entretenimento,
segundo as considerações de Bourdieu (1997 [1996]) acerca das
diferentes ênfases de conteúdo e de produtos produzidos pela televisão.
vi. Quanto à presença dos expedientes metadiscursivos, destacam-se tanto o
apresentador BB quanto MB como responsáveis por falas marcadas pela
presença do metadiscurso.
vii. As análises dos expedientes metadiscursivos nos supertópicos refletem
diferenças importantes entre a função desses expedientes e seu uso
enquanto recurso textual-discursivo para lidar com a interação em
andamento e com um contexto mais amplo do campo jornalístico. Essas
funções serão sistematizadas em nosso capítulo conclusivo.
179
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até o momento, os diferentes contextos de entrevista demonstram a diversidade das
funções do metadiscurso como recurso textual-discursivo presente na produção textual de Mano
Brown nas entrevistas ao Roda Viva e ao Papo com Benja. As observações demonstram também
uma manifestação contínua da reflexividade de Mano Brown em ambas as entrevistas, seja para
discutir os pressupostos, perspectivas e valores expostos nas falas dos entrevistadores, seja para
se posicionar sobre diversas questões – até mesmo sobre sua posição e representação tais como
mencionadas pelos agentes internos do campo jornalístico.
As funções do metadiscurso organizadas por nós indicam relações importantes
entre a presença desses expedientes e a própria configuração dos programas analisados, em
termos da posição dos programas Roda Viva e Papo com Benja no campo jornalístico. Por meio
dos exemplos representativos que selecionamos, foi possível observar que os expedientes
metadiscursivos:
i. organizam as porções textuais precedentes e subsequentes, indicam o
automonitoramento de Mano Brown durante a entrevista e o planejamento verbal
simultâneo a sua fala;
ii. atenuam a força ilocucionária do discurso de Mano Brown; exprimem que o rapper não
é capaz de responder ao tópico ou não possui conhecimento suficiente para tal;
iii. ponderam sobre as categorizações dos entrevistadores; expõem a perspectiva das
categorizações feitas por Mano Brown;
iv. negam os pressupostos presentes nas perguntas dos entrevistadores; deliberam sobre os
tópicos e os redirecionam;
v. explicitam as categorizações referenciais utilizadas pelos entrevistadores; fazem
referência ao seu envolvimento anterior e à frequência com que certos tópicos estão
presentes em sua fala.
Já em relação aos impactos desses expedientes nos contextos do campo jornalístico
dos quais tratamos, foi possível notar que, por meio desses recursos, o entrevistado Mano
Brown:
i. regula os efeitos de sentido de seus enunciados;
ii. demonstra sua autorreflexividade operando a nível dos signos e marca seu engajamento
180
e atenção nesse contexto;
iii. procura recusar cobranças e responsabilidades que, a seu ver, não cabem a seu papel no
campo;
iv. controla os possíveis impactos de suas respostas para sua representação e posição no
campo;
v. expõe seu planejamento verbal ao longo da interação.
Importa retomar a utilização dos expedientes metadiscursivos pelos participantes
entrevistadores: como vimos, parte dos expedientes metadiscursivos se relacionaria à extensão
dos turnos de falas dos entrevistadores nos momentos de propor e instaurar os tópicos
discursivos. Já alguns outros se relacionariam às modalizações e aos segmentos prefaciadores
aos quais esses participantes recorrem no momento da instauração dos tópicos. Alguns
expedientes presentes nas falas dos entrevistadores, por sua vez, fazem referência às ações de
linguagem circunscritas na instauração dos tópicos (exprimir uma avaliação acerca do que esses
tópicos representarão à interação) e permitem aos entrevistadores realizar transições de um
tópico a outro (na medida em que produzem glosas sobre os conteúdos anteriores e os
relacionam aos subsequentes). Outra característica dos expedientes metadiscursivos na fala dos
entrevistadores consistiu na função de exprimir avaliações e comentários positivos acerca da
entrevista como um todo, chamando atenção para a representatividade de Mano Brown e
tecendo elogios diretos e abertos ao rapper
Para compreender as relações que emergem nesses dados de entrevista, por meio
de recursos textuais-discursivos como os expedientes metadiscursivos, o percurso do presente
trabalho considerou diferentes níveis contextuais capazes de apontar relações entre as ações de
textualização que se engendram nos expedientes metadiscursivos e as tomadas de posição de
Mano Brown em dois contextos do campo jornalístico. Assim, foi preciso: discutir como o
trabalho de Bourdieu (1996 [1994]; 1997 [1996]) com relação aos campos sociais e ao campo
jornalístico poderia nos ajudar a tratar da dinâmica social na qual se inserem as diferentes
entrevistas; descrever em que medida o metadiscurso poderia ser visto como apresentando não
apenas funções textuais-discursivas, mas também funções de natureza social, relacionadas à
inscrição dos indivíduos num contexto mais amplo. Esses recursos são responsáveis por indiciar
dimensões importantes de significação das trajetórias e posições ocupadas por Mano Brown em
determinadas práticas de linguagem do campo jornalístico, como as entrevistas em dois
diferentes programas televisivos.
181
Além disso, foi preciso também compreender que a trajetória de Mano Brown está
ligada a representações mais específicas feitas sobre si, em termos de sua representatividade
como agente prestigiado do movimento hip hop no campo da produção cultural da periferia e
também da estigmatização na qual essa mesma trajetória se reverte. Nesse sentido,
consideramos também aquilo que pode significar a presença de Mano Brown em contextos do
campo jornalístico, em termos dos impactos decorrentes de uma participação em entrevistas
que crie ou reproduza certas representações e expectativas feitas em torno do rapper.
Nesse momento, com vistas a sistematizar algumas considerações mais gerais às
quais foi possível chegarmos, passaremos a relacionar alguns pontos importantes,
anteriormente discutidos no trabalho, a observações mais gerais.
No primeiro capítulo do presente trabalho, foi possível compreender um pouco
mais sobre as possibilidades de aplicação da noção de campo em um estudo que privilegia o
papel da linguagem nas tomadas de posição dos agentes. Ao discutirmos o papel da linguagem
nos campos sociais, com base nas proposições de Bourdieu (1996 [1994]; 1997 [1996]), foi
possível notar a importância das ações de textualização para tomadas de posição, sobretudo em
campos fortemente organizados como o campo jornalístico, para o qual se volta nosso trabalho.
Além disso, chamamos atenção para as especificidades que parecem estar presentes nas
tomadas de posição de certos indivíduos, intelectuais como Heidegger e ícones
sociolinguísticos como Mano Brown, que parecem reunir disposições para operar com recursos
de linguagem importantes em suas tomadas de posição e em sua trajetória num campo.
Para retomarmos o papel das ações de textualização num campo social, cabe
diferenciarmos, nesse momento posterior às análises, em que sentido se diferenciam as tomadas
de posição de agentes como Heidegger e Mano Brown por meio dos recursos de linguagem. Se,
no caso de Heidegger, o filósofo alemão soube “por em forma” as palavras para que pudesse
ser alçado a posições (para além do campo de produção filosófica) também no campo político,
como poderíamos caracterizar os objetivos de Mano Brown nas tomadas de posição por meio
das ações de textualização analisadas? O percurso do presente trabalho nos permite considerar
que, ao contrário de Heidegger, não se pode dizer que Mano Brown emprega os recursos
metadiscursivos para lograr êxito em atingir posições nesse campo com o qual está em contato,
o campo jornalístico. Antes, suas ações de textualização nos dois contextos que observamos
“põem em forma” questionamentos vários em relação a ações discursivas performatizadas por
determinados agentes do campo jornalístico.
Quando tomamos as características relativas aos impactos mais gerais dos
expedientes metadiscursivos em ambas as entrevistas, verificamos que as ações de textualização
182
de Mano Brown estiveram ligadas a objetivos semelhantes, muito relacionados com a natureza
dos tópicos discutidos nessas entrevistas. Para isso, é preciso considerarmos as tematizações
mais gerais dos tópicos desenvolvidos em ambas as entrevistas:
i. certos tópicos mobilizam diretamente questões atinentes à representatividade e
à estigmatização do rapper;
ii. outros, voltam-se para as vivências da periferia, suas formas de organização,
seus projetos sociais, seus problemas com relação à violência e ao tráfico;
iii. há também tópicos que envolvem as opiniões de Mano Brown sobre a sociedade
e sobre o futebol;
iv. e, em ambas as entrevistas, tópicos ligados à carreira musical de Mano Brown e
à atividade profissional cotidiana do rapper.
Como foi possível observar nas análises, nos tópicos envolvendo a
representatividade e estigmatização de Mano Brown (cuja presença foi intensa no programa
Roda Viva), a utilização de expedientes metadiscursivos ocorreu de modo mais intenso. Como
vimos anteriormente, a mobilização desses tópicos se relaciona com as ações dos
entrevistadores que atribuem a Mano Brown uma posição de prestígio e de responsabilidade na
proposição de ideias e na solução de problemas na periferia. Já nos tópicos que envolvem as
vivências da periferia e sua organização, os expedientes metadiscursivos são usados como
reação de Mano Brown frente às atribuições dos agentes do campo jornalístico sobre a periferia,
vista por eles como espaço social marcado pela violência, criminalidade e pelo tráfico. Nos
tópicos que envolvem as opiniões de Mano Brown sobre a sociedade, de modo geral, a
incidência dos expedientes metadiscursivos diminui, tendo em vista que, apesar das
discordâncias expostas, os agentes do campo jornalístico, em ambas as entrevistas, não
desenvolvem os tópicos no sentido de estabelecer um contraponto às opiniões do rapper. Por
fim, no caso dos tópicos que envolvem a atividade profissional de Mano Brown e sua carreira
musical, diminui ainda mais a incidência dos expedientes metadiscursivos, tendo em vista que
esses momentos parecem ser guiados por uma intenção de transmitir ao público informações
sobre os projetos musicais atuais de Mano Brown e sobre os momentos que lhe permitiram
chegar à posição de agente prestigiado no movimento hip hop do campo da produção cultural.
Considerando as informações retomadas acima sobre as funções e a presença dos
expedientes metadiscursivos nos tópicos de ambas as entrevistas, chegamos à ideia de que a
utilização do metadiscurso por parte de Mano Brown pode ser entendida como meio para reagir
183
frente a duas ações específicas nesses contextos do campo jornalístico: à representação feita
pelos agentes do campo jornalístico sobre a posição de Mano Brown (e os deveres caudatários
dessa posição); à representação feita pelos agentes do campo jornalístico, nesses contextos
analisados, sobre as vivências da periferia (sua organização e os problemas enfrentados).
Uma vez que compreendamos essas ações de textualização como recurso para que
Mano Brown reaja às representações feitas nesses dois contextos do campo jornalístico,
podemos ver confirmadas as ideias iniciais de que, de fato, as entrevistas com o rapper Mano
Brown parecem corresponder a um momento de contato entre o movimento hip hop, do campo
da produção cultural da periferia, e o campo jornalístico. Nesse sentido, os expedientes
metadiscursivos demonstraram-se recursos válidos para que o rapper pudesse obter êxito em
suas tomadas de posição nesse campo. Além disso, analisar como tais recursos textuais-
discursivos impactam contextos do campo jornalístico nos permite lançar luzes a uma relação
intrínseca e complexa entre níveis “micro” e “macro” de análise, na medida em que nos permite
compreender qual o estatuto das ações de textualização numa miríade de fenômenos que não
são apenas linguísticos stricto sensu e que são co-ocorrentes num microcosmo de ação dos
sujeitos.
De modo geral, esperamos que o presente trabalho tenha contribuído para a
compreensão das relações entre texto e contexto, uma vez que seu esforço analítico deu-se
também no sentido de chamar atenção para a participação de recursos textuais-discursivos em
ações e relações sociais mais amplas. Essas ações e relações mais amplas, como a complexa
inscrição de um sujeito em contextos de um campo social fortemente organizado, não apenas
emergem na língua, mas também têm na língua um meio influenciador e impactador cuja
riqueza deve ser analisada de forma sistemática.
Esperamos, além disso, que o presente trabalho tenha conseguido o mérito de
considerar de modo consistente, em dois contextos específicos, as asserções de Bourdieu (1997
[1996]) acerca do campo jornalístico. Isso porque, acreditamos que a observação mais detalhada
dessas entrevistas, em certo sentido, demonstra a pertinência, ainda dramaticamente real, da
seguinte asserção do autor: “Caminha-se cada vez mais rumo a universos em que o mundo
social é descrito-prescrito pela televisão (BOURDIEU, 1997 [1996]: 29)”. Embora haja
movimentos do campo jornalístico no sentido de criar ou reproduzir “efeitos de real” sobre os
deveres de um agente do movimento hip hop e sobre a realidade da periferia em termos das
desigualdades sociais presentes, a inscrição de Mano Brown no campo jornalístico pode
demonstrar que, igualmente, há sujeitos dispostos a reunir uma série de recursos, dentre eles
184
recursos de linguagem como os observados aqui, para resistir e se contrapor à prescrição de
uma realidade tal como feita por campos fortemente organizados.
185
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Documentos disponíveis somente em suporte eletrônico:
DVD 100% Favela. Direção: Sophia Bisilliat. Produção: Negredo produções, Ale, Arnaldo,
To, Yilsão, 1 da Sul e Ferréz, 2005. DVD (97 min). Apresentações musicais e depoimentos
extras, língua original: português.
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RACIONAIS MC‘S. Holocausto urbano. Gravação: Zimbabwe. Produção: Alexandre e
Marcelo, Racionais MC's. Formato: LP. Lançamento: 1990.
_________________. Escolha o seu caminho. Gravação: Zimbabwe. Produção: Alexandre e
Marcelo, Racionais MC's. Formato: LP. Lançamento: 1992.
_________________. Raio X do Brasil. Gravação: Zimbabwe. Produção: Newton Carneiro,
Racionais MC's, Wander. Formato: LP. Lançamento: 1993.
_________________. Sobrevivendo no inferno. Gravação: Cosa Nostra. Produção: Gertz
Palma, Racionais MC's. Formato: LP, CD. Lançamento: 1997.
_________________. Nada como um dia após o outro dia. Gravação: Cosa Nostra. Produção:
Racionais Mc's, Zé Gonzales. Formato: CD, LP. Lançmento: 2002.
_________________. Cores e valores. Gravação: Cosa Nostra, Boogie Naipe, X-File Records.
Produção:DJ Cia, Mano Brown, Bood Beatz, Lino Krizz, DJ Skrit, DJ Rick Dub, Irmão
Arabico, Willian Magalhães, Juliano Kurban. Formato: CD, LP, download digital. Lançamento:
2014.
RODA VIVA. Produção: TV Cultural. Apresentação: Paulo Markun, 2007. WMV (87 min).
Entrevista com Mano Brown, língua original: português.
TIM MAIA. Tim Maia Racional, volume 1. Gravação: Seroma, Trama. Produção: Tim Maia.
Formato: LP, CD (relançamento). Lançamento: 1975.
TIM MAIA. Tim Maia Racional, volume 2. Gravação: Seroma, Trama. Produção: Tim Maia.
Formato: LP, CD (relançamento). Lançamento: 1975.
YO! MTV. Direção: MTV Brasil. Produção: Tatiana Ivanovici. Apresentação: Thaíde, 2002.
WMV (60 min). Apresentações musicais e entrevistas, língua original: português.
193
ANEXOS
ANEXO 1 – Protocolo de transcrição do grupo GOGITES (versão 2007)
CONVENÇÃO DE TRANSCRIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA “COGNIÇÃO, INTERAÇÃO e
SIGNIFICAÇÃO”/ COGITES
(Coordenação Prof.a Edwiges Maria Morato- IEL/Unicamp)
Versão 2007
1. Informações gerais:
a) transcrição em formato lista;
b) os participantes são identificados por duas letras maiúsculas correspondentes às iniciais dos
dois primeiros nomes;
c) indicação de letras minúsculas nas linhas correspondentes às descrições de aspectos não-
verbais sincronizados e/ou relacionados à fala;
d) a transcrição é efetuada em ortografia standard adaptada.
OCORRÊNCIAS NOTAÇÃO EXEMPLOS
1. Fenômenos sequenciais
overlap/encavalamento/superposição
de turnos
[ inicio do overlap
] fim do overlap
Exemplo 1.
MA é:
EM [.h
JM [nã:o num ve-num
veio\
Exemplo 2:
MA [é u que/]
AN [é intru]so (.)
NA e:[i:n:: ]
MA [para de] cumê pra
falá
palavra final=
=palavra inicial
EM [.h
JM [nã:o num ve- num veio\=
EM =ela falou pra mim/ (.) ela
tem um parente fazendo uma
cirurgia\
2. Pausas
194
micro pausas, inferiores a 0,3
segundos (.)
pausas medidas com ajuda de
programas editores
de som, como Audacity, Praat, etc.
unidade em segundos
(0,4), (1,0), (2,3)
MG a:nã:o/(0,2) a a a era-
(0,2)
3. Fenômenos segmentais
alongamento silábico : MG .h a: p-prefessora
nu:m ve:io\
truncamento de palavras - MG .h a: p- prefessora
nu:m ve:io\
inspiração do locutor .h MG .h a: p-prefessora nu:m
ve:io\
expiração do locutor H MS H °ahn°/
3. Prosódia
entonação crescente/ ascendente /
EM ela falou pra mim/ (.)
ela tem um parente fazendo
uma cirurgia\
entonação decrescente \
EM ela falou pra mim/ (.)
ela tem um parente fazendo
uma cirurgia\
ênfase particular segmento sublinhado
AD no:ssa/ isso ai oh/
(0.4) que: qué isso hein/ (1.6)
a sinhora vai bater um pra:to
(.) que eu vô tê fala hein/
volume forte de voz segmento em MAIÚSCULA
EM a dona ROSAUra//
MG : é:
COMENTÁRIOS E
DESCRIÇÕES
em itálico e entre parênteses
encontram-se os
comentários do transcritor e
fenômenos e atividades
não-transcritos, como risos, leitura,
mudança de lugar, saída da sala,
conversas de fundo não
transcrita etc.
((comentários))
MH pra carregar trouxa\ ma
((risos))
MA aí tá certo
delimitação do segmento de fala
correspondente à descrição feita
(quando houver)
< >
MH <fui no tororó/(.)
beber mh <((cantando))> ou
MH <((cantando))fui no
tororó/ (.) beber>
INCERTEZAS DO
TRANSCRITOR e
IMPRECISÕES
quando o transcritor apresenta (hipótese do que se MA depois chegô uma
195
dúvida com relação ao segmento
produzido
ouviu)
mãe cum uma (criança)/
(hipótese1 /hipótese2) MH a gente
fazia(trouxa/colcha)
Segmentos incompreendidos/
inaudíveis
indicar com x,
correspondente,
sempre que possível, ao
número de sílabas produzido
AD mas ela num xxx/
MA naum xx ali hum/ ele
atendeu sou:(.) marido\
DESCRIÇÃO DE AÇÕES (como
gestos de
apontar, direcionamento do olhar,
postura
relacionados à fala)
* delimitação da ação
descrita na
linha seguinte relacionada à
fala
MG +é:+ mg +balança
afirmativamente a cabeça+
------ continuação da ação.
MA +.h a: p- prefessora
nu:m ve:io\+ ma +volta-se
para JM
- --------+
----> (linha x) indica que a
ação descrita continua até
determinada linha
DA tá\ (.8) seu valmir/
+eu quero
que o senhor desenhe pra
mim aqui um relógio /+ da
+entregando à VM uma folha
de papel—--- ---->+
$(.)marcando oito e vinti\
da *faz anotações no
prontuário
vm * ------desenha--- ------>>
(line 33)
MARCAÇÕES GRÁFICAS
continuação do turno de fala pelo
mesmo locutor após uma quebra da
linha da transcrição para
introduzir um overlap de outro
interlocutor
MA sai da[i: não]&
IS [eu não\ to vendo/]
MA &mexe aí
IDEOFONES e INTERJEIÇÕES
(extraído do
NURC/SP No. 338 EF e 331 D2)
Para manifestar concordância
hum, hmm, hm-hm,
hum-hum
EM num é/ (.)
NS °hm-hum°
Fáticos
ah / eh/ éh/ ahn/ ehn/
uhn/ tá/
JM °eu VI°(0,5)
EM Ahn/
JM &um se-cretário da
196
justi:ça°
197
ANEXO 2 – Quadro de sinais de transcrição do projeto ALIP
OCORRÊNCIAS SINAIS Observações/Exemplos
Sobre a grafia das palavras
Nomes próprios em geral Iniciais maiúsculas ...a festa foi na casa do
Carlos...
Não se usam maiúsculas após
os sinais ... ?
Nomes próprios que
identificam o informante ou
pessoa do relacionamento do
informante
Não transcrever o nome e
grafar apenas as iniciais
maiúsculas
Doc: Dona M., a senhora falou
que o J. seu marido....
Nomes de obras (livros,
revistas, jornais) e/
ou palavras estrangeiras
Em itálico e grafia da língua
de
origem, quando for o caso.
... adorava ouvir Purple Rain..
... gostei de ler Cem Anos de
Solidão...
Marcadores discursivos Ocorrência seguida do
ponto “?”, quando for o
caso.
... é pra deixar aqui né?...
... então acho que aí é o ponto
Fáticos/Interjeições Ocorrência seguida do
ponto “!”
... ah! ... que alívio...
Interjeições já dicionarizadas Vixe!, ixe!, pô!
Numerais e letras Por extenso ... foram trinta e três alunos...
... marca com um xix a
alternativa bê na a questão
dez... marquei a alternativa bê
e não a dê
Siglas e abreviaturas
Importante: siglas não se
confunde com redução de
palavras, como por exemplo,
depê, para ‘dependência’, que
devem ser grafadas na sua
forma reduzida, em minúsculas.
Grafar conforme a
pronúncia do informante.
Se pronunciada letra a
letra (ex.1), grafar em caixa
alta, separando as letras
por ponto. Se pronunciada
como palavra (ex.2), seguir
a grafia prevista pela
ortografia, em caixa alta e
sem pontos entre as letras.
Ex. 1: B.O., I.N.S.S., I.N.P.S.,
U.F.R.J, R.G., C.P.F.
Ex.2: USP, IAMSP, TAM, SUS,
UFSCAR, CIC.
Truncamento (palavras
incompletas)
/ ... ca/ casou semana
passada...
Metalinguagem do informante ‘aspas simples’ ... o ‘mesmo’ do carioca
Citação “aspas duplas” ... Armstrong disse “pequeno
passo para o homem...
gigantesco salto para a
humanidade”
Sobre alguns aspectos morfo-fonológicos
Indicar a inserção de segmentos
vocálicos
Registrar a forma realizada alembrá(r), avoá(r), drento,
despois, revórve
Indicar o apagamento de
segmentos, quando for:
Colocar o segmento não
realizado entre parênteses
198
Segmento vocálico e/ou consonantal em início, meio ou final de palavra;
(a)rrancô(u), tam(b)ém,
me(s)mo
Ditongo; ca(i)xa, pe(i)xe, po(u)co
Redução de ‘s’ do morfema de primeira pessoa plural;
ca(i)xa, pe(i)xe, po(u)co
Redução de gerúndio ou seqüência –nd–;
cantan(d)o, propagan(d)a
Redução de infinitivo de verbos.
Colocar o segmento não
realizado entre parênteses
e marcar a tonicidade da
sílaba final com acento
agudo.
cantá(r), vendê(r), sorrí(r)
Indicar as realizações não-previstas das preposições, quando houver:
a) Contração da preposição
com + artigo
Indicar a contração com
uma aspa
c’a (=com + a), c’o (=com + o),
c’um (=com + um)
c’uma (=com + uma)
b) Contração da preposição de
+ artigo indefinido
d’um (=de + um), d’uma (=de
+ uma)
c) Contração da preposição de +
pronome eu
d’eu (= de + eu)
d) Contratação da preposição
de + palavra iniciada por vogal
d’oeste (=de + Oeste), d’água
(=de água), d’onde (de
+ onde)
e) Redução da preposição para Registrar a forma realizada pra (sem acento), pa (sem
acento)
f) Contração da preposição para
reduzida + artigo
Registrar a forma realizada pra (=para + a), pa (=para + a),
pro (=pra + o), po
(=para + o), pr´um(a) (=pra +
um(a)), pum(a) (=pa +
um(a))
g) Modificação da preposição
em
Grafar como ela é
realizada (em > ne)
a gente vai muito ne rio pa
pescá(r)
h) Inserção/modificação de
preposição
Registrar a forma realizada eu penso de que ele não deve
ir...
eu perguntei na onde ele
morava...
eu perguntei da onde ele
vinha...
Sobre alguns elementos prosódicos
Silabação Hífen entre as sílabas (sem
espaço)
... foi quando ele disse... –fi-
que-a-qui-...
Pausa Reticências para qualquer
tipo
... ele... voltou feliz...
Alongamento (de
vogais/consoantes)
Dois pontos digitados duas
vezes
... ele a::cha...
Interrogação Ponto-de-interrogação ... você vai à festa?...
Sobre alguns aspectos da interação
199
Identificação dos participantes
da interação
Documentador (Doc.)
Informante (Inf) e
Interveniente (Int)
Doc.: o senhor gosta de
pescar?
Inf.: eu não sei pescar... eu
não aprendi...
Início de turno Minúsculas
Discurso direto Aspas duplas e duplo
travessão
... ela disse -“vamos à festa?”-
eu respondi - “talvez”-
Sequência de discurso direto Separar por travessão cada
um dos turnos
Inf.: aí ele falou – “cadê o
dinheiro” – ... – “ta lá
atrás” – o outro falou.
Mudança do fluxo discursivo Duplo travessão ... eu não tinha – fique quieto
((falando com o cachorro)) –
tempo de estudar...
Superposição/simultaneidade
de vozes
Texto entre colchetes, com
índice sobrescrito à
esquerda do colchete
inicial. Todas as
sobreposições devem ser
indicadas
sequencialmente em toda
a transcrição (1, 2, ..., n)
Inf.1: eu não tinha saído de
lá... 1[e foi então...]
Doc.: 1[cê tava] em casa
ainda?
Inf.1: eu tava... e foi então que
ele ligou...
Intervenção do documentador
no fluxo de fala do informante
Se não houver
sobreposição de vozes
Inf: outro dia eu estava na
casa do João [Doc.: ahan]
quando...
Se houver sobreposição de
vozes:
Inf: outro dia eu estava na
casa do 1[João] 1[Doc.: ahan]
quando ...
Risadas simultâneas de
documentador e informante
Doc e Inf: ((risos))
Sobre os comentários do transcritor
Hipótese do que se ouviu Entre parênteses simples
(hipótese)
... foi então que ele (fez) a
prova...
Comentário descritivo do
transcritor
Entre parênteses duplos ... eu não gosto de pescar... é
que não sei pescar... ((risos))
por isso que não gosto...
200
ANEXO 3 – Transcrição do programa Papo com Benja em 06/2011
Situação comunicativa: entrevista ao programa “Papo com Benja”
Data: 06/2011
Tempo total: 38min 16s
Participantes: BB: Benjamin Back
MB: Mano Brown
WM: William Magalhães
TEXTO Subtópico
correspodente
((é exibida a vinheta com a inscrição “Papo com Benja”))
BB começando mais um “Papo com Benja” agora o “Papo com
Benja” desse mês especial né? porque é o mês que eu (es)tô(u)
comemorando agora DEZ anos de Lance quem diria... DEZ anos
de Lance
e aqui ó(lha) ((olha e aponta a camiseta que está
vestindo))... minha camiseta já::... é um(a)' homenagem pos
cara aqui velho... os cara (es)tão feliz hoje já tirô(u)
sarro de mim falô(u) que Deus existe... Mano Brown ((risos
de BB, cumprimentando MB com uma das mãos))
MB salve
BB grande Brown... William Magalhães rapaz... PIanista né
Brown? PIanista... da banda Black Rio ((cumprimentando WM
com uma das mãos))... cara::ca véi olha só
WM ((risos))
BB hoje até quem gosta de black music aqui tem aula meu...
eu num posso nem abri(r) a boca aqui...
Aniversário do
Papo com Benja
Programa com MB
e WM
ô Brown... antes de falá(r) de futebol dizê(r) um negócio
p(r)o (vo)cê meu... semana passada teve show do Mario
Rogers ... foi emocionante não foi não cara?
MB certo... mais... bom demais... convidado aos quarenta
e cinco do segundo tempo... foi lo(u)co... valorizô(u) mais
ainda
BB vê(r) o Mario Rogers no palco é tão emocionante quanto
vê(r) um jogo do Santos o::::u... a 1[pegada é o(u)tra?]
MB 1[nã::o tão emocionante] quanto é... bom... coisa rara
né? se o:/ apesar que o Santos a gente acompanha mas...
aconteceu um evento né?... mexe com a emoção né?
Show do Mario
Rogers
201
BB William Magalhães Black Rio rapaz olha só... olha::
foi uma supresa pô o Brown tro(u)xe você aqui convidado
surpresaça...
Presença de WM
no Papo com Benja
santista tam(b)ém?
WM santista e no Rio sô(u) vascaíno... graças a Deus o
Vasco... (es)tá me dando 2[essa (inint.)]
BB 2[pô então (vo)cês] (es)tão bem pa caramba né?... pô
Vasco campeão da Copa do Brasil (vo)cê acompanha William
(vo)cê vai em jo::go tudo?
WM eu já fui mais né?... u(l)timamente eu acompanho... de
vez em quando na televisão né?... gosto muito eu gosto de
futebol... futebol faz parte da nossa formação aí né?...
Black Ri::o né? Black Rio tem tudo a vê(r) com futebol
BB tudo a vê(r)...
Torcida/gosto de
WM no futebol
ô Brown... (vo)cê sempre falô(u) né?... cri::me futebol
música... não dá pra sai(r) disso?
MB tem que/ tem que sai::(r) né?... tem que
melhorá(r)::... né:::
BB mas na música "Nego Drama" (es)tá lá... cri::me...
futebol::... 3[mú::sica]
MB 3[si::m]... pode sê(r) tam(b)ém... mas a::: tendência
eu acho que é:: -- e a nossa luta -- é que amplie né?...
advogado médico engenhe(i)ro arquite::to ((risos))... ((muda
a voz)) presiDEN::te
Temas tratados por
MB sobre o Brasil
BB ô Brown... o Brasil mudô(u)?
MB ah o Brasil (es)tá mudan(d)o (es)tá em transição o
Brasil (es)tá em muda/ (es)tá em mudança (es)tá em processo
de mudança
Mudança no Brasil
BB a gente ouve músicas... de dez quinze vinte trinta
anos atrás... principalmente músicas... de protesto que
falava de uma realidade... essas músicas continuam atuais
até hoje?
MB sim... guardado as proporções da época certo?... eh::
pô se você:: você fô(r) vê(r)/
Atualidade de
músicas antigas
tem um barato que eu falo sempre... nós (es)tamo(s) no
terce(i)ro governo de esquerda... né? já são doze/ é:: --
oito com mai(s) -- nove anos aí:: de um governo eleito de
esquer::da coisa que a gente luTAva... a gente perdeu três
eleição c'o Lu::la... é aquela/ aquele pessoal que começô(u)
com o rap em noventa noventa e um... já veio c'o Lula...
Governo Lula
202
lutan(d)o e a gente viu o Lula perden(d)o três eleição
consecutiva... ((sorrindo)) era que nem o Santos
WM ((risos))
MB perdia e/ a gente pô continuava e quando o Lula foi
eleito a prime(i)ra vez tam(b)ém foi a::... a grande mu/ a
grande PÁ... foi um governo de esquerda eleito pá... e a
gente apoiava... uma coisa é você sê(r) é:: o:: oposição
o(u)t(r)a coisa é quando o governo que você apoia... elege...
que era o Lu::la pá toda aquela ideia e tudo aquilo...
isso tam(b)ém fez o segundo/ a segunda eleição do Lula o
segundo mandato tam(b)ém que ele deu u(m)a/ o Brasil deu
u(m)a:: ((faz movimento com as mãos para frente))... u(m)a
movimentada uma movimentada no Brasil... mexeu com a economia
pagô(u) dívida emprestô(u) dinhe(i)ro fez o/ fez acontecê(r)
muita coisa o Lula fez...
Efeitos do governo
de Lula
então o Brasil é lógico que reflete na rua... reflete no dia
a dia reflete nas pequenas e grandes coisas... entendeu?
quem (es)tá na rua percebe que mudô(u)
Mudança no Brasil
BB e o rap mudô(u)?
MB tem que mudá(r) eu acho... talvez... é necessário
4[(inint.)]
BB 4[mas ele mudô(u)?]
MB ((respira fundo)) e 5[o o ((balbucio))]
BB 5[tem mais espaço] hoje::?
MB não/ tem menos espaço hoje... por incrível que pareça
tem menos espaço hoje o rap hoje... que o rap só/ o rap...
ele sofre embargo... cultura::l embar/ embargo racia::l
Mudança no rap
BB (vo)cê acha que ainda continua?
MB exi::ste calado silencioso hipócrita existe...
existe... eh:::: difícil te prová(r) é coisa que se VIve..
e se sente e você::: eh e você vê:: pelo/ pelo investimento
que é feito em cima... quem mantém eh/ esse movimento são os
PRÓp(r)ios integrantes... não tem movi/ dinhe(i)ro externo
praticamente... todo dinhe(i)ro é feito pelos próprios é uma
república À parte... da música... entendeu? que tam(b)ém não
consegue:: furá(r) certos bloqueio... pela própria postura
política que tem não fura o bloqueio e também o bloqueio se
((faz expressão facial fechada))... fica mais ((aperta as
mãos e continua com a expressão facial fechada))
WM mais acirrado né?
Bloqueio sofrido
pelo rap
203
MB mais acirra::do... e a gente tam(b)ém ((faz movimento
com as mãos puxando)) do lado de cá a gente tam(b)ém... mas
é lógico que::... OUtros que virão... eles vão tê(r)
alternativas pa podê(r) tam(b)ém chegá(r) aonde eles querem
BB ô Brown e William... (vo)cês não acham que às vezes o
jogador de futebol... pelo poder que ele tem... eh:: com a
mí::dia o apelo popular que eles têm... pô hoje qualqué(r)
-- qualqué(r) não mas pô (vo)cê pegá(r) um Neymar (vo)cê
pegá(r) um Ronaldo (vo)cê pegá(r) um Adriano... Roberto
Carlos... -- pô esses cara na hora que levantam a mão pa
dá(r) uma entrevista... pô o mun/ -- é ((balbucio)) modo de
falá(r) -- o mundo PAra pa vê(r) os caras
WM uhum
BB e a gente tem visto muito na Europa principalmente os
lances de racismo assim que são coisas... absurdas
recentemente teve agora... lá na Ucrânia que o cara jogô(u)
uma banana po Roberto Carlos... no no meio do jogo
WM no::ssa
BB na Espanha na Itália tem tido muito quando o cara
vai... vai batê(r) um escanteio uma falta a torcida fica
chamando de macaco... (vo)cê não acha -- isso é um abSURdo
--
Casos de racismo
no futebol
(vo)cê não acha que o/ o jogador por tê(r) essa força... ele
deveria também se e::... se pronunciá(r) também tê(r) mais
atitude?
MB ó(lha) chapa vô(u) te falá(r) s::... eu acho que cada
um sabe onde o calo aperta... certo? ele sabe o::... o mundo
que ele convive... e ninguém é obrigad(o)'a fazê(r) a vontade
de ninguém eu acho que o jogador... como qualqué(r) o(u)t(r)o
cidadão... ele tem que reagi(r)... certo? ele não pode se
omiti(r)... num (in)teress(a)' (s)e (e)le é jogador se ele
é rapper se ele é... sambista se ele é negro se ele é branco
e num concorda com a injustiça...
Atitude do jogador
de futebol ao
racismo
((sorrindo)) porque o branco também tem que reagi(r) a
isso... tá ligado? racismo é um branco vê(r) e ficá(r)
quieto... (vo)cê achá(r) que o o(u)t(r)o preto tem que
protestá(r) eu acho que contra o racismo branco tam(b)ém tem
direito de protestá(r)
BB sim mas -- eu concordo -- só que em vez desse caso em
específico... por exemplo eu vô(u) falá(r) do meu caso... eu
toda vez que vejo um lance desse eu critico veementemente
MB certo
BB mas eu ((balbucio)) eu/ porque eu considero isso um
absurdo pra mim preconceito racial qualqué(r) tipo de
Reação ao racismo
204
preconceito... pô isso é u(m)a:: é uma estupiDEZ sem
limite... mas ô Brown mas quem é atingido também tem que se
pronunciá(r)
MB tem que se pronunciá(r) e pronunCIa... pronuncia...
eh::: agora... a postura do Roberto Carlos... o Roberto
Carlos que é um cara que tem a me(s)ma tonalidade de pele
que eu... a gente tem/ certo? a gente::... é um cara que
dent(r)o do Brasil ele poderia se senti(r) até bran::co...
como muitos aí se sente... lá ele foi senti(r) na pele o que
que é você sê(r) um... ((sorrindo)) um brasile(i)ro de...
raça misturada e tal o cara identificá(r) de longe você...
((risos)) 6[(inint.)]
Postura de Roberto
Carlos
WM tem uma questão cultural também dessa questão do
protesto né? que toda vez que o... o negro é atingido... e
ele protesta sempre... as pessoas dizem "não... porque essa
coisa do racismo é... a coisa do negro exigi(r) um respeito
é muito violento... se coloca com muita violência"... e aí
nessa hora a gente tem que:: botá(r) na balança né? realmente
se... se ela violência num/ num é necessária... nu/ nu/ num
digo nem a violência física em si mas a... realmente essa
colocação né? a "o cara (es)tá ali eu vô(u) falá(r) 'num
faça isso'" sabe?
Reação ao protesto
do negro
BB é que eu acho que o músico ele se expressa/ eh as vezes
ele se expressa o protesto dele a revolta dele através da
música
WM é é ((movimenta a cabeça em sinal de positivo))
BB ele passa o recado dele na onde é a praia dele
WM exato
BB e às vezes eu acho no futebol eu acho que 7[o jogador
deveria tê(r)] um po(u)co mais de
WM 7[é uma situação]... mas é uma situação meio difícil...
Atitude do jogador
de futebol ao
racismo
meio:: assim porque a gente fica pensando também no Pelé que
foi o grande... isso nunca aconteceu com o Pelé ou com
o(u)tros jogadores entendeu
MB ((levanta a cabeça)) VAI sabê(r)
BB é isso que eu ia falá(r) não sei... 8[mas naquela
época]
WM 8[não/ mas que]
BB a gente não tinha tanta informação... num tinha 9[a/
a/ a]
Racismo contra
Pelé
205
MB 9[talvez o cara] tenha ignorado... na al/ na altura da
majestade que ele era ele ignorava... 10[vai sabê(r) se os
cara não tentô(u)]
WM pô mas a Copa... 10[mas o Pelé desde que ele pintô(u)]
((sorrindo)) dentro da Copa do Mundo teve muita coisa
televisiva se tivesse ((corte de imagem, é exibida a vinheta
do programa)) tido alguma coisa nesse... nesse sentido
teria... entendeu?
BB ô Brown (vo)cê já trombô(u)/ (vo)cê conhece o Pelé
pessoalmente?
MB nunca conheci pessoalmente eh ainda não tive essa
satisfação de conhecê(r)
BB (vo)cê acha que no dia que (vo)cê encontrá(r) eles vai
sê(r) uma emoção assim daquelas sem limite? o:::u o(u) (vo)cê
não tem muito disso?
MB 11[nã:::o não eu sô(u)/] não eu tenho as pessoas que
eu gosto eu ab/ abra::ço... 12[faço questão assim/
cumprimentá(r)::]
WM 11[nã::o com o Pelé]... 12[o Pelé é nosso herói total]
Encontro de MB
com Pelé
BB na música 13[(vo)cê tem esses cara que (vo)cê "pô"]...
que (vo)cê paga o maió(r) pau que (vo)cê fala "caraca
(es)tô(u) aqui com o cara"? Jorge Ben?
MB 13[si:::m já fiz isso ah sim]... Jorge Ben/ não/
qualqué(r)/ qualqué(r):: pessoa que eu gostá(r) eu vô(u)
cumprimento... abra::ço
BB mas (vo)cê tem esse lance tam(b)ém de falá(r) "pô
de(i)xa eu tirá(r) uma foto c'o ca::ra... 14[arrumá(r) um]
autógrafo se fô(r) 15[o ca::so]... essas coisa (vo)cê tem?
MB 14[ti::ro foto]... 15[pego]... pego... pego claro
WM ((risos))
MB pego... Pelé fácil... pô foto autógrafo tudo
WM 16[((risos))]
BB 16[e na música]... é só o Jorge Ben?
MB 17[nã::::o]
BB 17[o cara p(r)o] (vo)cê falá(r) "pô quero tirá(r) uma
foto" -- porque (vo)cê sabe eu gosto de falá(r) com você de
MÚsica Brown... eu gosto de te enchê(r) o saco de música --
Músicos que MB
admira
206
MB ((sorrindo)) não/ de vários eu de vez em quando/ a
gente encontra... eh né/ na/ na... nas pista assim a encontra
assim eu aeroporto pá eu vô(u)... vô(u) rápido... ((muda a
voz)) "pô sô(u) seu fã" 18[falo rápido]
BB 18quem Brown?] pa 19[quem que (vo)cê já]
MB 19[pô Guilherme] Arantes 20[nós encontramo(s)...
isso... isso]
BB 20[((rindo)) pô eu adoro Guilherme Arantes tam(b)ém...
jura que (vo)cê falô(u) isso] po Guilherme Arantes?
MB a gente (es)tava nuns vinte... morô(u)? aí/ porra quase
todos fora(m) lá aí abraçô(u) falô(u) "pô a gente é seu fã
pá pô lega::l meu pô... firme::za? legal?" falei "pô olha
Guilhé"/ 21[começamo(s) a cantá(r) (com ele)]
BB 21[((cantando)) nas po(u)cas horas] com você
MB Guilherme Arantes
BB ((cantando)) eu me:: (inint.)... olha que lo(u)co
Brown eu adoro Guilherme Arantes
Encontro de MB
com Guilherme
Arantes
MB vários gostam... Dexter falô(u) que gosta de Guilherme
Arantes ((risos de todos))... olha que firmeza... aquela
minoria assim que o:: que os cara não se declara né?...
Guilherme Arantes é::: um som pô dos anos oitenta... quem
cresceu nos anos oitenta curtiu 22[Guilherme Arantes]
WM 22[não/ essa essa geração] pessoal do Ri::o de uma
forma geral ama Guilherme Arantes quando eu cheguei quando
eu cheguei aqui em São Paulo que eu moro em São Paulo há
cinco anos... eu cheguei aqui eu comecei a vê TEM uma galera
que não gosta de Guilherme Arantes... em São Paulo eu falei
23["ma(s) como?"]
BB 23[mas acho que] é uma coisa que o Brown falô(u) acho
que é uma coisa meio Sílvio Santos
WM ((risos))
Gosto por
Guilherme Arantes
BB antigamente (vo)cê lembra que os cara falava ((muda a
voz)) "ah eu não assisto Sílvio Santos" parece que era
vergonha falá(r)... e a audiência do cara era ((levanta alto
uma das mãos, para cima do corpo)) (vo)cê falava "pô 24[como
ninguém assiste?"]
MB 24[como ninguém assiste?]
BB é... domingo só dava o cara na televisão
WM é só dava o cara né?
Gosto por Sílvio
Santos
207
BB ô Brown falan(d)o um po(u)co de Santos
MB certo
BB sonho realizado meu?... (vo)cê (es)TAva lá no
Pacaembu?
MB (es)TAva
BB e Deus existe Brown?
MB ((rindo)) Deus existe ((risos de todos))
BB ((sorrindo, olha para a câmera)) depois ele ficô(u)
bravo fica me zuan(do) falan(d)o "pô"... que eu o meu time
ainda vai:: ((volta-se para MB)) (vo)cê acha que eu 24[vô(u)
vê(r) o Corinthians campeão da Libertadores?]
Vitória do Santos
na Libertadores
MB 24[eu tenho uns amigo corinthiano] que já na na na/ os
cara na no mártir eles são o campeão né meu... no o(u)tro
dia após o jogo eles falan(d)o ((muda a voz)) "é nóis mano...
que cem ano num ganhamo(s) nada" eu falei "que isso? vai
começá(r) com isso agora?"
BB ((risos)) é assim me(s)::mo
MB pô... rei rei eh:: rei morto rei posto os cara já
(es)tão com uma ideologia nova
WM ((risos))
MB pós Libertadores do Santos... "agora nós somo(s) os
únicos que não temo(s) na::da" pá:: sofredor
BB é o marketing do drama que (vo)cê sempre fala né?
MB nã::o... o Santos pa ((balbucio))/ o Corinthia(ns) pa
reconhecê(r) o Santos pa ganhá(r)) alguma coisa teve que
ganhá(r) uma Libertadores... os cara se curvô(u)... até aí
não eles não aceitava não
Comportamento
dos amigos
corinthianos
BB ô Brown mas (vo)cê foi/ (vo)cê viu/ (vo)cê conseguiu
i(r) no jogo no Pacaembu? que (vo)cê (es)tava sem ingresso
e tal... conseguiu fazê(r) a correria conseguiu i(r)?
MB fizemo(s) uma corrida lá na porta lá e... graças a
Deus né?
BB ah Brown para vai meu 25[fazê(r) correria na porta
vai] ((sorrindo))... (vo)cê foi na torcida jovem?
MB 25[((risos)) (inint.)]... na torcida jo::vem
((sorrindo))
Presença de MB no
Pacaembu
208
BB e a emoção Bro?/ vai rolá(r)/ (vo)cê vai fazê(r) u(m)a
música... sobre esse título do San::tos alguma coisa especial
ou não?... que é u(m)a coisa histórica cara
MB então num fiz meu eu tenh(o)' um:: eu tenho uma
música:: do Santos que eu fiz em noventa e quatro numa época
que era se::/ uma seca né?... época das vacas magras
Música para o
Santos
BB noventa e quatro?
MB noventa e quatro... noventa e três pa nove quatro era
aquele time sofri:::do
BB época boa né Brown?
MB ganhava um casco por a:::no
BB ma(s) Deus existe né Brown?
WM ((risos))
BB a persistência né?
Época das vacas
magras do Santos
MB aí tinha uma música pra é::poca aí de/ lá pra cá/ só
que a música fala duma época que não ganhava mas ((sorrindo))
(vo)cê percebeu que não tem mais sentido né?... ((risos))...
contusão no ombro ((toca o ombro direito como se estivesse
com dores)) de tanto levantá trofé:::u
WM ((risos))
BB ((risos))
MB não cu:::ra... é i::sso cara... o futebol é iss(o)' aí
meu
BB ô William (vo)cês vão fazê(r) um som? o Brown (es)tá
encondendo o jogo vai rolá(r) um som depois (vo)cês vão
fazê(r) um som po Santos ou não?... vai tê(r) uma homenagem
ou não?
WM olha:: eh:: esse esse esse projeto ele:: na:: desde
que eu conheci comecei a trabalhá(r) com o Brown ele sempre
fala "vamo(s) fazê(r) um hino po Santos"... 26[eu falo]
27["tem que sê(r) uma produção histórica]
MB 26[falei]
BB 27[((dirige-se a MB)) (vo)cê lembra um po(u)co dessa
música] 28[ou não?]
Música para o
Santos
209
MB 28[não/ da mu/] da que eu fiz sim... não que/ é que
agora eu num num:: acho que nem pá mas era legal era bonito...
era bonito...
então era uma época que eu era:: a gente:: o Edinho é meu
amigo né? o::
BB o Edinho é gente boa pa caralho
MB é:: gente boa
Amizade de MB
com Edinho
BB e ele nun/ (vo)cê nunca pediu pra ele te apresentá(r)
o pai?
MB não porque o pai dele viajava muito ele também tem os
horários dele também era bem corrido... e o meu também...
então quando a gente se encontrava geralmente o pai dele não
(es)tava... o pai dele (es)tava sempre viajan(d)o a gente
num num teve aquela sorte pá:: as vez(es) eu tinha acabado
de sai(r) o pai dele chegava... ((muda a voz)) "pô meu pai
chegô(u)" "ah já (es)tô(u) aqui em São Paulo chapa... já
subi"... aí:: tipo num:: nunca pá...
Encontro de MB
com Pelé
mas aí quando a gente viu ele no Pacaembu acabô(u) o jogo
ali perto ele saiu na direção que a gente (es)tava assim foi
emocionante arrepiô(u)
BB que ele pegô(u) o Muricy tam(b)ém:::
MB eh::: porque eu vi os cara/ aqueles cara mais velho
gritá(r) "Pelé Pelé" eu a/ na época... devia tê(r) sido da/
daquele jeito né?...
Presença de Pelé
no Pacaembu
a gente num pegô(u)/ minha geração não viu Pelé mano... a
gente ouviu falá(r) Pelé num vimo(s) Pelé jogá(r)... ((faz
aceno com a cabeça))
Geração Pelé
BB mas (vo)cê viu Neymar né?
MB ((abre os braços)) porra
BB pra você o Neymar da tua geração..
Neymar
. ((dirige-se a WM)) (vo)cê viu Pelé William?... (vo)cê
pegô(u) um po(u)quinho o finalzinho ou tam(b)ém não?
WM ((balbucio)) peguei o finalzinho né? Pelé:::...
((balbucio)) eu sô(u) mais o(u) menos 29[contemporâneo do
Brown]
BB 29[pra vocês] pra vocês o Pelé/ o::: Neymar...
Geração Pelé
(vo)cê considera pós Pelé da geração de vocês o Neymar é o
maior jogador que (vo)cê viu jogá(r) no Santos o(u) não?
Neymar
210
MB Neymar:: Robinho
BB não... escolhe um
MB não/ aí é difícil... nã::o aí seria injustiça... que
o:: o::s dois pa torcida do Santos têm um peso muito
parecido... próximo
BB (vo)cê (vo)cê num acha que o Robinho virô(u) um jogador
comum?
MB não
BB eu num vejo o Robinho jogá(r) bola há muito tempo
MB eu acho que o Robinho tin/ tinha que vim embora pa
casa dele rápido... virá(r) rei no Santos que é o lugar
dele... ocupá(r) o lugar dele que é de destaque... sê(r)
campeão uma vez um ano sim um ano não pelo Santos... depois
virá(r) dirigen:::te
BB pô mas o Robinho tem essa moral toda?
MB te::::m pô...
Robinho
o Santos é o time que mais eh::: abre espaço pa ex jogadores
né? (vo)cê já reparô(u)?
BB isso sim isso é verdade... o São Paulo também tem
MB então
BB e o Santos... o resto é difícil
Espaço para ex
jogadores nos
times
MB e o Robinho esses cara tem o perfil do Santos... ia
sê(r) um cara que ele ia atuá(r) perto da torcida do/ a
torcida ama ele ia tê(r) sem/ tê(r) sempre prestí::gio...
até morrê(r)
WM como os o(u)tros jogadores tam(b)ém
Robinho
BB qual time (vo)cês preferem o de dois mil e dois ou
esse de a/ ou esse de agora?
MB ah::: os dois
Preferência entre
times do Santos
eu (es)tava no dois mil e dois lá no Morumbi eu (es)tava
BB não vamo(s) lembrá(r) o passado aqui não
MB eh::: então... e agora tam(b)ém dois mil e onze
tam(b)ém cont(r)a o Corinthians eu (es)tava
Jogos entre Santos
e Corinthians
211
BB eu (es)tava em dois mil e nove... ahn::: conta/ contra
o Santos tam(b)ém
MB ((risos))
BB ((risos de todos)) ah chega pô só (es)tô(u) toman(d)o
porrada de você Brown (es)tá de sacanagem comigo meia hora
de (vo)cê só me zuan(d)o
MB então aquele/ aquele gol ali foi foda... a matada do
Ronaldo quando ele dominô(u) a bola que o zague(i)ro foi pum
lado a bola po o(u)t(r)o ali já vi o gol... ali é veneno a
maldade pura... só a matada do cara já fala ((faz sinal com
as mãos cruzando-as a descruzando-as))
Gol de Ronaldo na
derrota do Santos
para o Corinthians
em 2009
BB mas você não me respondeu qual ti/ qual time é melhor
o de dois mil e dois ou esse?... tivesse que escolhê(r) um
time do Santos
MB esse
WM ah esse é melhor... o resultado de um a um
BB porque foi campeão da Libertadores ou porque o time
mesmo é melhor?
MB porque foi campeão da Libertadores
BB ô Brown (vo)cê é:::...
Preferência entre
times do Santos
e o Zé Love?... (vo)cê acha bom jogador?
MB gosto ((faz sinal de positivo com a cabeça))
BB jura?
MB bom jogador po time... bom jogador
BB quando ele perdeu aquele gol ali (vo)cê acha que ele
perde gol PA caramba meu?
MB perde... perde porque participa muito tam(b)ém... mas
abre muito espaço pos jogadores ele ele tem sintonia c'o/
c'o Neymar... eles são ami::go ele jo/ o mole/ o moleque
procura ele sempre ele erra dez vez o moleque procura ele de
novo... (es)tá ligado? e:::... e eles vai/ --
Zé Love
pô agora também vô(u) pe/ falá(r) dos acerto -- ele... pô o
cruzamento do gol contr(a)'o Corinthians foi do Zé Love no
começo do jogo... ali definiu... certo? foi de::le... aquele
prime(i)ro gol lá no:: -- aonde foi no Chile?... de cabeça
de ca/ logo no começo?... Chile né?... Colo Colo... Chile?...
-- foi gol do Zé Love de cabeça
Acertos de Zé
Love
212
BB naquele jogo lá que o::: a estréia do Muricy... que
puta (es)tava/ a coisa (es)tava feia po 30[Santos] desfalcado
tal (vo)cê acreditava ou (vo)cê (es)tava meio (vo)cê falô(u)
"puta aqui num vai dá(r) meu"?... porque aquele jogo pra
mim... acho que foi o jogo que mudô(u) a história do Santos
na Libertadores não foi não?
MB 30[(es)tava]...
Jogo da estreia de
Muricy no Santos
então meu é a/ a história do Santos mostra isso tam(b)ém o
Santos ele:: ele:::... se de(i)xá(r) aparecê(r) no
retrovisô(r) embaça meu... de(i)xô(u) de(i)xô(u) um:::
31[ele]
BB 31[chama] no farol... põe o pisca
MB não... põe o pisca não ((risos de todos))
BB não consigo pegá(r) o cara ((sorrindo))
MB não não não não não... ó(lha) ele de(i)xô(u)::: um
po(u)quinho de vida... ((balança a cabeça em sinal de
negativo)) de(i)xô(u) um po(u)quinho de vida po Santos vira
iss(o)'aí:::... tem time que é assim né?... Corinthians num
era assim? ((corte de imagem; é exibida a vinheta do
programa))
História de reação
do Santos
BB ô Brown... qual que:::: ((pigarro)) pô (es)tô(u)
ligado que (vo)cê é santista ro::xo (vo)cê vai em jogo pa
caram::ba (vo)cê chora (vo)cê vibra c'o Santos tal... (dei)xa
te falá(r) meu qual que::... emoção que pode sê(r) maior meu
você:: (es)tá(r) no estádio... e vê(r) teu time sê(r)
campeã::o (vo)cê (es)tá(r) lá na arquibancada c'a gale::ra
na torcida jovem ou (vo)cê fazen(d)o um show pa uma
multiDÃO... e tê(r)::: num sei quantos mil cara cantan(d)o
tua música?
MB bom
Emoção de MB
como torcedor e
como músico
BB porque essa deve sê(r) uma emoção po artista que deve
sê(r)... uma puta coisa lo(u)ca né Brown?... eu tenho o DVD
teu... do Racionais... até nessa parte... que é::: é uma
coisa que chama muita atenção... que é na hora que (vo)cê
vai tocá(r) "Nego Drama"
MB uhum
BB e tem o telão aparecen(d)::o Tim Ma::ia Chula::pa...
Bo::b Bob Mar::ley Mike Tyson aquela galera tal... e quando
você entra ali né?... que co/ na ara/ na hora que (vo)cê vai
cantá(r) que a câmera pega a multidão... é uma coisa muito
lo(u)ca cara porque (vo)cê vê(r) a cara das pessoas os cara
(es)tão vibran(d)o com você quando (vo)cê 32[entra] né?...
(vo)cê fala ((muda a voz)) cri::me futebo::l mú::sica...
Emoção do artista
em um show
213
né?... 33[(es)tá frio] em São Paulo (vo)cê fa/ cara os caras
(es)tão comemorando a galera grita parece que é um gol...
que comemora né? deve sê(r) uma puta duma emoção
MB 32[certo]... 33[certo]... não/ é... é emoção pu/ o
tempo todo... ali pra mim veja bem... eu (es)tô(u) ali
(es)tô(u) c'o/ (es)tô(u) c'o eles... emocionalmente nós
(es)tamo(s) ligado mas eu tam(b)ém (es)tô(u) preocupado com
a situação ali que eu não posso errá(r) c'o eles... e eu
(es)tô(u) naquela situação de administração ali de... do que
(es)tá acontecen(d)o que... eu divido essa emoção com
preocupação... então nem SEMpre eu flagro tudo... eu flagro
muita coisa... quem vê(r):: que as vez(es) tem/ tem mais
tempo pra vê(r)... eu tenho que cuidá(r) de várias coisa tem
que acontecê(r) tudo certinho e 34[(es)tô(u) naquela]
operan(d)o a situação ali se fô(r) mal ali... reflete lá...
e eu num posso errá(r)... ((sorrindo)) pra que num::: num
perca esse clima... entendeu? então nem sempre eu vejo ma(s)
porra a gente... eh:: faz de tudo pra que a gente pode...
eh::: sei lá... sê(r) mais transparente possível fazê(r) o
barato chegá(r)::: natural... entendeu?
MB (es)tá atua::n(d)o me(s)mo então
BB muito sincero... (vo)cê um dia imaginô(u)... fazê(r)
u(m)a banda... os Racionais... e sê(r) considerado a maió(r)
banda de rap do Brasil você/ você é considerado por muitos
inclusive por mim pra mim um dos maiores NOmes da música
brasile(i)ra um dos maiores nomes um dos caras mais
inteliGENtes... (vo)cê imaginô(u) um dia isso Brown? na real
ou você não tem essa noção (vo)cê acha que num é tudo isso?...
que quem (es)tá dentro as vezes fala ((muda a voz))
"nã:::::o"
MB não/ agradeço as palavras aí... num é/ acho que num é
tudo isso não... eh:::... num sei cara as vez(es) eu penso
assim... tem muita gente boa no Brasil entendeu mano? a
gente:: sabe quem é bom... a gente sabe quem é bão... Brasil
tem gente boa pô Chi Buarque de Holanda é um MONStro... então
a gente tem boas referên:::cias morô(u)?... tem o Caetano
Veloso que é um mons:::tro
Importância de MB
para a música
brasileira
BB (vo)cê ouve MPB Brown?
MB então alguns amigo me ensinaram a ouvi(r) MPB... e
chegô(u) nu(m)a época que eu já (es)tava até mais... mais
maduro e entendi melhor...
Gosto de MB por
MPB
a minha infância essas música semp(r)e tocô(u)... tocô(u)::
tocava:: MPB tocava fun::k samba de... samba de raiz que era
o/ era o som de coisa dos anos setenta oitenta mas essas
música semp(r)e (es)tiveram nas nove:::la né meu?
((sorrindo))... no convívio do povão semp(r)e rolô(u) essas
música... MPB... Maria Betânia Gal Costa pá pá::
Convivência de
MB com a MPB
214
BB mas (vo)cê consegue botá(r) no::: ((aponta para
frente))
MB si::::m
BB (vo)cê consegue botá(r) e ouvi(r)?
MB nã::o/ agora eu consigo... agora eu consigo...
Gosto de MB por
MPB
eu nu:: eu num conhecia assi:::m afundo e tal talvez a::
barre(i)ra da ida::de... eu num vivi aquelas le::tra e tal...
aí (vo)cê vai eh::: conviven(d)o mais... identifican(d)o
mais... com as ide::ias/ ah isso é gente do Brasil né meu?
gente que canta coisa do Brasil (vo)cê é brasile(i)ro
tam(b)ém (vo)cê vai vê(r) que tem a vê(r) com você e (vo)cê
descobre que tem a vê(r)
Convivência de
MB com a MPB
WM Brown atualmente é fã do Clube da Esquina né?
MB Clube da Esqui::na ((abre os braços))... 35[certo?]...
36[si::m]
BB 35[jura?]... Lô Borges 36[Beto Guedes?]...
((cantando)) "na janela lateral"
Gosto de MB por
Clube da Esquina
MB então o(u)t(r)as músicas foi um amigo meu que me
37[apresentô(u)]
BB 37[é me(s)mo Brown?]
MB ué quem me apresentô(u) essas música foi um amigo
meu... que é o Nelsã::o ta::l já é da/ ((aponta para trás
com um dos braços)) dois mil...
WM ((risos))
MB num foi agora... noventa e nove ele falô(u) assim "ouve
essas música aqui" e ele explicava a música pra mim... "CALma
aí paciência... ouve o som"... e começava a explicá(r) "isso
aqui ó(lha)... Tom Jobim... ouve aí"... pá e ((faz movimento
cruzando os braços com a expressão facial fechada)) ficava
ouvin(d)o... aí ele explicava "ó(lha) isso aqui:: (es)tá
fazen(d)o alusão a um PÁssaro do Norde::ste ta::l (es)tá
contan(d)o a história do cangace(i)::ro que (es)tá sen(d)o
perseguido no... os cara (es)tão queren(d)o matá(r) o ca::ra
e o cara"/ entendeu? eu falei pra ele/ fui vê(r) o clima
falei "puta pode crê(r) mano"
WM uhum
MB foi assim
Apresentação de
MB à MPB
BB e (vo)cê consegue jogá(r):: um po(u)co dessa
influência/ (vo)cê (es)tá jogan(d)o nas coisas novas o(u):::
uma coisa é uma coisa o(u)t(r)a coisa é o(u)t(r)a coisa?
Influência da MPB
no som de MB
215
MB então... esse cara que (es)tá do meu lado ((apontada
para WM) William... ELE que é isso... ele é a músi/ ele::
BB pô Black Rio né?
MB banda Black Rio a música ele sabe fazê(r) música
brasile(i)ra na esSÊNcia dele e ele sabe foi pô(r) do funk...
que é o que::... me interessa... tudo isso em ritmo do funk
certo? ((olha para WM)... é o que ele faz
Importância de
WM
BB o Boogie Naipe o William (es)tá junto?
MB eh o William é:: a estrela maió(r) do Boogie Naipe
((risos de MB e WM))
Participação de
WM no Boogie
Naipe
BB pra quem não sabe... pa quem não sabe né Brown? eu
vô(u) explicá(r)... Boogie Naipe é o/ é o::: projeto novo do
Brown... SÓ com cara fera... e é po pessoa::l é um black:::
pos cara dançá(r):: é isso Brown?... swin:::g... pos cara se
diverti(r):::... essa é a pegada?
MB é o lance é fazê(r) o funk né? o som de/ o som negro
38[né?]
Boogie Naipe
BB 38[o funk funk né?]... que o funk carioca 39[deu uma
banalizada no termo]
WM 38[o funk das]... 39[não]
MB 39[tam(b)ém ma(s) é funk tam(b)ém]
WM é::
MB na tradução da palavra é funk tam(b)ém agora o funk
que eu quero fazê(r) é aquele funk do::
WM setentista né?... 40[funk da década de setenta...
disco rock]
MB 40[é:: aquele funk::... aquele funk] do James Bro::wn
aquilo:: -- sem pretensão quem sô(u) eu pa fazê(r) o funk do
James Brown? --... mas... eu quero (es)tá(r) perto dos cara
((aponta para WM)) que saiba fazê(r) acredito nesse::...
eh::: nessa tendência... pa periferi::a essa tendência de
som pra/ pa juventude essa tendên/ pos estuDAN::te...
morô(u)?... pra:: pa quem traba:::lha pa quem (es)tá lá na
pista luta pela vi::da são músicas que fala da vi::da... das
pequenas co:::isas... ((sorrindo)) a revolução é feita de
pequenas coisas
Pegada funk
BB (vo)cê falô(u) do James Brown... o(u)tro mito que eu
vi
Ida de BB ao show
de James Brown
216
MB é::?
BB eu fui no James Brown em chic show
WM ((riso)) aonde?
BB no Palme(i)ras
MB eu tam(b)ém... 41[(es)tava lá]
BB eu assisti o show... chic show... 41[era feito no]
ginásio do Palme(i)ras... ((cantando)) "everbody chic? chic
sho::ow everbody chic?" lembra disso?
WM 41[ah::::]
MB tem mais um desse aí chá ma/ ó(lha)?
BB ahn?
MB tem mais um desse aí? geladinho aí?
BB o Red Bull?
MB é será que tem?
BB puta eu num tro(u)xe eu peguei e num abri qué(r) o
meu?
MB ((bate na perna com uma das mãos)) não
BB pode tomá(r)::
WM ((risos))
MB num p(r)ecisa não
BB nem tome::i tomei um gole... na próxima vez eu trago
mais p'o (vo)cê
MB num esquenta
Bebida para MB
BB ô Brown... mundial... Santos e Barcelona
MB unh
BB Messi e Neymar... você a/ olhando os dois times aí pra
mim o Barcelona é o maió(r) time do mundo esse Barcelona e
um dos maiores que eu vi jogá(r) na VIda... na vida... Xavi
Iñiesta Messi... aquele time é sacanagem ma(s) o Santos tem
Neymar tem Ganso tem o Elano tem o Arouca (es)tão jogan(d)o
muito... é sonho?... falta muito o Santos precisa contratá(r)
ou dá pra jogá(r) de igual pra igual com os caras?
Jogo entre Santos e
Barcelona
217
MB ô mano eu já vi grandes times mano... tam(b)ém no
Brasil... no nível do Barcelona... e acho que o Santos não
fica atrás do Barcelona
BB em nada? 42[nem a defesa?]
MB 42[não/ em algumas] coisas mas eles ficam tam(b)ém
atrás da gente em o(u)tras coisa
BB no que?
MB ah::: eu acho que eles não (es)tão a:: acostumado e
lidá(r) com as dificuldade que nois (es)tamo(s)... pode
acontecê(r) qualqué(r) coisa/ eles vão sabê(r) se
recuperá(r)? tomá(r) um:: o time levá(r)/ começá(r) a
esculachá(r) logo de cara?
WM ((risos))
MB eles sabe recuperá(r) buscá(r)? os cara sabe
atropelá(r)
WM ((risos))
MB envolvê(r) e se eles fô(r) envolvido?... e se os
zague(i)ro dos cara não achá(r) nois?... a marcação deles de
longe lá que eles faz
Comparação entre
Santos e Barcelona
BB bom se de(i)xá(r) o Neymar jogá(r) igual o Fredson
che/ cho/ de(i)xô(u) na final da Champions que o Messi olhava
até pa torcida pa fazê(r) tchau
MB então o Messi é um jogador tam(b)ém igual o Neymar ele
é ser humano
WM ((risos))
MB (vo)cê viu o jogo da Argentina lá... (vo)cê viu o quan/
na/ na Argentina ele é contestado ainda... 43[(inint.)]
Messi
WM e Deus existe... 43[(inint.) ((risos))]
BB 43[(inint.)] e Deus existe
MB Deus existe
WM ((risos))
MB tenha fé cara... tenha fé::
Jogo entre Santos e
Barcelona
BB mas o Messi é contestado porque o Messi foi embora pa
Espanha com treze anos de idade... então o argentino... ele
é:::: é argentino mas não é argentino 44[pos cara os cara
Contestação de
Messi
218
considera pa caramba] mas os cara têm um po(u)co de birra
(vo)cê viu que na estréia da Copa América a torcida gritava
mais o nome do Tevez que do:::... do Messi
MB 44[(patrio/ (inint.) certo]... porque o do/ o Tevez é
mais... mais local né?
BB (vo)cê vai po Japão vê(r)?
MB eu num garanto cara eu num gosto de avião... num gosto
de tanto tempo de avião não vinte e quat(r)o hora eu amo o
Santos de 45[pa(i)xão]
BB 45[pô mais uma] final de mundial contra o Barcelona
não vale o ri/ não vale o sacrifício?
MB ô mas eu vô(u) te falá(r) meu na na leGAL... eu vô(u)
ten/ vamo(s) armá(r) uma festa leGAL lá na nossa quebrada...
chamá(r) os amigo fazê(r) um churrascão pendurá(r) as
bande(i)ra... comprá(r) tudo os fogos
Ida de MB à final
entre Santos e
Barcelona
BB (vo)cê é a favor ou contra a Copa do Mundo no Brasil?
MB ((olha ao redor)) porra mano... ah eu gosto de/ eu
gosto de futebol cara e acho que São Paulo p(r)ecisa de
melhoria tam(b)é:::m... eh::: eu num parei pa pensá(r) muito
a respeito não meu... se:: enconomicamente ia sê(r) bom po
Brasi::l se ia sê(r) o ci:::rco né?... os cara fala que ia
sê(r) o lado do pão e circo... ma::s eu acho que::... eh o
Brasil (es)tá na rota dos grandes negócios do mundo tam(b)ém
já... entendeu? dos grandes even::tos e tal e:::... vai tê(r)
sempre essa dúvida se compensa ou nã::o se o Brasil vai
gastá(r) mais vai ganhá(r) mais entendeu?
Copa do mundo no
Brasil
BB mas esse negócio do sigilio no orçamen::to que... tem
que guardá(r) a sete cha:::ves que ninguém pode sabê(r)
quanto (es)tá gastan:::do
MB errrado... orçamento tem que sê(r)/ tinha que sê(r)
num:: num digital no meio da Praça da/ da Sé gigante...
de(i)xô(u) uma moeda um número mudava ((olhando pra cima))
WM mudava um cenTAvo que fosse gasto
BB SENsacional Brown puta ideia do cacete
MB dia inte(i)ro acompanhan(d)o a mudança da moeda... ah
comprô(u) mil blocos pa::: ((balbucio))
WM o estádio (Pacaembu))
MB é taca lá ((olha para cima e indica acima com uma das
mãos))
Sigilo no
orçamento da Copa
do Mundo no
Brasil
219
WM ((risos)) mil blocos
MB ((olhando para cima)) menos... duzentos e cinquenta
reais
BB achei legal pa cacete cara... puta ideia 46[vai
giran(d)o]
MB 46[eu acho que] o orçamento tinha que sê(r) assim num
num::
WM às claras né?
MB uma placa ((apontando acima com os dois braços))
gigante po povo lê(r) de longe... a um quilômetro assim
ó(lha)
BB e você como pauLISta paulistano da gema... Capão
Redondo
MB eh::
BB (vo)cê acha que São Paulo tem que tê(r) uma abertura
da Co::pa... ou (vo)cê tam(b)ém não liga pra isso tanto faz?
MB te falá(r) pa mim tanto faz... si/ sinceramente assim
num 47[sô(u)::]
Abertura da Copa
do Mundo em SP
num sô(u)::: defensor de nada em São PAulo ((balbucio)) eu
sô(u) filho de baia::no... entendeu? minha bande(i)ra
é:::... num é nem São Paulo chapa... entendeu? moro em São
Paulo minha minha minha mãe/ nasci em São Paulo certo?...
ma(s) a gente::: é do povo do norte tam(b)é::m... então nois
temo(s) um lance do norte um um amor tam(b)ém pelas coisa
do::/ da nossa raiz tam(b)ém... eu num:::/
Relação de MB
com SP
sei lá meu... (es)tá bom... pode sê(r) no Rio... pode sê(r)
em Minas... Bahia... se num fô(r):: esquema pa pa ro(u)bá(r)
dinhe(i)ro... pa... entendeu?... pode fazê(r)... demorô(u))
do Corinthians lá
Abertura da Copa
do Mundo em SP
o grande problema no Brasil toda vez que fala de grandes
eventos parece que vai tê(r) grandes roubos né?
BB 47[por quê?]
WM ((risos))... 48[verdade]
BB 48[é que o histórico]... 49[o histórico né:::?]
MB então 49[então essa preocupação] (vo)cê acha que é bom
tê(r) isso no Brasil tal por quê? porque se fosse na
Inglaterra mano... lógico que seria bom... mas po Brasil por
quê que tudo que mexe parece que vai sê(r) ruim? porque já
tem aquela desconfiança PRÉvia... iss(o)'aí já vai tê(r)
Desconfiança nos
grandes eventos no
Brasil
220
um:: ROUbo né?... os cara vai superfaturá(r) um monte de
coi::sa vai aconte/ e num vai beneficiá(r) a população que
mora num lugá(r) e tal... eh::: vai inflacioná(r) todos os
imó::veis vai tirá(r) todas as pessoa dali vai jogá(r) lá po
fundão da cara do caram::ba... entendeu? igual/ aconteceu
isso lá no estádio
BB nós vamo(s) lá Brown um dia vê(r) Corinthians e Santos
o(u) não?
MB ah se dé(r) lá o::... as cota do ingresso justa né?...
pel(o) amor de De::us essas/ vamo(s) repensá(r) essas
50[((risos))] essas cota de ingresso (es)tá injusta
WM 50[((riso))]
Ida de BB e MB ao
estádio do
Corinthians
BB ô Brown teu grande teu grande rival é o Corinthians?...
o time que (vo)cê gos::ta de ganhá(r)::
MB os três
BB ah:::: 51[PARA Brown ah] num é os três semp(r)e tem um
WM 51[((risos))]
MB 51[os três nã:::]... eu tenho um pa cada camarada
WM ((risos))
MB um pa cada camarada certo... tem semp(r)e um
palme(i)rense mais chato um 52[corinthiano mais chato um são
paulino] mais chato... (vo)cê sempre tem um escolhido no
casco... hoje é pa VOCÊ ((aponta para frente, sorrindo))
WM 52[((risos))]... ((risos))
BB ((risos))
MB os trê:::s
Rivalidade de MB
com o Corinthians
BB ô Brown e quando por exemplo o Corinthians ganha do
Santos... os cara te enche 53[o saco pa cacete?] e (vo)cê
leva na boa (vo)cê tem... senso de 54[humor pra isso ou tem
limite?]
MB 53[enche o saco pa caralho]... 54[leva na boa não]...
não/ 55[assim::: dent(r)o do::]
WM 55[((risos))]
BB 55[((risos))]
Brincadeiras
sofridas por MB
nas derrotas do
Santos
221
MB ((sorrindo)) dent(r)o do futebol ali nós vamo(s)
conversá(r) na medida do:: possível dent(r)o do futebol...
(inint.) ((risos))
BB tipo os cara vão na porta da tua casa solta 56[rojã:::o
buzi::na]
MB 56[não... não] porque eu fico po(u)co em casa mas eu
vô(u) em direção aos cara... eu vô(u) aos cara... não tem
esse problema... o Santos perde eu vô(u) aos cara... eu mato
na na raiz ((gesticula como quem usa uma faca e está cortando
algo))... enfia... sem problema... 57[dô(u):: parabéns::]
BB 57[os cara pega pesado c'o] (vo)cê? os cara pega
pesado?
MB até ten::ta mas tam(b)ém eu sô(u) sarcástico... eu
sei:::
BB o Santos campeão da Libertadores (vo)cê enCHEU O SACO
meu?
MB eu fui/ o que que eu fiz? eu fiz silên::cio cara
BB 58[AH:::: Brown/ ô coisa de mala hem Brown]
WM 58[((risos))]
MB peguei a bande(i)ra enrolei a bande(i)ra... sério/ os
cara sabe lá quem (es)tivé(r)/ quem vê(r) amanhã vai vê(r)/
que (es)tá lá sabe eu peguei uma bande(i)ra do Santos igual
essa camisa listradona assim... c'o agasalho do Santos
azu(l):: meti a bande(i)ra e fui lá pra cima pa quebrada
fiquei lá com a bande(i)ra enrolada no corpo o dia inte(i)ro
WM 59[((risos))]
BB 59[((risos))]
MB 59[parecen(d)o um mendigo... com a bande(i)ra do
Santos o dia inTE(i)ro... sem falá(r) nada]
BB sem abri(r) a boca? puta 60[coisa de lo(u)co]
MB 60[falá(r) o que?]
WM 61[((risos))]
BB 61[nossa QUE MALA] Brown que MA:::LA véi
MB os cara vê(r) eu com aquela ro(u)pa preta vem falá(r)
"porra parabén:::s" falei "pode crê(r)"
Brincadeiras de
MB na vitória do
Santos na
Libertadores
222
WM ((risos))
MB Santos é (inint.)
WM 62[((risos))]
BB 62[((risos))]... pu:::ta ca/ cara:::ca (vo)cê ficô(u)
marren/ (es)tá marrento hem Brown? ((pega uma caneta que
estava na frente dos convidados e a destampa))
MB falei... não/ eu falei
BB (dei)xa eu te 63[falá(r) se fosse pra::] ((pega uma
camiseta que estava na frente dos convidados))
MB 63[mas é na zue(i)ra no] respeito sem::p(r)e né?
BB que música ((entrega a camiseta a MB enquanto fala))
(vo)cê autografa aqui Brown 64[vô(u)] sorteá(r) duas camisa
do Santos... RÉplica do Pelé ((pega uma segunda camiseta))
MB 64[lógico]... isso ((pega uma das camisetas))
WM nossa sensacional
BB olha isso hem Brown? ((mostra uma das camisetas a WM
e MB))
WM ((pigarro)) linda
MB linda ((acena com a cabeça em sinal de positivo))
WM linda linda
BB prime(i)ro gol (vo)cê sabe né? essa réplica aqui
((aponta para uma das camisetas que está agora sobre suas
pernas)) é uma réplica da prime(i)ra camisa que/ o prime(i)ro
gol do Pelé... com a camisa do Santos... pedi(r) pro (vo)cê
autografá(r) ((entrega a caneta a MB))... ô Brown se fosse
pra::
MB ((aponta para as camisetas que ele mesmo e BB seguram))
essa ou essa?
BB as/ as três ((aponta também para uma camiseta que resta
na frente dos convidados e pega essa terce(i)ra camiseta))...
Camisetas
sorteadas no
programa
ô Brown se fosse pra dedicá(r) se fosse/ que música (vo)cê
acha que cairia bem... qualqué(r) música de qualqué(r)
artista... que música cairia bem pr(a)'esse título do Santos?
MB uma música?
BB se (vo)cê tivesse que escolhê(r) fazê(r) um clipe
Música para o
Santos
223
65[um(a)'homenagem?]
MB 65[uma do Jorge Ben]... uma do Jorge Ben
BB qualqué(r) uma? ou alguma em especial?
MB ah uma bem ZIca me(s)mo... pegá(r) aquelas bem::: "Oba
oba Charles"... ((risos))
WM 66[((risos))]
BB 66[sucesso hem?]
MB tudo a vê(r) c'o Santos... 67[com o Neymar]
BB 67[sonze(i)ra]... sonze(i)ra
MB eh:::: entendeu? ((sorrindo, autografa a camiseta))
BB Jorge Ben Jorge Ben/ Jorge Ben pa você continua sen/
Jorge Ben é o Pelé da música p(ra) (vo)cê?
MB é eTERno... Jorge Ben James Brown Marvin Gaye... Bob
Marley... esses é os MONStro rapá(z)
BB mas brasile(i)ro Jorge Ben ou Tim Maia?
MB Jorge Ben prime(i)ro... Tim Maia na continuação...
Cassia:::no dos que/ né? graças a Deus (es)tão vivos aí...
e vão vivê(r) muito ainda... né? ((termina de autografar a
primeira camiseta))... 68[Hyl::don]
BB ((entrega a segunda camiseta para MB)) 68[(vo)cê
também] William? Jorge Ben?
WM ah Jorge Ben com certeza acho que é o::: artista mais
emblemático assim né? e toda essa relação que ele tem...
eh:: aqui aqui com São Paulo né? é muito lo(u)co porque ele
morô(u) uma época aqui em São Paulo né? mas que ele tem de
uma certa forma com o Brasil... com essa questão da
Tropicá::lia né? é um artista:: acho que mais emblemático
assim da música negra né? da história da música negra
Importância de
Jorge Ben
BB ((dirige o olhar a WM)) se (vo)cê fosse escolhê(r) uma
música po Santos tam(b)ém p(ra)'esse título seria Jorge Ben
tam(b)ém? ((entega a terceira camiseta para MB))
WM ((sorrindo)) não sei se eu escolheria uma do Racionais
MB ((risos))
WM "Nego Drama"... ((risos))
MB pode/ tem a vê(r)
Música de WM ao
título do Santos
224
WM tem a vê(r)
BB pra MIM é a melhor música dos Racionais
WM com certeza
BB as duas que eu mais gosto "Nego Drama"
Música Nego
Drama
e "Racionais capítulo quatro versículo três"
WM 68[((risos))]
MB 68[((risos))]
BB 68[((cantando)) "alelu::::ia"]... hem Brown?
Música Racionais
capítulo 4
versículo 3
MB é essa música fala do Edinho... o príncipe guerre(i)ro
que defende o gol o Ed Rock canta é o Edinho
BB eu lembro porque quando vocês tocaram em mil novecentes
e noventa e oito naquela festa na MTV quando (vo)cês ganharam
o prêmio
MB ele (es)tava ((sorrindo, acena com a cabeça em sinal
de positivo))
BB ahn?
MB o Edinho (es)tava ((sorrindo))
BB o Edinho (es)tava... (vo)cê vê(r) eu sei tudo de você
((toca MB na altura dos ombros com uma das mãos; pega a
terceira camiseta autografada por MB e a deixa na frente dos
convidados)) hem Brown? 69[((risos))]
WM 69[((risos))]
MB 69[((risos))]
Relação entre a
letra de Racionais
cap 4 vers 3 e
Edinho
BB Brown ((cumprimenta MB com um aperto de mão)) ... ((dá
palmadas nas costas de MB)) você é DO cacete... William
((cumprimenta WM com um aperto de mão))... pô Black Rio sem
palavras
WM valeu
BB (o)brigado Brown pela presença pela moral aí...
falá(r) de Santos falá(r) com você é sempre uma puta duma
alegria...
Programa com MB
e você sabe (vo)cê num gosta que eu falo mas pra mim é
me(s)mo pra mim é Jorge Ben Tim Maia e Mano Brown
Representatividade
de MB para a
msica brasileira
225
MB que isso
WM ((risos))
BB a continuação a saga continua... ele num gosta que eu
fale mas é verdade
WM ((acena com a cabeça em sinal de positivo)) tem uma
representatividade muito grande
BB e vamo(s) vê(r) né? se Deus existe/ 70[Deus existe
né?]... vô(u) vê(r):: final do ano... Santos e Barcelona
WM 70[((risos))]
Jogo/ final entre
Santos e Barcelona
MB vai tocá(r) Black Rio lá na noventa e sete lá pra nois?
BB va:::i... 71[e vai tocá(r) numa festa] tam(b)ém que
nós vamo(s) fazê(r)... 72[Boogie Naipe... né?]
Divulgaçãoo da
Boogie Naipe por
BB
MB 71[(energia fun::k)]... 72[a gente (es)tá lançan(d)o
o disco hem?]
BB ahn?
MB (es)tá lançando um discão
BB Black Rio lançando?... 73[quando?]
WM 73[(es)tá lançando]
MB 73[três fa(i)xa]... agora
WM (a)cabô(u) de lançá(r) um na Inglaterra 74[que saiu
ho/] ontem na verdade
BB 74[porra]... que legal
WM "Supernova Sam Funk" né?
Lançamento do
disco da banda
Black Rio
MB e as crítica 75[que tem lá da?/ das coisa dele]
WM 75[saiu uma crítica muito boa] no The Guardian né?
BB cara76[::ca]
WM 76[jornal] da Inglaterra... 77[em vários jornais]
BB 77[então p(ra)'essa] molecada que (es)tão aí... Black
Rio bicho... é LENda... pa quem gosta de black music daquela
música ((balbucio)) FUNKÃO me(s)mo
WM eh::
Críticas ao novo
disco da banda
Black Rio
226
BB é Black Rio tem pa ninguém né Brown?
MB é então tem participação do Seu Jor::ge... Mano Brown::
do Pixo::te do Bron::x... Caetano Velo::so Gilberto Gi::l...
Elza Soa::res Chico Cé::sar... quem ma::is?... Ba::pt tem
um:: batalhão aí só de cara zica aí... vários compositores
diferentes vários nomes... consagrado e novos nomes
BB ((olhando para a câmera)) puta dica... pode comprá(r)
porque Black Rio bicho ainda c'o esses cara todo aí...
Lançamento do
disco da banda
Black Rio
ô isso aí é::/ é MELHOR do que vê(r) o time campeão ou não?
WM 78[((risos))]
MB 78[não/ (es)tá ali] vê(r) o Santos campeão é impagável
né? é uma coisa assim que::: a gente só ten/ só tende:: a
aceitá(r) que esse ano vai sê(r) muito bom né?... começa o
Santo sen(d)o campeã::o Black Rio lança o disco de::les eu
lanço o me::u... e todo mundo trabalha::n(d)o fazen(d)o o
seu dinhe(i)ro girá(r)::: morô(u)? sobreviven(d)o
Comparação entre
lançar disco ou ver
o time campeão
BB ((dirige o olhar a alguém atrás das câmeras))
(es)per(a)' aí só pra terminá(r) a última rapidinho... qual
a influência do/ o Muricy pra você é um dos grandes
responsáveis dessa mudança? (vo)cê acha que o Muricy quando
chegô(u) no Santos a pegada mudô(u)?
MB então chapa eu penso assim ó(lha)... eh::: de u(m)a
liga né?... deu u(m)a liga... (vo)cê percebe de longe que
deu u(m)a liga tipo paizão dos cara né?... ele é um
malan::dro... que pôs os moleque malandro pa jogá(r) que os
moleque são malandro (vo)cê vê(r) qu(e)'é:: o clima é
malandro quem num (es)tá na sintonia dos moleque é ro/ é
roça... entendeu? colocá(r) um cara de cintura quadrada pa
lidá(r) c'o Neymá(r) c'o esses moleque vai pô(r) (vo)cê::
mano tipo/ ah... amarrá(r) o cadarço do seu tênis pa (vo)cê
cai(r) de cara no chão os moleque é terrí::vel
BB o Dorival Júnior que o diga?
MB entã::o... faltô(u):: jogo de cintura o Muricy ele viu
o malandro ali fora ((balbucio))/ o Muricy é malandro ele
viu os cara falô(u) "(es)pera'(a)í... eu vô(u) dá(r) espaço
até aonde (vo)cês pode tê(r) daqui pa frente... acabô(u)...
comigo é sem chance" e foi iss(o)'aí::... lega::l meu...
autoritário mas ele ele sabe que ali ele (es)tá no meio só
de malan::dro... ele num quis sê(r) mais do que ninguém...
tam(b)ém
Influência de
Muricy no Santos
BB ((dirige o olhar a alguém atrás das câmeras)) puta é
difícil fazê(r) a última pergunta ((dirige o olhar a MB)) ô
Brown naquele dia do sete a um (vo)cê também botô(u) a
bande(i)ra e ficô(u) quieto ou os cara te zuaram?
Reação de MB na
derrota do Santos
para o Corinthians
227
WM 79[((risos))]
MB 79[nã::::o ali foi um dia] fatídico
BB ((rindo, toca MB no braço esquerdo))
MB ((risos)) mas eu... eu vô(u) te falá(r) a (es)tá pa/
(es)tá pa/ a virada (es)tá por vir meu... (vo)cê sabe que a
gente não de(i)xa nada pa::
BB sete a um?
MB por vocês... 80[eh::::]... 81[é questão de/ é questão
de tem::po]... 82[((risos))]... 83[ pô:::]
BB 80[sete a um esquece]... 81[esquece... esquece
esquece] esquece 82[essa::: (vo)cês (es)tão vindo] da
Libertadores do cacete foi justo honesto
83[merecidíssimo]... mas 84[sete a um não vai tê(r) não
Brown]
WM 84[é que o Deus existe né?]
BB ahn?
WM Deus existe
BB segundo o Bro/ o 85[Brown diz aí que]
MB 85[(vo)cês tomaram] SEIS do Juventude tem SEIS anos aí
cara com gol de chale(i)ra do Vitor
BB pô qual'é o/ ô::: (vo)cê (es)tá de/ (vo)cê é lo(u)co
(vo)cê vai lemBRÁ(R) véi
WM seis do Juventude
MB gol de chale(i)ra do Hugo... eu lembro
BB da onde (vo)cê tirô(u) isso cara?
MB ((move os ombros)) SEIS a zero pô
WM ((risos))
MB Juventude já pensô(u)?
BB porr(a)'o Brown (es)tá de sacanage(m) vamo(s)
terminá(r) essa porra aqui o Brown (es)tá de sacanage(m)...
olha o que ele vai lembrá(r) meu
WM ((risos))
Derrota do
Corinthians para o
Juventude
228
MB puxa nos arquivo... BOTAFOGO de São Paulo é/ SEIS a um
no Corinthians
WM eh:: é verdade
BB é mas tem um sete a um eterno e num tem jeito 86[Brown
esse] (es)tá na 87[memó:::ria]... derrubô(u) treinador
derrubô(u) (inint.) ((tocando MB no braço esquerdo algumas
vezes, muda a voz)) né Brown:::?
MB 86[eh:::]
WM 87[((risos))]
Derrota do
Corinthians para o
Botafogo
BB SENSACIONAL puta papo legal começan(d)o esses DEZ anos
que eu (es)tô(u) comemoran(d)o esse mês DEZ anos de Lance...
programa fora de sério e o Brown... a maiOR audiência que eu
tive até hoje aqui
MB ((balbucio)) ((acena com a cabeça em sinal de
positivo)) 88[(inint.)]
BB 88[sabia?] Mano Brown... então obrigado Brown...
William Magalhães Black Rio showzaço os cara lançando CD
maravilhoso...
Audiência do
programa com MB
e semana que vem tem mais um convidado aê meu ((pisca
olhando para a câmera e, com o punho fechado, balança um dos
braços))... ((muda a voz)) "Papo com Benja" URRU:::l
((risada))
((corte de imagem; é exibida e vinheta do programa))
Próximo programa
229
ANEXO 4 – Transcrição do programa Roda Viva em 24/09/2007
TEXTO Subtópico
correspondente
PM boa noite (.) ele considera: que o principal
conflito de hoje no Brasil é <((lendo)) em primeiro
lugar o do rico com o pobre (.) e em segundo... do
preto com o preto e em terceiro lugar (.) o do
branco com o preto (.) a frente de um dos mais
importantes grupos do rap brasileiro (.) .h o que
mais/ público atrai para seus\ shows de rua (.) e
que já vendeu mais de um milhão de CDs (.) .h ele
é considerado a voz/ da periferia pobre de São Paulo
(.) e faz da sua música um protesto/ .h e uma
denúncia\ contra o racismo o crescimento urbano
caótico e a dura vida nos bolsões de pobreza na
cidade (.) .numa rara aparição na TV /Mano Brown
está hoje no centro\ do ““Roda viva”” (.) ele é
líder e vocalista dos Racionais MCs... grupo de rap
que surgiu há mais de vinte anos no Capão Redondo
(.) .h região de Campo Limpo numa das áreas mais/
populosas (.) e pobres da Zona Sul de\ São Paulo...
a/ música de Mano Brown e dos Racionais\ MCs deixa
CLAro/ o conflito entre o centro e a periferia (.)
entre o Brasil dos incluídos e dos excluídos (.) o
grupo se transformo:u numa expressão das idéias
sobre consciência negra no Brasil (.) e fez dessa
percepção sua marca no: rap brasileiro> ((corte de
imagem))
Trajetória de Mano
Brown
LC <((voz feminina de um locutor)) ((imagens de
diversos rappers, shows, etc)) o rap... surgiu na
Jamaica na década de sessenta (.) fora/ dos Estados
Unidos e\ muito antes de estrelas como (.) Eminem
Surgimento do rap
Situação comunicativa: Entrevista
Duração:
Data:
87 min
24/09/2007
Participantes:
PM - Paulo Markum
MB - Mano Brown
MR - Maria Rita Kehl
PL - Paulo Lima
PLS - Paulo Lins
JN - José Nêumanne
RL - Renato Lombardi
RF - Ricardo Franca Cruz
RP - Rappin-Wood
FE - Ferrez
230
(.) Snoop Dog (.) e Public Enemy (.) ganharem
prêmios\... com aparelhos de som colocados nas ruas
(.) líderes/ aproveitavam os intervalos das músicas
para falar sobre a violência das\ favelas (.)
racismo (.) drogas (.) sexo (.) e a\ situação
política... com letras duras (.) o/ estilo do rap
conquistou espaço\ (.) e em pouco tempo estava
presente em outros países (.) como França Japão e
Brasil (.)
o/ maior ícone do rap no país> <((imagens da trajetória
do entrevistado)) é (.) Pedro Paulo Soares Pereira
(.) pouco conhecido por esse\ nome (.) mas que/ não
passa pela periferia sem ser reconhecido como Mano
Brown (.) líder do maior grupo de rap do Brasil (.)
os Racionais MCs (.) ele/ é um dos artistas mais
ouvidos nas regiões mais pobres do país...
Trajetória de Mano
Brown
o grupo formado em/ São Paulo em/ mil novecentos e
oitenta e oito tem\ além de Mano Brown Ice Blue (.)
Edy Rock (.) e o DJ (.) KL Jay... nesse ano (.)
eles/ participaram com duas faixas na coletânea
“Consciência\ Black” (.) dois anos depois (.) em
mil novecentos e noventa (.) saiu o primeiro disco
do grupo (.) o “Holocausto Urbano” (.) com/
denúncias de racismo e da miséria na periferia\ de
São Paulo (.) em mil/ novecentos e noventa e sete
com o disco “Sobrevivendo no\ Inferno” (.) os
Racionais MCs venderam/ mais de quinhentas mil
cópias sem uma grande rede de distribuição por trás
(.) e ganharam vários prêmios... o DVD (.) “Mil
Trutas (.) Mil Tretas” (.) foi/ lançado em dois mil\
e sete (.) com/ shows extras e um documentário sobre
a história dos bailes\ black na periferia de São
Paulo...
Discos dos Racionais
MC's
o vocalista do grupo Racionais MCs (.) diz/ que a
consciência de raça do líder negro americano Malcom
X (.) o fez entender coisas que estavam ao seu lado
(.) e\ que ele não entendia... já/ interrompeu shows
para conter brigas na platéia (.) e para fazer
discurso contra o álcool (.) após ver um jovem
bêbado entre\ os espectadores... avesso às
tecnologias (.) não sabe mexer em computador (.) e
se considera uma pessoa rústica... o caráter durão
(.) herdou da mãe (.) que deixou a Bahia com doze
anos\ após brigar com o pai dela (.) classifica/ o
povo brasileiro como pacífico... mas já afirmou que
pegaria em armas para fazer uma\ revolução... Mano
Brown raramente concede entrevistas e quase nunca
faz shows fora da periferia... já/ declarou que o
seu verdadeiro público está lá (.) foi quem o
colocou no topo e precisa ouvir o que ele tem a
Trajetória de Mano
Brown
231
dizer (.) atualmente atinge também a classe média
(.) falando de drogas (.) e marginalidade (9,0)>
PM .h para entrevistar <((lendo)) o líder do:s
Racionais MCs Mano Brown nós convidamos> ((corte de
imagem para cada participante citado)) Paulo Lins .h
escritor professor de literatura e roteirista de
cinema....h convidamos Renato Lombardi jornalista
da TV Cultura (.) Maria Rita Kehl (.) psicanalista
(.).h Ricardo Franca Cruz editor chefe da revista
Rolling Stone Brasil... José Nêumanne editorialista
do Jornal da Tarde comentarista da Rádio Jovem Pan
e do SBT... Paulo Lima .h editor da Trip (.)>
Entrevistadores do
programa
temos também a participação do cartunista Paulo Caruso
(.) .h registrando em seus desenhos os momentos e
os flagrantes do programa (.)
Participação do
cartunista
o ““Roda viva”” é transmitido em rede nacional de TV
pela rede pública para todo o Brasil (.) e também
(.) por meio da Rádio Cultura AM mil e duzentos
kilohertz
Transmissão do
programa
para você participar (.) do programa você pode fazer
sua pergunta pelo telefone <((lendo sequência
numérica)) ou pelo fax ((lendo sequência
numérica))>... e pode també:m mandar a pergunta sua
crítica sua sugestão pela internet (.) acessando o
site do programa <((lendo endereço da web))> (.) e
você manda (.) o seu (.) e-mail ((vira-se para o
entrevistado))
Participação do
telespectador
boa noite Mano Brown
MB °boa noite°
PM numa/ da::s- das poucas entrevistas que você
concedeu e que: a gente (.) acompanhou\ aqui pela
pesquisa que foi feita para/ o ““Roda viva”” (.)
você (.) se define como uma espécie de esPElho (.)
um espelho que retrata (.) a realidade (.) .h nesses
(.) eh quase vinte anos em que você (.) tá na estrada
como: (.) artista como compositor (.) eh-o espelho
Mano Brown eh:: registra alguma coisa de melhor (.)
ou a: realidade piorou de lá pra cá?...
MB .h ah eu diria diferente... diferente... eh:: .h se
eu dizer que melhorou pode parecer assi::m...
((balbucio)) melhorou um grão de areia entendeu?
PM °sei°
MB do-dentro do que a gente vê como:: do que precisa
ser melhorado então: eu me recuso a dizer que
Mudança na realidade
232
melhorou (.) mas também não so::u cego de perceber
mudanças... mudou... mudar mudou... entendeu? (.)
mudou pra:: agora:...
PM menos do que deveria ser neces[sário?]
MB [bem me]nos do que
deveria (.) bem menos do que poderia [°xx°]
PM [e na] arte? (.) quer dizer você (.) começou fazendo
música (.) eh: sim na periferia mas so-só era ouvido
lá... hoje você tem um:-um: (.) e o seu grupo tem
um espaço (.) .h eh-na chamada grande mídia (.)
[isso mudou?]
Mudança no espaço do
grupo
[antigamente] não era ouvido nem lá
PM nem lá?
MB entendeu? (.) não era ouvido nem lá porque...
periferia... é onde te:m... mais critério (.) mais
bom gosto... pra música... entendeu?... é onde se
analisa mais... se ouve mais... se dá mais atenção
(.) eu acho (.) então quando num é (.) num é (.)
entendeu?... não tem meio termo... é é (.) num é
num é (.) periferia é assim...
Música na periferia
MB entã:o quando a gente começou
simplesmente não existia... então não tem-
((balbucio)) a:s pessoa não entendia... aquele
barato daquela ro:upa... as corrente gro:ssa...
porque: também no nosso bairro... eh:: justamente a
gente começou numa época onde o bairro nosso tava
numa transição também... numa transiçã:o (2) vamos
dizer assim até violenta mesmo... entendeu? naquela
é-hoje em dia... você usa o boné (.) usa uma roupa
você anda numa banca de dez quinze cara tranqüilo
antigamente você tinha que... .h num vou dizer
disfarçar mas houve uma época que::: (.) na nossa
quebrada você era um alvo... assim justice::iro...
extermí:nio... e é foi justamente quando nasceu o
Racionais (.) nessa fase aí... então lá era mais
difícil... até do que nos outros lugares mêmo (.)
lá na nossa quebrada era mais difícil (3,0) <((corte
de imagem mostrando o desenho feito pelo cartunista
RC))
Começo do grupo no
bairro
PM Maria Rita?
MR ºeh- eu queria saber sobre já que você pergunta°
de-eh o Paulo Markun perguntou de melhorias>... o
que que você/ acha de movimentos\ sociais (.) que
Movimentos sociais em
SP
233
surgiram também/ nesse tempo (.) que os Racionais
tão aí na estrada\... tem um movimento lá no Capão
(.) quer dizer não é no Capão é em São Paulo .h mas
que é muito expressivo no Capão (.) que é o MTST eh
movimento dos trabalhadores sem teto (diz) que tem
até uma ocupação lá que tá brigando bastante (.) .h
e do MST mesmo eu gostaria de saber sua opinião
sobre: esses dois movimentos sociais se você é
otimista (.) com (.) a: (.) presença deles no Brasil
ou não...
MB sim então... eh: (.) junto com esses eh:-o: vou
dizer os que eu acompanho mais certo? eh:: tem
alguns movimentos que são hoje: sã::o organizados
dentro do Capão (.) que eu acompanho alguns de
perto... esses eu considero como mudança reAL tipo
tem o Capão Cidadão (.) [que é um:a]
MR
[unh-unh?]
MB & ação (.) dos próprios moradores (.) pelos (.)
moradores tipo nóis por nós tá ligado?... deles (.)
lá de moradores lá:: pessoas que são criado lá
nascido lá... para com:: (.) a população deles os:
próprios paren:tes filhos... afilhados entendeu?
família no-família nossa que todo mundo tem lá então
a gente: eh:-o que eu acompanho de perto (.)
Movimento Capão
Cidadão
os outras (.) organizações talvez eu acompanhe de
longe...
MR ((sorrindo)) e de lon:ge que que cê acha do MST?
(.) [perguntando de cara]
MB [o que eu acom]panho de longe... acompanho que tem
um cara preso (.) certo? [(.)]
MR [(xxx)]
MB & lutando por uma causa que não é só dele (.) que
é de milhões (.) e ele vai-pelo que eu to vendo vai
pagar sozinho é isso?...
MR ((balcucio)) num sei (.) acho que não ((rindo)) [tem
muita gente presa]
MB
[que tem um] cara preso lutando por uma causa que
é de muitos... né? eu acho que::... que é: José
Rainha é isso?
MR isso
MST
234
MB eu até eu-tenho que dizer que eu sou um cara que eu
leio pouco mêmo... sou mal informado sobre muitas
coisa (.) mas... as coisa que me interessam (.) eu
me informo... en[tendeu?]
PL [ô Brown] nessa linha ce-cê-por exemplo o
que tá/ acontecendo em Brasília é um negócio que cê
presta atenção nessa movimentação toda esses
escândalos\ de corrupção (.) cê se liga nisso
acompanha de perto?...
MB não de perto mas eu acompanho
PL que que cê tá achando por exemplo da:: .h da forma
como o presidente Lula tem se posicionado diante
dessas confusões envolvendo PT:: dessas (.)
denúncias de corrupção e tal\... .h eu vi/numa
dessas entrevistas suas aqui dizendo que: talvez o
Lula tivesse melhor fora daquela cadeira de
presidente que na tua opinião é a cadeira mais
solitária do país né\? (.) queria que cê/ falasse
um pouquinho do Lula especificamente\
MB eh::: eu gosto do Lula (.) sou eleitor do Lula (.)
apóio o Lula falo (.) bem do Lula em qualquer lugar
((balbucio))... e nã::o... e não espero bene-
benefício por isso (0.9) não conto com nenhum
benefício vindo do Lula (.) ou de (.) qualquer que
venha do PT se vie::r firmeza mas eu não-não é o-
não espero por isso...
Lula
eu acho que o Lula:: (.) é um cara que ele veio de baixo
certo?... ele sabe que::... dar a cabeça dos amigo
dele (.) pros inimigo ele não vai dar...
entendeu?... ele vai esperar a justiça se fazer por
conta própria eu acho que ele tá posicionado
certo... acho que não é da índole dele entregar um
amigo dele que deu mancada (.) entendeu?... ele não
faria isso eu acho que ele (.) ele sabe o que que
é isso... ele não faria isso... agora: ele vai
deixar descobrir... e se descobri:r é pau no gato
é lamentável\
PL [(xxx)]
Lula
PLS [ô Brown] eh tem:: tem/ bandido no poder
legislativo... tem ladrão no judiciário... tem
ladrão no executivo... .h tem empresário que rouba
(.) que sonega impostos... que bota dinheiro pra
fora... cartola de futebo:l até jogador tá fazendo
isso... então a gente vive nisso há muitos anos (.)
todo\ mundo sabe disso\...
Presença da
desonestidade
235
é/ muito difícil falar prum garoto (.) pobre preto...
que vive na periferia (.) que ele tem que ser
honesto? (.) diante dasse-desse exemplo?... .h por
que eu falo isso? porque cê falou que é assim: (.)
ele se espelha em quem tá mais perto... .h agora o
exemplo do Brasil... se a gente for ver do modo
geral... é muito maior do que tá perto... tem muito
ladrão no Brasil todo... .h fica difícil você falar
pruma criança (.) sem pa:I (.) passa fome e tal (.)
que ele tem que ser honesto que ele não pode
roubar?...
Dificuldade em falar
de desonestidade
MB eu chego a dizer que eu nem considero eles
desonestos né? (.) dentro da realidade da arma-das
armas que eles têm pra lutar (.) e que eles
aprenderam como meio de sobrevivência eles são
honesto... eu tenho certeza que com os parceiro
deles eles são honesto... com a família deles eles
são honesto... com os mano que tá preso eles são
honesto... tá ligado? eles são honesto com quem tem-
com quem é honesto com eles (.) entendeu? onde tá
a honestidade são valores/ né?...
Honestidade dos
jovens da periferia
quando você fala/ que um assaltante de banco é desonesto
(.) cê tem que olhar pa sociedade (.) se a nossa
sociedade é honesta a nossa sociedade é uma-eu-eu
costumo falar pos mano quando a gente tá
conversando\ .h que a minha-a nossa sociedade é
criminosa... é omissa... ela é cega quando quer
surda quando quer... omissão é crime né?... né?
então eu acho que se você for ca-(.) fo:r categoria
de criminosos... cê viu tá todo mundo na mes-na
igual... [xxx]
Desonestidade da
sociedade
PM [mas a sa]ída não seria (.) lei (.) pra todo mundo?
MB mas a/ lei não é pra todo mundo\... a lei não é pra
todo\ mundo (.) nunca/ vai ser pra todo mundo\...
nunca vai ser pa todo mundo
Solução da sociedade
pela lei
JN mas pera aí a maioria do po:vo lá no Capão Redon:do
na periferia de São Pa:ulo eh-((balbucio)) nos
bairros pobres a maioria é honesta\... a maioria
trabalha a maioria caminha vai a pé da sua casa (e
tal) e esse é o verdadeiro herói\ brasileiro o
herói/ brasileiro não é o que delinque... não é o
que se torna bandido... pra:: se dar bem (.) o
herói/ brasileiro é aquele que trabalha... e lá no-
no Capão Redondo de onde você vem (.) você sabe
disso\ quer dizer/ o Brasil é um país de/ cento e
quarenta milhões de honestos... reféns de vinte
milhões\ de desonestos nós não podemos\ (.) eh:: .h
considerar como uma regra... o fato de have::r o
Honestidade do povo na
periferia
236
fato de /haver políticos bandidos e há muitos (.)
empresários bandidos não quer dizer que nós eh::
vivamos numa sociedade/ ao contrário nós .h nós-o
verdadeiro herói brasileiro é aquele (.) que se
levanta/ às quatro da manhã: e caminha a pé (.) de
sua casa lá em Capão\ Redondo até o trabalho dele
(.) as vezes/ lutando com a maior dificuldade pra
ser honesto ([xxx])
MB ([pare])ce letra de rap isso aí que cê tá falando
((risos))
JN [((risos))]
MB [a utopi]a (igual) (.) infelizmente na realidade a
gente sabe que:: os heróis tão cada vez mais
humilhados né?... sem direito sem:: escola sem
hospita:l então/ os moleque passa a ver que ser
herói não vale tanto a pena entendeu?... herói que
só apanha?... [(xx)]
(PLS) [mas olha]
JN
[mas o ca]ra/ também que vai pro crime (.) eh-
((balbucio)) a vida dele é cu:rta também não é uma-
não é uma (.) ele tem um lu:cro ali imediato (.)
mas também ele não tem:-a longo prazo ele não tem
um: um benefício assim tão grande não né Mano?
MB [.h]
PLS [mas é] o seguinte é-quando o sujeito tá no inferno
(.) ele resolve dar um tapa na cara do diabo...
Vida do criminoso
porque/ a periferia não é tudo igual nem todo mundo é\
igual (.) e quando a gente vê-quando uma/ pessoa
vai entrando pro crime quando você olha (.) que você
vive\ na favela quando você vê a família (.) você
vê o aspecto cê já sabe quem é que vai entrar que
é co-que não vai entrar... então aqui assim/ ah::
o fulano aqui trabalha... mas tem outro ali que tem/
uma família mu-em situação muito pior (.) a favela
não é todo igual... né? tem as famílias organiza:das
(.) tem as pessoas e tal mas tem gente que não tem
geralmente (.) QUEM vai dar (.) quem/ entra na
criminalidade é aquele que tá na pior situação...
RL ô Mano
PLS & disso eu tenho certeza
Entrada na criminalidade
RL ô Mano... você costuma dizer (.) que você é um
sobrevivente do\ inferno... você citou aqui (.) que
Mudança na estrutura
de vida de MB
237
você é do Capão Redondo... .h e eu acompanhei há
muitos anos o Capão Redondo o Capão Redondo chegou
a ser o bairro mais violento do [Brasil]
MB
[(°isso era°)]
RL & quem/ sabe um dos bairros mais violentos do\ mundo
(.)
e você sobreviveu... o/ que muDOU (.) de (.) Pedro Paulo
Soares Pereira (.) pra\ Mano Brown? (3,0)
MB ah:((balbucio)) (.) o Pedro Paulo não tinha uma casa
certo?... não tinha:: uma:: (.) uma estrutura
mínima... nem de::: (.) .h o/ mínimo do mínimo (.)
tínhamos o que (.) minha família ah os irmãos tá\
ligado? (.) os amigo... esses fortalecia (.) era o
que-a/ riqueza maior/ é o que eu quero ter até: (.)
enquanto/ eu tiver assim: condições ter minha maior
riqueza que é meus amigo é o que eu tinha...
entã:o o que mudou hoje? hoje eu tenho meu carro
certo?... hoje minha mãe mora numa casa que eu
comprei com o meu dinheiro... certo\? /com o rap...
comprei a casa... que:: pode até parecer pô o cara
tá falando que ganhou dinhe:iro (.) uai ma-mas é
melhor do que enterrar meu dinheiro numa boate no\
que entendeu? (.) que é: parece que todo preto
cantor tem que acabar na boa::te acabar no
bote::co... na sarjeta e não vai ser assim meu (.)
depender de nós... mudou isso vai aca-tem que acabar
meu entendeu? então a gente procurou o que? procurou
fazer estrutura comprar uma casa pra morar tá
ligado? (.) dar a condição mínima pum: (.) eh:::
uma condição mínima... entendeu?...
RL esse é o Mano Brown de hoje?
MB eh:: ter uma condição razoável assim de:: que pode
dizer assim agora dá pa viver dá pra tentar criar
um filho e pá (.) [antigamente não tinha isso não]
Compra da casa de
MB
RL [e: qual a mudan]ça do
Mano Brown que no começo da carreira cantava:: raps
que/ falavam de amo:r que falavam dos próprios
bailes (.) e:: passou pra dizer o seguinte (.) eu
t-tenho um trecho aqui que você diz (.) .h você é
fogo que vem: (.) entope o nariz (.) bebe tudo que
vê (.) faz o diabo feliz... como é que é isso? essa
(.) mudança
Mudança nos raps de
MB
MB é °isso aí:°... .h bom eh-a gente chama eh:: da onde
a gente chama-da onde a gente vem a gente chama de
Conselhos de MB
238
oreiada... oreiada é quando a gente dá risada dá
uma-conselho né? (.) espécie/ de conselho não tem
outra palavra a não ser\ isso (.) oreiada é conselho
(.) é tipo como se fosse assim:... conversando com
um parceiro seu (.) dando uma oreiada... dando uma:
uma dura (.) vamos dizer assim uma: (.) uma: (.)
uma idéia (.) mais séria (.) [na vida mesmo]
PM
[e essa dura] emplaca?
MB ahn?
PM cê acha que essa DUra-essas duras emplacam? (.)
[elas fazem a cabeça?]
MB
[sim em (todo lugar)] é eu costumo::... receber né?
((sorrindo)) assim ouvir: e também meus parceiro eu
tenho sócio meus parceiro certo? que eles também
eles cobra de mim: eu ouço deles então também falo
pra eles e outros falam pra mim eu falo pra
outros... a gente tem que falar... tem que falar
PL ô Brown na pergunta do Lombardi e na tua resposta...
Pedro/ Paulo e Mano Brown não parecem ser a mesma
pessoa\ né? (.) .h me lembrou um pouco o::: a
história do Pelé que criou (.) essa/ separação entre
o Edson e o Pelé quase como uma defesa de uma persona
pública (.) né? (.) o Pedro Paulo e o:: Mano Brown
são a mesma pessoa ou não [são?]
MB
[são] a mesma pessoa...
Separação entre MB e
PP
MR Brown quero te perguntar sobre essa coisa exatamente
do: da-dos amigos (.) dos manos (.) que eu acho/
que é uma das coisas mais bonitas no rap dos
Racionais e:: de outros\ grupos... .h eh: exatamente
essa idéia de quem não é um astro (.) ahn: que quer
se destacar mas ao contrário quer tá cada vez mais
junto dos amigos eu acho isso (.) como: como:: (.)
referência que você cria pro jovem muito mais
importante do que o cara que (.) .h se põe aCIma de
todo mundo e os outros que tem que admira::r e
Os manos nos raps dos
Racionais MC's
.h agora (.) você disse agora há pouco que o honesto...
é aquele que não trai os ami:gos\ agora há pouco na
outra pergunta né? (.) .h e no “Jesus Chorou” ali
você tá claramente falando de traição (.) jesus
chorou [no::]
Traição nos raps dos
Racionais MC's
239
MB
[°certo°]
MR & “Nada Como Um Dia Após Outro Dia” né?... você pode
dizer um pouquinho no seu meio e com tudo que você
conquistou de (.) de amiza::de de gente que (.)
solidária a você o que que é traição atualmente?...
[porque aquela música é bem triste né? naquela
música você tá: magoado]
MB
[traiçã::o nessa música em si: (.) não se trata]
nem de uma traição (.) porque:: a pessoa/ que fala
na verdade ela não conhece... ela tá falando duma
pessoa-ela não me conhece...
MR ela ouviu di[zer então né?]
MB [é::] então ela tá falan-tá passando
uma idéia ali ahn o que que acontece ali não é::
uma traição né? (.) traição é quando você me-quando
você menos espera você (.) mas não é um assunto que
tão me- tão me:: que:: que:: me:: (.) não-esse
assunto traição essa-esses problema da vida que é
um problema comum a todos (.) e não só a mim não
sou diferente de ninguém não é um barato que também
que me preocupa tanto entendeu?... tem coisa
assim:... mais (.) que me preocupa mais do que
isso... [hoje eu sou um cara muito tranquilo não
tem medo disso]
MR [e o
lance da inveja das pessoas?]
MB & não tenho medo também (.) de inveja...
MR de tá meLHOR de ter conquis[tado todas essas
co:isas]
MB [nã::o não te]nho
medo... não tenho [porque::]
RF
[Brown (.) cê]
MB & não pode [ter medo]
Inveja
RF tava falando dos parceiros agora (.) você tem um
selo (.) que você lançou alguns discos agora tá até
rapazeada aí: do Rosana Bronks e:... ouvindo os
discos e vendo os discos percebe-se a sua mão ali
o seu dedo na produção executiva (.)
Selo musical de MB
240
MB °certo°
RF como que você traba:lha o que que cê passa pra eles?
pra esses seus amigos o eh-eh-eh-eh:: que tipo de
direcionamento artístico cê passa pra eles?...
MB eh::: pra eles nunca te::r vergonha de-de mostrar
o que eles aprenderam (.) o que eles sabe fazer...
nunca ter receio de-de:: de se expressar de falar
o que sente... não ter medo de arriscar de ser novo
(.) de ser diferente né?... amar música... ama:r a
música amar o que eles fazem... e estudar o que eles
fazem... eu acho que:: (.) eles são rappers né? são
músicos... e: eles têm que ouvir (.) a música e não
só o rap ouvir a música (.) pra fazer o melhor rap
entendeu? é o que eu falo pra eles eu falo pro U-
Time (.) que também é o (.) do grupo do::
RF °(U-Time)°
MB do Cosa Nostra que é o:: (.) é o “Trutas e
Quebradas”... eh:::... eu falo pra eles ser honesto
né? ... não falar coisa que eles não viveram... não
falar o que eles não são...
Direcionamento
artístico de MB aos
rappers
porque na verdade o rap ele é-é uma fronteira disso aí
também... certo o-o próprio rap americano já nasceu
fazendo isso (.) fantasiando né? (.) misturando
realidade com fantasia... só/ que na cultura deles
(.) é lindo na nossa (.) é cobrança na\ rua... se/
a gente falar alguma coisa que não é a gente vai
ser cobrado na rua porque a gente canta a rua e a
gente vive\ a rua... encontra as pessoa da rua então
pra nós... e-ela é uma profissão perigosa entendeu?
(.) tudo que você fala... volta (.)
Cobrança ao rapper
e eu falo pra eles tudo que você falar você vai ser
cobrado então você tem que pensar (.) mas também
tem que ser espontâneo também não pode ser tudo
pensado com:: recei-não... seja espontâneo
Direcionamento
artístico de MB aos
rappers
PM [tem espa]ço
[mas lá]
PM &pra poesia no rap?... quer dizer o rap a força dele
eh:: a denúncia... né::? a retratação de uma
realidade que (.) .h nem sempre::: eh-aparece...
mas tem espaço pra poesia?
Espaço da poesia no
rap
241
MB tem: (.) tem grupos que são bem as-que tem esse lado
poético (.) forte [(acho que)]
PM
[no seu] trabalho tem?
MB &o Z’África Brasil::... eh:: (2) tem alguns grupo
que tem:: eh (.) escreve linha nesse jeito assim:
poé:::tico
JN (você é ligado assim em algum poeta Mano?)
MB ahn?
JN você é ligado assim a algum poeta?... [(xxx)]
MB [pra falar] a
verdade não
Gosto de MB por
poesia
JN algum letris::ta de música popular?
MB não (.) admiro vários né?
PLS qual música que você ouve assim?
MB ahn:::
PLS os composito:res
MB brasileiro?
PLS é
MB Jorge Bem (2) o primeiro que vem na mente Jorge
Bem:: Cassia:no Tim Maia... eh:::: Bebeto...
PLS aproveitando ainda
MB Banda Black Ri::o
PLS [(xxx)]
Gosto de MB por
MPB
JN [alguns] tem influência sobre:: o que você faz?
MB ah sim com certeza
JN a música do: Cassiano por exemplo?
MB com certeza
JN Cassiano tem muito a ver com a (xxxx)
Influência da MP na
música de MB
242
MB cada vez mais né? (.) Jorge Bem desde o começo (.)
Tim Maia desde o começo... Cassiano também (.) eu
fu-a gente foi eh-apre- foi influenciando com o
tempo... e outros músicos Gilberto Gil também::
PLS no Brasil... o hip-hop tá unificado no Brasil? há
uma comunicação (.) entre o pessoal que... faz rap
que faz hip-hop (.) no sul (.) no norte (.) há uma
comunicação (.)
MB há
PLS &entre o pessoal?
MB há uma comunicação
PLS tá... sempre::
MB não sempre
MB trocando idé::ia?
MB não sempre as mesmas pessoa mas existe:: outras
pessoas né?... se não tá o-o Brown... tem outro...
se não tá o outro tem o outro (.) tipo nesse exato
mome:nto acho que os mano do Ceará tão ouvindo...
ou:-tão vendo pela internet ou pelo algum meio eles
tão vendo... Zezé lá os mano os de Natal... tão
vendo... os mano lá do sul... eles são tudo
interligado o-a... eu/ já fui em encontro deles onde
tava um de cada estado... e/ isso encontrou todo
mundo no sul os cara “pô marca em São Paulo que é
no meio”\... pá “que é neutro”... tipo assim que é
longe o cara mora lá no alto e:: marcou no sul mas
é louco isso cê vê os mano de sotaque diferente...
falando das mesmas coisa dos mesmos problema
PLS agora assim eu tive lá-eu tive lá em Pelotas junto
com-junto com o Ferréz (.) até por sinal... e (.)
fomos ver um:: um grupo de rap lá (.) e::: vi que-
que assim... é realmente (.) funciona (.) as
idéias... a-a-a-as conversas são as mesmas (.) do
Nordes:te (.) do Sul...
Unificação do
Movimento hip-hop
no Brasil
tudo igual... como-nesses vinte anos... de
Racionais... como é que você avalia o movimento que
((balbucio)) como é que... hip-hop tá no Brasil...
desde quando começou
PM aliás
PLS até hoje?
Mudança do
movimento hip-hop no
Brasil
243
PM aliás Paulo (.) só queria imendar (.) aqui eh:: a
pergunta do:: rapper e colaborador do Metrópolis
aqui da TV Cultura Rappin-Hood... que/ é mais ou
menos nessa linha a gente junta as \duas (.) vamos
ver ((corte de imagem para mensagem gravada))
RR salve/ salve toda a rapazeada do ““Roda viva””...
satisfação estar aqui (.) vendo Mano Brown sendo
entrevistado... Brown... satisfação estar falando
conti:go parceiro cê tá ligado (.)(xxxx)... pra você
que é um rapper da anti:ga... que veio daqueles bons
tem:pos do metrô São Ben::to... do começo início da
galeira vinte e quatro de maio... eu queria saber
de você... qual a principal mudança (.) que você vê
no rap... no hip-hop daquele tempo pra hoje em
dia... e queria saber (.) se você acha que essa
mudança (.) é positiva ou negativa... valeu (4)
MB Rappin-Wood é parceiro... ((pigarro)) eh:: o ma-o
mu-o::...
primeira/ coisa que eu acho positiva foi o número (.)
cresceu numericamente isso daí::\ se falar que é
negativo num::... é:: positivo... cresceu em número
né? hoje:: a gente vai no::... no-de norte a sul do
Brasil (.) e tem grupo de rap... tem::: posse...
tem organização:: tem uma ONG... tem um:: um
quarti:nho... tem um escritoriozi::nho... ou o
escritório é na esquina mas os moleque tão fazendo
as coisa... então a gente::... pô mano eh:: eles
tem que ver que os números são a nosso favor... e
eu falava isso aí há vinte ano atrás... números...
pesam pro nosso lado... nós tem que saber trabalhar
os número (.) os número são nosso... quem tem a
maioria é nós quem tem o-a MASsa... somos nós né
tem que fazer esse peso (.) virar pra nós...
MR então e esse número... tá ganhando/ mesmo que você
queira ou não queira os Racionais tão ganhando um
número muito grande de:: (.) .h de ouvinte de fãs
na classe média... né? (.)
Crescimento numérico
do movimento hip-hop
e tem uma mudança aí talvez nu-na atitude do grupo...
porque/ no “Sobrevivendo no Inferno” acho que tinha
um rap que dizia que não adiantava o bo:y querer:
por: o: CD de rap no carro pra se fazer de malandro
(.) .h e aí no-no-no “Vida Loka”... tem uma hora
que você disse acho que tá no:-no:: no::... bom não
lembro qual faixa você diz o seguinte do::... “eu
entrei pelo seu rádio peguei o seu filho”... né? o-
a... “seu filho me imita” como se... tivessea
percebendo que também interessa... ganhar essa
adesão... de:: gente da classe média que gosta de
Sobrevivendo no
inferno e Vida Loka
244
rap e não tá só querendo se bancar... eh de malandro
(.) de:: playboy que tá querendo bancar de
malandro... porque tem uma::... aquilo que vocês
dizem... toca muita gente (.) né?
eu queria saber se houve de fato uma mudança e se
interessa essa... esse público de classe média que
agora gosta de vocês mesmo que vocês não queiram\
né?
Ouvintes da classe
média
MB a fiNAda classe média
MR ((risos))
MB a finada classe média... que: que... existia os
emergente e os decadente\ né?... os decadente...
que tão que:: a crise aperto:u a vários setores
inclusive os classe média certo? eles/ TEM que...
entender o mundo que cerca eles... eles tem que
entender o que pensa o porte:iro... o que pensa o...
o filho da conzinheira... a cozinheira... o
jardineiro ele tem que entender:: as pessoa que
cuida dele... tem que saber tem o mundo ele vai ter
que sair pra fora do portão... ele vai ter que pegar
ônibus ele vai ter que pegar trân:sito ele vai ter
que conviver com os motoboy... ele vai ter que
conviver com o... com o que tá ao redor dele então
não é que ele tá... o Raciona::is ocupou nã::º.. o
Racionais é que nem: como se fosse::...a voz de um-
alguns... existe outros... certo? se o cara fa-
achar que o mundo também- o Racionais resumiu o
mundo ele tá errado tá de chapéu... ele vai se
surpreender quando ele descobrir que além do
Racionais existe muita coisa que (.) nem foi falada
em rap... não foi falada em letra de música ainda...
então ele tem que se informar sobre o mundo que
cerca ele (.) pra ele poder sobreviver...
Situação da classe
média no Brasil
então o Racionais (.) o rap... até o rap america:no e\
toda essas coisa essa cultura... é um meio do cara
se integrar:: integrar:: ao mundo saber o que a
rapazeada tá pensando (.) como é que (.) porque que
os caras de vestem desse jeito que que a gíria
fa::la\ qual é que é pá...
Integração da classe
média pelo rap
entendeu? é normal (.) é normal desde que música é
música todo mundo (.) cê não vai por... um selo
“probido playboy comprar CD”... entendeu? mas...
já/ e-existiram outros movimento que os playboy
curtia também e nem\ por isso eles beneficiaram nós
em nada
Ouvintes da classe
média
245
PM Raciona-ahn... Mano Brown vamos fazer um rápido
intervalo nós voltamso em instantes... com o ““Roda
viva”” que hoje tem na platéia... os parceiros (.)
de Mano Brown do Racionais MC’s... Ice Blue o
vocalista (.) KL Jay o DJ e Edy Rock vocalista
((corte para imagens de shows do grupo))
PM bem esse é o trecho da música “Fórmula Mágica da
Paz” dos Racionais MC’s grupo (.) do qual faz parte
Mano Brown (.) entrevistado de hoje no ““Roda viva””
aliás (.) .h o/ programa completa nessa próxima
sexta-feira vinte e um\ anos... Mano Brown a música
fala que::: não dá pra sair que fugir... não é...
a (.) solução (.) qual é a solução?
Fórmula mágica da
paz
MB .h cê vê... essa música foi feita em noventa e::...
noventa e oito... noventa e seis... eu/ morava na
COHAB já não moro\ mais... pode parecer até
contraditório... é o que que acontece... .h o/
problema de moradia na minha vida sempre foi muito
constante... sempre foi o que:: o-o problema da
minha vida foi moradia (.) então hoje eh:: eu/
jurando lealdade a uma quebrada... tá? é até
estranho porque eu morei em trezentas quebrada...
eu morei de aluguel a vida toda: na mesma rua morei
em três casas assim\ as vezes...
Problema de moradia
de MB
entã::o eu... optei... por ser leal... entendeu?
RL e o que que é ser leal a periferia?
MB ser leal é:: tentar investir tentar::... participar
tentar::... tenTAR pelo menos... não é executar --
também é pretensão eu vou executar -- não é assim...
isso aí depende da opinião de ter-mil pessoas...
mil mentes diferentes... tem gente que é inteligente
igual a você e que pensa diferente... e tem co-
negociar...
Lealdade à periferia
periferia sei lá vamos fazer e tá feito cê tem que
negociar tem que explicar por que... o dinheiro é
escasso pra investir tem que ter o... porquê... tem
que investir certo não pode errar... não tem espaço
pra errar não tem dinheiro sobrando pra errar...
então você conhecer as pessoa que dá pra investir
no bairro... é um:: é um barato que eu tinha na
minha mente aquela época... hoje eu acho que dá pra
você::..
Investimento na
periferia
eu até entendo essas pessoas se quiser sair do
bairro... eu aprendi a entender isso... porque
existe lugares onde o problema é crônico (.) não
vai resolver... como você vai resolver uma situação
de uma favela?... que é construída... eh:: num
Direito de sair da
periferia
246
terreno:... eh:: vamos dizer assim uma palavra....
“íngrime” vai... que se usa né? “íngrime”
PM uma “pirambeira”
MB barrancã:o o cara constrói a casa dele com a es-
eh... gasta o dinheiro dele sei lá duma-duma-duma-
duma carreira numa empresa... pra construir uma
estrutura duma casa construir (.) fazer um sobrado
(.) dar um acabamento legal... eu falo pô tem gente
que investiu a vida ali... ele vai ter que melhorar
aquilo ali... ele vai viver ali... mas quem não
quiser também tem o direito de sair... cê entendeu?
eu passei a ter essa visão depois dessa música...
entendeu? quem quiser sair tem direito de sair...
tem direito de procurar um jeito de\... situar
melhor porque/ eu também fui obrigado a sair... não
saí por opção fui obrigado a sair... procurar um
jeito de morar...
RL independente das letras né?... das suas músicas/ de
orientação que mais o teu grupo faz... pra poder
orientar... pra poder abrir a cabeça das pessoas
né? (.) que tão da-dessa juventude toda que tá aí
com droga em TUdo quanto é esquina... com violência
em tudo quanto é esquina... que mais cês fazem?...
independente das letras e dos sho-da mensagem que
vocês passam?
Ações de orientação
feitas pelo Racionais
Mc's
MB .h eu vou te falar um negócio cabuloso agora... por
incrível que pareça... o/ lugar onde tem menos
violência hoje é na favela... entendeu? onde tem
menos violência hoje é numa favela (.) você vai ver
violência no asfalto dentro duma favela tem controle
(.)
RL de quem? do traficante?
MB não... da população (.) da opinião da maioria... e
da justiça
MR [e a violência da polícia (Mano)?]
MB [e o cer]to (.) o certo tem que
prevalecer
MR [e a violên]cia da polícia?
MB [não interessa que]...((vira-se para MR)) ºnão
entendi°
Controle social na
favela
247
MR e a violência da polícia?
MB [si::m]...
MR [que você] fala bastante nas letras
MB &isso aí já é uma-é uma-já é um outro assunto (.)
longo né?
MR ((sinal de afirmativo com a cabeça)) é não eu [per]
MB
[que] faz parte (.) se a comunidade não se une (.)
se não tem alguém pra unir a comunidade (.) e te:r
(.) uma organização mínima (.) vira alvo fácil pra
qualquer tipo de: força exterior polícia... ou...
outras forças... ruins... entendeu? a polícia é a
maior delas... a favela tem como eleita a fo-o
inimigo número um a polícia... por que? não/ é rap
que decretou isso – o Mano Bown não inventou isso
– (.)
MR °claro°
MB eu já nasci... as pessoas mais velha falava pra mim
“fica longe de polícia (.) cuidado eles não gosta
de nós” (.)
RL mas a [mensa]/gem
MB [°cuidado°]
Papel da polícia na
favela
RL &que vocês passam me explica-eu queria\ que ce
falasse um pouco disso essa/ mensagem que vocês
passam... conSEgue... entrar na cabeça (xx) dizer o
seguinte... olha... a letra é essa... o caminho é
esse eu vou cair fora das drogas quer dizer eu vou
cair fora do roubo e vo:::u seguir meu caminho (.)
você é um exemplo disso
Mensagem passada
pelo Racionais MC's
MB eu sou uma e-uma exceção... eu/ não diria que eu
sou um exemplo porque eu não\ sou um exemplo... nem
pro meu filho
RL sim mas você tem uma legião (.)
MB [não assim sim::]
RL [que acredita] no que você canta você passa...
MB amigos... pessoas que gostam da música como eu gosto
de outros músico mas eu não vou seguir a vida que
Responsabilidade de
MB como exemplo
248
os músico que eu gosto viveram... entendeu? eu gosto
de Marvin Gaye (.) eu viver a vida dele eu se-
((balbucio)) impossível viver a vida que ele
viveu... entendeu? então o que eu digo qual que é
o meu exemplo?... as pessoa que tão perto de mim
ela me vê elas conhece os meus defeito... conhece
minhas qualidade... elas sabe até onde a palvra vai
ter efeito eu não posso... achar... que:: realmente
eu tô... cativando... um exército de pessoas porque
isso aí vai me atrapalhar...
RL mas cê sabe a responsabilidade que você tem?
MB não sei
RL (xxx)
MB e não quero ter... entendeu?... quero ser livre eu
sou um cara livre
RL [quando você canta... quando]
MB [esse fardo eu não aceito não pego (xxxxxx)]
RL você canta ((lendo)) “nas ruas do sul eles me chamam
Brown... maldito vagabundo... mente criminal... o
que dá uma taça de champagne e também curte
tubaína... fanático... melodramático... bom
vivant... depósito de mágoa” °que que° cê quis dizer
com isso aqui?
MB sim::... eh-eh::... nossa é muita idéia né?
RL ((risos)) é mas eh::: me chamou a atenção aqui
realmente é
MB ah eu te falo é::::
RL vamos lá então vamos separar aqui vamo lá
MB °certo°
RL ((lendo)) “nas ruas do sul eles me chamam Brown...
maldito vagabundo mente criminal” (.)
MB °certo°
RL fala um\ pouco sobre isso
MB bom antes de mais nada é uma rima certo?
RL claro
Significado da letra de
MB sobre ele mesmo
249
PM [((risos))]
MB [a gente faz] uma rima certo?
RL [sim claro mas (xx) é pesado]
(xx) [((pigarro/tosse))]
MB [pra ficar legal certo pra ficar] bem pá mesmo
RL [mente criminal é:]
MB [certo? cê curte música cê tá ligado ((dirige-se a
RF))]
RL pesado
MB e também o:: a realidade também é explícita (.) a
mente é isso mesmo as pessoa que chamam de Brown
mesmo... eu sou criminoso sem ser... ou SOU...
entendeu?... po-talvez eu seja realmente... na/
verdade nós somos todo mundo aqui\ é criminoso...
quando a gente aceita o Brasil que a gente vive e
a gente tá... tira onda vai tomar cerveja comer
pizza vai fazer samba [(xxxx)]
RL [foi por isso que eu acho-por] isso que eu te falei
da responsabilidade que assim... eu sou jornalista
então... a gente denuncia... a gente critica... a
gente investiga... é o que é o teu caso... você
passa mensa::gem... a tua mensagem ela vai-vai pra
um-pra muita gente vai do garoto de doze treze
anos... até um adulto... que tá naquele pe-no barco
que tá:: que tá pra:: pra ir e não vai...[e aí::]
MB mas [veja bem] o mundo que a gente vive né?...
o::: eu tenho que ter uma consciência que é o
seguinte... o Racionais é um grupo de rap (.) o rap
é um gênero... existe outros vários gêneros
musicais... onde a juventude ouve... não ouve só o
rap...
Responsabilidade de
MB como exemplo
periferia não ouve só rap... dentro/ da música negra
tem pelo menos uns outros (.) oito ritmos... que
disputam... a preferência das mesmas pessoas... tá
ligado?... dentro de periferia tem o forró forró
isso forró universitário... samba... samba
aquilo::... eh:::: reggae... reggae não sei o que::
tá ligado? tem vários som todo mundo curte um som
negro algum som (.) periferia \curte som negro mesmo
(.) forró pá... certo? e o rap é mais um o rap
nacional é um (.) ainda tem o rap americano ainda...
Ritmos ouvidos na
periferia
250
RL quantas/ pessoas vão nos show-nos shows que vocês\
apresentam em média?
MB relativo... já cantei pra vin:te já cantei pra vinte
mil
RL [vinte mil (xx?)]
Público dos shows de
MB
PM [uma coisa aliás] em relação ao rap eh::: A. F. aqui
de São Paulo pergunta o que é diferente entre o rap
americano e o brasileiro?
MB acho/ que o rap americano é mais evoluído... eles/
alcançaram um lugar onde eles deveriam estar
mesmo... hoje eles usam a mídia a favor deles...
eles usa a máquina a máquina é podre e eles usa pra
fazer no favor-já que é podre e não vai melhorar...
eles fazem o dinheiro vir pro lado deles... a gente
sabe [que:::]
Diferença entre rap
americano e rap
brasileiro
PM [mas] o discurso social lá não é tã::o forte que
nem aqui no
MB eu já não tô nessa fase de exigir de um cantor de
rap discurso social... por que? porque o rap ele é
um músico... eu acho que ele tem que falar de
sociedade o que ele sente... o que não sente não
tem que falar (.) não é porque é rapper que tem que
falar de problema crô:nico sociedade e tal acho que
o cara tem que ser livre... o compositor:: o le-o
letris::ta cê não pode chegar pegar um moleque que
tá agora começando dentro da casa dele num cômodo
e jogar (x)-“fala desses problema aqui que é a sua
cara” jogar um fardo de duzentos quilos nas costa
do moleque (.) sendo que dentro da casa deles mesmo
ele não tem... o mínimo pra ele... entendeu? ele
tem que lutar pela vida dele e o rap é isso também
(.) é lutar pela sua própria vida também
individual... lutar pela sua sobrevivência [é isso]
Discurso social no rap
JN [ô Mano] como é
que você compõe (x)?... como é-como é que o-o
processo de composição pra você?... como é que cê...
bola uma letra dessa como é que cê chega nessas
rimas? como é-como é que era a tua rotina nisso aí?
MB ah primeiramente necessidade se eu não canta rap eu
não como... certo?... eu tenho filho pra criar::...
eu preciso cantar pra viver né?... então eu
preciso::: de alguma forma eu ia fazer o meu tipo
de som de música... se fosse que Deus me permitisse
mesmo de eu estar na rua... livre... trabalhando eu
Processo de
composição de MB
251
ia tentar música... certo? e:::... geralmente
meu... eu escrevo de dia... de noite eu não escrevo
não tenho saúde pra escrever a noite (.) não tenho:
resistência... de noite eu faço outras coisas vou
pra rua... pra escrever meu cérebro não funciona
bem eu escrevo de dia... eh::: não precisa ser lugar
tranqui::lo nem:: beira de praia essas pegada eu
não curto...
JN mas é uma coisa que pinta assim uma inspira[ção ou
é trabalho em cima?]
MB
[nature::za vendo árvore essas coi-]eu não sou
assim... ahn?
JN é uma coisa que pinta assim uma inspiração? (.) ou
é uma coisa que cê fica trabalhando “eu vou fazer
eu vou escrever”?
MB não inspiração... eu pe-eu:: inspiração é assim
inspiração é aqueles dez por cento que quando cê
tá:: tá acabando o que cê sabe aí: deus manda
aqueles dez por cento que isso ajuda cê terminar o
som... inspiração não vem toda hora... ce tem que
estar trabalhando o cérebro mesmo...
PL ô Brown por que [que cê resolveu]
MB [tem que estar] praticando
PL por que que cê resolveu vir aqui hoje?... eu sei
que cê:: /cê acabou de falar os americanos usam
melhor a mídia\ e et cetera né?: e a/ gente sabe
que cê controla bastante a tua exposição... na
mídia\ o grupo inteiro et cetera... por que que cê
resolveu vir aqui hoje... no ““Roda viva””?
MB ah porque é um programa que eu já assisti... várias
vezes certo? (.) mesmo sem ter muita noção do:: as
vezes eu não tinha muita noção do assunto as
palavras são meio difícil... .h mas eu ficava (.)
prestando atenção no comportamento do cara que tava
sendo entrevistado já vi\ uns cara que tomou pancada
aqui
((vários risos))
MB eu tô achando suave
PM hoje tá light...
Ida de MB ao Roda
Viva
252
MB tá sua::ve... não sei por que meu...tá suave tô até
estranhando
PLS agora
MB [então]
PLS [eh]-religião... vamos falar um pouco de
religião... por exemplo samba –- a questão do negro
no Brasil – desde/ que o negro chegou no Brasil foi
perseguido\ foi escravo (.) e tal e depois... pós
escravatura foi perseguido... a umbanda foi
perseguida o candomblé foi perseguido... e hoje...
né? o negro ainda é perseguido...
Perseguição ao negro
no Brasil
e hoje a-a periferia:... tem uma boa parte que é
evangélica
MB °sim°
PLS e por que isso? como é que você vê essa situação
da-da periferia... ter: esse levante evangélico?
Evangélicos na
periferia
MB agora veja bem né meu... eh:::... a nossa cultura
sempre foi as-sempre foi associada a muita coisa
entendeu?... a nossa cul-a-desde o rap... o samba
o candomblé::... o-o-o:: toda a-toda a-as nossas
coisas... são relacionado de uma certa forma a
coisas negativa... e/ muitas vez essas coisa
realmente convence as\ pessoa porque a::-o
massacre... o massacre de informação de::... eh::
as pessoas vão se afastando realmente... e isso::
ao longo dos anos cê vai perdendo número...
aconteceu isso com o candomblé... entendeu?
Perseguição ao negro
no Brasil
eu acho que::... e também essa:: eu sou um cara que eu
vou em igreja evangélica certo? deixar aqui já::...
bem:::... gos::to admiro mas nasci dentro do
candomblé...
Contato de MB com a
igreja evangélica
MR e os evangélicos com-combatem o candomblé né?
MB sou contra quem combate
MR mas eles combatem
MB acho que: Jesus não pregava isso... Jesus não
pregava opressão... que eu tô certo você tá errado
eu tô salvo você tá perdido (.) eu/ acho que nesse
posicionamento os crente erra... não/ existe
Combate dos
evangélicos ao
candomblé
253
ninguém melhor do que ninguém não existe ninguém
SALvo... ainda... e nem:\ condenado ainda... e
quanto a [isso pior né?]
JN mas isso que a Maria Rita perguntou é-é que-é-veja
bem o candomblé é a religião mais livre que
existe... é uma religião que respeita muito as
outras –- não\ é isso Maria? --... enquanto/ que os
evangélicos são exatamento o [contrário quer
dizer]...
MR [não no
(Rio)] eles se juntam com os (políticos) [pra fechar
a tenda de candomblé]
JN [pra fechar as
tendas de candomblé]... fazem exatamente o
contrário do que o
MB [(xxxxxx) é o homem] o homem ele usa errado tudo
que ele põe na mão né?... Jesus não pregava isso...
oprimir: fechar: bater: mandar prender:... usar o
governo usar o prefeito... tá ban-tá errado...
PM e/ onde é que você acha que os evangélicos
acertam?... porque/ por alguma razão você deve ter
essa proximidade\
MB eles acertam quando eh::::... eh::... a deus sobre
todas as coisa é o que eles fazem certo... adorar
a deus sobre todas as coisa... a partir daí: pode
ter erros né?...
Acertos dos
evangélicos
PM e os evangélicos te aceitam bem?
MB vamos dizer/ assim:: é uma porta aberta né?... onde
aceita pessoas: assim que tão precisando...
certo?... de paz tão precisando de-de-de uma
tranquilidade um:: um lugar onde você acredita que
cê vai estar... ambientado (.) e a igreja é um lugar
onde cê pode entrar sentar e\ ficar lá...
PL Brown você falou-tamos falando [de igreja]
MB [ouvir]
Evangélicos na
periferia
PL &vamos falar de casamento um\ pouco... você:... é
casado há muito tempo já né? é um aspecto da tua
vida interessante (.) porque: eh:: hoje cê vê
artistas e tal dificilmente o cara tem um
casamento... estável e-e::-e\ muito tempo eu/
queria saber a importância disso pra você se
Casamento de MB
254
manter... inteiro... né? ter uma:-um casamento
sólido... e já com:-com longo tempo...
queria saber também... de onde vem esse tipo de::...
idéia por exemplo numa das tuas músicas aqui tá::-
tá dito o seguinte “fale o que quiser... o que é
é... verme ou sangue bom tanto faz pra mulher... .h
não importa de onde vem nem pra que... se o que ela
quer mesmo é sensação de poder”... acho que é
“Estilo Cachorro” né?
MB (urru)
“Estilo Cachorro”
PL queria/ que cê falasse um pouquinho da importância
da mulher da sua mulher na sua vida (.) e da mulher
como um todo como é que é a:... que o rap encara e\
trata a mulher..
Tratamento do rap à
mulher
MB ah então... deixar uma coisa bem clara né? esse
rap... deixa ele de lado aqui...
“Estilo Cachorro”
e agora vamos falar da minha mulher ((sorrindo))
((vários risos))
MB não tem nada a ver uma coisa com a outra... certo?
((pigarro)) são assuntos diferentes... bom...
eh:::... no caso do rap... eh: além da brincadeira
–- é claro –- pra/ mexer com as mulher pra trazer
um\ pouco de mulher pro rap também porque/ elas
gostam de provocação a realidade é essa (.) elas
gosta (.) a partir do momento que você trata pelo
menos você relata ela como um:: um ser inteligente
que já em:: outras música já retrata como animal
mesmo como:... [objeto]
PL [imagino]/ aquela
história da loira burra por\ exemplo né?
MB não vou dizer nomes de músicas que eu nem pensei
nessa música mas por exemplo assim:: (.) nessa
música dos Raciona:is a gente não põe a mulher
como:: também uma coisa desprezível é uma-é uma...
ela usa a beleza dela ela usa o charme ela usa...
e ela sabe usar também (.) tá ligado? e tem mulher
também que nem precisa usar nada usa a inteligência
só e já era... né? é só música mesmo entendeu?...
quanto a famí:lia que cê perguntou da família...
uma coisa que eu não gosto é de falar sobre a minha
família justamente pra que dure mais...
((vários risos))
MB certo? quanto menos expo:r... mais dura
Tratamento do rap à
mulher
255
RL e o que que te tira do sério hem... Brown?...
Futebol te tira do sério?
MB tira do sério
RL o Santos?
MB tira do sério... o Santos tira do sério demais
(x) ((risos))
MB rouba várias... várias brisa vários domingo...
vários... domingo triste
RL mas te leva a discussã::o te leva::?
MB ah a discussã:::o
O que tira MB do sério
RL conta aí o último incidente que aconteceu com você
(.) que você
MB ((sorrindo, cobre o rosto com uma das mãos)) nã:::o
aquilo lá não foi... besteira... não tinha nada a
ver não
(x) [os corinthiano]
RL [cê foi apar]tar a história ou como é que foi?...
ou você se [envolveu na história]?
MB [não na verda]de::: é todo mundo uma família só
a torcida jovem-a torcida jovem todo mundo é uma
família certo? teve uma discussão lá quando o Santos
tomou um gol do Corinthians ficou todo mundo
bravo... e começou-todo mundo se ofender mutuamente
(.) entendeu? os mais bravo já saíram se atracando
(.) aí... foram pra delegacia entendeu? (.) aqueles
cara que tava mais... nervoso mesmo... fanático é
eu fui um deles né?... tava nervoso também outro
mano tava nervoso\ também outro também todo/ mundo
nervoso e ia dar no que? coisa de jogo... [tem nada
a ver]
Discussão na torcida
do Santos
PL [ô Brown] tem uma notícia muito engraçada aqui
na:: a manchete na verdade é\ engraçada... ou
curiosa (.) é: de dois mil e quatro junho de dois
mil e quatro “Mano Brown paga fiança é solto e
chora”... não vou nem entrar nesse assunto aqui
dessa\ notícia mas eu/ queria saber a última coisa
que cê chorou se cê se lembra e por que\ que foi
MB essa manchete foi mentira... chorei nada...
((balança a cabeça em sinal de negação))
Lembrança do choro
de MB
256
((vários risos))
JN cê nunca chorou Mano?
MB nã::o lógi-já chore:i
((muita sobrepsições))
PL qual foi a última vez? [cê se lembra? quando cê
chorou ou não?]
MB [quem nunca chorou?]
PL cê se lembra da última vez?
MB que eu chorei?
PL é
MB ah quando::... Sabotage morreu (3) eu lembro que eu
chorei... chorei de-assim... bem discretamente né?
teve uns irmão que::... chorou muito mais né? mas
eu:: eu/ chorei por dentro e cheguei\ a chorar
também porque: foi um dia muito triste assim pra
nós né?... um dia muito:: marcou muito... de/ lá
pra cá graças a Deus não... °né°? não precisou não
careceu né?...
MR Brown deixa eu te perguntar uma coisa sobre a sua::
a/ questão \com as crianças porque/ as vezes tá-dá
a impressão que tá todo mundo aqui achando que os
Racionais poderiam (.) resolver o problema da
criminalidade (.) as perguntas são muito:: assim…
se você pode dar exemplos se você pode convencer
(.) acho que não é por aí mesmo é a arte... você é…
excelente poeta... acho que é por isso também que
a sua música ultrapassa a questão da realidade
local... °né°? agora tem uma mú:sica que no:: “Nada
Como Um Dia Após Outro Dia” que chama “Doze de
Outubro”... que a:: o tema é uma crian:ça que tá
revoltada no dia da criança porque... ahn:: xingou
a mãe que não deu presente levou um tapa... lembra
dessa música?
MB °sim°
MR e:: aí você... na música não sei se ela-é sua?
MB °sim°
MR você começa a dizer que é por isso que se-ahn pode
nascer um crimino::so aí tá revoltado porque levou
“12 de outubro”
257
um tapa... e eu fiquei pensando bom (.) se essa cena
é verdade ou não não importa (.) pode ser inventada
mas... que/ essa mãe que também deu o tapa também
pode tá desesperada porque justamente não
conseguiu... comprar o presente... né?... então eu
penso se... o que levaria essa criança pro crime
essa revolta que levou um tapa... essa criança...
inventada\ aí... ou se é porque ela... se vê numa
sociedade em que tem tanta coisa sendo exibida pra
ela... que ela devia ter-eh:: que ela acha que ela
não vale nada porque não tem...
MB urru
MR né? isso me preocupa muito pela questão de como a
gente… o valor das pessoas tá ligado a isso
MB °certo°
MR as/ vezes o tapa da mãe não é tão grave… pra revoltar
quanto esse sentimento de… não\ valer nada
MB olha essa música:: ela é minha (.) em parceria com
o Silveira né? é o homem que toca o violão... a
música é mais [dele] do que minha né?
MR [é]... urru
MB deu certo... e:: eu só fui
narrando uma coisa que tinha acontecido no caminho
nós tava indo pra [gravar mesmo]
MR [tinha acontecido]
MB no caminho era dia doze de outubro e aconteceu
isso... eu falei eu já cheguei ali pensando e já
cheguei já tava o violão tocando e já saí falando...
foi meio assim: ((estalo com o dedos))... eh::::
aconteceu rápido... e::: quanto... ao que eu-a
realidade do que tava acontecendo naquele momento o
que também o-o::... o que ali de uma certa forma-
os mano que tava jogando bola com ele não tava na
revolta que ele tava... ele tava
MR unh? ((sorrindo))
MB os outros mano já falou ((muda a voz)) “ó ele tomou
um tapa na cara xingou a mãe dele” – os moleque é
que falou pra mim -- ... aí eu chamei ele falei “ó
mano cê brigou com a sua mãe?” “é me bateu pá não
sei que” (.) contou a história meio assim também
não que-quis também se expor muito... falei “porra
mano toma um tapa na cara no dia das criança né?
258
(.) que presentão né meu?”... embaçado né? (pelo
menos) não ganha nada né meu (mas também) sei lá
né?... um tapa na cara marca também... seja da mãe
né?... minha mãe mesmo nunca bateu na minha
cara... °já bateu° quebrava mesmo (só não) batia na
cara entendeu?... então eu acho que certas coisa
humilha assim marca... e pode ser também um caso:
esse caso também não é que vamos exploRAR esse caso
que foi um caso que (ma)-vai ser-não é todo mundo
que é assim mas isso é pessoas que vive assim
PM você [fala]
MB [né?]
PM &muito da sua mãe... fala... do seu pai com mágoa...
por quê?
MB não na verdade eu não::-eu não: não tive um pai
né?... teve um pai mas eu não::-não conheci não
conheço... também não quero conhecer... certo? não
faço questão... eh:::... poucas coisas eu não tenho
muita coisa pra falar sobre pai... °não tenho°
PM [e você como pai?]
MB [(xxxxxx pai eu acho] da hora) ainda mais quando o
pai parece com a gente né? torce pro mesmo ti:me
assim:: a gente conversa é da ho::ra (.) eu não tive
isso... mas não tem problema entendeu?... não
tenho:: não tive problema... relacionado a falta do
meu pai
Pai de MB
PM e você hoje:... tenta suprir isso com seu filhos...
cê é um pai presente?
MB °não°
PM °não°?
MB sou ausente... ((pigarro)) infelizmente eu sou
ausente
PM por causa do trabalho por causa da mú:sica?... ou
é mesmo por que não... [não tá sempre por perto]
MB [por causa do ins]tinto... talvez... de ficar
longe... ((pigarro)) e o trabalho né?
PM como “do instinto”?
MB (não) sei talvez (eu) (não):::: não saiba lidar com
essas tralha eu não so::u-eu não SEI ser presente...
MB como pai
259
eu não SEI... ser... presente... eu acho que eu sou
um cara que eu::... aonde eu tô... muda-muda-
o::...((rotaciona o pulso, movimentando polegar e
indicador)) tira a paz do lugar entendeu?... e a
minha casa tem que ter um ritmo... eu sou outro
ritmo... eu não quero que eles vivem na minha
função... em função do que:: eu tô vivendo agora...
que eles tem a vida deles... meu filho tem a vida
dele eu não quero que ele seja o Brownzinho (.) ele
não é
PL Brown/ e que que é amor pra você? pegando um ganho
nessa história de\ filho família e etc... que que
é amor? como é que cê define isso? que que isso
representa na tua vida?
MB ah/ amor é::::... é lealdade... compromisso...
seriedade... responsabilidade com seu irmão com a
sua mulher\ com seu filho °pá°...
PM quer dizer não é um negócio muito divertido...
((risos))
MB é divertido quando cê gosta... é divertido quando
cê gosta... quando:: você não gosta passa a ser::...
trabalhoso né?... quando você gosta... você faz por
amor entã:o acho que amor é isso... eu amo meu filho
eu a-amo minha mulher amo minha mãe... amo meus
amigo também entendeu?... não tem como você “ah eu
gosto do meu amigo e amo minha esposa” -- cê gosta
do seu amigo uma dia cê separa da sua mulher e seu
amigo fica... ou vice-versa entendeu? ((rindo))
entendeu? então cê tem que-ah mas eu-o que que é
amor né?... como é que cê vai falar (pro seu) “ah
você eu gosto... você eu amo”... ((rindo)) acho que
você gosta né? cê gosta ou cê gosta né? cê ama...
gostar e amar pra mim é a mesma coisa... agora::
(x) [ô Brown]
Definição de MB para
amor
PM [a propó]sito agora da:: da cultura da periferia o
Ferrez que é um autor de livros... sobre o
cotidiano... violento do Capão Redondo (.) em São
Paulo tem uma pergunta °vamos ver°... ((corte para
imagem pré-gravada))
FE ê Brown... queria te fazer a seguinte pergunta (.)
de uns tempos pra cá (.) a periferia vem fazendo
sua própria arte... ta ligado? a gente tá fazendo
os próprios CDs: a próprias roupas... as próprias
músicas (.) e/ eu queria saber... se esse é o
caminho certo realmente se a gente tá fazendo a
Produção artística da
periferia
260
coisa certa... se esse é o caminho viável pra
periferia... ((corte para local da entrevista))
MB sim... Ferrez é um cara importante hoje... ele tem
uma loja no... no Capão... que é um fenômeno de
venda na minha opinião... de::... coisas
relacionado a marca dele né? (xx) sul:: boné camisa
pá\ moleton foi/ uma coisa que deu certo... e:::...
é um exemplo... porque:: outras grifes nasceram a
partir dessa também... apesar que a primeira grife
foi a nossa certo? nós lançamos a “Vida Loka”...
que a gente não vende... não temos loja...
comercializa nada da “Vida Loka” mas foi a primeira
grife... a partir dessa veio outras... né?... e
outras com fins lucrativo... o [que é justo]
JN [esse boné] tem alguma coisa a ver com a grife?
MB ((pigarro))
JN o:: esse negócio de usar boné?
MB não esse boné é duma:::... duma família da Zona
Leste... “DRR”... é um::: uma posse né?... que
inclui vários grupos de rap aqui de movimento
cultural: né? do bairro... e “DRR” um salve pros
mano é Consciência Huma:na... o Negro::... eh:: e
outros irmão né? (xxx Cri::me)... os mano de São
Matheus
PLS [(xx)]
[(xx)]
Boné de MB
PLS [a criminalidade]
MB [foi pra] homenagear os cara mesmo...
PLS a ques-a questão da criminalidade dos bandidos\
realmente... que tão ali de frente que... tão
armados\ que tá-ºtão lá... a gente vê que-que eu
te-eu tenho vou fazer cinquenta anos... e::: trinta
de favela... né? e vi que mudou bastante... né?...
e sobretudo pela questão das armas... né?
antigamente pessoal resolvia com trinta e oito
trinta\ e dois trinta/ e oito era o barra
pesada... .h como é que você vê assim: nesse tempo
que você tem você tem de... você começou analisar
a vida... .h como é que a-a malandragem mudou muito
a-a::: o traficante mudou muito? ladrão mudou
muito?... como é que tá hoje?
MB ((sorrindo)) ô Mano... vou te falar (.) falar de
traficante é foda eu eh::... mesmo porque é como se
Mudança dos
criminosos na periferia
261
a gente tivesse falando até dos nossos... entendeu?
os nossos amigo da nossa família dos nossos parceiro
os cara tá lado a lado... muitas vezes é o
traficante que nós tá falando
PLS mas tô falando de sofrimento... por exemplo aqui
assim:... hoje em dia... né? são mais novos são mais
velhos?... essa é a questão não é falar da-do
traficante mas
MB [os mais] Sábios
PLS [&da dificuldade]
MB [os mais sábios]
PLS [da (xxxx)]
MB [conseguiram] ficar mais velho... e::: os que
conseguiram se manter... pegaram uma fase
diferente... eles com certeza eles acha mais fácil
hoje os mais velho... eles acha mais fácil.. porque\
hoje:... eh::: cê tá falando sobre favela né? sobre
vida
PLS é::
MB dentro da favela... que que é uma favela? como é
que é uma organização duma favela?... a gente sabe
que a favela precisa da organização co-como é a
organização\ da favela hoje?... quem é que:::...
Sabe... dos problema da favela?... o governo
sabe?... não sabe... o assistente social... sabe
o... setenta por cento... ciquenta... o cara da
ONG?... sabe oitenta
RL e quem é que sabe?
MB quem tá lá dentro... e\ mora lá dentro que conhece
todo mundo... que... conhece quem nasceu... que...
sabe dos proble:ma... sabe quem tá pre:so sabe quem
tá precisando duma aju:da... o filho de quem tá
precisando... [eh::]
RL [e] o traficante entra nessa-nessa
fatia aí?
MB eu não em-não/ falo só o traficante mas vamos dizer
assim a favela tem sua-a sua organização... certo?
a gente fala o “traficante”... vamos falar
“comerciante”...
PM mas não tem não tem
Organização do poder
na favela
262
MB [(pra) trocar esse termo]
PM [só pra entender]
MB [o cara quis usar o termo “traficante” (vamos usar
“comerciante”)
(x) (SI)
PM [não tudo bem]... mas não tem não tem favela em que
você tem... confronto... entre... que é a
organização da favela... eh:: os morado:res
associação dos morado:res e os “comerciantes” --
como você chama -- ?
MB por exemplo... quem dá segurança pros comerciantes
da favela?... quem:: quem protege a favela?... a
polícia protege?... são perguntas né? perguntas já
outras né? tô perguntando (.) quem protege?
RL não sei... [SI]
PM você acha então você vê a coisa como se fosse uma
guerra
MB não vejo como guerra... eu vejo como uma situação...
[tá]
MR mas o [tra]ficante protege de quem? protege dele
mesmo?
MB não
MR [(porque você fala muito nas suas letras)]
MB [ele protege do sistema ele prote-ele já é o]-o-o-
o-o...
o-o –- entre aspas – cê chama de “traficante” (x) chama
de “comerciante”... o cara que comercializa
cocaí:na vamos\ dizer assim já abertamente ou /a
maco:nha... ou qualquer tipo de droga é um
comerciante... como qualquer outro
MR sim [mas eles tem um sistema de impo::r]
RL [que leva que leva as pessoas] pra cadeia
e não pro cemitério né?
Uso do termo
traficante/comerciante
MB agora o dono da “Ciquenta e Um” não leva cadeia
pelos litro que ele vende... a Ambev ninguém vai
Males do comércio de
álcool
263
pra cadeia... toma quatro garrafa de cerveja cê vai
ver se não bate o carro cê vira o Super-Homem na
marginal meu?... ele não vai tirar uma cadeia... o
filho dele não vai ficar manchado como o filho dos
presidiário... que que faz mais mal uma dose de
Cinquenta e Um ou um cigarro de maconha?
MR [não mas a gente tem uma discussão aí que é sobre
a legalização né (xx)?]
RL [não uso nenhuma das duas coisas?]
MB [não mas eu não tô te perguntando se cê usa...]
JN [aí
é entra a questão da (organização)]
MB [tô falando “você” porque certo?] o que que faz mais
mal? tem um médico aqui... [se for falar de droga
tem que ter um médico]
PL [não nem precisa usar pra saber...
isso dá pra responder]... é o Cinquenta e Um...
[disparado]
MB [certo?] então não tá preso... esses cara
não vão preso... porque eles não são pre::to... não
são... certo? não são morador de fave::la não são
morador de periferia eles não vão preso... agora
((sorrindo)) um comerciante de maconha (.) ele vai
preso um fumar um usuário ele vai preso... agora
não vai mais porque a justiça é flagrante...
JN cê é a favor da legalização?
MB ((suspiro)) se é pra negar todas as droga (.) nega
todas... entendeu? [pra acabar a hipocrisia]
JN [°você° é a favor de legalizar]
MB &não não sou a favor de nada... vamos ser-dizer
assim eu sou a favor que todo mundo vivesse bem...
não precisasse de droga nenhuma... pra entender nada
que você conseguisse entender o mundo que cê vive
sem usar nada... eu sou a favor disso... mas quando
você passa a não entender o mundo que você vive você
reCORre a alguma coisa... quem sou eu pra dizer que
ele é isso ele é aquilo ele é b ele é c ele é
traficante ele é usuário... eu não sou ninguém
meu... sã:o situações... você vive numa situação
hoje que cê tá bem (.) cê é jornalista cê opina cê
fa-forma opiniã:o... amanhã\ cê não sabe mano... a
Legalização da
maconha
264
vida é assim... ((sorrindo)) a gente aprendeu
isso... a vida é assim... você tá (.) legal...
amanhã cê não sabe... cê pode estar no beco dos
tristes lá... tá ligado? cê pode estar lá...
então... os-os triste tão lá no beco vamos ver que que
eles tão pensando? em vez de recriminar falar que
eles são... o lixo ou falar que... né? vamo lá ouvir
o que que eles tão-por que que eles não se adapta
a nada? eles não gosta de nada... por que que ele
prefere esse caminho... e não o outro que cês
inSISte que tem que ir?
PL [Brown você]
Recriminação (ao
traficante/comerciante)
PM [Mano eu... queri:a]... só pedir (.) licença a gente
fazer um rápido intervalo nós vamos continuar
tratando desses e de outros assuntos... no ““Roda
viva”” que é ((lendo)) acompanhado na platéia por
integrantes... de BANdas produzidas por Mano
Brown... Dom Pixote do grupo U-Time Negovando que\
é também do U-Time Do Bronxs/ e Negredo ambos do
grupo Rozana Bronxs
((corte de imagem))
Intervalo comercial do
programa
PM Mano: ((lendo)) a pergunta é de: M.M. ele pergunta
o seguinte “você já cogitou... que preto pode pensar
como branco e branco pode pensar como preto?... e
que/ as idéias podem acontecer independentemente da
cor de\ quem pensa?
Pensamento de negros
e brancos
MB na verdade °é isso mesmo°... agora as-são culturas
diferentes né?... com a exceção dos maninho que são
branco e mora na quebrada mora ali dentro da favela
ali: no cotidiano que ouve samba curte rap já anda
igual usa camisa listradinha bombetinha já é preto
também... fora do nosso mundo... você pode fa-aí
você fala assim “o resto é branco”... [da ponte pra
lá]
PM
[seja preto ou branco?]
MB &vamos dizer assim não tem branco eu tenho um amigo
que é loiro do olho verde eu falo “mas cê é negão”
por que? porque ele é: ele fala ele come ele anda...
igual... ele se veste ele curte ele é... ele é:: o
mundo que ele vive...
PM é uma questão de classe
MB [((pigarro))]
Diferenças culturais
entre pretos e brancos
265
PM &social então? [branco e preto]
MB [convive a cultura]... não basta ser
pobre também cê pode estar aci-ter lá::-cê pode
estar lá convivendo e não gostar... cê pode estar
vivendo lá e não gostar tem cara que mora lá dentro
e vira polícia justamente/ porque ele não gosta do
que ele tá vendo... ele não gosta dos cara que ele
vê na rua ele não gosta... entendeu? cê pode viver
lá dentro e não gostar... na verdade periferia é
isso... é mil pessoas e mil universos diferente mil
mente diferente...
PL Brown [falando em]
MB [mil intelingência]
Convivência entre
pretos e brancos na
periferia
PL & falando em probreza em:: convívio social que cê
tá dizendo agora... tem uma entrevista tua de dois
mil e um aqui que tem uma-uma... uma:-uma:: fala
sua o seguinte “dar condição pras pessoas ganharem
o seu dinheiro o povo não quer ganhar nada de
graça... ninguém quer ser filho de assistência
[social]
MB [isso]
PL &favelado tem orgulho... se o PT ganhar a eleição...
e começar a doar salário pras famílias que estão
desempregadas com o tempo não vai mais dar
resultado... o cara que vive do seguro do governo
é a parte mais baixa da sociedade”... que que cê tá
achando dessa Bolsa Família e dessa política:...
do:: governo atual quer dizer o PT ganhou a eleição
e tá fazendo exatamente isso que cê falou... como
é que é a tua análise de hoje dessa história de
Bolsa de-Bolsa Família\ por exemplo?
MB bom... tá ruim mas tá bom né?... o-o-o-ou o invés...
tá bom mas tá ruim (.) vamos dizer assim não é a
solução ideal... eu acho que o:-o:: o trabalhador
o pai de família ele ter orgulho próprio ele quer
manter a família dele independente da ajuda do
governo... não é uma coisa que ele vai se orgulhar
e-e pelo contrário ele vai procurar até... deixar
de-ser discretamente se ele for um usuário desse
benefício ele vai ser discreto ao máximo... [não é
um]
PL
[isso balança]o orgulho do
Bolsa família
266
MB é vamos dizer assim não é uma coisa que humilha
também a pessoa... e o governo tem certas
obrigações... com: o seu povo... e do-dar o mínimo
de estrutura de escola... de::: ensino básico...
ou:: de um hospital decente de uma creche decente
uma escola... decente é o mínimo... e/ uma renda
mínima pra você poder por seus filho na escola ter
um material uma roupa de escola... e eles poder tem
alimentação... que uma criança precisa pra poder
aprender... uma coisa é você comer outra/ coisa é
você coMER... pra-e poder se desenvolver com o que
cê come... tem certoz tipo de comida que cê nem:
mano-cê... come e daqui a pouco cê já tá com fome
nem aprende nada que a concentração é o básico da
escola é a concentração... se você tá com fome só
aquela comida que você comeu não fez... não fez a
diferença... cê não se concentra... então você não
aprende
Obrigações do
governo com o povo
PL e essas ONGs todas que tão entrando nas periferias
do Brasil inteiro né? aparentemente o... o lado::
rico da sociedade tá:: entrando através das
organizações não governamentais etc... primeiro/
queria saber se-se-se- se você tá vendo o êxito nas
ações dela segundo eu queria saber se você acha que
a motivação é uma-uma é deliberada é uma-uma::-uma
tomada de consciência ou é mais culpa\ e medo
MB .h não... eu tenho por exemplo assim... por exemplo
tem-lá-lá-no-lá no Capão tem a “Casa do Zezinho”...
certo?... que eu já visitei conheci conheço a... a
tia D. ... uma pessoa que a gente:: vê o trabalho
a gente vê que ali não tem por que estar fingin::do
não tem por que estar querendo o-o mundo dela é
aquele ali mesmo ela quer aquilo ali mesmo os troféu
dela tá ali mesmo... e a gente vê (.) eu não vou lá
todo dia eu SEI que\ é assim... então eu acredito
que::... eh::: e-existe pessoas realmente que tão
afim de... mudar... de participar e fazer a
mudança... tá ligado? existe... no Capão... eh:: se
eu falar que o-que o-que o Capão é um lugar
desassistido eu vou estar mentindo... é o lugar
talvez hoje dentro das periferia de São Paulo um
dos lugar MAIS assistido... por ONG... tá ligado?
por movimen:to tem vez que eu tá andando com uma
turma uns cara com câmera no Capão falando francês
falando inglês os cara “mas o que que tá acontecendo
aqui?”
RL a criminalidade caiu lá completamente
MB sim::: agora pergunta o porquê
ONGs na periferia
267
RL porque a comunidade também ajudou né?
MB a comunidade é que faz acabar a violência... polícia
não faz
PLS [agora você quando]
(x) [você]
[xxx]
PLS [você]... você assim o:: (oficial) aquele negócio
da Marta... daquela escola... eu visitei a escola
eu gostei muito na época... né? como é que tá o CEU
ho::je que que você acha daquele projeto?
MB assim o CEU é um: castelo né? assim é o sonho do::
do rapper... acho que quando eu comecei a fazer
letra de rap eu imaginava um lugar que nem o CEU...
assim “pô:: não tem isso não tem aquilo” você pegar
“Fim de Semana no Parque” fala daquilo ali...
CEU
e::: pô quando a Marta perdeu a eleição... eu:: eu
cheguei a desacreditar até de mim mesmo °falei não°
é possível... mulher fez esse monte de escola aí
pra nós meu... pra nós e pros pivete nossos
moleque... e ela perdeu a eleiçã-aí eu descobri o
que... que a nossa classe é desunida... e a
classe... rica... é unida... a classe: média... a
finada classe média né? (xx) que ainda se julga
ser... e a classe b e a... eles... fizeram a Marta
perder a eleição... e a nossa classe... que tinha
que fi-ter elegido ela a gente tava dividido...
PM mas [o CEU continua né?]
MB [no momento da eleição]... eu encontrei meus
amigo dividido na boca da urna...
MR [mas o que que dividiu]
PM [o CEU continua]
MR que que dividiu? que tipo de
MB valores... diferentes... valores que não deveriam
nem ter vindo à tona tipo assim “ah a mulher separou
do mari::do e: tá com outro cara um argenti::no”
umas pegada que tu [tá ligado?]
MR
[((risos))]
Derrota de Marta
Suplicy na eleição
268
MB que foi juntando coisa com ou::tra e foi de-tipo
gerando não-não-não vou dizer uma antipatia mas
vamos dizer assim... um::: desafeto... assim tá
ligado? falar “não prefiro aquele outro lá com cara
de... que não tá com nada mesmo e vamos votar nele
mesmo”... ma todo mundo sabia que a Marta ia fazer
a diferença mas votou contra... °tá ligado°? é/ um
tipo de revolta que eu não entendo... eu falei “ô”
eu cheguei a discutir com os cara na boca da (xx)
eu falei “como assim cê vai votar... ((sorrindo))
no Serra mano? como assim... cê vai votar no
Serra?”...
RL mas aí fechou o CEU lá?
MB ahn?
RL fechou?
MB nã::o.. meu filho é usuário do CEU... meu filho vai
no CEU... meus sobrinhos vão no CEU...
PLS (como é que lá tá hoje?)
MB meus priminho vão no CEU
PLS mas o CEU tava co-hoje ele funciona do jeito que-
quando começou? ou tá
MB na verdade... os-o jeito que teria que funcionar
realmente eu não sei como que teria que ser... cem
por cento mas o que eu vi lá... acho que só de você
estar la dentro convivendo com aquelas coisa tendo
aquele: aquele universo pra você viver ali dentro
explorar aquilo ali... já é uma glória... agora se
vai dar resultado daqui vinte ano nós vamos ver...
se vai sair um [Bethoven]
PM [quan]
MB lá do Capão
CEU
PM quando você diz que:: que leu a biografia do
Malcolm-X... aquele\ líder negro americano você
quer dizer na-numa das entre-poucas entrevistas\
que eu li sua eh:: você mencionava que... queria
sair de lá fazendo a revolução... o discurso que
você faz hoje:: é: não é exatamente o da revolução\
né?... o que que te mo-[o que que-o que é que vamos
dizer assim que mudou?]
MB [vamos dizer
assim que um não-eu-eh] na verdade hoje eu me lembro
até de dizer (xxxx)... acho que discurso é corda
Mudança no discurso
de MB
269
pra se enforcar °entendeu°?... eh::: eu so:-eu
procuro ser livre... eu opino como cidadão... não
como político ou... o::u... eh::: líder de nada eu
sou um cidadão eu opino... eu falo o que eu o que
eu acho... e::: então já não me julgo-eu tô dando
um discurso porque na verdade eu tô falan-alguma
coisa que eu sinto pode soar como discurso pra
outras pessoa\ pra mim não é discurso... entendeu?
então eu nunca disse que eu tenho um discurso... ou
que eu vou mudar meu discurso... eu não tenho um
discurso
RF cê conseguiu [Brown]
MB [((balbucio))]
RF &fazer uma revolução... interna... no seu jeito de
se:r de pensar... cê conseguiu::... lutar contra os
seu-suas próprias... contradiçõ::es seus próprios
me::dos... cê consegue isso hoje?
MB na verdade as contradições acho que só acaba quando
morre né?... eu era um cara que eu:: hoje eu tô de
Nike no pé mas eu já fiz:: eu já xinguei a Nike
muito... por aí... entendeu? mas eu também::
descobri também que a Adidas não me dá nada se eu
fa-ficar falando mal da Nike [entendeu?]
[((diversos risos))]
MB &eu derrubo um mas levanto outra... entendeu? a ni-
a Adidas também é dos alemão lá eles não são NAda
meu também... entã:o entendeu? tô de Nike... o-KL-
Jay na usa Nike ((sorrindo e apontando para KL-
Jay))... ah mas vai ver o (Blue) Nike que o Blue tá
no pé
((diversos risos))
MB entendeu? é contradição pô o Racionais é isso é
quatro cara quatro ca-quatro mente... quatro idéias
entendeu?... eu sou o mais confuso dos quatro sou
eu mesmo
Contradições de MB
RF como que cê vê a:: a pirataria hoje Brown? eu queria
saber essa-essa-eh::... tem uma história de que na
época do so-do “Sobrevivendo no Inferno”... houve
um acordo... eh: entre Racionais e:: bi-ou camelôs
ou que fazia discos pra::... eh-eh-eh::: vocês não
perderem com essa venda dos pira:tas... e parece
que isso-isso... um boato um rumor e na é-agora no
e na época do DVD também ouvi isso queria saber se
Pirataria
270
isso é verdade e como é que cê vê a pirataria como
é que cê protege da pirataria porque afinal você é
um artista
MB eh não tem como se proteger da pirataria eu sou um
cara que eu o-eu tenho vários amigo que trabalha no
ramo né?... °no ramo da°
PM [comerciais]
MB [da pirataria] do [comércio da pirataria]
JN [do comércio]
MB os ir-os irmão tão na rua vendendo um dia eles vem
“ô Brown assina aí” “pô pirata eu não assino irmão”
“pô mas ele nas é pô sobrevivência eu entendo cara”
na verdade quem fica rico é o chinês... mas é o
ganha pão do irmão também... então como eu não sou
polícia e também não vou mandar polícia prendendo
pirateiro que não é a minha... eu já uso aquele::
slogan “não vocês é a minha rádio né? cês tocam o
dia inteiro a minha música no centro da cidade lá...
e divulga aí me ajuda”... eu não vendo- o que eu
não ganho... em venda eu ganho com outras coisa que
eles me dão... a pirataria me dá... notoriedade me
dá::: põe minha música na rua
RF esse papo de acordo é::: [chapéu]
MB [não] não existe acordo...
tem um:: respeito... certo? porque é uma classe
também... certo? são trabalhadores também... se/
tivesse um meio melhor pra trabalhar eles com
certeza eles estariam lá
PM Brown
MB em vez de ficar correndo da GCM no centro... certo?
PM vamos fazer mais um intervalo lembrando que a
[entrevista de hoje]
MB
[((pigarro))]
PM &é acompanhada na nossa platéia por S. R. S. S.
bancário (.) C. Z. ... estudante de jornalismo P.
C. estudante de economia da PUC F. E. bancário (.)
e C. B. ator
((corte de imagem))
271
PM eh:: pergunta/ de E. S. C. de Ribeirão\ Pires o que
você acha das cotas para negros?
MB acho importante... acho que:: o mo-o movimento negro
tá na vanguarda... porque::: o ensino deveria ser
realmente gratuito para todos... os negro tão na
linha de frente... essa-essa parte aí eu acho que
particularmente nós tamos mais adiantados... porque
na verdade o ensino::... eh:: faculdade::-
faculdade... esse ensino superior (.) ele deveria
ser... gratuito... na minha visão... porque já
países que fa-Cuba deixou de ser:... Nova York...
pra ser pelo menos Cuba... Brasil não (.) quer ser
Nova York...
Cotas raciais
então a gente esquece de fazer as coisa... eh mais
simples... bo-dar condições pras-pras-pras pessoas
serem... eh... o máximo que elas puderem ser... não
tentar ser... francês... tipo assim se você dá
condição pra um brasileiro ser... um-um:... um
homem... no mundo – não digo só dentro do Brasil
não (xxxxxxx) brasileiro – ter uma faculdade e ele
ter um ensino superior... um ensino decente vai ser
superior (xx) um ensino... uma cultura... que ele
vai poder concorrer... eh::: no mundo né? no
mercado\ no mundo né? pelo... pelo... pelo emprego
dele... você vai ter um país forte... cê vai ter um
país bom se todos os-se todas as pessoas tiver um
ensino... a partir do momento em que você... eh...
renega o ensino pra grande maioria... e deixa uma-
uma minoria... no poder... perpétuo... trocando pai
pra filho na mesma cadeira.. só trocando as pessoa
aquela família continua a mesma... os donos...
entendeu? então eu acho-isso faz o Brasil...
perder... quando todos tiverem condição de ter um
ensino... o Brasil vai ser-vai crescer o Brasil
TOdo... entendeu?
Importância do ensino
superior
então a cota pra negro... eu acho que deveria mudar
esse-esse termo... porque na verdade (.) o movimento
negro: lançou uma-um desafio pro governo...
cabuloso... porque::... o Brasil deve para os
negros... muito... deve muito... mas/ não deve só
a faculdade deve muito\ mais... a faculdade é só...
um detalhe o ensino para que: o negros... possam
competir de igual... no mercado... mundial -– na
digo nem brasileiro –- mundial... por que não
disputar um emprego com uma cara lá na... em Paris
por que não?... os ricos eles mandam os filhos
estudar\ fora né?... entendeu? não manda? e por que
também a gente também não poderia disputar um
emprego com o-fora ou dentro... ou: qualquer
lugar... desde que você tenha condições... você/
tenha condições de\ disputar quando você não tem
Dívida do Brasil com
o negro
272
condições... aí você se torna um
problema... °entendeu°?
então a cota pra negro é o mínimo... [demorou] Cotas raciais
JN [mas não é bom
exemplo] pra isso não –- Cuba --... tem um ditador
lá há quarenta e sete anos... e não é propriamente
um exemplo de prosperidade nem de competi[çã::o ]
MB [sim]... depois que todo mundo
ajudou a afundar Cuba... é fácil... mas por
exemplo... eu usei num exemplo assim:: Cuba
valorizou mais as pessoa e menos as máquina... então
você tem lá:... eh::: médicos... você tem: os
atle::tas você tem as pessoa e o mundo tratou de
boicotar Cuba pra que isso acabasse né?... certo?
de uma certa forma:... isso infelizmente vai acabar
e Cuba vai ser um exemplo de fracasso mas não é um
fracasso... °tá ligado°? não/ é um fracasso deu
errado porque:... foi embargado... [boicotado...
boicote]
O exemplo de Cuba
(Cuba)
PM
[mas você é socialista?]
MB &ahn?
PM você é socialista? você... acha que todo mundo tinha
que [ser igual ganhar]
MB
[eu acho que é]
PM &igual trabalhar igual
MB deveria ser igual – lógico --... mas eu não vou
falar “eu sou isso eu sou socialista” eu sou eu...
por exemplo agora eu penso assim... as pessoas não
deveriam-não deveria faltar comida pra alguns e
sobrar pra outros... tipo eu fui pro exterior... eu
já viajei pra fora... eu vi os cara jogando prato
de comida fora assim ((gesticula como se lançasse
um objeto ao chão))... duas colherada e joga fora...
aí eu falei pro cara “pô mas no Brasil cê alimenta
duas família” ele falou “irmão aqui é Nova York”...
tá [ligado?]
MR [mas
aqui] também se desperdiça muito
MB tem::
Pensamento socialista
de MB
273
MR [aqui se desperdiça]
MB [mas tem gente que pensa] que tá em Nova York
MR °é°
MB é o que eu te-é o que eu falo eu acho que o:-o
grande problema do Brasil... o grande problema do
Brasil é que a gente nunca se aceitou nem como
Brasil (eu diria)
PLS [agora qual que é o grande problema]
Pensamento do
brasileiro
MR [então eu queria te perguntar]... quando cê falou
que não tem um discurso... fiquei meio confusa
porque eu acho que-a-a-tenho impressão como::
ouvinte que os Racionais tem um discurso... não
“discurso” de botar regra pro mundo inteiro mas...
quando você fala “pensar... a gente como a gente”...
ou o negro se identificar com a sua cultura...
queria que você falasse um pouco de uma coisa que
sempre achei muito com-muito coerente... nas
letras... .h que é a cobrança de atitude... do negro
que que é isso?... °cobrança [de atitude°]
MB
[eu não cobro] atitude... mesmo porque eu não tenho
condições de cobrar nada... certo? eu sou um cara
[que sou cobrado]
MR
[mas que que cês] chamam de atitude?
MB eu sou cobrado... “atitude”
MR [tem aquela (xx) Racional por exemplo em que o negro
é julgado]
MB [“atitude” vem de que? de “agir” né?]... “atitude”
vem de “ato” né?... “ato” “agir”... “agir”...
atitude nem sempre tem que ser::... da forma que eu
faço... não é isso que é atitude “atitude” é agir...
simplesmente “agir”... atitude... você vê um saco
de lixo certo? tá na frente da sua casa... você/
sabe que o carro vai passar em cima e vai acabar
com a sua rua (.) você vai lá só-e simplesmente
troca o saco de lixo de lugar... isso é atitude...
tá ligado?
MR [é uma responsabilidade pelo seu lugar]
MB [você vê uma criancinha]... você...
entendeu? cuidar de você meu... cuidar da sua so-
Cobrança de atitude
feita por MB
274
cuidar da sua família cuidar dos que tão perto de
você [é atitude]
RL
[Brown... qual é seu] grau de instrução?
MB oitava série
RL você não teve oportunidade mais de continuar
estudando? ou
MB ((pigarro)) tive mas não gostei... tive assim... eu
tava empregado resolvi pagar o:: primeiro:: o
primeiro ano colegial... colegial... –- colegial
né? -- ... e não gostei da escola... não me adaptei
não gostei das-do convívio... [saí fora]
RL [você acha então] que até onde você estudou foi
suficiente pra você [continuar (xxx)?]
MB [não não foi] suficiente...
insuficiente
Grau de instrução de
MB
RL que tipo de mensagem você passa quando você visita
seus... seus manos nos presídios e nas unidades da
FEBEM... que tipo de mensagem você?
Mensagem de MB nos
presídios
MB olha por incrível que pareça... é-eh::... você
encontra muita sabedoria dentro desses lugar aí...
dentro de presídio dentro de cadeia... você encontra
sabedoria cê encontra: inteligência... acima do
normal até porque... é-é na-naqueles momentos o
homem realmente se-ele realmente se descobre... tá
ligado? ele descobre acho que ele descobre o:...
aquele lado que na rua era adormecido ou distraído
né?... o lado distraído que ele tem na rua... lá
dentro você ouve coisas impressionante... entendeu?
PLS [pra melhor]
MB [xxxx] como é que cê tá preso com essa
inteligência °meu°?... entendeu?...
Sabedoria encontrada
nos presídios
então que-idéia que eu levo? eu levo companhia quando
eu vou... também não sou frequentador que nem parece
eu já fui... em várias cadeias eu tenho amigos
presos... certo?
Mensagem de MB nos
presídios
eu tenho o D. ... que é um amigo meu que tá preso...
eu tenho o A. ... que é rapper os dois são rapper
são artistas... e tão preso... é/ gente que ia estar
fazendo muito melhor pra sociedade na rua... lá
dentro... eles tão inutilizado... o sistema
inutilizou eles... o D. o A. ... e outros irmãos
que são músico... ou não são artista de alguma forma
Amigos presos de MB
275
PLS pra melhorar o Brasil... pra gente conseguir
melhorar assa-assa-essa desigualda:de... esse a-a
gente deveria começar por onde? qual seria o
primeiro ponto... que quando você pensa “não isso
aqui tá mui... deveria mudar a gente deveria começar
por aqui” qual seria a primeira atitude?
MB eu não tô nesse grau de sabedoria... pra saber...
como é que a gente vai resolver entendeu? eu tô no-
eu tô no olho do furacão tá ligado? do problema...
na verdade eu sou-eu faço parte do problema né?...
eu tô igual você porque eu tô procu-procurando uma
solução procurando o que-qual que é a melhor
solução... pra mim... e pros que tão perto de mim...
aí vo-vai ampliando né?... aí os que tão perto os
que tão-vai ficando mais longe que você vai tentando
ampliar... as coisa que você sonha pra você... e
fazer as pessoa sonhar junto com você... tá ligado?
mas aí... você tem aquele...
Mudança inicial contra
a desigualdade
eh:: por exemplo eu não posso... aceitar... um negócio
assim... que eu so::u... um cara que::... sou um
exemplo... porque:: fazendo o que eu fiz...
dificilmente a pessoa conseguiria... as coisa que
ela... que ela precisaria... °tá ligado°?
RF mas já era né Brown? você é um exemplo... né?
querendo ou não apesar do fardo não-te incomodar de
alguma maneira... sei lá cê pega ((balbucio)) o seu
disco mais recente tem um encarte lá a foto da-
da... molecadinha... tal e tá você lá:... eh::
MB então
RF em que sem-não tem mui-não assim o cara se espelha
em você de alguma maneira o cara ou quer se vestir
como você: ou quer ter atitude que você tem: [ou o
som]
MB [eu gostaria de outras coisa]
RL [por isso que eu falei da]
MB [ eu gostaria de outras
coisa]
RL &responsabilidade [que você tem]
MB [esse tipo]
RL é uma grande [responsabilidade]
Responsabilidade de
MB como exemplo
276
MB [esse tipo] de espelho... é::
eh::... é profundo porque é coração certo?... o cara
quando ele gosta de você e quer... usar uma roupa
que parece a sua... é profundo... mas é superficial
quando o cara só quer parecer com você... isso não
é bom pra ele... eu acho que... eu sou eu... você
é você o mano é o mano... ele vai descobrir o talento
dele aonde tá... ele não é o Mano Brown... mas ele
também não precisa ser o Mano Brown (.) ele pode
ser ele... e descobrir... que é e-o verdadeiro...
lado dele... como eu fui buscar o meu... [e tô
buscando]
RF [quando] quando você leu... o Malcolm-X... você –-
sei lá -– ouviu 2Pac
MB ((pigarro))
RF essas coisas cê... se viu ali de alguma maneira?
MB ah quando eu li Malcolm-X eu me vi... vi e vi
((balançando a cabeça em sinal de negação))...
tudo... vi tudo... pelo menos o mundo o universo
que eu vivia... tava ali naquele livro
Leitura de MB sobre
Malcolm X
RF pra você quem são os grandes ídolos brasileiros?
MB [sim:::]
RF [de to]dos os tempos
MB eu sou-eu vou te falar eu sou um cara até ignorante
se eu te falar-citar nomes... eu vou ser::...
leviano... o s-o J. tá aqui presente ele vai te dar
uma lista se você perguntar pra ele... o J. te dá
uma lista de líderes nervoso que vieram... pelo
menos cem anos antes do Brown... antel do Bill antes
do Thaíde... antes do... Facção Central (.)
Realidade Cruel... Mr. Catra que vêm dessa geração
de músico... falando dessas coisa do-né?...
existiram outras pessoas antes... que não-não:-não
gravaram disco... não vie-vieram antes do
vídeoclipe... vieram antes da o-da m-MTV vieram
antes dessas coisa... e lutaram
Grandes ídolos
brasileiros
RF fa-fala-se muito da::... do papel:: ahn: que o:-que
o: tráfico... ahn os traficantes eles ocupam um
papel que deveria ser do estado... né? um-um lugar
que deveria ser do estado cê acha que a música::
ocupa isso também de\ alguma maneira?
Papel da música na
periferia
277
MB sim a música é presente né?... a música é aquele::
é quando-ela tem que ser pelo menos companheira do
cara... ela não precisa ser o pai... nem o psicólogo
mas ela tem que ser pelo menos companheiro...
muitas/ vezes você quer ter do seu lado um
companheiro não um psicólogo... e não um pai nem um
padre nem um pastor... cê quer ter um companheiro...
que pelo menos vive as mesmas coisa... e vai trocar
idéia com você a altura... não de cima pra baixo...
então eu falo pros mano do rap “nosso rap não tem que
ser professor nem ser exemplo nem tem que ser
líder”... mas tem que ser pelo menos companheiro
dos mano... companheiro das pessoa porque ele tá de
igual... ombro a ombro entendendo os mano...
Papel do rap
e eles entender nossas falha também... porque o rapper
de tanto ele-as pessoa falar “ele é o exemplo ele
é o lider ele é pai” –- ele é coBRAdo... ferozmente
PM [Brown]
PL [Brown] Brown… [cê-cê]
MB [cobrado] ferozmente a atitude que
ele deveria ter que ninguém tem também
Cobrança feita ao
rapper
PM nosso tempo tá [acabando]
MB [então não pode] cobrar dele
PM &e eu queria fazer uma última pergunta... já que...
((sorrindo)) cê disse que ninguém te provocou... eu
vou te provocar de leve aqui... a essa altura do
campeonato só de leve... eh::: quando eu era...
jovem... a onda era... o movimento de paz e amor...
festival de Woodstock rock pra todo mun:do... né?...
todo mundo numa boa... você é um cara paz e amor?
MB não...
PM você é um cara [de que tipo?]
MB [eu sonho com] paz e amor mas a vida
não é isso
Temperamento de MB
PL você sorriu oito vezes aqui no programa hoje isso
te incomoda?
MB já foi a fase deu:-deu:: me preocupar com::...
assim: sorrir ou não... quando a gente vai ficando
mais velho... vai vendo que as coisas não são:-os
monstro não são tão feio né? ne-nem tão forte que
nem parece...
Os sorrisos de MB no
programa
278
PM nem o Mano Brown? ((sorrindo))
MB ninguém... ninguém... ninguém ué... Mano Brown é:
um ser humano meu... Mano Brown (é o que?-um)
rótulo... eu e-quando eu comecei eu era Brown do
Capão... aí no-na caminhada me apelidaram de Mano...
que “mano” é irmão entendeu?
O apelido Mano
Brown
RL e o Pedro Paulo Soares Pereira ficou no caminho?
MB não entendi ((com entoação interrogativa))
RL Pedro Paulo Soares Pereira... ficou no caminho
MB não... eu... ele:::... o Pedro Paulo ele vai assumir
o cargo dele daqui a alguns anos ele vai vol-vai
voltar ao posto dele de novo... ele vai tomar o-o
rumo da vida\ dele de novo
O retorno de PP
PM Mano Brown muito obrigado pela sua entrevis:ta (.)
obrigado aos nossos entrevistadores...
Agradecimentos do
programa
lembro que... o Roda Vida... completará... no próximo
dia vinte e oito... vinte e um anos... °no ar°... 28 anos do programa
sempre: trazendo entrevistas... eh: as mais diversas...
nesse::... nessa condição absolutamente livre... e
que nem sempre a gente concorda com tudo que é dito
ali::... e sempre a gente garante... que tudo que
seja dito... no centro do Roda Vida chegue... até...
o público... que acompanha a TV pública: no
Brasil... eh:-uma ótima semana e até a próxima
segunda com... o Ministro da Defesa Nelson Jobim...
até lá ((corte de imagem enfocando Mano Brown e,
então, corte de imagem para a vinheta do programa))
Liberdade garantida do
programa