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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA/PPGAU MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MARIA NGELA BARREIROS CARDOSO
CAMPO GRANDE DE SO PEDRO E IMEDIAES:
ORIGEM DO JARDIM PBLICO E DA ARBORIZAO URBANA EM
SALVADOR DA BAHIA
Dissertao apresentada ao curso de Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
da Bahia como requisito parcial para a obteno
do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Orientador: Prof. Dra. Maria Lucia Mendes
Arajo de Carvalho.
Salvador
2015
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FICHA CATALOGRFICA
C268 Cardoso, Maria ngela Barreiros.
Campo Grande de So Pedro e imediaes: origem do jardim pblico e da arborizao urbana em Salvador da Bahia / Maria ngela Barreiros Cardoso. 2015.
200 f. : il.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Lucia Mendes de Arajo Carvalho.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Arquitetura, Salvador, 2015.
1. Arquitetura paisagstica urbana. 2. Urbanizao - Salvador (BA). 3. Praas - Arborizao e ajardinamento Salvador (BA). I. Universidade Federal da
Bahia. Faculdade de Arquitetura. II. Carvalho, Maria Lucia Mendes de Arajo.
III. Ttulo.
CDU: 711.61(813.8)
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TERMO DE APROVAAO
MARIA NGELA BARREIROS CARDOSO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia.
Aprovada em: 17 de dezembro de 2015.
Prof. Dra. Maria Lucia Mendes Arajo de Carvalho Orientadora:
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Antnio Heliodrio Sampaio (examinador interno):
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Alberto Olivieri Freire de Carvalho (examinador externo EBA-UFBA):
___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Angela Gordilho Souza (convidada):
___________________________________________________________________________
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Este trabalho se desenvolve a partir da
percepo e discorre sobre a arte da
reintegrao entre o homem e a natureza; dedicado queles que percebem a natureza
como seu habitat e seu meio de
sobrevivncia, e, atravs da arte,
desenvolvem o Paisagismo, recriam
paisagens e reintegram o homem natureza.
Temos a arte para no morrer da verdade.
(Friedrich Nietzsche)
http://pensador.uol.com.br/autor/friedrich_nietzsche/
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AGRADECIMENTOS
A sabedoria da natureza tal que
no produz nada de suprfluo ou
intil. (Nicolau Coprnico).
natureza em Deus:
No quintal da minha infncia
minha rvore genealgica:
Pais: Aristides e Hilda
Filhos: Joana e Tadeu
Netas: Elisa, Lara, Nina e Luna
minha rvore de conhecimento:
Arilda Cardoso
M. Lcia Carvalho
Heliodrio Sampaio
ngela Gordilho
Mrio Mendona
Alberto Olivieri
Ailton Ribeiro Jesus
Emilly Carvalho
Solange M. da Fonseca s razes do conhecimento:
Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Arquitetura
Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo
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RESUMO
Em Salvador, na Praa do Campo Grande e Imediaes, observa-se uma vegetao
exuberante, rvores antigas que proporcionam uma sensao acolhedora, aprazvel, uma
paisagem peculiar do sculo XIX, que faz parte da histria da cidade. Essa percepo da
qualificao urbana a partir da arborizao pblica e seus benefcios para o citadino e sua
relao com a natureza constituram-se em objeto de investigao sobre esta paisagem
peculiar, que, na origem, se remete agricultura primitiva e ao processo civilizatrio quando
o homem se afasta do seu meio natural Natura Naturans, para o ambiente produzido,
antropizado, Natura Naturata. A domesticao das plantas, o conhecimento das espcies
vegetais e sua caracterizao utilitria, bem como a possibilidade de aplicao nos jardins,
praas e ruas das cidades modernas renascentistas, deram origem a teorias e prticas sobre a
integrao Arquitetura Paisagismo Arte, atravs da land art. No Iluminismo, a vegetao
nativa ou cultivada se tornou uma importante fonte de recursos para o Imprio Portugus em
suas bases polticas fisiocracia-salubridade-sociabilidade e assim surge, no espao de
Salvador, a primeira experincia land art no Horto Botnico e Passeio Pblico (1803-1815).
Esse espao diferenciado se tornou em um estmulo para a expanso da cidade, para a
abertura de vias de ligao entre o Distrito de So Pedro (tradicional) e o Distrito da Vitria
(novo) onde se foi formando uma paisagem diferenciada, com ruas alargadas e arborizadas,
recuos entre as casas, formando os jardins, sendo que o Campo Grande de So Pedro foi o
espao de mediao projetado segundo os conceitos do paisagismo ingls e onde ocorreu a
primeira arborizao pblica de Salvador, no ano de 1853.
Palavras-chaves: Passeio Pblico de Salvador. Campo Grande de So Pedro. Paisagismo.
Arborizao Pblica. Histria do Urbanismo na Bahia.
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ABSTRACT
In Salvador, Campo Grande Square and surroundings, there is an exuberant vegetation,
formed by mature trees that provide a cozy feel, pleasant, a peculiar landascape from the
nineteenth century, which is part of the history of the city. This perception of urban
qualification from the public afforestation and its benefits for the city and its relationship
witch nature constituted in research object of this peculiar landscape, which in origin, refers to
primitive agriculture and the caviling process when the man turns away from the wild Natura
Naturans produced for the environment, anthropic, Natura Naturata. The domestication of
plants, the knowledge of plant species and its utilitarian characterization, as well as the
possibility of applying in the gardens, squares and streets of Renaissance modern cities, have
given rise to theories and practices on Integration Architecture Landscaping Art, through
land art . In Iluminism, the native or cultivated vegetation has become an important source
of funds for the Portuguese Empire in their political bases physiocracy-health-sociality
and so comes, in the city of Salvador, the first land art experience in the Orto Botanico and
Plublic Garden (1803-1815). This unique space is turned into a stimulus for the expansion of
the city, opening lines connecting the District of So Pedro (traditional) and the District of
Victory (new) where it was forming a differentiated landscape with broad streets and forested,
retreats between the houses, forming the gardens, and the Campo Grande de So Pedro was
the mediation space planned according to English landscape concepts and where was the first
public tree planting Salvador, in 1853.
Keywords: Salvador Public Walkway, Campo Grande de So Pedro, Landscaping, Public
afforestation, History of Urbanism in Bahia.
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LISTA DE ILUSTRAES
Quadro 1 Esquema Grfico da Formulao da Coisa ou Fenmeno 15
Quadro 2 Correlacionamento entre as etapas da pesquisa 26
Quadro 3 Correlacionamento entre as teorias renascentistas 49
Quadro 4 Vegetao da Chcara do Coronel Machado (1803) 88
Figura 1 Ilustrao da Coisa ou Fenmeno sob o foco de observao indutivo 15
Figura 2 Transformao sobre a paisagem 17
Figura 3 Ilustrao da criao do locus como local divino 21
Figura 4 Agricultura Primitiva [sia, cultivo do arroz em terras baixas] 31
Figura 5 Agricultura primitiva [Parque Arqueolgico de Machu Picchu] 33
Figura 6
(a e b) Grcia Antiga [a: Atrium colunado; b: Acrpole de Atenas]
34
Figura 7 Perodo greco-romano [Trecho da Vila Adriana, Tivoli, Itlia] 36
Figura 8 Idade Mdia (a e b) [a: Ponte Romana de Vila Formosa, Pt.; b: Mosteiro de
Santo Andr, Amares, Pt.]
38
Figura 9 Sculo XVI: Imprio Portugus [Principais rotas comerciais] 41
Figura 10 Jardim Botnico de Pdua, Itlia [Centro de Estudos e de Cultivo de Plantas
do Convento de Santo Antnio de Pdua]
44
Figura 11 Integrao entre o conjunto monumento e a natureza [Cidade Medieval de
Almeida, Portugal]
51
Figura 12 Integrao entre o monumento e a natureza (a/b) [a: Pao Medieval.
Braga,Portugal; b: Villa Medici, Fiesole, Itlia]
51
Figura 13 Estilo italiano do Jardim sobre o parterre (a e b) [a: Vila Farnese, Capralora,
Itlia; b) Palcio de Fontainebleau, Paris]
53
Figura 14 Estilo do paisagismo francs [Jardim de Versalhes, Parterre au
Nord.Promenade de Louis XIV ]
56
Figura 15 Estilos do paisagismo ingls (a/b) [a: Water-Gate of York House, London,
England; b: Stowe Landscape Gardens, England]
57
Figura 16 Estilos do paisagismo ingls (a/b) [a: Stourhead House Stour, England;b:
Crystal Palace, London, 1851]
59
Figura 17 Estilo da Pintura naturalista Flamenga [Descanso na Fuga para o Egito,
Patinir (1515-1516)]
60
Figura 18 Estilo do paisagismo de fortificaes renascentistas (a/b) [Praa Forte de
Neuf-Brisach, Frana; b: Fortaleza de Bourtrangew, Paises Baixos]
62
Figura 19 Estilo de paisagismo militar portugus [Fortaleza de Valena do Minho,
Portugal (Scs. XVI-XVII)]
62
Figura 20 Salvador da Bahia: Natura Naturans (sc. XVII) Natura Naturata(sculos
XVIII e XIX) (a/b) [a: Salvador da Bahia, Algemeen Rksarchief, 1636; b:
Salvador da Bahia. Aquarela, Robert Pearce, 1819]
63
Figura 21 Modelo iluminista portugus (a/b) [a: Praa do Comrcio, por Joaquim
Carneiro Silva, sc.XVIII; b: Passeio pblico de Lisboa (1764)]
68
Figura 22 Passeio Pblico do Rio de Janeiro (a/b) [a: Plano geral do Mestre Valentim
(1778); b: Portada do Passeio. Por Karl Von Theremin, 1835]
70
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9
Figura 23 Mangueiras utilizadas na arborizao pblica em Belm 72
Figura 24 Forte de Santo Antnio da Barra, Salvador, Bahia (sc. XVIII) 73
Figura 25 Ocupao de Salvador no sculo XVIII (a/b) [a: Planta de Amde Franois
Frzier (1714); b: Planta de Jean Mass (1715)]
75
Figura 26 Destaques: Mapas de Salvador, sculos XVII e XVIII (a/b/c) [a: [D-1]
Rksarchief, 1636; b: [D-2] Frzier, 1714; c: [D-3] Mass (1715)]
75
Figura 27 Cartas Temticas Referenciais Natura Naturans, sculo XVII 77
Figura 28 Floresta Tropical Costeira (a/b) [a: Paisagem exterior; b: Paisagem interior] 78
Figura 29 Cartas Temticas Referenciais Natura Naturata, sculo XVIII 79
Figura 30 Prospecto da Cidade do Salvador no sculo XVIII 81
Figura 31 Conformao paisagstica de Salvador, sculo XVIII 84
Figura 32 Smbolo da Monarquia no Brasil [Palma Mater, Jardim de Aclimao, Rio de
Janeiro (1808)]
90
Figura 33 Idealizao iluminista realizao neoclssica Salvador da Bahia
[Praa do Comrcio, Salvador (1810)]
92
Figura 34 Smbolo da Monarquia na Bahia (a/b) [a: Passeio visto da Colina por
Landseer, 1820; b: Passeio visto da Baa por Galt, 1860]
93
Figura 35 Integrao entre Horto Botnico e Passeio Pblico [Alameda entre Horto
(viveiro) e Passeio Pblico (belvedere)]...
96
Figura 36 Ideal de Sociabilidade (a/b)[a: Mirante do Pr do Sol, Guilherme
Gaensly,Mirante do Pr do Sol, Guilherme Gaensly, 1875; b: Cascata do
Passeio Pblico, Castro y Ordoez, 1862]
98
Figura 37 Integrao Arte Arquitetura e Paisagismo [Belvedere do Passeio Pblico de
Salvador: Mirante do Por do Sol por Victor Frond, (1858)]
101
Figura 38 Paisagem peculiar do Campo Grande de So Pedro [... por Jean Baptiste
Debret, 1830]
102
Figura 39 Cemitrio dos Ingleses em Salvador (a/b) [a: British Cemetery, por Mulock
(1860); b: British Cemetery, por Gaensly (1885]
105
Figura 40 Igreja Anglicana de Salvador (a/b) [a: Stourhead House, Templo de Flora
(1745); b: British Church, por Gaensly (1885)]
107
Figura 41 Paisagem e salubridade em Salvador [Rua Banco dos Ingleses, por Almeida
& Irmo (cerca de 1870)]
109
Figura 42 Modelo de English Village em Salvador [Hotel dos Estrangeiros no Campo
de So Pedro, cerca de 1870]
112
Figura 43 Horto Botnico e Passeio Pblico de Salvador por Victor Frond e Guilherme
Gaensly, 1858]
115
Figura 44 Cartas Temticas Referenciais Natura Naturata, sculo XIX 120
Figura 45 Paisagem mista caracterstica das encostas no sculo XIX [Encosta da Barra
por Gansley, 1870]
121
Figura 46 Implantao de ruas em Salvador (1845) 122
Figura 47 Campo Grande de So Pedro, Sculo XIX [Mapa Topographico de
S.Salvador Carlos Well (APEB, s.d.)]
124
Figura 48 Campo Grande e imediaes, paisagem configurada sculo XIX [Mappa
Topographica da Cidade de So Salvador e seus subrbios... por Carlos
Augusto Well]
126
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10
Figura 49 Arborizao pblica de Salvador sculo XIX [Planta de arborizao do
Campo Grande por Reverendo Eduardo Parker, 1853]
129
Figura 50 Paisagem arborizada de Salvador sculo XIX [O Campo Grande de So
Pedro, por Guikherme Gaensly, 1870]
130
Figura 51 Paisagem peculiar do Campo Grande sculo XIX [O Campo Grande de So
Pedro, por Guikherme Gaensly, 1870]
131
Figura 52 Paisagstica de Salvador sculo XIX (a/b) [a: Campo Grande de So Pedro
(Gaensly, 1870); b: Corredor da Vitria (Gaensly, 1870)]
133
Figura 53 Paisagismo escalonado de Salvador sculo XIX [Ladeira dos Aflitos, por
Joseph Schleier]
134
Figura 54 Sombreamento das rvores do pau-brasil [Praa do Campo Grande, Salvador,
Bahia]
136
APNDICE A
Figura 55 Mapa Topographico de S.Salvador (Carlos Well, [s.d.]) 162
Figura 56 Caractersticas Paisagsticas da Floresta Virgem [a/b] 166
Figura 57 Paisagem ilustrada de Salvador no incio do sculo XIX 169
Figura 58 Caracterizao da paisagem, sculo XIX 171
Tabela 1 Curvas selecionadas para definir seus espaos intercalares (m) (sc.
XVII)....
164
Tabela 2 Representao da condutividade das guas de chuva: Mtodo de Ordenao
dos canais (sc. XVII)
165
Tabela 3 Representao de ordens opostas de ocorrncias com manifestao zonal:
Mtodo Cromtico Qualitativo (sc. XVII)
165
Tabela 4 Representao hipsomtrica do relevo; mtodo Isartimo com Ordem
de Valores Visuais Crescentes (colorido hipsomtrico) (sc. XVIII)
167
Tabela 5 Representao da condutividade das guas de chuva: Mtodo de Ordenao
dos canais (sc. XVIII)
167
Tabela 6 Representao de ordens opostas de ocorrncias com manifestao zonal:
Mtodo Corocromtico Qualitativo (sc. XVIII)
167
Tabela 7 Representao hipsomtrica do relevo: mtodo Isartimo com Ordem de
Valores Visuais Crescentes (colorido hipsomtrico) (sc.XIX)
170
Tabela 8 Representao da condutividade das guas de chuva; Mtodo de Ordenao
dos canais (sc. XIX)
170
Tabela 9 Representao de ordens opostas de ocorrncias com manifestao zonal;
Mtodo Cromtico Qualitativo (sc. XIX)
170
Tabela 10 representao de ordens de VIAS PBLICAS estruturantes da regio do
Campo Grande de So Pedro e imediaes montagem dos mapas M7, M8
(XIX) com o mapa M6 (Base SICAR XX) (MANTIDA-MODIFICADA-
DEMOLIDA)
173
Tabela 11 Representao de ordens de Espaos Abertos de Uso Pblico da regio do
Campo Grande de So Pedro e imediaes montagem dos mapas M7, M8
(XIX) com o mapa M6 (Base SICAR XX)
173
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11
SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................... 13
2 BASE ANALTICA : DA ANTIGUIDADE AO RENASCIMENTO:
TEORIAS E PRTICAS URBANAS.......................................................
31
2.1 ANTIGUIDADE E IDADE MDIA............................................................ 32
2.1.1 Agricultura e Arte.........................................................................................
2.1.2 Espcie Vegetal, Conhecimento e Utilitarismo............................................ 39
2.2 RENASCIMENTO: VEGETAO PRODUZIDA.................................... 44
2.2.1 Vegetao Moderna, Conhecimento e Possibilidades de Utilizao........... 45
2.3 ARTE, ARQUITETURA E PAISAGISMO: TEORIAS e PRTICAS
URBANAS ..............................................................................................
48
2.3.1 Paisagstica do Renascimento italiano e seguimentos................................. 50
2.3.2 Paisagstica do Renascimento Flamengo e seguimentos............................ 59
3 BASE ANALTICA : BAHIA COLONIAL PORTUGUESA:
ILUMINISMO E SALUBRIDADE..........................................................
63
3.1 PORTUGAL E ILUMIMISMO .................................................................. 64
3.1.1 Fisiocracia e Cincia............................................................................................... 65
3.1.2 Arquitetura e Paisagismo: Prticas Urbanas................................................ 68
3.2 SALVADOR DA BAHIA, A GLRIA PORTUGUESA NO
HEMISFRIO SUL ...................................................................................
74
3.2.1 A Cidade se expande, a Paisagem se altera................................................. 74
3.2.2 A Paisagem se adequa aos Ideais da Cincia Moderna............................... 76
3.2.2.1 Elementos Referenciais Primrios: Sculo XVII......................................... 77
3.2.2.2 Elementos Referenciais Antrpicos: Sculo XVIII....................................... 79
3.2.3 Salubridade e Sade Pblica........................................................................ 82
3.3 D. JOO VI NO BRASIL: REFLEXOS SOBRE A PAISAGEM ............ 85
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12
3.3.1 O Horto Botnico de Salvador.................................................................... 87
3.4 INFLUNCIAS DO ESTILO NEOCLSSICO EM SALVADOR.......... 91
3.4.1 O Passeio Pblico de Salvador................................................................... 93
3.4.1.1 A visita da misso austraca....................................................................... 98
4 BASE ANALTICA g: CAMPO GRANDE E IMEDIAES:
PAISAGEM E ARBORIZAO PBLICA.........................................
102
4.1 A PAISAGEM CONCILIADORA............................................................... 103
4.2 A SALUBRIDADE URBANA NA VISO DOS VISITANTES
NATURALISTAS........................................................................................
108
4.3 DO GROTO MIDO AO CAMPO APLAINADO.................................. 116
4.4 INTERLIGAES URBANAS: DO CENTRO PARA A VITRIA......... 122
4.5 AS VIAS URBANAS CONSOLIDADAS SCULO XIX....................... 125
4.6 DO ESPAO CONQUISTADO PAISAGEM PECULIAR..................... 127
4.7 ARBORIZAO DO CAMPO GRANDE DE SO PEDRO.................... 129
4.8 A PAISAGEM SE RECICLA...................................................................... 135
5 SNTESE CONCLUSIVA......................................................................... 137
REFERNCIAS......................................................................................... 146
APNDICES............................................................................................... 161
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13
1 INTRODUO
[...] a percepo uma atividade, um entender-se para
o mundo. (YI-FU TUAN, 1980, p.14).
Esta dissertao investiga os movimentos e aes do ser humano que precederam e
conduziram o processo da introduo da vegetao no meio urbano de Salvador da Bahia.
Sabemos que a Cidade do Salvador foi fundada no Sculo XVI segundo o modelo
fortaleza medieval, com nucleao principal murada, resguardada e protegida dos
silvcolas. De acordo com o processo da civilizao que usualmente se pesquisa em
bibliografias clssicas, modernas e contemporneas em contextualizaes literrias ou
cientficas, os povos primitivos habitavam a selva, onde desenvolviam uma vida integrada
com a natureza, por isso considerado quase como animais selvagens. Aqui buscamos
analisar o retorno da vegetao que foi extinta no perodo da colonizao portuguesa em
Salvador, e como ocorreram as sementeiras e a obteno de mudas necessrias para a nova
composio paisagstica domesticada, com espcies nativas e exgenas adaptada, ou seja, os
fatos que conduziram o processo histrico da religao cidade-natureza a partir do recurso da
arborizao.
A finalidade desta dissertao, portanto, buscar uma explicao de como ocorreu a
insero dos jardins pblicos e da arborizao urbana na Cidade do Salvador, cujas arvores
permanecem vicejantes e intrepidas, na contemporaneidade. Aspira-se ao entendimento sobre
os diversos processos das transformaes fsicas, da qualificao urbana e da arborizao
pblica, a partir do sculo XIX.
Como Foco Especfico, o trabalho estuda as definies conceituais e espaciais na
implantao, transformaes e permanncias no Campo Grande de So Pedro e imediaes.
A importncia dos jardins pblicos e da arborizao para o meio urbano da cidade a
justificativa principal para originar a presente pesquisa.
Observar a paisagem da cidade a partir da vegetao pode nos remeter s qualidades
almejadas em um sitio onde o citadino vai encontrar inspiraes para melhor desenvolver a
sua criatividade e urbanidade. Nesse contexto, toma-se o elemento rvore como referencial
prtico hipottico das funes exercidas pela vegetao no espao urbano, bem como
observaes empricas sobre a evoluo funcional que este elemento desempenha quanto s
questes do paisagismo, do meio ambiente, da topofilia, entre outros.
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14
Este tema vem estimulando a mente dos profissionais que se dedicam a estudar a
formao da cidade tropical, ensolarada e assumem a arborizao como um elemento
fundamental para garantir o conforto das pessoas. Surge de uma simples percepo intuitiva
que se transforma numa inquietao constante.
Os jardins que permanecem nas imediaes do Campo Grande apresentam uma
arborizao densa, que se mantm exuberante, mesmo diante do processo de crescimento
desenfreado ocorrido na cidade durante o Sculo XX, e essa preexistncia motivou a
investigao sobre esse local acolhedor, sobre sua origem e importncia para a paisagstica
urbana de Salvador.
Observar a Cidade do Salvador sob a tica das reas verdes urbanas remete
necessidade de conhecer a historicidade para entender o papel representativo da vegetao nos
diversos contextos ideolgicos segundo a compreenso holstica da cidade, envolvendo
tambm as questes geogrficas, econmicas e socioculturais. Sob a luz da conscientizao
ecolgica do planeta Terra, percebe-se, nos espaos ocupados pela vegetao, a garantia da
fluidez permevel das guas, dos ventos, do sol e demais elementos naturais que constituem o
sistema da natureza na rea urbana.
Em Salvador da Bahia, a regio em torno da Praa do Campo Grande mantm uma
arborizao variada, secular, com mesclas de exemplares modernos, que constitui uma
paisagem peculiar na histria urbana da cidade. Ao refletir sobre essa vegetao, surgem
ento algumas perguntas instigantes e a primeira delas seria: como ocorreu a insero desta
arborizao como um recurso de projeto, em funo da melhoria da qualidade da vida na
cidade; e, ainda, como se formou, no Campo Grande e imediaes, uma paisagem
diferenciada onde a vegetao preservada um fator da qualidade de vida para o cidado
soteropolitano da contemporaneidade. Tais questes levaram ao entendimento de que seria
necessria uma pesquisa sistemtica sobre o assunto.
A realizao deste trabalho , assim, uma forma de contribuio, com base acadmica,
para legitimar a necessidade de se manter os espaos urbanos arborizados da cidade, a
exemplo do Campo Grande e imediaes, como garantia da preservao e da manuteno da
qualidade de vida dos seus habitantes. Uma luta pertinente que vem sendo preconizada pelas
cartilhas que defendem a sade do homem na vida urbana contempornea.
Na busca da formatao metodolgica, procurou-se reunir um conjunto de
procedimentos diferenciados sobre o foco de observao em sua origem indutiva: um impulso
momentneo, que gera um movimento definido como coisa, objeto ou fenmeno e se
-
15
insere, nas questes aqui consideradas, como as bases investigatrias para o objetivo da
dissertao (LAKATOS, 2007).
Figura 1 Ilustrao da Coisa ou Fenmeno sob o foco de observao indutivo
Salvador, Bahia: paisagem peculiar, na regio do Campo Grande de So Pedro Passeio Pblico
Fonte: Fotografia feita pela autora (2014).
Para possibilitar a compreenso da problemtica, foi esquematizado o Quatro 1, um
apanhar do foco indutivo nas imediaes do Campo Grande, no momento que gera a coisa
ou fenmeno na localidade do Passeio Pblico de Salvador. Para o desenvolvimento do objeto
do estudo, foram adotados alguns procedimentos visando a compreenso do tema, a
sistematizao das pesquisas, a clareza das investigaes e a constatao dos fatos ocorridos e
suas inter-relaes, buscando explicar a origem, o discorrimento e a forma real que isso
representa no cenrio da temtica.
Quadro 1 EsquemaGrfico da Formulao da Coisa ou Fenmeno
impulso
momento movimento (in) consciente
FENMENO
conhecimento
ESQUEMA GRFICO
Fonte: A autora (2015) com base em Lakatos (2007)
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16
Apoiados em Husserl (1900), o objeto apanhado no ato da conscincia provoca um
fenmeno em duplo sentido, na aparncia e na objetividade; assim, percebemos a coisa
como uma aparncia que define na mente, um determinado objeto e assim compreender o
fenmeno da paisagem peculiar do Passeio Pblico como a conscincia doadora originria
(do problema) de onde emerge o avano para as coisas, sendo a coisa o fenmeno, aquilo
que existe no plano real e visto diante da conscincia (GALEFFI, 2000). A paisagem
peculiar (Figura 1) o que se percebe no apanhado da coisa num determinado momento
histrico, que se torna um fenmeno consciente e pode suscitar, para o observador, uma
sensao aprazvel. Nesse movimento, devem ser observados os conceitos de ordem fsico-
psquica (percepo), de ordem pragmtica (utilitarismo), e de ordem filosfica (concepo),
que do sentido apreenso da coisa, objeto ou fenmeno, que se torna reconhecido atravs
da percepo; segundo Tuan (1980), a percepo uma atividade, um entender-se para o
mundo e, medida que exercitamos nossos sentidos, vamos associar, no inconsciente, aquela
imagem ao nosso bem-estar, criando-se ento a topofilia1, para ligar o sentimento com o
lugar que reflete a imagem associada s caractersticas individuais de cada tomador da coisa:
[...] a cidade, o templo, ou mesmo as habitaes podem se tornar um smbolo da totalidade
psquica, um microcosmo capaz de exercer uma influncia benfica sobre os seres humanos
que entram no lugar ou que a vivem [...] (TUAN, 1980, p.14; 20).
No curso da histria, o recobrimento vegetal vem sendo percebido como um elemento
de ligao entre o ser humano e a natureza de onde emergem os recursos naturais que
garantem a sobrevivncia da vida no planeta Terra, e nessa necessidade de sobrevivncia que
o ser humano vai reconhecer o valor utilitrio da vegetao. Atravs da percepo, ocorre o
processo inconsciente da utilizao e na conscientizao desenvolve-se a atividade sistemtica
para o utilitarismo e a explorao econmica da espcie vegetal. O processo consciente entre
a atividade perceptiva e a possibilidade de utilizao da espcie vegetal se tornou um estmulo
para a criatividade, e a ao conjunta vai favorecer novos efeitos, alm de que a ideia de
conjunto vai formatar a criao ou inveno da paisagem. Esta uma questo que passa por
um entendimento geral, filosfico:
sempre a ideia de paisagem e a de sua construo que do forma, um
enquadramento, medidas a nossas percepes distncia, orientao, pontos
de vista, situao, escala. Garantir o domnio das condies de vida equivale
a reassegurar permanentemente uma viso de conjunto, composta,
enquadrada. (CALQUELIN, 2007, p.11).
1 Topofilia o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente fsico (TUAN, 1980, p.14).
-
17
Segundo percebe-se em Calquelin2, existe uma criao filosfica sobre o meio fsico no
qual se insere a paisagem tomada, enquadrada, apreendida, segundo seus aspectos
antropognicos anotados; esse modo de olhar a paisagem vem sendo desenvolvido atravs da
percepo dos naturalistas que precedem esta jornada e tomaram o enquadramento da
paisagem de acordo com a particularidade de cada interesse.
A partir da observao da Natureza, a paisagem tomada em sua forma natural
Natura Naturans3, ou produzida, criada sob o conceito pragmtico Natura Naturata. A
passagem ou transformao da Natura Naturans em Natura Naturata se torna o processo
da compreenso sobre as aes que o conduzem. Nesse estudo de caso, a vegetao natural
original e doadora precede ao avano da atividade percepo, num movimento dialtico em
funo da apreenso do objeto, da coisa. Atravs da rvore, vemos a Natura Naturans, e
da arborizao sistemtica, vemos a Natura Naturata. Assim busca-se ilustrar na Figura 2,
o fenmeno da transformao sobre a paisagem natural, arbrea, quando ocorre a insero de
uma paisagem produzida, arborizada, como o exemplo tomado do Passeio Pblico.
Figura 2 Transformao sobre a paisagem
Paisagem peculiar concebida sobre o meio natural.
Fonte: Elaborao da autora (2015).
2 CALQUELIN, Anne. Francesa, filsofa, professora da Universidade de Paris. Em sua obra A inveno da
paisagem, a autora elabora uma reflexo filosfica e esttica sobre a noo de paisagem que reproduzida como
o equivalente da natureza no sentido oikos, na percepo ecolgica da vida, kepos hortus, uma ideia de
recolhimento no seio de elementos naturais fora do recinto urbano. 3 BARUCHE DE ESPINOSA (1637-1677) nasceu nos Pases Baixos. Filsofo moderno. Em sua obra Ethica (De
Deo), disserta sobre a substncia e os atributos, que constituem a natura naturans. Da natura naturans (Deus)
procede o mundo das coisas, isto , os modos. Eles so modificaes dos atributos, e Spinoza chama-os natura
naturata (o mundo) (Disponvel em: < http://www.mundodosfilosofos.com.br/spinoza >. Acesso em: 10/06/13).
http://www.mundodosfilosofos.com.br/spinoza.htm#ixzz3pCRmCXPD
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O movimento de ao x reao informa que o mundo no se resume ao conjunto de
coisas, mas ao conjunto de processos, nos quais as coisas esto em constante mudana, em
vias de transformaes. Segundo Lakatos e outros (2007, p.101): [...] o fim de um processo
sempre o comeo de outro. As coisas ou fenmenos e os acontecimentos existem como um
todo, ligados entre si, interdependentes e interinfluentes uns dos outros entre si.
Nesse sentido, percebe-se que o recorte temporal no qual ocorreu a passagem entre a
Natura Naturans e a Natura Naturata nas imediaes do Campo Grande, em Salvador
(Figura 2), representa uma ao de cunho geogrfico-histrico que sucede a um movimento
(espontneo) e que este precede outro movimento posterior (planejado). E assim, tentando
captar o movimento, se constata a necessidade de voltar o olhar naturalista para o passado
remoto para tentar compreender como se laborava a relao de interdependncia no perodo
neoltico, quando os nmades procuram estabelecer sua fixao e assim a necessidade de
produzir e estocar seus alimentos, e esse processo de subsistncia produzida originou a
agricultura, e em consequncia ocorreu a separao entre aqueles que vivem no meio agrcola
e os demais que preferem viver em comunidades.
O meio ambiente natural e a viso do mundo esto estreitamente ligados: a viso do mundo, se no derivada de uma cultura estranha, necessariamente
construda dos elementos conspcuos do ambiente social e fsico de um
povo [...] TUAN (1980, p.91):
Para os naturalistas importante considerar as questes fsicas e territoriais conforme a
condio geogrfica daquela localidade em observao, e assim entender o ambiente natural.
No entanto, ao se perceber uma determinada alterao antrpica, emerge a reao e assim o
enquadramento sobre o fenmeno apreendido de onde surgem as questes e estas, por sua vez
conduzem ao entendimento sobre as razes ideolgicas (poltica, econmica, social, religiosa,
cultural, etc) que estimularam a criao daquela paisagem construda.
Permeando a histria das civilizaes, observa-se que o movimento de transformao do
meio Natura Naturans em Natura Naturata atravessa situaes semelhantes, conflitantes,
reflexivas, entretanto se distinguem entre si devido s razes ideolgicas e particularizadas, e
que essa peculiaridade se reflete na paisagem criada, que foi produzida no meio rural ou no
meio urbano, mediante s razes culturais e da maneira como se empregavam o conhecimento
e a tecnologia. Voltando a ateno para a viso do naturalista, evidente que essa percepo
em sua atividade busca entender a relao entre a vegetao cultivada e a maneira como esta
foi utilizada para compor aquela paisagem criada e assim constatar a aplicabilidade da espcie
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vegetal em funo de sua utilidade. O necessrio mergulho ao passado vai proporcionar o
entendimento sobre a utilizao pragmtica da espcie vegetal em funo da agricultura e suas
ramificaes para a alimentao, a farmacutica, a ornamentao, e a arborizao pblica e
ainda compreender que, a agro atividade, quando aliada s condies fsicas do terreno e
com as tecnologias disponveis a cada poca e oportunidade, veem demonstrando exemplos
de solues harmoniosas que se tornaram valiosas composies artsticas.
O conhecimento sobre a Natura Naturans, assim como as possibilidades da imitao
da ordem natural vai promover a atitude criativa, e nesse contexto a arborizao entendida
como o elemento vivo e sensvel que vai contribuir na composio Natura Naturata e assim
estabelecer a relao entre Arquitetura, Engenharia, Vegetao e Arte, e o Paisagismo por sua
vez, vai promover a composio da land art, a paisagem peculiar criada, produzida, como
sugere (CALQUELIN, 2007, p.8): [...] a paisagem no foge regra. Sua esfera se ampliou e
oferece um panorama construtivista: ela compreende noes como a de meio ambiente, com
seu cortejo de prticas [...] dentre as quais prticas se podem incluir a arborizao. Atravs
da interdisciplinaridade pretende-se observar o processo evolutivo do Paisagismo, enquanto
um agente condutor da espcie vegetal, como um elemento utilitrio, observando-se as
prticas de cultivo, as teorias da aplicabilidade no meio urbano e suas razes pragmticas para
a arborizao pblica das cidades coloniais portuguesas, a exemplo de Salvador. Tal processo
evolutivo se baseia ecologicamente no conceito de Odum (1979, p.286)4 que afirma
Sucesso ecolgica o processo ordenado da modificao da comunidade e a sequncia de
comunidades substitui-se uma s outras numa dada rea.
A questo sobre a aplicabilidade da vegetao vem acompanhando o ser humano ao
longo do seu processo civilizatrio, que busca, na natureza, a subsistncia, mas tambm a sua
influncia sobre a vida citadina, devido sua possibilidade em transpor ou interpenetrar o
espao urbano e esse aspecto deve ser observado com relao historia das cidades. Na
antiguidade, a polis, cidade-estado grega (1.500 a.C), foi uma nucleao murada, protegida,
composta em seu interior por acrpole (templos e administrao pblica); agora (praa
municipal para o povo); asty (mercado central); e em seu exterior os campos (agrcolas e
pastoreio), e ao longo da muralha foi preservada uma zona mediadora e conciliadora entre os
deuses e os humanos, entretanto, a condio defensiva que exigia a muralha de proteo da
cidade promovia tambm a ruptura da relao aproximada entre o ser humano e o meio rural.
4 Eugene P. Odum (1913-2002). Estadunidense, zologo e eclogo. Pioneiro no conceito de ecossistema,
estabeleceu a relao entre a atividade humana e os processos naturais, como parte essencial de sua descrio
neste conceito.
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Na transposio para a cultura greco-romana (1.000 a. C), surge a urbis (cidade-estado latina),
e sobre ela, o enclaustramento social e a efetiva segregao homem-natureza. Nesse percurso,
vale ressaltar que as nucleaes medievais permitiam (apenas) ao campesino a manter sua
proximidade com a natureza que foi criada por Deus, entretanto e assim preciso
compreender que no mbito da agricultura o sagrado precisava ser mutvel segundo um
movimento gerenciado sob a ordem humana. Nesse contexto percebe-se a influncia da
religio crist sobre a ordem das coisas e o perodo da idade mdia representa a transformao
entre a crena politesta que vinha sendo praticada pelos gregos e romanos, para a crena
monotesta crist e assim entender sob a viso dialtica, a divergncia entre a cultura oriental
dos povos antigos e a cultura ocidental que se desenvolveu no ambiente medieval sob o cunho
da igreja crist.
Os gregos consideravam a ordem natural das coisas e a interpretao dos fatos conforme
a realidade visvel. Segundo Plato5, toda realidade fruto do que vemos com o corpo fsico
atravs dos olhos a vida concreta, e com o corpo no fsico, que percebemos com os olhos
da alma a vida sensvel, uma conexo metafsica na distino do objeto entre o
conhecimento e a crena verdadeira. No entanto, a religio crist prega segundo o Genesis6 ao
afirmar que (Cap 1.1), a natureza a manifestao do poder, da sabedoria, da vontade e da
bondade divina, sendo Deus o criador do cu e da terra.
[...] No princpio Deus criou o cu e a terra [...]; (Genesis, Cap.1.1). Ento
Deus disse: [...] Cubra-se a terra de vegetao: plantas que deem sementes e
rvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas espcies. [...]
e Deus viu que ficou bom (Genesis, Cap.1.11). E plantou o Senhor Deus um
jardim no den, na direo do Oriente, e ps nele o homem que havia
formado [...]. (Genesis, Cap.2.8).
O recobrimento vegetal, enquanto um elemento de ligao entre o ser humano e a
natureza, em seu aspecto divino, provoca assim, a reflexo, entre os estmulos criados para o
agricultor medieval no sentido de poder cuidar da natureza dadivosa, e das restries impostas
ao citadino que vivia enclausurado entre as muralhas medievais ao promover a idealizao de
um jardim paraso7 no qual o ser humano em atitude de repouso recebia em doao divina
um lugar em harmonia com a natureza, portanto aprazvel e desfrutvel como um paraso.
5 PLATO (427-347a.C). Grego, filsofo, criador do sistema metafsico o mundo divino das ideias,
inteligveis, na esfera celeste. 6 Genesis livro da criao da cultura judaico crist Bblia de Gutemberg (1452). 7 jardim em grego se denomina pardeisos paraso
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Figura 3 Ilustrao da criao do locus como local divino
Jardim do den
Fonte: Disponvel em: < www: imagens bblicas >. (15 ago.2012).
Entre a sensibilidade e a inteligncia, surge a arte do dilogo que, por sua vez, produz o
conhecimento; segundo Hegel8, uma progresso na qual cada movimento sucessivo emerge
como soluo das contradies inerentes ao movimento anterior;
Assim, buscando a origem do tema em questo, a vegetao secular que ilustra a coisa
ou fenmeno observado no locus Passeio Pblico, nas imediaes do Campo Grande, provoca
a inquietao: teria sido essa paisagem peculiar uma criao divina em funo da
sobrevivncia do homem ou uma adaptao organizada pela mente ilustrada do homem
conforme as instrues da divindade? Tomando Jardim do den, como referncia, ento, o
Genesis estaria apresentando as instrues fundamentais para a escolha do local locus
enquanto detentor das qualidades ambientais primordiais e detentora de caractersticas
ecolgicas condicionantes e determinantes para o ideal desenvolvimento da vida humana.
8 Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Prussiano, protestante, filsofo, criador do idealismo alemo,
precursor da Filosofia ocidental, influenciando a teoria marxista.
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Assim busca-se afirmar que o conhecimento sobre a Natura Naturans, assim como a
imitao da paisagem natural podem promover a atitude criativa e tambm a possibilidade de
recriao de um novo den.
No renascimento (Sculo XVI), a urbis fortificada exige mudanas e a necessidade da
expanso urbana e por isso, a transposio das muralhas, assim despertando a ateno para as
questes da afetividade entre o homem e a natureza, e nessa poca emergem os movimentos
para um melhor conhecimento sobre a cidade medieval em seu contexto ideolgico e tambem
sobre a condio de vida do citadino e sua relao com o campesino e ainda sobre as questes
scio-culturais da poltica absolutista, e ainda sobre as constantes revoltas socias. Segundo
(CHOAY, 1965, p.5), [...] quando a necessidade de adaptao a uma nova economia e a
novas funes urbanas transformam as cidades tradicionais [...] e a essa necessidade de
mudanas ascendem-se os pensamentos, utpicos e tericos segundo o conceito da filosofia9
e da interdisciplinaridade, para compreender as razes que levavam o ser humano para o meio
urbano que lhe ocasionava uma srie de problemas decorrentes da forma de crescimento das
cidades, que refletem diretamente em um decremento da qualidade de vida do indivduo que
ali habita. Segundo Tuan (1980, p.110), [...] na vida moderna, o contato fsico com o prprio
meio ambiente natural cada vez mais indireto e limitado a ocasies especiais. No obstante,
sob o ponto de vista filosfico e naturalista, a percepo sobre os valores daquele meio
ambiente em observao, precisa se transformar em uma nova atitude comportamental atravs
de impulsos inconscientes e do conhecimento cientfico, e da possibilidade de recriar, na
cidade moderna, um lugar aprazvel, fruvel ou desfrutvel e delicioso, assim como o den.
Assim a almejada reintegrao entre o ser humano e a natureza vai ocorrer graas
sistematizao do conhecimento cientfico e corroborao do pensamento humanista
reintegrador, a partir das novas correntes filosficas originadas e facilitadas pelo
Renascimento.
No Sculo XIX surge a cidade industrial, a desordem, ampliam-se as revoltas sociais, a
insalubridade urbana, e a cidade se torna um foco estimulador para o desenvolvimento de
estudos cientficos sobre sua histria e seus componentes adjuntos de ordem econmica,
poltica e social, a respeito do espao urbano, seu desenvolvimento e sua relao tica com o
ser humano, assim como definido em Carvalho (1998):
9 Claude Destutt, Conde de Tracy (1754-1836), filsofo francs da escola filosfica dos Idelogos, utilizou de
alguns mtodos e teorias das cincias naturais (fsica e biologia basicamente) para compreender a origem e a
formao das ideias (razo, vontade, percepo, moral, entre outras) a partir da observao do indivduo em
interao com o meio ambiente.
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[...] o espao urbano afirma-se como um produto histrico, isto , produto da
formao social nos diferentes momentos de seu desenvolvimento e sua
ocupao revela o valor da terra como principal componente avaliador e
determinante da apropriao do solo urbano, periurbano ou metropolitano
que, em razo do seu prprio valor de uso e de troca, onde ento se enraza
uma luta que assume uma expresso poltica e sem dvida tica [...].
(CARVALHO, 1998, p.31)10.
Ao traduzir esse aspecto para o mbito do colonialismo portugus, preciso considerar
o sentido que levou Portugal a manter o sistema de colonizao, e neste, a histria das vilas
e cidades coloniais no qual se insere Salvador da Bahia, diante do contexto politico e
econmico do imprio, para observar as razes que induziram o governo requalificao de
suas vilas e cidades segundo a orientao de estudos, planos, projetos; observar sobre a
maneira como se considerava a Natura Naturans, o revestimentimento do solo brasileiro
quanto ao conhecimento das espcies vegetais, s polticas de comercializao e de utilizao
destas, e entender as razes que conduziram ao processo da arborizao pblica na cidade.
Ao se dar crdito interpretao de que a ocupao das terras americanas
pelos ibricos se desenvolveu onde houve potencialidade de explorao
econmica, a apropriao de bens naturais tambm se insere no rol de
interesses do processo de colonizao. Nesse sentido, a natureza virgem
americana, menos como fonte de prazer ou deleite, e mais como um estoque
de potencial de aproveitamento, tornou-se um objeto merecedor de cuidados
especiais sobretudo na botnica, na busca de plantas medicinais,
variedades de especiarias e repertrio para produo agrcola e
posteriormente, ornamental. (SEGAWA, 1996, p.56).
esse processo que interessa observar, a partir da histria, para compreender as
influncias sobre a formao Praa do Campo Grande e imediaes no sculo XIX, perodo
em que se percebem os constantes surtos epidemiolgicos e a condio de insalubridade
prejudicava a qualidade de vida dos soteropolitanos. Sob o ponto de vista filosfico e
naturalista, a percepo intuitiva sobre o Passeio Pblico e o Campo Grande de So Pedro
demonstra um propsito inovador sobre a criao destes locais que foram construdos para
recriar, em Salvador, um lugar desfrutvel, assim como um den tropical, nesse sentido,
pretende-se compreender como ocorreu, no Campo Grande e suas imediaes, uma paisagem
peculiar que preserva ainda hoje, uma vegetao secular e oferece a sensao aprazvel,
motivadora dessa dissertao.
10 CARVALHO, Maria Lucia A.M. de. , arquiteta urbanista brasileira, contempornea, estudiosa sobre a questo
do verde urbano sob os aspectos ecolgico, econmico, social e a sustentabilidade ambiental.
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1.3 OBJETIVOS
O Objetivo Geral desta dissertao compreender como ocorreu o processo de
insero dos jardins pblicos e da arborizao urbana na Cidade do Salvador, a partir do
Sculo XIX.
Como Objetivos Especficos, a dissertao visa analisar o processo de transformao
que ocorreu na Praa do Campo Grande e suas imediaes, entre o sculo XVIII e meados do
sculo XIX, com relao s transformaes fsicas morfolgicas de Natura Naturans a
Natura Naturata: relevo, hidrografia, vegetao, edificaes, arruamentos, arborizao;
composio land art, que promoveu a condio de peculiaridade e de afetividade ao lugar;
importncia do paisagismo como elemento de requalificao do Campo Grande e imediaes.
1.4 METODOLOGIA
Para se alcanar esses objetivos, procurou-se o conhecimento tcnico e analtico com
base cientfica, mediante diferentes mtodos de abordagem, visando contribuir com a pesquisa
sobre o meio urbano e a necessidade de se manter a arborizao pblica como garantia da
preservao e da manuteno da qualidade de vida dos habitantes.
O processo de investigao foi iniciado na Cidade do Rio de Janeiro onde se encontram
os arquivos do imprio brasileiro (sculo XIX) e se concentram as principais fontes da
documentao primria relativas a esse perodo, quando ocorreu a transmigrao da Corte
Portuguesa para o Brasil, influenciando o desenvolvimento das Cincias Naturais, da Botnica
e do Paisagismo Urbano. Foram visitados os Arquivos (pblico e privados) do Museu
Nacional, Casa de Ruy Barbosa, do Jardim Botnico e da Escola de Belas Artes da UFRJ.
Desse modo, tornou-se possvel entender a ligao entre os cientistas naturalistas e o
desenvolvimento da Botnica no Brasil.
Dando prosseguimento busca de ampliao bibliogrfica, recorreu-se ao Setor de
Arquivo e Documentao do Programa de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So
Paulo onde se teve acesso a diversos trabalhos acadmicos de interesse sobre o paisagismo no
Brasil. Assim, constatou-se a importncia da ligao entre a Arquitetura e o Paisagismo
enquanto agente estimulador da salubridade e reformulao da paisagem da cidade.
Em Salvador, atravs dos Setores de Documentao da UFBA, bibliotecas e depositrio
institucional, encontrou-se valiosa fonte documental para o direcionamento do foco de
pesquisas e o fortalecimento da Dissertao. Foram tambm de fundamental importncia, as
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pesquisas no Arquivo Pblico Municipal, onde foram encontradas e analisadas as fontes
documentais primarias (manuscritas) sobre a cidade (sculos XVIII e XIX), observando-se as
transformaes fsicas mediadoras entre a cidade tradicional e a cidade moderna, que
ocorreram nas imediaes do Forte de So Pedro, onde foram implantados o Horto Botnico,
o Passeio Pblico e o Campo Grande de So Pedro.
Buscando a constatao dos fatos ocorridos no sculo XVIII, tornou-se necessrio
consultar o Arquivo Ultramarino Histrico de Portugal para observar as interligaes entre as
decises centrais da Coroa Portuguesa (Lisboa) e a Colnia (Salvador).
Para finalizar as buscas por informaes e constataes, foram procurados os
documentos relacionados com o Governo Provincial da Bahia (perodo imperial), para
analisar a partir de fontes primrias as aes governamentais que conduziram a Cidade do
Salvador ao patamar de uma cidade moderna. Foram consultados os Arquivos (pblicos e
privados) do Gabinete Portugus de Leitura, do Arquivo Pblico de Estado da Bahia e do
Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia.
Ressalte-se que, durante o perodo de pesquisa, tambm foram utilizadas fontes
documentais referenciais atravs das mdias eletrnicas, acessveis em revistas cientficas,
livros, trabalhos cientficos (artigos, dissertaes, teses), obtendo-se pistas de informao e
comprovao de dados importantes.
Na inteno de adquirir clareza sobre a investigao dos fatos ocorridos e suas inter-
relaes foram reunidos um conjunto de procedimentos mediante diferentes mtodos de
abordagem. O Quadro 2 foi montado com o propsito de, a partir do foco indutivo Campo
Grande e Imediaes, contextualizar trs bases de anlise que compreendem: (a) o portal
para a compreenso dos processos iniciais que conduziram o objeto da pesquisa a paisagem
peculiar - da condio Natura Naturans condio Natura Naturata; (b) que representa
a compreenso histrica do que se considera a land art enquanto base compositiva da
paisagem peculiar do Passeio Pblico; e (g) que representa a compreenso histrica do
processo ocorrido no locus Campo Grande de So Pedro.
Por fim, comprovados os fatos constatados, com o intuito voltado para a veracidade,
fidedignidade da pesquisa, sua natureza conceitual, histrica e cientfica e sua aplicabilidade
ao desenvolvimento do paisagismo e urbanismo contemporneo, foi formulada uma Sntese
Conclusiva convergente para o entendimento de como ocorreu o processo de insero dos
jardins pblicos e da arborizao urbana na Cidade do Salvador, a partir do Sculo XIX e
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especificamente as transformaes morfolgicas e urbansticas na Praa do Campo Grande e
Imediaes.
Quadro 2 Correlacionamento entre as etapas da pesquisa
Fonte: Elaborao prpria (2015)
Essa dissertao se desenvolve nos seguintes captulos:
Captulo 1 Base Analtica (a) representa o portal para a compreenso dos processos
iniciais que conduziram o objeto de estudo paisagem peculiar - da condio Natura
Naturans condio Natura Naturata e dos mtodos rudimentares que influenciaram a
composio a partir da agricultura, segundo a expresso de arte. Esse captulo se desdobra
nas seguintes sees:
A origem remota (perodo neoltico), quando havia a interdependncia entre morar e
produzir seus prprios alimentos; o processo de agricultar a terra considerava o sol e a gua
como elementos essenciais, e os povos do Oriente Mdio e da Amrica Central (4.000 a.C.)
buscaram a integrao agricultura-arte, conforme observado nos pntanos de arroz no vale do
Rio Amarelo (China) ou nas encostas ngremes de Machu Pichu (Peru).
O apogeu da cultura mediterrnea (Antiguidade), quando ocorreu a separao entre a
moradia (cidade murada) e a produo de alimentos (meio rural) e os filsofos naturais
(gregos e romanos) perceberam a necessidade de manter um intermdio para estabelecer o
contato prximo com Natura Naturans, o paradeiso (jardim) como o lugar onde os deuses
e deusas visitam a Terra;
O enclausuramento cultural (Idade Mdia), quando o estilo cidade fortaleza se
configura como um pequeno mundo autnomo com autossuficincia, e o cultivo de espcies
FOCO INDUTIVO
Praa do Campo Grande e Imediaes
BASE ANALTICA a Da Antiguidade ao Renascimento
teorias e praticas urbanas
BASE ANALTICA b Bahia Colonial Portuguesa
Iluminismo e Salubridade
SNTESE CONCLUSIVA
Conceituao
e
Metodologia
BASE ANALTICA g Campo Grande e Imediaes
Paisagem e Arborizao
Pblica
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vegetais utilitrias (alimentao e medicamentos) intramuros se desenvolvia nos espaos
abertos (ptio, horta, pomar) dos mosteiros, conventos, fortalezas e palcios medievais,
caracterizando os jardins medievais (monacais, mouriscos) e estimulando a familiaridade e o
conhecimento das plantas, conduzindo o processo da experimentao, da transformao
alqumica e da teraputica.
O expansionismo martimo (alta Idade Mdia), quando, em funo da comercializao
das especiarias, ocorre a ascenso do Imprio Portugus, a ligao ocenica (Atlntico,
Pacfico e ndico) e intercontinental (sia, frica, Europa e Amrica) e a cura mdica, que se
tornou uma importante aliada da talassocracia. Surgem, ento, loci apropriados para o
conhecimento das espcies medicinais (anlise, aclimatao, transformao) em Goa (ndia),
na Bahia (Amrica do Sul), em Pdua (Itlia), onde se cria o modelo Jardim Botnico.
A descentralizao do conhecimento e a noo de multidisciplinaridade
(Renascimento), quando, em funo da sociabilidade ao ar livre, os cientistas naturais
(naturalistas, gegrafos, botnicos, arquitetos, artistas) estimulam a aproximao entre as
teorias e as prticas de aliar a cidade com a natureza produzida.
- A fundamentao cientfica (Itlia e Anturpia) e sua disseminao (Frana,
Inglaterra), destacando-se o parterre como triunfo conquistado na construo da paisagem
land art, integrando Arte-Arquitetura-Engenharia-Paisagismo.
A apropriao do conhecimento adquirido e a possibilidade de garantir a preservao
da cidade fortaleza, estabelecem regras para expanso das cidades e, em funo da
pirobalstica, adequam a fortificao medieval ao sistema de baluartes, que a partir de ento
se tornou a base da arquitetura militar portuguesa durante os sculos XVII e XVIII.
O Captulo 2 Base Analtica (b) representa a compreenso histrica do que se
considera a land art, enquanto base compositiva da paisagem construda, composta,
enquadrada, que vai conferir a condio de peculiaridade de determinada localizao. Vale
observar que, na Bahia Colonial Portuguesa, o conceito land art est relacionado aos ideais
iluministas de salubridade e progresso e viso abrangente da paisagem enquanto uma
expresso de tcnica e arte, land art, a partir de uma postura interdisciplinar. Esse captulo
se desdobra nas seguintes sees:
A condio Natura Naturans conforme registrado em Salvador (sculo XVII) e o
processo de transformao para Natura Naturata (sculo XVIII), quando, em funo da
defesa da cidade, ocorreram as devastaes das matas costeiras e o bloqueamento dos canais
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de drenagem naturais, e a construo do Forte de So Pedro d origem a um campo seco e
rido nas suas imediaes.
A possibilidade de conhecimento dos recursos naturais (iluminismo), quando, em
funo da colonizao mercantilista, o Imprio Portugus se amolda aos conceitos da
fisiocracia, favorecendo a atividade agropastoril, a presteza dos caadores-coletores, o
conhecimento da natureza, a valorizao da propriedade privada, a transformao dos
recursos naturais em bens de valores, criando um sistema liberal independente do governo.
O estmulo para as Cincias Naturais em Portugal (perodo pombalino), quando, em
funo da fisiocracia, uma srie de hortos botnicos foi instalada no Brasil, e a vegetao
nativa ou exgena adaptada passou a ser reproduzida para utilizao no meio urbano e rural.
A militarizao do ensino no Brasil (perodo pombalino), quando em funo da defesa
de Salvador, a Aula Militar da Bahia se tornou o centro de estudos sobre a cidade e as obras
(pblicas ou privadas), com influncia da escola italiana renascentista, que constitui o legado
patrimonial do sculo XVIII, e o Forte de So Pedro se destaca na paisagem criada.
A necessidade de expanso da Cidade do Salvador (sculo XVIII), quando ocorre a
ocupao do limite ao Sul, e a localizao do Forte de So Pedro se torna a mediao entre a
cidade tradicional (sculo XVI) e a cidade modernizada (sculo XIX) construda,
provocando a alterao de seus elementos fsicos naturais (relevo, hidrografia, recobrimento
vegetal) e antropizados (caminhos, trincheiras, roados, chcaras, edificaes esparsas).
Os ideais do Salubrismo (sculo XVIII), quando a Cmara Municipal de Salvador
anuncia as primeiras medidas de controle e posturas sobre construes (aclive, declive),
higiene (domstica, produtos alimentcios), sade pblica (doentes, enterramentos),
preservao ambiental (fontes, mananciais, mangues, vegetao) e as rvores existentes so
consideradas como um recurso da salubridade pblica.
O evento da transmigrao da Corte portuguesa para o Brasil (1808), quando o
Prncipe Regente D. Joo VI faz uma escala martima em Salvador e, em funo de estimular
a Cincia Botnica na Bahia, promove a instalao do Horto Botnico de Salvador nas
vizinhanas do Forte de So Pedro.
A oportunidade de glorificar a presena da Corte Real na Bahia (1815), quando, em
funo da sociabilidade, a Cmara Municipal idealiza o Passeio Pblico de Salvador, um
espao ao estilo neoclssico, localizado sobre a encosta da Baa de Todos-os-Santos, para ser
observado e utilizado por visitantes e pela populao da cidade.
O Passeio Pblico de Salvador, um local concebido para se tornar aprazvel, socivel,
cobiado, considerando o saneamento e ordenamento pblico para a condio de uso com
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prazer. Um espao conquistado, que foi construdo mediante um processo interdisciplinar
(Arquitetura, Engenharia, Paisagismo e Arte), que possibilita a harmonia entre as espcies
vegetais preexistentes do Horto Botnico, a arquitetura neoclssica e o palladianismo ingls
que caracteriza a Paisagem Peculiar nas imediaes do Forte de So Pedro no sculo XIX.
O Captulo 3 Base Analtica (g) representa a compreenso urbanstica do Campo de
So Pedro cuja origem est relacionada com o Forte de So Pedro, o Horto Botnico, o
Passeio Pblico, e que, no primeiro quartel do sculo XIX, vai ser observado como o espao
mediador onde se construiu uma paisagem conciliadora entre a cidade tradicional -
portuguesa e a cidade modernizada - inglesa. Este captulo se desdobra nas seguintes sees:
O processo de anglicizao (Iluminismo), quando ocorre a conciliao entre costume
luso-brasileiro e a maneira com que os ingleses conduzem os assuntos da vida e da morte, e a
influncia dos povos anglicanos refletida na paisagem urbana, dando origem a construes
diferenciadas: Cemitrio, Igreja, English villages onde a arborizao pblica se torna a
principal caracterstica da cidade salubrista do sculo XIX.
A questo da salubridade urbana segundo a viso dos viajantes naturalistas que, em
funo do expansionismo comercial, cuidavam de propagar a imagem da cidade segundo a
idealizao do paraso tropical, e quando o processo de adequao vai promover o recuo
(frontal e lateral), um importante atributo do projeto integrado (arquitetura e paisagismo), em
funo da permeabilizao (sol, ventos, guas), e os jardins nesses recuos propiciam o
aformoseamento da cidade e a valorizao das casas.
A questo da disseminao dos surtos epidmicos, quando ocorre o conhecimento
sobre a relao entre a proliferao de vetores nas reas insalubres da cidade, e as entidades
governamentais se aliam ao corpo de mdicos ingleses para reformular o cdigo de posturas,
promover a extino dos focos de insalubridade, a construo de cemitrios, a criao de
casas de sade, a obrigao dos recuos e jardins entre as casas, e quando o ideal de
salubridade, se torna uma necessidade, um fato real, que exigia medidas de remodelao da
cidade, e de novas construes alinhadas com as correntes progressistas da Europa.
A visita do cientista e naturalista Imperador D. Pedro II (1858), quando, em funo do
desenvolvimento cientfico, incentivou a criao do Imperial Instituto Baiano de Agricultura
destinado ao desenvolvimento da Botnica e sua utilidade (lavoura, arborizao pblica) na
provncia da Bahia.
A construo da paisagem peculiar do Campo de So Pedro, que envolveu servios de
movimento de terra, de alterao dos elementos fsicos (relevo, hidrografia, recobrimento
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vegetal), da extino das reas insalubres, em funo da criao de um grande parterre que
se configurou em um campo aberto, plano e seco, de forma trapezoidal.
A Paisagem do Campo Grande e imediaes (1855), quando, em funo de
estabelecer a interligao entre a cidade tradicional e a cidade modernizada, foram
construdas as principais vias urbanas entre o Distrito de So Pedro e o Distrito da Vitria,
que configuram o traado urbano do sculo XIX.
As medidas estabelecidas para possibilitar a execuo das obras pblicas atravs do
sistema de Obra Compartilhada (Governo Provincial, Cmara Municipal e Iniciativa Privada),
quando, em funo da qualidade tcnica das obras, foi introduzida na Bahia a tecnologia
inglesa macadam para a compactao do leito da via com pedras midas, alinhamento do
meio-fio e pavimentao dos passeios.
A parceria profissional entre o Engenheiro Francisco de Aguiar (Comisso de Obras
Provinciais), o Engenheiro Carlos Well (Comisso de Alinhamento e Vistoria da Cmara
Municipal) e o arrematante de obras, o Reverendo ingls Eduardo Parker, quando, em funo
da qualidade da obra pblica, buscaram embasar-se nos princpios renascentistas para
concepo do parterre, no estilo do palladianismo ingls, para a organizao do espao
pblico. Nesse sentido, foi construdo o Campo Grande, incluindo-se servios de canalizao
(esgotos, drenagem), de macadamizao das ruas, e a plantao de rvores, sendo esta a
primeira oportunidade em que um projeto urbano incluiu o paisagismo como um elemento
de composio do espao.
Na Sntese Conclusiva, so destacados os aspectos relevantes, os reflexos causados na
paisagem da cidade, em funo de solicitaes de moradores para adaptar suas casas e
aproximar-se dos ideais da salubridade, a adequao do tecido urbano preexistente ao novo
estilo que se aplicava no alinhamento das quadras (pilastra, gradil de ferro), na abertura das
ruas (macadamizao, passeios, arborizao, iluminao), na utilizao do recuo frontal como
atrium (ptio e jardins). Espera-se que este trabalho venha a contribuir sobre o
entendimento de como a arborizao pblica encontrou seu espao na Cidade do Salvador.
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2 BASE ANALTICA : ANTIGUIDADE, IDADE MDIA E RENASCIMENTO:
TEORIAS E PRTICAS URBANAS
Na sociedade primitiva, todo o indivduo, para sobreviver, necessitava de ter um
conhecimento definitivo do seu ambiente, isto das foras da Natureza e das
plantas e animais que o rodeavam. A civilizao comeou, de facto, quando o
Homem aprendeu a usar o fogo e outros recursos para modificar o ambiente.
(ODUM, 1979, p.11).
Figura 4 Agricultura Primitiva
sia, cultivo do arroz em terras baixas.
Fonte: Disponvel em: < http://www.chinaculture.org/ >.
http://www.chinaculture.org/
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2.1 ANTIGUIDADE E IDADE MDIA
2.1.1 Agricultura e Arte
No curso da histria das civilizaes, remete-se ao perodo da Revoluo Neoltica o
movimento da evoluo cultural, quando o ser humano se torna um interveniente ativo na
natureza, possibilitando, por meio de uma atividade produtora, a sua fixao num determinado
local, dando origem s aldeias, vilas e outros tipos de localidades que foram estabelecidas
como base de produo e economia das principais atividades, no caso, a pecuria e a
agricultura (CHILDE, 1975). Plantar alimentos e depois colh-los para a sua sobrevivncia foi
um passo decisivo para o domnio da natureza: o conhecimento do tipo do solo, das plantas
adequadas, da poca do cultivo, caracterizava o saber determinante para a dinmica entre
caadores e coletores, reconhecendo, na descoberta da semeadura, a possibilidade da
reproduo, em cpias iguais, das plantas de interesse a fim de produzir a alimentao em
proporo demanda daquela populao fixada. Aprendemos a entender o movimento dos
povos antigos atravs da expresso artstica, a principal condutora das culturas precedentes.
No perodo neoltico, a arte rupestre j registrava o mundo real dos homens caadores e
coletores, uma atividade constante no processo do conhecimento, tornando-se um valoroso
acervo da pesquisa histrica.
Na ltima parte do paleoltico, o homem comea a dominar a natureza. A
maneira como se foi procedendo [...] este controle do homem em passos
graduais, cujos efeitos se vo acumulando. Mas, entre eles, podemos
distinguir alguns que se destacam como revolues por suas consequncias.
[...] A primeira revoluo que transformou a economia humana deu ao
homem o controle sobre seu prprio abastecimento de alimentos. O homem
comeou a semear, a cultivar e melhorar por seleo algumas ervas, razes, e
arbustos comestveis. E tambm conseguiu domesticar e unir firmemente a
sua pessoa a certos animais. [...]. (CHILDE, 1975, p.86)
Credita-se aos povos do Oriente Mdio (sia e frica, 4.000 a.C.), os processos de
agricultar a terra em funo da subsistncia familiar, considerando o sol e a gua, como os
elementos essenciais para a agricultura na Amrica Central, na Mesopotmia nos vales dos
rios Tigre e Eufrates; nas bacias hidrogrficas dos rios Amarelo e Azul na China, nas bacias
hidrogrficas da ndia, s margens do Rio Nilo no Egito, locais onde a fertilidade do solo
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proporcionava melhores condies para o plantio.
Assim, interessante observar o processo Natura Naturans > Natura Naturata
segundo a arte de agricultar terrenos onde se percebe a iniciao do paisagismo, como se
ilustra a plantao de arroz nos pntanos asiticos (Figura 4), ou em encosta ngreme (Figura
5) da Amrica do Sul.
Figura 5 Agricultura primitiva
Parque Arqueolgico de Machu Picchu. Fonte: Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Machu_Picchu >.
Os povos incas (4.000 a.C.) construram a cidade de Machu Picchu, um fenmeno da
construo pr-colombiana que foi assentada entre duas montanhas, com acesso por ladeiras e
escadarias formando patamares escalonados em funo da agricultura (SASS,1999).
Esses exemplos constituem tipos de comportamentos do ser humano sobre a Natura
Naturans que resultam em uma paisagem criada Natura Naturata, em harmonia com as
caractersticas do local, onde se utiliza a espcie vegetal segundo a idealizao paisagstica.
Na Mesopotmia inventaram a escrita e, com isso, a cultura; organizaram a produo de
alimentos, empregando o arado e mquinas de irrigao. Assim surgiu o poder poltico,
religioso e econmico, origem do sistema imperial e da colonizao. Segundo Bosi, Colo a
matriz de Colnia onde habita o Colonus: [...] a retrica do sistema agromercantil que
amarra firmemente a escrita eficincia da mquina econmica articulando cultura e colo, na
linguagem dos interesses (BOSI, 1994, cap.1). A civilizao egpcia criou o Estado
Teocrtico para concentrar o poder sobre a agricultura e a colonizao, as tcnicas agrcolas
foram-se aperfeioando, (domnio de chuva e estiagem, irrigao, invento do arado-
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semeador), o excedente da produo agrcola ocasionou as trocas comerciais, e o paisagismo
se tornou um recurso de embelezamento.
Com base na Talassocracia11, o comrcio martimo expandiu-se para outros mares
(Mediterrneo, Bltico, Atlntico, em 3000 a.C.), estabelecendo os pontos de troca de
mercadorias entre os caadores-coletores, e a vegetao se torna um valoroso produto
comercial. Na faixa costeira do Mar Egeu, a civilizao cretense demonstrava (2000 a.C.)
alto grau de civilizao (organizao social, higiene e sade pblica, sistema de canalizao
esgotos) e, sobretudo, associava a produo agrcola com o comrcio martimo.
A polis se torna uma cidade murada, resguardada e protegida; o citadino se apresenta,
segundo expresses artsticas desprendidas, alegres, requintadas, e procura introduzir, na
cidade, a imagem do campo. Para os gregos, a natureza era intermediria entre os seres
humanos e as divindades, por isso lhe dedicavam culto permanente. Construam seus jardins
em harmonia com a geomorfologia e o clima do local, buscando caracterizar a interveno
conforme a simplicidade do ambiente natural e utilizavam a ordem das colunas para formar o
atrium para fazer a transio entre o exterior e o interior da edificao (Figura 6-a). Em
funo da segurana, a cidade se desenvolveu no centro de uma muralha defensiva, causando
o distanciamento entre o homem e a natureza. A agricultura se torna uma atividade segregada
e diferenciada; no meio rural desenvolvem-se as grandes produes agrcolas, enquanto que,
no meio urbano desenvolve-se uma agricultura domesticada que buscava integrar os espaos
edificados atravs dos jardins pblicos ou privados. (BARCELLOS, 2001).
Figura 6 (a e b) Grcia Antiga
a Atrium colunado, Grcia. b Acrpole de Atenas, Grcia.
Fonte: Disponvel em: < http://www.prof2000.pt/ >.
11 Talassocracia poder sobre o mar, origem das feitorias e freguesias coloniais.
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http://www.prof2000.pt/
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Assim, a Figura 6-b acima simboliza o apogeu da cultura mediterrnea, uma
representao da polis (Atenas), que se isola em funo da segurana, mas em que se torna
necessrio estabelecer os meios de acesso para as pessoas e o abastecimento da produo
agrcola das reas rurais, quando se percebe a introduo da vegetao no espao construdo
da cidade. Na faixa que se situa entre o meio rural e a cidade murada, Intermdio, vai
ocorrer a mediao entre o mundo do homem, Natura Naturata, e o mundo das divindades
Natura Naturans onde se estabelece a conexo metafsica; a viso sobre a natureza se torna
uma crena e para a compreenso platnica, um objeto de conhecimento. Para os gregos, o
pa-ra-dei-so (jardim) o lugar onde os deuses e deusas visitam a Terra; a cultura se
desenvolvia segundo o pensamento cosmolgico de que a origem e a transformao da
natureza ocorriam atravs de explicaes racionais a respeito de mitos e divindades;
defendiam a criao do mundo segundo o princpio natural no qual a natureza cria seres
mortais a partir de sua imortalidade. Segundo Aristteles, esse pensamento significa a ligao
do deus criador (sol), com o deus motor (universo), energia que, aliada atitude do homem
(poltico e social), se funde para a realizao da ideia, que a resultante da obra de Deus
(Metafsica), do homem (tica) e do Estado (Poltica). Assim, foi criada a polis, a Cidade-
Estado, composta de trs partes fundamentais: (1) Acrpole (templos e administrao
pblica); (2) gora (praa municipal para o povo); (3) Asty (mercado central); (4) Intermdio
(ginsio, academia, vila), e (5) Campos (agrcolas e pastoreio) (Figura 6-b).
A Acrpole de Atenas a mais conhecida e famosa cidade alta do mundo. Foi
construda sobre uma colina rochosa (150m do nvel do mar) para abrigar importantes
edificaes do mundo antigo, o Partenon e o Erecteion. Os arredores prximos se apresentam
com terrenos ngremes e arborizados que foram reservados para as atividades suburbanas,
como parques pblicos, jardins, residncias de campo, locais para esportes, mas tambm para
o gymnasium acadmico12. Essa condio topogrfica se estendia para os campos
desfavorecendo a agricultura de grande produo, limitando-se ao plantio de espcies
adaptveis ao relevo ngreme e ao solo raso de formao rochosa. Os gregos buscavam, na
simplicidade, respeitar a topografia. Os jardins ocupavam recintos descobertos com fonte para
abastecimento dgua onde se cultivava erva medicinal e, em locais recuados, cultivavam-se
as espcies comestveis, herbceas e arbreas, origem do pomar. A rvore era considerada
uma espcie sagrada para se dedicar aos deuses, contemplao e ao descanso do homem. A
12 A Academia de Atenas foi uma escola fundada por Plato (387 a.C.), sendo considerada a primeira universidade da histria, na qual grupos de seus seguidores recebiam educao formal.
http://www.infoescola.com/educacao/academia-de-platao/http://www.infoescola.com/filosofos/platao/http://www.infoescola.com/educacao/academia-de-platao/
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polis foi constituda por goras, ptios, praas pblicas, jardins e pomares (MOSES, 1988).
Na regio do Lcio13, desenvolveu-se uma civilizao de origem indo-europeia, os
latinos, povos que habitavam na zona centro-meridional da pennsula itlica (1000 a.C.), com
vrias culturas locais, onde foi fundada a Cidade-Estado de Roma (753 a.C.), de
caractersticas semelhantes ao modelo da Cidade-Estado grega. Os romanos dominavam a
tcnica construtiva (etrusca e grega) estendendo o conhecimento das obras de arte estrutural,
desenvolvendo o estilo romano, representado pelo arco de meio ponto, a abboda de bero, a
cpula, os canais para drenagem, as muralhas defensivas, os hipigeus, e os templos com
planta quadrangular com colunas e altar (mundus limpador, purificador). A engenharia
romana criou a ponte-aqueduto (Figura 8-a), possibilitando o abastecimento dgua para as
exploraes agrcolas, as cidades, a instalao das termas e balnerios, locais destinados aos
banhos, hidroterapia e ao lazer pblico. Assim como os gregos, os romanos veneravam os
deuses, sobreviviam da agricultura (nobres proprietrios de terra e pequenos agricultores), do
comrcio, da escravatura, as principais foras de base do Imprio Romano.
O perodo que representa o esplendor da cultura greco-romana conhecido por
helenismo, quando os elementos esculturais evidenciam a arquitetura e as esttuas so
utilizadas nos jardins para representar os deuses, uma das mais expressivas caractersticas do
paisagismo romano.
Figura 7 Perodo greco-romano
Trecho da Vila Adriana, Tivoli, Itlia. Fonte: Foto da autora (1999).
13 Lcio, Latium, regio da Itlia central onde foi construda a Cidade-Estado de Roma, cujo idioma, o latim,
tornou-se a lngua formal do Imprio Romano, tendo sido amplamente difundido nos territrios sob o seu
domnio e originando, na Idade Mdia, as lnguas portuguesa, francesa, italiana e espanhola.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%B5es_da_It%C3%A1liahttp://pt.wikipedia.org/wiki/It%C3%A1liahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Romahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Latimhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_Romano
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A Vila do Imperador Adriano (Sculo II) considerada um dos exemplos de integrao
entre arquitetura e natureza que expressa a arte romana. O conjunto arquitetnico formado
por diferentes obras (Palcio, Liceu, Academia, Pritaneu, Canopo, Prtico pintado). Na Figura
7 acima, observa-se um trecho do Teatro Martimo e seu conjunto escultural situado ao lado
do jardim das bibliotecas que forma o atrium, circulado simetricamente por colunas jnicas
interligadas por abbadas de bero, formando, por sua vez, os nichos reservados s esttuas.
Percebe-se, nesse exemplo, a introduo do elemento artstico no ambiente do jardim, as
esttuas gregas helenistas representando deuses romanos14. Ao conjunto se agrega uma
pequena piscina, uma terma com latrinas e um pequeno jardim para o cultivo de ervas
medicinal. Nos arredores, a vegetao natural preservada fazia a interligao entre as
edificaes. A composio paisagstica Land Art da Vila de Adriano representa o conceito
ideolgico do Imprio Romano, uma interveno de ordem privada que se contrape ao
pensamento grego, que reservava as reas suburbanas em funo da coletividade.
O contraste social predominante entre os ricos e os pobres provoca contrariedades aos
interesses do imprio, estendendo-se questo da religio (politesta), estimulando a
aproximao com a crena judaico-crist (monotesta)15. no Imprio Romano que se
desenvolve a religio crist (religio oficial do imprio, a partir de 392 d.C.), influenciando o
calendrio cristo e os territrios dominados (sculo VII d.C.).
As rotas comerciais estendiam-se para alm de suas fronteiras, chegando China e ndia
(Rota da Seda) e por via martima onde escoavam a produo de cereais (arroz, trigo), azeite
(oliva), escravos, minrios, tecidos (algodo), fibras naturais (l, seda), pedras, especiarias,
plantas medicinais, etc.
Na casa residencial (cidade ou campo), havia um ptio descoberto, protegido e
sombreado para estimular a convivncia familiar; em pequenos canteiros praticava-se a
domesticao de espcies vegetais. A arquitetura (civil e militar) romnica recebeu
influncias da Antiguidade, origem do castelo, que tinha caractersticas religiosas e
defensivas, quando surge a torre para habitao do senhor. A urbe latina se torna o modelo:
o ncleo primitivo de onde se originam as Igrejas, os Mosteiros (ordens religiosas) e os
Castelos (moradia do rei, dos nobres e da sua corte). O estilo cidade fortaleza16 configura
um pequeno mundo autnomo e autossuficiente que marca a paisagem por edificaes
14 No Imprio Romano, ocorreu a transposio dos deuses gregos para os deuses romanos. 15 A religio crist foi fundada pelos seguidores de Jesus Cristo na Palestina, defendia a paz, a harmonia, o
respeito por um nico Deus, o amor entre os homens, sendo contrria escravido, espalhando-se rapidamente
pela sia, Europa e frica. Na poca das grandes navegaes (sc. XV e XVI), chega Amrica pelos padres
jesutas, com a misso de catequizar os indgenas. 16 Na Idade Mdia, cidade-fortaleza a denominao da Cidade-Estado murada.
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monumentais, e formam, na sequncia intercalada de vegetao natural, o legado patrimonial
da Idade Medieval Europeia17. No conjunto edificado, desenvolve-se uma composio
harmoniosa entre pequenos espaos abertos intramuros, definidos por caminhos e ptios
abertos18.
Em geral, a ligao viria entre o mundo rural e a propriedade privada se fazia atravs
do boulevard19, uma alameda de rvores de porte e copas frondosas, formando o efeito de
tnel vegetal para sinalizar e sombrear o caminho; internamente, os ptios pavimentados eram
utilizados para a feira livre, a parada de animais, a troca das guardas, as festividade cvicas;
uma rea contgua, extramuros, era reservada para o cultivo de espcies utilitrias para
alimentos e medicamentos.
Nos Mosteiros (Figura 8-b), os assim chamados jardins monacais seguiam a tradio
romana ocupando os ptios dos claustros e as reas contguas ao muro de proteo do terreno;
o plantio da vegetao era identificado por horta onde se fazia a semeadura de hortalias e
ervas medicinais, por pomar onde se fazia o cultivo de rvores frutferas, e por jardim
onde se plantavam flores para ornamentao dos altares.
Figura 8 Idade Mdia
(a) Ponte Romana de Vila Formosa, Pt. (b)Mosteiro de Santo Andr, Amares, Pt. Fonte: Disponvel em:
. Fonte: Disponvel em:
< http://www.portugalromano.com/site >.
17 A Idade Mdia se inicia com as invases brbaras sobre o Imprio Romano do Ocidente (sculo V) e se
estende at a retomada comercial e o renascimento urbano (sculo XV). Caracteriza-se pela economia ruralizada,
enfraquecimento comercial, supremacia da Igreja Catlica, sistema de produo feudal. Regime politico
monrquico hierarquizado: Rei, Nobreza Feudal (senhor, cavaleiro, conde, duque, visconde), suserania, clero
(membros da Igreja Catlica), servos (camponeses) e pequenos artesos. 18 Os ptios eram espaos do mercado, dos jogos, da cavalaria. As fontes e os jardins foram acrescentados a
partir do sc. XV. 19 Espcie de via ampla e arborizada que fazia a passagem das muralhas para a cidade, quando se passou a
utilizar a vegetao como objeto de sinalizao para o deslocamento das pessoas e dos animais.
http://www.origens.pt/explorar/dochttp://www.portugalromano.com/site
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Nos palcios, a arquitetura integra-se com a natureza em redor, composio dos jardins
de sensibilidade, uma expresso que foi associada aos jardins mouriscos 20 conceitualmente
projetado como recinto sensorial, onde a atividade do paisagismo se apropriava das cores,
texturas, perfumes caractersticos da diversidade vegetal que vinha sendo domesticada.
2.1.2 Espcie Vegetal, Conhecimento e Utilitarismo
Ao observarmos a natureza, notamos que as rvores diferenciam-se entre si, mas tm
algo em comum; esse fenmeno foi indutivamente explicado pela taxonomia animal21, o
sistema de classificao criado pelo filsofo grego Aristteles (384-322 a.C.), e a taxonomia
vegetal criada pelo filsofo grego Teofrasto (372-287 a.C.), que realizou pesquisas sobre as
plantas, estabelecendo, a princpio, a distino entre a utilizao e a forma de cultivo.
Percebe-se que, na academia grega, ocorreu um movimento transformador entre o
processo antigo emprico de conhecimento e o processo experimental clssico, origem da
Filosofia Natural que se expandiu no perodo do Imprio Romano (27 a.C.-476 d.C.).
Na Antiguidade, os homens acreditavam que os fenmenos naturais (trevas, calor,
frio, vida e morte) eram controlados por deuses e espritos, que podiam habitar nos
elementos naturais (astros, rochas, rvores, rios) e que deveriam ser reverenciados em troca de
benevolncias. O politesmo greco-romano reverencia o temor da morte, prestando o culto
domstico aos parentes mortos que viviam ao lado dos deuses. O monotesmo judaico-cristo
acredita no Deus nico, transcendente, onipotente, o criador de todas as coisas, reverenciando
o culto Sua palavra para ser transmitida ao pblico na Igreja Crist (BARROS, 2009).
Na transmigrao da cultura oriental (Grcia) para o Ocidente (Roma), os ensinamentos
tericos e prticos provenientes dos filsofos gregos foram compilados pelo naturalista
romano Plnio Segundo, o Velho22 em Naturalis Historia, uma enciclopdia composta de
trinta e seis livros, dos quais doze foram dedicados aos estudos da vegetao. Segundo o
autor, a natureza um sujeito personificado, de carter vivo e transcendente, que pode ser
classificada como providencial ou protetora (me-natureza) e tambm cruel (me-
20 Originrios dos povos mouros e islmicos que introduziram na Pennsula Ibrica: expresso artstica na
composio paisagstica dos jardins de sensibilidade cuja inteno era de ostentao, seduo e encantamento. 21 A Taxonomia classifica os seres vivos. parte da Sistemtica, cincia que estuda as relaes entre
organismos e que inclui a coleta, preservao e estudo de espcimes, alm da anlise dos dados vindos de vrias
reas de pesquisa biolgica. 22Caio Plnio Segundo (23-79). Romano, naturalista, autor de Naturalis Historia (77), enciclopdia dedicada a
vrias cicias: geografia, cosmologia, fisiologia animal e vegetal, medicina, histria da arte, mineralogia e
outras; os volumes de XII a XXIX especficos para os temas relacionados com botnica, agricultura, horticultura
e farmacologia.
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devastadora), que guarda a primazia sobre tudo e onde se encontra o homem q