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\ UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS BACHARELADO EM GEOGRAFIA RAFAEL SOUSA RODRIGUES TERRITÓRIO DE LUTA, DE RESISTÊNCIA E DE PRODUÇÃO: a produção do espaço e os desafios da Agroecologia no Assentamento Santa Maria – Mata de São João/BA. Salvador 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS BACHARELADO EM GEOGRAFIA

RAFAEL SOUSA RODRIGUES

TERRITÓRIO DE LUTA, DE RESISTÊNCIA E DE PRODUÇÃO:

a produção do espaço e os desafios da Agroecologia no Assentamento Santa

Maria – Mata de São João/BA.

Salvador

2014

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RAFAEL SOUSA RODRIGUES

TERRITÓRIO DE LUTA, DE RESISTÊNCIA E DE PRODUÇÃO:

a produção do espaço e os desafios da Agroecologia no Assentamento Santa

Maria – Mata de São João/BA.

Monografia de Conclusão de Curso, sob orientação da

Prof.ª Dr.ª Noeli Pertile, apresentada como requisito

parcial para obtenção do grau de Bacharel em Geografia

pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal da

Bahia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Noeli Pertile

Salvador

2014

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R696 Rodrigues, Rafael Sousa

Território de luta, de resistência e de produção: a produção do espaço e os desafios

de agroecologia no Assentamento Santa Maria – Mata de São João / BA / Rafael

Sousa Rodrigues. _ Salvador, 2014.

116 f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Noeli Pertile

TCC (Graduação em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade

Federal da Bahia, 2014.

1. Agricultura familiar – Assentamento Santa Maria (BA). 2. Agricultura

alternativa. 3. Agroecologia. 4. Desenvolvimento rural. 5. Reforma Agrária. I.

Pertile, Noeli. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III.

Título.

CDU 631.11 (813.8)

Elaborada pela Biblioteca Shiguemi Fujimori, Instituto de Geociências

da Universidade Federal da Bahia.

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RAFAEL SOUSA RODRIGUES

TERRITÓRIO DE LUTA, DE RESISTÊNCIA E DE PRODUÇÃO: a

produção do espaço e os desafios da Agroecologia no Assentamento Santa

Maria – Mata de São João/BA.

Monografia de Conclusão de Curso, sob orientação da

Prof.ª Dr.ª Noeli Pertile, apresentada como requisito

parcial para obtenção do grau de Bacharel em Geografia

pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal da

Bahia.

APROVADA EM: 05 de fevereiro de 2014.

Banca examinadora:

Prof.ª Noeli Pertile – IGEO/UFBA

Orientadora

Prof.ª Nair Casagrande – FACED/UFBA

Prof. José Antônio Lobo dos Santos – IGEO/UFBA

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DEDICATÓRIA

Dedicamos este esforço aos companheiros e companheiras que constroem o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra. Em especial às famílias assentadas dos Assentamentos

Santa Maria, Recanto da Paz, Nova Panema e Bento pela paciência e dedicação com que

pudemos trocar ensinamentos durante estes anos de aprendizagem coletiva com o NEPPA.

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AGRADECIMENTOS

À Fernanda Correia.

À Felipe Campos, Júlia Garcia, Khalil Farrán, Gabriel Machado.

À Nair Casagrande e Noeli Pertile.

Sem a ajuda de vocês, esta monografia não teria sequer uma página.

Muito obrigado.

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“Cada passo em cada tempo

Criar um pouco a cada dia

Avançar com humildade

Banhar-se de rebeldia”

Ademar Bogo

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RESUMO

A história do campo brasileiro é marcada pela longa trajetória de disputa em torno da posse e

do uso da terra, processo conflitivo que se arrasta há séculos no país. Desde as distantes áreas

de fronteira agrícola até as regiões metropolitanas de importantes capitais, as disputas

territoriais travadas ainda hoje nestes espaços mostram que a questão agrária brasileira segue

irresoluta. Com a “modernização” que o campo brasileiro viveu a partir dos anos de 1960 e

que conformou o que hoje conhecemos como modelo do agronegócio, novos elementos de

análise se somaram à questão agrária do país. A massiva injeção de capitais e a adoção de

tecnologias de produção trazidas pela “Revolução Verde” alçou o Brasil à posição de maior

consumidor de produtos agroquímicos do mundo, trazendo à questão agrária mais uma

fronteira: a questão ambiental. Desta maneira, a luta pela terra no Brasil ganha uma nova

dimensão, e passa a se constituir como uma luta entre dois modelos distintos de produção

agrícola. Adotando a agroecologia como modelo de produção, os Movimentos Sociais

buscam assim criar um campo contra-hegemônico ao modelo do agronegócio, configurando

dois diferentes territórios de produção e reprodução da vida: o campesinato e o agronegócio.

No presente trabalho, buscamos compreender os desafios e as possibilidades que o modelo de

desenvolvimento rural baseado nos princípios da agroecologia tem enfrentado dentro das

áreas de reforma agrária, tomando como estudo de caso o desenvolvimento de um projeto de

extensão rural agroecológica executado em um Projeto de Assentamento, o Santa Maria,

localizado no município de Mata de São João, Bahia. A pesquisa toma como objeto de estudo

o projeto intitulado “Programa de Formação de Tutores em Agroecologia”, executado pelo

Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias em parceria com a Professora Nair

Casagrande. Como metodologia de investigação, partimos de um levantamento

socioprodutivo realizado pela equipe executora do projeto através de um questionário

quantitativo realizado no início do projeto e realizamos entrevistas livres realizadas um ano

após o início da implementação das ações de transição à agroecologia. Assim, buscamos

compreender como a agroecologia vem se territorializando dentro do Assentamento Santa

Maria e quais os limites e possibilidades para sua massificação enquanto possibilidade de

produção e, sobretudo, de reprodução da vida das famílias assentadas no Assentamento Santa

Maria.

Palavras-chave: Movimento Socioterritorial. Agroecologia. Extensão Agroecológica.

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ABSTRACT

The history of the Brazilian countryside is marked by the long history of dispute over the

ownership and use of land, conflictive process that has dragged on for centuries in the

country. Since the distant frontier agricultural areas to the metropolitan areas of major capital

cities, territorial disputes waged today in these areas show that the Brazilian agrarian question

follows heartedly. With the "modernization" that the Brazilian countryside lived from the

years 1960 and conformed what we know today as the agribusiness model, new elements of

analysis were added to the agrarian problem in the country. The massive injection of capital

and the adoption of production technologies brought about by the "Green Revolution"

immediately propelled Brazil to the largest consumer of agrochemicals in the world position,

bringing the agrarian question another frontier: the environmental issue. Thus, the struggle for

land in Brazil gains a new dimension and shall be constituted as a struggle between two

different models of agricultural production. Adopting agroecology as the production model,

Social Movements thus seek to create a field counter-hegemonic to the agribusiness model,

setting two different areas of production and reproduction of life: the peasantry and

agribusiness. In the present study , we sought to understand the challenges and opportunities

that the rural development model based on the principles of agroecology has faced within the

areas of land reform , taking as a case study the development of a project agroecological

extension running on a Project settlement , the Santa Maria , located in the municipality of

Mata de São João , Bahia . The research takes as its object of study the project entitled

“Training Program for Tutors in Agroecology" , run by the Center for Studies and Practices in

Agricultural Policies in partnership with Professor Nair Casagrande . As a research

methodology, we start from a socioproductives survey conducted by the team executing the

project through a quantitative survey conducted early in the project and conducted interviews

free one year after the start of implementation of actions transition to agroecology. Thus, we

seek to understand how agroecology has been territorializing within the Settlement Santa

Maria and the limits and possibilities for mass production as a possibility, and especially

reproductive life of Settlement settled in Santa Maria families.

Keywords: Socioterritorial Movement. Agroecology. Agroecological extension.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01. Mapa de localização da área de estudo. Projeto de

Assentamento Santa Maria. Mata de São João/BA – 2014. ................

Figura 02. BRASIL: Concentração Monopolista Da Propriedade

Agrícola, 1950. ....................................................................................

Figura 03. Evolução da área Plantada no Brasil (hectares) Brasil –

1995 a 2011. ........................................................................................

Figura 04. Poligonal do Assentamento Santa Maria. Mata de São

João/BA – 2014. ..................................................................................

Figura 05. Placa indicativa do monocultivo de eucalipto. Mata de

São João/BA – 2013. ...........................................................................

Figura 06. Monocultivo de Eucalipto à juzante de manancial. Mata

de São João/BA – 2013. ......................................................................

Figura 07. Trabalho coletivo para a construção da Horta. Mata de

São João/BA – 2011. ...........................................................................

Figura 08. Localização da Horta Velha. Mata de São João/BA –

2013. ....................................................................................................

Figura 09. Reunião entre NEPPA e comunidade. Mata de São

João/BA – 2011. ..................................................................................

Figura 10. Horta Velha com primeiras leiras de plantio. Mata de São

João/BA – 2011. .................................................................................

Figura 11. Produção perdida da Horta Velha. Mata de São João/BA

– 2011. .................................................................................................

Figura 12. Trabalho coletivo para a replantio da Horta. Mata de São

João/BA – 2011. ..................................................................................

Figura 13. Projeto “Sempre Verde”. Mata de São João/BA – 2011. ..

Figura 14. Quadro de Planejamento. Mata de São João/BA – 2011. .

Figura 15. Diferentes Modelos de Desenvolvimento para o campo.

Mata de São João/BA – 2012. .............................................................

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Figura 16. Oficina de abertura do curso de agroecologia. Mata de

São João/BA – 2011. ..........................................................................

Figura 17. Comunidade preparando pilha de compostagem. Mata de

São João/BA – 2011. ...........................................................................

Figura 18. Quadro de organização do trabalho coletivo. Mata de São

João/BA – 2012. ..................................................................................

Figura 19. Quadro de escolha da área de trabalho coletivo. .............

Figura 20. Trabalho coletivo para construção da Horta Nova. Mata

de São João/BA – 2012. ......................................................................

Figura 21. Limpeza da área da Horta Nova. Mata de São João/BA –

2012. ...................................................................................................

Figura 22. Leiras da Horta Nova prontas. Mata de São João/BA –

2012. ....................................................................................................

Figura 23. Localização da Horta Nova. Mata de São João/BA –

2013. ...................................................................................................

Figura 24. Policultivo simples em quintal do Assentamento. Mata de

São João/BA – 2013. ...........................................................................

Figura 25. Pimenteira tratada com biofertilizante em quintal do

Assentamento. Mata de São João/BA – 2013. ....................................

Figura 26. Placa da Horta Agroecológica. Mata de São João/BA –

2013. ...................................................................................................

Figura 27. Policultivo diversificado na Horta Agroecológica. Mata

de São João/BA – 2013 ......................................................................

Figura 28. Biofertilizante coletivo do Assentamento Santa Maria.

Mata de São João/BA – 2013................................................................

Figura 29. Área de Horta Agroecológica do Assentamento Santa

Maria. Mata de São João/BA – 2013. ................................................

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01. BRASIL: Estrutura fundiária, 1985. ...............................

Tabela 02. BRASIL: Evolução da Estrutura Fundiária – 1966-1992.

Tabela 03. Utilização das Terras na Fazenda Santa Maria. Mata de

São João/BA – 2005. ............................................................................

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACC

ATER

BNDES

CONAB

DAP

EBDA

IBGE

INCRA

MST

NEPPA

PAA

PNAE

PROEXT/MEC

PRONAF

Atividade Curricular em Comunidade

Assistência Técnica e Extensão Rural

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

Companhia Nacional de Abastecimento

Declaração de Aptidão do PRONAF

Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias

Programa de Aquisição de Alimentos

Programa Nacional de Alimentação Escolar

Programa de Extensão Universitária – Ministério da

Educação

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar

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SUMÁRIO

1. Introdução ......................................................................................................................................... 13

2. A Questão Agrária ............................................................................................................................ 21

2.1 A Questão Agrária no Brasil ....................................................................................................... 24

2.2 A “Revolução Verde” e a modernização do campo brasileiro .................................................... 30

3. A luta pela terra na espacialização da Reforma Agrária ................................................................... 36

3.1 A produção do espaço no assentamento Santa Maria ................................................................. 41

3.2 Caracterização física e social do Assentamento Santa Maria ..................................................... 47

3.3 A questão sócioprodutiva ............................................................................................................ 50

3. 4 Entre a “recamponização” e a “recampesinização”................................................................... 57

4. A Agroecologia enquanto alternativa ................................................................................................ 65

4.1 A Agroecologia no Assentamento Santa Maria: alguns antecedentes importantes..................... 74

4.1.1 A construção da Horta Velha ............................................................................................... 77

4.1.2 Curso de Agroecologia ......................................................................................................... 84

4.2 O programa de formação de tutores em Agroecologia ................................................................ 87

5. Considerações Finais ....................................................................................................................... 105

6. Referências ...................................................................................................................................... 107

Anexo – Questionário sócioprodutivo ................................................................................................. 112

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1. Introdução

A história do campo brasileiro é marcada pela longa trajetória de disputa em torno da

posse e do uso da terra, processo conflitivo que se arrasta há séculos no país. Desde as

distantes áreas de fronteira agrícola até as regiões metropolitanas de importantes capitais, as

disputas territoriais travadas ainda hoje nestes espaços mostram que a questão agrária

brasileira segue irresoluta.

Este processo de disputa em torno da apropriação da terra, que se inicia no período de

colonização do Brasil e segue pungente nos dias atuais, configura - e reconfigura- a dinâmica

do meio rural brasileiro em torno de diferentes modelos de desenvolvimento para o campo.

Assim, a apropriação da terra enquanto lócus de reprodução de distintos modelos de

desenvolvimento para o campo irá configurar também diferentes territórios, que indicam

visões de futuro e espaços de sociabilidade distantes entre si.

Um destes modelos é representado pelo agronegócio enquanto confluência histórica do

monocultivo latifundiário que se territorializa no país com a chegada dos europeus em 1500 e

que hoje hegemoniza o campo brasileiro. Caracterizado pelo monocultivo de extensas áreas e

tendo sua produção destinada ao mercado externo, este modelo de desenvolvimento rural

possui suas raízes ligadas aos grandes latifúndios. Com a “modernização” da agricultura

oportunizada pela “Revolução Verde” que tem espaço no campo brasileiro a partir da década

de 1960, os latifúndios se tornaram o lugar de reprodução do capital agroindustrial e se

consolidaram enquanto modelo de desenvolvimento rural hegemônico, concentrando cada vez

mais terras e recursos financeiros. Este modelo é também fortemente marcado pela intensa

utilização de insumos agroquímicos, que transformou o campo brasileiro no maior mercado

consumidor destes produtos no mundo (ABRASCO, 2011).

A territorialização do latifúndio se fez, desde o primeiro momento, as expensas dos

povos indígenas que ocupavam as terras “descobertas” e que forjaram historicamente sua

forma de produção e reprodução nestes territórios. Num segundo momento, a incorporação do

trabalho escravo à produção latifundiário-escravagista destinada à exportação dos produtos

coloniais trouxe mais um importante elemento à luta pela terra. Rebelados contra o sistema

colonial, os negros passaram a organizar lutas contra os latifundiários e foram produzindo

novos espaços de sociabilidade e de produção da vida: os quilombos.

Assim, desde o início da ocupação territorial brasileira que estes povos iniciam uma

“longa marcha” (OLIVEIRA, 2001) de luta por terra e por território, lutas estas que marcam

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toda a trajetória histórica do Brasil e que segue muito distante de findar. Antes disso, com

desenvolvimento do capitalismo agrário no país, diversas formas sociológicas de

trabalhadores rurais foram se somando a esta “longa marcha” e conformando o campesinato

brasileiro.

Estas diversas experiências de luta contra o latifúndio e, num segundo momento contra

o agronegócio, marcam sobejamente o processo de organização da classe trabalhadora rural

brasileira. Foi esta tradição de luta por terra que possibilitou desde meados do século XX o

surgimento dos Movimentos Sociais de Luta pela Terra, que passaram a congregar a imensa

parcela da população excluída pelo latifúndio e pelo agronegócio. A consolidação do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1984, e seu rápido processo de

espacialização e territorialização, é um marco da organicidade dos trabalhadores rurais em sua

luta por terra para trabalho.

No transcurso de sua marcha, o campesinato brasileiro foi se formando em luta e

desenvolvendo seu próprio modelo de desenvolvimento para o campo, que tem como

principal signo a produção de alimentos voltados para a segurança e soberania alimentar da

nação. Mesmo ocupando apenas cerca 20% das terras do país, a produção agrícola de tipo

camponesa é responsável por mais de 70% dos produtos que compõem a cesta básica das

famílias brasileiras, como demonstra o último censo agropecuário do IBGE (BRASIL, 2007).

Hoje, ao processo de luta por terra, se soma um projeto mais amplo de sociedade que

busca superar os impactos socioeconômicos e ambientais gerados pelo agronegócio e seu

modelo de produção baseado na utilização de produtos agroquímicos. Buscando então afirmar

o antagonismo com este modelo de desenvolvimento, os Movimentos Sociais do campo tem

na agroecologia a principal estratégia para propor outro modelo de desenvolvimento rural,

demarcando uma posição política e ideológica de enfrentamento ao modelo do agronegócio.

Assim, esse processo de disputa passa a não se encerrar somente na luta por terra e

ganha um importante contorno de disputa em torno de dois territórios distintos, onde se

opõem agronegócio e campesinato. Com projetos bem definidos de utilização da fração de

terra sobre sua posse, estas duas classes antagônicas passam a reproduzir na terra suas

concepções e estratégias de produção e reprodução, conformando assim territórios que

indicam suas distintas visões de mundo e de sociabilidade. Assim, a luta por terra (e por

território) não é agora somente “una batalla de tierras per si pero tambíen una batalla de

ideas” (ROSSET, MARTINEZ-TORRES, 2012).

Porém, pelos limites com que a reforma agrária vem sendo executada no país,

percebemos que mesmo em territórios conquistados através da luta pela terra, o modelo de

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produção baseado nos princípios do agronegócio ainda persiste. Isso se dá pela compreensão

de que, pela invasão cultural que a “Revolução Verde” operou no campo brasileiro, em

alguma medida mesmo a reterritorialização das famílias em luta por terra pode não

necessariamente significar que, naquele território conquistado, estarão expressas as práticas

agroecológicas que constituem o modelo de desenvolvimento preconizado pelos Movimentos

Sociais do campo.

Esta contradição consiste em um dos grandes desafios que o campesinato vem

enfrentando para a consolidação da produção agroecológica dentro dos territórios

conquistados, em especial dentro das áreas de reforma agrária. A dificuldade em fazer avançar

a produção agroecológica nestes territórios é ainda agravada por um modelo de reforma

agrária que permanece sob controle do Estado e orientado a partir da égide do agronegócio,

fomentando uma extensão rural que contribui para arraigar os princípios da “Revolução

Verde” nestes territórios conquistados pela luta da classe trabalhadora rural.

No presente trabalho, buscaremos discutir os desafios e as possibilidades que o

modelo de desenvolvimento rural baseado nos princípios da agroecologia tem enfrentado

dentro das áreas de reforma agrária, tomando como estudo de caso o desenvolvimento de um

projeto de extensão rural agroecológica executado em um Projeto de Assentamento (P.A.), o

Santa Maria.

Neste sentido, teremos como objetivo geral da pesquisa compreender em que medida a

extensão rural com enfoque na agroecologia pode contribuir com a organização do espaço

produtivo de assentamentos de reforma agrária com vistas à consolidação da agroecologia

como modelo de desenvolvimento rural. Como objetivos específicos, buscaremos:

Perceber em que medida a agroecologia pode contribuir para a produção do

espaço no Assentamento Santa Maria

Avaliar de que modo a agroecologia contribui para a segurança e soberania

alimentar das famílias assentadas no Assentamento Santa Maria

Compreender o papel da extensão rural agroecológica na adoção de técnicas

com vistas à melhoria da produção rural do Assentamento

Indicar ações e estratégias de intervenção que possam contribuir para o

desenvolvimento rural da área em estudo

Para tanto, faremos um estudo de caso do projeto de extensão agroecológica

“Programa de Formação de Tutores em Agroecologia: metodologias participativas na

formação de cadeias produtivas em assentamentos da Região Metropolitana de Salvador”.

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Este programa foi executado pelo Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias

(NEPPA) em parceria com a Professora Nair Casagrande entre os anos de 2012 e 2013.

O Programa de Formação em Agroecologia teve como objetivo geral “desenvolver

atividades de inclusão socioprodutiva” buscando contribuir com “o ciclo de produção e

comercialização” da produção dos assentamentos envolvidos tendo como foco “a transição

agroecológica com vistas ao co-desenvolvimento econômico, social e ambiental”1.

As atividades socioprodutivas tiveram como principal meta a consolidação de hortas

agroecológicas em cada assentamento atendido pelo Programa e a construção de uma casa de

farinha e uma beneficiadora de frutas que visava atender a todas as comunidades participantes

do Programa, através da criação de uma cooperativa de produção a ser formada pelas

comunidades.

O Programa se desenvolveu em quatro áreas de reforma agrária, sendo elas os

Acampamentos Recanto da Paz e Bento e os Assentamentos Nova Panema e Santa Maria, este

último configurando a área de estudo deste trabalho.

O Assentamento Santa Maria se localiza no município de Mata de São João,

pertencente à Região Metropolitana de Salvador (Figura 01). Dista cerca de 80 Km da capital

do estado e possui 422 hectares, sendo planejado para ser ocupado por 40 famílias, como

projetado pelo estudo de viabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA). O acesso principal ao Assentamento se dá através da rodovia BA 093 na altura do

entroncamento com a sede do município de Mata de São João. Era um antigo latifúndio

improdutivo e foi reformado a partir de uma ocupação massiva que o MST inicia na região

em 1997 e de onde foram conquistadas cinco importantes áreas onde hoje vivem cerca de 250

famílias camponesas.

A escolha da área de estudo se deveu ao fato de termos participado de uma importante

etapa da construção de uma caminhada à agroecologia nos Assentamentos da região. Tendo

feito parte do coletivo NEPPA durante todo o período anterior e também durante o

desenvolvimento do Programa, pudemos acompanhar de perto o processo de territorialização

da agroecologia em alguns destes Assentamentos, em especial na área em estudo. Isso nos

trouxe importantes elementos de análise que irão compor parte significativa deste estudo.

O NEPPA é um coletivo de Educação Popular que presta assessoria política a

Movimentos Sociais da Bahia e teve início no ano de 2005 a partir da experiência vivenciada

1 As informações acerca do “Programa de Formação de Tutores em Agroecologia” em que usamos as aspas foram aqui

transcritas integralmente do projeto executivo e de apresentações que foram disponibilizadas para a pesquisa pela equipe

executora do projeto.

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por estudantes no transcurso da Atividade Curricular em Comunidade (ACC) “Ações

Interdisciplinares em Áreas de Reforma Agrária”, coordenada pela Professora Celi Taffarel e

Figura 01. Mapa de localização da área de estudo. Projeto de Assentamento Santa Maria.

Mata de São João/BA – 2014.

desenvolvida em três Assentamentos localizados nas cidades de Santo Amaro. Desta

disciplina surgiu o interesse de parte dos alunos em dar continuidade às ações de extensão

para além da ACC, surgindo assim este coletivo interdisciplinar que se dedicou a desenvolver

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atividades que buscam, a partir do contato direto com o universo do trabalho rural, se

aproximar de possibilidades concretas de superação dos problemas encontrados no dia a dia

dos Assentamentos e Acampamentos em que vem trabalhando desde então.

O trabalho do NEPPA na região de estudo tem início a partir da proposição de uma

ACC de Educação Popular intitulada “Educação Popular em Áreas de Reforma Agrária: os

desafios da Educação do Campo”, coordenada em parceria com a Professora Nair Casagrande

no Assentamento Nova Panema e iniciada em 2008 (LEANDRO, 2010). Tendo inicialmente

se dedicado ao processo de formação política em torno da escola do Assentamento, em 2010

esta ACC passa a incorporar o trabalho coletivo como um dos elementos educacionais a

serem trabalhados dentro do Assentamento. É neste período em que é construído um viveiro

coletivo de mudas e onde o debate em torno da agroecologia enquanto possibilidade de

produção começa a ganhar corpo neste Assentamento.

Paralelamente a esta ACC, o NEPPA estava desenvolvendo outras duas importantes

ações com enfoque na agroecologia nos Assentamentos e Acampamentos vizinhos. À época

estruturado em Brigadas2 o NEPPA desenvolvia um trabalho de Educação Popular em Saúde

no Assentamento Santa Maria voltado para a o cultivo de hortas medicinais e, no

Acampamento Recanto da Paz, desenvolvia um projeto voltado para a produção

agroecológica, sempre tendo a Educação Popular como método do trabalho de extensão rural.

Desta maneira, o Programa de Formação de Tutores é um projeto de extensão

agroecológica que surge como uma síntese dos trabalhos desenvolvidos pelo NEPPA em

parceria com a Professora Nair Casagrande e o MST na região de estudo. Este trabalho de

intervenção sobre a realidade destes assentamentos desenvolvido pelo NEPPA e pela ACC de

Educação Popular vem gerando um rico material de estudo e análise que vem sendo objeto de

estudo em algumas áreas do conhecimento.

Entre os estudos desenvolvidos sobre este trabalho, destacamos aqui o já citado

trabalho de Leandro (2010), que se dedica a compreender as transformações observadas no

currículo da escola do Assentamento Nova Panema e como a Educação Popular pode

contribuir com a formação do sujeito Sem Terra, trabalho que foi defendido na Faculdade de

Educação desta Universidade. Outros trabalhos que se dedicaram à compreensão das

transformações decorridas destas intervenções tiveram lugar neste Instituto de Geociências.

2 As Brigadas do NEPPA buscavam corresponder a um setor organizativo do MST, para que assim pudesse contribuir com a

estruturação das ações setoriais dentro dos Assentamentos e Acampamentos em que o NEPPA trabalhava. Esta forma de

organização e, sobretudo, a atuação da brigada de agroecologia do NEPPA, a Brigada Chico Mendes, é muito bem abordada

em Silva (2011).

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19

Silva (2011) refez uma importante trajetória de como se deu a construção do campo

agroecológico e a maneira como o MST incorpora a agroecologia às suas bandeiras de luta,

usando este apanhado como referência para compreender as alterações que o processo de

transição agroecológica no Assentamento Nova Panema vem operando naquele espaço.

Farrán (2012) busca compreender como se deu o processo de espacialização do MST na

região, reconstruindo a trajetória de luta que deu origem ao Assentamento Nova Panema e

percebe na transição agroecológica iniciada pela parceria entre NEPPA, ACC e MST uma

nova possibilidade de organização socioespacial do Assentamento.

Em nosso trabalho, que toma os citados estudos como referência e horizonte,

buscaremos fazer um esforço mais direcionado à organização espacial da produção

agroecológica no Assentamento Santa Maria, visando perceber como a extensão rural

proposta pelo Programa vem contribuindo para a territorialização do modelo de produção

agroecológica neste Assentamento. É neste sentido que iremos intentar colaborar para a

compreensão de alguns processos territoriais que vem se desenrolando neste fértil universo de

ações desenvolvido pela parceria entre NEPPA, ACC e MST.

Para tanto, a compreensão do caráter conflitivo que configura (e reconfigura) o

território, presente em Fernandes (2008) será conceito fundamental neste estudo. A partir

desta referência que buscaremos compreender o processo de construção de novas

territorialidades a partir do início de uma transição à agroecologia que o Assentamento vem

iniciando. Do mesmo autor também utilizaremos o conceito de movimento socioterritorial,

partindo da concepção de que ao se territorializar na Fazenda Santa Maria, o MST não

conquista um território apenas como “trunfo” da luta pela terra, mas, também para projetar

“novos” territórios (FERNANDES, 2005).

Também trabalharemos em nosso trabalho o conceito de agroecologia, visando

entender “qual” agroecologia vem sido proposto pelos Movimentos Sociais. Partindo da

concepção de que o conceito – e a prática – de agroecologia vive hoje uma disputa de caráter

classista (COSTA NETO, 2008), buscaremos mobilizar o conceito de agroecologia que vem

se consolidando desde os Movimentos Sociais, expressos como tentativa de síntese nas

formulações da Via Campesina, que coloca que a agroecologia deve ser “uma construcción

política, popular, social, cultural, ancestral, científica, econômica, estratégica y de classe

(LVC, 2013)”.

O conceito de transição agroecológica também será de muita importância no estudo

que ora apresentamos, pois compreendemos que a materialização concreta (o conjunto de

técnicas) do conceito de agroecologia (o conjunto de ideias) se dá a partir dos processos de

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE … · Quadro de escolha da área de trabalho coletivo. ..... Figura 20. Trabalho coletivo para construção da Horta Nova. Mata de São

20

transição agroecológica. Em nossa compreensão, é justamente a transição agroecológica que

vem possibilitando a territorialização da agroecologia enquanto modelo de desenvolvimento.

Tendo sido um dos objetivos gerais do Programa em estudo, buscaremos, a partir de Schmitt

(2009) perceber alguns limites e, sobretudo, as possibilidades que a transição à agroecologia

vivenciada no Assentamento Santa Maria vem colocando para as famílias envolvidas.

Utilizamos como fonte de pesquisa um questionário socioprodutivo que foi elaborado

pela equipe de extensionistas do Programa com o intuito de realizar um diagnóstico das

comunidades atendidas pelo projeto quando do início de sua implementação, no mês de

Agosto de 2012. No Assentamento Santa Maria, este questionário foi aplicado a 19 das 21

famílias que residem na comunidade, e trazem importantes informações acerca da renda e

produção agrícola das famílias.

Também serão usadas diversas entrevistas realizadas com assentados e assentadas do

Santa Maria, feitas através de entrevistas livres que foram por mim compiladas em cadernos

de campo ou por gravação fonográfica. Estas entrevistas, colhidas em uma etapa de campo

deste estudo, tiveram como interesse elucidar algumas questões referentes à história da luta na

comunidade e, sobretudo, investigar elementos referentes ao processo produtivo das famílias e

que vão além dos dados que compilamos durante a aplicação do questionário, e foram

realizadas em Agosto de 2013, quando se completava um ano da aplicação do questionário

socioprodutivo.

Outra fonte importante que nos trouxe informações cruciais para a compreensão de

como se deu o processo de produção do espaço no Assentamento Santa Maria foram as

informações coletadas a partir do INCRA, que disponibilizou importante relatório de vistoria

da fazenda. Essas informações foram fundamentais para a realização da caracterização física

do Assentamento e também, em especial, para compreender como se organizava o espaço

naquela porção de terra antes e depois da desapropriação da fazenda para fins de interesse

social. Deixo aqui registrada minha imensa gratidão às diversas servidoras e servidores que,

desde o primeiro contato, se mostraram à inteira disposição para garantir o direito ao acesso à

informação pública.

Foi também do INCRA a base cartográfica que utilizamos para a elaboração dos

mapas que compõem o estudo que aqui apresentamos. Essa base foi de extrema relevância

para compreendermos questionamentos colocados por entrevistados e entrevistadas durante o

processo de pesquisa, e nos serviu como um instrumento significativo para compreender as

transformações territoriais observadas a partir da transição agroecológica proposta pelo

Programa.

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21

2. A Questão Agrária

As profundas transformações sociais vivenciadas pela Europa ao final do século XIX

colocaram importantes reflexões aos teóricos da época. No que se refere ao estudo do sentido

do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, tratou-se de um período de intensa

produção científica e, ainda mais, de debates políticos. No centro da discussão os reflexos que

o avanço da forma de produção capitalista aplicada à agricultura traria à classe camponesa e o

seu papel histórico neste processo. Esse processo de debate em torno do tema agrário passa,

neste período, a ser conhecido como o debate em torno da “questão agrária”.

Deste período surgem importantes obras clássicas que se dedicaram à interpretação da

questão agrária e que se tornaram importantes referências nos estudos agrários, podendo ser

entendidas como pontos de “partida e de retorno” no estudo do capitalismo agrário

(FERNANDES, 2001). Para Fernandes (2001), duas obras de referência deste período são

essenciais para compreender os elementos estruturais presentes nas transformações ocorridas

naquele momento histórico, e não podem ser compreendidas apenas no bojo das discussões

políticas que marcaram estes debates, mas sim como contribuições importantes para a

“elaboração de novas ideias a respeito do dimensionamento dos problemas agrários”

(FERNANDES, 2001, p.26).

Fernandes (2001) aponta então A Questão Agrária, de Karl Kautsky, e O

Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, de Lênin, como obras fundamentais para o

estudo da questão agrária. Estes dois autores colocaram elementos centrais a respeito do

processo de desenvolvimento do capitalismo no campo e se tornaram referência para a

compreensão do papel da luta de classes nas modificações observadas no meio rural.

Em A Questão Agrária, Kautsky (1968 [1899]) se lança a “pesquisar se e como o

capital se apodera da agricultura, revolucionando-a, subvertendo as antigas formas de

produção e de propriedade, criando a necessidade de novas formas” (KAUTSKY, 1968, p.24).

A preocupação central de sua obra se dá em clarificar a tendência geral do desenvolvimento

do capitalismo no campo e o papel político que caberia ao campesinato no transcurso das

profundas alterações trazidas pelo avanço técnico observado na produção agrícola do período.

Para tanto, toma por base a análise de dados acerca da realidade do campo russo no período e

parte da hipótese da superioridade técnica da grande exploração sobre a pequena.

Discorre assim um detalhado estudo sobre diversos aspectos comparativos entre a

grande e a pequena exploração, afirmando que “a grande exploração é superior à pequena, do

ponto de vista técnico, em todas as seções importantes da agricultura” (KAUTSKY, 1968,

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p.146). Avança então na compreensão de que a mudança nas relações de produção provocadas

pelo capital industrial trouxe significativas alterações à maneira como se organiza a economia

familiar camponesa, colocando-a em confronto com uma realidade que, inevitavelmente, a

arruinaria na mesma medida em que se desenvolve: o emergente mercado mundial.

Coloca sempre o caráter contraditório do sentido deste desenvolvimento, indicando que

mesmo comprovada a superioridade técnica da grande produção capitalista na agricultura e a

tendência geral à concentração de terras por parte da grande empresa agrícola, o campesinato

ainda persiste. Analisando este fenômeno, indica então que “os números acusam não uma

diminuição, mas antes um aumento das pequenas explorações agrícolas” (KAUTSKY, 1968,

p.156). Pontua então ser esta questão de grande interesse no estudo marxista, posto que no

campo a penetração do capitalismo apresenta um comportamento distinto da cidade no que

diz respeito à polarização da sociedade de classes entre burgueses e proletários, tendo o

campesinato resistido enquanto classe.

Traz então um elemento importante quando aborda as formas de resistência do

campesinato às pressões políticas dos grandes latifundiários e do Estado, apontando que o

“camponês está ainda mais preso à sua parcela do que o artesão à sua tenda” (Kautsky, 1968,

p.144). Esta resistência camponesa estaria, porém, subordinada ao próprio capital na medida

em que tanto a sua produção quanto a sua força de trabalho estão subordinadas ao mercado

capitalista, submetendo então a propriedade camponesa à acumulação de capitais.

Assim, essa produção camponesa não estaria fora, mas sim a serviço do padrão de

acumulação capitalista, que tenderia – mesmo que lentamente – a dissolver esta propriedade

em prol da grande exploração agrícola realizada nos latifúndios por conta de sua baixa

capacidade de concorrência no mercado. Se de um lado o avanço do capital fez sumir a

família camponesa autossuficiente, ele mesmo a fez recriar-se a serviço do novo padrão de

acumulação. Isso se dava tanto na condição de proletário rural em que o camponês se

transformara ou mesmo na condição parcial de camponês que também vendia sua mão de

obra ao latifundiário, permanecendo com sua pequena gleba.

Kautsky (1968) salienta que a baixa capacidade técnica e o tamanho diminuto das

propriedades camponesas as colocam numa condição de subserviência e complementaridade

em relação ao grande latifúndio, colocando então a contradição central a ser enfrentada pela

classe camponesa. Produzindo determinados produtos que, por conta das relações de mercado

não interessava aos latifundiários produzir, a pequena propriedade camponesa passou a servir

como fornecedora de alimentos e de mão de obra às grandes fazendas. A família camponesa,

por sua vez tendo sua economia interna cada vez mais dependente de capitais, passa a utilizar

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23

a venda de mão de obra como uma atividade complementar à renda da unidade de produção.

E a utiliza, sobretudo, para que pudessem continuar a se reproduzir enquanto camponeses,

tornando-se assim cada vez mais dependente dos latifundiários.

Desta forma, a superação da questão agrária colocada ao campesinato residiria numa

insurreição ao sistema de acumulação capitalista. Nesta tarefa, a classe operária, tendo um

processo de consciência mais avançado, teria o papel histórico em conduzir a classe

camponesa ao processo insurrecional, posto que o “proletário industrial não pode libertar-se

sem libertar ao mesmo tempo a população agrícola” (KAUTSKY, 1968, p.320). Esse

processo insurrecional deveria conduzir os camponeses ao socialismo, substituindo a pequena

propriedade privada pela grande empresa socialista, que seria responsável por livrar-lhe do

“inferno em que a sua propriedade privada hoje o acorrente” (KAUTSKY, 1968, p.325).

Outra obra de vulto para compreender a concepção clássica da questão agrária é O

Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, escrita por Lênin no mesmo ano da obra de

Kaustky. As duas obras representam o esforço teórico destes autores para a formação do

programa agrário do Partido Operário Social Democrata. As teses desenvolvidas por ambos

tiveram forte influência sobre o pensamento da esquerda em todo o mundo, em especial

através das formulações de teóricos ligados aos Partidos Comunistas. Essa influência também

foi percebida na análise da questão agrária brasileira que compõe o presente trabalho, e será

retomado à frente ao discutirmos a questão agrária no país.

Para Lênin, que desenvolve sua teoria também a partir da análise do censo rural da

Rússia no período, o processo de desenvolvimento do capitalismo na agricultura contribuiria

para o aniquilamento das relações feudais – ainda persistentes na Rússia do período – e era

importante na medida em que havia ampliado a produção de alimentos essenciais à população

(GIRARDI, 2008). Desta maneira, deveria ser entendido como uma etapa transitória ao

socialismo, devendo ser compreendida através de suas contradições internas, afirmando que:

O reconhecimento do caráter progressista [do papel histórico do capitalismo no

desenvolvimento econômico da Rússia] é perfeitamente compatível com o pleno

reconhecimento dos aspectos negativos e sombrios do capitalismo, com o pleno

reconhecimento das contradições sociais profundas e multilaterais que são

inevitavelmente próprias do capitalismo e revelam o caráter historicamente

transitório desse regime econômico (Lênin 1985 [1899], apud Girardi, 2008, p.98).

A partir da observação destas contradições, desenvolve a sua teoria afirmando que,

com o desenvolvimento do capitalismo na agricultura e com a inserção desta produção no

mercado, o campesinato passa a por um processo de diferenciação interna que levaria à sua

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destruição, vivendo assim numa tensão permanente, a que ele classifica como um estado de

“agonia” (GÚZMAN, MOLINA, 2005).

Analisando a obra de Lênin, Girardi (2008) coloca que o processo de diferenciação do

campesinato na concepção leninista se dava a partir da divisão dos camponeses em três

categorias: ricos, médios e pobres. Para o autor:

Os camponeses ricos são aqueles com grandes possibilidades de se tornarem

capitalistas, pois sua produção lhe proporciona retornos suficientes para expandir

sua exploração. Os camponeses médios são os que possuem retorno suficiente para

manter o seu estabelecimento e atender as demandas de sua família, podendo ou não

empregar mão-de-obra assalariada por algum período. Este grupo vive sempre em

uma situação de instabilidade que pode o tornar um camponês rico ou pobre. Por

fim, os camponeses pobres são aqueles que não têm retorno suficiente das atividades

que realiza no estabelecimento e são obrigados a buscar outras formas de trabalho

para completar a demanda de sua família e para continuar a exploração do seu

estabelecimento (GIRARDI, 2008, p.98).

Desta maneira, o avanço do capitalismo no campo tenderia a transformar os

camponeses sem capacidade concorrencial em proletários das grandes empresas agrárias ao

mesmo passo em que elevaria os grandes à condição de capitalistas. Isto levaria à

desintegração do campesinato, que passaria a se incorporar aos latifúndios como empregados

e cujas terras passariam a ser integradas aos latifúndios em crescimento, levando a uma

mudança na estrutura social rural (ALVES, FERREIRA, 2009). Portanto, com o avanço do

capitalismo, o campesinato “deixa de existir, se destrói, é inteiramente substituído por novos

tipos de população rural, que contribuem à base de uma sociedade dominada pela economia

mercantil e pela produção capitalista (LÊNIN, 1985 [1899] apud ALVES, FERREIRA, 2009,

p.114)”.

Estas duas obras clássicas, salvaguardado o período histórico e a intencionalidade a

que se dedicaram, ajudam a compreender o processo contraditório gerado pelo avanço do

capital no campo. Em comum, as duas teses trazem como elemento central a leitura de que o

campesinato, caso não passe por um processo de tomada de consciência, teria uma tendência à

desaparecer frente ao avanço da forma capitalista de produção no campo, posto que não teria

capacidade concorrencial no mercado. Ao mesmo passo, ambos os autores colocam o

elemento da resistência a este processo como uma característica do campesinato. Assim,

situam a questão agrária como a contradição gerada pelo processo de desenvolvimento do

capitalismo e seus reflexos sobre a classe camponesa, necessitando, portanto, de formulações

que fossem próprias à realidade do campo.

2.1 A Questão Agrária no Brasil

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Mesmo tendo sido produzidos importantes estudos que se dedicaram a descrever a

forma de ocupação e uso do território nacional, apenas na década de 1960 que se intensifica o

debate em torno da questão agrária, das “interpretações e análises da realidade agrária, que

procura explicar como se organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na

sociedade brasileira” (STÉDILE, 2011, p.15-16).

Em grande medida esse debate não se deveu apenas às necessidades acadêmicas de

intelectuais brasileiros, mas, sobretudo, por que a concentração da posse da terra no país

sempre representou – e até hoje representa – um dos maiores problemas ao desenvolvimento

do conjunto da economia nacional. Assim, o latifúndio passou a ser compreendido como a

fronteira primordial a ser enfrentada no sentido de garantir condições dignas de vida a um

enorme contingente da população brasileira que vivia no campo e que começava a se

organizar em torno do debate da questão agrária.

Diversas teses foram propostas para contribuir com essa análise gerando um rico

debate de ideias sobre a questão agrária, que se tornou uma das principais pautas dos

movimentos populares e partidos políticos da esquerda brasileira no período entre meados dos

anos 1950 até o golpe militar de 1964. Duas teses polarizaram a compreensão do que significa

a questão agrária brasileira: de um lado a compreensão de que ainda existiam resquícios de

feudalismo a serem superados e, de outro, a tese de que os problemas observados no campo

brasileiro eram fruto do caráter contraditório do desenvolvimento do capitalismo.

Uma das principais formulações acerca do caráter feudal do campo brasileiro partiu do

PCB (Partido Comunista Brasileiro), tendo as proposições de Alberto Passos Guimarães como

fundamento desta tese. Em seu Quatro Séculos de Latifúndio, o autor defende a ideia de que a

elite dominante de Portugal tentou reproduzir na colônia a forma de organização social e

econômica experimentada nos tempos de auge do regime feudal. Isso teria significado um

retrocesso histórico para o processo de desenvolvimento do Brasil, pois a classe senhorial de

Portugal, já em franca derrocada, “empenhou-se a fundo na tarefa de fazer girar em sentido

inverso a roda da História, embalada pelo sonho de ver reconstruído o seu passado”

(GUIMARÃES, 2011, p.37).

Discorre então que para conseguir levar a cabo a exploração da terra da colônia no

sentido de gerar riqueza, “a empresa colonial teve de realizar-se mediante a associação de

fidalgos sem fortuna e plebeus enriquecidos” (GUIMARÃES, 2011, p. 38). Isso se deu,

porém, com a predominância dos primeiros sobre os segundos. Predominância esta que se deu

apenas no plano mítico, pois que no plano comercial houve uma enorme vantagem dos

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segundos sobre os primeiros, formando as bases do que se constituiria numa fração de classe

burguesa no país (FERNANDES, 2006).

Defende então a tese de que no Brasil a posse e uso do território se deram através do

“feudalismo colonial”, que, mesmo sofrendo diversas alterações (como utilização de trabalho

escravo e o caráter comercial da produção exportada), estas formas foram amoldando-se e

“coloriam o pano de fundo do cenário feudal” (GUIMARÃES, 2011, p.44).

Dava-se então que a questão agrária brasileira estava em superar as influências

retrógadas que o sistema latifundiário feudal-colonial representava ao conjunto da economia

nacional, que se colocava em três medidas, sendo elas i) este sistema exportava toda a

produção agrária, cedendo-o aos trustes compradores internacionais, ii) esta exportação se

dava através de intermediários compradores e usurários, transferindo os lucros especulativos

da produção para os trustes internacionais, pressionando para baixo os rendimentos dos

trabalhadores da cadeia produtiva da agropecuária, que arcavam com o ônus do sistema e iii)

a remessa da renda gerada pela produção agropecuária ao exterior descapitalizava o país,

impedindo assim o desenvolvimento industrial e comprimindo o poder aquisitivo dos

trabalhadores rurais, limitando a expansão de um mercado interno (GUIMARÃES, 2011).

De acordo com esta tese, seria então necessária a luta pelo desenvolvimento capitalista

dos setores ligados ao meio rural brasileiro, favorecendo a entrada de tecnologias de produção

agrícola e ajudando a desenvolver um setor nacional de produção agrícola. Essa seria a tarefa

a ser assumida pela classe camponesa em aliança com a classe operária.

A tese de que o campo brasileiro padecia de resquícios de feudalismo foi refutada por

estudiosos também ligados ao PCB, como André Gunder Frank e Caio Prado Júnior. A

principal crítica à “explicação feudalista” do campo brasileiro residia no erro que representava

a transposição mecânica da compreensão do processo de desenvolvimento capitalista do

campo europeu para a realidade brasileira (FRANK, 2005; PRADO JR, 2011).

Defendendo a posição de que a existência de feudalismo no Brasil era um “mito” que

precisava ser superado para que não incorresse em erros de tática política, Frank (2005)

coloca que a falha de análise destes teóricos residia na não compreensão de que o Brasil foi

colonizado pela fração mercantil da Portugal quinhentista. Assim, longe de resquícios de

feudalismo, a questão agrária brasileira residia nos problemas gerados pelo desenvolvimento

contraditório do capitalismo, que gera desenvolvimento e subdesenvolvimento ao decurso de

sua trajetória (FRANK, 2005).

Nisso consistiu o argumento utilizado pelo autor para comprovar que o Brasil não

carecia de um desenvolvimento capitalista das relações de produção no meio rural, posto que

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as mesmas já estavam se desenvolvendo e, ao contrário do que pregava o “esquema histórico”

de desenvolvimento do capitalismo, as relações capitalista de produção estavam gerando

ainda mais concentração de terras e exclusão social no campo brasileiro.

Partindo dos dados coletados pelo IBGE, Frank (2005), elabora uma interessante

metodologia que busca compreender a concentração de terras a partir não somente da divisão

do território pelos proprietários, mas também inclui a parcela de trabalhadores ocupados com

a produção rural. Nisto estão inclusas tanto as famílias sem terra quanto os trabalhadores

rurais em seu conjunto. Buscou assim mostrar a maneira como está disposta a posse da terra

para aqueles que dependem dela, que estão expressos no Quadro 1.

Para Frank (2005), essa metodologia:

permite comparar a distribuição da propriedade da terra não apenas com a

distribuição entre os proprietários, mas também com a população trabalhadora que

depende da agricultura, tenha terra ou não, e que é muito significativa (FRANK,

2005, p.68).

Assim, mostra que o problema do campo brasileiro não residia apenas em seu atraso

feudal, mas, sobretudo, na sua modernidade capitalista, que seguia excluindo tanto

trabalhadores como sem terras.

Categoria de

dependentes da

agricultura

1

Estabelecimentos

2

Terra

3

População Nº de

proprietários

% do

total

Nº de

habitantes

% do

total

Nº de

famílias

% do

total

Economicamente

Viável

1.009 49 224.242 97 1.009 19

Possuidores de

mais de 1.000 há

33 1,6 112.102 51 33 0,6

Possuidores de

mais de 20 há

976 47 106.140 46 976 18

Economicamente

não viável

1.056 51 7.949 3 4.397 81

Possuidores de

menos de 20 ha

1.056 51 7.949 3 1.056 19

Não possuidores 0 0 0 0 3.341 62

TOTAL 2.065 100 232.211 100 5.406 100

Fonte: Frank (2005)

Figura 02. BRASIL: Concentração Monopolista Da Propriedade Agrícola, 1950.

Desta maneira, Frank (2005) mostra que a concentração da terra permanecia sendo um

dos principais problemas para a questão agrária brasileira, pois ao mesmo tempo em que

monopoliza a propriedade da terra impedindo o acesso do trabalhador, permanece colocando

uma grande parcela da população rural a serviço do latifúndio. Assim, ele incorpora a seu

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estudo os trabalhadores rurais com pequena posse que precisam vender sua força de trabalho

ao latifúndio bem como os trabalhadores rurais sem posse, pois “ambos dependem, mesmo

para sobreviver, do trabalho que lhes proporcionam os grandes possuidores de capital,

inclusiva terra (FRANK, 2005, p.68)”.

Hoje é bem aceita e noção de que a forma de produção que imperou no Brasil colônia

foi o modelo plantation. Caracterizado por produzir monoculturas em grandes propriedades

de terra utilizando o trabalho escravo em seu processo produtivo, foi esta a forma de produção

que as nações europeias impuseram às suas colônias, mercantilizando a produção agrícola e

transformando-as em fontes de acumulação de capitais para a Revolução Industrial que viveu

a Europa. Essa tese foi defendida por Jacob Gorender em seu livro Escravismo Colonial, de

1976, que propôs o aportuguesamento do termo plantation para plantagem (STÉDILE, 1997).

Para além da importante discussão acerca do caráter da colonização brasileira estava a

forma de superação da questão agrária, sendo neste período que a Reforma Agrária passa a se

incorporar aos debates dos partidos políticos, movimentos sociais e mesmo a setores

progressistas da sociedade. Antes legada apenas aos “comunistas”, a Reforma Agrária passou

a ser uma pauta central num cenário de crise agrícola que o país vivia então. Isso se dava na

medida em que o campo não conseguia cumprir a tarefa de enviar às crescentes indústrias

urbanas alimentos a preços baixos, que pudessem rebaixar o salário ao mínimo e assim aferir

mais lucros à burguesia industrial consolidada no período da industrialização dependente, que

se deu entre 1930 e 1945 (FERNANDES, 2006; SILVA, 1981).

Assim, a reforma agrária passou a ser compreendida como uma possibilidade de

incorporar à produção agrícola um enorme contingente de trabalhadores rurais sem terra,

ampliando assim a área de cultivo e contribuindo então com o fornecimento de matérias

primas a baixo custo para as indústrias brasileiras. Essa noção de desenvolvimento do campo

foi bastante promulgada por teóricos ligados à CEPAL (Comissão de Estudos para a América

Latina), como o economista Celso Furtado.

No bojo deste processo é que foi criada a Supra (Superintendência da Reforma

Agrária) pela Lei delegada nº. 11 de 11 de outubro de 1962. Buscando responder aos apelos

das camadas populares que colocavam a emergência de uma política fundiária para o país, a

Supra teria como atribuição realizar a reforma agrária e distribuição das terras para as famílias

(STÉDILE, 1997).

As pressões populares que buscavam uma solução para a questão agrária também

acenderam ao debate político-institucional do período. À época presidente do Brasil, João

Goulart incorpora a reforma agrária às reformas de base que propôs em seu governo. Em um

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histórico discurso em que afirma que o decreto de instituição da Supra é um passo para

avançar rumo à uma reforma agrária ainda mais radical, João Goulart defende a

desapropriação dos latifúndios localizados às margens das principais rodovias nacionais bem

como a desapropriação dos latifúndios improdutivos do país.

A repercussão do discurso e das propostas de reforma de base – dentre as quais a

reforma agrária era a central – foi a síntese do momento histórico da questão agrária no Brasil

naquele momento. Colocou em campos opostos dois modelos de uso e ocupação do território

nacional. De um lado, uma gigantesca parcela da população que incluía uma diversidade de

formas sociais (pequenos produtores, arrendatários, proletários rurais) e que requeria terra

para dela viver e trabalhar. De outro, a elite conservadora brasileira que, mesmo tendo

aprofundado sua reprodução no capital industrial, ainda era preso a terra através da herança

colonial e dos meios extra-econômicos que ela significa para suas relações de poder nos

rincões do país.

Mesmo ainda incipiente para os parâmetros que sucederam após este período, já era

clara a entrada de capital estrangeiro no país com o interesse em se apropriar dos recursos

naturais bem como da produção realizada no campo Brasil. Sobre isso, Frank (2005),

baseando-se em estudos sobre a exportação agrícola da época, traz importantes dados acerca

da dependência da agricultura nacional frente às grandes corporações do setor. O autor

assevera então que 40% da exportação de café estava dominada por oito empresas

estrangeiras, sendo sete delas estadunidenses. Sobre a produção de algodão, afirma que 50%

da produção era controlada por apenas duas empresas, que, sozinhas, receberam 54 dos 114

bilhões de cruzeiros que o Banco do Brasil disponibilizou para as atividades agropecuárias do

país (FRANK, 2005).

Interessada em manter e ampliar o domínio sobre o setor agrícola, estas empresas

multinacionais viam na reforma agrária um perigo para os planos de lucros com o

desenvolvimento do campo brasileiro. Já dominando um importante aparato tecnológico de

insumos para a produção agrícola que precisavam ser comercializados em escala global, o

setor agroindustrial via no campo dos países subdesenvolvidos o lugar de realização plena do

que chamaram de “Revolução Verde”. Assim, em 31 de março de 1964 – apenas 15 dias após

o discurso do presidente João Goulart – este setor teve importante participação política no

golpe militar imposto ao Brasil, onde encontraram eco na fração de classe latifundiária.

Com o golpe militar, as aspirações de resolução da questão agrária no Brasil pela via

da democratização do acesso e uso da terra e pela realização da reforma agrária foram

completamente abandonadas. Ao contrário, o golpe possibilitou uma abertura ainda maior do

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setor agrícola à participação do capital estrangeiro, que passou a se territorializar para

implantar o modelo de produção agrícola da “Revolução Verde”. Assim, o espaço agrário

brasileiro permaneceu com altas taxas de concentração fundiária e estava agora aberto à

“modernização” por vias do capital estrangeiro, tendo sido esse então o modelo de

desenvolvimento que se hegemonizou no período subsequente, onde teve importante papel a

chamada “Revolução Verde”.

2.2 A “Revolução Verde” e a modernização do campo brasileiro

Francisco Graziano da Silva classificou o período que compreende meados dos anos

1960 até meados dos anos de 1980 como o período da “modernização dolorosa” da

agricultura brasileira (SILVA, 1982). Cunhou assim uma expressão que sintetiza as

contradições decorrentes do processo de desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro

no período supracitado.

Fernandes (2006) se referiu ao período anterior (1930-1950) como o da

industrialização dependente, onde, por meio da substituição de importações, o Brasil

caminhou ao desenvolvimento do capitalismo interno mantendo intactas as estruturas de

poder presentes historicamente na sociedade brasileira. Assim também o foi com o caminho

seguido pela agricultura, que, para revolucionar suas bases produtivas, não alterou em nada a

estrutura agrária. Ao contrário, este período é marcado por um aprofundamento da

concentração de terras no país, e foi marcado por uma forte participação do Estado no

incentivo às empresas estrangeiras que atuavam no setor.

Silva (1981) coloca que a agricultura passou por grandes transformações, sobretudo

no processo produtivo, onde a maquinaria e a utilização de insumos trouxeram importantes

mudanças nas relações de produção no campo. Analisando o sentido destas alterações, Silva

(1981) afirma que:

Antes, as fazendas produziam tudo o que era necessário à produção: os adubos, os

animais e até mesmo alguns instrumentos de trabalho, bem como a própria

alimentação dos seus trabalhadores. Agora, não: os adubos são produzidos pela

indústria de adubos; parte dos animais de trabalho foi substituída pelas máquinas

produzidas pela indústria de máquinas e equipamentos agrícolas, etc.(SILVA, 1981,

p.16).

O referido autor saliente que essas transformações se deram através da adoção de um

“pacote tecnológico” que previa a utilização intensiva de maquinário e insumos para a

produção agrícola. Assim, a agropecuária deixou de ser “uma esperança ao sabor das forças

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31

da natureza, para ser uma certeza sob o comando do capital (SILVA, 1981, p.25)”. Esse

conjunto de alterações no campo brasileiro se deveu, em grande medida, à introdução dos

princípios da “Revolução Verde” no país.

O conjunto de transformações tecnológicas da agricultura vivida no Brasil com a

difusão das técnicas associadas à “Revolução Verde” terminou por trazer importantes

transformações tanto à questão agrária no país, na medida em que promoveu a concentração

de terras para o plantio de monocultivos em larga escala, quanto à questão agrícola, posto que

a introdução destas novas tecnologias transformaram o campo brasileiro no maior mercado

consumidor de produtos agroquímicos do mundo desde o ano de 2008 (LONDRES, 2011).

Tendo se massificado após o fim da segunda guerra mundial, estas transformações de

ordem tecnológica que caracterizam a “Revolução Verde” tiveram início no século XIX com

os resultados dos trabalhos do químico Justus Von Liebg e Gregor Mendel. Buscando

contribuir para o melhoramento genético e produtivo de espécies alimentares, estes cientistas

incorporaram elementos da ciência aplicada (química, mecânica e genética, sobretudo) à

produção agrícola, tendo assim contribuído para o desenvolvimento de variedades melhoradas

produzidas em laboratório bem como com a produção de adubos químicos em larga escala

(PEREIRA, 2012).

Para Caporal e Costabeber (2004), esse processo de cientifização da agricultura

significou uma ruptura de paradigma, visto que diminuiu cada vez mais a interferência

ecossistêmica na determinação da prática com a terra e com as plantas e fez crescer as

possibilidades de homogeneização do processo produtivo aplicado à agricultura.

Desta forma, inicia-se o rompimento do processo histórico de acúmulo de técnicas e

conhecimentos tradicionais armazenados pela humanidade ao largo de sua relação com a

natureza. Segundo Pereira (2012), estas transformações:

Foram modificações radicais e que transformaram a base da agricultura: o

conhecimento milenar prático do próprio agricultor foi substituído pelo

conhecimento científico; os ciclos ecológicos locais, pautados nos recursos

endógenos, foram substituídos por insumos exógenos industriais; o trabalho que era

realizado em convivência com a natureza foi fragmentado em partes – agricultura,

pecuária, natureza, sociedade -, e cada esfera passou a ser considerada em separado,

quebrando-se a unidade existente entre ser humano e natureza (PEREIRA, 2012,

p.686).

A síntese tecnológica destas modificações foi o desenvolvimento das Variedades de

Alto Rendimento (VAR´s), culminância dos estudos iniciados no século XIX. Estas

variedades, controladas por empresas do setor de biotecnologia, apresentavam também

aumento de produtividade quando associada à adubação química, formando o que ficou

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conhecido como o “pacote tecnológico da Revolução Verde”. Para Goodman, Sorj e

Wilkinson (2008):

Todos os setores agroindustriais, o de maquinário agrícola, o químico e o de

processamento, foram forçados a adaptar suas estratégias de crescimento a fim de

incorporar as oportunidades revolucionárias criadas pelas sementes híbridas e pela

nova genética das plantas. Embora seja possível identificar trajetórias separadas, a

tendência dominante tem sido a convergência das inovações mecânicas, químicas e

genéticas para formar um "pacote" tecnológico complementar e de integração

crescente, que incorpora tanto o processo de trabalho quanto o processo natural de

produção (GOODMAN, SORJ, WILKINSON, 2008, p.34).

Formadas as bases técnicas deste novo modelo de produção agrícola calcado na

utilização de produtos químicos e espécies melhoradas em laboratório, o mundo pós-segunda

guerra mundial abriu a oportunidade de massificar o pacote tecnológico da “Revolução

Verde”.

Partindo do pressuposto de que imperava um modelo de produção “atrasado” no

campo, sobretudo nos países de terceiro mundo, as empresas ligadas ao capital agroindustrial

defendiam que era necessário caminhar rumo à “modernização” da agricultura pela via da

adoção destas novas tecnologias de produção. Sob o discurso do aumento da produtividade

para equacionar o problema da fome no mundo, as empresas multinacionais que dominavam o

setor passaram a organizar a difusão de seus produtos em escala global.

Neste tocante, Fonseca (1985) destaca a “Missão Rockefeller no Brasil” como um

marco central do processo de expansão das multinacionais da agricultura para os países de

terceiro mundo. A autora sustenta que os acordos firmados durante a visita de Rockefeller ao

Brasil serviram “de base à criação e à organização dos Serviços de Extensão implantados nas

regiões consideradas subdesenvolvidas, a partir da Segunda Guerra Mundial” (FONSECA,

1985, p. 41).

A criação de órgãos de assistência técnica oriundas desta política de extensão

financiadas por empresas do setor agrícola consolidaram no país um método de extensão rural

chamada de “modelo clássico”. Este “modelo clássico” de extensão rural partia da premissa

de que havia um conhecimento acumulado pelo desenvolvimento da ciência aplicada à

agricultura, cujas fontes de origem eram as estações experimentais. Assim, caberia aos

técnicos destas estações o papel de estender este conhecimento ao povo do campo,

encaminando-os à modernidade e ampliando, assim, a produção agrícola. Foi esta concepção

de extensão que se consolidou nos países subdesenvolvidos, em especial na América Latina.

Sobre isso, Fonseca (1985), nos diz que:

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Nestas regiões entre as quais incluía-se a América Latina, a ação extensionista foi

proposta pelos governos locais, em convênio com as agências americanas de

Extensão Rural. Foi característico desta primeira fase um exagerado entusiasmo

fundado na idéia de que era preciso informar e persuadir os agricultores a adotarem

melhores práticas agrícolas para se conseguir um aumento significativo na produção

de fibras e alimentos. E as pessoas que sabem o que é melhor para os agricultores

são os extensionistas e técnicos (FONSECA, 1985, p. 41).

Este método de extensão rural baseava-se em uma política difusionista de tecnologias

que privilegiava a grande produção capitalista na agricultura, em detrimento da agricultura

familiar (CAPORAL, 1991). Abordando o processo de institucionalização da extensão rural

no Brasil, Caporal (1991), coloca que:

Não obstante as alterações ocorridas ao longo dos anos em sua estrutura e

organização, a extensão rural no Brasil já nasceu com o firme propósito de educar

para a assistência técnica, ou seja, promover um processo de interiorização dos

progressos técnicos desenvolvidos pelo capitalismo industrial, de maneira a fazer da

agricultura, um lugar propício para a acumulação capitalista do setor dinâmico da

economia (CAPORAL, 1991, p. 34).

Esse processo de introdução do capitalismo na agricultura, iniciado pela Extensão

Rural, é consolidado então pelo SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural) em 1965. Sérgio

Leite (2001), diz que o SNCR:

[…] cumpriu papel determinante na transformação da base técnica dos

estabelecimentos agrícolas, no aumento da produtividade do setor, na consolidação

dos complexos agroindustriais e cadeias alimentares e na integração dos capitais

agrários à órbita de valorização do capital financeiro (LEITE, 2001, p.123).

Este processo se deu privilegiando, sobretudo, os grandes empreendimentos voltados

para o plantio de monocultivos para exportação.

Desta maneira, com uma Extensão Rural pública orientada para receitar o pacote

tecnológico da Revolução Verde e o Sistema Nacional de Crédito Rural organizado para

financiar a compra destas tecnologias, formaram-se as bases necessárias ao processo de

modernização da agricultura brasileira. Esse processo abriu espaço para a implantação dos

grandes monocultivos produtores de commodities agrícolas, ciclo que se consolida com a

concretização do agronegócio na década de 90. Este movimento histórico cristalizou

profundas contradições na sociedade brasileira, sendo um agente gerador de exclusão social

no campo, sobretudo pela permanência da concentração da terra que este modelo de

desenvolvimento representou.

Como um dos requisitos exigidos para ter acesso ao crédito rural era a comprovação da

posse da terra, colocada como garantia ao empréstimo, os latifundiários-capitalistas passaram

a ampliar ainda mais a concentração da terra. Esta concentração é expressa nos dados

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referentes ao índice de Gini. Silva (1981) aponta que entre 1970 e 1975 o índice de Gini se

ampliou de 0,840 para 0,855, sendo por ele considerado um aumento expressivo para um

período curto. Stédile (1997) coloca que o Brasil chegou ao final deste período de

“modernização” da agricultura com um índice de Gini de 0,860 em 1990, sendo considerado o

segundo maior do mundo. Perderia somente para o Paraguai, com um índice de 0,940.

As tabelas 1 e 2 mostram os graus de concentração da terra no Brasil no período da

“Revolução Verde”, e apontam que ao contrário do que pensavam os teóricos do PCB, a

introdução do capitalismo na agricultura brasileiro aprofundou ainda mais a posse da terra,

não tendo servido como um vetor de dinamização do setor agrícola. Dinamizou apenas o

capital, mas comprimiu ainda mais o fator trabalho, precarizando as relações e reproduzindo

ainda mais famílias de camponeses sem terra.

Tabela 01. BRASIL: Estrutura fundiária, 1985.

Tamanho das

propriedades

(em hectares)

Número de

estabelecimentos Porcentagem Área total Porcentagem

Menos de 10 3 099 632 53 10 029 780 3

10 a 50 1 728 232 29 39 525 515 10

50 a 100 438 192 7 30 153 422 8

100 a 1 mil 518 618 9 131 893 957 35

1 mil a 10 mil 47 931 _ 108 397 132 28

Acima de 10 mil 2 174 _ 56 287 168 15

Total 5 834 779 100 376 286 577 100

Fonte: Stédile (1997)

Tabela 02. BRASIL: Evolução da Estrutura Fundiária – 1966-1992.

Distribuição das terras

rurais

1966 1972 1978 1992

Porcentagem sobre o total das terras do Brasil

Propriedades com mais

de 100 hectares 20,4% 16,4% 13,5% 15,4%

Propriedades com mais

de 1 000 hecteras 45,1% 47,0% 53,3% 55,2%

Fonte: Stédile (1997)

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O processo apontado por Silva (1982) como da “modernização dolorosa” colocou mais

elementos para a questão agrária brasileira, tendo sido a “Revolução Verde” o principal

elemento de alteração conjuntural na agricultura no período em análise. Moreira (2000),

tecendo críticas ao modelo produtivo baseado nos princípios da “Revolução Verde” aponta

três esferas de análise crítica para compreender as contradições trazidas pela mesma, a saber:

i) a crítica da técnica, que leva em conta os problemas ambientais que a intensiva utilização de

produtos agroquímicos trouxe ao ser humano e ao meio ambiente3; ii) a crítica social baseada

na exclusão da parcela camponesa do país, diretamente afetada pela penetração do capitalismo

na agricultura através da “Revolução Verde” e; iii) a crítica econômica advinda das constantes

crises do setor, ocasionadas pelos altos custos produtivos do pacote tecnológico (MOREIRA,

2000).

O processo de consolidação de uma agricultura baseada nos princípios da “Revolução

Verde” chega então à meados dos anos de 1980 demonstrando o caráter desigual do processo

produtivo no campo brasileiro. Este período é marcado pelo intenso êxodo rural vivido no

interior do país. Não encontrando trabalho, muitas famílias tentavam à terra retornar e não

mais podiam, encontrando um campo completamente dominado por latifundiários e empresas

do setor agrícola.

Essas contradições foram fundamentais para a retomada dos debates em torno da

necessidade da realização de uma ampla reforma agrária no país, e surgiam num momento de

abertura política do país após duas décadas de ditadura militar. É neste bojo de mudanças e

reivindicações que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se organiza e

inicia o processo de luta por terra, iniciando sua espacialização e territorialização no país. A

partir deste movimento histórico que iremos compreender a ocupação e territorialização das

famílias Sem Terra no Assentamento Santa Maria, a que iremos nos dedicar nestes próximos

capítulos.

3Mais sobre o assunto em LONDRES, F. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. Rio de

Janeiro: As-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, 2011.

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3. A luta pela terra na espacialização da Reforma Agrária

O modelo de extensão rural responsável por introduzir o pacote tecnológico da

“Revolução Verde” afastou o agricultor familiar de seus conhecimentos tradicionais,

aumentando assim sua dependência frente a este modelo de produção. Paulo Freire (2002),

fazendo um estudo crítico sobre o papel que a extensão rural exerceu na popularização das

tecnologias associadas ao cultivo agrícola capitalista, demonstra o efeito perverso que a

propaganda deste modelo teve sobre o conhecimento tradicional. Para o educador:

A propaganda, os slogans, os “depósitos”, os mitos, são instrumentos usados pelo

invasor para lograr seus objetivos: persuadir os invadidos de que devem ser objetos

de sua ação, de que devem ser presas dóceis de sua conquista. Daí que seja

necessário ao invasor descaracterizar a cultura invadida, romper seu perfil, enchê-la

inclusive de subprodutos da cultura invasora (FREIRE, 2002, p.42).

Imposto de maneira vertical também pelas políticas públicas voltadas para a

agricultura, a “modernização dolorosa” observada no campo brasileiro foi responsável por

incutir uma percepção de que agricultura camponesa era atrasada, pois não havia incorporado

essas novas tecnologias de cultivo. Assim, a oferta massiva de crédito para adoção do pacote

da tecnologia da “Revolução Verde” trouxe sérias implicações às famílias camponesas.

Suscetíveis às oscilações de mercado e sem capacidade financeira para suportar as

constantes crises do setor e concorrer com as grandes empresas do agronegócio, muitas

famílias que antes cultivavam alimentos essenciais para a segurança alimentar foram

deslocadas de suas terras, perdendo-as como dívidas para bancos depois de repetidos

insucessos do modelo de produção do agronegócio replicado nas unidades familiares

(ALTIERI, 2012). Em pouco tempo, o país viveu uma verdadeira diáspora camponesa, em

grande medida devido ao monopólio da terra propiciado pelo modelo de produção do

agronegócio. De acordo com Pereira (2012), os reflexos trazidos por este processo:

[…] resultaram em êxodo rural, dependência da agricultura em relação à industria e

às corporações, dependência do agricultor da ciência e da industria,

desterritorialização dos camponeses, invasão cultural e contaminação do ser humano

e do ambiente como um todo. A Revolução Verde serviu para marginalizar grande

parte da população rural (PEREIRA, 2012, p. 686).

Compreendemos que a forma como se operou a modernização da agricultura brasileira

desprivilegiou a participação dos camponeses na organização dos territórios de produção

agrícola. Ao contrário, a introdução destas tecnologias de cultivo levou a uma desestruturação

do espaço de produção camponês no Brasil, levando a um intenso processo de

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desterritorialização de comunidades, povos tradicionais, pequenos produtores e demais

trabalhadores rurais ao mesmo passo em que os grandes latifúndios monocultores foram se

territorializando.

Discutindo o papel da introdução da tecnologia na organização do espaço, Santos

(2012), afirma que:

O efeito desestruturador da tecnologia é tanto mais brutal quanto menos implicado

estiver o país em relação às inovações técnicas precedentes. Tais efeitos são sociais,

econômicos, políticos, culturais, morais e, igualmente, espaciais, geográficos,

levando a uma reorganização do território, mediante uma redistribuição de papeis

que inclui novos roles, estranhos até então à sociedade territorial (SANTOS, 2012,

p. 250).

O papel da tecnologia como um “efeito desestruturador” foi bastante cruel com o saber

camponês tradicional, que, diante da força das novas tecnologias agrícolas foi sendo

desterritorializado pela monocultura (cultural, política, técnica) do agronegócio. Além de

perder terras, perderam-se também territórios camponeses que mantinham uma cultura

agrícola própria à classe camponesa, como o cultivo de alimentos para a segurança alimentar.

Daí compreender a sistemática diminuição de áreas plantadas com culturas agrícolas

características do campesinato brasileiro em detrimento da ampliação da área cultivada por

monoculturas de commodities voltadas para a exportação, controladas por empresas

transnacionais que dominam o setor a nível global.

Contrariando um discurso que prometia acabar com a fome e melhorar a alimentação

no país, a “Revolução Verde” e posteriormente a hegemonização do modelo de

desenvolvimento rural do agronegócio gerou a estagnação e até mesmo a diminuição da área

plantada de alimentos que compõem a cesta básica da família brasileira. Os casos da

mandioca, do feijão e do arroz, a exemplo, ilustram bem este problema. Ao mesmo passo,

cresce a cada safra a área de plantio de commodities agrícolas destinadas à exportação

(BRASIL, 2010), conforme demonstra a Figura 03. Assim, a gama de alimentos produzidos

pela agricultura camponesa foi dando lugar à produção de poucas mercadorias interessantes

ao setor, levando a uma intensiva homogeneização da produção agrícola. Essa

homogeneização da produção agrícola obedece aos interesses do setor agrário do capital

internacional, que, atuando sobre o território “trazem desordem às regiões onde se instalam,

porque a ordem que criam é em seu próprio benefício” (SANTOS, 2012, p. 259).

Buscando romper a lógica do modelo do agronegócio, que utiliza a terra unicamente

com o intuito de produzir mercadorias que visam atender as demandas de mercado, sejam elas

por alimentos ou matéria prima para a produção industrial, o MST vem desde a década de

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1980 entrando em conflito com empresas e latifundiários que monopolizam a terra no país.

Assim, inicia um processo conflitivo de luta por terra para as famílias camponesas que

perderam suas pequenas propriedades ou que nunca conseguiram terra para trabalhar. A

criação deste enorme contingente de trabalhadores rurais sem terra, fruto do processo de

desenvolvimento contraditório e desigual da “modernização” agrícola brasileira, foi sem

dúvida o maior legado social deixado pela “Revolução Verde” no país.

0

5.000.000

10.000.000

15.000.000

20.000.000

25.000.000

30.000.000

1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011

He

ctar

e

Ano

Evolução da área plantada no Brasil. (hectares) . Brasil - 1995 aa 2011.

Feijão

Mandioca

Arroz

Soja

Cana de açúcar

Fonte: Rafael Rodrigues com base em BRASIL, 2010

Figura 03. Evolução da área Plantada no Brasil (hectares). Brasil – 1995 a 2011.

Para Fernandes (2008), esse processo é conflitivo pois a utilização da terra por cada

classe social que a ocupa é mediada por diferentes intencionalidades. Assim, quando tem a

posse de uma porção de terra e nela projeta sua intencionalidade, cada classe conforma então

um território onde formam paisagens que a caracterizam e são capazes de denotar suas

intencionalidades. Essa intencionalidade distinta conforma então distintos territórios.

O autor aponta então a conflitualidade entre dois territórios distintos no meio rural,

onde se confrontam o modelo do agronegócio e o campesinato. O modelo do agronegócio,

formado por latifundiários e grandes empresas do setor (agronegócio), é caracterizado pela

produção monocultural de commodities agrícolas, baixa utilização de mão de obra, monopólio

de imensas extensões de terras e intensa destruição da natureza para abrir espaço para o

plantio de mercadoria. Já o território do campesinato é caracterizado pela produção de

alimentos voltados para a garantia da soberania e segurança alimentar, pequenas unidades de

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produção familiar, policultivos associados de espécies nativas ou adaptadas e intensiva

utilização de mão de obra. São estes dois distintos modelos que vivem o permanente processo

de conflito em busca de terra e território.

A partir desta leitura sobre o projeto de utilização da terra sob sua posse, o território

passa a não ser entendido somente como uma porção de terra delimitada geograficamente, um

fragmento da superfície terrestre. Assim, a forma de ocupar o espaço geográfico apropriado

por cada classe é que vai determinar os processos sociais que o vão distinguindo em diferentes

territórios, tanto na paisagem que a forma como na intencionalidade de sua ação política sobre

a terra, seu modelo de produção agrícola (FERNANDES, 2005).

Dá-se então que estes distintos territórios (campesinato e latifúndio/agronegócio), ao

disputarem a posse da terra, o fazem desterritorializando um território precedente,

modificando a paisagem até que aquela terra se torna um território com suas identidades.

Desta maneira quando o MST inicia o processo de luta pela terra e ali imprime as marcas que

caracterizam o modelo de produção do campesinato, leva à cabo naquela terra conquistada

seu projeto de sociedade. Este projeto se torna perceptível pela paisagem que configura as

ocupações, acampamentos e assentamentos organizados pelo MST. Ao invés da grande e

pomposa sede da fazenda e um casebre para os funcionários, vilas com casas iguais para todas

as famílias. Sai da paisagem o monocultivo e se iniciam inúmeros policultivos em cada

pedaço de terra em que seja possível lidar. O trabalho unicamente monetarizado dá lugar aos

mutirões e trabalhos coletivos de diversas ordens organizados pelas famílias assentadas. Saí

de cena a o latifúndio, entra em cena a agricultura camponesa.

Desta maneira, o MST e os demais Movimentos Sociais de Luta pela Terra têm como

característica central a conquista da terra para a materialização de sua forma de organização e

de reprodução social. Ou seja, a base territorial (geograficamente delimitada) é uma condição

essencial para a estes Movimentos, na medida em que a materialização do plano ideário de

sociedade (cultural, tecnológica, identitária) somente se dá a partir da produção de uma nova

forma de organizar a reprodução da vida, somente a partir de uma nova forma de organizar o

espaço de produção agrícola. Somente a partir da posse da terra, far-se-á o processo de

territorilização da condição camponesa de produzir e reproduzir a vida.

Assim a terra não significa somente o fim a se alcançar, mas o começo da criação de

um novo território – ou de novas territorialidades - de uma experiência de vida para as

famílias que irão se assentar e de uma nova forma de sociabilidade e de produção agrícola

naquele território conquistado.

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40

Observando os Movimentos Sociais que compõem a Via Campesina a partir da

importância que o território significa eles, Fernandes (2005) propõe a utilização do conceito

de “movimentos socioterritoriais” para designá-los, compreendendo que a conquista da terra,

para estes movimentos, é a condição necessária para que logrem seu ideário de sociedade.

Assim, para os movimentos de caráter socioterritorial, a conquista da terra não significa

somente um “trunfo” fruto da luta, mas a condição básica para sua existência política

(FERNANDES, 2005). Para o autor:

Os movimentos socioterritoriais para atingirem seus objetivos constroem espaços

políticos, espacializam-se e promovem espacialidades. A construção de um tipo de

território significa, quase sempre, a destruição de um outro tipo de território, de

modo que a maior parte dos movimentos socioterritoriais forma-se a partir de

processos de territorialização e desterritorialização (FERNANDES, 2005, p. 31).

Esse processo de territorialização dos movimentos socioterritoriais se dá através do

permanente processo de organização política e luta pela terra. Para que possa se territorializar,

é necessário antes “chegar” ao lugar, estudar criteriosamente a terra a ser reivindicada e

construir passo a passo o processo de ocupação. Assim, o MST ao iniciar suas ações

reivindicatórias em uma determinada região, vai também construindo um processo de

espacialização do Movimento na medida em que inaugura um “novo” espaço, diferente do

que antes existia no lugar. Esse espaço cultiva uma nova sociabilidade, posto que começa a

congregar famílias sem terra em luta pelo ideal de ter a terra para trabalhar, e é um espaço que

começa a se tornar referência para tantas famílias que também possuem esse mesmo sonho. É

justamente essa etapa, da espacialização, que vai permitir a ocupação de terras e a

subsequente territorialização do Movimento nas áreas conquistadas. É essa espacialização que

permite ao movimento acumular força social suficiente para lutar pela desterritorialização do

latifúndio/agronegócio e iniciar a territorialização camponesa.

Segundo Fernandes (2000) o processo de espacialização do MST se dá a partir de

acampamentos e ocupações realizadas em regiões onde se conhece a existência de fazendas

improdutivas, que descumprem a função social da terra estabelecida em constituição. Nesses

acampamentos, diversas famílias vão se aproximando do Movimento e, conhecendo seus

princípios e tendo contato com outras famílias, vão pouco a pouco construindo uma

identidade entre si e com o MST. Assim, o MST inaugura nestes acampamentos um novo

espaço de sociabilidade entre famílias sem terra, indicando a possibilidade de construir o

caminho da territorialização do Movimento (e também das famílias) através da luta pela terra.

São nestes espaços de acampamentos que são construídas as ocupações e onde são

organizadas as ações de reivindicação e luta pela terra a ser conquistada.

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Sobre este processo, Fernandes (2000) afirma que:

Os movimentos socioterritoriais realizam a ocupação através do desenvolvimento

dos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra. Ao

espacializarem o movimento, territorializam a luta e o movimento. Esses processos

são interativos, de modo que espacialização cria a territorialização e é reproduzida

por esta (FERNANDES, 2000, p. 73).

É a partir deste movimento de espacialização-territorialização que podemos

compreender o processo histórico de luta que permitiu a transformação da fazenda Santa

Maria em Assentamento de Reforma Agrária. Foi a partir da espacialização do MST na região

de estudo que foram criadas as condições necessárias para o desenvolvimento da luta pela

terra e, consequentemente, para a territorialização do Movimento através da criação de três

Assentamentos e dois Acampamentos que hoje compõem o processo de espacialização do

campesinato na região, incluindo o Assentamento em estudo nesta pesquisa.

3.1 A produção do espaço no assentamento Santa Maria

A espacialização do MST na região em estudo se inicia através de uma ocupação

massiva que o Movimento realiza em 1998 e que deu inicio ao processo de luta pela terra.

Esta ocupação chegou a contar com 200 famílias, como nos relatam lideranças do MST na

região. Fernandes (2000) divide as ocupações realizadas pelo MST em dois tipos, a saber: i)

de uma única área que tem o objetivo de alcançar o assentamento de um número determinado

de famílias e ii) ocupações massivas que tem o objetivo de assentar um grande número de

famílias em diversas áreas reivindicadas para reforma agrária. Neste segundo tipo, a

intencionalidade da ocupação deixa de ser somente o assentamento de um número

determinado de famílias e passa a ser o assentamento de todas as famílias que compõem

aquela ocupação, concluindo somente quando todas as famílias acampadas forem assentadas.

Em geral, as ocupações massivas dão lugar a vigorosas lutas pela terra, criando as condições

identitárias para que os sujeitos que dela participem desenvolvam relações de solidariedade

que vão para além do objetivo inicial de conseguir um pedaço de terra, somente cessando a

luta quando todas as famílias estão assentadas. Esse processo de espacilização representado

pela ocupação de tipo massiva é uma forma de organização que “intensificou a

territorialização da luta (FERNANDES, 2000, p. 74)”.

Com a criação deste acampamento massivo, o MST pode entrar em luta pela terra

tendo como garantia a sua espacialização na região, conquistada com uma ocupação de uma

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área pertencente à PETROBRÁS que faz limite com os latifúndios indicados para que fossem

reformados. Assim, ao sofrerem despejos e reintegrações de posse, as famílias voltavam ao

acampamento e reiniciavam o processo de organização para seguirem em luta, para se

territorializarem.

Um exemplo de como se deu este processo é percebido no trabalho de Leandro (2011)

sobre um dos Assentamentos que compõem a região em estudo, onde a autora identifica três

reintegrações de posse ocorridas no Assentamento Nova Panema, localizado nas

proximidades do Assentamento Santa Maria (ver Figura 01). A cada reintegração, algumas

com relatos de abuso policial, cresciam a identidade com o Movimento e a determinação de

seguirem em luta até alcançarem seus objetivos. Em conversa com uma das lideranças deste

acampamento massivo, A.M. relata que:

Teve um dia depois de uma desocupação

4 que chegamos aqui no acampamento,

eram umas nove horas da noite. Passamos o dia inteiro na labuta da luta, menino

correndo, mulher chorando, mas ninguém passava aperto. Se tivesse um ovo, a gente

dividia por todo mundo do acampamento e ninguém ficava sem comer. Eu te digo

que não teve um dia que alguém foi dormir aqui precisando de alguma coisa, a gente

dividia tudo o que tinha, eu podia ficar sem nada, mas não deixava ninguém passar

necessidade (informação verbal5).

Também Farrán (2012) aponta a ocorrência de uma reintegração de posse ocorrida

nesta mesma área em que foi “destruída toda a estrutura formada no acampamento, os

barracos de lona, a plantação de milho e amendoim (perto de poderem ser consumidos) foram

arrancados e a escola feita de barro também foi destruída” (FARRÁN, 2012, p. 48). Esta

reintegração truculenta realizada por força policial desproporcional às condições de

resistência das famílias6 denota a forma como o Estado vem tratando a questão agrária,

judiciarizando o processo de luta e buscando minguar a resistência camponesa através de seu

aparato repressor. Porém, antes de abandonarem seus sonhos, as famílias usaram esse

processo de luta como uma referência para seguirem a caminhada em busca da conquista de

terra para trabalhar.

O poeta Antônio Néri eternizou a resistência à violência policial sofrida nestas

reintegrações em um trecho de sua canção “Aguenta Coração”, como vemos nas estrofes

abaixo:

É uma calamidade

Quando chega os camburão

4 Desocupação é um termo cunhado dentro do Movimento que se remete ao processo de reintegração de posse. 5 Entrevista concedida a Rafael Sousa Rodrigues durante a realização do EIVI, em janeiro de 2011.

6 Em oficinas realizadas no Assentamento Nova Panema, famílias relatam a participação de mais de 200 policiais fortemente

armados em cerca de quatro ônibus para realizar a reintegração de posse de um acampamento de cerca de 30 famílias naquele

momento.

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Toca fogo nos barraco

E destrói a plantação

Tem que ter coração duro

Para suportar a dor

Ao ver tudo estragado

Aquilo que você plantou

Aguenta coração, aguenta coração

Tem que ter coração duro

Só Deus tendo compaixão Aguenta coração.

Letra e Música: Antônio Néri

Foi justamente este processo de luta e de resistência que foi forjando a espacialização

do MST e que manteve firme o sonho e a determinação destas famílias em permanecerem em

luta. Desta ocupação massiva foram criados três Assentamentos, sendo eles o Assentamento

Nova Panema, o Assentamento Pedrinhas e o Assentamento Santa Maria. Algumas famílias

remanescentes deste acampamento massificado permanecem ocupando uma fazenda vizinha à

área inicialmente usada para o acampamento, o Acampamento Recanto da Paz e outras

seguiram para um segundo Acampamento, o Bento.

Ao realizar uma ocupação massiva, a intencionalidade do MST é ampliar sua

capacidade de territorialização. Para tanto, antes de escolher o local onde vai iniciar sua

espacialização, o Movimento se cerca de estratégias que possam contribuir para a conquista

de terras para trabalho, para a sua territorialização. Com a experiência de luta que foi

desenvolvendo ao longo de sua trajetória, uma destas táticas é a realização de um amplo

estudo sobre a situação das fazendas próximas ao acampamento, verificando quais delas estão

passíveis para serem desapropriadas para fins de reforma agrária. Como essas informações

são de caráter público, sendo obrigação dos cartórios locais e do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ceder estas informações, e pela própria questão

agrária brasileira que possibilitou a posse da terra a inúmeros latifundiários que nada fazem

em suas propriedades, não é tarefa difícil encontrar, em uma mesma região, diversas fazendas

passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.

Uma destas fazendas improdutivas identificadas pelo Movimento é a Fazenda

cadastrada pelo INCRA com o nome de “Fazenda Santa Maria e outra” (BRASIL, 2005),

onde as famílias que compuseram a ocupação da propriedade foi formada durante o período

do acampamento massificado instalado na região, que forçou o INCRA a desapropriar três

propriedades, possibilitando assim a territorialização do MST. Uma informação sintomática

que denota o vigor desta tática de massificação-espacialização-territorialização do movimento

está contida no Relatório Agronômico de Fiscalização da “Fazenda Santa Maria e outra”.

Neste Relatório, cedido pelo INCRA para realização desta pesquisa, a equipe técnica

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responsável pelo estudo de viabilidade de criação do assentamento leva em consideração a

existência de “um acampamento de trabalhadores rurais sem terra com cerca de 80 famílias

próximo ao imóvel a mais de cinco anos (BRASIL, 2005, p. 26)”. Assim, após levantamento

das condições produtivas da fazenda, o INCRA determina a sua desapropriação para o

assentamento de “40 famílias de trabalhadores rurais na Fazenda Santa Maria e outra, com a

criação de um projeto auto-sustentável economicamente viável[...](BRASIL, 2005, p. 27),

declarando a Fazenda Santa Maria como de interesse social para fins de Reforma Agrária em

30 de junho de 2004. Este relatório, porém, só ficou pronto e foi oficializado apenas em junho

de 2005.

Grande parte das famílias que foram cadastradas pelo INCRA tiveram origem na

ocupação massificada do MST na região de estudo. Muitas delas participaram de outras

ocupações que deram origem aos assentamentos Nova Panema e Pedrinhas, como relatam

algumas famílias do Assentamento Santa Maria. Essas famílias apontam algumas decisões

que as levaram a permanecer na ocupação massificada do que se assentar nestas áreas

conquistadas. Algumas dizem que pelo tipo de cultura que preferiam trabalhar, o “sertão” do

Santa Maria seria mais propício, como no caso da caprinocultura que algumas desejavam.

Também para a criação bovina a Fazenda Santa Maria seria melhor, dizem algumas famílias,

pois já tinha pastos formados antes de virar terra improdutiva. Outras famílias precisaram

obedecer à ordem de chegada à ocupação para poder entrar na lista de famílias a serem

assentadas. Porém, o processo de territorialização das famílias na fazenda reivindicada só teve

início em 2007, nove anos após o início do ciclo de lutas do MST na região, e três anos após a

fazenda ser considerada improdutiva pelo INCRA. Á essa época após nove anos de luta e

nenhuma indicação concreta de que a fazenda viraria o assentamento, muitas famílias

seguiram para outros acampamentos ou ganharam novos rumos, castigados pela morosidade

do Estado.

Essa lentidão em resolver cada pequeno processo para a criação do Assentamento é

uma constante na vida das famílias, maltratando dia após dia os sonhos e, sobretudo, os

corpos das mulheres e homens que tanto lutam por um pedaço de terra para trabalhar. Onde

antes só havia terra arrasada, dispostos estavam a iniciar seus roçados, cultivar animais,

plantar hortas e iniciar um novo ciclo de produção e reprodução naquela terra conquistada

após anos vivendo embaixo do barraco de lona preta, mas a lentidão em resolver o processo

de desapropriação se arrastava cada vez mais. Mesmo com o Relatório de Fiscalização sendo

enfático por diversas vezes na condição de improdutividade do imóvel, passaram-se anos para

que o INCRA concluísse o processo de desapropriação.

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No relatório de Fiscalização, o INCRA assevera que “o proprietário não apresentou as

notas fiscais que comprova a venda de produtos do imóvel” sobre uma possível produção

agrícola. Atesta também que o proprietário “não apresentou as notas de vacinas, muito

embora constatamos um número pequeno de animais da raça bovina e equinos”, denotando

assim a inexistência de uma atividade pecuária produtiva no imóvel. Sobre os aspectos

sociais, afirma que a propriedade “mantém um administrador no imóvel” o que para o INCRA

seria um “número limitado de empregados” e que também não constatou a presença de algum

“posseiro residente na área do perímetro do imóvel”, concluindo então que a propriedade “não

mantém a sua função social” e que a fazenda não tem produção que favoreça “o bem estar dos

proprietários e trabalhadores” (BRASIL, 2005).

A Tabela 03 mostra a disposição da utilização da terra na Fazenda Santa Maria quando

da vistoria realizada pelo INCRA para realização do Relatório de Fiscalização.

Tabela 03. Utilização das Terras na Fazenda Santa Maria. Mata de São João/BA – 2005.

USO ÁREA

Cultura permanente 1,9529ha

Cultura temporária 0,1479ha

Pastagens plantadas 71,8767ha

Pastagem nativa 117,2280ha

Preservação permanente 154,2347ha

Inaproveitável 0,1059ha

Aproveitável mas não utilizada 76,5470ha

ÁREA TOTAL 422,0931ha

Fonte: BRASIL (2005). Org. Rafael Rodrigues, 2014.

Uma das intenções do latifundiário era a manutenção da propriedade improdutiva para

promover reserva de valor imobiliário, aguardando a valorização da área para que assim

pudesse lotear a fazenda e vender pequenos sítios. Essa informação, de conhecimento de

assentados e assentadas, é confirmada por documento apresentado pelo proprietário ao

INCRA, onde consta que o mesmo “visa o loteamento de pequenas áreas para formação de

sítios” desta propriedade que não possui nenhuma “tradição agrícola” BRASIL, 2005).

Baseado neste Relatório, o INCRA determina a utilização das terras improdutivas para

o assentamento de 40 famílias sem terra nos 422 hectares da Fazenda Santa Maria, observada

na Figura .04

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Figura 04. Poligonal do Assentamento Santa Maria. Mata de São João/BA – 2014.

Fonte: Base – SEI (2007); INCRA; DNIT (2002); Ortofoto – MME (2010).

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3.2 Caracterização física e social do Assentamento Santa Maria

O Assentamento Santa Maria se localiza na Região Metropolitana de Salvador,

município de Mata de São João. O principal acesso ao Assentamento se dá através da rodovia

BA-093, ficando o Assentamento localizado a 77 km de Salvador contados a partir do acesso

norte. Após o entroncamento para a sede do município, usa-se uma estrada municipal que dá

acesso ao município de São Sebastião do Passé, onde se percorrem 10 km da sede da

prefeitura do município até a porteira do Assentamento. Mesmo possuindo uma pequena parte

do Assentamento dentro do município de São Sebastião do Passé, é administrado pelo

município de Mata de São João, que fica responsável por atender as demandas de educação,

saúde e demais serviços públicos.

Todos os jovens em idade escolar estudam em escolas na zona urbana da cidade, que

oferece o serviço de transporte escolar duas vezes ao dia, saindo pela manhã e pela tarde.

Também regressa com os jovens, os deixando na cancela da fazenda vizinha ao assentamento,

que dista cerca de 2 km da agrovila do Assentamento. O transporte é também oferecido aos

sábados, para que as famílias possam ir à feira. Porém, este serviço tem se mostrado bastante

irregular, havendo também alguns particulares que realizam este serviço à preço que varia

desde R$ 3,50 até R$ 10,00 em 2011.

Não há serviço de saúde, tendo que as famílias recorreram até a municípios próximos

para conseguirem atendimento de qualquer ordem. Como não existem telefones públicos

próximos para entrar em contato com o serviço de emergência, os casos de acidente são

resolvidos através da solidariedade de algum assentado ou assentada que possuam carro ou

dos carros da fazenda vizinha. Assim, a população não é assistida em saúde em nenhum nível

de atenção básica.

Mesmo com uma linha de transmissão da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

(CHESF) passando por toda a extensão do Assentamento, o mesmo não possui rede elétrica,

sendo as famílias obrigadas a armazenarem seus alimentos através do método da salga e

defumação.

O Assentamento Santa Maria está localizado na Bacia do Recôncavo Norte, formado

pelos Rios Prata, Mata Escura, Cobre, Ipitanga, Pojuca, Jacuípe e Imbassaí. A área do

assentamento é banhada pelo Rio Jacumirim. No trecho em que percorre o Assentamento,

foram feitas duas pequenas barragens em seu leito, construídas quando a terra ainda era um

latifúndio. A barragem à montante do rio tem uma boa capacidade de armazenamento e, como

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relatam as famílias, mesmo nas secas mais prolongadas ela nunca secou. As famílias

assentadas utilizam a água desta barragem para diversos usos, sobretudo para higiene pessoal,

limpeza de roupas e louças e limpeza e dessedentação de equinos e bovinos. Essa utilização

tem trazido importantes impactos à barragem, chamada de “presa” pela comunidade.

Diversos assentados e assentadas relatam o intenso processo de assoreamento

percebido na presa, que, segundo contam, já não suporta mais as águas das chuvas mais

fortes, extrapolando com mais facilidade. Também por conta da utilização mista entre limpeza

de louça e outros usos, é muito comum a presença de doenças gastrointestinais em membros

da comunidade, percebido através de relatos de diarreias crônicas e queixas de cólicas

constantes. Não houve uma casa visitada onde algum membro não se referencie a estes

sintomas, sendo as diarreias bastante recorrentes em crianças e idosos. Já a barragem

localizada à jusante é de menor porte e costuma secar no período de estiagem. É possível

perceber uma diferença na grumosidade dos solos entre as duas barragens, sendo a barragem à

juzante feita em área de solo grumoso, com boa estruturação física e horizontes bem

demarcados e a barragem à montante em área de solo bastante arenoso, com poucos traços de

argila a nenhuma estruturação física e composição horizontal de solo. A água consumida é

extraída de três poços artesianos feitos pela comunidade, sendo dois à montante da presa

maior e um à jusante da presa menor, nenhum deles ultrapassando cinco metros de

profundidade a apresentando volume de água constante e de aparência límpida.

Segundo a classificação de clima proposta por Koppen, o Assentamento Santa Maria

se localiza em uma região de clima tipo, quente e úmido. O mês mais frio possui média de

temperatura superior à 18ºC e a temperatura média anual é de 24ºC. A região apresenta dois

períodos chuvosos, sendo o período chamado de chuvas de verão (ou chuva do cajú em

outubro, como relatam) que vão de outubro a março e o período chamado de inverno que vai

de maio a setembro. A precipitação média anual varia entre 1.600mm e 2.400mm com índice

de umidade média entre 20 a 40%. Mesmo sendo tipificada com uma área com risco nulo de

seca prolongada, é clara a tendência a períodos de seca mais demorados, como o percebido no

verão de 2011. Em relação ao ambiente de entorno, o Assentamento Santa Maria apresenta

uma maior aridez de clima, motivo que inclusive foi citado por famílias que preferiram

aguardar a desapropriação da fazenda para cultivarem mandioca ou iniciarem a criação ovina,

caprina ou bovina. Ao que nos parece ao fazermos observação em campo, trata-se de uma

área de sotavento onde os ventos úmidos, ao passarem pelo Acampamento Recanto da Paz e

Assentamento Nova Panema, cruzam um relevo fortemente ondulado localizado à sul do

Assentamento e descem já como ventos secos e quentes ao se expandirem. Ao encontrarem a

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área de depressão onde está a agrovila do assentamento e os quintas e áreas produtivas, chega

como vento seco provocando uma aridez maior que a de seu entorno, por isso muitos

assentados e assentadas de outras áreas se referenciam à área do Santa Maria como “sertão”.

A região onde se insere o Assentamento é formada geomorfologicamente pelo

Planalto Costeiro e pela Bacia Sedimentar Recôcavo-Tucano, limitando-se ao fazer contato

com a formação as Depressões Periféricas e Interplanálticas e com o Planalto Pré-Litorâneo.

O Assentamento é localizado em uma área bastante acidentada, sendo a agrovila, os quintas e

as áreas coletivas de produção localizados numa das poucas áreas planas, um pequeno

planalto que margeia o assentamento em sua porção leste e onde corre o Rio Jacumirim. O

INCRA classificou o imóvel como tendo 60% de suas áreas em relevo de tipo ondulado, 10%

de tipo fortemente ondulado e apenas 30% em plano e suavemente ondulado (BRASIL,

2005).

Também o INCRA detecta a existência de solos Podzólicos vermelho-amarelo

eutrófico e distrófico e moderadamente profundos, solos de tipo Latossolo vermelho-amarelo

eutrófico e distrófico e solos de tipo Glei húmico e pouco húmico (BRASIL, 2005). Em geral

estes solos são de média ou baixa fertilidade, porém de boa drenagem e boa profundidade,

sendo rara a ocorrência de solos pouco profundos na área, se restringindo apenas a duas áreas

de vertente de pequenos morros do assentamento, a que os assentados e assentadas se referem

como “cascalheiras”. Uma delas se localiza dentro da agrovila.

A tipificação vegetal é de Floresta ombrófila densa, sendo considerada uma área de

remanescente de Mata Atlântica, porém bastante antropizada. Como o latifúndio improdutivo

que compõe a área que hoje é o assentamento possuía pastos, a revegetação espontânea foi se

iniciando dando origem a dois estágios de reflorestamento: a “capoeira braba” a que a

comunidade chama as áreas em estágio de sucessão mais avaçada e a “capoeirinha”, onde a

mata ainda não se encontra muito adensada. Em ambas as áreas notamos a forte presença de

espécies pioneiras, como a imbaúba, a biriba, a candeia e o pau-pombo, que são encontrados

em abundância. Também é possível notar, sobretudo nas áreas de encosta de morros a

presença muito grande de piassava e dendê, que colonizaram grandes vertentes que foram

desmatadas no assentamento. Alguma área de vegetação mais preservada é encontrada na

parte central do assentamento, mas se restringem a pequenos fragmentos de topo de morro ou

de encostas com forte declividade. Estas áreas podem ser acessadas pela estrada interna do

assentamento que leva ao Acampamento Recanto da Paz e para outra estrada municipal

localizada ao sul do Assentamento Santa Maria.

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Restritos a estas áreas, também são escassos os animais típicos do bioma da Mata

Atlântica. Porém, ainda se encontra com cerca recorrência o viado-do-mato, o tatu, algumas

espécies de primatas, roedores (em maior número a preá), raposa e o gato do mato. A

ictiofauna é bem restrita, sendo encontrada a tilápia, a piaba e um tipo pequeno de bagre nas

duas presas do Assentamento. No Rio Jacumirim, em sua parte mais afastada da agrovila,

encontramos algumas espécies de crustáceos, denotando a influência de restinga e manguezal

na área em estudo. Há a presença de répteis diversos, como algumas espécies de cobra e a

ocorrência frequente de teiús, alguns de porte grande, como pudemos presenciar durante

algumas madrugadas em que incursionamos pela estrada de acesso ao Acampamento Recanto

da Paz. As principais aves vistas no Assentamento são Sanhaços, Caga-sebos, Sabiás, Bem-te-

vis, Anúns, Periquitos, Jandaias, Papagaios, Falcões e Gaviões, como informado pela

comunidade.

3.3 A questão sócioprodutiva

Como indicamos anteriormente, mesmo tendo sido decretada como uma fazenda que,

por não cumprir a função social da terra prevista pela legislação brasileira e por isso deveria

ser destinada para fins de reforma agrária ainda em junho de 2004, os anos foram se passando

e a área permanecia nos trâmites da burocracia, não sendo autorizada sua ocupação pelas

famílias sem terra que reivindicaram a propriedade para que nela pudessem trabalhar.

Neste ínterim, as famílias permaneciam residindo de maneira provisória em outros

acampamentos e assentamentos da região, à espera de uma posição do governo para que

iniciassem a construção de seus barracos e pudessem também iniciar suas roças e suas

criações. Porém, somente após pressão do MST é que o processo de consolidação do

Assentamento foi andando, tendo sido necessária a ocupação da propriedade no dia 04 de

março de 2007, após as famílias terem tido acesso ao processo de desapropriação e reconhecer

que o mesmo se encontrava travado na burocracia do Estado. Se até então a luta havia sido

difícil para as famílias fossem assentadas, a ocupação da fazenda deu início a mais um longo

período de negligência por parte do Estado, tornando ainda mais árdua a luta por permanecer

na terra conquistada.

Foi justamente neste período que as famílias receberam o único crédito de assistência

produtiva, que é o crédito chamado de “lona preta”. O crédito popularmente chamado de

“lona preta” é uma linha de crédito oferecida pelo Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF) unicamente para famílias beneficiárias de reforma agrária. O

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crédito “lona preta” consiste no financiamento – ou compra direta via associação – de

materiais necessários para construção de casa em estrutura provisória, cercamento da área de

cultivo ao redor da casa e compra de alguns implementos agrícolas como facão, foice, enxada,

carrinho de mão e demais materiais necessários à produção. No caso do Assentamento Santa

Maria, as famílias receberam diversos kit´s iguais com estes materiais, e deram início aos

barracos de lona preta e cercamento da área de quintal. Esse crédito é usualmente chamado

pelas equipes de assistência técnica e extensão rural (ATER) como “crédito instalação”,

voltado para a construção de um local de moradia e produção provisório. Esse crédito tem o

caráter de inaugurar uma fórmula progressiva de acesso à crédito oferecido pelo PRONAF,

sendo o primeiro de um ciclo de créditos que visam desenvolver a capacidade produtiva das

famílias que o acessam. Passados sete anos do recebimento deste crédito, nenhuma família

recebeu mais recurso para a produção e ainda vivem nos mesmo barracos de lona preta

construídos em 2007.

A falta de acesso ao crédito e à Assistência Técnica para a produção é apontado pelas

famílias como uma das principais causas para a dificuldade na geração de renda que as

famílias vêm enfrentando dentro do Assentamento. A partir de dados coletados através da

aplicação de um questionário socioprodutivo elaborado e aplicado pela equipe executora do

“Programa de Formação de Tutores em Agroecologia” poderemos ter uma visão mais clara da

condição produtiva das famílias do Assentamento. Este questionário alcançou 19 das 20

famílias que declararam residir permanentemente no Assentamento. Em 2013, eram 36

famílias cadastradas no INCRA como beneficiárias do Projeto de Assentamento, porém, dada

as condições precárias a que estas famílias estão submetidas, muitas delas ainda residem em

cidades vizinhas para conseguirem gerar a renda necessária para sua manutenção, residindo

no Assentamento de maneira parcial. Das 36 famílias cadastradas como beneficiária do

programa de reforma agrária do INCRA, 12 famílias participaram de todo o processo de

ocupação iniciado em 1998, sendo o restante das famílias provenientes de outros

acampamentos mais distantes, como um acampamento em Monte Gordo onde as famílias

sofreram sucessivos despejos, no município de Arembepe. O objetivo do questionário era

fazer um levantamento das condições de vida das famílias que residem permanentemente

dentro da área, por isso descartamos a aplicação do questionário ao número total de

beneficiários e nos detivemos apenas naquelas famílias que lutam para permanecer na terra.

Sobre a oferta de crédito para a produção no Assentamento, alguns dados alarmantes

nos chamaram a atenção, e denotam sobremaneira o esquecimento por parte do Estado para

com a política de Reforma Agrária. Mesmo com 63% das famílias terem afirmado que

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pretendiam obter crédito para a produção, nenhuma família foi beneficiada com crédito

produtivo. Nenhuma delas sequer afirmou conhecer alguma política de financiamento para a

produção ofertada pelo governo. Sobre as políticas de compra direta da produção familiar,

como os programas ofertados pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), apenas

duas famílias conheciam alguma delas, tendo as duas famílias citado o Programa de

Aquisição de Alimentos (PAA). Porém, nenhuma família pode acessar estes programas de

garantia de compra da produção familiar oferecido pelo CONAB. Saberemos por que.

O fator fundamental que leva a essa desassistência creditícia e que joga para baixo as

possibilidades de geração de renda no assentamento está na falta completa de

acompanhamento técnico das famílias por parte dos órgãos públicos que têm por obrigação

fazê-lo. Nenhuma família do Assentamento está sendo atendida por programas de Assistência

Técnica e Extensão Rural (ATER) seja do INCRA, seja do estado através da Empresa Baiana

de Desenvolvimento Agropecuário (EBDA) ou mesmo através da prefeitura por meio de sua

secretaria de agricultura. Esse abandono se reflete através de dados que coletamos com o

questionário, onde apenas duas famílias disseram saber o que é a Declaração de Aptidão ao

PRONAF (DAP) e onde constatamos que nenhuma família a possui. A DAP é um

instrumento que certifica a condição de agricultor ou agricultora familiar e é instrumento

jurídico fundamental para o acesso às políticas de apoio à agricultura familiar do governo,

como o PRONAF e os programas de compra direta da produção familiar como o já citado

PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A emissão da DAP é uma

atribuição da ATER, e sem a mesma a família não pode acessar o crédito nem os canais de

compra institucional do governo. Não só a emissão, como é também função da ATER

promover oficinas de capacitação para que o público beneficiário das políticas de

financiamento da agricultura familiar conheçam as ações de assistência ofertada pelos

governos em todas as esferas.

Os instrumentos de compra direta da produção familiar foram uma conquista da

pressão que os Movimentos Sociais exerceram sobre o governo a fim de buscar políticas que

dinamizassem a produção das famílias camponesas, criando as condições para o

desenvolvimento social e econômico das mesmas ao mesmo passo em que amplia também a

oferta de alimentos à população no campo e na cidade. Porém, sem uma ATER decidida a

promover as condições necessárias para que essa produção consiga acessar os canais de

compra governamental, torna-se impossível às famílias produtoras realizarem a venda ao

governo. Isso se dá tanto no âmbito jurídico, sendo a DAP uma condição para a venda, como

também no plano técnico.

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Produzir sem recursos é uma tarefa inglória. Cansa o corpo e a mente de quem vive sol

a sol batalhando dias melhores e encontrando dificuldades que superam sua capacidade de

resolução, como é o caso da emissão da DAP, obrigação dos órgãos responsáveis pela

agricultura familiar. Mesmo após o campo brasileiro ter passado pela propalada “Revolução

Verde” que traria a “modernização” da agricultura, as famílias do Assentamento Santa Maria

ainda produzem o seu sustento através de instrumentos que a humanidade produziu ainda na

sua fase neolítica, quando a forja dos minerais significou uma revolução produtiva na

agricultura. Pois é ainda esta a tecnologia empregada no cultivo dentro do Assentamento: a

foice, o facão, a enxada.

Outro fator que ajuda a comprimir a capacidade de geração de renda é de fundamental

interesse neste estudo. Quando o INCRA determina a criação de um assentamento, a primeira

medida adotada é a divisão do antigo latifúndio em lotes para que as famílias possam iniciar a

produção. Essa divisão do latifúndio se dá basicamente em três unidades produtivas: a

agrovila, os lotes familiares e as áreas de produção coletiva. Preocuparemo-nos agora com os

dois primeiros.

Uma forma histórica de organização espacial proposta pelo MST para a conformação

geográfica das famílias é a criação de agrovilas dentro dos assentamentos. As agrovilas são

formadas pelo conjunto de casas e respectivos quintais das famílias assentadas. A criação das

agrovilas foi pensada pelo Movimento para poder facilitar a articulação política das famílias,

criando um espaço de interação social onde o debate sobre as necessidades e tarefas das

famílias pudessem ser realizadas cotidianamente, favorecendo a organização social e política.

Assim, buscou-se combater a ideia de loteamento proposto pelo Estado que visava

transformar o assentamento em uma reunião de pequenos sitiantes, cada um com sua demanda

e sua forma de resolvê-la. A agrovila passou a ser então o espaço de reprodução social das

famílias, onde de maneira coletiva as mesmas organizavam as necessidades e demandas de

cada área, ao invés de viverem isoladas dentro dos lotes proposto pelo INCRA para os

assentamentos. São áreas pequenas compostas pela casa e um quintal que busca atender as

necessidades imediatas das famílias, como a criação de galinha ou o plantio de hortaliças. No

caso do Assentamento Santa Maria, a agrovila é composta por lotes de aproximadamente

300m².

Já os lotes são as unidades voltadas para a produção em maior escala, e visa suprir a

necessidade de geração de renda das famílias. É onde está a produção voltada para a

comercialização e onde se cultivam espécies que demandam uma área de produção maior,

como a mandioca, o feijão e o milho, ou destinada à produção animal de médio e grande

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porte, como a criação bovina, ovina ou caprina. Os lotes são divididos através de critérios

técnicos adotados pelo INCRA, que leva em conta variáveis como a declividade do terreno, a

existência de áreas de preservação ambiental e a fertilidade do solo, a exemplo. Assim, um

assentamento pode ter lotes de diferentes tamanhos, onde o INCRA busca compensar os

pontos negativos de algumas destas variáveis através da determinação de lotes maiores,

tentando garantir a capacidade produtiva de todos os lotes. Os lotes do Assentamento Santa

Maria deverão ser criados tendo uma média de 14 tarefas cada. Cada tarefa equivale a 0,3025

hectares. Cada lote do assentamento terá então aproximadamente 4,25 hectares. Essa

informação não foi encontrada em nenhum documento oficial do INCRA, tendo sido coletada

junto às famílias que por sua vez ouviram de fontes do INCRA a informação.

A organização do assentamento em lotes, agrovila, áreas de produção coletiva e

demarcação de áreas a serem preservadas cabe unicamente ao INCRA, que através de

medição topográfica e referenciamento cartográfico digital elabora toda a organização

espacial do assentamento. Para não haver suspeita de beneficiamento por parte de alguma

família, que pode conseguir um lote próximo à um curso d´água, à estrada de acesso ou

demais fatores positivos, os lotes são determinados através de sorteio, onde cada família

recebe um número, e depois, de forma aleatório, o INCRA enumera os lotes e agrovilas.

Assim, cada família conhece sua área de moradia e produção. Essa foi uma forma que foi

construída dentro do Movimento para evitar suspeitas de favorecimento. Não é incomum

verificarmos casos onde a comunidade decide realizar trocas de lote, geralmente em favor de

pessoas mais idosas ou com dificuldades financeiras ou físicas, as colocando em lotes mais

próximos à agrovila ou lotes mais produtivos. Essa decisão é sempre tomada em assembleias

feitas pelas comunidades.

Fato é que o INCRA, de posse do Relatório de Fiscalização que determina a

improdutividade do latifúndio comprovando que o mesmo vem descumprindo a legislação

referente à utilização produtiva da propriedade emitido em junho de 2004, até agosto de 2013

não havia realizado a divisão do assentamento em lotes. Assim, circunscritas à 300m², as

famílias do Assentamento Santa Maria vão lutando a cada dia para conseguirem produzir e se

reproduzir através do trabalho na diminuta porção de terra onde podem cultivar.

Pelas entrevistas e pelo trabalho de campo que viemos realizando junto à comunidade,

pudemos perceber que mais do que o acesso ao crédito e à ATER, esse tem sido o principal

fator impeditivo para que as famílias possam aferir do trabalho dentro do assentamento uma

renda que as possibilite viverem dignamente através da produção rural, como lutam e sonham

desde 1998.

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Como a definição do lote se dá através de sorteio, as famílias preferem aguardar a

definição oficial do INCRA antes de iniciarem um plantio do que ter a possibilidade de terem

suas áreas sorteadas à outras famílias. O órgão, por sua vez, não se responsabiliza por

qualquer beneficiamento realizado antes da divisão, como a abertura de áreas de plantio ou o

cercamento de uma determinada área para produção ou criação. Isso vem impossibilitando

que as famílias possam se territorializar para além da agrovila.

Sobre isso, em entrevista, um assentado que foi designado pela comunidade para

acompanhar junto ao INCRA o processo de divisão da propriedade em lotes afirma:

Todo mundo que não trabalha acha que as coisas são fáceis aqui no campo. Acha

que aqui tudo é: olhou, tá feito. Eu sei quanto foi que eu ralei pra beneficiar quatro

tarefa de terra ali. Nós é quem sabe. Pra depois de pronto...Então quer dizer, e se no

caso eu já tivesse beneficiado essa terra, quer dizer que meu trabalho todo ficava

perdido, por que quem vai pra aquele lugar é fraco igualmente a mim, não tem

condição de pagar minha mão de obra, e é cara. Então eu perdia. Então isso é o que

está desmotivando a maioria dos posseiro trabalhar é isso aí, por que eles não defini,

por que se eles já tivesse vindo demarcar, pode ser uma tarefa, seje, duas seje dez,

seje o tanto que for: “oi: é aqui ó!. Bote seu piquetinho7 aqui, um aqui, um aqui, um

aqui. Pronto! Aqui é seu lote!” Pode ser uma tarefa, mas você vai trabalhar

despreocupado, por que você sabe que é ali: é seu espaço. Aí quando vier o sorteio,

eu vou pegar uma mata bruta, e deixar uma outra que eu já amansei toda, aí eu vou

começar a fazer tudo de novo. O cara que vem não vai ter condições de pagar o meu

benefício, isso desmotiva. Agora eu como já to aqui né, vou fazer mais o que? Ficar

aí e esperar ver até o dia que eles achar que deve decidir eles decide (informação

verbal)8.

Consultada sobre essa questão, a equipe técnica do INCRA responsável pelo setor de

cartografia do órgão afirmou a existência de um contrato com uma empresa que seria

responsável pelo levantamento cartográfico e demarcação de diversas propriedades que

estavam em processo de desapropriação, na qual se incluía a Fazenda Santa Maira. Porém, a

execução do serviço estava ocorrendo de maneira insatisfatória e o contrato foi desfeito.

Porém, até a data da pesquisa não havia indicação de resolução deste problema. Segundo

relata o entrevistado, a comunidade se mobilizou para abrir trilhas dentro da fazenda à espera

do processo de demarcação dos lotes, algumas visitas foram realizadas, mas, segundo conta

“depois disso já tem uns quase três anos e nunca mais aconteceu” (informação verbal).

Esse processo tem imposto dificuldades para que as famílias passem a ter autonomia

no processo de decisão sobre a utilização do território por que tanto lutaram. Desta maneira, o

7 O termo usado por F.A. quando se refere à “piquetinho” diz respeito aos marcos geodésicos instalados pelo INCRA no

processo de demarcação dos lotes, e é usado para a realização da divisão do assentamento nas diversas unidades que o

compõem. 8 Entrevista concedida por F.A. [ago.2013]. Entrevistador: Rafael Sousa Rodrigues. Mata de São João, 2013, 1 arquivo .mp3,

(46min).

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processo de territorialização é, a nosso ver, incompleto na medida em que não existe ainda a

soberania sobre a terra conquista.

Assim, as famílias assentadas precisam se remeter às instâncias de decisão do

Movimento para poderem plantar na terra. Esta solicitação é decidida pelos coordenadores do

MST na região, e é mediada pela situação levantada por F.A. quando o mesmo fala da

impossibilidade em que as benfeitorias realizadas pelas famílias sejam ressarcidas por quem

foi sorteado para o lote beneficiado. Essa é uma situação que gera conflitos graves dentro dos

assentamentos, de maneira que o MST orienta o plantio para as famílias. Porém, faz reiteradas

ressalvas sobre a forma de sorteio e a impossibilidade de remuneração pelo trabalho

desprendido pela família no cuidado com o lote “provisório”.

Esse fato é percebido na entrevista que realizamos com F.A., que explica a situação

das famílias que estão nesta condição, quando diz que:

Até hoje não tem ninguém com lote dividido. Até hoje não tem. Há alguém que tem

alguma coisinha plantada aí...o cara fez no peito e na raça. Entendeu? No peito e na

raça, por que até hoje não tem lote definido pra ninguém aqui. Por que quando ele tá

definido ele tá demarcado em piquete, e aí não tem nada disso. Eu pedi uma

autorização pra fazer uma roça provisória. Pedi uma autorização aos nossos

representatantes, então eles autorizou a gente a fazer uma roça provisória até que o

INCRA demarcasse os lote, que essa demarcação até hoje nós espera por ela e (bate

com as costas das mãos) ainda não foi feito isso (informação verbal).

Sem ATER, sem crédito e com sua área de produção agropecuária limitada apenas à

agrovila de cerca de 300m², a produção e a capacidade de geração de renda das famílias do

Assentamento Santa Maria apresenta dados preocupantes. Perguntadas sobre a

representatividade da renda familiar gerada a partir da produção aferida dentro do

assentamento, 63% das famílias entrevistadas afirmaram não gerar renda alguma a partir da

produção dentro do Assentamento. Do restante das famílias, 31% afirmaram produzir até 25%

da renda mensal a partir da produção agrícola e apenas uma família asseverou gerar entre 26 a

50% da renda mensal através da produção realizada dentro do Assentamento. Esta última é

justamente umas das famílias que produzem no lote provisório.

Mesmo com as condições de produção limitadas pela ineficiência do Estado em

promover ações de caráter produtivo, no tocante à produção de alimentos destinados à

soberania e segurança alimentar das famílias, percebemos que a mesma é em boa medida

suprida pelo trabalho familiar nos quintais da agrovila. Das 19 famílias entrevistadas, 57%

delas garantiram suprir mais de 50% da alimentação semanal através da produção do quintal,

e 15% asseveraram produzir mais de 76% da alimentação semanal. Consideramos esse dado

significativo dada as péssimas condições de produção percebidas dentro do Assentamento.

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Porém, é ainda insuficiente para garantir a segurança alimentar, tornando a complementação

da renda através de outras fontes de trabalho uma necessidade para as famílias assentadas.

Esta complementação da renda necessária à manutenção das famílias residentes no

assentamento é feita através de duas fontes. Uma destas fontes de renda são os benefícios de

assistência social ou aposentadoria. Das famílias entrevistadas, 52% afirmou receber algum

benefício social ou aposentadoria. Das 48% das famílias restantes, grande parte afirmou ter

renda mensal inferior à um salário mínimo, sendo necessária a realização de trabalho fora da

propriedade para poder gerar a renda suficiente para a manutenção das famílias.

Este trabalho remunerado fora da propriedade é uma realidade para a maioria das

famílias assentadas, e coloca uma questão central para a compreensão do processo de

territorialização das famílias dentro do assentamento. Mesmo tendo permanecido em luta para

conseguir produzir a vida a partir da produção agropecuária, muitas famílias ainda dependem

de uma gama de atividades produtivas realizadas fora do assentamento para poderem suprir

suas necessidades. Desde o trabalho doméstico realizado em casas de Salvador e Candeias até

o trabalho rural realizado em propriedades vizinhas, a incompletude da regularização

territorial do assentamento segue ainda colocando desafios às famílias camponesas que

permanecem na terra, que seguem lutando para territorializar sua forma de produzir na terra.

3. 4 Entre a “recamponização” e a “recampesinização”

Em entrevistas e conversas com as famílias acampadas, constatamos que a maior parte

do trabalho rural realizado fora do Assentamento se dá no latifúndio vizinho ao

Assentamento. Ao longo do tempo em que viemos acompanhando esta comunidade,

percebemos também uma significativa alteração no tipo e na oferta deste trabalho

complementar realizado neste latifúndio.

O latifúndio que faz limite com a comunidade é uma antiga fazenda desde muito

subutilizada, como relatam moradores da região que já conheciam a propriedade. Foi uma

antiga fazenda de gado que, desde a morte de seu proprietário, passou a ser administrado por

sua filha e por um gerente que adotaram duas atividades principais. Uma delas foi um

criatório para engorda de porcos, onde a fazenda comprava os itens utilizados na alimentação

do animal e elaborava a ração através de uma pequena fábrica de ração e a outra era o aluguel

de pastos para a criação bovina. Estas atividades atingiam uma área muito pequena da

propriedade como um todo.

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Desde o processo de espacialização do MST na região que esta fazenda estava sendo

estudada para que fosse requerido o processo de desapropriação por descumprimento de sua

função social. Nos últimos anos, por conta de uma série de despejos sofridos por outros

acampamentos em municípios vizinhos como Pojuca e Candeias, esta área voltou à pauta de

ocupações para que pudesse dar lugar ao assentamento das famílias Sem Terra.

Porém, antes que o Movimento inicia-se o processo de organização das famílias para

proceder a ocupação e subsequente intervenção judicial solicitando o julgamento das

infrações legais a que a fazenda estaria incorrendo, a proprietária da fazenda arrendou as

terras não aproveitadas para uma grande empresa do agronegócio.

De posse de financiamento público ofertado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), esta empresa iniciou o processo de transformação da fazenda

em uma vasta plantação monocultural de eucalipto, conforme verificamos nas fotos 01 e 02.

Como pudemos acompanhar, a partir de março de 2012 a empresa iniciou o preparo da terra

aplicando o receituário da “Revolução Verde”. De início, através da utilização de tratores de

esteira realizou o desmate de todos os pastos que ainda contavam com várias árvores onde os

animais se alimentavam e descansavam. Esse desmate atingiu também pequenos fragmentos

florestais isolados que havia na fazenda. Em um segundo momento, a partir de maio de 2012,

deu início à utilização de tratores equipados com subsoladores que fizeram enormes sulcos em

toda a área. Ao mesmo passo, realizou a calagem do solo e a utilização intensiva de

fertilizantes, o qual tinha suas sobras abandonadas na estrada ou em áreas não aproveitadas da

fazenda. Em junho todas as mudas, de cerca de 1,5 metro, já haviam sido plantadas com

espaçamento adensado de 2,5 metros entre fileiras e 4 metros entre ruas. Com os eucaliptos

plantados, a mata devastada e o solo impactado pela utilização de agroquímicos em larga

escala, iniciaram a utilização de produtos agrotóxicos para o combate de formiga, que se

tornou bastante frequente na produção. O combate à formiga foi feito através da identificação

dos formigueiros e aplicação direta de formicidas a base de produtos organofosforados e

através da utilização de um trator equipado com uma bomba de irrigação que pulverizava toda

a produção com outro agrotóxico que não pudemos identificar. Esta aplicação era feita por

trabalhadores rurais que não utilizavam nenhum equipamento de proteção individual, tendo

sido observado, por mais de uma vez, o manuseio desta bomba de irrigação por trabalhadores

sem camisa e máscara de proteção. A comunidade também denunciou a utilização de aviões

na aplicação de produtos agrotóxicos sobre a produção de eucaliptos.

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Fonte: próprio autor.

Figura 05. Placa indicativa do monocultivo de eucalipto. Mata de São João/BA – 2013.

Fonte: próprio autor.

Figura 06. Monocultivo de Eucalipto à juzante de manancial. Mata de São João/BA – 2013.

O latifúndio, antes improdutivo, em cerca de cinco meses se transformou num

monocultivo de eucalipto. Esse processo impediu, ao menos momentaneamente, a ocupação

da propriedade pelo MST, que segue com um acampamento de cerca de 40 famílias próximo

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à propriedade. Essas famílias vieram de dois acampamentos e hoje estão alocadas dentro de

uma área cedida pelo Acampamento Recanto da Paz, e seguem à espera de uma decisão

judicial para que possam ser assentadas na propriedade que reivindicam a desapropriação, que

já fazem cinco anos.

Esta empresa, que passou a ter o controle de uma grande parte da fazenda, produz

energia através de biomassa, sobretudo a partir do eucalipto. É uma das maiores empresas do

setor, tendo somado vultosos recursos para sua instalação na região, onde ira instalar uma

usina de geração de energia que terá como cliente principal a DOW, gigante do setor

agroquímico. Assim, o latifúndio improdutivo se torna área de produção do que existe de mais

poderoso no setor do agronegócio, que em menos de cinco meses já havia modificado

completamente a paisagem e se territorializado com todos seus signos: monopólio da terra,

utilização de produtos agrotóxicos, precarização do trabalhador, produção de commodities e

destruição da natureza e recursos naturais.

Tendo sua capacidade produtiva sobejamente diminuída dentro do Assentamento pelos

motivos que expomos, a única alternativa que resta às famílias do Assentamento Santa Maria

é seguir necessitando voltar à condição de trabalhador rural em latifúndios vizinhos, em

especial neste monocultivo de eucalipto, onde fazem trabalhos diversos como o reparo de

cercas e a aplicação de agrotóxicos. Em muitas destas famílias, este trabalho tem sido a

condição necessária para que permaneçam dentro do assentamento, tentando se reproduzir

como camponeses.

Essa questão é fundamental para compreendermos o processo de reprodução

camponesa dentro do Assentamento. Ao realizar este trabalho fora da propriedade, estas

famílias buscam se capitalizar para que possam melhorar as condições de produção dentro de

seus lotes e quintais. Ou seja, o trabalho no latifúndio do agronegócio se tornou uma condição

necessária à reprodução destas famílias camponesas, subvertendo o sonho de luta que

empreenderam ao conquistar a terra para dela tirar seu sustento.

Podemos perceber essa condição em entrevista que realizamos com o assentado J.R.,

que é de uma das famílias que fizeram parte do acampamento massificado e que permanece

até hoje dentro do Assentamento. Segundo nos relata J.R. sobre a condição de sua família

quando realizamos a entrevista, ele nos diz que:

Agora tá melhorando pois o gerente aí da fazenda voltou a chamar a gente pra

trabalhar lá, nesses eucalipto aí. Aí tá dando pra botar uma mistura9 dentro de casa.

Essa semana mesmo eu já fui três vezes fazer um serviço na cerca, eu e mais uns

dois daqui do assentamento. Tá dando pra tirar uns 40 conto por dia que

9 “Mistura” é o termo usado na região de estudo para se referir ao consumo de proteínas de origem bovina

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trabalhamos, aí já deu pra fazer uma cerquinha lá no qiuntal, que os bicho tava

comendo o tomate todo...e aí a gente vai se virando né? O que não pode é ficar

parado! (informação verbal10

).

Essa condição nos remonta à análise da questão agrária presente em Kautsky (1968)

quando afirmava que a baixa capacidade técnica das propriedades camponesas e o tamanho

reduzido de suas áreas de exploração agrícola terminavam por impô-los uma condição de

subserviência e complementaridade em relação ao grande latifúndio. No caso em estudo,

compreendemos que esse processo é oportunizado pela ineficiência na regularização

territorial do assentamento a falta completa de ATER para as famílias. Esse processo tem

gerado uma territorialização incompleta dos camponeses e camponesas que, ao não

conseguirem se reproduzir a partir do trabalho na terra, necessitam vender sua mão de obra ao

latifúndio do agronegócio para que sigam na condição de camponeses e não necessitem

abandonar o assentamento em busca de trabalho. Utilizam inclusive os recursos extraídos a

partir do trabalho precarizado no agronegócio para poderem investir em melhorias nas suas

capacidades produtivas, tentando criar as condições para que permaneçam como famílias

camponesas.

Percebemos que mesmo após a conquista da terra, o campesinato segue em luta para

“entrar na terra” como aponta Martins (1981). Nessa trajetória, o campesinato tenta se

reproduzir como fruto das contradições do processo desigual e combinado do

desenvolvimento do capitalismo. Se, num momento anterior, foi o latifúndio e a expansão

capitalista que produziu os Sem Terra, é ainda o latifúndio monocultor que permite a sua

reproduz em um Assentamento que, passados quase dez anos de seu reconhecimento,

permanece ainda sem capacidade produtiva.

E é sobretudo esse processo que gera conflitos na medida em que as famílias

camponesas ainda não efetivaram a soberania política sobre aquele território conquistado,

gerando um processo parcial de territorialização de seu modelo de reprodução da vida.

Fernandes (2005) reconhece que a soberania é uma característica do território, sendo um

agente gerador de conflitualidade na disputa por território. É a partir desta soberania sobre o

território que uma classe consegue fazer-se realizar, imprimir naquela porção de terra a sua

visão de mundo e sua projeção de futuro, territorializando-se, assim. Este processo conflitivo

se dá, sobretudo, na disputa por soberania sobre o território Para o autor:

A conflitualidade é concebida como um conjunto de conflitos que constitui um

processo gerador e indissociável do desenvolvimento na disputa territorial. É um

processo de enfrentamento permanente que explicita o paradoxo das contradições e

as desigualdades do sistema capitalista, evidenciando a necessidade do debate

10 Entrevista concedida à Rafael Sousa Rodrigues em 08 de agosto de 2013.

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constante, nos planos teóricos e práticos, a respeito do controle político produzindo

espaços e territórios heterogêneos (FERNANDES, 2005, p 4).

Esta conflitualidade é percebida no processo de territorialização do agronegócio e do

campesinato na área em estudo. Enquanto o primeiro território, antes mesmo de iniciar suas

atividades já possuía financiamento do Estado, o segundo território, passados dez anos do

início de seu reconhecimento, seguem sem acesso a nenhum tipo de assistência, de nenhuma

ordem. Esse processo conflitivo é fruto da opção política do Estado Brasileiro em favorecer o

primeiro território em detrimento do segundo, e pode ser comprovado após os sucessivos

anúncios da oferta de crédito a ambos. No último Plano Safra do governo, dos R$ 136 bilhões

disponibilizados, apenas R$ 13,2 serão destinados à agricultura de médio e pequeno porte.

Isso é um fator impeditivo para um desenvolvimento rural de caráter camponês, pois,

sem acesso à crédito e à ATER, é impossível viabilizar estruturas produtivas que ofereçam a

condição mínima para o campesinato se reproduzir na terra. Assim, favorece a reprodução da

lógica de subserviência e dependência ao latifúndio, que denota uma contradição profunda no

caráter da luta que essas famílias empreendem a mais de dez anos.

Ao mesmo passo em que lutaram e garantiram a conquista de um território antes sob

posse do latifúndio, dele ainda necessita para que continue a se reproduzir enquanto classe

camponesa. Paulino e Almeida (2010), conceitua o processo de retomada dos territórios do

capital por parte dos camponeses como um movimento de recamponização da classe

trabalhadora do campo. Essa recamponização se dá no processo de luta pela terra, “na

derrubada das cercas e mitos da homogeneização do território, no desafio ao pacto de classe

fruto da aliança terra-capital e na presença rebelde” (PAULINO, ALMEIDA, 2010, p. 101).

As autoras reiteram, contudo, que esse não é um movimento que se encerra na ocupação e luta

por terra, sendo necessária a luta contra “a transferência compulsória da riqueza camponesa”

para que o processo de autonomia seja de fato completo e não se dê apenas na posse da terra

(PAULINO, ALMEIDA, 2010).

Ploeg (2008) conceitua como “impérios alimentares” o processo de monopolização da

produção agrícola por parte das grandes corporações do setor agroalimentar. Para o autor,

estas empresas, através da industrialização operada pelo capital que ficou conhecida como

“Revolução Verde”, passaram a dominar todo o processo produtivo aplicado à agricultura,

desde a produção até a circulação. Dar-se-ia então a condição em que o campesinato se torna

dependente destes impérios mesmo estando dentro de seus territórios, marginalizado assim a

classe camponesa e descaracterizando a sua forma de produção na medida em que

homogeneíza a agricultura em escala global, não dando espaço para especificidades regionais,

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culturais (PLOEG, 2008). O autor percebe então, como resposta à estes processo de

marginalização, a existência de um intenso processo de “recampesinização” que pode ser

identificada em todo o mundo. Essa recampesinização se dá na luta pela terra, onde o autor

destaca a atuação do MST e da Via Campesina na luta contra o monopólio das empresas do

setor, na “luta por autonomia e sobrevivência em um contexto de privação e dependência”

(PLOEG, 2008, p. 23) a que o campesinato está sujeito em todo o mundo.

Compreendemos, portanto, que a parcialidade do processo de territorialização

camponesa existente no Assentamento Santa Maria se dá na medida em que ainda não ocorre

um processo de autonomia e soberania sobre o território conquistado que possa levar à um

desenvolvimento territorial rural onde as marcas da produção de tipo camponesa possam ser

as fundamentais para a reprodução da vida das famílias assentadas. Assim, estamos diante de

um processo de territorialização parcial do campesinato, onde apesar da luta das famílias ter

garantido o domínio sobre o território, as mesmas ainda dependem do latifúndio para

seguirem ocupando aquela terra e conseguirem se reproduzir naquele território.

Essa territorialização parcial tem sua marca mais profunda na dependência ao

agronegócio, que não foi rompida com a ocupação da terra e é alimentada pelo modelo

ineficiente de reforma agrária que o estado brasileiro vem adotando, impedindo que o modelo

de produção camponesa possa se territorializar junto com as famílias, gerando esse processo

conflitivo com o agronegócio e impedindo o desenvolvimento rural do Assentamento. Sobre

isso, o assentado F.A. coloca que:

Eu sei que vai chegar o ponto sabe de quê? Desses assentamentos de Sem Terra,

sabe no quê que vai resultar isso no fim? Isso não vai demorar não e eu acho que isto

já está acontecendo. Esse povo que eles engana, como nós tudo tamo enganado aqui

dentro, só para tomar conta da terra do governo. Por que eles mete o meio ambiente

em cima, não dá recurso para a produção, o senhor vai ter que acatar todas as leis

que eles decretar, como você vai ficar? Por que que eles não querem abrir mão das

terras para o trabalhador? Eles não quer abrir mão Companheiro, por que o que eles

quer é trazer a gente sempre no cativeiro democrático. Sempre dependendo deles,

por que se o senhor tem uma boa produção você começa a trabalhar, começa a se

desenvolver, começa a ganhar conhecimento na sociedade, lá fora, nas alta

sociedade. Por que se o senhor se torna um produtor médio, o senhor vai ter que

pegar conhecimento para o senhor poder exportar a sua mercadoria, vender sua

mercadoria, o senhor vai pegar conhecimento com o mercado, vai pegar

conhecimento com isso, com aquilo, tal...quando pensa que não o senhor tá uma

pessoa que não vai mais depender deles. Aí vai o senhor vai eu, vai essa, vai aquele,

vai aquele...quando pensar que não eles tão de mão atada! Então se eles privatizar a

terra eles vai trazer a gente o tempo todo com as mão atada é nós. Por que se eu tiver

bons recurso, eu não vou sair pra trabalhar com a filha de doutor Rogério não! Ela

vai trabalhar pra outro fazendeiro igualmente a ela? Mas eu vou pra roça do meu

vizinho, que é pobre igualmente a mim, e meu vizinho vem pra minha. Mas um

fazendeiro, um rico não vai trabalhar pra outro não. Entendeu? Então por isso que eu

to dizendo ao senhor, que é um dependendo do outro. Você sabe por quê? Você sabe

esse “planta-pau” aí, esse cara dessa empresa, é um grande empresário esse homem.

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O dono desse negócio aí. É um grande empresário. Agora vê quanto ele tem de

funcionário pra trabalhar com esses eucalipto, Será que esses cara que trabalha pra

ele é tudo igual a ele, do nível dele? Se fosse do nível dele, tinha ninguém plantando

nem correndo atrás de formiga, entrando dentro de mato pra botar veneno. Não vai

não rapaz. E esses, e eu e outro e outros, ainda agradece, ainda dá graças a Deus de

tá ganhando esse pão de cada dia. Entendeu? (informação verbal)

O processo conflitivo entre os territórios do agronegócio e do campesinato somente

cessa através da imposição de um modelo sobre o outro. Assim, compreendemos então que a

territorialização parcial percebida na área de estudo ainda traz muitas dificuldades à

completude de um projeto camponês de desenvolvimento rural. Como pudemos perceber

através das entrevistas e com trabalhos de campo, a reprodução social de muitas famílias

ainda é dependente do agronegócio, configurando uma limitação à imposição do modelo de

desenvolvimento camponês.

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4. A Agroecologia enquanto alternativa

O descompasso observado entre a conquista da terra pelas famílias camponesas e a

impossibilidade das mesmas de se reproduzirem através de uma produção rural de tipo

camponesa expõe a persistência do conflito entre os modelos de produção rural do

agronegócio e do campesinato. Enquanto o latifúndio monocultor vizinho ao assentamento

recebeu largos recursos para sua implantação, o Assentamento segue até hoje sem recurso

produtivo, levando às famílias a venderem sua mão de obra neste e em outros latifúndios

vizinhos.

Em nossa compreensão, esse processo ocorre na medida em que ao se

territorializarem, estas famílias Sem Terra ainda não conseguiram territorializar um modelo

de desenvolvimento rural que as permita ter soberania sobre o processo de produção. Daí

falarmos em um processo de territorialização parcial das famílias, que seguem dependentes

das relações de subserviência e dependência econômica ao agronegócio.

Para Fernandes (2005), o território não significa apenas ter domínio sobre uma porção

de terra, mas também são territórios as construções políticas, sociais e culturais que cada

classe produz a partir de suas relações sociais. Assim, dá-se então os territórios materiais

(enquanto parcelas delimitadas de terra) e os territórios imateriais (culturais, sociais,

políticos), sendo uma característica dos movimentos socioterritoriais lutar pela constituição de

territórios que, para além de serem unicamente materiais, representam também a formação de

novas sociabilidades, ou seja, impõem sobre aquele território material conquistado seu campo

ideológico, seu território imaterial. Portanto, a territorialização do movimento socioterritorial

se dá a partir da conquista de soberania sobre estes “dois” territórios: materiais e imateriais.

Estes territórios distintos (latifúndio/agronegócio e campesinato) disputam não

somente o domínio sobre o território material, mas também a hegemonia sobre a política de

desenvolvimento rural a ser adotada pelo país, ou seja, disputam espaço também no campo do

território imaterial. Enquanto o território do latifúndio/agronegócio pratica um modelo de

desenvolvimento rural que tem como fundamento a monocultura para produção de

commodities utilizando pouca mão ou nenhuma mão de obra e intensa utilização de

agroquímicos, o território do campesinato propõe um desenvolvimento rural baseado em

pequenas propriedades e destinada à produção de alimentos saudáveis para garantia da

soberania e segurança alimentar da nação. Esses dois modelos de desenvolvimento

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representam, sobretudo, o território imaterial que constitui o projeto político de cada classe

para o campo brasileiro. São, portanto, modelos de desenvolvimento antagônicos.

Tendo surgido como conceito a partir da década de 1990, o modelo de

desenvolvimento do agronegócio tem suas raízes baseadas no modelo de desenvolvimento

rural americano conhecido como “agribusiness” (WELCH, 2014). De início, o termo se

referia à ampliação do processo de integração da produção agrícola ao mercado. Enquanto

modelo de desenvolvimento para a agricultura, Welch (2014) coloca que a imagem do

agronegócio foi construída para renovar a imagem da agricultura capitalista, para modernizá-

la, mas que tem sua origem ainda na plantation. Novas formas para velhas estruturas.

Essa imagem de modernidade do campo é marcada pela extensiva propaganda deste

modelo de desenvolvimento, que é apresentada “como sendo a única, melhor e mais barata

forma de produzir na agricultura (STÉDILE, 2013)”. O amplo controle de empresas

transnacionais sobre a produção e comercialização agrícola e a intensiva utilização de

insumos agroquímicos e biotecnológicos aplicados à produção marcam esta atual etapa do

desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Grande parte destas empresas transnacionais é

controlada pelo capital financeiro internacional, que no último período, a fim de minimizar as

sucessivas crises que o capitalismo vem vivendo, promoveu uma corrida em busca do

domínio dos recursos naturais e das terras agricultáveis a fim de garantirem suas taxas de

lucros.

Stédile (2013) coloca que o capital financeiro internacional utilizou vários

mecanismos para controlar a agricultura, sendo eles: i) os bancos passaram a concentrar

empresas que atuavam em distintas áreas da agricultura através da compra de ações destas

empresas e concentração das mesmas em um número menor de empresas transnacionais; ii) a

dolarização da comercialização da produção levou a um controle da política de preços a nível

mundial, facilitando a entrada e a operação destas empresas nas economias nacionais; iii) a

flexibilização neoliberal das regras de livre-comércio realizadas no âmbitos dos organismos

internacionais (OMC, Banco Mundial, FMI); iv) o crédito bancário (via capital financeiro)

para a implantação do pacote tecnológico do agronegócio e v) a liberalização da proteção

agrícola nacional e o abandono das políticas públicas para a agricultura camponesa

(STÉDILE, 2013). Exemplificando esta situação, Stédile (2007) cita o caso de uma destas

transnacionais:

Tomemos o caso da Monsanto. Vinte anos atrás, a Monsanto era uma empresa

pouco conhecida e sua atuação se restringia aos Estados Unidos. Pela ação do capital

financeiro foram concentradas e centralizadas na Monsanto, mais de 30 outras

empresas, que atuavam antes, separadas, em distintos ramos como comércio da soja,

do milho, do trigo; em laboratórios farmacêuticos, empresas de produtos químicos

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para a agricultura, laboratórios de transgenia, empresas de sementes; agroindústrias

de óleos, farinhas e alimentos em geral. Tudo isso agora está concentrado numa

única empresa: a MONSANTO. E assim aconteceu com muitos outros setores e

empresas. Como resultado desse movimento do capital, em cada área da agricultura

tem-se, agora, algumas poucas empresas que controlam tudo (STÉDILE, 2007, p.48-

50).

Essa soma de capitais e empresas do setor em torno de apenas uma grande

transnacional e o controle da cadeia produtiva possibilitado por isso forjou o chamado capital

agroindustrial. Hoje, praticamente todos os setores que envolvem a cadeia produtiva da

agricultura (insumos, maquinário, agroindustrialização, comercialização) apresentam um forte

monopólio controlado por um reduzido número de empresas transnacionais. Estima-se que as

50 maiores empresas do setor controlam praticamente toda a produção e comércio de

commodities no país (STÉDILE, 2013).

Conformado o domínio técnico/tecnológico que estas empresas promoveram na

agricultura, os anos que se seguem de meados da década de 1990 até os dias atuais é marcado

pelo violento processo de territorialização deste modelo de desenvolvimento rural. Para

Oliveira (2004) essa territorialização se dá em dois marcos. De um lado pelo domínio da terra

para nela realizar o processo produtivo na agricultura e extrair dela toda a renda que possa

produzir, num processo de territorialização do capital monopolista na agricultura. De outro

lado pela concentração e monopolização da terra (para reserva de valor, para futuras

explorações e etc.) sem, entretanto, utilizá-la para fins produtivos de imediato, no que ele

chama de monopolização do território pelo capital monopolista (OLIVEIRA, 2004).

Essa monopolização do território em mãos de empresas do agronegócio foi

possibilitada por uma aliança classista entre a burguesia internacional detentora destes novos

meios de produção na agricultura (patente das sementes, venenos, insumos, maquinário), ou

seja, as transnacionais agrícolas e o capital agroindustrial, e a fração da burguesia nacional

detentora da terra: os latifundiários brasileiros. Daí Fernandes (2005) colocar que latifúndio e

agronegócio representam um mesmo território, na medida em que possuem o mesmo projeto

de desenvolvimento rural tanto na sua faceta material (através do monopólio da terra), com na

sua faceta imaterial (enquanto modelo de desenvolvimento econômico/político). Delgado

(2013) coloca que o agronegócio:

[...]na acepção brasileira do termo, é uma associação do grande capital agroindustrial

com a grande propriedade fundiária. Essa associação realiza uma estratégia

econômica de capital financeiro perseguindo o lucro e a renda da terra sob patrocínio

de políticas de Estado (DELGADO, 2013, p.64).

A hegemonia do modelo de desenvolvimento rural do agronegócio vem causando

severos problemas sociais e ambientais ao conjunto da população brasileira. Além dos

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conhecidos problemas sociais causados pela persistência histórica do latifúndio, já debatidas

aqui, outra contradição intrínseca ao modelo de desenvolvimento rural do agronegócio diz

respeito à danosa relação com o meio ambiente. Para realizar seus lucros, o modelo do

agronegócio necessita consumir todos os produtos oferecidos pelas empresas que dominam o

setor agroquímico e biotecnológico.

Como vimos, o capital financeiro aglutinou o processo produtivo na agricultura

concentrando diversas empresas do ramo agrícola em apenas poucas empresas transnacionais

do setor agroindustrial. Assim, o modelo do agronegócio só tem sentido se passa a utilizar

todos os produtos desta cadeia produtiva, o que gerou uma extrema dependência do país aos

insumos utilizados no pacote tecnológico do agronegócio.

Para termos uma ideia da quantidade de insumos consumidos pela agricultura

capitalista praticada no país podemos observar o caso dos venenos agrícolas. Possuindo

apenas 5% da área cultivada entre os vinte maiores países produtores do mundo, o Brasil

consome nada mesmo que 20% de toda a produção mundial de agrotóxicos produzidos

(STÉDILE, 2013). Ou seja, 1/5 de toda a produção de pesticidas, herbicidas e toda sorte de

venenos produzidos pelas empresas transnacionais é, literalmente, despejado no campo

brasileiro. Desde 2008, o Brasil se tornou o país que mais consome agrotóxicos no mundo

(LONDRES, 2011). No último período, o Brasil saltou de um consumo de 599,5 milhões de

litros em 2002 para 852,8 milhões em 2010, ultrapassando os Estados Unidos na incômoda

posição de nação que mais utiliza agroquímicos em suas lavouras (ABRASCO, 2012).

Percebe-se que, enquanto o consumo mundial apresenta uma estagnação com forte

tendência à queda (visto o aumento da proibição de princípios ativos em diversos países), o

agronegócio brasileiro amplia a sua utilização. O uso indiscriminado destes produtos tem

causado sérios danos à saúde dos trabalhadores rurais, que são os principais afetados pelas

doenças ocasionadas pela exposição a estes produtos agroquímicos.

Desta maneira, compreendemos que o processo de desenvolvimento capitalista da

agricultura o campo brasileiro tem colocado importantes desafios ao país. Percebemos que a

fração de classe detentora da terra e com acesso aos meios de produção da agricultura,

representada pela aliança classista entre os latifundiários brasileiros e as empresas

transnacionais, vem se apropriando do território brasileiro para territorializar seu modelo de

desenvolvimento. Quando não, hegemoniza o acesso à terra para utilizá-la como meio de

especulação ou garantia creditícia, inviabilizando o acesso à terra para os trabalhadores do

campo.

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No processo de territorialização do agronegócio, a utilização desenfreada de insumos

químicos alçou o país à posição de maior consumidor de venenos agrícolas do mundo,

contaminando os solos, alimentos, a população das cidades e os trabalhadores rurais. Tendo

no monopólio da terra sua premissa fundamental, o modelo de desenvolvimento do

agronegócio também tem levado à desterritorialização de povos e comunidade e/ou colocado

em risco à soberania ao território para uma enorme parcela da população do campo. Isso vem

gerando conflitos sangrentos no campo brasileiro, no que Oliveira (2004) chama de relação

entre “modernidade e barbárie”. Ou seja, ao passo que o campo brasileiro caminha para a

“modernidade” do agronegócio, deixa atrás de si contradições que vem se tornando cada vez

mais agudas.

Estas contradições geradas pelo modelo de desenvolvimento do agronegócio vêm

gerando uma série de reações de diversos setores da sociedade brasileira, posto que em seu

curso de desenvolvimento vem afetando tanto a questão agrária, na medida em que concentra

cada vez mais terra gerando a expulsão de povos e camponeses, como também a questão

agrícola na medida em que produz alimentos com altos níveis de agroquímicos. Sobretudo,

são contradições que colocam em xeque a hegemonia deste modelo, sendo necessário ao

mesmo investir cada vez mais em lobbies e propagandas que buscam convencer o povo

brasileiro de que sua vigência é realmente pertinente ao país.

Buscando atuar justamente nestas contradições, o campesinato vem assumindo uma

postura de enfrentamento aos danos sociais e ambientais trazidos pelo agronegócio. Assim, ao

mesmo passo em que vem se organizando para ampliar a luta por terra, vem também

anunciando uma alternativa ao modelo de desenvolvimento rural do país, propondo um

desenvolvimento que não centre suas atenções unicamente nos lucros advindos da produção

agrícola, mas que tenha como princípio fundamental o respeito à natureza, a inclusão

produtiva de povos tradicionais e campesinos e a produção de alimentos saudáveis para o

conjunto da população. Busca assim criar um campo de enfrentamento ideológico com o

modelo hegemônico, ou seja, abre uma luta política no campo do território imaterial.

Por isso compreendermos que a luta por terra é também a luta por conseguir

territorializar o projeto imaterial destas classes, que se confrontam tanto pela posse da terra

como pela hegemonia sobre qual o modelo de desenvolvimento a ser adotado pelo país.

Rosset e Martinez-Torres (2012) colocam que:

Tanto el agronegócio como lós movimientos sociales rurales están intentando

reterritorializar estos espacios, esto quiere decir, reconfigurarlos em favor de SUS

proprios intereses, ya sean estos de extraccíon máxima de ganancias por un lado, o

de defender y (re)construir comunidades por el otro. Un aspecto importante es que

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estamos hablando no solo de una batalla de tierras per se pero tanbíen de una batalla

de ideas (ROSSET, MARTINEZ-TORRES, 2012, p. 3).

Desta maneira, as proposições para o desenvolvimento rural advindas dos Movimentos

Sociais do campo não buscam somente superar os problemas ambientais causados pela

utilização intensa de maquinarias e agroquímicos que o agronegócio lança mão e visa,

sobretudo, criar uma alternativa política à este modelo. Isso se dá, pois neste campo de

disputa imaterial, o agronegócio tem buscado capitalizar para si as chamadas “agriculturas

sustentáveis” tentando vestir de verde o seu modelo insustentável de produção. Portanto, um

elemento central para compreender as proposições dos Movimentos Sociais é observá-lo para

além de soluções unicamente voltadas para o cuidado com o meio ambiente, e sim entendê-lo

como uma proposição de enfretamento contra-hegemônico ao agronegócio.

Esta compreensão se faz necessária pois é claro o movimento do capital agroindustrial

em tentar transformar a produção agrícola diferenciada (orgânica, biodinâmica, agroflorestal,

agroecológica) em uma fonte de lucros para as empresas que dominam o setor. Tentam assim,

através do controle de mercado, subverter a produção camponesa aos seus mecanismos de

capitalização, como o controle sobre a comercialização.

Em matéria publicada na revista “Dinheiro Rural”, uma das principais publicações

voltadas para o agronegócio no país, uma reportagem intitulada “Assentamentos é negócio”

denota de maneira muito clara essa ação do capital agroindustrial. Nesta reportagem a revista

exalta um modelo de “cooperação” entre uma cooperativa de produção de arroz orgânico e o

grupo Pão de Açúcar, uma gigante do setor de comercialização de alimentos no mundo. Mais

uma vez, coloca a produção camponesa sob a tutela do agronegócio, utilizando inclusive essa

produção como uma propaganda de suas preocupações com a alimentação saudável e o

comércio “justo”. É apenas um exemplo de um movimento que pode ser percebido todos os

dias, em qualquer gôndola de grandes redes de supermercados.

Costa Neto (2008), aponta um cenário de disputa classista em torno das “agriculturas

sustentáveis”, percebendo uma tendência do agronegócio em assumir um discurso sustentável

que busca atenuar os males trazidos pelo seu sistema produtivo. Para o autor, o mercado de

produtos “verdes” (que utilizam insumos orgânicos em sua produção) tem se tornado cada dia

mais uma fatia de um “mercado diferenciado” que cresce de maneira ascendente. Isso criou

um sistema de certificação sobre este tipo de produção que restringe cada vez mais o mercado

à empresas que estão tentando dominar o setor, a que o autor denomina de “agronegócio

orgânico”. Isso se dá pela criação de “selos verdes”, que buscam criar regras de produção que

são inviáveis aos pequenos camponeses por conta dos altos custos. Assim, abre espaço para o

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domínio do mercado orgânico em mãos de poucas fazendas capitalizadas, transformando a

produção orgânica em mais uma commoditie a serviço do agronegócio (COSTA NETO,

2008).

Buscando se afastar desta “solução” aos problemas trazidos pelo modelo do

agronegócio, os Movimentos Sociais, em especial os Movimentos que compõem a Via

Campesina, vem construindo a agroecologia como uma via de desenvolvimento que:

[...] não se restringe a um receituário de aplicação de técnicas alternativas na

agricultura, mas vai além no sentido de definir-se sócio-cultural e politicamente em

direção a uma determinada opção de desenvolvimento rural (COSTA NETO, 2008,

p. 71).

Buscando a construção de um desenvolvimento rural de base sustentável para o

campo, a agroecologia surge como uma opção de “horizontalidade” para o espaço agrário do

país. Compreendida aqui como um enfoque metodológico voltado para o planejamento do

espaço de produção agrícola e de reprodução social, a agroecologia apresenta uma série de

ferramentas voltadas para a consolidação de uma nova forma de organização socioespacial no

campo.

Defendendo que a “[…] agroecologia vai mais além do uso de práticas alternativas e

do desenvolvimento de agroecossistemas com baixa dependência de agroquímicos e de

aportes externos de energia” (ALTIERI, 2012, p. 105), o autor aponta que a adoção destas

estratégias de desenvolvimento baseadas nos princípios da agroecologia devem se dar através

de “[…] metodologias que valorizem a participação dos agricultores, o conhecimento

tradicional e a adaptação das atividades agrícolas às necessidades locais e às condições

socioeconômicas e biofísicas” (ALTIERI, 2012, p. 115).

Partindo da crítica ao “modismo” com que a agroecologia vem sendo aplicada para

resolver apenas os problemas de ordem técnicas-agronômicas geradas pelo atual modelo,

Sevilla-Guzmán (2001), aponta uma “adulteração” da agroecologia, a que o autor denomina

de “agroecologia fraca” e que “[…] não se diferencia demais da agronomia convencional e

não prevê nada, além de uma ruptura parcial das visões tradicionais” (SEVILLA-GUZMÁN,

2001, p. 104).

Para Sevilla-Guzmán, a agroecologia deve ir “além do nível de produção”, propondo

então a:

[…] utilização de experiências produtivas em agricultura ecológica na elaboração de

propostas para ações sociais coletivas que demonstrem a lógica predatória do

modelo produtivo agroindustrial hegemônico, permitindo sua substituição por outro

que aponte para uma agricultura socialmente mais justa, economicamente viável e

ecologicamente apropriada (SEVILLA-GUZMÁN, 2001, p. 104).

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É a partir desta concepção de um desenvolvimento rural que não cesse apenas na

forma de produzir mas também modifique radicalmente a estrutura agrária que a Via

Campesina construiu sua concepção de agroecologia. Para a Via Campesina (2013), a

agroecologia deve ser “una construcción política, popular, social, cultural, ancestral,

científica, econômica, estratégica y de classe (LVC, 2013)”. Desta maneira, a Via Campesina

acena a construção da agroecologia que busque se referenciar no conhecimento produzido

pela classe camponesa em seu processo de interação coma natureza.

Assim, a agroecologia se torna um instrumento de organização da classe camponesa

para superar os efeitos da “modernização” agrícola não somente em sua faceta técnica, mas

também busca a superação política da forma de organização que o modelo do agronegócio

impõe aos países onde se instala. Busca então criar um processo “horizontal” de construção

política através do resgate ao conhecimento tradicional, em grande medida perdido pela

violência com que foi operada a extensão rural voltada para materializar a intencionalidade do

capital agroindustrial.

A partir de Santos (2012), compreendemos que o conjunto de inovações técnicas - e

processos gerados por ela - que compõem o que o autor chama do “meio técnico-científico-

informacional”, possui uma “intencionalidade” que, ao se estabelecer em um determinado

território, o coloca a serviço dos interesses dos “atores hegemônicos” que monopolizam sua

intencionalidade (SANTOS, 2012). Assim, o “difusionismo tecnicista” que se hegemonizou

como princípio da extensão rural no país teve como intencionalidade executar “um projeto

educativo para o capital” (FONSECA, 1985), que terminou colocando imensas áreas do

território brasileiro (os territórios do agronegócio) a serviço do capital agroindustrial.

Esse processo educativo, que alcançou de maneira bastante ampla o campo brasileiro,

se deu através de um processo de descaracterização da cultura camponesa de produção. Freire

(2002) coloca que a extensão rural teve um efeito perverso sobre o povo do campo na

América Latina, desestruturando um sistema de relação homem-natureza-cultura que é

próprio de cada povo e que foi “manipulada” e “invadida” pela cultura moderna. Assim, as

práticas camponesas passaram a serem vistas como coisa “sem valor”, quando valor tinham as

novas “tecnologias”. Isso se deve à relação antidialógica que o difusionismo tecnológico

cunhou na relação entre extensionista-camponeses, onde o primeiro “prescreve” e o segundo é

o “paciente da prescrição” (FREIRE, 2002).

A retomada da cultura camponesa de produção típica de cada povo é um elemento

central para o modelo de desenvolvimento rural agroecológico proposto pela Via Campesina e

praticado pelos Movimentos Sociais que a compões. Não se trata apenas de “substituir” uma

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forma de produzir o colocá-la outra formas mais “sustentável” em seu lugar. A agroecologia

enquanto modelo de desenvolvimento preconizado pela Via Campesina foca sua atenção na

capacidade de retomar sistemas culturais de plantio e organização coletiva, visando a

superação completa do modelo hegemônico através de um processo de tomada de consciência

e ação política.

A forma – ou o método – em que deve se operar a superação do atual modelo

hegemônico de desenvolvimento rural ocupa lugar central nas formulações de importantes

referências da agroecologia. Sabemos que a extensão rural orientada pelos princípios da

“Revolução Verde” contribuiu para a alienação do agricultor familiar frente à autonomia e

controle de sua produção, tornando-o altamente dependente de insumos externos para seu

processo produtivo.

Trazendo estes elementos à análise, Caporal e Costabeber (2004) tecem uma profunda

crítica ao modelo de extensão que se baseou na transferência de tecnologias que deveriam ser

aplicadas às comunidades denominadas como “atrasadas” por seus formuladores. Traz assim

ao debate o método produtivista deste modelo de extensão que, mais preocupado no

cumprimento de metas, pouca vazão dava à ampliação das capacidades “pluridimensionais”,

fundamentais para a consolidação de uma teoria de desenvolvimento rural que respeite as

características locais em seu amplo conceito, desde a sustentabilidade ambiental até a

segurança alimentar. Para o autor, a agroecologia deve ser “[…] entendida como um enfoque

científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de

agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agricultura sustentáveis”

(CAPORAL, COSTABEBER, 2004, p.11.).

Este conjunto de metodologias e ações coletivas com vistas à superação do atual

modelo produtivo para a agricultura é compreendido como um processo de transição

agroecológica, e deve considerar a dimensão complexa e multidisciplinar que a agroecologia

deve encarar no desafio de construir um novo modelo de desenvolvimento rural

(GLIESMAN, 2001).

Compreende-se assim que a materialização concreta (o conjunto de técnicas) do

conceito de agroecologia (o conjunto de ideias) se dá a partir dos processos de transição

agroecológica transição agroecológica, devendo ser a ferramenta metodológica responsável

pela superação horizontal do modelo de desenvolvimento do agronegócio. Rosset e Martinez-

Torrest (2012) indicam que:

Al promover la transición de la agricultura de la Revolucíon Verde em donde lãs

familias dependen de lós insumos del mercado y movernos hacia una agricultura

agroecológica autónoma, se reconfiguran lós espacios en territorios campesinos, y

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lós movimientos sociales participan em el processo de recampesinización (ROSSET,

MARTINEZ-TORRES, 2012, p. 7).

Schmitt (2009) coloca que a transição agroecológica deve ser compreendida como um

processo de “[...] construção social (ou ecossocial) que emerge através das interações que se

estabelecem entre atores, recursos, atividades e lugares nos processos de desenvolvimento

rural (SCHMITT, 2009, p.178)”. Para a autora, esta “construção social” é percebida quando

os atores envolvidos no desenvolvimento rural concentram seus esforços políticos para lutar

contra a hegemonia do agronegócio, colocando suas capacidades de ação política em diálogo

para a superação do mesmo. Desta maneira, a transição agroecologia representa uma opção

política em superar o modelo de desenvolvimento do agronegócio tanto em seu viés

produtivo, através da utilização de processos sustentáveis de produção agrícola, como em sua

faceta política, lutando contra a dominação do mercado pelas transnacionais que

monopolizam o setor agrícola.

Assim, a interação entre diversos atores é crucial para esse processo na medida em que

amplia a capacidade de articulação política dos Movimentos Sociais, potencializando o

diálogo entre diversos setores da sociedade que vêm se organizando para lutar contra o

modelo predatório de produção do agronegócio. É a partir deste diálogo entre atores que

compreenderemos as ações do NEPPA no Assentamento Santa Maria.

4.1 A Agroecologia no Assentamento Santa Maria: alguns antecedentes

importantes

O processo de construção da agroecologia dentro do Assentamento Santa Maria é fruto

da ação conjunta entre NEPPA e MST, que constituem os dois principais atores sociais

envolvidos na busca da consolidação de uma agricultura agroecológica na área em estudo. É

fundamental, portanto, compreender – mesmo que brevemente - como se deu o processo de

construção da agroecologia dentro de cada um destes atores para entender os limites e as

potencialidades do processo de transição agroecológica iniciado com a articulação entre

ambos.

Silva (2011) percebe que, ao iniciar seu processo de territorialização através da

conquista de terras por meio dos acampamentos, o MST adotou uma política de produção em

escala baseada na utilização de insumos advindos da “Revolução Verde”, processo que

orientou a produção dentro das áreas do Movimento durante a década de 1980. Com as

sucessivas frustrações que a aplicação do pacote tecnológico veio gerando para os

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camponeses Sem Terra, a autora anota, através do estudo dos Cadernos de Formação do MST,

que a década de 1990 foi marcada pela intensificação da crítica ao modelo produtivista dentro

do Movimento. Esse processo levou à uma articulação em torno do debate sobre as

alternativas ao modelo de agricultura em escala ainda reproduzido dentro dos Assentamentos

(SILVA, 2011).

Esse processo levou o MST a se articular com intelectuais que se dedicavam ao estudo

de formas alternativas de produção e, em 1995, o Movimento aprova em seu 3º Congresso

uma série de diretrizes que apontam a necessidade em construir uma nova forma de cultivo

agrícola, onde fosse dada prioridade à utilização de tecnologias apropriadas a cada região do

país, respeitando assim os conhecimentos tradicionais das famílias camponesas. Para Silva

(2011), a filiação do MST à Via Campesina em 1997 foi um marco para a adoção da

agroecologia como modelo de desenvolvimento rural a ser praticado dentro dos

assentamentos. A autora identifica a criação, neste mesmo ano, do Assentamento Lumiar e da

cooperativa Bionatur como dois elementos centrais na adoção da agroecologia como bandeira

de luta do MST, sendo duas experiências pioneiras que forjaram a superação da “Revolução

Verde” dentro dos assentamentos do Movimento.

Com isso, o MST passou a consolidar diversos grupos de estudo sobre agroecologia e

passou a se dedicar na formação de quadros políticos responsáveis por ampliar a compreensão

e a práticas acerca da agroecologia dentro dos assentamentos. Disso resultaram diversas

cooperações internacionais e a criação de escolas de agroecologia destinadas ao público da

reforma agrária, consolidando o MST como um dos principais produtores de conhecimento

sobre agroecologia no mundo.

O NEPPA é uma organização de estudantes e profissionais voltado para a realização

de trabalho de base junto à Movimentos Sociais. Surge em 2006 através de uma articulação de

estudantes que participaram das ações de extensão universitária proposta pela ACC – Ações

Interdisciplinares em Áreas de Reforma Agrária, então coordenada pela Professora Celi

Taffarel. Tendo o trabalho coletivo como principal eixo de atuação, o NEPPA busca se inserir

dentro dos assentamentos onde trabalha a partir de proposições voltadas à promover a

organicidade do Movimento quando atua junto ao MST11

.

Buscando então se estruturar para poder contribuir com a organicidade do MST dentro

dos assentamentos, o NEPPA se dividia em Brigadas que correspondiam aos Setores do

Movimento. Dentro desta organização que surgiu a Brigada Chico Mendes (BCM), voltada

11 Hoje o NEPPA vem atuando com diversos movimentos sociais, porém, para nossa análise, nos restringiremos apenas à

forma como veio atuando dentro do MST. Mais sobre o NEPPA em http://neppa-ba.blogspot.com.br/

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76

para atuar junto ao Setor de Produção dos assentamentos. Conformada a partir de 2008, a

Brigada Chico Mendes promoveu uma série de atividades de capacitação em práticas

agroecológicas dentro do NEPPA, para, num segundo momento, iniciar suas ações junto aos

assentamentos.

Com a chegada de novos militantes ao NEPPA a partir da realização dos Estágios

Interdisciplinares de Vivência e Intervenção (EIVI) que o coletivo organiza todos os anos, a

Brigada Chico Mendes passou a potencializar suas ações dentro dos assentamentos. Um passo

fundamental para a consolidação da agroecologia dentro do NEPPA, para além da BCM, se

deu a partir do diálogo do NEPPA junto à Professora Nair Casagrande. Em 2010, Nair

Casagrande coordenava junto com o NEPPA um trabalho conjunto com a Brigada Paulo

Freire, que atuava com Educação Popular dentro do Assentamento Nova Panema. No

processo dialógico entre o NEPPA e a Professora, foi iniciado um profícuo processo de

reflexão que levou à proposição da ACC – Educação Popular em Áreas de Reforma Agrária –

Os desafios da Educação do Campo a estender suas ações de educação para além da escola do

assentamento. Assim, compreendendo a centralidade do trabalho coletivo na construção do

sujeito Sem Terra, a BCM foi convidada para construir um viveiro-escola destinado à

produção de mudas para o plantio de agroflorestas em áreas coletivas do Assentamento.

Esse rico processo de educação em agroecologia suscitou importantes debates dentro

do NEPPA, levando o grupo a repensar sua organização através de Brigadas. Assim, durante o

ano de 2010, uma série debates e oficinas foram realizadas dentro do NEPPA levando o

coletivo a assumir uma nova forma de organização através de frentes de trabalho, buscando

assim ampliar a comunicação entre as Brigadas e tendo como eixo central o fomento ao

trabalho coletivo através de atividades que buscavam trabalhar a agroecologia dentro dos

assentamentos, com a intencionalidade de promover ações para o desenvolvimento rural

agroecológico dentro das áreas.

Foi a partir do diálogo entre a ACC, o NEPPA e o MST que, durante o ano de 2011, o

NEPPA se dedicou a escrever o projeto “Programa de Formação de Tutores em

Agroecologia”, visando captar recursos que possibilitassem desenvolver cadeias produtivas

baseadas nos princípios da agroecologia. Esse processo de elaboração da proposta se deu ao

mesmo passo em que se desenvolviam atividades ligadas à produção nos assentamentos onde

o NEPPA trabalhava, sobretudo, no Assentamento Santa Maria. O processo de aprendizagem

coletivo oriundo destes trabalhos foram peça chave na consolidação do projeto a partir da

realidade vivida pelas famílias. Aqui, destacamos dois momentos fundamentais nesta

construção.

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77

4.1.1 A construção da Horta Velha

Ainda em 2011, a extinta Brigada de Saúde do NEPPA desenvolvia um trabalho em

Educação Popular em Saúde reunindo os estudantes e profissionais do coletivo que se

dedicavam ao debate na área da saúde coletiva. Este trabalho se dava a partir de um pequeno

projeto de extensão universitária que se destinava à fomentar ações de enfrentamento aos

principais problemas de saúde relatado pelas famílias assentadas. Um dos principais se referia

ao alto número de queixas de pessoas com problemas cardíacos. Em grande medida, foi

percebido pela Brigada de Saúde e pelas famílias que isso se devia à qualidade alimentar,

posto que o consumo de gorduras e sal eram muito frequentes. Assim, foi tomada a decisão

entre MST e NEPPA de iniciar uma pequena produção hortícola que pudesse contribuir para

uma melhor alimentação das famílias. A Brigada Chico Mendes, que se dedicava à trabalhos

voltados para a produção, foi convidada para iniciar este trabalho em parceria com a Brigada

de Saúde.

Tendo a Educação Popular como metodologia norteadora das ações do NEPPA nas

comunidades, a primeira atividade que propusemos foi a realização de uma oficina

pedagógica para facilitar o debate coletivo entre as famílias assentadas e o coletivo. A oficina,

realizada no dia 16 de abril de 2011, tinha como objetivo iniciar o processo de construção da

horta coletiva da comunidade, porém, o ponto de partida era uma sensibilização acerca da

importância do trabalho coletivo e da produção coletiva para o assentamento. Desta maneira,

foi feito um levantamento da situação da produção naquele momento e quais as perspectivas

da comunidade para a produção dentro do Assentamento. Esta oficina resultou num

interessantíssimo processo de reflexão entre as famílias, que resgataram as experiências de

trabalho coletivo tentadas pela comunidade e quais os motivos que levaram à seu fim, onde

apontaram a desorganização da divisão dos frutos do trabalho como o principal fator

desmotivador.

Esses pontos negativos percebidos em experiências anteriores da comunidade foram

debatidos pela comunidade nesta oficina, que também apresentaram as possibilidades de

superação destes problemas. A partir deste debate foi decidido pela comunidade e pelo

NEPPA iniciar o plantio de uma pequena horta coletiva que serviria como uma nova

experiência de trabalho coletivo da comunidade, conforme verificamos no Mapa 02.

A preocupação central do NEPPA naquele momento não era colocar a agroecologia

como a “salvação da lavoura” ou como o horizonte único a ser seguido, mas sim criar um

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espaço educativo para, a partir do trabalho coletivo, iniciar os debates com a comunidade

sobre qual a forma que escolheríamos para produzir. Estávamos saindo de um cenário em que

não havia nenhum trabalho coletivo na comunidade, e, ao optar assumir a agroecologia como

um processo social de transição rumo à uma nova forma de desenvolvimento rural, mais

importante era trabalhar a reorganização política da comunidade que trabalhar unicamente as

técnicas em agroecologia. Foi a partir desta mobilização social que foi construída a primeira

horta coletiva do assentamento, que foi um marco no processo de construção da agroecologia

dentro do Assentamento Santa Maria. Essa horta passou a ser chamada pela comunidade de

“Horta Velha”, e foi construída próxima à uma fonte de água que facilitava o trabalho de rega

da horta.

Fonte: próprio autor.

Figura 07. Trabalho coletivo para a construção da Horta. Mata de São João/BA – 2011.

Aos poucos, o trabalho na Horta Velha foi crescendo na comunidade. Famílias que

estavam fora dos trabalhos coletivos forma pouco a pouco se organizando para participar e a

comunidade, de maneira auto-organizada, passou a gerir o trabalho dentro da horta. A divisão

de tarefas proposta pela comunidade dividia o trabalho em dois tipos: i) o trabalho diário de

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79

Fonte: Base – SEI (2007); INCRA; DNIT (2002); Ortofoto – MME (2010).

Figura 08. Localização da Horta Velha. Mata de São João/BA – 2013.

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rega e cuidados com sombreamento que era geralmente feito por uma pessoa a cada dia,

sendo que cada pessoa indicava o dia em que podia fazer este trabalho e ii) os trabalhos

coletivos que incluíam capina geral da horta, produzir leiras de plantio de os cuidados com o

cercamento que eram feitos em regime de mutirão e onde participavam as pessoas que, em

geral, não trabalhavam na horta diariamente.

Fonte: próprio autor.

Figura 09. Reunião entre NEPPA e comunidade. Mata de São João/BA – 2011.

Fonte: próprio autor.

Figura 10. Horta Velha com primeiras leiras de plantio. Mata de São João/BA – 2011.

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81

Após anos em que o trabalho coletivo não fazia mais parte da comunidade, o processo

de organização da produção coletiva começava a dar os primeiros sinais de que poderia se

transformar numa ação coletiva rumo à uma transição para a agroecologia, e outras demandas

passaram a ser necessárias para que o trabalho tomasse um porte maior e não se restringisse

somente ao espaço da horta. A experiência percebida na Horta Velha abriu o espaço

necessário às discussões acerca de qual opção as famílias tomariam para o desenvolvimento

rural, inaugurando assim a possibilidade da agroecologia se tornar um projeto de

desenvolvimento para o Assentamento. Somente quando esse espaço foi criado é que o

NEPPA iniciou um diálogo com a comunidade a fim de perceber quais os próximos passos

que ela mesma queria tomar.

Neste sentido, foi aplicada uma oficina educativa que tinha como objetivo fazer uma

avaliação do que foi o trabalho na Horta Velha e qual o caminho que o trabalho entre o

Assentamento Santa Maria e o NEPPA deveria seguir dali pra frente. Essa oficina ocorreu no

dia 20 de agosto de 2011. Passados pouco mais de cinco meses do início da Horta Velha, a

produção já havia sido suficiente para que as famílias que trabalhavam na horta pudessem

aumentar o consumo de vegetais nas suas casas. Porém, como não foi feito um trabalho

pensando na comercialização desta produção, um número muito grande de alimentos foi

perdido, levando à comunidade a repensar sua organização e a propor novos objetivos para o

trabalho com a horta.

Fonte: próprio autor.

Figura 11. Produção perdida da Horta Velha . Mata de São João/BA – 2011.

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82

Fonte: próprio autor.

Figura 12. Trabalho coletivo para a replantio da Horta. Mata de São João/BA – 2011.

Assim, no dia 21 de agosto de 2011, a comunidade elaborou um plano de produção

onde passou a definir objetivos e pessoas responsáveis por cada tarefa coletiva. Esse “projeto”

foi denominado pela comunidade de “Projeto Sempre Verde” e marcou uma intensificação

nos trabalhos voltados à produção coletiva. Nesta oficina, o NEPPA começou a desenvolver

um método de organização do trabalho coletivo que já havia sido tentado no Assentamento

Panema a partir do trabalho feito em parceria com a ACC. É um instrumento metodológico

denominado “Quadro de Planejamento”, onde, a partir de reuniões trabalhadas em coletivo, a

comunidade decide as principais tarefas e as pessoas responsáveis por sua execução bem

como os materiais que ela irá necessitar. Nestas tarefas, o NEPPA sempre se colocava como

responsável pela execução de tarefas. Assim, criava uma coresponsabilidade que levava os

estudantes e profissionais que formavam o NEPPA a assumirem a tarefa de serem também

responsáveis pelo desenvolvimento rural na comunidade, ampliando assim a interação entre

os “atores” apontados por Schmitt (2009). Através das fotos, é interessante perceber que nesta

época, mesmo com uma produção grande e uma mobilização social também bastante forte, o

NEPPA ainda não havia iniciado o debate acerca da agroecologia, e havia adotado a

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“produção orgânica” para se referir ao processo produtivo. Isso se dava pois muitas famílias

diziam que, com as práticas dentro da Horta Velha, estavam produzindo “orgânico”. Na

avaliação feita pelo coletivo, o NEPPA pensava que era mais interessante trabalhar a

autoestima que a horta estava dando às famílias à tentar criar uma contraposição entre a

produção orgânica e agroecológica, compreendendo a diferença entre ambas as práticas num

sentido maior de projeto de desenvolvimento (SEVILLA-GUZMÁN, 2001).

Fonte: próprio autor.

Figura 13. Projeto “Sempre Verde”. Mata de São João/BA – 2011.

Fonte: próprio autor.

Figura 14. Quadro de Planejamento. Mata de São João/BA – 2011.

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Apesar de ser uma área pequena, a experiência da Horta Velha teve um poder didático

muito grande, e acenou a possibilidade de fazer o trabalho coletivo se estruturar de maneira

permanente dentro do assentamento. Numa situação em que se torna muito difícil produzir

nos lotes, os espaços de produção propostos pelo trabalho de extensão do NEPPA se tornaram

o local de socialização do assentamento e indicaram a necessidade em fazer avançar a

produção, posto que a pequena Horta Velha havia provado que era possível produzir muito

mesmo em uma área pequena. Se a Horta Velha produziu uma modificação no espaço, mais

efeito teve sobre a organização do Assentamento.

4.1.2 Curso de Agroecologia

A experiência percebida na Horta Velha foi fundamental para os atores envolvidos

com o processo de desenvolvimento rural do Assentamento. Para o NEPPA, a intensificação

do trabalho na extensão rural necessária para o acompanhamento da produção “orgânica” foi

modificando a forma de atuação do coletivo. Se antes apenas uma Brigada atuava no

Assentamento, a Horta Velha levou a um intenso debate dentro do coletivo sobre a

necessidade em realizar trabalhos a que o NEPPA chamou de “interbrigadas”. Havia a

compreensão, em grande medida fomentada pelos debates possibilitados pela ACC, de que a

atuação interdisciplinar tendo o trabalho coletivo como espaço educativo apresentava

possibilidades de construção bastante interessantes. Se para os membros do NEPPA

representava um intenso período de aprendizagem de novas habilidades, onde uma pessoa

ligada à área de saúde passava a conhecer conteúdos ligados à agronomia, para as pessoas da

comunidade era muito interessante perceber que o Assentamento não se restringia unicamente

à produtividade. Assim, temas de saúde passaram a ser trabalhados dentro dos espaços

coletivos de produção, assim como temas de educação, relações de gênero, juventude entre

outros temas que apareciam na relação entre NEPPA e comunidade.

O decurso da experiência da Horta Velha chamou também a atenção do MST, que

colocou membros da direção para acompanhar o desenvolvimento das atividades e

disponibilizou alguns militantes para contribuir com a organização da produção. Esse foi um

passo muito importante para a retomada da organicidade do Movimento dentro do

Assentamento Santa Maria.

Este encontro de disposições entre os atores envolvidos criou a ambiência necessária

ao passo seguinte: introduzir o tema da agroecologia junto às famílias assentadas. Se até

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aquele momento, a produção estava se organizando tendo como horizonte apenas a melhoria

na produtividade, a organicidade percebida dentro do Assentamento permitia dar o passo além

e pensar em situar a produção não somente como uma melhoria na qualidade de vida, mas

como um projeto de desenvolvimento para o Movimento. Neste sentido é que foi realizado,

em outubro de 2011, um curso de agroecologia que tinha como objetivo inserir o debate da

agroecologia junto às famílias que estavam se envolvendo na produção. Até aquele momento,

o NEPPA sequer mencionava no cotidiano do trabalho o que era a palavra agroecologia, e

percebia que, consolidada as bases sociais, podia pensar em avançar coletivamente rumo à um

processo de transição agroecológica.

O curso de agroecologia teve como objetivo principal discutir com a comunidade a

diferença entre os modelos de produção do agronegócio e o da agricultura familiar. Para tanto

foi aplicada uma oficina pedagógica em que a comunidade ficava responsável por descrever

quais os elementos principais de cada modelo de produção. Dividida em dois grupos, cada um

deles trabalhou em separado o agronegócio e a “agricultura familiar”, onde decidimos usar o

termo corrente para designar a pequena produção familiar. Após este momento, cada grupo

apresentava ao outro o que representava cada um dos modelos em relação à utilização das

terras, à organização do trabalho, à interação com a natureza e demais pontos importantes de

cada modelo.

Para a comunidade, existiam grandes diferenças entre os dois modelos de produção,

como podemos verificar na sistematização dos dois quadros que a comunidade descreveu.

LATIFÚNDIO AGRICULTURA FAMILIAR

O tamanho da terra é imensa Pequena propriedade

Trabalha “no” dinheiro; baixa renda; peão;

funcionário

Trabalho cooperativo, união; patrão somos

nós mesmos

Quem produz é o peão, produz plantação de

monocultivo

Planta diversificado, produtos para a

alimentação

Não tem compromisso com o meio ambiente Preserva a natureza

Produz com veneno Usa adubo e defensivos orgânicos

A produção é exportada e quem fica com o

lucro é o latifundiário

Produz para o consumo da família e

sobrando vende

Fonte: próprio autor.

Figura 15. Diferentes Modelos de Desenvolvimento para o campo. Mata de São João/BA –

2012.

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86

Essa oficina foi muito importante pois marcou o momento em que a agroecologia

começou a ser trabalhada para além da questão produtiva e, sobretudo, foi abordada com uma

opção política para o desenvolvimento rural. Foi a partir deste momento que a comunidade

passou a tratar a produção da área não mais como “orgânica” e se referiam à produção como

agroecológica.

Outro elemento importante trabalhado no curso foi o processo de autonomia das

famílias em relação aos insumos necessários à produção. Com o desenvolvimento do trabalho,

percebemos que, mesmo dominando diversas técnicas de manejo ecológico de solo, esses

conhecimentos eram tratados como coisa “antiga” ou “sem valor”, e as famílias procediam os

tratos culturais típicos da “Revolução Verde”. Umas das coisas que percebíamos era a

realização de capina intensiva na área da horta e dispensa dos materiais capinados. A

orientação para esse procedimento foi inclusive passada por técnicos da secretaria de

agricultura do município em visita à comunidade.

Isto denotava o grau de dependência tecnológica e científica da comunidade frente às

entidades de extensão, e, em grande medida, esse comportamento se repetia também em

relação ao NEPPA. Muitas vezes, mesmo para trabalhos pequenos, a comunidade terminava

por aguardar o dia da visita de campo de militantes do NEPPA na comunidade para tomar as

decisões sobre a produção, o que, para o NEPPA, era uma contradição com os princípios e

valores praticados pelo coletivo. Neste sentido, o curso serviu como um espaço de resgate dos

conhecimentos tradicionais da comunidade para o cultivo com a terra. Sempre tendo uma

“linha de pensamento” nas oficinas que levava à comunidade, a extensão praticada pelo

NEPPA abria espaço para a (re)construção de saberes de maneira dialógica. Assim,

levávamos os conhecimentos que tínhamos com práticas em agroecologia e a comunidade

também trazia o conhecimento camponês construído historicamente por eles próprios e seus

antepassados.

Um destes exemplos foi o início da prática de compostagem junto à comunidade, onde

foi realizada uma oficina durante o curso que, através da Educação Popular, resgata os

conhecimentos tradicionais sobre a reutilização de matéria orgânica para a proteção de solos.

Pouco a pouco, a agroecologia passou a fazer parte do cotidiano das famílias assentadas.

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87

Fonte: próprio autor.

Figura 16. Oficina de abertura do curso de agroecologia. Mata de São João/BA – 2011.

Fonte: próprio autor.

Figura 17. Comunidade preparando pilha de compostagem. Mata de São João/BA – 2011.

4.2 O programa de formação de tutores em Agroecologia

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O desenvolvimento das atividades de produção nos Assentamentos em que o NEPPA

trabalhava havia mostrado os limites que um trabalho feito até então apenas com a vontade

coletiva impunha ao processo de desenvolvimento rural. Todas as atividades produtivas feitas

em parceria entre o NEPPA, ACC e MST se davam unicamente por meio de doações, ou

compra de materiais por meio de rifas ou pequenos recursos conseguidos junto à

Universidade.

Isso colocava limites severos ao processo produtivo dos assentamentos. Composto em

grande parte pelas mulheres dos assentamentos, na mesma medida em que crescia a produção

agroecológica, crescia também o trabalho braçal dentro dos espaços de produção. Toda a rega

da produção era feita de maneira manual, operação por vezes repetida até 40 vezes por cada

pessoa que ficava responsável pelo cuidado da horta a cada dia. Desta maneira, um trabalho

que de início trazia autoestima e disposição para as famílias que participavam, passou a se

transformar em fonte de conflito entre as mesmas. Isso se dava pois qualquer desorganização

no processo de trabalho coletivo trazia uma sobrecarga absurda para quem cumpria as tarefas

acordadas nos “Quadros de Planejamento”.

Assim, rapidamente se instalaram fontes de tensão entre as famílias do Santa Maria, de

maneira que a Horta Velha ficou abandonada por um período de cerca de três meses, entre o

final de 2011 e início de 2012. Uma das soluções encontradas no transcurso do trabalho de

extensão foi a divisão das tarefas por mais de uma família, onde, caso uma família não

pudesse ir à Horta Velha, a outra assumia o trabalho e depois “pagavam” o dia, num sistema

de escala que foi proposto pela comunidade.

Fonte: próprio autor.

Figura 18. Quadro de organização do trabalho coletivo. Mata de São João/BA – 2012.

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89

Porém, claro estava que o trabalho da Horta Velha havia chegado a seu limite, e já

estava gerando mais pontos de tensão que ajudando a comunidade a superar os problemas

coletivos. No bojo deste processo, sobretudo a partir da experiência que a parceria entre

NEPPA, ACC e MST havia vivenciado nos assentamentos, é que surgiu a proposta da

elaboração de um projeto produtivo que pudesse captar recursos fundamentais para ampliar a

capacidade produtiva das famílias assentadas.

Assim, durante o ano de 2011 o NEPPA se dedicou à elaboração do “Programa de

Formação de Tutores em Agroecologia: metodologias participativas na formação de cadeias

produtivas em assentamentos da Região Metropolitana de Salvador”. Este projeto tinha como

objetivo central ampliar a capacidade produtiva das famílias a serem atendidas através da

instalação de unidades produtivas nos Assentamentos Nova Panema e Santa Maria e nos

Acampamentos Bento e Recanto da Paz. Com um orçamento previsto de R$ 150.000,00, o

projeto foi aprovado no edital PROEXT/MEC nº 04/2011, e previa a instalação de dois polos

produtivos que reuniam um assentamento e um acampamento cada, contemplando as quatro

comunidades a serem atendidas. O Programa, coordenado pela Professora Nair Casagrande,

ficou alocado dentro da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal da Bahia, que ficou

responsável por gerir os recursos advindos do Programa.

O projeto previa a construção de uma casa de farinha mecanizada, a construção de

uma agroindústria beneficiadora de frutas, instalação de um viveiro de mudas nativas com

capacidade para a produção de 6.000 mudas/45 dias em cada comunidade, usina de produção

de insumos orgânicos e a implementação de uma horta agroecológica em cada comunidade

atendida. Para a horta havia recursos para instalação de irrigação mecanizada através de

motobomba, onde para cada comunidade estavam previstos materiais suficientes para a

instalação de uma horta de um hectare.

O Programa de Formação contou com nove bolsistas de extensão, sendo oito

destinados ao trabalho de campo e um bolsista destinado ao trabalho de secretaria do projeto.

Sob a coordenação da Professora Nair Casagrande, o Programa utilizou a metodologia

baseada no tempo-escola/tempo-comunidade para desenvolver os processos educativos a que

se destinada, com vistas a ampliar as possibilidades de uma ampla transição à agroecologia

nas comunidades em que trabalhou.

O processo de extensão agroecológica, que se dava nas atividades do tempo-escola, se

dividia em dois eixos centrais, a saber: i) eixo do trabalho coletivo, onde eram fortalecidas

metodologias participativas (como o “Quadro de Planejamento”) que permitia à comunidade

avançar na auto-organização do processo produtivo e ii) eixo das práticas agroecológicas,

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90

onde o NEPPA facilitava oficinas que capacitavam as famílias em técnicas e tecnologias de

cultivo agroecológico, como a produção de biofertilizantes, defensivos naturais, manejo

agroecológico de solos, produção de adubos e demais temas relacionados à produção.

Após a realização destas etapas de tempo-escola, a comunidade ficava com uma série

de tarefas para realizar no tempo-comunidade, aonde pouco a pouco ia replicando a

aprendizagem sobre práticas agroecológicas na produção coletiva ou mesmo em seus quintais,

ampliando as possibilidades da agroecologia nestes territórios. Muitas destas tecnologias eram

desconhecidas das comunidades, que foram percebendo os pontos positivos da utilização das

mesmas, num rico processo de convencimento coletivo sobre estas novas formas de produzir

alimentos. Sobre isso, o assentado A.J., relatando a outras famílias a experiência que vinha

tendo com o biofertilizante, afirma que:

Lá no meu lote eu uso em cima e uso em baixo. Misturo com água e boto no pé da

planta e também pulverizo o biofertilizante para espantar os insetos. Até agora está

funcionando, e acho que vai até melhorar por que a planta ficou mais viçosa depois

que eu comecei a usar, e só faz umas duas semanas (informação verbal12

).

Tendo sido aprovado em 2011 para que fosse executado durante o ano de 2012, o

Programa de Formação encontrou sérios problemas em sua execução financeira. Em grande

medida isto se deu devido à demora nos processos de licitação para compra dos materiais

necessários à produção. A cada semana, novas informações eram passadas por diversos

setores da Universidade, o que tornou a execução do Programa extremamente lenta, sendo que

grande parte dos recursos somente foram executados a partir do mês de julho, quando

chegaram alguns equipamentos previstos para instalação das unidades produtivas. Porém,

como as compras não eram feitas de maneira unificada pelo setor de licitações da

Universidade, por vezes um equipamento já comprado não tinha como ser instalado pois

outros materiais necessários ao seu funcionamento não haviam sido ainda licitados, como

ocorreu com a instalação da irrigação.

Esse processo foi gerando um intenso desgaste junto às comunidades, não sendo

diferente no Santa Maria. Sem poder instalar os materiais necessários para o desenvolvimento

produtivo do Assentamento, muitas famílias começaram a sair dos trabalhos coletivos dentro

do Assentamento. A equipe de extensionistas, sem estes recursos, ficava limitada à exercer o

papel de motivador, mas as críticas permaneciam muito fortes. Após anos necessitando tirar o

sustento da terra unicamente através da força manual, a possibilidade em ver um sistema de

irrigação animou sobremaneira as famílias, esperança que era minada a cada semana que o

12

Depoimento concedido em oficina realizada em junho de 2012

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91

material necessário à produção não era comprado pelo setor responsável da Universidade.

Sobre isso, o assentado J.O., em debate organizado pela comunidade para definir os rumos do

Programa, colocou que:

Ontem eu tava ouvindo no rádio o programa do governo, que diz que eles lá em

Brasília vão dar mais de não sei quantos milhão para os empresários, os

latifundiários. Agora para nós...quer que nós fique aqui morrendo debaixo do sol!

Acho que de 90 milhões, parece que só 7 eles vão dar para a agricultura familiar.

Agora vê quem é que precisa mais? Será mesmo que não tem dinheiro pra comprar

um bomba, que não custa uma moeda pra eles? (informação verbal13

)

Por conta da baixa execução financeira do Programa, que chegou ao mês de junho sem

ter executado nenhum recurso destinado à produção, os conflitos se tornaram muito intensos

na relação entre as famílias assentadas e o Programa. Após diversos cursos de capacitação

realizados na comunidade (os tempo-escola), percebíamos que haviam se esgotado as

possibilidades de mobilização unicamente pela via da aprendizagem de novas técnicas, que

era necessário dar o passo adiante e iniciar uma nova etapa de produção no Santa Maria.

Mesmo com diversos conflitos, no mês de julho de 2012, a comunidade e a equipe de

extensionista do Programa decidiram iniciar uma nova área de plantio. A comunidade havia

percebido que a área de produção da Horta Velha, além de pequena, estava sendo afetada pela

utilização de produtos agroquímicos do latifúndio vizinho, e que era necessário pensar em

outra área do assentamento para a produção coletiva.

A escolha da área de produção coletiva foi uma etapa fundamental para o

planejamento do desenvolvimento rural do Assentamento Santa Maria. A escolha de uma área

de produção muitas vezes se dá através de alguns conflitos entre a comunidade. Um dos

conflitos percebidos entre as famílias que participavam da Horta Velha era a alegação de que

o processo de escolha da área não havia sido feito de maneira coletiva, de forma que a

proximidade com as casas beneficiava umas famílias, e que as mesmas passaram a se sentirem

“donas” da Horta Velha.

Fazendo uma reflexão sobre como a escolha das áreas coletivas de produção podem

repercutir entre as famílias, fazendo-as se envolverem ou não com o processo de

desenvolvimento rural, o NEPPA aperfeiçoou um instrumento metodológico voltado

especificamente para esta situação. Muitas vezes, quando se inicia a proposta de uma

produção coletiva, cada membro da comunidade indica uma possível área, gerando um debate

intenso e, por vezes, dando espaço para um processo de conflito entre alguns membros da

comunidade. Buscando ampliar as possibilidades de uma gestão coletiva das decisões sobre a

produção, o NEPPA aplicou no Santa Maria uma oficina onde utilizava este instrumento

13

Depoimento concedido em oficina realizada no Assentamento Santa Maria em junho de 2012.

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92

participativo, que havia sido proposto por estudantes para participaram do EIVI no

Assentamento Nova Panema em 2011.

Esta metodologia busca fazer a escolha da área de produção não somente a partir de

indicações pessoais, mas busca gerar um consenso na comunidade sobre, de fato, qual seria a

melhor área para a produção. Assim, busca dirimir o personalismo das decisões coletivas e

fomenta o debate de ideias dentro da comunidade. Neste processo, o NEPPA busca mediar as

tensões e ampliar a participação de todas as pessoas na decisão acerca da produção coletiva,

tendo em vista que, desta maneira, mais pessoas se apropriam do caminho tomado pela

comunidade e participam de forma mais firme das ações de produção.

Neste quadro, os extensionistas do NEPPA solicitam que a comunidade enumere quais

são os pontos importantes para que uma área seja produtiva. No caso do Santa Maria, a

decisão era aumentar a produção da horta. Portanto, os pontos deveriam ser importantes para

a produção de horta. A comunidade então indicou que importante seria: i) fertilidade; ii) água

(acesso à água); iii) segurança; iv) escoamento (estradas); v) terreno (declividade) e vi)

tamanho. Logo após a enumeração destas características importantes à uma horta, a equipe de

extensionistas solicitou que a comunidade então enumerasse quais as áreas do Assentamento

poderiam ser usadas para a horta, sendo que a comunidade indicou como possíveis áreas: i)

área central (no meio do Assentamento); ii) Horta Velha; iii) terreno atrás da sede e iv)

terreno coletivo em cima da “presa”. Assim, o NEPPA formulou o seguinte quadro:

Área

Fer

tili

dad

e

Águ

a

(ace

sso

)

Seg

ura

nça

Esc

oam

ento

(est

rad

as)

Ter

ren

o

(dec

livid

ad

e)

Tam

an

ho

Área central

Horta Velha

Terreno atrás

da sede

Terreno

coletivo perto

da “presa”

Fonte: próprio autor.

Figura 19. Quadro de escolha da área de trabalho coletivo.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE … · Quadro de escolha da área de trabalho coletivo. ..... Figura 20. Trabalho coletivo para construção da Horta Nova. Mata de São

93

Com este quadro confeccionado, entregamos a cada pessoa que participou da oficina

três grãos de feijão e solicitamos que, para cada característica, a pessoa colocasse um feijão se

fosse ruim, dois se fosse boa e três se fosse ótima aquela característica de determinada área.

Ao final, conta-se o número de feijões colocados em cada área, sendo então a área que

recebeu mais feijões é considerada a melhor área para produzir. Após a contagem,

procedemos uma nova discussão, onde a comunidade indicou então ser consenso a construção

da horta em área próxima à represa do Assentamento Santa Maria.

Assim, no dia 20 de julho de 2012, foi dado um passo importante no processo de

espacialização da produção agroecológica dentro da comunidade: a construção da “Horta

Nova” como a comunidade passou a chamar a nova área de produção coletiva. Com 2.500m²,

a Horta Nova foi construída através do trabalho coletivo entre membros da comunidade e

extensionistas do NEPPA, o que ajudou a fortalecer ainda mais os laços de confiança no

trabalho construído entre estes atores. Ainda sem recursos do Programa, dada a morosidade na

execução financeira por parte da Universidade, a construção da Horta foi uma vitória para o

processo de desenvolvimento da agroecologia dentro do Assentamento, pois reanimou as

famílias na luta pela produção coletiva. Sendo um fato marcante na comunidade,

absolutamente todas as 21 famílias residentes no Assentamento participaram do trabalho

coletivo para construção da horta. Tendo dividido o trabalho no Quadro de Planejamento, a

comunidade cumpriu todas as tarefas determinadas para a execução da meta de construção da

horta, e animou a todos: extensionistas e comunidade.

Fonte: próprio autor.

Figura 20. Trabalho coletivo para construção da Horta Nova. Mata de São João/BA – 2012.

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94

A construção da Horta Nova significou um marco no processo de organização coletiva

do Assentamento Santa Maria, tendo deixado a todos e todas impressionados com a

capacidade de transformação que o trabalho coletivo poderia ter. Em uma área que havia anos

Fonte: próprio autor.

Figura 21. Limpeza da área da Horta Nova. Mata de São João/BA – 2012.

Fonte: próprio autor.

Figura 22. Leiras da Horta Nova prontas. Mata de São João/BA – 2012.

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95

estava abandonada, a organização da comunidade levou à construção à limpeza do terreno e

construção de 25 leiras de produção de hortaliças ainda no mesmo dia.

Tendo consolidado o instrumento participativo do Quadro de Planejamento, a

comunidade indicou que o único trabalho a ser feito na horta, enquanto a irrigação não fosse

concluída, seria a construção de mais leiras. Assim, foi elaborada uma nova escala de trabalho

e, em agosto, a horta já possui 79 leiras prontas para serem plantadas.

Porém, com a demora no processo de licitação, a irrigação permanecia com

equipamento que não haviam sido comprados, impedindo a instalação da motobomba, que já

estava disponível para utilização. Mais uma vez, o processo de desmobilização foi percebido,

pois o verão que se aproximava já mostrava ser impossível sustentar a produção hortícola

apenas com a rega manual, posto que a presa fica localizada a mais de 50 metros da Horta

Nova e o desgaste tornava este trabalho impossível.

Somente a partir de outubro de 2012 é que a irrigação foi iniciada no Assentamento

Santa Maria, tornando possível a instalação da motobomba. Vale lembrar que isso só foi

possível devido ao trabalho de assentados e assentadas que, olhando as peças que estavam

disponíveis para utilização, propuseram outra metodologia para instalar as irrigações das

quatro hortas com os materiais que tínhamos à disposição. Isso implicou em utilizar recursos

(humanos e materiais) das comunidades, instalando um sistema de irrigação ainda muito

aquém daquele que deveria ter sido licitado.

A irrigação da Horta Nova consistia apenas em uma tubulação que captava água da

presa da comunidade e enchia um reservatório de água que se localizava acima do nível da

horta. Esse reservatório enchia dois tanques menores que ficavam dispostos dentro da horta, o

que continuava obrigando as pessoas que participavam da horta a irrigar a produção ainda de

maneira manual.

Mesmo ainda necessitando realizar o trabalho manual para fazer a rega da produção,

em janeiro de 2012 já foi possível verificar 32 leiras em produção diversificada de alimentos.

Mesmo ainda não integrando todas as famílias no processo produtivo, 12 das 21 famílias

estavam com algum representante trabalhando na horta no sistema de escalas. Algumas delas

iam todos os dias, e, pela primeira vez, foi verificada uma produção suficiente para a venda,

sendo que foram comercializados R$ 153,00 com a venda de coentro, alface, rúcula e couve

para um “atravessador” conhecido da comunidade.

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96

Figura 23. Localização da Horta Nova. Mata de São João/BA – 2013.

Fonte: Base – SEI (2007); INCRA; DNIT (2002); Ortofoto – MME (2010).

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97

Importante perceber que, na medida em que crescia o trabalho com a horta nova,

também aumentava a utilização de técnicas e práticas em agroecologia por parte da

comunidade. Sem dúvidas, a adoção da agroecologia como modelo de desenvolvimento rural

pelas comunidades era o objetivo central da parceria entre NEPPA, ACC e MST. Essa

necessidade se devia ao alto grau de dependência tecnológica percebida nas famílias que

participavam do Programa, sobretudo das famílias do Assentamento Santa Maria.

Através de dados coletados pelo questionário sócioprodutivo aplicados às famílias

participantes do Programa, percebemos que mais de 70% das famílias do Santa Maira não

controlam as sementes necessárias à produção. Em grande medida, estas sementes são doadas

pela prefeitura local através de sua secretaria de agricultura, numa ação de caráter unicamente

assistencialista. Esse processo tolhe a autonomia destas famílias, ajudando a repetir ciclos de

dependência que são reproduzidos há séculos na história nordestina, como corrobora Sabourin

(2011).

Mesmo para aquelas famílias que afirmaram utilizar adubação orgânica no seu

processo produtivo, a forma prioritária de acesso a este tipo de insumo se deu por doação da

prefeitura local, alcançando aproximadamente 75% das famílias. Quando somamos este

percentual com o percentual das famílias que afirmaram usar adubação química na produção,

cerca de 8%, chega-se a um percentual de 83% que dependem de insumos vindos de fora da

propriedade.

Acerca da utilização de defensivos agrícolas, 52% afirmaram utilizar produtos

químicos para o controle de enfermidades na produção. Em grande medida, estes defensivos

são utilizados para o controle de formiga e possuem como base de sua formulação a

sulfaramida, princípio de alta persistência biológica e considerado de alta toxicidade. É

bastante comum sua utilização mesmo perto das casas.

Buscando assim contribuir para a alteração deste preocupante quadro observado na

realidade das famílias envolvidas no processo de transição agroecológica, o Programa buscou

aplicar uma série de cursos que tinham como objetivo central resgatar as práticas

agroecológicas existentes nos próprios Assentamentos e os conhecimentos ainda guardados

pelas famílias. Perguntadas se conheciam algum método de produção de adubos, 65% das

famílias do Santa Maria afirmaram conhecer mais de um método. Sobre a produção de

sementes, 30% demonstraram também dominar alguma técnica. Sobre a produção de

defensivos agrícolas, mais de 40% conhecia uma ou mais receitas de defensivos naturais.

Percebemos então que havia um enorme potencial para o desenvolvimento de práticas

agroecológicas no Assentamento. Porém, este conhecimento era tido pelas próprias pessoas

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98

entrevistadas como “coisa sem futuro”, no jargão utilizado na região.Este processo de

descrença no conhecimento tradicional é um dos frutos do processo de Extensão Rural que

estes sujeitos sofreram ao longo de suas vidas, que terminou por ensiná-los que o “novo”, o

“moderno” é sempre superior ao conhecimento acumulado por seus ancestrais.

A principal ação do Programa neste sentido foi então dedicar-se à recuperação deste

potencial acúmulo de conhecimentos observados nos questionários aplicados. Mas como fazê-

lo sem reproduzir, mesmo que às avessas, uma prática extensionista cheia de fórmulas prontas

para cada situação?

Tendo como referência metodológica o Método Camponês a Camponês, foram

organizados três cursos de agroecologia ao longo do ano de 2012 que tinham como principal

objetivo desenvolver a capacidade coletiva de propor ações de superação aos problemas

enfrentados na produção dos assentamentos. Cada curso teve uma temática específica, sendo

elas: i) manejo agroecológico de solo; ii) produção de hortaliças agroecológicas e; iii)

produção de defensivos naturais.

O Método Camponês a Camponês nasce justamente da crítica ao modelo clássico de

extensão, propondo um método onde o conhecimento tradicional fosse o principal caminho

para a superação dos problemas de ordem técnica encontradas na produção local. Desta

maneira, atinge o cerne do pragmatismo da Revolução Verde ao propor a solução local para

os problemas ao invés da importação de receitas comuns a qualquer situação (SOSA, 2011).

Essa tem sido uma roca experiência de extensão rural agroecológica que o NEPPA vem

tentando desenvolver na Bahia.

Assim, cada curso foi realizado em um assentamento diferente, buscando integrar ao

máximo as famílias envolvidas no processo de transição e oportunizando às mesmas a

aplicação dos conhecimentos adquiridos no contato com suas próprias práticas. Coube à

equipe de extensionistas do projeto realizar o levantamento destas práticas junto aos

agricultores e agricultoras, e num processo dialógico, organizar as etapas de aplicação dos

conhecimentos a serem abordados em cada um destes intercâmbios.

Ao passo que avançaram os cursos, as unidades de produção foram sendo instaladas

nos assentamentos, buscando desta maneira a apreensão de cada etapa do todo. A título de

exemplo: ao trabalhar o curso de manejo agroecológico de solo, cada comunidade saia com a

tarefa de organizar um mutirão e assim prepararem o solo para a implantação da horta.

Analisando este processo através das entrevistas realizadas aos agricultores e

agricultoras participantes do Programa, podemos perceber os resultados positivos que este

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método tem trazidos às ações do Programa e, sobretudo, à vida das pessoas e comunidades

envolvidas. Para o assentado F.A:

Antes a gente ficava em nossas áreas esquecidos, parecendo coisa velha guardada.

Hoje a gente está vindo aqui no Recanto da Paz aprender com os companheiros, e

também ensinar umas besteirinhas dessa tal de agroecologia que nós estamos

aprendendo lá no Santa Maria (informação verbal).

Têm-se percebido que este processo leva a uma maior apreensão das técnicas e

práticas agroecológicas utilizadas nas ações do Programa. Isso se deve ao exercício

continuado da prática educativa que o Método Camponês a Camponês possibilita e também à

condução dialógica do Programa, que sempre discute o resultado da aplicação das técnicas

entre as famílias que as adotam.

No Assentamento Santa Maria, estas práticas passaram a fazer parte do cotidiano de

muitas famílias, tendo se tornado algo bastante frequente observar a aplicação das mesmas em

seus quintais. Em visita a alguns quintais feitas em Agosto de 2013, cerca de um ano após o

início dos cursos do Programa, pudemos perceber de perto algumas aplicações das práticas

em agroecologia que vieram sendo trabalhadas durante os cursos.

A assentada C.S., mesmo não participando do trabalho coletivo na horta no momento

da entrevista, em Agosto de 2013, nos conta que vem plantando tudo “misturado” em seu

quintal:

Antes eu não podia ver nascer nada aí que eu ia e arrancava tudinho, punhava fogo

em tudo aqui no quintal. Só o que tinha valor era ver o aimpim aí plantadinho, com

tudo limpo. Agora eu já to deixando crescer umas coisas no meio, tem tomate, tem

abóbora, tem língua de vaca. Eu vou plantando e o que nasce eu deixo. Só não deixo

mato né? Que esse ninguém quer. Aí já to vendo melhorar umas coisas, to tirando

mais coisa do quintal, tá ficando legal, vamos ver no que dá. Tem que tentar né? Pé

que não anda não toma topada, então...vamo andando aí. (informação verbal14

)

Mesmo ainda realizando a capina em seu quintal, é muito claro o interesse da

assentada em tentar produzir algumas culturas de maneira consorciada. Denota que a mesma

vem acreditando que existem outras possibilidades de produzir que não somente o

monocultivo, e perceber a volta de policultivos nos quintais do Santa Maria são indicações

muito importantes sobre a retomada do processo de autonomia das famílias em relação à sua

produção. Ou seja, estão encorajados a experimentarem, a praticarem suas faculdades e seus

desejos de como produzir, não se restringindo a seguirem receitas e tentando fazer diferente.

14

Entrevista concedida à Rafael Sousa Rodrigues em 08 de agosto de 2013

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100

Fonte: próprio autor.

Figura 24. Policultivo simples em quintal do Assentamento. Mata de São João/BA – 2013.

Também a família do assentado J.F., que trabalha na área coletiva da produção, vem

tentando algumas experiências em seu quintal. Em entrevista, nos contou J.F. que, percebendo

um infestação de inseto na sua pimenteira, decidiu usar pela primeira vez o biofertilizante

produzido na comunidade através de um curso do Programa. Empolgado com os resultados,

J.F., diz que:

Você precisa ver como tava, toda pegada no bicho. Deu um bicho nela aí, que eu

nem sei o que era, sei que acabou com minha pimenta toda. Ficou seca, seca, não

tinha uma folha essa pimenteira. Aí eu peguei esse caldo aí, misturei em uma parte

pra vinte, fiz do jeitinho que vocês ensinaram, e aí joguei por cima dela e ia regando

um pouquinho também. Foi que foi, que pouco a pouco a pimenteira foi rebrotando,

nasceu todinha de novo. Semana passada eu tirei quase um litro de pimenta dela.

Tudo por causa daquela calda. Foi bem mesmo!! (informação verbal15

)

Na área de produção da família de J.F. também é possível perceber um alto grau de

integração produtiva, onde podemos percebe consórcios bastantes diversificados onde

crescem mais de cinco culturas por cada vez. O assentado também relata que antes era

acostumado a fazer queimadas, mas que agora está usando a capina para fazer composteiras

em seu quintal, reutilizando a matéria orgânica e reintegrando ao solo.

O processo mais rico de utilização de práticas agroecológicas dentro do Santa Maria

segue sendo percebido no espaço coletivo de produção. Passado um ano do início do processo

de construção das leiras, em Agosto de 2013 a horta contava com 14 das 21 famílias que

15

Entrevista concedida à Rafael Sousa Rodrigues em 09 de agosto de 2013

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residiam no Assentamento, e estava com 76 leiras prontas, sendo 38 plantadas e as outras já

adubadas e prontas para o plantio.

Fonte: próprio autor.

Figura 25. Pimenteira tratada com biofertilizante em quintal do Assentamento. Mata de São

João/BA – 2013.

Nestas 38 leiras em produção a comunidade estava plantando 23 tipos de vegetais,

muitas em sistemas de policultivo. Em todas as leiras eram feitas rotações de cultura, onde a

comunidade evitava repetir o mesmo plantio por vezes seguidas, denotando tratos adequados

ao manejo ecológico de solos. Interessante perceber que a comunidade havia elaborado uma

placa indicando a horta como uma horta agroecológica, placa que foi elaborada sem a

presença de qualquer extensionista do NEPPA.

Por ter encontrado inúmeras dificuldades em sua execução financeira, importantes

equipamentos previstos para implantação do Programa não foram executados, como a

aquisição da casa de farinha mecanizada, que deveria atender às quatro comunidades. Os

equipamentos referentes à construção da agroindústria de beneficiamento de frutas foram

adquiridos, porém, como os materiais necessários para construção dos viveiros não foram

comprados, não houve uma produção de mudas de frutíferas que vá dar vazão ao equipamento

a curto prazo.

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102

Fonte: próprio autor.

Figura 26. Placa da Horta Agroecológica. Mata de São João/BA – 2013.

Fonte: próprio autor.

Figura 27. Policultivo diversificado na Horta Agroecológica. Mata de São João/BA – 2013.

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103

Fonte: próprio autor.

Figura 28. Biofertilizante coletivo do Assentamento Santa Maria. Mata de São João/BA –

2013.

Fonte: próprio autor.

Figura 29. Área de Horta Agroecológica do Assentamento Santa Maria. Mata de São

João/BA – 2013.

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104

De fato o equipamento mais importante instalado pelo Programa no Assentamento

Santa Maria foi a Horta Agroecológica da comunidade. Mesmo enfrentando muitas

dificuldades de organização social, é ela ainda que tem sido o espaço de interação política da

comunidade. Com desavenças e convergências, tem sido um espaço educativo de importância

muito significativa para as pessoas que participam ou participaram dela, pois muitas práticas

têm sido incorporadas aos quintas e lotes. Pouco a pouco, a agroecologia vem se

transformando numa opção para o desenvolvimento rural do assentamento Assim,

compreendemos que a agroecologia no Assentamento Santa Maria passou a não se restringir

apenas ao espaço de produção coletiva e hoje faz parte da vida de muitas famílias.

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105

5. Considerações Finais

O estudo de caso que empreendemos nos colocou importantes questões a enfrentarmos

em processos de estudo e, sobretudo, de intervenção sobre a realidade que pudemos vivenciar

ao largo de três anos de trabalhos junto à comunidade. Porém, é importante termos

consciência de que a realidade que aqui tentamos discutir não diz respeito unicamente ao

Assentamento Santa Maria mas é também um retrato de como a questão agrária vem sendo

enfrentada pelo Estado.

Como pudemos perceber, a morosidade na resolução de problemas simples tem levado

à uma subversão da luta camponesa, que segue dependendo de relações de dependência ao

agronegócio para conseguirem se reproduzir na terra (re)conquistada. Daí pensarmos numa

territorialização parcial destas famílias, posto que não existe ainda um processo de autonomia

das famílias sobre a gestão e o planejamento do território onde irão produzir sua riqueza.

Essa territorialização parcial das famílias é percebida nestes dois territórios, i) no

território material, na medida em que o INCRA ainda não dividiu a propriedade em lotes

permitindo assim que as famílias iniciem uma produção que possam mantê-las na terra e ii) no

território imaterial, posto que a dependência tecnológica e financeira das famílias impede um

processo de desenvolvimento rural de base endógena. Estas duas variáveis se completam e, no

caso em estudo, se comunicam criando um círculo de dependência das famílias frente ao

Estado e ao agronegócio.

Compreendemos que o processo de territorialização plena do campesinato consiste na

reprodução camponesa em seu território de produção a partir do modelo de desenvolvimento

rural construído pelo próprio campesinato, e se dá quando a autonomia política/econômica

extrapola os limites geográficos das propriedades e a ganha a capacidade de ser a fonte de

reprodução social da vida das famílias camponesas. Para além de ter somente a terra, produzir

e se reproduzir a partir de um território camponês, tanto na garantia plena à soberania de seu

território material, como também no domínio da agroecologia enquanto território imaterial.

Assim, a questão agrária no século XXI transcende apenas a luta por terra e passa

também a compreender uma disputa acerca da hegemonia do modelo de desenvolvimento do

campo brasileiro. Nisso, não apenas a posse da terra surge como elemento importante a ser

superado, mas também a forma de produzir na terra passa a ter uma importância central na

disputa hegemônica entre duas concepções classistas de desenvolvimento rural: de um lado o

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106

modelo do agronegócio e de outro um modelo de desenvolvimento defendido pela classe

camponesa e seus movimentos sociais.

É certo que as ações do Programa de Formação de Tutores em Agroecologia tem

contribuído bastante para suscitar o debate em torno da agroecologia enquanto projeto político

para o campo brasileiro. Para além da questão unicamente produtiva, percebe-se claramente

uma crescente autonomia de diversas pessoas da comunidade em relação à produção dentro

do Assentamento Santa Maria.

Porém, é também preciso perceber que se trata de uma produção ainda muito pequena

e que ainda não tem capacidade de ser a fonte de renda necessária para que as famílias passem

a reproduzir suas vidas a partir deste trabalho. Portanto, é preciso observá-la como uma

experiência em agroecologia que necessita ser potencializada para que possa se tornar um

processo de transição agroecológica no sentido que defendemos aqui teoricamente: como uma

ação social coletiva que busque romper com o modelo predador do agronegócio.

Pensamos que através de um amplo e decidido processo de transição à agroecologia é

que se formam as bases para uma territorialização plenas das famílias assentadas. Para tanto,

deve ser igualmente firme a decisão dos atores envolvidos no processo de desenvolvimento

rural, sendo fundamental que NEPPA, ACC e MST concentrem seus esforços com o sentido

de ampliar a experiência do Santa Maria e das outras comunidades, colocá-las em permanente

relação dialógica para que as experiências de cada comunidade passe a se tornar movimento

de todas elas. O caminho do método Camponês a Camponês, que vem sendo tentado pelo

Programa pode trazer algumas importantes alternativas, como já demonstrou no período de

análise estudado aqui.

A transição agroecológica, mais que tudo, deve ser compreendida como um

movimento político que aponte a superação do atual estágio de dependência da agricultura

camponesa frente às grandes corporações da agricultura e ao Estado. Sobretudo, deve se

tornar o instrumento fundamental para a completude do permanente processo de

territorialização camponesa, sendo referência de luta pela terra e de luta na terra pela

soberania camponesa sobre a sua produção.

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107

6. Referências

A.J.. Depoimento concedido em oficina realizada em junho de 2012, no Acampamento

Recanto da Paz.

A.M.. Entrevista concedida à Rafael Sousa Rodrigues durante a realização do EIVI, em

Janeiro de 2011.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA - ABRASCO. Dossiê Um alerta

sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde. Parte 1. Rio de Janeiro, ABRASCO, 2012.

ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3ed.

São Paulo: Expressão Popular, Rio de Janeiro: As-PTA, 2012.

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– SR (05). Divisão Técnica –SR (05) T. Relatório Agronômico de Fiscalização. Imóvel:

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C.S.. Entrevista concedida à Rafael Sousa Rodrigues em 08 de agosto de 2013

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CAPORAL, Francisco Roberto. A extensão rural e os limites à prática dos extensionistas

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108

COSTA NETO, Canrobert. Relações entre o Agronegócio e Agroecologia no Contexto do

Desenvolvimento Rural Brasileiro. In: FERNANDES, B. M. (Org.). Campesinato e

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112

Anexo – Questionário sócioprodutivo

Serviço Público Federal

U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d a B a h i a

Pró-Reitoria de Extensão

QUESTIONÁRIO

Este questionário faz parte do Programa de Formação de Tutores em Agroecologia, o qual

cumpre a função de análise da realidade encontrada em campo onde está sendo recebido tal

programa, a fim de gerar subsídios para acompanhamento de implementação do programa.

O questionário é impessoal e deve ser aplicado juntamente com o maior número de membros

da mesma família, sendo aplicado um questionário para cada domicilio, ou família das

comunidades atendidas pelo Programa de Formação de Tutores em Agroecologia.

1. Quantas pessoas residem no domicilio?

___________________________________________________________________________

2. Dos residentes:

Faixa Etária Nível

Escolaridade

Trabalho no

núcleo familiar

produtivo

(dias/mês)

Trabalho fora do

núcleo familiar

produtivo

(dias/mês)

Recebe benefício

social (sim/não)

Faixa Etária: Recém-Nascido, Criança, Adolescente, Adulto e Idoso.

Nível de Escolaridade: Analfabeto, Alfabetizado, Ensino Fundamental I (até 4º serie), Ensino

Fundamental II ( 5º a 9º serie), Ensino Médio (2º grau) e Ensino Superior.

3. Qual a renda familiar? (Salário Mínimo (SM): R$ 626,00)

Menos de 1

SM

1 SM 1 SM a

2 SM

2 SM a

3 SM

3 SM a 4 SM 4 SM a 6 SM 7 SM a Mais de

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113

10 SM 10 SM

4. Da renda familiar, quanto é gerado a partir da produção na área?

0 % Até 25% 26% a 50%

51% a 75% 76% a 100%

5. Da alimentação familiar semanal, quanto é consumido a partir produção na área?

0 % Até 25% 26% a 50%

51% a 75% 76% a 100%

6. Você já teve acesso a crédito para a sua produção?

SIM NÃO

7. Você pretende ter acesso a crédito para a sua produção?

SIM NÃO

8. Qual (is) a (s) dificuldade (s) de acesso a crédito?

Não conhece meio de

acesso a crédito

Medo de

endividamento

Baixa capacidade

produtiva para se

pagar o empréstimo

Condições de

empréstimo

Ausência de

Assistência Técnica

9. Qual é a principal dificuldade?

___________________________________________________________________________

10. Você tem conhecimento de política de financiamento da agricultura familiar do

governo?

SIM NÃO

11. Você produz no lote?

SIM NÃO

12. Quantos itens você produz no lote?

Nenhum 1 a 3 itens 3 a 6 itens

7 a 12 itens Mais de 12 itens

13. Tem produção animal no lote?

SIM NÃO

14. Qual é finalidade da produção no lote?

Venda Consumo Próprio

15. Você produz no quintal?

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SIM NÃO

16. Quantos itens você produz no quintal?

Nenhum 1 a 3 itens 3 a 6 itens

7 a 12 itens Mais de 12 itens

17. Tem produção animal no quintal?

SIM NÃO

18. Qual a finalidade da produção no quintal?

Venda Consumo Próprio

19. Qual (is) é (são) a(s) dificuldade (s) na sua produção nas áreas?

Assistência Técnica Mão de Obra Acesso a crédito

Adubo Equipamentos Manuais

(Ferramentas)

Garantia da Safra

Semente Equipamentos

Motorizados

Escoamento / Mercado

20. Destas dificuldades, quais são as duas maiores dificuldades?

___________________________________________________________________________

21. Qual (is) tipo(s) de adubação que é (são) utilizada (s) em sua produção?

Adubo ‘químico’ Húmus Biofertilizante

Esterco Compostagem Adubação Orgânica (não

produzido na propriedade)

Adubação Verde

22. Destas, quais são as duas principais adubação?

___________________________________________________________________________

23. Quando você precisa de adubo, qual a forma de se conseguir?

Compra Doação

Produção Própria Distribuição Pública

24. E qual a principal forma de se conseguir?

___________________________________________________________________________

25. Você conhece alguma forma de produção de adubo?

Não Conheço Húmus Biofertilizante

Compostagem Adubação Verde

26. Sendo sim, por que não utiliza?

Sim, utilizo Não acredito na eficiência

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É trabalhoso Não tenho acesso a matérias primas

27. Quando você produz o adubo, este é o principal insumo da propriedade?

SIM NÃO

28. Quando você precisa de sementes, qual a forma de conseguir?

Compra Doação

Produção Própria Distribuição Pública

29. E qual a principal forma de conseguir?

30. Você conhece alguma técnica de produção de semente?

SIM NÃO

31. Sendo sim, por que não utiliza?

Sim, utilizo Não acredito na eficiência

É trabalhoso Não tenho acesso a matérias primas

32. Quando ocorre incidência de praga em sua produção, qual o modo de controle?

‘Químico’ Natural

33. Você conhece alguma forma de controle natural de pragas?

SIM NÃO

34. Sendo sim, por que não utiliza?

Sim, utilizo Não acredito na eficiência

É trabalhoso Não tenho acesso a matérias primas

35. Você beneficia quantos itens da sua produção?

Nenhum 1 2 a 3

3 a 5 5 ou mais

36. Quais são os itens que você beneficia?

37. Onde você faz o processo de beneficiamento?

Propriedade Terceiros Estruturas Coletivas

38. Qual o destino dos itens beneficiados?

Consumo Venda

Direta

Venda

Atravessador

Venda Institucional Troca Doação

39. Você tem produção para vender?

SIM NÃO

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40. Você vende sua produção?

SIM NÃO

41. De qual forma você vende sua produção?

Atravessador Venda Direta

Feira Venda Institucional

42. Qual (is) é (são) dificuldade (s) de escoamento?

Estrada Transporte / Frete Quantidade Insuficiente

Mercado Preço baixo Mercadoria com baixo

valor agregado

43. Você sabe que o governo tem políticas e programas de compra de alimento da

Agricultura Familiar?

SIM NÃO

44. Você conhece algum programa ou política pública de compra de alimento do governo?

SIM NÃO

45. Qual (is)?

______________________________________________________________

46. Você sabe o que é o DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf)?

SIM NÃO

47. Você possui o DAP?

SIM NÃO

48. Sua família recebe assistência técnica?

SIM NÃO

49. Quem oferece assistência técnica?

Grupos Parceiros Entidades Públicas Movimento Social

50. Qual (is) o (s) trabalho (s) realizado (s) pela assistência técnica?

Acesso a adubo / insumo / ferramentas Acompanhamento da Produção

Esclarecimento sobre as Políticas

Públicas

Organização do processo de trabalho